Apostila de Psicologia Cognitiva
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SumrioCognio......................................................................................................................................... 1BiologiadaCognio:Introduo.................................................................................................... 7Construodecircuitosesuamodificaopelaexperincia............................................................10
Integraoentrecircuitos:omodeloderedes..................................................................................11
BiologiadaCognio:IntegraoNeural........................................................................................ 15Percepoenvolveao.....................................................................................................................16
Organizaoehierarquianociclopercepoao...........................................................................17
Integrandopercepo
eao:
osistema
de
neurnios
espelho
.......................................................
18
Percepo..................................................................................................................................... 21Viasperceptuais.................................................................................................................................22
Viso...............................................................................................................................................22
Audio..........................................................................................................................................24
Memriasatentasaocontexto..........................................................................................................25
Iluses
e
hemisfrios
cerebrais
......................................................................................................
26
Sinestesia............................................................................................................................................28
Concluirumproblema.....................................................................................................................30
Ateno......................................................................................................................................... 32Atenoepercepo..........................................................................................................................32
Falhanapercepo............................................................................................................................34
Teste
de
Posner
..................................................................................................................................
34
Efeitosdaslesesdosistemanervosonaateno............................................................................36
Memria....................................................................................................................................... 38Aspectoscomportamentaiseevolutivos...........................................................................................38
Osistemanervosocomoumaestruturaquesuportaossistemasdememria...............................39
Aspectosfisiolgicosdamemria......................................................................................................40
PlasticidadeNeural
.............................................................................................................................
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Aquisioemanutenodamemria...............................................................................................43
Redesneuraisememria..................................................................................................................44
Modularidadeeosdiferentesprocessosdememria......................................................................46
Modelosde
memria
........................................................................................................................
47
Memriadelongadurao...........................................................................................................48
MemriaOperacional...................................................................................................................49
Sistemasdememriaseseusaspectosevolutivos...........................................................................50
Tomadadedecises...................................................................................................................... 51DilemaseEstratgias.........................................................................................................................52
Origens...............................................................................................................................................
53
Interao............................................................................................................................................54
Percepotemporal..........................................................................................................................55
Processosinconscientes....................................................................................................................55
Ateno..............................................................................................................................................56
Memria............................................................................................................................................56
Controleexecutivo
............................................................................................................................
56
Estudosclnicos..................................................................................................................................57
Livrearbtrioedeterminismo............................................................................................................58
Emoo......................................................................................................................................... 60Introduo.........................................................................................................................................60
Emoo,cognioecomportamento................................................................................................61
Neurobiologiadasemoes..............................................................................................................63
Modelosanimais................................................................................................................................66
ModeloseCognio...................................................................................................................... 68Modelossobreprocessoscognitivos.................................................................................................68
Exemplo1 Memria....................................................................................................................69
Exemplo2 Ateno......................................................................................................................70
ModelagemComputacional
..............................................................................................................
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1 Curso de Neurocincias e Comportamento
1www.ib.usp.br/labnec
Cognio
Wataru SumiLaboratrio de Neurocincias e Comportamento
Os animais exibem diferentes tipos de comportamento, uns mais simples, outros
mais complexos. Os mais simples so as respostas reflexas, que so respostas
estereotipadas e fixas a estmulos especficos (Dethier, 1973). A resposta dor um
exemplo clssico de como um estmulo ambiental desencadeia uma resposta motora
automaticamente (Fig. 1.A). Existem tambm respostas bastante elaboradas, que podem
durar alguns minutos, desencadeadas por um nico estmulo, como o caso da resposta de
fuga apresentada por algumas espcies de anmonas-do-mar. Quando ela tocada por
uma estrela-do-mar, seus receptores so estimulados e assim, iniciada uma sequncia demovimentos estereotipados (Fig. 1.B) que a faz se desprender do substrato e iniciar o nado.
Figura 1 - A. Reflexo a dor. B. Comportamento reflexo de fuga na anmona-do-mar. Retirado de: 1. Ahttp://scienceblogs.come 1. B Dethier, 1973.
Como exemplo de comportamento altamente complexo, podemos citar a habilidade
dos corvos da Nova Calednia para construir ferramentas, que so hastes manufaturadas a
partir das folhas das plantas locais e utilizadas para retirar insetos de dentro das cascas das
rvores ou troncos apodrecidos. Essas ferramentas possuem ganchos, uma caracterstica
observada apenas nesses animais e em humanos (Hunt ,1996). Alm disso, essas
ferramentas so altamente uniformes, porm, variando de acordo com as diferentes regies
onde vivem os corvos, sugerindo que o conhecimento para produzir essas ferramentas seja
transmitido de um indivduo para outro (Hunt e Gray, 2004).
Um exemplo mais prximo de ns humanos o uso de diferentes ferramentas por
chimpanzs: eles so capazes de utilizar gravetos para pescar cupins ou formigas (Fig. 2);
pedras fazendo papel de martelo e bigorna para quebrar nozes ou, ainda; galhos como
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lanas para espetar presas entocadas em buracos alm do alcance de seus braos. Essas
habilidades so aprendidas por observao e transmitidas de gerao a gerao (i.e.
culturalmente) (Wilson, 2000).
Figura 2- Uso de ferramentas por chimpanzs. Um graveto usado para pescar formigas. Retirado de Naish.
Dentre os exemplos de comportamento apresentados at agora, todos concordariam
que, no primeiro caso (resposta reflexa), o comportamento no envolveria processos
cognitivos e, no segundo caso (uso de ferramentas), se trataria do mais genuno exemplo de
cognio observado na natureza. Porm, entre esses dois tipos bastante distintos de
comportamentos, o reflexo e a capacidade de produzir e utilizar ferramentas, existe um
grande repertrio comportamental regido tanto pelo instinto como pelo aprendizado.
Os instintos so padres de comportamento estereotipados que aparecem em sua
forma funcional desde a primeira vez em que so executados, mesmo que o animal no
tenha experincia prvia com o estmulo eliciador do comportamento. A rede neural
responsvel pela deteco do estmulo e ativao do programa motor denominada
mecanismo de liberao inato (Alcock, 2005).
Esses mecanismos inatos muitas vezes so modulados a partir das experincias
vividas pelos animais, ou seja, o aprendizado pode modificar o comportamento inato. Os
esquilos, por exemplo, que comem diferentes tipos de sementes e nozes, reconhecem-nas e
abrem-nas instintivamente mas, dada a variedade de formatos de sementes, necessria
uma tcnica especfica para abrir cada uma delas. A habilidade de abrir um determinado tipo
de noz adquirida por tentativa e erro at que chegam perfeio (Tinbergen, 1971).
Vimos que existe um continuum de complexidade do comportamento. Como j
mencionado anteriormente, nem todos eles so tratados como cognio. A partir de que
grau de complexidade podemos dizer que um determinado comportamento cognitivo?
Essa resposta varia enormemente entre diferentes autores. Uma definio mais abrangente
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entende a cognio como sendo os mecanismos pelos quais os animais captam a
informao do ambiente, a retm e a usam para ajustar o comportamento s condies
locais ou, simplesmente, como processamento da informao. Em uma definio mais
estrita, cognio tratada como o conjunto de processos que produzem o comportamento
intencional (Heyes e Huber, 2000), ou manipulao do conhecimento declarativo (saber
que), no sendo considerada cognio o conhecimento de procedimento (saber como)
(McFarland, 1991).
A definio adotada pela neurocincia cognitiva a mais ampla, ou seja, considera a
cognio como o processamento da informao. Se pensarmos que, por exemplo, a
memria pode ser dividida em explicita e implcita (Fig. 3), sendo que a memria explcita
seria responsvel pelo comportamento intencional, a adoo da definio mais restrita de
cognio implicaria em estudar apenas parte desses processos.
Figura 3 - Existem diferentes tipos de memria. A memria de longa durao pode ser dividida em: memriadeclarativa e memria no-declarativa (retirado de Gazzaniga e col., 2006).
Como vimos at agora, a nossa definio de cognio no se restringe apenas a
processos mentais mais elevados, aqueles que nos permitem filosofar, calcular etc.. Durante
o dia, realizamos inmeras atividades nas quais utilizamos a cognio. Conversamos com
um amigo, lemos um jornal, vamos at a padaria da esquina, preparamos uma refeio,
assistimos televiso, andamos de bicicleta etc.. A maioria das nossas aes envolve
cognio, ou seja, processos como percepo, memria, ateno, tomada de deciso e
emoo.
Ento, qual ser o papel dos processos cognitivos em nossas atividades dirias?
Ser que todos eles so utilizados? Veremos o passo a passo da recepo da informao
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e subsequente processamento. Antes de qualquer coisa, para interagir com o ambiente,
precisamos de uma interface que faa a ligao do mundo exterior com o mundo interior,
representada pelos diferentes receptores sensoriais (foto-receptor, quimio-receptor etc.),
que transformam os estmulos do ambiente em potenciais eltricos transmitidos pelos
neurnios.
Aps o recebimento das informaes do ambiente, elas so processadas pelo
sistema perceptual. Diferentes regies do crebro so responsveis por processar as
diferentes caractersticas dos objetos. Por exemplo, quando vemos um pintinho amarelo
andando, essa informao processada por trs subsistemas distintos, responsveis por
forma, cor e movimento. Apesar dessas caractersticas dos objetos serem separadas
durante o processamento da informao, elas so percebidas como uma unidade e no
apenas como forma, cor e movimento separadamente (Gazzaniga e col.,2002).
A qualidade da informao detectada do ambiente no recebe modulao dos
receptores sensoriais, isso depende basicamente das caractersticas do estmulo. A
quantidade de informaes recebidas por nossos sistemas sensoriais enorme. Para
entender essa grandeza, imagine perceber todos os detalhes existentes de uma paisagem
em alguns poucos segundos; isso uma tarefa impossvel. Nosso sistema nervoso
simplesmente incapaz de processar todas as informaes ambientais simultaneamente. Isso
fica evidente tambm quando tentamos realizar simultaneamente duas atividades distintas,
por exemplo, conversar e ler um livro.
O sistema nervoso, por meio da ateno, seleciona certos estmulos para serem
adequadamente processados. Os objetos ou eventos escolhidos para posterior
processamento variam de acordo com a sua relevncia. Por exemplo, se queremos ler um
livro, direcionamos voluntariamente a ateno visual para as letras e palavras. H tambm,
certos estmulos que atraem a ateno automaticamente. Esses estmulos se caracterizam
por ser mais salientes do que outros, como por exemplo, a sirene e as luzes intermitentes
das ambulncias.
Vamos supor que estamos engajados em uma conversa. A ateno seleciona asinformaes que julgamos relevantes e essas informaes so processadas pelo sistema
sensorial auditivo e posteriormente enviadas para reas responsveis pela linguagem.
importante ressaltar que o processamento da linguagem no envolve apenas o sentido
auditivo, mas tambm o visual e o somtico. Quando lemos um texto utilizando a viso
(mais comum) ou o tato (leitura em braile), as informaes desses diferentes sentidos so
igualmente processadas nas reas da linguagem.
Para manter uma conversa, direcionar a ateno ou perceber o mundo como ns
percebemos, necessria, alm dos processos j mencionados, tambm a memria. Amemria nos permite lembrar a tabuada, o caminho para a faculdade, o rosto de nossas
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mes, nossos nomes, o significado das palavras etc. Para mantermos uma conversa
precisamos da memria, caso contrrio no nos lembraramos da ltima palavra ouvida ou
falada.
A ateno sustentada, que o comportamento de manter a ateno focada em um
objeto ou situao por algum tempo, possvel graas memria. Se mantemos a ateno
voluntariamente direcionada para algo, porque provavelmente isso relevante para ns.
Ou seja, as informaes da memria influenciam o controle do direcionamento da ateno.
Direcionar a ateno voluntariamente ou realizar qualquer outra atividade, envolve a
tomada de deciso. A todo instante devemos decidir: continuamos a assistir TV ou
comeamos a estudar para a prova? Comer mais uma fatia de po no caf da manh? Usar
a camiseta vermelha ou a azul? Viajar para a praia ou para a montanha no feriado? A
maioria dos nossos comportamentos envolve algum tipo de deciso. A deciso no
apenas uma simples escolha entre diferentes opes, mas uma escolha dependente de
diversos fatores. Um deles a memria: quando sabemos, por experincias passadas, que
uma determinada opo pode nos trazer mais benefcios, natural que essa escolha seja
preferida em detrimento das outras.
Outro fator importante na tomada de deciso a emoo. Se tivermos medo de algo,
certamente nos comportaremos de modo a evit-lo. Em um experimento clssico avaliou-se
o efeito da emoo no comportamento de risco. Eram apresentados a voluntrios dois
montes de cartas. Em um deles (A), ganhava-se uma recompensa de $50, correndo-se o
risco de perder at $100. Por outro lado, no outro monte (B), podia-se ganhar $100, mas
podia-se perder at $1200, ou seja, o risco de perder era muito maior comparado ao ganho.
Sabendo dos riscos, os voluntrios poderiam escolher livremente entre os dois montes.
Voluntrios controles evitavam as cartas do monte B e a simples cogitao de escolher a
pilha mais arriscada desencadeava uma clara resposta emocional involuntria. Por outro
lado, pacientes com leses especficas no crtex cerebral, relacionadas emoo,
escolhiam sempre o monte mais arriscado e no apresentavam resposta emocional.
Esses so apenas alguns exemplos de como os diferentes processos cognitivosatuam para produzir o nosso comportamento. Cada um desses processos pode ser mais ou
menos utilizado de acordo com a situao, a atividade realizada. Isso fica bastante claro
quando comparamos dois tipos de atividades como, por exemplo, fazer uma prova e assistir
TV. Em ambos os casos utilizamos a memria, mas esse processo cognitivo muito mais
ativo na primeira situao.
Estudando o funcionamento de cada um desses processos e como eles se inter-
relacionam, a neurocincia cognitiva tenta entender como o sistema nervoso produz o
comportamento. Nos captulos seguintes estudaremos como os diferentes processos
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cognitivos atuam, alm, claro, do funcionamento do sistema nervoso propriamente dito,
suas unidades funcionais e os mecanismos de integrao e processamento da informao.
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Biologia da Cognio: Introduo
Renata Pereira LimaLaboratrio Neurocincia e Comportamento
No sistema nervoso, neurnios nunca funcionam isolados; eles esto organizados
em circuitos que processam tipos especficos de informaes. O sistema nervoso parece
organizado em grupos de circuitos, i.e., mdulos, cujas funes servem a um propsito
comportamental especfico. Desta maneira, sistemas sensoriais como a viso ou audio
adquirem e processam informaes a partir do ambiente, o sistema motor permite que o
organismo responda a tais informaes atravs da gerao de aes. H, entretanto, um
grande nmero de clulas e circuitos que esto entre estas mais ou menos bem definidas
aferncias e eferncias. Eles so coletivamente referidos como sistemas de associao eso responsveis pelas mais complexas funes.
Alm destas amplas distines, os neurocientistas tm convencionalmente dividido o
sistema nervoso dos vertebrados, sob o ponto de vista anatmico, em componentes centrais
e perifricos (Fig. 1). O sistema nervoso central (SNC) compreende o encfalo e a medula
espinal. O sistema nervoso perifrico (SNP) inclui fibras de neurnios que conectam os
receptores sensoriais na superfcie do corpo ao SNC e a poro motora, que consiste em
axnios de nervos motores que conectam o encfalo e a medula espinal aos msculos
esqueltico, viscerais, cardaco e glndulas.
Figura 1. Arranjo anatmico do sistema nervoso emhumanos. Em azul o sistema nervoso central (SNC) e emamarelo, o sistema nervoso perifrico (SNP). Retirado deBear, 1996.
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Embora o arranjo dos circuitos que compem estes sistemas varie grandemente de
acordo com suas funes, algumas caractersticas so comuns entre eles. As conexes
sinpticas que definem um circuito so tipicamente realizadas numa densa malha de
dendritos e terminais axonais. A direo do fluxo de informao em um circuito particular
essencial para se entender sua funo. Clulas nervosas que transmitem informaes em
direo ao sistema nervoso central so chamadas de neurnios aferentes; j as que
transmitem informaes para fora do encfalo e da medula espinal (ou para fora do circuito
em questo), so chamadas de neurnios eferentes. Clulas nervosas que participam
somente no aspecto local do circuito so chamadas de interneurnios. Estas trs classes
neurnios aferentes, neurnios eferentes e os interneurnios so os constituintes bsicos
de todos os circuitos neurais.De modo geral, podemos classificar os circuitos como: Convergentes: aqueles nos quais um grupo de neurnios recebe uma
aferncia (entrada) de um neurnio pr-sinptico e o circuito tende a se tornar concentrado.
Para demonstrar este tipo de circuito, imagine que tenhamos os neurnios A, B e C e que
cada um deles possua uma entrada diferente. Estes neurnios se projetam para um
neurnio D e este se projeta para outro neurnio E, realizando uma eferncia (sada).
Circuitos convergentes so responsveis, por exemplo, pela interpretao dos estmulos
sensoriais (Fig. 2, esquerda). Divergentes: so os circuitos que funcionam de maneira oposta aos circuitos
convergentes. Em vez de concentrar as aferncias, estas se projetam separadamente para
diferentes neurnios. No caso do circuito divergente, o neurnio A possui uma aferncia e
se projeta para os neurnios B, C e D. A caracterstica bsica de um circuito divergente o
fato de que um nico neurnio iniciar respostas de maneira crescente em outros neurnios.
Tais circuitos so encontrados nos sistema motores e sensoriais (Fig. 2, centro). Reverberantes: o sinal de aferncia transmitido ao longo de uma srie de
neurnios e cada um destes far sinapses com neurnios de uma poro da via
previamente percorrida. O impulso reverbera sendo enviado ao longo do circuitocontinuamente at que um neurnio seja inibido. Ento, uma aferncia no neurnio A se
projeta para o neurnio B, que se projeta para o neurnio C e ento para o D e este se
projeta de volta para o neurnio A (ou para o B) e o ciclo se repete at que um neurnio
(que pode ser tanto A, quanto B, C ou D) seja inibido. Circuitos reverberantes esto
envolvidos no ciclo de sono-viglia, atividades motoras, memrias de longa durao, etc (Fig.
2, direita).
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Figura 2- Esquema representativo dos modelos de circuitos. esquerda, o modelo de circuitos convergentes,no centro o modelo divergente e o reverberante direita.
Alm disto, circuitos podem funcionar paralela ou serialmente. No funcionamento
paralelo, sinais aferentes so processados em vias distintas e as informaes so
analisadas de maneira analtica concomitantemente no tempo. Por exemplo, o sistema
visual funciona em vias paralelas que processam a informao neural de forma simultnea e
integrada. Sinais representando cores, movimento, forma e localizao, por exemplo, so
processados simultaneamente em diferentes regies do encfalo. Atividades concomitantes
(e sincronizadas) nas vias visuais dorsal e ventral (que so anatomicamente distintas) so
responsveis pela percepo unitria da imagem. No funcionamento serial, os resultados
dos processamentos de um circuito so necessrios para que o prximo circuito possa
contribuir para o processamento total. Isto , um neurnio estimula outro neurnio, que por
sua vez estimula outro neurnio e assim por diante. Um exemplo clssico de processamento
serial o arco reflexo, em que h produz uma reao involuntria rpida, na maioria das
vezes inconsciente, que protege o organismo. Tal reao originada a partir de um estmuloexterno que gera uma resposta antes mesmo do indivduo tomar conhecimento da
existncia do estmulo perifrico e, conseqentemente, antes deste poder comand-la
voluntariamente. Muitos reflexos motores so controlados por neurnios localizados na
substncia cinzenta da medula espinhal e do tronco enceflico (bulbo, ponte e
mesencfalo), independentemente da vontade, como por exemplo: a retirada imediata da mo de uma panela muito quente; extenso da perna aps a percusso e estiramento do tendo patelar; fechamento da pupila com o aumento da intensidade luminosa; aumento da secreo gstrica com a chegada do alimento no estmago. Desta maneira, o ato reflexo um mecanismo que gera uma reposta involuntria do
organismo a um determinado estmulo (dor, estiramento, aumento da intensidade luminosa,
variaes da presso arterial etc). Ocorrendo um estmulo, a fibra sensitiva de um nervo
aferente (ou sensitivo) transmite-o at a medula espinhal passando pela raiz posterior, ou
ao tronco enceflico, por meio de um nervo craniano. Na medula ou no tronco enceflico o
neurnio aferente comunica-se com o eferente diretamente ou por meio de interneurnios
associativos, gerando, no neurnio motor, a atividade que leva ao. Os axnioseferentes que levam essa ordem da medula (pela raiz anterior) ou do tronco enceflico (por
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um nervo craniano) constituem as fibras eferentes motoras ou vegetativas que levam a
informao ao rgo efetor (msculo estriado esqueltico, glndula, msculo liso ou
msculo cardaco) que, por sua vez, executar a resposta ao estmulo inicial. importante ressaltar que o processamento serial a maneira mais simples por
meio da qual um circuito pode funcionar. Este tipo de processamento est envolvido nas
respostas mais simples e estereotipadas. Durante o processamento de funes mais
complexas, de modo geral, os circuitos envolvidos, alm de processar informaes de modo
serial, funcionam concomitantemente em paralelo com outros circuitos de maneira
sincronizada.
Construo de circui tos e sua modificao pela experinciaA construo da circuitaria do sistema nervoso envolve processos ontogenticos
associados interao do sistema com o ambiente. Assim, fatores qumicos liberados por
determinados neurnios em diferentes estgios do desenvolvimento ontogentico atraem
projees de outros neurnios intrinsecamente; paralelamente, essas projees e conexes
entre neurnios podem originar-se tambm em associao com a estimulao
proporcionada pelo ambiente e/ou pela atividade de certos conjuntos de neurnios. Assim,
os padres macroscpicos bsicos das conexes no sistema nervoso estabelecidas
filogeneticamente podem ser microscopicamente alterados por padres de atividade
neuronal (isto , experincia), modificando a circuitaria sinptica do encfalo. A atividade
neuronal gerada em decorrncia de interaes com o ambiente pr e ps-natal influencia a
estrutura e a funo do sistema nervoso, alm da construo de sua circuitaria.
A histria de interao de um indivduo com o ambiente, i.e., sua experincia
acumulada, molda os circuitos neurais, determinando seu comportamento. Em alguns
casos, as experincias funcionam primariamente como gatilhos que ativam alguns
comportamentos inatos. Mais freqentemente, entretanto, experincias desenvolvidas em
perodos especficos no incio da vida (referidos como perodos crticos) determinam um
repertrio comportamental no indivduo adulto. Estes perodos crticos influenciamcomportamentos diversos incluindo laos maternais, preferncias sexuais e aquisio de
linguagem, entre outros.
Embora seja possvel identificar conseqncias comportamentais de determinados
estmulos que foram apresentados em perodos crticos para determinadas funes, suas
bases biolgicas ainda no esto completamente esclarecidas. Talvez o exemplo mais bem
investigado relacione-se ao perodo crtico no estabelecimento da viso. Alguns estudos
mostraram que a experincia traduzida em padres distintos de atividade neuronal que
influenciam a funo e a conectividade dos neurnios relevantes. No sistema visual (e emoutros sistemas tambm) a competio entre aferncias com diferentes padres de
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atividade um determinante importante na consolidao dos padres de conectividade. Em
um axnio aferente, padres de atividade correlatos tendem a estabilizar as conexes.
Quando padres normais de atividade so rompidos (experimentalmente, em animais, ou
patologicamente, em humanos) durante um perodo critico na infncia, a conectividade no
crtex visual alterada, assim como a funo visual. Se no feita a manuteno destes
padres at o final do perodo critico, estas alteraes estruturais da circuitaria nervosa
dificilmente se restabelecem posteriormente.A conectividade nervosa estabelecida ao longo do desenvolvimento normal
possibilita ao encfalo armazenar vasta quantidade de informaes que refletem a
experincia especfica daquele individuo. Como esperado, a construo dessa
conectividade que tanto influencia o desenvolvimento do sistema nervoso gera alteraes
maiores nos estgios iniciais de desenvolvimento. Assim, em um animal adulto, o sistema
nervoso se torna gradativamente mais refratrio a lies da experincia e os mecanismos
celulares que medeiam as alteraes da conectividade neuronal se tornam menos plsticos.
Integrao entre circuitos: o modelo de redesO conceito de que no crtex cerebral h domnios discretos dedicados mais ou
menos exclusivamente a algumas funes cognitivas, tais como discriminao visual,
linguagem, ateno espacial, reconhecimento de face, reteno de memria, memria
operacional, etc., tem sido questionado devido falta de evidncias conclusivas que o
apiem. Em seu lugar, modelos de redes neurais tm sido apresentados como uma
alternativa mais coerente com as evidncias disponveis sobre seu funcionamento.
Em 1949, Donald Hebb hipotetizou uma forma de plasticidade sinptica
proporcionada por uma continuidade temporal das atividades pr e ps-sinpticas. Alm de
acreditar que as conexes sinpticas eram as bases das associaes mentais, ele foi alm
do simples conexionismo dos behavioristas. Primeiro, ele argumentou que uma associao
no poderia ser localizada numa simples sinapse. Ao contrrio, os neurnios estariam
agrupados em assemblias de clulas e esta associao era distribuda nas suasconexes sinpticas. Segundo, Hebb rejeitou a noo de que a relao estmulo-reposta
poderia ser explicada somente por um simples arco reflexo conectando neurnios sensoriais
a neurnios motores. Assim, era necessrio postular um mecanismo central que explicasse
o atraso existente entre o estmulo e a resposta que to caracterstico do pensamento
(Hebb, 1949). Seguindo as idias do neurofisiologista Lorente de N, Hebb acreditava que a
estimulao sensorial poderia iniciar padres de atividade neural que eram mantidas
centralmente pela circulao em loopsde feedbackssinpticos. Tal atividade reverberante
torna estes padres possveis para as respostas que so subseqentes aos estmulosposteriores ao atraso. Em resumo, Hebb hipotetizou um mecanismo com fundamentos
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duplos da memria. A atividade neural reverberante era o fundamento da memria de curta
durao, enquanto as conexes sinpticas eram o fundamento da memria de longa
durao. Desta maneira, Hebb props que:
A persistncia ou repetio de uma atividade reverberante tende a induzir mudanas
celulares permanentes que promovem estabilidade no sistema (Hebb, 1949).
Esta proposio pode ser precisamente colocada da seguinte forma: quando um
axnio da clula A repetidamente ou persistentemente dispara, alguns processos de
crescimento ou mudanas metablicas acontecem em uma ou em ambas as clulas (A ou
B) de tal modo que a eficincia de A, uma das clulas que esto agindo sob B,
aumentada.
Alm disto, Hebb hipotetiza uma funo especfica para esta sinapse hebbiana: a
converso da memria de curta durao em memria de longa durao pela estabilizao
de padres de atividade reverberante. Uma vez que este padro de atividade foi
armazenado nas conexes sinpticas, ele pode ser resgatado repetidamente a partir da
excitao de neurnios sensoriais ou a partir de outros padres de atividade reverberante.
A hiptese de Hebb foi verificada dcadas depois com a descoberta da potenciao
de longa durao, LTP (do ingls, long-term potentiation) (Fig. 3). A LTP um estreitamento
da conexo entre dois neurnios que resulta de uma estimulao simultnea de ambos e
pode ser induzida experimentalmente aplicando-se uma seqncia de pequenos estmulos
de alta freqncia na clula nervosa. Este estreitamento pode durar de minutos a horas ( in
vitro) ou de horas a dias ou meses (in vivo).
Pela eficincia aumentada da transmisso sinptica, a LTP aumenta a habilidade de
dois neurnios, um pr-sinptico e outro ps-sinptico, de comunicarem-se atravs da
sinapse. O mecanismo preciso para este aumento da transmisso ainda no bem
estabelecido, em partes porque a LTP controlada por mltiplos mecanismos que variam de
acordo com a regio em que acontecem, a idade do animal em questo e espcie.
Entretanto, nas formas de LTP mais compreendidas, a melhora desta comunicao
predominantemente feita atravs do aumento da sensibilidade das clulas ps-sinpticasem receber sinais das clulas pr-sinpticas. Estes sinais, na forma de molculas de
neurotransmissores, so recebidos por receptores presentes na superfcie da clula ps-
sinptica. Este aumento de sensibilidade devido no somente ao aumento da atividade
dos receptores j existentes na superfcie, mas tambm por um aumento do nmero destes
receptores.
Interessantemente, a LTP compartilha muitas caractersticas com a memria de
longa durao, o que faz dela uma candidata muito atrativa como um mecanismo celular do
aprendizado. Por exemplo, a LTP e a memria de longa durao dependem da sntese denovas protenas, possuem propriedades associativas e podem durar potencialmente vrios
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meses. A LTP tambm pode responder por vrios tipos de aprendizado, desde o
relativamente simples condicionamento clssico presente em todos os animais, at
respostas mais complexas, como a cognio observada em humanos.De acordo com essa concepo, a alterao estrutural leva ao armazenamento da
informao podendo explicar o fenmeno da memria. Este modelo postula que todas as
representaes cognitivas consistem em redes de neurnios cuja atividade foi associada
pela experincia (estmulos repetidos). Nesse contexto, pode-se assumir que memrias
filogenticas correspondem a redes que se consolidaram ao longo das geraes e no
necessitam de experincia individual para serem funcionais, embora possam ser
aprimoradas pela experincia individual.
Figura 3 - Modelo representativo do funcionamento da Potenciao de Longa-Durao (LTP). Os receptoresNMDA (vermelho) constituem a maquinaria molecular da aprendizagem. O neurotransmissor libertado duranteatividade basal e durante a induo de LTP (topo, esquerda). A expresso de LTP pode dever-se presenade mais receptores AMPA (receptores em amarelo, esquerda, abaixo) ou presena de receptores AMPAmais eficientes ( direita, abaixo). Disponvel em www.braincampaign.org - 09/06/2009.
Se considerarmos que um neurnio tipicamente recebe informaes de cerca de 104
neurnios e, por sua vez, projeta-se para outros 104 neurnios e, que o encfalo humano
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contm pelo menos 1011 neurnios, isto significa dizer que pelo menos 1019 conexes
sinpticas so formadas no crebro. Entretanto, a complexidade de seu funcionamento
evidentemente maior, em particular quando se considera os arranjos seqenciais pelos
quais uma informao pode viajar ao longo de seqncias de neurnios. Quanto mais
freqentes as exposies a estmulos relevantes, mais fortes tornam-se essas conexes.
Como conseqncia, a informao tende a ser arquivada de maneira relacional. Isso
permite entender porque a recordao envolve, usualmente, categorias. Por exemplo, ao
pedirmos para uma pessoa listar todos os animais de que se recorda, no raro a lista
conter animais agrupados por categorias de similaridade, ou seja, quadrpedes, aves,
animais aquticos, invertebrados etc. O mesmo ocorre em relao a alimentos; a
recordao tambm ser categrica (frutas, verduras, legumes, carnes etc.). Isso ocorre
porque o aumento de atividade eletrofisiolgica em determinados circuitos neurais (que
levam recordao de uma dada informao) tende a estimular a atividade em circuitos
relacionados. Assim, quando aprendemos que determinado estmulo se refere a um
determinado conceito, estamos na verdade fazendo associaes com conceitos que j
conhecemos (associando ns de uma rede com outros). Ento, quando visualizamos a
imagem de uma ma caindo, integramos todas as informaes disponveis (cor, forma,
contexto, movimento) com os circuitos j consolidados previamente e que em algum
momento foram associados ao conceito ma. O mesmo vale para uma outra modalidade
de estmulo, ou seja, um som especfico que atribumos como caracterstico de um
determinado animal, o cheiro de uma comida que est intimamente ligado com o seu sabor
etc.
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Biologia da Cognio: Integrao Neural
Renata Pereira LimaLaboratrio Neurocincia e Comportamento
Todas as formas de comportamento adaptativo requerem o processamento de um
fluxo de informao sensorial e sua transduo em uma srie de aes direcionadas a um
objetivo. Desde a mais primitiva espcie animal, todo o processo regulado por feedbacks
externos (ambiente) e internos (Fig.1). Esse padro de funcionamento torna o organismo
apto a forragear, fugir de predadores, lutar e reproduzir-se.
Figura 1- Uma das finalidades da percepo permitir uma interao com o ambiente. Interaes podem incluirandar de um lugar para outro, pegar um objeto, conversar com uma pessoa ou dirigir um carro. De modo circular,tais aes afetam diretamente nossa percepo do mundo. Esta interdependncia entre ao e percepo ilustrada pelo Ciclo Percepo-Ao da figura acima. A viso que temos na integrao sensoriomotora queem vrios aspectos do comportamento, aes motoras e processos sensoriais esto conectadosinseparavelmente e, desta forma, precisam ser estudados juntos.
O sistema nervoso evoluiu, sobretudo nos mamferos, de tal forma que uma grande
complexidade estrutural e funcional foi alcanada no tanto pelas vias aferentes,
responsveis por canalizar as informaes sensoriais, ou pelas vias eferentes, responsveispor emitir as respostas motoras, mas por circuitos neurais que intermedeiam essas vias de
entrada e sada. Os complexos circuitos neurais que se localizam entre as vias sensoriais e
motoras so os principais responsveis pela riqueza, flexibilidade e plasticidade de
comportamentos observados. Isso se manifesta na enorme diversidade de estmulos que
podem ser reconhecidos pelos sistemas sensoriais, na multiplicidade de graus de liberdade
com que aes so organizadas pelos sistemas motores e, sobretudo, pela rica e plstica
relao que se estabelece entre esses dois conjuntos.
A progressiva elaborao dos circuitos neurais pode ser entendida como umaconseqncia da seleo de aes mais vantajosas (organizadas por circuitos pr-
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motores) em resposta identificao seletiva de estmulos especficos (realizada por
circuitos perceptivos), provavelmente pressionada por fatores ambientais. Podemos supor
ento que, ao tornar-se cada vez mais complexo, o funcionamento dos circuitos neurais que
organizam a integrao sensrio-motora expressa aquilo que chamamos de percepo,
ateno, aprendizado, memria, ao e, por fim, conscincia. Esses rtulos esto
longe, em sua maioria, de uma definio completa e consensual. Eles so, mais
provavelmente, o resultado das limitaes que ainda temos em compreender a essncia do
funcionamento do sistema nervoso, no se constituindo em entidades separadas e
independentes da funo neural.
Desta forma, se considerarmos que a percepo do mundo, onde perceber algo,
derivado do latim, significa apoderar-se dele, logo veremos que no h percepo sem que
alguma forma de ateno esteja em jogo. E s por meio da percepo atenta que temos
de um estmulo que sentimos, de um evento que presenciamos ou de uma resposta que
emitimos, que poderemos mais tarde nos lembrar desse objeto, desse evento ou dessa
resposta, resgatando uma memria arquivada por meio de um processo de aprendizado. E,
de forma um tanto bvia, todo trabalho investido em se apoderar do mundo, arquiv-lo e
resgat-lo, seria intil e sem sentido se no usssemos essa informao na organizao e
emisso de uma ao sobre o mundo, com ele interagindo de forma contnua e coerente,
permitindo nossa permanncia nesse mesmo mundo, apesar de seus constantes desafios.
Percepo envolve ao
Perceber algo geralmente requer alguma ao por parte de quem esta percebendo.
Freqentemente temos que olhar (direcionar os olhos) para ver, fazendo uma varredura
visual do ambiente at que o objeto de desejo seja encontrado. Da mesma forma, para um
som ser audvel, temos que direcionar nossos ouvidos em sua direo. Quando tocamos um
objeto, ele mais facilmente identificado se for explorado pelos nossos dedos.
Todos estes exemplos demonstram que a percepo um processo ativo que
funciona para direcionar e otimizar o comportamento atravs do seu refinamento. Almdisso, uma vez que um objeto tenha sido percebido, podemos decidir se iremos nos
aproximar ou nos afastar. Ao ouvir um barulho podemos responder a ele ou ficar quieto. Ao
identificar um objeto pelo toque podemos descart-lo ou mant-lo conosco. Em cada um
destes casos nosso comportamento depende do que percebido.
A orientao da percepo por meio de uma ao induz uma distino interessante
entre os vrios sentidos que tem a ver com a proximidade do observador em relao ao
objeto percebido. Tocar e saborear algo requer um contato direto entre o observador e a
fonte de estimulao. Cheirar tambm um certo contato com a fonte de estmulao;substncias qumicas volteis so diludas conforme a distncia da fonte aumenta; desta
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forma, o cheirar funciona mais eficientemente para substncias que esto prximas. Em
contraste, ver e ouvir,no dependem tanto deste contato. Os olhos e os ouvidos podem
capturar a informao originria de fontes remotas, neste sentido eles funcionam como um
radar. Eles permitem que o indivduo faa contato perceptual com um objeto que no est
prximo, eles estendem a percepo para um mundo alm dos limites dos dedos e do nariz.
Estes dois sentidos substituem o deslocamento at a fonte de estmulo, permitindo que o
indivduo explore a vizinhana.
Organizao e hierarquia no c iclo percepo-ao
Em todo o sistema nervoso central, o processamento de seqncias de aes
guiadas sensorialmente segue um fluxo a partir de estruturas geralmente posteriores
(sensrias), em direo a estruturas anteriores (motoras), com feedbacks em todos os
nveis. Assim, no nvel cortical, a informao flui de maneira circular ao longo de uma srie
de reas hierarquicamente organizadas e entre conexes que constituem o ciclo percepo-
ao (Fig. 2).
Aes automticas e/ou muito freqentes em resposta a estmulos sensoriais so
integradas em nveis mais inferiores do ciclo, nas reas sensoriais da hierarquia (perceptiva)
e em reas motoras da hierarquia (executiva). Comportamentos mais complexos, guiados
por estmulos tambm mais complexos e distantes no tempo, requerem uma integrao em
nveis corticais mais superiores de ambas as hierarquias (perceptuais e executivas),
basicamente reas superiores de associao sensorial e crtex frontal anterior.
Para garantir as interaes entre as duas hierarquias corticais, longas fibras cortico-
corticais conectam recproca e topologicamente as reas da hierarquia perceptual com as
reas equivalentes executivas. Assim, reas pr-motoras se conectam com reas sensoriaisassociativas relativamente inferiores (reas inferiores de ambas as hierarquias), enquanto
Figura 2- O substrato cortical do ciclo percepo-ao. Em azul est representado o lado dapercepo no ciclo e em vermelho o lado da ao.Os retngulos vazios representam reasintermedirias ou subreas do crtex. As setasrepresentam vias anatomicamente identificadasem macacos e ressaltam a conectividaderecproca entre os crtices posterior e anterior.Retirado de Fuster, 2006.
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reas frontais anteriores se conectam com reas associativas superiores do crtex posterior
(reas superiores). Do mesmo modo, h evidncias anatmicas de conexes ordenadas
descendentes do crtex frontal anterior ao crtex pr-motor e deste para o crtex motor. Em
cada estgio deste processo em cascata na hierarquia executiva, a prxima ao de uma
seqncia determinada por dois tipos de influncias: 1) o processamento dos aspectos
globais da seqncia nas reas frontais superiores e 2) os sinais sensoriais que esto
ocorrendo naquele momento. A ativao progressiva de reas frontais inferiores que
processam a ao cumulativa. Da mesma forma, as entradas sensoriais associativas do
crtex posterior so progressivamente mais concretas e mais dependentes de um contexto
espacial e temporal imediato. Sinais que necessitam ser processados em um contexto
temporal mais amplo (episdico) requerem aes que dependem de uma integrao
temporal em graus mais elevados. Estes sinais so processados no crtex posterior e
concomitantemente nas reas superiores do crtex frontal anterior (rostral). Em ambos os
crtices, os sinais so integrados simultaneamente com as informaes prvias (as regras
de uma determinada tarefa e as instrues eventualmente dadas) antes mesmo de serem
enviados para o processamento em estgios inferiores da hierarquia frontal. Sendo assim, o
crtex frontal anterior integra as mais elaboradas associaes da informao sensorial que
esto armazenadas em redes dos crtices sensoriais e motores.
Se considerarmos que a execuo de uma ao no se limita, em geral, a uma nica
oportunidade, temos uma grande vantagem ao construirmos representaes perceptivas do
mundo e guard-las na memria, podendo usar essa informao em uma prxima
oportunidade em que aes semelhantes sejam requeridas. Esse aprendizado permite um
refinamento a longo prazo de nossas aes, fornecendo subsdios para aes mais
complexas, mais integrativas e de maior alcance adaptativo.
Integrando percepo e ao: o sistema de neurnios espelho
Quando temos que explicar uma ao humana, a neurocincia tem duas abordagens
maiores: a sensoriomotora e a ideomotora. Na abordagem sensoriomotora, tudo comeacom uma estimulao, e as aes so consideradas uma conseqncia desta estimulao.
De modo inverso, na abordagem ideomotora, tudo comea com uma inteno, e as aes
so consideradas como o meio de realizar estas intenes, isto , as aes so vistas como
o meio para determinados fins que seguem a inteno.
Assim como vimos acima, existe uma sobreposio e uma dependncia entre as
percepes e as aes, tanto nos seus sistemas quanto nas respostas comportamentais.
Desde modo, fica difcil imaginar que nossas aes sejam meras escravas de nossas
percepes.
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Em uma situao em que uma pessoa observa as aes de outra pessoa, a
abordagem ideomotora oferece uma predio muito consistente. Considerando o fato de
sermos seres sociais, ns humanos passamos boa parte do nosso tempo observando as
outras pessoas, tentando entender o que elas esto fazendo e por que. Esta comunicao
primitiva essencial para estratgias de sobrevivncia e sociabilidade do indivduo.
Contudo, como reconhecemos e entendemos as intenes das outras pessoas? Quais as
bases neurofisiolgicas desta habilidade? A recente descoberta de neurnios espelho tem
inspirado uma srie de estudos em busca destas respostas.
O reconhecimento de uma ao foi inicialmente concebido como baseado apenas no
sistema visual (abordagem sensoriomotora); isto , numa anlise dos componentes visuais
da ao especfica, do agente envolvido, do objeto ao qual a ao direcionada e do
contexto no qual ela est inserida. Assim, a interao de todos estes elementos identificados
visualmente permitiria ao observador reconhecer e entender uma ao feita por outra
pessoa. Uma hiptese alternativa admite que a observao de uma ao estimularia uma
representao motora interna que envolveria as mesmas estruturas neurais envolvidas na
execuo da ao observada; de acordo com esta concepo, embora nenhum movimento
efetivo seja executado, a representao motora evocada pela observao permitiria o
reconhecimento do significado do que visto. Com a descoberta de que h ativao de
neurnios na regio do crtex pr-motor durante a observao de aes, os assim
denominados neurnios espelho, e considerando que esta hiptese no exclui a
possibilidade de que outro processo cognitivo, baseado na descrio do objeto e do
movimento, possa participar desta funo, esta hiptese motora vem ganhando cada vez
mais adeptos. Todavia, tem sido proposto que os neurnios espelho formam um sistema
que combina observao e execuo percepo e ao.
Neurnios espelho so um grupo particular de neurnios cuja atividade aumenta
durante a execuo de uma ao motora particular ou da observao da mesma ao
desempenhada por outro indivduo. Sua descoberta ocorreu durante experimentos com
macacos envolvendo o controle motor de aes desempenhadas com as mos, como porexemplo, pegar/manipular um objeto ou alimento. Os descobridores destes neurnios, entre
eles Giacomo Rizzolatti, implantaram eletrodos no crtex frontal inferior de macacos (rea
F5) e registraram a atividade dos neurnios individualmente enquanto os animais
alcanavam pedaos de alimentos. Eles observaram que alguns destes neurnios (situados
no setor superior da rea F5), disparavam no somente quando o macaco pegava o
alimento, como tambm quando ele observava outro indivduo (macaco ou humano)
desempenhando esta ao, como se a mesma tivesse sido refletida no seu crtex motor
(Fig. 3). Estudos posteriores mostraram que pelo menos 10% dos neurnios envolvidos nocontrole motor de aes desempenhadas com as mos so neurnios espelho.
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Estes estudos mostram que alm do reconhecimento da ao motora por meio de
informaes visuais, o sistema de neurnios espelho lida com informaes mais abstratas, a
fim de reconhecer o objetivo final da ao. Esta resposta, baseada tambm em outras
modalidades, isto , auditiva, sugere que a atividade espelho depende da riqueza das
experincias prprias do observador e de aes presentes em seu repertrio motor
(memria de planos motores). Entretanto, aparentemente, o reconhecimento do objetivo
final de uma ao baseado em exposio prvia do observador s parece possvel se
houver dicas suficientes no ambiente acerca da inteno desse outro indivduo. Isto , uma
ao implica em um agente e um objetivo. Conseqentemente, o reconhecimento de uma
ao implica no reconhecimento de um objetivo e, em outra perspectiva, o entendimento da
inteno do agente: Joo v Maria pegando uma maa. Vendo sua mo movimentando-se
em direo maa, ele reconhece o que Maria far (pegar algo), e tambm reconhece que
Maria quer pegar uma maa, isto , o estmulo ligado inteno do agente.
Desta maneira, o sistema de neurnios espelho oferece um modelo de integrao
entre percepo e ao bastante interessante. Atravs do reconhecimento de aes e, no
apenas pelo sistema sensorial, mas tambm no prprio sistema motor do observador, ocorre
uma integrao online das informaes recebidas do ambiente - a ao observada sendo
executada por outra pessoa - e tambm entre informaes presentes no sistema nervoso do
observador - representao motora da ao observada.
Figura 3 - Experimento feito com macacos em queele executa uma ao (pegar o amendoim) e tambmobserva esta mesma ao sendo feita peloexperimentador. direita est um esquema que
exemplifica a atividade dos neurnios espelho nasduas situa es. Retirado de Rizzolatti 1996.
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Percepo
Felipe Viegas RodriguesLaboratrio de Neurocincia e Comportamento
Percepo um produto do sistema nervoso central que depende do
entendimento dos sistemas sensoriais, mas vai alm destes. Entender percepo
entender no somente como percebemos alguma coisa (seja vendo, ouvindo ou sentindo
estmulos), mas tambm por que percebemos e quais as implicaes para com outros
aspectos da cognio, como a memria ou a ateno. Falar em percepo falar sobre os
crticesassociativos . Esse campo de estudo lida com dois problemas: (1) como todos os
aspectos de um estmulo sensorial so entendidos e processados (cor, forma, movimento
para viso; intensidade, timbre, altura para audio, por exemplo) e (2) qual a relao com
outros produtos da cognio, especialmente ateno e memria.
Uma das principais diferenas entre a percepo e as sensaes a constncia
perceptual. Tome por exemplo a Fig. 1. No importa qual a posio do carro mostrado na
figura, sabemos que se trata do mesmo carro, apesar das quatro imagens serem distintas e
provocarem estimulaes diferentes
nas regies iniciais do sistema
visual. O mesmo princpio
verdadeiro para a percepo de uma
mesma nota musical tocada por
instrumentos diferentes. Embora as
frequncias produzidas por eles
sejam diferentes, com alteraes dos
harmnicos que compem o som
resultante (dando a cada instrumento
seu timbre), a percepo de uma
determinada nota mantida.A constncia perceptual s possvel pela integrao da informao sensorial
com a informao de outras regies enceflicas, inclusive (ou talvez principalmente) das
memrias adquiridas ao longo da vida. Esse mecanismo depende, portanto, de aprendizado
e ele possivelmente uma particularidade da espcie humana. Experimente colocar um
capacete de ciclismo (que cobre apenas a parte superior da cabea) e aparecer diante do
seu cachorro. Ele seguramente o estranhar. Por outro lado, o reconhecer pelo cheiro e
voz, o que o far parar de hesitar aps algum tempo. Humanos so nicos em sua
capacidade de abstrao, capazes de ver um tronco cortado em uma floresta eimediatamente pensar: Que bom! Um banco para descansar!.
Figura 1 A imagem na retina imensamente diferente para osquatro desenhos. Ainda assim, perceptualmente logo nos damosconta de que se trata do mesmo carro. Retirado de Gazzaniga,Ivry e Mangun (2006).
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O interesse pelos mecanismos de percepo veio a partir de casos clnicos de
leses cerebrais, em geral por acidentes vasculares cerebrais (AVC), em que os pacientes
tiveram comprometimento da percepo. Tais pessoas se tornaram incapazes de
reconhecer objetos ou pessoas que antes lhes eram muito familiares. Uma investigao
minuciosa evidencia que tais pessoas podem descrever em detalhes o que lhes pedido, o
que descarta problemas de memria. Mais do que isso, a estimulao por outra modalidade
sensorial resulta em imediata identificao do objeto ou pessoa em questo, levando ao
entendimento de que o problema perceptual e, em geral, associado a apenas uma
modalidade sensorial. Ao conjunto de sintomas de incapacidade de percepo dado o
nome agnosia.
Vias perceptuais
As leses cerebrais que levam a problemas de percepo frequentemente so
aquelas que ocorrem em reas dos crtices parietal posterior, temporal inferior ou face
lateral do crtex occipital. Essas regies encontram-se na confluncia das reas sensoriais
e, como j mencionado, so parte dos chamados crtices associativos, pois recebem
aferncias corticais das regies sensoriais e integram entradas mltiplas para desempenhar
funes cognitivas supramodais e comportamentais especficas. Algumas dessas regies
so neoformaes em primatas e elas constituem a maior parte do crtex cerebral,
particularmente no caso da espcie humana (Preuss, 2006).
Viso
O sistema visual a modalidade mais estudada de todos os sistemas sensoriais
conhecidos. No captulo sobre fisiologia sensorial foi possvel entender como se d o
processo de transduo do estmulo luminoso em sinal eltrico e como essa informao
levada at o crtex. Vamos elucidar agora como essa informao manipulada e integrada
com informaes de outras regies corticais para, de fato, entender como percebemos.
A informao que chega at o crtex visual no para em V1, muito pelo contrrio,
essa informao continua avanando por diferentes regies, cada vez mais prximas dos
crtices temporal inferior e parietal posterior, passando por populaes de neurnios
especializadas no processamento de caractersticas especficas de um estmulo visual. Uma
particularidade desse sistema sequencial que a cada sinapse que realizada a partir de
V1, mais fibras vo convergindo para um mesmo neurnio. Com esse arranjo, quanto mais
adiante na sequncia esteja um neurnio, mais especfica sua funo no processamento
visual: enquanto aqueles no incio da cadeia de processamento disparam para simples
estmulos em forma de barra (com populaes especficas para as diversas angulaes
possveis dessa barra), h neurnios mais adiante nessa cadeia que s dispararo para
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combinaes dessas barras ou
se o estmulo em questo tiver
caractersticas de um mvel
(Fig. 2).
Apesar do arranjo sequencial,
as evidncias atuais apontam
para um processamento em
paralelo dessas diversas
regies. Casos clnicos de
pacientes que tiveram um AVC
em regies muito especficas
do encfalo (nos crtices
associativos) revelam a perda
de percepo de algum
componente da viso, como
movimento ou cor, mas no de
outras caractersticas, mesmo
que estas sejam processadas
mais adiante na sequncia de
processamento visual. O maior
tempo de reao para
deteco de um estmulo
visual quando mais de uma caracterstica precisa ser analisada em um teste perceptual (cor
eforma, por exemplo) tambm refora a ideia de processamento em paralelo. Se apenas
uma das caractersticas for necessria para a deteco do estmulo, independente de qual
delas, o tempo de reao menor.
Na Fig. 3 pode ser vista uma representao das diferentes regies de
processamento visual e o papel de cada uma delas na construo de um percepto visual.Vale ressaltar que o arranjo existente nos permite definir uma via dorsal e outra ventral de
processamento. Atravs da via dorsal, podemos entender onde vemos um objeto, j que
essa via nos trs informaes sobre movimento e posio espacial de um objeto. J a via
ventral nos traz informaes de o qu vemos, permitindo identificar caractersticas como
cor e forma de um objeto.
Figura 2 Estrutura sequencial na organizao dos crtices
associativos do SNC. Quanto mais adiante na sequncia, maiscomplexo o estmulo para qual a populao de neurnios irresponder. Modificado de Lent, 2006.
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Figura 3 Vias paralelas de processamento do estmulo visual: via dorsal (crtex parietal posterior), paraprocessamento de informaes sobre localizao espacial e movimento, e uma via ventral (crtex temporalinferior), para processamento de informaes como cor e forma do objeto em questo. Retirado de Kandel e col.(2000).
Evidncias clnicas, mais uma vez, no deixam dvidas de que essas vias
colaboram de forma independente para a percepo de um objeto qualquer. Um paciente
com leso em regies da via ventral poder afirmar no existir uma caneta (objeto) sobre
uma mesa diante dele. Apesar disso, se ele for instrudo a imaginar um objeto sobre a mesa
e demonstrar como seria o movimento para pegar esse objeto, esse indivduo faria o
movimento correto e at mesmo poderia pegar a caneta. A ativao de todas as regiescorticais necessria para que possamos ter a correta percepo de um objeto nossa
frente; o uso de aspas justifica-se porque, falando-se em percepo, simplesmente no h
correto, mas sim uma experincia pessoal que fortemente influenciada pelas nossas
memrias, emoes e a ateno deslocada a um dado estmulo do ambiente. Falaremos
mais sobre isso nos tpicos seguintes.
Audio
O sistema auditrio e seus crtices associativos adjacentes tm sido mais bem
estudados nos ltimos anos. Novos experimentos tm trazido evidncias de que o
processamento de diferentes caractersticas do som tambm ocorre em diferentes regies
corticais. Semelhantemente ao sistema visual, existiriam duas vias de sada para os crtices
associativos: uma anteroventral, relacionada percepo de caractersticas do som como
timbre e tonalidade; e outra posterodorsal para a percepo de caractersticas espaciais e
localizao do estmulo.
De fato, Bendor e Wang (2005) encontraram no crtex auditivo de saguis-comuns
(na regio anteroventral) neurnios capazes de perceber tons, isto , que disparam para
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uma determinada frequncia e tambm para seus mltiplos. Essa relao entre frequncias
exatamente aquela encontrada entre duas oitavas musicais. Essa populao de neurnios
provavelmente existe tambm em outras espcies de primatas, incluindo os humanos.
possivelmente pelo disparo desses neurnios que identificamos as notas semelhantes entre
dois instrumentos musicais diferentes. Como no carro da Figura 1, a constncia perceptual
acontecendo para estmulos auditivos.
Por outro lado (ou, melhor dizendo, por outra via...), morcegos so um exemplo
brilhante da capacidade de localizao por estmulos sonoros. Acredita-se que eles sejam
capazes de estabelecer um mapa do ambiente por onde se locomovem to preciso quanto
aquele que estabelecemos pela estimulao visual. Tentar imaginar algo como isso quase
impossvel, mas, novamente, isto apenas um reflexo da forma como percebemos o
mundo. Seria como tentar imaginar como um cego (de nascena) percebe o mundo. Embora
voc provavelmente tenha pensado em fechar seus olhos e prestar ateno aos sons,
cheiros e presses (tteis) ao seu redor, isto no o que um cego percebe do mundo. Para
ele a estimulao visual nunca existiu, logo, perceber o mundo no ver uma imagem
preta e atentar s outras sensaes. Para ele, so apenas as outras sensaes.
H casos bem documentados de pessoas que conseguiram desenvolver a
capacidade de se ecolocalizar (como os morcegos) para se locomover. Essas pessoas
parecem criar mapas rudimentares do ambiente, precisos o suficiente para se locomoverem
sem maiores problemas.
Memrias atentas ao contexto
Em diversos mamferos, aps um estmulo percorrer todos os circuitos
necessrios sua percepo (ainda que de forma inconsciente), invariavelmente ele
chegar regio anterior do lobo frontal (ou estruturas homlogas). Essa regio est
envolvida com memria operacional e ateno, especialmente no caso de primatas (e
possivelmente em outros mamferos), e onde o estmulo ser integrado com memrias
passadas e, se o estmulo tiver maior relevncia para o organismo (ou simplesmente se forum estmulo muito forte como um rudo muito alto), ganhar maior processamento neural
destes circuitos, resultando em um fenmeno que chamamos comumente de ateno.
interessante notar que a definio de qual estmulo receber ateno em um
dado momento tambm depender do contexto em que se encontra uma pessoa. Imagine-
se na sua rotina diria no colgio alguns anos atrs. Voc consegue se lembrar com que
facilidade voc percebia o sinal da sua escola soar perto do horrio de ir embora? Ou
mesmo quantos alarmes-falsos voc tinha durante essa espera? Da mesma forma,
crculos vermelhos no devem significar nada para voc neste exato momento, mas elestero muita importncia quando estiver dirigindo para algum lugar. Essas diferenas sutis
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naquilo que percebemos so produto de ativao de circuitos de ateno e das memrias
que acumulamos ao longo da vida.
Iluses e hemisfrios cerebrais
Ter memrias significa aprender sobre o ambiente que nos rodeia. Quando essas
memrias so integradas com nossa percepo, no raro que tenhamos uma viso
distorcida daquilo que est diante de ns. Tome por exemplo a Fig. 4A. Qual das duas
barras horizontais maior? primeira vista, todos diro que a barra superior maior.
Apenas alguns, aps uma anlise mais cuidadosa, diro que ambas tem o mesmo tamanho.
Isso no significa que falhamos em enxergar. Apenas nos deixamos levar pelo aprendizado
que tivemos em toda nossa vida: ao longo dos anos, vemos que linhas de mesmo tamanho
parecem diferentes quanto mais distantes elas esto de ns. As barras convergentes na Fig.
4 criam a iluso de algo que se distancia. Assim, percebemos as barras paralelas como
sendo de diferentes tamanhos. Olhe a Fig. 4B e isso ficar ainda mais claro.
(A) (B)
Nosso treino para perceber formas geomtricas nos faz enxerg-las at mesmo
onde elas no existem. A Fig. 5 sugere o formato de um tringulo, mas sem todas as suas
bordas esperadas, de fato. A figura conhecida como Tringulo de Kanisa. Algumas
pessoas chegam a dizer que ele mais branco que as reas em volta! A explicao direta
que nos acostumamos a enxergar com mais luz algo que est em primeiro plano.
As iluses de ptica no se resumem apenas a
fenmenos mnemnicos (que dizem respeito memria).H tambm efeitos causados pelos prprios receptores
sensoriais. Voc provavelmente j se deparou com
imagens como as que esto na Fig. 6. A estimulao de
um determinado receptor retiniano para cor por um
perodo prolongado leva percepo da cor
complementar correspondente, o que faz com que, ao
olhar para um fundo neutro (branco, preto ou qualquer
tom de cinza), perceba-se cores trocadas na imagem.
Figura 4 Iluso de Ponzo. Aslinhas paralelas em (A) parecem terdiferentes tamanhos, apesar deserem iguais. Em (B) uma possvelexplicao biolgica para esseefeito.
Figura 5 Tringulo de Kanisa.
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Figura 6 Efeito de ps-imagem. Uma iluso criada pelos receptores sensoriais quandosuperestimulados por uma determinada cor. Olhe fixamente por cerca de 30 segundos paraqualquer um dos pontos pretos nas imagens e, em seguida, para uma parede branca. O que vocv?
Essa questo torna-se extremamente importante quando pensamos em contraste.
A percepo de uma cor em um determinado momento influenciada no somente pela cor
em si, mas pelas cores em volta da mesma. Quo diferentes so as cores dos quadrados
A e B na Fig. 7? A resposta correta : nada diferentes! No h modificaes! Issoacontece porque as cores ao redor da cor atentada influenciam a percepo da mesma.
De forma mais ampla, somos influenciados por diferenas entre nossos
hemisfrios cerebrais. Apesar de estes trabalharem sempre em conjunto, com ativaes
bilaterais, diferenas sutis na ativao refletem certas dominncias inter-hemisfricas que
podem tambm resultar em diferenas na percepo. Testes com pacientes que sofreram
um AVC e estudos com animais lesionados sugerem que o hemisfrio esquerdo se
encarrega primordialmente da percepo de detalhes de uma imagem, enquanto que o
hemisfrio direito se encarrega das caractersticas globais. Veja na Fig. 8 como estes
pacientes desempenham em um teste simples de cpia de uma figura. Essas diferenas
manifestam-se tambm na percepo de figuras com contedo ambguo. O que voc
percebe primeira vista na Fig. 9?
Figura 7 - Os quadradosA e B da figura sodiferentes na cor?No! Osquadrados no sodiferentes!
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SinestesiaA sinestesia um caso muito
especfico de percepo em que uma
determinada modalidade sensorial gera a
percepo de outra modalidade. Um dos
eventos mais frequentes a percepo
secundria de cores aps a estimulao primria por um grafema, seja um nmero ou umaletra (ou at mesmo palavras). A percepo induzida pelo estmulo primrio sempre muito
especfica e unidirecional (a estimulao pelo percepto induzido no gera a percepo do
estmulo indutor pareado, isto , se a palavra casa induz a percepo da cor amarela, o
contrrio no acontecer). Um sinesteta pode repetir mais de centenas de pares de
percepes com pouco ou nenhum erro.
Frequentemente a percepo induzida
a de cores, seja por grafemas, como dito
acima, ou por sons (palavras em geral); mas h
relatos bem documentados de palavras gerando
percepo de gostos, gostos gerando formas,
cheiros para cores e, mais curiosamente, msica
(ou intervalos tonais ou simplesmente tons) para
cores ou formas. As percepes secundrias de
gostos e tambm cheiros so menos comuns,
embora exista pelo menos um caso bem
documentado de percepo secundria de
gostos induzida por intervalos tonais (musicais).
A mesma pessoa reporta possuir o caso mais
comum de sinestesia entre tonalidades musicais
e cores.
A investigao sobre o fenmeno ainda muito recente e algumas perguntas
bsicas sobre o assunto s agora comearam a ser respondidas. Em relao aos
mecanismos neurais que possibilitam a sinestesia, duas proposies foram feitas:
Figura 9 O que voc v nesse quadro?
Figura 8 Desempenho de pacientes com hemisfrioscerebrais paralisados em um teste de cpia de figura.Pacientes que tem apenas o hemisfrio esquerdofuncionante, percebem os detalhes das imagensoriginais, mas perdem a forma global. Por outro lado,pacientes com apenas o hemisfrio direito funcionante
percebem a forma global, mas no se do conta dosdetalhes. Retirado de Lent, 2006.
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alteraes estruturais e alteraes funcionais. A Fig. 10 apresenta um resumo dos modelos
de mecanismos possveis.
Figura 10 -Modelos de Sinestesia. Os modelos diferem na rota proposta de ativao cruzada (direta ou indireta)entre as regies indutora e concorrente e nas diferenas subjacentes ao sinesteta (estruturais ou funcionais).Regies em amarelo esto ativas (comeando pela regio indutora) e, em azul, inativas. Conexes excitatriasso mostradas como flechas e inibitrias como pontas em trao. Linhas pontilhadas representam conexes
presentes estruturalmente, mas funcionalmente inativas. Modificado de Bargary e Mitchell (2008).
As evidncias de casos clnicos e fenomenologia da sinestesia apontam mais
fortemente para alteraes estruturais na conectividade cerebral, com ligaes anormais
entre as regies indutora e induzida no crebro de sinestetas (Bargary e Mitchell, 2008).
Vale ressaltar que diferentes possuidores de uma mesma sinestesia (tons para cores, por
exemplo) podem reportar associaes diferentes para a cor induzida. Se um deles disser
que um d maior azul, o outro poder dizer: Isto est errado!. No se sabe por que a
induo de cores muito mais frequente que a induo de outras percepes.
Diferenas na manifestao da sinestesia ainda levaram sugesto de uma
classificao em dois tipos de sinestetas: (1) de ordem baixa e (2) de ordem alta
(Ramachandran e Hubbard, 2003). Essa diviso leva em considerao o estgio de
processamento em que ocorre o fenmeno perceptual. Sinestetas de ordem baixa tendem a
ter o efeito de induo apenas com estmulos muito especficos, por exemplo: nmeros
escritos na lngua de origem. J os sinestetas de ordem alta tm o efeito de induo toda
vez que o conceito que um determinado indutor sugere est presente. Tomando por base o
exemplo anterior, nos sinestetas de ordem alta mesmo algarismos escritos em nmerosromanos (que nada mais so do que letras) poderiam gerar a percepo induzida.
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A incidncia da sinestesia na populao mundial de algo entre 1% e 4% (Simner
e colaboradores, 2006), um valor bem diferente dos 0,05% anteriormente sugeridos.
Estudos em primatas do indcios de que essas conexes anormais esto naturalmente
presentes no organismo durante a fase fetal e o perodo de lactncia, mas aps esse
perodo essa hiperconectividade de regies sensoriais tende a ser removida do crebro. Isto
ainda no fora comprovado em recm-nascidos humanos, mas observaes
comportamentais levam sugesto de que h uma confuso sinestsica nas primeiras
semanas de vida. A plena maturao perceptual e a segregao dos sentidos viriam apenas
aps alguns poucos meses de vida, portanto. De qualquer forma, no ouse afirmar que um
sinesteta tem sentidos menos maduros ou perguntar a ele como viver assim?. A resposta
sempre presente aps essa pergunta : Como vocvive assim?!.
Concluir um problema
Uma das maiores questes ainda no respondidas com respeito percepo
como geramos um percepto nico das estimulaes constantes nossa frente se aspectos
diferentes de um estmulo so processados em regies distintas do crtex cerebral (e.g. cor,
forma, movimento, etc., no caso da viso). o chamadobinding problem.
Uma das possveis explicaes para a forma como geramos um percepto a de
que, pelo sequenciamento de neurnios no encfalo, com cada vez mais neurnios se
juntando em um prximo neurnio (e, consequentemente, complexando o estmulo
processado), ao final do processamento, invariavelmente todas as informaes sobre o
estmulo estariam ali reunidas. A quantidade de regies envolvidas e a diviso do
processamento em duas vias (dorsal e ventral), porm, no favorece essa explicao.
Parece mais plausvel aos pesquisadores que o encfalo forme um percepto nico
pela sincronizao do disparo dos neurnios das diferentes regies corticais, ainda que
cada uma delas esteja envolvida no processamento de distintos aspectos de um estmulo
apresentado. Essa explicao, porm, ainda carece de comprovaes.
O estudo de casos de sinestesia tem trazido algumas colaboraes para aquiloque entendemos sobre percepo. Alguns sinestetas relatam a percepo de cores
estranhas, diferentes de qualquer cor que eles j tenham visto em algum objeto ou lugar.
Um deles chegou a chamar essas percepes sinestsicas de cores marcianas.
Ramachandran e Hubbard (2003) atribuem essas cores estranhas ligao cruzada (ou
direta) de um crtex sensorial para outro, o que desviaria o processamento de estgios
iniciais da percepo de cores. Segundo os autores, isso sugere que a experincia subjetiva
da percepo de cores depende no s do processamento final, mas de todo o padro de
atividade neural que leva formao de um percepto, incluindo as fases iniciais doprocesso.
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Estando certa ou no a sugesto dada por Ramachandran e Hubbard (idem), fica
claro que ainda precisamos entender muito sobre os mecanismos pelos quais simplesmente
percebemos o mundo que est ao nosso redor. Ou talvez um dia tenhamos a certeza de
que, desde sempre, apenas representamos internamente o que percebido externamente.
Pelo menos isso que os estudos sobre ateno e memria sugerem cada vez mais
fortemente.
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Ateno
Wataru SumiLaboratrio de Neurocincias e Comportamento
A todo instante somos expostos a uma grande quantidade de estmulos ambientais
que so captados por nossos rgos sensoriais. A maioria desses estmulos no
percebida pelo observador, apenas alguns selecionados para serem posteriormente
analisados. Acredita-se que o sistema nervoso incapaz de processar todas essas
informaes. Assim, para permitir um processamento eficiente, a ateno selecionaria
apenas algumas poucas informaes que ns recebemos (Bear e col., 1996).
O conhecimento acumulado sobre ateno no ltimo sculo tem trazido luz, mais e
mais fenmenos relacionados com esse processo cognitivo. A partir da dcada de 1950,
muitos cientistas cognitivos propuseram diferentes teorias para abarcar o conjunto de dados
revelados pelas mais diversas tcnicas de avaliao do comportamento e de medies das
atividades do crebro. O presente texto ser focado nos aspectos comportamentais da
ateno, portanto, no nos ateremos aos processos neurofisiolgicos responsveis pela
ateno nem nas diferentes teorias criadas ao longo das ltimas dcadas para explicar o
funcionamento geral desse que um dos mais interessantes e enigmticos processos
cognitivos.
Ateno e percepo
Como mencionado anteriormente, a ateno seleciona um conjunto de informaes
do ambiente enquanto ignoram outros. Veremos ao longo do texto diferentes exemplos de
experimentos nos quais evidenciado esse fenmeno, principalmente na ateno visual.
Antes, comearemos com os efeitos da ateno sobre a percepo auditiva.
Na dcada de 1950, Cherry realizou um experimento no qual era avaliada a
capacidade de selecionar um dentre dois estmulos auditivos simultaneamente
apresentados. O voluntrio utilizava fones de ouvido e recebia diferentes estmulos, um paracada ouvido. O voluntrio era ento instrudo a prestar ateno apenas a um dos ouvidos.
Ele observou que os voluntrios eram incapazes de relatar o que foi apresentado ao ouvido
no atendido (Gazzaniga e col., 2002). Esse efeito no aparece apenas quando ouvimos
estmulos diferentes em cada ouvido. Somos frequentemente expostos a situaes nas
quais recebemos diferentes estmulos auditivos, selecionando os que nos interessa e
ignorando os demais. Para ilustrar melhor esse efeito, podemos nos imaginar em uma festa:
existem dezenas de pessoas, umas falando mais alto que outras, alm da msica no volume
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mximo. Apesar disso, somos capazes de selecionar estmulos especficos que nos
interessam como a fala de um amigo ou eventualmente a msica sendo tocada.
Apesar da avaliao da ateno auditiva ter contribudo bastante com entendimento
da ateno, os estudos nessa rea concentram-se principalmente na ateno visual. Isso
fica claro quando tanto pelo numero de artigos publicados como pela diversidade de tarefas
desenvolvidas pelos cientistas. Consequentemente, o conhecimento acumulado sobre esse
sistema perceptual muito maior. Vamos a seguir ver os diferentes efeitos comportamentais
da ateno sobre a percepo visual.
Para compreendermos melhor a ateno, podemos utilizar a metfora do holofote:
enxergamos os objetos iluminados pela luz, mas no somos capazes de enxergar os objetos
que permanecem nas sombras. De forma semelhante, para percebermos os estmulos do
ambiente, eles devem estar sob o foco da ateno. Um experimento realizado no final do
sculo XIX por Herman von Helmholtz demonstra isso claramente. Nesse experimento, os
voluntrios eram colocados em frente a um painel e eram instrudos a direcionar a ateno a
um ponto especfico da tela. O painel era mal iluminado e o voluntrio era incapaz de
observar qualquer letra impressa nele. Quando um flash de luz era acionado, era ento
possvel ver as letras. Porm, os voluntrios eram capazes de discriminar apenas as letras
localizadas na regio onde a ateno estava previamente focada (Gazzaniga e col., 2002).
Como citado anteriormente, no somos capazes de processar eficientemente todas
as informaes que recebemos do ambiente. Quando procuramos algo especfico no
ambiente, podemos ter mais ou menos facilidade de acordo com a caracterstica do alvo.
Quando um estmulo se destaca muito no meio de outros estmulos, a ateno pode ser
atrada automaticamente, como ocorre, por exemplo, com as luzes intermitentes dos
automveis. Por outro lado, quando a diferena entre o alvo e os outros elementos da cena
(distratores) pequena, necessrio procur-la, ou seja, direcionar voluntariamente a
ateno. Ambos os processos podem ser avaliados na tarefa de busca visual (Fig. 1).
Quando o alvo (1-A: barra vertical e; 1-B: barra vermelha) muito diferente dos distratores,
a sua deteco quase imediata, independentemente do nmero de elementos, ou seja,podem ser cinco ou cinquenta distratores sem que o tempo para a deteco do alvo seja
afetado. Isso porque a ateno atrada automaticamente. Porm, quando a diferena entre
alvo (1-C: barra azul horizontal) e os distratores pequena, o tempo de deteco aumenta
de acordo com o aumento do nmero de elementos distratores, isso porque necessrio
analisar cada um dos itens isoladamente de forma serial; assim, quanto mais elementos
precisarem ser analisados, maior ser o tempo necessrio para detectar o alvo (Treisman e
Gelade, 1980).
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Figura 1- Tarefa de busca visual. 1a e 1b: o alvo difere em apenas uma caracterstica em relao aosdistratores: forma e cor, respectivamente. 1c: o alvo possui duas caractersticas que o torna diferente dosdistratores (horizontal azul).
Falha na percepo
Quando no prestamos ateno ao ambiente por estarmos distrados ou porestarmos prestando ateno fixamente em algo, deixamos de perceber diferentes estmulos.
Existem experimentos nos quais so evidenciados esses efeitos.Um deles denominado
cegueira inatencional. Isso se caracteriza pela incapacidade do voluntrio de reportar a
presena de um objeto no centro de seu campo visual, perfeitamente visvel, mas
inesperado, porque a ateno estava engajada em outra tarefa (Neisser e Becklen, 1975).
Outra evidncia do papel da ateno na percepo a cegueira para mudana, um
fenmeno relacionado com a cegueira inatencional, mas com sutis diferenas. Esse efeito
se refere incapacidade em identificar diferenas entre duas imagens apresentadas emseqncia (Simons e Rensink, 2005). Essas imagens podem ser fotografias diferentes, algo
como os jogos de sete erros, ou mesmo objetos do ambiente. Em uma pegadinha
realizada por uma emissora de TV, o atendente de uma loja abaixa-se atrs do balco para,
supostamente, pegar uma mercadoria, ele ento troca de lugar com outra pessoa que, aps
se levantar, continua a interagir com os clientes-vtimas como se nada tivesse acontecido.
Poucos clientes percebiam a troca.
Teste de PosnerUma das maiores contribuies para os estudos da ateno foi feita por Posner, que
desenvolveu uma tarefa que pode ser utilizada para testar diferentes aspectos da ateno.
Essa tarefa (Fig. 2) consiste em manter o olhar fixo no centro de um monitor de vdeo.
Apresenta-se, ento, uma pista indicando o provvel (por exemplo, 80%) local de
aparecimento de um alvo, que pode ser para a direita ou esquerda do monitor. Nesse caso,
a p