Clinica Analitico-Comportamental - Nicodemos B. Borges; Fernando A. Cassas.pdf

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Nicodemos Batista Borges

Fernando Albregard Cassas 

e colaboradores

aspectos teóricos e práticos

Clínica analítico-

-comportamental

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C641 Clínica analítico-comportamental [recurso eletrônico] : aspectos  teóricos e práticos / Nicodemos Batista Borges ... [et al.]. –Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2012.

  Editado também como livro impresso em 2012.  ISBN 978-85-363-2667-2

  1. Psicologia. 2. Psicologia cognitiva. I. Borges, Nicodemos  Batista.

CDU 159.9.019.4

Catalogação na publicação: Ana Paula M. Magnus – CRB 10/2052

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2012

Versão impressa 

desta obra: 2012

Nicodemos Batista Borges

Fernando Albregard Cassas

e colaboradores

aspectos teóricos e práticos

Clínica analítico- -comportamental

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© Artmed Editora S.A., 2012

Capa Paola Manica 

Preparação do originalSimone Dias Marques 

Editora Sênior – Ciências Humanas Mônica Ballejo Canto

Projeto e editoração Armazém Digital ® Editoração Eletrônica – Roberto Carlos Moreira Vieira 

Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à  ARTMED® EDITORA S.A.

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SÃO PAULO Av. Embaixador Macedo Soares, 10.735 – Pavilhão 5

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  Autores

Nicodemos Batista Borges (org.). Psicólogo Clínico. Doutorando e Mestre em Psicologia Experi-mental: Análise do Comportamento pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).Especialista em Terapia Comportamental e Cognitiva pela Universidade de São Paulo (USP). Pro-fessor, Supervisor, Pesquisador e Orientador no curso de Psicologia da Universidade São Judas Ta-

deu (USJT). Integrante da equipe de profissionais do Núcleo Paradigma de análise do comporta-mento. Editor Associado da Revista Perspectivas em Análise do Comportamento. Consultor Ad-hoc daRevista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva . Membro da Associação Brasileira de Psico-logia e Medicina Comportamental (ABPMC).

Fernando Albregard Cassas (org.). Psicólogo Clínico e Acompanhante Terapêutico. Doutorando emPsicologia Experimental: Análise do Comportamento na Pontifícia Universidade de Católica de SãoPaulo (PUC-SP). Mestre em Psicologia: Psicologia Social pela Pontifícia Universidade de Católica deSão Paulo (PUC-SP). Coordenador e Professor do Curso de Formação Avançada em Acompanha-mento Terapêutico e Atendimento Extraconsultório do Paradigma – Núcleo de Análise do Compor-tamento, onde também é Professor do Curso de Especialização em Clínica Analítico-Comportamental.

Membro da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental (ABPMC).

 Alda Marmo. Mestre em Análise Experimentaldo Comportamento. Master Coach pelo Beha-vioral Coaching Institute. Terapeuta e docentedo Núcleo Paradigma.

 Alexandre Dittrich. Psicólogo. Doutor em Fi-losofia. Professor do Departamento de Psicolo-gia da Universidade Federal do Paraná.

 Ana Beatriz D. Chamati. Psicóloga pela Univer-sidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Especia-lista em Clínica Analítico-Comportamental e emClínica Analítico-Comportamental Infantil peloNúcleo Paradigma Análise do Comportamento.Mestranda em Psicologia Experimental: Análisedo Comportamento na Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo (PUC-SP). Atua no Nú-cleo Paradigma Análise do Comportamento.

 Ana Cristina Kuhn Pletsch Roncati. Mestreem Psicologia Experimental: Análise do Com-

portamento pela Pontifícia Universidade Cató-lica de São Paulo (PUC-SP). Especialista emPsicoterapia Cognitivo Comportamental pelaUniversidade de São Paulo (USP). PsicólogaClínica e Professora Universitária. Sócia-Dire-tora do Episteme Psicologia.

 Angelo A. S. Sampaio. Professor e Coordena-

dor do Colegiado de Psicologia da UniversidadeFederal do Vale do São Francisco (UNIVASF).Mestre em Psicologia Experimental: Análise doComportamento pela Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo (PUC-SP).

 Antonio Bento A. Moraes. Professor e Doutorpela Universidade Estadual de Campinas.

Candido V. B. B. Pessôa . Doutor em Psicolo-gia. Instituições de trabalho: Núcleo Paradigmade Análise do Comportamento. Fundação Es-cola de Sociologia e Política de São Paulo.

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Cassia Roberta da Cunha Thomaz. Doutoraem Psicologia Experimental pela Universidadede São Paulo. Professora na Docente na Univer-

sidade Presbiteriana Mackenzie.Daniel Del Rey . Psicólogo e Mestre em Análisedo Comportamento. Núcleo Paradigma.

Dante Marino Malavazzi. Psicólogo pela Pon-tifícia Universidade Católica de São Paulo(PUC-SP). Núcleo Paradigma de Análise doComportamento.

Denise de Lima Oliveira Vilas Boas. Psicólo-ga pela Universidade Metodista de São Bernar-

do do Campo. Especialista em Terapia Com-portamental e Cognitiva pela Universidade deSão Paulo (USP-SP). Mestre e Doutoranda emPsicologia Experimental: Análise do Comporta-mento pela Pontifícia Universidade Católica deSão Paulo (PUC-SP). Professora da Universida-de de Fortaleza. Membro da Equipe de Supervi-sores Clínicos do Hospital de Saúde Mental doMessejana em Fortaleza.

Dhayana Inthamoussu Veiga . Mestre em Psi-

cologia Experimental: Análise do Comporta-mento pela Pontifícia Universidade Católica deSão Paulo (PUC-SP). Doutoranda do Progra-ma de Pós-Graduação em Psicologia pela Uni-versidade Federal de São Carlos (UFSCar) noLaboratório de Estudos do ComportamentoHumano (LECH). Conduz projeto vinculadoao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologiasobre Comportamento, Cognição e Ensino(INCT/ECCE).

Fatima Cristina de Souza Conte. Doutora emPsicologia Clínica pela Universidade de SãoPaulo (USP-SP). Psicóloga no Instituto de Psi-coterapia e Análise do Comportamento, Lon-drina, PR.

Felipe Corchs. Médico Psiquiatra e Analista doComportamento. Doutor em Ciências comconcentração em Psiquiatria. Assistente no Ins-tituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas daFaculdade de Medicina da Universidade de São

Paulo e no Núcleo Paradigma de Análise doComportamento.

Filipe Colombini. Psicólogo pela Universidade

Presbiteriana Mackenzie (UPM). Especializaçãoem Clínica Analítico-Comportamental pelo Nú-cleo Paradigma Análise do Comportamento.Formação em Acompanhamento Terapêuticopelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clí-nicas da Faculdade de Medicina da Universidadede São Paulo (Ipq-HCFMUSP). Formação emTerapia Analítico-Comportamental Infantil eem Desenvolvimento Atípico pelo Núcleo Para-digma Análise do Comportamento. Membro da

 Associação Brasileira de Medicina e PsicoterapiaComportamental. Psicólogo Clínico, Acompa-nhante Terapêutico, Orientador Clínico e Super-visor no Atendimento Pró-Estudo.

Ghoeber Morales dos Santos. Mestre em Psi-cologia Experimental: Análise do Comporta-mento pela Pontifícia Universidade Católica deSão Paulo (PUC-SP). Professor no curso de Psi-cologia do Centro Universitário Newton Paiva,Belo Horizonte.

Giovana Del Prette. Doutora e Mestre em Psi-cologia Clínica pela Universidade de São Paulo(USP). Especialista em Terapia Analítico--Comportamental pelo Núcleo Paradigma. Te-rapeuta, Professora, Supervisora e PesquisadoraClínica na mesma instituição. Professora e su-pervisora no curso de Análise do Comporta-mento do Instituto de Psiquiatria da Universi-dade de São Paulo (USP).

Gustavo Sattolo Rolim. Professor e colabora-dor em pesquisa na área de Psicologia da Saúdee Análise do Comportamento.

 Jaíde A. G. Regra . Doutora e Mestre em Psico-logia Experimental pela Universidade de SãoPaulo. Psicóloga de crianças e adolescentes emconsultório particular.

 Jan Luiz Leonardi. Especialista em Clínica Analítico-Comportamental pelo Núcleo Para-digma. Mestrando em Psicologia Experimental:

 vi  Autores

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 Análise do Comportamento pela Pontifícia Uni-versidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

 Joana Singer Vermes. Psicóloga e Supervisora

Clínica no Núcleo Paradigma de Análise do Com-portamento.

 João Ilo Coelho Barbosa . Doutor em Teoria ePesquisa do Comportamento pela UniversidadeFederal do Pará. Professor Adjunto do Departa-mento de Psicologia da Universidade Federaldo Ceará.

 Jocelaine Martins da Silveira . Doutora emPsicologia Clínica pela Universidade de São

Paulo (USP). Professora no Departamento dePsicologia da Universidade Federal do Paraná.Coordenadora de Mestrado em Psicologia daUniversidade Federal do Paraná.

Lívia F. Godinho Aureliano. Mestre em Psi-cologia Experimental: Análise do Comporta-mento pela Pontifícia Universidade Católica deSão Paulo (PUC-SP). Professora na Universi-dade São Judas Tadeu. Terapeuta do NúcleoParadigma.

Maly Delitti. Doutora pela Universidade deSão Paulo (USP). Professora na Pontifícia Uni-versidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

 Analista do Comportamento, Centro de Análi-se do Comportamento.

Maria Amalia Pie Abib Andery . Doutora emPsicologia. Professora Titular na Faculdade deCiências Humanas e da Saúde e Professora doPrograma de Psicologia Experimental: Análise

do Comportamento da Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo (PUC-SP).

Maria Carolina Correa Martone. TerapeutaOcupacional e Mestre em Psicologia Experi-mental: Análise do Comportamento pela Pon-tifícia Universidade Católica de São Paulo(PUC-SP). Coordenadora do serviço paracrianças com desenvolvimento atípico no Nú-cleo Paradigma de Análise do Comportamentoe Coordenadora do curso de especialização em

 Análise Aplicada do Comportamento e Trans-tornos invasivos do desenvolvimento.

Maria das Graças de Oliveira . Professora Ad-

 junta na Faculdade de Medicina da Universida-de de Brasília (UnB).

Maria Helena Leite Hunziker. ProfessoraLivre-Docente da Universidade de São Paulo(USP).

Maria Isabel Pires de Camargo. Psicóloga pelaPontifícia Universidade Católica de São Paulo(PUC-SP). Especialista em Clínica Analítico--Comportamental. Psicóloga Clínica e Acom-

panhante Terapêutica no Pró-Estudo.Maria Zilah da Silva Brandão. Psicóloga pelaFundação Educacional de Bauru. Especialistaem Psicologia pela Universidade Federal de SãoCarlos. Mestre em Psicologia pela PontifíciaUniversidade Católica de Campinas.

Mariana Januário Samelo. Doutoranda doInstituto de Psicologia, Departamento de Psi-cologia Experimental da Universidade de São

Paulo (USP). Bolsista CNPq.Maxleila Reis Martins Santos. Psicóloga Clí-nica. Mestre em Psicologia Experimental: Aná-lise do Comportamento pela Pontifícia Univer-sidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Profes-sora de graduação e Coordenadora do Curso dePós-Graduação em Análise do Comportamento

 Aplicada no Centro Newton Paiva.

Miriam Marinotti. Doutora e Mestre em Psi-cologia da Educação pela Pontifícia Universida-de Católica de São Paulo (PUC-SP). Professorae Supervisora no Núcleo Paradigma.

Natália Santos Marques. Mestranda do Pro-grama de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisado Comportamento pela Universidade Federaldo Pará (UFPA).

Nicolau Kuckartz Pergher. Doutor em Psico-logia Experimental pela Universidade de SãoPaulo (USP). Professor e Supervisor na Universi-

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dade Presbiteriana Mackenzie e no Paradigma –Núcleo de Análise do Comportamento.

Priscila Derdyk . Mestre pela Western Michi-

gan University. Analista do Comportamento noCentro de Análise do Comportamento.

Regina C. Wielenska . Doutora em PsicologiaExperimental pelo Instituto de Psicologia daUniversidade de São Paulo (IPUSP). Superviso-ra de Terapia Comportamental no HospitalUniversitário da Universidade de São Paulo(HU-USP) e no Ambulatório de Ansiedade doInstituto de Psiquiatria do Hospital das Clíni-cas da Faculdade de Medicina da Universidade

de São Paulo (AMBAN-IPqHCFMUSP).

Roberta Kovac. Psicóloga Clínica. Professora esupervisora do Curso de Especialização em Clí-nica Analítico-Comportamental do Núcleo Pa-radigma onde também coordena a equipe de

 Acompanhantes Terapêuticos. É mestre em Psi-cologia Experimental: Análise do Comporta-mento pela Pontifícia Universidade Católica deSão Paulo.

Roberto Alves Banaco. Professor Titular na Fa-culdade de Ciências Humanas e da Saúde daPontifícia Universidade Católica de São Paulo(PUC-SP). Coordenador Acadêmico do NúcleoParadigma de Análise do Comportamento.

Saulo de Andrade Figueiredo. Psicólogo pelaUniversidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).

Saulo M. Velasco. Doutor em Psicologia Expe-rimental pela Universidade de São Paulo (USP).Pesquisador Associado e aluno de Pós-douto-rado no Departamento de Psicologia Experi-mental do Instituto de Psicologia da Universi-dade de São Paulo.

Sergio Vasconcelos de Luna . Doutor em Psico-logia, área de concentração em Psicologia Expe-

rimental pela Universidade de São Paulo (USP).Professor Titular do Departamento de Métodose Técnicas do curso de Psicologia da Faculdade

de Ciências Humanas e da Saúde na PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Sonia Beatriz Meyer. Livre-Docente pelo De-partamento de Psicologia Clínica da Universi-dade de São Paulo (USP).

Tatiana Araujo Carvalho de Almeida . Psicó-loga pela Pontifícia Universidade Católica deMinas Gerais (PUC-MG). Mestre em Psico-logia Comportamental: Análise do Compor-tamento pela Pontifícia Universidade Católicade São Paulo (PUC-SP). Especialista em Clí-nica Analítico-Comportamental pelo Paradig-ma – Núcleo de Análise de Comportamento,onde atua como terapeuta analítico-comporta-mental.

Thiago P. de A. Sampaio. Mestre em Ciênciaspela Universidade de São Paulo (USP). Professorsupervisor de estágio clínico do Núcleo de TerapiaComportamental da Faculdade de Psicologia da

Universidade São Judas Tadeu (USJT), supervisorclínico de terapia comportamental do AMBAN-IPq-HC-FMUSP e coordenador do InstitutoEpisteme de Psicologia.

 Vera Regina Lignelli Otero. Terapeuta Ana-lítico-Comportamental na Clínica ORTEC.

 Vívian Marchezini-Cunha . Mestre em Teoriae Pesquisa do Comportamento pela FaculdadePitágoras.

 Yara Nico. Mestre em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento pela PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo (PUC-SP).Coordenadora pedagógica do Curso de Especia-lização em Clínica Analítico-Comportamentaldo Núcleo Paradigma – SP.

 viii  Autores

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  PrefácioRoberto Alves Banaco

 A psicoterapia é uma área de aplicação da psi-cologia que sofreu muitas mudanças durantea sua história. Agora com mais de um cente-nário de existência, apesar de manter muitos

elementos de sua característica original, já éuma prática bastante diferenciada de sua ori-gem. Esse é um aspecto louvável, já que apon-ta algumas particularidades: a prática psicote-rapêutica permanece útil enquanto serviço aser prestado para a população e tem procura-do se aperfeiçoar com base em avaliação cons-tante de seus resultados e profunda reflexãosobre as suas técnicas e características em bus-ca da promoção do bem-estar humano. Por

essas razões, é esperado que, de quando emquando, seja necessária uma atualização lite-rária que reflita seu desenvolvimento e orga-nização.

 A terapia analítico-comportamental éum dos vários tipos de psicoterapia ofereci-dos para o enfrentamento dos problemas hu-manos. Com forte base experimental, e coma direção filosófica e conceitual do Behavio-rismo Radical, essa prática tem se firmado

como continuidade de uma tradição de tra-balho pautada em princípios da aprendiza-gem. As análises e técnicas utilizadas por tera-peutas desta abordagem baseiam-se no mode-lo explicativo da seleção pelas consequênciase com a análise de contingências enquantoferramenta interpretativa.

Deste ponto de vista, a terapia analítico--comportamental é um movimento bastantepeculiar desenvolvido por brasileiros, que op-taram por relatar suas experiências, reflexões erecomendações com base em achados já con-

solidados e outros inovadores da análise docomportamento. A incorporação gradativade novos conceitos a práticas já consagradaslevou a um desenvolvimento maduro que

merece divulgação.Este livro é um reflexo desse movimen-

to. Depois de muitas obras esparsas focalizan-do aspectos relevantes do desenvolvimentoda análise do comportamento e da terapiaanalítico-comportamental, o livro Clínicaanalítico-comportamental: aspectos teóricos e

 práticos  vem cumprir o papel de sistematizare organizar o conhecimento produzido nasúltimas décadas a respeito de nossa prática

clínica dentro da abordagem, aqui no Brasil.Os organizadores conseguiram reunir

textos que não se preocupam apenas em in- formar  o leitor sobre os avanços e ganhos dateoria e da prática: eles têm a nítida vocaçãopara  formar   um bom terapeuta analítico--comportamental técnica, teórica e filosofica-mente. Os capítulos preocupam-se em aco-lher o terapeuta novato, fortalecendo sua atu-ação com respaldo em uma organicidade

lógica, coerente e segura, dando-lhe a certezade que a sua atuação, seguindo estes passos,valerá a pena. Também têm o cuidado de de-sanuviar para o terapeuta já experiente o queele próprio está fazendo e ainda não tinhaconsciência do que fazia.

Para executar tal tarefa hercúlea, os or-ganizadores reuniram um elenco de autoresabsolutamente envolvidos com a análise docomportamento e com a formação dentro dafilosofia do Behaviorismo Radical. Podem serencontrados entre eles autores já consagrados

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na abordagem, bem como as mais expressivaspromessas de jovens pesquisadores e pensa-dores que inovam e renovam teoria e prática.

 A organização do livro, conforme os pró-prios responsáveis descrevem, permite uma lei-tura independente entre os capítulos, emboraa sequência tenha sido especialmente pensadapara ir construindo a formação sólida, acres-centando informações gradativamente maiscomplexas e aprofundadas.

Uma análise detalhada do sumário ates-ta o cuidado de uma sequência artesanalmen-te (e, por que não dizer, artisticamente) urdi-

da, tecendo a rede de proteção sobre a qualum terapeuta possa executar os movimentosarriscados e responsáveis a ele atribuídos.

Obviamente não é uma obra completa.E nem poderia ser. Dada a enormidade de co-nhecimentos produzidos por uma legião de

cientistas do comportamento, seria virtual-mente impossível fazer uma varredura com-pleta por todos os assuntos, possibilidades e

discussões disponíveis. Essa aparente falha écontornada com bastante maestria pelos au-tores, dadas as referências bibliográficas lista-das, e pelos organizadores, dadas a seleçãodos capítulos e a ordem em que são apresen-tados. Nesse sentido, também, o glossáriooferecido ao final da obra será de grande au-xílio nos momentos em que (e para quem)um entendimento maior seja necessário.

Por todas essas razões, Clínica analítico-

-com portamental: aspectos teóricos e práticos  cumpre com sua função: atualizar e sistema-tizar, de maneira bastante cuidadosa, crite-riosa e competente, a prática da terapia ana-lítico-comportamental que se observa ho jeno Brasil.

x  Prefácio

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Sumário

Prefácio ..................................................................................................................................... ixRoberto Alves Banaco

Introdução................................................................................................................................15Nicodemos Batista Borges e Fernando Albregard Cassas

PARTE IAs bases da clínica analítico-comportamental

Seção IAs contribuições da análise do comportamentopara a prática do clínico analítico-comportamental

  1  Comportamento respondente ......................................................................................18  Jan Luiz Leonardi e Yara Nico

  2  Comportamento operante ............................................................................................24  Candido V. B. B. Pessôa e Saulo M. Velasco

  3  Operações motivadoras ................................................................................................32  Lívia F. Godinho Aureliano e Nicodemos Batista Borges

  4  Episódios emocionais como interações entre operantes e respondentes ...............40  Cassia Roberta da Cunha Thomaz

  5  Controle aversivo ..........................................................................................................49  Maria Helena Leite Hunziker e Mariana Januário Samelo

  6  Operantes verbais .........................................................................................................64  Ghoeber Morales dos Santos, Maxleila Reis Martins Santos e Vívian Marchezini-Cunha

Seção IIAs contribuições da filosofia behaviorista radicalpara a prática do clínico analítico-comportamental

  7  Seleção por consequências como modelo decausalidade e a clínica analítico-comportamental ...................................................77

  Angelo A. S. Sampaio e Maria Amalia Pie Abib Andery

  8  O conceito de liberdade e suas implicações para a clínica .......................................87  Alexandre Dittrich

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  9  Discussões da análise do comportamentoacerca dos transtornos psiquiátricos ..........................................................................95

  Denise de Lima Oliveira Vilas Boas, Roberto Alves Banaco e Nicodemos Batista Borges

PARTE IIClínica analítico-comportamental

Seção IEncontros iniciais, contrato e avaliações do caso

 10  Avaliação funcional como ferramenta norteadora da prática clínica ...................105  Jan Luiz Leonardi, Nicodemos Batista Borges e Fernando Albregard Cassas

 11  A apresentação do clínico, o contrato e a estruturados encontros iniciais na clínica analítico-comportamental .................................110

  Jocelaine Martins da Silveira

 12  A que eventos o clínico analítico-comportamentaldeve estar atento nos encontros iniciais? .................................................................119

  Alda Marmo

 13  Eventos a que o clínico analítico-comportamental deveatentar nos primeiros encontros: das vestimentasaos relatos e comportamentos clinicamente relevantes ........................................128

  Fatima Cristina de Souza Conte e Maria Zilah da Silva Brandão

 14  A escuta cautelosa nos encontros iniciais:a importância do clínico analítico-comportamental

ficar sob controle das nuances do comportamento verbal ....................................138  Ghoeber Morales dos Santos, Maxleila Reis Martins Santos e Vívian Marchezini-Cunha

Seção IIIntervenções em clínica analítico-comportamental

 15  O uso de técnicas na clínica analítico-comportamental ........................................147  Giovana Del Prette e Tatiana Araujo Carvalho de Almeida

 16  O papel da relação terapeuta-cliente para aadesão ao tratamento e à mudança comportamental ............................................160

  Regina C. Wielenska

 17  A modelagem como ferramenta de intervenção .....................................................166  Jan Luiz Leonardi e Nicodemos Batista Borges

 18  Considerações conceituais sobre o controlepor regras na clínica analítico-comportamental .....................................................171

  Dhayana Inthamoussu Veiga e Jan Luiz Leonardi

 19  O trabalho com relatos de emoções esentimentos na clínica analítico-comportamental .................................................178

  João Ilo Coelho Barbosa e Natália Santos Marques

12  Sumário

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Seção IIIPsiquiatria, psicofarmacologia e clínica analítico-comportamental

 20  A clínica analítico-comportamental em

parceria com o tratamento psiquiátrico.......................................................................186  Maria das Graças de Oliveira

 21  Considerações da psicofarmacologia para a avaliação funcional .........................192  Felipe Corchs

Seção IVSubsídios para o clínico analítico-comportamental

 22  Considerações sobre valores pessoais e a prática do psicólogo clínico .................200  Vera Regina Lignelli Otero

 23

  Subsídios da prática da pesquisa para aprática clínica analítico-comportamental ................................................................206  Sergio Vasconcelos de Luna

PARTE IIIEspecificidades da clínica analítico-comportamental

Seção IA clínica analítico-comportamental infantil

 24  Clínica analítico-comportamental infantil: a estrutura .........................................214

  Joana Singer Vermes

 25  As entrevistas iniciais na clínica analítico-comportamental infantil ...................223  Jaíde A. G. Regra

 26  O uso dos recursos lúdicos na avaliação funcionalem clínica analítico-comportamental infantil .........................................................233

  Daniel Del Rey

 27  O brincar como ferramenta de avaliação e intervençãona clínica analítico-comportamental infantil ..........................................................239

  Giovana Del Prette e Sonia Beatriz Meyer

 28  A importância da participação da família naclínica analítico-comportamental infantil ...............................................................251  Miriam Marinotti

Seção IIA clínica analítico-comportamental e os grupos

 29  O trabalho da análise do comportamento com grupos:possibilidades de aplicação a casais e famílias ........................................................259

  Maly Delitti e Priscila Derdyk

Sumário 13

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14   Sumário

Seção IIIA atuação clínica analítico-comportamental em situações específicas

 30  O atendimento em ambiente extraconsultório:

a prática do acompanhamento terapêutico .............................................................270  Fernando Albregard Cassas, Roberta Kovac e Dante Marino Malavazzi

 31  Desenvolvimento de hábitos de estudo ....................................................................277  Nicolau Kuckartz Pergher, Filipe Colombini, Ana Beatriz D. Chamati,

Saulo de Andrade Figueiredo e Maria Isabel Pires de Camargo

 32  Algumas reflexões analítico-comportamentaisna área da psicologia da saúde ..................................................................................287

  Antonio Bento A. Moraes e Gustavo Sattolo Rolim

Glossário ....................................................................................................................... 294

Índice ............................................................................................................................ 311

Capítulos adicionais disponíveis em www.grupoa.com.br

Algumas técnicas tradicionalmente utilizadas na clínica comportamentalThiago P. de A. Sampaio e Ana Cristina Kuhn Pletsch Roncati

A prática clínica analítico-comportamentale o trabalho com crianças com desenvolvimento atípicoMaria Carolina Correa Martone

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 A prática clínica analítico-comportamental

surgiu no Brasil por volta da década de 1980.Essa abordagem ganhou impulso no País,

 juntamente com outras práticas clínicas, sobo rótulo de terapias cognitivo-comporta-mentais. Essa “nova” classe de profissionaisemergiu como uma alternativa ao modelopsicodinâmico de terapia, até então forte-mente predominante por aqui.

 A vantagem dessas novas práticas é suaênfase em trabalhos que buscam resultados

rápidos – quando comparados aos tratamen-tos psicodinâmicos. Assim, de seu apareci-mento para cá, elas cresceram com grande ve-locidade, possivelmente sob forte influênciadas práticas culturais contemporâneas quebuscam transformações aceleradas.

 A primeira 1 associação que se estabele-ceu no cenário brasileiro, exclusivamente de-dicada a essas práticas emergentes, foi a Asso-ciação Brasileira de Psicoterapia e Medicina

Comportamental (ABPMC) – que, em 2011,comemora 20 anos de existência. Essa asso-ciação começou unificando o trabalho de to-das essas práticas clínicas influenciadas porteorias comportamentais e cognitivas sobre ocomportamento humano.

Todavia, com o passar dos anos, seusprecursores e sucessores foram amadurecendoe avançando com seus estudos e, como decor-rência, diferenciações entre essas práticas fo-ram se tornando evidentes, até que elas come-çaram a se ramificar. Hoje, é possível encon-

trar mais de uma dezena de práticas clínicas

que derivaram desse mesmo rótulo, bemcomo novas associações ou sociedades cientí-ficas. Se essa ramificação é saudável ou desejá-vel não temos certeza, e sua discussão não énosso objetivo; cabe afirmar apenas que é estaprática que tem sido selecionada.

Dentro desse novo universo de práticas,uma das que têm crescido e ganhado força é aclínica analítico-comportamental. O termo érelativamente novo, e se firmou a partir de

um encontro entre analistas do comporta-mento de diferentes regiões do Brasil, ocorri-do em 2005, ocasião em que se discutiu, en-tre outras coisas, a denominação dessa práti-ca. Porém, outros nomes também têm sidoutilizados para se referir a essa prática clínica:análise clínica do comportamento, análiseaplicada do comportamento, terapia por con-tingências de reforçamento, terapia compor-tamental,2 etc.

 A prática clínica analítico-comporta-mental consiste em um trabalho frequente-mente exercido em contexto de gabinete ousetting  clínico e que se baseia nos conhecimen-tos das ciências do comportamento e na filoso-fia behaviorista radical. Possivelmente, por teressa característica, seus praticantes, em geral,têm formação maciça em princípios básicos decomportamento, pois, sem esses conhecimen-tos, torna-se impossível essa atuação.

 A principal proposta desta obra é servircomo material de base para o clínico; nela, é

IntroduçãoNicodemos Batista Borges

Fernando Albregard Cassas

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16  Borges, Cassas & Cols.

possível encontrar os principais conceitos bá-sicos e filosóficos que sustentam esta prática,bem como diferentes formas de trabalhar na

clínica. Assim, pela amplitude que o materialalcança, pode-se considerar que se trata deum livro de grande utilidade para o iniciantena área e também para o profissional formadohá mais tempo, servindo como um materialpara ensino ou de consulta.

 A obra foi dividida em três grandes par-tes: bases da clínica analítico-comportamental,clínica analítico-comportamental e especifici-dades da clínica analítico-comportamental.

Na primeira parte, são apresentados diversoscapítulos subdivididos em duas seções, umadelas versando sobre os principais conceitosda análise do comportamento e outra, sobrepressupostos filosóficos do behaviorismo ra-dical. Na segunda parte, encontram-se capí-tulos que versam sobre a prática clínicaanalítico-comportamental, iniciando-se comuma seção dedicada aos primeiros encontrosentre clínico e cliente, passando por seções

que evidenciam maneiras de conduzir inter-venções, diálogos com a psiquiatria e psico-farmacologia, e encerrando com seção dedi-cada a discutir subsídios desta prática. A últi-ma parte do livro prioriza as especificidadesdesta prática clínica, composta por uma seçãototalmente dedicada a discutir a prática clíni-

ca com crianças e outra para discutir especifi-cidades diversas, como o trabalho com casaise grupos, acompanhamento terapêutico, de-

senvolvimento de hábitos de estudo e Psico-logia da Saúde.O livro foi planejado para permitir ao

leitor flexibilidade, sendo possível consultarcapítulos específicos sem prejuízo. Todavia,no caso do iniciante, sugere-se a leitura se-quencial.

Esta obra apresenta, ainda, uma visão dehomem monista e natural, que entende o com-portamento como multideterminado (bio-

lógica, ontogenética e culturalmente), não me-canicista, histórico e resultante de relações en-tre o indivíduo e seu ambiente físico e social.Desta forma, permite aos profissionais encon-trarem respaldo para muitos conflitos teórico--conceituais encontrados na psicologia e napsiquiatria.

> NOTAS

  1. A primeira que ainda existe, pois, antes da ABPMC,outras foram fundadas, porém não “sobreviveram”.

  2. O termo “terapia comportamental” foi utilizadopor muitas outras práticas clínicas, assim, deve-seter cuidado quando se deparar com o termo, poisnão necessariamente seu conteúdo tratará da práticaclínica, a que nos referiremos neste livro.

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As contribuições da análise docomportamento para a prática doclínico analítico-comportamental

  1  Comportamento respondente  Jan Luiz Leonardi e Yara Nico

  2  Comportamento operante  Candido V. B. B. Pessôa e Saulo M. Velasco

  3  Operações motivadoras  Lívia F. Godinho Aureliano e Nicodemos Batista Borges

  4   Episódios emocionais como interaçõesentre operantes e respondentes

  Cassia Roberta da Cunha Thomaz

  5  Controle aversivoMaria Helena Leite Hunziker e Mariana Januário Samelo

  6  Operantes verbaisGhoeber Morales dos Santos, Maxleila Reis Martins Santos

e Vívian Marchezini-Cunha

As contribuições da filosofia behavioristaradical para a prática do clínicoanalítico-comportamental

  7  Seleção por consequências como modelo decausalidade e a clínica analítico-comportamental

  Angelo A. S. Sampaio e Maria Amalia Pie Abib Andery

  8  O conceito de liberdade e suasimplicações para a clínica

  Alexandre Dittrich

  9  Discussões da análise do comportamentoacerca dos transtornos psiquiátricos

  Denise de Lima Oliveira Vilas Boas, Roberto Alves Banaco e

Nicodemos Batista Borges

PARTE I

As bases da clínicaanalítico-comportamental

SEÇÃO I

SEÇÃO II

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ASSUNTOS DO CAPÍTULO

O comportamento respondente ou reflexo.>

  O condicionamento respondente.>

  Estímulos e respostas incondicionais e condicionais.>

  Características das relações respondentes: limiar, latência, duração e magnitude.>

  Extinção respondente.>

  Abuso de substâncias.

 1  Comportamento

respondente Jan Luiz Leonardi

Yara Nico

Este capítulo apresenta o conceito de compor-

tamento respondente  – ou reflexo – e seu pro-cesso de condicionamento. De início, é im-portante observar que o interesse de clínicosanalítico-comportamentais pelo estudo dasrelações respondentes pode vir a ser restrito,na medida em que estas se referem apenas ainstâncias comportamentais de cunho fisioló-gico responsáveis pela adaptação do organis-mo a mudanças no ambiente (Skinner, 1953/1965).

Todavia, o entendimento dos proces-sos respondentes é fundamental para a com-preensão do comportamento humano. Em-bora reconheça que tais processos represen-tam somente uma pequena parcela dorepertório da maioria dos organismos e queé o comportamento operante1 que deve ser oobjeto de estudo da psicologia, Skinner(1938/1991, 1953/1965) defende que igno-rar o princípio do reflexo seria um equívoco.

 Além disso, ainda que o comportamento

respondente e o comportamento operante

sejam facilmente discerníveis no âmbito teó-rico, o mesmo não é verdadeiro na análise dequalquer situação concreta, seja ela experi-mental ou aplicada, sobretudo porque pro-cessos respondentes e operantes ocorremconcomitantemente (Allan, 1998; Schwartze Robbins, 1995). Portanto, para produziruma explicação completa de qualquer com-portamento, é essencial examinar como con-tingências respondentes interagem com con-

tingências operantes.Nesse sentido,

o conhecimento so-bre o respondente éimprescindível para acompreensão tantoda origem quanto dotratamento de diver-sos fenômenos clíni-cos (Kehoe e Macrae, 1998). Dentre eles,

destacam-se a dependência química (Benve-

O conhecimento so-bre o respondente éimprescindível paraa compreensão tantoda origem quantodo tratamento dediversos fenômenosclínicos.

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Clínica analítico-comportamental 19

nuti, 2007; Siegel, 1979, 1984, 2001), o en-fraquecimento do sistema imunológico emsituações de estresse (Ader e Cohen, 1993;

Cohen, Moynihan e Ader, 1994) e os episó-dios emocionais, como a ansiedade (Black-man, 1977; Estes e Skinner, 1941; Zamigna-ni e Banaco, 2005).

Comportamento respondente é umarelação fidedigna na qual um determinado es-tímulo produz uma resposta específica emum organismo fisicamente sadio. O respon-

dente não se definenem pelo estímulo

nem pela resposta,mas sim pela relaçãoentre ambos. Essa re-lação é representadapelo paradigma S-R ,em que S   denota otermo estímulo  e R ,

resposta (Catania, 1999; Skinner, 1938/1991,1953/1965).

Tendo em vista que a resposta é causada

pelo evento ambiental antecedente, diz-seque o estímulo elicia  a resposta ou que ele é

um eliciador , ao pas-so que a resposta éeliciada  pelo estímu-lo. O verbo eliciar   éutilizado para expli-citar que o estímulo“força”  a resposta eque o organismo ape-

nas responde a estí-mulos de seu meio(Catania, 1999; Fers-

ter, Culbertson e Boren, 1968/1977). Paracaracterizar um comportamento como res-pondente, deve-se considerar a probabilidadecondicional de ocorrência da resposta. Umaresposta é considerada reflexa quando temprobabilidade próxima de 100% na presençado estímulo e probabilidade próxima de 0%na ausência do estímulo (Catania, 1999).

 As relações respondentes possuem de-terminadas características, a saber: limiar , magnitude , duração e latência (Catania, 1999;

Skinner, 1938/1991,1953/1965). Limiar refere-se à intensida-de mínima do estí-mulo necessária paraque a resposta sejaeliciada, e magnitu-de, à amplitude daresposta. No reflexopatelar, por exemplo,

a força com que amartelada é aplicadaé a intensidade do estímulo, enquanto o ta-manho da distensão da perna é a magnitudeda resposta (se a martelada não for aplicadacom uma força que atinja o limiar, a respostade distensão não ocorrerá). Em qualquercomportamento respondente, quanto maiorfor a intensidade do estímulo, maior será amagnitude da resposta. Duração refere-se ao

tempo que a resposta eliciada perdura, e a la-tência, ao intervalo de tempo entre a apresen-tação do estímulo e a ocorrência da resposta.Quanto maior for a intensidade do estímulo,maior será a duração da resposta e menor seráa latência, e vice-versa. No exemplo do refle-xo patelar citado anteriormente, a duração daresposta é o tempo que a distensão da pernaperdura, enquanto a latência é o tempo de-corrido entre a martelada e o movimento da

perna (Catania, 1999). A força  de um comportamento respon-

dente é medida pela magnitude e duração daresposta, assim como pela latência da rela-ção. Um reflexo é forte quando a respostatem latência curta, magnitude ampla e dura-ção longa. Inversamente, um reflexo é fracoquando, diante de um estímulo de grandeintensidade, a resposta tem latência longa,magnitude pequena e duração curta (Cata-nia, 1999).

Ao se analisar rela-ções respondentes,deve-se atentar paraalgumas de suascaracterísticas, taiscomo: limiar, mag- nitude da respostae intensidade doestímulo, duração daresposta e latênciaentre a apresen- tação do estímuloe a ocorrência daresposta.

Comportamentorespondente é um

 tipo de relaçãoorganismo-ambiente.Nesta, um deter-minado estímuloproduz/elicia umaresposta específica.O paradigma dessarelação é S R.

Na relação res-pondente, diz-seque o estímuloelicia a resposta.Isso porque, nestarelação, a resposta tem probabilidadede ocorrer próximade 100%, quando da

apresentação doestímulo.

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20  Borges, Cassas & Cols.

Os comportamentos respondentes queconstituem o repertório do organismo a des-peito de sua experiência pessoal são designa-

dos de incondicionais , devido à sua origem nahistória filogenética (Skinner, 1953/1965).Pierce e Epling (2004) explicam que todos os

organismos nascemcom um conjuntoinato de reflexos eque muitos deles sãoparticulares a cadaespécie. Por conven-ção, o estímulo in-

condicional é desig-nado por US  – do in-glês, unconditionalstimulus  – e a respos-ta incondicional, porUR   – do inglês, un-conditional response .

 Alguns exemplos derespondentes incon-dicionais são: respos-

ta de salivar   eliciadapelo estímulo alimen-

to na boca ; resposta de piscar  eliciada pelo es-tímulo cisco no olho; resposta de suar  eliciadapelo estímulo calor ; resposta de lacrimejar  eli-ciada pelo estímulo cebola sob os olhos , etc.(Catania, 1999; Ferster et al., 1968/1977;Moreira e Medeiros, 2007).

Os comportamentos respondentes sele-cionados na história evolutiva podem ocorrer

em novas situações, adepender da históriaindividual do orga-nismo, por meio deum processo chama-do condicionamentorespondente , condicio-namento clássico  ou

condicionamento pavloviano  – expressãocunhada em homenagem às descobertas do

fisiólogo russo Ivan Petrovich Pavlov (Cata-nia, 1999; Ferster et al., 1968/1977; Skinner,1953/1965).

Pavlov descobriu que a presença de ali-mento na boca de um cachorro faminto eli-ciava salivação. O fisiólogo observou que oanimal também salivava antes de o alimentochegar a sua boca: a visão e o cheiro da comi-da eliciavam a mesma resposta. Além disso, amera visão da pessoa que habitualmente ali-mentava o animal era suficiente para produ-zir salivação. De algum modo, eventos am-bientais anteriores à estimulação alimentar

adquiriram função eliciadora para a respostade salivar, fenômeno que só poderia ser en-tendido em termos da experiência individualdaquele animal (Keller e Schoenfeld,1950/1974). De posse dessas observações,Pavlov desenvolveu um método experimentalpara estudar a construção de novas relaçõesestímulo-resposta, nas quais eventos ambien-tais neutros passam a eliciar respostas reflexas.Inicialmente, ele colocava pó de carne na

boca do animal, um estímulo incondicionalque elicia salivação. Posteriormente, Pavlovproduzia um som durante meio segundo an-tes de introduzir o pó de carne, o que, depoisde aproximadamente 60 associações sucessi-vas, passou a eliciar a resposta de salivação.Cabe ressaltar que, para o som adquirir fun-ção de estímulo condicional para a respostade salivar, é necessária uma história de con-tingência e sistematicidade entre os dois estí-

mulos (som e alimento). Isto porque o sompode não se tornar um estímulo condicionalefetivo se for apresentado ora antes e ora de-pois do alimento e/ou se o alimento for apre-sentado sem que o som o tenha precedido(Benvenuti, Gioia, Micheletto, Andery e Sé-rio, 2009; Catania, 1999; Skinner, 1953/1965).

O diagrama a seguir ilustra o processode condicionamento respondente:

As relações res-pondentes podemser divididas emduas categorias:incondicionadas econdicionadas.

As incondicio-nadas referem-seàquelas que não

dependeram daexperiência pessoaldo sujeito; trata-sedaquelas relacio-nadas à origemfilogenética.

As condicionadassão aquelas que seestabeleceram apartir da experiênciadaquele sujeito,constituindo-se,portanto, em sua his-

 tória ontogenética.

O processo pelo qualuma relação respon-dente condicionadase estabelece échamado condicio- namento respon- dente, clássico oupavloviano .

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Clínica analítico-comportamental 21

 Antes do condicionamento

US (COMIDA) UR (salivação)S (SOM) ausência de salivação

Processo de condicionamento(pareamentos US-CS)

CS (SOM) + US (COMIDA) R(salivação)

 Após o condicionamento

CS (SOM) CR

(salivação sem a presença da comida)

Esse processo comportamental, no qualpareamentos contingentes e sistemáticos en-tre um evento neutro e um estímulo incondi-cional tornam esse evento um estímulo elicia-dor, é denominado condicionamento respon-dente. É fundamental notar que o condicio-namento respondente não promove o surgi-mento de novas respostas, mas apenas possi-bilita que respostas do organismo originadasfilogeneticamente passem a ficar sob controlede novos estímulos. Nesse paradigma, o ter-mo condicionamento expressa que a nova re-lação estímulo-resposta é condicional   a   (de-pende de) uma relação entre dois estímulos.O estímulo condicional é designado por CS  –do inglês, conditional stimulus  –, e a respostacondicional, por CR  – do inglês, conditionalresponse  (Catania, 1999).

Cabe, aqui, uma breve digressão: embo-ra os termos pareamento e associação sejam am-plamente empregados na literatura, seu uso éinadequado para explicar o processo de condi-cionamento respondente por duas razões:

 1. esses termos parecem indicar uma açãopor parte do organismo, o que não é ver-dade, na medida em que a associaçãoocorre entre dois eventos do ambiente;

 2. eles restringem a relação entre os estímu-los à proximidade temporal e/ou espacial,o que é incorreto, pois a mera associação

entre um evento ambiental neutro e umestímulo incondicional não garante o con-dicionamento.

Para isso, é necessário que exista umarelação sistemática e contingente entre os es-tímulos (Benvenuti et al., 2009; Skinner,1974/1976).

O condicionamento respondente podeser enfraquecido ou completamente descons-

truído. Para isso, o estímulo condicional deveser apresentado diversas vezes sem que o estí-mulo incondicional seja apresentado em se-guida, processo designado como extinção res-

 pondente  (Catania, 1999; Skinner, 1938/1991,1953/1965). No exemplo anterior, se o ali-mento deixar de serapresentado logo de-pois do som, esteperderá a função de

estímulo condicionalpara a resposta de sa-livar. O processo deextinção responden-te está na base deuma série de técnicasutilizadas na práticaclínica, como a dessensibilização sistemática.

 A função do estímulo condicional é a depreparar o organismo para receber o estímulo

incondicional. Por exemplo, no experimentode Pavlov mencionado anteriormente, a saliva-ção eliciada pelo som preparava o organismopara consumir o alimento. Nesse sentido, Skin-ner (1953/1965) afirma que a sensibilidade aocondicionamento respondente foi selecionadana história evolutiva das espécies, visto que oprocesso de condicionamento tem valor de so-brevivência. Uma vez que o ambiente podemudar de uma geração para outra, respostas re-

Uma das maneirasde enfraquecer umarelação respondentecondicional ou con-

dicionada é atravésda apresentação pordiversas vezes doestímulo condicional(CS) sem a presençaou proximidadecom o estímuloincondicional.

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22  Borges, Cassas & Cols.

flexas apropriadas não podem se desenvolversempre como mecanismos herdados. Assim, amutabilidade possibilitada pelo condiciona-

mento respondente permite que os limitesadaptativos do comportamento reflexo herda-do sejam superados.

É importante observar que as respostascondicional e incondicional podem ser, em al-guns casos, distintas. No experimento de Pav-lov, embora ambas as respostas fossem de saliva-ção, há algumas diferenças entre elas, como acomposição química e a quantidade de gotas dasaliva (Benvenuti et al., 2009). Muitos proces-

sos comportamentais com relevância clínica en-volvem fenômenos nos quais as respostas con-dicionais e incondicionais são diferentes. Umexemplo é o desenvolvimento de tolerância edependência no uso de drogas como cocaína eheroína. Na perspectiva do comportamentorespondente, tais drogas exercem a função deestímulo incondicional na eliciação de respostasincondicionais – os efeitos no organismo. Entreeles, encontram-se respostas compensatórias,

pois, diante do distúrbio fisiológico produzidopela droga, o organismo reage com processosregulatórios opostos aos iniciais, cuja finalidadeé restabelecer o equilíbrio fisiológico anterior.

 As condições do ambiente, ao precederem siste-maticamente a presença da substância no orga-nismo, exercem função de estímulo condicio-nal e passam a eliciar os processos regulatórioseliciados pela droga (Benvenuti, 2007; Poling,Byrne e Morgan, 2000). Dessa forma, quanti-

dades cada vez maiores são necessárias para queos efeitos iniciais sejam produzidos no organis-mo, levando ao fenômeno conhecido como to-lerância . Depois disso, se a droga for consumi-da em um ambiente bastante diferente do usual(i.e., na ausência dos estímulos condicionaisque eliciam as respostas compensatórias), o or-ganismo pode entrar em colapso, visto que estádespreparado para receber aquela quantidadeda droga, o que é conhecido na literatura por

overdose   (Siegel, 2001). Ademais, a mera pre-sença dos estímulos condicionais que antecede-

ram o uso da droga pode eliciar os processos re-gulatórios (respostas condicionais) mesmo naausência da substância, produzindo o fenôme-

no denominado síndrome de abstinência  (Ben-venuti, 2007; Benvenuti et al., 2009; Macrae,Scoles e Siegel, 1987).

O domínio dos conceitos relativos aocomportamento e condicionamento respon-dentes, bem como sua articulação com con-ceitos da área operante, é fundamental paragarantir rigor à análise de fenômenos com-plexos. Na prática clínica, inúmeras queixasenvolvem interações entre processos respon-

dentes e operantes. A não identificação de re-lações respondentes como constitutivas doscomportamentos clinicamente relevantes, as-sim como a incapacidade de descrever sua in-teração com padrões operantes, certamenteconduzirá a um raciocínio clínico parcial einsuficiente. Por essa razão, recomenda-se aoclínico tanto o domínio dos conceitos res-pondentes quanto o aprofundamento na lite-ratura sobre interação operante-respondente,

com destaque para as pesquisas referentes àdependência química (Siegel, 1979, 1984,2001), imunossupressão como resposta eli-ciada em situações de estresse (Ader e Cohen,1975, 1993; Foltz e Millett, 1964) e episó-dios emocionais, como aqueles descritos pelaárea de supressão condicionada (Bisaccioni,2009; Blackman 1968a, 1968b, 1977, Estes eSkinner, 1941).

Na clínicaA compreensão das relações responden-tes é fundamental para o clínico analítico--comportamental. Este tipo de relaçãoorganismo-ambiente está contida em di-versos comportamentos, inclusive naque-les tidos como alvos de intervenção, comoansiedade generalizada, pânico, enfraque-cimento do sistema imunológico em situa-ções de estresse, dependências químicas,entre muitos outros fenômenos.

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Clínica analítico-comportamental 23

>  NOTA

  1. Para uma explicação detalhada sobre o comporta-mento operante, consulte o Capítulo 2.

>  REFERÊNCIAS

 Ader, R., & Cohen, N. (1975). Behaviorally conditionedimmunosuppression. Psychosomatic Medicine, 37 (4), 333-40.

 Ader, R., & Cohen, N. (1993). Psychoneuroimmunology:Conditioning and stress.  Annual Review of Psychology , 44 ,53-85.

 Allan, R. W. (1998). Operant-respondent interactions. In W. T. O’Donohue (Org.), Learning and behavior therapy(pp. 146-168). Boston: Allyn & Bacon.

Benvenuti, M. F. (2007). Uso de drogas, recaída e o papeldo condicionamento respondente: Possibilidades do traba-lho do psicólogo em ambiente natural. In D. R. Zamig-nani, R. Kovac, & J. S. Vermes (Orgs.), A clínica de portasabertas: Experiências e fundamentação do acompanhamentoterapêutico e da prática clínica em ambiente extraconsultório(pp. 307-327). São Paulo: Paradigma.

Benvenuti, M. F., Gioia, P. S., Micheletto, N., Andery, M. A. P. A., & Sério, T. M. A. P. (2009). Comportamento res-pondente condicional e incondicional. In M. A. P. A Andery, T. M. A. P. Sério, & N. Micheletto (Orgs.), Com- portamento e causalidade   (pp. 49-61). Publicação do Pro-grama de Estudos Pós-graduados em Psicologia Experimen-

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“Viva a operante! (Uma noção tão fecunda

como o operante precisa ser feminina.)”(Skinner, 1977, p. 1007). É dessa forma queestudantes de B. F. Skinner homenageiamesse conceito da análise do comportamentoem uma carta escrita ao seu professor. Defato, a formulação do conceito de operanteajudou, e continua a ajudar muito, no enten-dimento do comportamento humano. O ob-

 jetivo deste capítulo é apresentar o conceitode comportamento operante, relacionando-o

com aspectos da atuação do analista do com-portamento na prática clínica.

> COMPORTAMENTO

 Ao definir o que é comportamento, Skinner(1938/1991, p. 6) afirma que “comporta-mento é a parte do funcionamento do orga-nismo que está engajada em agir sobre ou ter

intercâmbio com o mundo externo”. Essaforma de tomar o comportamento como ob-

 jeto de análise, apesar de aparentemente

simples, foi inovadora por uma série de as-pectos, e vale a pena ser mais bem analisadaantes de se prosseguir. Primeiramente, Skin-ner apresenta o comportamento como ape-nas uma parte do funcionamento do orga-nismo. Esse fato já indica que, para se terum entendimento global do ser humano,outras áreas de conhecimento devem ser uti-lizadas. Em textos posteriores (por exemplo,Skinner, 1989/1995), o autor destaca a im-

portância de outras ciências como, porexemplo, as neurociências, para o entendi-mento completo do ser humano. Segundo oautor, é na cooperação entre essas áreas deconhecimento que o ser humano será total-mente entendido. Mas Skinner também dei-xa claro que as descobertas nessas outras áre-as não mudarão os fatos comportamentaisestudados pela análise do comportamento.Na visão de Skinner, provavelmente a análi-

se do comportamento será requisitada no es-clarecimento dos efeitos sobre o ser humano

2  Comportamento

operanteCandido V. B. B. Pessôa

Saulo M. Velasco

ASSUNTOS DO CAPÍTULO

Definição de comportamento como relação.>

  Comportamento operante como relação resposta-consequência.>

  Noção de classe de respostas definida pela relação com uma classe de estímulos.>

  Operante discriminado, a tríplice contingência.>

  Possibilidade de formação de cadeias comportamentais.

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Clínica analítico-comportamental 25

verificados por essas outras ciências (Skin-ner, 1989/1995).

 A segunda observação que pode ser fei-

ta a partir da definição de Skinner de com-portamento é o fato de que o comportamen-to é ação, um intercâmbio com o mundo.Essa forma de se analisar o comportamentofoi inovadora por mostrar o comportamentocomo uma relação. Antes de Skinner, era co-mum estudar-se o comportamento não comouma relação, mas sim como uma decorrência

do ambiente. Ao en-fatizar o intercâm-

bio, Skinner se preo-cupa em mostrarcomo aquilo que oindivíduo faz – asrespostas – se relacio-na com uma mudan-ça no ambiente – osestímulos. Por essaforma de análise, o

comportamento engloba o ambiente em uma

relação funcional e não mais é mecanicamen-te causado por ele. (Cabe ainda dizer que, nocaso do ser humano, a noção de “mundo ex-terno” engloba como estímulos aspectos domundo que se constituem da própria fisiolo-gia humana, ou, como Skinner (1974/1998)coloca, o mundo dentro da pele.)

 A escolha dos termos resposta e estímu-lo como os elementos a serem utilizados nadescrição do comportamento também foi

cuidadosamente feita:

O ambiente entra na descrição de um com-portamento quando pode ser mostrado queuma dada parte do comportamento pode serinduzida à vontade (ou de acordo com certasleis) por uma modificação de parte das forçasafetando o organismo. Tal parte , ou a modifi-cação desta parte, do ambiente é tradicional-mente chamada de estímulo, e a parte do com-portamento correlata, uma resposta . Nenhum

dos termos pode ser definido nas suas proprie-dades essenciais sem o outro. (Skinner,1938/1991, p. 9, itálicos no original).

 A análise desse trecho de Skinner(1938/1991) completa o entendimento datarefa de um analista do comportamento ao

descrever um comportamento. É importanteatentar para o fato de que a descrição do com-portamento não envolve apenas a narração deuma relação. Skinner destaca que o ambientea ser levado em conta é aquele que, quando semodifica, induz uma resposta. Esta modifica-ção no ambiente apenas será um estímulo sefor regularmente relacionada a uma resposta.

 A necessidade de identificar regularidadesmostra a preocupação que o analista do com-

portamento deve ter com previsão e controle.Não adianta descrever o ambiente ou as res-postas. É necessário descrever as relações re-gulares envolvendo os estímulos e as respos-tas. Só assim pode-se prever quando o acon-tecimento de um estímulo controlará aocorrência de uma resposta.

 A necessidade da descrição de regulari-dades leva o analista do comportamento anão trabalhar com acontecimentos únicos

(instâncias) de relações entre estímulos e res-postas. Para o analista do comportamento, éimportante considerar que a ocorrência deuma classe de respostas está relacionada àocorrência de uma classe de estímulos. A de-finição de uma classe de estímulos se dá entãopela relação dessa classe a uma classe de res-postas. Um exemplo pode ser dado, nesteponto, a partir de uma relação colocada nocapítulo anterior. Adiantaria muito pouco di-

zer que um cisco no olho eliciou uma respos-ta de piscar. O importante para o analista docomportamento é saber que alguns objetos,quando em contato com o olho, eliciam res-postas de piscar. Os objetos que cumpremessa função em relação à resposta de piscarformam a classe de estímulos eliciadores (daclasse) de respostas de piscar. Assim, pode-seprever que, toda vez que um estímulo dessaclasse ocorrer, ocorrerá também uma respostada classe de piscar. A noção de classe, apesarde poder ser utilizada na análise do compor-

Comportamento deveser entendido comorelação entre orga-nismo e ambiente, ouseja, o intercâmbioque ocorre entrerespostas emitidaspelo organismo eaqueles eventos douniverso que estãodiretamente relacio-nados a elas.

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26  Borges, Cassas & Cols.

tamento respondente, é fundamental para oentendimento do próximo tópico, o compor-tamento operante.

> COMPORTAMENTO OPERANTE

 Ainda na década de 30 do século XX, Skinnerpromove outra mudança importante nomodo de se estudar o comportamento. A par-tir de uma série de experimentos feitos por E.L. Thorndike, na virada do século XIX para oséculo XX, Skinner formula o conceito de

comportamento operante. O adjetivo ope-rante, que caracteriza esse comportamento,diferencia este do comportamento respon-dente, estudado no capítulo anterior. Nocomportamento respondente, as respostas são

eliciadas pela apre-sentação de um estí-mulo. Porém, bastauma rápida observa-ção das ações do ser

humano para se veri-ficar que nem todasas repostas emitidaspodem ser relaciona-das a estímulos eli-

ciadores. Essas outras ações eram interpreta-das como fruto de intenções ou propósitos doindivíduo (Skinner, 1938/1991). Porém,com o conceito de classe de respostas e classede estímulos, essa interpretação pôde ser mu-

dada. Foi possível verificar que a emissão decertas ações estava relacionada à produção dedeterminadas classes de estímulos. Nestecaso, a noção de classes permitiu o entendi-mento de como um estímulo que ocorre de-pois da emissão da resposta pode controlarsua emissão. Não é aquele estímulo que a res-posta produziu o que controlou a resposta.Foram instâncias passadas dessa relação queagora controlam a ocorrência da referida res-

posta. Assim, um comportamento operantese define pela relação entre uma classe de res-

postas e uma classe de estímulos. No com-portamento operante, a classe de estímulosque o define tem a função de fortalecer uma

classe de respostas. Esta função é chamada defunção reforçadora. Já a classe de respostas étambém chamada de um operante. Assim, oparadigma do comportamento operante podeser inicialmente apresentado da seguinte for-ma:

R SR 

no qual “R” representa uma classe de respos-

tas ou operante; “SR”, uma classe de estímu-los reforçadores, e “” representa a produ-ção de “SR” por “R”.

É importante atentar para o fato de queR pode produzir outras modificações no am-biente, além de SR. Porém, é a relação entre aemissão de R e a produção de SR que se defi-ne como um comportamento operante. Nes-se sentido, poderia ser dito que a causa de R éa produção de SR. Como, então, é possível

saber qual dentre as modificações no ambien-te produzidas por Rfoi a causa da suaemissão? Em outraspalavras, como saberqual o estímulo re-forçador da resposta?Isso é possível pelamanipulação contro-lada do ambiente e o

registro da variaçãona frequência comque a resposta ocor-re. Nesse caso, umaforma bastante usadaé a seguinte: primeiramente, medem-se asrespostas emitidas que se imagina que possamfazer parte do comportamento operante; emseguida, após a emissão da resposta, adiciona--se ou retira-se o evento ambiental que se

imagina estar relacionado a ela. Se houver al-teração na medida (por exemplo, na frequên-

Os comportamen- tos, ou as relaçõesorganismo-ambiente,podem ser de dife-rentes tipos. Assim,

não se deve con-fundir Respondentecom Operante, pois tratam-se de rela-ções distintas.

Comportamentooperante é umarelação organismo--ambiente emque a emissão derespostas de umindivíduo afeta/altera o ambiente,e, a depender destaalteração, respostas

semelhantes a estas terão sua probabil i-dade de ocorrênciafutura aumentada oudiminuída.

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Clínica analítico-comportamental 27

cia ou duração) das respostas após a manipu-lação do evento ambiental, tem-se uma forteindicação de que a relação entre as respostas

medidas e o evento manipulado constitui umcomportamento operante. Para se ter umaconfirmação dessa relação, pode-se suspendera operação de adição ou retirada do eventoapós a ocorrência das respostas. No caso docomportamento ser mesmo operante, espera--se que, depois de passado algum tempo dasuspensão da operação, a frequência ou dura-ção das respostas se aproxime da primeiramedida realizada.

Um exemplo simples do efeito do refor-çador sobre respostas operantes pode ser vistono trecho a seguir, fornecido por Matos(1981): uma criança com 1 ano e 6 meses deidade estava no início da aprendizagem dafala. Em determinado dia, a criança emitiupela primeira vez a palavra “papai”. Imediata-mente após a emissão, o pai, única pessoa,além da criança, presente na ocasião, fez umagrande festa para a criança, dando-lhe muitos

beijos e sorrisos. Viu-se que, no decorrer des-te dia e nos posteriores, a frequência da fala“papai” pela criança aumentou muito. Ela fa-lava “papai” diante do pai, diante da mãe ediante da babá, e todos lhe faziam elogios,davam-lhe beijos e sorriam sempre que issoocorria. Porém, rapidamente, mãe e babá pa-raram de fazer festa quando a criança emitia apalavra “papai” diante apenas delas. A criançarecebia os sorrisos e beijinhos apenas quando

emitia a palavra diante do pai. Em decorrên-cia disso, as emissões da palavra ficaram maisraras diante da mãe e da babá, mas continua-ram quando o pai estava presente.

Durante a descrição desse exemplo, fo-ram abordados o que Skinner (1968/1975)chama de processos comportamentais ou mu-danças no comportamento devido a determi-nadas operações. Os dois processos compor-tamentais foram reforçamento e extinção. Oprocesso de reforçamento é o aumento na fre-quência do comportamento devido à apre-

sentação contingente de um reforçador. Esseprocesso pode ser verificado no exemplocomo o aumento da

frequência da respos-ta “papai” emitidapela criança quandosorrisos e beijos fo-ram contingentes àsua emissão. O pro-cesso de extinção é adiminuição da fre-quência do compor-tamento em razão da

suspensão da apre-sentação contingentede um reforçador. Esse processo é evidencia-do no exemplo pela diminuição da frequên-cia com que a criança emitia a palavra “papai”diante da mãe ou dababá, após estas sus-penderem a apresen-tação de sorrisos ebeijos quando a pala-

vra era emitida dian-te apenas delas, e nãodo pai. Esses processos, ou mudanças nocomportamento (Skinner, 1968/1975), ocor-reram devido às operações de apresentação dereforçadores contingentes à emissão da res-posta.

Há estímulos reforçadores que aumen-tam a frequência (ou duração) de respostasque os antecedem por uma sensibilidade ina-

ta do ser humano a eles. Esses estímulos sãodenominados reforçadores incondicionados . Jáalguns outros estímulos adquirem a funçãoreforçadora devido à história particular de re-lações entre o ser humano e o ambiente emque ele vive. Esses estímulos, que dependemda história de vida para adquirir a função re-forçadora, são denominados reforçadores con-dicionados . Como cada ser humano tem umahistória particular de relação com o ambien-te, o que funciona como reforçador condicio-nado para respostas de um ser humano pode

Reforçamento é oprocesso em quehá o fortalecimentode uma classede respostas emdecorrência dasconsequências queela produz. A essasconsequências que tornam as respostasdesta classe maisprováveis, dá-seo nome de refor-çador ou estímuloreforçador.

Um comportamentooperante é enfraque-cido (podendo serinclusive cessado)através da quebrada relação resposta--reforçador.

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28  Borges, Cassas & Cols.

não funcionar para respostas de outro ser hu-mano que tem outra história de vida (Skin-ner, 1953/2003). Cabe ao analista do com-

portamento identificar quais mudanças am-bientais são reforçadores em cada caso anali-sado. Como será visto no capítulo sobre ope-rações motivadoras, será necessária, ainda, a

verificação de se o re-forçador, incondicio-nado ou condiciona-do, está momenta-neamente estabeleci-do como tal.

Guedes (1989)oferece um exemplo,ocorrido na clínica,no qual um compor-tamento operanteestá bem claro paraser analisado. Duran-te um momento deum processo terapêu-tico em que um casal

comparecia às sessõespara analisar a rela-ção com os filhos, opai relata:

Eu estava lendo o jornal, minha filha menorchegou perto me chamando e puxando o jor-nal da minha mão. Falei que naquela hora nãopodia e segurei firme o jornal. Ela, percebendoque não podia puxar, começou a rasgar ponti-nha por pontinha do jornal. E eu quieto. Ela

quietinha, olhando para mim e rasgando. Ni-tidamente, naquela hora ela queria atenção.Felizmente, chegaram a mãe e o outro filho, ea atenção dela acabou sendo desviada. Nãofosse isto, não sei como terminaria essa histó-ria (Guedes, 1989, p. 1).

Um ponto de destaque neste exemplo éa mudança nas respostas emitidas pela crian-ça. Primeiro, a criança emitiu respostas dechamar o pai e puxar o jornal, e depois pas-

sou a emitir respostas de rasgar o jornal.Como pode ser observado, as formas ou, tec-

nicamente falando, a topografia das respostasmudou ao longo do episódio, mas a funçãodas respostas continuou a mesma, ou seja,

obter a atenção do pai. Uma relação operan-te se caracteriza por uma relação funcionalentre a resposta e a produção do reforçador.

 Assim, é importante que o analista do com-portamento não se prenda à topografia daresposta, e sim à sua função, ou seja, qual re-forçador essa resposta produziu no passado,pois é devido a essa história de reforçamentoque a resposta voltou a ser emitida. Todas es-sas respostas com uma mesma função for-

mam o que se chama de um operante. Reto-mando, então, um operante é uma classe derespostas definida pela sua função, qual seja,produzir uma determinada classe de reforça-dores (Skinner, 1969). Entretanto, não sepode dizer que somente as respostas que pro-duzem o reforçador fazem parte do operante(Catania, 1973). Várias outras respostas po-dem ser geradas ou modificadas pela apre-sentação de um reforçador contingente a um

operante. No exemplo de Guedes (1989), to-das as respostas que tinham por função pro-duzir a atenção fazem parte do operante, enão apenas aquela que efetivamente produ-ziu o reforçador esperado.

Um segundo fato a ser destacado nesseexemplo é a relação, identificada corretamen-te pelo pai, entre as respostas da filha, dechamá-lo e puxar o jornal, e o reforçador queessas respostas parecem produzir, isto é, a

atenção do pai. Nesse caso, o próprio clienteidentificou a relação operante. Porém, issonão é nem comum, nem esperado. Ou seja, oser humano geralmente não descreve uma si-tuação nos termos aqui explicitados e nemaponta as relações funcionais existentes entrea resposta e suas consequências mantenedoras(Skinner, 1969). Cabe ao analista do com-portamento explicitar estas relações, como,por exemplo, no caso da terapia, dando pistas

que permitam ao cliente descrever seus pró-prios comportamentos (Guedes, 1989).

Os eventos do uni-verso podem afetarum organismo desdeo seu nascimento oua partir de uma his- tória de aprendiza-gem deste organis-

mo. A estes eventosdamos os nomesde incondicionadose condicionados,respectivamente.

No caso deestes eventos seremproduzidos pelasrespostas de umindivíduo, tornando--as mais fortes (commaior probabilidadede ocorrência futu-

ra), dão-se os nomesde reforçadoresincondicionados oucondicionados.

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Clínica analítico-comportamental 29

> OPERANTE DISCRIMINADO

O comportamento

operante não ocorrea despeito do contex-to em que o indiví-duo está (Skinner,1953/2003). Com otempo, o operantepassa a ocorrer só emdeterminadas situa-ções. Isso ocorre por-que só em determi-

nadas situações aemissão da respostaproduz o reforçador.Retomando o exem-plo da criança apren-dendo a falar, a res-posta “papai” foi, ini-

cialmente, emitida na presença do pai e foiseguida de sorrisos e beijos. Esse fato levou acriança a emitir a mesma resposta em situa-

ções parecidas, como a presença da mãe e dababá. A esse aumento da frequência de res-postas em situações semelhantes àquela emque a resposta foi inicialmente reforçada dá--se o nome de generalização.

E como o controle pela situação antece-dente se estabelece? Novamente, recorrendo--se ao exemplo da criança aprendendo a falar,pode-se ver que, com o processo de extinçãoda resposta, ou seja, diante da suspensão da

apresentação de reforçadores quando a pala-vra “papai” era emitida na frente da mãe ouda babá sem que o pai estivesse presente, falar“papai” deixou de ser emitido nestas situa-ções. Entretanto, diante do pai, o reforçadorcontinuou a ser apresentado contingente àemissão da resposta. O resultado do reforça-mento em uma situação e da extinção nas ou-tras resultou no que se chama de um operan-te discriminado. A resposta de falar “papai”

tinha grande probabilidade de ocorrer quan-do o pai estava presente e apenas nesta situa-

ção. A forma maissimples de o ambien-te antecedente evo-

car o reforço (emis-são reforçada de umaresposta) é pela ocor-rência sistemática doreforço na presençade um estímulo (estí-mulo discriminativo)e a não ocorrência doreforço na ausênciadesse estímulo (estí-

mulos delta). Essa sequência de eventos échamada de reforçamento diferencial ou trei-no discriminativo. Vale ressaltar que, por de-pender de uma história para ser estabelecido,o estímulo discriminativo é tido como umasíntese da história de reforçamento de um in-divíduo (Michael, 2004). Retomando oexemplo de Guedes (1989), a presença do paifoi o estímulo discriminativo que evocouaquelas respostas que aparentemente funcio-

navam para produzir a atenção do pai. Na au-sência do pai, muito provavelmente, a criançanão o chamaria.

 Após o estabelecimento da relação decontrole discriminativo entre a situação ante-cedente e o operante, diz-se que o operantetornou-se um ope-rante discriminado.Tem-se, então, a uni-dade básica para a

análise do comporta-mento operante, atríplice contingência.O comportamento operante é composto, por-tanto, por três elementos – estímulo discrimi-nativo, operante e reforçador – e por duas rela-ções: a relação entre o operante e a classe de re-forçadores que o mantém e a relação entre essasituação (relação) de reforçamento e o estímu-lo discriminativo diante do qual esse reforça-mento ocorre. O paradigma operante pode serfinalmente apresentado da seguinte forma:

Frequentemente, os

operantes tornam--se mais prováveisde ocorrer naquelassituações/contextosem que foram refor-çados. Quando issoacontece, diz-se que trata-se de um ope- rante discriminado ,ou seja, esta relaçãooperante ocorre sobinfluência de umcontexto que a evoca

e tem baixa probabi-lidade de ocorrêncianum contexto distinto.Esse contexto quepassa a evocar aresposta recebe onome de estímulodiscriminativo  (SD).

Um operantediscriminado tendea ocorrer tambémdiante de outroscontextos semelhan- tes àquele inicial-mente condicionado.

A esse processoem que há a trans-ferência da funçãoevocativa de umcontexto para outrossemelhantes a estedá-se o nome degeneralização .

Um operante discri-minado é compostode duas relações:entre resposta e re-

forçador, operante eentre este operantee seu contexto.

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30  Borges, Cassas & Cols.

SD: R SR 

no qual “SD” representa o estímulo discrimi-

nativo; “R” representa uma classe de respos-tas ou operante; “SR” representa uma classede estímulos reforçadores e “” representa aprodução de “SR” por “R”.

Um fato importante ocorre quando seestabelece uma discriminação operante. Aoadquirir a função de estímulo discriminativo,o mesmo estímulo pode adquirir função dereforçador condicionado para outro operante

(Skinner, 1938/1991;

para a exceção, vejaFantino, 1977). Issopermite que cadeiasde comportamentose estabeleçam, ouseja, que várias trípli-ces contingências sesucedam. Retornan-do mais uma vez aoexemplo clínico for-

necido por Guedes(1989), a atenção dopai foi provavelmen-

te reforçadora para as respostas de puxar o jornal ou rasgá-lo. Além dessa função, a mes-ma atenção provavelmente se constituía emestímulo discriminativo para a emissão deoutras respostas, tais como brincar ou con-versar com o pai. Essa dupla função do estí-mulo – como reforçador para a resposta que

o antecede e discriminativo para a respostaque o sucede – permite o entendimento decomo poucas sensibilidades inatas do ser hu-mano podem se transformar em muitos estí-mulos reforçadores das mais variadas formase que podem não ter absolutamente nada deinatos.

Em síntese, viu-se que o termo compor-tamento operante refere-se, primeiramente, a

uma relação entre respostas e reforçadores.Viu-se também que um operante é uma classede respostas definida pela relação com uma

classe de estímulos reforçadores. Viu-se aindaque, com o treino discriminativo, o compor-tamento operante é colocado sob controle deestímulos. E que, como decorrência do estabe-lecimento desse controle, é possível a forma-ção de novos estímulos reforçadores e o esta-belecimento de longas cadeias comportamen-tais. Finalmente, destacou-se que a unidadebásica da análise do comportamento operanteé a tríplice contingência, formada por três ele-

mentos e duas relações. A identificação dosoperantes e das situações em que estes operan-tes são emitidos (estímulos discriminativos) éo ponto de partida para uma análise do com-portamento. E viva a operante!

Quando um eventocomeça a exercerfunção de estímulodiscriminativo paraum operante, elepassa automatica-mente a ter impor- tância para aqueleindivíduo. Assim, elepoderá ser utilizadocomo reforçadorpara outras res-postas, tornando

possível o estabele-cimento de cadeiascomportamentais.

Na clínicaQuase a totalidade dos comportamentos

humanos são derivados de relações ope-rantes. Assim, conhecer o conceito deoperante é fundamental para se pensarem predição e controle de comportamen-to. É a partir dessa noção de operante queo clínico começa sua investigação e, pos-teriormente, planeja suas intervenções,buscando identificar quais são os reforça-dores e os estímulos discriminativos (con-tingências) relacionados às queixas docliente. Muitos exemplos deste tipo de re-lação organismo-ambiente serão dadosao longo deste livro. Todavia, para ilustrar-mos, imagine um menino que bate na ir-mãzinha menor toda vez que sua mãe estápresente e não bate em sua ausência. Háde se supor (e o clínico deverá testar estahipótese) que o comportamento de baterdesta criança é um operante discriminado,em que a presença da mãe exerce funçãode SD e evoca a resposta de bater do me-nino, produzindo, como consequência, aatenção da mãe (reforçador).

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Clínica analítico-comportamental 31

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 Ao estudarmos o conceito de operação moti-vadora, continuamos a discutir fundamental-mente como os fatores ambientais influen-ciam nossas ações, sentimentos e pensamen-tos. Assim, antes de entrarmos nessa questão,vale a pena dedicarmos este início do capítulopara esclarecer o papel do ambiente na deter-minação do repertório comportamental dosindivíduos.

Se perguntarmos para alguém “o que éambiente?”, a provável resposta será “tudoaquilo que nos cerca” ou “o lugar onde as coi-sas acontecem”, que coincide com a definiçãodo dicionário Aurélio (Ferreira, 2008). Con-siderando essa definição, ambiente é entendi-do como algo que existe independentementedo fenômeno comportamental. No entanto,o Behaviorismo Radical propõe outra defini-ção para ambiente, contrapondo-se à visão

naturalista (Tourinho, 1997). Este autor dis-cute que aquilo que cerca o organismo de

modo geral é o universo, reservando ambien-te para aquela parcela do universo que afeta oorganismo. Assim, o ambiente é a parcela douniverso que deverá ser considerada junta-mente com o responder que ele afeta para sefalar de comportamento.

Dado que ambiente é parte do fenôme-no comportamental, podemos começar a dis-cutir de que maneiras esses eventos ambien-

tais afetam o responder de um organismo. Se-gundo Michael (1983), tais eventos exercemduas possíveis funções:

a) evocativas eb) alteradoras de repertório.

Em suas palavras:

 As diversas relações ou funções comportamen-tais podem ser chamadas de “evocativas” quan-do nos referimos a uma mudança imediata, po-rém temporária, no comportamento produzido

3  Operações

motivadorasLívia F. Godinho Aureliano

Nicodemos Batista Borges1

ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  Definição de ambiente.>

  Estímulos antecedentes e consequentes.>

  Funções (papéis) de estímulos: evocativo ou alterador de função.>

  História da motivação na análise do comportamento.>

  Operações motivadoras e suas funções.>

  Tipos de operações motivadoras: estabelecedoras versus  abolidoras, condicionais versus  incondicionais.

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Clínica analítico-comportamental 33

por um evento ambien-tal, e ‘alteradora de reper-tório’ quando nos referi-mos ao último eventoque pode ser melhor ob-servado quando as condi-ções que o precederamestão novamente presen-tes (Michael, 1983, p.2).

Quando o au-tor se refere à funçãoevocativa do ambien-te, ele destaca a alte-

ração da força de umaresposta diante desteevento. Em outras

palavras, uma resposta já existente no repertó-rio de um organismo terá sua probabilidade deocorrer MOMENTANEAMENTE alterada –

tornando-a mais oumenos provável – deacordo com o eventoambiental. Os estí-

mulos que exercemfunção evocativa são:os incondicionais econdicionais (nas re-lações respondentes)e discriminativos eoperações motivado-ras incondicionais econdicionais (nas re-lações operantes).2

 Já ao falar dafunção alteradora de repertório dos eventosambientais, Michael (1983) quer destacarpelo menos duas funções importantes:

a) a de selecionadora, que o ambiente exercesobre o repertório de um organismo, e

b) a de tornar o organismo sensível a aspec-tos do universo – ambiente para determi-nadas respostas –, ou seja, tornando-oparticularmente sensível a fatores ambien-tais que antecedem o responder.

Em ambos os casos, tratam-se de mu-danças DURADOURAS no repertório doorganismo. Alguns estímulos que exercem tal

função são: reforçadores, punidores e as ope-rações motivadoras condicionadas.Desse modo,

Michael (1983) pro-põe que os estímulospodem ter dois pa-péis importantes emuma relação compor-tamental: ora muda-rão o repertório do

indivíduo, tornando--o diferente; ora evo-carão respostas que oindivíduo já aprendeu em sua história. E, se-gundo o autor, as operações motivadoras po-derão exercer esses dois papéis, a depender daocasião.

Como dissemos anteriormente, as ope-rações motivadoras são eventos a serem con-siderados quando falamos de comportamen-

to. Elas são parte do ambiente que interagecom o organismo, tendo como resultadosdesta interação um organismo e ambientemodificados. Também já discutimos os tiposde função que os eventos ambientais, dentreeles as operações motivadoras, podem exercersobre o repertório comportamental de um or-ganismo. Antes de prosseguirmos e apresen-tarmos seus tipos e definições, faremos umabreve descrição da evolução desse conceito.

> HISTÓRIA EEVOLUÇÃO DO CONCEITO

 A busca pela explicação sobre o porquê daspessoas se comportarem de determinadas ma-neiras é a base do questionamento da psi-cologia na tentativa de entender o ser huma-no. Para a Análise do Comportamento, dize-mos que essa resposta é encontrada na históriade relação do indivíduo com o seu ambiente.

Os estímulos podem ter dois papéisimportantes em umarelação comporta-mental: ora mudarãoo repertório doindivíduo, tornando--o diferente; oraevocarão respostasque o indivíduo jáaprendeu em suahistória

Ambiente é o termoempregado para sereferir àquela par-cela do universo queafeta o organismo.

Os estímulospoderão ser di-vididos em duasgrandes classes:os que ocorreremantes da respostaserão conhecidoscomo EstímulosAntecedentes  eos que sucede-rem a respostaserão Estímulos

Consequentes .

O ambiente afeta oorganismo de duasformas: evocandorespostas ou alte-rando repertórios. Afunção evocativa ouinstanciadora exerceum efeito momen- tâneo, fazendo comque uma resposta jáaprendida ocorra. Afunção alteradorade repertório, ou se-lecionadora, exerceum efeito duradouro,ensinando uma novarelação.

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34   Borges, Cassas & Cols.

Estudiosos dofenômeno motivacio-nal de diferentes refe-

renciais têm tentadoresponder a pergun-tas do tipo: “o quefaz com que alguémse comporte de uma

determinada maneira?” e “será que o valordos eventos é sempre o mesmo em todas as si-tuações?”. No nosso referencial teórico nãofoi diferente. Keller e Schoenfeld (1950/1974)afirmavam que

uma descrição do comportamento que não le-vasse em conta esta outra espécie de fator [quenão só o reforçamento e o controle por estí-mulos], que hoje se chama motivação, estariaincompleta. (Keller e Schoenfeld, 1950/1974,p. 277)

O primeiro manuscrito que encontra-mos para falar de motivação em Análise doComportamento foi escrito por Skinner

(1938). Nele, o autor se refere a drives  comoum grupo específico de variáveis que atuamno fortalecimento ou enfraquecimento docomportamento. Vale atentar que Skinnerdefendia o drive  não como estado interno doorganismo, mas sim como operações ambien-tais, destacando privação e saciação. Todavia,como essa não parecia ser sua maior preocu-pação na época, esse conceito foi pouco ex-plorado.

Em 1950, Keller e Schoenfeld dedicamum capítulo inteiro para discutir os eventosmotivacionais. A esse capítulo os autores atri-

buem o título “Moti-vação”, mas tratam ofenômeno utilizandoo termo impulso parase referirem a modi-ficações no respon-der e às suas opera-ções ambientais cor-respondentes. Dessa

forma, os autores defendem que o impulsonão pode ser entendido como um estado in-terno, mas sim como produto da relação en-

tre organismo e ambiente, não podendo seratribuído a apenas um dos lados. Essa pro-posta já se aproximava em muitos aspectos àposteriormente apresentada por Michael(1983).

Três anos após a publicação de Keller eSchoenfeld, Skinner (1953/1998) dedica umcapítulo de seu livro sobre comportamentohumano para discutir a motivação. Destaca--se nessa obra o abandono do termo drive e a

inclusão de estimulação aversiva como fatormotivacional. Neste momento, Skinner de-fende uma visão semelhante à de Keller eSchoenfeld (1950/1974).

Outro autor que apresentou o conceitode motivação apontando para as variáveisambientais foi Millenson (1967/1975). Emseu manual, o autor também se refere à moti-vação como operações de impulso, com fun-ção de alterar o valor da consequência,

aumentando-a (através de operação de priva-ção) ou diminuindo-a (através de operaçãode saciação).

Nota-se, então, que esses autores (Skin-ner, 1938, 1953/1998; Keller e Schoenfeld,1950/1974, e Millenson, 1967/1975), apesarde não utilizarem a nomenclatura operaçãomotivadora (que foi cunhada mais tarde), en-fatizaram o papel das variáveis ambientais nacompreensão do fenômeno motivação, além

de destacarem a importância de entender esseconceito como produto da relação entre o or-ganismo e os eventos ambientais, negando,portanto, qualquer caráter mediador interno.

Em artigo dedicado à distinção entreestímulos com função discriminativa e moti-vacional, Michael (1982) propôs o termooperação estabelecedora 3  para se referir aosestímulos antecedentes envolvidos numa re-lação comportamental e que estão relaciona-

dos aos aspectos motivacionais. Este autoraponta para a necessidade de se utilizar um

A explicação sobre oporquê das pessoasse comportaremde determinadas

maneiras encontra--se nas histórias deinteração daqueleindivíduo com seumeio.

O impulso não podeser entendido comoum estado interno,mas sim comoproduto da relaçãoentre organismo eambiente, não po-dendo ser atribuído

a apenas um doslados.

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Clínica analítico-comportamental 35

termo mais geral, que pudesse abarcar even-tos como: ingestão de sal, mudanças de tem-

peratura, estimula-

ção aversiva (dentreoutros), e seus efeitossobre os organismos,além das operaçõesde privação e sacia-ção, já extensamenteanalisadas por outrosautores. Todos oseventos menciona-

dos têm em comum dois efeitos sobre o com-

portamento:

 1. alteram a efetividade de algum objeto ouevento como reforçador (positivo ou nega-tivo) ou punidor (positivo ou negativo) e

 2. alteram a probabilidade de respostas queno passado tenham produzido tal conse-quência.

Michael foi um dos autores que mais se

dedicou ao estudo desse conceito, fazendo di-versas reformulações para refiná-lo (Michael,1983; Michael, 1993 e Michael, 2000), atéque, em um artigo intitulado Motivative ope-rations and terms to describe them: some furtherrefinements 4  (Laraway, Snycerski, Michael ePoling, 2003), ele apresenta, juntamente comtrês outros autores, uma última versão doconceito. Neste artigo, os autores incluemsob o rótulo “operação motivadora” não só as

operações estabelecedoras como as operaçõesabolidoras – que, como veremos adiante,tratam-se de eventos que, em vez de evoca-rem respostas que produzem o reforçador,suprimem-nas.

> DEFINIÇÕES DEOPERAÇÕES MOTIVADORAS

Chamamos de operações motivadoras todo equalquer evento ambiental (seja uma opera-

ção ou condição de estímulo) que afeta umoperante de duas maneiras:

 1. alterando a efetividade dos estímulos con-sequentes (reforçadores ou punidores) e 2. modificando a frequência da classe de res-

postas que produzem essas consequências.

Quando dize-mos que as operaçõesmotivadoras alterama efetividade dos estí-mulos consequentes

(item 1 da defini-ção), devemos aten-tar para as duas pos-sibilidades: aumen-tar ou diminuir talefetividade. Dessa forma, uma subdivisão setorna necessária. Restringiremos o termo ope-ração estabelecedora para nos referirmos aoseventos ambientais que tornam as respostasde uma classe operante mais prováveis de se-

rem emitidas por aumentar a efetividade re-forçadora ou diminuir a efetividade punidorada consequência. Poroutro lado, utilizare-mos o termo opera-ção abolidora paranos referirmos àque-les eventos que tor-nam respostas dessaclasse operante me-

nos prováveis deocorrerem, por dimi-nuírem a efetividadereforçadora ou aumentar a efetividade puni-dora da consequência. Em outras palavras, asoperações estabelecedoras estão relacionadasao aumento da frequência de respostas, en-quanto as operações abolidoras referem-se àdiminuição da frequência de respostas. Dessemodo, ambas, operações estabelecedoras e

operações abolidoras, são operações motiva-doras.

As operaçõesmotivadoras tratam--se de estímulosantecedentesenvolvidos em umarelação comporta-mental e que estãorelacionados aosaspectos motiva-cionais daquelecomportamento.

A primeira funçãode uma operaçãomotivadora é alterara efetividade dos es- tímulos consequen- tes. Todavia, deve-seatentar para o tipo

de alteração queela pode exercer:aumentando ou dimi- nuindo a efetividadedaquele estímulo.

As operaçõesmotivadoras podemser estabelecedorasou abolidoras, adepender da funçãoque exercem sobrea resposta, aumen- tando ou diminuindo,respectivamente,

a probabilidadeda resposta a seremitida.

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36  Borges, Cassas & Cols.

Como exemplos de operações estabele-cedoras, podemos analisar a resposta de umacriança de pedir colo para sua mãe. Em uma

situação em que a mãe fica longe da criançadurante muitas horas, devido ao seu traba-lho, esse tempo tem o efeito de aumentar ovalor reforçador da presença da mãe e au-mentará a frequência de toda uma classe derespostas que produz a aproximação com amãe, como o pedir colo. Em outra situação,suponhamos que uma garota esteja na praiacom sua família e, conforme as horas pas-sam, o calor vai ficando cada vez maior, fa-

zendo com que a garota comece a ir mais ve-zes tomar banho de mar, refrescar-se na du-cha e até mesmo a pedir dinheiro para o seupai para comprar um sorvete. Podemos con-siderar que esse aumento da temperatura foiuma operação estabelecedora que aumentouo valor aversivo do calor e produziu um au-mento da frequência da classe de respostasque tinha como consequência diminuir oucessar a sensação de calor.

Como exemplos de operações abolido-ras, podemos analisar a resposta de um rapazpropor aos amigos uma feijoada no sábado e,após comerem a feijoada, os amigos agitam

um encontro no dia seguinte para continua-rem se confraternizando. Nessa ocasião, nãomais observamos o rapaz propor a feijoada;

isso porque comer a feijoada se constituiucomo uma operação abolidora que a tornoumenos atrativa e diminui respostas que te-nham como consequência produzir feijoada– pois, além de não propor a feijoada para odia seguinte, o rapaz nem mais vai ao bufê fa-zer outro prato. Em outra situação, um uni-versitário que apresenta um histórico de fra-casso na disciplina de anatomia teve seu pe-queno esforço de ler a matéria antes da prova

consequenciado com uma nota dois (em umaprova que valia de zero a dez) e, consequente-mente, ficou retido na disciplina – o que con-tribuiu para o trancamento do curso. Supõe--se que a reprovação teve função de operaçãoabolidora, pois tornou o evento ir à faculdademais aversivo e suprimiu sua resposta defrequentá-la.

Com os exemplos, verificamos que te-mos dois tipos de operações motivadoras: as

estabelecedoras e as abolidoras. Todavia, ou-tra classificação dessas operações ainda se faznecessária. Tratam-se das operações motiva-doras incondicionais e condicionais.

FIGURA 3.1 Representação gráfica da definição de operações motivadoras.

Operaçõesmotivadoras

Estabelecedoras

Abolidoras

Aumentam o valorreforçador doestímulo

ou

Diminuem o valorpunidor do estímulo

Diminuem o valorreforçador doestímulo

ou

Aumentam o valorpunidor do estímulo

Aumentam afrequência daclasse operante

relacionada aesses estímulos

Diminuem afrequência daclasse operanterelacionada aesses estímulos

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Clínica analítico-comportamental 37

> OPERAÇÕES MOTIVADORASINCONDICIONAIS ECONDICIONAIS

Para completarmosa definição de ope-rações motivadoras,precisamos discutiros seus diferentes ti-pos. Se observarmosdiferentes organis-mos, concluiremosque existem opera-ções ou condiçõesque alteram o valorde alguns estímulossem que, para isso,haja a necessidadede uma história deaprendizagem espe-cial. Assim, estamosdizendo que todosos organismos nas-cem sensíveis a even-tos aversivos e apeti-

tivos, que poderão se tornar reforçadores oupunidores, a depender da relação que apren-dem ao longo da sua história particular. A es-sas operações, Michael (1993) deu o nome deoperações motivadoras incondicionadas,como são exemplos a privação, a saciação e aestimulação aversiva. Michael (1993) apresen-

ta a seguinte passagem para tratar desta classi-ficação:

Nascemos provavelmente com a capacidadede nosso comportamento ser mais reforçávelpor comida como resultado de privação de co-mida, e mais reforçável pela cessação da dorcomo resultado da apresentação da dor, mastemos que aprender que a maioria dos com-portamentos que produzem comida e o térmi-no da dor são tipicamente evocados por essasoperações estabelecedoras [operação motiva-dora] (Michael, 1993, p. 194).

Dessa forma, éimportante compre-endermos que o ter-

mo incondicional éatribuído à naturezade alguns eventos,como apetitivos ouaversivos, para osquais os organismos

 já nascem sensíveis –ou seja, são capazesde afetar o organis-mo. No entanto, os comportamentos em re-

lação a tais eventos se dão a partir de umaaprendizagem específica. Por exemplo, quan-do nos referimos à privação de água, esta-mos nos referindo a uma condição que afetao indivíduo. Todavia, ela ainda não deve re-ceber o qualificador operação motivadora,pois até aqui não fa-lamos dela em rela-ção a nenhuma res-posta. Por outro

lado, quando essacondição for rela-cionada com algu-ma resposta que te-nha como resultadoa saciação dessa pri-vação de água – porexemplo, a pressãoà barra do rato, pe-dir um copo com

água ou dirigir-se ao bebedouro – a privaçãode água passará a receber o rótulo de opera-ção motivadora incondicional.

Por outro lado, ao longo da nossa his-tória, tornamo-nos sensíveis a outros even-tos aos quais não éramos, como, por exem-plo, o dinheiro. Essa sensibilidade é adquiri-da a partir de aprendizagens que relaciona-ram tais outros eventos a eventos aversivosou apetitivos de alguma forma. Esses even-tos, assim como os incondicionais, poderão

Os organismosnascem sensíveis aeventos aversivos eapetitivos, sendo talsensibilidade herda-da geneticamente.Os qualificadoresaversivo e apetitivosão atribuídos deacordo com o valorde sobrevivência

destes eventos paraa espécie.

Todavia, será apartir da históriaparticular de intera-ção com o ambienteque cada um desteseventos começará aganhar suas funções,ou seja, tornar-se-áestímulo para de- terminada resposta,como, por exemplo:

reforçador, discrimi-nativo, etc.

É importante res-saltar que o termoestímulo deve serreservado àqueleseventos que exer-cem uma função específica na rela-ção comportamental,sendo o termo even- to empregado parase referir a qualquercoisa a despeito desua função.

Os termos condicio- nal ou incondicional  serão aplicados àsoperações motiva-

doras da mesmaforma como em todos os outroscasos, ou seja, parase referirem àqueleseventos que afetamo organismo a partirdas experiênciaspessoais do orga-nismo ou através deherança genética,respectivamente.

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38  Borges, Cassas & Cols.

exercer diferentes funções em relações com-portamentais, inclusive de operações moti-vadoras condicionais. Por exemplo, andar de

ônibus lotado diariamente (operação estabe-lecedora) é uma condição que leva a pessoa aaplicar parte de seu salário na poupança (res-posta) visando à compra de um carro (refor-çador). Vamos considerar outro exemplo:andando no shopping , uma moça avista umavitrine com várias roupas interessantes, mascom valores bastante altos. A partir desseepisódio, essa moça começou a trabalharmais, fazendo horas extras e acumulando

outras atividades. Dessa maneira, ela acu-mulou dinheiro suficiente para adquirir asroupas da vitrine. Neste exemplo, se anali-sarmos as respostas da moça de trabalharmais, podemos inferir que o dinheiro conse-guido como consequência dessa resposta éreforçador (para a resposta de trabalhar). Noentanto, o valor reforçador do dinheiro, nes-sa situação, foi estabelecido pelo episódio deela ter avistado objetos que, para serem ad-

quiridos, precisariam de dinheiro. Nessa re-lação, chamamos de operação motivadoracondicional essa condição de avistar tal vi-trine.

Michael (1993) apresenta outras pro-postas de classificação das operações motiva-doras condicionais que não serão abordadasneste capítulo, isso porque nosso objetivo foiapresentar o conceito de operação motivado-ra, bem como um breve histórico de sua evo-

lução e algumas classificações. Para os interes-sados, sugerimos a leitura de Michael (1993),da Cunha e Isidro-Marinho (2005) e Pereira(2008).

Na clínicaO clínico analítico-comportamental é con-tratado pelo cliente para, no mínimo,ajudá-lo a analisar e mudar as relações

que o levaram a procurar ajuda. Desde oprimeiro momento de contato, o clínicoserá parte do ambiente do cliente, pois, de

algum modo, estará afetando-o. Se consi-derarmos a classificação proposta por Mi-chael (1983), segundo a qual o ambientepode exercer função evocativa e alterado-ra de repertório, e a relacionarmos com asetapas de um processo clínico, diríamosque, no início do trabalho, o analista docomportamento poderá se permitir exer-cer exclusivamente função evocativa. To-davia, o cliente nos procurou solicitandomudanças e, dessa forma, em algum mo-mento, deveremos exercer função altera-dora de repertório. Caso contrário, não ha-veria o porquê do nosso trabalho.

Vejamos um exemplo em que o clientechega com uma queixa de “transtorno dopânico”, diagnóstico que recebeu do psi-quiatra. Ele relata ao clínico que os “ata-ques de pânico” ocorrem a qualquer mo-mento, em qualquer lugar. Por esse moti-vo, deixou de frequentar muitos lugares,permanecendo boa parte do seu dia emcasa, lugar onde se diz seguro. Após in-vestigações mais minuciosas, o clínicoidentifica que as diversas situações em

que os “ataques” ocorreram tinham emcomum eventos privados: taquicardia, su-dorese, desconforto, etc.; e respostas de

fuga: abandonar o local, deixar de fazer asatividades que estava executando, etc.Questionado sobre como sente esses“eventos privados”, o cliente relata seruma sensação de perda de controle e, al-gumas vezes, diz que acredita que morre-rá. Analisando tais relatos, podemos le-vantar a hipótese de que os estímulos pri-vados exercem função de operação

motivadora do tipo estabelecedora, poisesta aumenta o valor reforçador da elimi-nação de tais estímulos e evoca respostasde fuga (abandonar o local) e esquiva (nãosair de casa).

Ao identificar tal relação, o clínicopode optar por algumas estratégias quevisem alterá-la. Uma delas poderia ser le-var o cliente a identificar outras situaçõesnas quais ele sinta os mesmos eventosprivados, com o objetivo de diminuir o va-lor aversivo desses eventos. Caso o clien-te consiga concluir que esses mesmoseventos privados (taquicardia, sudorese,

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Clínica analítico-comportamental 39

sendo empregado o termo “operação motivadora”para se referir às operações motivacionais às quaisele se refere nesse artigo.

  4. Tradução: Operações Motivadoras e termos para

descrevê-las: alguns refinamentos.

> REFERÊNCIAS

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etc.) ocorrem em muitas outras situaçõesde sua vida que não são necessariamente“perigosos” e que se tratam apenas de

sensações corporais que foram empare-lhadas com um episódio aversivo, é possí-vel que ele consiga não mais emitir res-postas de fuga e/ou esquiva dessas situa-ções. Dessa maneira, estará criada acondição para que “novas” respostas se-jam emitidas, produzindo outros reforça-dores que as selecionarão. Assim, tere-mos uma mudança de repertório, deixan-do de fortalecer classes de evitação efortalecendo classes de enfrentamento.Nesse caso, o clínico optou por tentar alte-

rar a função da operação estabelecedora,no caso mencionado, os eventos priva-dos, fazendo assim com que o valor aver-sivo de ficar na situação diminua e possi-bilite ao cliente enfrentá-la.

Para finalizar, gostaríamos de destacarque a evolução do conceito de operações mo-tivadoras não descarta a necessidade de conti-

nuarmos a estudá-lo a partir de diferentes ob- jetivos: seja o de entender cada vez melhor opróprio conceito e como ele influencia ocomportamento, seja com o objetivo de com-preender suas implicações em situações deaplicação, como na clínica analítico-compor-tamental.

> NOTAS

  1. A ordem dos autores é meramente alfabética.  2. Os termos empregados no artigo foram: incondi-

cionados, condicionados e operações estabelecedo-ras incondicionadas e condicionadas. Todavia, atroca dos termos visou à atualização da linguagemempregada na área e ocorrerá ao longo de todo o ca-pítulo.

  3. Posteriormente, o termo “operação estabelecedora”foi reservado a um tipo específico de operação,

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É comum a concepção de que o comporta-

mento é causado por aquilo que ocorre den-tro da pele de uma pessoa (Skinner, 1953). Asemoções costumam ser bons exemplos decausas internas do comportamento, e afirma-ções como “eles brigaram porque estavamcom raiva” ou “eu não consigo falar em públi-co porque fico ansioso” são comumente ob-servadas na sociedade atual.

De acordo com Skinner (1974), o Beha-viorismo Radical postula que a natureza da-

quilo que ocorre den-tro da pele não diferede qualquer compor-tamento observávele, por isso, consideraque a emoção nãodeve ter status causal.De qualquer forma,apesar de não ser vis-

ta como “causa”, a emoção não é negligencia-da pela Análise do Comportamento. Ao con-trário, é compreendida enquanto fenômeno

complexo, a partir dos pressupostos dessa ci-

ência.Para compreender a emoção do ponto

de vista da Análise do Comportamento, é im-portante identificar a interação entre com-portamento respondente e operante, e, porisso, uma breve definição de conceitos rela-cionados a estes se faz necessária.1

O comportamento respondente refere--se a uma relação entre organismo e ambien-te, denominada “reflexo”, na qual a apresen-

tação de um estímulo elicia uma resposta.Neste, a resposta é controlada exclusivamentepelo estímulo antecedente, eliciador , ou seja,uma vez que o estímulo é apresentado, a res-posta ocorrerá. Essa relação pode ser incondi-cional (inata) ou condicional, produto decondicionamento respondente.

 Já o comportamento operante refere-sea uma relação entre organismo e ambiente naqual a emissão de uma resposta produz umaalteração no ambiente (consequência), a qual,por sua vez, altera a probabilidade futura de

4   Episódios emocionais

como interações entreoperantes e respondentesCassia Roberta da Cunha Thomaz

ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  Compreensão analítico-comportamental das emoções.>

  Múltiplas funções de estímulos.>

  O cuidado na aplicação de termos subjetivos, tais como ansiedade .>

  Análise do comportamento complexo chamado ansiedade .

Apesar de não servista como “causa”,a emoção não énegligenciada pelaanálise do comporta-mento. Ao contrário,é compreendidaenquanto “fenômenocomplexo”.

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Clínica analítico-comportamental 41

ocorrência de respostas da mesma classe fun-cional. A consequência de uma resposta queaumenta a probabilidade futura de respostas

da mesma classe é chamada de estímulo re-forçador.O reforçamento de uma resposta cos-

tuma ocorrer na presença de determinadosestímulos – que pertencem a uma classe deestímulos antecedentes específica – e não emsua ausência. Esse reforçamento diferencialdas respostas sob controle de estímulos ante-cedentes é denominado treino discriminati-vo e faz com que, futuramente, estímulos

dessa classe de estímulos antecedentes pas-sem a evocar respostas funcionalmente se-melhantes àquelas que foram reforçadas emsua presença. Situações frente às quais as res-postas foram contingentemente reforçadaspassam, então, a exercer controle discrimi-nativo, evocando respostas funcionalmentesemelhantes àquelas que foram reforçadasem sua presença.

Segundo Todorov (1985), essa relação

de dependência entre a situação em que a res-posta é emitida, a resposta e a consequência échamada de tríplice contingência. Um estí-mulo antecedente teria, então, três funções:discriminativa, evocando respostas reforçadasem sua presença; reforçadora condicionada,aumentando a probabilidade futura de res-

postas que o antece-dem; e eliciadora, emuma relação respon-

dente, uma vez que,conforme afirmamDarwich e Tourinho(2005), o reforça-mento de uma res-posta na presença deum estímulo não sóo faz adquirir funçãodiscriminativa comotambém a de elicia-

dor condicionadodas alterações corpo-rais produzidas incondicionalmente pelo estí-mulo reforçador. Também, a resposta respon-dente eliciada pelo estímulo consequentepode tornar-se estímulo discriminativo para aclasse de respostas operante, por acompanharcontingentemente o estímulo reforçador,conforme sugere Tourinho (1997).

O esquema a seguir, proposto por Da-

rwich e Tourinho (2005), pode ilustrar essasrelações (Figura 4.1).

De acordo com Miguel (2000), há,também, eventos que aumentam momenta-neamente a efetividade reforçadora de estí-mulos, bem como a probabilidade de ocor-rência de todas as respostas reforçadas por es-

FIGURA 4.1 Inter-relações entre processos respondentes e operantes.Fonte : Adaptado de Darwich e Tourinho (2005).

SA: estímulo antecedente à resposta operante; R1: resposta operante; SCons: estímulo consequenteà resposta operante; SE1: estímulo eliciador incondicional ou condicional; R2: respostas fisiológicasrespondentes; SD1: estímulo discriminativo presente no ambiente externo; SE2: estímulo eliciadorcondicional; SD2: estímulo discriminativo presente no ambiente interno

SD2

SA SD

1 R1 SCons

R2

SE1

SE2 SE1

Um evento que tornou-se discri-minativo em umarelação operantediscriminada possi-velmente adquiriucaracterísticas que opossibilitam exercerfunção de reforçadorcondicionado parauma outra classede respostas queo anteceda, bemcomo de eliciadorcondicionado paraalgumas relaçõesrespondentes.

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ses estímulos. Tais eventos são chamados deoperações estabelecedoras. Por outro lado, oseventos que diminuem momentaneamente a

efetividade reforçadora de um estímulo e aprobabilidade de ocorrência de respostas re-forçadas na presença desses são chamados deoperações abolidoras (Laraway, Snycerski,Michael e Poling, 2003).2

 As informações supracitadas parecemindicar que olhar para os comportamentosrespondente e operante separadamente teriaum caráter principalmente didático, uma vezque um evento ambiental antecedente pode

evocar respostas reforçadas em sua presença(função discriminativa ou evocativa), alterara efetividade momentânea de um estímulo(função estabelecedora) e, ao mesmo tempo,eliciar respostas reflexas. Da mesma forma,um estímulo consequente, além de alterar aprobabilidade futura de uma classe de respos-tas, pode passar a ter função de estímulo eli-ciador condicional em uma outra relação,respondente. A resposta respondente (priva-

da) eliciada por esseestímulo pode, tam-bém, tornar-se umestímulo discrimina-tivo privado para aclasse de respostas re-forçada por aqueleestímulo consequen-te. Analisar um fenô-

meno complexo, como a emoção, envolveria,

então, olhar para essas múltiplas funções dosestímulos em conjunto, alterando a relaçãoorganismo-ambiente como um todo.

> EMOÇÃO E ANÁLISE DOCOMPORTAMENTO

Para a Análise do Comportamento, a emoçãonão se refere a um estado do organismo e sim

a uma alteração na predisposição para ação(Skinner, 1953; Holland e Skinner, 1961),

ou seja, a uma altera-ção na probabilidadede uma classe de res-

postas sob controlede uma classe de estí-mulos. Um estímulo,antecedente ou con-sequente, também elicia respostas responden-tes. As respostas respondentes presentes emuma emoção são aquelas dos músculos lisos eglândulas, afirma Skinner (1953). Portanto,o episódio emocional3 refere-se à relação en-tre eventos ambientais e todas as alterações

em um conjunto amplo de diferentes classesde respostas, não sendo redutível a uma únicaclasse de respostas ou atribuível a um únicoconjunto de operações.

Como exemplo, suponha-se que umapessoa perdeu um jogo em função de um errodo juiz. Ela dirá que “está com raiva ”. Doponto de vista de um analista do comporta-mento, isso possivelmente significa que

 1. respostas que produzam dano ao outro,como xingar, reclamar, gritar e socar terãosua probabilidade aumentada;

 2. respostas reflexas, como aumento dos bati-mentos cardíacos, enrubescimento, o ofe-gar serão eliciadas pela punição/extinçãocaracterística da condição da perda do

 jogo; 3. a efetividade reforçadora de outros estí-

mulos, como a presença da família, pode-

rá diminuir, e a pessoa poderá relatar que“precisa ficar sozinha”.

 A raiva , então, não seria somente o quea pessoa sente, mas toda esta alteração no re-pertório total do indivíduo.

Essa situação pode ser ilustrada comomostra a Figura 4.2 a seguir.

Skinner (1953) sugere que algumas emo-ções, como “simpatia” e “embaraço”, envolvem

alteração somente em parte do repertório deum organismo, enquanto outras, como “raiva”

Analisar um fenôme-no complexo, como aemoção, envolveria,então, olhar paraessas múltiplasfunções dos estí-mulos em conjunto,alterando a relaçãoorganismo-ambientecomo um todo.

Emoção refere-sea relações em quehá alterações emum conjunto amplo

de comportamentose de operaçõesambientais.

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Clínica analítico-comportamental 43

e “ansiedade”, alteram-no totalmente. Entre-tanto, sugere que esses termos cotidianos de-

vem ser usados comparcimônia, pois po-dem mascarar o fenô-meno que deveria serconsiderado em umepisódio emocional,uma vez que o mes-

mo nome pode serusado sob controle dediferentes contingên-cias. Além disso, con-dições corporais fisio-logicamente iguais es-tão presentes em

diferentes episódios emocionais, o que as tornainsuficientes para caracterizá-los. Por exemplo,o termo “raiva” poderia ser usado tanto poruma pessoa que não consegue escrever umacarta por não ter caneta quanto por outra que

sofreu inúmeras pu-nições no trabalho einterage de formaagressiva com esposae filhos ao chegar emcasa. No entanto, es-sas são relações dife-rentes; agrupá-las sobo mesmo nome pode

fazer com que as des-crições não corres-pondam às contin-gências.

Com relação aisso, Darwich e Tou-rinho (2005) suge-rem que a definiçãoou nomeação de um episódio emocional de-veria ser produto não só da discriminação dascondições corporais momentâneas comotambém da relação de contingência entre os

A aplicação de termos como“simpatia”, “em-baraço”, “raiva”,“ansiedade”, etc.,devem ser usadoscom parcimônia emuma análise, pois

podem mascararo fenômeno quedeveria ser conside-rado, uma vez que omesmo nome podeser usado sob con- trole de diferentescontingências.

Condições corporaisfisiologicamenteiguais estão presen- tes em diferentesemoções, o que as torna insuficientespara caracte-rizar episódiosemocionais.

A emoção deveser analisada em termos de relaçõesentre organismoe ambiente enão se restringiràs condiçõescorporaismomentâneas.

FIGURA 4.2 Representação de inter-relação entre processos respondentes e operantes num exemplo de raiva.

TODA ESTA RELAÇÃO = EPISÓDIO EMOCIONAL DENOMINADO RAIVA

S Condicional

Perda dojogo/injustiça

do juiz.

SD

Condiçãopara emissãoR agressão.

OE

Paraefetividade dodano ao outroenquanto SR+.

OAPara efetividade de

outros S, como contatocom a família, como SR+

RXingar, reclamar,

gritar, socar.

SR+Dano ao outro.

R CondicionalTaquicardia, enrubescer, ofegar.

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estímulos (públicos e privados) e as respostas,isto é, da predisposição para ação.

De qualquer forma, os episódios emo-

cionais que implicam o repertório comporta-mental geral, nos quais as condições ambien-tais alteram o organismo como um todo detal forma que há uma interação entre o com-portamento operante e respondente, referem--se a um episódio emocional descrito como“emoção total” (Skinner, 1953, p. 166). Ge-ralmente, essas são as emoções que aparecemcomo queixa clínica, e, por isso, parece im-portante ao clínico analítico-comportamental

saber analisar essas contingências de forma aidentificar toda a alteração comportamentalpresente em um episódio emocional.

 A “ansiedade” é um exemplo de episó-dio emocional que implica todo o repertóriocomportamental e, por isso, será discutida aseguir.4

> ANSIEDADE

Na Análise do Comportamento, o termo an-siedade se refere a um episódio emocional noqual há interação entre comportamento ope-

rante e respondente.Zamignani e Banaco(2005) afirmam queo episódio emocio-nal denominado an-siedade   refere-se não

só a respostas respon-dentes de taquicardia, sudorese, alteração napressão sanguínea, etc., eliciadas por estímu-los condicionais, como também a respostasoperantes de fuga e esquiva de estímulos aver-sivos condicionados e incondicionados, e auma interação dessas contingências respon-dentes e de fuga/esquiva com outro compor-tamento operante que poderia estar ocorren-do no momento em que se apresenta o estí-

mulo aversivo/condicional. Sugere-se que,quando sua emissão é possível, as respostas de

fuga e esquiva aumentam de probabilidade e,quando não o é, o efeito do estímulo condi-cional cessa a emissão de outras respostas ope-

rantes.Esse último caso se refere à “supressãocondicionada”, proposta inicialmente por Es-tes e Skinner (1941). No estudo desses auto-res, ratos privados dealimento foram ex-postos a uma condi-ção operante na qualrespostas de pressão àbarra foram conse-

quenciadas com ali-mento em esquemade reforçamento in-termitente (intervalofixo). Paralelamente, choques inescapáveiseram antecipados por um som, desligado si-multaneamente à apresentação do choque.Inicialmente, observou-se que as apresenta-ções do som e/ou do choque não alteraram opadrão operante, mas, após sucessivas exposi-

ções, a taxa de respostas durante a apresenta-ção do som foi reduzida e, após o choque, au-mentada.

Os dados iniciais indicaram que tanto osom quanto o choque, isoladamente, não afe-taram a frequência de respostas de pressão àbarra (desempenho operante) mantidas poralimento. Com o passar do tempo, o estímuloaversivo condicional– a sinalização do

choque (e não o estí-mulo aversivo incon-dicional – o choque)foi capaz de afetar odesempenho operan-te mantido por refor-çamento positivo, de-monstrando como o desempenho operantepode ser comprometido pela apresentação deum estímulo aversivo condicionado. O cho-

que, em uma relação respondente, elicia inú-meras respostas incondicionais. A partir do

O termo ansiedadese refere a umepisódio emocionalno qual há interaçãoentre comporta-mento operante erespondente.

Na ansiedade,quando sua emissãoé possível, respostasde fuga e esquivaaumentam de pro-babilidade e, quandonão o é, o efeito do

estímulo condicionalcessa a emissão deoutras respostasoperantes.

Um desempenhooperante pode sercomprometido pelaapresentação de umestímulo aversivocondicional. Assim,é preciso consi-derar a interaçãorespondente--operante.

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condicionamento respondente entre som echoque, o som se tornou um estímulo condi-cional, sendo capaz de eliciar respostas condi-

cionais que possivelmente interferiram no de-sempenho operante.Esse paradigma parece destacar aquilo

que é importante na compreensão de um epi-sódio emocional: a interação entre o compor-tamento respondente e o comportamentooperante, uma vez que demonstra experi-mentalmente o fato de que um estímulo (nocaso, o som), ao mesmo tempo, elicia respos-tas respondentes e compromete o desempe-

nho operante. Amorapanth, Nader e LeDoux (1999)

afirmam que a supressão do comportamentooperante em vigor, apesar de ser consideradauma medida indireta de paralisação ( freezing) eliciada por estímulos condicionais (CS), po-deria ser produto também de outro processocomportamental. Para provar essa hipótese,submeteram ratos ao procedimento clássicode supressão condicionada e, posteriormente,

a uma lesão na região  Periaqueductal Gray(PAG) do cérebro.5  Como resultado, essesautores identificaram que os animais subme-tidos somente ao condicionamento choque(US) – som (CS) apresentaram maior freezing  e menor supressão do que aqueles submeti-dos também à lesão na área PAG. A partirdesses resultados, Amorapanth, Nader e Le-Doux (1999) sugeriram que processos distin-tos estariam envolvidos na eliciação de  free-

zing  por estímulos condicionais e na supres-são de respostas operantes.

 A pesquisa de Amorapanth, Nader eLeDoux (1999) parece indicar que a apre-sentação de um estímulo aversivo condicio-nal – no caso, o som – não só eliciaria res-postas respondentes como também alterariaa efetividade momentânea de reforçadores.Se isso, de fato, ocorre, é possível que a apre-sentação de um estímulo aversivo condicio-nal também funcione como uma operaçãoabolidora,6 aumentando as relações organis-

mo/ambiente a ser consideradas em um epi-sódio emocional.

De qualquer forma, o paradigma da su-

pressão condicionada parece indicar que, aose analisar um episódio emocional, não sepode considerar somente respostas respon-dentes; há outras al-terações no desem-penho operante doorganismo que de-vem ser considera-das na análise.

Para ilustrar as

relações aqui pro-postas, suponha queuma pessoa diz ficarmuito ansiosa parafalar em público eque tem que apre-sentar um semináriono trabalho no finaldo dia. Ela afirmaráque, com o passar

do tempo, sente-secada vez mais ansio-sa e que iria embora,se pudesse. Relata taquicardia, sudorese, res-piração ofegante e, na hora do almoço, dizque não vai comer porque perdeu o apetite.Quando seus colegas vêm conversar com ela econtar piadas, não se diverte com a compa-nhia deles e quer distância de pessoas. Nahora do seminário, gagueja, treme e olha para

baixo. Nesse episódio, pode-se supor queocorram

 1. uma alteração na predisposição para res-ponder – respostas que reduzam ou evi-tem contato com público terão maior pro-babilidade de ocorrência, enquanto res-postas que produzam aproximação depessoas terão menor probabilidade deocorrência;

 2. eliciação de respostas respondentes, suar,ofegar e ter taquicardia;

Em alguns casos dequeixa de ansiedadeé possível verificarque: respostas quereduzam ou evitemcontato com oestímulo “ansióge-no” são evocadas;ocorre eliciação derespostas respon-dentes e há umaalteração no valor deestímulos apetitivose/ou aversivos.

Assim, a ansie-dade não se tratadaquilo que ocorredentro da pele dosujeito, mas sim darelação que envolvea situação “ansióge-na” e das alteraçõesno repertório globaldo sujeito.

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 3. uma diminuição na efetividade reforçado-ra de outros estímulos, como alimento ecompanhia dos amigos.

Para um analista do comportamento, aansiedade  não seria aquilo que ocorre dentroda pele do sujeito, mas sim toda a relação queenvolve tanto a situação “ansiógena” quantoas alterações no repertório do sujeito produ-zidas nesta situação.

 A relação exposta anteriormente podeser ilustrada como mostra a Figura 4.3 a se-guir.

Em situações “ansiógenas”, observa-se,quando possível, além do descrito anterior-mente, maior incidência de respostas de fugae/ou esquiva. Na fuga, a resposta ocorre sobcontrole de eliminar o estímulo aversivo (no

caso, a situação “an-siógena”) e, na esqui-va, sob controle de

adiá-lo (ou evitá-lo).O estímulo que ante-cede a resposta de es-quiva é consideradotambém um aversivocondicional.

Zamignani eBanaco (2005) des-tacam que um estí-mulo pode tornar-se aversivo condicional

não só via condicionamento direto com o es-tímulo aversivo incondicional. Isso seria pos-sível também por meio de transferência defunção de estímulos, por generalização de es-tímulos e/ou via formação de classes de estí-

FIGURA 4.3 Representação de inter-relações entre processos respondentes e operantes num exemplo de ansiedade.

TODA ESSA RELAÇÃO = EPISÓDIO EMOCIONAL DENOMINADO ANSIEDADE

S Condicional

S Condicional

Passagem dotempo

– proximidadedo seminário.

Seminário(público)

OEPara

efetividade docontato social

como SR-.

OEPara

efetividade dopúblico

enquanto SR-.

OAPara efetividade de outros S, como

alimento e piadas, como SR+.

REsquiva do

contato social.

ROlhar para baixo.

SR-Diminuição docontato com

outras pessoas.

SR-Diminuição decontato com

público.

R CondicionalEmpalidecer, suar, ofegar, ter taquicardia.

R CondicionalTremer.

Na fuga, a respos- ta é emitida sobcontrole de eliminaro estímulo aversivo

(no caso, a situa-ção “ansiógena”)e, na esquiva, sobcontrole de adiá-lo(ou evitá-lo). O estí-mulo que antecede aresposta de esquivaé considerado também um aversivocondicionado.

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Clínica analítico-comportamental 47

mulos equivalentes.Também, respostasdo episódio emocio-

nal podem passar afazer parte de outrasclasses de respostas(mantidas por aten-ção social, por exem-plo) e passarem a sercontroladas pelos es-

tímulos que controlam estas outras classes. Assim, é preciso considerar toda a complexi-dade do episódio emocional quando a ideia

for compreendê-lo.

mais detalhadas sobre estes temas, veja os Capítulos1 e 2 deste livro e Skinner (1953).

  2. Para um maior aprofundamento, sugere-se a leiturado Capítulo 3.

 3. O termo “episódio emocional” será aqui utilizadocomo sinônimo de emoção e refere-se à alteração norepertório comportamental que envolve interaçõesentre desempenho operante e respondente.

  4. O presente capítulo não tem por objetivo esgotar adiscussão a respeito da ansiedade. Esta aparece aquicomo um exemplo de possibilidade de análise deepisódio emocional. Para uma discussão mais por-menorizada do tema, veja Banaco (2001); Zamig-nani e Banaco (2005).

  5. Lesões na área PAG, de acordo com Amorapanth ecolaboradores (1999), costumam bloquear o freezing  

e manter outras respostas operantes inalteradas.  6. Essa é uma hipótese ainda incipiente levantada pelopresente capítulo. Há necessidade de mais investi-gações experimentais para que seja fortalecida.

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Um evento pode se tornar um aversivocondicional não sópor pareamento comum aversivo, mas também através de transferência de fun-ção de estímulos porgeneralização e/ouatravés de equiva-lência de estímulos.

Na clínicaEspera-se que o conteúdo apresentado te-nha deixado clara a complexidade do epi-sódio emocional, principalmente o fenô-meno popularmente conhecido como an-siedade. Geralmente, as emoções apare-

cem como queixa clínica, e o clínico podecair em erro ao considerá-las apenas doponto de vista respondente e programarintervenções que alterem esse aspecto daemoção.

Outro erro poderia ser optar por umtratamento exclusivamente medicamen-toso – o que, talvez, alteraria o padrão res-pondente –, pois não se ensinaria um de-sempenho operante de enfrentamento,nem aumentaria a efetividade de outrosestímulos como reforçadores positivos.

Olhar para ansiedade ou qualquer ou-tra emoção como um fenômeno comporta-mental complexo envolve avaliar todas asalterações comportamentais envolvidas noepisódio emocional e, com isso, programarintervenções clínicas que modifiquem todaa relação organismo-ambiente característi-ca do episódio emocional.

> NOTAS

  1. O presente capítulo não tem por objetivo aprofun-dar conceitos teóricos. Para definições e discussões

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Podemos dizer que o nosso cotidiano é repletode eventos que variam do prazer ao desprazer,das coisas que desejamos às que evitamos, das

que amamos às queodiamos, das que nos

tornam felizes às quesão fonte de infelici-dade, etc. Como re-gra geral, comporta-mo-nos de forma aocupar o mais próxi-mo possível do extre-mo que nos permiteacesso às coisas deque gostamos, afas-tando-nos do extre-mo oposto. Apesar

dessa lógica comum a todos os indivíduos,cada um se comporta de maneira particular,que a sua individualidade lhe dá. Compreen-der estas diferenças individuais, a partir deprocessos semelhantes, é um dos objetivos da

ciência do comportamento.Dentre os pressupostos mais básicos da

ciência do comportamento estão as conside-rações de que

 1. os indivíduos interagem continuamentecom o ambiente;

 2. essa interação é bidirecional, de forma queos indivíduos modificam o seu ambiente esão por ele modificados;

 3. os produtos dessas modificações são cumu-lativos, o que permite que processos sim-

  Controle 5 

aversivo1

 Maria Helena Leite Hunziker

Mariana Januário Samelo

ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  Alguns pressupostos da Análise Experimental do Comportamento.>

  O uso dos termos positivo  e negativo  na Análise do Comportamento.>

  Processos de reforçamento  e punição .>

  Reforçamento positivo, negativo, punição positiva e negativa.>

  Controle aversivo  ou coercitivo.

>  Discussões sobre “patologia” e rótulos.>

  A natureza dos aversivos.>

  Interação respondente-operante.>

  Incontrolabilidade.>

 

Extinção e seus subprodutos.>

  Estudos sobre controle coercitivo.

Cada indivíduo

se comporta demaneira particular, tornando-o único.Todavia, apesarda individualidadedas pessoas, seuscomportamentos sedão e se mantêm apartir de processossemelhantes. Oentendimento de taisprocessos é um dosobjetivos da análise

experimental docomportamento.

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50  Borges, Cassas & Cols.

ples sejam responsáveis por comporta-mentos complexos.

Para se analisar cientificamente o com-portamento, considera-se como unidades bá-sicas de estudo o agirdos indivíduos (de-nominadas respostas,ou R), os eventos doambiente que afetamo organismo (deno-minados estímulos,ou S) e as relações es-

tabelecidas entre eles(denominadas con-tingências).2  Dessaperspectiva, o estudodo comportamentoserá o estudo das re-lações entre organis-mo e ambiente.

 Ao identificar-mos quais respostas

podem causar mu-danças no ambiente,podemos distinguir duas operações básicas:adição ou remoção de algo no ambiente.Quando uma resposta produz a adição (+) deum estímulo,3 a relação é dita positiva , sendonegativa  quando produz subtração (-). Sobreessas operações, destacamos dois pontos:

 1. os termos “positivo” e “negativo” não têm

a conotação moral de “bom” ou “ruim”,mas apenas emprestam os significados deadição ou subtração encontrados na mate-mática, e

 2. a operação de subtração envolve tanto re-mover  algo que já ocorre como evitar  algoque iria ocorrer.

Dado que a relação comportamental ésempre bidirecional, isso implica que as mu-

danças produzidas pelo indivíduo no seu am-biente afetam, por sua vez, o comportamento

do próprio indiví-duo, aumentando oureduzindo a frequên-

cia de emissão da res-posta que a produ-ziu. Essa mudançado comportamento édenominada  processo comportamental, e arelação de conse-quenciação que de-terminou esse pro-cesso é dita operante .

Se o efeito da opera-ção for de aumento na frequência das res-postas que produzi-ram a consequência,esse processo é deno-minado reforçamen-to; se o efeito for deredução, é denomina-do punição. As com-

binações dessas ope-rações e processoscompõem quatro re-lações (contingên-cias) operantes básicas: reforçamento positi-vo, reforçamento negativo, punição positiva epunição negativa.4 No reforçamento negati-vo, dois tipos de consequências são conside-radas: a resposta pode remover ou evitar umdeterminado estímulo. Se o comportamento

foi fortalecido por remover  o estímulo, ele édenominado fuga ; se foi fortalecido por evitar  o estímulo, é denominado esquiva .

Por sua vez, os estímulos envolvidosnessas quatro contingências são denomina-dos, respectivamente, reforçadores5 (positivosou negativos) e punidores (positivos ou nega-tivos). Uma classificação mais genérica dosestímulos também existe, sem contudorelacioná-los diretamente com a contingên-

cia, mas que mantém tal classificação deriva-da dos efeitos que estes produzem no com-

Dentre os pres-supostos maisbásicos da análiseexperimental docomportamentoestão as conside-rações de que osindivíduos interagemcontinuamente como ambiente; essa in- teração é bidirecio-nal, de forma que osindivíduos modificamo seu ambiente esão por ele modifi-cados; os produtosdessas modificaçõessão cumulativos,o que permite queprocessos simplessejam responsáveispor comportamentoscomplexos.

Falar que respostaspodem mudar oambiente implicam,pelo menos, duas

operações básicas:adição ou remoçãode algo no ambiente(físico ou social).

A este respeito,dois pontos devemser considerados: os termos “positivo” e“negativo” não têma conotação moralde “bom” ou “ruim”,mas apenas em-prestam os signifi-

cados de adição ousubtração encontra-dos na matemática,e a operação desubtração envolve tanto remover algoque já ocorre comoevitar algo que iriaocorrer.

A aplicação dos termos positivo enegativo , na análisedo comportamen-

 to, sempre estarávinculada à ideia deadição e subtração.

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Clínica analítico-comportamental 51

portamento. Assim, são denominados generi-camente de aversivos  os estímulos que reduzema frequência das respostas que os produziram

ou os que aumentama frequência das res-postas que os remo-veram; em sentidoinverso, são denomi-nados apetitivos   osestímulos que au-mentam a frequênciadas respostas que osproduziram ou as

que reduzem a frequ-ência das respostasque os removeram.

O que caracte-riza o controle aver-sivo nas contingên-cias operantes? Doiscritérios estabelecemessa classificação:

 1. a redução da probabilidade da respostaconsequenciada e/ou

 2. ser aversivo o estímulo envolvido na con-tingência.

O primeiro critério indica os dois tiposde punição, e o segundo aponta para o refor-çamento negativo. Portanto, dentre as con-tingências operantes, apenas o reforçamentopositivo não é considerado parte do controle

aversivo do comportamento. Isso indica que,para se compreender o comportamento comoum todo, é indispensável a compreensão dosprocessos aversivos, uma vez que eles corres-pondem à maior parte dos processos respon-sáveis pela formação do repertório comporta-mental dos indivíduos.

 As contingências operantes são parte donosso cotidiano. Assim, considere que, ao ou-vir duas estações de rádio, você verifica que arádio A sempre toca músicas que lhe agra-dam, e que a rádio B toca músicas de estilo

que você não gosta.Em função disso,muito provavelmen-

te você passará a sin-tonizar mais vezes arádio A e raramente(ou nunca) ouvirá arádio B. Como aapresentação da mú-sica envolve uma adi-ção à sua resposta desintonizar uma rá-dio, e como ocorreu

aumento da frequên-cia da resposta desintonizar A, então dizemos que sintonizar arádio A foi positivamente reforçada, e que asmúsicas tocadas em A tiveram a função de re-forçador positivo para a resposta de sintoni-zar a rádio A. Quanto à resposta de sintonizarB, nossa análise indica que ocorreu um pro-cesso de punição positiva, e que as músicastocadas em B tiveram a função de punidor

positivo para aquela resposta (sintonizar B).Em outro momento, verificamos que você in-vestiu suas econo-mias na bolsa de va-lores, e, logo depois,houve queda nos va-lores das ações. Emfunção disso, vocênunca mais investiuna bolsa. O que ocor-

reu foi um processode punição negativa,sendo o dinheiro (estímulo apetitivo) deno-minado punidor negativo nessa relação. Emoutro exemplo, imagine que, ao caminharpela rua, começou a chover, e você correu atéficar sob uma marquise, interrompendo ocontato com a chuva. Nesse caso, sua respos-ta de ir para baixo da marquise foi reforçadanegativamente, a chuva teve função de refor-çador negativo (ou de estímulo aversivo), sen-do o seu comportamento denominado fuga.

O ambiente modifi-cado pela respostado indivíduo re- troage sobre ele,podendo tornar esteorganismo maispropenso ou menospropenso a agir deforma semelhanteno futuro. A essesprocessos dão-seos nomes de refor- 

çamento e punição ,respectivamente.

Estas relações(contingências)operantes podem serdivididas em quatro tipos, a saber: refor-çamento positivo ounegativo e puniçãopositiva ou negativa.

Chamam-se de con- trole aversivo ou co- ercitivo as relaçõesde punição positivaou negativa, além darelação de reforça-mento negativo. Asduas primeiras peloseu efeito supressorda resposta; já aúltima, pelo empregode aversivos narelação.

Assim, a únicarelação operanteque não é coercitivaé a de reforçamentopositivo.

É indispensável acompreensão dosprocessos aversi-vos, uma vez queeles correspondema maior parte dosprocessos respon-sáveis pela forma-ção do repertório

comportamental dosindivíduos.

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Nos dias sucessivos, você decidiu sair de casacarregando o guarda-chuva, decisão que semostrou providencial, pois no retorno do tra-

balho choveu, e foi possível evitar se molhar.Nesse caso, as denominações são semelhantesàs do exemplo anterior, com exceção de queseu comportamento é de esquiva.

Portanto, seraversivo ou apetitivo,reforçador ou puni-dor, são funções dosestímulos que só po-dem ser determina-

das quando verifica-mos os efeitos quetais estímulos exer-cem sobre o compor-tamento como partede determinadas con-tingências. Mas por

que os estímulos têm funções tão diferentes e oque as determina? As pesquisas mostram queessas funções são determinadas tanto filo quan-

to ontogeneticamente. Em outras palavras,quando nascemos, deparamo-nos com algunsestímulos que têm funções comuns a todos osindivíduos da espécie. Por exemplo, para todorecém-nascido, o leite materno é reforçador(salvo exceções decorrentes de problema físi-co), assim como é aversiva a baixa temperaturaambiente. Ou seja, após um período sem sealimentar, todo bebê apresenta alta probabili-dade de sugar o seio materno (dizemos que

eles gostam de mamar), assim como observa-mos que choram e se debatem se colocadossem roupa em um ambiente de baixa tempera-tura (dizemos que não gostam de sentir frio).Estas funções dos estímulos são comuns a to-dos os membros da espécie logo ao nascer, e,por isso, considera-se que são filogeneticamen-te determinadas. Essa determinação filogenéti-ca se deu supostamente ao longo da evoluçãoda espécie: os indivíduos cujas características

biológicas propiciavam que fossem reforçadospelo leite materno e protestassem quando esta-

vam com frio tiveram mais chance de sobrevi-vência e, consequentemente, de passar essascaracterísticas aos seus descendentes. Porém,

logo após o nascimento, cada bebê passa aapresentar comportamentos singulares, que osdistinguem dos demais. Por exemplo, um bebêpode ter maior probabilidade de chorar ao vera mãe do que ao ver o pai. O motivo dessa di-ferença será encontrado na história ontogené-tica desse bebê: possivelmente, quando elechora, essa mãe o pega no colo com maior pro-babilidade do que o pai. Os comportamentosque sofrem diferenciações ao longo da vida do

indivíduo, denominados aprendidos ou con-dicionados, não são comuns a todos os mem-bros da espécie.

Portanto, a função dos estímulos podeser filogenética ou aprendida, sendo frequenteque funções filogenéticas sofram modificaçõesao longo da história particular de cada indiví-duo. Um exemplo disso é mostrado no estudode Kelleher e Morse (1968), no qual macacosemitiam a resposta de pressionar uma alavanca

tendo como única consequência a apresenta-ção de choques elétricos, que não eram apre-sentados caso os ani-mais não emitissemessas respostas. Alémdisso, ficou demons-trado que, quando oschoques não eram li-berados contingentesàs respostas, estas ra-

pidamente deixavamde ser emitidas, só re-tornando se os choques fossem novamenteapresentados contingentes a elas. Esses dadosmostravam que a resposta de pressionar a ala-vanca era mantida pelo choque consequente aela. Sabemos que, para macacos, o choque égeralmente um estímulo aversivo, o que signi-fica que, se liberado contingente à resposta,deve reduzir a frequência de emissão dessa res-

posta. Como entender esse comportamentoatípico? É tentador dizer que os macacos eram

Portanto, seraversivo ou ape- titivo, reforçadorou punidor, sãofunções dos estímu-los que só podemser determinadas

quando verificamosos efeitos que taisestímulos exercemsobre o comporta-mento como partede determinadascontingências.

A função dosestímulos podeser filogenética ouaprendida, sendofrequente quefunções filogenéti-cas sofram modifi-cações ao longo dahistória particular

de cada indivíduo.

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Clínica analítico-comportamental 53

“masoquistas”. Porém, essa suposição de pato-logia não explica esses comportamentos, mas

apenas dá a eles uma

denominação. Paracompreendermos es-ses comportamentostemos que analisar asrelações que esses ma-cacos estavam estabe-lecendo com o seuambiente. O que esseestudo revela é que,antes dessa demons-

tração, os macacos fo-ram submetidos auma contingência naqual, em uma dadacondição, toda pres-

são à alavanca produzia choque e algumas pro-duziam alimento; em outra condição, a pres-são à alavanca nunca produzia choque nemalimento. Tanto a intensidade do choque comoa intermitência do alimento foram sendo au-

mentadas gradualmente ao longo de muitassessões experimentais. Dessa forma, respostasque eram seguidas de choque antecediam res-postas que seriam seguidas de alimento, en-quanto respostas que não produziam choquenunca eram seguidas de alimento. Após longotreino, o reforçamento positivo foi desconti-nuado, obtendo-se os comportamentos ini-cialmente descritos, ou seja, alta frequência deresposta na condição em que elas produziam

choque e baixa frequência na condição em queas respostas não produziam choque. Portanto,a interpretação de que o comportamento dosmacacos era “patológico” decorreu do desco-nhecimento da sua história experimental. Co-nhecendo essa história, fica claro que os ani-mais eram perfeitamente normais: seu com-portamento “patológico” era apenas um com-portamento discriminado, mantido por refor-çamento positivo como diversos outros descri-tos na literatura (Lawrence, Hineline e Bersh,1994).

No que um ex-perimento como essepode nos ajudar a

compreender o com-portamento huma-no? Em primeiro lu-gar, ele confirma queos estímulos não sãoaversivos ou apetiti-vos em si, mas ape-nas exercem determi-nadas funções. Emsegundo, que essa

função é, em grandeparte, determinadapela história individual. Em terceiro, quemesmo funções filogenéticas do estímulo po-dem ser modificadas pela história de vida doindivíduo. Em quarto, que, embora o com-portamento dependa diretamente de caracte-rísticas do organismo, é na história de intera-ção do indivíduo com o seu ambiente quepodemos encontrar a maior parte das explica-

ções que nos permitem compreender o seucomportamento. Em quinto, que denomina-ções para comportamentos “patológicos”, taiscomo o “masoquismo”, apenas criam a ilusãode que explicamos o comportamento quan-do, na verdade, estamos apenas dando umnome a um conjunto de comportamentos. Seessa “ilusão de expli-cação” nos satisfaz,ela nos afasta da bus-

ca pelas reais variá-veis responsáveis pelocomportamento emanálise. Além disso,esse tipo de explica-ção sofre de uma cir-cularidade que nãoresiste a uma análisemais rigorosa: dizer que os macacos eram ma-soquistas dado que se autoadministravamchoques convive com a explicação de que elesse autoadministravam choques porque eram

Dar a um comporta-mento uma deno-minação ou rótulo,como por exemplo“masoquista” pouco(ou nada) nos auxiliana compreensão dofenômeno. Trata--se apenas de umjulgamento de valor.É através da aná-lise das relaçõesque este indivíduo

estabelece como universo queseremos capazesde explicar taiscomportamentos.

A interpretação deque o comporta-mento dos macacosera “patológico”,decorreu do desco-nhecimento da suahistória experimen- tal. Conhecendoessa história, ficaclaro que os animaiseram perfeitamentenormais: seu com-portamento “pato-lógico” era apenasum comportamentodiscriminado, manti-do por reforçamentopositivo.

Os estímulos nãosão aversivos ouapetitivos em si,mas apenas exer-cem determinadasfunções em determi-nadas relações. Essafunção é, em grandeparte, determinadapela história de vidado indivíduo (históriaontogenética).

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54   Borges, Cassas & Cols.

masoquistas. Por fim,esse estudo nos suge-re que não há indiví-

duos “patológicos”,mas sim contingên-cias que controlamcomportamentos quepodem diferir daque-

les considerados “normais”. Além das contingências operantes, nas

quais a consequência é a variável crítica decontrole do comportamento, há contingên-cias respondentes em que a resposta tem sua

probabilidade de ocorrência aumentada porum estímulo antece-dente, independenteda consequência queela produz. No geral,diz-se que a respostaé eliciada pelo estí-mulo quando a ocor-rência deste nos per-

mite prever a ocorrência da resposta, ou seja,

se existe uma relação “se S, então R”. Nos re-flexos, a probabilidade da reposta, dado o es-tímulo, é 1,0. Porém, respondentes podemocorrer com probabilidade inferior a 1,0, esão parte integrante do nosso cotidiano, talcomo nas nossas emoções. Por exemplo, umamúsica pode nos eliciar lembranças e senti-mentos,6  sendo essas respostas (lembrar ousentir) dependentes do estímulo antecedente.De uma maneira geral, estímulos podem eli-

ciar respostas de alegria, tristeza, dor, euforia,entre outras. Se a resposta eliciada é parte doconjunto daquelas que gostaríamos de evitar,estamos diante de relações aversivas. Portan-to, nas relações respondentes, é o tipo de res-posta eliciada que nos permite nomear comoaversivo o estímulo que a antecede. Um sommuito alto que elicia sobressalto e taquicardia(ambos desagradáveis) pode ser classificadocomo aversivo da mesma forma que se torna

aversiva uma música que foi pareada tempo-ralmente com um evento muito traumático

em nossas vidas: ou-vir essa música nosfaz lembrar o fato e

ter sentimentos queenvolvem sofrimen-to.

O que determi-na a função aversiva do estímulo nas relaçõesrespondentes? Da mesma forma que nas rela-ções operantes, além das determinações filo-genéticas, a história individual é crítica paraestabelecer funções aos estímulos eliciadores.Por exemplo, inde-

pende da história doindivíduo um objetopontiagudo colocadono seu dente produ-zir dor, mas dependede uma história paraque um indivíduo passe a ter taquicardia aose aproximar do consultório do dentista. Aolongo da vida, pareamentos temporais entreestímulos (relações S-S) podem produzir mu-

danças na função de alguns deles. Assim, umevento que inicialmente é neutro (não causamudanças no comportamento em curso) ad-quire a função de outro (que já exerce deter-minada função) aoqual ele sistematica-mente anteceda. Porexemplo, se dois na-morados frequente-mente ouvem uma

música ao estar jun-tos, muito provavel-mente passarão a tersentimentos relacio-nados ao seu namoroao ouvirem essa música, mesmo que afasta-dos um do outro. Em outro exemplo menosromântico, comer algo que nos faz passar malpode estabelecer aversão a essa comida.

Nominalmente, o estímulo que elicia

respostas independentemente de uma histó-ria particular é chamado de incondicional7 

Se essa “ilusão deexplicação” nossatisfaz, ela nosafasta da busca

pelas reais variáveisresponsáveis pelocomportamento emanálise.

Não há indivíduos“patológicos”, massim contingênciasque controlamcomportamentosque podem diferirdaqueles considera-dos “normais”.

Nas relações res-pondentes, é o tipode resposta eliciadaque nos permite no-

mear como aversivoo estímulo que aantecede.

O que estabeleceum evento comoaversivo pode seruma disposição inatae/ou sua históriaontogenética e/oucultural.

Se dois namoradosfrequentementeouvem uma músicaao estarem juntos,muito provavel-mente passarão

a ter sentimentosrelacionados ao seunamoro ao ouviremessa música, mesmoque afastados um dooutro.

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Clínica analítico-comportamental 55

(US, do inglês unconditioned stimulus ), e oque adquire a função pelo pareamento tem-poral é chamado de condicional (CS, do in-

glês conditioned stimulus ). Sentimentos demedo, raiva, dor, ansiedade e sofrimento po-dem ser eliciados por estímulos incondicio-nais ou outros que adquiriram suas funçõesao longo da história do indivíduo. Por exem-plo, respostas agressivas (aquelas que causamdanos a outro indivíduo ou objeto) ocorremcom maior probabilidade frente a estímulosaversivos. Em um estudo clássico sobre otema, macacos atacavam objetos inanimados,

ou outro animal, com mais frequência apósreceberem choques elétricos independentesdas suas respostas. Como essas respostas nãoalteravam a probabilidade de novos choques,a agressão foi considerada eliciada, ou seja,determinada exclusivamente pelo estímuloantecedente (Azrin, Hutchinson e Hake,1963). Outros estudos mostraram que a tex-tura do objeto mordido (macio ou duro), oudo comportamento do indivíduo agredido

(passivo ou em postura de ataque) podem al-terar a probabilidade de agressão: apesar deter sua frequência aumentada pelo estímuloaversivo eliciador, o ataque será tanto maisfrequente quanto menos consequências aver-sivas trouxer ao sujeito que a emite (Azrin,Hutchinson e Sallery, 1964; Hynan, 1976), oque mostra a interação entre relações respon-dentes (respostas eliciadas) e operantes (con-sequência da mordida).

Tornando um pouco mais complexasessas relações, outro estudo mostrou que, emuma situação em que macacos podiam pro-duzir a apresentação de uma bola de borrachapressionando uma alavanca, verificou-se queessa resposta foi emitida com alta frequênciaapenas depois de serem ministrados choquesindependentes do comportamento dos sujei-tos: liberado o choque, os macacos imediata-mente passavam a pressionar a alavanca atéque a bola fosse introduzida na caixa, quandoentão era mordida agressivamente (Azrin,

Hutchinson e McLaughlin, 1965). Essa pes-quisa, de aparente simplicidade, ilustra váriasrelações comportamentais importantes. A

primeira diz respeito à probabilidade de emis-são da resposta: se o choque elicia respostasde atacar (relação respondente), ela é a maisprovável nesta circunstância. Em seguida,mostra que, se não há no ambiente um obje-to de ataque, essa resposta não pode ocorrer:nesse caso, a apresentação do objeto que per-mite a ocorrência do ataque torna-se alta-mente reforçadora para a resposta que o pro-duz (pressionar a alavanca em relação operan-

te). Assim, a relação de eliciação estabeleceuuma condição que transformou a função deum objeto inicialmente neutro em reforçadorpositivo: a bola de borracha, que em situaçõesnormais não tinha função reforçadora para omacaco (eles não pressionavam a alavancaque a introduzia na caixa), passou a ser muitoreforçadora depois do choque (a resposta depressionar a alavanca se tornou muito fre-quente). Portanto, além de mostrar a intera-

ção respondente/operante, esse estudo ilustratambém o princípio de Premack, que afirmaque “a oportunidade de emitir uma respostamais provável reforça a emissão de uma me-nos provável” (Premack, 1959; 1971).

Tendo compreendido os processos ope-rantes e respondentes básicos, e que eles po-dem ocorrer separados ou em interação, vocêpoderá compreender a pesquisa realizada porEstes e Skinner (1941) sobre o efeito de “su-

pressão condicionada”, importante para o es-tudo das emoções. Nesse experimento, ratosrecebiam alimento (reforço positivo) contin-gente à resposta de pressão à barra em esquemaFI) 4 min,8 e, de tempos em tempos, choqueselétricos (estímulos aversivos) liberados inde-pendentemente do seu comportamento, sem-pre precedidos por um tom com duração de 5minutos. Nesse contexto, portanto, a respostade pressão à barra era um operante apenas emrelação ao alimento, não se relacionando coma ocorrência do choque ou do tom, que eram

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funcionalmente incontroláveis. Dado o parea-mento sistemático entre tom e choque, o tomse tornou um aversivo condicional (CS), tam-

bém denominado de pré-aversivo. Os resulta-dos mostraram que o rato pressionava a barrana ausência do tom, mas parava de responderna sua presença. Por que ele fazia isso, se essasupressão das respostas durante o tom não evi-tava a apresentação do choque e ainda produ-zia a perda de reforçadores positivos? Ou seja,do ponto de vista operante, esta parada erainútil (não funcional). A análise de Estes eSkinner apontou para o fato de que este arran-

 jo estabeleceu uma interação respondente/ope-rante conflitante: as respostas eliciadas pelo CSaversivo (ditas emocionais, tais como medo,ou simplesmente descritas como “paralisação”motora) eram altamente prováveis e dificulta-vam a emissão da resposta reforçada positiva-mente (pressionar a barra). Segundo eles, essarelação pode ser analisada como um modelode ansiedade, considerada como um compor-tamento emocional (respondente eliciado pelo

estímulo aversivo) que produz perda de refor-çadores positivos. Estudos posteriores mostra-ram que a preponderância dos controles res-pondentes e operantes neste tipo de arranjopode variar a depender das perdas que a su-pressão acarretar ao sujeito: a magnitude dasupressão frente ao CS é inversamente propor-

cional à magnitudeda perda de reforça-dores promovida pela

interrupção do res-ponder (Blackman,1968). Este tipo deinvestigação ressalta acomplexidade resul-tante do entrelaça-mento de contingên-cias operantes e res-

pondentes ao longo da vida do indivíduo,além de demonstrar que contingências confli-

tantes entre si podem estar na base de proble-mas comportamentais.

 Além de eliciarem respostas que podemcompetir momentaneamente com operantes,estímulos aversivos que ocorrem independen-

temente da resposta do indivíduo podemtambém interferir na sua adaptação a novascontingências. Por exemplo, tem sido relata-do que a exposição de animais a choques in-tensos e incontroláveis produz, posterior-mente, dificuldade em aprender novas res-postas reforçadas negativamente, dificuldadeque não ocorre se os choques iniciais foremcontroláveis, ou seja, modificados pela res-posta do sujeito (Maier e Seligman, 1976).

Esse efeito comportamental, denominado“desamparo aprendido”, mimetiza aspectosda depressão humana: tanto a baixa frequên-cia de respostas e de reforçadores quanto asalterações neuroquímicas (depleção de nora-drenalina e serotonina) demonstradas pelosanimais submetidos à incontrolabilidade seassemelham às de pessoas deprimidas (Selig-man, 1975/1977). Além disso, tratamentoscom medicamentos antidepressivos, ou ape-

nas com exposição a contingências que resta-belecem o controle do sujeito sobre o am-biente (supostamente análogo à psicotera-pia), podem reverter ou impedir odesenvolvimento do desamparo em animais(Hunziker, 2005; Peterson, Maier e Selig-man, 1993). Outro modelo animal de de-pressão (chronic mildstress ) também anali-sa os efeitos de estí-

mulos aversivos in-controláveis, porémpouco intensos e crô-nicos (Willner, Mus-cat e Papp, 1992).

 Além de incontrolá-veis, no geral essesmodelos envolvemestímulos aversivostambém imprevisíveis. Tais estudos sugerem

que, mais do que a aversividade do ambiente,o que mais se relaciona aos comportamentos

Estudos têm aponta-do a complexidaderesultante do inter-câmbio entre contin-gências operantes erespondentes. Alémdisso, aponta parao fato de que boasanálises conside-ram a possibilidadede contingênciasconflitantes.

Estudos têm sugeri-do que a incontrola-bilidade do indivíduonas relações é forte-mente aversivo po-dendo inclusive levarà “depressão”, e queensinar o indivíduo acontrolar contingên-cias parece ser tãoeficaz (se não mais)que medicamentosantidepressivos.

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problemáticos é a impossibilidade do indiví-duo controlar e prever os eventos do seu am-biente.

Em adição às relações mais frequente-mente analisadas enquanto envolvendo con-trole aversivo, deve-se considerar que a baixaprobabilidade de reforçamento, especialmen-te em condições que permitem (ou permiti-ram) acesso alternativo a maiores magnitudesde reforço, também pode ser aversiva. A con-dição extrema é a da extinção, que pode en-volver a probabilidade zero de reforçamento

após período em que

a resposta foi siste-maticamente refor-çada. Pesquisas mos-tram que o procedi-mento de extinçãonão apenas reduz afrequência da respos-ta anteriormente for-talecida pelo reforço,mas também elicia

respostas agressivas,tais como ataque aobjetos inanimados(geralmente a barra,que está disponívelpara ratos) ou outrosanimais (Azrin, Hu-tchinson e Hake,1966; Pear, Heming-way e Keizer, 1978).

Em situações menosextremas, em que aprobabilidade zero

de reforço é circunscrita a um período, outroscomportamentos sugerem que esse períodopode se tornar aversivo. Como exemplo,

 Azrin (1961) utilizou pombos que podiambicar dois discos: o arranjo experimental pre-via que um número fixo de bicadas no disco1 produzia alimento (esquema de razão fixaou FR)9, enquanto bicadas no disco 2 apaga-vam momentaneamente as luzes da caixa e

desligavam os comandos da contingência dereforçamento. Obteve-se alta frequência debicar o disco 1, e respostas no disco 2 ocorre-

ram após a liberação do reforço. Por que opombo bicava o disco 2? Em outras palavras,qual era o reforço para essa resposta? Se elanão produzia alimento e tinha como únicaconsequência desligar temporariamente o es-quema de FR, ocorrendo após a liberação doreforço (resposta de fuga), podemos concluirque esse período pós-reforço se tornou aversi-vo a ponto de a remoção do esquema a ela as-sociado, mesmo que temporária, reforçasse

negativamente as bicadas no disco 2. E porque ele se tornou aversivo, se o esquema emvigor era de reforça-mento positivo? Defato, apesar do FR emquestão envolver ape-nas reforço positivo,o período pós-reforçofoi sistematicamentepareado com a proba-

bilidade zero de re-forçamento.

Portanto, esteúltimo estudo nossugere que o reforça-mento positivo podetambém envolver re-lações aversivas. Fortalecendo essa análise, hárelatos de estudos que utilizaram dois esque-mas de reforçamento positivo que se suce-

diam, cada um sinalizado por um estímulodiferente (esquema múltiplo), os quais mos-traram que o estímulo associado ao esquemaque liberava menor magnitude de reforço ad-quiriu função de estímulo punitivo (Jwaidehe Mulvaney, 1976; Perone e Cortney, 1992).Portanto, pesquisas experimentais demons-traram que contingências de reforçamentopositivo podem envolver algum grau de aver-sividade, fortalecendo a necessidade de maisestudos sobre controle aversivo, uma vez queele é inevitável até nas condições em que tra-

O procedimentoem que se deixa dereforçar uma res-posta que antes erareforçada é chama-do de extinção . Talprocedimento temcomo resultado finalo enfraquecimentode uma relaçãooperante específica,o que o torna uma técnica para intervir

sobre comportamen- tos “indesejados.”Todavia, tal

procedimento,frequentemente, éacompanhado dealguns subprodutos:aumento da frequên-cia da respostaque produzia oreforçador; varia-ção no padrão deresponder; respostas

agressivas e por fim,o enfraquecimentodo operante.

O controle aversivoé tema bastantecontroverso. Aomesmo tempo quehá os que defendemseu estudo, visandoaperfeiçoar seuconhecimento epossibilitar novas

 tecnologias paralidar com ele, háaqueles que defen-dem o abandono deseus estudos. Este tema nos remete adiscussões sobre olimite da ciência.

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dicionalmente se supunha que a aversividadeestava ausente (Perone, 2003).

Na clínicaAs informações obtidas no laboratórioanimal são aplicáveis à situação clínica? Atransposição do laboratório à clínica nãopode ser direta, por motivos óbvios: acomplexidade de contingências que estãoem vigor sobre o comportamento huma-no não tem paralelo no contexto do labo-ratório experimental onde a lógica de tra-balho envolve manter constantes diversas

variáveis e manipular apenas algumas deinteresse da pesquisa. Contudo, é graças aesse método que as pesquisas de labora-tório podem identificar processos com-portamentais que no cotidiano ficam obs-curecidos pela sua mescla com outros. As-sim, as informações obtidas no laboratórioanimal podem ser muito úteis ao clínico,desde que ele não busque a transposiçãodireta, impossível por princípio. O que olaboratório mostra ao clínico é um conjun-to de relações que devem ser analisadas,

facilitando a identificação de diversos pro-cessos que podem estar atuando simulta-neamente.

Alguns dos processos anteriormentedescritos envolvendo controle aversivopodem ser extremamente úteis na análiseclínica. A começar pelo processo terapêu-tico, o qual pode ser, ao menos parcial-mente, controlado por reforçamento ne-gativo. Em paralelo a reforçadores positi-vos que podem advir da terapia, deve-seconsiderar que ela é buscada com o obje-tivo de reduzir aspectos aversivos que afe-tam a vida do cliente ou de pessoas à suavolta (Skinner, 1953/2003). Coerente comisso, espera-se que o clínico seja uma au-diência não punitiva, e que a relação tera-pêutica prime pelo reforço positivo. Con-tudo, na prática, isso nem sempre é possí-vel, e sobre essa questão o clínico obterágrande apoio dos estudos de laboratórioque demonstram a impossibilidade de seestabelecerem contingências puramentereforçadoras positivas. Se, mesmo comtodo o controle experimental que o labo-

ratório permite, constata-se que contin-

gências de reforçamento positivo envol-vem também contingências aversivas,como esperar que o contexto clínico seja

composto exclusivamente por reforço po-sitivo? Além disso, para lidar com a aver-sividade que trouxe o cliente ao consultó-rio, é muitas vezes indispensável que o clí-nico aborde questões que são difíceis parao cliente lidar. Por exemplo, um assuntolevantado pelo clínico, necessário à análi-se em curso, pode ser interrompido ouadiado por uma resposta de esquiva deseu cliente, a fim de evitar entrar em con-tato com um tema que lhe é desagradável.Impedir que o cliente emita respostas deesquiva, levando-o a entrar em contato

com o tema abordado (aversivo), pode sernecessário nesse processo. Outra condi-ção de esquiva pode ocorrer, tais como ocliente faltar ou interromper o processoclínico. É indispensável, portanto, que oprofissional analise o conjunto de contin-gências em vigor na sua relação com ocliente, expondo-o apenas a algo aversivose houver nessa relação outras consequên-cias reforçadoras que o mantenham emtratamento (Banaco, 2004). Nesse sentido,faltas e/ou atrasos repetidos podem suge-

rir a presença de estimulação aversiva noprocesso clínico, seja em razão dos assun-tos tratados, seja porque o clínico adquiriuuma função aversiva condicional por estarpareado a estes assuntos desagradáveisao cliente. Descrever, analisar e modificartais contingências faz parte do processoclínico (Delitti e Thomaz, 2004). Contudo,se, no processo clínico, de modo geral,predominar a aversividade, é incoerenteesperar que o cliente se mantenha nela.

Se na clínica mudanças são desejadas,pelo próprio sujeito ou por outros,entende-se que alguns comportamentosestão sendo fontes de sofrimento. Porém,na perspectiva analítico-comportamental,os comportamentos “indesejáveis” (pro-blemáticos, patológicos ou quaisquer ou-tras denominações que recebam) são fun-cionais como todos os outros, uma vezque são mantidos pelo ambiente (selecio-nados). Nesse aspecto, pesquisas como ados macacos “masoquistas”, citada ante-riormente, podem ajudar o clínico na com-preensão filosófica da “patologia” como

comportamento funcional. O que vai justi-

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ficar a mudança do comportamento docliente é o fato de esse comportamento,mesmo sendo funcional, acarretar sofri-

mento/perturbação ao indivíduo (ou a ou-tros), e por isso será objeto de análise e in-tervenção do clínico (Skinner, 1953/2003).

No que diz respeito à conscientizaçãodo cliente sobre as contingências a queestá exposto, devemos partir do fato deque os problemas clínicos envolvem, nasua maioria, sentimentos, frequentemen-te denominados “distúrbios emocionais”(Gongora, 2003). Porém, na medida emque tais sentimentos “perturbadores” sãoentendidos como comportamentos causa-dos por contingências “perturbadoras”,isso permite ao clínico corrigir essas rela-ções (Skinner, 1989/1991). Nos estudos clí-nicos, descreve-se que sentimentos demedo e ansiedade ocorrem diante de con-textos aversivos, havendo sentimentos dealívio, sossego e calma após a eliminaçãodestes, do mesmo modo como prazer eêxtase podem resultar da apresentação dereforçadores positivos e a retirada ou in-terrupção desses reforços resulta em ira,raiva ou aborrecimento (Banaco, 1999).Estas observações podem ser confirma-

das por dados de pesquisa com animais,tais como a agressão induzida por estímu-lo aversivo ou extinção, a supressão con-dicionada induzida por estímulo “pré--aversivo” (aversivos condicionais), entreoutros. Também é crítica para o clínico ademonstração de que uma condição aver-siva aumenta a probabilidade de respos-tas agressivas a ponto de o indivíduo serreforçado pela oportunidade de agredir.Esse dado experimental confirma o princí-pio de Premack (1959; 1971), já citado. As

relações identificadas nas pesquisas ante-riormente citadas podem ajudar o clínicona compreensão de comportamentos cli-nicamente relevantes (comportamentos--queixa). Por exemplo, o estudo no qual omacaco que, tendo recebido um choqueelétrico pressionava a alavanca para intro-duzir na caixa um objeto que ele poderiaatacar, pode dar-nos sugestões para anali-sarmos as relações que podem ser res-ponsáveis pelo comportamento de pesso-as que criam situações nas quais podemagredir outros. Além disso, os estudos de

laboratório reafirmam ao clínico que a

análise da agressão (entre outros compor-tamentos) não pode prescindir da identifi-cação de processos respondentes e ope-

rantes atuando em conjunto.A demonstração no laboratório de quecontingências de reforçamento positivoenvolvem também aspectos aversivospode ser de grande ajuda ao clínico parauma análise mais aprofundada sobre o“sofrimento” humano. Tradicionalmente,considera-se que o sofrimento decorre ba-sicamente do contato com estímulos aver-sivos ou da perda de reforçadores positi-vos, sendo o sentimento de “felicidade”propiciado por contingências reforçado-ras positivas. Porém, quando o laborató-rio nos mostra que a aversividade é inevi-tável mesmo sob reforçamento positivo,ele quebra a dicotomia controle aversivoversus  reforço positivo, mostrando que osofrimento é, ao menos num nível basal,inerente ao ser humano. Se o processo clí-nico ajuda o cliente a considerar a inevita-bilidade de algum grau de sofrimento, elapode minimizar, ao menos em parte, o seuaspecto perturbador (Hayes e Wilson,1994).

A despeito da ênfase dada à natureza

aversiva das contingências no estabeleci-mento de comportamentos socialmenteindesejáveis, o laboratório nos sugere umredirecionamento dessa análise. Os estu-dos sobre desamparo aprendido têmapontado que, aparentemente, o críticonão é a aversividade em si, mas sim a suaincontrolabilidade. Está demonstrado queeventos aversivos que não podem ser mo-dificados pelo indivíduo exercem grandecontrole sobre seu comportamento atra-vés da eliciação de respostas (muitas de-

las encobertas), que podem ser incompa-tíveis com outras que lhe seriam maisvantajosas (ver estudos sobre desamparoaprendido ou supressão condicionada).Além de ser modelo de depressão, o de-samparo aprendido tem sido tambémapontado como modelo animal para estu-do do “transtorno de estresse pós-traumá-tico”(TEPT). Queiroz (2009) analisou casosclínicos envolvendo pessoas submetidasa sequestro que mostraram, posterior-mente, efeitos denominados de “transtor-no de estresse pós-traumático” (TEPT).

Nesse estudo, foi apontado que, dentre os

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vários casos analisados clinicamente, amagnitude do TEPT estava mais direta-mente relacionada a histórias de vida com

predominância de incontrolabilidade so-bre aspectos aversivos do ambiente doque com a gravidade do sequestro em si.Essa observação é perfeitamente compatí-vel com a literatura, a qual mostra que aincontrolabilidade dos eventos aversivosé uma variável crítica para o desenvolvi-mento do TEPT em humanos e animais(Ramaswamy et al., 2005; Yehuda e Antel-man,1993).

Outro aspecto importante que o labo-ratório aponta para o clínico, extrapolan-do a simples aversividade como fonte de

“problemas”, é a ocorrência de processosconflitantes. As pesquisas sobre supres-são condicionada, realizadas com ani-mais, ilustram bem a importância dos con-flitos entre as relações respondentes eoperantes na determinação de comporta-mentos que podem ser “problemáticos”,tais como a ansiedade. A identificação doCS, ou seja, da condição ambiental dianteda qual ocorrem os comportamentos an-siosos (paralisação das respostas que po-deriam gerar reforços), bem como das

condições de reforçamento que estão sen-do afetadas por essas respostas eliciadas,pode sugerir um caminho de intervençãoclínica com chance de sucesso.

O laboratório também nos alerta paraa necessidade de análise a longo prazo so-bre as consequências do responder: umestímulo ser reforçador positivo ou aversi-vo a curto prazo não é sinônimo de serbom ou ruim para a vida do sujeito. Skin-ner (1971) já havia alertado para os efeitosnegativos no longo prazo de algumas con-sequências reforçadoras positivas imedia-tas, tais como comidas calóricas e gordu-rosas, substâncias psicoativas, entre ou-tras. Diversos estudos de laboratóriomostram a fragilidade e superficialidadeda análise que se resume no curto prazo,demonstrando que animais podem mor-rer em função dos reforços positivos queproduzem (algumas drogas que são con-sumidas em doses letais) ou por não eli-minarem estímulos aversivos, introduzi-dos tão gradualmente que não há controlede respostas de fuga (Perone, 2003). Nes-

ses dois exemplos, seria mais benéfico

aos sujeitos não terem acesso àqueles re-forços positivos e serem sensíveis à aver-sividade dos estímulos a ponto de emiti-

rem as respostas de fuga.Por fim, uma questão controversa: ocontrole aversivo é eficaz? Muitos analis-tas do comportamento consideram que ocontrole aversivo não apenas é ineficazcomo produz efeitos colaterais indesejá-veis, o que não justifica eticamente seuuso (por exemplo, Sidman, 1989/2003).No que diz respeito à punição, uma dascríticas mais frequentes é que seus efei-tos são transitórios, conforme demons-trado por Skinner (1938) em um estudono qual sobrepôs punição à extinção: os

resultados mostraram efeito supressivotransitório, não alterando o processo su-pressivo como um todo. Porém, outraspesquisas mostraram resultados experi-mentais contrários. Contudo, Boe eChurch (1967) analisaram que o estudode Skinner utilizou um tipo de estímuloaversivo (o retorno rápido da barra quan-do pressionada, que produzia uma espé-cie de “tapa” nas patas do rato) que nãopermitia manipulação precisa da sua li-beração nem da sua intensidade. Contor-

nando esses problemas, esses pesquisa-dores replicaram o mesmo procedimentode Skinner, fazendo a sobreposição dapunição à extinção, porém utilizando cho-ques elétricos como estímulos contin-gentes à resposta de pressão à barra. Fo-ram utilizados choques com diferentesintensidades, tendo-se obtido que ape-nas os animais que receberam choquesmuito suaves mostraram a recuperaçãoda resposta que caracteriza o efeito tran-sitório relatado por Skinner; os demais,que receberam choques moderados ouintensos, mostraram efeito supressivototal, o qual se manteve inalterado pornove sessões de extinção de 60 minutoscada; em paralelo, os animais expostosapenas ao procedimento de extinção ne-cessitaram de muitas sessões sem refor-ço até apresentarem igual nível supressi-vo da resposta de pressão à barra. Emoutro estudo, Camp, Raymond e Church(1967) mostraram que a precisão tempo-ral da contingência é também uma variá-vel crítica na determinação (e manuten-

ção) do efeito punitivo. Portanto, esses

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estudos indicam que o efeito supressivoda punição pode ser não apenas dura-douro como mais imediato do que o da

extinção, a depender da precisão da con-tingência e da adequação da intensidadedo estímulo. Se lembrarmos que a extin-ção também elicia respostas emocionaisindesejáveis, temos a considerar que,frente à necessidade de suprimir respos-tas do repertório do sujeito, pode sermuito mais eficaz, e, consequentemente,mais ético, o uso da punição do que o daextinção. O próprio Skinner, tão citadopara condenar o uso da punição, conside-rou que, a depender do conjunto de con-tingências existentes e da necessidadede eliminar determinado comportamen-to, o seu uso clínico é plenamente justifi-cável (Griffin, Paisey, Stark e Emerson,1988). Mais recentemente, diversos ana-listas do comportamento têm se manifes-tado a favor de uma revisão da postura rí-gida contra a punição, desde que o seuuso seja coerente com a análise global docomportamento em questão (Lernan eVorndran, 2002), lembrando que o alvoda punição é sempre a resposta, nunca oindivíduo (Mayer, 2009).

Outras estratégias terapêuticas utili-zadas na clínica também envolvem con-trole aversivo, embora nem sempre osanalistas assim o considerem (Cameshi eAbreu-Rodrigues, 2005) – por exemplo, otimeout   (punição negativa), o reforça-mento diferencial de outros comporta-mentos (também envolve punição negati-va da resposta-alvo) e a extinção. Identifi-car que tais estratégias bem estabelecidasna clínica envolvem componentes aversi-vos ajuda na reanálise da questão sobre a

efetividade e ética no uso do controleaversivo.

tingências S-R estabelecem que “se S ocorrer, então R ocorrerá”. Em todas, esta especificação da ocor-rência de um evento em função de outro é sempreprobabilística.

  3. Toda vez que nos referirmos a respostas ou a estí-mulos, entenda-se que nos referimos a classes derespostas ou classes de estímulos.

  4. Ao longo dos tempos, houve diferentes conceitua-ções para esses processos (veja Skinner, 1953/2003;Sidman, 1989; Keller e Schoenfeld, 1950/1974).Contudo, os quatro processos aqui apresentados se-guem as denominações mais recentes (veja Catania,1998/1999). Para a análise de algumas divergênciassobre estas conceituações, recomendamos a leiturade Michael (1975) e Gongora, Mayer e Mota(2009).

  5. Os termos reforçador e reforço são por vezes utiliza-dos como sinônimos.  6. Sentimentos são analisados como comportamentos

privados, ou seja, acessíveis apenas ao indivíduo queos sente. Portanto, eles obedecem aos mesmos pro-cessos que os demais comportamentos (Skinner,1974). Ver análise sobre sentimentos também noCapítulo 19.

  7. O mais usual é que o termo unconditioned  seja tra-duzido como “incondicionado” (assim como condi-tioned   é traduzido como condicionado). Porém,aqui será utilizada a versão “incondicional” (e “con-dicional”) adotada pelos organizadores.

  8. Esquema de intervalo fixo (FI), no qual o reforça-dor é liberado contingente a determinada respostaapenas se ela ocorrer após a passagem do intervaloespecificado. No caso de FI 4 min, o reforçador é li-berado contingente à primeira resposta emitidaapós transcorridos 4 minutos; em seguida ao refor-ço, inicia-se a contagem de novo intervalo (ver es-quemas de reforçamento em Catania, 1998/1999).

  9. No esquema de razão fixa (FR), estipula-se ummontante de respostas que devem ocorrer para queo reforçador seja liberado. Por exemplo, em FR 5, oreforçador ocorre contingente à cada 5ª resposta,

recomeçando-se a contagem após a sua liberação(ver esquemas de reforçamento em Catania,1998/1999).

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> NOTAS

  1. As autoras agradecem a leitura crítica de TauanePaula Gehm, que muito contribuiu para a versãofinal do texto.

  2. Por contingência, entenda-se qualquer relação “se...então”. Por exemplo, as contingências R-S indicam

que “se  o indivíduo fizer X, então  no ambienteocorrerá Y”; as contingências S-S estabelecem que“se S1 ocorrer, então S2 também ocorrerá”; as con-

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Podemos dividir oscomportamentos dotipo operante emdois grandes grupos:não verbais e verbais.O presente capítulopretende apresentar adefinição e classifica-

ção propostas porSkinner em 1957 so-bre o comportamen-to verbal. A impor-

tância desse comportamento para a práticado psicólogo é indiscutível, visto que é umcomportamento tipicamente humano, frutode contingências sociais e sobre o qual as in-tervenções clínicas ocorrem com maior fre-quência.

O comportamento verbal é um compor-tamento operante, ou seja, é emitido em um

determinado contexto e modelado e mantidopor consequências (Skinner, 1957/1978;1974/2002). Com essa afirmação, a Análise doComportamento rompe com concepções es-truturalistas sobre a linguagem e inaugura todauma linha de pesquisas na psicologia que bus-ca, sob uma perspec-tiva funcionalista e

pragmática, compre-ender a aquisição docomportamento ver-bal e analisar as con-dições nas quais ocor-re a emissão da fala(ou dos operantesverbais).

O comporta-mento verbal deve

receber atenção espe-cial, entre os com-

 6  Operantes

verbaisGhoeber Morales dos Santos

Maxleila Reis Martins SantosVívian Marchezini-Cunha1

ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  Comportamento verbal como comportamento operante especial.>

  Audiência.>

  Falante e ouvinte.>

  Episódio verbal.>

  Significado “de palavras”.>

  Os operantes verbais: ecoico, textual, transcrição, intraverbal, tato, mando, extensãometafórica do tato, extensão metonímica, autoclítico, tato distorcido, mando disfarçado.

A importância docomportamentoverbal para a práticado psicólogo é indis-cutível, visto que éum comportamento tipicamente humano,fruto de contin-gências sociais esobre o qual as in-

 tervenções clínicasocorrem com maiorfrequência.

O comportamentoverbal é um compor-

 tamento operante,ou seja, é emitidonum determinadocontexto e mode-lado e mantido porconsequências.Todavia, nessarelação o meio físicoé alterado através damediação do meiosocial, conhecidocomo ouvinte . É essamediação que torna

o comportamentoverbal especial.

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Clínica analítico-comportamental 65

portamentos operantes, por não alterar omeio através de ações mecânicas diretas (oque é característico do comportamento não

verbal). Diferentemente, o comportamentoverbal é mantido por consequências que de-pendem da ação mediada por outra pessoa, oouvinte. O ouvinte é um membro da comu-nidade verbal que foi especialmente treinado

por essa comunidadepara responder demaneiras específicasdiante das verbaliza-ções do falante. É

importante ressaltarque o falante podeser ouvinte de si mes-

mo, a partir de treino recebido ao longo davida pela comunidade verbal. Considera-seentão o ouvinte como um estímulo discrimi-nativo especial (chamado audiência) na pre-sença do qual o comportamento verbal seráemitido.

Mesmo apresentando essa característica

especial, o comportamento verbal está sujeitoàs mesmas leis que qualquer outro comporta-mento operante: é mantido por consequên-cias reforçadoras, é mais provável de ser emi-tido diante de estímulos que sinalizam o re-forço, pode ter sua frequência reduzidamediante a retirada da consequência reforça-dora, etc.

Perspectivas tradicionais acerca da lin-guagem recorrem a explicações inatistas, in-

ternalistas e estruturalistas para compreendero significado das palavras e a formação sintá-tica das verbalizações (dizem, por exemplo,que somos dotados de um dispositivo mentalque nos habilita a formar palavras de acordocom regras semânticas específicas e frases deacordo com certas regras gramaticais). Abor-dando a questão do significado e da estruturadas palavras sob o ponto de vista da análisedo comportamento, pode-se dizer que umaresposta verbal significa algo no sentido deque o falante está sob controle de circunstân-

cias particulares; por-tanto, para analisar ocomportamento ver-

bal temos que recor-rer à descrição dascontingências que omodelam e o man-têm. Ou seja: não épossível atribuir sig-nificado a uma ver-balização sem identi-ficar o contexto (an-tecedente e consequente) sob o qual ela foi

emitida, daí a importância de levarmos emconta o comportamento do ouvinte, e não sóo do falante.

Para analisar o comportamento verbal,Skinner nomeia as contingências entrelaçadasdo ouvinte e do fa-lante como um episó-dio verbal , no qual oouvinte atua comoum estímulo discri-

minativo (SD) napresença do qual ver-balizações (R V ) ocor-rem. O ouvinte, alémde estímulo discrimi-nativo, também atuacomo aquele que li-bera consequênciasapós a emissão daresposta verbal pelo

falante. Nesse senti-do, no caso do com-portamento verbal, a descrição de uma con-tingência de três termos envolve: aquela quedescreve o comportamento do falante e, ne-cessariamente, envolve outra contingência,que se refere à que descreve o comportamen-to do ouvinte. Esquematicamente, um episó-dio verbal seria apresentado conforme apre-sentado na Figura 6.1.

 Ao fazer a análise do comportamentoverbal em termos de contingências, Skinner,

A comunidade verbalensina seus mem-bros a serem falantese ouvintes. Todavia,esse treino nos tornacapazes de sermosouvintes e falantesde nós mesmos.

O significado nãoestá nas palavras,ele só é identificadona relação entre aresposta verbal eas contingências(antecedentes econsequentes) quea controlam. Como oouvinte é parte dascontingências é im-portante considerá--lo na busca porsignificados.

A análise do com-portamento verbalrequer que observe-mos não só as res-postas emitidas pelo

falante, mas tambémseu entrelaçamentocom as respostasdo ouvinte, pois osegundo exerceráfunção de estímulodiscriminativo, bemcomo será o media-dor do reforçadorpara a resposta doprimeiro. A esta in- teração verbal entreouvinte e falante,

dá-se o nome deepisódio verbal .

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66  Borges, Cassas & Cols.

no livro Comportamento Verbal (1957), pro-põe uma classificação na qual descreve algu-

mas das contingências mais comumente en-volvidas na emissão do comportamento ver-bal, e cada uma delas foi chamada de umoperante verbal, resultando em seis tipos:mando, tato,2 ecoico, textual, transcrição e in-

traverbal.  Eles sãoclassificados de acor-do com as condiçõesde estímulos antece-dentes e consequen-

tes que controlamcada resposta. Os es-tímulos antecedentespodem ser verbais ou

não verbais, enquanto os estímulos conse-quentes podem ser específicos ou generaliza-dos. Além desses, há o autoclítico como umoperante verbal secundário. Os operantesverbais mando e tato podem sofrer algumasalterações específicas, de acordo com as con-

sequências que produzem; serão abordadosneste capítulo o mando disfarçado  e o tatodistorcido.

Há operantes verbais que são controla-dos discriminativamente por estímulos an-tecedentes verbais. Dentre esses operantesverbais estão: o ecoico, o textual, a transcri-ção e o intraverbal. Dentre esses, os três pri-meiros (ecoico, textual e transcrição) apre-sentam correspondência ponto a ponto en-

tre o estímulo verbal antecedente e aresposta verbal. Skinner chamou de corres-

pondência ponto a ponto o fato de que par-tes específicas (e delimitáveis) do estímulo

verbal controlavam a forma – a topografia –de partes específicas (e identificáveis) da res-posta verbal. Um exemplo dessa relação sedá na emissão do operante ecoico, quando acriança diz mamãe  (resposta verbal vocal) se-guindo o estímulo antecedente verbal ma-mãe   (estímulo discriminativo verbal vocal)dito pelo adulto. Vejamos as particularida-des de cada um desses operantes verbais naFigura 6.2 a seguir.

> ECOICO

Neste operante verbal, observa-se que o estí-mulo antecedente é um estímulo verbal vocal(sonoro) e a resposta verbal é sempre vocal,reproduzindo o estímulo sonoro. Nesse caso,a consequência é um reforço generalizado. Orepertório ecoico é estabelecido através do re-

forço que Skinner denomina como “edu-cacional”, por ser útil principalmente aos paise professores que operam instalando novasrespostas de formamais rápida. O ope-rante ecoico é impor-tante quando a crian-ça está iniciando aemissão de certas pa-lavras e também no

aprendizado de umnovo idioma; nessa ocasião, há a modelação

FIGURA 6.1 Esquema-modelo com contingências a serem analisadas em um episódio verbal.

SD (audiência/ouvinte): RV (falante) SR+ “Passe o sal, por favor.” Proximidade do sal.

  SD verbal : RNV (ouvinte)“Passe o sal por favor.” Entrega do sal ao falante.

Um sistema de clas-sificação funcionalfoi desenvolvidopara tentar facilitara análise do com-portamento verbal,seu resultado foi oestabelecimento dosoperantes verbais .

O operante ecoico éimportante quandoa criança estáiniciando a emissãode certas palavras e também no apren-dizado de um novoidioma.

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Clínica analítico-comportamental 67

de respostas verbais a partir do estímulo ante-cedente verbal-vocal apresentado.Nesse operante, há correspondência

ponto a ponto e similaridade formal. Sendoassim, diante de um estímulo discriminativoverbal-vocal (ex. ouvir “cachorro”) a respostaé vocal (por exemplo, falar “cachorro”).

> TEXTUAL

Neste operante, tem-se a resposta verbal doleitor (o falante) controlada pelo texto, umestímulo verbal. Assim, tem-se como estímu-lo antecedente um estímulo verbal escrito ouimpresso, e a resposta é verbal-vocal (falada). Há então uma correspondência formal que

foi arbitrariamenteestabelecida e a con-sequência é um re-

forço generalizado.O operante textual,assim como o ecoico,é inicialmente refor-çado por motivoseducacionais, mas hátambém reforços nãoeducacionais, comoquando alguém épago para ler em pú-

blico, por exemplo. O comportamento tex-tual pode ser vantajoso por colaborar na emis-

são de outros operantes, como encontrar ocaminho da festa a partir de uma orientaçãopor escrito.

> TRANSCRIÇÃO

Na transcrição, tem-se um estímulo verbalque pode ser sonoro ou escrito e uma respos-ta verbal, que é sempre escrita. Diante de um

estímulo antecedente verbal sonoro ou escri-to o falante emite uma resposta verbal escrita.O operante verbal transcrição é subdivididoem cópia e ditado. Na cópia, tem-se um estí-mulo verbal escrito e uma resposta verbal es-crita (ler “flores” e escrever “flores”). Nessecaso, há similaridade formal entre estímulo eresposta. Já no ditado, tem-se um estímuloverbal sonoro e uma resposta verbal escrita(ouvir “mesa” e escrever “mesa”). No ditado,

não há similaridadeformal. A transcriçãopode ser identificadanas cópias e ditadosrealizados na escola,principalmente nasséries primárias. Nesse caso, a consequênciatambém é um reforçador generalizado, deno-minado também como reforço educacional.

O outro operante verbal emitido sob

controle de estímulo antecedente verbal é ointraverbal, mas, nesse caso, não há corres-

O comportamento textual pode ser

vantajoso por cola-borar na emissão deoutros operantes,como encontrar ocaminho da festa apartir de uma orien- tação por escrito.Esse, possivelmente,é o tipo de compor- tamento que vocêestá emitindo nestemomento.

Operante Tipo de S Tipo de R Correspondência Similaridadeverbal antecedente verbal ponto a ponto formal

Ecoico Sonoro Vocal Sim Sim

Textual Escrito Vocal Sim Não

Transcrição Sonoro ou escrito Escrita Sim Não necessariamente

Intraverbal Sonoro ou escrito Vocal ou escrita Não Não necessariamente

A transcrição podeser identificada nascópias e ditadosrealizados na escola,principalmente nasséries primárias.

FIGURA 6.2 Operantes verbais controlados por estímulos antecedentes verbais.

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68  Borges, Cassas & Cols.

pondência ponto a ponto entre a respostaverbal e o estímulo verbal. Justamente poresse aspecto é que o intraverbal se diferencia

dos operantes ecoico, transcrição e textual.

> INTRAVERBAL

O operante verbal intraverbal é controladopor estímulo discriminativo verbal, que podeser tanto vocal quanto escrito. Nessa relação,o estímulo verbal é a ocasião para que deter-minada resposta verbal particular seja emitida

– sem correspondência ponto a ponto com oestímulo verbal que a evocou –, e essa respos-ta é mantida por um estímulo reforçador ge-neralizado, como no caso de todos os outrosoperantes verbais sob controle de estímulosantecedentes verbais descritos até aqui.

Os operantes intraverbais são frequen-tes e podem ser comumente observados quan-do a plateia continua a música iniciada pelocantor, quando a criança responde “quatro”

diante da questão “dois mais dois é igual a...”e em interações sociais simples, tais como,por exemplo, quando João pergunta: “Comovai você?”, e obtém a resposta verbal de Antô-nio: “Bem, obrigado”. Se, em tal interação, aresposta de Antônio for controlada pela esti-

mulação verbal (per-gunta) disposta por

 João e não por qual-quer outro estado ou

estimulação presen-te, como, por exem-plo, o estado corpo-ral de Antônio, entãoa resposta será partede um intraverbal.

Isso nos leva apensar que, no con-

texto clínico, nem sempre quando o clienteresponde a uma pergunta ele está responden-

do de acordo com o que realmente está acon-tecendo com ele, mas pode estar emitindo

um intraverbal. Por exemplo, quando o clíni-co pergunta como o cliente está se sentindo eeste diz que está tudo bem, mas apresenta in-

dícios públicos de que não está realmentebem. Ao dizer que está tudo bem, o clienteparece estar emitindo um intraverbal sobcontrole de um estímulo verbal antecedente(a pergunta do clínico). Se, ao contrário, ocliente dissesse que se sente mal (sob controlede eventos ou sensações), classificaríamos suaresposta verbal como um tato, operante ver-bal que será abordado adiante.

O comportamento intraverbal desem-

penha papel importante em muitas das inte-rações sociais (conversas, canções, descriçãode uma história) e na aquisição de várias ha-bilidades acadêmicas (recitar o alfabeto, con-tar, responder a questões, etc.).

É relevante apontar que há operantesverbais que são controlados por estímulos an-tecedentes não verbais e que não apresentamsimilaridade formal nem correspondênciaponto a ponto entre o estímulo antecedente e

a resposta. São eles os operantes mando e tato,confome mostra a Figura 6.3.

> MANDO

No operante verbal mando, a resposta verbalocorre sob controle de condições específicasde privação ou da presença de estimulaçãoaversiva. Sendo assim, não é a estimulação

antecedente (verbal ou não verbal) o determi-nante principal do mando, mas sim uma con-sequência específica,que tem relação coma operação motiva-dora que vigora. Orepertório de man-dos, em geral, bene-ficia o falante, na me-dida em que a conse-

quência mediada éexatamente a retira-

Isso nos leva apensar que, nocontexto clínico,nem sempre quando

o cliente respondea uma pergunta eleestá respondendode acordo como que realmenteestá acontecendocom ele, mas podeestar emitindo umintraverbal.

Mando  é quandouma respostaverbal é emitida sobcontrole de umaoperação motivado-ra específica, tendocomo determinanteprincipal a conse-quência específica

relacionada a opera-ção motivadora.

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Clínica analítico-comportamental 69

da da condição aversiva à qual o falante estáexposto ou a disponibilização de reforçadoresque têm alto valor reforçador para o falanteno momento. No mando, há a especificaçãodo reforço (por exemplo, “Quero flores ver-melhas”) ou do comportamento do ouvinte(por exemplo, “Ajude-me a carregar a mala”).

Vejamos dois exemplos comuns demando na prática clínica: uma cliente, duran-

te uma sessão, solicita diretamente ao clínicoque troque o seu horário de sessão: “Queroalterar o meu horário de atendimento”. Nesseexemplo, a consequência reforçadora é espe-cífica e envolve a mudança do horário. Outroexemplo ocorre quando um cliente, diante deuma dificuldade, solicita uma resposta do clí-nico:  “ Preciso saber como lidar com isso, oque faço?”. A consequência reforçadora espe-cífica seria a resposta do clínico à pergunta do

cliente.Pedidos, orientações, instruções e or-

dens são exemplos de mando, variando entresi no que diz respeito às consequências para oouvinte. No caso da ordem, o falante emiteuma resposta verbal que especifica o reforçoque o ouvinte deverá produzir. Caso o refor-ço não seja produzido, o falante (aquele queordenou) pode liberar consequências aversi-vas em relação ao ouvinte. Esse tipo de man-

do ocorre quando aquele que manda tem opoder de punir, caso a ordem não seja cum-

prida. O chefe que ordena aos funcionáriosque passem a trabalhar aos sábados (mandodo tipo ordem) pode punir aqueles que nãocumprirem a ordem dada. Já quando o man-do é classificado como um pedido, não ha-verá consequências punitivas fornecidas poraquele que pediu alguma coisa.3

Na clínica, é importante estar atento aorepertório de mandos do cliente, pois, a par-

tir da emissão do mando, ele pode ter acessoa consequências reforçadoras específicas quelhe são importantes. Um cliente que apresen-ta déficits no reper-tório de mandos, taiscomo pedir, orientare ordenar, poderá fi-car carente de certasconsequências refor-çadoras necessárias.

Isso pode ocorrer emum relacionamentoconjugal ou na relação de trabalho, por exem-plo.

O operante verbal mando pode seremitido de forma direta e clara ou de formadistorcida, o que é denominado mando dis-farçado. Essa distorção do mando ocorre deacordo com as contingências punitivas quevigoram sobre o comportamento verbal e

será explicada mais à frente, neste mesmocapítulo.

  VariávelOperante controladoraverbal antecedente Resposta Consequência

Mando Operação motivadora Verbal que especifica Específica (relacionada à(privação ou estimulação o reforço. operação motivadora emaversiva), vigor).

Tato Estímulo não verbal Verbal correspondente Inespecífica – reforço(objeto ou evento). ao estímulo não generalizado.

verbal antecedente,

FIGURA 6.3 Operantes verbais controlados por estímulos antecedentes não verbais.

Um cliente queapresenta déficitsno repertório demandos, tais comopedir, orientar eordenar, poderáficar carente decertas consequên-

cias reforçadorasnecessárias.”

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70  Borges, Cassas & Cols.

> TATO

No operante verbal tato, a resposta emitida é

controlada por um estímulo antecedente es-pecífico não verbal(um objeto ou even-to) e produz comoconsequência umreforço condiciona-do generalizado ouestímulos reforçado-res não específicos.Reforçadores gene-

ralizados muito co-muns nas interações sociais são o balançar acabeça afirmativamente, verbalizações como“hum, hum”; “isso”, “entendo”; “muito bom”;etc. No tato, há um controle incomparávelexercido pelo estímulo que o antecede e a re-lação com qualquer operação motivadora estáenfraquecida, o que marca fortemente a con-sequência como sendo um reforçador genera-lizado.

 Ao emitir um tato, o falante está dizen-do a respeito de algo, descrevendo o que ésentido ou um evento ocorrido; em todos oscasos, a resposta verbal está sob controle doestímulo antecedente e do reforço generaliza-do disposto pelo ouvinte. O tato opera emfunção do ouvinte, pois permite o acesso aosacontecimentos (não vivenciados pelo ouvin-te, mas pelo falante), ampliando o contato doouvinte com o mundo, seja ele público ou

privado. Esse é um operante verbal importan-te de ser modelado na clínica, pois envolverespostas de autodescrição e de descrição decontingências, que são necessárias para a rea-lização da avaliação funcional. Alguns exem-plos de tato:

• “O quadro é branco” (resposta verbal sobcontrole da propriedade cor do estímuloantecedente público quadro).

• “ Não tive uma boa semana, algumas coi-sas aconteceram lá em casa ” (resposta ver-

bal sob controle de eventos antecedentespassados públicos e privados).

• “ Tenho me sentido muito bem desde que

comecei a dizer para o meu marido oquanto preciso que ele me ajude na edu-cação dos nossos filhos” (resposta verbalsob controle de eventos antecedentes pri-vados).

• “Meu grupo de trabalho é composto decinco pessoas; no entanto, a Luana nãoparticipa de nenhum trabalho e leva anota boa que tiramos. Tenho ficado mui-to incomodada com isso!” (resposta verbal

sob controle de eventos antecedentes pú-blicos que se refere ao número dos com-ponentes do grupo e de eventos antece-dentes privados dizendo respeito aos sen-timentos em relação ao grupo).

O tato, assim como o mando, pode so-frer certas alterações/distorções. No final docapítulo, será discutido o tato distorcido, noqual a resposta verbal se parece com um tato,

mas não está sob controle específico do estí-mulo antecedente não verbal e sim das opera-ções motivadoras vigentes.

O tato é marcado, como já afirmado,pelo controle exercido pelo estímulo antece-dente não verbal. Assim como o comporta-mento não verbal pode ser emitido sob con-trole discriminativo de propriedades ou par-tes de um estímulo complexo, também o tatopode ser emitido sob controle de proprieda-

des de estímulos antecedentes não verbais. Asalterações na precisão ou na extensão do con-trole pelo estímulo antecedente serão retrata-das aqui na extensão metafórica e na metoní-mia.

Extensão metafórica do tato(linguagem metafórica)

 A metáfora, figura de linguagem bastante uti-lizada na literatura e também no nosso coti-

Tato  é uma respostaverbal que ocorresob influência deestímulos discrimi-nativos específicos(objeto ou evento),sendo que o refor-çador, geralmente,é social e nãoespecífico.

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Clínica analítico-comportamental 71

diano, refere-se ao que é chamado, na análisedo comportamento, de um tipo de tato am-pliado, qual seja, a extensão metafórica do tato.

Estímulos discriminativos compostos podemcontrolar diferentes respostas verbais de tato.Na linguagem metafórica, o falante fica sobcontrole de alguma propriedade deste estí-mulo e utiliza este como forma de falar sobrealgum aspecto da sua vida, aspecto que temalguma relação (geralmente funcional) com apropriedade do estímulo em questão.

 A linguagem metafórica possibilitacompreender de maneira mais rápida o con-

trole que um dado evento pode exercer sobreo comportamento de uma pessoa. Na clínica,observa-se que, caso a metáfora não fosse usa-da pelo cliente, este teria que fazer uso de vá-rias frases para que o clínico compreendesseaquilo que, na linguagem metafórica, é ex-presso com poucas palavras. Tomemos como

exemplo um clientecom grande dificul-dade de se relacionar

socialmente em di-versos contextos, quese comporta inade-quadamente (no sen-tido de não ficar sobcontrole da demanda

das outras pessoas, priorizando apenas o queé importante para si) e, como consequência,afasta as pessoas de seu convívio. Isto ocorreuem sua vida passada e ainda ocorre com fre-

quência com seus contatos atuais. Para descre-ver tais situações, o cliente diz: “Eu me sintocomo uma água suja que sai contaminando to-das as coisas por onde ela passa”. Com esta me-táfora, o cliente sinaliza sua dificuldade de serelacionar, comparando-a a uma espécie de“contaminação”, e se refere à dimensão am-pliada de sua dificuldade (esta ocorre em várioscontextos) quando diz que a água contamina“todas as coisas por onde ela passa”.

O clínico também pode empregar me-táforas com seu cliente. Isso é mais comum

principalmente quando o tópico que está sen-do discutido traz com ele alguma fonte deaversividade para o cliente. Utilizando-se de

linguagem metafórica, o clínico tem melho-res chances de conseguir discutir tal tópicocom o cliente (bloqueando sua esquiva), di-minuindo a sua aversividade, além de preser-var a relação terapêutica. Utilizando ainda oexemplo mencionado no parágrafo anterior,o clínico poderia dar prosseguimento à metá-fora utilizada pelo próprio cliente e dizer: “Oque você acha que é possível fazer para queesta água suja comece, aos poucos, a ficar

mais límpida e contaminar cada vez menoscoisas?”. Ao utilizar otermo “água suja” nolugar de “você”, o clí-nico fala do clientesem colocá-lo direta-mente como o sujei-to da ação, o quepode contribuir paraque o cliente sinta-se

mais acolhido pelo clínico (pelo fato destenão tê-lo exposto tão diretamente) e consigacontinuar a discussão sobre esta sua dificulda-de de forma produtiva.

Extensão metonímica (metonímia)

Sendo o tato um operante verbal emitido sobcontrole de estimulação não verbal, é bem

possível que, diante de estímulos complexos(bastante frequentes em nosso ambiente), osindivíduos apresentem um tipo de extensãodo tato chamada metonímia (ou extensãometonímica). Assim como a metáfora, a me-tonímia também é uma figura de linguagemutilizada na literatura e na vida cotidiana, eque sob a perspectiva da análise do comporta-mento é compreendida como um tato emiti-do sob controle de parte ou partes da estimu-

lação complexa não verbal. A metonímia éum tipo de tato que ocorre sob controle de

A linguagemmetafórica possibi-lita compreender demaneira mais rápidao controle que umdado evento podeexercer sobre ocomportamento deuma pessoa.

O uso de metáforapermite ao clínico,por vezes, discutirassuntos que, sefossem abordadosdiretamente, pode-riam gerar esquivaou pelo menos maioraversividade.

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um estímulo antecedente que geralmenteacompanha ou compõe o estímulo discrimi-nativo principal ao qual o reforço é contin-

gente. Assim, em vez de se referir ao estímuloprincipal diretamente (como no tato sim-ples), o indivíduo se refere ou a uma parte doestímulo ou a um estímulo que o acompanhafrequentemente. Por exemplo, um fazendeiroquando relata ter comprado 50 cabeças degado, certamente não está relatando que com-prou apenas a cabeça dos animais (parte doestímulo), mas sim os animais inteiros (estí-mulo discriminativo principal). Da mesma

maneira, um aluno pode dizer ao seu colegaque “a faculdade decidiu interromper as aulasno horário dos jogos do Brasil”, quandoquem realmente decidiu foi o diretor da fa-culdade. Na clínica, uma cliente pode relatarsuas dificuldades em estabelecer novas rela-ções afetivas dizendo “meu coração ainda per-tence ao meu ex-namorado”.

> AUTOCLÍTICONo operante verbal secundário autoclítico, ofalante deliberadamente organiza o seu dis-curso, a sua fala, inserindo expressões ao tatoou ao mando no sentido de aumentar a preci-são da influência de seu comportamento ver-bal sobre o ouvinte (ou seja, controlar mais ocomportamento do ouvinte). Como explicitaMatos (1991), a palavra autoclítico refere-se à

característica do falante de editar a própriaverbalização: rearticular, seccionar, articular,

organizar sua própriafala enquanto está fa-lando. Neste sentido,o falante, em uma es-fera privada, deve serouvinte de si mesmo,ou seja, precisa ouvirsuas próprias verbali-

zações, avaliar as pos-síveis consequências

de cada uma sobre o comportamento do ou-vinte, reorganizar sua verbalização e entãoemitir aquela verbalização que produzirá as

consequências mais reforçadoras ou mais efe-tivas.Serão apresentados aqui quatro tipos de

autoclíticos, quais sejam, descritivos, qualifi-cadores, quantificadores e com função demando.

a) Autoclíticos descritivos: por meio dos au-toclíticos descritivos, o falante consegueexplicitar as fon-tes de controle

do seu compor-tamento (de fa-lante).  Sua prin-cipal função é clarificar para o ouvinte ascondições sob as quais um comportamen-to está sendo emitido. De acordo comMeyer, Oshiro, Donadone, Mayer e Star-ling (2008), eles podem informar:

a) o que determinou a resposta (“Disse-

ram-me que ela é bem agressiva”; “Vejoque ela é bem agressiva”);b) um estado interno (“Estou muito an-

sioso”) ec) as fontes de um dado comportamento

(“Escutei no jornal que prenderam osequestrador”).

b) Autoclíticos qualificadores: estes auto-clíticos qualificam os tatos, alterando oseu valor. Assim, o comportamento do

ouvinte pode ser afetado de acordo com oautoclítico qualificador que o falante uti-lizar.  Por exemplo, dizer “Acho que euvou” é diferentede dizer “Certa-mente, eu vou”ou simplesmente“Eu vou”. O ou-vinte pode se po-sicionar de maneiras diferentes na presen-ça de cada uma das afirmações, em funçãodo autoclítico utilizado pelo falante. Ou-

O falante delibera-damente organizao seu discurso, asua fala, inserindoexpressões ao tatoou ao mando no sen- tido de aumentar aprecisão da influên-cia de seu comporta-

mento verbal sobre oouvinte.

O falante consegueexplicitar as fontes

de controle do seucomportamento (defalante).

O comportamentodo ouvinte pode serafetado de acordocom o autoclíticoqualificador que ofalante utilizar.

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tros exemplos poderiam ser “ Acredito queele esteja correto”; “Certamente , ele estácorreto”; “Penso que ele está correto”; “É

 possível   que ele esteja correto”; “É óbvio que ele está correto”.c) Autoclíticos quantificadores: incluem-se

aqui os artigos de número e gênero (o, a,os, as, um, uns, uma, umas, por exemplo)e os adjetivos e advérbios de quantidade outempo (poucos, muitos, todos, alguns,sempre, talvez). Dizer que “Todos  os alunossão interessados na matéria” produz umefeito no ouvinte diferente de dizer “ Alguns  

alunos são interessados na matéria”.d) Autoclíticos que funcionam como man-

dos: mais usados quando se pretende“chamar a atenção” do ouvinte para algo,como, por exemplo, quando se diz “Fi-quem atentos ao que vou explicar agora!”ou “A partir deste momento, silêncio!”.

É relevante destacar ainda que a funçãoautoclítica pode aparecer também a partir de

comportamentos como um sorriso sedutor,uma risada nervosaou mesmo um tomde voz específico (cf.Meyer et al., 2008).4

Durante a inte-ração terapêutica, ouso de autoclíticos,tanto por parte do

cliente quanto por parte do clínico, também

deve ser analisado. Por parte do cliente,observa-se que este faz uso de autoclíticos ge-ralmente quando está relatando ou prestes arelatar um assunto difícil para si mesmo, quetraz algum desconforto, ou então um tópicopassível de punição por parte do clínico. Des-sa forma, tenta suavizar o próprio desconfor-to ou a punição por parte do clínico usandoautoclíticos. Por exemplo: “Então, fulano(nome do clínico), hum, (silêncio)...  é o se-

 guinte ... (silêncio). É que te falar isso é meiocomplicado para mim, sabe ? Mas acabou que  

eu e o Vinícius resolvemos, sei lá , tentar ficar juntos de novo”.

Por outro lado, pode-se observar o clí-

nico utilizando-se de autoclíticos como for-ma de colocar o cliente mais sob controle doque será dito logo emseguida, ou mesmocomo uma forma deamenizar uma falamais confrontadorapor parte do clínico,tentando manter aamenidade e o con-

forto da relação entreos dois. Por exemplo:“Veja bem, fulano(nome do cliente),vamos analisar juntoso que você acabou deme contar.  A princípio, me parece um pouco precipitado você relacionar o que fez com amaneira como os seus pais te tratam. Eu ficopensando um pouco assim: será que isto, no

 fundo, não é uma maneira de você não se pre-ocupar tanto com as pessoas na hora de inte-ragir com elas, e meio que  poder colocar a cul-pa nos seus pais por esse seu comportamen-to?”.

 Após a apresentação e definição dosoperantes verbais, serão abordadas a seguir asdistorções que os operantes verbais tato emando podem sofrer, denominados, respecti-vamente, de tato distorcido e mando disfar-

çado.

> TATO DISTORCIDO

Conforme dito anteriormente, os tatos sãooperantes verbais básicos, emitidos sob con-trole de estimulação não verbal antecedente emantidos por reforçadores sociais generaliza-dos. Diz-se que o indivíduo está tateando

quando descreve situações, objetos ou relataacontecimentos. Não há um reforçador espe-

O clínico pode utili-zar de autoclíticoscomo forma de co-locar o cliente maissob controle do queserá dito logo emseguida, ou mesmocomo uma forma deamenizar uma fala

mais confrontadorapor parte do clínico, tentando mantera amenidade e oconforto da relaçãoentre os dois.

A função autoclíticapode aparecer tam-bém a partir de com-portamentos comoum sorriso sedutor,uma risada nervosa,ou mesmo um tom devoz específico.

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cífico para as respostas de tato. Muitas vezes,

bastam o olhar do ouvinte, a atenção presta-da, respostas sob controle do conteúdo dafala do falante oumesmo verbalizaçõessimples como “hum”,“sei”, “tá”, “ahã”, etc.

 Já os tatos dis-torcidos ou impurossão respostas verbaiscom topografia de

tato, mas funcional-mente diferentes. Ostatos distorcidos sãoemitidos mais sob

controle dos reforçadores sociais generaliza-dos do que dos estímulos não verbais antece-dentes. Dito em outras palavras, os tatos dis-torcidos são relatos do que o ouvinte gostariade ouvir, e não do que ocorreu na realidade.O falante relata eventos de maneira a produ-

zir reforçadores positivos ou se esquivar de

punições. É, portanto, um típico comporta-

mento de contracontrole.No nosso dia a dia, tatos distorcidos sãoemitidos com muita frequência – produtodas contingências aversivas às quais estamosexpostos constantemente. O funcionáriopode dizer ao chefe que o relatório solicitadoestá quase pronto – quando está apenas no co-meço; a garota pode dizer às amigas que ficou com um garoto na festa – quando na verdadeapenas conversou um pouco com ele; o clien-

te pode dizer ao clínico que fez a tarefa tera-pêutica, mas esqueceu o registro em casa. To-das essas respostas têm como função evitar ouadiar a apresentação do estímulo aversivo: abronca do chefe, a crítica das amigas, o con-fronto do clínico.5 Esses tatos distorcidos sãomantidos por reforçamento negativo.

Tatos distorcidos podem ser mantidostambém por reforçadores positivos. Conside-re uma criança que tem seu bom desempe-

nho acadêmico bastante reforçado por seus

Operante Variávelverbal e controladorasua distorção antecedente Resposta Consequência

Tato Estímulo não verbal Verbal correspondente Inespecífica – reforçador(objeto ou evento). ao estímulo não generalizado.

verbal antecedente.

Tato distorcido Estímulo não verbal Verbal parcialmente Produção de reforçador(objeto ou evento). correspondente ou não generalizado ou retirada

correspondente ao ou evitação deestímulo antecedente. estimulação aversiva.

Mando Operação motivadora Verbal que especifica Específica, relacionada à(privação ou o reforço. operação motivadoraestimulação aversiva). em vigor.

Mando Operação motivadora Verbal que não Específica, relacionada àdisfarçado (privação ou especifica claramente operação motivadora em

estimulação aversiva). o reforço, com vigor.topografia de tato.

FIGURA 6.4 Distorções dos operantes verbais tato e mando.

Tatos distorcidossão relatos do que oouvinte gostaria deouvir, e não do queocorreu na realida-de. O falante relataeventos de maneiraa produzir reforça-dores positivos ou seesquivar de puni-ções. É, portanto, um típico comportamen- to de contracontrole.

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pais, em detrimento da baixa densidade dereforços para outras respostas (como brincar,divertir-se, fazer novos amigos, etc.). Ao che-

gar em casa, após um dia em que, em vez departicipar da olimpíada de conhecimento daescola, ficou brincando com novos colegas,esta criança pode “relatar” aos pais quantasrespostas corretas apresentou na provinha dematemática, ou quantos pontos fez no ditadode português. Tais relatos – tatos distorcidos– podem produzir reforçadores sociais im-portantes para a criança (“Que ótimo!”, “Ficoorgulhoso de você, filho!”) em maior densi-

dade do que seriam produzidos contingentesàs respostas de tatear corretamente os eventosocorridos. Dizer a verdade poderia produziruma consequência como “Bacana fazer novasamizades, mas a olimpíada do conhecimentoé mais importante”.

O tato distorcido pode tanto ser o rela-to de um evento que não ocorreu quantotambém a descrição exagerada, minimizada,parcial, enfim, distorcida, de propriedades do

evento relatado. Fofocas, justificadas pelo ar-gumento “eu aumento, mas não invento”, emesmo lendas populares (“Quem conta umconto aumenta um ponto”) são outros exem-plos de tatos distorcidos bastante emitidos ereforçados socialmente.

> MANDO DISFARÇADO

O mando disfarçado guarda semelhança to-pográfica com o tato, mas o efeito que temsobre o ouvinte pode ser de um mando. Mui-tas vezes, a comunidade verbal consideramandos disfarçados como maneiras maiseducadas, polidas ou delicadas de fazer pedi-dos, e acaba reforçando-os. No entanto, pornão especificar claramente o reforço, o man-do disfarçado nem sempre é efetivo na pro-dução de reforçadores, e no médio e longoprazos a alta emissão de mandos disfarçados

pode resultar em punições ou escassez de re-forçadores.

Tomemos como exemplo de mando dis-

farçado a seguinte situação: o professor marcauma prova em umaquinta-feira e comu-nica aos alunos. Estes

 já teriam uma provade outra disciplina nomesmo dia, para aqual teriam que estu-dar bastante, e dese-

 jam que o professor

troque a data da prova. No entanto, no lugarde emitirem um mando direto como “Profes-sor, troque o dia da prova, por favor!”, elesemitem um mando disfarçado, tal como “Nos-sa, professor! Temos uma prova superdifícil nomesmo dia!”. O professor pode alterar a datade sua prova como consequência à verbaliza-ção (reforçando o mando disfarçado), ou poderesponder sob controle da topografia de tato edizer “Puxa, sinto muito!” (o que não funciona

como reforço para a verbalização dos alunos).Na prática clínica, o mando disfarçado

pode evidenciar dificuldade por parte docliente de se comportar assertivamente com oclínico (dificuldadeesta que geralmente écomum em sua vidanas relações estabele-cidas com as outraspessoas) ou então

evidenciar uma ma-neira de se esquivarde punição advindado clínico. Por exemplo, ao ouvir do clínico ovalor da sua sessão, o cliente, que a conside-rou cara, e gostaria de um desconto, apenascomenta, “Estou achando o valor da sua ses-são acima do valor de mercado!”. Outra situ-ação ilustrativa se refere a uma cliente que sequeixa de bastante dificuldade financeira,mas que atende todas as vontades do filho (tal

Muitas vezes acomunidade verbalconsidera mandosdisfarçados comomaneiras maiseducadas, polidas oudelicadas de fazerpedidos, e acaba osreforçando.

O mando disfarçadopode evidenciardificuldade por partedo falante de secomportar asserti-vamente ou entãoevidenciar uma ma-neira de se esquivarde punição.

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como pagar sua academia, saídas com os ami-gos todo final de semana, etc.). O clínico, aofazer perguntas no sentido de colocá-la mais

sob controle da atual situação financeira e deseu comportamento-queixa, ouve da cliente:“É muito difícil para uma mãe falar não paraum filho, e não adianta ninguém vir pedirpara eu falar não, pois não farei isso”.

O presente capítulo abordou a defini-ção do comportamento verbal na análise docomportamento apresentando a classificaçãoskinneriana dos operantes verbais.

Conhecer a concepção de Skinner sobre

o comportamento verbal é imprescindívelpara o desenvolvimento de intervenções clí-nicas e educacionais, pois permite a análise eo planejamento de intervenções, inclusive decontingências, para a instalação de comporta-mentos verbais específicos.

> NOTAS

  1. A ordem dos autores é meramente alfabética.  2. O termo “tato” é utilizado por diversos autores paranomear o operante verbal. É interessante notar, noentanto, que Skinner adota o termo “tacto” em suasobras, principalmente para evitar que o leitor con-

funda o operante verbal com o sentido tato, emboraa função dos comportamentos descritos por ambosos termos se assemelhe em parte: “Esse termo [tacto]traz consigo certa sugestão mnemônica do compor-

tamento que estabelece ‘contacto’ com o mundo fí-sico” (Skinner, 1957/1978, p. 108).  3. Skinner (1974/2002) apresenta esses e outros

mandos e as consequências de seu seguimentopara o ouvinte no contexto do controle do com-portamento por regras (capítulo “Causas e ra-zões”).

  4. Meyer e colaboradores (2008) apontam a identifi-cação de autoclíticos na situação clínica como ma-neira importante de ter acesso a contingências quecontrolam o comportamento do cliente.

  5. Para uma discussão sobre o manejo na clínica dostatos distorcidos do cliente, ver Capítulo 14.

> REFERÊNCIAS

Matos, M. A. (1991). As categorias formais de comporta-mento verbal em Skinner. Anais da Reunião Anual de Psico-logia de Ribeirão Preto, 21, 333-341.

Meyer, S. B., Oshiro, C., Donadone, J. C., Mayer, R. C. F.,& Starling, R. (2008). Subsídios da obra “ComportamentoVerbal” de B. F. Skinner para a terapia analítico--comportamental. Revista Brasileira de Terapia Comporta-mental e Cognitiva, 10 (2), 105-18.

Skinner, B. F. (1978). O comportamento verbal . São Paulo:Cultrix. (Trabalho original publicado em 1957)

Skinner, B. F. (2002). Sobre o behaviorismo. São Paulo: Cul-trix. (Trabalho original publicado em 1974)

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Por que Paula tem “um ciúme doentio” doseu namorado, mesmo que ele não lhe dêmotivo algum? O que teria levado Rodrigo adeixar de sair com os amigos e praticar espor-

tes e a reclamar constantemente que sua vidanão tem sentido e de que nada lhe dá maisprazer? O que fazer com toda a preocupaçãode Lígia com sua dieta e seus repetidos episó-dios de “compulsão alimentar” seguidos daindução de vômitos? As respostas a essas per-guntas serão certamente diferentes entre si,envolvendo aspectos específicos das vidas dePaula, Rodrigo e Lígia. Uma única e mesmaresposta não será adequada a todas as pergun-

tas. Clínicos analítico-comportamentais,contudo, procurarão responder estas questões

investigando variáveis semelhantes. As res-postas também serão formuladas de modoparecido e, consequentemente, suas interven-ções nos três casos terão semelhanças. Essas

semelhanças devem-se ao sistema explicativoe ao modelo de causalidade (ou modo causal)que fundamentam a clínica analítico-compor-tamental.

> O QUE É E PARA QUE SERVE UMMODELO DE CAUSALIDADE

Na ciência, sistemas explicativos (ou teorias)são o conjunto de leis e descrições sobre umdado fenômeno (um objeto de estudo). Os

ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  Modelo de causalidade.>

  Modelos de causalidade mecânica ou teleológica.>

  O modelo de causalidade da Análise do Comportamento: modelo de seleção por consequências.>

  A explicação do comportamento como multideterminado, histórico e inter-relacionado.>

  Modelo de seleção natural e seleção por consequências.>

  As funções selecionadora e instanciadora do ambiente.

Populações ou classes de resposta.>

  Variação e seleção nos diferentes níveis: filogenético, ontogenético e cultural.

  Seleção por 7 

consequências como modelode causalidade e a clínicaanalítico-comportamental

 Angelo A. S. SampaioMaria Amalia Pie Abib Andery

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78  Borges, Cassas & Cols.

clínicos analítico-comportamentais baseiamsua intervenção no sistema explicativo conhe-cido como Análise do Comportamento.

Todo sistema explicativo, por sua vez,fundamenta-se emum modelo de causa-lidade. Modelos decausalidade compre-endem, basicamente,as suposições docientista ou do pro-fissional sobre:

• como os eventos, e principalmente os ob- jetos de estudo, são constituídos;• as “causas” desses eventos e objetos de es-

tudo; e• as relações entre os eventos de interesse.

Isto é, modelos de causalidade tratam decomo “causas e efeitos” estariam relacionados eonde e como as “causas” de eventos particula-

res deveriam ser pro-

curadas. São os mo-delos de causalidade,portanto, que orien-tam a construção deconhecimento em

um sistema explicativo ou teoria. Daí sua im-portância.

O modelo de causalidade assumido pela Análise do Comportamento é o modelo de se-leção por consequências (Skinner, 1981/2007)

e, como seria de se esperar, é fundamental,pois:

a) integra de modo abrangente e dá sentidopleno aos conceitos da Análise do Com-portamento;

b) distingue a Análise do Comportamentode outros sistemas explicativos do com-portamento humano individual; e

c) sintetiza como analistas do comportamen-to, dentre eles os clínicos analítico-com-portamentais e outros prestadores de ser-

viço, estabelecem relações entre eventos(ambientais e comportamentais) e onde ecomo procuram as explicações para os

problemas que têm que resolver.

> O MODELO DE SELEÇÃOPOR CONSEQUÊNCIAS:DESENVOLVIMENTO,PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS EEXPLICAÇÕES SUBSTITUÍDAS

O modelo de seleção por consequências este-ve presente na obra de B. F. Skinner (1904-1990) pelo menos desde o livro Ciência ecomportamento humano, de 1953. Mas foiapenas no artigo “Seleção por consequên-cias”, de 1981, que Skinner apresentou-o ex-plicitamente como modelo de causalidadeque seria mais adequado a todo comporta-mento (Andery, 2001).

 A proposição de Skinner de que o com-

portamento seria descrito pelo modelo de se-leção por consequências fundamentou-se nasproposições de Char-les R. Darwin (1809-1882) sobre a evolu-ção das espécies. Tan-to a teoria de seleçãonatural de Darwin(1859/2000) como omodelo de seleção

por consequências deSkinner substituem,entre outras,

a) explicações baseadas em agentes iniciado-res autônomos e

b) explicações teleológicas, que apelam paraum propósito ou intenção como causas fi-nais.

No primeiro caso, evolução e compor-

tamento seriam empurrados por suas causas;no segundo, seriam puxados, iriam a reboque

Os clínicosanalítico--comportamentaisbaseiam sua inter-venção no sistemaexplicativo conheci-do como análise docomportamento.

O modelo de causali-

dade assumido pelaanálise do compor- tamento é o modelode seleção porconsequências.

O modelo de sele-ção por consequên-cias substitui, entreoutras: explicaçõesbaseadas emagentes iniciado-res autônomos eexplicações teleo-lógicas, que apelam

para um propósitoou intenção comocausas finais.

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de suas causas. A teoria da seleção natural deDarwin, por exemplo, substitui

a) explicações baseadas na criação divina dasespécies eb) explicações teleológicas como a ideia de

que as girafas desenvolveram um pescoçomaior com o objetivo de  alcançar folhas noalto das árvores.

 A explicação da evolução das espéciesproposta por Darwin e hoje generalizada-mente aceita pelos biólogos (por ex., Mayr,

2009) envolve, resumidamente, dois proces-sos: variação e seleção.1 O primeiro processoé o de variação: organismos individuais deuma espécie têm variações genéticas (genotí-picas) em relação a outros indivíduos da mes-

ma espécie, especifi-camente, em relaçãoa seus progenitores.Tais variações são depequena magnitude,

se comparadas comas demais “versões”existentes, e são mui-tas vezes chamadasde aleatórias, mas

apenas não são orientadas em uma certa dire-ção (por exemplo, à adaptação). Estas varia-ções “se expressam” ou “constituem” nos or-ganismos individuais características e varia-ções (fenotípicas) que são anatômicas,

fisiológicas ou comportamentais. Algumas variações promovem a sobre-

vivência, ou seja, uma interação diferencialcom o ambiente daqueles indivíduos que as“carregam” e, assim, sua reprodução. Nestecaso, no decorrer de sucessivas gerações, maise mais indivíduos da espécie “apresentarão” avariação (genotípica e fenotípica). Diz-se, en-tão, que tais variações foram selecionadas  pe-las suas consequências (sobrevivência e repro-dução). A reprodução dos indivíduos comum determinado genótipo/fenótipo (em

maior frequência do que indivíduos com ou-tros genótipos/fenótipos) torna mais frequen-te a presença deles em uma população e dize-

mos que houve seleção daquele genótipo/fe-nótipo – o segundo processo envolvido naseleção natural.

 Assim, as girafas apresentam pescoçosgrandes porque, em uma população de gira-fas, os comprimentos de pescoço tinham di-ferentes tamanhos (variação) e, em um deter-minado ambiente estável, aquelas girafas compescoços maiores alimentaram-se melhor queas girafas de pescoços mais curtos, e assim so-

breviveram por mais tempo e se reproduzi-ram mais, deixando mais descendentes (sele-ção). Dentre esses descendentes (com pesco-ços na média um pouco maiores que o grupode girafas da geração precedente), o processose repetiu e se estendeu: algumas girafas, comum pescoço ainda um pouco maior (varia-ção), tiveram, consequentemente, mais filho-tes, deixando mais descendentes (seleção). Eassim sucessivamente, até a seleção de popu-

lações de girafas com pescoços bem maioresdo que as de gerações anteriores.

Skinner aplicou este mesmo paradigmaao comportamento. E assim, informada porum modelo de causalidade análogo ao da se-leção das espécies, a Análise do Comporta-mento, especialmente a partir do conceito decondicionamento operante, também substi-tui:

a) explicações (do comportamento) baseadasem agentes iniciadores autônomos (umavontade, desejo, força psíquica e/ou men-te) e

b) explicações teleológicas (do comporta-mento), que apelam para um propósitoou intenção como causas finais (Skinner,1981/2007).

 A existência de um operante (entendidocomo conjunto de interações organismo--ambiente que envolvem especialmente ações

A explicação docomportamentoé similar ao daespécie. Assim,padrões comporta-

mentais decorremde processos devariação de compor- tamentos (respostas)e seleção pelasconsequências.

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e suas consequências) – é explicada pela exis-tência de certas variações   (que ocorrem semdireção certa) nas respostas emitidas por um

indivíduo e pela seleção de tais variações porconsequências comportamentalmente rele-vantes (fundamentalmente, estímulos refor-çadores), ou seja, pela aumentada recorrênciade tais respostas e de suas consequências.

Um conjunto de explicações que foramsubstituídas por explicações baseadas no mo-delo de seleção por consequências, portanto,

apela para agentesiniciadores autôno-

mos. Essas explica-ções substituídas sãoassociadas a modelosde causalidade inspi-rados pelo sistema ex-plicativo, desenvolvi-do na física, chamadode mecânica clássica.É importante desta-car que o modelo de

seleção por conse-quências difere marcadamente desses modelosmecanicistas por não enfatizar ou supor queeventos unitários, temporalmente anteriores eimediatamente próximos causariam outroseventos considerados seus efeitos necessários .

Em seu lugar, o modelo de seleção porconsequências su põe que os seres vivos e os

eventos que são ca-racterísticos dos seres

vivos – como o com-portamento – só po-dem ser explicadosconsiderando-se quetais fenômenos têmmúltiplas  “causas” que

são sempre históricas e inter-relacionadas . E quetratar de “causas”, neste caso, significa tratar daconstituição histórica do fenômeno e das mu-danças de probabilidade  do fenômeno de nos-

so interesse em relação a um universo de fenô-menos possíveis.

Ou seja, ao menos dois pontos são fun-damentais para esclarecer melhor o modelode seleção por consequências (especialmente

quando tratamos do comportamento):a) a ênfase na análise de unidades que são

compostas por várias instâncias distribuí-das no tempo, ou seja, unidades popula-cionais e históricas; e

b) a perspectiva da inter-relação entre dife-rentes “causas” que afetam a probabilida-de de certos eventos (multideterminação)– e que, no caso da explicação do compor-

tamento, pode implicar, de fato, que ocomportamento é ele mesmo uma inter--relação, que em certa medida separamosquando o estudamos.

> A ÊNFASE EM UNIDADESPOPULACIONAIS E HISTÓRICASE SUAS IMPLICAÇÕES PARA A

CLÍNICA ANALÍTICO--COMPORTAMENTAL

 A principal unidade de análise na evoluçãobiológica é a espécie , definida como uma po-pulação de organismos capazes de se repro-duzir entre si (incluindo seus ancestrais jáfalecidos). Assim, por exemplo, a espéciehumana é composta por todas as pessoas vi-vas hoje que podem gerar descendentes fér-

teis e também por seus pais, avôs, bisavôs,etc. – e incorporará também as pessoas quenascerem futuramente (filhos, netos, bisne-tos, etc.) e que possam gerar descendentesférteis.

Na evolução comportamental, que sedá sempre no âmbito da vida de um único in-divíduo, a principal unidade de análise é ooperante , definido como uma população derespostas individuais que produzem (ou pro-

duziram) certa consequência.2 O operante “irpara casa”, que é parte do repertório de Paula,

O modelo de seleção

por consequênciasdifere marcada-mente de modelosmecanicistas pornão enfatizar ousupor que eventosunitários, temporal- mente anteriorese imediatamentepróximos causariamoutros eventosconsiderados seusefeitos necessários.

Comportamento éum fenômeno demúltiplas causas eessas causas sãoconstruções históri-cas de inter-relaçõesentre organismo eambiente.

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por exemplo, é composto por todas as respos-tas de Paula que produzem a chegada em casa(incluindo ir a pé, de ônibus, de bicicleta,

etc.), e que ocorreram semana passada ouhoje – e incorporará também aquelas respos-tas que ocorrerão no futuro e que possamproduzir a mesma consequência.

Tanto na evo-lução biológica quan-to na comportamen-tal, portanto, as uni-dades com as quaistratamos são entida-

des fluidas e evanes-centes, não são coisasque podem ser imo-bilizadas. Envolvem

eventos que se distribuem no tempo e no es-paço; envolvem organismos e respostas que jáexistiram no passado em diferentes locais,que existem momentaneamente, nesse exatoinstante e local, e que ocorrerão também nofuturo. Além disso, são unidades que se mis-

turam e recorrem em meio a outras unidadesde natureza semelhante (outras espécies eoperantes).

Utilizando o modelo de seleção porconsequências, desta forma, descrevemos oprocesso de origem e as mudanças de unida-des (populações) compostas por instânciassingulares que se distribuem no tempo e noespaço (históricas): as espécies, no caso daevolução biológica, e os operantes, no caso da

evolução comportamental ao longo da vidade uma pessoa. E seno caso da evoluçãobiológica sua expli-cação envolve enten-der o processo de va-riação genética e se-leção ambiental queDarwin chamou de

seleção natural, no caso do comportamentooperante sua compreensão depende de enten-dermos como respostas individuais variam e

como conjuntos derespostas são selecio-nados através do pro-

cesso de reforçamen-to, o processo básicode seleção comporta-mental.

Essa ênfase emunidades populacio-nais e históricas, característica do modelo deseleção por consequências, é fundamentaltambém na atuação do clínico que, afinal,lida com operantes (e respondentes) na clíni-

ca analítico-comportamental. O “ciúme do-entio” de Paula só poderá ser adequadamente“trabalhado” na clínica se diversas instânciasao longo do tempo e do espaço (respostasparticulares) forem analisadas e se as conse-quências produzidas por tais instâncias foremidentificadas. Também, “o ciúme” de Paulanão pode ser tomado como uma entidade emsi mesma, mas deve ser encarado como inte-ração que se constituiu no curso das intera-

ções dela, e que ocorre hoje e tenderá a conti-nuar ocorrendo, caso o ambiente seleciona-dor não mude, porque foi selecionado pelasconsequências que produziu. Mais ainda, foiselecionado já como interação que envolve asações de Paula e suas consequências selecio-nadoras e mantenedoras.

É esse enfoque que permitirá ao clínicoanalítico-comportamental, por exemplo, terconfiança de que é possível promover a sele-

ção de comportamento operante através deestratégias de intervenção baseadas no pro-cesso de reforço diferencial.

Por outro lado, tal enfoque pode pare-cer pouco útil, uma vez que só permitiria tra-tar de eventos considerados como unidadesmúltiplas e extensas no tempo. Como expli-car, prever e (talvez, principalmente, no casoda clínica) controlar instâncias particularesde comportamento, isto é, respostas queocorrem em um momento e local específicos?Tal pergunta é frequentemente a pergunta-

As unidades [com-portamentais] comque tratamos sãoentidades fluidase evanescentes,não são coisas quepodem ser imobi-

lizadas. Envolvemeventos que sedistribuem no tempoe no espaço.

O modelo de Seleçãopor Consequênciasdescreve o processode origem e de mu-danças dos padrõescomportamentais no tempo e no espaço,na história.

A compreensão docomportamento ope-rante depende deentendermos comorespostas individuaisvariam e como con-juntos de respostassão selecionadosatravés do processode reforçamento.

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-chave para um clínico, mas a resposta a elaenvolve tratar de outro papel que eventos am-bientais exercem em relação aos eventos com-

portamentais.Tal pergunta também pode serrespondida sem deixar o âmbito do modelode seleção por consequências. Pelo contrário,é esse modelo exatamente que permite que arespondamos de maneira a dar sustentaçãoconceitual e ferramentas de atuação ao analis-ta do comportamento.

Na evolução deoperantes, o ambien-te tem um papel sele-

cionador . As conse-quências ambientais(estímulos reforçado-res) selecionam clas-ses (populações) derespostas com certascaracterísticas, isto é,tornam as classesmais prováveis emcertas circunstâncias.

Na ocorrência de res-postas particulares de

um operante já instalado/selecionado, contu-do, o ambiente tem um papel instanciador .Isto é, o ambiente torna manifesta uma unida-de operante que já foi selecionada, ou melhor,o ambiente evoca uma instância  de comporta-mento. Essa é a função dos eventos ambientaisantecedentes (estímulos discriminativos, estí-mulos condicionais e operações motivadoras)

sobre uma resposta (Andery e Sério, 2001;Glenn e Field, 1994; Michael, 1983).

Mesmo “sabendo como” jogar futebol,isto é, mesmo que tal operante já tenha sidoselecionado por suas consequências, Rodrigonão joga futebol a qualquer hora. Ele emite aresposta de jogar futebol (tal instância é evo-cada) apenas quando algum colega o convida.O convite do colega não é um evento am-biental selecionador, mas sim um evento ins-

tanciador, um evento que torna manifesta aunidade selecionada “jogar futebol”.

Ou seja, se o foco de uma intervençãofor a ocorrência de instâncias particulares,pode ser suficiente re-

arranjar aqueles even-tos ambientais quetêm função instancia-dora com relação aorepertório comporta-mental do cliente.Por exemplo, se ofoco de uma inter-venção for fazer comque Rodrigo jogue

mais futebol, pode ser suficiente incentivar oscolegas a convidá-lo mais. Caso o foco seja acriação (ou extinção) ou a mudança de ope-rantes, por sua vez, eventos ambientais terãoque assumir novas funções – através do papelselecionador do ambiente.

É importantedestacar que esta dis-tinção entre funçõesdo ambiente chama-

das selecionadoras einstanciadoras é elamesma possível apenas à luz do modelo de se-leção por consequências. Ou seja, as funçõesinstanciadoras do ambiente são elas mesmasselecionadas na história de reforçamento ope-rante. Apenas quando algum colega convi-dou Rodrigo, no passado, o “jogar futebol”teve como consequência de fato realizar apartida, marcar gols e interagir com os cole-

gas, e foram experiências como essa que tor-naram os convites dos colegas eventos queagora evocam respostas desta classe em Ro-drigo (Glenn e Field, 1994).

Essa distinção permitiria afirmar que aintervenção analítico-comportamental podeter dois “níveis”: em certos momentos, a metaé a seleção de comportamentos, e, em outros,a meta é promover a instanciação (ou mu-danças na instanciação) de operantes. Dito de

outro modo, esses “níveis” de intervenção serelacionariam a uma regra prática destacada

O ambiente exerce,pelo menos, duasfunções em relação

aos comportamentosoperantes: selecio- nador e instanciador .Selecionador atra-vés das consequên-cias que selecionamclasses de respostascom certas caracte-rísticas, tornando-asmais prováveis.

Instanciador evo-cando determinadaclasse de respostas

através dos estímu-los antecedentes.

Se o foco de umaintervenção for aocorrência de ins- tâncias particulares,pode ser suficienterearranjar aqueleseventos ambientaisque têm funçãoinstanciadora comrelação ao repertóriocomportamental docliente.

As funções instan-ciadoras do ambien- te são elas mesmasselecionadas na

história de reforça-mento operante.

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por Glenn e Field(1994): “Descubra sea pessoa sabe o que

fazer e como fazê-lo,mas não o faz; ou seela não sabe o que fa-zer ou não sabe comofazê-lo” (p. 256). Es-ses diferentes objeti-vos implicarão pa-péis diferentes doambiente que preci-

sarão ser alterados na intervenção.

> A MULTIDETERMINAÇÃODO COMPORTAMENTOHUMANO E SUASIMPLICAÇÕES PARA A CLÍNICAANALÍTICO-COMPORTAMENTAL

Um segundo ponto importante para uma

apreciação adequada do modelo de seleçãopor consequências em sua relação com a in-tervenção analítico-comportamental trata dainter-relação entre diversas causas (ou damultideterminação) do comportamento hu-mano. Skinner (1981/2007) resumiu esse as-pecto afirmando que “o comportamento hu-mano é o produto conjunto de

a) contingências de sobrevivência responsáveis

pela seleção natural das espécies, eb) contingências de reforçamento responsáveis

pelos repertórios adquiridos por seus mem-bros, incluindo

c) contingências especiais mantidas por umambiente social evoluído” (p. 502).

Em outros ter-mos, o comportamen-to humano é multide-

terminado por histó-rias nos níveis

a) filogenético,b) ontogenético ec) cultural.

E os processos de evolução envolvidosnesses três níveis seriam análogos, sempre en-volvendo a seleção de unidades populacionaise históricas pelas suas consequências passa-das.

No nível filogenético, a seleção naturalexplicaria a evolução de:

 1. características fisiológicas e anatômicas

das espécies; 2. relações comportamentais específicas (ina-

tas); 3. os próprios processos envolvidos na apren-

dizagem (ou seja, a sensibilidade ao condi-cionamento respondente e operante queestão na base da capacidade de aprendernovas relações comportamentais); e

 4. um repertório não comprometido compadrões inatos que poderia ser modeladopelo condicionamento operante (Andery,2001; Skinner, 1981/2007, 1984).

No nível ontogenético, o reforçamentooperante explicaria em grande parte a evolu-ção de repertórios comportamentais específi-cos de cada indivíduo,3  desde os aparente-mente mais simples, como andar em uma su-perfície plana, até os complexos padrões de“comportamento simbólico” típicos dos hu-

manos.O surgimento desse nível ontogenético

de seleção de comportamentos por suas con-sequências permitiu, ainda, segundo Skinner,a adaptação de indivíduos particulares (e, emcerta medida, das espécies a que pertencemtais indivíduos) a ambientes em constantesmudanças, possibilitou a seleção de padrõescomplexos de comportamento em espaçoscurtos de tempo (de uma vida individual enão de sucessivas gerações) e também propi-ciou a modificação mais rápida do ambiente.

A intervençãoanalítico--comportamentalpode ter dois“níveis”: em certosmomentos a metaé a seleção decomportamentos eem outros, a meta épromover a instan-ciação (ou mudan-ças na instanciação)de operantes... .

O comportamentohumano é multi-determinado porhistórias nos níveis

filogenético, ontoge-nético e cultural.

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Trocas maiores e mais intensas entre indiví-duos e ambientes se desenvolveram e só coma emergência da seleção ontogenética de com-

portamentos a individuação teria se tornadoefetivamente possível. Os repertórios com-portamentais passaram a se constituir tam-bém a partir de histórias individuais e nãomais apenas pela história da espécie (Andery,2001).

 Ademais, como outros membros deuma mesma espécie são parte constante efundamental do ambiente de qualquer orga-nismo (por exemplo, para reprodução e cui-

dado com a prole), estes se tornaram ambien-te comportamental relevante para os indiví-duos de muitas espécies. A sensibilidade àsconsequências do comportamento operantefavoreceu ainda mais a emergência do outrocomo parte relevante do ambiente comporta-mental e, assim, favoreceu, em algumas espé-cies, a ampliação dos comportamentos so-ciais. No caso da espécie humana, esse pro-cesso foi intenso e extenso, e, em última

instância, foi parte fundamental para a sele-ção de um tipo especial de comportamentosocial, o comportamento verbal.

Com estes acontecimentos, o palco es-tava montado, como disse Skinner (1957/1978), para o aparecimento do nível culturalde seleção por consequências. Operantes sele-

cionados por reforça-mento (no nível deum indivíduo parti-

cular) passaram a serpropagados entre di-ferentes indivíduos,gerando práticas cul-turais, ou seja, a re-produção de com-portamentos em di-ferentes indivíduos eem sucessivas gera-ções de indivíduos. E

práticas culturaispassaram a ser sele-

cionadas por suas consequências para o grupocomo um todo (Glenn, 2003, 2004; Skinner,1981/2007, 1984).

O nível cultural de seleção por conse-quências e o comportamento verbal permiti-ram que os indivíduos pudessem se beneficiarde interações que nem sequer viveram e quepudessem acessar e conhecer seu própriomundo privado.

É através da comunidade verbal que se cons-trói uma parte importante do repertório dosseres humanos: sua subjetividade. Se o condi-cionamento operante permite a individuação,permite a construção, para cada indivíduo deuma espécie, ainda que dentro de certos parâ-metros, através de uma história de interaçãocom o ambiente particular, de uma singulari-dade que não pode ser idêntica a qualquer ou-tra. O conhecimento desta individualidade e aconsequente reação a ela, na forma de com-portamento operante, de autoconhecimento ede autogoverno, só é possível com a emergên-cia do comportamento verbal e seu conse-quente e necessário resultado: a evolução de

ambientes sociais – em uma palavra, a cultura(Andery, 2001, p. 188).

Uma implicação dessa análise é que,para compreender a subjetividade, seria ne-cessário compreender como indivíduo e cul-tura se relacionam e por que e como operamas contingências sociais que caracterizam acultura (Andery, 2001; Tourinho, 2009).

De fato, Skinner (1981/2007) propôs

que cada nível de seleção por consequênciasdo comportamento seria objeto de estudo deuma disciplina cien-tífica específica. A

 Análise do Compor-tamento, por exem-plo, seria responsávelpelo nível ontogené-tico. Mas a adoçãodo mesmo modelo

de causalidade per-mitiria uma melhor

O ambiente socialfoi fundamentalpara o surgimento

do comportamentoverbal e ambos parao surgimento de um terceiro nível devariação e seleção,o cultural . No nívelcultural o que variae é selecionadosão práticas cultu-rais que tratam decomportamentosensinados de um in-divíduo para o outro

e através de gera-ções de indivíduos.

Compreender eintervir adequa-damente sobre ocomportamento,e especialmentesobre o campo da“subjetividade”,só seria possívelconsiderando-se as

interações entre os três níveis.

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integração entre as disciplinas que se ocupamda seleção de comportamentos e poderia au-torizar a realização de análogas tentativas en-

tre os princípios desenvolvidos para os trêsníveis de seleção. Além disso, compreender e intervir ade-

quadamente sobre o comportamento, e espe-cialmente sobre o campo da “subjetividade”,só seria possível considerando-se as interaçõesentre os três níveis. Na prática, isso implicaque um clínico analítico-comportamentalprecisa conhecer não só Análise do Compor-tamento, mas também influências biológicas

e culturais sobre o comportamento indivi-dual. O comportamento “bulímico” de Lígiasó seria adequadamente compreendido consi-derando-se a interação entre:

a) variáveis biológicas relacionadas, porexemplo, ao modo como o corpo (e ocomportamento) reage a dietas severas esucessivamente interrompidas;

b) variáveis propriamente comportamentais

como, por exemplo, os efeitos das conse-quências sociais produzidas pelos episó-dios de “compulsão alimentar” e de indu-ção de vômitos; e

c) variáveis culturais como, por exemplo, a“imagem corporal” valorizada pela mídiacom a qual Lígia interage.

> CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em síntese, os operantes em um repertóriocomportamental individual, assim como asespécies e as práticas culturais, são produtosde um processo de seleção por consequênciasque explica seu surgimento, sua manutenção,extinção ou mudança. Se o objetivo de umaintervenção analítico-comportamental é rea-lizar qualquer uma dessas coisas, não há esca-patória: é preciso atuar sobre a interação en-tre variação e seleção, a qual explica e permiteem algum grau prever e controlar um reper-tório comportamental.

É fácil (porém arriscado) ficar perplexocom a complexidade de um comportamentoe sua aparente independência do ambiente.

O atendimento clínico a adultos com desen-volvimento típico pode ser uma situação fa-vorável a esses problemas, já que o repertóriodo cliente é derivado de uma (ou três) longa(s)história(s) (filogenética, ontogenética e cultu-ral) a que o clínico não tem acesso direto.Para lidar com tal complexidade é fundamen-tal ter clareza das sutilezas temporais dos pro-cessos de seleção por consequências. Os efei-tos da seleção são sempre atrasados. Se não

acompanharmos o processo (temporalmenteespaçado) de seleção, tendemos facilmente ainventar pseudoexplicações para o comporta-mento. Skinner (1981/2007, 1984) sugeriuque essa dificuldade, inclusive, poderia ex-plicar o aparecimento tardio deste modelode causalidade na história da ciência e a difi-culdade de aceitá-lo. No entanto, ele mesmoadverte: “Enquanto nos apegarmos à con-cepção de que uma pessoa é um executor,

um agente ou um causador inicial do com-portamento, continuaremos provavelmentea negligenciar as condições que devem sermodificadas para que possamos resolver nos-sos problemas”. (Skinner, 1981/2007, p.137). Assim, o clínico analítico-comporta-mental deve analisar, juntamente com ocliente, as relações entre o que ele faz, pensaou sente e as contingências envolvidas nestescomportamentos.

> NOTAS

  1. Um terceiro processo, algumas vezes tomado comoum subprocesso da seleção, é a retenção. Na evolu-ção biológica, o processo de retenção se dá no nívelgenético. Este processo não será discutido aqui por-que alongaria demasiadamente o texto.

 2. Skinner (1935, 1938) utilizou o termo classe  paratratar deste conjunto. Glenn (2003, 2004), fazendo

analogia com a biologia, propôs o termo linhagem.No livro, o termo está sendo tratado como classe  porse tratar do termo mais difundido na área.

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  3. Ainda no nível ontogenético, o condicionamentorespondente explica a formação de reflexos condi-cionados. A sensibilidade aprendida a reforçadores,ou seja, o estabelecimento de reforçadores condicio-

nados, é também produto de seleção ontogenética eenvolve, além do processo de reforçamento, possi-velmente processos análogos ao condicionamentorespondente.

> REFERÊNCIAS

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> ANÁLISE DO COMPORTAMENTO:POR QUE AS PESSOAS FAZEM OQUE FAZEM?

 A ciência é um empreendimento que pode

ser descrito e definido de muitas formas. Umamaneira comum de definir a ciência é afirmar

que ela é uma buscapor relações causais,ou relações entre cau-sas e efeitos. Os ter-mos “causa” e “efei-to” têm suas limita-

ções, e podem ser discutidos do ponto devista da filosofia da ciência (Laurenti, 2004;

Skinner, 1953/1965). Por mais importantesque sejam, porém, não nos deteremos aqui

em tais discussões.Por ora, interessa-nosapenas reconhecerque a ciência é, entreoutras coisas, umamaneira sistemática

de tentar responder aquestões causais: porque um certo con-

 junto de fenômenosacontece desta ou daquela forma?

 A análise do comportamento é uma ci-ência que, como indica sua denominação,toma o comportamento como objeto de estu-do. Tornou-se comum entre os analistas docomportamento definir este objeto através deexpressões mais amplas, como “interaçõesorganismo-ambiente” (Todorov, 1989) ou

O conceito de 8 

liberdade e suasimplicações para a clínica Alexandre Dittrich

ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  Ciência como busca de relações de determinação.>

  Definição de comportamento.>

  Explicações causais em psicologia.>

  A posição determinista do Behaviorismo Radical.>

  As vantagens de uma posição determinista para o psicólogo.>

  Alguns dos principais significados de “liberdade” e como o analista do comportamento oscompreende: como sentimento, como diminuição ou eliminação da coerção, como autocontrole.

>  O analista do comportamento como profissional que busca a “liberdade” para a sociedade,

incluindo os seus clientes.

A ciência é, entreoutras coisas, umamaneira sistemáticade tentar respondera questões causais.

Comportamentoé sempre e inva-riavelmente umfenômeno relacional:comportar-se éinteragir cons- tantemente comum entorno que a

análise do compor- tamento denominagenericamente como“ambiente”.

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“relações comporta-mentais” (Tourinho,2006). Essas defini-

ções apontam para ofato de que o com-portamento é sempree invariavelmente umfenômeno relacional:comportar-se é inte-ragir constantementecom um entorno que

a análise do comportamento denomina gene-ricamente como “ambiente”. Uma distinção

entre “o que uma pessoa faz” e “o ambienteno qual ela o faz” é importante para objetivosteóricos e práticos, mas entende-se que nãohá como isolar o fenômeno “comportamen-to” do fenômeno “ambiente”. Os analistas docomportamento estudam, portanto, relaçõescomportamentais: relações comportamento--ambiente.

O objetivo primordial do analista docomportamento é descobrir por que uma

pessoa, ou grupo de pessoas, faz o que faz, damaneira como o faz.Para o analista docomportamento, esse“fazer” tem um am-plo alcance: quere-mos saber por que aspessoas falam o quefalam, pensam o quepensam, sentem o

que sentem. Aindahoje algumas pessoasentendem “compor-tamento” como sen-do apenas aquilo queuma pessoa faz pu-

blicamente: os movimentos do corpo exter-namente perceptíveis. A análise do compor-tamento há muito superou essa concepção.Uma pessoa pode comportar-se de muitas

maneiras, visíveis ou não para outra pessoa.O comportamento, não obstante, interessa-

-nos como objeto de estudo mesmo quandoalgumas de suas dimensões não são publica-mente observáveis.

Relações comportamentais são, na aná-lise do comportamento, relações causais –isto é, relações nas quais buscamos identifi-car no ambiente de uma pessoa as causaspara aquilo que ela faz. Essa é uma opçãotalvez óbvia: se nosso “efeito” é o comporta-mento humano, tudo o que possa afetá-lode alguma forma deve ser tratado como“causa” – e o que nos resta é o ambiente.Essa concepção pode dar a alguns a impres-

são de que o ser humano está sendo tratadode forma excessivamente passiva: o ser hu-mano não age sobre o mundo, não o trans-forma? Obviamente que sim! B. F. Skinner,o precursor da análise do comportamento,afirma isso textualmente (1957, p. 1), e ofato de que o homem age sobre o mundo e otransforma constitui o cerne do que os ana-listas do comportamento chamam de com-portamento operante .1  Sob esse ponto de

vista, o comportamento humano é, sem dú-vida, causa para vários efeitos em seu am-biente, e isso é parte importante da descri-ção que o analista do comportamento fazdas relações comportamentais. Ainda assim,nossa pergunta causal primordial continuasendo sobre o comportamento, por mais ati-vo e transformador que seja: o que o causa?

É importante perceber que a resposta aessa pergunta só pode estar nas relações do

comportamento com o ambiente, e não nopróprio comportamento.2  Se nos pergunta-mos sobre as causas do fazer de alguém, nãopodemos tomar esse próprio fazer como ex-plicação – ele é justamente o que queremosexplicar. Se algum comportamento é invoca-do como variável importante para explicaroutro comportamento, é natural que pergun-temos, por sua vez, por que o comportamen-to inicial ocorreu. Em algum momento, ine-

vitavelmente, veremo-nos novamente investi-gando relações comportamentais.

Uma distinção entre“o que uma pessoafaz” e “o ambienteno qual ela o faz”

é importante paraobjetivos teóricose práticos, masentende-se que nãohá como isolar ofenômeno “compor- tamento” do fenôme-no “ambiente”.

Ainda hoje algumaspessoas entendem“comportamento”como sendo apenasaquilo que uma pes-soa faz publicamen- te: os movimentos docorpo externamenteperceptíveis. A análi-se do comportamen- to há muito superouessa concepção.Uma pessoa podecomportar-se demuitas maneiras,visíveis ou não paraoutra pessoa.

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Clínica analítico-comportamental 89

 A psicologia, com sua ampla variabilida-de teórica, oferece outros caminhos. Explica-ções causais em psicologia frequentemente se-

guem o modelo “a mente causa o comporta-mento”. Mesmo que algum psicólogo adoteessa postura, aindalhe restará a tarefa deexplicar causalmentea ocorrência dos even-tos chamados “men-tais”. Fatalmente, essepsicólogo, em algummomento, deverá re-

meter-se às relaçõesda pessoa com seuambiente. Se insistirque não deve ou nãoprecisa fazê-lo, pode-

-se desafiá-lo a mudar qualquer aspecto da vidamental de uma pessoa sem alterar nada emseu ambiente (e devemos lembrar aqui que ocomportamento verbal de um psicólogo fazparte do ambiente das pessoas com as quais

ele interage). Outro desafio que poderia le-gitimamente ser lançado a este psicólogo se-ria demonstrar que algo foi mudado na men-te de uma pessoa, sem que o comportamen-to dela (verbal ou não verbal) pudesse sertomado como indício de tal mudança.

Tendemos a utilizar verbos para desig-nar o que a mente faz: pensar, imaginar, sen-tir, decidir... Isso é importante, porque evi-dencia que estamos tratando de comporta-

mentos, mesmo que algumas de suasdimensões não sejam publicamente observá-veis. (Troquemos “mente” por “pessoa”, naprimeira frase, e teremos uma definição per-feitamente aceitável para qualquer analista docomportamento.) “Decidir” talvez seja aquium verbo importante. Para a análise do com-portamento, decidir é comportar-se: é fazeralgo e, com isso, produzir certas consequên-cias (Skinner, 1953/1965, p. 242-244). Onúmero de situações em nosso dia a dia nasquais efetivamente nos engajamos no com-

portamento de decidir antes de fazer algumaoutra coisa provavelmente é muito menor doque gostaríamos de pensar. Talvez nossa vida

fosse impossível se as coisas não fossem assim.Fazemos muitas coisas “sem pensar”, porquenossa experiência em situações semelhantesnos dá alguma segurança de que os resultadosdo que faremos são previsíveis. Quando nãoo são, porém, podemos preliminarmente “de-cidir” – isto é, buscarsubsídios que nospermitam tomar umcerto curso de ação e

não outros.Se decidir é

comportar-se, porém,o fato de que decidi-mos também deve sercausalmente explica-do. Ninguém nascesabendo como deci-dir, e presumivelmen-te algumas pessoas decidem melhor, ou com

mais frequência, do que outras. Isso quer dizerque o comportamento de decidir tambémdeve ser aprendido, no sentido de ser selecio-nado por suas consequências:

Um homem pode gastar muito tempo plane- jando sua própria vida – ele pode escolher ascircunstâncias nas quais viverá com muito cui-dado, e pode manipular seu ambiente cotidia-no em larga escala. Tais atividades parecemexemplificar um alto grau de autodetermina-

ção. Mas elas também são comportamento, enós as explicamos através de outras variáveisambientais e da história do indivíduo. São es-sas variáveis que proveem o controle final(Skinner, 1953/1965, p. 240).

É importante notar também que, se umcomportamento é aprendido, ele pode ser en-sinado. Se tratamos o decidir como um acon-tecimento mental inalcançável e inexplicável,essa perspectiva se fecha. Se o tratamos, po-rém, como uma relação comportamental, po-demos interferir sobre ele. Esse é o lado positi-

Explicações cau-sais em psicologiafrequentementeseguem o modelo“a mente causa ocomportamento”.Mesmo que algumpsicólogo adote essapostura, ainda lhe

restará a tarefa deexplicar causalmen- te a ocorrência doseventos chamados“mentais”.

Ninguém nasce sa-bendo como decidir,e presumivelmentealgumas pessoas

decidem melhor, oucom mais frequênciado que outras. Issoquer dizer que ocomportamento dedecidir também deveser aprendido, nosentido de ser se-lecionado por suasconsequências.

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vo da insistência dosanalistas do compor-tamento em buscar

“causas” ambientaispara “efeitos” com-portamentais: se po-demos mudar o am-biente que afeta uma

pessoa, podemos mudar seu comportamento.

> O COMPORTAMENTOHUMANO É LIVRE?

 Analisamos o comportamento de decidirporque ele costuma ser apontado como umexemplo claro de que cada ser humano go-verna sua própria vida de forma autônoma,mesmo que se admita que o ambiente in-fluencie seu comportamento em alguma me-dida. Mas se mesmo o comportamento dedecidir pode ser causalmente explicado, oque resta de autonomia, de liberdade para o

ser humano? A controvérsia entre determinismo e

livre-arbítrio tem uma história praticamentetão longa quando a da própria filosofia. É umtema complexo, que desperta discussões apai-xonadas. Para a psicologia, esta é uma discus-são inevitável: não importando os conceitos e

teorias utilizados pordiferentes psicólogos,é razoável afirmar que

todos estão interessa-dos em saber por queas pessoas fazem oque fazem, dizem oque dizem, pensam oque pensam, sentemo que sentem. Comoqualquer ciência, apsicologia está inte-ressada em relações

causais: ela busca identificar causas para certosefeitos. Esses efeitos podem ser chamados de

comportamentais e/ou mentais, a depender dateoria utilizada – mas suas causas devem serobrigatoriamente procuradas entre fenômenos

que não sejam “comportamento” ou “mente”.É plausível imaginar que algum psicólogo sesatisfaça com explicações causais nas quais amente é causa, e o comportamento, efeito.Mas também é plausível imaginar que, em al-gum momento, esse psicólogo precisará expli-car a própria origem do que chama de “men-te”. Nesse caso, repetimos, é inevitável que re-corra a relações com o ambiente. Enquantopesquisador, ao apontar variáveis ambientais

atuais ou passadas como responsáveis pelo queas pessoas fazem, falam, pensam ou sentem,um psicólogo está provendo suporte empíricoà plausibilidade de uma posição determinista,seja qual for a teoria que fundamenta seu tra-balho.

Skinner apresenta uma posição marca-damente determinista ao longo de sua obra.Esse parece ser um resultado natural de sua fi-losofia, dadas as relações causais que a análise

do comportamento busca estudar. Vejamosalguns trechos de sua obra nos quais ele tratado assunto:

Para ter uma ciência da psicologia, precisamosadotar o postulado [itálico nosso] fundamentalde que o comportamento humano é um dadoordenado, que não é perturbado por atos ca-prichosos de um agente livre – em outras pala-vras, que é completamente determinado (Skin-ner, 1947/1972, p. 299).

Se vamos usar os métodos da ciência nocampo dos assuntos humanos, devemos

 pressupor   [itálico nosso] que o comporta-mento é ordenado e determinado (Skinner,1953/1965, p. 6).

 A hipótese   [itálico nosso] de que o homemnão é livre é essencial para a aplicação do mé-todo científico ao estudo do comportamentohumano (Skinner, 1953/1965, p. 447).

Embora Skinner apresente uma posiçãofirme sobre o assunto, chama a atenção nessas

Ao olharmos paracomportamentocomo um fenômenodeterminado por

sua relação como ambiente, esta-mos mais perto deencontrarmos meiosde mudá-los.

Ao apontar variáveisambientais atuais oupassadas como res-

ponsáveis pelo queas pessoas fazem,falam, pensam ousentem, um psicó-logo está provendosuporte empíricoà plausibilidadede uma posiçãodeterminista, sejaqual for a teoria quefundamenta seu trabalho.

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Clínica analítico-comportamental 91

passagens o uso de palavras como “postula-do”, “pressupor” e “hipótese”. Skinner nãoestá afirmando, como verdade absoluta, que

o comportamento humano é determinado,mas sim que o cientista do comportamentodeve pressupor que o seja. Mas por quê? Issofaz alguma diferença?

 A análise do comportamento tem entreseus objetivos prever e controlar o comporta-mento. É para isso, afinal, que ela busca in-vestigar relações causais: para intervir sobrecausas ambientais e produzir efeitos compor-tamentais. Pressupor a determinação do com-

portamento é benéfi-co para uma ciênciado comportamentoque busca investigarquais as variáveis queo determinam. Umcientista que supõe aexistência de variá-veis que controlam ocomportamento ten-

de a procurá-las; umcientista que supõe

que elas talvez não existam possivelmente nãoterá bons motivos para aprofundar suas in-vestigações. Assim, enquanto pressuposto, odeterminismo impulsiona a pesquisa: mesmoque não consiga, em um primeiro momento,identificar as variáveis relevantes para a previ-são e controle de certas classes de comporta-mentos, o analista do comportamento insisti-

rá em procurá-las. Eis uma passagem na qualSkinner se manifesta explicitamente nessesentido:

Determinismo é um pressuposto útil, por-que encoraja a busca por causas. [...] O pro-fessor que acredita que um estudante criauma obra de arte exercitando alguma facul-dade interna e caprichosa não buscará ascondições sob as quais ele de fato trabalha

criativamente. Ele também será menos ca-paz de explicar tal trabalho quando ele ocor-re, e menos inclinado a induzir estudantes a

se comportar criativamente (Skinner, 1968,p. 171).

Esse exemplo aplicado à educação podeser facilmente transferido para outras modali-dades de aplicação da análise do comporta-mento – como a clínica. O clínico analítico--comportamental está interessado em mudaraspectos do comportamento de seu cliente,incluindo o que elefala, pensa ou sente.Se o clínico pressu-põe que o comporta-

mento de seu cliente,por mais complexoque seja, é determi-nado por suas rela-ções com o ambien-te, ele deve intervirsobre tais relações everificar se isso surteo efeito esperado norepertório comporta-

mental do cliente. Caso isso não aconteça, oclínico continuará tentando produzir taisefeitos, lançando mão de outras estratégias deintervenção sobre as relações comportamen-tais; em outras palavras, ele continuará bus-cando as causas do comportamento de seucliente. O teste final sobre o sucesso dessaempreitada é empírico: se o comportamentodo cliente muda, o clínico conseguiu intervirsobre pelo menos parte de suas causas. Um

clínico analítico-comportamental jamais de-sistirá de mudar o comportamento de umcliente por julgar que ele não tem causas. Essaé a utilidade do determinismo enquanto pres-suposto no trabalho do clínico.

> EXISTEM OUTROS SIGNIFICADOSPARA “LIBERDADE”?

 A palavra “liberdade”, como qualquer outrapalavra, pode ser utilizada de diversas formas,

Um cientista quesupõe a existênciade variáveis quecontrolam o com-portamento tendea procurá-las; umcientista que supõeque elas talvez nãoexistam possivel-mente não terábons motivos paraaprofundar suas

investigações.

Se o clínicopressupõe que ocomportamentode seu cliente, por

mais complexo queseja, é determinadopor suas relaçõescom o ambiente,ele deve intervirsobre tais relaçõese verificar se issosurte o efeito espe-rado no repertóriocomportamental docliente.

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em diferentes situações. Um analista do com-portamento pode, eventualmente, defender

certos tipos de liber-

dade, mesmo adotan-do o determinismocomo pressuposto.Não há nisso qual-quer tipo de contra-dição, como veremosao analisar algunssentidos possíveis dotermo.

Liberdade como sentimento

 A classe de relações comportamentais deno-minada reforçamento positivo parece favore-cer o relato de certos sentimentos, que po-dem receber vários nomes: amor, felicidade,confiança, fé, segurança, interesse, perseve-rança, entusiasmo, dedicação, felicidade eprazer são apenas alguns deles (Cunha e Bor-

loti, 2005). O sentimento de liberdade tam-bém pode ser relatado nesse contexto. Quan-do nosso comportamento é positivamente re-forçado, sentimos que fazemos o quequeremos, gostamos ou escolhemos. Não há

sentimento de coer-ção ou obrigatorie-dade – há sentimen-to de liberdade.

 Até que ponto

é possível ou desejá-vel abrir mão da uti-lização deliberada derelações comporta-mentais coercivas (de

punição e reforçamento negativo) na aplica-ção da análise do comportamento é assuntodiscutível, e os subsídios mais importantespara essa discussão devem, sem dúvida, deri-var de dados empíricos. Ainda assim, é razoá-

vel afirmar que os analistas do comportamen-to tendem a favorecer a utilização de relações

comportamentais dereforçamento positi-vo. Com isso, podem

favorecer também orelato de sentimen-tos de liberdade. Esseé um resultado previ-sível e desejável da prática do clínico analítico--comportamental. Não há nisso nenhumacontradição com a adoção do determinismoenquanto pressuposto por parte do clínico.

Liberdade como diminuição ou

eliminação da coerçãoSe o reforçamento positivo pode gerar relatosde sentimentos de liberdade, relações com-portamentais coercivas (de punição ou refor-çamento negativo) podem gerar, além do re-lato de outros sentimentos (ansiedade, raiva,tristeza, entre muitosoutros) uma “lutapela liberdade” –

que, neste caso, nadamais é do que umaluta contra esse tipode relação. Social-mente, a luta contraas relações compor-tamentais coercivas pode receber diversos no-mes: busca-se promover a liberdade política,econômica, religiosa, sexual, etc. Em cada umdesses campos, quando pessoas são proibidas

de emitir certos comportamentos ou obriga-das a emitir outros, surge a possibilidade deque se revoltem contra esse tipo coercivo decontrole.

Skinner (1971) analisou profundamen-te a luta por esse tipo de liberdade, e reconhe-ceu sua importância: “A literatura da liberda-de tem feito uma contribuição essencial paraa eliminação de muitas práticas aversivas nogoverno, na religião, na educação, na vida fa-

miliar e na produção de bens” (p. 31). Analis-tas do comportamento, portanto, podem

Um analista docomportamentopode, eventualmen- te, defender certos tipos de liberdade,mesmo adotando odeterminismo comopressuposto. Não hánisso qualquer tipode contradição.

“Quando nossocomportamentoé positivamentereforçado, sentimosque fazemos o quequeremos, gostamosou escolhemos. Nãohá sentimento de co-erção ou obrigatorie-dade – há sentimen- to de liberdade.”

Os analistas docomportamento tendem a favorecera utilização de rela-

ções comportamen- tais de reforçamentopositivo.

Quando pessoas sãoproibidas de emitircertos comporta-

mentos ou obrigadasa emitir outros, surgea possibilidade deque se revoltem con- tra esse tipo coerci-vo de controle.

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Clínica analítico-comportamental 93

igualmente defender certos tipos de liberda-des sociais, sem que haja nisso qualquer con-tradição com a adoção do determinismo en-

quanto pressuposto.Um dos problemas apontados por Skin-ner na mesma obra é que as pessoas tendem a

identificar a ausênciade coerção com liber-dade absoluta, igno-rando o tipo mais po-deroso de controle –isto é, aquele exercidoatravés de reforça-

mento positivo. Ele époderoso, entre ou-tros motivos, porque,via de regra, não nosrevoltamos contra ele

– aliás, sequer costumamos reconhecê-locomo um tipo de controle. O controle por re-forçamento positivo, como qualquer tipo decontrole, pode ser utilizado com objetivos es-púrios, em benefício dos controladores, mas

com graves prejuízos de longo prazo para oscontrolados. Empregados que enfrentam jor-nadas exaustivas ou insalubres de trabalho,aliciadores que levam adolescentes a se prosti-tuir, crianças e adolescentes atraídos para otráfico de drogas ou pessoas levadas a consu-mir produtos prejudiciais à sua saúde são al-guns exemplos. Diante disso, é compreensí-vel a afirmação de Skinner de que “um siste-ma de escravidão tão bem planejado que não

gere revolta é a verdadeira ameaça” (Skinner,1971, p. 40). A “revolta” contra um sistemadesse tipo só é possível, em primeiro lugar, seo escravo percebe que é um escravo. Por isso,de acordo com Skinner, “o primeiro passo nadefesa contra a tirania é a exposição maiscompleta possível das técnicas de controle”(Skinner, 1955-1956/1972, p. 11).

Considerado esse sentido da palavra li-berdade, podemos inclusive classificar a edu-cação para a liberdade  como uma tarefa im-portante para os analistas do comportamen-

to. Uma educação para a liberdade estimula aformação de cidadãos críticos, bem informa-dos e ativos, e pode cumprir um papel impor-

tante para o futuro de nossas culturas.

Liberdade como autocontrole

O clínico analítico-comportamental, via deregra, deseja que seu cliente “tome as rédeasde sua vida”, seja au-tônomo e indepen-dente, governe seucotidiano – entre ou-

tros motivos, paraque não seja depen-dente do próprio clí-nico. Ora, tudo issonão parece funda-mentalmente contra-ditório com o pres-suposto de que o comportamento humano édeterminado? Como pode um clínico analí-tico-comportamental fomentar autonomia

em seus clientes se adota tal pressuposto?O clínico analítico-comportamental,

enquanto parte importante do ambiente deseus clientes, trans-forma parte de seurepertório comporta-mental. Ele pode en-sinar seus clientes aanalisar seu própriocomportamento e as

variáveis que o con-trolam. Ao fazer isso,ele estará gerando emseus clientes o queSkinner (1953/1965,cap. 15) chamou deautocontrole  – isto é, estará proporcionando aeles a oportunidade de identificar e controlaralgumas das variáveis que controlam seu pró-prio comportamento. Como o autocontroletambém é comportamento, ele também é,por si só, efeito de causas ambientais – e o

Um dos problemasapontados porSkinner é que aspessoas tendem aidentificar a ausên-cia de coerção comliberdade absoluta,ignorando o tipo

mais poderoso decontrole – isto é,aquele exercidoatravés de reforça-mento positivo.

O clínico analítico--comportamental viade regra deseja queseu cliente “tome

as rédeas de suavida”, seja autônomoe independente,governe seu coti-diano – entre outrosmotivos, para quenão seja dependentedo próprio clínico.

O clínico analítico--comportamental transforma partede seu repertóriocomportamental.Pode ensinar seusclientes a analisarseu próprio com-portamento e asvariáveis que o con- trolam. Ao fazer isso,ele estará gerandoem seus clientesautocontrole .

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comportamento do clínico responde, nestecaso, pela maior parte de tais causas. O uso da

expressão “autocon-

trole”, portanto, nãosignifica que o com-portamento da pes-soa que o exerce nãoesteja sujeito à deter-minação ambiental.Como afirma Skin-ner, “o ambiente de-termina o indivíduo

mesmo quando ele altera o ambiente” (Skin-

ner, 1953/1965, p. 448). Em certo sentido,porém, é possível afirmar que pessoas queexercem um alto grau de autocontrole sãomais autônomas, independentes e “livres” doque as que não o fazem. O clínico analíti-co-comportamental, nesse sentido, busca en-sinar e promover a liberdade.

Se compreendermos a palavra “liber-dade” em qualquer um desses três sentidos,podemos concluir que os analistas do com-

portamento – entre eles os clínicos analí-tico-comportamentais – promovem a liber-dade com frequência. Ainda assim, comobehavioristas radicais, os clínicos analíti-co-comportamentais tendem a adotar o de-terminismo enquanto pressuposto, sem quehaja nisso qualquer contradição implicada.

 A adoção desse pressuposto, como vimos, justifica-se por sua utilidade para os pró-prios objetivos do trabalho terapêutico. Por

mais paradoxal que isso possa parecer, pres-

supor o determinismo ajuda os clínicosanalítico-comportamentais a tornarem os seusclientes mais livres!

> NOTAS

  1. Sobre comportamento operante, sugere-se ler o Ca-pítulo 2.

  2. Para uma maior compreensão do modelo causal daanálise do comportamento, ler Capítulo 7.

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Todorov, J. C. (1989). A psicologia como o estudo de inte-rações. Psicologia: teoria e pesquisa, 5 , 347-356.

Tourinho, E. Z. (2006). Relações comportamentais comoobjeto da psicologia: Algumas implicações. Interação emPsicologia, 10 , 1-18.

Pessoas que exer-

cem um alto graude autocontrole sãomais autônomas,independentes e“livres” do que asque não o fazem.O clínico analítico-comportamentalbusca ensinar e pro-mover a liberdade.

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Influenciado pelo modelo de seleção natural  de Darwin, Skinner propôs o modelo de sele-ção por consequências  como explicação para oaparecimento e manutenção dos comporta-

mentos dos organismos. Desse modo, as dife-renças de comportamento dos indivíduos, econsequentemente entre os indivíduos, deve-riam ser explicadas pelos mesmos processosbásicos que explicam a existência das diferen-tes espécies: variação e seleção.

Baseando-se nesse modelo explicativo,a análise do comportamento se posicionacomo uma abordagem da psicologia que nãovê os comportamentos humanos problemá-

ticos como “doenças” ou “psicopatologias”.

Nessa perspectiva,esses fenômenos têmcausas e naturezasiguais aos demais

comportamentos. A fim de pro-

mover uma reflexãosobre questões como“Existem os fenôme-nos comportamen-tais chamados detranstornos men-tais?”; “Por que essespadrões comportamentais são chamados e

classificados como transtornos mentais?”; “O

A análise do com-portamento seposiciona como umaabordagem da psi-

cologia que não vêos comportamentoshumanos problemáti-cos como “doenças”ou “psicopato-logias”. Nessaperspectiva, essesfenômenos têmcausas e naturezasiguais aos demaiscomportamentos.

  Discussões da análise do 9 

comportamento acerca dostranstornos psiquiátricosDenise de Lima Oliveira Vilas Boas

Roberto Alves BanacoNicodemos Batista Borges

ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  Transtornos psiquiátricos.>

  Os motivos que levam um cliente a procurar um psicólogo clínico.>

  Problemas clínicos.>

  Multideterminação do comportamento.>

  Semelhanças e diferenças entre “transtornos psiquiátricos” e os demais comportamentos.>

  Modelos metafísico, estatístico e normalidade.>

  ‘Transtornos psiquiátricos’ como déficits ou excessos comportamentais.>

 

Vantagens do modelo analítico-comportamental para ‘psicopatologias’.>

  Sofrimento como critério para intervenção.

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96  Borges, Cassas & Cols.

que distingue a normalidade da anormalida-de?”, o presente capítulo percorrerá três dis-cussões a saber:

 1. problemas clínicos; 2. multideterminação do comportamento; 3. normalidade: um conceito definido por

práticas culturais.

> PROBLEMAS CLÍNICOS

Os motivos que le-vam um indivíduo a

procurar ajuda deum psicólogo clínicosão a busca de auto-conhecimento e/ouproblemas que ocliente não está con-seguindo enfrentarsozinho, entre eles oschamados transtor-nos psiquiátricos.

Quando uma pessoa procura ajuda deum psicólogo clínico/analista em busca deautoconhecimento – comportamento aindapouco frequente em nosso país –, ela está seengajando em um comportamento que pro-duz, principalmente, maior acesso a reforça-dores. Isso porque, ao conhecer melhor seuscomportamentos – ou seja, aquilo que faz,pensa e sente, bem como as contingênciasque controlam/afetam essas respostas –, teo-

ricamente, maior será sua capacidade de lidarcom esses eventos, podendo alterá-los, geran-do, como consequência, mais reforço ou re-forçadores mais potentes. Por exemplo, umapessoa que, entre outras coisas, vive um rela-cionamento amoroso “bom” e busca discutirem sua análise esta relação, poderá compre-ender quais atitudes suas agradam seu parcei-ro e emiti-las mais frequentemente, o que,possivelmente, fortalecerá o apreço que seu

parceiro tem por ela. Se o objetivo dessa pes-soa é fortalecer seu relacionamento amoroso,

esse é um comportamento que poderá seremitido com esse objetivo.

Todavia, a maior parcela dos clientes

que procuram um clínico o faz porque “estácom problemas”. Você não ouve alguém dizerque está com problemas porque está ganhan-do dinheiro ou está feliz no relacionamentoamoroso ou foi aprovado na faculdade. Aocontrário, um indivíduo diz que está comproblemas quandoseus comportamen-tos não produzemaquilo de que ele gos-

taria ou, quando pro-duzem, trazem con-sigo sofrimento. Nes-se sentido, “estar comproblemas” refere-sea dificuldades ememitir respostas quediminuam estimula-ções aversivas ou quedeem acesso a refor-

çadores. A dificuldade em produzir reforçadores

ou eliminar ou atrasar aversivos pode se darpor diferentes motivos: pela falta de repertório,o indivíduo não sabe (aprendeu) emitir a res-posta que produz essas consequências; por fa-lhas no controle discriminativo, o indivíduonão fica sob controle de eventos do ambienteque deveria ter para que sua resposta seja refor-çada; por dificuldade em relação à intensidade

(excesso ou insuficiência) da resposta, não pro-duz a consequência; etc. Assim, caberá ao clíni-co identificar estes comportamentos e auxiliaro cliente na mudança destas relações, permi-tindo a ele (cliente) maior acesso a reforçadorese/ou menor exposição a eventos aversivos.

O outro motivo que alguns psicólogosatribuiriam como determinante na busca porum trabalho clínico (análise) é “estar acome-tido por um transtorno psiquiátrico”. Toda-

via, seriam os “transtornos psiquiátricos” di-ferentes dos demais “problemas clínicos”?

Os motivos quelevam um indivíduo

a procurar ajuda deum psicólogo clínicosão a busca deautoconhecimentoe/ou problemasque o cliente nãoestá conseguindoenfrentar sozinho,entre eles os cha-mados transtornospsiquiátricos.

Um indivíduo diz queestá com proble-mas quando seuscomportamentos

não produzem aquiloque gostariam ouquando produzem trazem consigosofrimento. Nessesentido, “estar comproblemas” refere-se a dificuldades ememitir respostas quediminuam estimula-ções aversivas ouque deem acesso areforçadores.

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Clínica analítico-comportamental 97

Com o avanço dos estudos da psiquia-tria e das ciências do comportamento, sabe-sehoje que tanto “transtornos psiquiátricos”

como qualquer outrocomportamento so-frem influência emtrês níveis: filogené-tico, ontogenético ecultural, o que, paramuitas disciplinas, émais referido comobiopsicossocial. Nes-sa perspectiva, não

existiriam diferençassignificativas entre

“transtornos psiquiátricos” e outros “proble-mas clínicos”.

Todavia, há aqueles que defendem queapesar de os “transtornos psiquiátricos” sofre-rem influências múltiplas, sua diferenciaçãodos outros problemas se dá pela sua presumi-da origem orgânica.

> MULTIDETERMINAÇÃO DOCOMPORTAMENTO

Para a Análise do Comportamento, a psicolo-gia é uma ciência natural que está alinhadacom a biologia, especificamente com o mo-delo de seleção natural. Assim, o comporta-mento é entendido como algo que é natural evariável e passa por um processo de seleção

pelos efeitos que produz no ambiente, o quechamamos de seleção por consequências.Desse modo, o comportamento – assim comoas espécies no modelo de seleção natural – éproduto de variação e seleção, o que ocorreem três níveis: filogenético, dado que o indi-víduo nasce com uma predisposição a res-ponder de determinada maneira, a qual foiherdada através de seleção de genes; ontoge-nético, dado que, a partir de sua concepção, oindivíduo naturalmente age (emite respostas)de forma variável (variabilidade comporta-

mental), produzindo mudanças no ambiente,sendo essas (mudanças no ambiente) selecio-nadoras de repertório (tornarão mais prová-

veis uma parcela destas respostas); e cultural,dado que o sujeito é sensível, também, aoambiente social que integra, sendo este (am-biente social) selecionador de padrões com-portamentais típicos daquele grupo.1

Uma vantagem dessa proposta é nãodar a uma das instâncias selecionadoras (filo-genética, ontogenética e/ou cultural) trata-mento diferencial ou maior importância. Oimportante é observar o entrelaçamento entre

elas, não ignorando nenhuma. Assim, ao se voltar à discussão que encer-

ra a seção anterior – que trata da “crença” dealguns que a diferença entre problemas psiqui-átricos e problemas clínicos está na sua origem,sendo que os primeiros têm causas “orgânicas”(físicas) enquanto osoutros têm causas“psicológicas” (meta-físicas) –, pode-se di-

zer que todo compor-tamento resulta dahistória do indivíduo,ou seja, do entrelaça-mento de mutaçõesgenéticas, experiên-cias diretas ou trans-mitidas pelo gruposocial que integra, eque os chamados transtornos psiquiátricos

também são produtos dessa história, receben-do maior ou menor influência de cada um des-tes aspectos da história. Resumidamente, os“transtornos psiquiátricos”, assim como qual-quer outro comportamento, são comporta-mentos multideterminados em suas origens eem sua manutenção.

Essa explicação analítico-comporta-mental dos problemas clínicos e transtornospsiquiátricos não igualam totalmente taiseventos. Se, por um lado, iguala seus aspectoscausais atribuindo a ambos a multidetermi-

Com o avanço dosestudos da psiquia- tria e das ciênciasdo comportamento,hoje se sabe que tanto “transtornospsiquiátricos” comoqualquer outrocomportamentosofrem influência em três níveis: filogené- tico, ontogenético e

cultural.

Os “transtornospsiquiátricos” sãoresultantes doentrelaçamento defatores genéticos,experiências diretasou transmitidas pelogrupo social que oindivíduo integra.Assim são determi-nados por multiplas“causas” e mantidospor contingênciasentrelaçadas.

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98  Borges, Cassas & Cols.

nação histórica, por outro lado, permite umadistinção entre eles pelo comprometimentoque podem exercer sobre o organismo, inclu-

sive diferentes grausde comprometimen-to em diferentes ní-veis de variação e se-leção.

 Assim, ao sedeparar com umacriança com desen-volvimento atípico(por exemplo, autis-

mo), pode-se verificar uma forte determina-ção no nível filogenético, mas pode-se encon-trar, em muitos casos, influências nos níveisontogenético – por exemplo, pais que super-protegem, dificultando o desenvolvimento(aprendizagem) da criança – e cultural – porexemplo, práticas de exclusão que podem le-var à maior diferenciação entre essa criança eas demais. Em contraponto, é possível encon-trar casos em que o indivíduo não apresenta

influência filogenética evidente (ausência dehistórico familiar de transtornos mentais),mas apresenta padrão comportamental espe-cífico (por exemplo, transtorno de ansiedadegeneralizada), identificando-se nestes casosfortes influências nos níveis ontogenético –por exemplo, história com grande exposição apunições no âmbito familiar – e cultural –por exemplo, cobrança de que é preciso ser omelhor.

Toda esta discussão é de fundamentalimportância para o psicólogo clínico, pois,compreendendo o fenômeno por esta pers-pectiva, ele poderá e deverá buscar identificaras contingências que influenciaram o desen-volvimento deste repertório e, mais ainda, ascontingências que o mantêm. Diante delas oclínico estará mais perto de encontrar meioseficientes de intervir sobre tais padrões com-portamentais, resultando em menor sofri-

mento para o cliente.

> NORMALIDADE: UMCONCEITO DEFINIDOPOR PRÁTICAS CULTURAIS

 Antes de se encerrar o capítulo, faremos umabreve discussão sobre “normalidade” e “anor-malidade”, pois, frequentemente, ouvimosque pessoas que apresentam algum quadro psi-quiátrico são “loucas” ou “anormais”, o que,em muitos casos, mais atrapalha do que ajuda,além de ser uma atitude preconceituosa.

 A classificação de padrões comporta-mentais como transtornos mentais é, como

ver-se-á nesta seção, determinada por práticasculturais que estabe-lecem os padrões so-cialmente aceitos ounão (Falk e Kupfer,1998). Desse modo,padrões comporta-mentais que violamexpectativas sociaissão tratados, frequen-

temente, como “anormais” ou “psicopatoló-gicos”.

Todavia, muitos dos que defendem adiferenciação entre “sadio” e “psicopatológi-co” ou “normal” e “anormal” sequer fazemuma reflexão da origem destas distinções.

 A primeira dessas práticas culturais, queclassifica os indivíduos entre “sadios” e “aco-metidos por psicopatologias”, é resquício deum dualismo metafísico da Idade Média, poisbusca atribuir como causa desses padrõescomportamentais, chamados de psicopatoló-gicos, falhas mentais. Esta classificação, alémde se sustentar em um dualismo (mente--corpo), inconsistente com uma visão naturalde homem vigente na biologia, ajuda pouco arespeito do que fazer com esses indivíduos,visto que seus seguidores ficam buscando emsuas mentes a “causa” e a “cura” desses pa-drões comportamentais, quando deveriambuscar as “causas” nas histórias desses indiví-

Se em muitos senti-dos, os “transtornospsiquiátricos” não sedistinguem de outroscomportamentos.Pode-se distinguí-losdos demais com-portamentos pelocomprometimentoque podem exercersobre o indivíduo.

A classificação depadrões compor- tamentais como transtornos mentaisé determinada porpráticas culturais,que estabelecem ospadrões socialmenteaceitos ou não.

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Clínica analítico-comportamental 99

duos e as “curas”, na maneira como esse indi-víduo interage com seu ambiente.

 A segunda prática cultural, que classifi-

ca os indivíduos entre “normal” e “anormal”ou acometido por um “transtorno” será aquichamada de modelo estatístico de normalida-de e se trata de uma distorção do modelo deseleção natural de Darwin. Seu método paraa definição de um “transtorno” é a compara-ção entre pessoas. Assim, considera a “norma-lidade” e o “transtorno” por critérios estatísti-cos de determinação (Abramson e Seligman,1977). Segundo Johnston e Pennypacker

(1993), a base da entrada da estatística naconcepção da saúde mental vem da concep-ção defendida por Quetelet. De acordo comessa concepção, a natureza, em busca da evo-lução, produziria a variabilidade entre os or-ganismos; entretanto, formas mais perfeitasdo que outras se repetiriam mais frequente-mente, em uma distribuição que obedeceria à“curva normal”: as mais perfeitas teriam umafrequência maior, e desvios gradativos da per-

feição seriam também gradativamente menosfrequentes.

Dois problemas devem ser identificadosneste critério de normalidade: uma intencio-nalidade da natureza e a divisão dos indiví-duos em categorias de diferentes qualidades.

O modelo de seleção natural de Darwinnão fala de relações intencionais entre os orga-nismos e a natureza. Esse modelo descreve quegrupos/populações que apresentam determi-

nadas características (variação, mutação) aca-bam por ter um maior número de sobreviven-tes do que grupos/populações que não apre-sentam aquela característica (seleção), nãosendo descrita nenhuma intencionalidade noambiente. Desse modo, o modelo estatísticodesvirtua a teoria darwiniana ao atribuir aoambiente um papel de selecionador da perfei-ção e, ao mesmo tempo, abre caminho para asvisões segregacionistas, que defendem que omundo é feito para os melhores, ao atribuir às

diferenças qualidades – valores como: melho-res e piores, perfeitos e imperfeitos, bons eruins, adequados e inadequados, adaptados e

desadaptados, etc. Apesar destes problemas do modelo es-tatístico de classificação, ele é utilizado até aatualidade para dizer quem é “normal” e/ou“anormal” ou “transtornado”. Banaco, Za-mignani e Meyer (2010) apontam os manuaisdiagnósticos, tais como a Classificação Inter-nacional de Doenças – CID e o Manual Diag-nóstico e Estatístico de Transtornos Mentais –DSM, como expressões dessa visão.

Por acreditar que os padrões de com-portamento de um indivíduo decorrem doentrelaçamento dos processos de variação eseleção nos seus três níveis – filogenético, on-togenético e cultural – a análise do comporta-mento não compreende nenhuma forma decomportamento como “psicopatológico”,“desadaptativo” ou “anormal”. Se os compor-tamentos são selecionados por suas consequ-ências, pode-se dizer que todo comportamen-

to é normal, no sentido de que é selecionado.Como afirma Skinner (1959), aqueles com-portamentos tidos como “patológicos” decor-rem de variação e seleção como todos os ou-tros.

Na tentativa deencontrar uma for-ma diferente de lidarcom esses fenômenoscomportamentais, a

análise do comporta-mento dá ênfase àanálise de contingên-cias (avaliação fun-cional), entendendoque alguns compor-tamentos merecemmaior atenção do clí-nico ou do profissio-nal de saúde não por-que sejam “patológi-

A análise do com-portamento dáênfase à análise decontingências (ava-liação funcional),entendendo que al-guns comportamen- tos merecem maioratenção do clínicoou do profissional desaúde, não porquesão “patológicos”ou “anormais”,mas porque violamexpectativas sociaise consequente-mente trazem maiorsofrimento àquelesque os apresentamou àqueles que comeles convivem.

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100  Borges, Cassas & Cols.

cos” ou “anormais”, mas porque violamexpectativas sociais e, consequentemente, tra-zem maior sofrimento àqueles que os apre-

sentam ou àqueles que com eles convivem. Aanálise do comportamento propõe que essespadrões comportamentais sejam analisadoscomo déficits ou excessos comportamentais.Esses comportamentos seriam mantidos porcontingências de reforçamento em um nívelque justificaria sua manutenção, mas produ-zindo, ao mesmo tempo, punição, com ma-nifestações emocionais intensas, gerando so-frimento para a pessoa que se comporta (Fers-

ter, 1973). Desta forma, a análise docomportamento utiliza o critério do sofri-mento para definir se um comportamentomerece ou não uma atenção “especial”: é o so-frimento que a pessoa que se comporta/ma-nifesta, ou os que estão ao seu redor estãosubmetidos, que justificaria o seu estudo e abusca do seu controle. Para Sidman(1989/2003), os chamados “transtornos psi-

quiátricos” são pro-

dutos de uma socie-dade coercitiva, quepuniria alguns tiposde comportamentoque lhe são adversos.

 Algumas formas deadaptação à coerçãoseriam caracterizadaspor respostas de fugae esquiva que interfe-

rem no funciona-mento cotidiano dapessoa, o que leva ao

desajustamento social e à capacidade reduzi-da para engajamento construtivo, implican-do em custos pessoais e sociais severos.

> CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para a análise do comportamento, “transtor-nos psiquiátricos” são da mesma natureza que

“problemas clínicos”, ou seja, são comporta-mentos resultantes da interação entre o indi-víduo e seu meio. Tais padrões comporta-

mentais se desenvolvem a partir do entrelaça-mento de três níveis de variação e seleção:filogenético, ontogenético e cultural.

 Assim, os transtornos mentais podemser considerados como respostas normais parasituações extremas ou “transtornadas” (adver-sa) (Falk e Kupfer, 1998). Desse ponto de vis-ta, de acordo com a concepção da análise docomportamento, o fenômeno comportamen-tal tratado como “transtorno mental” seria

um padrão comportamental selecionado aolongo da história de interação entre as respos-tas emitidas pelo indivíduo e os efeitos am-bientais delas decorrentes (que as seleciona-ram), e a ciência que teria melhores ferra-mentas e condições de explicá-lo e manejá-loseria a Análise do Comportamento.

Partindo desse pressuposto, o clínicoanalítico-comportamental faz análises de con-tingências (avaliações funcionais) buscando

identificar tais relações funcionais responsáveispelo desenvolvimento e, principalmente, ma-nutenção desses pa-drões comportamen-tais, para posterior-mente intervir sobreesses padrões.

Os objetivosterapêuticos seriambuscar novas formas

de interação entre oindivíduo e seu meio,minimizando esti-mulações aversivaspresentes nessas rela-ções e aumentandoestimulações apetiti-vas – diminuindo,assim, o sofrimentodo indivíduo de for-

ma direta ou indireta(quando diminui a

Os objetivos tera-pêuticos seriambuscar novas formasde interação entre oindivíduo e seu meio,minimizando esti-mulações aversivaspresentes nessasrelações e aumen-

 tando estimulaçõesapetitivas — dimi-nuindo, assim, osofrimento do indiví-duo de forma diretaou indireta (quandodiminui a estimula-ção aversiva queseu comportamentoproduz aos outrose estes por conse-quência diminuemas punições dire-

cionadas aos seuscomportamentos).

Algumas formas deadaptação à coer-ção seriam caracte-rizadas por respos- tas de fuga e esquivaque interferem nofuncionamentocotidiano da pessoa,o que leva a desajus- tamento social e àcapacidade reduzidapara engajamentoconstrutivo, impli-

cando em custospessoais e sociaisseveros.

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Clínica analítico-comportamental 101

estimulação aversiva que seu comportamentoproduz aos outros e estes, por consequência,diminuem as punições direcionadas aos seus

comportamentos).

> NOTA

  1. Para uma melhor compreensão a respeito do mode-lo de seleção por consequências, sugere-se a leiturado Capítulo 7.

> REFERÊNCIAS

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Encontros iniciais, contratoe avaliações do caso 10  Avaliação funcional como ferramenta

norteadora da prática clínica Jan Luiz Leonardi, Nicodemos BatistaBorges e Fernando Albregard Cassas

 11  A apresentação do clínico, o contrato ea estrutura dos encontros iniciais naclínica analítico-comportamental

  Jocelaine Martins da Silveira

 12  A que eventos o clínico analítico-comportamentaldeve estar atento nos encontros iniciais? Alda Marmo

 13  Eventos a que o clínico analítico-comportamental deveatentar nos primeiros encontros: das vestimentas aosrelatos e comportamentos clinicamente relevantes

  Fatima Cristina de Souza Conte e Maria Zilah da Silva Brandão

 14   A escuta cautelosa nos encontros iniciais: aimportância do clínico analítico-comportamental ficarsob controle das nuances do comportamento verbal

  Ghoeber Morales dos Santos, Maxleila Reis Martins Santos

e Vívian Marchezini-Cunha

Intervenções em clínicaanalítico-comportamental 15  O uso de técnicas na clínica analítico-comportamental  Giovana Del Prette e Tatiana Araujo Carvalho de Almeida

 16  O papel da relação terapeuta-cliente para aadesão ao tratamento e à mudança comportamental

  Regina C. Wielenska

 17  A modelagem como ferramenta de intervenção Jan Luiz Leonardi e Nicodemos Batista Borges

PARTE II

Clínica analítico--comportamental

SEÇÃO I

SEÇÃO II

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104   Borges, Cassas & Cols.

 18  Considerações conceituais sobre o controlepor regras na clínica analítico-comportamental

  Dhayana Inthamoussu Veiga e Jan Luiz Leonardi

 19  O trabalho com relatos de emoções esentimentos na clínica analítico-comportamental João Ilo Coelho Barbosa e Natália Santos Marques

Psiquiatria, psicofarmacologiae clínica analítico-comportamental 20  A clínica analítico-comportamental em

parceria com o tratamento psiquiátrico  Maria das Graças de Oliveira

 21  Considerações da psicofarmacologiapara a avaliação funcionalFelipe Corchs

Subsídios para o clínicoanalítico-comportamental 22  Considerações sobre valores pessoais

e a prática do psicólogo clínico  Vera Regina Lignelli Otero

 23  Subsídios da prática da pesquisa paraa prática clínica analítico-comportamental

  Sergio Vasconcelos de Luna

PARTE II

Clínica analítico--comportamental

SEÇÃO III

SEÇÃO IV

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 Avaliação funcional é a identificação das rela-ções de dependência entre as respostas de um

organismo, o contex-to em que ocorrem(condições antece-dentes), seus efeitosno mundo (eventosconsequentes) e as

operações motivado-ras em vigor.1 Ela é aferramenta pela qualo clínico analítico--comportamental in-terpreta a dinâmicade funcionamento

do cliente, a qual o levou a procurar por tera-pia, e que determina a intervenção apropria-da para modificar as relações comportamen-

tais envolvidas na queixa. Em poucas pala-vras, é a avaliação funcional que permite a

compreensão do caso e que norteia a tomadade decisões clínicas.

Uma avaliação funcional tem quatroobjetivos, a saber:

 1. identificar o comportamento-alvo e as con-dições ambientais que o mantém;

 2. determinar a intervenção apropriada;

 3. monitorar o progresso da intervenção; 4. auxiliar na medida do grau de eficácia e

efetividade da intervenção (Follette, Nau-gle e Linnerooth, 1999).

> ETAPAS DAAVALIAÇÃO FUNCIONAL

 A avaliação funcional de determinado com-

portamento pode ser dividida em cinco eta-pas (Follette, Naugle e Linnerooth, 1999):

ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  Definição de avaliação funcional .>

  Objetivos da avaliação funcional na clínica.>

  Etapas da avaliação funcional.>

  Elementos da avaliação funcional.>

  Elementos “suplementares” para planejar a intervenção.

  Avaliação funcional como 10 

ferramenta norteadorada prática clínica Jan Luiz Leonardi

Nicodemos Batista BorgesFernando Albregard Cassas

Avaliação funcionalé a ferramentapela qual o clí-nico analítico--comportamental: in- terpreta a dinâmicade funcionamento do

cliente que o levou aprocurar por terapiae que determina a in- tervenção apropria-da para modificar asrelações comporta-mentais envolvidasna queixa.

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106  Borges, Cassas & Cols.

 1. Identificação das características do clienteem uma hierarquia de importância clínica :levantamento das informações gerais da

vida do cliente, tanto presentes quantopassadas, o que inclui a queixa clínica e ospossíveis eventos relacionados a ela.

 2. Organização dessas características em prin-cípios comportamentais : organização dasinformações coletadas na primeira etapa, apartir das leis do comportamento (apre-sentadas na primeira parte deste livro), emque são identificadas as contingências ope-rantes e respondentes em vigor.

 3. Planejamento da intervenção: planejamen-to de uma ou mais intervenções com o ob- jetivo de modificar as relações comporta-mentais identificadas na etapa anterior.

 4. Implementação da intervenção: atuação clí-nica com o objetivo de modificar as rela-ções comportamentais responsáveis pelaqueixa do cliente, que pode envolver osmais variados processos (reforçamento di-ferencial, modelação, instrução, etc.).

 5.  Avaliação dos resultados : análise dos resul-tados que as intervenções produziram, oque inclui investigar se as novas relaçõescomportamentais se manterão no ambien-te cotidiano do cliente. Se os resultados

não forem satisfató-rios, a avaliação fun-cional deve ser reini-ciada.

É importanteobservar que as eta-pas apresentadas aci-ma são divisões didá-ticas que visam auxi-liar o clínico a orga-nizar seu trabalho.Na prática, essas eta-pas ocorrem conco-mitantemente ao lon-

go de todo o processode análise, sobretudo

porque o comportamento é plástico e multi-determinado. Além disso, vale apontar tam-bém que alguma intervenção pode ocorrer

nas etapas iniciais, pois, muitas vezes, não épossível interagir com o cliente sem que issoproduza certa mudança. Por exemplo, algu-mas perguntas que o clínico faz com o intuitode levantar informações podem, por si só, le-var ao aprimoramento do repertório de auto-conhecimento do cliente.

> ELEMENTOS DA

AVALIAÇÃO FUNCIONALComo foi apontado anteriormente, a avalia-ção funcional é o processo pelo qual o clínicoidentifica as contingências relacionadas àqueixa do cliente, sendo que o objetivo finalde toda avaliação funcional é promover o pla-nejamento de uma intervenção que produzaa mudança comportamental desejada.

O primeiro elemento a ser identificado

em uma avaliação funcional diz respeito àsrespostas envolvidas na queixa do cliente.Nesse momento, o clínico ainda não estábuscando pelos determinantes do compor-tamento-alvo, mas apenas descrevendo oque ocorre e como ocorre. Em geral, os pro-blemas relativos a essa parte da contingênciasão excessos comportamentais (lavar as mãoscompulsivamente, por exemplo), déficitscomportamentais (falta de habilidades so-

ciais, por exemplo) e comportamentos inter-ferentes (dificuldade em iniciar uma intera-ção social devido à maneira de se vestir, porexemplo).

Em seguida, com base nos vários even-tos relatados pelo cliente ou observados nainteração terapêutica,2 o clínico deve levantarhipóteses sobre quais processos comporta-mentais estão envolvidos nas respostas-alvoque compõem a queixa, que podem ser refe-

rentes a condições consequentes (reforçamen-to, punição, extinção, etc.) e antecedentes

A avaliação funcio-nal de determinadocomportamentopode ser dividida emcinco etapas:

1. Identificação dascaracterísticas docliente em umahierarquia de im-portância clínica;

2. Organização des-sas característi-cas em princípioscomportamentais;

3. Planejamento daintervenção;

4. Implementação daintervenção;

5. Avaliação dosresultados.

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Clínica analítico-comportamental 107

(discriminação, operação motivadora, equi-valência de estímulos, etc.). Para isso, o pro-fissional precisa identificar regularidades en-

tre as diversas experi-ências narradas pelocliente ou vivencia-das na interação tera-pêutica, sendo que,quando possível, es-sas relações identifi-cadas devem ser tes-

tadas, confirmando ou não suas existências. Algumas perguntas favorecem o levan-

tamento de informações sobre as consequên-cias produzidas por determinada resposta,tais como “O que acontece quando você fazisso?”; “Se você não o fizesse, o que acontece-ria?”; “Como você se sente depois que agedesta maneira?”. Outras perguntas contri-buem para a coleta de dados sobre os antece-dentes, tais como “Quando você se comportaassim?”; “O que você acha que te leva a agir(ou pensar) assim?”; “Como você estava se

sentindo antes de fazer isso?”.Outros recursos podem ser utilizados

além de fazer perguntas, como a observaçãodireta da interação terapêutica e a regularida-de (ou sua ausência) no discurso do cliente.Cabe ao clínico usar diferentes estratégiaspara levantar as informações necessárias paraa formulação da avaliação funcional.

É essencial destacar que todo o clínicodeve ser versado nos aspectos filosóficos, teó-

ricos e empíricos da análise do comporta-mento. É esse conhecimento que orienta o te-rapeuta a formular perguntas, criar hipótesese elaborar uma intervenção bem-sucedida.

> ELEMENTOS “SUPLEMENTARES”PARA PLANEJAR A INTERVENÇÃO

Em geral, a ênfase da avaliação funcional re-cai sobre o efeito específico e momentâneo devariáveis ambientais sobre determinada classe

de respostas – o que é designado pela literatu-ra de análise molecular  (Andery, 2010). Toda-via, o clínico deve ampliar a avaliação funcio-

nal englobando ou-tros aspectos quefavorecem o planeja-mento da interven-ção, como o históri-co de desenvolvi-mento do problema,a história de vida docliente não direta-mente relacionada à

queixa e a análisemolar do funciona-mento do cliente.

Histórico de desenvolvimento do comportamento--alvo: consiste no levantamento de informa-ções sobre o desenvolvimento do problema, oque permite ao clínico entender a constitui-ção da queixa e verificar as possíveis estraté-gias que já foram utilizadas e seus respectivos

resultados.História de vida do cliente não diretamente re-lacionada à queixa : trata-se da coleta de dados(mesmo que breve) acerca da história de vidado cliente, o que inclui seu desenvolvimentoinfantil, adolescência, relações familiares, re-lações sociais e culturais, estudo, trabalho,hobbies , etc. A identificação dos recursos exis-tentes na vida do cliente pode ser útil para oplanejamento da intervenção.

 Análise molar do funcionamento do cliente : con-siste na avaliação dos impactos que o problemaclínico está causando no funcionamento glo-bal do cliente. Para o clínico abranger essa am-plitude de análise, ele não deve se limitar àsquestões tradicionais como “Quais são as res-postas que fazem parte da classe?”, “Em quecontexto elas acontecem?”, “Quais são suasconsequências?”, “Com que frequência ocor-rem?”, etc. Apesar da enorme importância detais questões, é fundamental incluir perguntascomo “De que forma as pessoas reagem aos

O profissional preci-sa identificar regu-laridades entre asdiversas experiên-cias narradas pelocliente ou vivencia-das na interação terapêutica.

O clínico deveampliar a avaliaçãofuncional engloban-do outros aspectosque favorecem oplanejamento daintervenção, comoo histórico dedesenvolvimento doproblema, a históriade vida do clientenão diretamente

relacionada à queixae a análise molar dofuncionamento docliente.

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108  Borges, Cassas & Cols.

comportamentos do cliente, atualmente?”; “Oque aconteceria se estes comportamentos mu-dassem?”; “O ambiente cotidiano do cliente

pode prover conse-quências reforçadoraspara seu novo respon-der?”, etc. (Borges,2009). Todo indiví-duo possui um reper-tório comportamen-tal vasto em que a al-teração de uma únicaclasse de respostas

pode afetar todo osistema em diferentesgraus, sendo o papel do clínico analisar os efei-tos de cada mudança a curto, médio e longoprazos.

> CONSIDERAÇÕES FINAIS

O clínico analítico-comportamental analisa

os comportamentos funcionalmente, ou seja,examina como as relações entre o cliente e seuambiente se constituíram e se mantêm. Dessemodo, o clínico compreende os comporta-mentos-alvo sem emitir julgamentos de valore sem recorrer a explicações metafísicas, poisentende que aqueles comportamentos foramselecionados na história de vida do cliente.

O planejamento e implantação da in-tervenção são passos que sucedem à avaliação

funcional inicial. Não é aconselhável fazerqualquer intervenção sem que a primeira eta-pa seja elaborada, sob pena de fracasso doprocesso terapêutico. A intervenção só deveocorrer quando se conhecer sobre qual(is)pedaço(s) da contingência será necessário in-tervir – operação motivadora, estímulo dis-criminativo, classe de respostas, reforçador,etc. –, ou seja, quando o clínico souber qual éo “problema” que ocorre.

Este capítulo teve como objetivo explici-tar as etapas do processo clínico, a importância

de conduzir a avaliação funcional ao longo detodo este processo e apresentar os elementosque a compõem. Nos demais capítulos desta

seção do livro, o leitor poderá encontrar váriosoutros aspectos que merecem a atenção do clí-nico analítico-comportamental.

> NOTAS

  1. Há um longo debate sobre o termo mais apropriadoa empregar para se referir ao processo de identifica-ção das relações de dependência entre uma classe derespostas, os estímulos antecedentes e consequentes

e as operações motivadoras. Alguns termos propos-tos na literatura incluem análise funcional, avalia-ção funcional, avaliação comportamental e análisede contingências. Além disso, não há consensosobre as práticas que esses termos representam (cf.Neno, 2003; Sturmey, 1996; Ulian, 2007).

  2. Um maior aprofundamento de como fazer issoencontra-se nos demais capítulos desta seção dolivro.

> REFERÊNCIAS

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Leonardi, J. L., Rubano, D. R., & Assis, F. R. P. (2010).Subsídios da análise do comportamento para avaliação de

Todo indivíduopossui um repertóriocomportamentalvasto em que a alte-ração de uma únicaclasse de repostaspode afetar todo osistema em diferen- tes graus, sendopapel do clínicoanalisar os efeitosde cada mudança acurto, médio e longoprazos.

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Clínica analítico-comportamental 109

diagnóstico e tratamento do transtorno do déficit de aten-ção e hiperatividadde (TDAH) no âmbito escolar. In Con-selho Regional de Psicologia de São Paulo, & Grupo Inte-rinstitucional Queixa Escolar (Orgs.),  Medicalização decrianças e adolescentes: Conflitos silenciados pela redução dequestões sociais a doenças de indivíduos  (pp. 111-130). SãoPaulo: Casa do Psicólogo.

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O objetivo deste capítulo é apresentar medi-das e procedimentos adotados pelo clínicoanalítico-comportamental nos encontrosiniciais do tratamento. E, sempre que possí-vel, oferecer interpretações analítico-com-portamentais sobre os eventos mais frequen-

tes na relação terapeuta-cliente nesta fase daterapia.

Embora as sessões iniciais pareçam me-nos complexas que as mais avançadas na se-quência do tratamento, elas acabam sendodesafiadoras para os profissionais, mesmopara os mais experientes. Isto acontece, entreoutras razões, porque os clínicos ainda nãodispõem de informações suficientes para pre-ver o comportamento de seus clientes.

 Além do mais, há boas razões, indicadaspela literatura sobre psicoterapia, para dedicar

atenção especial aos primeiros encontros.Quando se trata de interação terapeuta--cliente, os resultados dos estudos fazem res-peitar o ditado popular segundo o qual a pri-meira impressão é a que fica . Há evidências deque eventos que ocorrem na fase inicial de

uma psicoterapia podem predizer sua duraçãoe o resultado do tratamento (Saltzman, Luet-gert, Roth, Creaser e Howard, 1976). Segun-do os autores, depois de três sessões, a viabili-dade da relação terapêutica está bastante evi-dente nas dimensões avaliadas no estudo.Certas dimensões aumentavam de frequênciana quarta sessão e voltavam a diminuir naquinta, o que levou Saltzman e colaboradores(1976) a interpretar esses dados sugerindoque não basta saber o que  o cliente experimen-ta ao longo da terapia, mas quando ele o faz.

 11  A apresentação do clínico,

o contrato e a estrutura dosencontros iniciais na clínicaanalítico-comportamental

 Jocelaine Martins da Silveira

ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  Vínculo terapêutico.>

  Contrato.>

  Cuidados éticos.>

  Motivação para a adesão ao tratamento.>

  Apresentação do clínico.>

  Fornecimento de informações e o acolhimento.>

  Estrutura dos encontros iniciais.

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Clínica analítico-comportamental 111

 As seções deste capítulo tratam de as-pectos que contribuem para o bom anda-mento dos encontros iniciais, incluindo a

promoção do vínculo terapêutico, a clarezado contrato, os cuidados éticos, a motivaçãopara a adesão ao tratamento, o fornecimentode informações e o acolhimento, que produzconforto e esperança em quem procurou oserviço psicológico.

> O CONTRATO

Os tratamentos clínicos, sejam na forma deuma psicoterapia ou de programas de aconse-lhamento e treinamento de habilidades, tradu-zem-se em compromissos e tarefas assumidas,tanto pelo clínico quanto pelo cliente.

Diversos eventos do contexto terapêuti-co podem ser utilmente interpretados em ter-mos de regras e autorregras (Meyer, 2005).De um ponto de vista analítico-comporta-mental, o contrato se aproxima de uma regra

estabelecida e manti-da pelo terapeuta eseu cliente, e a aquies-cência ou não a elapode indicar instân-cias clinicamente re-levantes do compor-tamento do cliente.Por exemplo: des-cumprir o pagamen-

to de honorários, hesitar quanto às garantiasdo sigilo, atrasar-se, adiantar-se ou faltar àssessões, etc.

 Ao trabalhar com clientes, cujo foco te-rapêutico é precisamente modelar o ajusta-mento a normas sociais, regras interpessoais erespeito ao outro, como com um grupo deadolescentes com problemas de delinquênciaou um grupo de crianças com comportamen-to opositor, os combinados podem ser escri-

tos em um quadro, que permanece visível du-rante todos os encontros. O descumprimento

de algum combinado ou o acréscimo de re-gras novas permite que, durante a sessão, clí-nicos e clientes se voltem para o quadro, len-

do, discutindo e escrevendo regras novas. Osclientes podem verificar no aqui/agora da ses-são as consequências para si e para os outrosdo seguimento ou do descumprimento de re-gras; podem também experimentar situaçõesnas quais regras precisam ser instituídas, parao bem-estar do grupo.

Tsai, Kohlenberg, Kanter e Waltz(2009) afirmam que aspectos muito relevan-tes do comportamento do cliente podem ser

notados em situaçõesrotineiras da terapia.Segundo os autores,situações tais como aestrutura do tempoda sessão e os hono-rários frequentemente evocam comporta-mentos clinicamente relevantes.

Faz parte daconduta do clínico

avaliar também, e issopode ser feito com aajuda de um supervi-sor, as instâncias deseu próprio compor-tamento em relação aos mesmos eventos. Porexemplo: se um cliente costuma se atrasar, éextremamente recomendável que o clínicoavalie como está consequenciando os atrasosrecorrentes (Tsai, Callaghan, Kohlenberg, Fol-

lette, Darrow, 2009; Wielenska, 2009).No momento do contrato, o profissional

garante o sigilo, combina os honorários e omodo de acertá-los, assim como sobre proce-dimentos quanto às faltas e reposições, além deestabelecer a periodicidade e a duração das ses-sões. Há ainda a necessidade de identificar acondição civil do cliente. Isto é, se o cliente forcriança, adolescente ou interdito, o contratorequererá a autorização de um responsável.

No Brasil, o Código de Ética, criadopela Resolução do CFP no  010/05, funda-

O contrato se apro-xima de uma regraestabelecida e man- tida pelo terapeutae seu cliente e aaquiescência ou nãoa ela pode indicarinstâncias clinica-mente relevantes docomportamento docliente.

Aspectos muito re-levantes do compor- tamento do clientepodem ser notadosem situações rotinei-ras da terapia.

Faz parte da condutado clínico avaliar também as instân-cias de seu própriocomportamento emrelação aos mesmoseventos.

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112  Borges, Cassas & Cols.

menta as questõeséticas e formais docontrato do clínico

com o seu cliente. Ocontrato, segundo odocumento, estabe-lece de comum acor-do entre o psicólogoe o cliente o objetivo,o tipo de trabalho aser realizado e as con-dições de realizaçãodeste, além do acor-

do quanto aos hono-rários.Na perspectiva

analítico-comporta-mental, o estabeleci-

mento do contrato é funcionalmente seme-lhante a contingências da vida do cliente quemodelaram seu comportamento de se com-prometer com objetivos finais. É esperado queclientes cujo problema clínico se relaciona com

falta de objetividade no trabalho ou descom-prometimento nos relacionamentos afetivosexiba o mesmo padrão de comportamentodiante da proposta do contrato terapêutico.

Um cliente cuja história de vida o tenhaensinado a se esquivar de compromissos, po-derá ser evasivo quando indagado pelo clíni-co sobre o que ele quer da terapia e como vêsua parte de contribuição nesse processo. Háclientes que transferem para o clínico toda a

responsabilidade do tratamento que se inicia;há os que depositam no clínico a expectativade poder sobre o sucesso do tratamento, ouainda os que tomam para si todas as tarefas,como se não pudessem contar com o terapeu-ta. Enfim, é importante observar o padrãocomportamental apresentado pelo cliente emrelação ao contrato porque seu comporta-mento é produto das contingências passadas.

Eventualmente, tem valor terapêutico

retomar o contrato, por exemplo, com um

cliente pouco comprometido, estabelecendocontingências para que ele expresse claramen-te sua posição em relação ao compromisso

com suas tarefas na terapia e se engaje no pro-cesso terapêutico. Ou, em outro exemplo, pe-dir para que o cliente relaxe e tente dividircom o clínico a responsabilidade pelo trata-mento. Ou, ainda, que procure pensar noprocesso terapêutico como algo sobre o qualambos, terapeuta ecliente, têm poder,em vez de creditarseu domínio exclusi-

vamente ao clínico. Algumas vezes,o cliente procura opsicólogo por indica-ção de alguém conhe-cido de ambos –cliente e terapeuta.De modo especialnesse caso, é pruden-te deixar claro o res-

peito ao sigilo e até mesmo, se for necessário,estabelecer combinados de procedimentos deproteção fora do contexto da sessão. Por exem-plo, o clínico pode propor “Vamos adotar umaatitude discreta se nos virmos no clube: vouacenar discretamente com a cabeça”. Ao asse-gurar e demonstrar o sigilo, o clínico estabele-ce contingências que, para alguns clientes, po-dem ser inéditas. Um pouco de tempo é neces-sário até que clientes com histórias de punição

do repertório de con-fiança comecem a re-latar experiências ad-versas, como, porexemplo, as de abusofísico, psicológico esexual. Clientes assimvão se expondo gra-dualmente à condição do sigilo e aprendem asentir confiança no profissional, o que é, em si

mesmo, um ganho terapêutico.

No momento docontrato, o pro-fissional garanteo sigilo, combina

os honorários e omodo de acertá-los,combina tambémsobre procedimentosquanto às faltas ereposições, além deestabelecer a perio-dicidade e a duraçãodas sessões. Háainda a necessidadede identificar a con-dição civil do cliente.Isto é, se o cliente

for criança, adoles-cente ou interdito, ocontrato requereráa autorização de umresponsável.

Algumas vezes,o cliente procurao psicólogo porindicação de

alguém conhecidode ambos. De modoespecial nesse caso,é prudente deixarclaro o respeito aosigilo e até mesmo,se for necessário,estabelecer combi-nados de procedi-mentos de proteçãofora do contexto dasessão.

Um pouco de tempoé necessário atéque clientes comhistórias de puniçãodo repertório de con-fiança comecem arelatar experiênciasadversas.

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Clínica analítico-comportamental 113

O sigilo é o elemento do contrato maisestreitamente ligado ao estabelecimento doassim chamado vínculo terapêutico. O com-

binado do sigilo estabelece contingência paraa intimidade. Segundo Cordova e Scott(2001), a intimidade, em uma visão analítico--comportamental, traduz-se pelo comporta-mento interpessoal vulnerável à punição.Trata-se do responder a uma pessoa, em con-dições funcionalmente semelhantes às que nopassado foram punidoras. É como se o res-ponder íntimo fosse um tipo de variação, jáque a tendência é repetir respostas de fuga/es-

quiva, em vez de emitir uma resposta “puní-vel”. Quando o outro não pune, mas reforçao comportamento de arriscar, diz-se que háintimidade. Se alguém já está abotoando o su-tiã da sogra , como descreve a expressão popu-lar que indica intimidade, é porque está fa-zendo algo muito arriscado, emitindo umaresposta “punível”.

Quando o cliente é criança, adolescen-te ou interdito, o clínico precisa, antes de

conduzir o tratamento, obter a autorizaçãode um responsável. “Interdito”, juridica-mente, significa incapacidade civil. Assim, ointerdito não pode reger-se e nem a seusbens, sendo representado normalmente porum parente designado por juízo.  Algumaspessoas diagnosticadas com transtorno psi-quiátrico de certa severidade encontram-senessa condição. Quando é esse o caso, o clí-nico deve zelar para que o responsável auto-

rize o tratamento.Quanto aos combinados sobre a perio-

dicidade e duração das sessões, o profissionalos faz com bastante liberdade, sendo um tan-to quanto flexível. Normalmente, se um casalou pais e filhos devem comparecer juntos àssessões, os encontros terão uma duraçãomaior do que os usuais 50 minutos. Alémdisso, é muito comum que nas primeiras ses-sões o cliente esteja enfrentando uma crise.

 Assim, ao avaliar os riscos e as necessidades

do caso, o clínico poderá propor duas ou maissessões semanais ou providenciar o serviço deacompanhamento terapêutico (veja capítulo

30). Há ainda a pos-sibilidade de realiza-ção de atendimentodomiciliar. A reco-mendação dos conse-lhos de psicologia éque o formato sejaeste quando a pessoaa ser atendida estiversem condição de se

locomover, devendoexpressar a vontadede receber o atendi-mento domiciliar.Os conselhos reconhecem a legitimidade des-te tipo de atendimento em situações específi-cas de algum tratamento clínico, em casos dedesignação judicial do psicólogo ou quandoeste atua em programas de saúde da família.

Em quaisquer dos casos, é importante

expressar claramente a frequência, a duraçãoe as condições em que as sessões serão realiza-das. Quanto ao pagamento, os conselhos dis-põem de uma tabela referencial de honorá-rios, a qual sugere valores, não estando o psi-cólogo obrigado a adotá-los. Muitos pro-fissionais apoiam-se nessa tabela para estabe-lecer o contrato de honorários com o cliente.

Em suma, o contrato e os elementosque ele especifica, tais como o sigilo, são in-

terpretados como possíveis contingências e,desse modo, presume-se que influenciam ocomportamento docliente desde os con-tatos iniciais. Saben-do disso, desde bemcedo, no curso dotratamento, o clínicoprovidencia arranjospara que o comportamento do cliente se alte-re em uma direção terapêutica.

É comum que assessões ocorramno mínimo uma vezpor semana, sendoampliado quando se tratar de casos queprecisam de maiorescuidados.Em alguns casos umacompanhamentomaior é exigido,assim, o terapeuta

poderá fazer usodo serviço deacompanhamento terapêutico.

Os conselhos dis-põem de uma TabelaReferencial deHonorários, a qualsugere valores, nãoestando o psicólogoobrigado a adotá-los.

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114   Borges, Cassas & Cols.

> A APRESENTAÇÃO DO CLÍNICO

Embora normalmente os relatos anedóticos

sejam unidirecionais, permanecendo focadosno comportamento e apresentação pessoal docliente, o primeiro contato terapeuta-clientetem um impacto importante para ambos. Oefeito do contato inicial sobre o clínico tam-

bém deve ser levadoem conta. Os senti-mentos e impressõesdo terapeuta em rela-ção ao cliente tanto

podem fundamentara formulação de hi-póteses importantespara a avaliação docaso clínico quantopodem instigar ques-tões para seu próprio

desenvolvimento pessoal (Banaco, 1993; Bra-ga e Vandenberg, 2006).

Em geral, no momento da apresenta-

ção do clínico, o profissional se mostra dis-ponível para responder às dúvidas do clientequanto a sua formação, sua orientação teóri-ca e até mesmo sobre características pessoais,tais como se tem filhos, se é casado, entreoutras.

 A primeira sessão é especial no sentidode que o clínico precisa consequenciar adequa-damente respostas do cliente que o surpreen-dem. Uma situação desse tipo foi vivida pela

autora na sessão inicial com uma mulher mui-to bonita. Ela disse, logo nos instantes iniciais:“Estou me submetendo à quimioterapia porcausa de um tumor na mama. O tratamento émuito desagradável, a boca fica seca e perditodo o meu cabelo. Veja aqui!”. O tempo paraela levar a mão na cabeça e mostrar como haviaficado parecia imensamente mais rápido doque aquele que a terapeuta precisava para en-saiar uma expressão tranquila.

Há várias outras revelações que os clien-tes preferem fazer logo nos instantes iniciais

para que a queixapossa ser entendidapelo clínico: “Bem,

primeiro você precisasaber que eu sou so-ropositivo por conta-minação vertical”;“Tentei suicídio hápoucos dias, por isso minha família me trou-xe aqui”; “Apaixonei-me por um colega dotrabalho e meu marido não sabe”; “Descobrique o meu atual companheiro está se aproxi-mando indevidamente de minha filha”. En-

fim, algumas condições ou eventos ocorridosrecentemente na vidado cliente se relacio-nam com a queixaque ele vai apresentare, por isso, eles nosrevelam nos instantesiniciais da sessão. Oclínico pode procu-rar supervisão para

conduzir as demaissessões iniciais ou até mesmo encaminhar ocaso a outro colega que julgue mais apto paralidar com aquelasquestões, se conside-rar que as revelaçõesdo cliente lhe são im-pactantes.

 As curiosidadesdo cliente sobre a

vida pessoal do clíni-co também podemtomar o profissional de surpresa. Frequente-mente, o cliente supõe que a experiência pes-soal do clínico favorece a compreensão doquanto está sofrendo. Às vezes, o cliente faz asperguntas para o clínico ou procura descobriro que quer, explorando indiretamente o as-sunto. São comuns perguntas do tipo: “Vocêtem filhos? De que idade?”; “Você é casada?”;

“Você é separada?”; “Você é católica?”; “Vocêconhece aquele bar GLS?”; “Você tem namo-

Os sentimentos eimpressões do te-rapeuta em relaçãoao cliente, tantopodem fundamentar

a formulação de hi-póteses importantespara a avaliação docaso clínico quantopodem instigarquestões para seupróprio desenvolvi-mento pessoal.

O clínico poderá sersolicitado a falarde sua formaçãoprofissional, orienta-

ção teórica e métodode trabalho, sendoindicado responderàs questões.

O cliente pode ounão revelar informa-ções importantes naprimeira sessão, issodependerá de muitascondições, porexemplo, o quantoele confia no clínicoe/ou o grau de sofri-mento dele, etc.

O clínico pode [edeve] encaminhar ocaso a outro colegaque julgue maisapto para lidar comaquelas questões,se considerar queas revelações do

cliente lhe sãoimpactantes.

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Clínica analítico-comportamental 115

rado?”; “Você é curitibana?”; “Você é beha-viorista?”.

Tsai, Kanter, Landes, Newring e Koh-

lenberg (2009) descrevem uma interação tí-pica de uma sessão inicial, a qual ocorreu en-tre a primeira autora, M. Tsai, e uma clientede 34 anos com queixa de depressão e hábitode fumar. A profissional respondeu às per-guntas da cliente a respeito de sua pessoa. Oobjetivo, nesse caso, era fomentar, desde estemomento inicial, interações genuínas e ínti-mas.

Terapeuta: “Eu quero responder qualquerpergunta que você tenha a meurespeito. Você não sabe muito ameu respeito”.

Cliente: “Eu vejo que você também estáafiliada à Universidade de Wa-shington, além de estar na clíni-ca particular. O que você fazlá?”.

Terapeuta: “Eu sou supervisora de clínica.

Supervisiono estudantes de gra-duação, dou aulas lá sobre a Psi-coterapia Analítico-Funcional –FAP e também estou envolvidacom programa de pesquisa”.

Cliente: “Ah. Legal”.Terapeuta: “Mais alguma pergunta sobre mi-

nha formação e experiência?” (p.151).

Então, M. Tsai relata um pouco maissobre sua experiência profissional e, depois,faz perguntas sobre a cliente. Não há uma re-gra sobre o modo ou o quanto um clínicodeve expor a seu próprio respeito para o clien-te. O que fundamenta sua conduta quanto aesse aspecto é o objetivo que ele tem em cadainteração.

Estudos sugerem que o modo como ocliente percebe o profissional é preditor de

sua adesão ao tratamento, ou seja, apresentacorrelação com o cumprimento das tarefas da

terapia (Sheel, Sea-man, Roach, Mulline Mahoney, apud  Sil-

veira, Silvares e Mar-ton, 2005). Esses da-dos fazem supor queo clínico precisa estaratento ao tipo de im-pressão que causa nocliente desde o pri-meiro encontro. Oscuidados quanto àapresentação pessoal do clínico, sua postura,

seus gestos e o modo como interage com ocliente devem expres-sar segurança, dispo-nibilidade afetiva,cordialidade, atençãoe competência.

 Assim como nocontrato, durante asinterações de apre-sentação do clínico,

interpretações sobre ocomportamento do cliente e de contingênciasque o mantêm podem ser feitas. Por exemplo,um cliente pouco afetivo, que se esquiva de re-lacionamentos íntimos e que faz isso adotandouma postura objetiva e resolutiva, pergunta aoprofissional: “Você é comportamental, não é?Eu procurei essa abordagem que não fica per-dendo tempo com bobagens. Sei que você vairesolver meu problema”. O clínico utiliza as

interações de sua apresentação ao cliente comobase para interpretações do problema clínico epara o estabelecimento de contingências paranovos repertórios que se aproximam das metasterapêuticas.

> A ESTRUTURA DOSENCONTROS INICIAIS

 Adotou-se neste capítulo a expressão “encon-tros iniciais” para designar um primeiro con-

É possível que ocliente faça per-guntas sobre a vidapessoal do clínico.Em tais situações, oprofissional poderáou não respondê-las,sendo um critério,possível, respondê--las se for terapêu- tico para o clientee se não causarconstrangimento aoprofissional.

Os cuidados quantoà apresentação pes-soal do clínico, suapostura, seus gestose o modo como inte-rage com o clientedevem expressarsegurança, disponi-bilidade afetiva, cor-dialidade, atenção ecompetência.

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 junto de sessões que se diferencia das seguin-tes por enfatizarem a apresentação entre oprofissional e o cliente, o estabelecimento do

contrato terapêutico e a coleta de dados – queresultará na formulação do caso clínico.Nas clínicas-escola, o clínico, em geral,

 já dispõe do relatório de uma triagem realiza-da com o cliente, antes do início da terapia, oqual oferece elementos para se preparar parainterações iniciais. Nas clínicas particulares, ocliente faz um contato telefônico para o agen-damento da sessão informando, na secretaria,se é autoencaminhado, indicado por alguém

conhecido ou ainda encaminhado por outrosprofissionais.Muitas vezes, o contato telefônico é feito

diretamente para o profissional. Segundo Tsai,Kanter, Landes, Newring e Kohlenberg (2009),até mesmo ainda durante o contato telefônicocom o cliente potencial o clínico pode iniciar oestabelecimento de um relacionamento inten-so, aproveitando que, muitas vezes, por meiodo contato telefônico, o cliente informa a ra-

zão por que está procurando terapia.Para o atendimento infantil, as clínicas

de treinamento costumam solicitar aos paisque compareçam sem a criança à primeira en-trevista, para, então, agendar a sessão com acriança, que será um tanto quanto planejadae estruturada (Silveira e Silvares, 2003).1 Sil-veira e Silvares (2003) apresentam uma listade atividades lúdicas e seus possíveis empre-gos nas sessões de entrevista clínica inicial

com crianças. Além disso, nesse próprio livroé possível encontrar uma seção inteira dedica-da ao trabalho com crianças (vide Seção I daParte III).

Os objetivos indispensáveis no primeiroencontro com o cliente, após o contato telefô-nico, são: acolher, promover confiança na pes-soa do terapeuta, instilar esperança quanto apossibilidades de mudanças e obter informa-ções relevantes sobre o grau de sofrimento e

sobre expectativas quanto ao tratamento que seinicia. Tsai, Kanter, Landes, Newring e Kohlen-

berg (2009) recomen-dam, entre as tarefasda primeira sessão, o

estabelecimento deum ambiente confiá-vel, seguro e que insti-le esperança.

É também omomento de identi-ficar riscos para ocliente ou para pes-soas próximas dele.Por exemplo, quan-

do há ideação suici-da, é importante sa-ber se o cliente moracom alguém ou setem rede de apoiosocial, e contatá-la, se necessário. Ou, emoutro caso, supondo que uma mãe relate sesentir deprimida a ponto de negligenciar oscuidados de seus filhos, os riscos para ascrianças precisam ser considerados e mini-

mizados rapidamente.Este primeiro contato constitui o início

da chamada Entrevista Clínica Inicial (ECI,Gongora, 1995) e não tem a pretensão deesgotá-la. Gongora (1995) e Silvares e Gon-gora (1998) apresentam um checklist para de-sempenho do clínico ao conduzir a ECI. AECI foca a queixa edados a ela relaciona-dos e identifica ex-

pectativas do clientesobre o tratamento.

 As perguntas abertasdo começo da ECIpermitem algo que seaproxima de um ope-rante livre. Ao deixarque o cliente fique àvontade para falar nocomeço da entrevis-

ta, o clínico terá umaamostra de compor-

Os objetivos in-dispensáveis noprimeiro encontrocom o cliente, após

o contato telefônico,são: acolher, pro-mover confiança napessoa do terapeuta,instilar esperançaquanto possibilida-des de mudanças,obter informaçõesrelevantes sobre ograu de sofrimento esobre expectativasquanto ao tratamen- to que se inicia. ... É

 também o momentode identificar riscospara o cliente oupara pessoas próxi-mas dele.

É preferível que noinício o clínico optepor fazer questões

abertas, facilitandorelatos mais amplosdo cliente, o quedará ao clínico umaamostra de como ocliente se comporta.Durante este períodoo clínico deve aten- tar ao que o clienteestá verbalizando, tanto seu conteúdocomo a função, alémde observar a forma

como ele age duran- te a entrevista.

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Clínica analítico-comportamental 117

tamentos. Assim, pode observar o que o clien-te verbaliza e faz, isto é, observa o conteúdo ea função das suas verbalizações. A ECI termi-

na com a decisão acerca da indicação ou nãodo caso para algum tratamento psicológico.O envolvimento de outra pessoa na en-

trevista é uma decisão a ser tomada nos con-tatos iniciais. Porexemplo, a avó, quepassa boa parte dotempo cuidando dacriança que foi leva-da à terapia, poderá

ser convidada parauma sessão e contri-

buir, fornecendo informações sobre a rotina eespecificidades do comportamento do netoem casa.

O passo seguinte é identificar relaçõescomportamentais mais estreitamente ligadasao sofrimento do cliente, aumentando acompreensão dos eventos já identificados naECI. Nessa fase, o cliente vai descrevendo os

eventos que o fazemsofrer, sua históriade vida, suas rela-ções na família ori-ginal e atual e possí-veis repetições do“problema” com pes-soas e ambientes dis-tintos, o que resultaem um autoconheci-

mento essencial para as fases seguintes dotratamento. Neste ponto, as informações einterações com o cliente diferenciam a quei-

 xa clínica  e o  problema clínico. Por exemplo,a queixa do cliente é “solidão”, mas o pro-blema de interesse clínico é o que o clientefaz que mantém um contexto que o faz sen-tir solidão.

Conforme Tsai, Kanter, Landes,Newring e Kohlenberg (2009), nas sessõesiniciais, o clínico tem o objetivo de se estabe-lecer como um potencial reforçador positivo,

para fundamentar um relacionamento autên-tico que influenciará a mudança clínica.

O cliente costuma falar sobre muitos as-

suntos durante os primeiros encontros e otempo da sessão, em geral, parece pouco. Oclínico pode aprovei-tar essa motivaçãopara falar, recomen-dando tarefas paracasa, tais como escre-ver uma autobiogra-fia, preencher inven-tários (que permitam esse tipo de aplicação),

responder a questionários, selecionar fotos desituações ou pessoas relacionadas ao tema quefoi tratado, etc. As peculiaridades do clientepodem ser exploradas para ajudar na avaliaçãoe gerar autoconhecimento. Por exemplo: umcliente que é escritor poderá ser convidado atrazer seus contos na sessão seguinte. O clínicopode pedir que os pais tragam o boletim dacriança, ou algum caderno, para completar acompreensão acerca do desempenho acadêmi-

co, enfim, diversos recursos externos à sessãopodem ajudar o clínico a compreender seucliente e a agilizar a coleta de dados. A resolu-ção CFP Nº 001/2009 dispõe sobre a obriga-toriedade do registro documental decorrenteda prestação de serviços psicológicos.

O evento do contexto terapêutico queindica a conclusão das sessões iniciais é oacordo entre terapeuta e cliente, tácito ou os-tensivo, quanto ao problema clínico e o reco-

nhecimento da importância de um posicio-namento ou plano de ação ante as dificulda-des apresentadas. Nesse momento, o clínicodispõe de informações sobre os principaiseventos componentes de uma interpretaçãoanalítico-comportamental do caso.

Concluindo, em um processo clínicoanalítico-comportamental, terapeutas e clien-tes se transformam mutuamente durante asinterações no contexto terapêutico, mesmonaquelas que parecem preliminares. Aoapresentar-se para o cliente e estabelecer o

O clínico deveidentificar quandofor necessário ounão envolver outraspessoas no processoclínico e tomar essadecisão juntamente

com o cliente.

O passo seguinte éformular a análisedo comportamento--alvo, ou seja, iden- tificar as relaçõescomportamentaisligadas ao sofrimen- to do cliente, e quepor vezes difere daqueixa apresentada.

As peculiaridadesdo cliente podemser exploradaspara ajudar naavaliação e gerarautoconhecimento.

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contrato do tratamento, o clínico observa einterpreta os comportamentos do cliente, sepossível promovendo, desde então, mudan-

ças terapêuticas. Quanto à estrutura das ses-sões iniciais, elas progridem da apresentaçãoentre terapeuta e cliente até uma compreen-são do problema clínico, possibilitando o pla-nejamento de intervenções futuras.

> NOTA

  1. Uma descrição didática da entrevista clínica inicialcom crianças e adultos pode ser encontrada em Sil-

vares e Gongora (1998).

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O título deste capítulo indica que, no iníciodo processo terapêutico, há elementos resul-tantes da interação entre o clínico e o clienteque merecem um olhar mais atento por partedos clínicos.

Levantar alguns dos eventos que ocor-rem no início do processo terapêutico é, ameu ver, uma reflexão sobre a prática tera-

pêutica, exercício imprescindível para o de-senvolvimento de um profissional da área.

 Apesar dos esforços dos mais experien-tes em planejar métodos e produzir conheci-mento acerca da prática clínica, sabemos que,para tornar-se clínico, é preciso clinicar, épreciso estar em contato, atento e aberto paraas possibilidades que a vida oferece ao “serhumano”.

Quero dizer aqui que para se tornar um

psicólogo clínico é necessário desenvolver umrepertório especial e específico. Esta forma-

ção ultrapassa todosos muros da gradua-ção, das especializa-ções e das pós-gra-duações – e tudo issose converte em umgrande desafio pesso-al. Na verdade, so-

mente aqueles que seaventuram nesta ex-periência poderão teruma real compreen-são a respeito do que se trata um processo te-rapêutico. Não basta dizer como se faz; é pre-ciso fazê-lo. Ler com maestria as obras dosgrandes especialistas não é atributo suficientenem oferece recursos necessários aos sutis de-talhes que o relacionamento com o cliente re-

quer, pois é o como nos desempenhamos ao apli-carmos a teoria que fará toda a diferença.

  A que eventos o clínico 12 

analítico-comportamentaldeve estar atento nosencontros iniciais?

 Alda Marmo

ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  Aspectos importantes para se tornar um bom clínico.>

  Relação terapêutica.>

  Eventos aos quais se deve atentar antes do início do trabalho.>

  Eventos aos quais se deve atentar no encontro inicial.>

  Como conduzir o encontro inicial.

Para se tornar umpsicólogo clíni-co é necessáriodesenvolver umrepertório especiale específico. Estaformação ultrapassa todos os muros dagraduação, das es-pecializações e das

pós-graduações – e tudo isso se conver- te em um grandedesafio pessoal.

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120  Borges, Cassas & Cols.

Para que possamos desempenhar bemnosso trabalho é preciso estarmos preparadose dispostos para permanecermos em constan-

te formação pessoal e conceitual, principal-mente no que dizrespeito à clínica ana-lítico-comportamen-tal, cujos alicerces es-tão fincados na pro-dução de novos co-nhecimentos, ora napesquisa básica, orana pesquisa aplicada.

Essas constata-ções só poderiam terse dado com o passar

do tempo, espaço que abriga a minha experi-ência – e aqui não falo somente dos anos pas-sados, mas principalmente de como forampassados. Atualmente, tenho a rica oportuni-dade de estar, diariamente, ao lado de cole-gas, discutindo, estudando, ouvindo e apren-dendo – fazendo trocas constantemente –,

cada um com a expe-riência do outro.

 Além disso, a experi-ência como supervi-sora, supervisionan-da e leitora assíduados mais variados ti-pos de literatura tam-

bém faz parte e contribui decisivamente parameu desenvolvimento como clínica analítico-

-comportamental. Hoje, reconheço que atédez anos atrás eu não sabia quase nada e quedaqui a dez anos saberei muito mais do quehoje!

Dentro desse contexto, convido-o a sedebruçar nas ideias que serão colocadas aqui,e desde já adianto que não há padrões ou nor-mas rígidas de procedimento, talvez apenasuma ou outra regra que contribua para o bomandamento do processo. No mais, é necessá-

rio um pouco de afinação com os sentidospara que, a partir desta leitura, seja-lhe possí-

vel refletir sobre seu desempenho como clíni-co e, assim, produzir alternativas para lidarcom as dificuldades encontradas no seu con-

sultório – que lhe adianto, existirão.

> O INÍCIO DO PROCESSO CLÍNICO

O início de um processo clínico é um mo-mento sui generis , em que duas pessoas quenão se conhecem se encontram e uma delasdeve se expor para a outra, a fim de conseguirajuda. É, a princípio, uma relação vertical, as-

simétrica, que implica uma relação de poder e,consequentemente, de controle por parte doclínico, já que, à medida que vamos construin-do a “relação terapêutica”, vamos nos tornan-do fonte de reforçamento para o cliente.

 A relação terapêutica não é uma relaçãocomum, do tipo habitual entre as pessoas –uma vez que não se faz uma troca de experi-ências como se faz, por exemplo, com umamigo ou familiar. Na clínica, pressupõe-se

que a intimidade docliente seja revelada– o cliente se tornaobjeto de observa-ção, avaliação e depossível “correção” –e, em um dado mo-mento, o clínico sa-berá mais do clientedo que o próprio

cliente, pelo menosno que se refere àfunção de seus com-portamentos. Só esseconjunto de variáveis já seria suficientementeforte para colocar qualquer relação em risco,mas não no caso do processo analítico.

Quase tudo o que diz respeito à análisepede sutileza em seu trato, pois carrega em sium tanto de complexidade, sobretudo por-

que há entre psicólogos uma tendência aoaprofundamento. Desta forma, segui o con-

Na clínicapressupõe-se que aintimidade do clienteseja revelada – ocliente se torna ob-jeto de observação,avaliação e de possí-vel “correção” – emum dado momentoo clínico saberámais do clientedo que o próprio

cliente, pelo menosno que se referea função de seuscomportamentos.

Para que possamosdesempenhar bemnosso trabalhoé preciso estar-mos preparadose dispostos parapermanecermos emconstante formaçãopessoal e conceitual,principalmente noque diz respeito à

clínica analítico--comportamental.

Alguns aspectosque tornam o clínicomelhor são: conhe-cimento da teoria,conhecimento geral,conhecimento de si,experiência profis-sional e supervisão.

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Clínica analítico-comportamental 121

selho de Guitton (2007), especialista nas ma-neiras de escrever e passar as ideias adiante,que diz: “Para se fazer compreender é preciso,

pois, decompor, tanto quanto se possa dizerapenas uma coisa de cada vez”; assim, separeiem dois momentos esta reflexão:

a) antes do início da análise;b) o encontro entre clínico e cliente.

> ANTES DO INÍCIO DA ANÁLISE

Há um tempo em que é preciso abandonar asroupas usadas, que já têm a forma do nossocorpo, e esquecer os nossos caminhos, que noslevam sempre aos mesmos lugares. É o tempoda travessia: e, se não ousarmos fazê-la, tere-mos ficado, para sempre, à margem de nósmesmos.

(Fernando Pessoa)

Chega um dado momento em que é preciso‘fazer diferente’ para que se possa colher dife-

rente – sempre digo a meus clientes que, seplantamos batatas, não adianta esperarmosque brotem maçãs!

Iniciar um processo analítico não é tare-fa fácil; é preciso dar-se conta de que há umproblema e que não se consegue resolvê-lo so-

zinho. Por si só, essa circunstância produz al-guma intensidade de sofrimento na pessoa.Parece-me que

todas as nossas triste-zas são momentos detensão que conside-ramos paralisias, por-que já não ouvimosviver em nossos sen-timentos que nos

tornaram estranhos.Porque estamos a sóscom um estrangeiroque nos veio visitar; porque, em um relance,todo sentimento familiar e habitual nos aban-donou; porque nos encontramos no meio deuma transição em que não podemos perma-necer. Eis porque a tristeza também passa: anovidade em nós, o acréscimo, entrou emnosso coração, penetrou no seu mais íntimo

recanto (Rilke, 1904/1993).Ninguém acorda de um dia para o ou-

tro disposto a investir tempo, dinheiro e de-

> QUADRO 12.1

Provável percurso percorrido para o início do processo analítico.1

Antes doinício daanálise

O encontroentre oclínico e ocliente

Cliente • O problema

 • A ideia da análise

 • A procura (indicação)

 • O contato

 • Postura

 • Qualidade do relato

 • Emoções

 • Expressões

 • Posicionamento frente ao contrato

 • Disponibilidade para os próximosagendamentos

Clínico

INDICAÇÃO • Receptividade e disponibilidade

 • Expectativa sobre o cliente/controle

 • Pontualidade

 • Receptividade

 • Interação/acolhimento

 • Contrato

 • Disponibilidade

Iniciar um processoanalítico não é tarefafácil, é preciso sedar conta de que háum problema e quenão se consegueresolvê-lo sozinho.Por si só essacircunstância produzalguma intensidade

de sofrimento napessoa.

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dicação em um tratamento psicoterápico sim-plesmente porque não tem outra coisa me-lhor a fazer; é preciso que alguma coisa

 justifique esta motivação. Assim, quando umproblema na vida de alguém perdura, a possi-bilidade de ‘fazer terapia’ aparece.

Schwartz e Flowers (2009) constatamque, atualmente, a psicoterapia é cada vez

mais aceita pelas pes-soas como uma ferra-menta útil e adequa-da para fazer frenteaos desafios que a

vida apresenta.Neste sentido,podemos dizer quepensar em um pro-cesso analítico é res-ponder diferencial-

mente, encobertamente e temporariamente.Falar em análise é aventar a possibilidade defazê-la, e daí para o encontro são só mais al-guns passos. A meu ver, essas são as etapas

iniciais de um processo terapêutico, é o iníciode um cuidado consigo mesmo: ainda não fa-zemos parte desse processo, mas isso é umaquestão de tempo.

O caminho nem sempre é direto, mui-tas pessoas devotam primeiramente sua con-fiança em um médico e frequentemente parte

dele a sugestão deiniciar o processoanalítico. Em outras

ocasiões, a sugestãovem daqueles que já,em algum momento,beneficiaram-se comos seus resultados.Como analista docomportamento, en-tendo que o clientenão conseguiu pro-duzir em seu am-

biente respostas capazes de produzirem con-sequências eficazes a ponto de mudar a

situação-problema que pro duz sofrimento, eemitir respostas na direção da análise é possi-velmente uma maneira alternativa de produ-

zir tais consequências.

A indicação

É importante ter ideia do caminho percorridopelo cliente para encontrar e escolher um clíni-co. A ideia e a procura pela análise geralmenteresultam na indicação de um outro clínico,seja por parte de terceiros, seja por acaso.

O telefone toca . É um possível cliente.

Trava-se o primeiro contato entre cliente epsicólogo. Note que as palavras “entre clientee psicólogo” estão sublinhadas. Por quê? Por-que este pode ter sido o primeiro contato di-reto, mas nem sempre pode ter sido o primei-ro contato do clínico com o cliente ou docliente com o clínico. A maneira como estecontato se deu pode produzir expectativas e,consequentemente, exercer algum controletanto sobre as respostas do cliente como do

clínico. Listarei algumas possíveis formas deencontros.

 Ao acaso – seu nome faz parte de uma lista,de um anúncio, de um rodízio; você não temideia de quem é nem de onde veio o cliente.Não houve uma indicação direta. Poderíamoschamar esta situação de ‘neutra’. O clientenão sabe quem você é e nunca ouviu falar so-bre o seu trabalho. Procura um psicólogo e,

por acaso, é você, mas poderia ser outro qual-quer. Da sua parte, não há nenhum tipo deconhecimento prévio da história do cliente.

Uma indicação feita por alguém com quem você não mantém contato – O relevanteneste caso é que, apesar de conhecer ou nãoquem fez a indicação, você não manteve con-tato com quem lhe indicou, portanto, nãoconhece a história da pessoa que virá a ser seucliente, não há expectativas específicas. Por

outro lado, não se sabe o que foi dito ao clien-te sobre você. Esta já não é uma situação tão

O cliente não conse-guiu produzir em seuambiente respostascapazes de produzirconsequênciaseficazes a ponto demudar a situação--problema queproduz sofrimento eemitir respostas nadireção da análise épossivelmente umamaneira alternativade produzir taisconsequências.

Podemos dizerque pensar em umprocesso analítico éresponder diferen-cialmente, encober- tamente e tempora-

riamente. Falar emanálise é aventara possibilidade defazê-la, e daí para oencontro são só maisalguns passos.

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neutra como a anterior, pois o cliente possi-velmente já tem expectativas a seu respeito,você não é só um psicólogo, mas tem um

nome que carrega alguma referência.

Uma indicação feita por alguém com quem você mantém contato – Nesse caso, você co-nhece e mantém algum contato com quemindicou o cliente. Esta é a circunstância me-nos neutra de todas. É bastante provável quequem lhe indicou o cliente tenha levado emconta vários aspectos de seu perfil pessoal eprofissional (o tipo de trabalho que você faz,

o valor de sua consulta, sua localização geo-gráfica, sua competência em casos anteriores,etc.) e avaliou que você é o mais indicado aajudar o cliente em questão. Geralmente, éum colega, psicólogo, psiquiatra ou alguémque conhece e gosta do trabalho que você faz.

 As razões para esta indicação geralmente lhesão explícitas junto com o aviso da indicaçãoe acompanham uma “breve” descrição docaso. Tenho colegas que dizem simplesmente

“Te indiquei um paciente”, e outros que di-zem “Te indiquei uma pessoa, é um amigo, éminha mãe, irmã, primo, marido, tio”, e as-sim por diante – todos estes aspectos findampor se caracterizar como variáveis relevantes obastante para produzir significativas expecta-tivas a respeito do futuro cliente e de sua con-duta diante dele. Nesta condição, é muitoprovável que seu cliente, amigo ou parente deseu “colega” vá fazer comentários a respeito

de você, e deve-se levar isso em conta, pois éum aspecto que, de certa forma, exerce “con-trole” no seu desempenho como clínico.

 Acredito que nenhum clínico trata me-lhor ou pior seu cliente porque ele veio de láou acolá, mas devemos ter conhecimento deque a “indicação” é uma variável que exerce,sim, controle sobre nosso comportamento,principalmente nos encontros iniciais. Certa-mente, é bastante diferente estar diante de

uma pessoa com quem você nunca teve ne-nhuma referência e estar diante da mãe, do

marido ou do colega de seu vizinho de sala –não é mesmo?

O contato

O primeiro contato entre cliente e analistageralmente é feito através do telefone. Nestecontato, pode ocorrer uma breve interação:na maioria das vezes,uma breve apresenta-ção e o agendamentode um horário. Noentanto, pode ocor-

rer uma interaçãomais extensa, princi-palmente quando opaciente está tão an-sioso pela consultaque vai tornando esse telefonema uma pré--consulta. Geralmente, neste caso, fico atentae peço que o cliente traga suas questões paraque conversemos no consultório, mas guardona manga “esta ansiedade”, trazendo-a de vol-ta em um momento oportuno. Agendamentode dia e de horário, mãos à obra! Prestouatenção em tudo o que aconteceu neste con-tato? Preste! Pois esse também é um eventoque faz parte dos encontros iniciais e quepode lhe ser útil para uma análise futura.

> O ENCONTRO ENTRE

CLÍNICO E CLIENTESeja qual for o motivo, a ordem ou a grande-za, o primeiro encontro tem sempre caracte-rísticas especiais. Um dia marcou hora, nooutro foi ao consultório. Abro a porta,aproximo-me, con-firmo nome e pessoa.Convido-o a entrar.Sentados, geralmen-te nossos olhares seencontram. Não sa-bemos como se dará

O contato telefônicoé o primeiro contatoentre cliente e pro-fissional e o clínicodeve ficar atento ao

que ocorre nestainteração. É a partirdaí que se começa acoletar informaçõespara a formulaçãodo caso.

É típico deixarmosa cargo do clienteo tom da conversa.Frequentemente umapequena introdução

é o bastante para quese inicie a história.

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esta narrativa, uma vez que é típico deixar-mos a cargo do cliente o tom da conversa.Frequentemente, uma pequena introdução é

o bastante para que se inicie a história.– Então o que te traz aqui? 

Certas PalavrasCertas palavras não podem ser ditas em

qualquer lugar e hora qualquer. Estritamentereservadas para companheiros de confiança,devem ser sacralmente pronunciadas em tommuito especial lá onde a polícia dos adultosnão adivinha nem alcança.

Entretanto são palavras simples: definem

partes do corpo, movimentos, atos do viverque só os grandes se permitem e a nós é defen-dido por sentença dos séculos.

E tudo é proibido. Então, falamos.(Carlos Drummond de Andrade)

Baseados no que já disse anteriormente,podemos ou não ter ideia do que virá pelafrente, mas, a partir deste momento, o casotoma outra forma – tornamo-nos expectado-res – agora, uma história será desenrolada

diante dos nossosolhos e isso faz mui-ta, muita diferença.

 A partir desse mo-mento, tem-se comoferramentas de traba-lho o olhar e a escu-ta, que devem estarsensíveis para a per-formance que se dá

ali, devem contem-plar todas as dimen-sões daquela narrati-va, tanto a sua formaquanto o seu conteú-

do, os quais se constituirão em nossa linhade base, em nossa referência a respeito docliente.

Como o cliente se senta? Seu olhar é ca-bisbaixo ou enfrentador? Como conta sua

história? É um início tímido, resguardado, ouum jorro de palavras ditas em tom alto e cla-

ro? Chora? Quando fala de quê? De quem?Olha no relógio?Como está vestido?

Cada cliente é umafonte inesgotável decombinações com-portamentais e paracada uma dessascombinações deve-mos ter um olharparticular e uma conduta apropriada.

Sempre digo que clínicos têm duas vi-sões distintas: os olhos de fora e os olhos de

dentro. Os olhos defora colhem os dados,enquanto os olhos dedentro, sempre fun-damentados por umreferencial teórico,devem estar atentospara ver o que não évisível, o que está noescuro, soterrado, es-

condido, por trás. Àsvezes, fecho meusolhos para ver me-lhor... é como se sobrepujasse um “gabarito”(conceitos teóricos) à fala do cliente, produzin-do um novo conhecimento a seu respeito.

Prestar atenção à fala do cliente é por sisó uma intervenção; a audiência de um clíni-co analítico-comportamental é interativa. Se-gundo destaca Skinner, (1953/2003) a psico-

terapia é uma agência (de controle) especial,na qual o clínico, ao se colocar desde o inícioem uma posição diferente dos demais mem-bros da sociedade, estabelece uma relação di-ferente de todas as outras que o cliente expe-rimenta. Veja um pequeno trecho do livro de

 Yalon (2009), no qual uma de suas pacientesrelata exatamente como se sentiu na primeiravez em que esteve diante de seu clínico:

Naquela primeira entrevista com ele, minhaalma se apaixonou. Eu consegui falar franca-

Cada cliente é umafonte inesgotável

de combinaçõescomportamentaise para cada umadessas combina-ções devemos terum olhar particulare uma condutaapropriada.

Clínicos têm duasvisões distintas: osolhos de fora e osolhos de dentro. Osolhos de fora colhemos dados enquantoos olhos de dentro,sempre funda-mentados por umreferencial teórico,devem estar atentospara ver o que não é

visível, o que está noescuro, soterrado,escondido, por trás.

Na sessão inicial tem-se como ferra-mentas de trabalho oolhar e a escuta, quedevem estar sensí-veis para a perfor-mance que se dá ali,devem contemplar todas as dimensõesdaquela narrativa, tanto sua formaquanto seu conteúdo

que se constituirãoem nossa linha debase, em nossareferência a respeitodo cliente.

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mente; podia chorar e pedir ajuda sem me en-vergonhar. Não havia recriminações me espe-rando para me escoltarem até em casa [...] Aoentrar no consultório, parecia que eu tinha li-cença para ser eu mesma (Yalon, 2009, p. 79).

O que vai proporcionar ao cliente essasensação e, ao mesmo tempo, tornar essa rela-ção díspar é o distanciamento que o clínicomantiver de qualquer tipo de controle aversi-

vo; por isso, deve-seestar sempre atentopara que a audiêncianão se torne puniti-va. Clínicos não fa-zem juízos de valor,tampouco interpre-tações a partir de seupróprio ponto de vis-ta. Tomar cuidadopara não cometer es-ses deslizes favorece

ao cliente expor seu comportamento, revelaro que sente e como sente. Inicialmente, o clí-nico deve conduzir a sessão de forma a deixarexplícita uma condição de acolhimento e depermissão, e deve ser prudente em emitir opi-niões e em oferecer regras. O início do pro-

cesso analítico exigecalma, a ânsia emquerer ajudar temmomento certo parase dar, e meter os pés

 pelas mãos  nesse mo-mento pode pôr todoo processo a perder.Via de regra, os pri-

meiros encontros são de acolhimento, de co-leta de informações e de preparação do am-biente terapêutico, favorecendo e aumentan-do as chances do retorno do cliente.

Onde você vê um obstáculo

 Alguém vê o término da viagemE o outro vê uma chance de crescerOnde você vê um motivo pra se irritar,

 Alguém vê a tragédia totalE o outro vê uma prova para sua paciência.Onde você vê a morte,

 Alguém vê o fimE o outro vê o começo de uma nova etapa...Onde você vê a fortuna,

 Alguém vê a riqueza materialE o outro pode encontrar por trás de tudo, ador e a miséria total.Onde você vê a teimosia,

 Alguém vê a ignorância,Um outro compreende as limitações do com-panheiro,percebendo que cada qual caminha em seupróprio passo.

E que é inútil querer apressar o passo do outro,a não ser que ele deseje isso.Cada qual vê o que quer, pode ou consegueenxergar.“Porque eu sou do tamanho do que vejo. Enão do tamanho da minha altura.”

(Fernando Pessoa)

É importante deixar a cargo do cliente o“tom da conversa”; entretanto, é importante

também ter em mente que esse primeiro en-contro deve ter “a entrevista” como fio con-dutor, como foco principal. Segundo sugerede Rose (1997), o olhar do clínico deve estardirecionado para as relações estabelecidas en-tre os eventos ambientais e as ações do orga-nismo em questão –a conduta, neste mo-mento, direciona-seprincipalmente na

facilitação da narrati-va e na coleta de in-formações relevantespara nossa compre-ensão e, consequen-temente, para inter-venções futuras.

Preste atenção em você!

Tão importante quanto olhar para o cliente éolhar para nós mesmos, um olho lá, um olho

Clínicos não fazemjuízos de valor nem tampouco fazeminterpretações apartir de seu pró-prio ponto de vista.Tomar cuidado paranão cometer essesdeslizes, favorece opaciente a expor seucomportamento, arevelar o que sente ecomo sente.

Inicialmente o clínicodeve conduzir a ses-são de forma a deixarexplícita uma condi-ção de acolhimentoe de permissão, deve

ser prudente ememitir opiniões e emoferecer regras.

Em um primeiroencontro o rumoda conversa é maislivre, deve-se deixar

o cliente conduzir.Todavia o clínicoestará atentando àsrelações que o clien- te estabelece entreseus comportamen- tos e as contingên-cias ambientais.

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cá! É importante que você se observe, queperceba o que sente diante daquele que está àsua frente, pois, em algum momento, vai de-

volver para ele a sua percepção que, por suavez, é uma valiosa oportunidade para o clien-te se ver através de outros olhos.

Sessão em andamento, nota-se que anarrativa do cliente sobre seu problema min-gua. Passaram-se aproximadamente cerca de10 minutos, e o cliente não sabe mais o quefalar, ou melhor, como falar. Tenha calma, éprovável que esta situação produza algum in-cômodo (tanto no cliente quanto em você),

mas, como nosso foco é a “entrevista”, é con-veniente que se façam perguntas – às vezes,isso não ocorre na primeira sessão, pois esta écheia de etapas a concluir, mas pode ocorrer apartir da segunda sessão: o cliente nos colocana posição de responsáveis pelo andamentoda sessão, o que de certa forma somos.

Chamo sua atenção aqui para a sagaci-dade que o clínico deve ter quando se deparacom tal situação. O que o cliente está tentan-

do lhe dizer?Muitas pessoas não sabem como se ex-

pressar, não têm habilidade em se auto-obser-var, tampouco usam palavras que correspon-dem aos seus sentimentos ou as circunstân-cias vividas. Sendo assim, é preciso planejar oaumento e a precisão do repertório verbal docliente, para que só um pouco mais adiante

seja possível enxergar junto com ele sua

verdadeira condição.Nesse sentido, é im-portante discriminaro quanto antes o queé esquiva e o que éfalta de repertórioverbal.

 A sessão vaichegando ao fim echega o momento do

contrato. É importante deixar claro para ocliente que esse é um processo que leva tempo

e depende, em gran-de parte, de sua pró-pria dedicação, por

isso a importância deum contrato bem fei-to e bastante esclare-cido. O momento docontrato é o momen-to no qual o clínicoimpõe limites de ho-rários, de disponibi-lidade e do valor daconsulta, sempre se

certificando de quetudo o que você im-pôs foi compreendi-do. Apesar de difícil,essa é uma rica opor-tunidade para ver o cliente se comportardiante dos limites impostos pelo outro.

 A introdução da variável monetáriaexerce grande poder sobre as pessoas; paramuitos clínicos, esse é um momento incômo-

do que vai se tornando mais fácil à medidaque o tempo passa e conforme se valoriza otrabalho desenvolvido. Regatear, diminuir ovalor do trabalho clínico são praxe, especial-mente para aqueles que nunca passaram porum processo analítico. Não os culpo, este nãoé um serviço barato e vivemos em tempos decrises econômicas; é preciso acreditar que esseinvestimento será vantajoso em longo prazo.

 Além da questão financeira, acerta-se a

disponibilidade de horários, outra variávelbastante importante, pois aqui vemos o clien-te rearranjar sua agenda em função da análise,avaliamos sua predisposição, seu entusiasmoou sua resistência. Claro que deve-se levar emconta a localização do clínico e o deslocamen-to do cliente: em uma cidade como São Pau-lo, nem sempre um atraso ou uma falta po-dem estar relacionados à resistência ou esqui-va da análise – estamos quase que diariamente

sob controle de variáveis incontroláveis comotrânsito e clima.

Quando o clínico

observa que o clienteapresenta certa difi-culdade de verbalizarseu problema, eledeve atentar se issose deve à falta derepertório do clienteou trata-se de umaresposta de esquiva.No primeiro caso, oclínico deverá mode-lar este repertório.

No final do primeiroencontro torna-senecessário apre-sentar um contrato

de trabalho parao cliente. Nele seestabelece as regrasque conduzirão o trabalho: se o clientecompreendeu tudoque foi estabelecidono contrato; se ocliente está dispostoa se envolver naque-le processo, que leva tempo e depende,em partes, de sua

própria dedicaçãoe observar comoo cliente lida comos limites impostospor ele.

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Concluo esta reflexão deixando às clarasque esses são apenas alguns dos eventos aosquais devemos atentar nos encontros iniciais.

Em se tratando de uma condição tão comple-xa como um processo analítico, muita coisapode acontecer e, como enfatizei no início, odesempenho do clínico será decisivo nessatravessia – no sentido de produzir no clienteuma mudança que o capacite a encontrar porsi próprio a solução para seu problema.

Nada posso lhe oferecer que não exista emvocê mesmo. Não posso abrir-lhe outro mun-do além daquele que há em sua própria alma.Nada posso lhe dar, a não ser a oportunidade,o impulso, a chave. Eu o ajudarei a tornar visí-vel o seu próprio mundo, e isso é tudo.

(Demian – Hermann Hesse, 1929/2008)

> NOTA

  1. O Quadro 12.1 apresenta os possíveis passos emiti-dos pelo cliente e pelo clínico para que seja iniciado

o processo psicoterápico. Podem ocorrer variações,mas, grosso modo, é assim que se dá.

> REFERÊNCIAS Andrade, C. D. de. Certas palavras . Acessado em 02 nov,2009, em http://memoriaviva.com.br/drummond/poema050.htm

Boaventura, E. (2007). Como ordenar as ideias  (9. ed.). SãoPaulo: Àtica.

Hesse, H. (2008). O lobo da estepe . Rio de Janeiro: Best-bolso. (Trabalho original publicado em 1929)

Pessoa, F. Onde você vê. Acessado em 02 nov, 2009, emhttp://www.alashary.org/analise_poetica_do_poema_de_fernando_pessoa_onde_voce_ve/

Pessoa, F. Travessia . Acessado em 02 nov, 2009, em http://www.pensador.info/autor/Fernando_Pessoa/5/

Rilke, R. M. (1978). Cartas o um jovem poeta . (9. ed.) SãoPaulo: Globo.

Schwartz, B., & Flowers, J. (2009). Como falhar na relação?Os 50 erros que os terapeutas mais cometem. São Paulo: Casado Psicólogo.

Skinner, B. F. (2003). Ciência e comportamento humano.São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicadoem 1953)

 Yalon, I. (2009). Vou chamar a polícia e outras histórias deliteratura . Rio de Janeiro: Agir.

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 As publicações sobre a fase inicial dos proces-sos terapêuticos analítico-comportamentaisgeralmente abordam a relação entre o clínicoe seu cliente e os procedimentos típicos de

avaliação clínica e sua fundamentação. Opropósito deste capítulo é relatar um conhe-cimento construído através da experiênciaclínica das autoras sobre o comportamentoinformal dos profissionais, sua equipe e seusclientes, presentes desde o momento em queo cliente chega à clinica psicológica até o iní-cio do processo propriamente dito.

> PRÉ-TERAPIA – OS BASTIDORESDE UMA SALA DE ESPERA

Entrando na clínica de análise de comporta-

mento, a sala de espera é a primeira parada,onde as primeiras interações in vivo se estabe-lecem. O que acontece lá pode ser altamenterevelador dos comportamentos do clínico edos clientes.

O cliente pode estar ansioso para enten-der qual a forma adequada de se relacionar nocontexto terapêutico, com as secretárias e pes-

 13  Eventos a que o clínico

analítico-comportamentaldeve atentar nos primeirosencontros: das vestimentasaos relatos e comportamentosclinicamente relevantesFátima Cristina de Souza Conte

Maria Zilah da Silva Brandão

ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  Eventos relevantes que ocorrem antes do atendimento.>

  Eventos relevantes durante os encontros iniciais.

Expectativas do cliente e do clínico.>

  Análise de comportamentos clinicamente relevantes (CRBs).

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Clínica analítico-comportamental 129

soas presentes na sala e com o impacto queseus problemas causarão no profissional.Também pode estar preocupado, e com ra-

zão, com a competência do clínico paraajudá-lo. Nesse contexto, não é difícil apare-cerem pensamentos e fantasias sobre o aten-dimento e sobre as pessoas e interações queacontecem na sala enquanto ele aguarda a suavez. Pensar sobre o que os outros estão pen-sando dele e quais os problemas que os trou-xeram ali é o mais frequente. As fantasias po-

dem ser do julga-mento e da avaliação

que as pessoas da salafazem dele, nestemomento.

Com o passardo tempo, o clientetende a relaxar, e suasinterações e capaci-dade de observar oambiente melhoram;o que vivencia nos

bastidores da clínica pode influenciar várioscomportamentos que ocorrerão na sessão:pode predispô-lo a agir de uma determinadamaneira em vez de outra, pode melhorar oupiorar suas dificuldades iniciais.

Como exemplo, temos o caso de umacliente que, embora já tivesse melhorado coma terapia, relatou que ter tido a oportunidadede observar os profissionais da clínica e seusestagiários aflitos e ansiosos às vésperas de um

congresso, em função de deixarem tarefaspara a última hora, fez com que ela achassenormais os seus próprios sentimentos de an-gústia e ansiedade às vésperas de sua defesa detese e de outros compromissos agendados.“Percebi que isto é normal, até os terapeutastêm!”, disse ela. A avaliação funcional do casodesta cliente havia revelado dificuldade em li-

dar com crítica, desaprovação, erros seus oudos outros. Ela apresentava esquiva e com-portamentos socialmente inapropriados fren-

te a várias situações que poderiam levar a isso. A experiência de bastidores favoreceu mu-danças.

Outro exemplo, que pode elucidarcomo os comportamentos da sala de esperapodem ajudar na identificação dos comporta-mentos clinicamente relevantes dos clientes(CRBs), como são denominados por Kohlen-berg eTsai (1991), é o caso de Eric, nome fic-tício do cliente que, embora sua queixa en-

volvesse assédio sexual no trabalho, apresen-tava comportamento de respeito exemplarnas sessões, gerando dúvidas com relação àinadequação comportamental. O relato dasecretária, porém, indicou que na sala de es-pera ela se sentia acuada perante o comporta-mento agressivo do cliente, que ameaçava pa-rar a terapia e ir embora caso a profissional seatrasasse para atendê-lo ou não o agendasseno horário pelo qual ele tinha preferência. A

secretária chegava a interromper a sessão an-terior à dele para pe-dir para a profissio-nal não se atrasar. Oconhecimento dessasatitudes deu condi-ções para o clínicointervir diretamenteno “aqui e agora” darelação terapêutica,

evocando os com-portamentos relevan-tes na sessão.

Em resumo, asala de espera pode seconstituir em umavariável independen-te importante e pro-

O que [o cliente]vivencia nos bastido-res da clínica podeinfluenciar várioscomportamentos queocorrerão na sessão:pode predispô-lo aagir de uma deter-minada maneira aoinvés de outra, podemelhorar ou piorarsuas dificuldadesiniciais.

A sala de esperapode se constituirnuma variável inde-pendente importantee produzir mudançano comportamentodos clientes, antesmesmo de começa-rem as sessões de terapia; ela também

dá dicas ao clínicosobre o comporta-mento do clientee, principalmentepode colaborar paraa certificação doscomportamentos cli-nicamente relevantesdo cliente, já obser-vados na sessão.

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duzir mudanças no comportamento dosclientes, antes mesmo de começarem as ses-sões de terapia; ela também dá dicas ao clíni-

co sobre o comportamento do cliente e, prin-cipalmente, pode colaborar para a certifica-ção dos comportamentos clinicamenterelevantes deste, já observados na sessão.

Na sala de espera, podemos ainda ob-servar a interação cooperativa entre os clien-tes quando há necessidade de ajuda mútuapara resolver problemas corriqueiros como,por exemplo, o do estacionamento que fechamais cedo, precisando que alguém da sala tire

o carro do outro que está em atendimento; hátambém clientes que erram o horário ou sãovítimas do engano das secretárias e se encon-tram na sala de espera para decidir quem vaiser atendido e quem vai embora; clientes quese conhecem e se encontram casualmente nasala de espera e são obrigados a assumir umpara o outro que estão fazendo terapia, e queacabam tecendo comentários sobre seu trata-mento; há os inimigos que se encontram e

descobrem que fazem terapia com a mesmapessoa e que um já falou do outro na sua ses-são; e muitos outros casos delicados ou engra-çados que nos surpreendem pela flexibilidadeou inflexibilidade de repertório comporta-mental do cliente para resolver estas questõesinusitadas de relacionamento e que se consti-tuem em oportunidade única de observaçãodireta do seu comportamento.

Uma história sobre os bastidores da clí-

nica psicológica e como esses fatos afetam ocomportamento do clínico e do cliente queestá sendo atendido, e dos que aguardam suasessão, aconteceu em uma tarde de 2004,quando uma das autoras estava atendendoum cliente com queixa de pouca confiançanos outros, baixa autoestima e pensamentos“paranoides”, e a secretária da clínica liga paraa sala da profissional para avisar que o delega-do da cidade e vários policiais haviam reco-

nhecido o cliente que estava com ela como oassaltante de várias salas daquele prédio, e

que eles invadiriam o local para pegá-lo. Aprofissional ouviu em silêncio, disse calma-mente para o cliente que ela precisava falar

com a secretária, foi até a sala de espera e dis-se para o delegado que ele estava enganado,que garantia que ele não era a pessoa procura-da e que não permitiria que ele falasse com ocliente. Permitiu apenas que olhasse a salasem falar com o cliente e com a concordânciadeste. Os clientes da sala de espera apoiarama profissional, que questionou sobre docu-mentos para fazer tal invasão na clínica, de-monstrando empatia.

O cliente demonstrou melhora ao con-fiar na profissional e permitir que o policialentrasse sem se sentir ameaçado por ele; osclientes que assistiram ao episódio foram paraas suas sessões modificados pela experiência epela garantia de sua segurança na sessão. Aprofissional se sentiu satisfeita por agir espon-taneamente, controlada por reforçadores na-turais envolvidos em ajudar o cliente.

 A ideia de desmistificar a sala de espera

da clínica psicológica veio como consequên-cia da aprendizagem de fazer terapia e, por-tanto, foi modelada por contingências advin-das do comportamento do cliente. Hoje, aomesmo tempo em que visamos destacar seupotencial terapêuti-co, a ideia faz partede um procedimentode quebrar regras econceitos que produ-

zem tensão, ansieda-de, medo de fazer te-rapia ou do analistaperfeito idealizadopelos clientes. Quemfaz análise é “normal” como qualquer um denós, clínicos ou leitores deste capítulo. Todos,sem exceção, temos problemas “psicológicos”no decorrer da vida, em alguns momentos,em função de algumas circunstâncias, e essa

percepção do coletivo ameniza um possívelconstrangimento de estar em análise.

Quem faz análiseé “normal” comoqualquer um de nósclínicos ou leitores.Todos, sem exceção,

 temos problemas“psicológicos” nodecorrer da vida, emalguns momentos,em função de algu-mas circunstâncias.

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Clínica analítico-comportamental 131

Não poupar o cliente das complicaçõesnormais de uma sala de espera é sempre umadecisão dos clínicos, que devem discutir essa

experiência com ele, e não pode ser confundi-do com negligência ou exposição constrange-dora do sofrimentodo cliente aos ou-tros.

O papel do clí-nico é atenuar o so-frimento do cliente,levando-o a ver oseventos externos que

estão gerando sofri-mento e dando forçaa ele para suportarsua dor e mudar suasações, na medida do

possível, para gerar contingências diferentesque possam produzir sentimentos mais agra-dáveis.

> O QUE DIZEM AS APARÊNCIAS?Dizem popularmente que as primeiras im-pressões são as que ficam. O que dizer da apa-rência física do clínico e do cliente? Será queela tem algum papel relevante na relaçãoterapeuta-cliente? Pensamos que a apresenta-ção física (aparência) do clínico é importantee pode influenciar nas percepções e análisesque o cliente faz do profissional: sendo este

muito vaidoso, por exemplo, pode provocarmedo no cliente, denão ser tão impor-tante para ele, e aque-les muito desleixadospodem passar a im-pressão de que nãoestão dando contanem da própria vida.

Quanto ao cliente, as vestimentas po-

dem ser vistas como uma das formas de suainserção no mundo e podem mudar de acor-

do com suas necessi-dades de aceitaçãopelo grupo. Elas tam-

bém podem oferecerao analista dicas so-bre o estilo de vidado cliente e sobre oimpacto que este de-seja causar no clíni-co.

Pensamos, naverdade, que é im-possível para clíni-

cos e clientes se apre-sentarem, por muito tempo, disfarçadoscompletamente daquilo que realmente são,em termos de seus padrões comportamen-tais. As diferentes situações se repetirão etrarão novamente à tona os comportamen-tos previamente observados. Assim, as apa-rências deverão ser suplantadas pela análisedo comportamento.

> AS EXPECTATIVAS DOSCLIENTES E CLÍNICOSNAS PRIMEIRAS SESSÕES

 A expectativa do cliente com relação à análisee ao clínico é outra variável importante a serconsiderada no início do trabalho. O clientepode estar tão ansioso que não ouve ou nãoobserva o comportamento do clínico, agindo

em função de suasexpectativas e não dainteração. Para exem-plificar, imagine umacliente que chega àprimeira sessão fa-lando muito sobresua queixa, e a clínicaquase não consegueinterromper para te-cer comentários oufazer perguntas. Ao

O papel do clínico éatenuar o sofrimentodo cliente levando--o a ver os eventosexternos que estãogerando sofrimentoe dando força a elepara suportar suador e mudar suasações na medida do

possível, para gerarcontingências dife-rentes que possamproduzir sentimentosmais agradáveis.

A apresentaçãofísica (aparência) doclínico é importantee pode influenciarnas percepçõese análises queo cliente faz doprofissional.

Quanto ao cliente, asvestimentas podemser vistas como umadas formas de suainserção no mundoe podem mudar deacordo com suasnecessidades deaceitação pelogrupo. Elas tambémpodem oferecer aoanalista dicas sobreo estilo de vida docliente e sobre oimpacto que desejacausar no clínico.

As expectivas docliente em relaçãoao trabalho clínicodeve ser considera-da pelo profissional.Assim como oclínico deve estarpreparado paraobservar as maisdiversas formas deagir que os clientespodem apresentar

neste primeiromomento.

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132  Borges, Cassas & Cols.

terminar a sessão, a cliente diz: “Eu não voucontinuar a terapia porque quero uma psicó-loga que fale, e não uma que fique só ouvin-

do”. É claro que ela foi embora sem deixar aprofissional responder.Concluímos que cada cliente, assim

como cada primeira sessão, é único e nãoachamos, previamente, um melhor modo denos comportar como analistas; toda flexibili-dade é pouca perante a diversidade do reper-tório comportamental de nossos clientes.

> O CLÍNICO FRENTE AFRENTE COM O CLIENTE

O conhecimento analítico-comportamentalcrescente tem desenhado uma tendência deintervenção clínica de aumento da comple-xidade da análise, que transcende a ênfasenas técnicas tradicionais e desafia o clínico ase comportar com os clientes, tornando ocontato direto uma oportunidade para a

ocorrência de mudanças comportamentaisrelevantes.

Como visto, asua relação com seusclientes começa, indi-retamente, antes daocorrência do primei-ro contato pessoal.

 Após isso, uma sériede condutas pessoais

deve ocorrer, favore-cendo o estabeleci-mento de uma rela-ção direta com osclientes que deve seroportunidade paraexpressão de senti-mentos, confiança eesperança de melho-ra, na qual seja veicu-lada uma teoria expli-cativa coerente sobre

os problemas e as intervenções propostas. Nes-ta direção, deve-se compartilhar a compreen-são de que o comportamento-queixa ou com-

portamento-alvo do cliente – por mais espan-toso ou doloroso que se apresente – representaa melhor adaptação comportamental que elepode fazer às contingências até o momento,ajudando-o a quebrar a fantasia de determina-ção interna de problemas psicológicos, geran-do (no cliente) sentimentos de aceitação e não

 julgamento, e abrindo caminho para a análisee mudança de contingências que afetam a suaconduta. Enfim, é hora de acolher, ser empáti-

co e dividir o conhecimento de que todo com-portamento é modelado por contingências fi-logenéticas, ontogenéticas e culturais.

Skinner (1953) lembra que o impactoinicial do clínico frente ao cliente está relacio-nado ao quanto ele consegue se constituir emuma fonte de reforçamento social. Posterior-mente, o poder doclínico aumentaria àmedida que o cliente

observasse nele a ca-pacidade de ajudá-loa diminuir seu sofri-mento, pelo decrés-cimo de suas reaçõesemocionais desagra-dáveis e pela mudan-ça de contingênciasaversivas. Reconhe-cendo o clínico como

audiência não puni-tiva e eficaz, é prová-vel que o cliente passe a apresentar, frente aele, os comportamentos que são passíveis depunição e que podem fazer parte dos seuscomportamentos-alvo. Ainda, o cliente ten-deria a aumentar sua aceitação das interpreta-ções do analista e a responder mais apropria-damente a quaisquer outras intervenções quedele adviessem.

Esse fenômeno, contudo, não é unidi-recional, como muitos já observaram. À me-

O clínico, ao longodos primeiros encon- tros, deverá encon- trar o momento certopara compartilhar,com o cliente, acompreensão que ocomportamento delepor mais bizarro quepareça, foi o mais

adaptativo que elepode emitir diante desua história. Aindanessa direção, oclínico auxiliará ocliente a desenvol-ver aceitação e nãojulgamento de seuscomportamentos, oque abrirá caminhopara a análise emudança das con- tingências das quais

o comportamento éfunção.

O clínico deveconstituir-se como

uma fonte dereforçamento social,através de uma audi-ência não punitiva.Com esse com-portamento, éprovável que ocliente comece aapresentar aquelescomportamentossocialmente punidose que podem estarrelacionados aocomportamento--alvo.

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Clínica analítico-comportamental 133

dida que a relação terapêutica se torna maissegura, assim como ocorre com os clientes, osclínicos também tendem a reagir aos com-

portamentos destes, em sessão, de acordocom seus padrões comportamentais. Um ana-lista que tende a ser mais exigente ou menosafetuoso, mais sério ou bem-humorado emsuas respostas, mais frequente ou intensa-mente responderia nessa direção, a exemplode como reage em outras relações sociais dasquais faz parte. E, se isso é o que é provável,não é o que deve acontecer sem autocrítica eobservação dos efeitos por parte do clínico, já

que seu comportamento, na interação com ocliente, tem comofunção promover suamelhora. O autoco-nhecimento do pro-fissional, sua capaci-dade de auto-obser-vação contínua, ahabilidade para serfonte sincera de re-

forçamento social, deestabelecer relaçõesconfiáveis e compro-metidas, sua ampli-tude e flexibilidadecomportamental etolerância emocional

parecem, portanto, quesitos pessoais alta-mente relevantes para o processo. Kohlenberge Tsai (1991) trazem uma proposta behavio-

rista radical de criação de uma psicoterapiaque tem como foco a relação terapêutica e, de

início, propõe aosclínicos que criem ouintensifiquem, emseu cotidiano, opor-tunidades para de-senvolver esse reper-tório. Colocam ain-da que as reaçõesprivadas do profis-sional ao cliente e seu

comportamento também merecem atençãocuidadosa, já que podem ser uma boa fontede informação sobre comportamentos clinica-

mente relevantes do cliente. Sentimentos detédio, irritação ou raiva por parte do clínicopodem indicar que, se o cliente está se com-portando com ele da mesma maneira comotende a se comportar com outros de seu entor-no, pode estar eliciando nestes sentimentosequivalentes. Isso se as respostas do clínico es-tiverem sob controle primordial dos compor-tamentos que o cliente apresenta naquele mo-mento! Portanto, fica aqui um dos fatores que

endossam a importância da psicoterapia pes-soal do clínico e da sua supervisão para os aten-dimentos. Esses são contextos para o aprendi-zado da discriminação dos estímulos que con-trolam seus comportamentos e das funçõesque seus comportamentos assumem nas inte-rações com os demais, e permitem o desenvol-vimento de habilidades de “usar” respostas pri-vadas, discriminativamente, em benefício doprocesso clínico e do cliente.

 Agindo dessa forma, mais cedo do queo esperado, o clínico pode identificar com-portamentos clinica-mente relevantes dosclientes na sua inte-ração com eles. Estarfrente a comporta-mentos clinicamenterelevantes que devemser fortalecidos não

deve gerar nenhumadúvida sobre o fato de que o clínico deve secomportar de forma a fortalecê-los. A mode-lagem de comportamentos desejáveis, atravésde reforçamento diferencial, é sempre a indi-cação mais apropriada para intervenção naclínica analítico-comportamental. Já quandoesses comportamentos fazem parte da classedo comportamento-alvo que devem diminuir– cujo apontamento poderia ajudar o clientea identificar os demais que fazem parte damesma classe em outras situações –, para

O autoconhecimentodo profissional,sua capacidade deauto-observaçãocontínua, a ha-bilidade para serfonte sincera dereforçamento social,de estabelecerrelações confiáveise comprometidas,sua amplitude eflexibilidade compor- tamental e tolerânciaemocional, parecemquesitos pessoaisaltamente relevantespara o processo.

As reações privadasdo profissional aocliente e seu com-portamento tambémmerecem atençãocuidadosa, já quepodem ser uma boafonte de informaçãosobre comportamen- tos clinicamente re-levantes do cliente.

A modelagem decomportamentosdesejáveis, atravésde reforçamentodiferencial, é semprea indicação maisapropriada paraintervenção naclínica analítico-

-comportamental.

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134   Borges, Cassas & Cols.

muitos clínicos, podeindicar uma oportu-nidade única de con-

fronto. Contudo,isso pode ser uma ar-madilha! Confrontarsempre implica apre-sentar, de algumaforma, uma estimu-lação aversiva. O co-nhecimento do re-pertório global docliente, a escolha da

estratégia e do mo-mento mais adequa-do são cuidados que tendem a minimizar aaversividade e aumentar a probabilidade deapresentação de uma boa resposta clínica porparte do cliente. A avaliação sobre a adequa-ção do confronto é sempre funcional e poste-rior, através da observação das consequências.Por vezes, confrontar pode exigir do clínicoautorrevelação, o que deve ocorrer sempre em

benefício do cliente e, portanto, na intensida-de e intimidade adequadas.

> AVALIAÇÃO/INTERVENÇÃO:OLHOS E OUVIDOS ATENTOS!

O instrumento geral-mente utilizado nosencontros iniciais é a

entrevista, que gerainformações verbais etambém respostas nãoverbais, coocorrentes,às quais o clínico ana-lítico-comportamen-tal deve estar atenden-do.

Zaro e colabo-radores (1980), entre

outros, traziam para a clínica comportamen-tal a proposta de observação informal do

comportamento docliente no setting  clí-nico. A forma como

o cliente relatava ouomitia, detalhava oudispersava as infor-mações requeridaspelo analista deveriaser observada e anali-sada quanto à suafunção e relação comos comportamentos--alvo. Kohlenberg e Tsai (1991) intensifica-

ram a proposta, acrescentando que, além deobservar e analisar os comportamentos docliente na relação, o clínico poderia discutircom ele tais constatações, transformando asessão de análise em um instrumento de ava-liação e intervenção clínica que por si produ-ziria mudanças comportamentais através darelação entre o profissional e o cliente. Quan-do a relação terapeuta-cliente representa umaamostra significativa das demais relações do

cliente com outros em situações extraconsul-tório, os ganhos obtidos ali, por generalizaçãoe equivalência, estender-se-ão para outroscontextos.

> AGINDO PARA QUE A FAPPOSSA SER REALIZADA

Os comportamentos de interesse, para a FAP,

são os que fazem parte da classe funcionalque tem relação com o comportamento-alvoe que ocorrem na sessão. Tais classes são iden-tificadas a partir das informações coletadas esão denominadas comportamentos clinica-mente relevantes ou CRBs 1, 2 e 3. Os CRBs1fazem parte da classe de comportamentos“problemas”; os CRBs2 se referem aos com-portamentos de melhora, geralmente incom-patíveis ou alternativos aos primeiros, en-

quanto os CRBs3 são as interpretações e aanálise apropriadas que o cliente faz a respei-

Confrontar sempreimplica apresentar,de alguma forma,uma estimulação

aversiva. O conheci-mento do repertórioglobal do cliente, aescolha da estraté-gia e do momentomais adequadosão cuidados que tendem a minimizara aversividade eaumentar a probabi-lidade de apresen- tação de uma boaresposta clínica por

parte do cliente.

Pode-se dizer queo clínico deveestar preocupado

com três aspectosnos encontrosiniciais: adesão aoprocesso clínico;estabelecer-se comouma audiência nãopunitiva e refor-çadora e formularhipóteses analítico--comportamentaissobre os comporta-mentos do cliente.

Quando a relação terapeuta-clienterepresenta umaamostra significativa

das demais relaçõesdo cliente comoutros em situaçõesextraconsultório, osganhos obtidos ali,por generalizaçãoe equivalência,estender-se-ão paraoutros contextos.

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Clínica analítico-comportamental 135

Podemos agrupar,os comportamentosclinicamente rele-vantes que ocorremna sessão, em trêsconjuntos: CRB1,respostas que fazemparte da classe decomportamentos“problema”; CRB2,respostas alterna- tivas às da classe“problema”, queindicam melhora;e CRB3, interpre- tações e análisesdo próprio clienteà respeito de seuscomportamentos.

to de seu própriocomportamento foraou dentro da sessão.

Os CRBs po-dem aparecer emmuitas situações, emuitas delas são co-muns ao contexto clí-nico, tais como a es-trutura da hora clíni-ca, a sala de espera,“erros” ou comporta-mentos não intencio-

nais do clínico, a ex-pressão de seu afeto,cuidado ou seu  feed-

back , etc. E qualquer resposta só será impor-tante por sua possível relevância clínica, e dis-cutir sua interação com o clínico não é tarefafácil para muitos clientes. Assim, os autores re-comendam que os clientes sejam introduzidosgradualmente neste processo, desde o início.Como ajuda, sugerem que os clínicos:

a) encorajem, valorizem as descrições docliente relacionadas com os estímulos pre-sentes no contexto terapêutico (por exem-plo, comentários sobre o clínico, o pro-cesso clínico, a relação terapêutica, etc.);

b) encorajem as comparações de comporta-mentos que ocorrem na sessão com os queocorrem na vida diária (por exemplo, afala de um cliente de que a ansiedade que

sentiu ao contar algo ao clínico foi similarà sentida ao falar com seu chefe), especifi-cando os estímulos de controle que sãocomuns aos dois momentos;

c) encorajem o cliente a fazer sugestões, quei-xas e pedidos diretos e objetivos (taiscomo “por favor, ligue pra mim mais de-pressa da próxima vez”), respondendo rea-listicamente às suas demandas e aprovan-do seu comportamento assertivo;

d) usem as descrições do cliente sobre o queocorre na sua vida como metáfora para

eventos que ocorrem na sessão, especifi-cando, por exemplo, se uma dada fala nãotraz um significado encoberto. Se o clien-

te comenta o quanto seu dentista é in-competente, o clínico pode investigar seele não está achando o mesmo dele (ana-lista), ajudando-o a ter uma resposta maisdireta e aversiva.

Na FAP, o clínico e seu comportamentopodem assumir as funções de estímulo elicia-dor, reforçador e discriminativo para os com-portamentos dos clientes. Uma vez que com-

portamentos clinicamente relevantes docliente ocorram e sejam modificados no con-texto clínico, eles poderão ser generalizadospara situações funcionalmente semelhantesimportantes, de fato, para o cliente. Não é arelação do clínico com o cliente o que, em úl-tima instância, importa.

> CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como vimos, o ambiente da clínica e da salade espera e os comportamentos da equipe edos clínicos, além de gerarem bem-estar aocliente, podem aumentar a probabilidade desua adesão ao processo psicoterápico e aju-dar na formação de conceitos “positivos”1 sobre a psicologia, a psicoterapia, a análise eo analista do comportamento e os demaisrelacionados. Trata-se, portanto, de criar

condições antecedentes que funcionemcomo operações motivadoras para compor-tamentos de vir, permanecer e confiar, e,ainda, estabelecer o clínico e seus comporta-mentos como estímulos discriminativos, eli-ciadores e reforçadores para o desenvolvi-mento do repertório do cliente que o apro-xima de suas metas terapêuticas. Isso não sefaz simplesmente seguindo regras, mas es-tando sensível às contingências. Parte delasse relaciona à compreensão de que o sofri-mento que o cliente traz vai além da queixa.

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136  Borges, Cassas & Cols.

Vir à análise nem sempre é uma decisão fá-cil, e muitos sabem que, na tentativa de so-frer menos, poderão passar por outra forma

de sofrimento, por ter que revelar compor-tamentos ou experiências passíveis de puni-ção social ou “reviver” cenas que geram res-pondentes desagradáveis. Embora possa pa-recer um privilégio ter o apoio de um clínico,há sempre um custo pessoal, financeiro emesmo social que acompanha cada cliente.

 A nossa cultura ainda hoje julga senti-mentos como “certos ou errados”, e banalizaa dificuldade de cada um em “ter ou não” e

“controlar ou não” os que são indesejáveis. Aimpressão que muitos clientes têm é que osmortais com quem convive, principalmente oanalista, podem controlar seus sentimentosatravés de uma ação direta que incida direta-mente sobre eles. Muitos aprenderam aconfundir-se sobre o seu próprio autoconcei-to e agregar a si mesmos rótulos generalizadosa partir de críticas recebidas.

Geralmente, os clientes se sentem infe-

lizes e cheios de comportamentos de fuga eesquiva, e o clínico deverá bloqueá-los, o quedeve ser feito de forma a minimizar o uso deestratégias aversivas e maximizar os reforça-dores naturais imbricados na relação terapêu-tica, uma vez que são esses que podem pro-mover inicialmente sentimentos relativos àfelicidade.

Enfim, não tivemos a pretensão de dis-correr sobre todos os aspectos que afetam as

queixas psicológicas e nem encaminhar solu-ções para todos os problemas que cercam asprimeiras interações terapeuta-cliente nocontexto clínico. Desejamos, sim, demons-trar que, quando nós, analistas do comporta-mento, recebemos um cliente, sabemos quehá muito mais em questão do que as regrasterapêuticas, a teoria ou a queixa ouvida na

primeira sessão. Também as nossas ações esuas consequências vão muito além das quesão planejadas, observadas, controladas, des-

critas ou desejadas! Nos mais diversos papéisque exercemos, nossas ações produzem mu-danças em cadeia nas nossas relações e nasdos outros à nossa volta. Sabendo disso, pro-curamos sempre, como clínicos, propagar epotencializar o efeito de ações “positivas” emtodos os contextos.

Esperamos tercooperado com algu-mas observações e

cuidados que nos pa-receram úteis, apren-didos nestas três dé-cadas de experiênciacompartilhada comoutros colegas daanálise clínico-com-portamental do Bra-sil. Nossa experiênciade convívio, como grupo, tem demonstrado

duas “verdades” que teoricamente sempreapregoamos: que é possível uma convivênciahumana intensa com poucos controles aversi-vos, e que o reforçamento natural vigente nasnossas relações de amizade aumenta nossossentimentos de alegria, autoestima e auto-confiança, assim como a nossa competência.Essas relações, na verdade, têm-nos ensinadocomo ser melhores clínicos!

> NOTA

  1. Ao longo do capítulo, será possível identificar, algu-mas vezes, o emprego do termo “positivo”. Como otermo é empregado pela análise do comportamentopara se referir à adição de algo, vamos utilizá-loentre aspas quando quisermos nos referir a umvalor, tal como: bom, agradável, etc.

É possível uma con-vivência humanaintensa com poucoscontroles aversivos,e que o reforça-mento naturalvigente nas nossasrelações de amiza-de aumenta nossossentimentos dealegria, autoestimae autoconfiança,assim como a nossacompetência.

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Clínica analítico-comportamental 137

> REFERÊNCIAS

Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (1991). Psicoterapia analítica funcional : Criando relações terapêuticas intensas e curativas .

São Paulo: ESETec.

Skinner, B. F. (1953). Ciência e comportamento humano.São Paulo: Martins Fontes.

Zaro, J. S., Barach, R., Nedelman, D. J., & Dreiblatt, I. S.(1980). Introdução à prática psicoterapêutica . São Paulo: EPU.

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Os encontros iniciais entre clínico e clienteexercem importantes funções para o processoclínico como um todo. São nesses primeirosencontros que o vínculo entre analista e clien-te será formado, serão coletadas informaçõesimportantes acerca da queixa do cliente – omotivo que o trouxe à terapia – e acerca da-

queles eventos e situações que se relacionamde alguma maneira à queixa. A partir das in-

formações obtidas nos encontros iniciais, oclínico formula hipóteses sobre os determi-nantes da queixa do cliente e o programa deintervenções, as quais serão realizadas poste-riormente.

 Ambas as funções dos encontros iniciais– interação e de coleta de dados – são constru-

ídas baseando-se principalmente nas intera-ções verbais estabelecidas entre analista e clien-

 14   A escuta cautelosa nos

encontros iniciais:a importância do clínicoanalítico-comportamentalficar sob controle das nuancesdo comportamento verbal

Ghoeber Morales dos Santos

Maxleila Reis Martins Santos

Vívian Marchezini-Cunha

1

ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  Os papéis de falante e ouvinte do cliente e do clínico.>

  A escuta terapêutica e seus efeitos clínicos.>

  Como o cliente tende a se comportar nos encontros iniciais.

Algumas formas pelas quais o cliente pode testar o clínico.>

  Audiência não punitiva como ferramenta clínica.>

  Os perigos da punição no contexto clínico.>

  O que investigar através da escuta terapêutica.>

  A análise do comportamento verbal no contexto clínico.>

  Principais operantes verbais emitidos no contexto clínico.>

  Análise de correspondência entre comportamento verbal e não verbal do cliente.>

  Análise das contingências que controlam os comportamentos do clínico e do cliente em suasinterações verbais.

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Clínica analítico-comportamental 139

te. Durante toda a sessão, existe alternância depapéis de falante e de ouvinte. Os comporta-mentos que esses papéis envolvem são impor-

tantes para a continuidade da interação verbale para o alcance dos objetivos da sessão. Falan-do (fazendo perguntas, relatando eventos, des-crevendo respostas abertas e encobertas, escla-recendo dúvidas) ou ouvindo, ambos funcio-nam como ambiente para o outro e vão aospoucos construindo uma relação (cf. Meyer eVermes, 2001; Skinner, 1953/2000).

Nos encontros iniciais, é comum o clí-nico limitar-se a fazer perguntas e indicar

compreensão do que é dito, intervindo pou-cas vezes com feedbacks  ou conselhos. Nessasprimeiras sessões, o analista pratica a maior

parte do tempo o quepode ser chamado deescuta ou audiêncianão punitiva. A au-diência não punitivaé uma escuta diferen-te, que envolve ob-

servação atenta aoque o cliente diz,

bem como expressão de respeito e compreen-são em relação ao que é dito. A escuta do clí-

nico, nos encontrosiniciais, pode produ-zir, por si mesma,efeitos benéficos parao cliente: ao fazerperguntas e ouvi-las

atentamente, o clíni-co pode ajudar ocliente a olhar maisclaramente para as si-tuações e seus senti-mentos. De maneiramais simples e fun-damental, a escutacautelosa do clínico

favorece o engajamento do cliente no proces-so terapêutico, uma vez que o fato de estarem terapia já é valorizado pelo profissional.

É exatamente por não haver sido cons-truída ainda uma relação sólida entre analistae cliente (já que uma relação se constrói por

uma história de reforçamento compartilhadapela díade) que o clínico deve apresentar, nosencontros iniciais, uma escuta bastante caute-losa. A busca por ajuda terapêutica é um pro-cesso que, por si só, merece atenção e análise.É um engano pensar que todo cliente traz,nos encontros ini-ciais, uma descriçãoampla e fidedigna desua história, de sua

situação atual e desuas reflexões e hipó-teses acerca de suaqueixa. Deve-se lem-brar que o cliente, aobuscar por ajuda psicológica, depara-se comuma situação que, para muitos, nem sempreé confortável: expor-se a uma pessoa desco-nhecida, relatando suas dificuldades, limita-ções, apreensões, falhas, etc.

Nessa situação, é esperado que o clientese sinta receoso, afinal, ele está relatando as-pectos de sua vida que não são tidos como“positivos” pelas pessoas de seu convívio. As-sim, estaria o clínico, de fato, preparado paraouvir e compreender o que o cliente tem a di-zer? Esta é uma pergunta que muitos clientesse fazem quando começam um processo deanálise. Esse receio do cliente pode ser expli-cado pelo fato de o clínico também fazer par-

te de uma sociedade com valores e crenças es-pecíficas a respeito da vida.

Não seria confortável para o cliente, aoprocurar um profissional para ajudá-lo a lidarmelhor com questões que lhe trazem sofri-mento, sentir-se dealguma forma rotu-lado pelo clínicocomo “inadequado”,“fraco”, “sem valor”,“fútil”, “malvado”,“egoísta”, etc. Por-

Nos encontrosiniciais é comum oclínico se limitar afazer perguntas eindicar compreensãodo que é dito, inter-vindo poucas vezescom feedbacks  ou

conselhos.

A audiência nãopunitiva pode promo-ver: fortalecimentodo vínculo entrecliente e clínico; trazer alívio de sofri-

mento, ao se sentiracolhido; promoverautoconhecimento,ao atentar para asrespostas que dá àsquestões feitas peloclínico; e, engaja-mento no trabalho,em decorrência de todos os fatoresacima.

É um engano pensarque todo cliente traz,nos encontros ini-ciais, uma descriçãoampla e fidedignade sua história, desua situação atual ede suas reflexões ehipóteses acerca desua queixa.

Não é raro observarclientes testando atéque ponto podem,de fato, relatar com tranquilidade as

questões que osincomodam.

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tanto, não é raro observar clientes testando2 até que ponto podem, de fato, relatar comtranquilidade as questões que os incomodam.

Tais “testes” podem ser ilustrados por com-portamentos como:

a) Relatar apenas trechos de situações poreles vivenciadas (nesse caso, trechos queinicialmente contenham poucos conteú-dos que em sua história foram punidospor pessoas que fazem parte de sua vida –pais, irmãos, namorado(a), amigos, cole-gas de trabalho, etc.). Exemplo: um clien-

te que está considerando a possibilidadede comprar uma carteira de motoristapode dizer, de início, que tem encontradodificuldades em passar no exame de dire-ção e que, nessas situações, a vontade quesente é de comprar uma carteira.

b) Falar de problemas pessoais, porém,utilizando-se de outras pessoas para tal:Exemplo: dizer que uma amiga, depois detanto tentar passar no exame de direção,

acabou desistindo e comprou a carteira.c) Falar de problemas pessoais, porém,utilizando-se de material divulgado emtelejornais, revistas semanais ou outrosmeios de comunicação para tal. Exemplo:comentar na sessão sobre a reportagem daTV sobre a apreensão de pessoas que com-praram carteiras de motorista.

d) Perguntas diretas, ao analista, sobre a opi-nião e posicionamento dele em relação a

certos assuntos. Exemplo: um clientepode, antes de dizer que está pensandoem comprar uma carteira de motorista,sondar diretamente a opinião do clínico arespeito de comportamentos rotuladospela sociedade como “não éticos” ou “er-rados”.

e) Relatar ao clínico atitudes que tem pensa-do em tomar, mas, logo em seguida, ex-plicitar que, apesar de pensar em emitir

tais respostas, sabe que é errado e que nãofaria isso. Exemplo: o cliente diz: “Está

tão difícil passar no exame de direção, eeu já gastei tanto dinheiro com isso que,às vezes, me dá vontade de comprar uma

carteira de motorista! Mas eu sei que issoé errado, então, eu nunca faria isso!”.

Em todas essas situações, o cliente podeaveriguar como o clínico responde. Ou seja,investigar se o profissional age de forma simi-lar ao modo como outras pessoas de seu con-vívio fazem (punindo essas respostas – atravésde críticas, piadinhas maldosas, humilhações,repreensões verbais, etc.) ou se ele adota uma

postura diferenciada, no sentido de acolher enão julgar suas atitudes. Essa segunda posturado clínico se refere ao que, na análise do com-portamento, é chamado de audiência não pu-nitiva.

Skinner, ao abordar a psicoterapia en-quanto uma das agências que exercem con-trole sobre o comportamento, apontou a im-portância da audiência não punitiva comouma das principais técnicas terapêuticas, es-

pecialmente no início de um processo analíti-co. Segundo o autor,o processo através doqual um clínico pas-sa a funcionar comouma audiência nãopunitiva pode levartempo. Isso porque, inicialmente, o cliente vêo clínico como mais uma pessoa dentre astantas que exercem controle aversivo sobre

sua vida. Para alterar essa imagem que o clien-te possa vir a ter do analista, é necessário queeste evite ao máximo o uso da punição. As-sim, o clínico precisa fornecer uma escuta di-ferenciada, na qual não desaprove nem criti-que nenhum dos comportamentos emitidosou relatados pelo cliente. (cf. Skinner,1953/2000).

 A postura do clínico como uma audiên-cia não punitiva pode funcionar, então, nas

sessões iniciais, como ocasião para o clientevoltar a emitir comportamentos que foram

A audiência nãopunitiva é um dosprincipais recursosclínicos, principal-mente no início do trabalho.

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Clínica analítico-comportamental 141

suprimidos pela pu-nição. Assim, a clien-te que evitava falar

sobre sua ideia decomprar uma cartei-ra de habilitação, aoinsinuar o assunto eser acolhida, pode fa-lar abertamente so-

bre isso, sem medo da reação do analista. Issoquer dizer que, se a contingência de puniçãonão se estabelecer no contexto clínico, é pro-vável que o cliente passe a relatar, no consul-

tório, coisas que faz e que são classificadaspela sociedade como “erradas” ou “inadequa-das”. E, posteriormente, por não ser julgadopelo clínico, pode passar a se comportar detais formas em seu dia a dia, assumindo asconsequências de tal posicionamento.

Para Skinner, o principal efeito do pro-cesso de análise é a extinção de alguns efeitosda punição. E isso será possível, de acordocom ele, a partir do momento em que o clíni-

co fizer com que o cliente emita respostas quepreviamente foram punidas (ou fale sobre taiscomportamentos) em sua presença.

Sidman (1989/1995), ao discutir a pu-nição enquanto uma das formas de controle

coercitivo, apresentaalguns de seus efeitoscolaterais, ou seja, al-guns efeitos não pre-tendidos pelas pesso-

as que se utilizam dapunição como umaforma de controle do

comportamento. Aplicando ao nosso caso,três desses efeitos têm implicações fundamen-tais para o bom andamento do processo clíni-co, principalmente em seu início: o compor-tamento de fuga, o comportamento de esqui-va e a punição condicionada.

Caso o clínico não se estabeleça en-quanto uma audiência não punitiva, tais efei-tos provavelmente serão observados. Ou seja,

quando o clínico abordar assuntos delicadospara o cliente, diante dos quais este geral-mente sofreu punição no passado, pode-se es-

perar que ele emita respostas de fuga (mu-dando de assunto, por exemplo, quando oanalista questiona a cliente sobre as possíveisconsequências aversivas da compra da cartei-ra de habilitação, questionamento este que jáfoi feito por amigos da cliente).

Por outro lado, pode-se observar ocliente emitindo respostas de esquiva, gastan-do assim um tempo grande da sessão discu-tindo acontecimentos de menor relevância,

impedindo que haja espaço para o analista to-car em pontos difíceis para o cliente. Porexemplo, a cliente fica contando detalhada-mente o que ocorreu no final de semana enão discute a compra da carteira de habilita-ção que tem lhe gerado sofrimento.

Para completar, o próprio analista, bemcomo o setting terapêutico, podem começar aexercer funções aversivas que evocam respos-tas de fuga ou esquiva do cliente. Além disso,

as próprias sensações corporais sentidas pelocliente como aversivas nesse tipo de situação,e que geralmente precedem seu relato, tam-bém passam a funcionar como aversivos dosquais ele tenta se esquivar. Indícios de queisso esteja acontecendo são faltas e atrasos docliente às sessões seguintes. Obviamente, ne-nhuma das situações acima é favorável ao es-tabelecimento de um bom vínculo terapêuti-co e à continuidade do processo clínico.

Não é difícil, portanto, vislumbrar a ex-trema relevância da audiência não punitiva.Caso ela seja implementada, “o paciente sesente menos errado, menos culpado, ou me-nos pecador” (Skinner, 1953/2000, p. 404).

Diante da baixa probabilidade de umindivíduo emitir verbalizações totalmentecorrespondentes aos eventos de sua vida nosprimeiros encontros com um desconhecido,o clínico deve assumir, além de uma posturanão punitiva, uma escuta cautelosa daquiloque o cliente relata. Com esta escuta, o clíni-

O uso de puniçãono contexto clínicopode levar a, pelomenos, três efeitosindesejáveis: fuga,

esquiva e respon-dentes condicionaisaversivos.

A postura do clínicocomo uma audiêncianão punitiva podefuncionar então,nas sessões iniciais,como ocasião para ocliente voltar a emitircomportamentos queforam suprimidospela punição.

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co buscaria identificar na situação clínica e nahistória de reforçamento compartilhada com

o cliente os determi-

nantes das verbaliza-ções deste, evitando,assim, que conteú-dos importantes pas-sem despercebidospor não estarem ex-plícitos em tais ver-balizações.

Quando se falade uma escuta caute-

losa, no sentido de oclínico discriminarcuidadosamente as-pectos do comporta-mento do cliente queestá a sua frente, éimportante lembrarque o cliente em ses-são emite respostasverbais e não verbais;

sendo assim, o analista deverá estar atento aosdois conjuntos de comportamentos.

 A análise envolve predominantementecomportamentos verbais; sendo assim, faz-senecessário definir comportamento verbal.Comportamento verbal pode ser vocal ounão vocal (gestos, texto escrito, linguagem desinais, etc.). O comportamento verbal é umcomportamento operante que é caracterizadopor estabelecer uma relação mediada com o

ambiente e produz efeito primeiramente nooutro (ouvinte), especialmente treinado emsua comunidade verbal a agir como tal. Issoquer dizer que o comportamento verbal podeser selecionado pelo efeito que produz no ou-vinte, sendo que o ouvinte pode ser a própriapessoa que está agindo. Por isso, é preciso fi-car atento à maneira como o clínico conse-quencia os relatos do cliente (reforçando, pu-nindo ou colocando-os em extinção).3

 Ao fazer a análise do comportamentoverbal em termos funcionais, Skinner, no li-

vro Comportamento verbal (1957), propôsuma classificação em operantes verbais distin-guidos pelas variáveis que os controlam (an-

tecedentes e consequentes) e pela topografiaque apresentam. Skinner classificou os ope-rantes verbais em seis tipos: mando, tato,ecoico, textual, transcrição e intraverbal.Também classificou o autoclítico como umoperante verbal secundário. Pela alta frequên-cia com que ocorrem em um processo de aná-lise, abordaremos aqui apenas três operantes(tato, mando e intraverbal) e algumas de suasdistorções.

O cliente, na sessão, pode relatar o queaconteceu com ele (no passado), o que estáacontecendo (no presente), o que provavel-mente acontecerá (no futuro) ou dizer sobreo que ele está sentindo. Em todos esses rela-tos, caso ele estejasob controle do querealmente ocorreuou está ocorrendo,essas descrições ver-

bais são classificadascomo tatos. O tato éuma resposta verbalcontrolada por umestímulo anteceden-te não verbal e o re-forço para sua emissão é generalizado; nestaresposta verbal, o controle sobre o responderestá na relação com o estímulo antecedente.

Escuta cautelosarefere-se à capaci-dade discriminativado clínico de ficarsob controle dassutilezas verbaise não verbais docomportamento docliente.

Através da escutacautelosa o clínicodeve buscar iden- tificar, na situação

clínica e na históriade reforçamentocompartilhada osdeterminantes dasverbalizações docliente, evitando,assim, que conteú-dos importantespassem despercebi-dos por não estaremexplícitos em taisverbalizações.

O tato é uma respos- ta verbal controladapor um estímuloantecedente nãoverbal e o reforço

para sua emissão égeneralizado; nestaresposta verbal, ocontrole sobre oresponder está narelação com o estí-mulo antecedente.

FIGURA 14.1 Operantes verbais mais comumente emitidospelo cliente em análise.

Tato

Mando

Tato distorcido

Mando disfarçado

Intraverbal

Cliente

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Para ilustrar a emissão de tato, pode-se pen-sar em uma situação em que o clínico per-gunta sobre o final de semana e o cliente res-

ponde com uma descrição sob controle dosacontecimentos que de fato ele vivenciou;seguindo-se a esse relato, o clínico diz “hum,hum”. O relato verbal do cliente, nesse caso,está principalmente sob controle do estímu-lo antecedente (final de semana), e não sobcontrole de outra variável fornecida peloanalista.

Em contato com contingências aversi-vas, o comportamento verbal pode sofrer dis-

torções, que são formas de esquiva ou fuga depossíveis punições. Se o cliente sofreu puni-ções ao emitir relatos fidedignos em sua vida,pode ter aprendido a distorcer ou omitir fa-tos, não emitindo relatos fidedignos. Casouma cliente tenha vivido uma situação aversi-va ao relatar para pessoas que ela frequentauma casa de swing , e que é assim que se diver-te aos finais de semana, ela pode não relataressas informações ao clínico nas primeiras

sessões, quando lhe é solicitado um relato so-bre atividades de la-zer; em vez disso, dizque foi a uma festa –esse é um exemplo detato distorcido. Otato distorcido é uma

descrição verbal que sofre modificação devi-do ao efeito que exerce sobre o ouvinte.

O cliente no consultório também reali-

za pedidos e solicitações; esses relatos são clas-sificados como man-dos. Mando é umoperante verbal quetem uma consequên-cia reforçadora espe-cífica que é impor-tante para o falantedevido a uma situa-ção de privação ou

estimulação aversiva. Ao emitir um mando(por exemplo, fazer um pedido), o cliente

aguarda um efeito específico sobre o ouvinte.Por exemplo, durante o atendimento, o clien-te, que passa por dificuldades financeiras,

pode perguntar ao clínico se é possível umaredução no valor da sessão; essa resposta ver-bal só é reforçada pela resposta afirmativa doclínico.

O mando pode, assim como o tato, des-crito anteriormente, sofrer manipulações, casoo cliente tenha sido punido ao emiti-lo em ou-tra situação. Pode-se pensar em uma situaçãona qual o clínico apresenta o valor de sua ses-são e o cliente diz: “Estou passando por algu-

mas dificuldades fi-nanceiras no momen-to”. O cliente nãosolicita diretamenteuma redução no valorda sessão (mando),apenas relata que estápassando por dificul-dades financeiras. Emrelação à forma, o relato se assemelha a um

tato; no entanto, é bem possível que seja emi-tido para exercer função de mando, ou seja,um pedido de redução no valor de forma indi-reta. Esse tipo de resposta é nomeada de man-do disfarçado. Mandos disfarçados são respos-tas verbais que possuem forma de tato; no en-tanto, estão sob controle de consequênciasespecíficas como um mando, ou seja, têm fun-ção de mando.

Uma mãe, ao levar o filho ao psicólogo,

pode relatar que ele está hiperativo; no entan-to, ao ser solicitada pelo clínico que descrevao que está acontecendo, a mãe apresenta difi-culdade para relatar erepete a informaçãoque recebeu na esco-la. Nesse caso, a mãenão está sob controledos comportamentosemitidos por seu fi-lho, mas sim do que foi dito pela escola (estí-mulo antecedente verbal). Nesse caso, não

O tato distorcidoé uma descriçãoverbal que sofremodificação devidoao efeito que exercesobre o ouvinte.

Mando é um ope-rante verbal que temuma consequênciareforçadora específi-ca que é importantepara o falante devidoa uma situação deprivação ou estimu-lação aversiva.

Mandos disfarça-dos são respostasverbais que possuemforma de tato; noentanto, estão sobcontrole de conse-quências específicascomo um mando, ouseja, têm função demando.

Intraverbais sãomuito comuns nocontexto clínico,principalmentequando a queixa nãoé da própria pessoae sim de um terceiro.

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apresenta um tato, mas um intraverbal. Ooperante intraverbal é controlado por estí-mulo discriminativo verbal, e as consequên-

cias que mantêm esta resposta são reforçado-res generalizados.Skinner ressalta que operantes intraver-

bais são comuns, como muitas vezes ocorrecom as respostas verbais de uma interação so-cial simples, como, por exemplo, “Como vaivocê?”, e ocorre a resposta verbal “Bem, obri-gado”. Se em tal interação a resposta for con-trolada pela estimulação verbal e não porqualquer outro estado ou estimulação presen-

te, como, por exemplo, o estado corporal dofalante, então a resposta será um intraverbal.Podemos pensar aqui que, na interação verbalcom o cliente, o clínico deve estar atento paraidentificar se o cliente está emitindo um tatoou intraverbal. Quando o cliente responde àpergunta “Como foi a sua semana?” dizendoque “Foi boa.”, a princípio não é possível dis-tinguir se essa resposta corresponde realmen-te a um tato ou a um intraverbal.

Ter acesso a correlatos públicos do com-portamento do cliente e também solicitar queele descreva de forma mais minuciosa seuscomportamentos são formas de criar condi-

ções para a emissãode tatos, que são im-portantes em umprocesso terapêutico.É necessário que oclínico forneça con-

dições para emissãode tatos por meio deperguntas, para fazercom o que o clienteaprenda a relatar oque ele fez, em quais

condições e os efeitos produzidos. Caso o clí-nico apresente suas próprias análises ao clien-te, corre-se o risco de este repeti-las em sessão(intraverbalizar) sem ter aprendido a analisar

ou descrever o seu comportamento sob con-trole do que realmente ocorreu com ele. Caso

o clínico reforce intraverbais, corre-se o riscode o cliente passar a dizer aquilo que é refor-çado (sob controle do efeito no clínico) e não

o que realmente ocorreu.Pode-se argumentar que, se estamos fa-lando de escuta, esta diria respeito somenteao comportamento verbal-vocal, ou seja, afala. No entanto, há pelo menos dois aspectosque devem ser ressaltados:

a) o comportamento verbal pode ser não vo-cal (gestos de cabeça para um lado e parao outro, por exemplo, podem ter a mesma

função da verbalização “não”); eb) é comum haver incongruências em rela-ção àquilo que o cliente diz e o modocomo ele se expressa diante do clínico.

Portanto, comportamentos não verbais,como gestos e expressões faciais que acompa-nham o comportamento verbal, podem for-necer ao clínico dicasdas prováveis contin-

gências que estão vi-gorando e sinalizaruma provável distor-ção do relato verbal.

O clínico podeidentificar possíveisincongruências entreas respostas verbais eas respostas não ver-bais emitidas por seu

cliente. Assim, a não correspondência podesinalizar que existem fontes de controle dife-rentes sobre os dois tipos de respostas. Segun-do Skinner, os comportamentos correlatospúblicos podem fornecer informações sobreos comportamentos e estados corporais senti-dos. Por consequência, são também dicas doque o cliente está vivendo. Por exemplo, ocliente relata que está se sentindo bem (res-posta verbal), no entanto, está lacrimejando,

contraindo o queixo e esfregando uma mãocontra a outra (respostas não verbais). Nesse

Ter acesso acorrelatos públicosdo comportamentodo cliente e tambémsolicitar que eledescreva de formamais minuciosa seus

comportamentossão formas de criarcondições para aemissão de tatos,que são importan- tes num processo terapêutico.

Comportamentos

não verbais, comogestos e expressõesfaciais que acompa-nham o comporta-mento verbal, podemfornecer ao clínicodicas das prováveiscontingências queestão vigorando epodem sinalizar umaprovável distorçãodo relato verbal.

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Clínica analítico-comportamental 145

exemplo, o clínico deverá identificar umapossível incongruência entre o que o clientediz e o que ele sente. Podem-se identificar

dois controles vigo-rando: um sobre orelato verbal e outrosobre a resposta nãoverbal. Provavelmen-te, o cliente está dis-torcendo a descriçãodos seus sentimentos(tato distorcido) ouestá respondendo por

convenção social (in-traverbal).

Identificar os operantes verbais básicosemitidos pelo cliente pode ser uma tarefa re-lativamente fácil. No entanto, muitos aspec-tos concorrem para uma correta identificaçãode tatos distorcidos, mandos disfarçados e in-traverbais emitidos pelo cliente nas sessõesiniciais. É preciso levar em consideração queas interações do analista com o cliente ficam

sob controle de diversos aspectos, a saber:

a) os comportamentos verbais e não verbaisemitidos pelo cliente;

b) orientações teóricas e práticas da aborda-gem analítico-comportamental, e

c) história profissional e pessoal do clínico.

Sendo assim, quando o cliente faz umrelato que não corresponde precisamente aoseventos de sua vida (tato distorcido), ou

quando parece estar descrevendo algo masestá, na verdade, solicitando alguma coisa aoclínico (mando disfarçado), é possível que oclínico não identifique essas outras funçõespor conta de sua história pessoal ou da histó-ria de interação com outros clientes. Isso é es-pecialmente comum no caso de clínicos ini-ciantes, que, durante o atendimento, muitasvezes estão inseguros, ansiosos e respondendomuito sob controle de regras (“Nesta situa-

ção, meu supervisor me orientaria a...”), deestimulações internas (“Estou tremendo tan-to... será que o cliente está percebendo?”), sobcontrole de reforçadores dispostos pelo clien-te (“Será que ele vai gostar de mim como clí-nico?”) e, não raro, apresentam pouco domí-nio da teoria que deveria fundamentar suaprática.

 A partir dessas considerações, pode-seconcluir que, para identificar as nuances das

funções das verbalizações do cliente, é precisoque o clínico esteja, tanto quanto possível, sobcontrole do “aqui e agora” das relações que opróprio cliente estabelece entre suas verbaliza-ções e as reações do clínico. É preciso, portan-to, estar atento à interação com aquele clienteespecífico, à construção daquela história parti-

O clínico podeidentificar possíveisincongruências entreas respostas verbaise as respostas nãoverbais emitidas porseu cliente. Assim, anão correspondênciapode sinalizar queexistem fontes decontrole diferentessobre os dois tipos de

respostas.

FIGURA 14.2 Apresentação das variáveis que controlam o comportamento do clínico e do cliente em uma interação verbal.

História profissional epessoal do clínico

Terapeuta Cliente

História pessoaldo cliente

Comportamentos

verbais e não verbaisemitidos pelo cliente

Orientações teóricas epráticas da abordagem

analítico-comportamental

Comportamentos

verbais e não verbaisemitidos pelo terapeuta

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cular. Que funções a fala do cliente tem naque-le momento? A que contextos esta fala está re-lacionada? Se o clínico ficar sob controle do

que “geralmente” aquela verbalização significa,ele pode perder informações importantes so-bre a vida do cliente e sua maneira de se rela-cionar com seu ambiente – físico e social. Oclínico analítico-comportamental deve sempre

lembrar que o signifi-cado dos comporta-mentos é dado porsua função, e é cons-truído na interação

com o ambiente, enão por sua topogra-fia ou pela formacomo ele é emitido.Ou seja, para definirdeterminada verbali-

zação como uma descrição (tato) ou como umpedido (mando), o clínico deve dar menos im-portância a sua forma e buscar identificar ocontexto em que tal verbalização é emitida e/

ou os efeitos que ela produz – no caso, nesteambiente específico, o terapêutico.

 A partir do que foi apresentado, conclui--se que o que está sendo chamado de uma escu-ta cautelosa envolve a postura de audiência nãopunitiva e a identificação das variáveis que con-trolam os comportamentos verbais e não ver-bais do cliente, bem como os comportamentosdo próprio clínico. Em se tratando de uma re-

lação na qual tanto o

analista quanto ocliente são ouvintes efalantes, e emitem res-postas verbais e nãoverbais, espera-se queo clínico observe comcautela seus próprioscomportamentos ver-bais e não verbais. Oclínico deve apresen-

tar comportamentos não verbais não punitivose congruentes com os comportamentos verbais(também não punitivos). Para garantirmos a

audiência não punitiva tão valorizada quandose trata da relação terapêutica, o clínico devenecessariamente desenvolver auto-observaçãosobre esses dois grupos de comportamentosemitidos por ele próprio em sessão.

Uma escuta cautelosa é desenvolvida apartir do repertório de auto-observação doclínico e da sensibilidade ao comportamentodo cliente (produzidos por meio de supervi-são clínica com clínicos experientes e a sub-

missão a processo de análise pessoal), bemcomo de estudos contínuos sobre a aborda-gem analítico-comportamental e seus pressu-postos norteadores.4

> NOTAS

  1. A ordem dos autores é meramente alfabética.  2. Vale lembrar que uma pessoa pode se comportar

mesmo sem ter consciência do que controla seucomportamento. Portanto, é possível que o clientese comporte de tal maneira, mesmo sem saber o queestá fazendo ou ter controle do que o faz.

  3. Para um aprofundamento do conceito de comporta-mento verbal  e dos demais operantes verbais, con-sultar o Capítulo 6.

  4. Para mais, veja os Capítulos 22 e 23.

> REFERÊNCIAS

Meyer, S., & Vermes, J. S. (2001). Relação terapêutica. InB. Rangé (Org.), Psicoterapias cognitivo-comportamentais:Um diálogo com a psiquiatria  (pp. 101-110). Porto Alegre: Artmed.

Sidman, M. (1995). Coerção e suas implicações . Campinas:Editorial Psy. (Trabalho original publicado em 1989)

Skinner, B. F. (1978). O comportamento verbal . São Paulo:Cultrix. (Trabalho original publicado em 1957)

Skinner, B. F. (2000). Ciência e comportamento humano.São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicadoem 1953)

Se o clínico ficarsob controle doque “geralmente”aquela verbalizaçãosignifica, ele podeperder informações

importantes sobrea vida do cliente esua maneira de serelacionar com seuambiente – físico esocial.

Espera-se que oclínico observecom cautela seuspróprios compor- tamentos verbaise não verbais, eledeve apresentarcomportamentos nãoverbais não punitivose congruentes comos comportamentosverbais (também nãopunitivos).

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  O uso de técnicas 15 

na clínica analítico--comportamental1

Giovana Del PretteTatiana Araujo Carvalho de Almeida

ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  Definição de técnicas.>

  Discussão sobre o uso de técnicas.>

  Algumas técnicas de intervenção sobre comportamentos operantes e respondentes.>

  Classificação das técnicas a partir do foco da intervenção.

Neste capítulo, faremos uma discussão a res-peito do uso de técnicas pelo clínico analítico--comportamental. Inicialmente, apresentare-mos a definição de técnica e como situá-ladentre as diversas atividades realizadas peloclínico. A seguir, descreveremos como utilizartécnicas ou outras intervenções menos siste-máticas a partir da coleta de informações eanálise de contingências realizadas sobre umcaso clínico hipotético. Em seguida, propore-

mos uma classificação de algumas interven-ções segundo sua predominância sobre os an-tecedentes, respostas do cliente e consequên-cias. A descrição minuciosa de cada técnicanão é foco deste capítulo, entretanto, apre-sentaremos aqui algumas de suas característi-cas, conceitos e princípios subjacentes paradiscutir as implicações de sua escolha e utili-zação.

Técnicas são a sistematização de inter-venções com vistas a determinados resultadosdiante de situações específicas. Nesse sentido,

técnicas funcionamcomo antecedentes(regras e/ou mode-los) para a classe derespostas do clínicode segui-las (respon-der sob controle de-las) e tentar produzir consequências iguais ousemelhantes àquelas por elas especificadas.Por “sistematização” queremos dizer que a

técnica possui:

a) descrição suficientemente precisa e padro-nizada, de modo que possa servir paratreino e aplicação por outrem, e

b) resultados empiricamente comprovados arespeito de sua efetividade.

Neste capítulo, vamos denominar detécnicas somente aquelas intervenções que,

de alguma maneira, foram testadas em estu-dos científicos e descritas, garantindo algum

Técnicas são asistematização deintervenções comvistas a determi-nados resultadosdiante de situaçõesespecíficas.

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grau de confiança a respeito de serem elas asresponsáveis pelas mudanças ocorridas.

Nesse sentido, diferentes campos do sa-

ber podem ter suas técnicas: um oftalmolo-gista pode utilizar técnicas para manejar apa-relhos e, com isso, avaliar o grau de miopia deseus pacientes; um advogado pode utilizartécnicas de oratória e convencer o júri; umpsicólogo psicanalista pode utilizar a técnicada associação livre e obter, como consequên-cia, o relato do cliente sobre conteúdos in-conscientes. Dentro da psicologia, diferentesabordagens teóricas podem construir técnicas

a serem utilizadas na prática profissional. Omesmo vale para a análise do comportamen-to. O diagrama a seguir contextualiza o usode técnicas em clínica analítico-comporta-mental, em relação a outras atividades princi-pais do clínico:

De acordo com a Figura 15.1, no pro-cesso clínico analítico-comportamental, aanálise de contingências (1) é a ferramentateórico-prática do profissional: teórica no

sentido de ser norteada pelo referencial con-ceitual da análise do comportamento e práti-ca no sentido de orientar os processos aplica-dos de avaliação e de intervenção. Na Figura15.1, a análise de contingências está represen-tada como algo mais amplo do que a avalia-ção funcional porque estamos destacandoque ela se torna, de certa forma, o modo decompreender o mundo e os fenômenos nãoapenas quando o clínico está avaliando seu

cliente.

Parte dessa prá-tica é realizar umaavaliação contínua

dos comportamentosdo cliente, denomi-nada de avaliaçãofuncional (2). Essaavaliação inclui a ob-tenção de dados, aseleção dos compor-tamentos-alvo, a ope-racionalização dessescomportamentos, a

escolha e aplicação das intervenções e a ava-liação destas, com eventual necessidade de re-formular as análises e/ou as intervenções. Por-tanto, a avaliação funcional abrange um con-

 junto de comportamentos emitidos peloclínico durante todo o processo.

 A intervenção propriamente dita (3) seprocessa quando o clínico seleciona e utilizaestratégias com o objetivo de alterar o com-portamento do clien-

te (e não apenas ob-ter dados, embora aprópria obtenção dedados possa ter oefeito de modificar ocliente). Dentre asintervenções possí-veis, parte delas podeser denominada de técnica (4), uma vez queseu procedimento e seus resultados já são co-

nhecidos e sistematizados na literatura. Em

FIGURA 15.1 Proposta de classificação da prática do analista do comportamento.

A avaliação fun-cional inclui aobtenção de dados,a seleção doscomportamentos--alvo, a operacio-nalização dessescomportamentos, aescolha e aplicaçãodas intervenções ea avaliação destas,com eventual ne-cessidade de refor-mular as análises e/ou as intervenções.

A intervenção fazparte de um pro-cesso de avaliaçãofuncional, porém trata-se daquelaparcela em que seutiliza estratégias vi-sando a alteração deum comportamento--alvo.

Avaliação funcional (2)

Análise de contingências (1)

Intervenção (3)

Técnica (4)

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Clínica analítico-comportamental 149

suma, conclui-se daí que todo uso de técnicasé uma intervenção, mas nem toda interven-ção é uma técnica. Além disso, toda interven-

ção (inclusive com uso de técnicas) envolveuma avaliação contí-nua. Essa avaliação,por sua vez, é feitanão só durante a in-tervenção como tam-bém quando o clíni-co avalia o caso enco-bertamente durante

a sessão, ou com seu supervisor. E, por fim,

todas essas práticas têm por base a análise decontingências, que, entretanto, abrange maisdo que as próprias práticas, ao constituir-seem um modo de compreender o comporta-mento humano.

 A título de ilustração, apresentaremosum caso hipotético de um cliente, aqui deno-minado de “Afonso”, de 40 anos de idade,que procura o clínico com queixas relaciona-das à fobia social. Inicialmente, como disse-

mos anteriormente, o modo como o clínicocompreende esse fenômeno é pela análise decontingências (condizente com os pressupos-tos do Behaviorismo Radical). Em outras pa-lavras, antes mesmo de conhecer o cliente, oclínico pode se perguntar: “Qual será sua his-tória de vida? Será um padrão de esquiva,como reforçamento negativo, ou um padrão

reforçado positiva-mente? Que repertó-

rio ele tem para se re-lacionar?”.

 A partir do mo-mento em que o clí-nico conhece o clien-te, começa a coletardados para uma ava-liação funcional idio-

 gráfica , ou seja, únicae específica para aquele caso (havendo ou nãoum diagnóstico psiquiátrico). Assim, o clíni-

co começa a ter acesso a dados importantespara a análise, e pode organizá-los mais oumenos como o que se segue: “Afonso quase

não olha nos meus olhos, fala com dificulda-de, transpira, relata pouco contato social, pas-sa a maior parte do tempo em casa (filho úni-co), sendo cuidado pela mãe superprotetora e

 jogando jogos de computador. Teve históricode sofrer bullying 2 desde a infância. No traba-lho, inicialmente, os colegas percebiam a difi-culdade e tentavam se aproximar, chamá-lopara happy hour  e ajudá-lo a solucionar con-flitos no emprego. Com o tempo, os colegas

deixaram de convidá-lo, e, quando ele tentase aproximar, fica sem saber o que dizer e porisso é alvo de piadinhas, sendo descrito como‘o esquisitão’ da empresa. Isso, por fim, leva-oa esquivar-se de encontros sociais, não fazernetworking  e ficar no mesmo cargo há váriosanos, enquanto outros colegas já foram pro-movidos. Ainda as-sim, diz que gosta detrabalhar e não tem

outras atividades”.Com essas e

outras informações,o clínico formula al-gumas hipóteses quevão se tornando maisou menos fortesquanto mais dados ele tem que as compro-vem ou as descartem, e que vão guiar as inter-venções. Por exemplo:

a) Em seu histórico, o bullying  pode ter pu-nido as tentativas de se relacionar comseus pares e, simultaneamente, dificultadoa aquisição de um repertório para tal.

b) A relação com a mãe superprotetora podeter levado a um reforçamento não contin-gente à resposta, o que novamente dificul-tou o desenvolvimento de autonomia.

c) Na história passada e no presente, a rela-ção intensa e exclusiva da mãe com o filho

O uso de técnicas éum tipo de interven-ção possível, porémnão o único. Todouso de técnicas éuma intervenção,mas nem todaintervenção é uma técnica.

A partir do momento

em que o clínicoconhece o cliente,começa a coletardados para umaavaliação funcionalidiográfica, ou seja,única e específicapara aquele caso(havendo ou nãoum diagnósticopsiquiátrico).

Com as informaçõescoletadas , o clínicoformula algumas

hipóteses, que vãose tornando mais oumenos fortes quantomais dados ele temque as comprovemou as descartem,e que vão guiar asintervenções.

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levaria a um reforçamento da dependên-cia de um pelo outro.

d) No início, em seu emprego, suas dificul-

dades interpessoais poderiam exercer fun-ção de estímulos discriminativos (SDS)para as respostas de aproximação dos cole-gas, na tentativa de ajudá-lo (ou seja, asdificuldades interpessoais teriam sido re-forçadas positivamente), mas o seu jeito“esquisito” (desajeitado, retraído, atrapa-lhado) levá-los-ia a se esquivarem dele emlongo prazo.

e) O trabalhar atual estaria mais mantido

por reforçamento negativo (esquivar-se dedívidas financeiras e cobranças da mãe) e,com a falta de repertório social, as situa-ções com os colegas, que seriam propíciaspara interações amistosas, acabariam eli-ciando fortes respondentes associados àansiedade, o que evidenciaria justamentesua falta de traquejo e reafirmaria uma au-torregra sobre ser incapaz.

Se o clínico não for hábil em derivar suaintervenção da avaliação funcional realizada,poderá incorrer no risco de aplicar técnicasprecipitadamente, enquanto uma análise de

contingências cuida-dosa pode indicaroutra direção de in-tervenção. Sem essaanálise, vamos hipo-tetizar que o clínico

escolhesse o uso dadessensibilização siste-mática , em que hie-rarquiza situações so-ciais para Afonso seexpor, com o objeti-

vo de reduzir sua ansiedade. A partir disso, al-guns comportamentos do cliente que pode-mos prever são:

 1. sentir-se mais ansioso e, como consequên-cia, sentir-se ainda mais incapaz;

 2. começar a desmarcar sessões, ou abando-nar o processo clínico, ou esquivar-se defalar sobre seus insucessos na análise;

 3. seguir as recomendações, mas não ficarsob controle de reforçamento natural, esim da aprovação do analista.

Por outro lado, uma análise mais cui-dadosa ampliaria a perspectiva sobre o caso,levando a hipóteses sobre classes mais am-plas de respostas e a uma gama de interven-ções mais pertinentes. Aliás, a própria análi-se das prováveis consequências do uso da

dessensibilização sistemática, neste caso, se-ria um exercício de previsão importante paraa decisão por outro curso de ação. O clínicopode, nesse sentido, inferir que a postura de

 Afonso em sessão (dificuldades extremaspara se expressar, feição de desamparo e de-monstrações de total inabilidade para dialo-gar) é um CRB13  que evoca tentativas deajuda semelhantes àquelas realizadas, no iní-cio, pela mãe e até pelos colegas de trabalho.

 Assim, ajudá-lo com recomendações e trei-no de assertividade, em última instância,apenas manteria o padrão porque reforçariapositivamente o comportamento-queixa.Outra questão a ser destacada seria sobre se

 Afonso já demonstra dificuldades para inte-ragir com o próprio analista; neste caso, éprovável que seja ainda mais difícil interagircom outras pessoas e, portanto, recomenda-ções para fora da sessão se constituiriam em

um passo muito grande; ou seja, seria maisindicado intervir sobre os CRBs na própriasessão.

 Assim, o clínico poderia fazer diversasintervenções, a começar por:

 1. ele próprio constituir-se em um modelo aser seguido (por exemplo, na maneiracomo cumprimenta o cliente e outras pes-soas do consultório);

 2. realizar um reforçamento diferencial entreCRB2 e CRB1;

Se o clínico não forhábil em derivarsua intervenção daavaliação funcionalrealizada, poderáincorrer no riscode aplicar técnicas

precipitadamente,enquanto umaanálise de con- tingências cuida-dosa pode indicaroutra direção deintervenção.

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Clínica analítico-comportamental 151

 3. aumentar o repertório de auto-observaçãodo cliente sobre sua postura, o que inclui-ria levá-lo a fazer interpretações (CRB3);

 4. modelar um repertório de solução de pro-blemas (“Como me aproximar do meucolega?, Como conhecer pessoas diferen-tes?, Como lidar com críticas?”), levando--o a formular autorregras novas.

Todos esses itens, em última instância,levariam à maior autonomia do cliente, in-clusive em suas interações sociais. Assim, essaintervenção alcançaria um resultado bastante

diferente daquele obtido com o uso da técni-ca de dessensibilização descrito anteriormen-te. Além disso, a análise parece demonstrarque a “fobia social” faria parte de uma classede respostas maior, a qual inclui a dependên-cia e/ou falta de autonomia de Afonso, refor-çada tanto positiva quanto negativamente.

Podemos classificar as intervenções se-gundo o foco em cada termo da tríplice con-tingência. A Tabela 15.1, a seguir, enumera

exemplos de intervenções sobre comporta-mento operante e respondente. A classifica-ção que propomos é didática, ou seja, enfati-zamos qual é o principal termo da contingên-cia que seria, supostamente, alterado pormeio da intervenção. Entretanto, em últimainstância, todas as intervenções, ao alteraremum dos termos, também alterariam toda acontingência.

 A distribuição destas intervenções nos

termos da contingência visa facilitar a escolhapor quais delas seriam mais apropriadas. A de-pender da análise do comportamento-alvo, épossível identificar que certos problemas decomportamento do cliente podem estar mais

relacionados a umdos termos da con-tingência do que aoutros. A seguir, serãoapresentadas interven-

ções sobre comporta-mento operante base-

adas em modificação do antecedente, da res-posta ou da consequência.

> INTERVENÇÕESPREDOMINANTEMENTE SOBRECOMPORTAMENTO OPERANTE

Intervenções baseadas emmodificação do antecedente

 Algumas das intervenções listadas na primei-ra coluna da Tabela 15.1, que se baseiam em

modificação do antecedente, constituem-seem uma alteração no comportamento verbal,como é o caso de mudanças em regra e autor-regra, autoconhecimento e autocontrole. Re-gras são antecedentes verbais que controlamuma resposta, verbal ou não verbal. Quandoesses antecedentes são emitidos por outraspessoas ou agências controladoras, são deno-minados de “regras”; já as autorregras são for-muladas pela própria pessoa que as segue.

Este tipo de controle pode levar a al-guns problemas que frequentemente observa-mos na clínica:

a) regras que não descrevem adequadamenteuma contingência. Por exemplo, “quandoas pessoas olham para mim, é porque es-tão me julgando” não é uma descriçãoadequada pois, muitas vezes, as pessoasolham umas para as outras por outros mo-

tivos que não esse;b) excesso de controle por regras, reduzindo

a sensibilidade às contingências naturais;por exemplo, “se estão me julgando, te-nho que ser sempre gentil”. No caso, essaregra poderia deixar o indivíduo menossensível a outras contingências, como si-nais de que o excesso de gentileza está in-comodando os outros, ou a demandaspara ser mais assertivo do que gentil;

c) reduzido o próprio controle por regras,(ou seja, ficar mais sob controle de outras

A distribuição dasintervenções nos termos da contin-gência visa facilitara escolha por quaisdelas seriam maisapropriadas.

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variáveis ambientais), como, por exem-plo, mesmo quando diante da regra “pre-ciso acordar diariamente às 7 horas da

manhã para trabalhar”, o indivíduo siste-maticamente se atrasa e, embora sofra al-gumas punições, é reforçado positivamen-te (naturalmente), por ter mais horas desono, ou negativamente, por esquivar-sede chegar ao trabalho, onde encontraráconflitos. Esse reduzido controle verbalpode ser devido ao baixo repertório de se-guimento de regras em geral, mas podetambém ser apenas situacional, ou seja,

em casos mais isolados, em que eventosconcorrentes levam ao não seguimento,como, por exemplo, “meu GPS emiteuma ordem sobre um trajeto a ser segui-do, mas a observação daquele trecho darua, já conhecido, leva-me a desobedecê--lo, encurtando o caminho”.

Os problemas relacionados a controlepor regras e autorregras podem trazer impli-

cações relacionadas a autoconhecimento eautocontrole. Entende-se por “autoconheci-

mento” o repertório de auto-observação e au-todescrição (sobre o próprio comportamen-to, incluindo as contingências que o contro-

lam), o que também é denominado de uma“relação fazer-dizer”, isto é, o que eu digo so-bre aquilo que faço.

 Já o “autocontrole” éuma “relação dizer--fazer”, isto é, umaresposta (controlado-ra) irá afetar outraresposta (controla-da), e a primeira é

necessária para su-plementar a contin-gência de modo a co-locar o responder sobcontrole de consequ-ências menos ime-diatas e apetitivas,mas que, a longo pra-zo, será mais benéfico (por exemplo, produzi-rá menos estimulação aversiva). Na “relação

dizer-fazer”, eu faço aquilo que eu digo, comoao dizer “não comerei chocolate hoje, preciso

TABELA 15.1>Exemplos de intervenções sobre comportamento operante e respondente.Em comportamento operante, classifica-se a intervenção segundo o seu focoem antecedente, resposta e consequência. Em comportamento respondente,

classifica-se segundo o foco no estímulo ou na respostaIntervenções predominantemente sobre comportamento operante

Antecedente Resposta Consequência

Regras e autorregras Modelação ModelagemAutoconhecimento Role-playing *  DRO/DRA/DRI4

Autocontrole Extinção e puniçãoTime-out Economia de fichas*

Fading *

Intervenções predominantemente sobre comportamento respondente

Estímulo Resposta

Dessensibilização sistemática*  Relaxamento Muscular Progressivo de Jacobson*

Exposição*  Treino de respiração*

* Os itens marcados com (*) correspondem a técnicas já descritas na literatura. As demais são intervenções basea-das em princípios comportamentais, conforme a distinção entre técnica e intervenção, definida neste capítulo.

“Autoconhecimento”é o repertório deauto-observaçãoe autodescrição(sobre o própriocomportamento,incluindo as con- tingências que ocontrolam), o que também é denomina-

do de uma “relaçãofazer-dizer”.

Já o “autocontro-le” é uma “relaçãodizer-fazer”, istoé, uma resposta(controladora) iráafetar outra resposta(controlada).

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Clínica analítico-comportamental 153

emagrecer”, auxiliando a contingência emque se deve evitar esse doce.5

Em geral, um dos grandes objetivos de

qualquer processo terapêutico é promoverautoconhecimento e autocontrole, de modoque o cliente possa ser capaz de observar, des-crever e manipular variáveis que controlamseu responder, o que lhe dá mais condiçõespara alterar as contingências aversivas relacio-nadas à sua queixa e produzir mais reforçopositivo (imediato ou de longo prazo).

 As intervenções sobre regras, autorre-gras, autoconhecimento e autocontrole en-

volvem, portanto, mudanças em comporta-mento verbal. Defendemos neste capítuloque, para essas intervenções, não é necessárioo uso de técnicas sistemáticas. Mas, então,como as interações verbais clínico-cliente po-dem modificar o comportamento deste, forada sessão? Existem pesquisas sendo realizadasno campo da psicologia clínica, que visamsistematizar o comportamento verbal do clí-nico por meio de um sistema de categoriza-

ção. No sistema de Zamignani (2007), porexemplo, “interpretação” pode ser uma cate-goria verbal que corresponderia à emissão deregras (pelo terapeuta) específicas para o pro-vimento de autoconhecimento do cliente,como ao dizer “Percebo que, quando seus co-legas aparecem, você para de trabalhar nassuas coisas para ajudá-los”. De maneira seme-lhante, na categoria “solicitação de reflexão”,o clínico levaria o cliente a verbalizar autorre-

gras, também aumentando o seu autoconhe-cimento. No caso da verbalização do clínicoobjetivar que o cliente se comprometa comum comportamento futuro (como na catego-ria “recomendação”), estaríamos no campodo autocontrole.

 Ainda em intervenções sobre o termoantecedente na contingência, a Tabela 15.1lista as intervenções de time-out e fading  (es-vanecimento). Segundo Catania (1999), otime-out   é um “período de não reforço pro-gramado por extinção durante um estímulo,

ou pela remoção de uma oportunidade pararesponder. (...) O time-out  como o emprega-do com crianças foi derivado do procedimen-

to, mas as práticas que se seguiram de tais ex-tensões se desviaram, de várias maneiras, dasespecificações técnicas” (p. 424).

O time-out  foi inserido como interven-ção sobre o antecedente, porque partimos doprincípio de que a resposta do cliente nãoterá mais SD para ser emitida. Entretanto, po-demos pensar também que, com isso, toda acontingência é removida. O exemplo clássicoé o de retirar uma criança que faz birra da

presença do adulto, de modo que ela fiqueem um ambiente com baixa probabilidade deemiti-la (como em seu quarto, sozinha). Emterapia, podemos citar situações extremas emque a própria sessão é interrompida para quecesse o responder do cliente. Isso pode ser fei-to de maneira sinalizada (“se você continuar ame atacar, terei que encerrar a sessão”) ounão. Podemos também pensar em situaçõesem que a relação não é interrompida, como

quando se retira da criança o acesso a deter-minado brinquedo, que ela está usando demaneira inadequada e produzindo como con-sequência a mobilização do clínico. Vale apena ressaltar que é desejável que o time-out  seja acompanhado de outras intervençõespara que seja possível ensinar o cliente a emi-tir outras respostas, mais adequadas.

Quanto ao fading , trata-se de um méto-do sistemático para realizar a mudança de

controle de estímulos. Tradicionalmente, o fading  é uma técnica que foi descrita na lite-ratura por meio de estudos experimentais queficaram conhecidos como treino de “aprendi-zagem sem erro”. Talvez, por esse motivo,lembramo-nos frequentemente de exemplosque se aplicariam mais a intervenções emaprendizagem escolar, como o ensino da es-crita, em que, gradualmente, suspende-se apalavra-modelo ( fading out ), tornando-a pon-tilhada até que a criança escreva sem nenhu-ma dica antecedente. Entretanto, o que que-

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remos destacar aqui é que o uso dessa técnicapode ser realizado de maneira assistemática eque seu princípio serve para diversas inter-

venções clínicas, e mesmo para auxiliar ocomportamento verbal do cliente. Por exem-plo, suponhamos que um clínico verifiqueque seu cliente não tem repertório para rela-tar sobre o seu cotidiano sem ajuda. Ele pode,inicialmente, fazer várias perguntas, específi-cas e diretivas (como “O que você fez no tra-balho? Quais colegas conversaram comvocê?”) e, aos poucos, retirar as perguntas,tornando-as inicialmente mais genéricas

(“Como foi sua semana?”), até que apenas apresença do clínico seja SD para o cliente co-meçar a falar sem ajuda.

Intervenções baseadas emmodificação da consequência

 Até o momento, apresentamos as interven-ções relacionadas à modificação do antece-

dente. Apresentaremos, agora, intervençõesque alteram as consequências da resposta.Uma dessas intervenções, a modelagem, estáintimamente relacionada ao uso de fading , re-ferido anteriormente. O que ocorre é que o

 fading  é um controle de estímulos por aproxi-mações sucessivas, ao passo que a modelagemé um reforçamento diferencial de respostaspor aproximações sucessivas, sugerindo, tal-vez, a importância da combinação das duas

intervenções. A modelagem consiste no reforçamento

diferencial e gradativo de respostas que perten-cem a uma classe operante-alvo, empregadapara produzir respostas que, devido a um níveloperante baixo e/ou a sua complexidade, nãoseriam emitidas ou seriam emitidas somentedepois de um tempo considerável. A variabili-dade do responder que segue o reforço geral-mente provê as oportunidades para o reforço

de outras respostas que se aproximam mais docritério que define a classe operante-alvo.

Retomando o exemplo citado anterior-mente para ilustrar o uso de fading , a combi-nação das duas intervenções levaria o clínico

a reforçar diferencialmente a emissão da res-posta do cliente de relatar sobre o cotidiano,ainda que as respostas reforçadas no início damodelagem sejam simples, curtas e/ou poucodescritivas. Para isso, o clínico pode, porexemplo, demonstrar mais atenção, preocu-pação e empatia quando seu cliente relataqualquer evento de seu cotidiano. Aos pou-cos, ele pode fazer isso mais intensamentepara relatos que se aproximem mais da queixa

que o trouxe à terapia, e menos para outrostipos de relatos.Nesse sentido, o reforçamento diferen-

cial é parte do processo de modelagem. Elepode ser realizado de diversas maneiras. NaTabela 15.1, a título de ilustração, citamos oDRA, reforçamento diferencial de respostasalternativas, isto é, respostas diferentes da-quelas que se pretende reduzir a frequência,mas que também produzam as suas mesmas

consequências. Já o DRO, reforçamento di-ferencial de outras respostas, significa refor-çar qualquer resposta do cliente que nãoaquela que se pretende extinguir. Por fim, oDRI, reforçamento diferencial de respostasincompatíveis, significa que as respostas aserem reforçadas devem ser aquelas que sãofisicamente impossíveis de serem emitidasconcomitantemente às que se pretende ex-tinguir. Por exemplo, vamos supor uma

criança com tricotilomania (compulsão porarrancar os cabelos). Se o clínico reforçarqualquer resposta da criança que não a dearrancar cabelos, está fazendo um DRO. Seele reforçar que a criança brinque com mas-sinha, toque um instrumento musical ou jo-gue bola com as mãos, está fazendo um DRI.E se reforçar qualquer resposta que produzaas mesmas consequências do arrancar os ca-belos (que podem ser, talvez, alívio de ansie-

dade, autoestimulação e/ou chamar a aten-ção), está fazendo um DRA.

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Clínica analítico-comportamental 155

Na base do uso do reforçamento dife-rencial estão os pressupostos de que:

 1. certas respostas do cliente estão ocorrendoem seu cotidiano, mas são socialmenteinadequadas (provavelmente porque tam-bém produzem consequências aversivaspara si ou para outrem);

 2. se tais respostas estão ocorrendo, é porqueestão sendo reforçadas;

 3. existe probabilidade de o cliente tambémemiti-las em sessão, na presença do clíni-co; e

 4. o analista tentaria consequenciar de ma-neira diferente daquela que a comunidadedo cliente tem feito.

Uma questão importante a respeito douso de reforçamento diferencial e modelagemem sessão é o alcance da intervenção do clíni-co. Ainda que o cliente passe a responder deforma distinta na sessão, como planejar umageneralização dos novos padrões para o am-

biente fora do consultório? É nesse sentidoque a combinação de diferentes intervençõese técnicas pode aumentar a probabilidade degeneralização como, por exemplo, quando oclínico, além de modelar repertório, descrevea mudança de comportamento do cliente.Isso significa formular regras que poderãofuncionar como estimulação suplementar acontrolar o responder fora da sessão.

Temos ainda, relacionado a processos

nos quais o foco da intervenção é sobre a con-sequência, o uso da extinção (que, de certomodo, é um componente da modelagem) eda punição. Ambas estão relacionadas a inter-venções que visam à redução da taxa de deter-minado responder e possuem componentesaversivos, verificados até mesmo pela produ-ção de efeitos colaterais decorrentes de seuuso. A extinção corresponde à quebra da rela-ção entre resposta e consequência, como, por

exemplo, se o terapeuta, propositalmente,não verbaliza reasseguramentos (mas a comu-

nidade verbal usualmente o faz), quando ocliente inseguro diz coisas como “não vouconseguir”, “não me acho bom o suficiente”,

etc. Já a punição corresponde à consequen-ciação do responder com a apresentação deum estímulo punidor ou com a retirada deum estímulo apetitivo. Ela é especialmenteútil em situações em que é necessário supri-mir rapidamente uma resposta que coloca ocliente (ou outros) em risco, como quandouma criança ameaça subir pela janela do con-sultório, podendo se machucar gravemente.Nesse caso, o clínico pode repreendê-la, ex-

plicitando claramente os riscos (“Desça jádaí! É muito perigoso, dessa altura você podese machucar bastante”), o que poderia fun-cionar como punição positiva, e/ou encerrara sessão, como punição negativa (retirada dosestímulos apetitivos presentes na sala), alémde ser time-out , pois ela não tem mais acessoaos antecedentes (as presenças da janela e doclínico) para emitir a resposta de ameaçar.

 A extinção e a punição, muitas vezes,

podem fazer parte de outras intervenções (porexemplo, toda modelagem pressupõe a extin-ção de certas respostas para a diferenciação ereforço de outras). Em última instância, cons-tatar que tais intervenções podem ser utiliza-das contrasta com a ideia do clínico como“audiência não punitiva”. Na prática, quandofalamos em “audiência não punitiva”, não es-tamos nos referindo à total ausência de inter-venções aversivas, mas sim a:

 1. um reforçamento não contingente a res-postas específicas, mas à simples presençado cliente, o que é usualmente referidocom termos como “aceitação incondicio-nal” e “promoção de ambiente acolhe-dor”;

 2. um reforçamento de respostas que preci-sariam ser modeladas pelo clínico porqueforam punidas – ou não ensinadas – pela

comunidade do cliente e que, portanto,sua emissão em sessão pode ser inicial-

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mente aversiva justamente porque forampareadas com punição, na vida, em situa-ção semelhante;

 3. extinção ou punição de respostas social-mente inadequadas que precisam ter a fre-quência reduzida e foram reforçadas pelacomunidade do cliente, procedimentoeste que também pode ser inicialmenteaversivo mas que, a longo prazo, visariaseu bem-estar e melhora.

 Ainda assim, seria interessante que a es-colha das intervenções balanceasse o mínimo

de aversividade com o máximo de benefícios.No caso clínico de Afonso, podemos hipote-tizar que o próprio falar de si, na presença doclínico, pode ser aversivo, uma vez que impli-caria em falar sobre problemas e que o clientetenha pouco repertório para tal. Além disso,qualquer intervenção do clínico que procureaumentar a frequência dessas verbalizaçõestambém teria chance de ser aversiva. O clíni-co, portanto, precisaria ser hábil ao constituir-

-se como uma “audiência não punitiva”, con-forme definida anteriormente, e combinar asdiversas intervenções aqui apresentadas como,por exemplo, fading in de assuntos aversivos eacolhimento e empatia para sua ocorrência,em um processo gradual (modelagem).

 A última intervenção listada na Tabela15.1, dentre as manipulações do termo daconsequência, é a técnica de economia de fi-chas, que consiste na liberação de reforçador

arbitrário6 contingente à emissão da respostaque se pretende instalar, manter ou aumentarsua frequência. O termo “economia de fi-chas” é derivado do uso inicial da técnica, nasdécadas de 50 e 60, pelos modificadores docomportamento em hospitais psiquiátricos,com fichas que funcionavam como reforçocondicional, e sua soma era posteriormentetrocada por outros itens. Destaca-se aqui anecessidade de se avaliar os benefícios e riscos

do uso de reforço arbitrário. Embora este tipo

de controle do comportamento seja comu-mente alvo de críticas, nossa posição aqui éque ele pode ser útil, caso seja avaliado que:

 1. ele instalará mais rapidamente uma res-posta para a qual, inicialmente, o reforçonatural não existe ou é insuficiente paramantê-la;

 2. ele se constitui em uma alternativa inicialde instalação de resposta, mas para a qualo clínico planeja outras alternativas futu-ras de manutenção por meio de reforçosintrínsecos; e/ou

 3. seu uso manterá respostas iniciais que nãose manteriam somente pelo reforço natu-ral, mas que são importantes porque suaexecução produz novos SDS, que se consti-tuem em oportunidades de acesso a outrosreforçadores (como reforço arbitrário pararespostas de autocuidado em crianças pe-quenas e deficientes mentais que, se emiti-das, aumentam a probabilidade destes seinserirem em grupos sociais).

Intervenções baseadas emmodificação da resposta

É difícil descrever intervenções em termos demodificação de resposta, uma vez que se su-põe que toda resposta tem uma função noambiente. Em tese, nem seria possível dizerque uma intervenção modifica diretamente

uma resposta, pois oque o clínico faz sópode ser antecedenteou consequente. En-tretanto, destacamosaqui duas interven-ções (role-play  e mo-delação), e as classifi-camos como predominantemente modifica-doras de resposta mais no sentido de que elas

visam o manejo direto de sua topografia. Ain-

Em tese, nem seriapossível dizer queuma intervençãomodifica diretamenteuma resposta, pois oque o clínico faz sópode ser anteceden- te, ou consequente.

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Clínica analítico-comportamental 157

da assim, é necessária uma relação estreitacom seus antecedentes (como quando se dis-cute o contexto para o qual seria mais ade-

quada a sua emissão) e suas consequências (oque a resposta com nova topografia produziráno analista e nas demais pessoas de seu am-biente social, que pode até modificar sua fun-ção).

 A modelaçãoconsiste na relaçãoentre um modelo an-tecedente e a respostade observá-lo e imitá-

-lo, o que, em geral,produz para o imita-dor consequências si-milares às do modelo.Nesse sentido, diz-seque a sensibilidade àimitação tem compo-nentes filogenéticos,isto é, existiria umatendência a imitar,

mesmo que sem trei-no. Por conta disso, oclínico deve atentarpara seu próprio com-portamento, pois, in-dependentemente deplanejar isso, é ummodelo para seucliente.

Como método de ensino, a modelação

pode ser programada e complementa outrasintervenções, como o uso de regras, podendoser feita concomitante ou como alternativa aeste uso. Ao aliar a modelação à modelagem,o indivíduo pode ser reforçado em duas habi-lidades: a emissão da resposta imitada e a res-posta de imitar, em si. O imitar generalizado,neste último caso, é considerado como umaclasse de comportamento de ordem superior.

O role-play   é uma técnica que corres-ponde ao uso da modelação, planejado e sina-

lizado pelo clínico. Neste uso, analista e clien-te podem interpretar diversos papéis. O clíni-co pode, por exemplo, desempenhar o papel

do cliente e solicitar que ele desempenhe opapel de seu chefe,colega, parceiro, etc.,e, em seguida, trocaros papéis para obser-var e consequenciaro desempenho sub-sequente do cliente.Esta técnica tambémpode ser aliada à des-

crição das respostasimitadas, para umasuplementação ver-bal da contingência e, frequentemente, au-xilia na dessensibilização de componentesrespondentes, associados a esta interação,que poderiam estar suprimindo sua ocorrên-cia. Com o role-play , o clínico aproxima,para a situação imediata, variáveis presentesem contingências fora da sessão, e pode ma-

nejar direta e imediatamente tais variáveis,em vez de se restringir ao relato verbal sobreestas.

> INTERVENÇÕESPREDOMINANTEMENTESOBRE COMPORTAMENTORESPONDENTE

Usualmente, certos respondentes (como osenvolvidos em comportamentos entrelaçadose complexos, comumente conhecidos comosentimentos, tais quais raiva, culpa, ansieda-de e medo) são descritos pelos clientes comocausa dos problemas que os levam à busca deterapia. Por esse e outros motivos, os clínicosprecisam atentar para o relato sobre respon-dentes e sua manifestação na própria sessão.

 Assim, o papel dos respondentes sobre as di-ficuldades do cliente é que estes causam sofri-

A aprendizagempor modelaçãose trata de umaaprendizagem queocorre a partir da

observação de ummodelo. Assim,não se restringeà imitação. Porexemplo, pode seruma aprendizagempor “oposição”, emque o sujeito emiteuma resposta opostaà do modelo sobcontrole de produziruma consequênciadiferente da produzi-

da pelo modelo.Deste modo,pode-se dizer queimitação faz partede modelação, todavia modelaçãoabarca outros tiposde aprendizagema partir do modelo,não se restringindo àimitação.

Com o role-play , oclínico aproxima,para a situaçãoimediata, variá-veis presentes emcontingências forada sessão, e podemanejar direta eimediatamente essasvariáveis ao invés

de se restringir aorelato verbal sobreas mesmas.

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mento, podem alterar o operante (suprimir aresposta ou exacerbá-la) ou levar o indivíduoa tentar controlá-los, o que muitas vezes só os

agravam. As intervenções realizadas sobre os res-pondentes dependem de uma análise cuidado-sa sobre a relação operante-respondente queusualmente se estabelece. Nesse sentido, nãosó o respondente pode alterar o operante comoo contrário também ocorre. Um indivíduo,por exemplo, pode sentir ansiedade em umasituação social aversiva, trazendo implicaçõespara a resposta operante de “conversar”. Entre-

tanto, pode também gaguejar enquanto con-versa, e produzir a condescendência de seu in-terlocutor, o que, se for reforçador, coloca a ga-gueira sob controle operante. O clínico tam-bém deve atentar para os relatos e expressõesde sentimentos como auxiliares para fazer umaavaliação funcional, como, por exemplo, quan-do o relato de “alívio” sugere uma contingên-cia de retirada de reforçamento negativo.

 A partir dessa análise, o clínico pode es-

colher entre diversos caminhos de interven-ção. Algumas técnicas se constituem em fer-ramentas disponíveis para reduzir responden-tes, como a dessensibilização sistemática, aexposição, o relaxamento muscular progressi-vo de Jacobson e o treino de respiração. A ra-cional dessas técnicas é que a diminuição dosrespondentes seria importante e necessáriapara a redução de respostas de esquiva e o en-frentamento de estimulação aversiva. Entre-

tanto, outros caminhos de intervenção in-cluem a modificação de regras a respeito dossentimentos, como no caso da Terapia de

 Aceitação e Compromisso – ACT, propostapelo pesquisador americano Steven C. Hayes,em que, em vez de tentar reduzir a ansiedade,o cliente é levado a descrevê-la como inevitá-vel (aceitação) e a se comportar diante dos es-tímulos aversivos apesar dos sentimentos queeles eliciam (compromisso).

> CONSIDERAÇÕES FINAIS

Clínicos analítico-comportamentais, talvez

por suas origens históricas como modificado-res de comportamento e por suas bases expe-rimentais, têm sido referidos, erroneamente,como “meros aplicadores de técnicas” usual-mente voltadas para a eliminação de respostaspontuais. Procuramos, neste capítulo, de-monstrar não apenas as razões para as quaisesta atribuição é infundada, mas tambémqual é o papel das técnicas dentro do contex-to das atividades do clínico analítico-com-

portamental e algumas maneiras de escolhê--las e utilizá-las. Conforme Skinner (1974),

 A coleção de fatos é apenas o primeiro passoem uma análise científica. Demonstrar as rela-ções funcionais é o segundo. [...] No caso pre-sente, controle significa terapia. Uma ciênciado comportamento adequada deveria dar tal-vez uma contribuição maior para a terapia doque para o diagnóstico. [...] Os passos que de-vem ser dados para corrigir uma determinada

condição de comportamento seguem-se dire-tamente de uma análise dessa condição. Se po-dem ser efetivados depende, é claro, de se sa-ber se o terapeuta tem controle sobre as variá-veis relevantes (p. 204).

Nesse sentido, nossa posição é a de que,embora a intervenção não se reduza à aplica-ção de técnicas, a elaboração destas vai ao en-contro da afirmação de Skinner a respeito dacontribuição da ciência do comportamento à

terapia. Ocorre que, conforme ele esclarece,sua utilização deve estar atrelada à coleta dedados e ao estabelecimento de relações fun-cionais. Em outras palavras, aplicar a “técnicapela técnica” é aquiescência ; é colocar o com-portamento do clínico mais sob controle deuma regra do que das contingências que ocor-rem ao longo das sessões; é restringir as possi-bilidades de ação. Já aplicar a técnica a partirda análise de contingências é rastreamento,7 

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Clínica analítico-comportamental 159

combinando as vantagens de uma regra deconduta (a técnica) com a riqueza e a comple-xidade das variáveis presentes em um proces-

so terapêutico.

> NOTAS

  1. A classificação das intervenções proposta neste capí-tulo, e a discussão sobre o seu uso, são derivadas dereflexões realizadas para a elaboração de aulas dadisciplina “Estratégias de Avaliação e Intervençãona Clínica Analítico-Comportamental”, do cursode Especialização em Clínica Analítico-Comporta-mental do Núcleo Paradigma, ministradas pelas au-

toras.  2. Bullying é a agressão física e/ou verbal feita repetida-

mente e intencionalmente contra um ou mais cole-gas incapazes de se defender. Para saber mais, leiaDel Prette (2008).

  3. Comportamento clinicamente relevante 1 (CRB1),segundo Tsai, Kohlenberg, Kanter, Kohlenberg,Follette e Callaghan (2009), é o comportamento docliente, na própria sessão, similar ao comportamento--alvo fora da sessão. Os autores ainda classificamCRB2 como comportamento de melhora e CRB3como interpretações sobre o seu próprio comporta-

mento ou de terceiros.  4. Usualmente, mantemos as siglas em inglês, cujossignificados são: DRO, “reforçamento diferencialde outros comportamentos”; DRA, “reforçamentodiferencial de comportamento alternativo”, e DRI,“reforçamento diferencial de comportamento in-compatível”.

  5. Relações do tipo “dizer-fazer” e “fazer-dizer” são es-tudadas por diversos pesquisadores. Para saber mais,sugerimos a leitura de Ribeiro (1989), Pergher(2002), Sadi (2002), Beckert (2005), Hübner, Al-meida e Faleiros (2006).

 6. Reforçador arbitrário, ou extrínseco, é aquele que

tem uma relação arbitrária com as respostas que oproduzem, em contraponto com o reforçador natu-ral ou intrínseco, que é aquele naturalmente relacio-nado às respostas que o produzem (Catania, 1999).

  7. Aquiescência ( pliance ) é se comportar sob controlede uma regra e da aprovação por segui-la; ras-treamento (tracking ) é aquele comportamento sobcontrole das consequências ambientais que não o

reforço por seguir regras.

> REFERÊNCIAS

Beckert, M. E. (2005). Correspondência verbal/não verbal:Pesquisa básica e aplicações na clínica. In J. Abreu--Rodrigues, & M. R. Ribeiro (Orgs.), Análise do comporta-mento: Pesquisa, teoria e aplicação  (pp. 229-244). Porto Alegre: Artmed.

Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: Comportamento, lin- guagem e cognição. São Paulo: Artmed. (Trabalho original

publicado em 1998)Del Prette, G. (2008). Lucas, um intruso no formigueiro:Filme infantil aborda bullying  e relações hostis na infância.Boletim Paradigma, 3, 42-44.

Hübner, M. M. C., Almeida, P. E., & Faleiros, P. B. (2006).Relações entre comportamento verbal e não verbal: Ilustra-ções a partir de situações empíricas. In H. J. Guilhardi, &N. C. de Aguirre (Orgs.), Sobre comportamento e cognição (vol. 18, pp. 191-219). Santo André: ESETec.

Pergher, N. K. (2002). De que forma as coisas que nós faze-mos são contadas por outras pessoas? Um estudo de correspon-dência entre comportamento não verbal e verbal . Dissertação

de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,São Paulo.

Ribeiro, A. F. (1989). Correspondence in children’s self--report: Tacting and manding aspects. Journal of the Experi-mental Analysis of Behavior, 51(3), 361-367.

Sidman, M. (2003). Coerção e suas implicações . Campinas:Livro Pleno. (Trabalho original publicado em 1989)

Skinner, B. F. (1974). Ciência e comportamento humano.São Paulo: Edart. (Trabalho original publicado em 1953)

Tsai, M. T., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg,B., Follette, W. C., & Callaghan, G. M. (2009). A guide to functional analytic psychotherapy: Awareness, courage, loveand behaviorism. New York: Springer.

Zamignani, D. R. (2007). O desenvolvimento de um sistemamultidimensional para a categorização de comportamentos nainteração terapêutica . Tese de doutorado, Universidade deSão Paulo, São Paulo.

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Os resultados da terapia analítico-comporta-mental dependem, intrinsecamente, da rela-ção que se estabelece entre um cliente e seuterapeuta. No trabalho de Skinner (1953/1978), podemos situar a base dessa discussão,pertinente até os dias atuais. Segundo o au-tor, um cliente está em condição de estimula-ção aversiva ao começar a terapia. Se o tera-

peuta demonstra, de modo direto ou indire-to, geralmente de modo verbal, ser capaz demodificar aquele sofrimento, tem início aconstrução de uma relação reforçadora entreo cliente e seu terapeuta. Skinner, em suaanálise do papel do terapeuta, afirma que aprimeira tarefa do terapeuta é conseguir tem-po, criar meios do contato ter continuidade ede se tornar reforçador, por se mostrar efeti-vamente terapêutico. Trata-se de estabelecer

um relacionamento de escuta não punitiva,que permita a livre expressão do cliente, o re-

lato isento de censura de aspectos clinica-mente relevantes.

No consultório, a queixa é ponto departida para o entendimento dos problemasdo cliente. Nessa fase, o clínico atua de modoa favorecer que o cliente permaneça na tera-pia e experiencie alguma redução no sofri-mento que o motivou a buscar auxílio profis-

sional. Enquanto oclínico visa tornarsignificativa sua rela-ção com o cliente, eletambém se dedica àcoleta de dados, deforma a compreender as variáveis que atuamsobre o comportamento do cliente. O clínicopartilha com o cliente sua visão inicial docaso e, juntos, definem metas que façam sen-

tido a ambos. A partir daí, o terapeuta sele-ciona e implementa as primeiras estratégias

16  O papel da relação

terapeuta-cliente para aadesão ao tratamento e àmudança comportamentalRegina C. Wielenska

ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  Aspectos da relação terapêutica aos quais o clínico deve atentar.>

  Avaliação funcional da relação terapêutica.>

  Comportamentos clinicamente relevantes – CRBs.>

  As cinco regras do trabalho com CRBs.

No consultório, aqueixa é ponto departida para o enten-dimento dos proble-mas do cliente.

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Clínica analítico-comportamental 161

terapêuticas, compatíveis com os objetivos.Resumindo, cabe ao profissional facilitar a co-leta dos dados necessários à avaliação funcio-

nal do caso de seu cliente e criar condiçõespara aplicar um ou mais procedimentos que julgar necessários (preferencialmente, os que aliteratura sinaliza como sendo menos aversi-vos, mais eficazes e minimamente intrusivos).

 Ao longo destas tantas etapas (aqui des-critas como se ocorressem em separado, de

modo estanque), oclínico observa tam-bém os possíveis efei-

tos do relacionamen-to terapêutico sobreo processo de mu-dança do cliente. Oandamento do pro-cesso depende, entreoutros fatores, dessas

sucessivas interações entre os participantes. Assim, precisamos identificar aspectos docliente e/ou terapeuta que afetariam a cons-

trução e manutenção da relação entre eles e asconsequências desta sobre os resultados dotratamento. A título de ilustração, podería-mos nos perguntar se a idade do clínico exer-ceria alguma influência sobre a aceitação docliente quanto às suas falas. Outra possível in-dagação seria se o fato de o profissional ex-pressar empatia traz algum efeito sobre algumcomportamento do cliente na sessão, ou foradela. Essas questões, na maioria de suas ver-

tentes, revelam o interesse de clínicos e pes-quisadores em entender por quais mecanis-mos o clínico se torna fonte de influência, in-tervindo, direta ou indiretamente, sobre oscomportamentos do cliente, dentro e fora dasessão. Analisar funcionalmente a relaçãoterapeuta-cliente é tarefa da qual não pode-mos nos furtar, pelo fato de ser poderosa fer-ramenta de mudança.

 A interação entre o terapeuta e seucliente exerce múltiplas funções para ambosos participantes. Comportamentos do pri-

meiro funcionam como reforçadores paracertas respostas do segundo (por exemplo,com apoio do profissional, o cliente consegue

falar sobre sua história de vida, relatando atémesmo episódios difíceis e aversivos). Outrapossível função para comportamentos ouatributos do terapeuta é a de estes assumirema função de estímulos condicionados elicia-dores de sensações de bem-estar (seria o casodo cliente que relata que a voz do terapeuta jálhe acalma um pouco). Ou, ainda, respostasdeste podem ser estímulos discriminativospara a emissão de respostas (do cliente) mais

favoráveis à mudança de comportamento,dentro ou fora do consultório. Há clientesque relatam que estavam em uma situação di-fícil em seu cotidiano e se perguntaram: “Oque meu terapeuta me diria agora?”, e que,assim, encontraram respostas aos problemasenfrentados. Respondentes do cliente, desdeque acessíveis ao clínico (por exemplo, ruborou contrações musculares), podem, de algummodo, exercer controle sobre emoções e deci-

sões do profissional. O mesmo, certamente,vale para os operantes verbais e não verbaisemitidos pelo cliente. Imaginem uma sessãona qual as indagações do clínico estão perigo-samente tangenciando um tema provavel-mente aversivo à cliente. Ela responde laconi-camente, e parte de imediato para outrotema, polêmico, o qual de fato desvia os par-ticipantes de seu rumo original. Pessoalmen-te, nas ocasiões em que consigo perceber tal

esquiva da cliente e não embarco no trem dafalsa polêmica, posso responder-lhe que mesenti como se estivesse em um rodeio ou tou-rada. No embate entre o animal e o homem,o pano vermelho e os cowboys vestidos de pa-lhaços servem para que o animal se distraiacom outras coisas, e não ataque diretamenteo toureiro ou vaqueiro. Um tema difícil, do-loroso, foi trazido pelo terapeuta, a cliente lheoferece em troca um tema chamativo, similarao pano balouçante. Isso impede ambos deabordar o que talvez fosse clinicamente rele-

Precisamos iden- tificar aspectos docliente e/ou tera-peuta que afetariama construção emanutenção darelação entre eles eas consequênciasdesta sobre os resul- tados do tratamento.

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vante e bastante doloroso, ou motivo de cons-trangimento. Quando nos tornamos touroou toureiro na sessão, os papéis precisam ser

revistos. A meta não é um ou outro sair vito-rioso de um embate mortal, visto que os par-ticipantes deveriam, outrossim, estar a servi-ço da transformação da relação conturbadaentre o cliente e seu mundo. Essa interpreta-ção redefine para a cliente a função das falasdo clínico sobre aquele tema tão difícil.

 Afasta-se a ideia de que ferir, dominar e des-truir o cliente seria função das ações do clíni-co. Tal reação operante da cliente deve ter

sido a melhor resposta que pôde aprender aolongo da vida como proteção contra o que se-ria potencialmente doloroso. Um animal feri-do ataca até aquele que tenta lhe tratar. É pos-sível negociar formas para a cliente sinalizar,na sessão, o quanto está disposta a abordar talassunto. Se os limites forem definidos e res-peitados pelo profissional, a cliente provavel-mente se sentirá menos ameaçada e será capazde se aproximar, em um futuro próximo, do

que lhe é particularmente aversivo e clinica-mente de interesse.

Frente a essa amplitude de possibilida-des, um clínico deve ser especificamente trei-nado para analisar aspectos do relacionamentoterapêutico, reconhecendo seus mecanismosde funcionamento e seus múltiplos efeitos so-bre os participantes, no intuito de ampliar achance de sucesso da terapia. Ferster (1966,1967, 1979) foi um dos primeiros analistas do

comportamento a desenvolver a análise fun-cional das intervenções psicoterapêuticas, par-tindo da observação direta do trabalho clínico,tanto de linha psicodinâmica quanto compor-tamental. Em sua análise, Ferster considerou aênfase dada ao comportamento individualcomo uma característica comum entre o traba-lho de pesquisa em um laboratório de condi-cionamento operante e os procedimentos clí-nicos. Para Ferster, o experimentador atua de

modo similar ao clínico, visto que precisa ob-servar detalhes do comportamento do pombo,

seu sujeito único, e ajustar suas ações às pecu-liaridades da ave. O controle sobre o compor-tamento do sujeito seria demonstrado pela

maestria de quem o condiciona. A capacidadede modificar o comportamento de um cliente,utilizando-se os princípios do condicionamen-to operante, estabeleceria, para Ferster (Ferster,Culbertson e Perrot-Boren, 1968/1978, p.283), a fronteira entre a ciência natural e a prá-tica clínica. A esse respeito, Ferster afirmou serdifícil afirmar o quanto da terapia é governadopela teoria que lhe dá sustentação ou pela inte-ração e descoberta com o paciente.

Ferster propôs que a análise das variá-veis das quais o comportamento é função, achamada avaliação funcional, colocaria emtermos objetivos a experiência clínica e refi-naria suas práticas, viabilizando compreenderdiferentes modalidades de psicoterapia. Parao clínico, a vantagem da descrição comporta-mental seria tornar visível e cientificamentecomunicável cada pequeno componente dainteração. O clínico atuaria de modo similar

ao pesquisador no laboratório, facilitando aocorrência de um comportamento do cliente,que precisará ser mantido, no contexto natu-ral, por consequências não mediadas pelo te-rapeuta. Referindo-se ao papel da relaçãoterapeuta-cliente na terapia infantil, Fersterafirmou que

a terapia seria uma interação na qual o reforça-mento do comportamento do terapeuta, ad-

vindo dos progressos no repertório da criança,é um componente tão importante quanto osdesempenhos da criança reforçados pelas con-tingências ou instruções arranjadas pelo pró-prio terapeuta (Ferster, Culbertson e Perrot--Boren,1968/1978, p. 291).

Como se vê, Ferster atribuiu papel im-portante ao comportamento verbal na psico-terapia e salientou ser a relação terapeuta--cliente uma estrada de duas vias, colocando o

foco sobre a influência recíproca entre os par-ticipantes. Segundo ele, o primeiro objetivo

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Clínica analítico-comportamental 163

do estudo do comportamento aplicado à prá-tica clínica seria identificar como o clínico ecliente modificam o comportamento um do

outro no exato momento da interação. O se-gundo objetivo, segundo Ferster, seria explicarcomo os novos comportamentos verbais, pro-dutos da terapia, trariam efetivos benefíciosao cliente. Para alcançar o primeiro objetivo,Ferster sugere ao clínico rever como o reforça-mento verbal ocorre na sessão. Enquanto ope-rante, o comportamento verbal não se definepor sua topografia, mas pelo reforçador que omantém. Nesse sentido, na sessão, o ouvinte

(terapeuta ou cliente) faz um contraponto aofalante. Propriedades estáveis do repertório doclínico forneceriam reações que sustentam emodelam a fala do cliente, a qual reflete, emespecial no início do tratamento, o controleexercido pela sua história passada e individual.

 A reatividade diferencial do clínico, que é umouvinte e falante especialmente treinado, teriaa capacidade potencial de remediar partes dodiscurso do cliente. Estabelece-se, assim, o

controle estrito entre ouvinte e falante. A du-pla cliente-terapeuta cria uma situação na qualos reforçadores são naturais e mantidos pelaspropriedades estáveis dos repertórios de am-bos. O repertório inicial do cliente seria relati-vamente insensível às reações do clínico, porser um operante negativamente reforçado, umcomportamento verbal controlado pela histó-ria de intensa privação e estimulação aversiva,um aspecto anteriormente salientado por

Skinner. Mediadas pelas ações verbais do clí-nico, que reage seletivamente ao cliente, quei-xas generalizadas se transformam em desem-penhos novos. Esse contexto da sessão, prova-velmente mais protegido do que outros nosquais o cliente vive, modelaria, segundo Fers-ter, novos comportamentos, os quais modifi-cariam a interação do cliente com outras pes-soas, fora do consultório. A fala do cliente se-ria, primariamente, um desempenho reforçadopor fazer o terapeuta entender (Ferster, Cul-bertson e Perrot-Boren, 1968/1978, p. 299).

 Assim, um dos objetivos do processo te-rapêutico seria facilitar ao cliente o relato deseus comportamentos encobertos, criando

condições para que ele atente para aspectosantes desconhecidos e passe a identificar seusprováveis antecedentes funcionais. As análi-ses funcionais do terapeuta sobre as intera-ções ocorridas na sessão, e também sobre ou-tros relatos do cliente, ensinariam o cliente aidentificar alternati-vas para seu compor-tamento fora do con-sultório. Essa habili-

dade, ensinada peloclínico, de amplificaras contingências emvigor através do com-portamento verbal,seria, por fim, utili-zada pelo cliente para formas públicas de seucomportamento em contextos fora da sessão.

 Assim, ocorreria o aumento da frequência dereforçamento positivo e redução do controle

aversivo.Profunda e ampla, a análise de Ferster

sinalizou a possibilidade de se investigar sis-tematicamente qualquer relação terapêuti-ca. Ferster demonstrou, através de estudosobservacionais em situação natural (Ferstere Simmons, 1966; Ferster, Culbertson ePerrot-Boren, 1968/1978), a existência desutis relações de controle recíproco entreuma terapeuta psicodinâmica, Jeanne Sim-

mons, e sua cliente, Karen, uma criança au-tista. A análise do comportamento enfatizaa metodologia de caso único como forma deprodução de conhecimento, e, naquela oca-sião, os progressos de uma criança submeti-da à terapia de orientação psicanalítica pu-deram ser explicados, de modo concreto einequívoco, com base nos princípios docomportamento como reforçamento positi-vo e extinção, um trabalho pioneiro acercada análise comportamental de uma relaçãoterapêutica.

As análises funcio-nais do terapeuta,sobre as interaçõesocorridas na sessão,

e também sobreoutros relatos docliente, ensinariam ocliente a identificaralternativas para seucomportamento forado consultório.

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164   Borges, Cassas & Cols.

Nos últimos 15 anos, a Terapia Analíti-ca Funcional, conhecida pelas iniciais de seunome em inglês, FAP, foi desenvolvida por

Kohlenberg e Tsai (1997, 1991/2001) etornou-se inequívoca fonte de influência so-bre a comunidade de clínicos analítico-com-portamentais, pelas suas contribuições acercada análise da relação terapeuta-cliente comoinstrumento para mudança de comporta-mentos clinicamente relevantes.

Na FAP, subjaz uma perspectiva contex-tualista, e, tal como afirmam Tsai, Kohlenberg,Kanter, Folette e Callaghan (2009), perceber a

realidade é um comportamento que decorredo contexto no qual esse mesmo perceberocorre. Pela avaliação funcional, deciframos as

interações entre osparticipantes da ses-são, identificando-seprocessos de reforça-mento, controle deestímulos e eliciaçãode respostas.

Clínicos treina-dos em FAP apren-dem a ser controla-

dos na sessão por cinco diretrizes norteadorasde quando e como seus comportamentos po-dem ser naturalmente reforçadores na sessãopara respostas do cliente. Essa forma de tra-balhar se aplica mais precisamente aoscomportamentos-problema do cliente que jáocorram na sessão ou nos que possam enge-

nhosamente ser evocados pelo clínico. A FAPnomeia esses dois tipos de respostas de “com-portamentos clinicamente relevantes”. NoBrasil, consagrou-se o uso da sigla CRB, amesma usada em inglês.

São denominados como CRB1 todas asocorrências, na sessão, de instâncias do reper-tório do cliente que constituem seus proble-mas de relacionamento com amigos, famíliaou outras pessoas. Em uma terapia bem-

-sucedida, essa ampla classe de respostas, ge-ralmente relacionadas a contingências de

controle aversivo, deveria sofrer redução desua frequência.

Em paralelo, na medida em que os

CRB1 reduzirem de frequência, provavel-mente o terapeuta irá se deparar com instân-cias de CRB2, ou seja, respostas que sinali-zam a mudança na direção desejada. Ocor-rem novas respostasna sessão, que serãomodeladas e reforça-das diferencialmentepelo clínico, e quedepois deverão ser

reforçadas em situa-ção natural. Umcliente muito tími-do, inassertivo, queconsiga pedir ao te-rapeuta que mudeseu horário habitualpara a próxima ses-são, ou que expressadesagrado ou discor-

dância, está emitin-do respostas que sãosinais de claro pro-gresso. As novas respostas precisam ser natu-ralmente reforçadas. Em um caso, com oatendimento da solicitação; em outro, peloreconhecimento do erro cometido, acompa-nhado por um verdadeiro pedido de descul-pas, por parte do clínico, contingentemente àreclamação do cliente.

Os CRB3, por sua vez, são explicaçõesfuncionalmente mais precisas que o clientefaz de seu próprio comportamento, algumasvezes acompanhadas de relatos de efetiva mu-dança ocorrida fora do consultório. Compor-tamento verbal desse tipo constitui uma par-cela significativa do que ocorre na sessão.

 Além dos CRBs, ocorre na sessão a ava-liação dos outros comportamentos do clienteemitidos fora da sessão. Na nomenclatura da

FAP, estes são os Os, subdivididos em O1,quando deverão ser alvo de intervenção, e

Os ComportamentosClinicamenteRelevantes (CRBs)são assim divididos:

CRB1 – compor- tamento-problemaque deve reduzir de

frequência ao longodo processo clínico;

CRB2 – compor- tamentos diferentesdos CRBs1 queindicam “melhora”,que devem aumentarde frequência aolongo do processoclínico;

CRB3 – análisede contingênciasfeitas pelo cliente

sobre seu própriocomportamento.

Pela avaliação fun-cional, deciframosas interações entreos participantes dasessão, identificando--se processos dereforçamento,controle de estímu-los e eliciação derespostas.

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Clínica analítico-comportamental 165

O2, quando constituem um ponto favoráveldo repertório do cliente. Para ilustrar a ponteentre CRBs e Os, podemos imaginar um te-

rapeuta, por exemplo, que informe ao clienteque se sentiu “assim-e-assado” após determi-nado comportamento ser emitido pelo clien-te, e lhe perguntar se lá fora, no mundo deorigem do cliente, outras pessoas pareceramreagir assim na hora em que se comportoucom eles de modo similar.

Como recurso adicional para avaliaçãodo cliente, Callaghan (2006) propõe o Func-tional Idiographic Assessment Template  (FIAT),

instrumento composto por um questionárioe uma entrevista estruturada, que tentam ava-

liar cinco classes derespostas importan-tes no contexto in-terpessoal: expressãoassertiva de necessi-dades, comunicaçãobidirecional, confli-to, autorrevelação e

proximidade inter-pessoal, expressão eexperiência emocio-nal.

Clínicos deFAP são treinados aagir sob controle decinco regras:

a) atentar para a ocorrência de CRBs;

b) evocar CRBs, o que exige uma pitada deousadia e coragem por parte do clínico;

c) reforçar naturalmente, de um modo tera-peuticamente empático e compassivo, osCRB2;

d) observar os efeitos potencialmente refor-çadores do comportamento do terapeutasobre o do cliente;

e) fornecer ao cliente informações analisadasfuncionalmente, promovendo estratégiasde generalização (tais como interpretar e

generalizar).

Sem dúvida, a discussão do tema da re-lação terapeuta-cliente é um projeto sem fim.

 Aqui, foram sugeridas ferramentas iniciais,contextualizando melhor a relevância dotema e favorecendo ao leitor apropriar-se davasta literatura a respeito, produzida por clí-nicos e pesquisadores da abordagem analítico--comportamental, tanto no cenário brasileiro

quanto em outros países.

> REFERÊNCIAS

Callaghan, G. (2006). The functional idiographic assess-ment template (FIAT) system. The Behavior Analyst Today,7 , 357-398.

Ferster, C. B. (1967). Transition from animal laboratory toclinic. The Psychological Record, 17 (2), 145-150.

Ferster, C. B. (1979). Psychotherapy from the standpoint of

a behaviorist. In J. D. Kheen (Org.), Psychopathology in ani-mals: Research and clinical implications  (pp. 279-303). New York: Academic Press.

Ferster, C. B., & Simmons, J. (1966). Behavior therapywith children. The Psychological Record, 16 (1), 65-71.

Ferster, C. B., Culbertson, S, & Boren, M. C. P. (1977). Princípios do comportamento. São Paulo: Hucitec. (Trabalhooriginal publicado em 1968)

Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (1987). Functional analyticpsychotherapy. In N. S. Jacobson (Org.), Psychotherapists inclinical practice: Cognitive and behavioral perspectives   (pp.388-443). New York: Guilford.

Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (2001). Psicoterapia analítica funcional: Criando relações terapêuticas intensas e curativas .Santo André: ESETec. (Trabalho original publicado em1991)

Skinner, B. F. (1978). Ciência e comportamento humano (4.ed.) São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publi-cado em 1953)

Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B.,Folette, W. C., & Callaghan, G. M. (2009).  A Guide to functional analytic psychotherapy: Awareness, courage, love,and behaviorism. New York: Springer.

As cinco regrasque o clínico deveestar sob controlepara trabalhar comCRBs são: atentarpara ocorrência deCRBs; evocar CRBs;reforçar naturalmen- te CRBs2; observar

comportamentos doclínico que podemexercer funçãoreforçadora para oscomportamentos docliente; e interpretaro comportamento docliente, visando faci-litar generalizações.

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Modelagem é um processo gradativo de

aprendizagem em que o responder é modifi-cado gradualmente por meio de reforçamen-to diferencial de aproximações sucessivas deuma resposta-alvo final. Ela pode ocorrer deforma completamente acidental nas contin-gências cotidianas ou como um procedimen-to planejado por um analista do comporta-mento.

Dois são os critérios para se falar emmodelagem:

 1. o reforçamento diferencial, que consisteno reforço de algumas respostas e não deoutras;

 2. as aproximações sucessivas, que é a mu-dança gradual de critério para reforço.

Os critérios para reforçamento, geral-mente, baseiam-se em propriedades das res-postas, tais como topografia, força, duração,latência, direção, etc. A modelagem como

procedimento começa com o reforçamento

de respostas que possuem alguma semelhançacom a resposta-alvoou que sejam pré--requisito para ela.Os critérios para re-forçamento mudamconforme o respon-der vai se tornandomais próximo daresposta-alvo final.O reforço de umaresposta produz umespectro de respostas com maior ou menorgrau de proximidade da resposta a ser mode-lada. Reforçar as que forem mais próximasvai resultar na emissão de outras respostas, al-gumas ainda mais semelhantes à resposta--alvo do que outras. Dessa forma, o reforçovai paulatinamente selecionando respostasaté que a final ocorra e seja, finalmente, refor-çada.

 17  A modelagem como

ferramenta de intervenção Jan Luiz Leonardi

Nicodemos Batista Borges

ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  Modelagem como produto de contingências cotidianas ou procedimento de intervenção.>

  Os critérios para se falar de modelagem.>

  Como planejar e implementar um procedimento de modelagem.>

  Limitações do procedimento de modelagem.

Dois são os critériospara se falar emmodelagem: o refor-çamento diferencial,que consiste noreforço de algumasrespostas e não deoutras e as aproxi-mações sucessivas,que é a mudançagradual de critério

para reforço.

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Clínica analítico-comportamental 167

É importante observar que é a variabili-dade comportamental que torna possível o

processo de modela-

gem: é apenas quan-do o responder variaao longo de dimen-sões apropriadas quetemos a oportunida-de de reforçar as va-riações que se aproxi-mam da resposta-alvofinal. Nesse sentido,Catania (1999) expli-

ca que “a modelagemé uma variedade deseleção que seria o pa-

ralelo ontogenético da seleção filogenética queocorre na evolução biológica” (p. 130). O ana-lista do comportamento, ao selecionar cons-cientemente as respostas que serão ou não re-forçadas, direciona o processo evolutivo de

construção e modifi-cação do repertório

operante de um indi-víduo (Glenn e Field,1994).

Como procedi-mento, a modelagemé uma ferramentabastante útil para aprática clínica, namedida em que pode

ocasionar dois tipos de mudança comporta-

mental: a aquisição de novas respostas e o apri-moramento de um repertório preexistente. Noprimeiro caso, trata-se de uma possibilidade deinstalar repertórios que, de outro modo, pode-riam nunca ocorrer por serem de grande com-plexidade. A modelagem também permite oaprimoramento de um repertório comporta-mental preexistente, no qual respostas cada vezmais complexas são geradas e mantidas. É acontingência de reforçamento diferencial, con-tingente às respostas específicas, a responsável

pela modificação do comportamento e, conse-quentemente, da instalação do comportamen-to “novo”.

 A modelagemfoi introduzida porSkinner em experi-mentos que investi-garam a aquisição e adiferenciação de res-postas simples porsujeitos não huma-nos pouco comple-xos. Um exemplo

prototípico é a insta-lação da classe de respostas de bicar um discopor pombos. Um pombo privado de alimen-to é colocado dentro de uma caixa experi-mental onde há um comedouro. Inicialmen-te, o alimento é liberado quando o animal sevolta em direção ao disco, a despeito de suaposição naquele momento, o que aumenta afrequência dessa resposta. Depois de reforçarduas ou três vezes essa resposta, o critério exi-

gido para reforçamento passa a ser qualquerpequeno deslocamento para próximo do dis-co, o que novamente altera a frequência rela-tiva das respostas. Com isso, o pombo ficamais perto do disco, na medida em que mo-vimentos e posições sucessivamente mais pró-ximos do disco foram reforçados. Em segui-da, movimentos do bico para a frente são re-forçados sucessivamente e, a cada três ouquatro respostas reforçadas, movimentos

mais amplos são necessários para produzir oalimento. Finalmente, bicadas completas sãoemitidas até que uma delas atinge o disco e,então, apenas respostas de bicar o disco sãoreforçadas.

Para que um procedimento de modela-gem seja efetivamente aplicado, ele deve serplanejado. Inicialmente, é necessário definirprecisamente a resposta-alvo final, descreven-do-a em termos de topografia, duração, mag-nitude, etc. Com isso, o analista do compor-

O reforço de umaresposta produzum espectro derespostas commaior ou menorgrau de proximidadeda resposta a sermodelada. Reforçaras que forem maispróximas vai resultarna emissão deoutras respostas,algumas ainda

mais semelhantes àresposta-alvo do queoutras.

O analista do

comportamento,ao conscientemen- te selecionar asrespostas que serãoou não reforçadas,direciona o processoevolutivo de cons- trução e modifica-ção do repertóriooperante de umindivíduo.

Como procedimento,a modelagem é umaferramenta bastanteútil para a práticaclínica, na medidaem que pode oca-sionar dois tipos demudança comporta-mental: a aquisiçãode novas respostase o aprimoramentode um repertóriopré-existente.

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168  Borges, Cassas & Cols.

tamento pode estru-turar cada passo desua intervenção e, ao

final, determinar se equando o comporta-mento está devida-mente instalado.

 Além disso, para queo procedimento pos-sa ser realizado, é es-sencial selecionar oestímulo reforçadorque será utilizado.

Em seguida, deve-seconfeccionar umalista hierárquica derespostas, começan-do por identificar aprimeira resposta aser reforçada, a res-posta-alvo e o conti-nuum de respostaspossíveis entre estes

dois pontos, ou seja,uma lista que conte-nha diversas respos-tas com pequenas va-riações na direção daresposta-alvo. Para aescolha da primeiraresposta, dois crité-rios são empregados:a resposta precisa ser

emitida com umafrequência mínima edeve ter alguma di-mensão em comumcom a resposta-alvofinal. Com base nes-sa identificação, opróximo passo é de-terminar o númerode vezes que cada res-

posta da lista será re-forçada. É importan-

te observar que reforçar muitas vezes umamesma resposta pode fortalecê-la em demasiae, assim, impedir que novas variações mais

próximas da resposta-alvo final ocorram. Poroutro lado, reforçar pouquíssimas vezes umamesma resposta pode desarranjar todo o pro-cesso. A cada mudança do critério de reforça-mento para uma nova resposta da lista, deixa--se de reforçar as respostas anteriores, isto é,aquelas que estão mais distantes da resposta--alvo final; caso contrário, estará sendo ensi-nado um distanciamento da resposta-alvo fi-nal. Note que, algumas vezes, respostas mais

próximas da resposta-alvo final (ou até mes-mo ela própria) ocorrem por acaso durante oprocesso de modelagem. Nesses casos, taisrespostas devem sempre ser reforçadas, e, casonão voltem a ocorrer, a lista de respostas deaproximações sucessivas à resposta-final deveser retomada. Finalmente, quando a resposta--alvo final for emitida, ela precisa ser reforça-da continuamente para que seja efetivamenteinstalada e mantida no repertório comporta-

mental do indivíduo. Aqui, uma advertênciase faz necessária: a imediaticidade do reforçoé um fator crítico de todas as etapas da mode-lagem. Todo reforço deve ser entregue assimque a resposta terminar de ser emitida. Casohaja algum atraso, outra resposta pode ocor-rer no intervalo e, desse modo, o reforço ficarcontíguo à última resposta, aumentando afrequência desta em detrimento da outra.

Em humanos, o procedimento de mo-

delagem pode ser utilizado para a instalaçãode inúmeras classes de respostas e para a di-ferenciação de várias dimensões do compor-tamento, tais como: topografia (p. ex., refi-nar a ação motora do escrever cursivo), fre-quência (p. ex., diminuir a quantidade derespostas de autolesão), latência (p. ex., di-minuir o tempo entre a solicitação de umatarefa e sua execução), duração (p. ex., au-mentar a quantidade de tempo que um indi-

víduo permanece correndo) e magnitude (p.ex., aumentar o volume da voz de um fóbico

Para que um proce-dimento de mode-lagem seja efetiva-mente aplicado, ele

deve ser planejado eseguir os seguintespassos:1) Definir precisa-

mente a resposta--alvo final;

2) Selecionar o es- tímulo reforçadorque será utilizado;

3) Escolher a primei-ra resposta a serreforçada respei- tando dois critérios

a resposta preci-sa ser emitida comuma frequênciamínima e deve teralguma dimensãoem comum com aresposta-alvo final;

4) Confeccionaruma lista hierár-quica de respos- tas, começan-do pela primeiraresposta a ser

reforçada e ter-minando com aresposta-alvo, de-senvolvendo as-sim um continuumde respostas pos-síveis entre estesdois pontos;

5) Determinar o nú-mero de vezesque cada respos- ta da lista seráreforçada;

6) Começar o pro-cedimento dereforçamentodiferencial;

7) Mudar de cri- tério a cada vezque a respostaem questão tiversido reforçada onúmero de vezesestabelecido;

8) Reforçar continu-amente, quando a

resposta-alvo finalfor emitida.

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Clínica analítico-comportamental 169

social). Portanto, a modelagem é um méto-do de intervenção que pode ser empregadopara o manejo de excessos e déficits compor-

tamentais de todos os tipos. A modelagem é bastante profícua por-que possibilita ensinar/modificar respostas

sem que seja necessá-rio esperar que elasapareçam em sua for-ma final para serem

selecionadas por suas consequências, o quepoderia demorar muito tempo ou até mesmonunca ocorrer, como no caso de respostas

com alto grau de complexidade. Além disso,a modelagem é um meio vantajoso de modi-ficar o repertório comportamental por sercompletamente baseada em reforço positivo,1 o que evita os efeitos colaterais e o contracon-trole tipicamente envolvidos nos procedi-mentos de cunho aversivo. Por fim, é impor-tante notar que a modelagem pode ser em-pregada em conjunto com outros pro-cedimentos de instalação e modificação de

comportamento (encadeamento, regras, en-tre outros). Contudo, a modelagem possui al-gumas limitações importantes, das quais sedestacam:

a) Modelar alguns tipos de comportamentopode levar tempo demais – quando mui-tas aproximações sucessivas seriam neces-sárias até a emissão da resposta-alvo final– ou trazer riscos ao indivíduo.

b) Tendo em vista que as transformações noresponder não ocorrem de forma linear, ahabilidade do analista do comportamentoem observar e reforçar as mínimas mu-danças em direção à resposta-alvo é críticapara o sucesso da modelagem. Por umlado, se tais mudanças não forem reforça-das, podem passar a acontecer cada vezcom menor frequência, corrompendotodo o processo. Por outro lado, se elas fo-

rem demasiadamente reforçadas, podemocorrer com muita frequência, impedin-

do o progresso para respostas mais próxi-mas à resposta-alvo final.

c) A modelagem requer o constante monito-

ramento de todo o processo para que as va-riações comportamentais mais próximas daresposta-alvo sejam reforçadas, o que rara-mente é exequível. Vale notar que esse li-mite pode ser superado se a resposta-alvofinal selecionada for passível de ser modela-da durante o período de tempo disponível– por exemplo, uma sessão de terapia.

d) Comportamentos danosos ou perigosospara o próprio indivíduo e para a socieda-

de podem ser modelados inadvertidamen-te quando profissionais e cuidadores des-conhecem o efeito das consequências so-bre o comportamento.

Para que o leitor compreenda a notabi-lidade do procedimento de modelagem, umexemplo clínico será apresentado a seguir. Emum trabalho clássico, Isaacs, Thomas e Gol-diamond (1960) empregaram a modelagem

para reinstalar a resposta de falar em um pa-ciente com diagnóstico de esquizofrenia dotipo catatônico, que havia passado os últimos19 anos internado em um hospital psiquiátri-co sem pronunciar uma única palavra. Emuma sessão de terapia em grupo, na qual opaciente nunca esboçou qualquer sinal de co-municação, um chiclete caiu acidentalmentedo bolso da terapeuta. O paciente movimen-tou os olhos em direção ao chiclete, reação

esta que nunca havia sido vista antes pelosprofissionais do hospital. A partir da hipótesede que o chiclete poderia ter função de estí-mulo reforçador, os pesquisadores utilizarama resposta de olhar para o chiclete como a pri-meira aproximação à resposta de falar, apesarda enorme dissimilaridade topográfica entreestas duas respostas; afinal, esta era a únicaresposta observável que o paciente já apresen-tava em seu repertório. Após a resposta de

movimentar os olhos em direção ao chicleteter sido reforçada por seis sessões, o reforça-

A modelagem possuialgumas limitaçõesimportantes.

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170  Borges, Cassas & Cols.

mento foi interrompido até que pequenosmovimentos dos lábios ocorressem. Assim, avariabilidade comportamental foi induzida

ao se colocar em extinção a resposta anterior-mente reforçada (olhar), permitindo que umanova resposta (movimentar os lábios), maispróxima do ato de falar, fosse reforçada. Pos-teriormente, o reforço passou a ser liberadocontingente à emissão de qualquer vocaliza-ção do paciente e, gradativamente, a sonscada vez mais próximos da palavra “chiclete”.Finalmente, o paciente aprendeu a falar “chi-clete, por favor” e a responder perguntas so-

bre seu nome e idade.O Quadro 17.1 a seguir resume o pla-nejamento do procedimento de modelagemempregado por Isaacs, Thomas e Goldia-mond (1960).

Em conclusão, o procedimento de mo-delagem é um meio eficaz de gerar novas res-postas ou modificar respostas preexistentesno repertório de um indivíduo. Em vez de es-perar que uma nova resposta ocorra por acaso

para reforçá-la, o analista do comportamento

a produz, reforçando gradual e sucessivamen-te respostas cada vez mais próximas desta. Amodelagem pode ser empregada em todas as

áreas em que há comportamento: desde a clí-nica psicológica tradicional aos mais variadosambientes.

> NOTA

  1. Embora seja possível utilizar-se de reforçamento ne-gativo e punição para modificar o repertório com-portamental, os presentes autores defendem o usopreferencial do reforço positivo, devido aos subpro-dutos envolvidos em todas as práticas coercitivas.

> REFERÊNCIAS

Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: Comportamento, lin- guagem e cognição (4. ed.). Porto Alegre: Artmed.Glenn, S. S., & Field, D. P. (1994). Functions of the envi-ronment in behavioral evolution. The Behavior Analyst,17 (2), 241-259.

Isaacs, W., Thomas, J., & Goldiamond, I. (1960). Applica-tion of operant conditioning to reinstate verbal behavior inpsychotics. Journal of Speech and Hearing Disorders, 25 (1),

8-15.

> QUADRO 17.1

Sumarização dos passos empregados no procedimento de modelagem do caso apresentado porIsaacs, Thomas e Goldiamond (1960)

1. Resposta‑alvo fnal: falar “chiclete” com boa dicção.2. Reforçador: uma unidade de chiclete.3. Resposta inicial que o indivíduo já emitia: movimentar os olhos.4. Hierarquia de aproximações sucessivas:

  a) movimentar os olhos em direção ao chiclete;  b) movimentar os lábios;  c)  emitir qualquer vocalização;  d)  emitir sons próximos à palavra “chiclete” (“chh”, “et”, “chic”);  e)  emitir sons ainda mais próximos à palavra “chiclete” (“cilete”, “chilete”, “chicete”);  f)  falar a palavra “chiclete”.5. Reforçar continuamente a emissão da resposta vocal “chiclete”.

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Muitos clínicos já devem ter se perguntado se(e como) o que é dito para um cliente duranteas sessões de atendimento afeta o que ele fazem sua vida cotidiana fora da clínica. Sem dú-vida, o questionamento acerca da extensão da

terapia verbal na produção de mudanças emcomportamentos clinicamente relevantes des-taca um dos aspectos centrais dos processosenvolvidos na clínica analítico-comportamen-tal: o comportamento governado por regras   oucomportamento governado verbalmente   (Cata-nia, 1999; Skinner, 1963/1969, 1966/1969).

Skinner (1963/1969, 1966/1969) cunhouo termo regra  para se referir aos estímulos ver-bais antecedentes que descrevem uma contin-

gência 2 (relação entre o responder e os even-tos ambientais antecedentes e consequentes).

Por exemplo, após um cliente relatar uma dis-cussão que teve com um de seus professores,seu analista diz: “Você percebeu que quasesempre que alguémfala com você em um

tom de voz ‘autoritá-rio’ (situação antece-dente), você reage detal forma (resposta)que as pessoas achamque você está brigan-do? Parece-me queelas ficam um poucointimidadas com asua reação e, pelo

que você me falou agora há pouco, ficammuito irritadas (consequências)”. Nesse caso,

Considerações conceituais 18 

sobre o controle por regrasna clínica analítico--comportamental1

Dhayana Inthamoussu Veiga Jan Luiz Leonardi

ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  Comportamento governado por regras ou governado verbalmente.>

  Comportamento modelado por contingências.>

  Regras.>

  O uso de regras como procedimento de intervenção.>

  Vantagens do uso de regras no estabelecimento de novos comportamentos.>

  Contingências envolvidas nos comportamentos verbalmente governados.>

  Funções de estímulo que a regra exerce sobre comportamentos.

O termo regra se

refere aos estímu-los antecedentesque descrevemuma contingência.Assim como o termoautorregras  refere--se a estímulos comas mesmas caracte-rísticas tendo comoúnico diferencial quea regra foi formuladapela própria pessoa.

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pode-se afirmar que o clínico apresentouuma regra ao seu cliente, descrevendo algu-mas das condições sob as quais o seu com-

portamento usualmente ocorre.Por meio da regra, é possível aprenderuma resposta completamente nova sem queseja necessário viver diretamente as contingên-cias. Muito do que as pessoas fazem dependedaquilo que elas foram instruídas a fazer. Ocomportamento determinado principalmentepor antecedentes verbais é chamado de compor-tamento governado verbalmente   (ou comporta-mento governado por regras ) e suas propriedades

são diferentes das do comportamento modela-do pelas consequências (Catania, 1999). Por-tanto, um clínico pode ensinar ao cliente umaresposta verbal ou não verbal nunca antes emi-

tida sem recorrer àmodelagem ou à mo-delação. Produziruma nova resposta apartir de uma descri-ção verbal é vantajoso

devido a três aspectos:economiza tempo nageração da resposta,evita possíveis danosda exposição direta àscontingências e insta-la ou mantém respos-tas cujas consequên-cias são atrasadas ou

opostas às consequências imediatas. Além dis-

so, a descrição de contingências por parte doclínico pode auxiliar e/ou complementar ocontrole de respostas que foram aprendidas poroutros meios (Sério, 2004; Skinner, 1963/1969,1966/1969, 1974/1976; Thomaz e Nico,2007).

Uma regra completa descreve, pelo me-nos, os três elementos constitutivos de umacontingência: estímulo antecedente, resposta eestímulo consequente. Portanto, um clínico

pode falar como e quando emitir determina-das respostas e quais são as consequências en-

volvidas. Por exem-plo, em vez de mode-lar diretamente o res-

ponder de seu clienteem uma situação co-tidiana, um clínicopode dizer “quandovocê chegar à festa(situação anteceden-te), procure olharpara as pessoas ao seuredor (resposta). Des-sa forma, vai conse-

guir perceber se al-guém está olhandopara você (consequência)”.

Entretanto, a descrição de uma contin-gência pode ser parcial, explicitando apenas aresposta, a resposta e a situação na qual estadeve ser emitida, a resposta e sua consequên-cia, etc. Mesmo frag-mentos de descriçõesde contingências po-

dem acelerar a aqui-sição de comporta-mentos ou facilitar oaparecimento decomportamentos quedeixaram de ser emi-tidos (Skinner,1966/1969). Noexemplo apresenta-do, o clínico poderia apenas dizer “procure

olhar para as pessoas ao seu redor (resposta)quando for à festa (situação antecedente)”, ea descrição ainda ser capaz de alterar, em al-gum grau, a probabilidade do olhar para aspessoas durante a festa. Vale ressaltar que,uma vez que essa resposta tenha produzidoreforço, não é possível afirmar que ela estejaapenas sob controle da regra apresentada peloclínico.

Skinner (1963/1969) enfatiza que os

efeitos que uma regra produz não podem serconfundidos com os efeitos da exposição dire-

Pode-se dividir oscomportamentosem duas categorias:governados verbal-mente ou modeladospor consequências.Os primeiros são

comportamentosaprendidos atravésde regras comoestímulos antece-dentes e os últimosse referem aoscomportamentos de-senvolvidos atravésde procedimentosde modelagem oumodelação.

Produzir uma novaresposta a partirde uma descrição

verbal é vantajo-so devido a trêsaspectos: economiza tempo na geraçãoda resposta, evitapossíveis danos daexposição diretaàs contingências einstala ou mantémrespostas cujasconsequências sãoatrasadas ou opos- tas às consequên-

cias imediatas.

Pode-se dizer queuma regra podeser mais ou menos

descritiva, a depen-der dos elementosconstitutivos nelacontida. Uma regracompleta é aquelaque descreve toda arelação de contin-gência, por exemplo:estímulo discrimi-nativo, resposta ereforçador.

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Clínica analítico-comportamental 173

ta à contingência descrita pela regra. As variá-veis de controle envolvidas em cada um dos ca-sos não são as mesmas, o que torna diferentes

o comportamento governado por regras e omodelado por contingências, apesar da seme-lhança topográfica que possa haver entre eles(Skinner, 1963/1969). Uma pessoa pode olharpara os convidados de uma festa como resulta-do da recomendação de seu clínico durante asessão, enquanto outra pode fazê-lo porque,em sua história, isso produziu reforçadores so-ciais e, consequentemente, estabeleceu a con-dição antecedente “festa” como estímulo dis-

criminativo para a resposta de olhar.É importante observar que uma regra,

como qualquer outro estímulo, não exercecontrole apenas por sua simples presença.Para isso, é necessário que haja uma históriade reforçamento que a estabeleça como estí-

mulo antecedente.Seguir uma regra(isto é, emitir a res-posta especificada na

descrição) pode serreforçado pela mu-dança ambiental pro-duzida diretamentepela resposta ou pela

reação do indivíduo que emitiu a regra (fa-lante). No primeiro caso, o comportamentodepende fundamentalmente da correspon-dência entre a regra e as contingências vividaspor segui-la; no segundo caso, do reforço so-

cial por obedecer a regra (Hayes, Zettle e Ro-senfarb, 1989). Essas variáveis estão dentre asresponsáveis pela determinação do seguimen-to de regras, apresentadas mais adiante.

Conforme discutido até o momento, ocomportamento governado por regras podeser representado da seguinte forma: Sant (des-crição da contingência) – R (resposta especi-ficada na descrição) – SR (alterações ambien-tais produzidas diretamente pela resposta es-pecificada na descrição ou pela reação doindivíduo que emitiu a regra).

 As variáveis envolvidas no controle porregras têm sido amplamente estudadas poranalistas do comportamento nos últimos 30

anos. Quatro delas são apresentadas a seguir.Uma primeira variável que afeta a sele-ção e a manutenção do responder sob contro-le de regras é a existência de uma história decorrespondência entre a descrição e os even-tos do ambiente a que ela se refere (Albuquer-que, 2005; Catania, 1999; Catania, Mat-thews e Shimoff, 1990; Matos, 2001). É ne-cessário que haja correspondência entre, pelomenos, certos eventos e o comportamento

verbal do falante, entre o comportamentoverbal do falante e certos comportamentos doouvinte ou entre certos comportamentos doouvinte e certos eventos no ambiente (Matos,2001). Sem que ao menos uma dessas corres-pondências exista, o controle por regras setorna menos provável.

Outra fonte de controle diz respeito àpresença de variáveis sociais (Albuquerque,2005; Albuquerque, Paracampo e Albuquer-

que, 2004; Catania, Matthews e Shimoff,1990; Hayes, Zettle e Rosenfarb, 1989; Ma-tos, 2001). Segundo Matos (2001), grandeparte das contingências que operam sobre oseguir regras é de natureza social ou cultural,pois depende diretamente da aquisição deuma “linguagem” e do desenvolvimento docontrole por reforçadores sociais. Em termoscomuns, o controle do seguimento de regraspor variáveis sociais está implícito quando se

diz que alguém foi aprovado pelos membrosde sua comunidade por ser obediente e/ou re-provado por ser desobediente.

Uma terceira variável que interfere noresponder sob controle de regras refere-se aosganhos e perdas envolvidos em sua emissão enão emissão. É necessário analisar as conse-quências produzidas quando uma pessoa se-gue uma regra, isto é, o que ela ganha ao fazero que lhe é dito ou o que perde quando deixade segui-la (Galizio, 1979). Por exemplo, umclínico pode alertar sua cliente que, caso con-

Seguir regras trata--se de um comporta-mento como qual-quer outro. Assim,

para que ocorra épreciso uma históriade reforçamento queestabeleça regrascomo estímuloantecedente.

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tinue a se comportar de forma excessivamen-te ciumenta, é muito provável que seu namo-rado termine o relacionamento. Neste caso,

seguir a regra evita a perda de um reforçadorpositivo.Finalmente, o responder sob controle

de regras também deve ser analisado combase em sua relação com os eventos antece-dentes, que pode ser entendida partindo-sede dois aspectos. Um deles é o fato de que ainfluência que o falante tem sobre o ouvinteno momento em que a regra é apresentada in-terfere na probabilidade de controle do com-

portamento do ouvinte (Albuquerque, Para-campo e Albuquerque, 2004; Capovilla e Hi-neline, 1989). Por exemplo, uma criança quecostuma obedecer às solicitações feitas porsua mãe pode não atender àquelas feitas porseu irmão, mesmo que elas sejam as mesmas.Em uma situação semelhante, um clientepode seguir as instruções dadas por seu médi-co, mas não as de seu analista.

O segundo aspecto a ser considerado

sobre os eventos antecedentes que determi-nam o seguimento de regras é a  função de es-tímulo que a própria regra exerce. Existe um

longo debate na lite-ratura sobre as possí-veis explicações parao controle exercidopor regras, o que temgerado a publicaçãode artigos que discu-

tem as diferentes ex-plicações oferecidaspara esse fenômeno

(p. ex., Albuquerque, 2001, 2005; Blakely eSchlinger, 1987; Braam e Malott, 1990; Ca-tania, Matthews e Shimoff, 1990; Cerutti,1989; Matos, 2001; Schlinger e Blakely,1987; Schlinger, 1990, 1993). Entretanto,apesar da atenção voltada para o assunto, nãohá consenso entre os analistas do comporta-

mento sobre as funções de estímulo que as re-gras podem ter. A seguir, são apresentadas

três possibilidades: função discriminativa,função alteradora da função de estímulos efunção motivadora.

 Ao definir regra, Skinner (1963/1969,1966/1969) propõe que estímulos verbaisque especificam contingências são estímulosdiscriminativos (SDS) para o comportamentodo ouvinte, ou seja, estão correlacionadoscom uma maior probabilidade de que a res-posta especificada pela regra produza reforçoquando emitida.3 Ao longo dos anos, essa po-sição foi criticada por diversos autores quepropuseram interpretações alternativas à fun-

ção de SD

 para explicar casos de seguimentode regras que não atendiam aos critérios ne-cessários para caracterizar esta função.

Para Cerutti (1989), uma regra nãopode ser considerada um SD, especialmentequando se trata de um estímulo que nuncafoi apresentado ao ouvinte antes e, portanto,sem haver uma história de reforçamento dife-rencial na presença/ausência da regra, critérioessencial para a constituição de um SD. Con-

tudo, uma regra pode exercer função discri-minativa quando a descrição até então desco-nhecida pelo ouvinte é composta por elemen-tos (trechos da descrição) na presença dosquais o responder do ouvinte já foi reforçadoem outros momentos. Um exemplo disso équando uma criança que já aprendeu a aten-der pedidos como “pegue a bola” e “empurrea caixa” é capaz de seguir as instruções “peguea caixa” e “empurre a bola”, nunca proferidas

antes em sua história. Cerutti (1989) defendeque recombinações desse tipo possibilitam aemissão de “respostas novas” sob controle de“regras novas”, processo que designou como

 formação de classes discriminativas generaliza-das .

Embora esta interpretação possibilite aexplicação de diversos tipos de situações emque o controle por regras ocorre, sua transpo-sição para o contexto clínico parece deixar al-

gumas lacunas. Tendo em vista que os crité-rios temporais comumente aplicados ao con-

As regras podemexercer diferentesfunções numarelação comporta-mental. Algumas desuas possibilidadessão: função discri-minativa, função

motivadora e funçãoalteradora da funçãode estímulos.

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Clínica analítico-comportamental 175

trole discriminativo (alteração imediata emomentânea da frequência de respostas) nãosão atingidos, como explicar a emissão de res-

postas controladas pela regra fora do contextoem que ela foi apresentada? Alguns autores (p. ex., Blakely e Schlin-

ger, 1987; Schlinger e Blakely, 1987; Schlin-ger, 1990, 1993) defendem que, em muitoscasos, a regra em si não evoca as respostas doouvinte (tal como um SD faria), mas sim alte-ra a função de estímulos do ambiente que sãodescritos na regra. Estes estímulos, por suavez, passam a funcionar como estímulos dis-

criminativos, evocando respostas4. Esta con-tingência pode ser representada da seguinteforma: Sant  (descrição da contingência), SD (estímulos descritos na regra que evocam aresposta especificada) – R (resposta especifi-cada na descrição) – SR (alterações ambien-tais produzidas diretamente pela resposta es-pecificada na descrição ou pela reação do in-divíduo que emitiu a regra).

O efeito da regra, delineado anterior-

mente, é decorrente do que os autores cha-maram de função alteradora da função de estí-mulos  (Blakely e Schlinger, 1987; Schlinger eBlakely, 1987; Schlinger, 1990, 1993). Umexemplo desse efeito pode ser observadoquando um clínico, durante a sessão, diz aseu cliente: “Toda vez que ela tocar nesse as-sunto, você pode começar a falar de outrosassuntos ou, ainda, mostrar-se pouco interes-sado na conversa”, e, dias depois, o cliente

muda de assunto ou se mostra pouco interes-sado no momento em que sua namorada falasobre aquele assunto. Dentro dessa perspecti-va, é possível afirmar que são as próprias res-postas da namorada que evocam o referidoresponder do cliente e não a regra dada peloclínico, uma vez que adquiriram propriedadediscriminativa.

Uma terceira possibilidade levantada éque as regras podem exercer função motivado-ra  (Albuquerque, 2001; Hayes, Zettle e Ro-senfarb, 1989; Malott, 1989; Sundberg,

1993). Uma operação motivadora é definidacomo um evento do ambiente, operação oucondição de estímulo que altera momentane-

amente a eficácia de reforçadores ou punido-res e a frequência de classes de resposta ope-rantes relacionadas àquelas consequências(Laraway, Snycerski, Michael e Poling, 2003).Segundo Malott (1989), uma regra pode es-tabelecer a eficácia reforçadora de estímulosque sejam produzidos pela resposta especifi-cada ou o valor aversivo de estímulos resul-tantes da não emissão da resposta (“desobede-cer”). Por exemplo, uma mãe pode dizer ao

seu filho: “Ai de você, se não fizer a lição decasa!”, ou “Faça a sua lição, senão... já sabe!”.Hayes, Zettle e Rosenfarb (1989) tambémafirmam que regras podem ter função moti-vadora, propondo o uso do termo augmental(“que aumenta”) para se referir a elas. Os au-tores apontam que o augmental está entre asmais sutis, embora mais importantes, formasde controle por regra. No entanto, apesar daimportância do fenômeno, não há clareza so-

bre como essa forma de controle funciona. Assim como a função discriminativa, a

função motivadora afeta momentaneamenteum organismo.5 Isto quer dizer que muitas dasmudanças comportamentais que ocorrem forada clínica, supostamente resultantes da regrafornecida pelo clínico na sessão, não podemser atribuídas a essa função de estímulo. Nessesentido, só é possível levantar a possibilidadede que uma regra tenha função motivadora

nos casos em que as mudanças comportamen-tais produzidas por ela sejam observadas nasessão de atendimento, logo após a sua apre-sentação. Portanto, para os casos em que a re-gra produz efeitos ocorridos fora da clínica, ainterpretação da função alteradora da funçãode estímulos parece ser mais adequada.

Por fim, é importante destacar que mui-tas das considerações feitas pelos autores quediscutem a função motivadora de regras (etambém por aqueles que discutem as demaisfunções) sugerem análises predominantemen-

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176  Borges, Cassas & Cols.

te interpretativas pouco respaldadas por dadosexperimentais, o que dificulta sua extrapola-ção para o contexto clínico.

Com base no que foi apresentado nopresente capítulo, destaca-se como sendo deextrema importância que os clínicos analítico--comportamentais estejam atentos para as di-versas possibilidades de interpretação dos fe-nômenos relacionados ao controle por regrasna clínica. Esse cuidado deve ser tomado de-vido ao caráter essencialmente multidetermi-nado do controle por regras, o qual deve serconsiderado durante todo o processo tera-

pêutico. Por isso, antes que uma ou outra in-terpretação conceitual seja adotada pelo clíni-co ao analisar contingências, é necessário ava-liar se as diversas fontes do controle por regrasforam apropriadamente examinadas.

> NOTAS

  1. Os autores agradecem imensamente à prof a . Dra . Te-reza Maria de Azevedo Pires Sério (in memorian)

pelas valiosas sugestões para a elaboração deste texto.  2. Blakely e Schlinger (1987), Glenn (1987, 1989),

Schlinger e Blakely (1987) e Schlinger (1990) suge-rem o uso do termo estímulos especificadores de con-tingência  (contingency-specifying stimuli ) para se refe-rir a estímulos verbais tradicionalmente chamadosde regras .

  3. O responder de um organismo ocorre mais vezes napresença de um SD do que em sua ausência, pois apresença do SD foi correlacionada com uma maiorprodução de reforçador, com a produção de reforça-dor de maior qualidade e/ou com a produção de re-

forçador de menor atraso (Michael, 1980).  4. Apesar da ênfase dada por Skinner (1963/1969)sobre a função discriminativa das regras, o autortambém apresenta a possibilidade de que elas esta-beleçam novos estímulos discriminativos.

  5. Para discussão sobre efeitos momentâneos/evocati-vos e duradouros/alteradores de repertório, veja Ca-pítulos 3 e 7.

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O relato de queixas e problemas em um aten-dimento psicoterápico frequentemente fazreferências a emoções e sentimentos. Emboraesses eventos tenham a mesma natureza deoutras respostas presentes no repertório hu-mano, diferenciando-se apenas em relação àacessibilidade, sua valorização social e seu ca-ráter privado podem resultar em uma percep-

ção de estados emo-cionais como eventosparticularmente im-portantes. Cultural-mente, somos treina-dos a valorizar o quesentimos como uma

parte constituinte de nossa própria subjetivi-dade (Tourinho, 2006).

Em uma perspectiva analítico-compor-

tamental, emoções e sentimentos costumamser chamados, em conjunto, de “respostas

emocionais” (Darwich e Tourinho, 2005), esão tratados como fenômenos complexos, en-volvendo componen-tes respondentes eoperantes (verbais enão verbais). Isso sedá em razão de quediferentes tipos de

respostas podemocorrer simultanea-mente, sob controlede contingências am-bientais comuns. As-sim, um único even-to pode controlaruma resposta motora e diferentes respostasprivadas, como pensar, sentir uma emoção ouuma sensação corporal.

De acordo com Skinner (1989/1991),relatos sobre estados emocionais podem ser

19  O trabalho com relatos

de emoções e sentimentosna clínica analítico--comportamental

 João Ilo Coelho BarbosaNatália Santos Marques

ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  Emoções e sentimentos como “respostas emocionais”.>

  Cuidados em relação à avaliação baseada em relatos.>

  A variação de respostas emocionais em um continuum .>

  Funções que as respostas emocionais podem exercer em uma relação comportamental.

Culturalmente,somos treinadosa valorizar o quesentimos como umaparte constituintede nossa própriasubjetividade.

Em uma pers-pectiva analítico--comportamental,emoções e senti-mentos costumamser chamadas, emconjunto, de “res-

postas emocionais”,e são tratadascomo fenômenoscomplexos, envol-vendo componentesrespondentes eoperantes (verbais enão verbais).

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Clínica analítico-comportamental 179

tão úteis quanto a descrição daquilo que aspessoas fazem, na medida em que podemfornecer pistas sobre o ambiente presente e

passado do indivíduo. Sua investigação, por-tanto, é terapeuticamente relevante e parti-cularmente valiosa quando condições am-bientais passadas ainda controlam o com-portamento presente do cliente. Essasituação, recorrente na prática clínica, ocor-

re, por exemplo,quando o cliente falados momentos difí-ceis vividos ao per-

der um ente queri-do. Embora possamter se passado algunsanos do fato, o espa-çamento temporalentre o momentopresente e as contin-

gências passadas não o impede de descrevê--las em meio a choro intenso, relatando ain-da sentir profunda tristeza.

Porém, embora seja útil para a terapia, aanálise dos relatos dos clientes sobre estados

emocionais merececuidados, visto quealguns problemas ad-vêm da utilização derelatos verbais comoa principal fonte deinformação sobre ascontingências inaces-

síveis à observaçãodo clínico. Em pri-meiro lugar, descri-ções verbais costu-mam apresentar im-precisões quando o

evento descrito está ausente, pois, nesse caso,o controle do relato não é tão preciso comoaquele sob controle direto das característicasde um objeto ou situação presente.

Um segundo problema se refere às ca-racterísticas do comportamento verbal. A

despeito do contatotão próximo do su-

 jeito com as altera-

ções em seu própriocorpo, tateá-las enomeá-las dependede um processo deaprendizagem con-duzido pela comuni-dade verbal. Portan-to, o desenvolvimen-to desse processo pode ser um fator limitanteda capacidade do cliente de descrever seus

sentimentos. Um repertório autodescritivopobre, desse modo, sugere um ambiente ver-bal insuficiente para a aprendizagem de des-crições sob controle de condições corporaisprivadas.

Também é importante salientar que ocomportamento de relatar respostas emocio-nais, enquanto um operante verbal do tipotato, está sujeito às variáveis que afetam ocontrole de estímulos sobre esse operante

(tais como a presença de reforços não genera-lizados contingentes ao relato ou a puniçãodo comportamento verbal), o que pode resul-tar em um relato distorcido, não correspon-dente aos eventos descritos.

 Assim, considerando a relevância e asdificuldades envolvidas na análise de respos-tas emocionais na clínica, faz-se necessáriodiscutir aspectos relativos a essa tarefa, taiscomo a observação de respostas emocionais e

a identificação das suas funções.

> A OBSERVAÇÃO DASRESPOSTAS EMOCIONAIS

Tomando a observação como a primeira ati-vidade do clínico para o desenvolvimento deuma intervenção efetiva, é necessário que eleesteja atento às diferentes formas como as res-

postas emocionais podem se apresentar. Estaspodem variar em um continuum cujos extre-

Relatos sobreestados emocionaispodem ser tão úteisquanto a descriçãodaquilo que aspessoas fazem, namedida em que po-dem fornecer pistassobre o ambientepresente e passadodo indivíduo.

Embora seja útilpara a terapia, aanálise dos relatosdos clientes sobreestados emocionaismerece cuidados,visto que algunsproblemas advêmda utilização de

relatos verbaiscomo a principalfonte de informaçãosobre as contingên-cias inacessíveisà observação doclínico.

A despeito docontato tão próximodo sujeito comas alterações emseu próprio corpo, tateá-las e nomeá--las depende deum processo deaprendizagemconduzido pelacomunidadeverbal.

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mos são os respon-dentes eliciados deforma quase automá-

tica (p. ex., olhos ar-regalados e contraçãodos músculos da facediante de uma amea-ça à sua integridadefísica) e respostas ver-bais que descrevempara um ouvinteaquilo que está ocor-rendo privadamente

ao sujeito, com a par-ticipação de poucosrespondentes ou de outros operantes publica-mente observáveis.

 A observação, por parte do clínico, derespondentes e operantes não verbais envolvi-dos no comportamento emocional do clienteé dificultada por uma razão básica: várias des-tas respostas são privadas. Mesmo quandoparte destas respostas é publicamente acessí-

vel, podem ser de difícil discriminação, poisnem sempre caracterizam uma alteração brus-ca no comportamento público do cliente.

 Assim, para conseguir relacionar res-pondentes ou operantes específicos a umamudança emocional do cliente, o clínico pre-

cisa estar constante-mente avaliando avariabilidade com-portamental apresen-

tada, lançando mãoda comparação como repertório do clien-te previamente ob-servado em outrosmomentos, seja namesma sessão ou emsituações anteriores.Detalhes sutis, comoa mudança no ritmo

e tom da voz, forma-

ção de lágrimas ou o aumento de gestos mo-tores do cliente podem ser os únicos indicati-vos da presença de uma resposta emocional.

Por outro lado,a observação dos as-pectos topográficosde respondentes eoperantes não ver-bais não garante, porsi só, a discriminaçãoda resposta emocio-nal relacionada a taisrespostas, já que dife-

rentes emoções po-dem produzir mu-danças corporais parecidas. Contrações dorosto, por exemplo, podem estar relacionadasà sensação de dor ou tristeza; e uma maiorgesticulação acompanhada de voz alta pode,às vezes, sinalizar eventos discriminados comoraiva e, em outras vezes, indicar a presença deansiedade.

Para uma caracterização do comporta-

mento emocional vigente, o clínico precisarelacionar a presença de respostas emocionaisao contexto verbal no qual elas estão ocorren-do. A confrontação do relato com as respostasobservadas pode sugerir a ocorrência de umaemoção específica. Quando as verbalizaçõesdo cliente sobre seu estado emocional estãode acordo com as mudanças corporais obser-vadas, o clínico pode conferir uma maiorconfiabilidade às suas observações. De outra

forma, a não concordância entre o comporta-mento verbal e o não verbal precisa ser inves-tigada.

Uma possível razão para a inconsistên-cia entre comportamento verbal e não verbalpode estar na falta de um repertório verbaladequado de discriminação e/ou descrição doque ocorre privadamente ao cliente. Caso seconfirme ser esta a dificuldade do cliente,cabe ao clínico planejar contingências capa-

zes de modelar tatos autodescritivos. Um re-

As respostas emo-cionais podem variarem um continuum  cujos extremos são

os respondenteseliciados de formaquase automáticae respostas verbaisque descrevem paraum ouvinte aquiloque está ocorren-do privadamenteao sujeito, com aparticipação depoucos respondentesou de outros ope-rantes publicamente

observáveis.

Para conseguirrelacionar respon-dentes ou operantesespecíficos a uma

mudança emocionaldo cliente, o clínicoprecisa estar cons- tantemente avaliandoa variabilidade com-portamental apre-sentada, lançandomão da comparaçãocom o repertório docliente previamenteobservado em outrosmomentos na mesmasessão ou em situa-

ções anteriores.

A observação dosaspectos topográfi-cos de respondentese operantes nãoverbais não garante,por si só, a discrimi-nação da respostaemocional relaciona-da a tais respostas,já que diferentesemoções podemproduzir mudanças

corporais parecidas.

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curso terapêutico in-teressante para essafinalidade são filmes

que evidenciam rela-ções entre contin-gências específicas vi-venciadas por umpersonagem e as res-postas emocionaisderivadas dessa inte-

ração do sujeito com o ambiente. Estratégiaparecida pode ser adotada na análise e discus-são de poemas ou outras produções artísticas,

que poderão ter ainda maior valor terapêuti-co quando abordam temas próximos aos pro-blemas trazidos pelo cliente.

O clínico também pode suspeitar que oproblema não esteja na falta de um repertórioautodescritivo, e sim na participação de ou-tras variáveis de controle das verbalizações docliente. Seria o caso de sentimentos social-mente punidos, os quais o cliente frequente-mente se esquiva em tatear acuradamente, o

que resulta na emissão de relatos não corres-pondentes ao comportamento não verbal dofalante. Nesse caso, o terapeuta precisa sinali-zar ao cliente a ausência de condições aversi-vas no contexto terapêutico, constituindo-seno que Skinner (1953/1965) chamou de au-diência não punitiva.

> IDENTIFICANDO AS FUNÇÕES

DAS RESPOSTAS EMOCIONAIS

 As relações comportamentais que determi-nam a função de uma resposta são complexas,pois, em uma cadeia comportamental, cadaelemento pode desempenhar diferentes fun-ções em relação a elementos subsequentes eantecedentes. Como um exemplo, a negativado pai ao pedido do filho de comer um cho-colate pode alterar a frequência da classe derespostas que a antecedeu (por exemplo, a

resposta de fazer soli-citações ao pai). Omesmo evento tam-

bém pode eliciar res-pondentes aversivos,como a raiva, e aindainterferir na emissãode outros operantes,como a resposta deagredir o pai.

Para que o clí-nico não se limite a uma intervenção restritafrente às possíveis funções desempenhadas

pelas respostas emocionais apresentadas pelocliente, é preciso ampliar a análise daqueleseventos, procurando identificar os compo-nentes respondentes e operantes verbais e nãoverbais do comportamento emocional, e en-tender como esses componentes se relacio-nam entre si e com o ambiente. Algumas fun-ções comportamentais possivelmente desem-penhadas por respostas emocionais serão dis-cutidas a seguir.

Respostas emocionais enquantocomportamento respondente

Estudos comparativos de emoções foram fun-damentais para a concepção de emoção en-quanto um comportamento respondente.

 Após 34 anos de pesquisas com inúmerosanimais, Darwin (1872/2000) comparou edemonstrou que certas expressões emocionaishumanas correspondiam a outras observadasem animais, argumentando que tais compor-tamentos estariam relacionados a aspectos fi-logenéticos.

Para Darwin, o processo de seleção na-tural estabeleceu e manteve no repertório hu-mano um conjunto de “emoções básicas”, as-sim como outras características filogenetica-mente herdadas, comuns a indivíduos dediferentes culturas e sociedades.

Uma possível razãopara a inconsistên-cia entre o compor- tamento verbal e nãoverbal pode estar nafalta de um repertó-rio verbal adequadode discriminação e/ou descrição do queocorre privadamenteao cliente.

As relações com-portamentais quedeterminam a funçãode uma respostasão complexas,pois, em uma cadeiacomportamental,cada elemento podedesempenhar dife-rentes funções emrelação a elementossubsequentes eantecedentes.

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 Watson (1930/1990) partilhava dacrença de Darwin em um conjunto de emo-ções primárias: a raiva, o medo e a alegria. To-

das as demais emoções humanas, segundo oautor, seriam derivadas destas, descritas a par-tir de padrões complexos de respondentes es-pecíficos.

Embora não pareça conveniente limitara resposta emocional a um padrão respon-dente, a investigação das relações de controleem tal resposta pode levar terapeuta e clientea reconhecerem a existência de condições am-bientais eliciadoras de emoções, favorecendo

uma explicação externalista e, portanto, maisconsistente com os princípios da análise docomportamento para tais fenômenos.

Função reforçadora dasrespostas emocionais

Por serem natural-mente eliciados pelopróprio comporta-

mento do indivíduo,estados emocionaisconstituem-se em es-tímulos potencial-mente reforçadores

ou punidores. Nos casos de excessos compor-tamentais, como no uso abusivo de álcool ede outras drogas, no jogar ou no comer deforma compulsiva, emoções e estados corpo-rais eliciados podem manter o responder em

alta frequência e mais resistente à extinção. Além de exercer a função de reforçador

positivo, estados emocionais também podemreforçar negativamente uma resposta. Isso ocor-re quando, por exemplo, clientes com transtor-nos de ansiedade realizam rituais, os quais sãomantidos pela redução no nível de ansiedade. Aansiedade, nesse caso, exerce controle sobre umconjunto de respostas de fuga e esquiva da pró-pria condição emocional sentida.

Função discriminativadas respostas emocionais

Uma vez que emoções específicas podem ante-ceder e acompanhar a apresentação de conse-quências reforçadoras ou punitivas, é possívelque futuras ocorrências dessas emoções, mes-mo que desacompanhadas do mesmo contex-to ambiental, possamexercer controle dis-criminativo sobre ou-tros operantes. Istopode ser observado

quando o cliente rela-ta ansiedade ou triste-za sem motivo apa-rente, e emite respos-tas que, em situaçõesanteriores, foram re-forçadas na presençadesses sentimentos,tais como pedir ajudaou tomar um medicamento.

O clínico precisa estar atento à possibi-lidade de existência do controle discriminati-vo exercido por variáveis emocionais, pois talcontrole pode estar envolvido na manutençãode uma alta frequência de “comportamentos--problema”. Clientes com um padrão decomportamento evitativo podem ficar exage-radamente sensíveis ao seu estado emocional,aumentando a frequência de respostas de fugaou esquiva mesmo em ocasiões em que não

haja nenhum estímulo ambiental externo quesinalize a ocorrência de condições aversivas. Além das respostas emocionais não ver-

bais, componentes verbais a respeito das emo-ções sentidas também podem adquirir umafunção discriminativa. Uma das possibilida-des de intervenção frente ao relato de respos-tas emocionais enquanto estímulo discrimi-nativo foi proposta por Wilson e Hayes(2000). Esses autores valorizam os aspectos

Por serem natural-mente eliciados pelopróprio comporta-mento do indivíduo,estados emocionaisconstituem-se emestímulos potencial-mente reforçadoresou punidores.

Clientes com umpadrão de compor- tamento evitativopodem ficar exage-radamente sensíveisao seu estado

emocional, aumen- tando a frequênciade respostas de fugaou esquiva mesmoem ocasiões em quenão haja nenhumestímulo ambientalexterno que sinalizea ocorrência de con-dições aversivas.

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verbais descritivos das condições privadasauto-observadas, e acreditam que, da mesmaforma que os eventos privados afetam a for-

ma como o cliente os descreve, o inverso tam-bém pode ocorrer. Dessa forma, ao promoveruma reestruturação do discurso do cliente so-bre seus sentimentos e emoções, o clínico te-ria, em determinadas condições, a oportuni-dade de alterar a função daquelas respostasemocionais, mesmo que não tivesse acesso di-reto às contingências que estabeleceram ocontrole discriminativo presente.

Entretanto, outros analistas do compor-

tamento, embora considerem a possibilidadede respostas verbais controlarem parcialmenterespostas não verbais subsequentes, criticamum modelo de intervenção comportamentalvoltada prioritariamente para os aspectos ver-bais das emoções. De acordo com esses auto-res, tal modelo de intervenção corre o risco devalorização exagerada das autodescrições emdetrimento da investigação externalista decontingências ambientais na determinação do

comportamento (Tourinho, 1997).

Respostas emocionais enquantooperações motivadoras

Quando respostasemocionais anterio-res a outra respostanão foram direta-

mente relacionadas aconsequências espe-cíficas, mas interfe-rem na forma comoo cliente interagecom os eventos am-bientais a sua volta,podemos tratá-las

como variáveis motivadoras (cf. Catania,1998/1999; Michael, 1993).

 Assim como ocorre com as condiçõesde privação, respostas emocionais (como, porexemplo, as discriminadas como raiva, medo

ou ansiedade) podem interferir em toda a ca-deia comportamental subsequente, aumen-tando ou diminuindo a efetividade das con-sequências reforçadoras de uma resposta,além de potencializar ou reduzir o controlede estímulos discriminativos sobre esta.Como produto dessa interferência, tais con-dições emocionais alteram a probabilidade deocorrência da resposta subsequente.

Como um exemplo de condições emo-

cionais com função motivadora, Holland eSkinner (1961/1975) apontaram a presençada ansiedade, que, ao potencializar a efetivi-dade das consequências de respostas de fugae/ou esquiva, aumenta a probabilidade deocorrência destes comportamentos. Esseexemplo de ansiedade com função motivado-ra se diferencia das demais referências à ansie-dade, discutidas previamente, em termos dotipo de controle que esta resposta emocional

exerce sobre as de-mais respostas. Nessecaso, observa-se afunção moduladoradessa emoção, en-quanto, nos demaiscasos, discutiram-seas funções evocativae reforçadora.

Eventos que eliciam reações emocionais

fortes frequentemente funcionam como ope-rações motivadoras com efeitos a longo pra-zo, tais como a morte de alguém amado, umestupro ou um acidente grave. O efeito esta-belecedor de tais eventos pode persistir atéque seja eventualmente suplantado ou modi-ficado por outros eventos.

Na clínica, frequentemente a verbaliza-ção do cliente acerca de eventos passadostraumáticos é acompanhada de uma intensa

Respostas emocio-nais podem interferirem toda a cadeiacomportamentalsubsequente,aumentando ou dimi-nuindo a efetividadedas consequênciasreforçadoras deuma resposta, alémde potencializar oureduzir o controle deestímulos discrimi-nativos sobre esta.

Alguns analistasdo comportamentodirão que nestecaso não se falariade uma função deoperação motivado-ra, mas sim de umafunção alteradora defunção de estímulo.

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reação emocional1 que pode potencializar oefeito aversivo daqueles eventos, bem comoevocar comportamentos de fuga ou esquiva

em relação a eles. Aintervenção terapêu-tica adequada, nestecaso, requer o ofere-cimento de um con-texto seguro para aobservação e descri-ção dos estados emo-cionais aversivos re-lacionados a tais

eventos, de forma aenfraquecer o efeitodessas condições motivadoras sobre os ante-cedentes e consequentes da resposta.

> CONSIDERAÇÕES FINAIS

 A multiplicidade de formas de participaçãodos eventos emocionais nas relações com-

portamentais conferem relevância à investi-gação e intervenção dos analistas do com-portamento frente aos estados emocionais,especialmente na prática clínica, em que taiseventos são mais evidentes. Assim, conheceros mecanismos pelos quais as respostas emo-cionais se relacionam com outros comporta-mentos humanos é fundamental para a ela-boração de uma análise e intervenção clínicaadequadas.

 Além de participarem de diversas rela-ções comportamentais, respostas emocionaispodem desempenhar uma variedade de fun-ções. Por esse motivo, cabe ao clínico manter--se sensível às variações emocionais apresen-tadas pelo cliente ao longo do processo te-rapêutico, sendo capaz de identificá-las eanalisá-las a partir do repertório compor-tamental do cliente e do seu contexto am-biental.

Tendo em vista tais condições, pode-seafirmar que a sensibilidade do clínico às res-postas emocionais do cliente e às variações

apresentadas por essas respostas é um fatorcontingente ao sucesso da terapia e, portanto,qualquer planejamento de intervenção com-portamental deve levar em conta os efeitosemocionais que as mudanças planejadas pos-sam produzir.

> NOTA

  1. Este fenômeno ocorre em razão do que Sidman(1994) designou como “formação de classes deequivalência de estímulos”, o que possibilitaria aosestímulos verbais adquirirem as funções dos eventosaos quais eles se referem.

> REFERÊNCIAS

Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: Comportamento, lin- guagem e cognição. Porto Alegre: Artmed. (Trabalho original

publicado em 1998)Darwich, R. A., & Tourinho, E. Z. (2005). Respostas emo-cionais à luz do modo causal de seleção por consequências. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva,7 (1), 107-118.

Darwin, C. (2000). A expressão das emoções nos homens e nosanimais . São Paulo: Companhia das Letras. (Trabalho origi-nal publicado em 1872)

Holland, J. G., & Skinner, B. F. (1975).  A análise do com- portamento. São Paulo: EPU. (Trabalho original publicadoem 1961)

Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (1991). Functional analytic psychotherapy . New York: Plenum.

Michael, J. (1993). Establishing operations. The Behavior Analyst , 16 , 191-206.

Sidman, M. (1994). Equivalence relations and behavior: Aresearch story . Boston: Authors Cooperative.

Skinner, B. F. (1965). Science and human behavior . New York: Free Press. (Trabalho original publicado em 1953)

Skinner, B. F. (1991). Questões recentes na análise comporta-mental . Campinas: Papirus. (Trabalho original publicadoem 1989)

Skinner, B. F. (1994). Ciência e comportamento humano (9.ed.). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publi-cado em 1994)

Cabe ao clínicomanter-se sensí-vel às variaçõesemocionais apresen- tadas pelo cliente aolongo do processo terapêutico, sendocapaz de identificá-las e analisá-las apartir do repertóriocomportamentaldo cliente e do seu

contexto ambiental.

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Tourinho, E. Z. (1997). Eventos privados em uma ciênciado comportamento. In R. A. Banaco (Org.), Sobre compor-tamento e cognição: Aspectos teóricos, metodológicos e de for-mação em análise do comportamento e terapia comportamen-tal  (vol. 1, pp. 174-187). São Paulo: Arbytes.

Tourinho, E. Z. (2006). Subjetividade e relações comporta-mentais . Tese para concurso de professor titular. Programa

de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comporta-mento, Universidade Federal do Pará, Belém.

 Watson, J. B. (1990). Behaviorism. New York: W. W. Nor-ton & Company. (Trabalho original publicado em 1930)

 Wilson, K. G., & Hayes, S. C. (2000). Why it is crucial tounderstand thinking and feeling: An analysis and applica-tion to drug abuse. The Behavior Analyst , 23(1), 25-43.

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ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  Evidências científicas em psiquiatria e neurociências da função do ambiente sobre os “transtor-

nos psiquiátricos”: emoção expressa e eventos de vida estressantes .>

  Uma visão psiquiátrica da utilidade da clínica analítico-comportamental: prevenção e reabilita-ção psiquiátrica.

>  A necessidade de integração das práticas psiquiátrica e analítico-comportamental na clínica.

 20  A clínica analítico-

-comportamental emparceria com otratamento psiquiátricoMaria das Graças de Oliveira

> EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS

Felizmente, foi-se o tempo em que os profis-sionais de saúde mental tinham o direito dedefender ideias relativas à superioridade dotratamento psiquiátrico sobre a psicoterapiaou vice-versa. À época em que a literatura

científica pertinente ainda não era suficiente-mente consistente, não faltavam ardorososdefensores do que hoje, graças ao avançocientífico no campo da saúde mental, nãopassam de ideias obsoletas e preconceitos as-sociados ao desconhecimento.

Graças a estudos nos campos da psi-quiatria social e da análise do comportamen-to, construiu-se um sólido corpo de conheci-mentos acerca da estreita relação entre am-

biente e sofrimento psíquico, com importan-tes contribuições para a compreensão dos

processos etiológico e prognóstico dos trans-tornos mentais.

O modelo ex-plicativo que melhorintegra a soma dosresultados alcança-dos, até o momento,

é o modelo de estres-se-vulnerabilidade,segundo o qual a do-ença mental seria de-terminada pela rela-ção entre estressoresambientais e vulne-rabilidade, genetica-mente herdada ouadquirida, durante o

desenvolvimento psicossocial e neurofisioló-gico do indivíduo.

Graças a estudosnos campos dapsiquiatria sociale da análise docomportamento,construiu-se umsólido corpo de co-nhecimentos acercada estreita relaçãoentre ambiente esofrimento psíquico,com importantescontribuições paraa compreensão dosprocessos etiológicoe prognóstico dos transtornos mentais.

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Clínica analítico-comportamental 187

Na área da psiquiatria social, existembasicamente dois grandes campos de pesquisaenvolvendo o papel dos estressores ambien-

tais no adoecimento psíquico: as pesquisassobre níveis de emoção expressa e as investi-gações sobre os eventos de vida estressantes.

Emoção expressa

 As reformulações nas políticas de saúde men-tal no Reino Unido, na década de 1950, favo-receram uma mudança de foco na terapêuticados pacientes psiquiátricos, que, até então,

era centrada na hospitalização. Com a mu-dança de perspectiva para o tratamento nacomunidade, verificou-se que aquelas pessoascom diagnóstico de esquizofrenia que volta-vam a viver com seus familiares tinham maisrecaídas e recidivas que aqueles que viviamsozinhos ou em lares protegidos. Após identi-ficar que a piora na evolução clínica daquelespacientes não se devia à maior gravidade emsuas condições psicopatológicas, George Bro-

wn e colaboradores (1962) chegaram à con-clusão de que havia algo na relação familiarque estava favorecendo um pior prognósticoda esquizofrenia.

Estas observações levaram a uma sériede estudos sobre os relacionamentos entre fa-miliares e pessoas com esquizofrenia, permi-tindo identificar padrões comportamentaisestressantes para o paciente, os quais, em con-

 junto, receberam a designação de emoção ex-

 pressa . Assim, o conceito de emoção expressa, que engloba criticismo, hostilidade e grau desuperenvolvimento emocional do familiar emrelação ao paciente, mostrou-se preditor deuma evolução clínica menos favorável.

Eventos de vida estressantes

O conceito de evento de vida estressanterefere-se a um acontecimento no ambientedo indivíduo que implique em mudanças eque possa ser identificado no tempo.

 As investigações sobre a associação en-tre os eventos de vida e diversos diagnósticospsiquiátricos não deixam dúvidas quanto ao

impacto deste tipo de estressor no processoetiológico e prognóstico de inúmeros trans-tornos mentais, como depressão, transtornobipolar e até mesmo a esquizofrenia.

 A evolução metodológica dos estudossobre o tema permitiu identificar tambémque determinadosgrupos de pacientes,como, por exemplo,pessoas que já apre-

sentaram episódiodepressivo maior, pa-recem expor-se maisa eventos estressoresque a população ge-ral e que o impactodos eventos de vidasobre o psiquismo doindivíduo dependedo grau de imprevisi-

bilidade e da avalia-ção do sujeito quan-to aos recursos próprios para lidar com a situ-ação.

De fato, as pesquisas em neurociênciasvêm demonstrando o papel do hipocampocomo centro integrador de informações neces-sárias à emissão de comportamentos de auto-proteção. Entretanto, por ironia do destino, ocortisol, hormônio liberado e sustentado em

níveis mais altos, nas situações de estresse con-tinuado, produz danos aos neurônios hipo-campais que, a depender da duração da respos-ta ao estresse, podem tornar-se irreversíveis.Dessa forma, pode-se compreender por quepessoas com humor normal, mas que já apre-sentaram quadros depressivos, tendem a expor--se mais a eventos de vida estressantes queaquelas que nunca apresentaram depressão.

Na verdade, é possível supor que, nessapopulação de pacientes, os eventos de vida te-nham uma participação na cronificação do

A evolução metodo-lógica dos estudospermitiu identificar também que deter-

minados grupos depacientes parecemexpor-se mais aeventos estressoresque a população ge-ral e que o impactodos eventos de vidasobre o psiquismo doindivíduo dependedo grau de impre-visibilidade e daavaliação do sujeitoquanto aos recursos

próprios para lidarcom a situação.

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188  Borges, Cassas & Cols.

transtorno depressi-vo, já que mais de80% dos episódios

depressivos estão as-sociados à ocorrênciade eventos estressan-tes nos seis meses an-teriores ao início dossintomas.

 Assim, e paraalém do exposto, oconjunto da produ-

ção científica em psiquiatria e neurociências

vem abrindo uma nova avenida para a pes-quisa sobre os complexos fenômenos subja-centes ao modelo estresse-vulnerabilidade,qual seja, a influência do ambiente na expres-são gênica.

> IMPLICAÇÕES CLÍNICAS

Nesta perspectiva, não é difícil compreender

por que a clínica analítico-comportamentalpropicia contribuições tão significativas notratamento dos pacientes psiquiátricos. Comoabordagem que, por princípio epistemológi-

co e excelência, privi-legia o ambiente, a

 Análise do Compor-tamento oferece re-cursos para a com-preensão das relações

que se estabelecementre a pessoa comsofrimento mental eseu ambiente, com afeliz possibilidade deextensão ao paciente

que se submete à psicoterapia. Além disso,graças ao forte embasamento experimentalsubjacente ao referencial teórico dessa abor-dagem, é possível planejar e propor interven-

ções implementáveis pelo próprio paciente,no sentido de favorecer um maior controlesobre as variáveis ambientais, diminuindo o

sentimento de desamparo e aumentando orepertório comportamental para lidar com osestressores.

 Assim, a clínica analítico-comportamen-tal reúne possibilidades reais de intervenção naprevenção dos transtornos mentais e na reabi-litação psiquiátrica.

Prevenção

Uma enorme quantidade de dinheiro e traba-lho vem sendo investida, ao redor do mundo,para identificar preditores para as doençasmentais, ou seja, sinais ou características quese apresentem no período pré-mórbido e quesejam capazes de nos avisar que, em algummomento, o transtorno mental irromperá, talqual a ausência de iodo na dieta é capaz depredizer a ocorrência

de bócio endêmico.Dada a com-plexidade do fenô-meno, a despeito detantos esforços, sãomuito poucos os fa-tores de risco comvalor preditivo posi-tivo suficientementeconsistentes a ponto

de justificar a imple-mentação de medi-das de caráter pre-ventivo nas políticasde saúde pública.Entretanto, apesar deescassas, as pistasexistem e não deve-riam ser ignoradas no âmbito do cuidado in-dividual em saúde mental. Vejamos algumas.

O principal preditorpara a esquizofrenia,por exemplo, é serfilho de esquizofrêni-co. Assim, do pontode vista prático,estas crianças de-veriam receber umaatenção especial aolongo do seu cresci-mento, com ênfaseno desenvolvimentode habilidades deenfrentamento desituações estres-santes e resoluçãode problemas, e di-minuição dos níveisde emoção expressanos relacionamentosinterpessoais comseus pais, cuidado-res e irmãos.

O conjunto daprodução científicaem psiquiatria eneurociências vem

abrindo uma novaavenida para apesquisa sobre oscomplexos fenô-menos subjacentesao modelo estresse--vulnerabilidade,qual seja a influênciado ambiente naexpressão gênica.

A análise do com-portamento oferecerecursos para acompreensão dasrelações que seestabelecem entre apessoa com sofri-mento mental e seuambiente, com afeliz possibilidade deextensão ao pacien- te que se submete àpsicoterapia.

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O principal preditor para a esquizofre-nia, por exemplo, é ser filho de esquizofrêni-co. Assim, do ponto de vista prático, essas

crianças deveriam receber uma atenção espe-cial ao longo do seu crescimento, com ênfaseno desenvolvimento de habilidades de en-frentamento de situações estressantes e reso-lução de problemas, e diminuição dos níveisde emoção expressa  nos relacionamentos inter-pessoais com seus pais, cuidadores e irmãos.

Outra situação que merece atenção,principalmente em função das altas taxas deprevalência e sofrimento emocional, é o trans-

torno depressivo do humor. Estudos em neu-ropsicologia mostram que pessoas com traçoscognitivos depressivos, isto é, que se fixammais a aspectos “negativos”, estão mais pro-pensas a desenvolverem episódios depressi-vos, assim como pessoas com altos níveis deexigência pessoal e perfeccionismo.

Desta forma, além do desenvolvimentode recursos que permitam às pessoas que jáapresentaram algum episódio depressivo per-

ceberem estímulos discriminativos para situa-ções potencialmente ameaçadoras, seria ne-cessário investir na reabilitação neuropsicoló-gica desses pacientes, um novo campo depesquisa e prática no qual a clínica analítico--comportamental certamente tem muito aoferecer.

Reabilitação psiquiátrica

O objetivo da reabilitação em psiquiatria éajudar pessoas com prejuízos em seus fun-cionamentos emocional, social e/ou intelec-tual a conviverem, serem capazes de apren-der novas habilidades e trabalharem na co-munidade com o menor apoio profissionalpossível.

 As abordagens fundamentais da reabili-tação psiquiátrica concentram-se em doisgrupos estratégicos de intervenção. O primei-

ro reúne as intervenções centradas no indiví-duo e tem por objetivo desenvolver habilida-des que o auxiliem a

enfrentar os estresso-res ambientais. O se-gundo é fundamen-talmente ecológico ediretamente voltadoao desenvolvimentode recursos ambien-tais destinados à re-dução de potenciaisestressores.

Do ponto devista do impacto dosestressores psicossociais no prognóstico dostranstornos mentais graves, técnicas que de-senvolvam habilidades de previsão de desfe-chos estressantes e de enfrentamento de cir-cunstâncias aversivas e abordagens que possi-bilitem a prevenção de situações potencial-mente ameaçadoras possibilitariam ao pa-ciente o desenvolvimento de um repertório

comportamental de autoproteção.Quanto às estratégias ecológicas, vale ci-

tar os estudos sobre o impacto “positivo” doapoio social no prognóstico de vários transtor-nos mentais, incluindo depressão, transtornobipolar e esquizofrenia. Entretanto, apoio so-cial não é uma condição inata, como a cor dosolhos. Ainda que determinados tipos de tem-peramento sejam mais propensos à sociabilida-de, uma rede de apoio social qualitativamente

boa depende de habilidades que, se não se ins-talaram adequadamente durante a terceira in-fância e adolescência, podem ser aprendidasem etapas posteriores do desenvolvimento.

Outro importante objeto de interven-ção ambiental, para o analista do comporta-mento que atua em parceria com o psiquia-tra, é o nível de emoção expressa  em parentespróximos de pacientes com esquizofrenia,uma vez que sua orientação teórica abrange

O objetivo da reabili- tação em psiquiatriaé ajudar pessoascom prejuízos emseus funcionamen- tos emocional, sociale/ou intelectual aconviverem, seremcapazes de aprendernovas habilidadese trabalharem nacomunidade com omenor apoio profis-

sional possível.

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recursos eficazes para o desenvolvimento deintervenções adequadas a este fim.

> INTEGRAÇÃO DASPRÁTICAS PSIQUIÁTRICA EANALÍTICO-COMPORTAMENTALNA CLÍNICA

É uma pena que muitos colegas psiquiatras eterapeutas ainda tenham, nos dias de hoje,tanta dificuldade em se comunicarem. Per-dem todos porque o enriquecimento profis-

sional e humano que as discussões clínicas in-terdisciplinares, em saúde mental, propiciamé inestimável, para não falar nos claros bene-fícios ao paciente. Mal comparando, é comose um engenheiro e um arquiteto se dispuses-sem a construir uma casa sem conversar oucom rápidas trocas de ideias, por telefone. Épossível? É, mas eu não gostaria de construira minha casa assim.

 As múltiplas facetas e contextos multi-

dimensionais implicados na trama da qual fazparte o transtorno psiquiátrico não permitemao psiquiatra a ingenuidade de achar que,

com um belo diag-nóstico e o medica-mento de última ge-ração, fará uma má-gica xamânica capazde “curar” seu pa-ciente. Da mesma

forma que não auto-riza o psicoterapeutaa achar que o cérebroe os neurônios nãotomam parte no so-frimento psíquico

com o qual estão tentando lidar. Em outraspalavras, ali, no campo de batalha, se não for-mos juntos e na mesma direção, corremos orisco de perder a guerra ou sofrer baixas des-

necessárias.

Do ponto de vista operacional, reco-mendo a prática regular de reuniões clínicasinterdisciplinares para a discussão dos proje-

tos terapêuticos de cada paciente, com avalia-ção de resultados, identificação de riscos eobstáculos ao tratamento e delineamento deestratégias conjuntas para a superação das di-ficuldades.

Profissionais mais experientes sabemque, não raro, por trás da refratariedade aotratamento existe uma função à qual os sinto-mas atendem e, enquanto assim for, nãoadianta tentar as mais ousadas combinações

psicofarmacológicas, pois o transtorno nãovai ceder, ou, pelo menos, não cederá comopoderia, caso o paciente desenvolva um re-pertório comportamental capaz de atendersuas necessidades emocionais de forma maisadaptativa.

Por outro lado, todos gostaríamos defórmulas mágicas que pudessem resolver nos-sos problemas por nós; sem dúvida, daria bemmenos trabalho, além do que seria ótimo mes-

mo, se realmente existisse. O problema é que,se elegermos como objetivo a remissão dos sin-tomas, a prevenção de recaídas ou recidivas e,ainda por cima, o aumento da qualidade devida, teremos que implicar o paciente no pro-cesso porque, como vimos, algumas mudançasambientais terão que ocorrer.

Infelizmente, tenho visto pacientes ado-ecerem por se sub-meterem a estilos de

vida altamente es-tressantes, além daspossibilidades natu-rais de restauraçãodo organismo. Sem apossibilidade de re-fletir por que ou porquem fazem isso, so-frem ainda o agra-vante de ser social-

mente reforçados a

As múltiplas facetase contextos multidi-mensionais implica-dos na trama da qualfaz parte o transtor-no psiquiátrico nãopermite ao psiquiatraa ingenuidade de

achar que, com umbelo diagnóstico eo medicamento deúltima geração, faráuma mágica xamâni-ca capaz de “curar”seu paciente.

Urge que nós, pro-fissionais de saúde

mental, possamosincluir, nas nossasagendas e práticas,o hábito de refletirsobre estes determi-nantes, inclusive nasnossas vidas, sobpena de não sermoscapazes de atuareficazmente em favorde nossos pacientes,mas apenas colabo-radores de um siste-

ma “patologizante”.

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Clínica analítico-comportamental 191

manterem-se neste torvelinho. Essa é umadiscussão que está na interface com as ciên-cias sociais e, apesar de não ser o escopo deste

texto, eu penso que vale, ao menos, sua cita-ção. Urge que nós, profissionais de saúdemental, possamos incluir, nas nossas agendase práticas, o hábito de refletir sobre estes de-terminantes, inclusive nas nossas vidas, sobpena de não sermos capazes de atuar de ma-neira eficaz em favor de nossos pacientes, mas

apenas colaboradores de um sistema “patolo-gizante”. Mas isso já seria assunto para outrocapítulo.

> REFERÊNCIA

Brown, G. W., Monck, E. M., Carstairs, G. M., & Wing, J.K. (1962). Influence of family life on the course of schizo-phrenic illness. British Journal of Preventive and Social Medi-cine, 16 , 55-68.

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Segundo o psiquiatra Francisco Guimarães(1999), “o estudo dos efeitos das drogas sobrefunções psicológicas, com ênfase particularnas alterações de humor, emoções e habilida-de psicomotora, sobretudo em humanos, érealizado pela psicofarmacologia” (p. 1).

Entretanto, para uma teoria monistacomo o Behaviorismo Radical, a delimitaçãodo objeto de estudos da psicofarmacologia

dentro da grandeárea farmacologia jánão parece tão fácilquanto poderia suge-rir o termo. Grossomodo, psicofarmaco-logia pode ser consi-derada a disciplinada farmacologia queestuda os fármacos

que tenham efeitos sobre os processos com-portamentais psicologicamente relevantes.

 Apesar de essa tentativa de delimitaçãopoder soar um preciosismo, o desconheci-mento da inexistên-cia de uma linha di-visória precisa entrequestões comporta-mentais psicologica-mente relevantes enão relevantes, ou

mesmo entre ques-tões biológicas e psi-cológicas, pode gerarconfusões. Um dosinúmeros exemplosestá na consideraçãofrequente, porém precipitada, de que ques-tões “biológicas” são tratadas com medica-ções e questões “psicológicas”, com psicotera-pias. Difícil negar que, até certo ponto, tal ra-

ciocínio seja, em si, uma herança dadicotomização mente versus  corpo.

 21  Considerações da

psicofarmacologia paraa avaliação funcionalFelipe Corchs

ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  Psicofarmacologia.>

  Dicotomização mente versus  corpo.>

  Fármacos como possíveis variáveis de controle de comportamento.>

  Dopamina e sensibilidade ao reforçamento.>

  Serotonina e sensibilidade a estímulos aversivos.>

  Controle contextual encoberto e medicações.

Grosso modo ,psicofarmacologiapode ser conside-rada a disciplina dafarmacologia queestuda os fármacosque tenham efeitossobre os processoscomportamentaispsicologicamenterelevantes.

Ainda há uma forteherança da dico- tomização menteX corpo na nossacultura. Por vezes,ela gera confusões,por exemplo quando,precipitadamente,

afirma-se quequestões “biológi-cas” são tratadascom medicações e“psicológicas” compsicoterapia.

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Clínica analítico-comportamental 193

Para o behavio-rista radical, com-portamento é a inte-

ração de um organis-mo com seu ambientee, portanto, qualquervariável que afete ocomportamento estáafetando essa relação,independentementede essa variável serum agente farmaco-

lógico ou um clínico em um gabinete psico-

lógico. De fato, inúmeras são as evidências deque os fármacos podem ser entendidos comonovas variáveis inseridas nas complexas rela-ções comportamentais que vemos na prática.Olhando dessa forma, os fármacos em usopor um determinado paciente/cliente sãouma variável a mais a ser considerada pelo clí-nico em sua avaliação funcional.

 A depender de cada droga e de comoparticipa de cada contingência, os fármacos

têm, por um lado, sua função farmacológicaprimária incondicionada, que, com frequên-cia, envolve as funções consequenciadoras derespostas e/ou função modificadora da fun-ção de outros estímulos. Além disso, todas asevidências apontam para o potencial que asdrogas têm de adquirirem funções condicio-nadas, inclusive entrando em relações maiscomplexas como as equivalências de estímu-los (p. ex., DeGrandpre, Bickel e Higgins,

1992).Muitas vezes, o que se observa é que

uma determinada substância apresenta múl-tiplas funções. Um exemplo de ordem práticavem dos estudos com placebo, que mostramque um importante componente do seu efei-to é a relação médico-paciente (Kaptchuk etal., 2008). Dados os processos de condiciona-mentos possivelmente envolvidos nesse fenô-meno, é provável que, no caso das substânciasfarmacologicamente ativas, estas adquiramfunções condicionadas  relacionadas ao parea-

mento com o médi-co, além dos seusefeitos farmacológi-

cos incondicionados primários . Não ca-bendo aqui citar to-das, foram escolhidasalgumas informaçõesde maior relevânciadentro do tema, pelafrequência com quesão vistas na clínica epela influência sobre processos comporta-

mentais básicos e essenciais para esta prática.

> DOPAMINA E SENSIBILIDADEAO REFORÇAMENTO

Um dos principaisefeitos dos fármacosque vem sendo estu-dado ultimamente se

refere ao seu efeitomodificador do valorde outros estímulos .Um caso clássico des-sa proposta está noefeito sobre o valorde reforçadores posi-tivos causado porsubstâncias que agem sobre o sistema dopa-minérgico (revisado em Gonçalves e Silva,1999). É sabido que drogas com elevado po-tencial pró-dopaminérgico, como a cocaína eas anfetaminas, têm valor reforçador primá-rio quando apresentadas contingentes a umaresposta, evidenciando a potencial função deconsequência que uma droga pode exercer.Mas, além disso, essas mesmas drogas têm apropriedade de aumentar o valor de outrosreforçadores quando sob efeito destes. Deforma inversa, os bloqueadores dos receptoresdopaminérgicos do tipo 2 (D2), como os an-tipsicóticos de primeira geração (Tabela

Comportamento éa interação de umorganismo  com seuambiente  e, portanto,qualquer variávelque afete o compor- tamento está afe- tando essa relação,independentementedesta variável serum agente farmaco-lógico ou um clínicoem um gabinetepsicológico.

Muitas vezes, o quese observa é queuma determinadasubstância apresen- ta múltiplas funções.Um exemplo de or-dem prática vem dosestudos com pla-cebo, que mostramque um importantecomponente do seuefeito é a relaçãomédico-paciente.

Drogas com ele-vado potencialpró-dopaminérgico,como a cocaína e

as anfetaminas, têmvalor reforçadorprimário quandoapresentadas con- tingentes a uma res-posta, evidenciandoa potencial funçãode consequênciaque uma droga podeexercer.

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21.1), mostram-se potentes abolidores dosefeitos de reforçadores. Uma vez que drogasde abuso e/ou substâncias como anfetaminas

e antipsicóticos são frequentemente usadaspor pessoas em processo psicoterápico, a im-portância destas informações parece clara.

Importante dizer que, já para os antipsi-cóticos de segunda geração (Tabela 21.1), es-tes efeitos não são tão evidentes, tendo sidosugerido inclusive o aumento do valor refor-çador de outros estímulos com estas substân-cias, o que está de acordo com os achados clí-nicos que demonstram que estas drogas são

potentes potencializadores dos efeitos de dro-gas antidepressivas.

> SEROTONINA E SENSIBILIDADEA ESTÍMULOS AVERSIVOS

 Apesar de parecer óbvio, faltam evidências cla-ras de que alterações como as descritas no sub-título anterior participam dos efeitos terapêu-

ticos das drogas em questão. No caso dos qua-dros depressivos e ansiosos, entretanto, algumasevidências começam a aparecer. Uma avaliaçãofuncional desses quadros tem revelado umaimportante participação de contingências aver-sivas, com provável aumento na frequência derespostas de fuga/esquiva e/ou diminuição na

frequência de respos-tas mantidas por re-forçamento positivo,

em maior ou menorgrau (Ferster, 1973;Zamignani e Banaco,2005). Em concor-dância com essas aná-lises, uma linha depesquisas emergentetem apresentado for-tes evidências de queos efeitos antidepres-sivos e ansiolíticos dedrogas como os inibi-

dores seletivos de recaptura da serotonia(ISRSs, Tabela 21.1) envolvem, ao menos emparte, a diminuição do valor de estímulos

“aversivos” e um possível aumento do valor deestímulos “positivos”1  (revisado em Harmer,2008). Nessa linha de pesquisas, bem comoem diversas outras semelhantes, tem-se obser-vado que o aumento agudo de serotonina noorganismo, através da administração de umISRS, leva a uma diminuição no valor de al-guns tipos de estímulos aversivos. De formainversa, a diminuição abrupta desta substânciacausa aumento dessa mesma sensibilidade.

Curiosamente, tais mudanças foram de-tectáveis em procedimentos laboratoriaismesmo quando não puderam ser percebidas erelatadas verbalmente pelo sujeito experi-mental e nem pelas escalas clássicas de avalia-ção de ansiedade e humor. Entretanto, tais al-terações, quando ocorriam, prediziam respos-ta antidepressiva duas semanas depois. Estesdados sugerem que drogas como antidepres-sivos atuam, ao me-

nos em parte, mu-dando a sensibilida-de do organismo aalgumas formas deestímulos aversivos,e, possivelmente, aestímulos apetitivos,e esta modificação éo que leva, posterior-mente, a uma mu-

dança detectável nohumor e ansiedade.

Não é à toa quea grande maioria das drogas utilizadas para tra-tamento dos quadros psiquiátricos de ansieda-de e depressão envolve, com maior ou menorespecificidade, o sistema serotonérgico.

Todavia, a serotonina não é o úniconeurotransmissor envolvido nos quadros an-siosos e depressivos. Antidepressivos com

ação nos sistemas da noradrenalina, da dopa-mina e, mais recentemente, da melatonina

Uma avaliaçãofuncional dos

quadros depressivose ansiosos tem reve-lado uma importanteparticipação decontingências aver-sivas, com provávelaumento na frequên-cia de respostasde fuga/esquivae/ou diminuiçãona frequência derespostas mantidaspor reforçamento

positivo, em maior oumenor grau.

Dados sugerem quedrogas como anti-depressivos atuam,ao menos em parte,mudando a sensibi-lidade do organismoa algumas formas deestímulos aversivos,e possivelmente aestímulos apetitivos,e que esta modifi-cação é que leva,posteriormente,

a uma mudançadetectável no humore ansiedade.

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Clínica analítico-comportamental 195

Síntese das principais informações relacionadas aos fármacos citados neste capítulo

Classe Principais Principal Principais efeitos

farmacológica representantes mecanismo de ação colaterais e cuidadosAntipsicóticosde primeirageração1

Inibidoresseletivos derecaptura de5HT

Inibição duplade recapturade 5HT e NE

Tricíclicos

Inibidores damonoamino--oxidase

Outrosantidepressi-vos e ansiolíti-cos

Antipsicóticosde segundageração

Haloperidol, trifluopera-zina, periciazina, levome-promazina, pimozida,tioridazina, perfenazina,flufenazina, zuclopentixol,sulpirida e clorpromazina.

Fluoxetina, sertralina,paroxetina, citalopram,fluvoxamina e escitalo-pram.

Venlafaxina, desvenlafa-xina, duloxetina.

Nortriptilina, clomipramina,imipramina, amitriptilina.

Tranilcipromina, mocobe-mida.

Agomelatina: antidepressivo. Atua estimulando receptores da melatonina e 5HT.

Bupropiona: antidepressivo. Ajuda a interromper o tabagismo. Melhora dadisfunção sexual, ganho de peso e sedação causados por outros psicofármacos.Inibidor da recaptura da dopamina e noradrenalina. Pode causar ansiedade einsônia.

Mirtazapina: efeitos antidepressivos e ansiolíticos. Atua principalmente sobre NE e5HT. Ganho de peso e sedação importantes.

Reboxetina: efeitos antidepressivos e ansiolíticos. Inibe seletivamente a recapturade NE da fenda sináptica.

Ziprazidona, olanzapina,risperidona, paliperidona,quetiapina, clozapina,amisulprida e aripiprazol.

Bloqueio dereceptoresdopaminérgicosD2.

Inibe a recapturada 5HT da fendasináptica.

Inibe a recapturada 5HT e NE dafenda sináptica.

Inibe a recapturada 5HT, NE e DA

(menor grau) dafenda sináptica.

Inibe a metaboli-zação da 5HT, NEe DA.

Diversos. Menosdependentes debloqueio D2 +envolvimento deoutros NTs.

Efeitos EPs/parkinsonismo comotremores, rigidez, hipocinesia,instabilidade postural/marcha eacatisia. Sedação, ganho depeso, hipotensão arterial, efeitosanticolinérgicos e hiperprolacti-nemia. Risco de alteração nacondução cardíaca e síndromeneuroléptica maligna. Anedoniae sintomas “negativos-like”(atípicos).

Disfunção sexual, náuseas ediarreia (paroxetina: constipa-ção), síndrome serotonérgica(raro).

Ganho de peso, hipertensãoarterial, sudorese, insônia/ sedação, náuseas.

Hipotensão postural, ganho depeso, disfunção sexual, constipa-

ção, boca seca. Risco debloqueio de condução cardíaca,hipotensão grave.

Disfunção sexual, fadiga, ganhode peso, hipotensão postural,sedação/insônia, tontura. Evitaralimentos com tiramina (queijos,vinhos, etc.) e medicaçõesvasoativas, como inaladorespara asma, descongestionantesnasais, etc., pelo risco dearritmias cardíacas e hipertensãoarterial grave.

5HT – serotonina; DA – dopamina; EP – extrapiramidais; NE – noradrenalina; NTs – neurotransmissores; receptoresD2 – receptores dopaminérgicos do tipo 2.

TABELA 21.1>

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196  Borges, Cassas & Cols.

também apresentam potencial antidepressivoe ansiolítico marcados. Essa observação nãoenfraquece a observação anterior por diversos

motivos. Em primeiro lugar, esses sistemassão altamente integrados, de forma que mu-dar um causa alterações significativas nos ou-tros. Além disso, como visto anteriormente,um aumento de respostas de fuga/esquivanão é a única modificação envolvida nos qua-dros depressivos e ansiosos. Uma importantediminuição da frequência de respostas manti-das por reforçamento positivo é também ob-servada com frequência, e neurotransmisso-

res como a dopamina estão mais diretamenteenvolvidos neste processo (Gonçalves e Silva,1999).

Seguindo esse raciocínio, é tambémpossível especular sobre algumas questões fre-quentes não respondidas em psicofarmacolo-gia. A primeira delas se refere à observaçãocomum de pacientes com o diagnóstico deum quadro ansioso, especialmente o transtor-no de ansiedade generalizada. Não é infre-

quente que a pessoarelate que, apesar deestar muito menosansiosa após o inícioda medicação de açãoserotonérgica (que,em tese, diminui ovalor de alguns aver-sivos), não faz muitascoisas, está mais pa-

rada e “preguiçosa”.Hipotetiza-se queisso ocorra, ao me-nos em parte, em umsujeito que passouboa parte da vida res-pondendo pela evita-ção de aversivos, nor-

malmente em frequências consideravelmenteelevadas. Uma vez reduzido o valor de grande

parte dos aversivos com a medicação, ocorreuma diminuição global da frequência dessescomportamentos de fuga/esquiva, situação

que contrasta com a condição anterior de“superprodutividade”. Além disso, principal-mente com aquelas pessoas que tiveram uminício muito precoce do respectivo quadroclínico, especula-se um déficit no repertóriocomportamental global mantido por reforça-mento positivo. Nas palavras de um cliente,“passei tanto tempo da minha vida, e desdecriança, aprendendo a resolver problemas etentando garantir que não ocorressem no

meu futuro que não aprendi a me divertir”(sic). Nesse momento, a experiência clínicade alguns grupos tem mostrado que o papeldo clínico é essencial no sentido de instalarnovos comportamentos positivamente refor-çados. Deve ficar claro que essa colocação ébaseada em observação clínica com extensãode dados laboratoriais para a clínica, mas queainda não foram estudados de forma contro-lada na prática.

Um dos maiores interesses da farmaco-logia hoje é conhecer variáveis que predigamresposta a um determinado fármaco. A títulode ilustração, seria de grande utilidade para opsiquiatra saber antecipadamente se aquelepaciente em particular responderia melhor aum ou outro fármaco. Até o momento, pou-co se sabe sobre o assunto, sendo que as prin-cipais variáveis preditoras de resposta são decunho genético (Malhotra, Murphy e Kenne-

dy, 2004). Mas este provavelmente não é oúnico fator relevante, principalmente quandofalamos na escolha da classe medicamentosa.

Tomando como exemplo o caso da de-pressão e as observações laboratoriais de au-mento do valor de estímulos apetitivos pormedicações dopaminérgicas, e de diminuiçãono valor de aversivos com medicações seroto-nérgicas, anteriormente citadas, faz sentidocrer que, em alguns casos, uma avaliação fun-

Não é infrequenteque a pessoa relateque apesar de estarmuito menos ansiosaapós o início damedicação de açãoserotonérgica, nãofaz muitas coisas,está mais paradae “preguiçosa.”Hipotetiza-se queisso ocorra, ao me-nos em parte, numsujeito que passouboa parte da vidarespondendo pelaevitação de aversi-vos, normalmenteem frequênciasconsideravelmenteelevadas.

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cional de cada sujeito poderia ajudar a guiar aescolha do grupo de fármacos, nesse sentido.

 A título de ilustração, sujeitos deprimidos

nos quais predomina uma diminuição de res-postas mantidas por reforçamento positivopoderiam se beneficiar mais de uma drogadopaminérgica, como a bupropiona, do quede uma droga serotonérgica, como os ISRSs(Tabela 21.1). Essa última, em tese, teriamaior efeito sobre pessoas nas quais as altera-ções comportamentais são predominante-mente relacionadas a um excesso de compor-tamentos de fuga/esquiva, mesmo que essas

sejam “passivas”. Na prática, poderíamos daro exemplo de um deprimido que deixa de veros amigos muito mais por esquiva do que poruma diminuição do valor reforçador dessesamigos. Apesar de aparentar bons resultadosna prática clínica, não existem, até o momen-to, estudos clínicos suportando diretamenteesta hipótese, mas algumas evidências preli-minares parecem apoiar indiretamente estaideia (Nutt et al., 2007).

> CONTROLE CONTEXTUALENCOBERTO E MEDICAÇÕES

Outro ponto relevante para o clínico vem dasimplicações do fato de uma droga poder ad-quirir propriedades condicionadas. A partirdesse momento, a droga passa a ser um estí-mulo ambiental a mais inserido na contin-

gência, e toda a análise de contingências passaa envolvê-las. Grosso modo, é como dizer quealém dos  seus efeitos incondicionados, a dro-ga adquire propriedades condicionadas comoqualquer outro estímulo. Sendo frequente ouso de drogas, com fins terapêuticos ou não,durante um processo psicoterápico, aliado aofato de que as drogas tendem a variar em dosee tipo ao longo deste processo, o conheci-mento e a consideração dessas variáveis na

análise feita pelo clínico parecem altamenterelevantes. Essa observação ganha importân-cia com estudos demonstrativos do caráter

contexto-dependente de processos comporta-mentais como a extinção, e o fato de que dro-gas e outros estímulos “internos” podem terfunção de contexto tanto quanto qualquer es-tímulo público (revisado em Bouton, 2002).

Tomando como exemplo o processo deextinção para entender a implicação práticadeste fenômeno, os estudos revisados porBouton (2002) deixam claro que uma respos-ta extinta em um dado contexto reaparece

quando o organismoé retirado deste con-texto, e que isso ocor-re mesmo quando amudança no contex-to é interna, porexemplo, sob efeitosde benzodiazepínicos e álcool. Novamente, aimportância dessas informações para o clíni-co é clara, uma vez que comportamentos ex-

tintos (ou instalados) sob efeito de uma drogapodem reaparecer (ou desaparecer) em suaausência. Esse fenômeno provavelmente ex-plica, ao menos em parte, outros como a me-nor taxa de recaída de quadros psiquiátricosque estão em processo psicoterápico quandoda retirada da medicação, bem como o pro-blema relacionado ao prejuízo causado porbenzodiazepínicos quando utilizados durantea aplicação de técnicas de dessensibilização

sistemática e exposição (ver Bouton, 2002,para mais detalhes).

> CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente capítulo tem por objetivo chamara atenção para um fato importante no mane-

 jo dos problemas do comportamento, mas,surpreendentemente, negligenciado até o

Comportamentosextintos (ou insta-lados) sob efeito deuma droga podemreaparecer (oudesaparecer) em suaausência.

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momento. Pouco se sabe sobre a interação defármacos com processos comportamentais egrande parte desse conhecimento vem de pes-

quisas experimentais, de forma que o conhe-cimento clínico é ainda mais complicado. Oprocesso de tomadas de decisões em psiquia-tria ilustra bem esta situação. Para escolheruma medicação, o psiquiatra se baseia inicial-mente no diagnóstico, e erros diagnósticossão uma das principais causas de falha tera-pêutica conhecidas. Considerando um diag-nóstico “correto”, os critérios utilizados en-volvem o uso preferencial de drogas com me-

nores efeitos colaterais e riscos para o paciente.Deve-se considerar, portanto, outras poten-ciais interações medicamentosas e a presençade comorbidades que contraindiquem umaou outra substância. Daí a preferência pordrogas como os ISRSs e os antipsicóticos desegunda geração (Tabela 21.1), uma vez que,com pouquíssimas exceções, drogas prescritaspara o diagnóstico “correto” têm eficácia tera-pêutica comparável.

É altamente provável, entretanto, queexistam variáveis que predigam, caso a caso,quem responderia melhor a cada fármaco emparticular e/ou poderia se prejudicar ou bene-ficiar do seu uso. Variáveis genéticas se mos-tram muito importantes nesse quesito, mas,na prática atual, o máximo de ajuda que seobtém de tais informações é a maior probabi-lidade de resposta a um determinado fármacose já houve resposta satisfatória com esta dro-

ga, em primeiro lugar, pelo próprio pacienteou, em segundo, de um parente consanguí-neo o mais próximo o possível. Outro critériode escolha envolve os efeitos colaterais “a fa-vor” do paciente. Em um paciente deprimi-do, por exemplo, pode-se usar uma medica-ção que cause sonolência, caso este apresenteinsônia, ou aumento de apetite, caso existagrande inapetência.

 Apesar de atualmente serem muito pou-co consideradas, as evidências sugerem que oprofissional envolvido no tratamento de uma

pessoa em uso de fármacos, lícitos ou ilícitos,leve em consideração em suas análises e inter-venções comportamentais as alterações nascontingências de reforçamento causadas pelaintrodução, modificação e/ou retirada dassubstâncias envolvidas.

> NOTAS

  1. Estes estudos envolvem estímulos considerados

“aversivos” ou “positivos” pela literatura da área,mas que, nos estudos em questão, não foram testa-dos pelos métodos definidores de reforçadores (po-sitivos e negativos) segundo a teoria analítico--comportamental. Ainda assim, outros estudosmostram propriedades reforçadoras para estes estí-mulos em humanos, e estudos com animais sobre osefeitos da serotonina no comportamento operantepermitem a extensão do raciocínio proposta no pre-sente texto.

> REFERÊNCIASBouton, M. E. (2002). Context, ambiguity, and unlear-ning: Sources of relapse after behavioral extinction. Biologi-cal Psychiatry, 52 (10), 976-986.

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Zamignani, D. R., & Banaco, R. A. (2005). Um panorama

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ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  A importância do autoconhecimento para o clínico.>

  Aspectos que influenciam na formação e no desempenho do clínico e quetranscendem a base teórica: vida pessoal, religião, etnia familiar, práticas culturais.

 22  Considerações sobre

valores pessoais e aprática do psicólogo clínicoVera Regina Lignelli Otero

Escolher uma profissão é sempre uma tarefamuito difícil. Cada um de nós percorreu um

caminho para identificar uma carreira. Quan-to a mim, e provavelmente a você que lê estetexto, chegamos à psicologia, uma área do co-nhecimento com várias possibilidades de atu-ação. Depois, fechamos um pouco mais asopções e chegamos à área clínica. Nessa traje-tória, passamos por várias fases que elegemos,ou nos indicaram como essenciais e impor-tantes, para preparar-nos para o desempenhoda profissão selecionada. Nela, muitos de nós

nos submetemos à própria análise clínica, fa-zemos cursos específicos que complementamnossa formação teórica e aprimoram nossaprática, além de buscarmos supervisão comprofissionais mais experientes. Esses são ape-nas alguns exemplos dos caminhos percorri-dos em direção a um bom desempenho comoclínicos. A análise do exercício da profissão deterapeuta requer como ponto de partida quese examine o papel da pessoa do profissionalno processo terapêutico de seus clientes.

 A relação terapêutica é, antes de tudo,uma relação pessoal. Trata-se do cliente, como

pessoa, interagindo com a pessoa do profissio-nal. Para ilustrar essa afirmação, relato a seguirum diálogo que ocorreu, por telefone, comuma pessoa que eu já conhecia socialmente ecom quem não tinha nenhuma proximidade.Ela havia me procurado na semana anteriorpedindo atendimento profissional ‘urgente’.Naquele primeiro contato, informei-lhe quesairia de férias dentro de uma hora e só poderiavê-la pessoalmente quando eu voltasse ao tra-

balho. Sugeri, na ocasião, que naquele mesmodia procurasse um psiquiatra para uma avalia-ção e eventual medicação. Durante minhas fé-rias, entrei em contato, por telefone, para sabercomo ela estava. Ouvi, literalmente, o seguin-te: “Nossa, estou muito feliz e surpresa com oseu telefonema. Não sei se você me telefonouprofissionalmente ou por já nos conhecermosanteriormente, isto é, como pessoa. Como seráque você me telefonou?”. Eu lhe respondi: “Eunão sei, e não tenho como separar o que sou

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como pessoa do que sou como psicoterapeuta.Como todos os profissionais de qualquer área,exerço a minha profissão ‘através’ da minha

pessoa”. A atuação como psicoterapeutas nos co-loca diante de nós mesmos como pessoas epode nos trazer lembranças das nossas histó-rias de vida. Todos sabemos que histórias devida, inclusive as nossas, podem conter expe-riências que se encaixam em um contínuoque vai de vivências de acontecimentos “posi-tivos”, agradáveis, até ao outro extremo, noqual se encontram acontecimentos bastante

“negativos”. A frequência e a intensidade decada um deles ou de todos eles nos forjaramcomo pessoas. As nossas “lembranças” tam-bém. Todas as nossas experiências “molda-ram” nossos conceitos e os nossos preconcei-tos sobre a vida e o viver.

Sejam quais forem os caminhos que umclínico tenha percorrido até tornar-se profis-sional, ele é sempre produto de sua históriade vida, que o levou a ser quem e como é,

com suas facilidades, dificuldades e peculiari-dades. Na atuação clínica, ele traz consigoseus sentimentos, valores de vida, conceitos e,muitas vezes, seus preconceitos. O clíniconão é, e não poderia ser, insensível. O clíniconão é uma pessoa neutra, como acreditam al-guns. Para compreender e analisar funcional-

mente seu desempe-nho profissional, énecessário que se in-

clua nesta análiseseus próprios senti-mentos, pensamen-tos e opiniões a res-

peito do que seu cliente lhe relata. Assimcomo o clínico precisa estar atento aos várioseventos indicativos de mudanças ‘subjetivas’de seu cliente, deverá também ficar atento aosseus próprios comportamentos encobertosque ocorrem durante cada atendimento. Co-nhecer suas próprias emoções e pensamentos

relacionados ao conteúdo que lhe traz o clien-te interfere, favoravelmente, no processo deatendimento que conduz. Nessa tarefa, há

cuidados a serem observados no sentido deidentificar os componentes “embutidos”, quepodem estar “invisíveis”, para ele, em cadamomento do atendimento: quais são os “da-dos” do cliente e quais são os do profissional?Há, em cada uma dessas interações, o encon-tro das duas pessoas ‘inteiras’ com tudo aqui-lo que pode ser chamado de individualidade,que é particular, próprio, íntimo, de cadauma delas; há a história de aprendizagem de

ambas. Neste encontro, (pretensamente tera-pêutico) como emtodos os outros, cadaum de nós é modifi-cado e modifica ooutro no “aqui e ago-ra” do processo clíni-co. Nessa situação,torna-se tarefa fun-damental e constante

para o clínico prestarmuita atenção aossentimentos que ex-perimenta durante oatendimento, de al-guma maneira, evo-cados pelo cliente. Tais sentimentos sobreseus “pontos cegos”, certamente, contêm in-formações valiosas para o seu autoconheci-mento. Desconsiderá-las poderá comprome-

ter a discriminação entre “o que é seu” e “oque é do cliente”. Examiná-las poderá trans-formar tais dados em vantagens terapêuticas.

Dessa maneira, como afirmamos ante-riormente, as intervenções de um profissionalcontêm elementos das duas histórias de vida:ao fazer hipóteses sobre o que ocorre com ocliente, o profissional está sob o controle dasinformações providas pelo cliente (queixas erelatos) e das contingências pessoais que vigo-ram ou vigoraram sobre ele, clínico.

Na atuação clínicaele traz consigo seus

sentimentos, valoresde vida, conceitose muitas vezes seuspreconceitos.

Na interação terapêutica torna-se tarefa fundamentale constante parao clínico, prestarmuita atenção aossentimentos queexperimenta duranteo atendimento, dealguma maneira,

evocados pelo clien- te. Tais sentimentossobre seus “pontoscegos”, certamente,contêm informaçõesvaliosas, para o seuautoconhecimento.

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Na tentativa decontribuir com a aná-lise dessas possíveis

interferências, parti-lho com o leitor algu-mas reflexões sobreum conjunto de as-pectos mais específi-cos, separados apenasdidaticamente, queacredito serem deter-minantes na forma-ção e no desempenho

do profissional daárea clínica, ao lado, evidentemente, de umasólida base teórica.

> PRÁTICAS EDUCATIVAS

Todas as famílias, quer tenham consciênciaou não, conduzem a educação de seus filhossegundo determinadas normas, regras ou va-

lores provenientes de diversas agências con-troladoras existentes nas ‘comunidades’ emque vivem e/ou pertencem. Cada família,também ela uma agência controladora en-quanto “instituição”, informa e forma seus fi-lhos, posicionando-se maleável ou rigida-mente, clara ou dissimuladamente sobre de-terminadas questões da vida e do jeito deviver. “Educa” seus filhos! Um exemplo a ser

citado neste sentido

refere-se às frequen-tes dificuldades apre-sentadas pelas famí-lias na educação se-xual de seus filhos.Questões referentes asexo, eventualmenteaventadas pelas crian-

ças, das mais elementares às mais complexas,como as que explícita e diretamente envol-

vem valores ditos morais, geralmente são evi-

tadas, negadas, distorcidas, punidas, rara-mente respondidas com naturalidade pelospais. Por estes caminhos ‘ensinam’ aos filhos

como “devem” compreender e, possivelmen-te, “viver a própriasexualidade”.

Os diferentesposicionamentos as-sumidos pelas famí-lias, sob controle dasmais diversas variá-veis, estabelecem edeterminam as tarefas

e funções de cada um de seus membros. Deli-neiam, por exemplo, o papel da mulher e dohomem na família e na vida de um modo ge-ral; “ensinam” como deve ser a interação entreeles, quem exercerá a autoridade e segundoquais modelos de atitude de vida. Algumas fa-mílias escolherão o caminho do controle docomportamento pelo uso de práticas aversivas.Serão severas, depreciativas e “distantes”, afeti-vamente. Outras conduzirão a educação dos

filhos predominantemente através de práticasnão coercitivas, apontando seus acertos,utilizando-se de elogios, respeitando diferen-ças individuais, com carinho e proximidadeafetiva. Algumas valorizarão os sentimentos eos validarão. Outras punirão manifestações desentimentos, invalidando-os. Evidentemente,entre o branco e o preto há uma imensidão detons. Ainda bem!

É relevante, portanto, que o clínico

considere que trazconsigo os modelosde controle de com-portamento aos quaisfoi exposto em suafamília de origem,assim como carregaconsigo os “efeitos”que estes produziramno seu modo de ser.

Ressalto novamente

As intervençõesde um profissionalcontêm elementosdas duas histórias

de vida: ao fazerhipóteses sobre oque ocorre com ocliente o profissionalestá sob o controledas informaçõesprovidas pelo cliente(queixas e relatos)e das contingênciaspessoais que vigo-ram ou vigoraramsobre ele, clínico.

Cada família informae forma seus filhos,posicionando-semaleável ou rigi-damente, clara oudissimuladamente,sobre determinadasquestões da vida edo jeito de viver.

Os diferentesposicionamentosassumidos pelas fa-mílias, sob controledas mais diversasvariáveis, estabele-cem e determinamas tarefas e funçõesde cada um de seusmembros.

É relevante, por- tanto, que o clínicoconsidere que trazconsigo os mode-los de controle decomportamento aosquais foi expostoem sua família deorigem, assim comocarrega consigo os“efeitos” que estesproduziram no seu

modo de ser.

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Clínica analítico-comportamental 203

que o clínico sempre estará diante de históriasde vida: a do cliente e a sua. A sua históriapessoal poderá ter alguma semelhança com a

do cliente ou mesmo poderá ser a sua antíte-se. Não importa. O alerta é para que o clínicofique atento, durante todo o atendimento,para manter-se sempre sob controle das vari-áveis relacionadas ao cliente, e não às suaspróprias.

> ETNIA FAMILIAR

Este tópico merece destaque especial. Cadaetnia tem seus próprios valores, expressos emum rol de regras existentes nas condutas deseus membros e que dirigem o funcionamen-to da família, especialmente a educação dosfilhos. Há famílias que conservam rigidamen-te os costumes próprios de suas origens,como, por exemplo, seus símbolos e vesti-mentas. Outras são maleáveis e se adaptam àsrealidades nas quais passam a viver; assimilam

e integram novos costumes e valores, novasformas de viver. Háfamílias que identifi-cam e respeitam dife-renças culturais. Ou-tras tem dificuldadesnessa prática. De al-guma maneira, traze-mos os conceitos ad-vindos das “culturas”

de nossas famílias.Eles nos dão referên-cias em várias situa-ções de vida: tipos deinterações pessoais,(algumas permitidas,outras não); convi-

vência com pessoas de diferentes classes so-ciais, possibilidades de vivências sexuais, prá-ticas e valores religiosos, etc. É preciso consi-

derar que este referencial está em cada um de

nós. Enquanto psicoterapeutas, não podemostransformá-lo em “regras” de julgamento docomportamento do outro, especialmente dos

nossos clientes.Na clínica, recebemos para atendimen-to pessoas das mais diferentes origens étnicas,com valores de vida e modos de viver que po-derão ser bastante diversos dos nossos. Preci-samos ter clareza sobre nossos costumes e va-lores, assim como conhecer costumes e valo-res de culturas diferentes da nossa, parapodermos compreendê-los. Nem sempre é fá-cil lidar com diferenças, inclusive, para nós,

clínicos. Observemo-nos.

> RELIGIÃO

Qualquer que seja o nosso posicionamentopessoal a respeito de religião, ele se constituiem um tópico que também requer uma espe-cial atenção com relação à atuação do clínico.Religião, como uma das mais antigas institui-

ções na história da humanidade, é uma fortee poderosa agência controladora de atitudes.Essa, como todas as agências, transmite con-

 juntos de valores de vida que são incorpora-dos, assimilados, seguidos, respeitados, totalou parcialmente, por seus fiéis. As religiõestêm práticas, rituais ecerimônias próprias.

 Algumas práticas eprincípios religiosos,

aos olhos de seguido-res de outras crenças,ou mesmo para aque-les que dizem não terreligião, poderão pa-recer esdrúxulos, infundados, coercitivos, en-ganadores, punitivos, absurdos ou qualqueroutra qualificação que se queira dar. Seja qualfor o posicionamento do clínico em relação àreligião, o papel do profissional requer que

respeite e aponte para seu cliente as possíveis

De alguma maneira trazemos os con-ceitos advindos das“culturas” de nossasfamílias. Eles nosdão referências emvárias situaçõesde vida: tipos deinterações pessoais,(algumas permi-

 tidas outras não);convivência compessoas de diferen- tes classes sociais,possibilidades devivências sexuais,práticas e valoresreligiosos, etc.

Qualquer que sejanosso posiciona-mento pessoal a res-

peito de religião, elese constitui em um tópico que tambémrequer uma especialatenção com relaçãoà atuação do clínico.

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implicações de suas concepções e práticas re-ligiosas, sem juízo de valor, especialmente seas dificuldades apresentadas se relacionarem a

estas, direta ou indiretamente. Como exem-plo de eventuais dificuldades, consideremosuma subcultura religiosa que desenvolveu re-gras verbais sobre cura pela fé as quais proí-bem seus adeptos de procurarem assistênciamédica para doenças que ameaçam a vida.Também como exemplo, vale lembrar que,de um modo geral, as religiões têm concep-ções criacionistas sobre o universo e, conse-quentemente, rejeitam a ideia evolucionista

sobre o homem. As concepções fundamenta-das pela fé, obviamente, não têm e não neces-sitam de comprovação, mas têm implicaçõesdiretas na vida das pessoas. Considerando osaber acumulado pela ciência, o clínico, comrespeito e isenção de seus posicionamentospessoais, tem que analisar as concepções reli-giosas do cliente, assim como apontar os pos-síveis desdobramentos destas na vida dele.Religião, muitas vezes, é uma paixão, e como

tal pode comprometer nossa razão!

> VALORES DE VIDA

Nós, clínicos, e nossos clientes também, assi-milamos, valores éticos ou morais nos maisdiversos contextos e situações de vida: famí-

lias de origem, igre- jas, escolas, famílias

de amigos, leituras,filmes ou peças de te-atro que assistimos,dentre outros. Às ve-zes, os nossos valorese os deles são coinci-dentes; às vezes, não.

Se nos fosse pos-sível, a cada um, assis-tir hoje, como em um

filme, a tudo o que jávivemos, esporádica

ou frequentemente, veríamo-nos, certamente,participando de alguma maneira das mais di-versas situações. Assistiríamos a “cenas” pauta-

das pelo respeito ao próximo e a si mesmo, pordesrespeitos vários, contextos e interações di-versas, incluindo atitudes de consideração, des-consideração, compreensão, incompreensão,agressão verbal e, ou física, acolhimento ou re-

 jeição, dentre outras.É impossível esgotartodas as questões quepoderiam e deveriamser feitas para exami-

narmos os nossos va-lores de vida, a nossaformação como pes-soa. Nossas vivências,incluindo os contex-tos nos quais estasocorreram, foram seguramente determinantesno processo de elaboração das nossas concep-ções sobre a vida e, portanto, na nossa maneirade ser, de avaliar pessoas, de julgar algo, alguém

ou situações. É importante que sejamos capazesde ter critérios honestos, claros e objetivos paraselecionarmos o que aprendemos e nos cons-truiu como pessoas.

O que deve ser sempre ressaltado é quenossa maneira de ser e nossos valores pessoaistiveram como ponto de partida, como alicerce,as nossas histórias de vida. Os nossos clientestambém. Histórias de vida devem ser examina-das em profundidade. As dos nossos clientes e

as nossas. Somos todos seres em construção,modificando o mundo em que vivemos e sen-do modificados por ele. Ao clínico, impõe-seconsiderar e respeitar sempre os valores apre-sentados pelo cliente, apontando-lhe as possí-veis consequências destes.

> CONSIDERAÇÕES FINAIS

Somos clínicos com nossas emoções, senti-mentos, conceitos e preconceitos sobre a vida

Nós clínicos enossos clientes

 também, assimila-mos, valores éticosou morais nos maisdiversos contextose situações de vida:famílias de origem,igrejas, escolas,famílias de amigos,leituras, filmes oupeças de teatro queassistimos, dentreoutros. Às vezes, osnossos e os deles

são coincidentes; àsvezes não.

Somos todos seresem construção modi-ficando o mundo emque vivemos e sendomodificados por ele.Ao clínico impõem-se

considerar e respei- tar sempre os valoresapresentados pelocliente, apontando--lhe as possíveisconsequências dosmesmos.

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e o viver. Todos te-mos nossas históriasde aprendizagem que

nos tornaram o quesomos. Na tentativade aprimoramentopessoal e na busca deuma atuação profis-sional que beneficieo cliente, nós, clíni-cos, tentamos am-pliar nossos conheci-mentos e limites, de

forma que estes nãose constituam empe-

cilhos; ao contrário, que possam facilitar acondução do processo clínico, que é a nossaprincipal tarefa. Essa trajetória passa, necessa-riamente, pela análise pessoal do clínico, pelaexpansão de sua cultura pessoal no sentido

mais amplo, pelas trocas com outros profis-sionais, pelo contato com outras áreas do sa-ber que não a psicologia. Enfim, a partir de

uma base teórica sólida, são inúmeros os ca-minhos que levam ao aprimoramento pessoale profissional.

Considerarmos determinante o papeldas práticas educativas das nossas famílias deorigem, costumes étnicos, posicionamentosfrente à religião, valores éticos e morais pre-sentes na nossa formação pessoal é o que nosleva a ter atitudes cuidadosas quanto à inter-ferência desses fatores (que também nos

constituem como pessoas) nas análises quefazemos sobre as questões da vida dos clien-tes. O encontro terapêutico dá-se entre pes-soas diferentes, e, nesse encontro, o benefí-cio buscado deve ser para o cliente, embora(e felizmente!) possamos aprender tantocom eles.

Na tentativa deaprimoramentopessoal e na buscade uma atuaçãoprofissional quebeneficie o cliente,nós clínicos tenta-mos ampliar nossosconhecimentos elimites, de forma queestes não consti- tuam empecilhos, aocontrário, possamfacilitar a conduçãodo processo clínico,que é a nossa princi-pal tarefa.

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Em 1998, ministrei uma palestra, posterior-mente publicada (Luna, 1998), em que pro-curava responder a uma pergunta feita pelospropositores da atividade: o terapeuta é umcientista? A convite da professora MarthaHübner – então presidente da ABPMC –1,Dênis Zamingnani e eu ministramos, na reu-nião de 2008 dessa associação, um minicurso

revendo a questão 20 anos depois da referidapublicação.

Não retomarei as questões lá tratadas, jáque meu objetivo aqui é outro. No entanto,

 julgo pertinente a leitura delas, pois, dessaforma, o leitor poderá entender mais clara-mente ao que me refiro quando falo em pes-quisar. Em particular, em que condições acre-dito que os trabalhos do pesquisador e do clí-nico se aproximam e se separam.

> FUNÇÕES E LIMITESDA METODOLOGIA

 A adesão a qualquerproposta de geraçãode conhecimento,em qualquer área,implica a adoção de

pressupostos sobre oseu objeto de estudo,como, por exemplo,sobre a sua naturezae sua relação com ou-tros fenômenos, so-bre a noção de causa-lidade, sobre o quesignifica explicação. Em qualquer caso, pres-supostos e princípios estarão por trás da ado-

 23  Subsídios da prática

da pesquisa para aprática clínica analítico--comportamentalSergio Vasconcelos de Luna

ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  Funções e limites da metodologia.>

  A proposta de sujeito como seu próprio controle.>

  Análise estatística versus  análise de sujeito como seu próprio controle.>

  Os controles sobre o comportamento do pesquisador e do clínico.

A adesão a qualquerproposta de geraçãode conhecimento,em qualquer área,implica a adoçãode pressupostossobre o seu objetode estudo, como,por exemplo, sobrea sua natureza e suarelação com outrosfenômenos, sobrea noção de causa-lidade, sobre o quesignifica explicação.

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Clínica analítico-comportamental 207

ção/desenvolvimento de práticas que contro-larão o comportamento daqueles que produ-zem conhecimento. Pelo menos parte do que

está dito aqui integra aquilo que se denominaparadigma.Como não poderia deixar de ser, a práti-

ca do analista do comportamento em sua ativi-dade de pesquisa básica, aplicada ou mesmo deaplicação, também é regida por uma noção de

ciência que impõe li-mites à sua atuação ecobra dele uma ativi-dade sob controle es-

trito dos dados. Pes-quisadores básicos e/ou aplicados/profis-

sionais do atendimento terapêutico2  que so-mos, não devemos/podemos nos colocar comouma autoridade cujo julgamento seja postoacima do que os dados demonstram. Pelo me-nos no que diz respeito à ciência do comporta-mento – referencial que adoto aqui –, fazerisso implica muito mais do que ser ético. Sig-

nifica, por exemplo, não ceder à tentação deolhar seletivamente para os dados que falam afavor de hipóteses preferidas, mesmo que issoimplique não poder oferecer resposta no mo-mento ao problema sob investigação. Essa éuma lição difícil de aprender, tanto para o pes-quisador básico quanto para o profissional queintervém na realidade, mas é possível que apressão pela solução seja mais forte para esteúltimo. Trata-se, de fato, de uma lição tão mais

difícil se lembrarmos que a/uma metodologianão tem status  próprio, mas deve ser sempreentendida como uma lógica, um raciocínio deque nos valemos para, a qualquer momento,tomar decisões sobre os próximos passos. Tan-to os ensinamentos de Skinner (1953 e 1956,por exemplo), quanto os de Sidman (em parti-cular, 1960) parecem ter retirado de nós todos– analistas do comportamento – o chão que aciência experimental – leia-se, a psicologia ex-

perimental “clássica” – nos ensinara. Comodecidir que uma resposta ainda não é apropria-da e que, portanto, deve-se suspender o julga-

mento e esperar por outra melhor? Qual o me-lhor critério para se mudar o experimento defase? Como lidar com os sujeitos cujo desem-penho se afasta muito da “média” dos demaissujeitos?

Eu vou me valer dessas questões comoponto de partida para ilustrar três aspectosimportantes, que listo a seguir.

a) Como os pressupostos e princípios assu-

midos e defendidos pela análise do com-portamento mudaram substancialmente aprática consagrada pela psicologia experi-mental?

b) Como essas alterações forçaram (e devemcontinuar a forçar) o desenvolvimento dedelineamentos de pesquisa e de procedi-mentos de controle experimental?

c) Como o controle exercido sobre o com-portamento do pesquisador (básico/apli-

cado) estende-se igualmente ao clínico, namedida em que diz respeito ao estudo e àcompreensão do comportamento e dassuas relações com o seu ambiente?

> COMO OS PRESSUPOSTOS EPRINCÍPIOS ASSUMIDOS EDEFENDIDOS PELA ANÁLISE DO

COMPORTAMENTO MUDARAMSUBSTANCIALMENTE A PRÁTICACONSAGRADA PELA PSICOLOGIAEXPERIMENTAL?

Controle estatísticoversus controle experimental

Grosso modo, o grande problema do psicólogoexperimental (leia-se, do experimentador em

Não devemos/po-demos nos colocarcomo uma autorida-de cujo julgamento

seja posto acimado que os dadosdemonstram.

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208  Borges, Cassas & Cols.

geral) sempre esteve resumido a uma questão:como decidir se a introdução da(s) variável(eis)experimental(ais) produziu(ram) mudança

confiável sobre a variável dependente e, porextensão, o que poderia ser considerado comouma diferença confiável? Em outras palavras,que magnitude de diferença entre os resulta-dos obtidos por sujeitos do grupo experimen-tal e os de controle devem ser aceitos comoproduzidos pela VI? Dito de outra forma,quanto das diferenças obtidas não pode serexplicado pelo acaso?

 A resposta estava em submeter os resul-

tados a testes estatísticos3

 que, sob determi-nadas condições, ofereceriam, como resposta,a probabilidade de que as diferenças encon-tradas se devessem ao acaso ou pudessem seratribuídas à manipulação experimental.

E, aqui, entra o conceito central paranossa discussão. A grande maioria dos testes es-tatísticos – e dos delineamentos experimentaisque confiam no controle estatístico – baseia-seno controle/eliminação do grande vilão: a va-

riabilidade! Esta se manifesta em vários aspec-tos da pesquisa, mas interessa-me concentrar adiscussão em um deles: a variabilidade com-portamental intra/entre sujeitos, e é nesse sen-tido que discutirei a questão doravante.

Se meu delineamento implica introdu-zir um tratamento experimental (digamos, ocontrole do tabagismo) a um grupo de pesso-as e não a outro, como forma de comparar di-ferenças nos resultados, é crucial – para efei-

tos do controle estatístico – que eu possa:

a) impedir que certos fatores importantes va-riem entre indivíduos (por exemplo, queo número de cigarros fumados por dia va-rie entre indivíduos de cada grupo), to-mando como amostra pessoas que fu-mem, há aproximadamente o mesmo pe-ríodo, um número muito igual (ouequivalente) de cigarros; ou

b) randomizar esta variável entre os grupos,de modo que, entre os que receberam o

tratamento e os que não o receberam, hajavariabilidade homogênea quanto ao nú-mero de cigarros fumados e o tempo du-

rante o qual fumaram até então.No primeiro caso, diz-se que a variabili-

dade foi “eliminada”; no segundo, que ela foicolocada sob controle estatístico, já que, namédia, os efeitos dela terão sido “controla-dos”.

 Antes de prosseguir nesta análise, va-mos considerar dois conjuntos de argumen-tos. Do ponto de vista da análise do compor-

tamento, diferenças individuais são decorren-tes da história de interações de cada um comseu ambiente físico e social, e o produto des-sas interações res-ponde pela sensibili-dade ou não de cadaum a determinadascontingências, alémde dar conta de seurepertório comporta-

mental. Desse pontode vista, encontrarvariabilidade entreindivíduos submeti-dos a um “mesmo”tratamento (ou vari-ável, como no exem-plo que estou rela-tando) apenas reafir-ma que diferentes histórias de vida interagiram

(ou não) de modo diferente com esse trata-mento experimental. Se quisermos ganharconhecimento/controle sobre a maneiracomo uma variável afeta diferentes indivídu-os, é necessário entender como a história decada um interage com ela. A esse propósito,Sidman (1960) foi bastante ilustrativo ao de-monstrar que o controle estatístico não “can-cela” uma variável, mas a esconde de formaque seus efeitos não sejam “visíveis”. Skinner

manifestou-se a respeito disso em diferentesmomentos, mas seu exemplo mais eloquente

Do ponto de vista daanálise do compor- tamento, diferençasindividuais sãodecorrentes dahistória de intera-ções de cada umcom seu ambiente

físico e social eo produto destasinterações respondepela sensibilidadeou não de cada uma determinadascontingências,além de dar contade seu repertóriocomportamental.

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Clínica analítico-comportamental 209

(ainda que menostécnico) ocorre emTecnologia do Ensino

(1968), ao referir-seà individualização doensino. Para ele, umprograma de ensinopreparado para a mé-dia da classe nãoatenderá à diversida-de de histórias devida (e, portanto, àdiversidade de reper-

tórios acadêmicos),fazendo com que os

mais fracos sejam “perdidos” ao longo do cur-so, enquanto os mais avançados nada ganha-rão. Em outras palavras, o programa só servi-rá a um grupo médio de alunos.

Do controle estatísticopara o controle experimental

Estas considerações expressas nas citações deSkinner e de Sidman evidenciaram que o ana-lista do comportamento precisava de umanova lógica de planejamento de pesquisa,com delineamentos que respeitassem os prin-cípios e pressupostos aceitos e defendidospela análise do comportamento e pelo Beha-viorismo Radical como sua filosofia.4  Já nadécada de 1960,5 analistas do comportamen-

to de orientação aplicada começaram a publi-car pesquisas que evidenciavam duas tendên-cias que representavam a resposta que a análi-se do comportamento passaria a dar aodelineamento estatístico (em oposição aocontrole estatístico): o delineamento em quecada sujeito funcionava como seu própriocontrole e as respectivas formas de controleexperimental (e não mais estatístico), repre-sentadas por reversões, linhas de base múlti-plas, critérios móveis, etc.6 Em vez de resulta-dos de testes estatísticos para a tomada de de-

cisão quanto a mudanças, propunha-se oestudo de mudanças nas tendências observa-das no comportamento (critérios de estabili-

dade, por exemplo).Mas várias outras mudanças ousadas fo-ram sendo introduzidas, embora nem semprereconhecidas ou apontadas. Transformar avariabilidade de “vilão” em “mocinho” impli-cava deixar de varrê-la para debaixo da terra,e ressaltá-la  para poder ser estudada. Um ex-perimento com diferentes sujeitos, em que al-guns mostram-se “díspares” quanto aos resul-tados, não deveria ser encerrado com o la-

mento de que nem todos respondiam “comoesperado”. Ao contrário, deveria ser continu-ado de modo que se descobrisse sob que con-dições aquele proce-dimento poderia sereficaz com os sujeitosque, a princípio, nãoficaram sob controledele. O fato de quealguns sujeitos não

respondiam a umadada consequênciareforçadora não sig-nificava que eles nãoeram controlados por consequências, apenasque não eram controlados por aquelas conse-quências . Em outras palavras, tratava-se detrocar a semelhança física dos estímulos eprocedimentos por funcionalidade.

Notem que estas mudanças provocaram

duas outras alterações na condução habitualdos experimentos com delineamentos experi-mentais clássicos. Em primeiro lugar, era pos-sível (corriqueiro, eu diria), nesses casos, queum experimento fosse conduzido até seu ter-mo para, então, analisarem-se seus resultados.Em nenhuma situação o pesquisador deveriaproduzir alterações nas variáveis experimentaisao longo do experimento. Isso deixava de serpossível (pelo menos desejável) nos delinea-mentos de sujeito como seu próprio controle.Por um lado, porque era necessário analisar

Para Skinner, umprograma de ensinopreparado paramédia da classe nãoatenderá à diversi-dade de histórias devida fazendo comque os mais fracossejam “perdidos”ao longo do curso,enquanto que osmais avançadosnada ganharão. Emoutras palavras, oprograma só serviráa um grupo médio dealunos.

O fato de quealguns sujeitos nãorespondiam a umadada consequênciareforçadora não sig-nificava que eles nãoeram controladospor consequências;

apenas, que nãoeram controla-dos por aquelasconsequências .

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210  Borges, Cassas & Cols.

contínua e permanentemente o desempenhode cada sujeito, já que era o seu comportamen-to que definiria como o pesquisador se condu-

ziria a cada sessão/etapa da pesquisa. Ao mes-mo tempo, uma vez identificados prováveiselementos de controle sobre o comportamentodo sujeito (que não a variável experimental ini-cialmente prevista), caberia ao pesquisadormostrar controle experimental ao produzir al-terações que comprovassem sua análise.

> COMO ESSAS ALTERAÇÕES

FORÇARAM (E DEVEMCONTINUAR A FORÇAR) ODESENVOLVIMENTO DEDELINEAMENTOS DE PESQUISAE DE PROCEDIMENTOS DECONTROLE EXPERIMENTAL?

Para analistas do comportamento formados,digamos, de 20 anos para cá, as transforma-

ções que elenquei talvez não representemuma revolução porque podem já ter sido in-corporadas ao que se poderia chamar de “umaciência normal dentro da análise do compor-tamento”. No entanto, elas constituíram umaenorme revolução e foram (talvez ainda se-

 jam) causa de descrédito quanto à seriedadeda análise do comportamento.

Em 1960, a leitura do texto de Sidman, já aqui mencionado, escandalizou-me (eu vi-

nha, então, de uma formação no delineamen-to experimental clássico, com direito a trata-mentos estatísticos)! Ao fazer a crítica ao con-trole estatístico, Sidman acabou propondoque o pesquisador usasse a maturidade de seu

 julgamento (como profundo conhecedor docomportamento que estudava), o qual, porsua vez, seria julgado pela comunidade depesquisadores! Levou muitos anos para queeu entendesse que aquele critério propostopor Sidman não era melhor, nem pior, do queo critério estatístico. Ambos eram probabilís-

ticos (e não verdadeiros por definição) e sem-pre dependeriam de replicação, fidedignida-de, generalidade do critério maior proposto

por Skinner: funcio-nalidade. Como eledisse uma vez, Ro-binson Crusoe nãodependia de que al-guém concordasse ounão com ele; ele pre-cisava era ganhar ha-bilidade em lidarcada vez melhor com a natureza.

 A extrema complexidade do comporta-mento e a imensa área de fenômenos a seremainda entendidos por nós sobre ele nos obri-gam a aprender a ficar sob controle dos dadose a buscar procedimentos e delineamentosque nos ofereçam melhor controle experi-mental, para não termos de depender (unica-mente, digamos) da probabilidade indicadapelos resultados dos testes estatísticos.

> COMO O CONTROLE EXERCIDOSOBRE O COMPORTAMENTO DOPESQUISADOR (BÁSICO/ APLICADO) ESTENDE-SEIGUALMENTE AO CLÍNICO, NAMEDIDA EM QUE DIZ RESPEITOAO ESTUDO E À COMPREENSÃODO COMPORTAMENTO E DAS

SUAS RELAÇÕES COM O SEUAMBIENTE?

 A pesquisa básica tem amplas condições paralevar a cabo experimentos em que variáveissão exploradas em detalhes e combinadas se-gundo diferentes parâmetros. Se retomarmosas transformações que o Behaviorismo Radi-cal acabou promovendo – mais do que isso,exigindo –, as quais me referi, poderemos di-zer que as condições controladas do laborató-rio e, no caso de sujeitos animais, as facilida-

Robinson Crusoenão dependia deque alguém concor-dasse ou não comele; ele precisavaera ganhar habili-dade em lidar cadavez melhor com anatureza.

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Clínica analítico-comportamental 211

des oferecidas por organismos, cuja históriade vida pode ser razoavelmente bem contro-lada, facilitaram o desenvolvimento de uma

criatividade que tornasse flexíveis procedi-mentos e delineamentos, concorrendo para aconcretização do programa de previsão e con-trole de nosso comportamento.

Em mais de uma oportunidade ouvi co-legas não analistas do comportamento (mas,também, não xenófobos) reconhecerem a ine-quívoca qualidade profissional de alunos for-mados em análise do comportamento ou que,pelo menos, tiveram bons cursos de Análise

Experimental do Comportamento – AEC.Segundo eles, esses profissionais mostravamgrande capacidade de ler, discutir e interpre-tar resultados, mesmo que fora do âmbito da

 AEC.Por outro lado, o programa de Skinner,

que, segundo Andery (1990), desde o seu iní-cio foi proposto como uma ferramenta para a

compreensão do ho-mem, não chegaria a

bom termo se nãodialogasse continua-mente com os que –dedicados à interven-ção e/ou à pesquisabásica – fossem capa-zes de interpretar osresultados da pesqui-

sa básica e retroalimentá-los com seus pró-prios resultados, com adaptações de procedi-

mentos e com críticas construtivas.Óbvio ou não, quero dizer que a inter-

locução deve ter mão dupla, ou seja, ser mes-mo uma interlocução.

> NOTAS

  1. Associação Brasileira de Psicoterapia e MedicinaComportamental (ABPMC).

  2. O leitor interessado nestas distinções poderá encon-trar um detalhamento delas em Luna (1997).

  3. Não cabe discutir esta questão agora, mas é necessá-rio registrar que um pesquisador competente tomaas decisões sobre testes estatísticos a serem emprega-dos junto com as demais decisões referentes ao deli-neamento experimental, não depois delas.

  4. O espaço não me permite aprofundar a questão,mas, para quem está interessado, recomendo a lei-tura de Skinner (1956).

  5. Como referência histórica, lembro que o primeironúmero do  Jounal of Apllied Behavior Analysis   foi

publicado em 1968.  6. Jamais gostei das expressões “delineamento de sujei-

to único” e “delineamento N=1” para exprimirem odelineamento de sujeito como seu próprio controleporque, a meu ver, por um lado, informam mal(não sou obrigado a estudar apenas um sujeito emcada experimento) e, por outro, deixam escapar aquestão central: o fato de que, nesse delineamento,cada sujeito funciona como seu próprio controle.

> REFERÊNCIAS

 Andery, M. A. A. (1990). Uma tentativa de (re)construção domundo: A ciência do comportamento como ferramenta deintervenção. Tese de doutoramento, Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo, São Paulo.

Luna, S. V. de (1997). O terapeuta é um cientista? In R. A.Banaco (Org.), Sobre comportamento e cognição: Aspectos teóri-cos, metodológicos e de formação em análise do comportamento eterapia cognitiva  (vol. 1, pp. 305-313). Santo André: Arbytes.

Sidman, M. (1960). Tactics of scientific research: Evaluatingexperimental data in Psychology . New York: Basic Books.

Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior . New

 York: Free Press.Skinner, B. F. (1956). A case history in scientific method. American Psychologist, 11, 221-223.

Skinner, B. F. (1968). The technology of teaching . New York: Appleton-Century-Crofts.

A pesquisa básica e

as práticas apli-cadas, entre elasa clínica, devem trabalhar numa viade mão dupla, emque os dados obtidosem uma funcionemcomo informaçõesúteis para o trabalhoda outra.

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A clínica analítico-comportamental infantil 24   Clínica analítico-comportamental infantil: a estrutura

 Joana Singer Vermes

 25  As entrevistas iniciais na clínica analítico-

-comportamental infantil  Jaíde A. G. Regra

 26  O uso dos recursos lúdicos na avaliação funcionalem clínica analítico-comportamental infantil

  Daniel Del Rey

 27  O brincar como ferramenta de avaliação e intervençãona clínica analítico-comportamental infantil

  Giovana Del Prette e Sonia Beatriz Meyer

 28  A importância da participação da família na clínica

analítico-comportamental infantil  Miriam Marinotti

A clínica analítico--comportamental e os grupos 29  O trabalho da análise do comportamento com grupos:

possibilidades de aplicação a casais e famílias  Maly Delitti e Priscila Derdyk

A atuação clínica analítico--comportamental em situações específicas 30  O atendimento em ambiente extraconsultório: a

prática do acompanhamento terapêutico  Fernando Albregard Cassas, Roberta Kovac e

Dante Marino Malavazzi

 31  Desenvolvimento de hábitos de estudoNicolau Kuckartz Pergher, Filipe Colombini, Ana Beatriz D. Chamati,

Saulo de Andrade Figueiredo e Maria Isabel Pires de Camargo

 32  Algumas reflexões analítico-comportamentaisna área da psicologia da saúde Antonio Bento A. Moraes e Gustavo Sattolo Rolim

PARTE III

Especificidades da clínicaanalítico-comportamental

SEÇÃO I

SEÇÃO II

SEÇÃO III

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ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  Os primeiros encontros de um trabalho clínico com criança: com quem fazê-los e o que levantar.>

  Primeiras sessões com a criança: objetivo e condução.>

  O decorrer do trabalho clínico.>

  Objetivos de um trabalho clínico com criança.>

  Quando e como fazer o encerramento de um trabalho clínico com criança.

 24 Clínica analítico-

-comportamentalinfantil: a estrutura Joana Singer Vermes

Para um melhor aproveitamento deste capí-tulo, devemos, inicialmente, caracterizar oseu objetivo central. Quando se fala em estru-tura de um processo, está-se referindo a umformato específico do fazer, ou a uma deter-minada ordem de uma prática. Neste traba-lho, pretende-se oferecer um roteiro geral so-bre a trajetória de uma terapia infantil decunho analítico-comportamental.

No contato com clínicos recém-forma-

dos, residentes de psiquiatria e graduandos depsicologia, observa-se que, mesmo entreaqueles que apresentam uma consistente baseteórica e um largo domínio das técnicas, é co-mum que haja inúmeras dúvidas em relaçãoao processo clínico. Algumas das questõesmais apresentadas são: com quem devem seras primeiras sessões? Com que frequência osfamiliares são atendidos? Quais são os requi-sitos necessários para que uma criança receba

“alta” da terapia? Essas e muitas outras ques-tões compõem aquilo que chamaremos aqui

de “estrutura do processo terapêutico na clí-nica analítico-comportamental infantil” etêm como objetivo final proporcionar instru-mentos para que o profissional possa condu-zir de forma eficaz um processo que leve àmelhora na qualidade de vida da criança.

Inicialmente, é fundamental salientar-mos que consideramos o trabalho clínico umprocesso delineado a partir de uma demandaindividual (em concordância com a perspec-

tiva de que o indivíduo é único). Dessa for-ma, falar em “estrutura” requer parcimônia,destacando que apenas uma análise cuidado-sa do caso trará informações para que o traba-lho seja organizado de forma eficaz.

Outro aspecto que deve ser aqui consi-derado é que existem, entre as abordagens dapsicologia e mesmo entre diferentes profissio-nais da mesma abordagem, diferentes formasde se conceber o trabalho clínico. Assim, o

leitor deve levar em conta que as propostasapresentadas neste capítulo foram formula-

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Clínica analítico-comportamental 215

das a partir da formação teórica e técnica e dahistória pessoal e profissional da autora.

> O PRIMEIRO CONTATO

Tradicionalmente, na psicologia, é comum aassociação entre as primeiras sessões de tera-pia e um psicodiagnóstico. Concebe-se, nestaproposta, que, antes de qualquer forma de in-tervenção, é necessária a coleta de dados e aformulação de um diagnóstico, ainda quenão seja dentro dos parâmetros da psiquia-

tria. No trabalho clínico de orientaçãoanalítico-comportamental, que tem comobase teórica o Behaviorismo Radical, entende--se que o comportamento é fluido e determi-nado por diversas interações entre indivíduoe ambiente, que se modificam constantemen-te. Sob essa perspectiva, avaliar um compor-tamento significa submetê-lo a uma série decondições e observar quais são as mudançasapresentadas. Conforme Millenson (1967), a

própria noção de “processo” se aproxima des-se entendimento: “Processo comportamental

é o que acontece notempo com os aspec-tos significativos docomportamento àmedida que se aplicaum procedimento” (p. 56).

Na abordagem

analítico-comporta-mental, portanto, nãohá uma separação en-tre uma fase de ava-liação e outra de in-tervenção; em lugardisso, à medida queatividades, brincadei-ras, jogos, conversas e

leituras são propostos, o clínico avalia os com-

portamentos (no sentido de compreendê-losem relação às condições nas quais eles ocor-

rem) e procura intervir sobre os mesmos. Porexemplo: a condução de um jogo da memóriapode fornecer dados sobre determinadas habi-

lidades, possíveis dificuldades da criança emperder uma partida ou, ainda, em seguir re-gras. Ao mesmo tempo, o clínico se utiliza deestratégias para intervenção sobre esses mes-mos comportamentos, tais como: proposiçõesde regras, reforçamento diferencial, reforça-mento arbitrário contingente às respostas es-peradas, etc. A partir dessas intervenções, oprofissional observa seus efeitos e comparacom as condições anteriores. Configura-se, a

partir desta prática, uma indissociabilidade en-tre avaliação e intervenção propriamente dita.

 A primeira fase do trabalho clínico comcriança consiste em uma entrevista com ospais1 e/ou outros familiares. Vale mencionarque essa entrevista pode ocorrer em uma ses-são, mas, frequentemente, estende-se paraduas ou três sessões.

É muito comum que clínicos que ini-ciam seus trabalhos com as crianças questio-

nem sobre quem deve estar presente na entre-vista inicial. De fato, não há um único modode se conduzir esta decisão, observando-se al-gumas diferenças en-tre profissionais. Emnosso grupo de pro-fissionais, a escolhasobre quem é convo-cado a esse encontrodepende de uma sé-

rie de fatores: idadeda criança, tipo dequeixa, de onde e dequem partiu o encaminhamento, entre ou-tros elementos. Entretanto, de maneira geral,tem-se decidido por convidar apenas os paise/ou responsáveis nesse primeiro encontro.

 A escolha por excluir a criança da entre-vista inicial se justifica por uma série de fato-res. Em primeiro lugar, os motivos pelos quaisos adultos procuram um profissional, muitasvezes, envolvem uma série de elementos, his-

Na aborda-gem analítico- -comportamentalnão há uma separa-ção entre uma fasede avaliação e outrade intervenção e, emlugar disso, à medidaque atividades, brin-

cadeiras, jogos, con-versas e leituras sãopropostos, o clínicoavalia os comporta-mentos (no sentidode compreendê-losem relação àscondições nas quaisocorrem) e procuraintervir sobre osmesmos.

A escolha sobrequem é convocadoao primeiro encontrodepende de uma sé-rie de fatores: idadeda criança, tipo dequeixa, de onde e dequem partiu o enca-minhamento, entreoutros elementos.

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216  Borges, Cassas & Cols.

tórias e dados que não poderiam ser apresen-tados de forma clara na presença da criança(seja devido à adequação do tema para a faixa

etária, seja por envolver aspectos familiaressobre os quais a criança ainda não pode ounão deve ter acesso).

O segundo aspecto se refere ao fato deque faz parte dos objetivos do primeiro en-

contro o estabeleci-mento do contratoclínico, que inclui oshorários, honorários,o modo de se condu-

zir faltas e férias, aapresentação sobre aforma de trabalhardo profissional, com-ponentes éticos, en-tre outros. A expla-nação desses elemen-

tos pode não condizer com as expectativasdos pais, que podem decidir não contratar oserviço. Nesse caso, pode ser frustrante para a

criança ter que repetir todo o procedimentocom um segundo profissional, além de gerarum desgaste desnecessário para todos os en-volvidos.

O terceiro elemento importante que justifica a ausência da criança na primeira en-trevista se relaciona ao fato de que, muitas ve-zes, o profissional avalia que o trabalho psico-terápico com a criança não é necessário, e, emalguns casos, é até contraproducente. Fre-

quentemente, a partir do primeiro contato, oprofissional opta pelo trabalho de orientaçãofamiliar e, às vezes, pelo encaminhamento aoutro tipo de serviço (fonoaudiólogo, psico-pedagogo ou até um colega com maior espe-cialidade em determinados problemas infan-tis). Nesses casos, também se considera des-necessária a presença da criança no consultóriopara a primeira entrevista.

Na primeira fase do processo, o clínico

tem como objetivo central a coleta de dados

sobre a criança. Basi-camente, procura-selevantar as seguintes

informações: o moti-vo para a busca pelaterapia; os tratamen-tos anteriores e emandamento para asolução do proble-ma; os hábitos dacriança; diversos da-dos gerais sobre suahistória de vida, in-

cluindo saúde, rela-ções familiares, vidaescolar, sono, ali-mentação e relaçõescom outras crianças.Procura-se, ainda,obter os primeirosdados que comporãoa análise sobre asqueixas. Algumas das

questões mais importantes, que devem ser re-alizadas nesse primeiro momento, são: desdequando o problema é apresentado; em quaiscontextos o comportamento indesejado so-cialmente ou pelos pais costuma aparecer;com quais pessoas o problema se mostramais ou menos intenso; quais são as condu-tas habituais das pessoas para tentar lidarcom a situação, entre outras perguntas. Valedizer que diversas questões surgem, ainda, a

partir do tipo de caso apresentado, sendoimportante que o profissional obtenha osprincipais dados que permitirão dar inícioao trabalho. Conhecendo algumas informa-ções relevantes sobre a criança, o clínicopode planejar as primeiras sessões, tendo emvista examinar o aparecimento das queixasem sessão.

Também faz parte dos primeiros conta-tos com os pais a apresentação sobre a forma

de trabalho, o que inclui contar a eles sobre o

Faz parte dosobjetivos do primeiroencontro o estabele-cimento do contratoclínico, que inclui os

horários, honorários,o modo de se condu-zir faltas e férias, aapresentação sobrea forma de trabalhardo profissional,componentes éticos,entre outros.

Algumas informa-ções que devemser levantadasna(s) entrevista(s)

inicial(is): queixa; tratamentos anterio-res e em andamento;rotina da criança;dados sobre a histó-ria de vida, incluindosaúde, relaciona-mentos familiares,vida escolar, sono,alimentação erelacionamentosinterpessoais dacriança; início do

problema; contextosem que os comporta-mentos indesejadosocorrem e nãoocorrem, o que podeser lugares, pessoas,situações, etc.; quaisas atitudes tomadasquando o compor- tamento indesejadoocorre, etc.

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Clínica analítico-comportamental 217

que acontecerá nas sessões. Frequentemente,os pais têm dúvidas acerca do que se faz emuma sala de terapia infantil. É importante es-

clarecer sobre o uso de diversos recursos (con-versas, brincadeiras, jogos, desenhos, livros,material escolar, etc.) como parte do traba-lho. Apresenta-se também, brevemente (po-dendo haver um aprofundamento caso sejainteresse dos pais), alguns elementos sobre aclínica analítico-comportamental, incluindoa visão de homem, e quais são os seus proce-dimentos e técnicas derivados.

É bastante frequente os pais concebe-

rem o processo clínico da criança como a“saída mágica” para todos os problemas.Dessa forma, os adultos podem, equivoca-

damente, supor que,uma vez que a crian-ça está submetida aesse serviço, podemse despreocupar emrelação à promoçãode mudanças. Na re-

alidade, os encon-tros com a criançapermitem que o pro-fissional estabeleçaalgumas relaçõesfuncionais sobre oproblema e interve-nha sobre várias de-

las, trazendo, de fato, algumas mudanças.Entretanto, são nos contextos naturais (fa-

mília, escola, etc.) que novas relações podemser desenvolvidas, alterando efetivamente orepertório comportamental da criança. Des-sa maneira, é fundamental explicitar para ospais a importância da presença deles nesseprocesso, frequentando as sessões de orien-tação familiar, experimentando novas for-mas de agir com a criança a partir das orien-tações do profissional e, ainda, fornecendodados que ajudem o clínico na condução docaso. Assim, nesses primeiros encontros com

os pais, é combinadaa frequência e o for-mato das sessões de

orientação.Também fazparte do primeirocontato o preparo daprimeira sessão entreo clínico e a criança.Para isso, deve-se in-vestigar o que a crian-ça sabe sobre a tera-pia e, muitas vezes,

orientar os pais sobrecomo eles podem explicar a ela sobre esse tipode trabalho, de forma simples e realista. Umaopção é apresentar para a criança da seguintemaneira: “Você vai conhecer um psicólogo,que é uma pessoa que ajuda as pessoas a ten-tarem resolver seus problemas e serem maisfelizes. Lá você vai conversar, brincar, dese-nhar para ele te conhecer melhor e te aju-dar”.

Por fim, são nestes primeiros encontrosque o clínico combina com os pais as ques-tões práticas, incluindo horários, honorários,frequência das sessões, férias, etc. Os acordosvariam de acordo com o caso e com a formado profissional trabalhar.

> PRIMEIRAS SESSÕESCOM A CRIANÇA

Para planejar o pri-meiro contato com acriança, é salutar queo clínico considere oestabelecimento deuma boa relação,composta por inte-rações gratificantescomo um dos prin-cipais objetivos.

É fundamentalexplicitar para ospais a importânciada presença dosmesmos nesseprocesso, frequen- tando as sessões deorientação familiar,

experimentandonovas formas deagir com a criançaa partir das orienta-ções do profissionale, ainda, fornecendodados que ajudem oclínico na conduçãodo caso.

Também faz parte doprimeiro contato, opreparo da primeirasessão entre oclínico e a criança.Para isso, deve-seinvestigar o que acriança sabe sobrea terapia e muitasvezes orientar ospais sobre comoos mesmos podemexplicar a ela sobreesse tipo de traba-lho, de forma simplese realista.

Uma das maiorespreocupações doclínico, nos encon- tros inciais com acriança, deve sero estabelecimentodo vínculo, o queocorre a partir de umcontexto acolhedor epromotor de intera-

ções gratificantes.

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De fato, no trabalho clínico com adul-tos, via de regra, são eles os próprios interes-sados no serviço e, portanto, em geral é a pes-

soa que faz o primeiro contato com o profis-sional. No caso do público infantil, asolicitação pelo trabalho costuma partir deadultos que se relacionam com a criança –pais, profissionais de escola, pediatras, peda-gogos, entre outros. A importância de se con-siderar este aspecto se relaciona, principal-mente, com a preocupação que o clínico deveter com a construção de um bom vínculocom a criança, uma vez que, a princípio, o in-

teresse pelo trabalho não advém dela.Para atender a essa demanda, o profissio-nal tem como desafio a união das seguintes ta-refas: criar um contexto agradável para a crian-ça, que a faça querer retornar às sessões; estabe-

lecer algumas regras(como, por exemplo,impedir que ela mexaem objetos pessoaisdo profissional) e,

ainda, observar seuscomportamentos ten-do em vista a formu-lação das primeirashipóteses funcionais.

Na primeirasessão com a criança,sugere-se que o pro-fissional possibiliteinterações leves, bus-

cando informaçõessobre os seus gostos,alguns hábitos e as-suntos de seu interes-

se (para isso, é fundamental o prévio conheci-mento sobre estes a partir da entrevista comos pais). Atividades envolvendo desenho,massinha de modelar e pintura são aceitaspela maioria das crianças e podem ser facilita-doras na apresentação de algumas informa-

ções sobre elas. Por exemplo: em um primei-

ro desenho da família, M., uma menina de 6anos, representou o pai do lado de fora dacasa. Quando questionada sobre o que ele es-

tava fazendo lá, a criança respondeu: “Voltan-do do bar”. Esta informação, aliada a outrascoletadas em entrevistas com os pais, fortale-ceu a hipótese da profissional sobre um possí-vel alcoolismo do pai e a pouca proximidadedeste com a filha.

Também neste primeiro momento coma criança é importante explicar o que é o tra-balho clínico, quais são seus objetivos, o queserá feito nas sessões, alguns aspectos éticos,

entre outras infor-mações solicitadaspela criança. Ainda,é muito importanteque o clínico procurelevantar quais são oselementos da vidaque trazem incômo-do para a criança (oque, muitas vezes,

não coincide com asdemandas dos pais). Para facilitar esta con-versa, podem ser utilizados livros como OPrimeiro livro da criança sobre psicoterapia  (Nemiroff e Annunziata, 1995).

Por fim, vale destacar o seguinte pontoem relação às primeiras sessões com a criança:embora as primeiras sessões devam se consti-tuir como contextos agradáveis, gratificantese pouco aversivos, é fundamental que as prin-

cipais regras sejam apresentadas desde o iní-cio. Exemplos dessas regras são: na primeiraparte da sessão, é o profissional quem escolhea atividade; os brinquedos devem ser guarda-dos antes de outros serem retirados; etc. Ogrande risco de deixar que essas regras sejamapresentadas apenas quando o vínculo estábem consolidado é que a criança se sinta en-ganada ou, ainda, associe a profundidade darelação com regras que possam conter algum

grau de aversividade.

Alguns aspectosque o clínico deveatentar nos encon- tros inciais com acriança: criar umcontexto agradá-

vel, aumentandoa probabilidadeda criança quererretornar; estabelecerregras, visando obom andamento dosencontros; observaros comportamentosda criança, na buscapor informações im-portantes para a for-mulação de hipóte-ses funcionais, o que

inclui eventos quepodem ser utilizadoscomo reforçadoresposteriormente.

Também nesseprimeiro momentocom a criança, éimportante explicar oque é o trabalho clí-nico, quais são seusobjetivos, o que seráfeito nas sessões,alguns aspectoséticos, entre outrasinformações solicita-das pela criança.

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Clínica analítico-comportamental 219

> O DECORRER DOTRABALHO CLÍNICO

O trabalho clínico com crianças guarda ca-racterísticas peculiares a cada caso atendido,assim como se verifica no trabalho com adul-tos. Por isso, as regras envolvidas, as caracte-rísticas das sessões, as atividades utilizadas, otipo e a periodicidade de contato entre o pro-fissional e os pais e/ou outros profissionaissão elementos que podem variar bastante en-tre diferentes crianças atendidas.

 Ainda assim, é possível sistematizar al-

gumas práticas mais comuns no decorrer dotrabalho clínico com crianças em uma orien-tação analítico-comportamental. Apresenta-remos algumas das práticas adotadas, com aressalva de que não estão cobertos todos oselementos aos quais o clínico deve atentar.Para informações complementares e bastantericas sobre o assunto, sugere-se a leitura deConte e Regra (2000), bem como os demaiscapítulos desta seção do livro.

Em relação à administração de númerode sessões e do tempo da sessão, observa-seque, em geral, clínicos analítico-comporta-mentais infantis adotam a prática de uma aduas sessões por semana com a criança. A deci-são pela frequência depende da necessidade docaso e da disponibilidade da criança e seus fa-miliares para o atendimento. Na maioria doscasos, as sessões têm duração de 50 minutos.

Cada sessão é organizada de forma par-ticular, mas um formato bastante comumcontém uma primeira parte (com duração

média de 35 minu-tos) que é planejada eenvolve atividadesescolhidas pelo pro-fissional, conformeos objetivos terapêu-ticos. A segunda par-te (os últimos 15 mi-nutos) é, em geral,

dedicada a uma atividade ou brincadeira es-colhida pela criança. É importante destacarque, no caso do trabalho com criança, é fun-

damental que haja, realmente, uma parte pla-nejada e organizada pelo clínico. Caso con-trário, tem-se como risco uma sessão rechea-da de brincadeiras e diversão, mas sem umclaro propósito de coleta de dados e/ou inter-venção. É evidente que, dependendo do casoe da queixa, não só é possível, como necessá-rio estabelecer que a maior parte ou até mes-mo toda a sessão seja de escolha da criança.Entretanto, esta decisão deve ser tomada com

base no plano clínico, a partir de discussões,supervisão ou uma boa análise do caso.

Outro ponto importante referente aoprocesso clínico no trabalho com crianças dizrespeito ao contato com os pais e outras pes-soas ligadas a elas. Novamente, cada caso de-verá fundamentar uma prática única, mas, viade regra, o encontrocom os pais costumaacontecer pelo me-

nos uma vez por mês.Em muitos casos,observa-se a necessi-dade de encontros quinzenais ou até sema-nais. Não raramente, em algum momento,opta-se por maximizar as sessões com os paise diminuir o número de encontros com acriança.

O contato com o pessoal da escola e ou-tros profissionais deve ser feito à medida que

os problemas da criança estejam relacionadosà educação e/ou a questões que envolvam es-ses outros profissionais. É importante desta-car que a criança deve estar ciente desses con-tatos, de forma a se preservar a relação tera-pêutica.

Mais um elemento a ser consideradonesta análise do que compõe um processo clí-nico infantil diz respeito ao material utilizadonas sessões. Embora parte do material paraanálise advenha da interação verbal, quase

As sessões comcriança exige pla-nejamento por partedo clínico, casocontrário pode se tornar um contextode brincadeiras ediversão sem propó-sito terapêutico.

Pessoas ligadas àcriança são frequen- temente convidadasa participar doprocesso clínico.

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220  Borges, Cassas & Cols.

sempre são necessários outros recursos, tantopara investigação quanto para intervenção so-bre os comportamentos. Esses recursos são

compostos por desenhos, livros infantis, ma-terial escolar, bonecos, jogos, argila, filmes,desenhos animados, fantoches, bichos de pe-lúcia, sucatas e mais uma infinidade de mate-

riais. É importantesalientar que cabe aoclínico a escolha eutilização de mate-riais que possibilitema observação e inter-

venção dos compor-tamentos clinica-mente relevantes. Porexemplo: para uma

criança com dificuldades de se comunicarcom adultos, pode ser mais interessante a es-colha por brincadeiras que exijam algum tipode fala do que aquelas atividades mais silen-ciosas.

 Ainda em relação às brincadeiras, é fun-

damental que o profissional planeje antes dasessão quais delas serão utilizadas e com qualobjetivo. Dessa maneira, evita-se que a ativi-dade tenha um valor puramente recreativo,mesmo que seja conduzida de forma muitoagradável e divertida. Mesmo na parte da ses-são na qual a criança pode escolher a brinca-deira, é importante que o clínico não perca ofoco dos objetivos do trabalho, afinal, todosos comportamentos, verbais e não verbais,

apresentados na sessão podem trazer infor-mações importantes.

 Ainda em relação ao processo clínico, éimportante destacar quais são os objetivos ge-rais (válidos para a maioria dos casos) que,uma vez alcançados, podem conduzir o pro-fissional a encerrar o trabalho com a criança:

 1. identificar as principais variáveis envolvi-das nos comportamentos-alvo da criança,

o que significa compreender quais são ascondições que desencadeiam, fortalecem emantêm o “problema”;

 2. habilitar os pais e, se possível, a própriacriança, a realizar tais análises, de formaque detenham maior conhecimento sobreos comportamentos;

 3. ensinar à criançarepertórios alter-nativos àquelesconsiderados pro-blemáticos, deforma que ela te-

nha maiores opor-tunidades de re-forçamento e que,ao mesmo tempo,possa constituir--se como umafonte de reforça-mento para aspessoas que comela se relacionam;

 4. orientar os paispara que possamlançar mão de condutas mais saudáveis eefetivas. Considera-se, em última análise,que é papel do clínico utilizar seus conhe-cimentos teóricos e técnicos para contri-buir ao desenvolvimento de uma criançaque apresente menos sofrimento e que te-nha melhor qualidade de vida .

> O ENCERRAMENTO DOTRABALHO CLÍNICO INFANTIL

No subtópico anterior, foram apresentadosos objetivos gerais mais importantes a serembuscados no trabalho clínico analítico-com-portamental infantil. Em um trabalho mui-to bem-sucedido, é possível que o profissio-nal possa assumir que foi possível cumprir

É importantesalientar que cabeao clínico a escolhae a utilização demateriais que possi-bilitem a observaçãoe intervenção doscomportamen- tos clinicamenterelevantes.

Os objetivos ge-rais num trabalhoclínico com criançasão: identificar asprincipais variáveisenvolvidas noscomportamentos-

-alvo da criança;habilitar os pais e, sepossível, a própriacriança, a realizar tais análises; ensinarà criança repertóriosalternativos àque-les consideradosproblemáticos; eorientar os pais paraque possam lançarmão de condutasmais saudáveis e

efetivas.

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Clínica analítico-comportamental 221

tais objetivos. Pode-se afirmar que, ideal-mente, o trabalho clínico deve ser encerradoquando esse alcance foi concretizado. Isto

não significa, obviamente, ter-se como fina-lidade uma criança livre de problemas e li-mites – o que seria, na realidade, impossível,mas sim ter-se como objetivo uma criançaque, diante de uma série de condições doambiente, possa apresentar comportamen-tos que a levem para uma vida mais saudá-vel.

Infelizmente, em muitos casos, o traba-lho clínico é finalizado sem que os objetivos

maiores sejam alcançados, e é importante queo profissional possa identificar o momentono qual isso deve acontecer.

Uma das razões que justificam o térmi-no do trabalho diz respeito à constatação deque os repertórios do profissional para ajudara criança foram esgotados; ou seja: mesmocom o acompanhamento de um supervisor,de estudo e dedicação, não se observam avan-ços significativos, podendo indicar a necessi-

dade da condução do caso por outro profis-sional.

Outro motivo para o encerramento dotrabalho com a criança relaciona-se à consi-deração de que os benefícios do trabalho paraa criança, de alguma forma, foram esgotados.Nesses casos, é fundamental avaliar as seguin-tes possibilidades:

 1. a indicação de um trabalho de orientação

parental/familiar, descolado do trabalhoclínico infantil, ou

 2. o encaminhamento a outros serviços quepossam preencher objetivos não contem-plados pelo trabalho clínico, tais como fo-noaudiólogos, pedagogos, médicos, etc.

 Assim como na análise clínica comadultos, o desligamento não deve, dentro dopossível, ser feito de maneira abrupta. Deve-

-se considerar que o encerramento do traba-lho envolve uma separação da criança comuma pessoa que pro-

vavelmente tornou--se importante emsua vida. Por isso, ésalutar que a criançae os familiares pos-sam ter a chance deperceber que, grada-tivamente, vão preci-sando menos da aju-da profissional. Para

isso, o espaçamentoentre as sessões é bastante oportuno. A cadaencontro, é interessante que o clínico avalie aexperiência desse desligamento gradual, jun-to à criança e seus pais.

 As sessões que antecedem o término dotrabalho envolvem, via de regra, retomar oselementos principais,desenvolvidos no de-correr do processo

clínico, e planejar es-tratégias para manu-tenção dos ganhos.Por fim, cabe ao pro-fissional encerrar oprocesso de formaagradável, aumen-tando as futuraschances de procura da criança e dos pais porajuda profissional, quando for novamente ne-

cessário.

> NOTA

  1. É bastante comum que avós, tios, padrastos, agrega-dos, babás e irmãos adultos assumam o papel quetradicionalmente é desempenhado pelos pais. Tam-bém é comum a presença de apenas um dos pais.Entretanto, para facilitar a comunicação, doravanteserá usado o termo “pais” em referência a qualqueruma das configurações apresentadas aqui.

O desligamento nãodeve, dentro dopossível, ser feitode maneira abrupta.Deve-se considerarque o encerramentodo trabalho envolveuma separação dacriança com umapessoa que prova-velmente tornou-seimportante em suavida.

As sessões queantecedem o término do trabalho

envolvem, via deregra, retomar oselementos princi-pais, desenvolvidosno decorrer doprocesso clínico eplanejar estratégiaspara manutençãodos ganhos.

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222  Borges, Cassas & Cols.

> REFERÊNCIASConte, F. C., & Regra, J. A. (2000). A psicoterapia compor-tamental infantil: Novos aspectos. In E. Silvares (Org.),

Estudos de caso em psicologia clínica comportamental infantil  (vol. 2). Campinas: Papirus.

Millenson, J. R. (1967). Princípios de análise do comporta-mento. Brasília: Coordenada.

Nemiroff, M. A., & Annunziata, J. (1995). O primeiro livroda criança sobre psicoterapia. Porto Alegre: Artmed.

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Na clínica analítico-comportamental infan-til, a criança é trazida para atendimento clíni-co pelos pais, e ambos são clientes. A entre-vista inicial é feita com os pais e depois éagendada a entrevista inicial da criança. Al-guns pais separados optam por fazer a entre-vista juntos.

Outra maneira de fazer a entrevista ini-cial é solicitar a vinda de todos os membros

da família no primeiro atendimento. É maisfácil de se realizar uma entrevista familiar emclínica-escola onde há estagiários. São neces-sários dois profissionais ou duas duplas de es-tagiários supervisionados. Este modelo foiusado em hospital por Fernández (1987/1990)e adaptado à clínica analítico-comportamentalcom alunos do 5o ano de Psicologia, supervi-sionados (Regra, 1997). A entrevista inicial éfeita com todos os membros da família, por

aproximadamente meia hora, com quatro es-

tagiários. Decorrida meia hora, formam-sedois subgrupos: dois estagiários atendem ocasal, na entrevista de pais, e dois estagiáriosfazem a sessão fraterna, observando a intera-ção entre os irmãos. Após 30 minutos, os ir-mãos são conduzidos para a sala de espera e adupla atende a criança individualmente. Ou-tro estagiário pode fazer atividade recreativacom os irmãos na sala de espera. Esse formato

de entrevista proporciona uma riqueza de da-dos, levantados em um período de aproxima-damente 1 hora e meia. É uma maneira inte-ressante de obter informações sobre os pro-blemas trazidos, diluindo a queixa da criançaatravés de todos os membros da família.Mostra-se à criança selecionada pela família,enquanto “aquela que tem problemas”, e aogrupo familiar que cada um pode mudar umpouco para favorecer o trabalho terapêutico

do grupo familiar e da criança.

  As entrevistas iniciais na 25 

clínica analítico--comportamental infantil Jaíde A. G. Regra

ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  Entrevistas iniciais com os pais: objetivos e fases.>

  Aspectos formais da entrevista inicial com os pais.>

  Aspectos relacionados ao conteúdo: levantamento de dados.>

  Exemplos de entrevistas iniciais.>

  Entrevistas iniciais com a criança: objetivos e fases.

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224   Borges, Cassas & Cols.

> ENTREVISTA INICIALCOM O CASAL

Objetivos da entrevista inicial com os pais:

 1. levantamento de dados com descrição doscomportamentos-queixa;

 2. levantamento de hipóteses, das mais pro-váveis às menos prováveis, sobre as variá-veis que podem estar favorecendo a ocor-rência dos comportamentos-alvo – o le-vantamento de hipóteses dirige o compor-tamento do clínico na tomada de decisão

sobre as próximas questões a serem feitas; 3. levantamento das hipóteses mais prová-

veis sobre as variáveis que podem estar di-ficultando a ocorrência dos comporta-mentos-queixa – as respostas dadas pelospais tornam algumas hipóteses mais pro-váveis e outras, menos prováveis;

 4. apresentação da proposta de trabalho,mostrando, através da análise do compor-tamento, como os comportamentos po-

dem ser aprendidos e como ocorre a inte-ração do organismo com o ambiente;

 5. orientação inicial de situações simples se-lecionadas para agilizar o processo de mu-dança e dar início a exercícios de observa-ção do comportamento do filho em casa –orientar a aplicação de procedimentossimples para testar a habilidade dos paisnessa tarefa e dar início ao processo demudança;

 6. fechamento do contrato terapêutico.

 A entrevista inicial com os pais pode serdividida em oito fases, não necessariamentenesta ordem:

a) Registro dos dados formais: nome com-pleto dos pais e da criança (idade e datado nascimento), primeiro nome dos ir-mãos e idade; nome da escola; endereço

da família; telefones; período da escola;nome da coordenadora.

b) Queixa livre: nos primeiros 20 minutos,ocorre um resumo do histórico dos pro-blemas da criança. Há pais com necessi-

dade de prolongar esse período e pais queresumem as informações.c) Relato dos pais, dirigido: com perguntas di-

recionadas para obter dados relevantes.Friedberg e McClure (2001/2004) mos-tram a importância de se ajudar os pais adefinirem problemas e a observarem e iden-tificarem se suas expectativas em relação aosobjetivos terminais são realistas. Para isso,utilizam-se do mapa de frequência de com-

portamentos, com o registro das situaçõesem que ocorre cada um dos comportamen-tos observados e os horários corresponden-tes. Isso facilita ao clínico fazer a análise doscomportamentos envolvidos e elaborarprocedimentos para alterar os comporta-mentos-alvo. Nessa investigação através deperguntas, o clínico é conduzido ao levan-tamento das hipóteses mais prováveis.

d) Esclarecimentos da proposta de trabalho:

explicar aos pais sobre o trabalho desen-volvido pelo atendimento clínico analíti-co-comportamental, explicando comoum comportamento pode ser aprendido –que é possível usar estratégias e procedi-mentos para que a criança “desaprenda”(emita o comportamento em frequênciamuito baixa) os comportamentos que sãoprejudiciais ao seu desenvolvimento eaprenda outros comportamentos funcio-

nais que deveriam ser emitidos em con-textos semelhantes.

e) Análise dos dados iniciais: através das hi-póteses mais prováveis às menos prová-veis, descrever como alguns dos compor-tamentos–alvo podem ter sido aprendidosatravés da história de vida da criança. Des-crever algumas possíveis soluções que pos-sam produzir um efeito tranquilizador efavorecer a adesão ao tratamento.

f) Orientação inicial: pode ter a função deagilizar o processo terapêutico e de um

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Clínica analítico-comportamental 225

teste para o comportamento dos pais emrelação ao seu repertório de entrada paraseguir a orientação proposta.

g) Identificar a expectativa dos pais frente aotrabalho.h) Efetuar o contrato terapêutico. Ferreira

(1997) analisa as contingências específicasenvolvidas nessa relação, em que o clínicodeve descrever as regras nas quais as rela-ções terapêuticas serão baseadas. Deve es-pecificar o número de sessões por semana(em geral, uma sessão semanal com acriança), a duração da sessão de 50 minu-

tos, a inclusão de uma sessão mensal deorientação de pais ou sessão familiar comtodos os membros; especificar as regrassobre faltas e férias, a possibilidade deocorrer uma sessão fraterna ou de se fazersessão compartilhada mãe/criança ou pai/criança e, finalmente, conversar sobre osvalores, qual o custo mensal e a forma depagamento. A maneira como os pais secomportam frente às regras fornece amos-

tras de seu comportamento em cada umadas situações.

> ASPECTOS FORMAISDA ENTREVISTA

a) Operacionalizando os termos – são feitasperguntas para se obter descrições com-portamentais de relatos obscuros. Exem-plo:

  Mãe : Meu filho é muito nervoso.  Terapeuta : Como é esse nervoso? O que a

senhora observa seu filho fazendo quandoacha que ele está nervoso? Dê um exem-plo de uma situação em que ele fica ner-voso.

b) Tornando mais claros os termos ambí-guos: “Dê um exemplo que descreva a si-tuação e o comportamento”.

c) Eliminando perguntas que sugiram res-postas de escolha: Exemplo: “Seu filho

costuma desobedecer ou ele é obedien-te?”

  Um outro modo de perguntar: “O que seu

filho faz quando vocês lhe dizem que nãopode fazer algo?”.d) Eliminar perguntas que possam induzir as

respostas: “A senhora se sente culpadaquando acontece isso?”.

  Um outro modo de perguntar: “Como asenhora se sente nessa situação?”.

e) Durante a queixa livre, os pais são solicita-dos a informar sobre os motivos que ostrouxeram à consulta. Costumam fazer um

relato livre. Durante este relato, anotam-sepontos a serem esclarecidos depois.

f) Questionamento para esclarecer e com-pletar pontos que foram mencionados norelato livre.

> ASPECTOS RELACIONADOSAO CONTEÚDO:LEVANTAMENTO DE DADOS

a) Variáveis organísmicas: identificar as con-dições físicas do passado e atuais, uso demedicamentos; doenças, idade em cadauma delas e graus de febre; problemasneurológicos, endócrinos e outros (Contee Regra, 2000).

b) Queixa atual: quando perceberam o apa-recimento dos primeiros “problemas”; oque os pais e as outras pessoas costuma-vam fazer; o que já fizeram para resolver o“problema”; como a queixa afeta a vida dacriança e de cada membro da família; fre-quência de ocorrência em uma semana ouem um mês. Durante a queixa livre, ospais são solicitados a informar sobre osmotivos que os trouxeram à consulta.Costumam fazer um relato livre. Históri-co de desenvolvimento da criança: comoera o sono em bebê; por quem era cuida-do; se houve mudanças de cuidadores eem que época; como foi ensinado o treino

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de toalete; como foi o primeiro dia na es-cola. Especificar a frequência de ocorrên-cia em um dia, em uma semana ou mês

do comportamento-alvo; lista de compor-tamentos “adequados” e “inadequados”.Durante o relato dos pais, são levantadashipóteses sobre as possíveis variáveis en-trelaçadas que podem estar controlandoos comportamentos-alvo da criança. Éimportante levantar muitas hipóteses, dasmais prováveis às menos prováveis. Sãoessas hipóteses formuladas que norteiamo levantamento de dados.

c) Contexto atual: obter a descrição da roti-na da família: o horário em que a criançase levanta, como é acordada e por quem;como são os hábitos de higiene apóslevantar-se; se necessita de ajuda para issoou é capaz de fazê-lo sozinha; como é ocafé da manhã, quem está presente, comoa criança come e o que come; os compor-tamentos que se seguem ao café da ma-nhã; descrição do almoço; ida para a esco-

la, volta da escola, com quem faz a lição ede que forma, se é lenta ou rápida, se temprazer pela aprendizagem ou se apresentarecusas para fazer as tarefas acadêmicas;como é o jantar, o que ocorre após o jan-tar; quando o pai e a mãe chegam, o quefazem juntos e como é o preparo para irdormir; horário em que deita e dorme.Em todas as situações, é importante obtera informação sobre a interação entre os

membros da família. Solicitar exemplosde situações de interação entre os irmãos.Como é na escola, o que a professora falasobre a criança; habilidades sociais na es-cola e em casa. Tipos de dificuldades e dehabilidades.

d) Exemplos de comportamentos-alvo comdescrição do antecedente (o que aconteceantes do comportamento), a descrição docomportamento e o consequente (o que

ocorre depois do comportamento, o que

as pessoas fazem e falam quando a criançase comporta desse modo).

e) Levantamento dos reforçadores.

f ) Expectativa que os pais têm da terapia e doscomportamentos de seus filhos. Que tipode crenças eles aprenderam sobre ser uma“boa mãe” e sobre ser “um bom pai”.

g) Compartilhar com os pais as hipóteses le-vantadas pelo clínico a partir dos dadoscoletados, identificando aquelas que sãomais prováveis e as menos prováveis. Mos-trar que as primeiras hipóteses norteiam ainvestigação através de novos levantamen-

tos de dados, os quais poderão conduzir ainformações que irão descartar algumashipóteses e fortalecer outras.

h) Contrato terapêutico: discutido ao finalda entrevista.

> EXEMPLOS DEENTREVISTAS INICIAIS

EM UM CONTEXTO CLÍNICOCaso 1: Entrevista com os pais deuma menina de 4 anos – possíveldiagnóstico de transtorno alimentar

Queixa livre: Os pais relatam que a criançasempre foi mandona, com gênio muito fortee tinham que fazer tudo do jeito que ela que-ria, senão era muito estressante e ocorriam

muitas brigas. Mesmo fazendo tudo como acriança queria, ainda assim ela achava formasde confrontar. Apresentava dificuldades derelacionamento com outras crianças. Comadultos, relacionava-se melhor. Procuravamuitas vezes fazer o contrário do que lhe erasolicitado, querendo sempre dar a última pa-lavra. Atualmente, na hora da refeição, dizque não quer comer e fecha a boca. “Obriga-mos que ela coma de várias formas: ora bri-

gando, ora conversando e fazendo brincadei-

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Clínica analítico-comportamental 227

ras, ora deixando sem comer” (sic). Ao pedirleite, costuma-se dá-lo, para que ela não fiquecom fome. Quando come, seleciona os ali-

mentos e não gosta de quase nada. Atualmen-te, só come salsicha com arroz e batatas fritas.Para ampliar a variedade de alimentos, os paislhe perguntam se quer experimentar algonovo, e a criança diz que não quer; então,servem-lhe salsicha com arroz e batatas por-que, pelo menos isso, ela come.

É importante levantar dados sobre aevolução dos sintomas-queixa; da evoluçãodos padrões de comportamento que fazem

parte da classe “formas de alimentar-se”. Após o levantamento dos dados refe-

rentes aos itens anteriores mencionados, é fei-ta, junto aos pais, a análise das possíveis vari-áveis que podem estar controlando os com-portamentos da criança, ou seja, quais ospossíveis efeitos da interação mãe-criança,pai-criança e cuidadores-criança.

Perguntas que o clínico deve fazer a simesmo: de onde vem esta classe de compor-

tamentos? Quais hipóteses procuram explicarcomo esses comportamentos surgiram e comoeles se mantêm?

Possíveis controles imediatos: atençãodada contingente à recusa em comer, aumen-to da preocupação dos pais quando a criançanão come.

Primeiras hipóteses:

a) A criança pode receber atenção mínima

quando come e apresenta outros compor-tamentos “adequados”. Quando se recusaa comer, todos dão atenção para o com-portamento de recusa. Esse comporta-mento aumentará de frequência.

b) A criança recebia atenção muito frequentetanto para os comportamentos “adequa-dos” como para os comportamentos “ina-dequados”. Aprendeu que os pais, babá eavós cedem quando ela tem uma birra e,

dessa forma, consegue as poucas coisas

que não lhe estavam disponíveis. Nessecontexto, nasce o irmão e parte das aten-ções recebidas pela criança se volta para

ele. Quando a criança se recusa a comer,impede que a rotina da casa ocorra semestresse, recebe muito mais atenção e seunovo e bonzinho irmão pode ser deixadoum pouco de lado.

 Ao se solicitar um registro simples doscomportamentos ocorridos durante a refei-ção e orientar os pais a dar atenção diferencialaos comportamentos, ou seja, ignorar as re-

cusas para o comer e ampliar as atençõesquando a criança coloca a comida na boca,mastiga e engole, ter-se-á um início do pro-cesso de mudança no comportamento dospais que produzirá efeitos sobre o comporta-mento da criança.

Caso 2: Entrevista com os paisde um menino de 5 anos – possível

diagnóstico de TranstornoOpositor Desafiador

Queixa livre: Apresenta problemas de com-portamento na escola; é agressivo e bate nascrianças. Quer tudo na hora, é imediatista,impõe autoridade e tem reação explosiva. An-tes, ocorriam brigas diárias com ataques de fú-ria. Já mudou três vezes de escola, sempre comas queixas de agressividade, de não fazer as ta-

refas e de apresentar dificuldade em ficar sen-tado. Ao entrar na escola atual, pegou umamigo pelo pescoço. Tem acessos de raiva(uma a duas vezes ao dia), e na escola as agres-sões são diárias. O psiquiatra supõe que temTranstorno Opositor Desafiador com com-portamentos explosivos intermitentes, masprefere aguardar 4 meses de terapia analítico--comportamental para rever a criança e anali-sar os dados. A criança tem dificuldades paralidar com situações de perdas. Não se socializa

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com outras crianças e apresenta bom relacio-namento com adultos, desde que concordemcom ela. Fica irritada quando se altera uma se-

quência de comportamentos a qual estava ha-bituada. Mostra-se inflexível. Quer ser a pri-meira da fila e se atraca com a criança que es-tiver na frente, para arrancá-la daquela posição.Perde coisas e mostra-se desorganizada.

Exemplo de questões relevantes:

a) Pede-se aos pais que descrevam os com-portamentos do filho, nomeados como“agressivos”.

  Descrição dos pais: “Ele bate nas crianças,chuta, pega pelo pescoço, senta sobre amão da criança e demora para sair de cimae diz que foi sem querer, pisa na mão deuma criança que está brincando no chão,

 joga pedrinhas em criança pequena no

> QUADRO 25.1

Descrição dos comportamentos-alvo da criança e dos eventos que os antecendem e os sucedem.

Contexto Comportamentos Consequente(o que ocorre antes) da criança (o que ocorre depois)

1. A professora dá umatarefa que (C) nãoconsegue fazer.

2. A professora manda (C) sesentar.

3. A professora coloca (C)sentado.

4. No recreio, brincando naareia.

5. Outro colega (M) pegouum brinquedo.

6. (M) se solta de (C).

7. No parque, vendo umacriança pequena sendoacariciada pela babá.

8. (C) não pede desculpas eanda de bicicleta.

9. O irmão se sentou no sofá.

(C) anda pela sala semfazer a tarefa.

(C) continua andando.

(C) fica emburrado e nãofaz a tarefa.

(C ) pisa na mão de (J), queestava sentado no chão, (J)grita e (C) demora paratirar o pé e diz que foi semquerer.

(C) agarra o brinquedo.

(C) agarra (M) pelo pescoçoe arranca o brinquedo.

Joga pedrinhas nacriancinha.

Tenta atropelar a mesmacriancinha (na qual haviajogado pedrinhas).

(C) arranca o irmão dolugar, gritando que esse é

o lugar dele, e bate noirmão.

Colega (J) diz para a professoraque (C) não está fazendo a lição.

A professora fica brava com (C).

(C) consegue se esquivar deenfrentar uma tarefa difícil.

A professora faz (C) pedirdesculpas para (J).

(M) segura o brinquedo e nãosolta.

A professora separa (C) e o levapara conversar com a Orienta-dora.

A babá protege a criancinha e amãe de (C) conversa com ele,dizendo que não pode fazer issoe que tem que pedir desculpas.

A mãe conversa com ele, dizendoque não pode fazer isso porquemachuca, e a criança é tãoboazinha e não está fazendonada de mal.

A mãe bate em (C), que gritamuito e avança na mãe com crise

de fúria.

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Clínica analítico-comportamental 229

 playground,  tenta atropelar as criançascom sua bicicleta, etc.”

b) O que a criança está fazendo antes de dar

início aos comportamentos-alvo e o queacontece depois de se iniciarem os com-portamentos descritos anteriormente?

  É importante compartilhar com os pais ashipóteses levantadas e a análise de com-portamento efetuada inicialmente.

 Análise de uma sequência hipotética decomportamentos emitidos pela criança, fun-damentada pela descrição de comportamen-

tos dos pais:

Situação 1: A professora dá uma tarefa para aclasse que a criança (C) não consegue fazer (C) se sente desconfortável, com medo deerrar e de se expor  anda pela sala sem fa-zer tarefa colega (J) conta para a professo-ra que (C) não está fazendo a lição   (C)sente raiva de (J)  a professora manda (C)se sentar   (C) sente raiva da professora,

que se uniu a (J), e continua andando pelasala e fazendo ao contrário do que a professo-ra lhe pede   a professora fica brava com(C) e sente irritação por não ser obedecida eser desafiada em sua autoridade e coloca (C)sentado (C) fica emburrado e não faz a ta-refa (C) consegue se esquivar de enfrentaruma tarefa difícil e continua desafiando aprofessora e fazendo o contrário do que lhefoi solicitado.

Neste contexto, o primeiro comporta-mento de “andar pela sala” tinha a função deevitar o enfrentamento de uma tarefa difícil.Quando (J) conta para a professora sobre (C),(C) sente raiva de (J) e da professora, que nãocompreendeu sua dificuldade; comporta-sede forma opositora (é difícil obedecer a pes-soa pela qual se está sentindo raiva) e a pro-fessora o obriga a se sentar. Mesmo sentado,(C) mantém seu comportamento opositor,recusando-se a fazer a tarefa; esse comporta-mento pode estar sendo mantido pela redu-

ção do desconforto que ocorre quando en-frenta algo que não consegue fazer.

Orientações iniciais:

Desenvolver habilidades acadêmicaspara que (C) possa alcançar a programação daclasse e consiga fazer as tarefas de classe emcasa. Paralelamente, desenvolver habilidadespara lidar com as emoções de raiva; a profes-sora não deveria dar atenção àqueles que con-tam coisas erradas dos colegas; poderia fazerbrincadeiras em que os alunos recebem in-centivos quando permanecem sentados fa-zendo as tarefas; dar tarefas diferenciadas para

(C), somente aquelas que seja capaz de fazer,com aumentos graduais de dificuldades.

Situação 2: Brincando na areia (C) observa(J) brincando e apoiando a mão no chão  (C) pisa na mão de (J) (J) grita (C) de-mora para tirar o pé e diz que foi sem querer a professora exige que (C) peça desculpas.

Supondo que (C) teve dificuldades emlidar com a emoção de raiva com (J) na sala

de aula, ele espera no recreio uma situação fa-vorável para pisar na mão de (J), dizendo quefoi sem querer. A professora exige que (C)peça desculpas. Dizer que foi sem querer éum padrão de comportamento aprendidoque tem como função se livrar de uma bron-ca ou qualquer tipo de punição, quando acriança ainda não aprendeu a fazer escolhas eprever as consequências.

 Ao fazer a criança pedir desculpas, tan-

to a professora como os pais podem produzirvários efeitos inesperados sobre os comporta-mentos dela: o que realmente se está ensinan-do nessa situação?

 A criança classifica seus comportamen-tos inadequados como “maus”. (C) está de-senvolvendo um autoconceito negativo emrelação a ser mau porque muitos de seus com-portamentos são classificados como maus eseguidos de broncas e punições. Quem pede

desculpas é bonzinho; quem pede desculpassendo obrigado a fazê-lo continua sendo mau

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230  Borges, Cassas & Cols.

e sentindo muita raiva de ter que pedir des-culpas contra sua vontade. A professora estáemparelhando uma emoção muito descon-

fortável com o comportamento de desculpar--se. Isso poderá reduzir a probabilidade futu-ra de (C) vir a se desculpar “espontaneamen-te” e de reduzir a frequência do comporta-mento agressivo.

Quando (C) agredir o colega, deve tersua atividade recreativa suspensa e permane-cer em situação neutra, sem atenção. Apósacalmar-se, conversar com (C) sobre outramaneira de lidar com a raiva sem machucar o

coleguinha poderá ajudá-lo a descrever com-portamentos alternativos para o mesmo con-texto. Ensiná-lo a encontrar uma soluçãopara lidar com a situação: (C) pode dizer a (J)que não gosta que conte coisas suas para aprofessora, e a professora pode introduziruma regra na classe: “cada um deve tomarconta de si mesmo”. Quando aprender a lidarcom a raiva sem machucar o outro, (C) podeser ensinado a pedir desculpas “espontanea-

mente”, sem ser forçado para isso.

Situação 3: No parque, vendo uma criançapequena sendo acarinhada e cuidada pelababá; joga pedrinhas na criança e diz que nãogosta dela.

Parece que ver o outro recebendo aten-ção elicia em (C) algum desconforto emo-cional: sente ciúmes (sentimento que podeocorrer ao ver alguém recebendo atenção e

ele sem nenhuma atenção). Dizer que nãogosta da criança é uma forma de descreverseu desconforto, mesmo que não compreen-da porque não gosta dela. Quando sua babáafirma que é feio fazer isso, e que não podese comportar dessa maneira, está reafirman-do que seus comportamentos são feios emaus e os comportamentos da outra criançasão bons. (C) pode estabelecer novas rela-ções: se eu sou mau, então não sou amado, e

se ela é boa, então ela é amada. Isto pode au-mentar o desconforto e ampliar o “ciúme”.Dymond e Barnes (1994) efetuaram uma

análise de comportamento mostrando comoa criança pode estabelecer relações comple-xas que levam a distorções sobre as contin-gências em vigor.

Quando a criança começou a jogar pe-drinhas na outra criança, poderia ser retiradaimediatamente do parque e levada para casa.Quando estiver mais tranquila, pode-se con-versar com ela sobre alternativas de compor-tamento para encontrar soluções.

Na próxima vez que forem ao parque,fazer combinados antecipados, descrevendoos comportamentos com as regras e ensinan-do comportamentos de fazer escolhas pelaconsequência: se brincar de modo adequado(descrever qual), fica brincando o tempo quequiser, e, quando subir, irão jogar ou fazeruma brincadeira agradável; se agredir alguém,física ou verbalmente, deverá voltar imediata-mente para casa e perde, naquela manhã, o

direito de ver TV e usar o computador. Através dos comportamentos relatados

pelos pais, foram descritas formas de análisede comportamento e procedimentos que po-dem ser aplicados em casa, pelos pais e cuida-dores.

 Ao descrever formas alternativas de li-dar com os comportamentos da criança, ospais podem identificar soluções para os pro-blemas, o que pode ser redutor do estresse fa-

miliar. Visualizam assim uma saída para a di-fícil situação em que se encontram.

 A criança pode ter aprendido a se oporpor imitação do modelo ou por outras variá-veis ambientais. Nessa condição, não haveránecessidade de medicação. Quando está me-dicada e com diagnóstico de Transtorno doComportamento Opositor, também apresen-ta comportamentos aprendidos que podemser função das variáveis ambientais.

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Clínica analítico-comportamental 231

Oferecer aos pais maior clareza sobre osfatores que afetam os comportamentos dacriança pode acarretar maior adesão ao trata-

mento e alívio da ansiedade, embora devamser informados sobre as dificuldades em apli-car os procedimentos propostos.

> ENTREVISTA INICIALCOM A CRIANÇA

Objetivos:

 1. formar vínculo com o clínico; 2. compreender o que é terapia; 3. compreender a importância de se traba-

lhar o grupo familiar e que cada um podemudar um pouco;

 4. identificar alguns comportamentos quequeira mudar;

 5. compreender o sigilo; 6. fazer combinados através do contrato te-

rapêutico.

É importante a criança ser informada pe-los pais sobre os objetivos da terapia, pois issopode favorecer um maior envolvimento com oprocesso terapêutico e a adesão ao trabalho.

Se uma criança apresenta comporta-mentos agressivos e bate no irmão, pode teruma expectativa de que os pais a levarampara a terapia para ficar boazinha para seu ir-mão, do qual sente raiva e ciúmes. Podeacreditar que está fazendo terapia para me-

lhorar a vida do irmão e dos pais. Nessa con-dição, não haverá envolvimento no processopsicoterápico.

Fases da entrevista inicial com a criança:

a) Nos primeiros 15 minutos, falar com acriança sobre os objetivos da terapia. Des-crever a forma de trabalho, mostrandoque a família deve participar porque cadaum pode mudar um pouco os seus com-

portamentos. É importante mostrar paraa criança que ela terá espaço para se colo-car em relação aos comportamentos dos

irmãos que a desagradam e também dospais. Isso dilui sua queixa e também favo-rece o envolvimento com o trabalho.

b) Escolher uma atividade lúdica com acriança, como desenho livre ou em qua-drinhos. Promover uma interação muitoagradável enquanto a criança desenha.Observar os comportamentos da criançadurante as atividades. A formação de vín-culo com o terapeuta é fundamental.

c) Conversar sobre o desenho e seus persona-gens.

d) Nos 10 minutos finais, fazer um jogo paraobservar “o ganhar e o perder” e outroscomportamentos da criança durante a ati-vidade. O objetivo é criar situações muitoagradáveis na relação terapêutica.

> CONSIDERAÇÕES FINAIS

 A entrevista inicial com os pais tem a funçãode levantar dados sobre os comportamentos--queixa da criança, obter informações sobre ofuncionamento da família e sobre a interaçãoque ocorre entre os cuidadores e a criança. Aentrevista familiar, embora ofereça informa-ções relevantes, pode ser adaptada a situaçõesem que se dispõe de apenas um clínico.

No primeiro contato com os pais, é im-

portante descrever as formas de trabalho coma criança e com a família para possibilitar atomada de decisão dos pais em relação àcontinuidade do trabalho clínico. Essa adesãopode ser favorecida pela compreensão dosprocedimentos que poderão ser úteis para amudança dos comportamentos-queixa e pelaidentificação da existência de formas al-ternativas que poderão reduzir o estresse fa-miliar.

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 A entrevista inicial com a criança temcomo objetivos a formação de vínculo, daresclarecimentos à criança sobre o que é tera-

pia, levá-la a identificar que a terapia deve fa-vorecer o seu bem-estar e o de sua família emostrar-lhe as formas lúdicas através dasquais poderá interagir com o clínico.

> REFERÊNCIAS

Conte, F. C. S., & Regra, J. A. G. (2000). A psicoterapiacomportamental infantil: Novos aspectos. In E. F. M. Silva-res (Org.), Estudos de caso em psicologia clínica comportamen-

tal infantil  (vol. 1, pp. 79-136). Campinas: Papirus.Dymond, S., & Barnes, D. (1994). A transfer of self--discrimination response functions through equivalence

relations. Journal of the experimental analysis of behavior, 62 ,251-267.

Fernández, A. (1990).  A inteligência aprisionada: Aborda- gem psicopedagógica clínica da criança e sua família . Porto

 Alegre: Artmed. (Trabalho original publicado em 1987)Ferreira, L. H. S. (1997). O que é contrato em terapia com-portamental? In M. Delitti (Org.), Sobre comportamento ecognição: A prática da análise do comportamento e da terapiacognitivo-comportamental   (vol. 3, pp. 104-106). Santo André: Arbytes.

Friedberg, R. D., & McClure, J. M. (2004).  A prática clí-nica de terapia cognitiva com crianças e adolescentes . Porto Alegre: Artmed. (Trabalho original publicado em 2001)

Regra, J. A. G. (1997). Habilidade desenvolvida em alunosde psicologia no atendimento de crianças com problemasde escolaridade e suas famílias. In M. Delitti (Org.), Sobrecomportamento e cognição: A prática da análise do comporta-

mento e da terapia cognitivocomportamental  (vol. 3, pp. 104-106). Santo André: Arbytes.

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 Ao se propor uma intervenção comporta-mental infantil, é fundamental que se estru-ture uma avaliação funcional. Isso significafazer um levantamento de comportamentosque serão alvos da intervenção e elaborar hi-póteses sobre as variáveis que evocam ou eli-ciam determinadas respostas e sobre as conse-quências que as mantêm. É importante desta-car, a princípio, uma distinção entre os termosanálise funcional   e avaliação funcional . En-quanto a análise funcional manipula variáveisantecedentes e consequentes à resposta emquestão, para que as hipóteses sejam testadas,a avaliação funcional tem uma abordagemmais hipotética em relação a tais relações.Embora sempre se busque uma manipulaçãocontrolada dessas variáveis antes do início daintervenção, nem sempre é possível realizá-la,

principalmente quando as respostas investi-gadas são encobertas ou quando variáveis decontrole não foram identificadas ou não po-dem ser manipuladas. Nesses casos, o termoavaliação funcional se torna mais adequado.

 A avaliação funcional, usualmente prio-rizada no início do contato com o cliente,servirá como basepara a organizaçãoda intervenção. Éimportante destacarque essa avaliaçãocontinuará ao longode todo o processoterapêutico, a fim demonitorar progressosalcançados, identifi-car novas demandas

O uso dos recursos lúdicos 26 

na avaliação funcionalem clínica analítico--comportamental infantil

Daniel Del Rey

ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  Avaliação funcional no trabalho clínico com crianças.>

  Estratégias para identificação de comportamentos-alvo na clínica infantil.>

  Estratégias para identificação de possíveis reforçadores na clínica infantil.>

  Estratégias lúdicas para identificação da história de vida e condições atuais.>

  Identificação e caracterização de controle por regras pré-estabelecidas.

A avaliação funcio-nal permitirá a for-mulação do caso e oplanejamento de in- tervenções. Ela deveocorrer ao longo doprocesso clínico,pois é através delaque se verificará osprogressos e/ou ne-cessidades de ajustenos procedimentos.

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234   Borges, Cassas & Cols.

e ajustar os procedimentos adotados. Stur-mey (1996), ao caracterizar as propostas deavaliações comportamentais recentes, destaca

que não há restrição a nenhum método espe-cífico de avaliação ou de setting, mas retoma autilidade dessa avaliação em sedimentar oprocesso de geração e teste de hipóteses, alémde guiar a intervenção seguinte.

 A avaliação funcional na terapia infantiltem alguns objetivos bem definidos:

a) identificar déficits, excessos comporta-mentais e/ou variabilidade comportamen-

tal;b) identificar controle de estímulos deficitá-rios;

c) detectar sensibilidade a diferentes conse-quências;

d) levantar aspectos relevantes da história devida pregressa;

e) identificar e caracterizar o controle por re-gras pré-estabelecido;

f ) identificar estímulos reforçadores ou aver-

sivos condicionados, eg) identificar condições de estimulação eaprendizagem propiciadas pelo ambienteem que a criança está inserida .

Este capítulo tem como objetivo desta-car diferentes estratégias lúdicas que facilitemao terapeuta alcançar essas metas, visto a im-portância que o brincar tem na história dascrianças e as diferentes funções de estímulo

que este pode adquirir. Gil e De Rose (2003)destacam essa importância, uma vez que asbrincadeiras parecem ser, ao mesmo tempo,parte do repertório social das crianças e opor-tunidade para exercitá-lo, ampliando e sofis-ticando a competência, as capacidades e ashabilidades sociais. Skinner (1989/1995)também destaca a relevância dos jogos e brin-cadeiras, especificamente por propiciaremum contexto com regras arbitrárias e inventa-

das a serem seguidas.

> IDENTIFICAÇÃO DE DÉFICIT,EXCESSO E/OU VARIABILIDADECOMPORTAMENTAL ECONTROLE DE ESTÍMULOS

Grande parte das questões que os psicólogossão solicitados a analisar em seus consultóriosenvolvem respostas que não deveriam seremitidas ou que estão ocorrendo com umafrequência maior doque seria desejável,ou, ao contrário, in-dicam a ausência oubaixa ocorrência derespostas tipicamen-te esperadas. Cabeaos clínicos levantarquais são as variáveisque mantêm ou difi-cultam a ocorrênciade tais respostas.

Uma fonte de

dados acerca do pro-blema é o relato ver-bal de pessoas envolvidas. Em algumas oca-siões, a topografia das respostas, o contextoonde estas ocorrem e as consequências queas seguem são facilmente identificados: ospróprios clientes, seus pais ou a escola sãocapazes de nos trazer essas informações. Ou-tras vezes, o relato é incompleto, com focoapenas no que a criança faz ou deixa de fa-

zer, sem apresentar relação com eventos cir-cunstanciais ou importantes na história devida do cliente, situação em que o clínicoprocurará modelar a descrição, a fim de ob-ter informações necessárias à caracterizaçãoe análise do caso.

 Além das informações obtidas através derelato verbal da criança ou dos pais, é necessá-rio também que o clínico obtenha dados dire-tos do comportamento, seja observando-o no

ambiente natural (cotidiano), seja criando si-

Grande parte dasquestões que os psi-cólogos são solici- tados a analisar, emseus consultórios,envolvem respostasque não deveriamser emitidas ou queestão ocorrendocom uma frequênciamaior do que seriadesejável, ou, aocontrário, indicam aausência ou baixaocorrência de res-postas tipicamenteesperadas.

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Clínica analítico-comportamental 235

tuações no consultó-rio que propiciem aocorrência de com-

portamentos relevan-tes, tais como ativida-des lúdicas.1

Esse tipo deatividade é bastanteútil, pois permite aoclínico ter acesso adados que seriam dedifícil obtenção atra-

vés de relato verbal, seja porque a criança não

dispõe de repertório verbal para fornecê-los,seja porque se esquiva de fazê-lo.

Por exemplo, jogos e brincadeiras queenvolvam competição, cooperação ou organi-zação permitem que o clínico analise se ocliente tem repertório suficiente para partici-par desses momentos, como lida com situa-ções de frustração, se apresenta variação com-portamental para alcançar o objetivo propos-to e se persiste na atividade quando não é

reforçado continuamente.Outras queixas que chegam ao consultó-

rio do clínico infantil envolvem respostas quesó são classificadas como inadequadas em fun-ção do contexto em que aparecem. Algunsexemplos disso são o cliente conversando emsala de aula, uso de palavrões em ambientes

inoportunos, modu-lação inadequada dotom de voz, etc.

 A maioria dasestratégias que po-dem ajudar o clínicoa identificar contex-tos e ocasiões onde hácontrole de estímulosdeficitários envolvesimulações de situa-

ções cotidianas em que esses comportamentosocorrem, tais como: dramatização, elaboraçãode histórias e fantasias, desenhos, etc. Em ge-

ral, tais situações especialmente arranjadas nãosó permitem essa identificação como tambémse tornam recursos importantes para a inter-

venção.Eventualmente, pode ser interessante aparticipação de outras crianças em situaçõesdeste tipo, especialmente quando há inade-quações na convivência com colegas (agressi-vidade, timidez, etc.).

> IDENTIFICAÇÃO DESENSIBILIDADE ADIFERENTES CONSEQUÊNCIAS

É fundamental dentro de um processo de in-tervenção comportamental que o clínico, afamília, a escola e outros familiares ou profis-sionais que convivem com a criança estejamcapacitados a:

 1. consequenciar por reforço positivo deter-

minados comportamentos cuja frequênciase deseja aumentar e

 2. não fazê-lo em relação aos comportamen-tos que se pretende eliminar ou ter sua fre-quência reduzida.

Para tal finali-dade, não se deve su-por que determina-do elogio, brincadei-

ra, passeio, atividade,etc., seja um reforça-dor; é necessário queinvestiguemos o va-lor funcional de di-ferentes consequên-cias. Muitas vezes, o próprio cliente será ca-paz de descrever o impacto motivacional detal evento; outras vezes, será preciso avaliar ovalor reforçador de determinado estímulo

ou atividade.

Parte da coleta dedados no trabalhocom crianças é feitoatravés de relatosverbais. Todavia,faz-se necessárioplanejar situaçõesem que seja pos-sível, também, aobservação naturaldos comportamentos--alvo, seja em am-biente natural, sejano contexto clínico.

A maioria das estra- tégias que podemajudar o clínico aidentificar contextose ocasiões onde hácontrole de estí-mulos deficitáriosenvolve simulaçõesde situações coti-dianas em que essescomportamentosocorrem.

Não se deve suporque determinadoelogio, brincadeira,passeio, atividade,

etc. seja um refor-çador; é necessárioque investiguemoso valor funcionalde diferentesconsequências.

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236  Borges, Cassas & Cols.

Em geral, o clínico infantil tem um vas-to “arsenal” de brinquedos, jogos, materiaispara atividades plásticas ou gráficas (desenho,

pintura, modelagem, recortes, dobraduras,etc.), propostas de fantasias, histórias, drama-tizações, bonecos, animais e personagens es-pecialmente selecionados para aumentar aresponsividade do cliente a atividades maismonótonas, formais ou aversivas, ou, ainda,para evocar respostas importantes que não vi-

nham aparecendo deoutra forma. A esco-lha ou solicitação

verbal do cliente pordeterminado item,na maioria das vezes,

 já sinaliza que essaseria uma boa conse-quência para reforçar

respostas-alvo. Em outras situações, especial-mente com crianças com desenvolvimentoatípico ou repertório verbal muito limitado,teremos que observar a frequência de respos-

tas emitidas a fim de inferir quais consequên-cias tiveram valor reforçador. Ou seja, se aapresentação sistemática de determinado estí-mulo aumentou sua frequência após a emis-são de uma resposta escolhida, pode-se suporque este teve um efeito reforçador sobre amesma.

É importante, também, relembrar queo valor reforçador de determinados estímulosé afetado diretamente por operações motiva-

doras, que alteram o valor reforçador de estí-mulos consequentes. Um exemplo disso é aprivação de determinado item (jogo, brin-quedo, livro infantil, etc.): se tal atividade forrestrita ao ambiente da terapia e for disponi-bilizada apenas em situações específicas (porexemplo, após uma resposta de alto custo),provavelmente, a motivação para conquistá--la será maior.2 Tais operações são mais facil-mente manipuladas em situações que envol-

vem reforçamento primário, por exemplo,quando se trabalha com crianças com desen-

volvimento atípico, caso tais crianças aindanão se mostrem sensíveis a reforçadores con-dicionados.

> LEVANTAMENTO DE ASPECTOSRELEVANTES DA HISTÓRIA DEVIDA E DE CONDIÇÕES ATUAIS

Muitas vezes, o contexto de interação verbal(conversar) é aversivo para a criança, princi-palmente se o relato esperado envolver umasituação muito desagradável ou se o relatar

for passível de punição. Nessas situações, oclínico pode usar estratégias, tais como fanta-sia, sonhos, histórias e fantoches, para evocarsituações reveladorassobre a história pas-sada ou sobre o mo-mento atual da crian-ça. São ocasiões emque respostas rele-vantes podem ser

evocadas e eliciadas,sem que o cliente seesquive de respondê--las. Provavelmente, se tal levantamento fosserealizado através de questionamento, a crian-ça não responderia ou poderia vir a distorceros fatos em função da aversividade ou ameaçaenvolvida. Por exemplo, se a criança foi puni-da por determinado comportamento na esco-la ou em casa, dificilmente ela traria essa in-

formação espontaneamente na sessão, princi-palmente se o contato com o clínico forrecente ou se este houver punido alguma ou-tra resposta sua em outra ocasião.

> IDENTIFICAÇÃO ECARACTERIZAÇÃO DO CONTROLEPOR REGRAS PRÉ-ESTABELECIDO

Grande parte das queixas que acompanhamas crianças diz respeito ao não seguimento de

A escolha ousolicitação verbaldo cliente por

determinado item,na maioria dasvezes, já sinaliza queesta seria uma boaconsequência parareforçar respostas--alvo.

O clínico pode usarestratégias comofantasia, sonhos,histórias e fantochespara evocar situa-ções reveladorassobre a históriapassada ou sobre o

momento atual dacriança.

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Clínica analítico-comportamental 237

instruções. Tal problema pode ter origens dis-tintas:

a) as regras passadas às crianças não condi-ziam com as consequências apresentadasem sua vida, isto é, a relação entre a des-crição de eventos para a criança não cor-respondeu ao que sua história de vidamostrava na prática;

b) as regras esperadas socialmente não foramensinadas, a criança não teve essa parte daaprendizagem por falta de bons instruto-res; ou

c) ocorreu dificuldade de discriminação emfunção de ambiente caótico, que não apre-sentava consistência entre o seguimentode instruções e as consequências que se se-guiam.

Em todos os casos anteriormente lista-dos, podemos avaliar o repertório de seguirinstruções destas crianças de duas formas dis-tintas. A primeira seria criar situações de inte-

ração com regras específicas bem definidas eobservar como a criança se comporta, como,por exemplo, em situação de jogos ou ativida-des que exijam combinação prévia em relaçãoà sua dinâmica. Outra abordagem seria a par-tir da exposição a diferentes histórias infantis,dramatizações ou desenhos, questionar acriança sobre partes específicas dessas ativida-des, escolhidas especialmente por apresenta-rem um conteúdo polêmico (p. ex., criança

desobedecendo à professora).

> IDENTIFICAÇÃO DE ESTÍMULOSAVERSIVOS CONDICIONADOS

 Ao longo de sua vida, as crianças, assim comotodo indivíduo, são expostas a situações aver-sivas, de intensidade variável. Em alguns ca-sos, esses “traumas” acabam se estendendo

para além da situação específica em que ocor-reram, e estímulos particulares acabam ad-

quirindo valor aversivo condicional. Tal pro-cesso acontece por uma relação de condicio-namento respondente, em que um evento

inicialmente neutro passa a eliciar respostasreflexas por ter sido pareado com um estímu-lo eliciador aversivo.3  Além desse processorespondente, é muito comum que respostasoperantes de esquiva e fuga também se esta-beleçam, com a função de eliminar a estimu-lação aversiva.

Em geral, a esquiva desses estímulos étão evidente ou topograficamente atípica quea família recorre ao clínico para tentar

eliminá-la. Durante a avaliação funcional, épossível levantarem-se algumas informaçõesimportantes:

a) quais são esses estímulos;b) se eles formam uma classe de estímulos

equivalentes entre si; ec) qual seria a hierarquia de aversividade en-

tre eles.

Filmes, livros, fotos, músicas, etc., po-dem ser estímulos usados nessa investigação.

> CONSIDERAÇÕES FINAIS

O intuito deste capítulo foi destacar a impor-tância de alguns tópicos recorrentes dentroda clínica analítico-comportamental infantil,apontando para possibilidades do uso de re-

cursos lúdicos na avaliação funcional. Não foiobjetivo esgotar as possibilidades técnicas,nem definir regras para a atuação profissio-nal. Todo caso merece ser analisado individu-almente, cabendo ao bom profissional usar osrecursos apropriados.

Os recursos lúdicos têm outras funçõesimportantes que não foram abordadas nestecapítulo. Por exemplo, o seu papel sobre amotivação das crianças. Regra (2001) descre-ve esse recurso como uma operação motiva-dora a qual, momentaneamente, altera a efe-

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238  Borges, Cassas & Cols.

tividade de outros eventos, além de alterar aprobabilidade de comportamentos relevantesrelacionados àquelas consequências. Em ou-

tras situações, a própria atividade, identifica-da como estímulo reforçador, pode ser utili-zada como consequência para determinadasrespostas que apareceram ao longo da sessão,a fim de aumentar a frequência destas.

 Além da avaliação lúdica, é fundamen-tal que outros recursos sejam utilizados para aidentificação de variáveis relevantes, taiscomo:

a) entrevista e observação da relação entre ospais com a criança;b) contato com a escola;c) instrumentos destinados à avaliação de re-

pertórios específicos (por exemplo, reper-tório acadêmico);

d) contato com outros profissionais queacompanham a criança (por exemplo: psi-quiatra, neurologista, fonoaudiólogo, fi-sioterapeuta, psicopedagogo e terapeuta

ocupacional) e outros recursos necessáriosao caso em questão.

> NOTAS

  1. Estamos utilizando o termo “lúdico” de forma bas-tante abrangente, englobando atividades plásticas e

gráficas, jogos, brincadeiras, dramatizações, etc.  2. Para maior compreensão sobre operações motiva-

doras, sugere-se ler o Capítulo 3.  3. Para maior aprofundamento, sugere-se a leitura do

Capítulo 1.

> REFERÊNCIASGil, M. S. A., & De Rose, J. C. C. (2003). Regras e contin-gências sociais na brincadeira de crianças. In M. Z. S. Bran-dão (Org.), Sobre comportamento e cognição  (vol. 11, pp.

383-389). Santo André: ESETec.Regra, J. A. G. (2001). A integração de atividades múltiplasdurante o atendimento infantil, numa análise funcional docomportamento. In H. J. Guilhardi (Org.), Sobre comporta-mento e cognição (vol. 8, pp. 373-385). Santo André: ESE-Tec.

Skinner, B. F. (1995). Questões recentes na análise comporta-mental . Campinas: Papirus. (Trabalho original publicadoem 1989)

Sturmey, P. (1996). Functional analysis in clinical psycho-logy. Chichester: John Wiley & Sons.

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 A definição de “comportamento de brincar” éalvo de muita discordância entre os teóricosque investigam essa temática. Conforme DeRose e Gil (2003), a maioria das definições en-

fatiza a espontaneidade e o prazer deste ato.Brincar, por meio de jogos ou brincadeiras, es-truturados ou não, é a atividade mais comum

da criança e é crucialpara o seu desenvolvi-mento, além de seruma forma de comu-nicação. Del Prette eDel Prette (2005, p.100) ressaltam que o

 jogo é utilizado emtodas as tradições cul-

turais “com objetivos educacionais distintoscomo socialização, transmissão de valores e de-senvolvimento de autonomia”.

 A importância dos jogos vem sendo en-

fatizada por pesquisadores e teóricos comouma maneira pela qual a criança aprende acontrolar o ambiente e fortalecer suas habili-dades sociais e de raciocínio (Goldstein eGoldstein, 1992). O jogo, nesse sentido, in-tensifica os contatos da criança com o mun-do, fornece a oportunidade de fazer e manteramizades e ajuda a criança a desenvolver umaautoimagem adequada. Para os autores, o faz--de-conta da criança pequena a ajuda a de-

senvolver fundamentos básicos de socializa-ção.

  O brincar como ferramenta 27 

de avaliação e intervençãona clínica analítico--comportamental infantil

Giovana Del PretteSonia Beatriz Meyer

ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  O brincar e sua importância para o desenvolvimento infantil.>

  Brincar como comportamento e como procedimento de intervenção.>

  Formas de interação analista-criança.>

  O brincar na contrução de uma relação terapêutica favorável.>

  O brincar como estratégia de avaliação.>

  O brincar como estratégia de intervenção.>

 

Técnicas comportamentais aplicadas a partir do brincar: modelação, fading , modelagem,bloqueio de esquiva.

Brincar, por meio dejogos ou brincadei-ra, estruturados ounão, é a atividademais comum dacriança e é crucialpara o seu desen-volvimento, além de

ser uma forma decomunicação.

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240  Borges, Cassas & Cols.

 As ações da criança, em contexto debrincadeira, muitas vezes expressam senti-mentos, desejos e valores que ela não conse-

gue, ainda, expressar por meio de relatos ver-bais, devido às limitações próprias de seu es-tágio de desenvolvi-mento em lingua-gem. Possivelmentepor suas diferentesfunções e importân-cia, o brincar passoua fazer parte das prá-ticas de psicoterapia

infantil (inicialmen-te em abordagenscomo a psicanálise, apsicologia humanis-ta, a Gestalt-terapia

e, mais recentemente, na abordagem analítico--comportamental). Convém salientar queessa atenção dada ao brincar não constituipropriamente uma novidade na abordagemanalítico-comportamental. Já na década de

60, Ferster (1966) descreveu e analisou fun-cionalmente o atendimento de uma meninaautista de 4 anos de idade e ressaltou o papeldo uso do brinquedo como um facilitador dainteração criança-analista.

> DEFINIÇÃO

O brincar é um comportamento que, segun-

do De Rose e Gil (2003, p. 376), “implica es-tímulos discriminativos, modelos, instruçõese consequências, de tal modo que a criançapode, a partir de seu repertório inicial, refinarseus comportamentos e aprender novos”.

Skinner (1991) distingue, na brinca-deira, o jogo do brincar livre , definindo o jo-gar como uma atividade que envolve contin-gências de reforçamento planejadas, isto é,regras pré-estabelecidas. Por outro lado, o

brincar livre, por não ter regras estabelecidasna cultura, pode ser considerado menos con-

trolado pelo ambiente social imediato. Abrincadeira é “um meio efetivo de construiro rapport 1 e reduzir demandas verbais feitas

para a criança e [...] um meio para amostra-gem do conteúdo das cognições da criança”(Kanfer, Eyberg e Krahn, 1992, p. 50). Obrincar em terapia pode ser compreendidocomo um conjunto de procedimentos queutilizam atividades lúdicas (jogo ou brin-quedo) como mediadoras da interaçãoclínico-cliente.

>

COMO CLASSIFICAR O BRINCAR  EM TERAPIA ANALÍTICO--COMPORTAMENTAL INFANTIL

 Algumas possibilidades de uso clínico dobrincar são apresentadas a seguir:a) Brincar (BRC): Episódios verbais de in-

teração lúdica, com conteúdo restrito àsfalas próprias do brinquedo, brincadeiraou jogo. As falas incluídas nessa categoria

podem se referir à leitura do jogo, à exe-cução da atividade definida pelo jogo, aoscomentários sobre o andamento da brin-cadeira, à preparação dos objetos e às pe-ças da brincadeira.

  Critérios de inclusão:a) a interação deve ser lúdica.

  Critérios de exclusão:a) a ação ou verbalização não apresenta

conteúdo de fantasia;b) a ação ou verbalização não se refere aocotidiano da criança.

b) Fantasiar (FNT): Episódios verbais de in-teração lúdica, com conteúdo de fantasia.Entende-se por fantasia as ações ou verba-lizações que extrapolam os limites físicosdo brinquedo, brincadeira ou jogo pormeio de representação de papéis, imagi-nação, simulação, faz-de-conta, etc. As fa-

las incluídas nessa categoria podem se re-ferir a: animismo a objetos, elaboração de

As ações da crian-ça, em contexto debrincadeira, muitasvezes expressamsentimentos, desejose valores que elanão consegue,ainda, expressarpor meio de relatos

verbais, devido àslimitações própriasde seu estágio dedesenvolvimento emlinguagem.

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Clínica analítico-comportamental 241

histórias, incorporação de personagens,desempenho de papéis, etc.

  Critérios de inclusão:a) a interação deve ser lúdica;b) a ação ou verbalização deve apresentar

conteúdo de fantasia;c) se o fantasiar fizer parte de uma ativida-

de em sessão, categoriza-se Fantasiar(FNT), e não Fazer Atividades (ATV).

Critérios de exclusão:a) a ação ou verbalização não deve se re-

ferir ao cotidiano da criança.

c) Fazer Exercícios (FEX): Episódios ver-bais de interação em que a criança realizaexercícios em sessão junto com o terapeu-ta ou sob a supervisão deste. A diferençaentre o “exercício” e o “brincar” consisteno primeiro se referir a atividades, nor-malmente programadas pelo terapeuta,para serem feitas durante a sessão, como,por exemplo, caligrafia, escrever uma his-tória, desenhar de acordo com um tema

proposto pelo terapeuta, fazer as tarefasda escola em sessão. A própria criança di-ferencia o exercício do brincar, exemplifi-cado quando, não raro, ela questiona comfrases como “depois que terminarmosaqui, podemos ir brincar?”.

  Critérios de exclusão:a) se o fantasiar fizer parte de um exercí-

cio em sessão, categoriza-se Fantasiar

(FNT), e não Fazer Exercícios (FEX);b) se, durante a atividade, o terapeutaconduzir o diálogo para fazer relaçõesentre variáveis desta atividade e o coti-diano da criança, categoriza-se Con-versar Decorrente (CDE);

c) se, durante a atividade, o terapeutaconduzir diálogos paralelos sobre ocotidiano da criança, categoriza-seConversar Paralelo (CPA).

d) Conversar Decorrente (CDE): Episó-dios verbais (sobre eventos dentro ou fora

da sessão, ou abstratos/conceituais) comtema associado a alguma variável do brin-quedo, brincadeira, jogo ou atividade em

curso. Nesse caso, é possível que o tera-peuta e a criança continuem brincandoenquanto conversam, ou que o brincar/fazer atividade seja interrompido por al-guns instantes. Quando o brincar/fazeratividade é interrompido, pode-se retor-nar a este depois da conversa, ou não. Asfalas incluídas nessa categoria referem-se aassociações entre, por exemplo, brincar deescolinha e conversar sobre a professora

ou o desempenho escolar da criança; brin-car com “família de bonecos” e comporta-mentos dos familiares em relação à crian-ça; brincar com um jogo qualquer e ques-tionar com qual coleguinha a criança jogaesse jogo.

  Critérios de exclusão: se o tema da con-versa mudar e tornar-se um tema diferen-te daquele relacionado ao brincar/fazeratividades, passa-se a categorizar Conver-

sar Paralelo (CPA), se a díade ainda estiverbrincando ou fazendo atividades, ou Con-versar Outros (COU), se a díade não esti-ver brincando nem fazendo atividades.

e) Conversar Paralelo (CPA): Episódios deinteração em que o brincar/fazer ativida-des está apenas temporalmente relaciona-do ao conversar, mas os temas são diferen-tes e, portanto, independentes. O brin-car/fazer atividades é ação (geralmente

motora) que ocorre paralelamente a umainteração verbal sobre diferentes temasnão pertinentes a tais ações. As falasincluídas nessa categoria se referem, porexemplo, a conversar sobre a escola en-quanto se brinca de modelar argila; con-versar sobre a família enquanto se coloreum desenho não associado à família; con-versar sobre atividades da semana duranteo jogo de damas.

  Critério de exclusão: se a díade interrom-pe a brincadeira para conversar sobre um

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242  Borges, Cassas & Cols.

tema não relacionado, categoriza-se Con-versar Outros (COU).

f) Conversar sobre Brincar (CBR): Episó-

dios verbais de interação não lúdica comconteúdo referente a brinquedo, brincadei-ra ou jogo. As falas incluídas nessa catego-ria podem se referir a: comentários sobrebrincadeira já encerrada; planejamento debrincadeiras posteriores; comentários sobreos brinquedos da sala; relatos sobre brinca-deiras do cotidiano da criança.

  Critérios de exclusão: se a díade conversarsobre brincadeiras do cotidiano da crian-

ça, mas o relato da criança incluir sua in-teração com crianças ou adultos,categoriza-se Conversar Paralelo (CPA)ou Conversar Outros (COU).

g) Conversar Outros (COU): Episódios ver-bais de interação não lúdica com ações ouverbalizações referentes a quaisquer temas,exceto brinquedo, brincadeira ou jogo. Asfalas incluídas nessa categoria se referem,por exemplo, a: apresentar-se, fornecer in-

formações sobre a terapia, dialogar sobre oque a criança está aprendendo na escola ousobre a rotina da semana, etc.

  Critérios de exclusão: se o tema da con-versa for decorrente de uma brincadeiraou atividade que a díade estava realizandona sessão, categoriza-se Conversar Decor-rente (CDE).

 A organização dos diferentes usos do

brincar, nas catego-rias apresentadas, de-monstra ao clínico apossibilidade de reali-zar diversas escolhasbaseadas não apenasem quais brinquedosencontram-se dispo-níveis na sala, mas noque ele pode fazer

com cada um. Algunsbrinquedos, com re-

gras menos estrutura-das (como bonecos,massinha e desenhos)

favorecem o uso daimaginação, em inte-rações do tipo Fanta-sia.  Outros são maisestruturados (como

 jogos de tabuleiro ede cartas), em que vá-rios comportamentos podem ser observados emanejados, e favorecem interações do tipoBrincar . Tanto em jogos estruturados quanto

em atividades mais livres, o clínico pode esta-belecer relações entre o brincar e o cotidianoda criança (ou ensinar a criança a fazê-lo), eminterações do tipo Conversar Decorrente . Alémdisso, pode conversar sobre o cotidiano en-quanto brinca (Conversar Paralelo) ou conver-sar com a criança sem brincar (Conversar sobreBrincar, ou Conversar Outros ).

Porém, os tipos de interação não se res-tringem ao jogo escolhido: o clínico hábil

pode aproveitar oportunidades para transitarpelas diversas categorias em praticamentequalquer atividade que realize com a criança.Suas escolhas ocorrem em função de umacombinação de fatores:

a) a construção de uma relação terapêuticafavorável;

b) os objetivos gerais e específicos de cadasessão de atendimento à criança; e

c) as estratégias de intervenção que o clínicopretende utilizar. O brincar é uma ativi-dade importante em cada um desses itens,conforme será discutido a seguir.

> O BRINCAR NA CONSTRUÇÃODE UMA RELAÇÃOTERAPÊUTICA FAVORÁVEL

 A situação lúdica também pode ser entendidacomo promotora de aliança terapêutica efeti-

Os tipos de interaçãonão se restringemao jogo escolhido:o clínico hábil pode

aproveitar oportuni-dades para transitarpelas diversascategorias em pra- ticamente qualqueratividade que realizecom a criança.

A organização dosdiferentes usos dobrincar, nas catego-rias apresentadas,demonstra ao clínicoa possibilidade derealizar diversasescolhas, baseadasnão apenas emquais brinquedosencontram-sedisponíveis na sala,

mas no que ele podefazer com cada um.

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Clínica analítico-comportamental 243

va porque se consti-tui em uma atividadealtamente reforçado-

ra para a criança(Guerrelhas, Bueno eSilvares, 2000). Brin-car pode contribuir,

por essa via, para o engajamento da criançano processo e, portanto, para a efetividade daterapia.

De uma forma ou de outra, brincar éum comportamento observado em criançasnos mais diversos contextos, como o escolar,

o familiar e na interação com seus pares. Emsessões de terapia analítico-comportamentalinfantil, o brincar pode colaborar na promo-ção de uma relação clínico-criança altamentereforçadora. Em outras palavras, a criança semantém engajada nesse tipo de atividade e,por essa via, engaja-se na interação com o clí-nico. Quando tal engajamento ocorre, pode--se observá-lo por meio de seus comporta-mentos durante o brincar, especialmente pe-

las falas de exclamação e humor (denotativasde prazer), e também pelas solicitações, bas-tante comuns, para que continuem a brincarou para que voltem a escolher os brinquedos

 já utilizados. Esse dado sugere maior proba-bilidade de adesão e de boa qualidade do re-lacionamento, que são pré-requisitos e predi-tores de bons resultados.

 Às vezes, o clínico pode até mesmo dedi-car parte do tempo da sessão para brincar com

a criança com jogos ou atividades que não sãonecessariamente úteis para fazer intervençõessobre os principais problemas que a levaram àterapia. Contudo, são úteis para promoveruma boa relação terapêutica no sentido aquiapresentado. Geralmente, correspondem àsbrincadeiras que a criança mais escolhe (suaspreferidas) e em que mais se diverte, com pou-co risco de incidentes indesejáveis.

O clínico pode dedicar a parte inicial dasessão (ou até mesmo algumas sessões intei-ras) a estas brincadeiras para “quebrar o gelo”

quando a criança aparenta resistência à tera-pia. Ou seja, tais brincadeiras facilitariamuma interação que produz sentimentos e sen-

sações agradáveis (alegria, prazer, entusiasmo,interesse), incompatíveis com os de descon-fiança, medo, irritação, dentre outros.

Outra opção, que não exclui a anterior,é utilizar as brincadeiras “mais divertidas” nofinal da sessão. Supondo que o brincar seja re-forçador, a criança procurará repeti-lo, mas sópoderá fazê-lo na semana seguinte, o que setraduz em maior motivação para retornar acada semana.

Ressaltamos, contudo, que as brinca-deiras não devem se restringir somente ao ob-

 jetivo de produzir uma relação boa com acriança. Muitas vezes, os estagiários ou clíni-cos pouco experien-tes têm dificuldadepara perceber os ou-tros usos do brincar,e, não raro, relatam asensação de que brin-

caram somente para “entreter” a criança. Aaprendizagem do uso do brincar para a ava-liação funcional e a intervenção, de fato, podeser difícil, pois envolve a observação e o ma-nejo de muitas variáveis (algumas sutis), alémde habilidades terapêuticas mais específicasao relacionamento com a criança.

> O BRINCAR COMO

ESTRATÉGIA DE AVALIAÇÃO

Primeiramente, destacamos aqui que a avalia-ção funcional, na clínica analítico-comporta-mental, é realizada durante todo o processoterapêutico. Essa avaliação pode se dar pormeio da interação com a criança, com os pais(em sessões de orientação), com vários mem-bros da família (a criança acompanhada dospais e/ou irmãos) ou mesmo com outros sig-

nificantes (professores, diretor da escola, mé-dico).

As brincadeiras nãodevem se restringirsomente ao objetivode produzir umarelação boa com acriança.

O brincar podeser utilizado comoestratégia clínicavisando estabelecere/ou fortalecer arelação terapêuticaou o engajamento noprocesso clínico.

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De certa maneira, podemos dizer que,nas primeiras sessões de atendimento, o clíni-co observa e manipula variáveis com o objeti-

vo principal de avaliar  a criança em vários as-pectos (além do objetivo já referido de pro-mover uma boa relação terapêutica). Aospoucos, quanto mais sólidas forem suas hipó-teses, essa manipulação de variáveis passa gra-dativamente a objetivar também intervençõespara modificar   comportamentos, sem aban-donar a avaliação (inclusive sobre os efeitosda intervenção).

Um aspecto básico avaliado pelo clínico

no início de um atendimento é o nível de de-senvolvimento da criança, incluindo a sua al-fabetização. Isso é importante para compararos comportamentos observados com o queseria esperado para a faixa etária da criança e,também, para ajustar a escolha dos brinque-dos nas sessões seguintes. Outro aspecto ava-liado é o repertório inicial de comportamen-tos da criança, incluindo o repertório parabrincadeiras e também para interações mais

semelhantes àquelas que ocorrem entre o clí-nico e o cliente adulto.

 Ao brincar com a criança, o clínico podemanipular variáveis (de modo assistemático,

diferentemente dopesquisador) e avaliarcomo a criança reage.Ele pode, por exem-plo, ganhar proposi-talmente em um jogo

e então observar se acriança desiste, se rea-ge de maneira agressi-va, se solicita ajuda

ou se tenta jogar melhor. De todo modo, algu-mas reações, mais assertivas ou mais criativas,podem ser tomadas como indicadores dos re-cursos comportamentais da criança, ao passoque outras reações, passivas ou agressivas, indi-cariam necessidade de intervenção sobre esses

comportamentos.

 A escolha dequando e como o clí-nico deve procurar

utilizar o brincar emsessões com a criançavaria principalmenteem função de:

a) objetivos do clíni-co com cada clien-te;

b) nível de desenvol-vimento da criança;

c) variações da preferência dos clientes poruma ou outra brincadeira .

Basicamente, podemos afirmar que oclínico brinca com a criança porque, em ge-ral, ela não é tão capaz de relatar eventos docotidiano tal qual o faz o adulto, e, ao brin-car, poder-se-á observar e intervir sobre certospadrões de comportamento.

O brincar é um procedimento que faci-

lita a observação direta sobre o modo como acriança interage com o brinquedo e com oparceiro da brincadeira (no caso, o analista).Incluem-se aqui as evidências quanto aomodo como as crianças reagem às situaçõespropostas pelo clínico, à necessidade de seadequar às regras do jogo e às solicitaçõespara que expresse seus sentimentos. Algunsdos padrões de comportamentos observadospodem ser análogos aos problemas responsá-

veis por ela necessitar de atendimento. Umacriança encaminhada à terapia devido a sua“timidez”, por exemplo, pode esquivar-se deescolher a brincadeira, mesmo quando solici-tada. Outra, com problemas de “agressivida-de” e “comportamento opositor”, pode tentarburlar as regras do jogo ou representar intera-ções agressivas com bonecos.

Na situação lúdica, a criança revela edescobre seus sentimentos, pensamentos, in-

tuições e fantasias, possibilitando ao clínico

Através de ma-nipulações nasatividades o clínico écapaz de identificarcomportamentossocialmente deseja-dos ou não, inclusive

utilizando-se domesmo recursopara modificar taiscomportamentos.

A escolha de quandoe como o clínicodeve procurar utili-zar o brincar em ses-

sões com a criançavaria principalmenteem função de: obje- tivos do clínico comcada cliente; nível dedesenvolvimento dacriança e variaçõesda preferência dosclientes por uma ououtra brincadeira.

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Clínica analítico-comportamental 245

obter dados impor-tantes para o conhe-cimento de sua his-

tória de vida (Win-dholz e Meyer,1994). Desse modo,o brincar pode serutilizado com o obje-tivo de avaliação dorepertório da crian-ça, permitindo o

acesso indireto a seus pensamentos e senti-mentos e o acesso mais direto às suas respos-

tas abertas, em relação a variáveis de controleambientais.

 Além de obter informações observandopadrões de comportamento da criança aobrincar, o clínico também pode coletar dadossobre o cotidiano dela por meio de perguntasdurante as brincadeiras (categorias ConversarDecorrente   e Conversar Paralelo). Algumasdessas informações talvez fossem obtidas commais dificuldade, caso não houvesse a brinca-

deira concomitante. Às vezes, os clínicos sedeparam com crianças excessivamente cala-das, que emitem apenas respostas monossilá-bicas quando algo lhes é perguntado direta-mente. Em geral, isso ocorre porque a criançanão possui suficiente repertório verbal paraesse tipo de interação ou também porque, emsua história de vida, diálogos com adultos po-dem ter se tornado uma interação aversiva(como quando pais conversam para fazer co-

branças ou repreensões). Assim, a aversivida-de pode se generalizar, fazendo a criança seesquivar desse tipo de interação mesmo comoutros adultos. É preciso considerar, tam-bém, se a recusa em relatar eventos se deve àaversividade do conteúdo relatado, como, porexemplo, quando o clínico pergunta sobre aescola, onde ela é zombada pelos seus colegas,e então ela não dá as informações solicitadas.

 A alternativa de se fazer perguntas àcriança durante a brincadeira constitui uma

maneira de facilitar aobtenção do relato.Isso pode acontecer

devido a uma combi-nação de fatores, quevão desde a reduçãodo contato olho aolho (quando o clíni-co e a criança estãoolhando e manuseando brinquedos) à redu-ção da semelhança entre essa interação e asconversas mais “sérias” que usualmente acriança tem com adultos, ou mesmo o fato do

brincar produzir sensações de prazer, incom-patíveis com as sensações desagradáveis quepodem estar associadas a certos relatos maisdifíceis sobre o cotidiano. Além desses moti-vos, relatos da criança que comparem situa-ções do cotidiano com o brincar podem sermais fáceis por se tornarem tatos2  parcial-mente sob controle de estímulos presentes,como, por exemplo, em: “Eu não jogo damascom meu irmão do jeito que eu jogo aqui,

porque, com ele, a gente acaba brigando”.Conforme a classificação apresentada, o

Fantasiar  é uma das possibilidades do brincare seu uso na avaliação é útil para identificarcomportamentos encobertos e manifestos dacriança (por exemplo, Regra, 1997; Pentea-do, 2001). A inclusão de estratégias lúdicas ede fantasia na avaliação (e também na inter-venção direta com a criança) propicia a am-pliação das relações, que passam a se dar não

apenas entre a criança e o clínico como tam-bém entre eles e os personagens das brinca-deiras (Conte e Regra, 2002).

Na fantasia, a criança atribui funções ecaracterísticas a objetos e personagens paraalém daquelas que poderiam ser observadasna realidade. Por exemplo, um pino de ma-deira se torna o “irmãozinho”; um boneco demassinha pode “falar e andar”; o desenho deum patinho evoca uma longa história sobreesse personagem. Nesse sentido, a fantasia

O brincar podeser utilizado comobjetivos de avalia-ção do repertório dacriança, permitindoo acesso indireto aseus pensamentose sentimentos e oacesso mais diretoàs suas respostasabertas, em relaçãocom variáveis decontrole ambientais.

A alternativa defazer perguntas àcriança durante abrincadeira constituiuma maneira defacilitar a obtençãodo relato. Isso podeacontecer devido auma combinação defatores.

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equivale à noção de Skinner a respeito de for-mação de imagens. Segundo Skinner(1989/1991, 1953/1994), “formar imagens”,

isto é, ver na ausência da coisa vista, é uma vi-são condicionada que explica a tendência quese tem de ver o mundo de acordo com a his-tória prévia.

No processo clínico, o fantasiar poderiaser considerado uma estratégia de avaliação eintervenção (Regra, 2001), na qual é possívelidentificar comportamentos e contingênciasde vida do cliente (Regra, 1997). A fantasiaenriquece o ambiente terapêutico, pois, ao

“ver na ausência da coisa vista”, a criança adi-ciona elementos que não estão presentes; elainventa e recria personagens, multiplicandodiálogos e, ao imaginar, é como se inserisseoutras pessoas na sala de atendimento. Dessemodo, o clínico, em vez de observar somenteo comportamento da criança, também obser-va como a criança vê sua interação com ou-tros significantes de sua vida. E, assim, eletambém pode intervir de modo a modificar

padrões da criança e também dos persona-gens imaginados. Novamente, aqui, a criançaque fantasia pode ter mais facilidade em de-monstrar as interações de seu dia a dia do querelatá-las.

> A BRINCADEIRA COMOESTRATÉGIA DE INTERVENÇÃO

 Além de procedimento para facilitar a coleta  de dados sobre a criança, o brincar é tambémestratégia  de intervenção do clínico para a me-lhora dos comportamentos da criança. É rela-tivamente comum observarmos estagiáriosou alunos recém-formados (que estão ini-ciando sua prática como clínicos comporta-mentais infantis) tentando, de todas as for-mas, fazer com que a criança relate tudo oque ele “precisaria saber” para ter uma avalia-

ção completa do caso e, só então, começar

uma suposta intervenção. Trata-se de umatentativa de encaixar o atendimento à criançano modelo tradicional de atendimento ao

adulto. Entretanto, amaior riqueza do usodo brincar em sessãoé que, embora mui-tas vezes o clíniconão consiga fazercom que a criança re-late, isso não necessa-riamente seria um

 pré-requisito para a terapia acontecer . Em ou-

tras palavras, ao mesmo tempo em que o clí-nico observa e avalia os comportamentos dacriança na brincadeira, ele já intervém direta-mente sobre eles.

Na abordagem analítico-comportamen-tal, o brincar temsido considerado umprocedimento favo-rável ao manejo decomportamentos cli-

nicamente relevantesna terapia com crian-ças (Conte e Bran-dão, 1999). O brincar, no ensino de novoscomportamentos, conforme De Rose e Gil(2003, p. 375), é um “meio para ensinar ou-tros comportamentos ou como uma condi-ção na qual novos comportamentos [podem]ser adquiridos”. O brincar é um contexto par-ticularmente rico de oportunidades para en-

sinar comportamentos alternativos à criançapor meio de procedimentos característicos daanálise do comportamento.

 A seguir, vamos apresentar quatro pro-cedimentos de intervenção: modelação, esva-necimento ( fading ), modelagem e bloqueiode esquiva. Esses procedimentos foram sele-cionados pela experiência das autoras (comoclínicas e supervisoras); a combinação deles seconstitui em uma das principais bases de in-

tervenção com crianças.

Além de procedi-mento para facilitara coleta de dadossobre a criança, obrincar é tambémestratégia de inter-venção do clínicopara a melhora doscomportamentos dacriança.

O brincar pode serum procedimentoclínico para ensinarnovos comporta-mentos ou modificarcomportamentos jáexistentes no reper- tório da criança.

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Clínica analítico-comportamental 247

Modelação

Uma vez que a criança esteja exposta à pre-

sença do clínico, isso significa que, a todomomento, suas res-postas podem fun-cionar como antece-dentes para a criançaimitá-las, mesmo queele não tenha plane-

 jado isso. Tendo esteponto em vista, o clínico precisa atentar paracomo deve se portar diante da criança, pois

pode modificar contingências via modelação.Sua postura, longe de ser estanque, va-ria em função de características de cada crian-ça que está sendo atendida. Ao brincar comuma criança com dificuldades para perder no

 jogo, por exemplo, o clínico, ao perder, podedar um modelo do tipo: “Que raiva! Eu odeioperder! Vamos jogar de novo? Quero uma re-vanche...”. Assim, valida os sentimentos cor-relatos dessa contingência (a raiva), mas de-

monstra uma reação diferente da agressivida-de ou da birra (o tentar novamente). Emoutro caso, ao atender uma criança comTOC, excessivamente organizada e limpa, elepode, propositalmente, sujar-se com tintas,esquecer os brinquedos jogados “para juntardepois”, e assim por diante.

Esvanecimento (fading )

O princípio do esvanecimento é o acréscimoe/ou a retirada gradual de estímulos antece-dentes em uma contingência, com vistas atransferir o controle de uma resposta de um es-tímulo para outro. Esse princípio deve ser lem-brado constantemente pelo clínico infantil,porque minimiza a probabilidade de esquivada criança frente a temas ou interações maisaversivos, quando colocados gradualmente.

Uma criança com dificuldades de apren-dizagem, por exemplo, pode recusar-se a fazer

tarefas escolares em sessão, mas pode aceitarmais facilmente jogos que contenham algu-mas letras, que, aos poucos, podem ser subs-

tituídos por desenhos com frases explicativas,e estes pelo uso de uma lousinha para brincar,até o ponto em que se engaje nestas tarefasem seu caderno, com o clínico. A resposta deengajar-se em atividades escolares passa docontrole do estímulo “brinquedo” para o estí-mulo “caderno”.

Modelagem

O esvanecimento dos estímulos antecedentesé uma estratégia que não deve ser desvincula-da da modelagem. O principal requisito paraum bom processo de modelagem é a habili-dade do clínico para atentar para respostasadequadas da criança. Parece fácil, mas, nãoraro, essas respostas ocorrem em baixa fre-quência, ou, ainda, pertencem à classe decomportamentos que se pretende instalar,mas não correspondem exatamente ao com-

portamento final esperado.Vamos supor uma criança opositora

que quase não relata eventos do cotidiano –isso costuma ser um desafio para o clínico.Mas, eventualmente, ela emitirá pequenos ebreves relatos. Ainda que não relate sobreseus problemas, seus sentimentos e seus rela-cionamentos (resposta final esperada), elapoderá falar algo bastante simples, como “eutinha um carrinho como esse, mas quebrou”,

durante uma brincadeira. Essa pequena falapertence à classe geral de “relatos”, e, se oclínico estiver atento e ficar sob controledesta análise, poderá reagir à tal fala demodo diferente.

Outra questão que se coloca na modela-gem diz respeito a qual consequência o clíni-co apresenta na tentativa de reforçar respostasda criança. Elogios devem ser emitidos commuita ressalva, pois não necessariamente sãoreforçadores, além de serem excessivamente

O clínico precisaatentar para comodeve portar-sediante da criança,pois pode modificarcontingências viamodelação.

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248  Borges, Cassas & Cols.

artificiais. O clínico pode testar a eficácia(pela reação da criança) de diversas conse-quências, como, por exemplo: um olhar mais

atento, uma simples interjeição exclamativa,rir com a criança, fazer uma autorrevelaçãoconcordando com ela, descrever de forma au-têntica seus sentimentos ou simplesmentedeixar as consequências intrínsecas agirem.Sobre este último item, por exemplo, se umacriança ajuda a guardar os brinquedos, a con-sequência intrínseca é ter a sala arrumada; seuma criança conversa, a consequência intrín-seca é o interlocutor manter-se interessado e

ouvindo.

Bloqueio de esquiva

O bloqueio de esquiva, ao mesmo tempo emque se constitui em uma consequência paraas esquivas da criança, é estímulo discrimina-tivo para a emissão de respostas alternativasque seriam, então, reforçadas na modelagem.Na brincadeira, o clínico pode bloquear as es-

quivas da criança de forma direta e clara, oupor meios mais criativos e/ou sutis. No pri-meiro caso, quando uma criança desiste deuma brincadeira difícil, ele pode dizer: “Nãovale desistir. Eu te ajudo, você vai conseguir”.Ou pode reexplicitar certas regras, como:“Nós só podemos jogar o próximo jogo seterminarmos esse, lembra?”. No segundocaso, ele pode desafiar a criança (“Duvidoque você jogue de novo!”), utilizar fantasia

(“O meu bonequinho não desistiu... vou per-guntar se o seu quer jogar mais... ‘você quer

 jogar mais?’... olha, acho que ele quer...”), eassim por diante.

No bloqueio de esquiva, o clínico nãopode deixar de aten-tar para o nível de di-ficuldade da ativida-de. Ora, se a criançaestá se esquivando, é

porque:

a) está na presença de um estímulo que é, dealguma forma, aversivo (e esquivar-se é re-forçado negativamente) e/ou

b) no dia a dia, ela é reforçada positivamentepelas suas tentativas de livrar-se de ativi-dades (caso receba, por isso, mais aten-ção), e está repetindo esta resposta .

Em ambos os casos, a princípio, o clíni-co pode diminuir o nível de exigência da ati-vidade, ajudando a criança a completá-la, oque já seria uma resposta alternativa a ser re-forçada.

> CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme exposto, os principais objetivos dobrincar em terapia poderiam ser resumidosem:

a) promover uma boa relação terapêutica;b) realizar a avaliação funcional dos compor-

tamentos da criança, ao identificar variá-veis relevantes no aparecimento e manu-tenção da queixa;

c) estabelecer procedimentos de intervençãoque fortaleçam certos comportamentos eenfraqueçam outros.

Não há uma regra ou padrão fixo a res-peito do tempo que o clínico deva gastar eminterações lúdicas. Com algumas crianças, o

clínico pode optar por utilizar mais jogos es-truturados (cujas falas, com maior probabili-dade, corresponderiam a Brincadeira-Lúdico).Com outras, pode engajar-se em atividadesde fantasia com bonecos (Fantasia-Lúdico).Com outras, ainda, pode investir em intera-ções verbais sem recurso do brincar (Não Lú-dico), podendo inclusive não brincar em ne-nhum momento – embora talvez isso sejamais raro. Se uma criança “brinca muito” ou“brinca pouco”, nenhum dos padrões é certo

No bloqueio deesquiva, o clíniconão pode deixar deatentar para o nívelde dificuldade da

atividade.

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Clínica analítico-comportamental 249

ou errado em si, masa depender da análisefuncional realizada.

 Ao brincar, sãoestabelecidas oportu-nidades para a crian-ça emitir comporta-mentos clinicamenterelevantes, no sentidodefinido por Kohlen-berg e Tsai (2001).Estabelecer a relaçãoentre o brincar e os

comportamentos cli-nicamente relevantesda criança é útil para

a compreensão de particularidades das sessõesde atendimento (Conte e Brandão, 1999). As-sim, a ocorrência de “comportamentos-queixa”e “comportamentos de melhora” parece sermais frequente durante momentos de brinca-deira, na terapia. A brincadeira é, possivelmen-te, uma situação mais próxima ao contexto na-

tural de vida fora da sessão e também de emis-são dos comportamentos-alvo, o que permiteao clínico agir diretamente e de forma contin-gente sobre estas relações.

Por fim, queremos destacar que o clíni-co infantil não deve minimizar a importânciade interações sem brincar com a criança. As-sim como ensinar a brincar (em geral, é im-portante para a criança interagir dessa formacom colegas e amigos), ensinar a conversar

também é importante, por se constituir emum repertório indispensável para a interlocu-ção especialmente com adultos (pais, profes-sores e outros), que têm grande poder de re-forçar ou punir suas respostas. É provável quemuitas crianças apresentem diversos proble-mas de comportamento, em parte porquenão estão sendo capazes de dialogar – sejaporque não aprenderam esse repertório, sejaporque esse repertório não é suficientementereforçado no contexto em que elas vivem.

Sendo assim, ensinar a criança a brincar etambém a “simplesmente conversar” podemser objetivos básicos e gerais de qualquer

atendimento em clínica infantil.

> NOTAS

  1. Rapport , do francês, significa “harmonia”, “confian-ça”, “segurança”, “compreensão”. Construir o rap-

 port , portanto, significa que o clínico deve se com-portar de modo que sua relação com o cliente, desdeo início de um processo de terapia, alcance essas ca-racterísticas.

  2. Tatos são respostas verbais, ocasionadas por estímu-los antecedentes não verbais, que produzem comoconsequência um reforço generalizado. Para mais,veja o Capítulo 6.

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Os principaisobjetivos do brincarem terapia poderiamser resumidos empromover uma boarelação terapêutica;realizar a avalia-ção funcional doscomportamentos dacriança, ao identi-ficar variáveis rele-vantes no apareci-mento e manutençãoda queixa e estabe-lecer procedimentosde intervenção quefortaleçam certoscomportamentos eenfraqueçam outros.

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Um dos postulados básicos da análise docomportamento assume que o comporta-mento dos indivíduos é produto da interaçãoorganismo-ambiente, sendo ambos constan-temente mutáveis e sujeitos a influências recí-procas. Assim sendo, qualquer que seja o con-texto em que o analista do comportamentoatue, ele sempre buscará identificar e alteraressas relações a fim de atingir os objetivos aque se propõe: formativos (educação); reme-diativos e/ou preventivos (saúde), através doestabelecimento e/ou alteração das contin-gências de reforçamento.

Decorrente desse pressuposto, o atendi-mento clínico a crianças sempre incluiu in-tervenção direta junto à família e/ou junto aoutros cuidadores1 ligados à criança, uma vezque parte fundamental do ambiente em queesta se encontra inserida é a própria família.Entretanto, o modo de inserção da família no

processo clínico dacriança tem variadoconsideravelmente.

 As primeirasintervenções junto àpopulação infantiladotavam, predomi-nantemente, o deno-minado “modelo tri-ádico” de interven-ção, segundo o qualo terapeuta compor-tamental (modificador de comportamento,conforme nomenclatura predominante naépoca) tinha contato direto exclusiva ou prio-ritariamente com a família e demais agentesque conviviam com a criança (avós, babás,etc.); o trabalho se desenvolvia através dotreinamento desses agentes para que, em seucontato com a criança, manipulassem variá-

  A importância da 28 

participação da famíliana clínica analítico--comportamental infantil

Miriam Marinotti

ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  Objetivos da inclusão da família no processo clínico da criança.>

  A coleta de dados junto à família.>

  A participação dos pais na elaboração da avaliação funcional.>

  As sessões com a família visando mediar conflitos.>

  Desafios e limites do trabalho com a família.

Por acreditar quecomportamentoé a relação entreorganismo e ambien- te, o atendimentoclínico de criançasinclui intervençõescom familiares e/oucuidadores, uma vezque estes são parteconstituinte do am-biente mantenedordos comportamentosda criança.

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veis relevantes para a modificação doscomportamentos-alvo da intervenção. Nessemodelo, era frequente o profissional não ter

contato direto com a criança e ter acesso aosdados através de relatos e registros feitos pelos“mediadores”.2

Entretanto, esse modelo mostrou-se li-mitado em vários casos e passou-se a intervirdiretamente junto à criança (em consultórioe/ou ambiente natural), sem, entretanto,abrir mão do contato frequente e sistemáticocom os pais e demais pessoas relevantes para aevolução do caso.

De um modogeral, podemos dizerque a natureza e in-tensidade do envolvi-mento da família têmvariado à medida quea área se desenvolveue dependem das pe-culiaridades do casoem questão.

Os objetivos,estratégias, desafios ecuidados mais co-muns envolvidos nocontato com os paissão descritos a seguir.Não seria possível tra-tar do assunto de for-ma exaustiva, ou mes-mo aprofundada, no

espaço deste capítulo. Assim sendo, limitar--nos-emos a destacaraqueles aspectos maiscomuns e generalizá-veis do atendimentoà família. Muitas situ-ações particulares,tanto relativas à crian-ça quanto à constitui-

ção e dinâmica fami-liares, exigem aborda-

gens específicas que não poderão ser contem-pladas neste trabalho.

> OBJETIVOS

O papel da família no processo terapêutico dacriança será definido a partir de objetivos co-muns a qualquer processo terapêutico, bemcomo das peculiaridades do caso em questão.

 Ao abordar o processo terapêutico,Skinner (1974/1995) afirma: “A terapia bem--sucedida constrói comportamentos fortes,

removendo reforçadores desnecessariamentenegativos e multiplicando os positivos”(p.114-115).

Para chegar a esse resultado, necessita-mos, dentre outras coisas:

a) identificar e minimizar contingências aver-sivas;

b) promover variabilidade comportamental;c) desenvolver um repertório de comporta-

mentos alternativos desejáveis sob controlede contingências basicamente positivas. Assim sendo, a orientação à família de-

verá, de alguma forma, auxiliar-nos nesta ta-refa.

Coleta de dados

O contato com a fa-mília nos fornece inú-

meros dados relevan-tes ao longo de todo oprocesso.

Inicialmente,levantamos junto àfamília a queixa e ohistórico do “proble-ma”: origem; atribui-ções feitas pelosmembros da família

e pela criança (porexemplo: que hipóte-

Há várias razões pe-las quais o contatodireto do profissionalcom a criança semostra fundamental,devido à capacita-ção técnica desseprofissional para:1. identificar senti-

mentos, repertó-rios e variáveisrelevantes para o

caso, dados essesfundamentais,inclusive, para aorientação aospais;

2. estabelecer umambiente dife-renciado e nãopunitivo que faci-litará a redução/eliminação decomportamentos“inadequados” e

a instalação denovos repertórios,sob condições(predominante-mente) positivas;

3. planejar, imple-mentar e avaliarsequências deensino para reper- tórios específi-cos, como, porexemplo, reper- tórios cognitivos,

verbais, motoresou acadêmicos.

É importantelembrar que aqueixa apresentadapela família muitasvezes não coincidecom o “problema”propriamente dito.

Ou seja, a avaliaçãofeita pelo clínicofrequentementerevela aspectos nãoidentificados pelafamília, aspectosestes que podemcomplementar aqueixa inicial, oumesmo indicar queas questões básicasdiferem significa- tivamente do que

a família concebecomo “problema”.

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Clínica analítico-comportamental 253

ses/concepções os diferentes membros da fa-mília têm acerca da origem e manutenção do“problema”; se os pais apresentam o proble-

ma como localizado na criança e têm uma ex-pectativa de que o processo envolverá apenasa ela ou se se consideram inseridos na situa-ção); tentativas de solução já implementadas,etc. Buscamos, então, descrições mais deta-lhadas das situações em que os comporta-mentos-queixa ocorrem:

 1. quais as consequências para a criança e de-mais pessoas envolvidas,

 2. bem como identificação de situações emque esses comportamentos não ocorreme/ou nas quais comportamentos alternati-vos adequados são observados.

Com isso, já podemos ter uma primeiraideia de quão sensíveis os pais estão ao com-portamento da criança: eles identificam econsequenciam instâncias “positivas” ou ape-nas reagem a comportamentos-problema?

Levantamos, ainda, as expectativas que ospais apresentam em relação à terapia: ambosconcordam que existe um problema e reco-nhecem a terapia como um recurso legítimopara tentar solucioná-lo? Já participaram ouacompanharam processos terapêuticos de ou-tras pessoas? Como imaginam que transcorratal processo? A partir desse conjunto de infor-mações, poderemos estimar a disponibilidade

dos pais para se enga-

 jarem no processo eliberarem consequên-cias “positivas” con-tingentes a comporta-mentos desejáveis dacriança, como reaçõesde aceitação, aprova-ção, etc.

Também deve-mos utilizar as pri-

meiras sessões comos pais para pesquisar

dados de gestação e parto; desenvolvimentoda criança, considerando diferentes repertó-rios: motor, cognitivo, verbal, socioemocio-

nal, acadêmico, etc. Solicitamos, ainda, in-formações acerca de fatos “marcantes” quepossam ter ocorrido com a família e/ou coma criança, como nascimento de irmãos; mu-danças: separação dos pais, mudanças de es-cola ou cidade; doenças e/ou mortes na famí-lia; alterações financeiras bruscas; acesso ouperda abrupta ou acentuada de reforçadores.No caso de crianças que já frequentam a esco-la, é importante pesquisar o histórico escolar:

com que idade a criança foi pela primeira vezpara a escola; quais razões levaram os pais aoptar por determinada escola e pelo momen-to de ingresso na mesma; como foi a adapta-ção da criança (tanto social quanto pedagogi-camente); mudanças de escola: motivos, par-ticipação da criança na decisão, reação dacriança à(s) nova(s) escola(s); condição dacriança na escola atual, etc.

Hábitos, rotina, valores e práticas fami-

liares também são aspectos que devem serpesquisados: qual a rotina da criança; crité-rios e práticas disciplinares: o que lhe é per-mitido, o que é considerado inadequado ouinadmissível; práticas disciplinares: como ospais reagem a comportamentos que julgamadequados ou inadequados; práticas puniti-vas utilizadas; concordâncias e discordânciasentre os pais relativas ao que deve ser permi-tido, estimulado ou coibido; concordâncias e

discordâncias em relação a práticas punitivasou de consequenciação positivamente refor-çadoras; como são administradas as discor-dâncias entre os pais, em especial no que serefere à educação dos filhos, etc.

Por outro lado, a manutenção do conta-to com a família durante todo o processo pro-vê informações complementares acerca dosaspectos até aqui discutidos ou acerca de ou-tros ainda não abordados, ao mesmo tempoem que nos informa sobre a intervenção eseus possíveis resultados: aplicação de proce-

A partir do conjuntode informações cole- tado nas entrevistasiniciais, poderemosestimar a disponibi-lidade dos pais parase engajarem noprocesso e liberaremconsequências “po-sitivas” contingentesa comportamentosdesejáveis da crian-ça, como reações de

aceitação, aprova-ção, etc.

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dimentos sugeridos; alterações observadas;necessidade de alteração nos procedimentosou inclusão de novas variáveis, etc.

Avaliação funcional

 A intervenção propriamente dita será baseadana avaliação funcional do caso em questão.Essa avaliação ocorrerá durante todo o pro-cesso terapêutico, originando hipóteses queserão testadas, bem como procedimentos aserem implementados, avaliados, reformula-dos e/ou substituídos, a depender dos resulta-

dos obtidos. A participação dos pais nesse processo é

fundamental: pro-gressos terapêuticos,bem como sua ma-nutenção e generali-zação, dependerão,em grande parte, demodificações na in-teração direta dos

pais com a criança,bem como de altera-ções que estes pro-movam em sua roti-na, condições de esti-

mulação e esquemas de reforçamento.Para tanto, é importante que o clínico

não se limite a instruir os pais sobre como de-vem proceder. A orientação de pais que se res-tringe a fornecer instruções a serem seguidaspor eles apresenta várias limitações, dentreelas:

a) desconhecendo a fundamentação subja-cente à intervenção proposta, os pais terãomaior dificuldade em seguir as instruçõesdo clínico;

b) mesmo que consigam seguir as instruções,eles provavelmente não estarão sob con-trole da função de seus comportamentos e

dos comportamentos da criança (mas sim

de sua topografia), o que impede umaatuação eficiente de sua parte; e

c) os pais tendem a ficar muito dependentes

do clínico para lidar com situações novase imprevistas, o que retarda o avanço docaso, dificulta a generalização dos ganhose a prevenção de novos problemas.

Pelos motivoslistados anteriormen-te, consideramos fun-damental que os paisparticipem ativamen-

te da avaliação fun-cional, juntamentecom o clínico. Não énossa pretensão tor-ná-los especialistasem análise do com-portamento, porém, é necessário que compre-endam os princípios com os quais trabalhamose a relação destes com os procedimentos pro-postos. Além disso, é importante que partici-

pem, com o clínico, das decisões tomadas du-rante o processo, maximizando, desta forma, aprobabilidade de encontrarmos alternativas deintervenção com as quais os pais concordem enas quais se engajem.

Em síntese, aotrabalhar com ospais, pretendemosmais do que levá-losa seguir instruções

mecanicamente; nos-sa pretensão incluitorná-los melhoresobservadores, colocá--los sob controle dis-criminativo mais efi-ciente e desenvolverhabilidades de solu-ção de problemas ede tomada de decisão

que facilitem o ma-

Progressos terapêu- ticos, bem como suamanutenção e ge-neralização depen-derão, em grandeparte, de modifica-ções na interaçãodireta dos pais coma criança, bem como

de alterações queestes promovam emsua rotina, condi-ções de estimulaçãoe esquemas dereforçamento.

Ao trabalhar com ospais, pretendemosmais do que levá-losa seguir instruçõesmecanicamente;

nossa pretensãoinclui torná-losmelhores observado-res, colocá-los sobcontrole discrimina- tivo mais eficiente edesenvolver habi-lidades de soluçãode problemas e de tomada de decisãoque facilitem omanejo de situaçõesrelativas à educação

de seus filhos.

Os pais são convida-dos a participaremativamente daavaliação funcionale das decisõesclínicas, pois “a

orientação de paisque se restringe afornecer instruçõesa serem seguidaspor eles apresentavárias limitações.

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Clínica analítico-comportamental 255

nejo de situações relativas à educação de seusfilhos.

Para tanto, as sessões com os pais ten-

dem a abordar aspectos bastante diversos, taiscomo: refinamento de habilidades de obser-vação; aprimoramento da descrição de situa-ções cotidianas, priorizando o discurso exter-nalista (identificação das relações indivíduo--ambiente) sobre o mentalista (atribuição docomportamento a eventos internos: vontade,sentimentos, traços de personalidade, etc.);identificação de contingências controladorasdo comportamento da criança, bem como do

comportamento dos próprios pais, irmãos,professores e demais pessoas relevantes; pro-posição de intervenções a serem implementa-das e monitoração das mesmas; aprimora-mento de habilidades de comunicação (pais--clínico; pais-criança; mãe-pai); aprimo-ramento do controle discriminativo (vide oexemplo descrito no próximo parágrafo); mo-delagem e modelação de comportamentosadequados aos objetivos e evolução do caso,

etc. A formação do clínico, juntamente com

o tipo de relação propiciado pelo contexto te-rapêutico (sigilo; ambiente não punitivo; ofato de o clínico não fazer parte das relaçõescotidianas da criança, etc.), favorece a identi-ficação de variáveis sutis relacionadas ao com-portamento do cliente, variáveis essas de difí-cil detecção por parte dos pais. Assim, parte

do que fazemos em

nosso contato comos pais é “traduzir”para eles sentimen-tos, necessidades, di-ficuldades ou avan-ços da criança, deforma que possamcompreender a análi-se realizada ou a in-tervenção sugerida/implementada. Para

ilustrar: é comum que as crianças exibamprogressos na direção desejada pela interven-ção sem que pais ou professores se deem con-

ta disso, pelo fato de os avanços serem aindadiscretos em relação ao que é esperado. Porexemplo, uma criança que se encontra ematendimento devido a dificuldades escolarespode apresentar avanços relativos a seu reper-tório acadêmico sem que estes, ainda,reflitam-se em suas notas. Ou, para umacriança hiperativa, o fato de conseguir termi-nar as atividades, apesar de a qualidade aindadeixar muito a desejar, já constitui um avanço

que merece ser notado e consequenciado. Éimportante que o clínico esteja atento e possamostrar aos pais os progressos ocorridos, ex-plicitando que, embora muito aquém do de-sejado, esses já cons-tituem passos na di-reção estabelecida edevem ser valoriza-dos.

 Analogamente,

é frequente o clínicoter acesso a necessi-dades da criança queos pais ignoram.Quando o clínico

 julgar relevante dis-cutir este assunto com os pais, poderá fazê-lo,desde que observando cuidados éticos relati-vos ao sigilo e proteção da criança.

Mediação de conflitos etomada de decisão

 As sessões com a família tendem a variar bas-tante, a depender das características da crian-ça e da família; o momento do processo tera-pêutico; objetivos específicos daquela sessão,etc. Assim, podem ser realizadas sessões comambos os pais ou somente com o pai ou coma mãe; da mesma forma, outros membros dafamília (irmãos, avós) podem ser convocados,

Parte do quefazemos em nossocontato com os pais,é “traduzir” paraeles sentimentos,necessidades, difi-culdades ou avançosda criança, de formaque possam com-preender a análiserealizada ou a inter-venção sugerida/

implementada.

É frequente o clínico ter acesso a neces-sidades da criançaque os pais ignoram.Quando o clínicojulgar relevante

discutir este assuntocom os pais, poderáfazê-lo, desde queobservando cuida-dos éticos relativosao sigilo e à prote-ção da criança.

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com a anuência da criança e dos pais; alémdisso, a criança também poderá estar presenteem alguma destas sessões, se houver indica-

ção para tanto. A realização de uma sessão conjunta –criança e algum(ns)membro(s) de sua fa-mília – pode atendera propósitos taiscomo: a criança con-tar ou dizer alguma“coisa difícil” paraesta outra pessoa,

com o auxílio do clí-nico; facilitar umacordo entre a criança e alguém de sua famíliaem situações de impasse ou muito desfavorá-veis para a criança, etc.

 A ocorrência destas sessões poderá sur-gir a partir de solicitação da própria criança,dos pais ou por sugestão do clínico. Para quetais encontros tenham alta probabilidade deserem bem-sucedidos, é fundamental que:

a) estejam claros, para todos os participan-tes, os objetivos do encontro;

b) todos os participantes concordem com omesmo;

c) o clínico considere que o encontro temalta probabilidade de ser bem-sucedido;

d) o clínico tenha segurança de que a criançanão corre qualquer risco ao se expor a esteencontro;

e) o clínico prepare a criança informando,antecipadamente, qual o conteúdo a serdiscutido, qual a melhor postura a seradotada pela criança e o tipo de interven-ção que o clínico se propõe a fazer ounão.

De um modo geral, o papel do clíniconesse tipo de sessão é o de mediador, buscan-do facilitar a comunicação entre a criança e o

seu interlocutor, evitando que a discussão de-rive para brigas ou ofensas e direcionando a

discussão a fim de sechegar a um acordoao final da sessão.

Sessões conjuntascom a criança, mem-bros de sua família eclínico podem signi-ficar um ganho im-portante para o pro-cesso, pois modelamrepertórios de intera-ção mais adequadose direcionados à re-

solução de conflitos que podem ser generali-zados para o cotidiano da família.

> DESAFIOS E LIMITES DOTRABALHO COM A FAMÍLIA

Se, por um lado, o acesso que o clínico infan-til tem a componentes fundamentais do am-biente da criança (como a família e a escola)

constitui uma vantagem da intervenção tera-pêutica com crianças em relação ao trabalhoclínico com adultos, por outro lado, tal fatonos coloca diante de questões e desafios con-sideráveis.

Um primeiro desafio é o clinico ganhar aconfiança da criança e de cada um de seus pais,ao se iniciar o processo. Segundo Skinner:

O poder inicial do terapeuta como agente

controlador se origina do fato de que a condi-ção do paciente é aversiva e de que, portanto,qualquer promessa de alívio é negativamentereforçadora [...] As promessas de auxílio, vá-rios indícios que tornam essas promessas efica-zes, o prestígio do terapeuta, relatos de melho-ra em outros pacientes, ligeiros sinais de me-lhora no próprio paciente, tudo entra noprocesso [...] Tudo considerado, entretanto, opoder inicial do terapeuta não é muito grande.Como o efeito que ele deve conseguir requertempo, sua primeira tarefa é assegurar-se deque haverá tempo disponível (Skinner,1953/1994, p. 349).

A ocorrência desessões conjuntasentre a criança ealgum(ns) membro(s)do convívio da crian-ça poderá surgir apartir de solicitaçãoda própria criança,dos pais ou por

sugestão do clínico.

Sessões conjuntascom a criança,membros de sua fa-mília e clínico podem

significar um ganhoimportante para oprocesso, pois mo-delam repertórios deinteração mais ade-quados e direciona-dos à resolução deconflitos que podemser generalizadospara o cotidiano dafamília.

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Clínica analítico-comportamental 257

Ou seja, nossa primeira tarefa é fazercom que os clientes se mantenham no atendi-mento. No caso da clínica infantil, isso signi-

fica que o clínico deverá se tornar reforçador,simultaneamente, para a criança e para seuspais. Considerando-se que, via de regra, não é

a criança quem buscao atendimento, massim seus pais (even-tualmente “pressio-nados” pela escola e/ou por outros profis-sionais, como médi-

cos, fonoaudiólogosou professores parti-culares), nem sempreessa é uma tarefa fácil

por envolver indivíduos que tendem a estarsob controle de aspectos diferentes, quandonão antagônicos, da situação.

É comum existirem divergências quantoà existência e/ou natureza do problema e quan-to aos recursos que cada um considera válidos

como tentativas de solução para o mesmo. As-sim, por exemplo, os pais podem concordarcom a necessidade de um atendimento psico-lógico a uma criança excessivamente tímidaporque temem consequências de médio e lon-go prazos, se a criança continuar a exibir difi-culdades de interação social; entretanto, a pró-pria criança pode se posicionar contra o aten-dimento, porque o custo imediato de fazerfrente às suas dificuldades se sobrepõe às even-

tuais dificuldades que já esteja encontrando ouvenha a encontrar. Ou a mãe pode concordarcom o atendimento e o pai considerar que oproblema todo seria resolvido “se a mãe fossemenos mole com a criança”, sem necessidadede intervenção profissional. Inúmeras outrassituações poderiam ser citadas; o que elas têmem comum é a demanda de que o clínico cui-de destas divergências em seu trabalho com acriança e sua família.

Do ponto de vista estratégico, o trabalhoclínico com crianças também exige repertório

diversificado do pro-fissional. Estratégiasverbais que poderão

ser eficazes (ou sufi-cientes) em seu con-tato com os pais, comfrequência, mostrar--se-ão inapropriadasou insuficientes notrabalho com a crian-ça. Para programar intervenções eficientes jun-to à criança, é importante que o clínico consi-dere seu nível de desenvolvimento (verbal,

motor, cognitivo, acadêmico), bem como vari-áveis motivacionais. Atividades plásticas, gráfi-cas, lúdicas, dramatizações, leitura e elabora-ção de histórias, discussão de desenhos e fil-mes, uso de fantasia, etc.3, podem mostrar-sealiados úteis no trabalho com a criança, desdeque o clínico as utilize tendo clareza do objeti-vo a que se prestam e que esteja familiarizado eà vontade com o seu uso.

Conforme já apontado, o contato si-

multâneo com a criança e com seus pais im-põe ao clínico cuidados éticos adicionais, quesão importantes demais para não serem men-cionados aqui, porém, impossíveis de se abor-dar em espaço tão restrito. Assim sendo,limitar-nos-emos a destacar o cuidado que oclínico deve ter em relação ao sigilo das infor-mações obtidas junto às diferentes fontes,bem como ao esforço contínuo para evitar ex-posição da criança que a coloque em situação

embaraçosa ou de risco.Finalmente, é importante assinalar que,

embora o trabalho com os pais constitua par-te integrante do processo clínico da criança,nem sempre a orientação aos pais é suficientepara obtermos as mudanças desejadas. De-pendendo das características e dificuldadesapresentadas pelo casal e/ou pela família, tra-balhos alternativos ou complementares po-dem ser indicados. Por exemplo, um casalque esteja passando por uma crise devido àinfidelidade de um dos membros poderá ser

Nossa primeira tarefa é fazer comque os clientesse mantenham noatendimento. Nocaso da clínicainfantil, isso significaque o clínico deverá

se tornar reforçador,simultaneamente,para a criança epara seus pais.

Para programarintervenções eficien- tes junto à criança,

é importante que oclínico considereseu nível de desen-volvimento (verbal,motor, cognitivo,acadêmico), bemcomo variáveismotivacionais.

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melhor atendido nocontexto de processoclínico de casal; a de-

pender das caracte-rísticas do caso, oprocesso clínico dacriança pode sermantido ou suspen-so. Caso seja manti-

do, a orientação de pais continuará a ocorrere terá sua eficácia potencializada se os doisprofissionais (responsáveis pelo atendimentoda criança e do casal) conseguirem integrar

seu trabalho. Da mesma forma, se um dosmembros do casal apresentar comprometi-mentos tais que o impeçam de se engajar noprocesso da criança, uma alternativa interes-sante será aliar o trabalho clínico individualdo pai ou da mãe ao atendimento infantil.Há casos, ainda, em que o clínico pode julgarque o trabalho mais indicado envolveria o en-gajamento de toda a família, propondo, as-sim, um trabalho clínico familiar como alter-

nativa ao trabalho apenas com a criança.

> NOTAS

  1. Boa parte das colocações apresentadas neste textoaplicam-se tanto aos pais quanto a outros cuidado-res com quem a criança convive com frequência e/ou dos quais depende material, legal ou emocional-mente. Entretanto, para maior concisão do texto,optamos por mencionar apenas “família”, deixandoimplícita a validade dos argumentos para outrosadultos significativos de seu meio.

  2. Para uma análise mais detalhada das mudanças his-tóricas ocorridas na terapia comportamental infan-til, ver o artigo publicado por Regra (2000).

  3. Para esse assunto, sugere-se a leitura dos Capítulos26 e 27.

> REFERÊNCIAS

Regra, J. (2000). Formas de trabalho na psicoterapia infan-til: Mudanças ocorridas e novas direções. Revista Brasileirade Terapia Comportamental e Cognitiva , 2 (1), 79-101.

Skinner, B. F. (1994). Ciência e comportamento humano. (9.ed.). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publi-cado em 1953)

Skinner, B. F. (1995). Questões recentes na análise comporta-mental . Campinas: Papirus (Trabalho original publicadoem 1989)

Dependendo dascaracterísticas edificuldades apre-sentadas pelo casal

e/ou pela família, trabalhos alternati-vos ou complemen- tares podem serindicados.

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ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  O trabalho clínico com grupos.>

  Modelação como forma de aprendizagem.>

  Modelação e ensaio comportamental como procedimentos de intervenção.>

  O trabalho clínico com casais.>

  O trabalho clínico com famílias.

  O trabalho da análise do 29 

comportamento com grupos:possibilidades de aplicaçãoa casais e famílias

Maly DelittiPriscila Derdyk

Os nossos ancestrais obtinham alimentos(possíveis estímulos apetitivos) e fugiam ou seesquivavam dos perigos e intempéries da na-tureza (possíveis estímulos aversivos) de modomais eficiente quando em grupo do que quan-do estavam sozinhos. A vida em grupo facili-tou a sobrevivência para a espécie humana,

isto é, os comportamentos relacionados a vi-ver com outros indivíduos foram seleciona-dos na história do homem. O modelo da aná-lise de comportamento leva em consideraçãoa interação como inerente à própria definiçãode comportamento. Sidman (1995) afirmaque:

O comportamento não ocorre em um vácuo.Eventos precedem e seguem cada uma de nos-sas ações. O que fazemos é fortemente contro-lado pelo que acontece a seguir – pelas conse-quências da ação. Provavelmente, a mais fun-

damental lei da conduta é: consequênciascontrolam comportamentos.

Na situação de grupo terapêutico, a in-teração social entre os indivíduos promoveauto-observação, autoconhecimento, mudan-ças nos indivíduos e, consequentemente, no

próprio grupo. O processo clínico em grupoproduz interações sociais cujo produto é umamudança de compor-tamento estabelecidapela demanda dospróprios participan-tes. Nessas situações,trabalha-se para queo cliente aprenda aobservar os determi-

nantes de seus com-portamentos, ou seja,

Na situação degrupo terapêu- tico, a interaçãosocial entre osindivíduos promoveauto-observação,autoconhecimento,mudanças nos indiví-duos e, consequen-

 temente, no própriogrupo.

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de quais variáveis estes são função. O ambien-te de grupo clínico é rico em estímulos dife-rentes, o que pode facilitar a emissão de com-

portamentos clinicamente relevantes – CRBs(Kohlenberg e Tsai, 2001), e, por ter maior se-melhança com o ambiente natural,1 a genera-lização também pode ser facilitada. O fato deos integrantes do grupo consequenciarem unsaos outros, e não só o clínico, e as possibilida-des de aliança entre clientes são outros fatoresque aumentam a probabilidade de eficácia dotrabalho em grupo.

Uma característica da abordagem analí-

tico-comportamental que aumenta sua eficá-cia e que fica evidente no trabalho com gru-pos é o seu aspecto pedagógico ou instrucio-

nal. O clínico podeensinar a seus clien-tes sobre princípiosdo comportamentocom o objetivo detorná-los capazes deidentificarem as rela-

ções existentes entreseus comportamen-

tos e consequências, descreverem contingên-cias e construírem suas próprias regras. Na re-alidade, os resultados mais duradouros e ge-neralizados são obtidos quando o clienteaprende a analisar as contingências envolvi-das em suas queixas. Ensinar avaliação fun-cional ao cliente é um dos melhores procedi-

mentos clínicos, já

que o indivíduo queaprendeu a identifi-car o que controlaseus comportamen-tos fica mais livrepara analisá-los emodificá-los, inde-pendentemente deseu analista.2  Caberessaltar, no entanto,

que, para que essa estratégia seja efetiva, é ne-cessário adequar a linguagem e utilizar exem-plos da vida dos clientes, sem a preocupação

de utilizar termos técnicos que podem ser dedifícil entendimento para algumas pessoas.No grupo, as regras decorrentes da história devida dos diferentes indivíduos podem ser evi-denciadas, questionadas e utilizadas comomodelos para desenvolvimento de novos re-pertórios.

Outra vantagem desta modalidade deatendimento decorre da possibilidade do re-forçamento ser diversificado e imediato. Re-

almente, os membros do grupo são capazesde prover uma fonte adicional de reforça-mento positivo social e uma preocupaçãocom a melhora de desempenho dos membrosdo grupo. O clínico não é mais o único deter-minante do comportamento dos clientes. Asituação grupal pode funcionar como um la-boratório no qual se experimenta novos com-portamentos e se desenvolvem novas formasde relacionamento. Os membros do grupo

proveem um reforço imediato para aquiloque se constitui em um comportamentoapropriado em dada situação. Além disso, osmembros do grupo podem experimentar no-vas formas de comunicação com outras pes-soas em situações que simulem mais proxi-mamente o mundo real (ambiente natural).Há uma ampla basepara modelação so-cial em grupos, e os

membros do grupopodem facilitar aaquisição e a manu-tenção de comporta-mentos socialmenteaprovados. Em umgrupo analítico-comportamental, cada parti-cipante tem a possibilidade de se comportarcomo líder ou de ensinar papéis para outrosmembros do grupo. Se um dos membros do

Uma caracte-rística da abor-dagem analítico--comportamentalque aumenta suaeficácia e que ficaevidente no trabalhocom grupos é o seuaspecto pedagógicoou instrucional.

Ensinar avaliaçãofuncional ao clienteé um dos melhoresprocedimentosclínicos, já que oindivíduo que apren-deu a identificar oque controla seuscomportamentos ficamais livre para anali-sá-los e modificá-losindependentementede seu analista.

Há uma ampla basepara modelação so-cial em grupos, e osmembros do grupopodem facilitar aaquisição, e a manu- tenção de comporta-mentos socialmenteaprovados.

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grupo tem habilidades que são valorizadaspor outros membros, pode ensiná-las para osoutros integrantes; ele pode ser convidado a

ajudá-los a obter as mesmas habilidades e, àmedida que aprende os conceitos e procedi-mentos, pode dar modelo para outros partici-pantes.

O primeiro passo em qualquer trabalhode aplicação consiste em fazer a avaliação ini-cial dos comportamentos. Muitos clientes co-meçam um processo clínico em grupo rela-tando suas queixas de modo genérico, porexemplo: “fico nervosa”, “sou retraído”, etc. A

tarefa do clínico será analisar tais queixas,descrevendo-as em termos de comportamen-tos específicos passíveis de observação (diretaou indireta) e de mudança. Além disso, a des-crição das contingências permitirá que sejamidentificadas as consequências advindas detais comportamentos, quer para o próprio in-divíduo, quer para as pessoas com quem eleinterage. Dois tipos de problemas têm sidodescritos na literatura: excessos e déficits com-

portamentais. Os excessos comportamentaisse referem àqueles comportamentos que sãoemitidos em frequência, duração ou intensi-dade muito alta ou em situações socialmenteinadequadas. Déficits de comportamento sãoos padrões de comportamento que não sãoemitidos na frequência, intensidade ou dura-ção necessária, da forma socialmente apro-priada ou fora de contextos reforçadores.Tanto os excessos quanto os déficits compor-

tamentais podem ocorrer com comporta-mentos, abertos ou encobertos, verbais ou

não verbais e, por-tanto, passíveis deanálise e intervençãosegundo os princí-pios da análise docomportamento. Emrelação aos chama-dos encobertos – tais

como pensamentos, sentimentos e respostasfisiológicas –, deve-se ressaltar que, na análiseclínica do comportamento, esses são conside-

rados comportamentos como quaisquer ou-tros: a única diferença é o acesso que o obser-vador externo tem a eles. Isto é, quando seconduz uma avaliação funcional, os encober-tos são analisados de acordo com suas fun-ções, examinando-se as variáveis de controlerelevantes. Por exemplo, um cliente diz: “Pen-so que eu sou um fracasso completo!”. Naperspectiva de análise comportamental, é pre-ciso compreender a função deste pensamento

e do relato do mesmo, examinando as contin-gências que o controlam. Quais são os ante-cedentes sob os quais este pensamento ocor-re? O que acontece quando o cliente relataeste pensamento? E, independentemente dorelato, como este pensamento se relacionacom outros comportamentos e contingênciasda vida da pessoa? Em quais situações é maisfrequente? Quais são as contingências de re-forço que mantêm tal pensamento e tal rela-

to?Na análise clínica do comportamento, a

mensuração e a avaliação fazem parte constan-te da prática e têm os seguintes objetivos:

a) identificar os comportamentos-alvo e ascircunstâncias que mantêm tais compor-tamentos;

b) auxiliar na seleção de uma intervençãoapropriada;

c) fornecer meios de monitoramento dosprogressos do tratamento;

d) auxiliar na avaliação da eficácia de uma in-tervenção.

 Após a avaliação inicial, o trabalho doclínico será criar condições que levem o clien-te a identificar as classes de contingências dereforçamento na sua história de vida que o le-varam a emitir aquele comportamento que

Tanto os excessosquanto os déficitscomportamentaispodem ocorrer comcomportamentosabertos ou encober- tos, verbais ou nãoverbais.

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ele relata lhe trazersofrimento (tem con-tingências aversivas).

 Além disso, será ne-cessário levar o clien-te a identificar quedevem existir, no seucotidiano, contin-gências que mantêmos padrões relatados

como problema, incluindo-se aí padrões defuga/esquiva. Finalmente, o clínico deve criarcondições para que o cliente, através de con-

trole por instruções ou regras, passe a emitircomportamentos que tenham grande proba-bilidade de serem reforçados no contexto so-cial.

Para executar o seu trabalho, o clínicoirá se utilizar dos princípios da análise docomportamento, ouvindo o relato verbal docliente acerca das situações de sua vida coti-diana e observando e interpretando os com-portamentos que são emitidos na sessão. Ko-

hlenberg e Tsai (1991) afirmam que “a obser-vação e interpretação de um terapeuta sobreum comportamento é uma função da históriado terapeuta, que inclui também seu referen-cial teórico”. O tipo específico de interpreta-ção escolhido pelo clínico varia de acordocom o seu propósito e com o contexto daanálise. Contingências da história de vida do

próprio profissionaltambém estarão sem-

pre presentes, seusvalores, regras e ex-periência de vida. Oanalista neutro ou“distante” é uma fa-lácia do processo clí-

nico. Entretanto, o clínico deve tomar cuida-do para não transmitir seus próprios valores.

Tudo o que o cliente faz na sessão sãocomportamentos que foram aprendidos e

ocorrem devido à similaridade funcional en-tre estímulos presentes na sessão e na situação

de aprendizagem.Por exemplo, quan-do se sente irritado

com um comporta-mento do cliente, oclínico deve se per-guntar: será que essecomportamento docliente é uma amos-tra de seu comportamento na situação natu-ral e dos respondentes que evoca nas outraspessoas ou eu estou irritado porque estoucansado? Ao fazer esse autoquestionamento,

o profissional estará procurando identificar seseus encobertos foram evocados pelo com-portamento do cliente ou por contingênciasde sua história pessoal.

Outro aspectoque deve ser enfatiza-do é que a aplicaçãoda análise do com-portamento em situ-ação de grupo propi-

cia condições deaprendizagem tantoatravés de uma parti-cipação ativa comopela observação docomportamento dosoutros. A modelação e o ensaio de comporta-mento são estratégias fundamentais para otrabalho em grupo.

Aprendizagem através de modelaçãoModelação é uma forma pela qual o homemaprende, assim como modelagem e instrução.Todavia, ela também pode ser utilizada comoum procedimento clínico de grande impor-tância, principalmente quando trabalhamoscom grupos. O comportamento do clínico émodelo para os integrantes do grupo, bemcomo os comportamentos dos demais inte-

grantes podem também o ser uns para os ou-tros.

O analista neutroou “distante” é umafalácia do processoclínico. Entretanto,o clínico deve tomarcuidado para não transmitir seuspróprios valores.

Tudo que o clientefaz na sessão sãocomportamentos queforam aprendidos

e ocorrem devido àsimilaridade funcio-nal entre estímulospresentes na sessãoe na situação deaprendizagem.

Outro aspecto quedeve ser enfatizadoé que a aplicaçãoda análise docomportamento emsituação de grupopropicia condições

de aprendizagem tanto através deuma participaçãoativa como atravésda observação docomportamento dosoutros.

Será necessáriolevar o cliente aidentificar quedevem existir, no seu

cotidiano, contingên-cias que mantêm ospadrões relatadoscomo problema,incluindo-se aípadrões de fuga/esquiva.

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Bandura (1969, 1971) foi um dos pri-meiros autores a pesquisar e analisar as evi-dências empíricas da aprendizagem por mo-

delação, e demonstrou que a modelação podeter três efeitos sobre os clientes: primeiro, osobservadores podem adquirir novos padrõesde comportamento; além disso, a modelaçãotambém pode fortalecer ou inibir respostasque já existem no repertório do observador, eestão reprimidas por contingências aversivas;e, finalmente, a modelação pode facilitar res-postas que já existem no repertório do indiví-duo, mas são emitidas em baixa frequência.

Baum (1994/1999) afirma que os indivíduosnascem com uma sensibilidade específicapara serem afetados por estímulos que vêm deoutros seres humanos, estímulos esses essen-ciais para o desenvolvimento “normal”, e queessa sensibilidade específica em relação a de-terminados estímulos é que o torna apto aaprender a partir do modelo.

 Aprender com o modelo é fundamentalpara a existência de uma cultura, pois permi-

te a reprodução e continuidade dos seus valo-res, economizando tempo de aprendizagem eaumentando a probabilidade de aquisição decomportamentos adaptativos à sobrevivência

da espécie. Os indi-víduos que apren-dem, a partir do mo-delo, comportamen-tos provenientes degerações anteriores,

em contraposiçãoàqueles que apren-dem por si própriosatravés, por exemplo,

de tentativas e erros, aumentam a probabili-dade da sobrevivência e manutenção da cul-tura (Bandura, 1969/1971). De acordo comBaum (1999), “a imitação provê a base daaprendizagem operante” e pode ser nãoaprendida ou aprendida. O primeiro tipo(imitação não aprendida) não exige nenhumaexperiência especial. A imitação não aprendi-

da, combinada com a modelagem, é respon-sável pela aquisição do comportamento ver-bal. Já a imitação aprendida é uma forma de

comportamento governado por regras. Quan-do alguém verbaliza para o outro “faça as-sim”, e mostra como fazê-lo, essa pessoa serácapaz de seguir esta instrução e este modelo,dependendo de sua história de reforçamentodo comportamento de imitar no passado. Aimitação permite que padrões de comporta-mento sejam passados para outras gerações,possibilitando a transmissão da cultura e au-mentando a sua probabilidade de sobrevivên-

cia.Os pais são os primeiros modelos a se-

rem seguidos por seus filhos e servem de mo-delo para muitos comportamentos diferentes.Esses comportamentos podem ser mais aceitossocialmente, como, por exemplo, o comporta-mento amoroso, ou ser menos aceitos, como aimitação de comportamentos violentos porcrianças que têm pais agressivos. Deve-se, en-tretanto, salientar que o que é adequado social-

mente depende do contexto: o comportamen-to assertivo e coope-rativo de uma criançapode ser adequado ouinadequado, isto é,trazer consequências“positivas” ou “nega-tivas”, dependendodo fato de ela viverem uma família de

classe média ou alta, em um orfanato, um abri-go para menores, etc. Em geral, uma pessoanão copia só um modelo, mas sim vários, etambém não copia a íntegra do comportamen-to do modelo, mas sim alguns aspectos dessecomportamento. Conforme vai ficando expos-to a novas contingências ou novos modelos, ocomportamento aprendido por modelaçãopode ir mudando de aspecto, acrescido ou mo-dificado. Essa possibilidade de mudança de pa-drões de comportamento é uma variável rele-vante no trabalho com grupos.

É importante saberque modelação  éaprendizagem apartir de um modeloe que imitação  é um tipo de modelação, todavia existemoutras formas deaprender a partir domodelo, por exemplopor oposição a ele.

Em geral, umapessoa não copia sóum modelo, mas simvários e também nãocopia a íntegra docomportamento domodelo, mas sim al-guns aspectos dessecomportamento.

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Há alguns fato-res que facilitam aaprendizagem por

modelação: a habili-dade do indivíduoem observar e dife-renciar determinadosaspectos do compor-tamento do modelo;as características domodelo, suas simila-ridades em relação àidade, etnia, ao gru-

po social, etc., e ascontingências nasquais o modelo se

encontra ao ser apresentado ao observador.Bandura (1969/1971) afirmou que, se ummodelo tiver sua resposta reforçada na pre-sença de um observador, a probabilidade daimitação por parte do observador é maior.

 Além disso, de acordo com esse autor, o papeldo controle social sobre o comportamento do

modelo deve ser lembrado. Isto é, o compor-tamento do modelo dependerá das regras so-ciais, e estas variam de cultura para cultura.Na situação natural, pode ocorrer, também,que alguém que desempenhe papel de modeloapresente um amplo repertório de esquiva, oque poderá impedir que o indivíduo entre emcontato com inúmeras contingências. Na situ-ação clínica, observa-se que pessoas com pro-blemas de fobia ou de ansiedade “exagerada”

relatam histórias de aprendizagem desses pa-drões (“meu pai e meu avô também eramcomo eu”).

Outro aspecto a ser considerado é que aaprendizagem por modelação ocorre aindaque a relação de contingência não esteja ex-plicitada. Por exemplo, comportamentos li-berais em relação a sexo, cuidados com lim-peza pessoal e a forma de administrar o di-nheiro são aprendidas através dos anos em

nosso ambiente social, ainda que as contin-gências não estejam explicitadas. Bandura

(1969/1971) chamou de modelos simbólicosaqueles que não eram apresentados “ao vivo”,como os personagens de filmes ou livros. Nes-

se sentido, as regras sociais podem ser consi-deradas um modelo importante. Baum(1999) ressaltou que a regra “imite o sucesso”faz parte da cultura. Assim, os indivíduosimitam ídolos da TV ou do esporte, que sãomodelos apresentados pela mídia em contin-gências de reforço identificadas como sucessoou prestígio.

Na clínica, o estabelecimento de umaboa relação terapêutica pode significar que o

clínico adquiriu propriedades de modelo, ouseja, o cliente poderá aprender a partir da ob-servação dos comportamentos do clínico. Noprocesso clínico em grupo, a variedade demodelos é maior, istoé, podem ser mode-los os clínicos, outrosmembros do grupo epessoas do ambientenatural dos clientes.

Em suma, a modela-ção e o ensaio com-portamental podemser estratégias funda-mentais no trabalho com grupos, sendo que oensaio comportamental  é a simulação de situa-ções reais da vida do indivíduo, situações nasquais ele apresenta algum grau de dificulda-de, e pode ser utilizado para avaliação e paraintervenção.

> A MODELAÇÃO E O ENSAIOCOMPORTAMENTAL COMOESTRATÉGIA DE AVALIAÇÃOE INTERVENÇÃO

Na seção anterior, discutimos modelaçãocomo forma de aprendizagem. Nesta seção,discutiremos o uso de modelação, juntamen-

te com ensaio comportamental ou não, comoprocedimento de intervenção.

Há alguns fatoresque facilitam aaprendizagem pormodelação: a habili-

dade do indivíduo emobservar e diferen-ciar determinadosaspectos do compor- tamento do modelo;as característicasdo modelo, suassimilaridades emrelação idade, raça,grupo social, etc.e as contingênciasnas quais o modelose encontra ao ser

apresentado aoobservador.

Ensaio comporta-mental é a simulaçãode situações reaisda vida do indivíduo,situações nas quaisele apresenta algum

grau de dificuldade,e pode ser utilizadopara avaliação epara intervenção.

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Quando o indi-víduo representa umasituação que tenha

ocorrido em sua vida,pode-se observar seucomportamento ver-bal e não verbal, a to-pografia dos mesmos,tom de voz, gestos,entonação e postura.Essa observação cos-tuma fornecer dadosimportantes para a

análise das contin-gências. Assim, ensaios comportamentais po-dem facilitar ao clínico observar comporta-mentos que precisam ou não ser modificados,os quais, muitas vezes, seriam difíceis de seidentificar apenas através do relato verbal.

 A partir de modelação e ensaios com-portamentais, é possível instalar ou alterarmuitos comportamentos, desde o comporta-mento de observar a si e aos outros, analisar e

descrever contingências, habilidades sociais,empatia, comunicação, autorrevelação, en-frentamento, etc.

Vale a pena salientar que os primeirosmodelos de comportamentos que o clínicoapresenta para os clientes são os autorrelatos,principalmente aqueles cujo conteúdo mos-tre empatia e aceitação social, isto é, o clínicose comporta visando servir como modelo decomo os clientes podem liberar reforço social

aos outros integrantes do grupo. A modelação pode ser facilitada quan-

do, por exemplo, durante um ensaio de com-portamento no grupo, o clínico der uma ins-trução prévia oral ou escrita em cartões, le-vando os clientes a ficarem sob controle dosestímulos relevantes, dizendo, por exemplo:“Prestem atenção ao tom de voz e aos gestosdo P nesta situação”.

Uma variação de modelação ocorrequando o clínico atua como espelho, isto é,emite um comportamento (verbal ou não) si-

milar a um compor-tamento emitido oudescrito pelo cliente

para o grupo obser-var, reforçar diferen-cialmente e, se neces-sário e possível, emi-tir comportamentosalternativos. Alémdisso, pode ser feita atroca de papéis: ocliente troca de papelcom outro partici-

pante da dramatiza-ção, seja ele clínicoou outro membro dogrupo.

De qualquer forma, para que a modela-ção seja uma estratégia efetiva, devem ser se-guidos os seguintes passos: descrever asituação-problema; decompor a sequênciacomportamental (operacionalização); dar ins-truções ou modelo de desempenho; ensaio;

dicas sobre o desempenho; inverter papéis;reensaiar; reavaliar o desempenho; programara generalização; avaliar o desempenho na si-tuação natural.

Um processo clínico analítico-compor-tamental pode ser aplicado com eficácia a di-ferentes tipos de grupos. Algumas dessas pos-sibilidades são grupos de:

a) autoconhecimento;b) treino de habilidades sociais realizados no

consultório ou em empresas;c) mulheres: grupo temático com sessões di-

rigidas que discutem aspectos específicosda vida das mulheres;

d) asmáticos: para identificação de contin-gências relacionadas às crises e aprendiza-gem de padrões de respiração e relaxa-mento;

e) universitários com dúvidas profissionais;f ) coaching comportamental: para problemas

em empresas;

Modelação  é umadas formas atravésdas quais o homemaprende, sendo amodelagem  e a ins- trução  outras formaspossíveis de apren-dizagem humana. As três formas de apren-dizagem podem serutilizadas pelo clínicocomo procedimentosde intervenção , ouseja, utilizadas deforma planejada paraensinar um repertórioespecífico.

Para que a mo-delação seja umaestratégia efetivadevem ser segui-dos os seguintespassos: descrever asituação-problema,decompor a sequên-cia comportamental(operacionalização),dar instruções oumodelo de desem-penho, ensaio, dicassobre o desempe-nho, inverter papéis,reensaiar, reavaliaro desempenho,programar a gene-ralização, avaliaro desempenho nasituação natural.

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g) casais;h) famílias.

Desses grupos citados, os dois últimos,casais e famílias, serão foco de algumas refle-xões.

> O TRABALHO COM CASAIS

O processo clínico de casais, frequentementechamado de terapia de casal, é uma das áreasde atuação mais desenvolvidas nas últimas

décadas. A incidência de procura na clínicaanalítico-comportamental é muito alta. Em-bora os princípios da análise do comporta-mento sejam os mesmos para compreensãoda aquisição e manutenção de comportamen-tos de diferentes indivíduos, não se pode pen-sar em um trabalho com casais como um mo-delo padronizado, ou como um conjunto detécnicas que sejam aplicáveis a todos os ca-sais. Cada casal é único e tem sua história es-

pecífica de relacionamento e, portanto, mere-cerá avaliações, estratégias e intervenções pró-prias.

Stuart (1969) foi dos primeiros analis-tas comportamentais a se dedicar a atendercasais. Sua proposta era entender o casalcomo estando sob controle recíproco doscomportamentos um do outro, de modo ge-ral o controle aversivo. Sua estratégia básicaenvolvia o “contrato de trocas de comporta-

mentos”, isto é, cada membro do casal esco-lhia um comportamento que gostaria que ooutro desenvolvesse ou mudasse (frequência,topografia, intensidade). O treino em comu-nicação e em tomada de decisão e o estabele-cimento de controle por reforçamento positi-vo entre os parceiros eram os aspectos básicosda proposta de Stuart (1969). Realmente, sa-bemos que algumas pessoas aprendem em suahistória de vida a resolverem conflitos de for-

ma não agressiva, conviverem com diferençase ouvir outros pontos de vista. Uma história

de vida que tenha tais características facilita adiscussão de incompatibilidades e a soluçãode eventuais dificuldades surgidas no conví-

vio mútuo, facilitando o trabalho junto aocasal. Jacobson e Cristensen (1992) denomi-

naram de Terapia Comportamental de CasalIntegrativa uma proposta que, segundo osmesmos, integrava a terapia comportamentalproposta por Stuart (1969) com a terapia deaceitação e compromisso (Hayes, 1997). Se-gundo este modelo, o clínico deve transfor-mar os problemas em formas de se obter

maior intimidade entre membros do casal efazer com que estes parem de lutar para trans-formar o outro naquilo que eles desejam nocasamento. O clínico deve ter a habilidade deremover o principal foco de problemas entrecasais, isto é, o fato de cada um tentar mudaro outro, o que promoverá uma maior tolerân-cia para com características indesejáveis dooutro, modificando o ambiente de conflito e,assim, possibilitando mudanças. Além disso,

o trabalho clínico visa aumentar a intimidadedo casal, fazendo com que cada um passe avalorizar características “positivas” do parcei-ro, em vez de tentar mudar o que lhe desagra-da no outro.

Na realidade, podemos entender as in-tervenções de aceitação emocional como a al-teração dos aspectos da situação e a maximi-zação da capacidade de cada um de responderreceptivamente ao sofrimento do outro, atra-

vés da mudança da função do estímulo ante-cedente.

Um princípio de análise do comporta-mento que é fundamental no atendimento decasais é a análise da coerção (Sidman, 1995).Quando procuram por ajuda de um profis-sional, os casais geralmente encontram-se sobcontrole de interações coercitivas: um cônju-ge age exercendo função de estimulação aver-siva até que o outro responda, reforçando-o,

conforme ele atinge seus objetivos. O parcei-ro, por sua vez, também é reforçado, nesse

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caso negativamente,pois livra-se da coer-ção. A intermitência

do reforço faz au-mentar ainda mais acoerção. O parceiroinicialmente não co-ercitivo pode passar ausar coerção para sever livre da estimula-ção aversiva inicial.

Cria-se, assim, um ciclo vicioso. Nessas inte-rações coercitivas, os padrões de comporta-

mento que usualmente se estabelecem são:

a) evitação mútua: casais diante de incompa-tibilidades optam por ignorá-las para evi-tar o conflito (fuga/esquiva);

b) interação negativa mútua: ambos os côn- juges engajam-se em ataque ao outro(exercem efeitos coercitivos); e

c) evitação e interação negativa: um dos par-ceiros se engaja em interações coercitivas,

enquanto o outro tenta evitar o conflito,esquivando-se.

Quaisquer dessas alternativas caracteri-zam interações aversivas que gradualmentevão tornando a relação fonte de sofrimentocada vez maior. Quando isso ocorre, o casalprocura terapia.

Em suma, atender casais é uma ativida-de que pode ser frustrante para o clínico, pois

este deverá lidar com relações aversivas even-tualmente instaladas há muito tempo, o quedemanda habilidades acuradas de expressãode afeto e, ao mesmo tempo, objetividade eneutralidade.

> O TRABALHO COM FAMÍLIA

 A família é um grupo de pessoas que intera-gem entre si, modelando comportamentosem cada indivíduo e, consequentemente, no

grupo como um todo. Assim, responde aocritério de ser um grupo social. É na famíliaque cada indivíduo começa a aprender a viver

em sociedade. Essa aprendizagem é decorren-te da interação recíproca entre os diversosmembros, a qual resultará na instalação e for-talecimento de grande parte do repertório decada um. Além disso, a família é o contextoem que seus membros costumam se expressarmais inteiramente em sua complexidade. Essainteração familiar é que será o foco do traba-lho clínico (momento presente), bem como ahistória contada a partir de cada um (mo-

mento passado). A comunicação uns com osoutros é feita por gestos, olhares, bem comopor palavras.

O trabalho com família, a partir do en-foque da análise do comportamento, teve seuinício com a aplicação dos princípios de aná-lise do comportamento a problemas de com-portamento infantil e orientação a pais (Pat-terson, 1972). Nessa época, Liberman (1970)enfatizou que as famílias só procuram atendi-

mento após muitotempo de controleaversivo entre seusmembros. Efetiva-mente, a atuação doanalista clínico docomportamento emqualquer local e comqualquer indivíduoou grupo sempre será

decorrente do con-trole aversivo queexiste na sociedade, eseu trabalho consisteem criar condiçõespara que os indivídu-os aprendam a lidarcom este controle aversivo, alterando as con-tingências ou, se isso não for possível, desen-volvendo respostas de fuga/esquiva.

 A prática clínica atual baseia-se essen-cialmente na interação verbal, que é utilizada

Por vezes, as rela-ções entre o casalsão coercitivas,o que quer dizerque os padrões decomportamentousualmente estabe-lecidos entre ambossão: evitação mútua;interação negativamútua e evitação einteração negativa.

A atuação do analis- ta clínico do compor- tamento em qualquerlocal e com qualquerindivíduo ou gruposempre será decor-rente do controleaversivo que existena sociedade e seu trabalho consiste emcriar condições paraque os indivíduos

aprendam a lidarcom este controleaversivo, alterandoas contingências ou,se não for possíveldesenvolvendorespostas de fuga/esquiva.

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pelos clínicos para ter acesso aos comporta-mentos abertos e encobertos do cliente. Otrabalho com família cria um contexto para

as pessoas interagirem diretamente umas comas outras, podendo identificar-se os CRBs.Esse contexto deve ser cuidadosamente ob-servado e analisado como uma situação naqual o próprio clínico faz parte das contin-gências.

O profissional ouve os temas, os relatosverbais e descreve o que está observando; porexemplo, onde as pessoas estão sentadas emrelação umas às outras, se há a formação de

alianças e/ou subgrupos. Além disso, devemser observados outros comportamentos nãoverbais dos diferentes membros do grupo fa-miliar, como trocas de olhares, mudanças decada um em direção à aproximação ou afasta-mento do outro, toques ou manifestações decarinho.

De acordo com a proposta da aborda-gem analítico-comportamental, no atendi-mento a famílias os problemas são especifica-

dos de forma objetivae concreta e as estra-tégias clínicas são pla-nejadas com base emdados empíricos esubmetidas à avalia-ção constante. Ao seestabelecerem os ob-

 jetivos, procuram-seidentificar expectati-

vas e são coletadosdados para a análiseda história do proble-ma – como os proble-

mas começaram, que eventos estão relaciona-dos à sua manutenção –, isto é, é feita a avalia-ção funcional. Entre os primeiros objetivos dassessões estão:

a) comprometer a família com o trabalho;

b) estabelecer objetivos a serem alcançadosindividualmente e por todos;

c) fazer uma análise comportamental das in-terações; e

d) desenvolver e implementar uma estratégia

de intervenção.

Outro cuidado que deve ser tomadoapós a implementação das estratégias de in-tervenção é o planejamento da generalizaçãoe/ou equivalência funcional – para que os ga-nhos da sessão se mantenham na vida cotidia-na. Ambientes fisicamente diferentes podemser funcionalmente semelhantes e, assim,controlarem o mesmo comportamento. A ge-

neralização e a equivalência são os conceitosque explicam a eficácia do trabalho clínicoanalítico-comportamental na vida cotidiana.

Para concluir, deve-se ressaltar que serum analista de comportamento e trabalharno consultório com pessoas individualmenteou com grupos (famílias, casais, etc.) é umaatividade complexa que depende de uma baseteórica sólida, de estudos constantes e tam-bém de autoconhecimento.

> NOTAS

 1. Ambiente natural é um termo empregado para sereferir àqueles contextos nos quais estamos inseri-dos no dia a dia e geralmente é utilizado paradiferenciá-los do contexto clínico, que se propõe di-ferenciado.

  2. Para ver uma discussão mais aprofundada sobre estapossibilidade de se tornar mais livre, ver Capítulo 8.

> REFERÊNCIAS

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Entre os primei-ros objetivos dassessões [de terapiade família] estão:comprometer afamília com o tra-balho; estabelecerobjetivos a seremalcançados por todos e por cada um;fazer uma análisecomportamental das

interações e desen-volver e implementaruma estratégia deintervenção.

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ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  O que é acompanhamento terapêutico.>

  Breve história do acompanhamento terapêutico na psicologia.>

  Acompanhante terapêutico e clínica analítico-comportamental.>

  O que faz o acompanhante terapêutico.>

  A relação terapêutica no acompanhamento terapêutico.

 30  O atendimento em

ambiente extraconsultório:a prática doacompanhamento terapêuticoFernando Albregard CassasRoberta KovacDante Marino Malavazzi

 Atualmente, existe uma prática bem-estabe-lecida na psicologia, relacionada à intervençãoclínica fora do consultório. Trata-se do acom-panhamento terapêutico – AT, uma modalida-de de atendimento caracterizada sobretudo porocorrer no ambiente natural do cliente.1

Este capítulo tem por objetivo apresen-tar a prática do acompanhante terapêutico. Aprincípio, ela será brevemente contextualiza-da na história da psicologia. Em seguida, aproposta analítico-comportamental para talmodalidade de atuação clínica será ilustrada.

> NA PSICOLOGIA

 A literatura de psicologia atribui a origem doacompanhamento terapêutico a dois marcos

históricos: o movimento antipsiquiátrico (as-sociado às práticas de psicanalistas e fenome-nólogos) e a modificação do comportamento(vinculada à atuação de analistas do compor-tamento), ambos iniciados na década de1960.

O movimentoantipsiquiátrico con-testou a visão de quea doença mental eraproduto exclusivo deuma disfunção orgâ-nica, defendendo ainfluência de fatorespsíquicos, sociais epolíticos na gênesedos chamados distúr-bios psicológicos . Isso

Afinal, se a origemdo transtorno mentalenvolvia tambémelementos de natu-reza psíquica, sociale política, a merainternação do indiví-duo acometido pelapatologia (medidarecorrente naquelaépoca) tornava-seinsuficiente. Curá-loexigiria, em vez disso,

uma ação direta so-bre o seu ambiente.

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implicou uma mudança significativa na abor-dagem psiquiátrica aos problemas de com-portamento. Afinal, se a origem do transtor-

no mental envolvia também elementos de na-tureza psíquica, social e política, a merainternação do indivíduo acometido pela pa-tologia (medida recorrente naquela época)tornava-se insuficiente. Curá-lo exigiria, emvez disso, uma ação direta sobre o seu am-biente (Schneeroff e Edelstein, 2004).

Essa concepção fundamenta, ao menosem parte, o atual hospital-dia – instituição naqual o paciente permanece apenas um perío-

do, retornando para casa no final do dia.Como se vê, o movimento psiquiátrico aler-tou para a necessidade de estender a interven-ção clínica à rede social do enfermo, levandoos profissionais da área a interagir com a fa-mília e até mesmo com os colegas do pacien-te, a fim de ampliar a chance de sucesso dotratamento.

Inicialmente, esse tipo de atendimentodestinou-se a indivíduos internados há muito

tempo (i.e., cerca de 10 anos) em instituiçõespsiquiátricas, a fim de promover situações deressocialização. Para isso, era preciso retirá-los

do hospital e colocá--los em contato como mundo exterior.Nessas situações, ospacientes eram acom-panhados por profis-sionais, responsáveis

por auxiliá-los a pla-nejar, treinar e avaliareventuais interaçõessociais no ambienteexterno. Em últimaanálise, a intervençãobuscava aumentar aprobabilidade de osindivíduos interna-dos serem bem-suce-

didos ao restabelecer o convívio com familiarese colegas de outrora.

No Brasil, o desenvolvimento da práti-ca clínica em ambiente extraconsultório re-monta ao início da década de 1970, quando

profissionais de diferentes nacionalidades (p.ex., argentinos) vieram ao país compartilharsuas experiências. A partir de então, cadaabordagem da psicologia orientou a reflexãosobre o acompanhamento terapêutico deacordo com seus próprios pressupostos filosó-ficos e conceituais.

Na psicanálise, por exemplo, os profis-sionais que atuam como acompanhantes te-rapêuticos são definidos como “especialistas

em poder estar pessoalmente nas relações –estabelecer transferências e suportar essastransferências, estando sempre referenciadosa um grupo – equipe e instituição” (Carro-zzo, 1997, p. 15). Em outras palavras, sãopessoas habilitadas a participar diretamentedo dia a dia do paciente e estabelecer relaçõestransferenciais com ele, de modo a ajudá-lo acurar enfermidades psíquicas.

Nessa abordagem, o trabalho do AT é

definido da seguinte maneira:

Práticas de saída pela cidade, com a intençãode montar um “guia” que possa articular o pa-ciente na circulação social, através de ações,sustentado por uma relação de vizinhança doacompanhante com o louco e a loucura, den-tro de um contexto histórico (Porto e Sereno,1991, p. 30).

Excluído do grupo social, o paciente

contaria com o apoio do acompanhante tera-pêutico para reinseri-lo na sociedade pormeio do caminhar pelas ruas da cidade. Ca-beria ao AT, segundo a concepção psicanalíti-ca, tratar de um indivíduo acometido por al-guma enfermidade psíquica e lhe oferecerajuda para reconstituir-se psíquica e social-mente.

Uma outra vertente dessa modalidadede atendimento foi influenciada pela chama-da modificação do comportamento. Após umgrupo de analistas do comportamento aplicar

Os pacientes eramacompanhadospor profissionais,responsáveis porauxiliá-los a planejar, treinar e avaliareventuais intera-

ções sociais noambiente externo.Em última análise, aintervenção buscavaaumentar a probabi-lidade dos indivíduosinternados serembem sucedidos aorestabelecer o con-vívio com familiarese colegas de outrora.

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o conhecimento herdado da análise experi-mental do comportamento (AEC) à práticaclínica de gabinete, diversas críticas aponta-

ram as limitações inerentes ao atendimentorestrito ao consultório. Ali, o clínico analítico--comportamental não teria acesso às contin-gências em vigor no cotidiano do cliente, masapenas ao relato verbal sobre elas – o que

comprometeria aqualidade da avalia-ção funcional realiza-da. Por outro lado, opsicólogo que esti-

vesse ao lado docliente em situaçõescotidianas – a exem-plo dos modificado-res do comporta-mento nas décadasde 1950 a 1970 – te-ria informações maisfidedignas sobre as

variáveis de controle dos comportamentos-

-alvo. Assim, o termo acompanhante terapêu-tico (ou terapeuta em ambiente natural) aludeao fato de esse profissional participar de algu-mas situações que definem a queixa do clien-te, condição supostamente privilegiada paraproceder à avaliação funcional (Guerrelhas,2007).

 Ao longo da década de 1980, porém, aprática dos modificadores do comportamen-to também sofreu críticas severas por não

considerar todas as variáveis de controle doscomportamentos-alvo, fato que gradualmen-te restringiu seu campo de atuação. Nessaépoca, uma parcela dos analistas do compor-tamento resgatou o trabalho clínico no con-sultório.

No Brasil, na década de 1990, a terapiade gabinete de base analítico-comportamentalconviveu com algumas novas experiências deatendimento extraconsultório (Guedes, 1993;

Zamignani, 1997) que trouxeram o analistado comportamento para o contato com o

ambiente natural. Além disso, essas primeiraspráticas levaram a uma atuação que, atual-mente, configura-se de uma forma bem dife-

rente dos modificadores de comportamento.Mais à frente será descrito o modo pelo qualo atendimento extraconsultório tem aconte-cido na abordagem analítico-comportamen-tal.

> A INTERVENÇÃO ANALÍTICO--COMPORTAMENTAL DOACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

Conforme postula Skinner (1989/2005),“comportamentos perturbados são causadospor contingências de reforçamento perturba-doras, não por sentimentos ou estados damente perturbadores, e nós podemos corrigira perturbação corrigindo as contingências”(p. 102). Ou seja, qualquer “problemacomportamental”2  decorre de uma relaçãoentre o indivíduo e o ambiente.

Portanto, a responsabilidade por deter-minado “problema”de comportamentonão deve incidir ape-nas sobre o clienteem busca de terapia.

 Ao mesmo tempo,vale destacar que aconduta do indiví-duo em sofrimento

não resulta de umapatologia mental. Oque ele faz (ou deixade fazer) está direta-mente relacionado àsconsequências desuas ações. Sendo as-sim, a análise de uma determinada queixatambém requer a investigação do ambientedo cliente.

Por esse motivo, as intervenções clínicasnesta abordagem costumam exigir alterações

Para os clíni-cos analítico--comportamentais, o termo acompanhanteterapêutico  (ou tera-peuta em ambientenatural) alude aofato de esse profis-sional participar dealgumas situaçõesque definem a queixado cliente, condi-ção supostamenteprivilegiada paraproceder à avaliaçãofuncional.

A responsabilidadepor determinado“problema” decomportamento nãodeve incidir apenassobre o cliente embusca de terapia.Ao mesmo tempo,vale destacar, que aconduta do indiví-

duo em sofrimentonão resulta de umapatologia mental. Oque ele faz (ou deixade fazer) está dire- tamente relacionadoàs consequências desuas ações.

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Clínica analítico-comportamental 273

não apenas no comportamento do indivíduoem terapia, mas também em seu entorno social(p. ex., família e amigos). Isso porque a eficácia

do tratamento dependerá da mudança (ou não)na relação do cliente com seu ambiente. Até aqui, nenhuma diferença com a te-

rapia de gabinete. Porém, se a “perturbação”do comportamento resulta de contingênciasigualmente “perturbadoras”, acessá-las direta-mente no ambiente natural do indivíduo emsofrimento parece potencializar a análise e aintervenção do profissional. Eis a marca dis-tintiva entre o atendimento clínico no con-

sultório e fora dele. Enquanto no primeirocaso o acesso às contingências se dá “apenas”de modo indireto (via relato verbal), no se-gundo caso prevalece a observação direta,método de coleta de dados por excelência naanálise do comportamento.

 A esse respeito, diz Holland (1978): “Asolução para um problema comportamentalnão pode se restringir a contingências espe-cialmente arranjadas no ambiente particular

da clínica. Se o problema tem de ser corrigi-do, é necessário modificar as contingênciasdo ambiente natural” (p. 166).3 Logo, ir aoambiente natural amplia não apenas a capaci-dade de análise do comportamento-alvo, masprincipalmente a probabilidade de sucesso dotratamento.

> O QUE FAZ OACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

 Assim como no consultório, o atendimentoclínico em ambiente natural envolve pelo me-nos quatro etapas:

 1. avaliação inicial (formulação da hipótesefuncional);

 2. planejamento da intervenção;

 3. intervenção propriamente dita; e 4. avaliação dos resultados.

 A fim de ilus-trar esse processo,um caso fictício será

descrito a seguir. Ma-ria, mãe de Luís, de16 anos, busca aten-dimento para o filho,apresentando comoqueixa problemas naescola.

Avaliação inicial

Em primeiro lugar, os familiares do clientecostumam ser entrevistados no consultório.Em geral, antes de dar início ao atendimen-to, o terapeuta também entra em contatocom os demais profissionais envolvidos nocaso (p. ex., professores e psiquiatra). As pri-meiras entrevistas buscam identificar, entreoutros, padrões de interação familiar e da-dos necessários ao planejamento da inter-venção.

Em um segundo momento, o terapeutaencontra pessoalmente o cliente (no consul-tório ou fora dele), a fim de iniciar o estabele-cimento de um vínculo e levantar mais infor-mações sobre o caso.

De posse desses dados, ele elabora umahipótese funcional. Isso significa definir ocomportamento-problema (i.e., atitudes docliente que implicam sofrimento tanto paraele como para os demais a sua volta) e identi-

ficar as possíveis variáveis de controle (p. ex.,o que a família ou os amigos fazem para man-ter tal conduta). O principal desafio clínico éassegurar ao indivíduo atendido o que é im-portante para ele e para aqueles ao seu redor,mas de uma maneira socialmente mais ade-quada. Dito de outra forma, não basta elimi-nar um determinado comportamento-pro-blema sem garantir às partes envolvidas asmesmas consequências anteriormente produ-zidas de modo “problemático”, por envolverprejuízos de natureza diversa.

“O atendimentoclínico em ambientenatural envolve pelomenos quatro eta-pas: avaliação inicial(formulação dahipótese funcional);planejamento da in- tervenção; interven-ção propriamentedita; e avaliação dosresultados.

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No caso ilustrado neste capítulo, a pri-meira iniciativa do clínico foi entrevistar Ma-ria, a professora de Luís, a coordenadora peda-

gógica da escola e o psiquiatra responsável pelotratamento farmacológico do cliente. Segundoeles, o garoto dormia a maior parte do tempoem sala de aula e no intervalo. O médico, porsua vez, informou a administração de antide-pressivos ao garoto. Após coletar esses dados, opsicólogo foi à escola observar o comporta-mento de Luís, onde constatou boa capacida-de de concentração apenas no início das aulas.Porém, quando era solicitado a realizar tarefas

acadêmicas (sobretudo aquelas com nível dedificuldade mais elevado), o cliente mostravasonolência até adormecer. Ao sair para o re-creio, Luís não interagia com os colegas e aca-bava dormindo próximo à cantina.

 A observação direta em ambiente natu-ral (p. ex., escola) permitiu ao profissionalelaborar a seguinte hipótese funcional: diantede uma demanda para a qual Luís não pareciaestar preparado, seja um dever escolar ou uma

interação social mais elaborada, o cliente evi-tava enfrentá-la ao adormecer na sala ou foradela. De certa forma, embora comprometessea aprendizagem acadêmica e o desenvolvi-mento do repertório social, a sonolência serevelava “adaptativa”, pois Luís não saberia li-dar com as situações descritas.

 Admitindo que a hipótese do profissio-nal estivesse correta, a intervenção apropriadavisaria não apenas a eliminar os cochilos do

garoto, mas sobretudo desenvolver seu reper-tório acadêmico e social, para ele não ter defugir de situações semelhantes no futuro.Mais do que isso, permitiria a Luís beneficiar--se do rico aprendizado fornecido pelo am-biente escolar, tanto em termos de conteúdoquanto de relacionamentos interpessoais.

Planejamento da intervenção

Para alcançar o resultado previsto, seria possí-vel adotar diferentes procedimentos. Entre

eles, reforçamento diferencial, extinção, mo-delagem, modelação, ensaio comportamen-tal, dessensibilização sistemática e exposição

com prevenção de respostas.O psicólogo de Luís privilegiou o trei-namento de atividades acadêmicas e habilida-des sociais.

Intervenção

Planejamento traçado, teve início o ensaiocomportamental. O procedimento incluiu asimulação de conversas com colegas de sala,

discutindo temas e abordagens teoricamentemais adequadas. Em paralelo, o profissionalauxiliou Luís na resolução de exercícios aca-dêmicos e, acima de tudo, no desenvolvimen-to de um repertório de solução de proble-mas.

Avaliação dos resultados

 Após concluir a aplicação das técnicas plane- jadas, os resultados obtidos são avaliados.Caso eles tenham sido atingidos de modo sa-tisfatório, finaliza-se o atendimento clínico.Do contrário, a hipótese funcional é revista euma nova intervenção, delineada.

No atendimento de Luís, ao final da in-tervenção terapêutica, o cliente mostrou-secapaz de iniciar uma conversa sobre videoga-me com um dos colegas de classe. Dias de-

pois, durante o recreio, eles jogaram uma par-tida de futebol no videogame portátil de Luís.Quanto às atividades acadêmicas, o clienteconseguiu resolver algumas tarefas e despen-deu menos tempo dormindo em sala de aula.

 Juntos, os resultados sugeriram que a inter-venção foi bem-sucedida.

 As quatro etapas descritas – avaliaçãoinicial, planejamento da intervenção, inter-venção e avaliação dos resultados – permeiam

tanto uma análise molar como uma avaliaçãomolecular da intervenção clínica.

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No caso de Luís, por exemplo, a elabo-ração de uma hipótese funcional foi realizadanão apenas para o caso de um modo geral,

mas também para cada sessão conduzida. Aolongo do processo terapêutico, o psicólogoreavaliou o planejamento inicial e a seleçãode técnicas, uma vez que a avaliação funcio-nal se tornou cada vez mais complexa e abran-gente. Dessa forma, o profissional pode aten-der à queixa inicial sem negligenciar as novasdemandas que surgiram durante a evoluçãodo tratamento.

> A RELAÇÃO TERAPÊUTICANO ACOMPANHAMENTOTERAPÊUTICO

Um aspecto fundamental do acompanha-mento terapêutico é a qualidade da relaçãoestabelecida com o cliente. Diferentementedo trabalho de gabinete (em que a relação selimita ao contexto do consultório), o AT par-

ticipa de alguns momentos da vida do cliente– o que aumenta o risco de exposição, secomparado ao clínico de gabinete. Daí a im-portância de se construir uma relação sólida ede confiança, indispensável para se levar acabo as intervenções propostas em ambientenatural.

 Aliás, a própria relação terapêutica émuitas vezes um instrumento importante demudança comportamental. Por exemplo, se

um cliente apresenta dificuldade para estabe-lecer vínculos de confiança com as pessoas, ofato de alcançar esse objetivo com o AT já re-presenta, por si só, uma intervenção bem--sucedida.

No entanto, justamente por participarativamente da vida do cliente, o profissionalpode vir a experimentar sentimentos intensosem relação ao interlocutor, como frustração eraiva. Algumas vezes, esses sentimentos cus-tam a ser compreendidos, exigindo treino deauto-obervação e supervisão clínica com pro-

fissionais mais experientes. Identificar as con-tingências responsáveis por tais estados moti-vacionais diminui o risco de o profissional

agir de modo impulsivo na sessão, já que elepode intervir antecipadamente sobre as variá-veis de controle.

Por fim, cabe lembrar: ainda que senti-mentos não representem a causa do compor-tamento (na verdade, tratam-se de subprodu-tos das relações de controle em curso), reco-nhecer as contingências subjacentes a elespermite aprimorar a análise do caso e planejarintervenções de maior valor terapêutico no

contato direto com o cliente.

> NOTAS

  1. Recentemente, tem-se adotado o termo ambienteextraconsultório para definir os locais onde o acom-panhamento terapêutico atua. Para mais informa-ções, ver Zamignani, Kovac e Vermes (2007).

  2. Para a abordagem analítico-comportamental,  pro-blema não se refere a algo errado, mas sim a um

conjunto de comportamentos que acarretam altograu de sofrimento tanto para o indivíduo em ques-tão quanto para seus familiares ou amigos. Assim,não existe comportamento mal-adaptado. Todocomportamento é funcional, isto é, produz umaconsequência que o mantém ou altera a sua proba-bilidade de ocorrência. Ao menos nesse sentido,portanto, o comportamento sempre é adaptativo.

  3. No original em inglês: “If the very theory on whichbehavior therapy is based is correct, then the solution toa behavioral problem cannot rest in the specially ar-ranged contingencies in the special environment of theclinic. The contingencies of the natural environment

have to change ” (Holland, 1978, p. 166).

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> HÁBITOS DE ESTUDO

São comuns os casos clínicos em que criançase adolescentes apresentam dificuldades paraalcançar rendimento escolar satisfatório. Fre-quentemente, são observados hábitos de estu-do inadequados e dificuldade em atingir no-tas mínimas nas avaliações escolares (Hübnere Marinotti, 2000; Pergher e Velasco, 2007;

Regra, 2004). Segundo Regra (2004), há umadificuldade em inserir uma criança ou umadolescente em um processo de aquisição dehábitos de estudo adequados, pois outros há-bitos inadequados foram previamente apren-didos.

Do ponto de vista da análise do com-portamento, “estudar” é um verbo que resu-me inúmeros comportamentos, tais comoorganizar material, sentar-se e folhear ummaterial acadêmico, fazer lição, ler um tex-to, responder perguntas, etc. (Hübner e Ma-

rinotti, 2000; Regra, 2004). Assim, umapessoa que apresenta hábitos de estudo ade-quados é aquela que emite diversos compor-tamentos que compõem a classe de com-portamentos mais geral denominada “estu-dar” e, geralmente, alcança o desempenhoacadêmico exigido pela instituição de ensi-no.

Quando se diz que o indivíduo apresen-ta hábitos de estudo inadequados, refere-se ti-picamente à não ocorrência de muitos doscomportamentos que compõem a classe de“estudar” e à ocorrência de comportamentosque evitam e/ou procrastinam a realização deatividades acadêmicas. A procrastinação podeocorrer devido a dificuldades com a tarefa aser realizada e/ou porque o indivíduo engaja--se em atividades mais interessantes durante o

período livre (Pergher e Velasco, 2007). Al-guns comportamentos que funcionam paraevitar o contato com o material pedagógico

Desenvolvimento 31 

de hábitos de estudoNicolau Kuckartz Pergher

Filipe Colombini Ana Beatriz D. Chamati

Saulo de Andrade FigueiredoMaria Isabel Pires de Camargo

ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  Comportamento de estudar como classe complexa de respostas.>

  Que contingências analisar quando ocorrem problemas de desempenho escolar.>

  As diversas formas de intervenção.>

  O atendimento extraconsultório para desenvolver hábitos de estudo: objetivos, rotinas eprocedimentos.

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e/ou para procrastinar a realização das tarefasescolares são: olhar dispersivo (olhar em ou-tras direções: pessoas, teto, TV, etc.), movi-

mento dispersivo (ir ao banheiro, levantar dacadeira/local do estudo, pegar objetos desne-cessários), verbalizações dispersivas (cantar,falar sozinho, falar sobre outros assuntos) (cf.Hamblin, Hathaway e Wodarski, 1971; Ja-bur, 1973).

Cabe ressaltar que as dificuldades esco-lares possuem múltiplas causas e podem serdeterminadas por limitações orgânicas, histó-ria de vida particular ou condições sociocul-

turais que dificultamo desenvolvimentode hábitos de estudo.Neste trabalho, abor-daremos os casos decrianças e adolescen-tes com desenvolvi-mento típico de clas-se média e média--alta, ou seja, crianças

e adolescentes quenão apresentam transtornos globais do desen-volvimento,1 que frequentam escolas particu-lares e que estão apresentando notas abaixoda média exigida. As análises e intervençõesdescritas a seguir podem aplicar-se a outrosclientes, tais como alunos de classe baixa, es-tudantes de escolas públicas. Porém, aspectosadicionais das instituições escolares e da cul-tura na qual estão inseridos precisariam ser le-

vados em consideração na explicação do bai-xo desempenho escolar.

> ONDE ESTÁ O PROBLEMA?

De acordo com Matos (1993) e Hübner eMarinotti (2000), as dificuldades de estudosão iniciadas e mantidas por contingências deensino e podem estar relacionadas às condi-

ções antecedentes, às próprias respostas emi-

tidas pelos alunos e às condições consequen-tes do comportamento de estudar.

Hübner e Marinotti (2000) apontaram

possíveis falhas a respeito de cada uma dessascondições:

Condições antecedentes: falha no controlede estímulos do ambiente de estudo, tornan-do os estímulos discriminativos para o com-portamento de estudar difusos, tais como:ambiente de estudos inexistente, mal--iluminado, com variados estímulos visuais,auditivos e sociais (cf. Hall, Connie, Crans-

ton e Tucker, 1970; Jabur, 1973); horáriosnão estabelecidos para estudo e para a rotinade vida; caderno e livros desorganizados, in-completos e não atraentes.

Respostas de estudar: muitas vezes, as res-postas favoráveis ao estudo com qualidadenão foram modeladas (cf. Rodrigues, 2005;Hübner, 1998). É comum, também, a escolaeximir-se do ensino das respostas envolvidasno estudar, simplesmente esperando que oaluno “desperte” para esses comportamentos.

Condições consequentes: um dos maioresproblemas é a apresentação de consequênciasaversivas e retiradas de reforçadores positivos,reduzindo a probabilidade de ocorrência docomportamento de estudar. Tais consequên-cias, na maioria das vezes, são manejadas pelaescola e pela família (cf. Cia, Pamplin e

 Williams, 2008; Hübner, 1999; Regra,

1997).

Pergher e Velasco (2007) também des-crevem “agravantes” que frequentemente es-tão presentes entre jovens de classe média emédia-alta. Em relação às condições antece-dentes, os autores revelam que é comum osadolescentes terem uma agenda preenchidacom diversas atividades extracurriculares con-correntes ao estudo (geralmente mais praze-

rosas, como, por exemplo, curso de inglês,

As dificuldadesescolares possuemmúltiplas causas epodem ser determi-nadas por limitaçõesorgânicas, históriade vida particular oucondições sociocul- turais que dificultamo desenvolvimentode hábitos deestudo.

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Clínica analítico-comportamental 279

natação, academia, tênis, dança, entre outros)e que reduzem objetivamente o tempo dispo-nível para estudar. Tais atividades proporcio-

nam um sentimentoimediato de felicida-de e realização, entreoutros sentimentosrelacionados ao re-forçamento positivo.

 As atividades extra-curriculares, por ve-zes, acabam por con-correr com as ativi-

dades de estudo, asquais, muitas vezes,

 já foram pareadascom momentos de

dificuldades e estão relacionadas a sentimen-tos produzidos por contingências de reforça-mento negativo e punição (raiva, ódio, alívio,angústia, medo, ansiedade, entre outros).

Os autores comentam a respeito do aces-so à internet, que pode ocupar o tempo livre e

servir de ferramenta para entrar em contatocom eventos que ocorrem no mundo todo e

auxiliar na formaçãode redes de contatossociais. Navegaçãoonline e outras tecno-logias (tais como: vi-deogames , celulares,aparelhos de música)concorrem com a re-

alização das tarefasescolares, muitas ve-zes realizadas em ma-teriais pedagógicosobsoletos. Os jovens,então, escolhem asferramentas eletrôni-

cas, visto que novas tecnologias surgem cons-tantemente e que a utilização desses recursos évalorizada na sociedade globalizada. Além daapologia exercida pela comunidade verbal,

muitas das atividades realizadas com o uso dastecnologias disponíveis proporcionam refor-çamento imediato, o que torna o engajamen-

to nessas atividades muito mais provável doque o engajamento no estudo, cujos reforça-dores tipicamente ocorrem com atraso.

Com relação às condições consequentesàs respostas de estudar, muitos pais exigemdesempenhos superiores, gerando nos filhos asensação de não conseguirem satisfazer assuas expectativas. Outros pais também emi-tem verbalizações que indicam a incompe-tência dos filhos, rebaixando a autoestima e a

autoconfiança e fazendo com que se forme oautoconceito de que não são aptos para as ta-refas escolares. Outros, ainda, não manejamconsequências reforçadoras para as respostasde “estudar”, diminuindo a motivação dosalunos para tais tarefas. Em todos esses casos– muitas vezes agravados por notas baixas naescola e eventuais recriminações dos própriosprofessores –, diminui-se a probabilidade deque o indivíduo venha a estudar.

Nesse contexto, muitos pais realizam asatividades junto com o adolescente e/ou ofe-recem respostas prontas (Soares, Souza e Ma-rinho, 2004; Zagury, 2002). Assim, podemgerar um comportamento de dependência,pois o adolescente pode estudar apenas napresença/com a ajuda dos pais, não generali-zando tal comportamento para a escola (Scar-pelli, Costa e Souza, 2006).

Há diversas direções em que os pais po-

dem seguir em relação à recorrência dos filhosnão emitirem comportamentos de estudo.Podem se afastar da vida acadêmica do filho,facilitando a ocorrência de comportamentosdisruptivos (abuso de drogas, agressões); dita-rem regras rígidas, restringindo momentos delazer e obrigando a longos períodos de estu-do, etc. Contudo, a adoção desse tipo de pos-tura por parte dos pais pode gerar comporta-mentos de contracontrole, inclusive atacandoa figura de autoridade que tenta impor as re-

As atividadesextracurriculares,por vezes, acabampor concorrer comas atividades deestudo, as quaismuitas vezes jáforam pareadascom momentos dedificuldades e estãorelacionadas a sen- timentos produzidospor contingências dereforçamento negati-vo e punição.

Além da apologiaexercida pelacomunidade verbal,muitas das ativida-des realizadas com ouso das tecnologiasdisponíveis propor-cionam reforçamen- to imediato, o que

 torna o engajamentonessas atividadesmuito mais prováveldo que o engaja-mento no estudo,cujos reforçadores tipicamente ocorremcom atraso.

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gras (Regra, 1997), o que apenas agrava oquadro, uma vez que tende a gerar repreen-sões adicionais por parte dos pais.

O manejo de contingências coercitivasrealizado por pais e professores pode gerar di-versos sentimentos nas crianças e adolescen-tes, tais como: raiva, sentimento de injustiçae formação de autoconceitos de que são “pre-guiçosos” e de que “não se interessam pornada”.

Em meio a tantos sentimentos geradose dificuldades encontradas por pais e profes-sores na forma de lidar com as dificuldades

escolares, muitos ca-sos são encaminha-dos a psicólogos ououtros profissionaisda área da saúde. Di-versas intervençõessão possíveis para osanalistas do compor-tamento que lidamcom clientes que

apresentam dificul-dades escolares: trei-nar agentes educati-vos e professores(Cortegoso e Boto-mé, 2002; Miller e

Kelley, 1994; Ardoin; Martens e Wolfe, 1999);orientar pais e professores para promover con-sequências reforçadoras aos comportamentosde estudar (Scarpelli et al., 2006; Soares et al.,

2004; Eilam, 2001; Hübner, 1999; Fehr-mann, Keith e Reimers, 1987); contratar “tu-tores” – colegas de classe bem-sucedidos aca-demicamente – para auxiliar os alunos comdificuldades (Cushing e Kennedy, 1997; Di-neen, Clark e Risley, 1977; Slavin, 1980),além de intervenções extraconsultório realiza-das por psicólogos (ATs) que se deslocam até aresidência dos adolescentes/crianças para odesenvolvimento dos comportamentos pró-

-estudo (Pergher e Velasco, 2007), o que serádetalhado a seguir.

> ATENDIMENTOEXTRACONSULTÓRIO PARADESENVOLVIMENTO DE HÁBITOSDE ESTUDO (PRÓ-ESTUDO)

O trabalho de desenvolvimento de hábitos deestudo realizado na casa das crianças e adoles-centes é indicado quando o aluno apresentanotas baixas, queixas escolares e algumas ou-tras condições importantes: quando as inter-venções de consultório não são suficientes,dificuldade em contar com a participação de

pais nas execuções de orientações e/ou quan-do não for possível manejar contingênciasdentro das escolas.

Os objetivos da intervenção vão desdeobjetivos amplos, como tirar boas notas,cumprir tarefas no prazo, diminuir as queixasda escola, até o desenvolvimento de compor-tamentos, tais como: lidar com limites e frus-tração, seguir regras e iniciar/completar o de-senvolvimento de formação da responsabili-

dade (Regra, 1997, 2004; Matos, 1993). Além disso, um dos objetivos específicos édesenvolver comportamentos que compõema classe de respostas envolvidas no “estudar”,conforme descrito anteriormente.

Busca-se, também, ampliar os repertó-rios de hábitos de estudos que possam produ-zir consequências reforçadoras, tais como o re-forço social dos pais e profissionais da institui-ção escolar (Marinotti, 1997; Ivatiuk, 2003),

gerar a produção da própria sensação de suces-so, entendimento de conteúdo, compartilha-mento de informações (Luna, 2003; Matos,1993; Pereira, Marinotti e Luna, 2004; Per-gher e Velasco, 2007), além de promover a“descontaminação” da situação de estudo, aqual foi pareada com estimulação aversiva nocaso dos alunos com mau desempenho escolar(Pergher e Velasco, 2007; Regra, 2004).

 A rotina das sessões é composta por

quatro momentos distintos, os quais serãoaprofundados a seguir:

Em meio a tantossentimentos gera-dos e dificuldadesencontradas por paise professores na for-ma de lidar com asdificuldades esco-lares, muitos casossão encaminhados apsicólogos ou outrosprofissionais da áreada saúde. Diversasintervenções sãopossíveis para osanalistas do compor- tamento que lidamcom clientes queapresentam dificul-dades escolares.

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Clínica analítico-comportamental 281

a) preparação do ambiente e material de es-tudo;

b) revisão das prioridades do dia;

c) momento do estudo; e, finalizando,d) o momento de lazer pós-estudo (Pergher eVelasco, 2007).

 As intervenções realizadas em cada umdesses momentos serão ilustradas a partir derecortes do acompanhamento realizado comum menino de 14 anos, cujos pais queixavam-

-se de que ele não es-tudava quando esta-

va em casa e de quesuas notas escolaresestavam abaixo damédia da escola. Omenino será chama-do, aqui, de “W”. Acada sessão de aten-dimento desse clien-te, o AT registrou otempo total em que

o adolescente perma-necia na atividade pedagógica definida paraaquela sessão e anotava comportamentos deesquiva observados ao longo desses quatroencontros: olhar para a TV, repetir as falasdos personagens de um filme, mexer no com-putador, descansar em sua cama.

Preparação do ambiente

e material de estudoNo caso de W., observou-se um ambiente(quarto de dormir) com uma série de estímu-los visuais: TV, computador, videogame , jogos(tais como: pôquer, ação, memória, dominó),pôsteres na parede e revistas diversas. Foi no-tado que ele não possuía uma mesa ou localfixo para o estudo.

Os estímulos auditivos encontrados fo-ram: som da TV, do videogame , do computa-dor e de um aparelho de som que se encon-trava embaixo da mesa do computador, além

de barulho de carros, pois o quarto de W. fi-cava perto de uma rua movimentada. Os estí-mulos sociais percebidos foram: interrupções

de uma assistente do lar e da mãe (em perío-dos em que ela se encontrava em casa).Observou-se que W. estudava em cima dacama ou em cima da mesa do computador(possuindo pouco espaço para a manipulaçãodo material de estudo). Em um período dequatro sessões, o profissional não alterou o lo-cal de estudo. A partir da quinta sessão, optou--se por estabelecer um local fixo (consideradomais apropriado), o escritório da casa, pois o

mesmo tinha boa iluminação, silêncio, mesaconfortável para a manipulação dos materiaisde estudo, pouco barulho e menos trânsito depessoas.

O AT assim relatou para W.: “O escri-tório é bem legal! Que tal estudarmos lá? Es-tou te aguardando lá! Ok? Depois do estudonós voltamos para seu quarto para fazer o quevocê quiser!” (sic). A partir dessa verbaliza-ção, percebe-se que outras condições foram

descritas além da manipulação da condiçãoantecedente, pois uma condição consequente(possivelmente reforçadora) foi descrita: “[...]Depois do estudo, nós voltamos para seuquarto para fazer o que você quiser!” (sic).Cabe ressaltar que tal intervenção será expli-cada posteriormente sob o título de “momen-to de lazer pós-estudo”.

Em relação ao material de estudo, algu-mas vezes o cliente dizia que não sabia onde

havia anotado as lições que deveriam ser fei-tas, o que pode ser considerado um compor-tamento de esquiva. Nessas ocasiões, o ATpropunha atividades pedagógicas que elemesmo levava consigo e, a partir disso, ocliente fazia um esforço adicional para encon-trar suas anotações sobre as lições que deve-riam ser feitas. O AT sempre elogiava o fatode anotar as lições e de tê-las encontrado,com o objetivo de aumentar a probabilidadede que o cliente passasse a investir mais na or-ganização.

A rotina das sessões

[de atendimento ex- traconsultório paradesenvolvimento dehábitos de estudo] écomposta por quatromomentos distintos:preparação do am-biente e material deestudo; revisão dasprioridades do dia;momento do estudo.e o momento delazer pós-estudo.

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Estabelecimento de metasou revisão de prioridades

 Ao longo do processo, o AT estabeleceu com W. prioridades e atividades a serem executa-das em cada sessão, ensinando o adolescentea emitir respostas de tomada de decisão, ouseja, conhecer/avaliar quais são as consequên-cias para o comportamento de escolha emiti-do. Os critérios para selecionar a matéria a serestudada podem ser: avaliação que está próxi-ma, quantidade de páginas, dificuldade emcada matéria e nota que precisa ser obtida em

determinada avaliação.No caso de W., o AT perguntava qualmatéria seria estudada, e, na maioria das ve-zes, W. relatava que não sabia como selecio-nar. No começo do acompanhamento (até oquarto encontro), o AT:

 1. descrevia os critérios de seleção, na tenta-tiva de torná-los discriminativos para aresposta de escolha do adolescente; ou

 2. descrevia os critérios de seleção e selecio-nava por si mesmo a matéria para o clien-te, servindo como um modelo de decisão,caso W. não emitisse nenhuma respostaou falasse, ainda assim, que não sabia poronde começar.

Seguem-se as verbalizações, de acordocom os números relacionados acima:

a) “Olha, W., vendo aqui, em suas anota-ções, percebo que você vai ter uma provade português amanhã, e essa lição de ma-temática deve ser feita até o final destemês. Qual das matérias você acha melhora gente estudar hoje?”.

b) “Olha, W., vendo aqui, em suas anota-ções, percebo que você vai ter uma provade português amanhã e uma lição de ma-temática que é só para o final do mês.

 Acho uma boa começarmos por portu-guês”.

Momento de estudo

 W. apresentou dificuldade inicial em se con-

centrar nos estudos. Contudo, suas esquivastambém foram relacionadas com a dificulda-de e ausência de repertórios básicos conside-rados pré-requisitos para o estudo; no caso,dificuldade em escrever o que tinha acabadode ler e de organizar suas ideias no caderno.Segundo Hübner e Marinotti (2000), tal ha-bilidade está inserida em uma classe de res-postas mais ampla que representa a habilida-de em “estudar materiais escritos”, havendo a

necessidade da decomposição das habilidadese trabalho com tais pré-requisitos, tais como:grifar informações, identificar dúvidas, relerinformações, etc.

Resolveu-se por intervir na implemen-tação do comportamento de permanecer con-centrado em alguma atividade qualquer, paradepois focar em outros comportamentos re-quisitos, tais como: escrever alguma coisa, lerum determinado número de páginas, grifar

frases relevantes, elaborar perguntas sobre umtexto, entre outros.Para aumentar as chances de o aluno ser

positivamente reforçado, é necessário garantirque as tarefas sejam compatíveis com o que elesabe e aumentar gradativamente a exigência(Pereira et al., 2004). Com W., decidiu-se co-meçar com poucos comportamentos eresultados-alvo. À medida que os objetivos fos-sem cumpridos pelo adolescente, havia a possi-

bilidade de se passar para uma etapa seguinte.Em casos de esquiva frequente é co-

mum o uso de materiais mais “chamativos”elaborados pelo AT, tais como: interpretaçãode texto da história do Naruto, Dragon Ball ,entre outros, com os quais o cliente possatreinar as habilidades que envolvem o estu-dar. No caso de W., não foi necessária a utili-zação desse tipo de material, pois ele se pron-tificava a estudar o material da própria escola.

 Algumas outras intervenções foram realizadasno momento de estudo:

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Clínica analítico-comportamental 283

• Parear o estudo com momentos agradá - veis: a utilização de humor, fazer comen-tários engraçados sobre os conteúdos es-

tudados e propor desafios fáceis de seremresolvidos podem fazer com que a ativida-de acadêmica se torne menos aversiva eansiogênica. Por exemplo: “Opa! Duvidoque você saiba sobre essa fórmula sobre ocalor e, falando nisso, tá calor, cara! Abrea janela aí!” (sic).

• Prover sempre consequências apetiti- vas: não implica, nesse caso, só prover taisconsequências para o produto do com-

portamento (acerto do exercício), mas ospassos que se deram para chegar à solução(anotação de fórmulas, grifos no texto,etc.) (Pereira et al., 2004). É essencial queo AT estabeleça uma relação agradável, di-vertida e confiável para que aumente seuvalor como provedor de reforçadores paraos comportamentos acadêmicos adequa-dos dos adolescentes. A seguir, um exem-plo de verbalização com possível função

reforçadora: “Boa, W.! Nossa, você sacouque precisa anotar as fórmulas! Show !

 Acho que assim você vai conseguir resol-ver o exercício, hein!” (sic).

• Evitar consequências aversivas: o objeti-vo do AT é “descontaminar” o pareamen-to do estudo com a estimulação aversiva.

 A esse respeito, é essencial o conhecimen-to do repertório inicial do adolescente, fi-car atento para mudanças sutis em seu

comportamento na direção desejada eprogramar os próximos passos do proce-dimento (Luna, 2003; Pereira et al.,2004).

• Fornecer modelos e instruções: o ATpode demonstrar diretamente a execuçãode tarefas e pode oferecer dicas verbais(Pergher e Velasco, 2007; Regra, 2004).Exemplos de intervenções utilizadas comfunção de prover modelo e instruir foram:“W, empresta uma folha aí, vou anotaressa fórmula aqui ao lado desse exercício,

vai facilitar quando for resolver” (sic) e “oque acha de anotar a fórmula aí do lado,pode te facilitar bem mais, em vez de ficar

olhando toda hora no livro” (sic).• Modelagem: é essencial que o AT utilizeprocedimentos de reforçamento diferen-cial por aproximações sucessivas para queo indivíduo alcance os comportamentos--alvo, destacando e valorizando cada com-portamento básico que se aproxime doscomportamentos que compõem a classede “estudar” (Capelari, 2002; Pergher eVelasco, 2007; Regra, 2004). Nesse caso,

o AT pode se utilizar da atenção, porexemplo, para falar com o adolescenteapenas quando ele estiver envolvido naatividade.

• Descrição de relações contexto‑compor‑tamento-consequências:  o AT tem afunção de ajudar o adolescente a identifi-car suas dificuldades, reações emocionaisde sucesso e insucesso, podendo auxiliá--lo, ainda, a reconhecer quando está se es-

quivando (quais matérias, qual a reaçãoem relação à matéria, etc.). Por exemplo:“Estou percebendo que, quando a matériaé português, você fica de cabeça baixa equer parar” (sic).

• Consequências artifciais: sabe-se quealgumas esquivas possuem uma longahistória de reforçamento e são difíceis deserem bloqueadas. Assim, no intuito detornar a atividade prazerosa e para que o

adolescente não emita comportamentosde esquiva, o AT pode utilizar reforçado-res arbitrários ou generalizados, comodinheiro, sistema de pontos, figurinhas,etc. Contudo, o objetivo é que isso sejatransitório, para que consequências na-turais sejam suficientes para a manuten-ção da emissão do comportamento de es-tudo (Luna, 2003; Matos, 1993; Pereiraet al., 2004). No caso de W., avaliou-seque não seria necessário utilizar reforça-dores arbitrários, pois a esquiva dele era

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facilmente bloqueada, inclusive dimi-nuindo consideravelmente após a mu-dança de ambiente de estudo, do quarto

para o escritório. W. também se mostrousensível aos elogios e à atenção socialprovida pelo AT, inclusive solicitando

 feedback sobre o seu desempenho [“Estálegal? Fiz bem?” (sic)].

Momento de lazer pós-estudo

Finalizando os momentos de intervenção,passa-se à última etapa: lazer pós-estudo.

 Após o cumprimento das atividades, há ummomento de lazer em que o adolescente esco-lhe uma atividade que ele mais gosta de fazere o AT participa ativamente dela, demons-trando interesse nas atividades escolhidas(Pergher e Velasco, 2007; Regra, 2004).

Esse procedimento condiciona a opor-tunidade para o adolescente se engajar emum comportamento de que goste muito, e émuito provável que ocorra a emissão de um

comportamento que tem baixa probabilidadede ocorrer (comportamentos pró-estudo).Entretanto, é importante enfatizar que a ati-vidade só deve ser permitida caso se cum-pram as tarefas previamente estabelecidaspara aquela determinada sessão (Pergher eVelasco, 2007; Regra, 2004).

Em relação a W., tendo cumprido as ta-refas acordadas anteriormente, o AT jogavapôquer com o adolescente, tarefa escolhida

por ele, além de jogos que envolviam mais deuma pessoa (jogos de computador em rede,dominó, entre outros). Nesse caso, analisou--se que jogar com outra pessoa poderia ser re-forçador para W., pois ele não tinha irmãos eamigos que frequentassem a sua casa.

Considerações finais

Os analistas do comportamento detêm am-

plo repertório de técnicas historicamente efi-

cazes para ajudar as pessoas nas mais diferen-tes relações que geram sofrimento, além derespaldo teórico consistente para analisar di-

versos comportamentos. No que se refere adificuldades relacionadas aos hábitos de estu-do, o presente traba-lho buscou apresen-tar uma visão geralde algumas das técni-cas que podem serutilizadas, ilustradascom breves vinhetasde atendimentos rea-

lizados com um ado-lescente de 14 anos. As conquistas

obtidas são visíveis,especialmente por-que se lida com indivíduos que não costu-mam estudar quando estão em casa e queapresentam diversos comportamentos de es-quiva em relação a atividades de cunho peda-gógico. O estabelecimento de uma boa rela-

ção terapêutica, pautada por reforçamentopositivo provido a pequenos passos alcança-dos pelo cliente, e a oferta de modelos a se-rem seguidos sobre como estudar têm se mos-trado eficientes no desenvolvimento de hábi-tos de estudo consistentes, tais como oaumento no tempo de estudo, a aquisição dehabilidades que compõem a classe de respos-tas de “estudar” e, possivelmente, a melhorado comportamento de autoconfiança e tam-

bém do autoconceito relacionado às habilida-des acadêmicas.

> NOTA

  1. Expressão proposta pela CID-10 (Classificação Es-tatística Internacional de Doenças), para referenciarcrianças e adolescentes que apresentam alteraçõesqualitativas nas interações sociais, na comunicação,repertório de interesses e atividades restrito, estere-

otipado e repetitivo (CID-10, 2005).

Os analistas docomportamentodetêm amplo reper- tório de técnicashistoricamenteeficazes para ajudaras pessoas nasmais diferentesrelações que geram

sofrimento, alémde respaldo teóricoconsistente paraanalisar diversoscomportamentos.

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Clínica analítico-comportamental 285

> REFERÊNCIAS

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Pelo menos desde 1910, preocupados com asdificuldades teórico-práticas sobre a compre-ensão do adoecer e do cuidar de enfermos oudas pessoas que permaneciam saudáveis, ospsicólogos discutem as relações entre a psico-logia e a formação do estudante em biociên-cias (Enumo, 2003; Ribeiro, 2007). Porém,foi apenas no final de 1980 que a Psicologiada Saúde se constituiu como área formal deprodução do conhecimento (Matarazzo,1980).

Nas últimas décadas, observa-se umcrescente interesse em estudos desta área rela-cionados à saúde geral dos indivíduos. Elesabrangem diversas perspectivas teóricas e têmcontribuído para a formulação de programas

de promoção, prevenção e intervenção emsaúde e, ao mesmo tempo, propiciam a inte-

ração com outras áreas, como a medicina, aodontologia, a enfermagem, tanto no plane-

 jamento como na implementação de progra-mas de atenção integral à saúde.

Diversas abordagens teóricas, como psi-canálise, psicologia social, análise do compor-tamento, psicologia evolucionista, psicologiacognitiva, compõem o campo de intervençãoe pesquisa da Psicologia da Saúde. Porém,essa área teve seu início a partir dos estudosdo comportamento segundo os pressupostosdo behaviorismo (Enumo, 2003; Sarafino,2008).

Os trabalhos de pesquisa em Psicologiada Saúde têm demonstrado a importância daanálise científica do comportamento para a

prevenção e manutenção da saúde, tanto como objetivo de desenvolver hábitos saudáveis

Algumas reflexões analítico- 32 

-comportamentais na áreada psicologia da saúde1

 Antonio Bento A. MoraesGustavo Sattolo Rolim

ASSUNTOS DO CAPÍTULO

>  Psicologia da Saúde.>

  A importância da análise do comportamento para a área.>

  Aspectos biológicos, psicológicos e sociais como fenômenos indissociáveis.>

  Algumas variáveis fundamentais na Psicologia da Saúde.>

  Coping .>

  Proposições comportamentais em saúde.

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288  Borges, Cassas & Cols.

(como promoção doautocuidado, adesãoaos tratamentos pres-

critos e prática deexercícios físicos)quanto para fins demodificação de com-portamentos de riscoà saúde, tais como ta-bagismo, alcoolismo,transtornos alimen-tares, sedentarismo,comportamento se-

xual de risco, violên-cia, entre outros(Jenkins, 2007).

 A Psicologia daSaúde adota váriosmodelos de atuação,como as seguintesperspectivas: de gêne-ro (que estuda osproblemas de saúde

específicos de homens e mulheres), de cursode vida   (que procura compreender como aspessoas enfrentam os desafios à saúde e ao seubem-estar ao longo de suas vidas, em diferen-tes etapas do desenvolvimento), sociocultural(que estuda como os comportamentos, valo-res e crenças pertinentes a um grupo de pes-soas se desenvolvem ao longo dos anos e sãotransmitidos para as próximas gerações) e omodelo biopsicossocial (Straub, 2005).

Nas últimas três décadas, o desenvolvi-mento da pesquisa básica e aplicada em diver-sas áreas tem afirmado o valor da perspectivabiopsicossocial e demonstrado como proces-sos biológicos, psicológicos e sociais atuamem conjunto e afetam resultados em saúde fí-sica (Suls e Rothman, 2004).

Os processos biológicos, psicológicos esociais também são enfatizados pela aborda-gem analítico-comportamental. Nessa abor-

dagem, esses processos constituem aspectosdo comportamento e devem ser compreendi-

dos como eventos indissociáveis. Consequen-temente, a saúde é estudada em termos decomportamentos de

saúde e comporta-mentos de doença, oque implica valorizaro responder dos indi-víduos nas situaçõesde saúde e doença.Considerar o envol-vimento do compor-tamento no processosaúde-doença permi-

te o planejamento deestratégias de promoção, prevenção e trata-mento (Taylor, 2007; Straub, 2005).

 As pesquisas e intervenções em saúdeque focalizam as mudanças fisiológicas, dife-renças individuais e fatores contextuais bus-cam compreender o processo saúde-doençaenquanto um fenômeno dinâmico que envol-ve os comportamentos dos indivíduos e as prá-ticas culturais de uma determinada comunida-

de (Nicassio, Meyerowitz e Kerns, 2004).Uma das tarefas do psicólogo da saúde é

a avaliação das interações entre as variáveispessoais, características das doenças e doscontextos onde as pessoas vivem e trabalham.Essa avaliação tem como objetivo formularum diagnóstico e planejar uma estratégia deintervenção. Desse modo, a avaliação deveincorporar informações de natureza fisiológi-ca, psicológica e sociológica, o que implica ti-

picamente um trabalho apoiado em umaperspectiva biopsicossocial da saúde e da do-ença (Engel, 1977; Belar e Deardoff, 2009).

Ribes (1990) afirma que, para se com-preender a interação comportamento e saú-de, deve-se

 1. descrever o comportamento no conti-nuum saúde-doença; e

 2. identificar fatores biológicos, sociocultu-

rais e ambientais que influenciam a condi-ção de saúde do indivíduo.

Os trabalhos depesquisa empsicologia da saúde têm demonstrado

a importância daanálise científica docomportamento paraa prevenção e ma-nutenção da saúde.Tanto com o objetivode desenvolverhábitos saudáveis(como promoção doautocuidado, adesãoaos tratamentosprescritos e aprática de exercícios

físicos) como parafins de modificaçãode comportamentosde risco à saúde, taiscomo: tabagismo,alcoolismo, trans- tornos alimentares,sedentarismo, com-portamento sexualde risco, violênciaentre outros.

Os processos bioló-gicos, psicológicose sociais tambémsão enfatizados pelaabordagem analítico--comportamental.Nessa abordagem,esses processosconstituem aspectosdo comportamento edevem ser compre-endidos como even- tos indissociáveis.

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Clínica analítico-comportamental 289

O mesmo autor também alerta que nãobasta conhecer o processo biológico e as con-dições socioeconômicas. Estes fatores devem

ser analisados frenteaos comportamentosobservados e aquelesque devem ser ensi-nados às pessoas.

Nesse sentido,a Psicologia da Saú-de enquanto área doconhecimento estu-

da o processo de adoecer ou manter-se sau-

dável como resultado das ações das pessoasinseridas em diversos ambientes sociocultu-rais.

> ALGUMAS VARIÁVEISFUNDAMENTAIS EMPSICOLOGIA DA SAÚDE

Uma macroanálise sobre a importância do

comportamento e de como o indivíduo adoe-ce devido à exposição a ambientes não saudá-veis foi realizada por Taylor, Repetti e Seeman(1997). Esses autores exploraram o papel deambientes amplos no desencadeamento dedoenças crônicas e agudas e discutiram comoambientes físicos e sociais podem afetar ad-versamente a saúde. Ambientes designadoscomo comunidade, trabalho,  família e relações grupais são propostos como condições que in-fluenciam a saúde dos indivíduos, assimcomo possibilitam a aprendizagem de com-portamentos de risco e podem ser preditoresde ações de saúde “positivas” e “negativas” aolongo do ciclo vital.

Considerar um ambiente saudável ounão saudável envolve a identificação de fato-res que ameaçam a integridade do indivíduo,desde a exposição a serviços de saúde precá-rios ou à poluição até padrões de comporta-mento de adultos como tabagismo, alcoolis-mo e violência doméstica. Tais fatores podem

ameaçar ou debilitar a capacidade do sujeitoem desenvolver interações sociais satisfató-rias.

 A família é considerada o primeiro am-biente que influencia a saúde da criança quan-do a expõe a situações de cuidado, afeto e se-gurança. Por outro lado, a violência, a baixaqualidade de cuidados ou a exposição a mo-delos de comporta-mento relacionadosao consumo de álco-ol e cigarros são con-dições familiares que

dificultam o desen-volvimento e a apren-dizagem de compor-tamentos saudáveis.

 Assim, os comporta-mentos dos pais, pa-rentes e amigos po-dem predispor aocorrência de com-portamentos de risco

e de resultados “ne-gativos” para a saúdedas crianças ou difi-cultar a aquisição decomportamentos saudáveis promotores dedesenvolvimento cognitivo e emocional(Taylor, Repetti e Seeman, 1997).

Os indivíduos podem adoecer ou per-manecer saudáveis como efeito da exposiçãoa eventos estressores e de suas habilidades

para lidar com tais eventos. O modelo deestresse-enfrentamento representa um dos te-mas mais frequentemente abordados na pes-quisa e intervenção em Psicologia da Saúde(Taylor, Repetti e Seeman, 1997; Lazarus eFolkman, 1984; Sarafino, 2007; Straub,2005), uma vez que auxilia a compreensão darelação comportamento/doença e ambientesde risco.

Segundo o modelo de estresse-enfren-tamento, os indivíduos respondem a eventosestressores com reações fisiológicas e/ou com-

A psicologia dasaúde estuda o pro-cesso de adoecer oumanter-se saudávelcomo resultado dasações das pessoasinseridas emdiversos ambientessocioculturais.

A família é consi-derada o primeiroambiente queinfluencia a saúdeda criança quando

a expõe a situaçõesde cuidado, afeto esegurança. Por outrolado, a violência,a baixa qualidadede cuidados ou aexposição a modelosde comportamentorelacionados aoconsumo de álcool ecigarro são con-dições familiaresque dificultam o

desenvolvimento ea aprendizagem decomportamentossaudáveis.

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portamentais. Dada a sua frequência e/ou in-tensidade, esses eventos podem ultrapassar acapacidade do indivíduo em resistir a essas

demandas ambientais. Essa incapacidade de“adaptação”, devido ao desgaste do sistema fi-siológico e/ou psicológico, leva o indivíduo auma condição de fragilidade psicológica e/ouimunológica, e o organismo, assim, adoece(Selye, 1956). Nesse sentido, o estresse é umprocesso psicofisiológico de adaptação do in-divíduo às exigências do ambiente. Quandoos recursos comportamentais e fisiológicos seesgotam, ocorre a doença, as chamadas doen-

ças da adaptação. O modelo de estresse pos-tula também que o adoecimento está relacio-nado às estratégias que o indivíduo dispõepara lidar com as demandas ou condições es-timuladoras do ambiente social e familiar. Es-sas estratégias têm sido designadas como pa-drões de enfrentamento ou coping .

Nessa perspectiva, coping   é definidocomo um conjunto de esforços, cognitivos ecomportamentais, utilizado pelos indivíduos

com o objetivo de lidar com demandas espe-cíficas, internas ou externas, que sobrecarre-gam seus recursos pessoais (Lazarus e Folk-man, 1984). Essa definição implica que as es-tratégias de coping  são ações deliberadas quepodem ser aprendidas, usadas e descartadas.

Para uma perspectiva analítico-com-portamental, a compreensão da interação en-tre as respostas de enfrentamento e as variá-veis designadas como estressoras implica defi-

nir operacionalmente as condições ambientaisem que se encontra o indivíduo, as respostasque apresenta e os resultados destas em ter-mos de qualidade de vida, redução de queixasde dor e diminuição geral de desconforto físi-co (Costa Jr., 2003). As condições ambientaisamplamente identificadas representam con-dições de conflitos, pressões (no trabalho, nafamília), mudanças (de trabalho, de cidade,de parceiro, de condição financeira, de condi-

ções de saúde, etc.) e perdas. Por exemplo,um indivíduo que vive sob pressão no traba-

lho ou nos estudos pode deixar de frequentaro local estressante ou passar a responder demodo supersticioso/fantasioso sobre o seu

“problema” (fuga/evitação). Outra forma deos indivíduos responderem a situações adver-sas seria abandonar o tratamento diante deinformações sobre a precariedade de sua saú-de (distanciamento) (Straub, 2005).

Esses comportamentos de fuga e distan-ciamento estão muitas vezes associados a res-postas como comer, beber, jogar, etc., e essaspodem se tornar hábitos de risco à saúde.Taylor, Repetti e Seeman (1997) associam es-

tes padrões comportamentais a transtornosmentais. Comportamentos de esquiva oufuga são produtos da interação do organismoe do ambiente, que, muitas vezes, represen-tam padrões designados como depressão, an-siedade ou medo. Adepressão seria umpadrão comporta-mental que pode es-tar associado a uma

história de puniçãoou extinção e quegera uma diminuiçãona frequência docomportamento po-sitivamente reforça-do e aumento docomportamento deesquiva ou fuga deeventos “indesejá-

veis”. Em outras pa-lavras, pessoas deprimidas tendem a se com-portar muito mais para evitar ou fugir de algoque não querem do que para buscar consequ-ências “desejadas”.

Ferster, em 1973, propôs que a diferen-ça entre a normalidade e o estado “patológi-co” da depressão é mais quantitativa do quequalitativa. Por exemplo: de um modo geral,todas as pessoas naturalmente emitem com-

portamentos para evitar o “indesejável” e/ouconseguir o “desejável”. As pessoas com diag-

Comportamentosde fuga e distancia-mento muitas vezesestão associadosa respostas comocomer, beber, jogar,

etc., e essas podemse tornar hábitosde risco à saúde. ...Comportamentos deesquiva ou fuga sãoprodutos da intera-ção do organismoe do ambiente, quemuitas vezes, re-presentam padrõesdesignados comodepressão, ansieda-de ou medo.

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Clínica analítico-comportamental 291

nóstico de depressão, todavia, tendem a bus-car muito mais o alívio do que o prazer (Be-ckert, 2002).

 A partir de uma perspectiva analítico--comportamental, a depressão é um compor-tamento, e, como tal,deve-se investigar a“história de vida”, osestímulos anteceden-tes e as consequênciasque este produz. A“depressão” é resul-tante da interação de

uma pessoa com oseu mundo. Dessemodo, sendo um

comportamento, o controle da depressão estána identificação dos eventos ambientais que adesencadeiam e/ou a mantêm.

> PROPOSIÇÕESCOMPORTAMENTAIS EM SAÚDE

Para uma visão analítico-comportamental doprocesso saúde-doença, é preciso identificar asrespostas que ocorrem frente a eventos adver-sos e suas consequências, a fim de se analisarfuncionalmente a relação entre ambientes di-tos não saudáveis, respostas do organismo e asconsequências (naturais ou arbitrárias) destas.

 As manifestações de doença são ocor-rências normais ao longo do ciclo vital e mo-dulam o responder do organismo que seadapta aos eventos ambientais. Adoecer é umpadrão de respostas que faz parte da vida. Ascondições biológicas são constitutivas do fe-nômeno comportamental; dessa forma, as ex-periências de saúde e doença mantêm e mo-dulam o comportamento dos indivíduos.

 Alguns estudos que avaliam a exposiçãode pessoas a situações estressantes/adversas, ede como estas situações sensibilizam os sujei-tos a responderem de modo apropriado, de-monstram que relações designadas como de-

samparo, depressão, ansiedade e comporta-mentos prejudiciais à saúde (como o uso deálcool e tabaco) relacionam-se às experiências

vividas pelo sujeito em um dado contexto so-ciocultural (Straub, 2003). Saúde e doençasão resultados comportamentais que alterama sensibilidade do organismo a eventos aver-sivos (Kaplan, 1990).

Padrões comportamentais saudáveis sãoas habilidades do indivíduo para organizar oambiente e se manter trabalhando por refor-çadores distantes, mesmo diante de eventos“negativos” da vida. Experiências históricas

com eventos aversivos em situações de doen-ça determinam respostas futuras do indiví-duo. Pessoas que se tornam “psicologicamen-te duras” funcionam como se sua história fos-se também seu futuro, enquanto o indivíduo“saudável” reconhece e se comporta como sesua história fosse o que simplesmente é (Fol-lette et al., 1993).

Um indivíduo “saudável” é aquele quefaz o equilíbrio entre eventos reforçadores

próximos ou remotos. A comunidade verbalprecisa ajudar a criar contingências reforça-doras sociais intermediárias que estabeleçame mantenham o trabalho que será seguidotemporalmente por reforçadores mais distan-tes (Follette et al., 1993).

Michael (1982) mostrou que um estí-mulo discriminativo funciona para alterar afrequência momentânea de um tipo particu-lar de resposta na presença daquele estímulo

como efeito de uma história particular de re-forçamento. Ele levanta a questão a respeitode se saber como um reforçador particularpode ter sua eficácia aumentada. Conside-rando esse aspecto, Michael sugeriu que aexpressão operações motivadoras seja usadapara descrever operações que produzamquaisquer mudanças no ambiente, capazesde alterar a eficácia de alguma coisa, pessoaou evento para funcionar como consequên-cia enquanto, ao mesmo tempo, alterammomentaneamente a frequência do com-

A depressão é resul- tante da interaçãode uma pessoa comseu mundo. Dessemodo, sendo umcomportamento, ocontrole da depres-são está na identifi-cação dos eventosambientais que adesencadeiam e/oua mantém.

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portamento que tem sido seguido por aque-la consequência.2

Segundo Dougher e Hackbert (2000),

condições de saúde ou doença podem exercerfunção de operações motivadoras e, conse-quentemente, afetar determinados compor-tamentos de um indivíduo.

Resende (2006) discute a manutençãoou a modificação do comportamento de eti-listas utilizando-se do conceito de operaçãomotivadora. Este autor sugere que a pessoaque emite o comportamento de ingerir álcoolé reforçada de forma imediata pela sensação

agradável produzida pela substância, bemcomo pela facilitação de interações sociaispossivelmente reforçadoras. A manutenção,ou não, desse comportamento se relaciona àhistória desse sujeito e às condições fisiológi-cas de dependência. A dependência física éum estado em que o corpo se ajustou ao usorepetido do álcool e necessita de seus efeitospara manter um padrão de funcionamentopsicológico “normal”. Os sintomas podem

incluir o desenvolvimento de tolerância, ex-cessivo gasto de tempo para obter, consumirou recuperar-se do uso do álcool (o que podelevar à redução de atividades profissionais oua conflitos conjugais) e, mesmo assim, a per-sistência do ato de beber, apesar dos resulta-dos físicos e psicológicos. Para algumas pesso-as, o abuso do álcool começa por uma histó-ria de beber para enfrentar eventos da vida oudemandas situacionais difíceis. Assim, o álco-

ol pode ajudar algumas pessoas a enfrentarambientes profissionais exigentes e competi-tivos.

Imagine uma pessoa tabagista que sesente bem com as consequências desse hábi-to, pelo prazer e relaxamento que este pro-duz. Essa mesma pessoa pode ser exposta fre-quentemente a outros eventos, tais como:cheiro nas mãos, escurecimento dos dentes,perda do paladar, dificuldade respiratória,

avisos de proibido fumar, custo dos cigarros,informações sobre a gravidade decorrentedesse comportamento e programas e técnicas

de cessação desse hábito, etc. Todavia, o indi-víduo mudará seu comportamento apenasquando seu comportamento não mais for re-forçado ou quandoos punidores concor-rentes se sobrepuse-rem aos reforçadores.Nesses casos, essesoutros eventos pode-rão se tornar estímu-

los discriminativospara novos compor-tamentos, como pro-curar tratamentos desaúde, mudar o com-portamento alimen-tar, ingerir medica-mentos, esquivar-sede situações poten-cialmente estressoras,

etc. Mudar um estilode vida, geralmente, requer aprendizagem au-todiscriminada, apoio social e ajuda profis-sional.

O assunto saúde e comportamento éimportante e abrangente. Neste capítulo,abordamos, brevemente, algumas questõesrelevantes sobre as quais a análise do compor-tamento tem se debruçado no que se refere aoprocesso saúde-doença. Todavia, acreditamos

que há muito a estudar, ainda, sobre condi-ções adversas que afetam o comportamentodas pessoas.

> NOTAS

  1. Agradecemos ao professor Dr. Isaias Pessotti pela re-visão do manuscrito.

  2. Para uma maior compreensão sobre operações mo-tivadoras, ver o Capítulo 3.

Na construçãode uma avaliaçãofuncional, o profis-sional deve levar emconsideração pos-síveis contingênciasconcorrentes. Nocaso de vícios como

 tabagismo é comumque esse compor- tamento produzaconsequências pu-nidoras e reforçado-ras, sendo que se aresposta continua aser emitida é porqueas contingências dereforçamento estãose sobrepondo sobreas contingênciasaversivas.

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Clínica analítico-comportamental 293

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Este glossário deve ser considerado como umguia para a compreensão de termos emprega-dos ao longo desta obra e na literatura da área,bem como um material de apoio para o dia a

dia do clínico. Contudo, não se deve entenderque as definições aqui apresentadas são inques-tionáveis e, portanto, inflexíveis; os termos es-tão aqui definidos a partir das preferências dedefinição dos organizadores; não significa queoutras definições não sejam aceitas ou corretas.Outro ponto que vale ressalvar é que não sepretendeu, com este glossário, esgotar os ter-mos da área, pois isso exigiria muito mais em-penho de nossa parte; optou-se por apresentar

apenas os termos que são mais frequentementeabordados na obra e que são mais comumenteutilizados na prática clínica.

Por vezes, no final da definição de umtermo, são apresentadas referências cruzadasentre definições. Assim, o leitor poderá en-contrar o termo “ver” seguido de um termoem letras MAIÚSCULAS, que se refere a ou-tras referências que podem ajudar na compre-ensão do termo em questão; “Cf.” refere-se auma referência, por vezes, contrastante e quevale comparar para melhor compreender otermo em questão.

Acompanhante terapêutico:  profissional quetrabalha em ambientes extra-consultório, noambiente onde as contingências mantedoras

dos comportamentos atuam. Pode ser o pró-prio clínico ou outra pessoa treinada paraexercer essa função.

Alterador(a) da função de estímulo: trata-se deum estímulo antecedente que altera a funçãode estímulos em uma contingência, fazendocom que a probabilidade de ocorrência daresposta seja alterada. Este estímulo não deveser confundido com um estímulo discrimina-tivo (Sd), por não ter passado por uma histó-ria de reforçamento diferencial, tampoucotrata-se de uma operação motivadora (OM),pois seus efeitos alteradores não são momen-

tâneos, como nas OMs.Ambiente natural: termo empregado para sereferir àqueles contextos nos quais estamosinseridos no dia a dia e é geralmente utilizadopara diferenciá-los do contexto clínico, que sepropõe diferenciado.

Ambiente: parcela do universo que afeta/inter-fere no responder de um indivíduo (ver tam-bém comportamento); trata-se exclusivamente

daquela parcela do universo que está em intera-ção com a resposta, ou seja, exerce alguma fun-ção de estímulo em uma relação comporta-mental. Não deve ser confundido com universoou mundo circundante , pois este último se refe-re a tudo que circunda o organismo, incluindoo que não tem relação com o responder.

Análise de contingências: ver AVALIAÇÃOFUNCIONAL.

Análise do comportamento: abordagem da psi-cologia que se baseia nos conhecimentos das

* As definições apontadas aqui têm como base os capítu-

los desta obra, o livro  Aprendizagem: Comportamento,Linguagem e Cognição, de A. Charles Catania (1999), eoutras obras de referência.

 

Glossário*

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Glossário 295

ciências do comportamento e nos pressupos-tos do Behaviorismo Radical.

Análise funcional: análise pela qual iden-

tificam-se as variáveis de controle de um dadocomportamento. Implica, necessariamente,em (1) observar possíveis relações entre variá-veis ambientais, internas ou externas (variávelindependente), e o comportamento do indi-víduo (variável dependente); e (2) manipula-ção das variáveis independentes para testar arelação entre elas. Cf. AVALIAÇÃO FUN-CIONAL.

Assertividade: ver COMPORTAMENTOSOCIALMENTE HABILIDOSO.

Atenção: responder diferencialmente sob con-trole de um estímulo ou de uma de suas di-mensões. Ver DISCRIMINAÇÃO.

Audiência não punitiva: tipo específico de au-diência (ver OUVINTE) exercida pelos clíni-cos – participantes da comunidade verbal es-pecialmente treinados para tal –, a qual visa

fornecer um contexto diferenciado no qualnão há desaprovação ou punição a qualquerresposta emitida ou relatada pelo cliente emsessão. Em outras palavras, consiste em ouvircom atenção o relato do cliente, demonstran-do compreensão e aceitação do que é dito.

 Através dela, espera-se um maior engajamen-to do cliente no processo de análise. Cf. ES-CUTA TERAPÊUTICA.

Audiência: parte da contingência verbal. VerOUVINTE.

Autorregra(s): antecedente(s) verbal(is) queespecifica(m) contingências e que controla(m)a resposta verbal ou não verbal. As autorre-gras são formuladas pelo indivíduo a partir desua história de interação com o meio. VerREGRAS.

Autoconhecer: nome dado ao comportamentode um indivíduo de falar sobre o que faz e porque, comportamento esse que está diretamen-te relacionado com outros comportamentos,

tais como observar e descrever seus comporta-mentos e as contingências que os controlam.

 Assim, é melhor falarmos de um gradiente de

autoconhecer, pois este está diretamente rela-cionado com o grau de correspondência entreo que o indivíduo faz e por que e a capacidadedeste indivíduo para descrever tais relaçõescomportamentais. Dessa forma, dizemos queo indivíduo “tem maior autoconhecimento”quando for capaz de descrever melhor seuscomportamentos e as contingências que oscontrolam. Cf. COMPORTAMENTO IN-CONSCIENTE.

Autoconhecimento: ver AUTOCONHE-CER.

Autocontrolar: capacidade do indivíduo de in-tervir sobre (manipular) as contingências quecontrolam um determinado comportamentoseu, de modo que esse comportamento fiquesob controle de reforçadores mais atrasados(distantes) em relação à resposta.

Autocontrole:ver AUTOCONTROLAR.

Avaliação funcional: Avaliação pela qual se es-tabelecem possíveis relações entre variáveisdeterminantes de um dado comportamento.Inclui a obtenção de dados, a seleção doscomportamentos-alvo, a operacionalizaçãodesses comportamentos, a escolha e aplicaçãodas intervenções e a avaliação dessas, comeventual necessidade de reformular as avalia-ções e/ou as intervenções. Difere de uma aná-

lise funcional  pela sua característica mais in-terpretativa e menos experimental, assim, fre-quentemente, diz-se que o clínico faz avaliaçãofuncional em vez de análise funcional. Cf.

 ANÁLISE FUNCIONAL.

Behaviorismo Radical: Filosofia que subsidia aanálise do comportamento e que tem comoum de seus principais expoentes B. F. Skin-ner.

Bloqueio de esquiva: Constitui-se na reapre-sentação de um estímulo aversivo quando da

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emissão de uma resposta de esquiva ou doimpedimento da emissão da resposta de es-quiva, fazendo com que o indivíduo entre em

contato com o estímulo aversivo em questão.Como procedimento clínico, trata-se de umatentativa de promover enfrentamento em re-lação ao estímulo aversivo.

Bullying:  agressão física e/ou verbal feita repe-tidamente e intencionalmente contra um oumais colegas incapazes de se defender.

Cadeia comportamental: sequência de operan-tes discriminados mantidos por um reforça-

dor final que fortalece toda a cadeia. Assim,cada operante se mantém por produzir comoreforçador um estímulo que exercerá funçãode SD para a resposta seguinte, sendo este SD

a condição necessária para que tal resposta se-guinte possa ser reforçada. Pode ser utilizadocomo procedimento clínico, sendo possívelde ser ensinado/instalado  para a frente   (daresposta mais distante do reforçador para amais próxima) ou de trás para frente  (da res-

posta mais próxima do reforçador para a maisdistante).

Classe de estímulos: conjunto de eventos, an-tecedentes ou consequentes, que exercem amesma função em uma relação comporta-mental.

Classe de respostas: população de respostas;conjunto de respostas que são evocadas poruma mesma classe de estímulos antecedentes

e/ou produzem uma mesma classe de estímu-los consequentes, ou seja, conjunto de respos-tas que são funcionalmente semelhantes.

Coleta de dados: momento em que o profissio-nal busca elementos para compor sua hipótesesobre as variáveis determinantes do com-portamento-alvo. No contexto clínico, podeacontecer por meio de entrevistas com o clien-te ou responsável, ou por observação direta.

Comportamento: 1) interação, relação, fenô-meno comportamental. Trata-se da relação

entre as respostas de um indivíduo e as con-tingências que as influenciam (antecedentes econsequentes). Assim, ao se falar que o objeto

de estudo da análise do comportamento é ocomportamento, entende-se as relações entreorganismo e ambiente, o que se dá em três ní-veis: filogenético, ontogenético e cultural; 2)por vezes, é possível encontrar a utilização dotermo comportamento como sinônimo de res-posta, principalmente em contexto aplicado(como a clínica). Desse modo, o leitor deveráestar atento para identificar a qual dessas de-finições o falante quis se referir.

Comportamento-alvo: padrão comportamentalque deverá sofrer intervenção. No caso da clí-nica, é a relação comportamental responsávelpelo sofrimento do cliente. Cf. COMPOR-TAMENTO-QUEIXA.

Comportamento-queixa: padrão comporta-mental descrito pelo cliente na clínica comoo responsável pelo sofrimento e que se confi-gura como ponto de partida do trabalho clí-

nico. Pode diferir do comportamento-alvo,pois o cliente, por vezes, não é capaz de iden-tificar as relações comportamentais responsá-veis pelo sofrimento. Cf. COMPORTA-MENTO-ALVO.

Comportamento aberto:ver RESPOSTAS ABER-TAS.

Comportamento clinicamente relevante (CRB –Clinical Relevant Behavior ): comportamentos

do cliente aos quais o clínico deve estar aten-to durante uma sessão terapêutica. Podem serdivididos em CRB 1, CRB 2 e CRB 3. CRBs1, comportamentos relacionados ao compor-tamento-alvo e que ocorrem no contexto clí-nico; CRBs 2, comportamentos relacionadosà “melhora” do comportamento-alvo e queocorrem no contexto clínico, ou seja, respos-tas alternativas aos CRBs 1; CRBs 3, com-portamentos de interpretar e analisar o

comportamento-alvo, emitidos pelo própriocliente.

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Glossário 297

Comportamento de contracontrolar: operanteem que a resposta emitida é reforçada pelocontrole das contingências que controlam

outro comportamento do próprio indivíduo.Geralmente, o comportamento de contra-controlar é evocado quando contingênciasaversivas estão em vigor.

Comportamento disruptivo: comportamentoque compete com a emissão de comportamen-tos considerados socialmente adequados.

Comportamento emocional: ver EPISÓDIOEMOCIONAL.

Comportamento encoberto: ver RESPOSTASENCOBERTAS.

Comportamento governado por regras: verCOMPORTAMENTO GOVERNADOVERBALMENTE.

Comportamento governado verbalmente: pro-cesso em que a resposta é emitida sob contro-le de uma regra que descreve a contingência.Pode ser utilizado como procedimento, ten-

do entre suas qualidades três aspectos: econo-miza tempo na geração da resposta, evita pos-síveis danos da exposição direta às contingên-cias e instala ou mantém respostas cujasconsequências são atrasadas ou opostas àsconsequências imediatas. Cf. COMPORTA-MENTO MODELADO POR CONTIN-GÊNCIAS.

Comportamento inconsciente: refere-se àqueles

comportamentos que o indivíduo faz e quenão sabe descrever o que faz e/ou por que faz. A princípio, todo comportamento é dessetipo, tornando-se consciente através de umacomunidade verbal que o torna discrimina-do. Ver AUTOCONHECER.

Comportamento modelado por contingências:processo em que a relação entre respostas e es-tímulos (antecedentes e consequentes) se es-tabelece através da exposição direta, ou seja,

através da sensibilidade do organismo aoseventos ambientais, sem a necessidade de

uma regra que descreva a contingência. Cf.COMPORTAMENTO GOVERNADOVERBALMENTE.

Comportamento operante: relação entre orga-nismo e ambiente em que o indivíduo operasobre o mundo mudando-o, e este, por suavez, também o muda. Essa relação é observa-da através de classes de respostas que têm suasprobabilidades de ocorrência alteradas deacordo com as consequências que produzem.

 Assim, diz-se que é uma relação com pelomenos duas características: 1) a resposta pro-duz uma determinada consequência; 2) essaconsequência, produzida pela reposta, alteraa probabilidade futura de respostas dessa clas-se. Seu paradigma é R C.

Comportamento operante discriminado: trata-sede um comportamento operante sob controlede estímulos antecedentes. Esse evento antece-dente, que passa a evocar o operante, chamar--se-á estímulo discriminativo (SD) e adquire estafunção por ser a ocasião em que a resposta pro-

duzirá o reforçador. Assim, uma história emque, diante de determinada condição, a res-posta produza a consequência reforçadora e, aseguir, em outra condição, a mesma respostanão produza a consequência reforçadora farácom que este operante torne-se discriminado,ou seja, fique sob controle da condição quehistoricamente foi relacionada com o reforça-dor. Seu paradigma é SD: R SR. Cf. DIS-CRIMINAÇÃO.

Comportamento reflexo: relação organismo--ambiente em que a resposta é eliciada porum estímulo antecedente, sendo essa relaçãoinata, ou seja, o indivíduo nasce sensívelàquele evento. Nestes casos, diz-se que um es-tímulo incondicional  (ou incondicionado) eli-cia  uma resposta incondicional  (ou incondicio-nada ), sendo que, neste tipo de relação, a res-posta ocorre em aproximadamente 100% dasvezes em que o estímulo incondicional é apre-sentado, o que faz com que se diga que a res-posta é eliciada (produzida) pelo estímulo.

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298  Glossário

Seu paradigma é USUR. Cf. COMPOR-TAMENTO RESPONDENTE.

Comportamento respondente: relação organis-

mo-ambiente em que a resposta é eliciada porum estímulo antecedente, sendo essa relaçãoaprendida/condicionada. Nesses casos, diz-seque um estímulo condicional  (ou condiciona-do) elicia uma resposta condicional  (ou condi-cionada ), sendo que, neste tipo de relação, aresposta ocorre em aproximadamente 100%das vezes em que o estímulo condicional éapresentado, o que faz com que se diga que aresposta é eliciada  (produzida) pelo estímulo.Seu paradigma é CSCR. Cf. COMPOR-TAMENTO REFLEXO.

Comportamento social: refere-se àquelas res-postas emitidas por duas ou mais pessoas en-tre si e em cooperação. Emprega-se o termopara aquelas contingências em que pelo me-nos um dos componentes da contingênciaenvolva outro indivíduo; propriedades so-ciais. Cf. PRÁTICA CULTURAL.

Comportamento socialmente adequado: refere--se àquelas respostas que são esperadas/dese-

 jadas pelos grupos sociais dos quais o indiví-duo participa.

Comportamento socialmente habilidoso: classede comportamentos relacionados a situaçõessociais e que são socialmente aprovados.Exemplo de uma resposta socialmente habili-dosa é expressar sua opinião publicamente e

de modo “adequado”, não sendo “submisso”nem “agressivo”.

Comportamento supersticioso: tipo de relaçãooperante em que a resposta é mantida por re-forçamento acidental. Nesse caso, é comumque essa seja uma relação de contiguidade enão de contingência.

Comportamento verbal: Há pelo menos duasdefinições importantes de comportamento

verbal: 1) comportamento operante em queas consequências são mediadas pelo ouvinte –

nesses casos, a resposta produz a consequên-cia indiretamente, através do ouvinte; 2) ca-pacidade de responder relacionalmente a

eventos arbitrários, ou seja, “agrupar” eventosrelacionalmente – nesse caso, não há a neces-sidade de envolver um outro organismo quemedeie as consequências. Em qualquer umadas definições apresentadas, trata-se de umcomportamento operante, ou seja, é sensívelàs consequências. Ver COMPORTAMEN-TO OPERANTE.

Condicionamento: processo pelo qual se esta-belece uma aprendizagem. O condiciona-mento pode ocorrer naturalmente ou de for-ma planejada. O primeiro, condicionamentonatural, refere-se às relações estabelecidas nodecorrer da vida de um indivíduo sem a in-tervenção intencional de um agente. O se-gundo, condicionamento planejado, é consi-derado um procedimento em que as relaçõessão estabelecidas a partir de um planejamentopor parte de um agente.

Condicionamento clássico: ver CONDICIO-NAMENTO RESPONDENTE.

Condicionamento operante: processo pelo qualse estabelece uma relação operante. VerCOMPORTAMENTO OPERANTE.

Condicionamento pavloviano: ver COMPOR-TAMENTO RESPONDENTE e CONDI-CIONAMENTO.

Condicionamento respondente: processo peloqual se estabelece uma relação respondente.Ver COMPORTAMENTO RESPONDEN-TE.

Consequência: modificação no ambiente pro-duzida pela emissão de uma determinada res-posta e que altera a probabilidade futura deocorrência de respostas dessa classe. Quandoa alteração for aumentar  a probabilidade fu-tura de ocorrência de respostas da classe que a

produziu, diz-se que a consequência é reforça-dora . Por outro lado, se a alteração for dimi-

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Glossário 299

nuir  a probabilidade futura de ocorrência derespostas da classe que a produziu, diz-se quea consequência é punidora .

Consequência artificial: o termo é impreciso,porém, poderá ser encontrado. Ver REFOR-ÇADOR ARBITRÁRIO.

Contingência: relação de dependência entreeventos. Sua utilização na análise do compor-tamento é frequente e se refere aos eventos am-bientais que afetam determinada resposta.Exemplo: analisar contingências é um dos ter-mos empregados para se referir à identificação

das variáveis das quais uma resposta é função.Contingências de reforçamento: relação de de-pendência entre respostas de um indivíduo emudanças ambientais que alteram o respon-der. São as condições nas quais uma respostaproduz uma determinada consequência.

Contracontrole: ver COMPORTAMENTODE CONTRACONTROLAR.

Contrato clínico: conjunto de regras estabele-cidas e mantidas pelo clínico e seu clienteacordadas no início do processo. Deve conterexplicações referentes ao sigilo, aos honorá-rios e o modo de acertá-los, procedimentosquanto às faltas, reposições, etc. Ver Resolu-ção do CFP n.o 010/05.

Contrato terapêutico: ver CONTRATO CLÍ-NICO.

Controle:relações entre eventos, em que umdeles exerce função sobre o outro. Assim, diz-

-se que o comportamento é controlado devi-do a este sofrer influência de contingências,sejam elas históricas ou atuais. Não se deveconfundir controle com manipulação inten-cional.

Controle aversivo: tipo de controle possívelnas relações comportamentais em que há apresença de estímulos aversivos, podendo eles

serem antecedentes ou consequentes à respos-ta. É frequente sua utilização para se referir às

relações de reforçamento negativo (fuga e/ouesquiva) e punição positiva ou negativa.

Controle coercitivo: ver CONTROLE AVER-SIVO.

Controle discriminativo: ver DISCRIMINA-ÇÃO ou COMPORTAMENTO OPERAN-TE DISCRIMINADO.

Controle por regras: ver COMPORTAMEN-TO GOVERNADO VERBALMENTE.

CRB: abreviatura de Clinical Relevant Beha-vior . Ver COMPORTAMENTO CLINICA-

MENTE RELEVANTE.

Déficit comportamental: padrão de comporta-mento que não é emitido na frequência, in-tensidade ou duração necessária para que hajareforçamento.

Delineamento de sujeito como seu próprio con-trole: refere-se ao delineamento em que cadasujeito funciona como seu próprio controleem procedimentos experimentais. Exemplosdesse tipo de delineamento são reversões e li-nhas de base múltiplas. Esse tipo de delinea-mento visa respeitar o pressuposto de N=1defendido pelo Behaviorismo Radical, sendouma alternativa ao delineamento estatístico.

Delineamento de sujeito único: Ver DELINE- AMENTO DE SUJEITO COMO SEUPRÓPRIO CONTROLE.

Dessensibilização sistemática:procedimentoque consiste em apresentar um estímulo aver-

sivo através de imaginação ou ao vivo em umcontexto de relaxamento (geralmente induzi-do por técnicas de relaxamento), a fim depromover o enfraquecimento do comporta-mento respondente que traz sofrimento aoindivíduo, baseando-se no princípio de inibi-ção recíproca. Ver EXPOSIÇÃO COM PRE-VENÇÃO DE RESPOSTAS (EPR).

Discriminação: processo ou procedimentopelo qual se estabelece um operante discrimi-

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300  Glossário

nado. Consiste na construção de uma históriade reforçamento diante de um evento, a prin-cípio neutro, que, ao final, se tornará discri-

minativo, e do não reforçamento (ou reforça-mento de menor intensidade) diante de ou-tros eventos. Assim, ao final do processo ouprocedimento, o responder ocorrerá commaior probabilidade diante do estímulo dis-criminativo. Cf. COMPORTAMENTOOPERANTE DISCRIMINADO.

DRA: ver REFORÇAMENTO DIFEREN-CIAL DE RESPOSTA ALTERNATIVA.

DRI: ver REFORÇAMENTO DIFEREN-CIAL DE RESPOSTA INCOMPATÍVEL.

DRO: ver REFORÇAMENTO DIFEREN-CIAL DE OUTRAS RESPOSTAS.

Ecoico: operante verbal em que o estímuloantecedente e a resposta são vocais e a conse-quência é um reforçador generalizado; alémdisso, há, necessariamente, correspondênciaponto a ponto entre o SD e a resposta.

Economia de fichas: procedimento que consis-te na liberação de reforçador arbitrário con-tingente à emissão de uma resposta, utilizadoquando o reforçador natural não existe ounão é suficiente para mantê-la. Através desseprocedimento, é possível formar cadeias com-portamentais, e um de seus objetivos é insta-lar e manter comportamentos desejáveis. Ou-tras características são a utilização de reforça-

mento positivo e a possibilidade de aplicaçãoem grande escala.

Eliciar: produzir. É frequente o uso do termopara se referir à função que o estímulo exerceem relação à resposta nos comportamentosrespondente ou reflexo. Seu uso, nesses casos,

 justifica-se por ter-se uma relação em que cer-ca de 100% das respostas ocorrem quando daapresentação do estímulo. Assim, diz-se que o

estímulo elicia  a resposta. Cf. EVOCAR.Emoção: ver EPISÓDIO EMOCIONAL.

Encadeamento: ver CADEIA COMPORTA-MENTAL.

Encoberto: ver RESPOSTA ENCOBERTA.

Encontros iniciais: conjunto formado pelas pri-meiras sessões, as quais se diferenciam das se-guintes por enfatizarem a apresentação entre oprofissional e o cliente, o estabelecimento docontrato terapêutico e a coleta de dados – queresultará na formulação do caso clínico.

Ensaio comportamental: ver ROLE-PLAY .

Entrevista clínica inicial: foca-se na queixa edados a ela relacionados e identifica expecta-tivas do cliente sobre o tratamento. As per-guntas abertas do começo permitem algo quese aproxima de um operante livre. Ao deixarque o cliente fique à vontade para falar no co-meço da entrevista, o clínico terá uma amos-tra de comportamentos. Assim, pode obser-var o que o cliente verbaliza e faz, isto é, ob-serva o conteúdo e a função das verbalizaçõesdo cliente.

Episódio emocional: interações que envolvemdesempenhos operante e respondente. Rela-ção entre eventos ambientais e todas as altera-ções em um conjunto amplo de diferentesclasses de respostas. É composto de: aumentomomentâneo na probabilidade de emissão decertas respostas, eliciação de respostas reflexase alteração na efetividade de estímulos refor-çadores.

Episódio verbal:termo empregado para se re-ferir à interação verbal entre ouvinte e falan-

te. Nessa interação, o ouvinte exerce funçãode estímulo discriminativo (SD) na presençado qual verbalizações (respostas verbais do fa-lante – R v ) ocorrem, levando o ouvinte aconsequenciá-las. Assim, para se analisar umepisódio verbal, é necessário olhar para o en-trelaçamento entre as respostas do falante edo ouvinte.

Equivalência de estímulos: refere-se a funçõesque estímulos podem exercer em relações

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Glossário 301

comportamentais, que, no caso, seriam asmesmas. Assim, diz-se que estímulos sãoequivalentes quando exercem a mesma fun-

ção em uma relação comportamental.Escuta terapêutica: trata-se de ver e ouvir oque o cliente está relatando, devendo consi-derar o conteúdo e a forma da narrativa (ver-balizações vocais) e suas relações com os ou-tros comportamentos emitidos por ele quenão os vocais. Essa escuta é diferente daquelafeita por outras pessoas, pois o clínico deveter sua escuta direcionada para as relações queo cliente estabelece entre seus comportamen-tos e os eventos do universo – ou seja, aquiloque ele (cliente) estabelece como relações decontingência – e permanecer sob controle deseu referencial teórico, buscando identificaras possíveis relações funcionais em vigor. Cf.

 AUDIÊNCIA NÃO PUNITIVA.

Esquema de reforçamento contínuo: ver RE-FORÇAMENTO CONTÍNUO.

Esquema de reforçamento intermitente: verREFORÇAMENTO INTERMITENTE.

Esquiva: termo atribuído para se referir a umarelação operante em que a resposta produzcomo consequência o adiamento ou evitaçãode um evento aversivo. Trata-se de um ope-rante mantido sob reforçamento negativo.Ver REFORÇAMENTO NEGATIVO. Cf.FUGA.

Estados emocionais: ver EPISÓDIO EMO-

CIONAL.

Estimulação aversiva: ver EVENTO AVER-SIVO.

Estímulo: qualquer parcela do universo queesteja envolvida em uma relação comporta-mental, ou seja, que exerça o papel de am-biente na interação com o organismo. Não sedeve aplicar o termo a elementos do universoque não estejam relacionados com a resposta;

a estes elementos, deve-se utilizar o termoevento. Cf. EVENTO.

Estímulo apetitivo: ver EVENTO APETITI-VO.

Estímulo aversivo: ver EVENTO AVERSI-

VO.

Estímulo condicional ou estímulo condiciona-do (CS): evento que ocorre após processo deaprendizagem/condicionamento, a fim deexercer função de eliciar uma resposta condi-cional (ou condicionada) em uma relação res-pondente. Ver COMPORTAMENTO RES-PONDENTE. Cf. ESTÍMULO INCON-DICIONAL.

Estímulo discriminativo: é a ocasião em que,caso a resposta seja emitida, produzirá o refor-çador, sendo que, na sua ausência, a respostanão produzirá o reforçador. Através de umahistória de reforçamento diferencial, esse even-to passa a exercer influência/controle sobre ooperante, passando, assim, a ter função de estí-mulo discriminativo.

Estímulo especificador de contingência: ver

REGRA.Estímulo incondicional ou estímulo incondicio-nado (US): evento que exerce a função de eliciaruma resposta incondicional (ou incondiciona-da) em uma relação reflexa, ou seja, em quenão houve a necessidade daquele indivíduopassar por uma história de aprendizagem. VerCOMPORTAMENTO REFLEXO. Cf. ES-TÍMULO CONDICIONAL.

Estímulo neutro: o termo é conceitualmenteproblemático; todavia, é frequentemente uti-lizado. Melhor será utilizar o termo eventoneutro, visto que só devemos qualificar umevento como estímulo quando ele exercer umafunção em uma relação comportamental. VerEVENTO NEUTRO.

Estímulo reforçador: ver REFORÇADOR.

Estímulo reforçador primário: ver REFORÇA-

DOR PRIMÁRIO.Esvanecimento: ver FADING .

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302  Glossário

Evento: qualquer coisa do universo que nãoesteja envolvida na relação comportamental.Seu emprego é desejável, em detrimento de

estímulo, quando há pretensão de se referir aeventos que não têm função na relação com-portamental em questão. Assim, o termo estí-mulo  deve ser reservado para falar daquelaparcela do universo que exerce função emuma relação comportamental, ou seja, exercefunção de ambiente. Cf. ESTÍMULO.

Evento apetitivo: é o nome dado àquilo a quenascemos sensíveis por estar relacionado à so-brevivência da espécie e que tendemos a pro-duzir. Este tipo de evento, geralmente, exercefunção de reforçador positivo em relaçõesoperantes, por tornar respostas funcional-mente semelhantes a ela mais prováveis, aoproduzi-lo. Cf. EVENTO AVERSIVO, RE-FORÇADOR, PUNIDOR.

Evento aversivo: é o nome dado àquilo a quenascemos sensíveis por estar relacionado à so-brevivência da espécie e que tendemos a eli-

minar. Esse tipo de evento, geralmente, exer-ce função de punidor positivo ou reforçadornegativo em relações operantes; no primeirocaso, por tornar respostas funcionalmente se-melhantes a ela menos prováveis, ao produzi--lo; no segundo caso, por tornar respostasfuncionalmente semelhantes a ela mais pro-váveis, ao removê-lo. Cf. EVENTO APETI-TIVO, REFORÇADOR, PUNIDOR.

Evento neutro: termo empregado para se refe-rir a um evento que, a priori , não tem funçãoem relação ao comportamento em questão eque, posteriormente, adquirirá uma funçãoem uma relação comportamental, tornando--se um estímulo.

Evento motivacional: ver OPERAÇÃO MO-TIVADORA.

Evitação: ver ESQUIVA.

Evocar: termo frequentemente utilizado paradescrever a função que um estímulo antece-

dente exerce sobre um operante. Nesses ca-sos, o termo evocar  é melhor, pois sugere quehá um aumento da probabilidade da resposta

ocorrer diante daquele estímulo; todavia,pode não ocorrer, a depender de outras con-dições; o termo eliciar , por sua vez, sugereuma probabilidade de 100% de ocorrênciada resposta. Cf. ELICIAR.

Excesso comportamental: termo aplicado aoscomportamentos que são emitidos em frequ-ência, duração ou intensidade muito alta, tra-zendo sofrimento ao indivíduo que os emitee/ou sendo socialmente inadequados.

Exposição com prevenção de respostas (EPR):Procedimento que consiste de duas condições:exposição e prevenção de respostas. A exposi-ção se trata de manter o cliente exposto ao es-tímulo condicionado (gerador de desconforto)até que a resposta “emocional” (condicionada)seja significativamente enfraquecida. A pre-venção de respostas se refere à necessidade degarantir que a resposta de fuga/esquiva seja

emitida, ou seja, bloqueio de fuga/esquiva du-rante a exposição ao estímulo aversivo. Assim,com esses procedimentos, espera-se que a rela-ção respondente seja enfraquecida e, conse-quentemente, gere menos sofrimento e a pos-sibilidade de ocorrência de novas respostasoperantes, como as de enfrentamento. A EPRdeve seguir uma hierarquização, começandopela exposição aos estímulos de menor intensi-dade aversiva e seguir, gradativamente, de acor-

do com o enfraquecimento destas respostas,passando para os estímulos de maior intensi-dade aversiva. Cf. DESSENSIBILIZAÇÃOSISTEMÁTICA.

Extinção operante: processo ou procedimentode enfraquecimento da relação entre resposta econsequência através da suspensão da libera-ção do reforçador contingente à emissão daresposta. Em geral, tal processo ou procedi-mento é feito pela suspensão do reforçador e,

como resultado final, há a diminuição da fre-quência de respostas daquela classe operante.

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Glossário 303

Extinção respondente: processo ou procedi-mento de enfraquecimento de relações res-pondentes, em que um estímulo condicional

deixa de eliciar respostas condicionais. Emgeral, tal processo ou procedimento é feitopelo enfraquecimento da relação entre os es-tímulos condicional e incondicional.

Fading  ou esvanecimento: processo ou proce-dimento em que há transferência de controlepor estímulos. Assim, estímulos que não con-trolavam o responder passam a controlá-lo.Isso pode ocorrer através da substituição gra-dativa do estímulo (controlador) por umevento neutro, ou seja, gradualmente, insere--se o evento neutro e/ou retira-se o estímulo,até que este novo estímulo (antigo eventoneutro) passe a controlar o responder.

Falante: indivíduo que participa de um episó-dio verbal  e que interage com o ouvinte . Nes-ses casos, em geral, é o comportamento ver-bal do falante que está sendo foco da análise,sendo as respostas do ouvinte as contingên-

cias que participam do controle do responderdo falante. Cf. OUVINTE, EPISÓDIOVERBAL.

FAP ou Functional Analytic Therapy : propostade procedimentos clínicos focados na análiseda relação entre cliente e analista ou relaçãoterapêutica. Esse tipo de intervenção visaidentificar comportamentos clinicamente rele-vantes   e atuar na modificação dos mesmos

através de contingências planejadas para in-tervir diretamente sobre a classe de com-portamentos-alvo. Ver COMPORTAMEN-TO CLINICAMENTE RELEVANTE.

Filogênese: trata-se da história evolutiva da-quelas características fisiológicas e anatômicasdas espécies, as quais foram selecionadas nahistória de interação entre os nossos ances-trais e o ambiente. Assim, tratam-se daquelascaracterísticas geneticamente transmitidas ao

indivíduo e que participarão da multideter-minação do comportamento.

Fuga: entendida como uma relação operanteem que a resposta produz como consequênciaa retirada de um evento aversivo. Trata-se de

um operante mantido sob reforçamento ne-gativo, ou seja, esta classe de respostas é forta-lecida pela retirada de um evento aversivo.Ver REFORÇAMENTO NEGATIVO. Cf.ESQUIVA.

Função alteradora de repertório: função do am-biente que produz uma mudança duradoura  na probabilidade de ocorrência de uma oumais respostas. Esse estímulo pode selecionaruma resposta no repertório do organismo outornar o organismo sensível a alguns aspectosdo ambiente. Cf. FUNÇÃO EVOCATIVA.

Função evocativa: função do ambiente queproduz uma mudança imediata  e temporária  na probabilidade de ocorrência de uma oumais respostas. Cf. FUNÇÃO ALTERADO-RA.

Generalização: processo pelo qual o controle

de um estímulo sobre uma classe de respostasé transferido a outros através da semelhançaentre eles.

História ontogenética: ver ONTOGÊNESE.

História filogenética: ver FILOGÊNESE.

História cultural: ver PRÁTICAS CULTU-RAIS.

Imitação: ver MODELAÇÃO.

Inconsciência: ver COMPORTAMENTOINCONSCIENTE.

Intermitência do reforço: ver REFORÇA-MENTO INTERMITENTE.

Intraverbal: trata-se de um operante verbalcontrolado por estímulo discriminativo ver-bal, que pode ser tanto vocal quanto escrito.Nessa relação, o estímulo verbal é a ocasiãopara que determinada resposta verbal parti-

cular seja emitida – sem correspondênciaponto a ponto com o estímulo verbal que a

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304   Glossário

evocou –, e essa resposta é mantida por umestímulo reforçador generalizado.

Inundação: trata-se de um procedimento em

que há a exposição direta ao estímulo condi-cionado aversivo, gerador de alto grau de so-frimento/ansiedade. É semelhante à exposiçãocom prevenção de respostas, porém, sem umaexposição gradual aos eventos aversivos (domenos aversivo para o mais aversivo). Trata-sede um procedimento mais utilizado no passa-do, sendo substituído por procedimentos me-nos aversivos, como a exposição com preven-ção de respostas. Ver EXPOSIÇÃO COM

PREVENÇÃO DE RESPOSTAS.

Latência: intervalo entre apresentação do estí-mulo e ocorrência da resposta.

Limiar: intensidade mínima do estímulo ne-cessária para que a resposta seja eliciada.

Linhagem de respostas: ver CLASSE DE RES-POSTAS.

Magnitude de resposta: amplitude de uma res-

posta.Mando: resposta verbal que especifica o refor-çador e que é mantida por ele, e que é evoca-da por uma operação motivadora específica.

 A resposta verbal especifica o reforçador. Ex.sob controle da privação de água, dizer: “que-ro água”.

Mando disfarçado: possui algumas caracterís-ticas semelhantes às do mando, tais como:

tratar-se de uma resposta verbal que é manti-da por um reforçador específico e evocadapor uma operação motivadora específica, masque tem como característica diferenciadorasua resposta verbal, que, neste caso, não espe-cifica o reforçador a ser produzido. O mandodisfarçado guarda semelhança topográficacom o tato. Muitas vezes, a comunidade ver-bal considera mandos disfarçados como ma-neiras mais educadas, polidas ou delicadas de

se fazer pedidos, e acaba reforçando-os. Noentanto, por não especificar claramente o re-

forço, o mando disfarçado nem sempre é efe-tivo na produção de reforçadores; no médio elongo prazos a alta emissão de mandos disfar-

çados pode resultar em punições ou escassezde reforçadores. Cf. MANDO, TATO.

Modelação: processo ou procedimento emque a aprendizagem se dá através de um com-portamento-modelo. Desse modo, o apren-diz observa um indivíduo emitindo a respostae suas consequências e, a partir da observaçãodesta relação, emite a sua resposta. Nesse tipode aprendizagem, estão incluídos todos oscomportamentos que ocorrem a partir da ob-servação do comportamento-modelo, não serestringindo a imitar o modelo (fazer igual).

 Assim, o aprendiz pode fazer igual ou dife-rente do modelo, a depender dos resultadosque o outro produziu no seu fazer. A relaçãoentre a resposta do modelo e as consequên-cias que aquela resposta (emitida pelo mode-lo) produziu exercerá função de estímulo an-tecedente para a resposta do aprendiz (quepoderá ser igual ou diferente à do modelo), aqual será selecionada pelas suas próprias con-sequências.

Modelagem: processo ou procedimento emque respostas são reforçadas diferencialmentesob controle de critérios que mudam gradati-vamente, levando ao desenvolvimento de no-vos comportamentos. Enquanto procedi-mento, a modelagem é utilizada para ensinarcomportamentos novos que não existem no

repertório do indivíduo e deve obedecer algu-mas etapas: começar por uma resposta que jáfaz parte do repertório do indivíduo; definircomportamento-alvo; especificar a consequ-ência que exercerá função de selecionador(reforçador); elaborar lista e hierarquizar asrespostas, indo do comportamento existenteno repertório do sujeito até aquele que se pre-tende ensinar; aplicar o reforçador contin-gente à resposta de acordo com a hierarquia

das respostas; extinguir respostas que não es-tejam na direção do comportamento-alvo.

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Glossário 305

Modelo de seleção por consequências: mode-lo explicativo de causalidade do comporta-mento para o Behaviorismo Radical. Defen-

de que o comportamento é histórico e multi-determinado, ou seja, o comportamentoresulta de variação e seleção em três níveis: fi-logenético, ontogenético e cultural, sendo es-ses entrelaçados.

Modificador do valor de outro estímulo: Ver AL-TERADOR DA FUNÇÃO DE ESTÍMU-LO.

Ontogênese: um dos fatores determinantes do

comportamento. Pode ser definido como his-tória de vida de um indivíduo ou conjunto deexperiências passadas por aquele indivíduo.Nível de variação e seleção responsável pelosrepertórios comportamentais específicos decada indivíduo.

Operação abolidora: qualquer evento ambientalque afeta um operante momentaneamente   deduas maneiras: diminuindo a efetividade de umreforçador ou aumentando a efetividade de um

punidor, e diminuindo a probabilidade de ocor-rência de respostas que produzem aquela conse-quência. As operações abolidoras são considera-das um tipo de operação motivadora; além dis-so, podem receber diferentes qualificadores, taiscomo: incondicional versus   condicional. Cf.OPERAÇÃO ESTABELECEDORA.

Operação estabelecedora: qualquer eventoambiental que afeta um operante momenta-

neamente   de duas maneiras: aumentando  aefetividade de um reforçador ou diminuindo a efetividade de um punidor, e aumentando aprobabilidade de ocorrência de respostas queproduzem aquela consequência. As operaçõesestabelecedoras são consideradas um tipo deoperação motivadora; além disso, podem re-ceber diferentes qualificadores, tais como: in-condicional versus  condicional. Cf. OPERA-ÇÃO ABOLIDORA.

Operação motivadora: qualquer evento am-biental que afeta um operante momentanea-

mente  de duas maneiras: alterando a efetivi-dade dos estímulos consequentes (reforçado-res ou punidores) e modificando a frequência

da classe de respostas que produzem essasconsequências. As operações motivadoras po-dem receber diferentes qualificadores, taiscomo: estabelecedoras versus   abolidoras, in-condicional versus  condicional. Ver OPERA-ÇÃO ESTABELECEDORA, OPERAÇÃO

 ABOLIDORA. OPERAÇÃO MOTIVA-DORA CONDICIONAL, OPERAÇÃOMOTIVADORA INCONDICIONAL.

Operação motivadora condicional ou condicio-nada: trata-se do nome dado aos eventos am-bientais que passaram a exercer função deoperações motivadoras em uma relação com-portamental e que dependeram de uma his-tória de aprendizagem. Cf. OPERAÇÃOMOTIVADORA INCONDICIONAL.

Operação motivadora incondicional ou incon-dicionada: trata-se do nome dado aos eventosambientais que exercem função de operações

motivadoras em uma relação comportamen-tal e que não dependeram de uma história deaprendizagem. Cf. OPERAÇÃO MOTIVA-DORA CONDICIONAL.

Operante: ver COMPORTAMENTO OPE-RANTE.

Operante discriminado: ver COMPORTA-MENTO OPERANTE DISCRIMINADO.

Operante verbal: ver COMPORTAMENTOVERBAL.

Ouvinte: indivíduos da comunidade verbalque exercem função de estímulo discrimina-tivo para diferentes respostas verbais de umfalante. Estes ouvintes foram especialmentetreinados para responder de maneiras especí-ficas diante das verbalizações do falante, pro-duzindo, assim, a consequência necessáriapara modelar a resposta verbal do falante.

Padrão comportamental: ver COMPORTA-MENTO.

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306  Glossário

População de respostas: ver CLASSE DERESPOSTAS.

Prática cultural: termo empregado para se re-

ferir a padrões de comportamentos entre in-divíduos de um grupo e através de gerações.Nesses casos, tratam-se de contingências queexercem controle sobre o grupo, e não só so-bre o indivíduo.

Privado: ver RESPOSTA ENCOBERTA.

Procedimento: forma de ensinar comporta-mentos novos a partir de recursos planejados.Quase todos os tipos de processo (comporta-

mental), senão todos, podem ser planejados eutilizados como procedimentos de interven-ção. Cf. PROCESSO.

Processo: forma de aprendizagem natural, ouseja, que ocorre a partir de interações entreorganismo e ambiente e que independe deum planejamento. Cf. PROCEDIMENTO.

Processo clínico: forma de interação pro-fissional-cliente que ocorre em contexto de

gabinete (ou setting clínico) em que o primei-ro trabalha visando mudar as contingênciasque geram sofrimento ao segundo. Frequen-temente, o clínico faz isso ensinando o clientea lidar/manejar as contingências relacionadasaos seus comportamentos, prioritariamenteàquelas contingências que lhe geram sofri-mento. O processo clínico pode, também, servisto como uma agência de controle desen-volvida para ensinar as pessoas a lidarem com

as contingências que as demais agências decontrole – tais como governo, educação, eco-nomia, religião, família, etc. – empregam eque, frequentemente, as trazem sofrimentopor priorizarem o coletivo em detrimento doindividual; neste sentido, o processo clínicoensinaria contracontrole . Ver CONTRA-CONTROLAR.

Psicoterapia: ver PROCESSO CLÍNICO.

Punição: processo ou procedimento em querespostas de uma determinada classe são emi-

tidas e produzem consequências que tornamrespostas desta classe menos prováveis de vol-tarem a ocorrer. À consequência que enfra-

quece a classe de respostas, tornando-a menosfrequente, dá-se o nome de  punidor positivoou  punidor negativo. Cf. PUNIDOR, RE-FORÇAMENTO.

Punição negativa: processo ou procedimentode punição em que a classe de respostas é en-fraquecida pela retirada ou impedimento deacesso a um estímulo já existente no ambien-te. Notar que o qualificador negativo se refereà retirada de um estímulo, e não a “ruim” Cf.PUNIÇÃO POSITIVA. Ver PUNIÇÃO.

Punição positiva: processo ou procedimentode punição em que a classe de respostas é en-fraquecida pela apresentação de um estímulo.Notar que o qualificador  positivo se refere àapresentação de um estímulo, e não a “bom”.Cf. PUNIÇÃO NEGATIVA. Ver PUNI-ÇÃO.

Punidor ou estímulo punidor: mudança no am-biente gerada pela emissão de uma respostado indivíduo e que enfraquece  respostas fun-cionalmente equivalentes. Assim, dá-se onome de punidor apenas àqueles eventos quesão consequências produzidas por respostasde uma determinada classe de respostas e queresulte na diminuição  de probabilidade deocorrência de respostas daquela classe. Cf.PUNIÇÃO, EVENTO AVERSIVO.

Reações emocionais: respostas ocorridas emcomportamentos emocionais. ver EPISÓ-DIO EMOCIONAL.

Reflexo: ver COMPORTAMENTO REFLE- XO.

Reforçador ou estímulo reforçador: mudançano ambiente gerada pela emissão de uma res-posta do indivíduo e que  fortalece   respostasfuncionalmente equivalentes. Assim, dá-se o

nome de reforçador apenas àqueles eventosque são consequências produzidas por respos-

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Glossário 307

tas de uma determinada classe de respostas eque resulte no aumento de probabilidade deocorrência de respostas daquela classe. Cf.

REFORÇAMENTO, REFORÇO, EVEN-TO APETITIVO.

Reforçador arbitrário: ver REFORÇADOREXTRÍNSECO.

Reforçador condicionado ou secundário: estí-mulos que, quando produzidos como conse-quência de uma resposta, tornam respostasdessa classe mais prováveis de ocorrerem, sen-do que a sensibilidade a estes estímulos foi

adquirida através da história ontogenéticadeste indivíduo, em que ele foi relacionado adeterminado reforçador primário. Cf. RE-FORÇADOR PRIMÁRIO OU INCON-DICIONADO, REFORÇADOR GENE-RALIZADO.

Reforçador extrínseco ou arbitrário: reforçadorque possui relação arbitrária com a respostaque o produz, ou seja, a resposta naturalmen-

te não produziria aquela consequência. Ex.comportar-se de modo socialmente aceito eganhar fichas. Cf. REFORÇADOR IN-TRÍNSECO.

Reforçador(es) generalizado(s) ou refor-çador(es) condicionado(s) generalizado(s):estímulo(s) que, quando produzido(s) comoconsequência de uma resposta, tornam res-postas dessa classe mais prováveis de ocorre-rem, sendo que a sensibilidade a este(s)

estímulo(s) foi adquirida através da históriaontogenética do indivíduo, em que ele foi re-lacionado a diferentes reforçadores primários.Cf. REFORÇADOR CONDICIONADO,REFORÇADOR INCONDICIONADO.

Reforçador incondicionado: ver REFORÇA-DOR PRIMÁRIO.

Reforçador intrínseco ou natural: reforçadorque possui relação direta com a resposta, ou

seja, ela naturalmente produz aquela conse-quência. Ex. tomar banho e produzir sensa-

ção de refresco. Cf. REFORÇADOR EX-TRÍNSECO.

Reforçador natural: ver REFORÇADOR IN-

TRÍNSECO.

Reforçador negativo: estímulo aversivo que,quando retirado/adiado como consequênciade uma resposta, torna respostas dessa classemais prováveis de ocorrerem. Assim, o termonegativo  está relacionado com retirada   dealgo, e não enquanto valor do evento (ruim).Cf. REFORÇAMENTO NEGATIVO, RE-FORÇADOR POSITIVO.

Reforçador positivo: estímulo apetitivo que,quando produzido/apresentado como conse-quência de uma resposta, torna respostas des-sa classe mais prováveis de ocorrerem. Assim,o termo positivo está relacionado com a adi-ção de algo, e não enquanto valor do evento(bom). Cf. REFORÇAMENTO POSITI-VO, REFORÇADOR NEGATIVO.

Reforçador primário ou incondicionado: estí-

mulo apetitivo que, quando produzido/apre-sentado como consequência de uma resposta,torna respostas dessa classe mais prováveis deocorrerem, sendo que a sensibilidade a estesestímulos é inata. Cf. REFORÇADORCONDICIONADO OU SECUNDÁRIO.

Reforçador secundário: ver REFORÇADORCONDICIONADO.

Reforçamento: processo ou procedimento em

que respostas de uma determinada classe sãoemitidas e produzem consequências que tor-nam respostas desta classe mais prováveis devoltarem a ocorrer. A esta consequência quefortalece a classe de respostas, tornando-amais frequente, dá-se o nome de reforçador ouestímulo reforçador. Cf. REFORÇADOR,REFORÇO, PUNIÇÃO.

Reforçamento atrasado: processo ou procedi-mento de reforçamento em que há um tempo

considerável entre a emissão da resposta e aprodução do reforçador. Em decorrência do

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308  Glossário

atraso, pode ser mais difícil estabelecer a rela-ção de contingência entre os eventos, poden-do, por vezes, ser necessário utilizar-se de ou-

tros reforçadores. Cf. REFORÇAMENTOIMEDIATO.

Reforçamento contínuo ou CRF: relações decontingência em que a consequência segue aemissão da resposta em todas as suas ocasi-ões. Assim, tem-se uma relação em que aprobabilidade de ocorrência da consequênciaé de 100% em relação à ocorrência da res-posta. Cf. REFORÇAMENTO INTERMI-TENTE.

Reforçamento diferencial: processo ou proce-dimento em que algumas respostas são refor-çadas e outras não, formando, assim, classesde resposta.

Reforçamento diferencial de resposta alterna-tiva (DRA): procedimento que visa substituiruma resposta por uma nova. Nesses casos,opta-se por reforçar uma resposta diferente

da comumente reforçada, utilizando-se domesmo reforçador. Assim, espera-se que anova resposta substitua funcionalmente a res-posta anterior, pois ela deverá ficar sob o con-trole das mesmas contingências que a ante-rior. Cf. REFORÇAMENTO DIFEREN-CIAL DE RESPOSTA INCOMPATÍVEL,REFORÇAMENTO DIFERENCIAL DEOUTRAS RESPOSTAS.

Reforçamento diferencial de resposta incom-patível (DRI): procedimento pelo qual a res-posta a ser reforçada deve ser aquela que é fi-sicamente impossível de ser emitida conco-mitantemente às que se pretende extinguir.Cf. REFORÇAMENTO DIFERENCIALDE RESPOSTA ALTERNATIVA, REFOR-ÇAMENTO DIFERENCIAL DE OU-TRAS RESPOSTAS.

Reforçamento diferencial de outras respostas

(DRO): procedimento pelo qual deve-se refor-çar qualquer resposta do indivíduo que não

aquela que se pretende extinguir. Cf. RE-FORÇAMENTO DIFERENCIAL DERESPOSTA ALTERNATIVA, REFORÇA-

MENTO DIFERENCIAL DE RESPOSTAINCOMPATÍVEL.

Reforçamento imediato: processo ou procedi-mento de reforçamento em que a respostaproduz o reforçador imediatamente, ou seja,não há um atraso na liberação do reforçador.Esse tipo de reforçamento tende a controlarmais o comportamento, quando comparadoao reforçamento atrasado. Cf. REFORÇA-MENTO ATRASADO.

Reforçamento intermitente: relações de contin-gência em que a consequência produzida pelaresposta não ocorre em todas as ocasiões emque a resposta é emitida, apenas intermiten-temente. Assim, tem-se uma relação em que aprobabilidade de ocorrência da consequêncianão é de 100% em relação à ocorrência daresposta. Todavia, é importante lembrar quetrata-se de uma relação de contingência, as-

sim, a consequência continua atrelada à emis-são da resposta. Cf. REFORÇAMENTOCONTÍNUO.

Reforçamento negativo: processo ou procedi-mento de reforçamento (fortalecimento deuma classe de respostas) em que as respostasda classe produzem como consequência a re-moção ou evitação de um estímulo aversivo,o qual receberá o nome de reforçador negativo.

Esse tipo de contingência de reforçamentopode ser categorizada como sendo fuga  ou es-quiva.  Cf. REFORÇADOR NEGATIVO,REFORÇAMENTO POSITIVO.

Reforçamento positivo: processo ou procedi-mento de reforçamento (fortalecimento deuma classe de respostas) em que as respostasda classe produzem como consequência aapresentação de um estímulo apetitivo, o qualreceberá o nome de reforçador positivo. Cf.

REFORÇADOR POSITIVO, REFORÇA-MENTO NEGATIVO.

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Glossário 309

Reforçamento social: processo ou procedi-mento de reforçamento (fortalecimento deuma classe de respostas) em que as respostas

da classe produzem consequências que sãosociais.

Reforço: operação em que uma resposta pro-duz uma consequência que é reforçadora. Otermo é empregado para se referir a um únicoepisódio da relação resposta-consequênciaenvolvida em um processo de reforçamento.Todavia, por vezes, é possível encontrar tex-tos que se referem ao termo reforço como si-nônimo de reforçamento ou de reforçador ,  oque pode ser visto como uma imprecisão nouso dos termos ou posicionamento diferentedos autores. Cf. REFORÇADOR, REFOR-ÇAMENTO.

Reforço contínuo: ver REFORÇAMENTOCONTÍNUO.

Reforço intermitente: ver REFORÇAMEN-TO INTERMITENTE.

Reforço positivo: ver REFORÇAMENTOPOSITIVO.

Reforço negativo: ver REFORÇAMENTONEGATIVO.

Reforço social: ver REFORÇAMENTO SO-CIAL.

Regra(s): antecedente verbal que especificacontingências e que controla a resposta verbalou não verbal. A regra pode ser formulada

por outra pessoa ou agência controladora. Cf.COMPORTAMENTO GOVERNADOVERBALMENTE.

Relação comportamental: ver COMPORTA-MENTO.

Relação terapêutica: termo para se referir à re-lação existente entre o cliente e o clínico. É tí-pica de um processo psicoterapêutico. VerPROCESSO CLÍNICO.

Repertório social: conjunto de respostas quese relacionam com o desempenho do indiví-

duo em um contexto social. Ver COMPOR-TAMENTO SOCIALMENTE HABILI-DOSO.

Repertório: termo empregado para se referir arespostas que já foram modeladas em algummomento da história do indivíduo.

Respondente: ver COMPORTAMENTORESPONDENTE.

Resposta: refere-se àquela parcela do compor-tamento pela qual se inicia a análise. Essa par-cela, juntamente com os estímulos antece-dentes e consequentes que a afetam são oscomportamentos. Resposta não se limita à açãopública de um indivíduo; pode também ser“ação” privada, como, por exemplo, um pen-samento. Ver COMPORTAMENTO.

Resposta aberta: refere-se a respostas emitidaspelo indivíduo e que podem ser observadaspor outras pessoas. Serve para distingui-las derespostas encobertas, que são aquelas queapenas a pessoa que as emite pode ter acesso.

Cf. RESPOSTA ENCOBERTA.Resposta condicional ou condicionada: respos-ta que ocorre em uma relação respondente eque é eliciada por um estímulo condicional.Ver COMPORTAMENTO RESPONDEN-TE.

Resposta encoberta: trata-se daquela respostaque é possível de ser observada apenas pelopróprio indivíduo, como pensamentos e res-

postas fisiológicas. O termo serve paradiferenciá-la de respostas abertas. Cf. RES-POSTA ABERTA.

Resposta incondicional ou incondicionada: res-posta que ocorre em uma relação reflexa e queé eliciada por um estímulo incondicional. VerCOMPORTAMENTO REFLEXO.

Resposta-alvo: refere-se à resposta relacionadaao comportamento que gera sofrimento e quedeverá sofrer intervenção. Apesar da resposta--alvo ser apenas uma parcela do comporta-

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310  Glossário

mento-alvo, por vezes, o termocomportamento--alvo ou comportamento-problema é emprega-do para se referir à resposta-alvo, assim como

acontece frequentemente entre os termos res-posta e comportamento. Ver COMPORTA-MENTO-ALVO, RESPOSTA, COMPOR-TAMENTO.

Respostas emocionais: respostas envolvidasem comportamento emocional. Ver EPISÓ-DIO EMOCIONAL.

Role-play  ou ensaio comportamental: procedi-mento em que o profissional e seu cliente in-

terpretam diferentes papéis, simulando situa-ções cotidianas do cliente. O objetivo podeser observar como o cliente se comporta emdeterminado contexto e/ou modelar um novocomportamento.

Supersticioso: ver COMPORTAMENTO SU-PERSTICIOSO.

Supressão condicionada: fenômeno compor-tamental em que ocorre uma diminuição nas

taxas de respostas operantes quando da apre-sentação de um evento aversivo condiciona-do ou pré-aversivo.

Tato: operante verbal em que a resposta emiti-da é correspondente a um objeto ou eventoocorrido (estímulo não verbal antecedente) eque é mantido por reforçador condicionadogeneralizado ou reforçadores não específicos.

Tato distorcido ou impuro: trata-se de operante

verbal em que as respostas são verbais e com to-pografia de tato, mas que funcionalmente sãodiferentes (de tato). Os tatos distorcidos sãoemitidos mais sob controle dos reforçadores so-ciais generalizados do que de estímulos nãoverbais antecedentes. O falante emite a respos-ta verbal (relato sobre eventos ocorridos ou coi-sas) de maneira a produzir reforçadores positi-

vos ou se esquivar de punições. Dito em outraspalavras, os tatos distorcidos são relatos do queo ouvinte gostaria de ouvir, e não do que ocor-

reu na realidade. Cf. TATO, MANDO.Técnica: trata-se de uma proposta de inter-venção sistematizada que visa um determina-do resultado. Entenda-se por sistematizada ofato de que há uma descrição precisa e padro-nizada de como fazê-la/aplicá-la; e possui de-monstrações empíricas de sua efetividade emproduzir aquela mudança.

Terapia: ver PROCESSO CLÍNICO.

Terapia implosiva: ver INUNDAÇÃO.

Timeout : remoção de uma oportunidade pararesponder, suspensão “temporária” da contin-gência.

Topografia: termo frequentemente empregadopara se referir à forma de uma resposta.

Treino de habilidades sociais: procedimentopara desenvolvimento de repertórios operan-

tes necessários para a obtenção de reforçado-res sociais. Ver COMPORTAMENTO SO-CIALMENTE HABILIDOSO.

Treino discriminativo: ver DISCRIMINA-ÇÃO.

Tríplice contingência: termo empregado parase referir à unidade mínima de análise, queenvolve as relações entre os estímulos antece-dentes, a resposta e as consequências por ela

produzida.Variáveis motivadoras: ver OPERAÇÕES MO-TIVADORAS.

Vínculo terapêutico: estabelecimento de umarelação de confiança entre o cliente e o clíni-co, sem a qual o processo clínico tem poucachance de ter bons resultados.

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A

 Acompanhamento terapêutico, 269-274  etapas, 272-274  avaliação dos resultados, 273-274  avaliação inicial, 272-273

  intervenção, 273  planejamento da intervenção, 273  intervenção analítico-

-comportamental, 271-272  na psicologia, 269-271  relação terapêutica, 274 Adesão ao tratamento, 160-165  papel da relação terapeuta-cliente,

160-165 Ansiedade, 44-47  e interação entre operantes e

respondentes, 44-47 Avaliação funcional, 105-108, 192-198,

232-237

  e psicofarmacologia, 192-198  e recursos lúdicos na clínica infantil,232-237

  etapas, 105-106  elementos, 106-107  elementos “suplementares” para

planejar a intervenção, 107-108 Aversivo, controle ver  Controle aversivo

B

Brincar como ferramenta de avaliação eintervenção, 238-248

C

Cliente-terapeuta, 160-165  relação e adesão ao tratamento e à

mudança, 160-165Clínica infantil, 213-257  avaliação funcional e recursos

lúdicos, 232-237  caracterização do controle por

regras pré-estabelecido, 236  déficit, excesso e/ou variabilidade

comportamental, 233-234  estímulos aversivos condicionados,

236-237  história e condições atuais,

235-236  sensibilidade a diferentes

consequências, 234-235

  decorrer do trabalho, 218-220  e o brincar, 238-248  como estratégia de avaliação,

242-245  como estratégia de intervenção,

245-247  bloqueio de esquiva, 247  esvanecimento, 246  modelação, 246  modelagem, 246-247  e relação terapêutica favorável, 242  encerramento do trabalho, 220-221  entrevistas iniciais, 222-231  aspectos formais, 224  aspectos do conteúdo, 224-225  com a criança, 230  com os pais, 223-224  participação da família, 250-257  desafios e limites, 255-257

  objetivos, 251-255  avaliação funcional, 253-255  coleta de dados, 251-253  mediação de conflitos e tomada

de decisão, 255  primeiras sessões, 216-218  primeiro contato, 215-216Comportamento, 18-30, 40-47, 64-76,

138-146, 171-176  controlado por regras, 171-176  operante, 24-30, 40-47, 64-76  discriminado, 29-30  e episódios emocionais nas

interações com respondentes,

40-47  verbal, 64-76, 138-146  análise no contexto clínico,

138-146  autoclítico, 72-73  ecoico, 66-67  intraverbal, 68, 69  mando, 68-69  mando disfarçado, 75-76  tato, 70-72  tato distorcido, 73-75  textual, 67  transcrição, 67-68  respondente, 18-23

  e episódios emocionais nasinterações com operantes,40-47

 

Índice

Controle  aversivo, 49-61  por regras, 171-176Crianças, clínica ver  Clínica infantil

E

Emoções e sentimentos, trabalho comrelatos, 178-184

  respostas emocionais, 179-184  identificação das funções das,

181-184  como comportamento

respondente, 181-182  como operações motivadoras,

183-184  função discriminativa, 182-183  função reforçadora, 182  observação das, 179-181Encontros iniciais, 110-146

  antes do início, 121-123  contato, 123  indicação, 122-123  aparências físicas, 131  apresentação do clínico, 114-115  avaliação/intervenção, 134  contrato, 111-113  encontro entre clínico e cliente,

123-127  escuta cautelosa, 138-146  expectativas de clientes e clínicos,

131-132  estrutura, 115-118  pré-terapia (sala de espera), 128-131

Episódios emocionais, 40-47  como interações entre operantes erespondentes, 40-47

  ansiedade, 44-47  emoção e análise do

comportamento, 42-44Escuta cautelosa, 138-146Esquiva, 50Estímulos, 51  apetitivos, 51  aversivos, 51Estudo, desenvolvimento de hábitos de,

276-283  atendimento extraconsultório,

279-283  estabelecimento de metas ou

revisão de prioridades, 281

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