Caravana Farkas

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7/17/2019 Caravana Farkas http://slidepdf.com/reader/full/caravana-farkas 1/10 Esther Hamburger Gustavo Souza Leandro Mendonça Tunico Amancio ÜRGS.) ESTUDOS DE CINEMA §COJCCIIMIE f.lC MfP>q onHiho tlll DeHnvoMmento Cientifico «nológlco C A P E S Ministério da ultura [;] uM· PAI 5: .· .D.E . T.O:D. O 5 GOVERNO FEDERAL

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Esther Hamburger Gustavo Souza Leandro Mendonça Tunico

Amancio

ÜRGS.)

ESTUDOS

DE CINEMA

§COJCCIIMIE

f.lC MfP>q

onHiho

tlll DeHnvoMmento

Cientifico • «nológlco

C A P E S

Ministério

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GOVERNO FEDERAL

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Infóthes lnforrnacão e Tesauro

H185 Hamburger, Esther, Org.; Souza, Gustavo, Org.; Mendonça Leandro, Org.;

Amancio Tunico, Org.

Estudos de Cinema. Organização de Esther Hamburger, -Gustavo Souza,

Leandro Mendonça e Tunico Amancio. -- São Paulo, AnnablUip.e; Fapesp;

Socine, 2008. Estudos do Cinema - Socine, IX).

390

p.

;

16

x

23

em.

Encontro Socine, 11° Rio de Janeiro RJ), 17 a 20 de outubro de 2007.

ISBN 978 85 7419 864 4

I

Cinema. 2.

Cinema Brasileiro.

3.

Cinema

Latino-americano. 4.

Audiovisual.

5.

Documentário. 6. Sociologia do Cinema. I Título. Il. Série. III.

Socine. IV. Encontro Socine,

11°.

Rio de Janeiro RJ),

17

a 20 de outubro de

2007.

Ficha elaborada por Wanda Lucia Schmidt - CRB-8-1922

ESTUDOS DE

CINEM SOCINE

Coordenação editorial

Joaquim Antonio Pereira

Capa

Carlos Clémen

Diagramação

Lívia

C.

L. Pereira

CONSELHO EDITORIAL

Eduardo Peíiuela Caíiizal

Norval Baitello Junior

Maria Odila Leite da Silva Dias

Celia Maria Marinho de Azevedo

Gustavo Bernardo Krause

Maria

de

Lourdes Sekeff

in memoríam)

Cecilia de Almeida Salles

Pedro Roberto Jacobi

Lucrécia

D

Aléssio Ferrara

1• edição: outubro de 2008

CDU 791.43

CDD 791

Socine - Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual

ANNABLUME editora . comunicação

Rua Tucambira, 79 . Pinheiros

05428-020 . São Paulo . SP . Brasil

Te .

e Fax. 011) 3812-6764- Televendas 3031-1754

www.annablume.com.br

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A

aravana Farkas

e o

moderno documentário

brasileiro

introdução

os

contextos

e

os conceitos

dos filmes

GILBERTO ALEXANDRE

SOBRINHO UNICAMP)

ENTRE 1964

E

1981, o fotógrafo e empresário Thomaz Farkas produziu

trinta e nove filmes, hoje conhecidos sob a expressão

Caravana Farkas.

São trinta e

seis documentários erp. curta-metragem, um curta de ficção e dois filmes em longa-

metragem, sendo

um

documentário e

um

de ficção.

 

Este artigo explora os filmes

documentários. Dadas

as

particularidades dos processos de produção e de realização

explicados mais adiante, os filmes podem ser divididos em três fases: Primeira Fase:

Memória

do cangaço (Paulo Gil Soares, 1965), Subterrâneos do futebol (Maurice

Capovilla, 1965),

Nossa escola de samba

(Manuel Horácio Gimenez, 1965) e

Viramundo

(Geraldo Samo, 1965); Segunda Fase:

A morte do boi

(1969-1970),

A

vaquejada (1969-1970), Frei Damião - trombeta dos aflitos e martelo dos hereges

(1970);

A erva bruxa

(1969-1970), O

homem de couro

(1969-1970),

A mão do homem

(1979),

Jaramataia

(1970) - dirigidos por Paulo Gil Soares;

A cantoria

(1969-1970),

Vitalino Lampião

(1969), O

engenho

(1969-1970),

Padre Cícero

(1971),

Casa de

farinha

(1969-1970); s

imaginários

(1970),

Jornal do sertão

(1970), Viva

Cariri

(1969-1970),

Região Cariri

(1970) dirigidos por Geraldo Sarno,

Rastejador e Roda

e Outras Histórias

(Sérgio Muniz, 1969-1979) e

Visão de Juazeiro

(Eduardo Escore ,

1970); Terceira Fase:

A cuíca

(1970),

De Raízes Rezas, entre outros

(1972),

Cheiro/Gosto, o Provador de café (1976), Um a um (1976), Andiamo ln merica

(1977-78), Beste (1977-78) e O Berimbau (1978) - dirigidos por Sérgio Muniz; A

morte das Velas

no

Recôncavo

(1970) e

Feira d banana

(1972-73) - dirigidos por

I.

Os

filmes de ficção são o curta

O homem descasado

(direção de Rubens Junqueira, 1981 e o longa

O Pica-pau Amarelo

(direção de Geraldo Sarno,

1973174 .

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ESTUDOS DE CINEM

Guido Araujo,

Paraíso Juarez

1971),

Todomundo

1978-80) e

Hermeto Campeão

1981)- dirigidos por Thomaz Farkas, Trio Elétrico Miguel Rio Branco, 1978),

Ensaio Roberto Duarte, 1975) e Certas Palavras Mauricio Beru, 1979).

Thomaz

J

Farkas é a produtora responsável pelo financiamento de todos os

filmes e Farkas, além de financiá-los e também participar de um sistema de co-

produção na terceira fase, atuou como elemento aglutinador de um grupo de realizadores

interessados em desenvolver projetos que resultariam em filmes sobre aspectos da

realidade brasileira, em que sobressaiu o foco sobre o homem brasileiro, visto numa

ampla perspectiva econômico-social, cultural e histórica. A expressão Caravana F arkas

é

atribuída

a Eduardo

Escorei,

um dos

integrantes

da equipe, e foi cunhada

posteriormente, nos anos 1990. A nomeação posterior, distanciada no tempo, permite

delinear para o conjunto dos filmes o estabelecimento de certas diretrizes que norteiam

o

trabalho

do

grupo, em

que se

nota

o início. e a

interrupção de um projeto

cinematográfico, demarcado pelas possibilidades técnicas que avançavam no tocante,

às mediações com o material bruto à disposição, tomando o formato documentário

brasileiro algo inovador em certas instâncias. No plano do conteúdo, verifica-se o

recorrente mapeamento da geografia e da história nordestinas em busca de situações

particulares. Além desse espaço recortado, há investimentos em outros lugares, como

ocorre com filmes que se situam na região sudeste e

um

filme voltado para a imigração

italiana, que capta momentos da vida social e econômica em São Paulo e no Rio

Grande do Sul, além de recorrer à região do Veneta,

na

Itália, para a composição do

quadro histórico mais preciso do fenômeno em questão.

Num primeiro momento, apreendem-se dois

aspectos

amalgamados na

articulação, expressão e conteúdo, diretamente conectados com o contexto estético e

político da época dos filmes e o prolongamento do projeto também informa sobre os

ditames técnicos, éticos e estéticos e o quadro ideológico que balizaram o período em

que os filmes foram feitos. De um lado, a forma dos filmes, já no início, buscava

apropriar-se de certos matizes do cinema verdade, notadamente um tipo de registro

com uso de câmeras leves e som sincronizado, permitindo a realização de filmes com

equipe reduzida e uma maior aproximação com o objeto a ser filmado. Nos filmes,

são relevantes os usos da entrevista e do depoimento, procedimentos que ligam as

obras ao cinema verdade e a penetração da câmera nos mais recônditos lugares acentua

o firme propósito de captar situações autênticas da realidade, algo que sinaliza também

a passagem de um modo de fazer documentário que privilegiava a encenação para a

abertura e o registro dos fenômenos reais. Ainda do ponto de vista do. plano da

expressão, insiste-se na voz o ver em sintonia com o ideal interpretativo que alimentava

o projeto e nos registros dos acontecimentos fundem-se a captura de situações

autênticas com expedientes de encenação, estas operadas

por

atores não profissionais

na lide com seus oficios diante da câmera, outro elemento formal presente

em

alguns

filmes é o uso de material de arquivo e também a migração de imagens entre os

filmes, com enfoques diferentes. Cabe destacar a pesquisa sonora enfeixada por

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·EM

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músicas regionais ligadas às tradições folclóricas e um repertório que inclui canções,

grupos e cantores da Música Popular Brasileira, como a Banda de Pífanos de Caruaru,

Caetano Veloso e Gilberto Gil.

O enfoque na realidade brasileira se ajusta ao quadro ideológico da geração de

artistas e intelectuais da década de 1960 e sua preocupação social em fina sintonia

com o pensamento sociológico brasileiro, como é o caso da influência das idéias de

Otávio Ianni em Viramundo, notadamente na moldura discursiva. Para a segunda

fase, podem-se destacar as idéias de Cândido Procópio, sobre cultura popular e outras

referências podem vir à tona,

que se realizava intensamente a pesquisa sobre certos

traços

da

cultura brasileira em ambientes institucionais,

com

destaque para a

Universidade de São Paulo. Devido ao contexto de tal empreendimento, justifica-se o

forte apelo

às

contradições provocadas pelo surto de industrialização e desenvolvimento

ocorridas em solo brasileiro e a atenção às tensões desse processo. Em face desse

cenário, os realizadores motivaram-se em registrar formas de trabalho e de organização

social em vias de desaparecimento em face do processo modernizador em avanço no

. país. Dado flagrante é a

evocação

à miséria e à

alienação

como

marcas

do

subdesenvolvimento, as dessimetrias e disparidades encontradas no vasto solo

brasileiro, a permanência de elementos arcaicos presentes na vida social, onde o

nordeste brasileiro parecia ser o palco central dessa conjuntura.

moeqa corrente o acontecimento primordial que marca a introdução das

técnicas do cinema verdade no Brasil, ou seja, a vinda do documentarista sueco Ame

Sucksdorff, em 1962, para um seminário ocorrido no Rio de Janeiro. Vladimir Herzog,

jovem realizador e jornalista, cuja efêmera passagem pelo grupo de Farkas, faz alguma

diferença, participa do evento juntamente com Eduardo Escorei, outro membro do

grupo. Além dessa experiência de Herzog, há também sua permanência, juntamente

com Maurice Capovilla, para um estágio na

Escuela Documental de Santa Fé,

criada

na Universidad Nacional de Litoral, em Santa Fé, na Argentina. Em 1963, ocorre a

vinda

o

cineasta Fernando Birri para um seminário em São Paulo, a convite de Paulo

Emílio Salles Gomes. Além de dirigir filmes de forte presença, Birri, idealizador da

Escuela Documental, publicara textos de forte impacto sobre a situação do cinema

latino-americano, em que pesa nos argumentos a urgência sobre um tratamento realista

nas imagens, herança das idéias zavattinianas o neo-realismo italiano, como também

o

tom nacionalista

que

visava

o

questionamento da situação colonizada

e

subdesenvolvida do cinema. Após o Golpe Militar no Brasil, Birri segue viagem para a

Europa, exilando-se na Itália, permanecendo no país Horácio Gimenez e Edgardo

Pallero, ambos argentinos e que tinham trabalhado com o realizador na produção de

seus dois filmes impactantes,

ire

Die 1958) e Los inundados 1962). Antes de sua

partida, o arquiteto modernista VilanovaArtigas, amigo de Farkas, promove o encontro

deste com todos esses realizadores facilitando a troca de experiências que

desembocariam nos projetos dos documentários. Além de Herzog, Capovilla, Birri,

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ESTU OS

E CINEM

Gimenez e Pallero,juntam-se ao grupo, compondo uma primeira fonnação, os baianos

Geraldo Sarno e Paulo Gil Soares, ambos ativos participantes da cena cultural

cinematográfica soteropolitana, este ex-parceiro de Glauber Rocha, assumindo a

assistência

de

direção de

Deus e o Diabo na terra do

so

(

1963

,

e aquele, entre outras

atividades, criou o Departamento

de

Cinema do Centro Popular de Cultura, tendo

realizado alguns curtas.

À

reiterada influência

de

Fernando Birri, soma-se a

de

Jean Rouch, após contato

travado depois de sua vinda ao Rio de Janeiro, em 1965, juntamente com Louis

Marcorelles, Freddy Buache e Robert Benayon, para o primeiro Festival Internacional

do

Filme

do

Rio de Janeiro. Na ocasião foram projetados os quatro primeiros filmes

produzidos por Farkas nos anos 64/65, sendo

Memória do cangaço Subterrâneos do

futebol Nossa escola de samba

e

Viramundo.

Todos foram incorporados no longa-

metragem

Brasil Verdade

A abordagem cinematográfica desenvolvida para o tratamento dos temas é

fruto de uma rede de influências transnacionais, resultado de encontros de idéias que

são absorvidas e transfonnadas em método de trabalho. Mesmo nos percursos

individuais, nota-se nas fonnações curriculares a aproximação a detenninadas idéias

posterionnente amadurecidas e compartilhadas que oferecem uma noção de grupo

coeso e afinado com propostas sólidas, o que pennite conjecturar, a proximidade

dessa experiência como um movimento articulado, algo pertencente ao espírito

modernista, do

qual

os

anos 60 foram particulannente sensíveis no campo

do

cinema.

Evidentemente, no Brasil,

ao

Cinema Novo é atribuído o papel relevante de ruptura no

horizonte estético. Nesse sentido, cabe determinar certas coordenadas, primeiramente,

no âmbito estético, que infonnem sobre

as

especificidades desses filmes e que

efetivamente pesem e validem suas similaridades e diferenças no quadro geral da

produção, continuando sua contribuição para o moderno documentário brasileiro.

De acordo com Xavier (200

1: 14

), o cinema moderno no país define-se a

partir

do

seguinte:

No

quadro atual, quando a nossa atenção se volta para o processo que envolveu o

Cinema Novo e o Cinema Marginal, entre o final da década de 1950 e meados dos

anos 70,

tal

processo se apresenta como dotado

de

uma peculiar unidade. Foi, sem

dúvida, o período estética e intelectualmente mais denso do cinema brasileiro. As

polêmicas da época formaram o que se percebe hoje como

um

movimento plural de

estilos e idéias que, a exemplo de outras cinematografias, produziu aqui a

convergência entre a política dos autores , os filmes de baixo orçamento e a

renovação da linguagem, traços que marcam o cinema moderno, por oposição ao

clássico e mais plenamente industrial.

Os

três eixos

política dos autores jilmes de baixo orçamento

e

renovação da

linguagem

delineiam as coordenadas estéticas e avançam para o âmbito da produção.

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EM

TORNO

D

MÉRIC

L TIN

59

Embora os filmes

da

Caravana se situem

no amplo

contexto do Cinema Novo, há

um

enfoque particular nos temas por parte do grupo.

A proposta inicial do grupo, logo abortada, era filmar as ligas camponesas

nordestinas, lideradas

por

Francisco Julião, idéia logo desencaminhada devido à censura

do regime militar. O resultado da

mudança

de planos foi a realização de um projeto

cunhado de

A condição brasileira

inspirado na série de livros

Brasiliana

que tinha o

foco nas ciências sociais, sendo o material editado pela Companhia Editora Nacional.

Nos filmes, a estratégia educativo-cultural passou a

ser

dominante, em contraste

com

o viés político preconizado.

Para

o conteúdo dos filmes desse primeiro

momento

é

travado por um forte diálogo com professores

da

Universidade de São Paulo,

em

que

participam ativamente Geraldo

Samo,

Leon Hirszman e, depois, Paulo Gil Soares. A

primeira fase, portanto, é

composta

pelos quatro filmes que

para

facilitar o processo

de distribuição e exibição, integraram o longa

Brasil

Verdade Com locações na Bahia,

no Rio de Janeiro e em São Paulo, esses filmes se reportam a temas como escola de

samba, o futebol, o cangaço e a imigração nordestina. Com exceção de

Memórias

do

cangaço

que já havia sido iniciado e depois foi incorporado ao projeto, os outros

filmes foram concebidos e realizados sob o calor das idéias do grupo

recém

formado.

Os filmes tiveram ampla repercussão em festivais e

sua

distribuição local (poucas

salas e público minguado) ficou a cargo

da

Difilm.

Para

a continuidade do projeto,

em

1965, Farkas, Sérgio Muniz, Edgardo Pallero e Affonso Beato juntam-se a Paulo

Emílio Salles Gomes, a Francisco Ramalho Jr. e a Jean-Claude

Bemardet para

buscar

apoio institucional. A Universidade de Brasília havia criado um curso de cinema, fato

que os motivou a encarar a instituição como primeira opção, logo descartada devido

à crise

da

mesma, alavancada após o Golpe de 1964. O apoio encontrado veio do IEB

(Instituto de Estudos Brasileiros), vinculado

à

USP. Farkas e Muniz se imbuem, então,

da tarefa de criação do Departamento de Produção de Filmes Documentários, contando

com

o apoio

da

professora e socióloga,

Maria

Isaura Pereira de Queiroz, ligada

à

sociologia rural. No ano seguinte,

no

final de 1966, é aprovado o projeto

Pesquisa

e

documentários sobre cultura popular do Nordeste , encaminhado por Farkas e Geraldo

Samo,

com

proposta de co-produção de filmes. Em janeiro de 1967,

partem para

o

Nordeste Samo, Farkas e Paulo Rufino com o objetivo de percorrer a região e levantar

o material

para

os filmes, voltam

com

um farto material que i ria resultar nos filmes

Jornal

do

Sertão Os imaginários

e

Vitalino Lampião.

Esses filmes já integram o

segundo momento de realização dos filmes produzidos

por

Farkas. Há que salientar

que em 1968 o Departamento ligado ao IEB se desfez e a co-produção não se realizou,

por questões financeiras. A pesquisa empreendida foi levada adiante,

no

mesmo ano,

partem para o Nordeste

Samo,

Eduardo Escorei,

Paulo Gil

Soares, Sérgio Muniz,

Edgardo Pallero, Sidney

Paiva

Lopes, Affonso

Beato

e Farkas, este, agora, financiador

solitário do projeto.

O resultado dessa viagem é

um

conjunto de

dezenove

filmes, todos centrados

na

região nordestina e compõem a segunda fase de realização do núcleo. Há, sobretudo,

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16

ESTUDOS

DE CINEM

o olhar voltado para o registro de formas de organização de trabalho de arte popular

de lazer e de misticismo religioso. Ceará Pernambuco Paraíba e Bahia são os Estados

percorridos

pel

Caravana. Os curtas-metragens seriam vendidos

em

escolas

atendendo a uma demanda desse setor que contava com projetores de

16

mm mas

careciam de material sobre o próprio país. A comercialização dos filmes teria essa

fmalidade algo que não se cumpriu efetivamente devido às restrições de aquisição de

material nas escolas sendo essas medidas outorgadas no contexto do Ato Institucional

n 05.

Se por um lado agravava-se o processo de comercialização do material por

outro adensava-se o conceito do projeto tomando a experiência enriquecedora em

relação ao procedimento de documentar a realidade brasileira. Nesse sentido cabe

um olhar particular sobre a experiência de linguagem desse conjunto de filmes. Essa

singularidade enviesa-se a partir da noção de método articulado pela equipe sendo a

síntese desse percurso firmada na monografia ainda inédita Cinema documentário:

um método de trabalho tese de doutorado de Thomaz Farkas apresentada à Escola

de

Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo em 1972 mas por questões

políticas só defendida em 1977. Uma estratégia encontrada para distribuir e exibir os

filmes foi reunir os curtas Padre Cícero Rastejador Casa de farinha Jaramataia e

Erva Bruxa em um longa-metragem de 90 minutos intitulado Herança do Nordeste

tratando-se de uma solução comercial sem muito sucesso. Outra possibilidade seria

vender os documentários para a televisão no entanto o conteúdo dos filmes os

recursos técnicos utilizados e a formatação do material não condiziam com o modelo

de mercado então existente.

Frei Damião

chegou a ser exibido na TV Globo sendo

remontado e reduzido por seu diretor Paulo Gil Soares.

O terceiro momento de realização dos filmes caracteriza-se pela dispersão

temática e surgem novas roupagens nos filmes contrastando com a maneira pela

qual articularam-se a primeira e a segunda fase. Aqui entram em cena Guido Araújo

Roberto Duarte Rubens Junqueira Miguel Rio Branco e Mauricio Beru pará destacar

os diretores e é o momento de participação de Farkas como diretor além da

continuidade de Sérgio Muniz. Vale salientar que Farkas

realizara curtas-metragens

na Escola Politécnica da USP nos anos 1950.

Em relação ao intento de percorrer o país não ocorrem grandes avanços

ficando os filmes limitados aos Estados da Bahia São Paulo e Rio Grande do Sul. No

que diz respeito aos temas apresentados

a recuperação da questão da migração

desta vez com foco sobre a imigração italiana permanecem as preocupações de registro

de formas de trabalho em vias de desaparição notadamente marcadas por métodos

artesanais que contrastam com a industrialização

em pleno desenvolvimento

e

por

fim essa última fase destoa das demais

por

colocar em primeiro plano manifestações

artísticas como a música aarquitetura e as artes plásticas destacando processos e

artistas pertencentes ao contexto urbano e à estética moderna. No âmbito da produção

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EM TORNO D MÉRIC L TIN

6

esse último momento apresenta relações de co-produção com a Embrafilme, a Prefeitura

Municipal de São Paulo, a Saruê Filmes, de Geraldo Sarno, e Sérgio Muniz, que além

de diretor também participa do financiamento de alguns projetos.

Ao observar a trajetória dos filmes, fica explicitada a idéia da construção de um

olhar sobre a cultura popular brasileira,

em

que se busca um desenho polimorfo do

homem local, assentado nas relações entre cultura, economia e sociedade. Tais

propósitos se atualizam sobre uma visualidade, que assume a corporeidade do real, no

encontro da câmera com o objeto, e avança ao colocar

em

circulação outros signos

visuais que enriquecem a amostragem, como é o caso da recuperação de gravuras e

materiais de arquivo. No plano sonoro, estabelece-se uma polifonia derivada da voz

autêntica dos sujeitos em sincronia com a imagem, e uma musicalidade extraída de

sons regionais e outras referências e a insistência na voz over que, além de garantir o

ideal interpretativo, busca também uma,certa articulação didática

em

sintonia com a

finalidade social e educativa do filmes. Essa amostragem se edifica sobre uma tradição

já firmada no campo do cinema, ou seja, os cineastas lançam mão de artifícios do

cinema moderno, com realce para as descontinuidades entre som e imagem

em

muitos

dos filmes.

m

relação à autoria, fica flagrante a ausência de uma cartilha a ser guiada no

tratamento dos filmes, abundam visões diferenciadas

em

que se percebe o peso do

diretor nas escolhas e formatações dos temas. Geraldo Sarno, Paulo Gil Soares e

Sérgio Muniz são os diretores que mais se destacam, tanto pela quantidade de filmes

que dirigem, quanto pelos traços estilísticos que impõem ao material. Nos três, o

processo de documentação se coaduna ao de reflexão sobre o próprio ato de

documentar, e encontram soluções particulares que os individualizam. Sàrno se

empenha num tipo de realismo crítico, em que os fatos são interpretados por uma

consciência de linguagem, sendo tal aspecto sintetizado numa frase da publicação da

revista

Filme Cultura,

na edição de agosto de 1984: ''Na verdade, o que o documentário

realmente documenta com veracidade é a minha maneira de documentar

apud

AVELLAR, 2003: 187). Gil Soares funde reportagem jornalística e a tradição do

realismo, tal aspecto seria desdobrado em sua ativa participação na TV Globo, em que

ele dá inicio,

nos anos 1970 ao Globo Repórter. Muniz é o realizador mais afeito a

uma certa tradição do cinema experimental e ao uso de artifícios de linguagem, como

comprovam os filmes feitos a partir de material de arquivo, seu projeto

Cinema de

Cordel

e uma depositada crença em procedimentos de encenação nos filmes da última

fase, embora também se possam encontrar filmes, bastante convencionais

em

sua

filmografia.

Quanto à

renovação da linguagem, é interessante observar a maneira como os

procedimentos inaugurados pelo cinema verdade, foram reincorporados a outras

tradições, resultando num rico hibridismo.

Um componente que se agrega a essa

questão é a presença marcante em alguns filmes da reflexividade, firmemente atada

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  62

ESTUDOS DE

CINEM

ao liso criativo da montagem, tal constatação vincula diretamente os filmes à idéia de

cinema moderno

em

que a articulação, imagem/som desvincula-se do procedimento

clássico na lide com o Conteúdo e inscreve a visão subjetiva do cineasta no processo

enunciativo

· Finalmente em relação à produção trata-se de um

caso

de produção

independente bastante relevante para história do cinema brasileiro, em particular para

o desenvolvimento do documentário. A figura de Thomaz Farkas emerge na onda

de

novos produtores do Cinema Novo, nomes tais como Jarbas Barbosa, Luis Carlos

Barreto e Zelito Viana que se devotaram

à

produção de ficção. A especificidade

da

experiência da

Caravana

poderia ser medida pelo desejo de realização de filmes

de

baixo orçamento, em que se articula um quadro conceitual, aqui são relevantes as

pesquisas prévias de temas e a preocupação com a linguagem, para garantir a unidade

do material que tinha fins específicos de distribuição e exibição. Para viabilizar da

realização dos filmes tem destaque, Edgardo Pallero, produtor executivo da maioria

deles.

Em seu conjunto, os filmes produzidos por Farkas traduzem por seus meios

expressivos facetas da realidade de um país, sustentado pela contraposição entre o

moderno e o arcaico em suas mais variadas formas. O encontro do realizador com o

objeto, seguida de sua restituição é uma operação que se coaduna ao princípio realista

de reconstituição do fenômeno, avançando no território das medições em que a voz e

também o corpo) do cineasta, sua participação criativa se infiltra no material elaborado.

BIBLIOGR FI

AVELLAR,

José Carlos. Geraldo Sarno.

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PARANAGUA, Paulo A

(Org.) Cine Documental

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Madri: Cátedra, 2003.

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Documentário no Brasil: tradição e transformação

São Paulo: Summus Editorial,

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XAVIER,

Ismail.

O cinema brasileiro moderno

São Paulo: Paz e Terra, 2001.