Criação Prov Rio Negro 1826-28

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7/21/2019 Criação Prov Rio Negro 1826-28 http://slidepdf.com/reader/full/criacao-prov-rio-negro-1826-28 1/16 137 Dividindo o Grão-Pará: os debates para a criação da província do Rio Negro na Câmara dos Deputados, 1826-1828 1 Dividing the Grão-Pará: the Debates on the Institution of the Rio Negro Province in the Imperial Chamber of Deputies , 1826-1828 Vitor Marcos Gregório Doutorando em História Econômica e mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (FFLCH/ USP – São Paulo/Brasil) e-mail: [email protected] Resumo O processo de ruptura política do Brasil com Portugal criou, na provínc do Grão-Pará, uma situação de indenição, a qual era necessário resolv Elevado ao status de capitania ainda no período colonial, e reconhecido como província pelas Cortes de Lisboa, o Rio Negro não constou entre unidades administrativas do Império na Constituição de 1824. Sua situa só seria denida em 1833, quando o Código Criminal nalmente o reba ao estatuto jurídico de comarca subordinada à província paraense. Aind antes desta conrmação ocial, começaram a surgir, no recém instalado Parlamento imperial, projetos que visavam devolver ao Rio Negro o sta de província, trazendo à tona questões importantes para o entendimento do funcionamento político e da organização administrativa do Império seus primeiros anos. Este artigo tem por objetivo analisar os debates em torno do primeiro destes projetos, apresentado pelo arcebispo da Bahia 1826, e discutido com mais profundidade dois anos depois. Espera, ass analisar os elementos que estavam em jogo no tocante à organização te torial do Império no conturbado início de sua existência política. Abstract The process of political rupture between Brazil and Portugal established the province of Grand Para a state of uncertainty that should have been faced. Elevated to the status of Capitania during the colonial period and recognized as a Province by the Cortes of Lisbon, Rio Negro was not inc among the Brazilian Empire administrative units under the 1824 Constitu tion. Its condition would be set only in 1833, when the Brazilian Crimina Code downgraded Rio Negro’s legal status to a judicial district subjected the Pará Province. Even before this ofcial conrmation began to appear the newly installed Brazilian Imperial Parliament projects to recover the Negro Province status, a movement that reveals some important aspects the Empire’s political and administrative organization in its early years. T article aims to examine the debates on the rst project with that objective presented by the Archbishop of Bahia in 1826 and discussed more deepl two years later. So the article tries to analyze the problem of the Empire t ritorial organization during the critical beginning of its political existence A lm ana ck . G ua ru lh os, n. 01 , p .1 37 -15 2, 1º s em es tr e 2 011 a rt ig os 1 Este artigo é parte de uma pesquisa nanciada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

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Dividindo o Grão-Pará: os debatespara a criação da província do RioNegro na Câmara dos Deputados,1826-1828 1Dividing the Grão-Pará: the Debates

on the Institution of the Rio NegroProvince in the Imperial Chamber ofDeputies , 1826-1828

Vitor Marcos GregórioDoutorando em História Econômicae mestre em História Social pelaUniversidade de São Paulo (FFLCH/USP – São Paulo/Brasil)e-mail: [email protected]

ResumoO processo de ruptura política do Brasil com Portugal criou, na províncdo Grão-Pará, uma situação de indenição, a qual era necessário resolvElevado ao status de capitania ainda no período colonial, e reconhecidocomo província pelas Cortes de Lisboa, o Rio Negro não constou entreunidades administrativas do Império na Constituição de 1824. Sua situasó seria denida em 1833, quando o Código Criminal nalmente o rebaao estatuto jurídico de comarca subordinada à província paraense. Aindantes desta conrmação ocial, começaram a surgir, no recém instaladoParlamento imperial, projetos que visavam devolver ao Rio Negro o stade província, trazendo à tona questões importantes para o entendimentodo funcionamento político e da organização administrativa do Império seus primeiros anos. Este artigo tem por objetivo analisar os debates emtorno do primeiro destes projetos, apresentado pelo arcebispo da Bahia1826, e discutido com mais profundidade dois anos depois. Espera, assanalisar os elementos que estavam em jogo no tocante à organização tetorial do Império no conturbado início de sua existência política.

AbstractThe process of political rupture between Brazil and Portugal established the province of Grand Para a state of uncertainty that should have beenfaced. Elevated to the status of Capitania during the colonial period andrecognized as a Province by the Cortes of Lisbon, Rio Negro was not incamong the Brazilian Empire administrative units under the 1824 Constitution. Its condition would be set only in 1833, when the Brazilian CriminaCode downgraded Rio Negro’s legal status to a judicial district subjectedthe Pará Province. Even before this ofcial conrmation began to appearthe newly installed Brazilian Imperial Parliament projects to recover the Negro Province status, a movement that reveals some important aspects the Empire’s political and administrative organization in its early years. Tarticle aims to examine the debates on the rst project with that objectivepresented by the Archbishop of Bahia in 1826 and discussed more deepltwo years later. So the article tries to analyze the problem of the Empire tritorial organization during the critical beginning of its political existence

Almanack. Guarulhos, n. 01, p.137-152, 1º semestre 2011 artigos

1Este artigo é parte de uma pesquisa nanciada

pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estadode São Paulo (FAPESP).

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Palavras-chaverepresentações políticas, poder legislativo, territorialidade, monarquia,debates parlamentares, Primeiro Reinado

Keywordspolitical representation, legislative power, territoriality, monarchy,parliamentary debates, First Reign

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O processo de ruptura brasileira com relação a Portugal trouxe à regiãoamazônica uma indenição de ordem administrativa. O território do RiNegro seria, uma vez declarada a independência, uma província autônocom administração e nanças próprias, ou uma comarca submetida à autoridade do governo recém instalado em Belém? Desta decisão dependa boa administração de um imenso – porém inculto – território, e a defede extensas fronteiras externas, que connavam com repúblicas tambémem processo de ruptura política, e com colônias de algumas das princippotências do século XIX – especicamente, Inglaterra e França.

Ainda no período colonial, o Rio Negro possuiu, durante muito tepo, administração própria, ainda que esta fosse subordinada à do Grão-Pará. Criada a capitania por carta régia de 3 de março de 1755, teve seugoverno estabelecido por Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmãdo marquês de Pombal, no início de maio de 1758. Foi designada para sua capital a aldeia de Mariuá, que nesta ocasião foi elevada à categoriade vila e rebatizada como Barcelos, em uma tentativa de “lusitanisar” adenominações de aldeias da região – na mesma época outras localidadeforam renomeadas, surgindo as vilas de Thomar, Moura, Serpa, Silves,São Paulo de Olivença, entre outras. O primeiro governador da capitanMello e Póvoa, nomeado pelo rei com os mesmos vencimentos dos govnadores da ilha de Santa Catarina e da Colônia do Sacramento.2 Preocu-pada com a vigilância das recém estabelecidas fronteiras com o Impériespanhol – acordadas pelo Tratado de Madrid de 1750 –, bem como coproximidade da colônia holandesa localizada na Guiana, a administraçãdo marquês de Pombal tomava medidas efetivas para ocupar e regularmelhor a região do rio Amazonas e de seus auentes.

Este cuidado voltaria muitos anos depois, em um contexto completamente diferente. Em 1 de outubro de 1821, um decreto conferiu maioautonomia à região, ao elevá-la à categoria de província juntamente com

todas as demais capitanias do Império português na América. Era um mmento no qual as Cortes de Lisboa procuravam organizar o novo sistempolítico que deveria vigorar a partir de então. Neste processo, o Rio Neganhou uma Junta Governativa leal à revolução, e foi convidado a envià Europa um representante com a missão de participar dos debates quedeniriam o futuro do Império lusitano.3

Declarada a independência, na Assembléia Constituinte discutiu-sstatus político deste território, quando contrastaram projetos que visavamantê-lo autônomo, e propostas que tencionavam subordiná-lo ao go-verno provincial do Grão-Pará. Por sua vez, a Constituição outorgada e1824, em seu artigo segundo, determinava que o novo Império brasileirseria dividido em províncias, “na forma em que atualmente se acha”. Co Rio Negro havia sido elevado a esta categoria ainda no período colone contara com um representante nas Cortes de Lisboa, imaginou-se queeste artigo garantia sua autonomia na nova ordem política que se inicia

Entretanto, um decreto imperial de 26 de março de 1824 viria mudesta perspectiva. Criado com o objetivo de denir a representação polítdas diversas províncias no novo regime, indicava o número de deputadque cada uma das unidades administrativas do Império deveria eleger pfazer parte do Poder Legislativo central. Contrariando as expectativas, Rio Negro não foi citado neste documento, e nem recebeu a nomeação

do presidente que seria responsável por sua administração. Permaneceuassim, sob a autoridade da Junta Governativa Provisória, criada no ato

2REIS, Arthur Cézar Ferreira.História do

Amazonas. Manaus: Ofcinas Typographicas deArthur Reis, 1931. p.107-110

3MEDEIROS, Vera B. Alarcón.Incompreensível

Colosso– A Amazônia no início do SegundoReinado (1840-1850). (Tese de doutorado).Faculdade de Geograa e História daUniversidade de Barcelona, 2006. p.261.

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adesão à independência, em 9 de novembro de 1823. Estabeleceu-se, dmodo, uma situação de completa indenição. Anísio Jobim busca explinão conrmação do Rio Negro como província, logo após a independênpela interceptação, em Belém, de toda a correspondência enviada do Ride Janeiro para aquela região. Desta forma, segundo este autor, não foipossível ao Rio Negro enviar representantes à Corte, quando da formaçda Assembléia Constituinte, cando seus habitantes privados de terem“mandatários que defendessem os seus direitos”4.

Em 1825, o ouvidor da Barra, Nunes Ferreira Ramos, interpretou anomeação de um presidente para o Rio Negro como uma prova de que aregião estava rebaixada à categoria de comarca do Grão-Pará, o que anuva a autoridade de Junta Governativa e o tornava a voz máxima em todaregião. Esta atitude gerou vários conitos, forçando o presidente do GrãPará, José Félix Pereira de Burgos, a dissolver a Junta Governativa e traferir a Câmara Municipal de Barcelos, antiga capital do Rio Negro, paraBarra, onde deveria assumir função governativa. Estas decisões seriam ptamente aprovadas pelo governo imperial ainda em 1825, e ocializadas1833, através da aplicação do Código do Processo Criminal – que alterodenominação da antiga capitania para Comarca do Alto Amazonas.5

A extinção do Rio Negro como província e sua subordinação ao Pfoi decisão tomada pelo Poder Executivo, já que o Legislativo não estafuncionando desde o fechamento da Assembléia Constituinte por D. PeI. Assim que o Parlamento voltou a se reunir, em 1826, a questão entrouna pauta dos debates dos deputados, tendo um desfecho apenas em 185quando foi criada a província do Amazonas. O objetivo deste capítuloé analisar a primeira fase destes debates, iniciada com a apresentaçãodo projeto do deputado Romualdo Seixas, em 1826, e encerrada com avotação de um pedido de adiamento proposto por Henriques de Rezendem 1833. Nestes debates emergiram questões importantes para a comp

ensão do funcionamento do sistema político do Império em seus primeros anos, e para a análise dos diferentes projetos de Estado existentes nParlamento, na abertura dos seus trabalhos. Ao envolver temas referentà organização territorial do novo país, adquirem, também, importânciadestacada para o entendimento do processo de formação do Estado nacnal brasileiro que então se iniciava, e que iria ocupar os administradoreimperiais durante todo o período de duração deste regime político.

Dom Romualdo e o primeiro projeto para criação da província do RioNegroEmbora ainda não tivesse alcançado toda a projeção que viria a ter poumeses depois, dom Romualdo Antônio de Seixas era um político inu-ente quando apresentou à Câmara dos Deputados o primeiro projeto pacriação da província do Rio Negro, em 27 de maio de 1826. Nascido emCametá, na província do Grão-Pará, em 1787, este eclesiástico logrou,desde cedo, alcançar postos de destaque na sociedade de sua províncianatal. Desta forma, foi eleito presidente da Junta Governativa em 1821e 1823, depois de ser nomeado por D. João VI, em 1809, cônego da séparaense e cavaleiro da Ordem de Cristo. Em 12 de outubro de 1826 senomeado arcebispo da Bahia, – cargo mais alto da Igreja Católica no pasendo sua escolha conrmada pelo papa Leão XII em 20 de maio de 18

Foi, ainda, eleito deputado geral pela província do Grão-Pará na primeie na quarta legislaturas, e pela província da Bahia na terceira e na quint

4JOBIM, Anísio.O Amazonas, sua história

(ensaio antropogeográco e político). São Paulo:Companhia Editora Nacional, 1957. p.140.

5MEDEIROS, Vera B. Alarcón.Incompreensível

Colosso ..., Op. Cit., p.262-263.

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legislaturas.6 O primeiro projeto para elevação à província da comarca doRio Negro era fruto, assim, da pena de uma das guras de maior relevosociedade paraense, que se valeu de sua posição destacada para tentar qse aprovasse, no Parlamento, uma medida que entendia ser benéca parsua região de origem.

Dom Romualdo não foi, entretanto, o único parlamentar a se pre-ocupar com a sorte da região amazônica, durante a primeira legislaturaNa mesma sessão em que apresentou sua proposta, José Ricardo da CoAguiar de Andrada, sobrinho de José Bonifácio e deputado pela provínde São Paulo, apresentou um projeto requisitando ao governo que enviao quanto antes, “naturalista e engenheiro de reconhecida aptidão” pararecolher informações e dados sobre a “vasta e fertilíssima porção do teritório do Império” formado pela província do Grão-Pará. O objetivo dmedida era possibilitar a formulação de estratégias mais ecazes para alerar o desenvolvimento daquela região, que estaria sofrendo com o esqcimento do governo imperial, segundo o deputado. Após ter seus termoampliados para a província do Maranhão – a qual formaria, juntamentecom o Grão-Pará, um conjunto de províncias “riscadas do mapa do Bra

nas palavras do deputado maranhense, Francisco Gonçalves Martins – bou sendo adiado por requerimento do deputado paulista, Nicolau Perede Campos Vergueiro. Para este parlamentar, políticas com essa amplitupoderiam ser adotadas apenas após concessão de informações mais ampor parte do governo central, para que, longe de serem restritas a apenaduas províncias, pudessem ser estendidas a todo o território do Império7

Durante o curto debate que antecedeu o adiamento, a propostade Costa Aguiar foi defendida por um grupo considerável de deputadosEste era formado, predominantemente, por representantes das províncidiretamente beneciadas pelo projeto, como dom Romualdo, representdo Grão-Pará. Francisco Gonçalves Martins, João Bráulio Muniz, Man

Odorico Mendes e Manuel Teles da Silva Lobo, – membros que formavdeputação completa da província do Maranhão – também se empenharna aprovação da proposta. Por outro lado, este grupo era composto também por representantes de províncias que pouco tinham a ver com o obda discussão, mas que concordavam com o argumento de que um maiodesenvolvimento da região amazônica contribuiria de várias formas pabem geral do país. Nesta situação estavam José Ricardo de Andrada, auda proposta; Raimundo José da Cunha Matos, deputado por Goiás; e Mcos Antônio Brício, representante do Ceará.8 Congurava-se, assim, umarazoável base de apoio a medidas que beneciassem a região norte do pe dom Romualdo Seixas procurou se valer dela para angariar simpatiasseu projeto de elevação do status jurídico da comarca do Rio Negro. Umadas formas pelas quais, segundo estes parlamentares, a medida propostbeneciaria o conjunto do Império, era através da possibilidade de melvigilância de suas fronteiras. Neste sentido, armou Cunha Matos:

A ilha de Marajó é a chave de todo o Amazonas, e uma vez, que um só pontoda parte do norte seja ocupado pelo inimigo, pode-se dizer, que o Império estátodo invadido. Marajó, Sr. Presidente, as obras de Marajó são as que defendem aprovíncias do Pará, do Rio Negro, de Goiás, Mato Grosso, e São Paulo, e há umafacilidade imensa de passar deste banco da parte do norte, e entrar por todo oImpério.9

6SACRAMENTO BLAKE, Augusto Victorino Alves.

Diccionario Bibliographico Brazileiro . Volume VII .Nendeln, Kraus-Thompson, 1969. p.154.

7Anais da Câmara dos Deputados, sessão de 27 de

maio de 1826, p.146-152

8Nos anais há menção, ainda, à fala de um depu-

tado, referido como “Sr. Dias”, favorável ao pro- jeto de envio de um naturalista e um engenheiropara a província do Grão-Pará. Entretanto, naprimeira legislatura, existiram dois parlamentaresque poderiam se encaixar nesta denominação,ambos representantes de Minas Gerais – JoséCustódio Dias e Custódio José Dias. Não foipossível determinar a qual destes dois deputadospertenceu este discurso.

9Anais da Câmara dos Deputados , sessão de 27 de

maio de 1826, p.148.

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Conseguir apoio para uma medida de caráter fundamentalmenteregional, como esta, não era tarefa fácil. Implicava um esforço no sentide convencer a maioria dos deputados de que a medida proposta estavaimbuída de um interesse que ultrapassava as barreiras da localidade. DoRomualdo certamente percebeu isto quando viu o projeto de Costa Aguser adiado sob a alegação de que deveria contemplar todo o território bsileiro, e não somente as províncias do Grão-Pará e do Maranhão. Assidefesa de sua proposta deveria ser construída com o objetivo de demontrar as vantagens que a criação da província do Rio Negro traria para too país, e não apenas para a região amazônica. Desta forma, percebe-se as razões apresentadas como indicativas da necessidade de se criar umcentro de governo no Rio Negro, bem como a descrição das diculdadepelas quais aquela região passava, vão ao encontro de objetivos especíque o governo central tentava alcançar em várias localidades do Impéri

Neste sentido, dom Romualdo começou seu discurso chamando aatenção para a escassez de população na comarca do Rio Negro. Era umidéia corrente no século XIX a teoria segundo a qual a condição básicapara o enriquecimento de qualquer país residia no aumento de sua popução. Fosse como mão-de-obra, fosse como mercado consumidor de gênproduzidos no país, ou como produtores de insumos agrícolas, a existênde uma população de dimensões – no mínimo – razoáveis, era apresentcomo condição essencial para o bom prosseguimento da tarefa de construção do novo Império brasileiro.10 Na região amazônica, esta questão sedesdobrava na necessidade de catequizar e civilizar o elemento indígenque constituía a parcela mais substancial de sua população:

Sr. Presidente, eu não me cansarei de repetir, que o Rio Negro se acha reduzido amais deplorável estado, especialmente no que diz respeito à população.

As famílias indianas (sic), que formam a parte mais preciosa dela, acossadas, e

perseguidas, andam dispersas, e tem fugido para os matos, que haviam deixado: toda a parte se apresenta aquele caráter de atrocidade e de perfídia, que praticaracom estes inocentes indianos (sic) os primeiros conquistadores do Novo Mundo11

Ao apresentar um quadro segundo o qual os índios fugiam ao mencontato com o branco, colocando-se a salvo de qualquer ação governa-mental através de seu apurado conhecimento das matas e rios da regiãodom Romualdo procurava sensibilizar seus interlocutores para as dicudades no cumprimento de uma das tarefas mais básicas para o desenvomento do país. Atribuiu esta realidade à “crueldade” de “ociais inferiocomandantes e governadores”, responsáveis por transformar toda aqueregião em um “vasto deserto”.

Da mesma forma que a população, o comércio do Rio Negro estardenhando, segundo o relato do deputado paraense. À falta de populaçque a animasse, somar-se-ia a “sórdida cobiça dos governadores”, capazes de qualquer coisa para defenderem seus monopólios, em prejuízo dpoucos comerciantes da região:

É superior a toda a expressão, Sr. Presidente, o descaramento com que muitos deNababos ou governadores tem ligado as mãos do comerciante, e do especulador,am de protegerem exclusivamente os seus próprios agentes ou caixeiros.12

A agricultura e a indústria da região também estariam em ruínas,

10É muito recorrente, durante os debates parla-

mentares ocorridos ao longo de todo o século, amenção ao problema da falta de população comoum dos maiores obstáculos enfrentados pelopaís. Essa diculdade era apresentada, por vezes,através da acusação da falta de mão de obrapara as tarefas econômicas mais rotineiras, comoa produção de alimentos de consumo básico –problema muito recorrente nos relatórios dos

presidentes de província do Grão-Pará. Por outrasvezes, era apresentada como falta do mercadoconsumidor necessário para animar determinadaatividade comercial – como ocorreu nos debatessobre a navegação a vapor do rio Amazonas eseus auentes. A partir de meados do século, co-meçou a ser apresentada em termos da escassezde mão-de-obra para a grande lavoura, originadada lei de proibição do tráco de escravos, de1850.

11Anais da Câmara dos Deputados , sessão de 27 de

maio de 1826, p.153.

12Ibidem.

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ainda que suas matas e rios constituíssem “os germens da mais sólidaprosperidade”. A situação, portanto, era desesperadora, e para remediá-dom Romualdo propunha uma única medida: a elevação do Rio Negro província independente do Grão-Pará. Justicava sua proposta armanque, enquanto isto não ocorresse, o governo paraense jamais poderia adnistrar como deveria uma região tão remota. Da mesma forma, freqüenmente ocorria – segundo o deputado – de o governo paraense embaraçapor ciúmes, medidas benécas adotadas pelos administradores da comaquando estes eram bem-intencionados. Quando, ao contrário, eram malintencionados, o mesmo governo se mostrava indiferente, o que semprecausava inúmeros sofrimentos à população do Rio Negro.

Ah! Sr. Presidente, quanto são desgraçados os povos, que vivem longe da sede dImpério! Bem o conhecia o abade Reynal, quando atribuiu a um destes depositárdo poder, esta insolente linguagem: Deus está bem alto, o Imperador está bem loe eu estou aqui. Com a seção, o presidente olhará para a nova província como coprópria, de que só ele será responsável.13

Uma vez separada a comarca do Rio Negro do Grão-Pará, caberiaapenas ao presidente da nova província promover o bem da população sua jurisdição. Neste sentido, se obrasse, bem teria satisfeito seu própriinteresse, já que prestaria contas diretamente à Corte. Por outro lado,se não cumprisse com suas obrigações, seria por isso responsabilizado,não poderia se desculpar armando que fora embaraçado em suas açõepelo governo paraense. Ora, a proposta de dom Romualdo implicava emuma centralização administrativa, na medida em que visava aproximar administração do Rio Negro das instâncias superiores do governo centrfacilitando sua supervisão e, portanto, tornando mais efetiva sua admintração. Uma vez criada a nova província, os problemas apresentados seresolvidos, já que causados pela enorme distância com relação ao centrde poder, em Belém, e pelo desinteresse do governo paraense em bemadministrar a sua longínqua comarca. Esse argumento seria retomado adepois, por um gabinete saquarema e por deputados conservadores quecontavam com ampla maioria no Parlamento, e que souberam utilizar aidéias de dom Romualdo para retomar a defesa de seu projeto, já amplamente reformulado. Foi utilizado, também, para defender a emancipaçãda comarca de Curitiba, projeto que, possivelmente, não era sequer cogdo pelo eminente deputado paraense.

Uma vez justicada sua proposta, dom Romualdo ofereceu à consderação da Câmara um projeto composto por quatro artigos. No primei

previa a separação da comarca do Rio Negro, que seria transformada emprovíncia de segunda ordem14, nos termos da lei de 20 de outubro de 1823.No segundo, exigia do governo central a tomada de medidas junto a Ropara a criação de uma prelazia na nova província, desanexando-a, assimda diocese do Pará. No terceiro, previa que, enquanto a nova província tivesse condições de se manter nanceiramente, deveria receber o auxíanual de doze contos de réis da província do Maranhão. E, no quarto argo, previa que a capital da nova província seria localizada na Barra do Negro, que a partir de então seria elevada aostatus de cidade.15

Apesar de previamente defendido por dom Romualdo de Seixas, oprojeto não entrou rapidamente na ordem do dia. Teria que esperar por parecer da comissão de estatística, que só seria apresentado em novemb

13Ibidem, p.154.

14Não há, na legislação que regula a organizaçãoprovincial, qualquer menção à hierarquizaçãodestas emordens . Não obstante, nos projetos edebates que tratam da criação da província doRio Negro e, mais tarde, do Amazonas, o termo“província de segunda ordem”aparece algumasvezes, provavelmente se referindo às unidadesadministrativas de importância secundária, seconsiderada no conjunto do Império. Ao longodeste texto, portanto, o termo foi transcritoconforme e somente quando enunciado pelosatores da época, em caráter de citação literal.

15Anais da Câmara dos Deputados , sessão de 27 de

maio de 1826, p.153-154.

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de 1827, permitindo o início dos debates. A partir de então, passou a sealvo de acirradas discussões entre seus defensores e seus opositores. Dembates surgiram questões importantes para o entendimento dos dife-rentes projetos de Estado nacional que, então, conviviam na Câmara doDeputados.

Os debates de 1828: diferentes projetos de Estado se encontram no RioNegroApresentado o parecer da comissão de estatística, – através de um novoprojeto de criação da província do Rio Negro – em 15 de novembro de1827, este foi colocado na ordem do dia apenas na sessão de 13 de maide 1828, seis meses após sua formulação, e quase dois anos após a apresentação do projeto original. Os artigos que teriam de ser debatidos nãoeram mais aqueles, apresentados por dom Romualdo em 1826. Tratavaagora, de um documento constituído por quatro dispositivos, que sim-plicavam consideravelmente a proposta inicial. Assim, o primeiro artideterminava a criação da província do Rio Negro, compreendido por toterritório da comarca de mesmo nome. O segundo previa que a capital

nova província seria a vila da Barra do Rio Negro, que seria elevada a cdade e teria seu nome alterado para São José da Barra. No terceiro artigcava determinada a criação dos cargos de presidente, comandante milos relativos a uma junta da fazenda, a um conselho geral e a um conselhadministrativo, sendo que todos teriam os vencimentos equiparados aodas demais províncias de segunda ordem. Finalmente, o quarto artigorevogava as disposições em contrário.16

O início das discussões, entretanto, dicilmente poderia ocorrer emmomento pior. A Guerra da Cisplatina, iniciada em 1825, estava em seumomentos nais e, após consumir enormes somas do Tesouro Geral dute quase três anos, prometia um resultado nada favorável ao Império. Odesempenho das tropas brasileiras ao longo de todo o combate não havconseguido se sobrepor ao das tropas das Províncias Unidas do Rio da ta. Estas, por sua vez, também não haviam logrado alcançar uma situaçde clara vantagem em campo de batalha, congurando uma situação deimpasse que prolongava o conito e, conseqüentemente, aumentava osdesfalques na já combalida reserva nanceira do nascente Estado brasileiro. A solução para isso seria uma paz negociada em agosto de 1828, Rio de Janeiro, com intermediação da Inglaterra. Por esse tratado, BrasProvíncias Unidas reconheciam a antiga província Cisplatina como Estindependente, nascendo, assim, a República Oriental do Uruguai. A liv

navegação dos rios da bacia Platina também cava garantida, atendendinteresses tanto da Inglaterra, quanto do Brasil.17

Desta forma, a situação nanceira do Império – que já era gravegraças aos gastos com o conito – tornar-se-ia ainda pior, com a perda rendas provenientes do lucrativo porto de Montevidéu, porta de entradatodo o comércio da região platina, ao lado de Buenos Aires. Nestes terma apresentação da criação da província do Rio Negro como uma medidinteresse nacional tornava-se tão fundamental quanto seria difícil, já quos cofres públicos estavam sem dinheiro, e a criação de uma nova unidadministrativa demandaria novas despesas. E o grupo formado por seusdefensores, como dom Romualdo Antônio de Seixas, deputado pelo Pa

Raymundo José da Cunha Matos, eleito por Goiás; José Lino Coutinhorepresentante da Bahia; Antônio Francisco de Paula e Holanda Cavalca

16Idem, sessão de 15 de novembro de 1827, p.210.

17BANDEIRA, Luís Alberto Muniz.O expansionismo

brasileiro e a formação dos Estados na baciado Prata – da colonização à Guerra da TrípliceAliança.Brasília - São Paulo: Ed. UnB – Ed.Ensaio, 1995. p.65-80.

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de Albuquerque, o futuro visconde de Albuquerque e um dos políticos destacados do Império; Luís Francisco de Paula Cavalcanti de AlbuqueFrancisco de Paula de Almeida e Albuquerque – todos membros do podso clã oriundo de Pernambuco, e deputados por aquela província; Francde Paula Sousa e Melo, eleito por São Paulo; e Antônio Augusto Montede Barros, representante de Minas Gerais, tinha exata noção disso. E prcurou orientar seus principais argumentos a esta nova realidade, ainda nclaramente delineada em 1826, data da primeira apresentação do projet

Assim, a primeira questão que dom Romualdo, secundado por LinCoutinho, apresentou em defesa do projeto foi a necessidade de melhordefesa das imensas fronteiras externas do Rio Negro, como uma estratépara evitar agressões estrangeiras:

(...) sabemos que estas províncias se limitam com Colômbia e outros Estados daAmérica, não é justo que deixemos as nossas fronteiras sem defesa, e parece-meque até para defesa do território devemos elevar a comarca do Rio Negro a umaprovíncia.18

Esta tarefa já era naturalmente difícil por conta da geograa da regi– marcada por espessa oresta e inúmeros e caudalosos cursos de água –esta diculdade era aumentada, ainda, pela imensa distância com relaçãocentro de poder mais próximo (a cidade de Belém, capital do Grão-Pará)pelo descaso dos governantes desta província com a situação no Rio Neg19 O envio imediato de soldados, vigiados por uma autoridade mais próximresponsável, seria a solução perfeita para remediar este problema.

Mas, qual seria esta autoridade? A Constituição de 1824 determi-nava que as tropas estacionadas nas diferentes províncias deveriam casob controle de um comandante de armas, nomeado pelo governo centre supervisionado, por sua vez, pelo presidente de província. E o projeto

criação da província do Rio Negro tinha previsto, em seu artigo terceirocriação deste cargo público, juntamente com outros. Mas não seria nadfácil fazer com que a maioria da Câmara concordasse com a nomeaçãocomandantes de armas para a nova unidade administrativa. Isto porquemesmo os deputados que defendiam o projeto e trabalhavam para suaaprovação, eram unânimes em acusar abusos e crueldades perpetradaspelos titulares deste posto em outras localidades.

Neste sentido, Holanda Cavalcanti apresentou, logo no início dasegunda discussão, uma emenda para que o terceiro artigo fosse suprimisob alegação de que a Constituição já havia determinado quais seriam oscargos públicos a serem exercidos em todas as províncias do Império. Mmesmo aceitando a necessidade de um comandante militar para vigiar astropas que, necessariamente, teriam de ser estacionadas no Rio Negro, o putado pernambucano não apenas concordou com o fato de que este cargestava sendo exercido tiranicamente em outras localidades, como procurculpar a conivência dos presidentes de província por este comportamento

Que é um comandante mesmo na nossa legislação? Ele é inteiramente sujeito aopresidente e se tem feito arbitrariedades é por culpa dos presidentes que não ossuspendem.

Comandante militar não é nada, os presidentes, que querem ser os herdeirosdos capitães generais, são os culpados de todas as desordens; suspenda-se umcomandante, remeta-se para a Corte e faça-lhe processo que eles andarão direito

18Anais da Câmara dos Deputados , sessão de 13 de

maio de 1828, p.72.

19Idem, sessão de 17 de maio de 1828, p.93-95.

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o comandante é restrito à disciplina do seu corpo, não tem nenhuma ignorância nadministração pública.20

Opinião semelhante foi expressa por Bernardo Pereira de Vasconclos, grande opositor do projeto em discussão. Para ele, o cargo de comadante de armas deveria ser suprimido apenas se casse denido que nanova província – com cuja criação ele não concordava – não existiria qquer tropa armada. Porque, caso estas existissem, a não nomeação de ucomandante militar para cheá-los concentraria mais poder nas mãos dpresidentes de província, o que provocaria resultados ainda mais funest

Mas hoje ninguém quer estar sujeito à espada do presidente; em época desgraçadquando se queria oprimir alguma província, mandava-se o presidente reunir aautoridade do comandante militar; desordens, perseguições, etc., eram as funestaconseqüências de tão abominável medida.21

A solução que este parlamentar propunha era a criação de uma leique punisse os comandantes militares diretamente, sem que fosse neces

ria a intervenção do presidente de província para isto. Para o deputado Minas Gerais, a culpa dos problemas que as províncias estavam enfrendo com seus comandantes de armas era do ministério anterior, que os hvia desobrigado de algumas obrigações para com os presidentes, e destque não haviam representado contra esta medida.

Assim, as acusações e ataques contra os comandantes de armastornaram-se uma das poucas unanimidades em todo o debate. Ninguémaceitava que, uma vez criada a nova província, esta casse desprovida tropas militares que zelassem pela sua segurança e a de suas fronteiras.Mas, ao mesmo tempo, mesmo os que concordavam com a necessidadese criar um posto de comandante para estes soldados eram enfáticos emseus discursos, chamando a atenção para os abusos constantes cometidopor esta autoridade em todo o país, e buscando explicações e soluções pesse problema. Desta forma, o deputado pelo Ceará, José Gervásio Queroz Carreira, concordou com Vasconcelos, e propôs a criação de leis mseveras tanto para os comandantes militares quanto para os presidentesde província, resolvendo, assim, as confusões de jurisdições entre os domotivo de grande parte dos problemas relatados, no seu entender.22 JáCunha Matos preferiu apontar, como causa dos abusos cometidos peloscomandantes militares, o inchaço de seus estados-maiores, formados ppessoas ociosas e, muitas vezes, de graduação militar superior a dos seucomandantes. Essa situação criaria, segundo o deputado goiano, as condições propícias para que ocorressem insubordinações, revoltas e mesmgolpes para deposição dos comandantes de armas:

Quando eu fui nomeado governador das armas da província de Goiás, perguntanse-me se não pedia ajudante de ordens, respondi que não queria inimigos ao pé dmim, e com efeito os maiores inimigos dos generais, e todos os comprometimendestes, procedem ordinariamente dos ajudantes de ordens que quase sempre estãociosos e a criticar dos seus generais!23

Almeida e Albuquerque, por sua vez, procurou na própria naturezdo cargo a raiz do problema, uma vez que, para o deputado pernambu-cano, era inerente a qualquer militar o não aceitar ordens de civis ou de

21Ibidem.

22Ibidem, p.11.

23Ibidem, p.12

20Idem, sessão de 2 de junho de 1828, p.10.

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militares de graduações inferiores. Esta situação, comumente criada coas constantes nomeações do governo central, fazia com que os presidennão punissem os comandantes sob sua autoridade, por receio de provocrupturas políticas na província, acarretando resultados catastrócos.24

Em suma, os deputados que aceitavam a criação do cargo de co-mandante de armas na nova província argumentaram, principalmente, qeste cargo seria imprescindível para garantir a ordem entre os militaresresponsáveis pela segurança de um imenso território, dotado de fronteiexternas de iguais proporções. Os que se opunham, argumentavam comos seguidos abusos cometidos pelos titulares de várias províncias, e comgasto excedente necessário para criar e manter este posto público. Defemilitarversus diculdades nanceiras. Confrontavam-se nos debates sobro extremo norte do Império duas faces de um mesmo problema enfrent– até então sem sucesso – pelo governo central no extremo sul. Surgiamnas discussões, desta forma, questões que transcendiam o tema da cria-ção da província do Rio Negro, mas que diziam respeito à visão de alguparlamentares sobre a organização administrativa e militar do Império.Estas questões tomariam cada vez maior vulto, e seriam objeto de reforprofundas depois da abdicação de D. Pedro I, em 1831.

De fato, a falta de recursos nanceiros enfrentada pelo Império em1828 foi o principal argumento utilizado pelos deputados que se opu-nham à criação da província. Pereira de Vasconcelos apontou esta ques já no primeiro dia de debates. Para este deputado, a criação de cargospúblicos como presidente de província, secretário, governador de armae conselheiros provinciais, – entre outros necessários para o estabeleci-mento da nova unidade administrativa – provocaria aumento nas despedo Império justamente no momento em que havia menos recursos parapagá-las. A comarca do Rio Negro não teria meios para responder a estgastos, e os mesmos teriam de ser saldados pelas demais províncias, já

sobrecarregadas de tributos.25 Ao defender esta posição, o deputado porMinas Gerais deixava claro, mais uma vez, os termos em que se colocadebate. Não bastava a demonstração de que a criação da província do RNegro beneciaria aquela região, levando o progresso e o desenvolvima uma área até então praticamente abandonada. Era preciso comprovarque esta medida beneciaria a todo o país, uma vez que seria do conjundas províncias que sairiam os recursos necessários para a manutenção dnova unidade administrativa.

Esta questão representava o resultado do processo de maturação dprojeto original, apresentado em 1826. No documento oferecido à con-sideração do Parlamento por dom Romualdo Seixas, estava previsto quenquanto a nova província não tivesse meios para se manter, o Maranhcaria obrigado a conceder uma pensão anual de doze contos de réis pasuprir suas necessidades mais urgentes. No período de um ano e meio eque esta proposta permaneceu submetida à comissão de estatística daCâmara dos Deputados, este dispositivo foi suprimido, deixando no prouma lacuna bastante signicativa. Além de convencer a Assembléia Gede que a criação de uma nova unidade administrativa na região amazôncompensaria o esforço político que uma decisão dessas dimensões requria, tornava-se necessário, também, convencê-la de que valeria a penaempenhar os já minguados recursos do Tesouro Geral em tal medida. N

contexto em que estava mergulhado o Império brasileiro em meados de

25Anais da Câmara dos Deputados , sessão de 13 demaio de 1828, p.73.

24Ibidem, p.13-14

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1828, estava claro que esta não seria uma tarefa simples.O deputado pelo Rio de Janeiro, Manuel José de Sousa França, fo

incisivo em sua oposição:

Votarei pelo adiamento, este projeto na minha opinião nada merece, e além dissopreciso examinar se há meios para se fazerem essas despesas; o Pará não os temcomo se vê pelo décit que há naquela província. Demais, até não sei que bemproduzam aos povos um presidente, um déspota militar, etc.26

Outras regiões já teriam sido contempladas com a criação de umaparato administrativo provincial, sem que tivessem tirado qualquervantagem disso. Para o deputado, Santa Catarina e Espírito Santo seriadois exemplos, já que possuíam ostatus de províncias e, mesmo assim, nãoconseguiam alcançar níveis de desenvolvimento satisfatórios. Desta fora criação da província do Rio Negro congurar-se-ia em mais um pesopara a população daquela região, pelo qual o conjunto do Império teriapagar, sem ter meios para isto.27

Cabia aos defensores do projeto mostrar que esta linha de raciocínestava equivocada. Holanda Cavalcanti, deputado por Pernambuco, prorou fazê-lo demonstrando que, ao contrário do que estava sendo proposna Assembléia, as províncias do norte não representavam um peso parananças do Império:

É preciso, senhores, que nos convençamos de que as províncias do norte não têmfeito ao Império esse peso que se inculca; o famigerado empréstimo de Londres foi dissipado com as despesas que se zesse em benefício dessas províncias; de ainda se não sacaram letras sobre o tesouro do Rio de Janeiro; antes daqui muitatêm sacado sobre essas províncias, que podem muito bem fazer todas as despesasua administração; do Maranhão tem o Pará recebido suprimentos; mas esta provcia pode pagá-los, e não há de ir ao tesouro do Rio de Janeiro em seu socorro.28

Dom Romualdo, por sua vez, preferiu argumentar, em primeiro lugque as despesas que seriam criadas com a nova província não seriam tãograndes como se queria fazer crer. Para diminuí-las ainda mais, o deputaparaense armava que a criação de uma junta de fazenda – apontada coma instituição mais dispendiosa de uma província – seria dispensável, poddo o controle das nanças da nova unidade administrativa continuar a serealizado por um provedor, como tinha sido até então. Desta forma, alémde ser de pouca monta, os gastos que o conjunto do Império teria com amedida seriam amplamente compensados pelas vantagens que este colhdo maior desenvolvimento da região amazônica. E, além de tudo, seriamtemporários, já que a criação de um centro de poder no Rio Negro faria que todo o seu potencial econômico - até então desperdiçado - fosse aprveitado, tornando a região auto suciente em muito pouco tempo.29

Cunha Matos, nalmente, procurou se valer de sua posição de re-presentante da província de Goiás para, utilizando-se de uma comparaçdireta, opor-se ao argumento da falta de rendas da nova província comoum grande obstáculo para sua criação:

(...) disse o ilustre deputado que esta província está muito pobre, Sr. Presidente, o Rio Negro está muito pobre para ser província, então também temos outras quesão, tal é a de Goiás e Mato Grosso que não têm meios para sua sustentação, (...)30

26Ibidem.

27Anais da Câmara dos Deputados, sessão de 17 de

maio de 1828, p.93.

28Ibidem.

29Ibidem, p.94.

30

Anais da Câmara dos Deputados, sessão de 13 demaio de 1828, p.73

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Com esta idéia, procurava mostrar que existiam outras razões quepoderiam levar à criação de uma nova unidade administrativa no Impé-rio. A grande distância com relação ao centro de poder mais próximo, aexistência de extensas fronteiras externas pouco vigiadas, e a presença índios selvagens em grande quantidade – congurando um considerávepotencial em mão de obra – certamente seriam algumas destas razões.

Existiram, também, propostas alternativas ao projeto em debate.Estas procuravam conciliar o melhor dos dois campos argumentativos,aceitando que a situação nanceira do Império era gravíssima, – o querecomendava que não se aumentassem demasiadamente suas despesas– ao mesmo tempo em que não abriam mão da criação da província doRio Negro e, mais amplamente, da realização de uma nova organizaçãona subdivisão do território nacional. Representavam, assim, uma tentatde conciliar propostas antagônicas, em um exemplo de como podiam sdesenrolar as negociações no âmbito parlamentar do Império.

Neste sentido, José Lino Coutinho, representante da Bahia, fez umproposta que, embora não tenha sido apoiada explicitamente por maisnenhum deputado, demonstrava a intenção de facilitar a aprovação daprovíncia do Rio Negro através da remoção do principal obstáculo apresentado por seus opositores. Assim, o deputado apresentou, inicialmenenorme extensão territorial da comarca e sua numerosa e variada riqueznatural como um argumento forte para justicar sua elevação ao statusde província. Em seguida, aceitou o fato de que, mesmo com este enormpotencial econômico e social, o Rio Negro não possuía, ainda, os meiosucientes para se manter enquanto província.31 Como solução para esseimpasse, o deputado baiano apresentou uma emenda que previa o retordo projeto para a comissão de estatística, para que esta o reformasse. Aidéia mestra dessa reformulação deveria ser a criação de uma provínciacom aparato administrativo simplicado, com menos instituições e carg

públicos do que as províncias comuns.32 Desta forma, ao mesmo tempoem que seria prevenido o aumento excessivo das despesas que o TesouGeral teria com a medida, evitar-se-ia, também, que fosse criada mais u junta de fazenda “qual a dessas outras [províncias], que sofrem tão granagelo pela confusão de suas ordens e provisões”, e mais um governadde armas, que teria como objetivo principal “lá ir [ao Rio Negro] fazer mesmo que têm feito o do Ceará”.

Ainda que tentasse conciliar opiniões discordantes acerca da criaçda província do Rio Negro, a proposta de Lino Coutinho se via frente aobstáculo que acabaria por tornar inviável sua realização: a Constituiçãdo Império. Paula Sousa, deputado por São Paulo, foi o primeiro a chamatenção de seus colegas para este ponto:

Disse um Sr. deputado que a comissão deve marcar a forma de governo; isso estámarcado na Constituição; presidentes, comandantes de armas, etc., são coisas qunão podemos dispensar, porque as ordena a Constituição; outras há que se podemtirar, e isso é objeto da segunda discussão.33

José Custódio Dias concordou com esta colocação, ainda que pondrasse não ser esta, talvez, a melhor ocasião para se discutir a criação de unova província no Brasil.34 A Constituição surgia, assim, como o limite má-ximo ao qual os parlamentares podiam chegar na proposição de suas idé

31Idem, sessão de 13 de maio de 1828, p.72 e 73.

32Idem, sessão de 17 de maio de 1828, p.91.

33Ibidem, p.92.

34Ibidem.

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Nada poderia ir contra suas disposições, a menos que se iniciasse um lone penoso processo de reforma, que, inclusive, seria iniciado em breve, mnão graças ao Rio Negro. A emenda de Lino Coutinho foi, assim, rejeitamesmo instante em que o projeto passava à segunda discussão.

Outra proposta alternativa foi apresentada pelo representante deMinas Gerais, Antônio Augusto Monteiro de Barros, antes mesmo que iniciassem os debates acerca do projeto apresentado pela comissão deestatística. Segundo sua emenda, todos os projetos sobre criação de províncias e vilas no Império deveriam ser reunidos e discutidos como um35 Posteriormente, este deputado acabaria confessando sua posição de franapoio à criação da província do Rio Negro, o que permite descartar suaemenda como uma possível tentativa de dicultar sua aprovação.

Entretanto, não foi assim que seus colegas interpretaram a propostCunha Matos, Dom Romualdo e Lino Coutinho se opuseram prontameproposta, justicando que,

(...) se nós ajuntarmos em um só projeto todas as indicações e propostas que se tapresentado nessa casa para criação de vilas e elevação de arraiais a julgado, enté que seria um nunca acabar.36

Ademais, Lino Coutinho acrescentou que a criação de províncias vilas eram duas coisas diferentes e, portanto, não poderiam ser discutidconjuntamente.

Com este argumento concordou Pereira de Vasconcelos, um dos mares opositores da elevação da comarca do Rio Negro, em 1828. Entretantmais tarde ele armaria estar inteiramente de acordo com a união de todoos projetos de criação de províncias em um só, desde que, deste, se excluíssem as propostas de elevação de vilas.37 Outro que apoiou a emenda deMonteiro de Barros foi o deputado paulista Paula Sousa, argumentando q

seria melhor que se discutisse de uma só vez um projeto amplo de reorganização territorial do Império. Anal de contas, segundo o deputado, “seformos a fazer um projeto para cada província, nada fazemos”38.

O deputado Luís Paulo de Araújo Bastos, por sua vez, se colocou uma posição singular no debate. Signatário do parecer da comissão deestatística que recomendava a elevação à província da comarca do RioNegro, o representante da Bahia subiu à tribuna para declarar sua oposiá medida. A justicativa para tão insólita posição foi a crença de que o jeto não entraria tão cedo em debate, o que o convenceu a votar por elecomissão. No plenário, o futuro visconde de Fiais argumentou com a fade “estabelecimentos precursores à sua elevação a província” como caude sua oposição. Assim como havia feito Cunha Matos anteriormente,Araújo Bastos também se valeu de sua posição de representante da Bahpara tecer uma comparação com o objetivo de fortalecer sua posição:

Nem obstam as razões que se têm produzido em contrário [ao adiamentodo projeto], citando-se a sua grande população e os males que sofre da suadependência do Pará; tudo isso assim é, mas outras comarcas estão em idênticascircunstâncias e entretanto sobre elas nada se diz.

Citarei para exemplo a comarca de Jacobina na província da Bahia, que bem meser elevada à província; mas deve ser por um plano geral que o mesmo decida arespeito de todas as comarcas que se acharem nas mesmas circunstâncias.39

35Anais da Câmara dos Deputados, sessão de 13 de

maio de 1828, p.72.

36

Ibidem.

37Anais da Câmara dos Deputados, sessão de 17 de

maio de 1828, p.92.

38Idem, sessão de 13 de maio de 1828, p.73.

39Idem, sessão de 17 de maio de 1828, p.92-93.

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Araújo Bastos lembrava a todos que, se uma medida de alcanceregional fosse aprovada pela Assembléia, isso faria com que todas as regiões em circunstâncias iguais ou parecidas tivessem o direito de requeo mesmo. Na situação de penúria nanceira enfrentada pelo país, não édifícil perceber que isso inviabilizaria completamente a sobrevivência dnascente Estado nacional brasileiro.

Ainda que tivesse recebido mais apoio do que Lino Coutinho, Moteiro de Barros acabou retirando sua proposta de emenda, ao perceber qa mesma estava prejudicando a aprovação do documento original. Estadecisão acabou abreviando os discursos posteriores, e a criação da provcia do Rio Negro foi aprovada, em primeira discussão – a que decide soa conveniência da medida a ser adotada – na sessão de 17 de maio de1828.40 Restava, agora, discutir o projeto artigo por artigo, de forma a qupropostas de alteração pudessem ser apresentadas e debatidas. Os discusos proferidos nesta fase da deliberação foram consideravelmente maiscurtos, restringindo-se à sessão de 2 de junho de 1828.

Neste dia, as falas versaram, exclusivamente, sobre o terceiro artigdo projeto, que previa a criação dos cargos de presidente, comandantemilitar, os relativos a uma junta da fazenda, e a um conselho geral e umconselho administrativo. Por alguma razão o primeiro artigo entrou emsegunda discussão apenas na sessão de 29 de abril de 1833, – quase cinanos depois do terceiro – apenas para ser rapidamente adiado, atenden-do a requerimento do deputado pernambucano na segunda legislatura, Venâncio Henriques de Rezende.41 Eram outros tempos, D. Pedro I já haviaabdicado e o Ato Adicional – que modicaria fundamentalmente a formpela qual as províncias se relacionavam com o centro do Império – estaem seu processo decisório. A proposta de adiamento de Rezende dividifortemente a Câmara42, mas isso não impediu que, ao nal do processo,a criação da província do Rio Negro tivesse de esperar até 1839 para se

novamente considerada entre os deputados.Nos discursos proferidos na segunda discussão, a idéia onipresentfoi a necessidade de se diminuir, ao máximo, os gastos provenientes dacriação da nova província. Com esta necessidade todos concordaram, tdefensores quanto opositores da proposta. Assim, dom Romualdo, comvisto acima, foi um dos principais defensores do cancelamento da criaçda junta da fazenda, como medida de economia e como forma de agiliznova administração.43 Foi seguido por Cunha Matos, outro grande defensoda proposta, que apresentou emenda neste sentido44. Da mesma forma,como visto acima, uma das discussões que mais agitou estes debates foproposta de supressão do cargo de comandante de armas, unanimemenapontado como fonte de abusos em outras províncias do Império. LinoCoutinho, por sua vez, foi ainda mais longe, e apresentou emenda quecancelava a criação dos conselhos geral e administrativo. Sua proposta atacada por quase todos os deputados que subiram á tribuna, – entre eleHolanda Cavalcanti, Pereira de Vasconcelos e Queiroz Carreira, que founânimes em armar que esta medida aumentaria demasiadamente os pderes do presidente de província, que se tornaria um tirano – mas acaboaprovada ao nal da votação. Nas palavras de Vasconcelos:

Também se requer a supressão do conselho administrativo, eu entendo que entãoos presidentes carão com as atribuições dos conselhos do governo, isto é, com atribuições da mais alta importância, pois que têm a exercer o juízo administrativ

40Ibidem, p.95

41Anais da Câmara dos Deputados, sessão de 29 de

abril de 1833, p.65.

42Os anais são bastante sucintos com relação ao

tratamento dado à proposta de Henriques de

Rezende. Apenas mencionam seu envio à mesapara deliberação, e o resultado da votação, a qualterminou em empate. Este, segundo o própriodocumento, resultou em adiamento, mas nãocou claro se o que foi adiado foi a proposta dodeputado pernambucano, ou o artigo que previaa criação da província do Rio Negro. Entretanto, oesquecimento deste objeto nos seis anos seguin-tes à votação, deixou claro que, independentedo que determinasse o regimento da Câmara emcasos semelhantes, este empate signicou, naprática, a derrota do projeto apresentado, inicial-mente, por dom Romualdo Seixas, em 1826.

43Anais da Câmara dos Deputados, sessão de 17 de

maio de 1828, p.94.

44Idem, sessão de 2 de junho de 1828, p.15.

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que sempre é melhor ser exercido por muitos do que por um só, e aqui teremosentão uma autoridade dos capitães generais.45

Entretanto, a alteração de cargos públicos na nova província cho-cava-se com a Constituição do Império. Holanda Cavalcanti chamou aatenção para este fato quando propôs que o artigo fosse suprimido, senseguido – no tocante ao aparato administrativo da nova província – apeo que já estava determinado na lei magna do país.46 Sendo esta emen-da rejeitada, o artigo acabou passando na votação, juntamente com asemendas de Cunha Matos (que cancelava a criação da junta da fazendadeixando a administração das nanças a cargo de “provedor, escrivão ealmoxarife”), de Lino Coutinho (cancelava a criação dos conselhos geradministrativo), e de Monteiro de Barros (previa que, uma vez anuladacriação da junta da fazenda, o projeto fosse remetido à comissão de fazda, para que essa determinasse qual seria o regimento que o provedor dnova província deveria seguir47). Paula Sousa, outro deputado que passoutodo o debate defendendo a criação da província, propôs, nalmente, qprojeto fosse remetido à comissão de guerra, para que esta emendasse “

defeitos da lei que atualmente regula o governo militar”. Foi atendido.48

O envio do projeto às comissões signicou, na prática, seu abandonao menos temporário. Cunha Matos já havia previsto isto quando, ao criuma proposta de adiamento apresentada por Pereira Vasconcelos, acusouneste uma tentativa de prolongar indenidamente a adoção da medida49.As comissões, aparentemente, nunca devolveram à Câmara as correçõesque delas se esperavam, e a proposta de criação da província do Rio Necaria esquecida até que, em 1839, um novo projeto a trouxesse à tona. debates dessa nova proposta se desenrolariam em 1843, em um contextocompletamente diferente, mas que requisitava a mesma estratégia de açãNesta nova fase do processo decisório, como em 1828, seria fundamenta

transformar esta medida voltada ao progresso regional em uma política interesse nacional, e convencer a maioria dos deputados da sua importânpara o conjunto do país. Esta necessidade era conseqüência de um siste-ma de tipo federativo e representativo no qual os deputados eram eleitospor cada província com a tarefa de velar, acima de tudo, pelos interessesgerais da nação – o que não implicava o esquecimento das necessidades suas localidades de origem. Assim, ainda que a elevação da comarca doNegro claramente trouxesse vantagens para esta região, seria uma medidinexeqüível, se não casse comprovado que beneciaria, também, o conto do Império. Dom Romualdo, Holanda Cavalcanti, e os demais deputaque defenderam esta proposta em 1828, fracassaram em realizar esta traposição, e o projeto não foi posto em prática. Ficava, entretanto, a lição,seus sucessores saberiam aproveitar, quinze anos depois.

46

Ibidem, p.10.

47Ibidem, p.13.

48

Ibidem, p.15.

49Anais da Câmara dos Deputados, sessão de 13 de

maio de 1828, p.73.

Recebido para publicação em novembro de 2009Aprovado em fevereiro de 2010

45Ibidem, p.11.

Almanack. Guarulhos, n. 01, p.137-152, 1º semestre 2011 artigos