Biocombustiveis Energia

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Yolanda Viei ra de Ab reu Marco Au rlio Gonalves de O livei ra Sinclai r Mallet -Guy Guerra (Organi zadores)

Energi a, Economia, Rotas Tecnolgicas. Textos selecionad os

Pal ma s - TO B r asil - 2010

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L i v r o E l e t r n i c o Pub li cado po r: eumed.net . Universid ad de Mlaga. Mlaga. Esp anha. 2010h t t p : / / w w w . e u m e d . n e t / c u r s e c o n/ l i b r e r i a / i n d e x . h t m

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Aos Nosso s Pai s, Fi lho s e Netos.

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AGRADECIMENTOS

famlia, aos amigos e aos nossos alunos de Graduao, Mestrado e Doutorado.

Organizadores Prof. Dr. Yolanda Vieira de AbreuDepartamento de Economia e Mestrado em Agroenergia Ncleo em Interunidades em Desenvolvimento Econmico, Social e Energtico - UFT TO. Palmas/TO, Brasil [email protected]

Prof. Dr. Marco Aurlio Gonalves de OliveiraFaculdade de Tecnologia Departamento de Engenharia Eltrica GSEP/ UnB Braslia/BRA, Brasil [email protected]

Prof. Dr. Sinclair Mallet-Guy GuerraDepartamento de Energia - PPGE/IEE/USP. So Paulo/SP, Brasil. [email protected]

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AUTORES POR INSTITUIO

Universidade de Braslia. Faculdade de Tecnologia (UnB/FT/ENE) Departamento de Engenharia Eltrica. Grupo de Sistemas Eltricos de Potncia (GSEP).Prof. Dr. Ivan Marques de Toledo Camargo Prof. Dr. Marco Aurlio Gonalves de Oliveira Prof. Dr. Mauro Moura Severino

Doutorando (UnB/FT/ENE):Rafael Amaral Shayani

Universidade de So Paulo. Programa de Ps-Graduao em Energia Departamento de Energia - PPGE/IEE/USP.Prof. Dr. Arlindo Kamimura Prof. Dr. Geraldo F. Burani Prof. Dr. Sinclair Mallet-Guy Guerra (Livre Docente)

Universidade Federal do Tocantins (UFT) Programa de Ps-Graduao em AgroenergiaProf. Dr. Joel Carlos Zukowski Junior Prof. Dr. Juan Carlos Valds Serra Profa Dra Yolanda Vieira de Abreu

Mestrandos (as) em Agroenergia (UFT):Aymara Gracielly Nogueira Colen Fritz Evandro Reina Fbio Josias Farias Monteiro Glecymara Sousa Gomes Marco Antnio Baleeiro Alves Maria Alzira Garcia de Freitas Maristhela Ramos da Silveira Thiago Magalhes de Lzari

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"S um sentido de inven o e um a necessidade intensa de cri ar levam o hom em a revoltar -se, a descobri r e a descobri r-se com lucidez. Pab lo Pi casso

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SUMRIO

GUISA DE PREFACIO ................................................................................................. 13 CAPITULO I...................................................................................................................... 18 TECNOLOGIA APROPRIADA: INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR E DE COMUNIDADES RURAIS. .............................. 19 1.1 INTRODUO ..................................................................................................... 19 1.2 TECNOLOGIA APROPRIADA: DEFINIO E CARACTERSTICAS.............. 21 1.3 ESTADO DO TOCANTINS .................................................................................. 23 1.4 EXPERINCIAS COM TECNOLOGIAS APROPRIADAS NO ESTADO DO TOCANTINS ............................................................................................................... 24 1.4.1 Projeto Quintal Verde ...................................................................................... 24 1.4.2 Funcionamento do Sistema Mandala ................................................................ 26 1.4.3 Implantao das Hortas .................................................................................... 28 1.4.4 Resultados do Projeto Quintal Verde................................................................ 35 1.5 BIODIGESTORES ................................................................................................. 36 1.5.1 Modelos e Funcionamento ............................................................................... 38 1.5.2 Construo e Manuteno do Biodigestor ........................................................ 42 1.6 CONSIDERAES FINAIS .................................................................................. 44 CAPITULO II .................................................................................................................... 48 UTILIZAO DE BIOMASSA PARA GERAO DE ENERGIA ELTRICA EM PROPRIEDADES AGRCOLAS. ................................................................................. 49 2.1 INTRODUO ..................................................................................................... 49 2.2 PEQUENAS CENTRAIS TERMOELTRICAS A BIOMASSA ........................... 53 2.3 SISTEMAS DE REFRIGERAO POR ABSORO ......................................... 55 2.4 DESCRIO DA PLANTA DE COGERAO ................................................... 56 2.5 MONTAGEM E INSTALAO DO SISTEMA DE COGERAO .................... 58 2.6 OPERAO DA CALDEIRA ............................................................................... 59 2.7 AVALIAO DE VIABILIDADE ECONMICA DO SISTEMA DE COGERAO ............................................................................................................. 61 2.7.1 Fatores Econmicos ......................................................................................... 62 2.7.2 Centrais Termeltricas ..................................................................................... 64 2.7.3 Viabilidade Econmica .................................................................................... 64 2.7.4 Investimento Inicial ......................................................................................... 64 2.7.5 Custos Anuais com Operao e Manuteno .................................................... 65 2.7.6 Custo do Combustvel ...................................................................................... 65 2.7.7 Venda de Energia Eltrica ................................................................................ 65 2.7.8 Financiamentos ................................................................................................ 66 2.7.9 Valor Presente Lquido (VPL) ......................................................................... 67 2.7.10 Anlise de Sensibilidade ................................................................................ 67 2.8 CONSIDERAES FINAIS .................................................................................. 71

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CAPITULO III................................................................................................................... 77 IMPACTOS DA GERAO DISTRIBUDA EM REDES DE DISTRIBUIO ..... 78 3.1 INTRODUO ..................................................................................................... 78 3.2 GERAO DISTRIBUDA (GD) .......................................................................... 80 3.2.1 Definio de GD .............................................................................................. 80 3.2.2 Localizao da GD .......................................................................................... 80 3.2.3 Modificao do Fluxo de Potncia em Sistemas Radiais de Distribuio .......... 82 3.2.4 Exemplo de Fluxo de Potncia em Sentido Reverso ......................................... 83 3.2.5 Instrumentos Normativos ................................................................................. 85 3.3 GERAO DISTRIBUDA COM SISTEMAS SOLARES FOTOVOLTAICOS (GDFV)........................................................................................................................ 86 3.3.1 Crescimento da Utilizao da GDFV ............................................................... 86 3.3.2 Configuraes da GDFV .................................................................................. 87 3.3.3 Exemplo de Clculo do Potencial da GDFV ..................................................... 88 3.3.4 Conexo da GDFV Rede Eltrica .................................................................. 89 3.4 IMPACTOS DA GD NA REDE DE DISTRIBUIO ........................................... 90 3.4.1 Distoro Harmnica ....................................................................................... 91 3.4.1.1 Limite de Distoro Harmnica de Corrente.............................................. 91 3.4.1.2 Atuao como Filtros Ativos de Distoro Harmnica .............................. 92 3.4.2 Aumento de Tenso ......................................................................................... 92 3.4.2.1 Efeito da Impedncia do Alimentador no Aumento de Tenso ................... 92 3.4.2.2 Fatores que Influenciam o Aumento de Tenso ......................................... 95 3.4.3 Carregamento de Alimentadores e Transformadores ........................................ 95 3.4.4 Contribuio para a Corrente de Curto-circuito ................................................ 97 3.4.5 Comportamento da GD perante Distrbios na Rede de Distribuio ................. 97 3.4.5.1 Efeito da Desconexo da GD no Perfil de Tenso do Alimentador ............ 97 3.4.5.2 Curva de Suportabilidade da GD frente a Afundamentos de Tenso .......... 98 3.4.6 Ilhamento No-intencional ............................................................................... 99 3.5 Limite de Penetrao para GD .............................................................................. 100 3.5.1 Definio de Penetrao da GD ..................................................................... 100 3.5.2 Percepes Sobre o Limite de Penetrao da GD ........................................ 101 3.5.3 Recomendaes Gerais .................................................................................. 103 3.5.4 Aumento da Penetrao da GD ................................................................... 103 3.5.4.1 Controle Centralizado da GD e de Regulares de Tenso .......................... 104 3.5.4.2 Opes para Aumentar a Penetrao da GD ............................................ 105 3.5.5 Benefcios Adicionais da Penetrao Elevada de GD .................................. 106 3.5.6 Pesquisas Adicionais ................................................................................... 107 3.6 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................ 108 CAPITULO IV ................................................................................................................. 111 GERAO DISTRIBUDA: DISCUSSO CONCEITUAL E NOVA DEFINIO ...................................................................................................................................... 112 4.1 INTRODUO ................................................................................................... 112 4.2 CONCEITO DE GERAO DISTRIBUDA ...................................................... 113 4.2.1 Conceitos, Definies e Classificaes Pertinentes ........................................ 113 4.3 OUTROS CONCEITOS ....................................................................................... 149 4.3.1 Recursos Distribudos .................................................................................... 149 4.3.2 Capacidade Distribuda .................................................................................. 150 4.3.3 Servio de Eletricidade Distribudo ................................................................ 151 9

4.4 ASPECTOS DA REDE DE DISTRIBUIO ...................................................... 151 4.5 ASPECTOS DE CONEXO ................................................................................ 152 4.6 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................ 153 CAPITULO V .................................................................................................................. 158 GERAO DE ENERGIA EM COMUNIDADES ISOLADAS: CASO DA COMUNIDADE BOA ESPERANA ......................................................................... 159 5.1 INTRODUO ................................................................................................... 159 5.2 LOCALIZAO.................................................................................................. 163 5.3 CRITRIOS DE DECISO SOBRE O SISTEMA DE GERAO ..................... 164 5.4 DEMANDA DE ENERGIA ................................................................................. 166 5.5 TIPOS DE ENERGIA E USOS ............................................................................ 166 5.6 SITUAO SCIO ECONMICA DAS FAMLIAS DA COMUNIDADE ....... 168 5.7 IMPLANTAO DO SISTEMA DE GERAO HBRIDO .............................. 168 5.7.1 Evoluo da Instalao .................................................................................. 168 5.7.2 Primeira Reunio com a Comunidade, Levantamento Georeferenciado da Comunidade ........................................................................................................... 168 5.7.3 Instalao do Sistema de Gerao de Energia Eltrica Hbrido ....................... 169 5.7.4 Instalao da Casa de Farinha ........................................................................ 172 5.7.5 Custo da Gerao e Distribuio (kWh) ......................................................... 174 5.7.6 Gesto do Sistema ......................................................................................... 175 5.8 SUSTENTABILIDADE ....................................................................................... 175 5.8.1 Preo do Servio X Capacidade de Pagamento............................................... 175 5.8.2 Impacto Sobre a Renda Local, Empregos Diretos e Indiretos a Partir da Implantao da Micro Usina ................................................................................... 177 5.8.3 Anlise de Viabilidade Econmica ................................................................. 178 5.8.4 Replicabilidade do Modelo de Gerao .......................................................... 179 5.9 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................ 180 CAPITULO VI ................................................................................................................. 182 POSSIBILIDADES TECNOLGICAS DE APROVEITAMENTO DA BIOMASSA PARA PRODUO DE BIOCOMBUSTVEIS ........................................................ 183 6.1 INTRODUO ................................................................................................... 183 6.2 BIOMASSA ......................................................................................................... 184 6.2.1 Disponibilidade e Consumo da Biomassa e Aproveitamento dos seus Resduos para Produo de Biocombustveis ......................................................................... 186 6.3 TECNOLOGIAS CONVENCIONAIS E BIOLGICAS PARA PRODUO DE BIOCOMBUSTVEL ................................................................................................. 188 6.3.1 Combusto Direta .......................................................................................... 191 6.3.2 Pirlise ou Carbonizao ............................................................................... 192 6.3.3 Gaseificao .................................................................................................. 195 6.3.4 Fermentao .................................................................................................. 199 6.3.5 Transesterificao .......................................................................................... 200 6.4 PRODUO DE BIOCOMBUSTVEIS NO BRASIL ........................................ 201 6.5 POTENCIALIDADES DAS MATRIAS PRIMAS POR REGIO ..................... 203 6.5.1 Oleaginosas ................................................................................................... 205 6.5.1.1 Amendoim .............................................................................................. 205 6.5.1.2 Soja......................................................................................................... 205 6.5.1.3 Dend ..................................................................................................... 206 10

6.5.1.4 Girassol................................................................................................... 207 6.5.1.5 Babau .................................................................................................... 207 6.5.1.6 Macaba ................................................................................................. 208 6.5.1.7 Microalgas .............................................................................................. 208 6.6 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................ 209 CAPTULO VII ............................................................................................................... 214 BASES TECNOLGICAS DA OBTENO DE BIODIESEL ................................ 215 7.1. INTRODUO .................................................................................................. 215 7.2. TECNOLOGIAS DE OBTENO DE BIODIESEL: UMA REVISO. ............ 216 7.2.1 Composio Qumica de leos Vegetais e Animais ....................................... 216 7.2.2 A Reao de Transesterificao ..................................................................... 219 7.2.3 O Uso de lcoois e Co-solventes ................................................................... 222 7.2.4 Mtodos de Obteno de Biodiesel ................................................................ 223 7.2.5 Possveis Catalisadores para Obteno do Biodiesel....................................... 224 7.3 PRINCIPAIS ETAPAS PARA A PRODUO DE BIODIESEL ........................ 232 7.4 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................ 233 CAPITULO VIII .............................................................................................................. 237 SOBRE O CONSUMO DE LENHA DOMICILIAR RURAL NAS REGIES BRASILEIRAS ............................................................................................................ 238 8.1. INTRODUO .................................................................................................. 238 8.2. MATERIAIS E MTODO .................................................................................. 240 8.2.1. Hipteses adotadas........................................................................................ 240 8.2.2. Resultados a partir da POF 2002 e POF 2008 ................................................ 241 8.3. CONCLUSO .................................................................................................... 244 CAPITULO IX ................................................................................................................ 246 ESTUDO SOBRE AS VANTAGENS E DESVANTAGENS DO USO DA GASOLINA, ETANOL E A MISTURA DOS DOIS COMBUSTVEIS EM MOTORES FLEX FUEL ............................................................................................................................ 247 9.1 INTRODUO ................................................................................................... 247 9.2 BIOCOMBUSTVEIS E A INDSTRIA AUTOMOBILSTICA BRASILEIRA . 251 9.3 MATERIAIS E MTODOS ................................................................................. 254 9.4 RESULTADOS E DISCUSSO .......................................................................... 254 9.4.1 Motor de Combusto Interna .......................................................................... 254 9.4.2 Rendimento Etanol versus Gasolina ............................................................... 256 9.4.3 Poder Calorfico ............................................................................................. 258 9.4.4 Octanagem..................................................................................................... 258 9.4.5 Calor de Vaporizao ..................................................................................... 258 9.4.6 Proporo Estequiomtrica ............................................................................ 259 9.4.7 Ponto de Fulgor ............................................................................................. 259 9.5 CLCULO DE RENDIMENTO ETANOL VERSUS GASOLINA....................... 260 9.5.1 Vantagens e Desvantagens da Utilizao de cada Combustvel ...................... 260 9.6 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................ 261 CAPTULO X .................................................................................................................. 265

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FONTES E TECNOLOGIAS DE GERAO DISTRIBUDA PARA ATENDIMENTO A COMUNIDADES ISOLADAS .................................................. 266 10.1 INTRODUO.................................................................................................. 266 10.2 GERAO FOTOVOLTAICA .......................................................................... 271 10.2.1 Aspectos Gerais da Energia Solar................................................................. 271 10.2.2 Energia Solar-fotovoltaica............................................................................ 274 10.2.3 O Efeito Fotovoltaico ................................................................................... 282 10.2.4 O Aproveitamento da Luz Solar ................................................................... 284 10.2.5 Tecnologias Fotovoltaicas Comercialmente Disponveis .............................. 287 10.2.5.1 Aspectos Gerais .................................................................................. 287 10.2.5.2 Tecnologia de Silcio Cristalino (c-Si) ................................................... 288 10.2.5.3 Tecnologia de Silcio Amorfo Hidrogenado (a-Si) .............................. 290 10.2.5.4 Tecnologia de Telureto de Cdmio (CdTe) ............................................ 293 10.2.5.5 Tecnologias CIS e CIGS ....................................................................... 293 10.2.6 Caractersticas Eltricas de Clulas e Mdulos Fotovoltaicos ....................... 293 10.2.7 Sistema Fotovoltaico Autnomo .................................................................. 295 10.2.7.1 Aspectos Gerais .................................................................................... 295 10.2.7.2 Potncia e Energia Geradas ................................................................... 298 10.3 CLULAS A COMBUSTVEL.......................................................................... 300 10.3.1 Aspectos Gerais ........................................................................................... 300 10.3.2 Componentes Bsicos e Princpio de Funcionamento ................................... 303 10.3.3 Aspectos Positivos e Negativos .................................................................... 307 10.4 TECNOLOGIAS ................................................................................................ 310 10.4.1 CaC Alcalina (AFC) .................................................................................... 313 10.4.2 CaC de Membrana Polimrica (PEMFC) ..................................................... 313 10.4.3 CaC cida (PAFC) .......................................................................................... 314 10.4.4 CaC de Carbonato Fundido (MCFC) ............................................................ 315 10.4.5 CaC de xido Slido (SOFC) ...................................................................... 316 10.4.6 CaC de xido Slido de Temperatura Intermediria (ITSOFC).................... 317 10.4.7 CaC de Metanol Direto (DMFC) .................................................................. 317 10.4.8 CaC de Etanol Direto (DEFC)...................................................................... 318 10.5 SISTEMAS BASE DE CACS ......................................................................... 318 10.5.1 Processador de Combustvel ........................................................................ 319 10.5.2 Pilha de clulas ............................................................................................ 319 10.5.3 Condicionador de Potncia........................................................................... 320 10.5.4 O Hidrognio como Combustvel das CaCs ................................................. 320 10.5.5 Sistemas Mveis e Estacionrios .................................................................. 321 10.6 CONSIDERAES FINAIS .............................................................................. 322

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GUISA DE PREFACIO

Para se entender o que se passa no mundo acadmico necessrio, antes de tudo, compreender um pouco de semntica, dado que sua aplicao til em toda e qualquer cincia. Um exemplo disso a interpretao de trs palavras aparentemente semelhantes, mas que leva a diferentes compreenses quando aplicadas.

Alterar pode ser entendido como aquela palavra que no interfere total e radicalmente nas frases, mas que pode ser usada como sinnimo, complemento de frases, nfase ou reforo frasstico sem grande modificao ou transformao em seu sentido. Modificar diferente por conter o objetivo claro e especfico de apresentar outra conotao em suas aplicaes, utilizaes e aqui j levam a frase ou texto a outro sentido sem, contudo, transform-la completamente. Finalmente, transformar tem um sentido mais forte, mais amplo. Sua aplicao dirigida diretamente para outro espao interpretativo. Como exemplo pode-se aplicar estas trs palavras em cincias. O calor altera a temperatura dos corpos. Caso suba, pode modificar sua forma, por exemplo. Atingindo limites elevados (para tais corpos) podem transform-los quanto forma, cor e textura.

No Brasil, desde a metade da dcada de 1990 os estudos sobre planejamento foram sendo alterados, sobretudo e de forma especifica o referente a energia em funo da predominncia do mercado como o novo elemento determinador de aes. Primeiramente, passou-se a discutir a questo da interdisciplinaridade, fragilizando-se a busca feita dcadas anteriores de que em energia no h uma disciplina predominante tamanhas so as intercorrncias entre umas e outras. A foragem de um de poo de petrleo tem incio pelos estudos ssmicos, passa pela Economia por causa das necessidades dos investimentos requeridos e dos custos decorrentes, deve atender a Qumica para avaliao das repercusses nesse campo. A sociedade precisa saber qual ser o impacto sobre aglomerados humanos, para isso faz-se necessria a busca de esclarecimentos a respeito das questes ambientais incorridas, a montante e a jusante, hoje e no futuro.

As modificaes sobre tais estudos foram sendo introduzida, principalmente, pela no compreenso dessas necessidades interpretativas. O sprit-de-corp de recm doutores os leva a 13

buscar mais fora na coeso de seu grupo, procurando o distanciamento de toda e qualquer intromisso que poderia fragiliz-la. O solido conhecimento em si, ou seja, o completo domnio de sua formao cientfica e tecnolgica os distancia totalmente de uma viso moderna em que se deve buscar uma amplitude maior de conhecimentos.

No se est defendendo a hiptese de que compreender as modernas teorias sobre desenvolvimento representa uma afirmao do sistema econmico vigente no mundo atualmente. No se est impondo que um formado em uma disciplina deva dominar com profundidade todos os conceitos, regras e normas operacionais de outra.

Entre economistas, por exemplo, advoga-se no presente a viso denominada pluralista a qual preceitua uma abordagem ampla de interpretao de relaes econmicas indo daquilo que popularmente rotulado de viso conservadora at o outro extremo em que se alojam pensadores considerados herticos. A sntese interpretativa dessas correntes vai propiciar o melhor e mais amplo domnio da teoria econmica necessria compresso de seus fenmenos. Esse mesmo economista no pode prescindir de conhecer, por exemplo, fenmenos termodinmicos ainda que sejam seus rudimentos bsicos. Por outro lado, as vrias modalidades de engenharia no podem e no devem prescindir de conhecimentos sobre investimentos, custos e os reflexos de suas atividades na sociedade. Como um exemplo tendendo ao banal, em uma conturbao como a da cidade de So Paulo, pode-se verificar o peso da interdisciplinaridade quando se trabalha na tentativa de solucionar problemas decorrentes de melhorias no transporte. Uma pletora de conhecimentos especficos acionada. Entram nessa equipe solucionadora tcnicos, e mesmo cientista, das mais variadas modalidades com um nico e definido objetivo: atender as necessidades sociais.

Em questes sobre energia d-se o mesmo. Ocorre que em funo das transformaes resultantes do processo de globalizao dos sistemas financeiro e produtivo a cincia e a tecnologia caminham na mesma direo, muitas vezes a reboque, mas na maioria das vezes conduzindo o processo. Dentro dessa forma de ver as relaes sociais decorrentes encontramse os encastelamentos deformadores. Compreenda-se por isso a viso predominante em meios acanhados tecnicamente, ou seja, aqueles que no conseguem ver que nesse mesmo mundo moderno em que prevalecem as leis de mercado seu produto menor por ser restrito tal qual os culos que s se adquam viso de seu utilizador. Ficam faltando complementarmente 14

conhecimentos mais amplos, no como finalizadores do trabalho ou da atividade desenvolvida, mas sim da necessidade de outros profissionais participes dessas mesmas, de forma conjunta e nunca excludente. Os trabalhos apresentados nesta obra, resultado das atividades profissionais de seus autores todos eles ligados a academia procuram se enquadrar em uma forma moderna de se ver a energia de maneira interdisciplinar. So engenheiros de variadas modalidades, so economistas com suas interpretaes distintas, so cientistas sociais aos quais no escapam uma viso especfica pelo seu carter regional, so fsicos preocupados com interpretaes equivocadas.

Antes de se abrir os comentrios, sobre os artigos aqui apresentados, conveniente ressaltar a predominncia de seu carter regional. A permanncia desse carter tratando de casos ou aplicando esquemas tecnolgicos a comunidades isoladas deve-se ao fato de seus autores estarem ligados a vida acadmica daquela parte que j foi chamada de o Brasil profundo (com a permisso de mestre Srgio Buarque de Holanda).

O primeiro dos artigos desta coletnea j deixa clara essa viso ampla por abordar tecnologia com pinceladas de cincias sociais sem que uma delas seja a predominante tamanha sua imbricao. Dessa forma Tecnologia apropriada: Instrumentos de desenvolvimento da agricultura familiar e de comunidades rurais de autoria de Reina, Monteiro, Lzari e Abreu tm, como explicitado em seu ttulo o objetivo (de) apresentar a tecnologia apropriada e sua importncia para o crescimento e desenvolvimento da agricultura familiar e de pequenas comunidades rurais. Em Utilizao de biomassa para gerao de energia eltrica em propriedades agrcolas toma-se conhecimento do esforo que o uso da biomassa transfere sociedade no sentido de ampliar suas opes de consumo de outras fontes e formas de energia. Mais uma vez, percebe-se nesse trabalho a viso interdisciplinar ao justapor engenharia eltrica com rudimentos de engenharia agronmica e com sociologia agrcola ao se debruar sobre propriedades agrcolas.

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O terceiro artigo leva, indiretamente, o leitor a refletir sobre questes ambientais ao tratar de Impactos da gerao distribuda em redes de distribuio. Nesse trabalho Shayani e Oliveira seguem na linha que vem sendo ventilada unindo engenharia eltrica com sua resultante social, recomendando a avaliao de benefcios decorrentes da instalao de gerao distribuda em redes de distribuio e ao mesmo tempo sugerindo pesquisas mais abrangentes para a verificao de seus impactos a montante e a jusante do sistema eltrico e suas decorrncias. Severino, Camargo e Oliveira discutem em seu artigo Gerao distribuda: Discusso conceitual e nova definio o repensar dessa modalidade de distribuio. Isso porque os sistemas eltricos convencionais no conseguem garantir o suprimento sustentvel de energia eltrica com a abrangncia e a qualidade exigidas pela sociedade do sculo XXI. Para tal, abrem a discusso sobre o assunto reconhecendo essa necessidade. Voltando a tocar na questo da interdisciplinaridade, esses autores apresentam o que denominam de propsitos: o primeiro, tcnico de engenharia e o segundo, econmico. Ambos correlacionados na questo discutida. Na continuao dos artigos, Zukowski Jr. em Gerao de energia em comunidades isoladas: O caso da comunidade Boa Esperana refora a necessidade de expanso e permanncia ainda que no os explicite diretamente de programas de eletrificao rural ou, mais apropriadamente, de comunidades distanciadas desse recurso. Trata-se de um estudo de caso especfico de uma comunidade encravada no Estado de Tocantins.

O sexto artigo nos leva a uma forma moderna de gerao de energia com amplos reflexos na economia brasileira e mundial. Brasileira pelas Possibilidades tecnolgicas de aproveitamento da biomassa para produo de biocombustveis por ser um destaque nacional. Mundial por contribuir para a expanso desse combustvel e pelos reflexos sobre o meio ambiente que no local, mas sim universal. H que destacar-se que o aproveitamento da biomassa desencadeador de uma extensa cadeia produtiva, entre os quais se sobressaem a gerao de energia eltrica e a produo de combustveis lquidos, entre outros, como destacam seus autores.

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Alves e Valds Serra nos apresentam em Bases tecnolgicas da obteno de biodiesel a atual configurao da tecnologia de obteno de biodiesel no mundo (...) fornecendo as bases para aplicaes industriais. Grosseiramente falando, seria uma forma de se verificar os efeitos reprodutivos desse atualssimo insumo tantas suas possibilidades de aplicao. Mais uma vez, ainda que indiretamente, o impacto ambiental do uso de combustveis destacado pela contribuio minorizadora dessa produo. O artigo de Kamimura e Burani em Sobre o consumo de lenha no setor residencial rural brasileiro tem por objetivo apresentar uma proposta metodolgica para avaliao do consumo da lenha nos domiclios rurais tomando por base uma comparao com seu concorrente direto, o GLP - gs liquefeito de petrleo. No Estudo sobre as vantagens e desvantagens do uso da gasolina, etanol e a mistura dos dois combustveis em motores flex-fuel, Lzari e Abreu visam analisar e avaliar veculos modernos com esse tipo de motor e as relaes entre o consumo de etanol comparado com a gasolina, considerando fatores como rendimento, preo e sustentabilidade ambiental. V-se nesse artigo o total domnio interdisciplinar pelas variveis analisadas. Para fechar a coletnea de artigos aqui exposto, o artigo de Severino e Oliveira sobre Fontes e tecnologias de gerao distribuda para o atendimento a comunidades isoladas um atestado dessa afirmao. Nele, os autores, reconhecem, discutem e apresentam tecnologias de gerao eltrica para atendimento a essas comunidades envolvendo gerao fotovoltaica e gerao por meio de clulas a combustvel, usurias da radiao solar e do gs hidrognio obtido por meio da hidrlise da gua

Como concluso deste prefcio, fica a certeza de que, mais que nunca, necessrio que cabeas se arejem para que se possa, conjuntamente, contribuir para com um planejamento sistmico da energia no qual participem, de maneira ordenada, especialistas de uma multiplicidade de saberes com um nico objetivo, a satisfao das necessidades sociais.

Prof. Dr. Sinclair Mallet Guy Guerra

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CAPITULO I

TECNOLOGIA APROPRIADA: INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR E DE COMUNIDADES RURAIS

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TECNOLOGIA APROPRIADA: INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR E DE COMUNIDADES RURAIS. Evandro Reina1 Fbio Josias Farias Monteiro 1 Thiago Magalhes de Lzari1 Yolanda Vieira de Abreu 2 RESUMO Tecnologia apropriada caracteriza-se pelo uso de tcnicas acessveis agricultura familiar. Sua transferncia realizada utilizando insumos, matrias primas e mo-de-obra local, respeitando o tamanho da terra, a cultura e o conhecimento intrnseco do agricultor. A construo de instrumentos, equipamentos, maquinrios e outros produtos so de baixo custo e direcionados para soluo de problemas dos agricultores familiares. Como resultado, alm do aumento da produtividade das lavouras, formao de excedente e incremento da renda, tem-se a converso da situao de subsistncia do agricultor familiar, para uma condio de sustentabilidade. Este estudo tem como objetivo apresentar a tecnologia apropriada e sua importncia para o crescimento e desenvolvimento da agricultura familiar e das pequenas comunidades rurais. Ser apresentado um estudo de caso do Projeto Quintal Verde utilizandose o Sistema Mandala, e uma anlise sobre a viabilidade de implantao de biodigestores para gerao de energia alternativa e produo de adubo orgnico. Palavras-chave: Tecnologia Apropriada; Agricultura Familiar; Sustentabilidade. 1.1 INTRODUO Os mecanismos de implantao de tecnologias modernas, principalmente em relao aplicabilidade em condies diversas, sem levar em considerao o clima, cultura e a necessidade das comunidades nas quais estavam sendo aplicadas, so na maioria das vezes polticas de concentrao da propriedade da terra, de renda e de produtos destinados a exportao. A utilizao contnua e crescente de um paradigma agrcola que dependente de tecnologia moderna, energia, grande extenso de terras e gua, que so bens escassos, no apenas tendem a elevar os custos de produo dos alimentos, como tambm propicia a

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Mestrandos em Agroenergia. Universidade Federal do Tocantins (UFT) Professorado Mestrado em Agroenergia. Universidade Federal do Tocantins (UFT)

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formao de latifndios, desmatamento e o aumento de conflitos no campo (RIGBY & BROWN, 2007).

No Brasil, o processo de modernizao tecnolgica da agricultura, principalmente nas dcadas de 1960 e 1970 que participaram da Revoluo Verde da poca, no teve resultados diferentes dos outros pases que se submeteram ao mesmo processo. Tal revoluo promoveu juntamente com o aumento da produo agrcola para exportao, um modelo de poltica excludente, altamente poluente e concentradora (PASSINI, 1999).

A abordagem da pesquisa realizada foi do tipo exploratrio, descritivo, bibliogrfico e estudo de caso. Os dados primrios quanto ao estudo de caso, foram obtidos atravs da participao direta dos autores do artigo nas fases de implantao e conduo de algumas etapas do Projeto Quintal Verde. Para o estudo da viabilidade de implantao de biodigestores foram utilizados dados secundrios sistematizados atravs de consulta a livros, internet e rgos governamentais, objetivando definir conceitos e organizar informaes que possibilitem a elaborao de uma proposta simples, econmica, vivel e que leve em considerao as caractersticas da agricultura familiar. Para coletar os dados para o desenvolvimento dos estudos propostos foram realizadas entrevistas com tcnicos do Instituto de Desenvolvimento Rural do Estado do Tocantins (RURALTINS) e consultados endereos eletrnicos da Secretaria de Agricultura do Estado do Tocantins (SEAGRO), Secretaria de Planejamento (SEPLAN) entre outros. Posteriormente, os dados obtidos foram analisados e sistematizados de forma a fundamentar os resultados obtidos e transferir de modo fiel a experincia do estudo de caso e a viabilidade da implantao de biodigestores, com a finalidade de que o leitor possa reproduz-los, caso necessrio.

Este estudo apresenta a implantao de tecnologias apropriadas como soluo para os problemas dos agricultores familiares ou comunidades. Para tanto, foi detalhado o estudo de caso do projeto Quintal Verde utilizando Sistema Mandala implantado na comunidade Quilombola Lagoa da Pedra, localizada no municpio de Arraias (TO) e um estudo, simulado, sobre a viabilidade de implantao de biodigestores para gerao de energia alternativa e produo de biofertilizante para a agricultura familiar e pequenas comunidades rurais. Estes modelos tecnolgicos so desenvolvidos de acordo com o tamanho da propriedade e condio social do agricultor familiar. Justifica-se este trabalho, porque 84,4% dos empreendimentos 20

agrcolas no Brasil so classificados como familiar e empregam 74,4% da populao rural (MDA, 2005).

1.2 TECNOLOGIA APROPRIADA: DEFINIO E CARACTERSTICAS A palavra tecnologia vem do grego (techn e logos) que significa o conjunto dos conhecimentos sobre os processos e meios de transformao dos objetos de trabalho, e vem sendo utilizada desde 1615 no idioma ingls, tendo o significado de discurso ou tratado sobre as artes (GAMA, 1986). A origem da idia de tecnologia apropriada remonta o incio do sculo XX, quando Gandhi desenvolve uma abordagem para manuteno e disseminao das tecnologias tradicionais nas vilas indianas. Ele incentivou a produo de alimentos e fertilizantes naturais para atendimento das necessidades dos habitantes dessas vilas por meio de cooperativas familiares e com tecnologias tradicionais condizentes com as condies financeiras, culturais e demogrficas da ndia. Defendia, essencialmente, que a tecnologia deveria ser desenvolvida a partir de uma abordagem integrada de desenvolvimento socioeconmico e cultural para atender demandas locais. Esta abordagem foi esquecida at a dcada de 1960, quando ocorre sua re-emergncia por meio do conceito de tecnologia apropriada (HERRERA, 1981). Em 1961, Ernest F. Schumacher, economista, introduz o termo tecnologia apropriada exatamente a partir de sua identificao com as obras de Gandhi na ndia. Mais tarde em seu livro Small is Beautiful, enfatiza quatro critrios para esta tecnologia: pequeno, simples, barato e pacfico (SCHUMACHER, 1973).

Segundo Abiko (2003), para definir tecnologia e seu campo de atuao, deve-se esclarecer inicialmente que tecnologia no deve ser confundida com tcnica. Estes dois termos possuem conceitos bastante diferenciados. A tcnica, ao contrrio da tecnologia, to antiga quanto o homem. O homem ao produzir fogo ou construir ferramentas e armas, estava utilizando-se de uma tcnica, o que permitiu que sobrevivesse e pudesse se impor sobre os animais (VARGAS, 1994). J a tecnologia, foi definida por Vargas (1994), como a soluo de problemas tcnicos por meio de teorias, mtodos e processos cientficos, pode se traduzir como juntar o fazer com as mos e o desenvolver e criar com a mente de forma formal e subjetiva. A tecnologia transforma o conhecimento tcito, sendo aquele que o indivduo adquiriu ao longo da vida, que est na cabea das pessoas, que informal e que se passa de gerao em gerao de forma oral, em conhecimento formal, escrito, estudado, analisado e 21

que pode se adaptar e desenvolver a fim de melhorar nosso conhecimento da realidade ou facilitar a vida do ser humano na Terra.

O termo tecnologia apropriada, segundo Goldemberg (1978) pode ser definido como sendo um processo de estabelecimento dos efeitos sociais e ambientais de uma tecnologia proposta antes que ela seja desenvolvida, e a tentativa de incorporar elementos benficos, nas vrias fases de seu desenvolvimento e utilizao. A tecnologia o conjunto dos conhecimentos de que uma sociedade dispe sobre cincias e artes industriais, incluindo os fenmenos sociais e fsicos, e a aplicao destes princpios produo de bens e produtos. Ainda segundo o mesmo autor uma tecnologia para ser considerada apropriada deve apresentar os seguintes aspectos sociais e econmicos: 1. Satisfazer as necessidades das camadas mais pobres da populao; 2. Preservar o meio ambiente; 3. Ser adequada em relao aos recursos naturais disponveis; 4. Depender de fontes de energia disponveis no local de sua aplicao.

Dentre estes critrios, o mais adequado no contexto da tecnologia apropriada o de satisfazer as necessidades das camadas mais pobres. Portanto, esse tipo de tecnologia para ser aplicada deve ser simples, de pequena escala, de baixo custo e intensivo uso no trabalho. Os principais benefcios podem ser observados em pequenas comunidades rurais, permitindo a substituio de tcnicas antigas e obsoletas, sem que haja danos no processo produtivo. Assim, o produtor continua explorando ao mximo todo o potencial dos recursos locais em matrias primas, energia e equipamentos sem nenhum prejuzo produo.

importante considerar que quase metade dos estabelecimentos brasileiros do tipo familiar (49,8%) depende exclusivamente da fora fsica dos seus integrantes para realizar as tarefas agrcolas necessrias produo, como arar, semear, capinar e colher (GUANZIROLI et. al., 2001). A introduo de tecnologias apropriadas no meio rural torna o trabalho mais leve e produtivo, promovendo desenvolvimento e incluso social neste setor.

Para muitos, tecnologia apropriada sinnimo de tecnologia atrasada, superada pelos avanos sistematicamente proporcionados pela incorporao de novos conhecimentos gerados pelas atividades de P&D (RODRIGUES & BARBIERI, 2008). Entretanto, para agricultores que 22

dispem de pouca infraestrutura tecnolgica em seu sistema produtivo, a insero desta tecnologia, mesmo com toda sua simplicidade, pode sim incrementar caractersticas agronmicas nos sistemas produtivos promovendo o desenvolvimento econmico e social. Esta tecnologia adaptada ao local e s necessidades do usurio e, por isso, diferentes grupos culturais e geogrficos podero obter resultados diferenciados conforme sua aplicao. Assim, cada produtor ir adotar o mecanismo que melhor atender sua demanda imediata, lanando mo de toda base tecnolgica possvel sua condio espacial, social e financeira.

Assim ocorre no Estado do Tocantins, onde grande parte da agricultura familiar caracterizada como de subsistncia, cujos ocupantes so populaes tradicionais como quilombolas, indgenas e ribeirinhos. A transferncia da tecnologia apropriada permite que estas comunidades cresam, produzam excedentes e se desenvolvam de forma sustentvel.

Um dos entraves para difuso de modelos de tecnologia apropriada a multiplicidade de tipos de agricultores familiares e a insuficincia de pesquisas e desenvolvimento. Falta treinamento nas diversas instituies, tanto governamentais, quanto privadas, direcionadas a criar solues para resolver problemas dos agricultores familiares atravs do desenvolvimento de projetos de tecnologias aplicveis realidade dos mesmos.

1.3 ESTADO DO TOCANTINS No Estado do Tocantins existem aproximadamente 34.521 estabelecimentos familiares. No total so 136.785 pessoas ocupadas dentro do processo de produo da agricultura familiar, representando 13% do total da populao do Estado. Anualmente, contribuem e geram uma renda em torno de R$ 108 milhes de reais economia do Estado (SANTOS, 2004). Dos 34.521 estabelecimentos familiares do estado, 10.939 (32%) so classificados como quase sem renda, 8.484 (25%) so considerados de baixa renda, 11.139 (32%) so de renda mdia e 3.959 (11%) so classificados como de rendas altas. As principais atividades agropecurias desenvolvidas pelos agricultores familiares so a criao extensiva de gado bovino e os cultivos de arroz, mandioca, milho e fruticultura (CONAB, 2008).

Desta forma, o Estado deve contribuir para o melhoramento de tcnicas e consequentemente o desenvolvimento destes agricultores. A tecnologia apropriada simples, mas dentro do 23

cenrio dos pequenos produtores agrcolas tocantinenses faz diferena e proporciona melhoria de qualidade de vida e aumento da produtividade das hortas e lavouras. Tal situao ocorre porque esta tecnologia permite que o produtor explore seu prprio potencial, da sua terra e suas lavouras utilizando equipamentos e solues de baixo custo, porm eficientes e adequados ao meio ambiente.

considervel a representao da agricultura familiar no Estado do Tocantins, por isso a importncia em auxiliar o crescimento e o desenvolvimento das famlias por meio da transferncia de tecnologias apropriadas. Para que isso ocorra, importante o apoio intensivo dos rgos governamentais responsveis pelas polticas pblicas ambientais e sociais, como o caso principalmente da Secretaria de Agricultura do Estado do Tocantins SEAGRO/TO e o Instituto de Desenvolvimento Rural do Estado do Tocantins RURALTINS, ambos responsveis pela manuteno da agricultura familiar no Estado. Para isso, a SEAGRO e o RURALTINS tm executado algumas aes voltadas para a agricultura familiar, com o objetivo de efetivar o desenvolvimento sustentvel destas famlias atravs da elevao do poder de renda. Atravs desses processos, muitos so os exemplos de tecnologias apropriadas que atualmente so dominadas por pequenos agricultores tocantinenses e que j apresentam resultados positivos significativos. Entre elas a utilizao de trao animal reduzindo a necessidade da compra de combustveis, geradores de energia para as comunidades que no tm acesso s redes de transmisso, projetos de produo de hortalias e frutas em espaos reduzidos, sistemas agroflorestais como forma de diversificao das atividades agrcolas, entre vrias outras que beneficiam as famlias no campo.

1.4 EXPERINCIAS COM TECNOLOGIAS APROPRIADAS NO ESTADO DO TOCANTINS 1.4.1 Projeto Quintal Verde O projeto Quintal Verde utilizando o Sistema Mandala e outras formas de tecnologias apropriadas ao cultivo de hortalias, e esto sendo implantados na comunidade Quilombola Lagoa da Pedra, localizadas no municpio de Arraias TO.

O Sistema Mandala um dos principais modelos de utilizao de tecnologias apropriadas por agricultores familiares no mbito do estado do Tocantins. A proposta para implantao do 24

projeto partiu de uma ao do governo do Estado atravs do Instituto de Desenvolvimento Rural do Estado do Tocantins - RURALTINS, na busca pelo incentivo produo de frutas e hortalias, envolvendo comunidades, agricultores familiares e escolas, visando, entre outros benefcios, a segurana alimentar dos atores envolvidos.

Este projeto transmite modelos de tecnologia apropriada que sejam aplicveis realidade de pequenas comunidades rurais, buscando incrementar a produo de verduras, legumes, cereais, frutas, razes entre outros cultivos, atravs da construo de hortas comunitrias em qualquer local onde seja apropriada sua implantao como: estabelecimentos particulares, escolas estaduais, municipais, creches entre outras, sempre visando atender o nmero mximo de pessoas. Para a elaborao deste estudo de caso foram utilizados dados primrios coletados por estes autores artigo, que participaram individualmente de algumas fases de implantao e conduo do Projeto Quintal Verde. Essa participao possibilitou sistematizar informaes e fatos provenientes das experincias obtidas em campo.

Para que o projeto se consolidasse, foram realizadas palestras, dias em campo, visitas tcnicas e eventos com o objetivo de transmitir informaes e os benefcios advindos da sua utilizao. Existe por parte do Governo do Estado o objetivo de incentivar o cultivo de frutas e hortalias.

A implantao e conduo deste projeto junto comunidade foram realizadas utilizando modelos de tecnologias apropriadas realidade local, considerando as caractersticas agronmicas assim como as condies financeiras e culturais dos beneficirios. Toda a montagem do projeto, desde sua implantao, escolha dos produtos, manuseio e conduo das hortas, foi construdo junto com a comunidade, utilizando somente insumos e matrias primas locais, bem como na produo dos biofertilizantes e inseticidas naturais, at a colheita e armazenamento dos produtos. A comunidade local tambm participa de forma conjunta e efetiva na parte de transportes, mo de obra e outras atividades necessrias para a efetivao do projeto.

Os resultados obtidos no se restringiram somente a segurana alimentar dos agricultores e suas famlias, mas de toda populao em geral. Ao longo do projeto observou-se que houve

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incremento na renda dos produtores rurais, chegando a um ganho dirio de R$ 6,00 somente com a comercializao do excedente produzido nos quintais.

As hortas comunitrias e as mandalas so implantadas sob orientao de um agrnomo ou tcnico agrcola, sendo que a escolha das hortalias feita de forma diversificada, garantindo uma grande variedade de produtos o que permite atender um nmero elevado de consumidores.

1.4.2 Funcionamento do Sistema Mandala O Sistema Mandala consiste no consrcio de produo agrcola e bastante difundido em pequenas comunidades rurais. O objetivo principal do sistema diversificar as atividades agrcolas com a finalidade de melhorar o padro alimentar das famlias e aumentar a renda atravs da introduo de tecnologia apropriada de baixo custo de produo. Desenvolvido para viabilizar a produo de alimentos de maneira sustentvel em regies semi-ridas, o Sistema Mandala no s vem cumprindo o propsito de garantir o sustento das famlias dos pequenos produtores, como ganha adeptos em vrias regies do pas.

A Mandala representada por um desenho composto por figuras geomtricas concntricas (Fig. 01). O sistema Mandala reproduz a estrutura do Sistema Solar.

Figura 01: Estrutura do Sistema Mandala.Fonte: SEBRAE/MS, 2004

No centro do sistema existe um reservatrio de gua com dimensionamento circular e em forma de funil. Este reservatrio, alm do fornecimento de gua, serve para a criao de 26

peixes, patos e marrecos, que enriquecem organicamente a gua do reservatrio. J os crculos internos do sistema so assim definidos e utilizados (Fig. 02): Os trs primeiros crculos so denominados Crculo de Melhoria da Qualidade de Vida Ambiental, e destina-se ao cultivo de hortalias e plantas medicinais, atendendo s necessidades de subsistncia da famlia. Os cinco anis seguintes formam os Crculos da Produtividade Econmica, e se destinam a culturas complementares diversas, como milho, feijo verde, abbora e frutferas, cuja produo em maior escala permite criar excedente para comercializao, gerando renda para o agricultor. O ltimo anel da Mandala denominado Crculo do Equilbrio Ambiental e destina-se proteo do sistema, com cercas vivas e quebra-ventos, como forma de melhorar a produtividade e prover parte da alimentao animal, alm da oferta dos nutrientes necessrios recuperao do solo.

Figura 02: Esquema de Distribuio do Sistema Mandala.

1. Sistema de Globo Rural, 2004. Fonte: Revista Irrigao partindo do Reservatrio no Centro do Sistema; 2. Crculo de Equilbrio Ambiental (Proteo do Sistema); 3. Crculos da Produtividade Econmica (Excedente para Comercializao); 4. Tanque dgua (Centro do Sistema); 5. Crculo de Melhoria da Qualidade de Vida Ambiental (Subsistncia da Famlia).

O projeto Quintal Verde foi implantado h trs anos na comunidade Quilombola Lagoa da Pedra, localizada no municpio de Arraias - TO, regio Sudeste do Estado, distanciada 342 km de Palmas, capital do Estado.

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A horta comunitria mobiliza 10 das 38 famlias existentes na comunidade, as quais produzem peixes, plantas medicinais, olercolas, milho, arroz, feijo e trs cultivares de banana, tudo no sistema orgnico. A implantao deste projeto na comunidade surgiu aps os extencionistas dessa regio verificarem a deficincia de hortalias e legumes no hbito alimentar da populao, em conseqncia da distncia da cidade e a dificuldade de compra alm da falta de costume em produzir e consumir tais produtos.

O sistema mandala implantado possui rea de 2000 m. No centro existe um reservatrio circular com raio de 10 metros e 0,8 metros de profundidade com fundo de cimento. Neste reservatrio armazenada gua da chuva e feita a criao de 250 caranhas (Lutjanus cyanopterus) peixe muito apreciado na regio. No centro do reservatrio foi colocada uma lmpada que funciona como armadilha luminosa e tem como objetivo atrair insetos e larvas que acabam caindo no reservatrio servindo de alimento para os peixes, exercendo automaticamente o controle natural dos insetos. A gua do reservatrio alimenta o sistema de irrigao atravs de uma bomba submersa (1900 L/h) instalada em um trip de madeira sobre o reservatrio. Nos crculos da mandala so produzidos vrios tipos de verduras, legumes, bulbos, razes, tubrculos entre outros, que servem a subsistncia da comunidade e gera excedentes que so comercializados juntamente com os demais produtos oriundos das propriedades rurais.

A outra fase do Quintal Verde consiste na construo de hortas compostas por canteiros, nas quais so utilizadas diferentes formas de tecnologias apropriadas que vm integrar o sistema de produo proposto pelo projeto. A seguir, como realizado para o Sistema Mandala, sero detalhados os mecanismos de implantao de hortas do Quintal Verde.

1.4.3 Implantao das Hortas Vrios fatores so considerados no processo de implantao de uma horta. Todos eles devem ser trabalhados de forma conjunta, visando proporcionar condies timas para o desenvolvimento das culturas e consequentemente incremento na produtividade. O primeiro passo a escolha da cultura a ser trabalhada e a observao das condies de solo, clima, gua entre outras que a cultura demande. A escolha de um local apropriado para o cultivo muito importante. O local deve ser plano, com boa drenagem e luminosidade, se localizar longe de fossas spticas, alm de possuir disponibilidade contnua de gua para 28

irrigao. Para melhor condicionamento das culturas trabalhadas, na construo dos canteiros recomendada utilizao de solos de textura areno-argilosa, ou franca arenosa. Definido o local e as culturas a serem cultivadas, realizou-se a limpeza da rea utilizando enxadas e, para o transporte do material utilizou-se carrinho de mo. Em seguida, com o auxlio do ancinho foram desagregados os torres e utilizando estacas e linha realizou-se a demarcao dos canteiros, preparando-os nas dimenses recomendadas de 2 a 5 metros de comprimento, 1,20 metros de largura e altura mnima de 15 centmetros. O espaamento recomendado a ser utilizado entre canteiros de 0,50 metros, devendo ser construdos sempre no sentido Leste-Oeste para melhor aproveitamento da luminosidade. Com os canteiros demarcados o prximo passo foi o revolvimento do solo com a utilizao de enxado e enxada. Em seguida espalhou-se um carrinho de mo de esterco (podendo utilizar composto orgnico) em cada m de canteiro. O solo foi misturado a este material iniciando o levantamento do canteiro onde so cultivadas verduras (alface, couve, taioba, brcolis, repolho, espinafre entre outros); razes, bulbos e tubrculos (batata, cebola, beterraba, cenoura, batata-doce, inhame entre outras); legumes (tomate, abbora, abobrinha, pimento, quiabo, jil entre outras); condimentos (cebolinha, salsinha, pimenta, gengibre, alho entre outras).

Os espaamentos entre plantas e entre linhas (Fig. 03) variam de acordo com as hortalias cultivadas.

Figura 3: Esquema demonstrativo dos espaamentos entre planta e linha.Fonte: Elaborao prpria

Culturas como tomate, pimento, couve, jil, berinjela, abbora e pepinos so cultivados em covas, que devem ser abertas com antecedncia mnima de 18 dias do plantio ou transplante, nas dimenses de 0,2 x 0,2 ou 0,3 x 0,3 metros de largura e 0,2 a 0,3 m de profundidade. O espaamento entre covas varia de acordo com a hortalia a ser plantada, como mostrado na tabela 01. 29

Tabela 01: poca de Plantio, Ciclo e Espaamento de Culturas utilizadas em Hortas Comunitrias. EPOCA DE ESPAAMENTO CULTURA CICLO PLANTIO (cm) Abbora 200 x 200 Julho a novembro 5 a 6 mesesAcelga Beterraba Cenoura Feijo Nabo Pepino Quiabo Rabanete Salsa Alface

Abril a agosto Maio a setembro Maio a julho Agosto a maio Maro a agosto Agosto a outubro Setembro a dezembro Todo o ano Todo o ano Todo o ano Setembro a dezembro Maro a junho Abril a setembro Maro a julho Agosto a outubro Agosto a dezembro Fevereiro a maro Maro a julho

60 a 70 dias 75 a 90 dias 80 a 90 dias 40 a 60 dias 2 a 3 meses 2 a 3 meses 60 a 80 dias 30 dias 40 a 50 dias 60 a 80 dias 120 a 130 dias 170 a 180 dias 3 meses 3 meses 130 a 150 dias 4 meses 4 a 5 meses 4 meses

40 x 4030 x 30

20 x 1040 x 15

20 x 20 150 x 80100 x 50 20 x 5 20 x 5

30 x 3050 x 60

BerinjelaCebola Chicria Couve comum Pimento Tomate Couve-flor RepolhoFonte: Ruraltins, 2008.

15 x 20 30 x 3050 x 50

60 x 60 80 x 50 60 x 6060 x 60

Dependendo da cultura trabalhada, a semeadura foi realizada diretamente no canteiro ou inicialmente em bandejas de clulas de isopor, sendo posteriormente transplantadas. No caso da utilizao de bandejas, foram preenchidas com terra e esterco na proporo de 1/4 de esterco e 3/4 de terra. A semeadura nas bandejas foi realizada manualmente com 15 a 20 dias de antecedncia as datas de plantio. Aps a semeadura, as bandejas foram acondicionadas em rea coberta por sombrite (50% de sombreamento), e irrigadas constantemente de forma a mant-las sempre midas, at que a cultura atinja o tamanho ideal para ser transplantada no canteiro. A estrutura, isto , a rea com sombrite em que as bandejas foram dispostas, construda utilizando-se madeira morta adquirida no prprio imvel. As dimenses ideais da 30

instalao so de 2 metros de largura x 3 metros de comprimento x 2 metros de altura (Fig. 04).

Figura 04: Dimenses da Estrutura para Acondicionamento das Bandejas.Fonte: Elaborao Prpria

A irrigao das mudas nas bandejas foi feita utilizando regadores. Para a irrigao dos canteiros utilizou-se uma tecnologia apropriada na qual se substitui os microaspersores por hastes de cotonetes presos a mangueira de polietileno. Os materiais necessrios implantao do sistema so: mangueira polietileno ; registro ; joelho ; caixa de cotonetes (150 unidades); Te ; cola; redutor de 1 para ; cano e braadeira (RURALTINS, 2010). A quantidade de material a ser adquirido vai depender do tamanho do projeto. As mangueiras funcionam como linhas principais e de derivao permitindo que todos os canteiros e covas sejam alcanados, enquanto a haste de cotonete funciona como microaspersor.

As mangueiras foram perfuradas utilizando prego aquecido, sendo que no local da perfurao fixada uma haste do cotonete. A outra extremidade da haste foi vedada utilizando fogo, e logo abaixo da vedao realizou-se um pequeno corte transversal de onde sai o jato dgua, assim, o cotonete se transforma num microaspersor (Fig. 05).

Figura 05: Esquema de microasperso utilizando tubo plstico e cotonete.Fonte: Apud do site Gaia Terra Nova, 2007

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Este jato dgua chega a alcanar 1 metro de distncia, aumentando a eficincia na utilizao da gua. Aps montado o sistema, basta girar a haste para a direo que se deseja irrigar. Com esse sistema utilizou-se uma linha de irrigao por canteiro (pode ser utilizado tambm entre covas). Esta tecnologia substitui perfeitamente os microaspersores convencionais, e muitas so as vantagens de sua utilizao.

Alm do baixo custo de implantao, 85% inferior a outros materiais utilizados em irrigao de hortas, este mecanismo permite a otimizao no uso da gua, considerando que a altura em que a haste se encontra do solo pequena reduzindo a perda por deriva, pode funcionar 24 horas por dia, exige pouca mo de obra e facilidade de automao por estar ligada a uma torneira comum abastecida por gua proveniente da caixa dgua.

Outra forma de tecnologia apropriada utilizada no sistema foram os biofertilizantes, que possuem compostos bioativos, resultantes da biodigesto de compostos orgnicos de origem animal e vegetal. Para sua produo foram utilizados somente insumos disponveis na propriedade. Esta tecnologia consiste em preparar um produto totalmente natural cujas caractersticas nutricionais so parecidas dos fertilizantes sintticos. Este produto fornece macro e micro nutrientes essenciais ao desenvolvimento das culturas, aumentando consideravelmente a produtividade. O biofertilizante foi preparado em um tambor de 200 litros, na qual a proporo utilizada foi de 1/4 de esterco bovino e 3/4 de gua (Fig. 06).

Figura 06: Recipiente com as Propores de gua e EstercoFonte: Apud do site Mo na Terra, 2007

Atravs da fermentao anaerbica, os nutrientes, hormnios vegetais e substncias com ao fungisttica contidos no esterco so disponibilizados na gua. Aps a mistura dos insumos, o biofertilizante est pronto para uso dentro de aproximadamente 15 dias. O produto foi utilizado na irrigao dos canteiros (procedimento conhecido como fertirrigao) uma vez por semana, na diluio de 1 parte do biofertilizante e 9 partes de gua. A utilizao do 32

biofertilizante confere cultura resistncia ao estresse hdrico alm de conter ao repelente a pragas, sendo eficaz no manejo de doenas. Outra opo de produto natural utilizado nos canteiros a diluio de urina de vaca em gua na proporo 1:20. Este produto tambm possui em sua composio alguns nutrientes e promove ao repelente a insetos assim como o biofertilizante.

Para substituir os adubos qumicos, usualmente utilizados em grandes hortas, os produtores so orientados a produzir composto orgnico, atravs do processo conhecido como compostagem.

Este um processo biolgico de transformao de resduos orgnicos slidos em matria orgnica homognea e estabilizada, de cor escura e rica em partculas coloidais. Vrios so os materiais que podem ser utilizados para o preparo do composto, desde restos de limpeza de audes, folhas e galhos de rvores, palhas e capim, esterco de gado e frango at restos de cozinha (sobras de comida) (Fig. 07).

Figura 07: Estrutura da Pilha e Materiais a Serem Utilizados na Produo do Composto.Fonte: Apud do site Stio das Cachoeiras, 2010.

No recomendada a utilizao de carne na produo do composto devido ao forte odor liberado no processo de decomposio. Os produtos orgnicos utilizados foram misturados com esterco de gado e montado a composteira (Fig. 08).

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Figura 08: Estrutura de uma ComposteiraFonte: Revista Globo Rural, 2010

Cada leira foi construda em formato piramidal (pode ser trapezoidal), com uma base de 1,20 metros a 1,50 metros. A altura utilizada foi de 1,2 metros (pode variar entre um metro e 1,20 metros). importante no diminuir este tamanho para no prejudicar a temperatura e a umidade do composto, uma vez que uma leira baixa perde calor.

O comprimento da composteira ir depender da quantidade de material na propriedade. Para calcular o comprimento de cada leira preciso saber que o material orgnico, em geral, tem densidade baixa, de aproximadamente meio quilo por litro. Portanto, se o produtor tiver 100 quilos de material orgnico por dia, ele ter 200 litros de adubo. Uma leira de 1,5 metros de base, altura de 1,2 metros e produo mensal de 6 m3 de resduo ter um comprimento de 3,5 metros aproximadamente. Este foi o procedimento realizado neste trabalho.

O material composto foi umedecido com freqncia, mas em pouca quantidade (de modo que ao ser apertado com as mos no escorra gua). A temperatura interna foi controlada para no ultrapassar os 60C, sendo monitorada e controlada com pequenas adies de gua. Para o controle da temperatura foi utilizada uma barra de ferro introduzida no interior da pilha (esta barra, ao ser retirada deve estar quente de tal forma que o manuseador possa segur-la sem queimar as mos). Caso a temperatura esteja muito elevada, a pilha deve ser revolvida de forma a reduzir a temperatura. Aps algumas semanas o material adquire uma colorao marrom escura, semelhante ao marrom caf. D para perceber que o composto est pronto quando no sente "cheiro ruim" e sim um "cheiro de terra", alm disso, a aparncia bem homognea e a temperatura fica igual do ambiente, geralmente demora entre 80 e 90 dias para o material estar pronto para utilizao.

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A matria orgnica incorporada como composto traz inmeras vantagens, principalmente para melhoria das caractersticas fsicas, qumicas e biolgicas do solo e bromatolgicas das hortalias. A matria orgnica quando aplicada j est em estgio avanado e desejvel de decomposio, que o hmus j plenamente ativo, o que a partir da matria orgnica bruta necessitaramos de um tempo muito grande no solo para acontecer. O composto estar assptico e o hmus trar inculos de microorganismos e animais inferiores, ativando a vida do solo. Assim, o composto trar para o solo direta e indiretamente fatores importantes de manuteno de produtividade, alm de constituir de uma alternativa simples e de baixo custo.

Estas so as formas de tecnologias apropriadas utilizadas dentro do Projeto Quintal Verde e Sistema Mandala. A implantao de projetos que fazem uso de formas de tecnologias apropriadas para sua instalao e conduo em pequenas comunidades agrcolas, constitui um fator promotor para o desenvolvimento sustentvel das famlias. A utilizao de tecnologias relativamente simples como s citadas acima, apropriadas para utilizao nas irrigaes, adubao de hortas, mtodos de controle fitossanitrios que permitem a utilizao de produtos naturais oriundos da propriedade, permitem aos produtores eliminar a necessidade de produtos externos ao imvel, incrementando sua economia. As prticas utilizadas neste trabalho so extremamente econmicas, de fcil preparo e aplicveis agricultura familiar no s no Estado do Tocantins, mas em todo o pas. Alm de ser ecologicamente corretas por utilizarem somente materiais naturais adquiridos na propriedade, podem ser utilizadas na produo orgnica de alimentos, agregando valor aos produtos possibilitando a expanso da comercializao.

1.4.4 Resultados do Projeto Quintal Verde O projeto Quintal Verde associado ao Sistema Mandala e suas tecnologias apropriadas, beneficiou aproximadamente 11.000 famlias e 8.000 estudantes de escolas pblicas estaduais e municipais atravs da implantao de hortas (RURALTINS, 2008). importante considerar que grande parte do que se produz nas hortas consumido nos prprios lares e nas escolas. As folhas, razes, legumes so largamente utilizadas nas merendas escolares. O incremento na dieta, proporcionando alimentao adequada, fundamental para o processo de aprendizagem e disposio para as tarefas do dia a dia. Os alunos criam o hbito de consumir alimentos saudveis e estimulam os pais a consumirem em casa e o processo acaba atingindo toda a famlia. 35

Alm do que, os agricultores, graas utilizao das tecnologias apropriadas anexas ao projeto, conseguem elevar substancialmente a produtividade de suas hortas. Este fato permite que o excedente da produo seja disponibilizado no comrcio da cidade ou nas feiras livres, fundamental para o escoamento da produo e aumento da renda. O RURALTINS, atravs do Programa Federal de Aquisio de Alimentos (PAA) Compra Direta Local, compra produo dos agricultores familiares, entrega nas instituies sociais cadastradas e estes alimentos so distribudos para comunidades, famlias e escolas que se encontram em situaes de insegurana alimentar. Desta forma, alm dos produtos disponibilizados nas feiras, o agricultor tem a possibilidade de vender seus produtos diretamente para o Estado, o que fundamenta a necessidade da aplicao destas tecnologias que promovem a elevao da produo. O programa Compra Direta alm de gerar renda para o trabalhador rural contribui promovendo o desenvolvimento local.

O sucesso da implantao do Quintal Verde e do Sistema Mandala estimulou a difuso de tecnologia para o desenvolvimento da produo vegetal no Estado (SEAGRO/TO, 2007). O RURALTINS prev que durante o ano de 2010, aproximadamente 123.940 pessoas recebero sementes de hortalias e verduras para cultivarem hortas nos quintais, nas escolas, em comunidades e/ou no campo. Para este projeto est previsto o recurso no valor de R$ 2.168.911,00. Ainda, dentre as atividades previstas pelo RURALTINS, est realizao de 20 feiras e encontros da agricultura familiar, que estimulam e orientam os agricultores a comercializarem seus produtos (RURALTINS, 2010).

1.5 BIODIGESTORES A disponibilidade energtica no meio rural, principalmente em pequenas comunidades, vem sendo debatida j por algum tempo, entretanto, na maioria das vezes no se estudam todas as possibilidades de oferta deste bem, levando em considerao as potencialidades locais e fontes de energia disponveis. Segundo Quadros (2010), um grave problema enfrentado pelos agricultores familiares a escassez de fontes energticas para fins produtivos, principalmente coco, resfriamento, aquecimento e iluminao. Na maioria das reas rurais os combustveis mais limpos para coco (querosene, GLP e gs natural) so escassos ou inexistem, devido falta de infraestrutura de distribuio e comercializao (SANGA, 2004). O conjunto destes 36

fatores, quando o objetivo produo energtica, fora o agricultor a suprir sua necessidade utilizando um bem que ele possui de sobra em sua propriedade: a lenha. Esta matria prima ainda a principal fonte de calor utilizada nas cozinhas dos pequenos produtores, entretanto, alm dos impactos ao meio ambiente, a queima de lenha para uso domstico causa graves problemas de sade principalmente em mulheres e crianas, que ficam expostas diariamente fumaa.

Visando reverter este quadro, a busca por fontes renovveis e alternativas de energia um fator importante, por possibilitar atender as demandas de famlias rurais. Nesse sentido, o desenvolvimento de alternativas tecnolgicas apropriadas que permitem a utilizao eficiente da biomassa, com vistas gerao de energia, uma das possibilidades a ser considerada. Segundo Esperancini et al., (2007), existem hoje diversas alternativas tecnolgicas de aproveitamento da biomassa para gerao de energia, que propiciam o uso mais racional dos recursos disponveis na propriedade e so tecnicamente viveis para a agricultura familiar. Neste contexto, o biodigestor desperta grande interesse pela tecnologia de biodigesto anaerbia de resduos animais e vegetais. Tal tecnologia propicia soluo adequada, tanto ambientalmente, quanto economicamente, da alocao dos resduos e ao mesmo tempo diminuindo custos fixos de produo de bens oferecidos pelo agricultor.

Segundo Afonso (2006) o mesmo biodigestor que trata os dejetos animais pode ser ligado ao esgoto domstico das residncias funcionando como um sistema de tratamento de esgotos para pequenas comunidades urbanas.

Complementando os aspectos tcnicos que utiliza o sistema de tratamento de biodigestores, vale citar que biodigestores so estruturas fechadas para onde so conduzidos, por tubulaes, o esterco e a urina dos animais. Nesse local, o material entra em processo natural de fermentao, por meio de bactrias anaerbicas (que se desenvolvem na ausncia total de oxignio), e, ao fim do processo, so produzidos gases, resduos pastosos e efluentes lquidos, sendo que os trs subprodutos tm valor econmico.

O gs (metano, diferente do GLP que o butano) pode ser utilizado para os mesmos fins: a gerao de energia, aquecimento de pocilgas e avirios no inverno e at em foges domsticos. O material slido vira adubo natural para as lavouras. J os efluentes lquidos 37

alimentam algas em tanques que depois viram comida para peixes criados em audes (ASSIS, 2004).

A energia gerada atravs do biogs renovvel e pode substituir completamente a lenha e o gs de cozinha na produo de produtos primrios, a exemplo de farinha, rapadura, requeijo, doces, biscoitos e bolos, incentivando as agroindstrias familiares. Pode tambm ser utilizado como combustvel para motor gerador de energia eltrica e implementos agrcolas. Segundo Afonso (2006), este gs tambm pode ser utilizado no aquecimento de instalaes para animais sensveis ao frio (frangos e leites de at 15 dias de idade, por exemplo) ou no aquecimento de estufas de produo vegetal.

Alm do biogs, outro produto importante gerado atravs da utilizao de biodigestores o biofertilizante, que um fertilizante lquido orgnico que atua diretamente na nutrio das plantas atravs da melhoria das propriedades fsico-qumica e microbiolgica do solo.

A utilizao de biodigestores como tecnologia apropriada em comunidades rurais, permite ao produtor criar sua prpria fonte energtica atravs de produtos disponveis em sua propriedade, evitando a dependncia de produtos externos e caros. Para tanto, preciso considerar que o sucesso desta tecnologia j foi comprovado por vrios agricultores que, atravs de investimentos mnimos, implantaram modelos de biodigestores adaptados s caractersticas da propriedade e hoje se beneficiam por possuir uma fonte energtica contnua da qual o proprietrio tem total controle sobre seu uso e dos produtos a serem utilizados de forma a obter o biogs e o biofertilizante.

1.5.1 Modelos e Funcionamento Para a implantao de biodigestores, importante considerar que existem diversos tipos ofertados no mercado, sendo necessrio observar o modelo que mais se encaixa as caractersticas da propriedade.

Dentre os modelos de biodigestores disponveis no mercado nacional, se destacam os modelos contnuos, sendo os mais conhecidos e comumente utilizados o Indiano e o Chins (TURDERA & DANILO, 2006). A figura 09 representa tridimensionalmente os dois modelos. 38

Figura 09: Representao tridimensional em corte dos biodigestores Indiano e Chins.Fonte: Turdera & Danilo, 2006

Pode-se observar na figura 09 que o biodigestor modelo Indiano possui uma campnula que funciona como gasmetro onde o gs retido e depois distribudo. O modelo Chins possui uma cmara cilndrica para fermentao e o teto em formato de abbora onde o gs fica retido (TURDERA & DANILO, 2006). O modelo indiano pela simplicidade na implantao e conduo tem sido mais utilizado no setor rural, entretanto, existem modelos mais simples de biodigestores que so implantados de acordo com as especificidades locais. Mesmo que haja variaes nos modelos implantados quanto ao tipo e capacidade, todos os biodigestores seguem o mesmo ciclo de funcionamento conforme demonstrado na figura 10.

Figura 10: Ciclo de Funcionamento de um Biodigestor.Fonte: Revista Produo Engenharia, 2005

Quanto ao biogs gerado no processo, importante conhecer seu potencial relacionado ao poder calorfico, sendo o aspecto que confere ao produto caractersticas energticas. Segundo Turdera & Danilo (2006), o poder calorfico do biogs produzido em biodigestor varia de 5.000 a 7.000 kcal/m3, sendo varivel devido maior ou menor pureza, ou seja, da quantidade 39

de metano presente na mistura. Para efeito de comparao, a tabela 2 apresenta o equivalente energtico mdio de diversas fontes de energia em relao a 1 (um) metro cbico de biogs. Tabela 02: Comparao entre vrias fontes de energia para gerar o equivalente a um metro cbico de biogs. FONTE CALORFICA lcool carburante Energia eltrica Gasolina Gs de cozinha GLP Lenha leo Diesel QueroseneFonte: Colen, 2003

QUANTIDADE/UNIDADE 0,80 litros 4,69 kWh 0,61 litros 0,43 kg 3,50 kg 0,55 litros 0,62 litros

Para gerar o mesmo potencial energtico de 1m de biogs o proprietrio rural teria que utilizar mais de meio de litro de leo diesel ou praticamente um litro de lcool carburante. Este fato, associado facilidade de obteno de matrias primas para produo do biogs e biofertilizante, consolida a eficcia desta tecnologia apropriada tendo em vista a dificuldade de acesso a estas fontes energticas e ainda os preos elevados, muitas vezes inacessveis aos agricultores. As principais matrias primas utilizadas nos biodigestores so o esterco bovino, equino e suno e a cama de frango. Segundo Trani (2008), a produo mdia diria de esterco desses animais bem significativa. Uma vaca pesando 453 kg produz 23,5 kg de esterco por dia, um cavalo de 385 kg produz 16,3 kg, um porco de 72 kg produz 3,4 kg de esterco e um frango pesando 1,6 kg produz 100g de esterco + urina. Sendo assim, Nogueira (1986), apresenta o potencial de produo do biogs em funo do tipo de esterco de alguns animais (tabela 3).

Tabela 03: Produo de Biogs em Funo do Tipo de Esterco MATERIAL Esterco fresco bovino Esterco seco de galinha Esterco seco de sunoFonte: Nogueira, 1986.

RENDIMENTO (m de biogs por kg de material orgnico) 0,04 0,43 0,35

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Atravs destes dados podemos supor uma situao hipottica para compreender o potencial de gerao de biogs atravs de um biodigestor para uma famlia rural que possua: 05 vacas, 02 equinos, 04 Sunos, 15 frangos. 1. Biogs gerado atravs dos dejetos das vacas: considerando que cada vaca produz 23,5 kg de esterco/dia temos: 05 x 23,5 = 117,5 kg de esterco/dia. Cada kg produz 0,04 m logo temos: 117,5 x 0,04 = 4.7m/biogs/dia. 2. Biogs gerado atravs dos dejetos dos equinos: Mesmo no constando na tabela, considera-se o mesmo rendimento do esterco fresco bovino. Considerando que cada equino produz 16,3 kg de esterco/dia temos: 02 x 16,3 = 32,6 kg de esterco/dia. Cada kg produz 0,04 m logo temos: 32.6 x 0,04 = 1.3 m/biogs/dia. 3. Biogs gerado atravs dos dejetos dos sunos: considerando que cada suno produz 3,4 kg de esterco/dia temos: 04 x 3,4 = 13.4 kg de esterco/dia. Cada kg produz 0,43 m logo temos: 13.4 x 0,35 = 4,69 m/biogs/dia. 4. Biogs gerado atravs dos dejetos dos frangos: considerando que cada frango produz 0,1 kg de esterco + urina/dia temos: 15 x 0,1 = 1,5 kg de esterco/dia. Cada kg produz 0,43 m logo temos: 1,5 x 0,43 = 0,65 m/biogs/dia. Desta forma, a soma da quantidade de biogs produzido atravs do dejeto destes animais da ordem de 11,34 m/biogs/dia. Atravs da converso destes valores para a aplicao direta do biogs na propriedade possvel demonstrar sua eficcia em nmeros. Segundo Turdera & Danilo (2006), para satisfazer as necessidades de uma famlia de cinco pessoas em termos de uso caseiro, isto , necessidade do produto para cozinhar, iluminao, manuteno de uma geladeira e banho aquecido, ser necessrio em termos de biogs (tabela 4):

Tabela 04: Biogs Necessrio para Manuteno de Alguns Equipamentos. EQUIPAMENTOS Para a cozinha Para iluminao Para geladeira Para banho quente Total de biogs necessrioFonte: Turdera & Danilo, 2006

BIOGS 2,10 m 0,63 m 2,20 m 4,00 m 8,93 m (por dia)

Considerando a situao hipottica realizada com uma propriedade rural que detm um quantitativo pequeno de animais, foi possvel obter de 11,34 m/biogs/dia, isto , alm de suprir toda a necessidade energtica para os setores descritos acima, geraria um excedente de 41

2,41 m/biogs/dia que poderia, por exemplo, ser utilizado para abastecimento de implementos utilizado no sistema produtivo.

Como subproduto do processo de gerao de biogs tem-se o biofertilizante. Segundo Afonso (2006) o biofertilizante gerado no processo possui entre 90 a 95 % de gua (isto , 5 a 10% de frao seca do lquido). Nessa base seca, o teor de nitrognio, dependendo do material que lhe deu origem, fica entre 1,5 a 4% de nitrognio (N), 1 a 5% de fsforo (P) e 0,5 a 3% de potssio (K). Estes trs macronutrientes so essenciais para o desenvolvimento de culturas agrcolas principalmente as hortculas, podendo ser empregados nas hortas comunitrias aumentando a produo agrcola garantindo mais renda ao produtor rural.

A utilizao de biodigestores contribui para integrao e sustentabilidade das atividades agropecurias aproveitando o dejeto ao qual, normalmente, dado pouco ou mesmo nenhum valor comercial, agregando valor aos produtos disponveis no imvel rural atravs da converso em duas grandes fontes de desenvolvimento: energia e adubo.

1.5.2 Construo e Manuteno do Biodigestor O custo de construo de um biodigestor relativamente baixo, podendo oscilar de acordo com a regio, tamanho e capacidade de gerao. Na tabela 05 esto relacionados os materiais necessrios para a construo de um biodigestor de 1,9 metros de profundidade por 1,5 metros de largura e 03 metros de comprimento. O tempo de construo considerando estas propores de aproximadamente uma semana. Tabela 05: Materiais Bsicos para Construo de um Biodigestor. QUANTIDADE02 m 01 m 5,5 metros 04 unid. 09 unid. 60 unid. * 02 unid. 0,5 metros 03 unid.

DESCRIOAreia Brita mdia Plstico flexvel com pelo menos 2,8 metros de largura Tubo PVC de 03 polegadas Sacos de 50kg de cimento Blocos de cimento (12cmX20cmX40cm) Tubo de PVC de polegada (*distncia do ponto de uso do Biogs) Tubos de PVC de 3 polegadas com um cotovelo Corda Grossa Galo semi-preenchidos com areia

Fonte: Adaptado de Rural Costa Rica, 2010

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A construo inicia-se com a escolha do local, que dever ser plano e prximo fonte de biomassa. Escolhido o local faz-se a abertura de um buraco de 1,5 m de largura por 3,0 m de comprimento e 2,0 metros de profundidade. Em seguida, cava-se uma vala com ngulo de 45 para a entrada da biomassa e no lado oposto cava-se outra vala com ngulo de 30 para a sada do biogs. Aps este procedimento, prepara-se as paredes do biodigestor com os blocos de cimento, devendo a massa utilizada ser preparada na proporo de 09 sacos de cimento para 02 metros de areia e 01 metro de brita (9:2:1). Ao se preparar as paredes, fixam-se os tubos de entrada e sada, sendo que a tampa de plstico rgido s dever ser acoplada estrutura aps a secagem de todo o material. Aps o final do processo, coloca-se um corta chama no tubo de sada.

Aps aproximadamente 20 dias do incio de funcionamento do processo tem-se o biogs pronto para ser usado, lembrando que a adio de material no biodigestor deve ser diria para que se possa obter uma produo constante e suficiente para atender as necessidades da propriedade. Para a manuteno do biodigestor importante considerar dois pontos: o primeiro verificar constantemente se no h entrada de gua de chuvas ou outras fontes, pois isso interfere na produo do biogs, e o segundo ponto consiste na verificao constante dos tubos utilizados a fim de se evitar vazamentos.

A presso do biogs poder ser controlada adicionando-se peso (pedras, sacos, etc.) sobre a cpula, significando que no incio do processo a cpula poder ficar mais baixa, pois no h grande volume de biogs dentro do biodigestor. Com o aumento da produo de biogs os pesos devero ser retirados de maneira que a cpula possa se expandir aumentando o tamanho do reservatrio de biogs.

Atualmente existem no mercado diversas empresas que comercializam modelos de biodigestores, que pode variar desde o de alvenaria at os de lona, sendo mais prticos de instalar e utilizar. Com um custo mdio de construo variando em torno de R$ 1.500,00, aps entrar em funcionamento com apenas dois anos possvel recuperar todo o investimento atravs da economia na utilizao de GLP, eletricidade, pilhas e substituio do uso da lenha.

Uma das grandes vantagens da utilizao de biodigestores que ele pode ser implantado em qualquer propriedade que possua animais para fornecer biomassa para sua alimentao. Este 43

modelo de tecnologia apropriada pode ser dimensionada de acordo com a demanda do agricultor ou pecuarista e sua utilizao recomendada para qualquer tipo ou tamanho de propriedade rural ou em comunidades isoladas, no atendidas pelos sistemas de distribuio de energia.

J o biofertilizante, sua utilizao em solos de baixa fertilidade e intemperizados, tpicos do cerrado, resulta em benefcios como a economia com corretivos e adubos qumicos, ativao da atividade microbiolgica e melhoria na estrutura fsica, influenciando dentre outros, a capacidade produtiva do solo. Sua aplicao pode ser realizada atravs de pulverizao ou fertirrigao, devendo o produto ser diludo nas propores de 1:10 (uma parte de biofertilizante e 10 partes de gua) com aplicaes semanais.

A praticidade na construo, conduo e utilizao desta tecnologia associada aos benefcios econmicos e ambientais que proporciona, torna este modelo real e aplicvel s condies da agricultura familiar e pequenas comunidades rurais, tendo como consequncia o aumento da produtividade de lavouras e hortas alm da gerao alternativa de energia, promovendo assim a melhoria da qualidade de vida da populao rural.

1.6 CONSIDERAES FINAIS Atravs da disseminao de tecnologias apropriadas nas comunidades rurais familiares e das cidades, possvel a explorao de recursos naturais pr-existentes de forma eficiente por serem de fcil aplicao e baixo custo. A implantao de hortas comunitrias prima pela segurana alimentar dos produtores e suas famlias alm de gerar excedentes que comercializado em feiras livres aumentando a variedade de produtos oferecidos comunidade. A utilizao de biodigestor para gerao de energia auxilia na sustentabilidade da propriedade rural por permitir a obteno de energia de forma barata, rpida, eficaz e de fcil utilizao. O fertilizante natural produzido com o biodigestor leva a diminuio dos custos de produo e preserva o meio ambiente por eliminar a necessidade da utilizao dos de origem qumicos industriais. Portanto, a utilizao destas tecnologias apropriadas alm de contribuir com a interiorizao do desenvolvimento proporciona substancial aumento na renda do produtor rural e o equilbrio entre o social, ambiental e o econmico.

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REFERNCIAS

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