Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

61
1 Crescendo com as fases da vida C C R R E E S S C C E E N N D D O O  C C O O M M  A A S S  F F A A S S E E S S  D D A A  V V I I D D A A  O O  H H o o m m e e m m  e e m m  B B u u s s c c a a  d d e e  S S u u a a  A A u u t t e e n n t t i i c c a a ç ç ã ã o o  A  An t t ôn i i o  A  A  y  y r r e  s  s  

Transcript of Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 1/61

1

Crescendo com as fases da vida

CCRREESSCCEENNDDOO 

CCOOMM AASS FFAASSEESS 

DDAA VVIIDDAA 

OO HHoommeemm eemm BBuussccaa ddee SSuuaa 

AAuut t eennt t iiccaaççããoo 

 A Annt t ôônni i oo A A y  y r r ee s s 

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 2/61

2

Crescendo com as fases da vida

1. INTRODUÇÃO

este exato momento, quando você está começandoa ler estas linhas, milhões de pessoas, em todos oslugares do planeta, de alguma forma, estão procu-

rando, desesperadamente, vencer diferentes etapas de su-as vidas e, dessa forma, autenticar-se.

O homem deste século parece estar convencido, mais doque seus ancestrais, de que não existe tempo a ser gastocom aquilo que não é relevante. Ou, pelo menos, com aqui-lo que ele não considera relevante.

Por essa razão busca, por diferentes caminhos, uma forma

de encontrar relevância. É a essa procura pertinaz por rele-vância que, neste livro chamamos busca por autenticação.

O que equivale a dizer que ser alguém, ser reconhecidocomo alguém, sentir-se importante, possuir alguma formade status é sentido como autenticidade.

As pessoas realizam-se, então, através da busca por rele-

vância e autenticação, o que é, sem dúvida, um objetivosaudável.

O que não é saudável é fechar os olhos para a sensatez etransformar esse objetivo em batalhas frenéticas para “su-bir na vida”. Aí, essas lutas convertem-se, doentiamente,em neuroses obsessivas de quem quer obter sucesso, aqualquer preço.

N

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 3/61

3

Crescendo com as fases da vida

Nesse caso, enxergam-se os meios como os fins e deixa-sea vida passar, sem se dar conta de que o tempo não temvolta e que ser apenas uma engrenagem na máquina doprogresso de hoje pode significar o erro percebido tardedemais, amanhã.

Não é possível mais continuar apenas a viver o “ser” como “ter”; e o “viver” como “acontecer”. É preciso mais do queisso.

Na verdade só se autentica quem aprende com a vida e de-la retira cada uma de suas preciosas lições.

E como a vida não nos é entregue pronta, mas constitui ummapa em branco, no qual cada um de nós traçará os seuspróprios caminhos, devemos ter discernimento.

Isso, dito de outra forma, significa reconhecer que viver éum processo, no qual passamos por muitas e diversificadasexperiências até que atinjamos a maturidade.

Sobre essas experiências, que são gradativas e acontecemdesde o momento da concepção até o momento da morte,é que estaremos falando, neste livro.

Se soubermos o script dos eventos mais ou menos pontuaisque acontecem na construção de nossos caminhos, entãoestaremos no rumo certo para o entendimento da vida.

Em outras palavras: estaremos aptos para nos autenticar-

mos de maneira plena, soberana e feliz.

Um objetivo que, sem dúvida, se mostra desejável a todosnós.

O autor

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 4/61

4

Crescendo com as fases da vida

2. INQUIETAÇÕES, MUDANÇAS E SU-AS CONSEQUÊNCIAS

iver não é fácil. Viver no século XXI é menos fácilainda. Há apenas algumas décadas, nossos pais e avósvivenciavam uma existência na qual não sentiam

necessidade de questionamentos, a não ser emcasos muito raros, que se encaixam, como sempre, nocampo das exceções; não das regras.

O trabalho, a família, alguns amigos e a religião eram sufi-cientes para certo grau de sentimento de plenitude, que emnossos dias não se consegue mais, a menos que não exis-tam preocupações com a mediocridade e a alienação.

Hoje, continuar vivendo à moda antiga não é mais possívele, mais do que isso, não é nem mesmo desejável.

Os que têm o privilégio ou a desventura de viver o nossotempo são assaltados por todo tipo de inquietações, queconstituem o ônus de se ser testemunha ocular de um perí-odo histórico em que se nasce num estágio civilizatório e semorre em outro, completamente diferente.

Em pouco mais de quatro décadas fizemos a transição en-tre o mundo moderno e o mundo pós-moderno. Nesse pro-cesso, fomos testemunhas de um tão fenomenal aporte demudanças, que milênios de civilização não puderam alcan-çar.

Freud, o pai da psicanálise, que viveu entre 1856 e 1939

deixou registrado em vários de seus escritos a sua convic-ção de que vislumbrava um futuro em que o avanço cientí-

V

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 5/61

5

Crescendo com as fases da vida

fico proporcionaria não só a confirmação da veracidade desua ciência (a psicanálise) como também uma radical mu-dança no modo de viver da humanidade.

Sua profecia se cumpriu embora ele não pudesse imaginartrês detalhes desse cumprimento: a abrangência, a magni-tude e a rapidez dessas mudanças.

A abrangência nos mostra que essas mudanças se proces-sam em todas as áreas do saber, em todos os níveis de co-nhecimento, em todos os continentes e em todos os regi-mes políticos.

A magnitude diz respeito à profundidade, à dimensão nãoapenas quantitativa, mas, principalmente, qualitativa da-quilo que está sendo mudado. O mundo passa por um ver-dadeiro salto qualitativo em todos os setores, com ênfaseespecial nas áreas tecnológica e científica.

E, finalmente, a rapidez com que essas mudanças aconte-cem, por vezes, chega a ser estonteante. O que foi anunci-

ado como novidade ontem ganha o caráter de sofisticadohoje, para ser considerado obsoleto amanhã.

A área de informática, por exemplo, constitui um modelo,por excelência, em que esses três critérios (abrangência,magnitude e rapidez) acontecem simultaneamente.

Obviamente, um mundo mutante a esse nível, sem dúvida

traz consigo consequências e é também sobre essas conse-qüências que estaremos tratando no presente trabalho.

Acreditamos que trilhar por esse caminho; observar os seuspercalços e inquietações nos diferentes estágios do desen-volvimento do ser   poderá tornar-se muito útil para o en-tendimento de como se processa a nossa maturação.

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 6/61

6

Crescendo com as fases da vida

E, eventualmente, nos fornecerá o caminho das pedras pa-ra entendermos como se processa a nossa verdadeira au-tenticação.

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 7/61

7

Crescendo com as fases da vida

3. O NASCIMENTO DA ETAPAEXISTENCIAL DO HOMEM

s começos sempre fascinaram o ser humano. Talvezporque neles residam as sementes de toda espéciede especulações que a mente humana possa produ-

zir.A Bíblia, o livro sagrado dos cristãos, se inicia com estaspalavras: “No princípio, criou Deus os céus e a terra” 1. JáSão João inicia o seu evangelho com estas: “No princípioera o verbo...” 2.

Os homens que não se contentam ou não conseguem crerno Criacionismo, buscam, a todo custo, explicações. Dese-

 jam saber sobre a origem da Terra, a origem da vida, a ori-gem do homem, a origem dos planetas, a origem das galá-xias e a origem do Universo. Chegam a cogitar até sobre aorigem de vários Universos.

É essa curiosidade pelos começos a responsável pelo avan-ço científico, pois, onde quer que se encontre um laborató-rio com um homem debruçado sobre um microscópio, ha-

verá sempre incluída em suas preocupações, a curiosidadepelo início de algum processo, de alguma reação química,de algum organismo vivo rudimentar ou de alguma patolo-gia ainda desconhecida.

Também é esse encantamento pelos começos que move osarqueólogos a escavarem infindáveis sítios, os historiadores

1 Gên. 1.12 Jo. 1.1

O

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 8/61

8

Crescendo com as fases da vida

a empreenderem exaustivas pesquisas e os naturalistas afazerem inumeráveis expedições.

Na verdade, o ser humano se surpreende com a própria su-

premacia diante dos outros animais. Quando lhe sobrevéma idade da razão, ele compreende (pois já passou da épocada mera intuição) ser o único, entre todos os mamíferos,que possui lembranças de seu passado; consciência de seupresente e projetos para o seu futuro.

Essa sua inquietude diante da disparidade entre ele e omundo animal que o cerca, produz sobre sua mente o de-

sejo inquisidor de descobrir-se a si mesmo, uma vez que jánão pode satisfazer-lhe um mundo de obviedades.

É, então, em meio a esse emaranhado de perguntas, entreas quais as que não podem ser respondidas aguçam aindamais a vontade de desvelá-las, que se desenvolve aquelaque, em época crucial de sua existência, surgirá à tona desua mente consciente, não sem angústias e inquietações,

normalmente com a questão: “Quem sou eu?”,  que logo,trará em seu encalço outras duas: “Para que estou aqui?” e“Para onde irei?”. 

Está inaugurada, neste ponto, a etapa existencial conscien-te de todo ser humano.

Essa etapa, no entanto, depende daquilo que foi vivido nainfância, que é o que veremos a seguir.

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 9/61

9

Crescendo com as fases da vida

4. INFÂNCIA, A BASE ONDE TUDO ÉCONSTRUÍDO

ntes de prosseguirmos, seria oportuno lembrar que oobjetivo maior deste trabalho é oferecer uma alter-nativa para um maior entendimento daquilo a que

nos referimos como a necessidade de autenticar-se –  ne-cessidade que certamente existe e está presente em cadapessoa.

Embora essa seja uma questão adulta, característica deuma maior maturidade atingida pelo indivíduo, as suas raí-zes estão, como de resto, todas as ambivalências, na infân-cia; desde a do recém-nascido até a do adolescente púbe-

re.Imaginemos uma metáfora: uma casa de espelhos distorci-dos, fabricados para produzir risos, num parque de diver-sões.

Conforme as ondulações dos espelhos, diferentes serão asimagens por eles mostradas. Uma pessoa de físico e esta-tura normais poderá parecer ridiculamente baixa e gorda,

se as ondulações forem horizontais.

A mesma pessoa, colocada diante de outro espelho, comondulações verticais, se verá alta e fina como um poste.

Essas “falhas” de fabricação dos espelhos é que produzemas falsas e engraçadas imagens, com o objetivo deliberadode produzir alegria e risos, a partir das “caricaturas” refleti-das.

A

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 10/61

10

Crescendo com as fases da vida

Ironicamente, muitas dessas pessoas que pagam para sedivertir diante da própria imagem caricaturizada, são víti-mas sofridas de seus verdadeiros espelhos familiares que,por maldade ou por falta de informação, não funcionaramcomo espelhos planos e sem defeitos, os únicos que podemrefletir uma imagem fiel para aqueles que neles precisamse espelhar.

Em outras palavras: nossos pais e nossos familiares são osnossos espelhos que devolvem para nós, a imagem queconstruímos de nós mesmos, durante os anos de nossaformação.

Dessa forma, para o bem ou para o mal, nossa primeira i-dentidade será formada a partir dos feedbacks que tiver-mos recebido de nossos pais, nossos familiares ou de suasfiguras substitutivas.

Neste ponto, é de importância decisiva, para o ser humano,o fato de ter nascido numa família sadia ou numa família

disfuncional.Exemplificando: Se Joãozinho nasceu numa família bem es-truturada, com pai e mãe amorosos, compreensivos e in-centivadores, capazes de colocar limites com bom senso,sempre que for preciso; e de oferecer colo e conforto,quando isso se fizer necessário, Joãozinho tem todas aschances de se tornar um adulto saudável e emocionalmente

equilibrado.Todavia, se Joãozinho teve a infelicidade de nascer em umafamília desestruturada, na qual o pai bebe, a madrasta oespanca e, por qualquer coisa o ameaça com impropérios eacusações; com boa dose de possibilidade, Joãozinho car-regará pela vida afora o peso da culpa e da baixa auto-estima, causados pela sua família disfuncional.

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 11/61

11

Crescendo com as fases da vida

É bem verdade que, ao atingir a maturidade, Joãozinho po-derá compreender que tal fato não é absolutamente deter-minista e, com boa vontade, eventualmente aliada à ajudaterapêutica adequada e ao desejo de mudar; poderá tersuas feridas cicatrizadas e deixar de viver uma maldição,pois, a vida também nos proporciona, a todos, a oportuni-dade de sermos os construtores de nossa própria história eidentidade.

Isso porque, conforme já se encontra fartamente provado,o homem maduro possui dentro de si, sempre presente, omenino, o adolescente e o jovem que foi. Essa constituiuma realidade que não pode ser mudada, a não ser em ra-ríssimas exceções.

É bem verdade também que, a despeito de todo esse caosinfantil enfrentado por muitos filhos e filhas, a constituiçãopsíquica de cada indivíduo e a maneira como ele interagecom a realidade, poderá encaminhá-lo para a direção opos-ta.

Essa é a razão pela qual uma criança nascida em meio aotráfico de drogas e violência, na Favela da Rocinha, no Riode Janeiro, poderá vir a ser um bem sucedido médico ouengenheiro; enquanto uma menina rica, de classe médiaalta, moradora numa mansão, no bairro do Morumbi, emSão Paulo, poderá tornar-se uma ladra ou uma garota deprograma.

De qualquer forma, no entanto, seja a criança bem ou maleducada; nela estará sendo plantado o gérmen até certoponto determinante de todo o resto de sua existência.

Esse fato terá um peso altamente significativo sobre o mo-do pelo qual ela enxergará a religião ou a transcendência; epoderá fazer dela um agnóstico, um ateu ou um ser huma-

no com uma atitude respeitosa pelo sagrado, conforme te-remos oportunidade de ver adiante. 

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 12/61

12

Crescendo com as fases da vida

5. AS DUAS IDENTIFICAÇÕES

udo o que dissemos sobre a o período infantil, no ca-pítulo anterior, refere-se ao mundo da criança maisimediato; ou seja, a sua família e a forma como em

seu seio foi criada.

O que ela absorve e aproveita, nesse período, servirá comomatéria prima para a formação de sua identidade (impera-tivo pelo qual todo ser humano precisa passar) a fim de vi-ver de maneira autônoma ou, em outras palavras, autenti-car-se.

Essa é, então, a época que chamaremos de fase das pri-meiras identificações, na qual, como o próprio nome diz, a

criança se identifica  com valores (que podem ser bons oumaus) de seus pais ou substitutos, os quais serão introje-tados por ela.

Mais tarde, entretanto, a criança ainda deverá passar emseu desenvolvimento, pela fase das  segundas identifica-ções, que envolverá outras figuras importantes e seus valo-res, fora de seu universo familiar

Nesse caso, um professor querido, uma figura da TV, umherói de ficção, um rabino, um padre, um pastor protestan-te; ou até figuras arquetípicas, como Ghandi, Madre Terezade Calcutá, Martin Luther King ou o próprio Jesus Cristopoderão servir como modelos que serão introjetados, commaior probabilidade, por ocasião ou logo após a puberdade.

T

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 13/61

13

Crescendo com as fases da vida

Essa introjeção será especialmente providencial e assegura-rá um modelo positivo, caso as figuras parentais não te-nham sido modelos apropriados.

Nem é preciso pensar muito para se perceber que essas i-dentificações resultarão em cosmovisões individuais dife-rentes, até ao nível extremo do fanatismo. Mas nada garan-te que as coisas transcorram exatamente assim.

O importante é deixar claro que, quer tenha havido identifi-cações na primeira fase (introjeção dos pais ou figuras pa-rentais); quer tenha havido identificação na segunda fase

(figuras referenciais ou arquetípicas), um determinado sis-tema de valores, uma determinada ética e uma determina-da visão-de-mundo serão assumidos pelo sujeito que as in-trojetou, como sendo necessários à sua autenticação.

A questão identificatória, portanto, deve ser vista de umaforma responsável, pois ela é suficiente para explicar demodo plausível a diversidade de pensamentos, a quantida-

de de códigos de ética e a multiplicidade de alteridades, nomundo pluralista em que vivemos.

Pensamos que cabe fazer aqui uma pequena digressão.

Sabemos que a criança e todo o seu mundo infantil são re-gidos por aquilo que Freud denominou de  princípio de pra- zer .

Quantos de nós já não vimos, num passeio pelo shopping,uma mãe tentando acalmar, sentada em um banco, seu fi-lho que chora e bate os pés a seu lado, querendo, a todocusto, um sorvete.

De nada parecem adiantar os argumentos da mãe, dizendoque a criança não pode tomar o sorvete por causa de seuresfriado e de sua infecção de garganta.

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 14/61

14

Crescendo com as fases da vida

Às vezes, somente uma atitude drástica e pouco simpática(na visão infantil), impondo limites de uma forma mais efe-tiva, é que surtirá efeito.

A mãe poderá dizer, por exemplo: “Se você tomar o sorve-te, voltará a ficar com febre e terá de retornar ao prontosocorro para tomar outra injeção”. 

A visão mental da enfermeira aproximando-se, com a agu-lha na ponta da seringa, trará à mente da criança que, secontinuar insistindo, correrá sérios riscos de tomar outrainjeção (coisa que ela detesta). Então ela pára de chorar.

Isso acontece porque ela foi confrontada com outro princí-pio, conceituado por Freud: o princípio da realidade.

É por meio do princípio da realidade que todo adulto, assimcomo a criança, aprende que o prazer deve ser adiado parauma ocasião mais oportuna.

A vida é, portanto, uma sucessão de acontecimentos, nos

quais sempre estará intermediando as ações do sujeito pa-ra com o objeto ou para com o mundo externo, uma alter-nância entre o princípio de prazer  e o princípio da realidade.

Podemos, então, após essa digressão, voltar à nossa linhade raciocínio.

Dizíamos que a questão identificatória explica a diversidadede pensamentos e a quantidade de códigos de ética vigen-

tes no mundo plural em que vivemos.

Ora, cremos não estarmos incorrendo em equívoco, ao a-firmarmos que um indivíduo só pode autenticar-se, ao de-fender e lutar por alguma ideologia ou por alguma idéia emque creia firmemente.

Portanto, em alguma coisa que, não apenas dá sentido à

sua vida, como também lhe proporciona, além de muito es-

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 15/61

15

Crescendo com as fases da vida

forço,  prazer. Mesmo que seja um prazer intelectual, oumesmo um prazer místico.

Mas esse prazer somente será válido enquanto, no decorrer

da linha do tempo e dos enfrentamentos inerentes à vidahumana, puder suportar as adversidades impostas pelarealidade.

Em outras palavras, é preciso, para manter uma crença ouum ideal que se sustente no espírito do indivíduo, a pre-ponderância, pelo menos em alguns momentos, do  princí- pio de prazer  sobre as limitações impostas pelo princípio da

realidade.Concluímos, então, provisoriamente, que, em relação à se-gunda etapa, as identificações acontecem na vida de todosos seres humanos.

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 16/61

16

Crescendo com as fases da vida

6. AS PRIMEIRAS DECEPÇÕES

á, na vida de todo ser humano um relógio biológicoa ser cumprido. Ele tem início ainda no útero mater-no e somente terá seu término com a morte.

Citamos como alguns momentos importantes desse relógio:o nascimento, a primeira dentição, a segunda dentição, aprimeira e a segunda infância, a puberdade, etc.

Entretanto, paralelamente ao desenvolvimento biológico,ocorre também o desenvolvimento psicológico, que igual-mente passa por momentos extremamente importantes.

Não é o objetivo de nosso trabalho entrar em minúcias dodesenvolvimento psicossexual infantil, com suas diversasfases, pois isso seria assunto para outro livro.

Basta que deixemos claro o fato de que essas fases preci-sam ser corretamente atravessadas e vencidas para que oindivíduo cresça emocionalmente sadio.

Afora isso, aqui e ali, faremos menção de algumas dessasfases, se isso se fizer necessário para o entendimento doassunto em pauta.

Por ora, basta que entendamos que haverá um momentocronologicamente variável, de indivíduo para indivíduo, masque em geral ocorre após quatorze ou dezesseis anos deidade; no qual os valores aprendidos através das identifica-ções começarão a ser questionados.

É importante destacar que, nessa fase, já ocorreu a resolu-ção de uma inquietação psicológica, presente em todos os

meninos e meninas, que foi denominada por Freud, de

H

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 17/61

17

Crescendo com as fases da vida

Complexo de Édipo3 , o que se constituiu num aspecto cru-cial para a formação da identidade do adolescente.

Livre da problemática edipiana, o indivíduo jovem alça vôo

para ser ele mesmo, o que, na maior parte dos casos deveser visto como um período positivo, considerando-se a suanecessidade de auto-afirmação como ser autônomo perantea vida.

Ocorre, porém, que essa auto-afirmação coincide (pois temtudo a ver com ele) com um período de rebeldia e de con-testação dos valores até então aprendidos. É, por assim di-

zer, uma época de turbulência e de revisão de tudo o quefoi incorporado nos períodos de identificação, que passa poruma avaliação ou por um crivo da nascente personalidade.

Sabemos que essa fase conturbada logo passará e a turbu-lência terminará com um saldo positivo, pois, a maioria da-quilo que foi introjetado permanecerá, fazendo parte do có-digo moral e de ética do indivíduo.

Mas, nem por isso, essa fase será fácil e poderá ser atra-vessada sem certa dor psíquica, uma vez que algo da cre-dulidade e da inocência será perdido e, por conseguinte, al-guns valores e crenças serão revistos.

É por essa razão que chamamos a este período de fase das primeiras decepções. 

Essas decepções poderão ser ilustradas, com os relatos aseguir:

Júlio, um rapaz de cerca de 20 anos nascera de um romancefortuito entre sua mãe e um homem casado e não fora reco-nhecido como filho legítimo deste. Recebera pouco amor damãe que, durante toda a sua infância estivera ocupada emmanter o seu romance com seu pai. A princípio, identificou-secom seus meio-irmãos que, de certa forma, supriram a ausên-

 3 Época da vida em que a criança, inconscientemente, sente-se atraída pelo progenitor do sexo oposto esente o progenitor do mesmo sexo como rival.

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 18/61

18

Crescendo com as fases da vida

cia paterna. Mais tarde, a identificação foi feita com um pro-fessor do ginásio, a quem muito admirava e, em cuja matériaia muito bem, recebendo elogios e incentivos, por parte domesmo.

Embora fosse católico, nos anos de sua pré-adolescência con-verteu-se ao protestantismo e sentiu que, pela primeira vez navida, tinha verdadeiros irmãos, e um Pai amoroso e bom, como qual podia “falar” e no qual podia confiar. 

Na medida em que os anos foram passando, Júlio esmerou-seem ser um cristão exemplar, até que algo veio perturbar a suafé.

Ao dar início à leitura do Velho Testamento, encontrou as nar-rativas de um Deus irado e vingativo, cuja imagem não se co-adunava com o Jesus bom e misericordioso que havia conhe-cido.

Embora haja aqui implicações claras entre a imagem queconstruiu de Deus a partir da leitura bíblica e a imagem deseu próprio pai, que não o reconhecera como filho, o casodeixa evidente a primeira decepção que Júlio veio a ter com

a fé que aceitara.

Com o auxílio da psicoterapia, eventualmente Júlio conse-guiu harmonizar a figura de Deus com a figura de Cristo eprosseguiu em sua fé.

Isabel, uma jovem universitária de 22 anos, embora muitobonita e com olhos vivazes, revelou-se, em sua primeira ses-são, profundamente deprimida e desalentada em prosseguir

seu curso na área de Humanidades. Filha única de pais amoro-sos, Isabel, desde muito cedo, revelou-se possuidora de umcaráter pacífico, que se importava com as demais pessoas.

Admiradora de figuras pacifistas e possuidora de uma almamuito sensível, tinha, desde criança, uma admiração pela figu-ra de Ghandi, a quem sempre teve como herói.

Em seu segundo ano de faculdade, Isabel sofreu um choque,ao tomar ciência de que Ghandi tratava com muita rudeza, suaesposa e filhos.

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 19/61

19

Crescendo com as fases da vida

Como no caso de Júlio, Isabel vivenciou, na faculdade, umaprimeira decepção que abalou seu sistema de valores, res-paldado em sua índole, aprendida dos pais e de uma figuraarquetípica, posteriormente introjetada.

Ao término da terapia, Isabel saíra da depressão, e emborareconhecesse os seus méritos, não mais nutria pela figurade Ghandi, a admiração anterior.

Esses dois exemplos, ainda que resumidos, servem paramostrar-nos que as mudanças estão se processando. E queelas darão ensejo à estruturação de uma nova (e diferente

para cada indivíduo) visão-de-mundo.Esse é o assunto do qual nos ocuparemos, a seguir.

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 20/61

20

Crescendo com as fases da vida

7. ESTRUTURAÇÃO DA NOVAVISÃO-DE-MUNDO

destino do homem é caminhar sempre no sentidoda maturidade. É somente ela que poderá trazer-lhea sabedoria que lhe conferirá a tão almejada auten-

ticação, que não advém apenas dos bancos de escolas. Ad-vém muito mais da escola da vida.

Desse modo, pode-se dizer que nada na existência é poracaso. Tudo tem um sentido e leva a um fim: o crescimentodo ser humano.

Olhando-se por esse prisma, percebe-se que tanto os fatosda infância, que redundaram em identificações e introje-ções imediatas e posteriores; assim como as contestações

e pequenas “revoltas” que ocorrem posteriormente, possu-em, na verdade, um objetivo.

Esse objetivo nada mais é do que a formação da identidadee a emancipação do ser humano de seus traços infantis.

Isso, dito assim em algumas linhas pode até sugerir queestejamos falando de alguma coisa fácil de ser conseguida,uma mera etapa a ser cumprida.

Mas, na realidade, constitui uma verdadeira guerra, quecontém em si pelo menos duas grandes batalhas: a batalhado homem contra o menino e seus pensamentos infantisacerca do mundo; e a batalha contra si mesmo – a aceita-ção do próprio mundo negro de sua personalidade.

Na primeira batalha precisam ser eliminados todos aquelestraços do egoísmo e do narcisismo infantil, que faziam com

O

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 21/61

21

Crescendo com as fases da vida

que se tivesse a impressão de que o mundo girava ao redordo próprio umbigo.

Já na segunda, exige-se mais coragem: nela o jovem adul-

to terá de admitir suas incoerências e ambigüidades, o seudesamparo perante situações da vida que fogem a seu con-trole.

Terá também que enfrentar os seus próprios fantasmas,confrontar os seu medos e, dar-se conta de que por baixoda bela sala de estar de suas verdades aparentes residemos negros porões de sua alma (ou, a chamada sombra,

conceituada por Jung4

) com toda espécie de trastes e entu-lhos que sua mente consciente, até então não dera contade suportar.

É o momento de admitir as imperfeições, de se dar contade que juízos de valor geralmente encerram preconceitos,de perceber que, por detrás do que é privilegiado como e-ducado e intelectual, esconde-se uma forte e recalcada na-

tureza instintual.Essa guerra é, portanto, difícil; e não são poucos os queadoecem emocionalmente por não conseguirem vencê-la acontento.

Todavia, depois de passado todo esse vendaval, as irreali-dades começam a ser eliminadas, os porões da alma come-çam a ser ventilados, os preconceitos, à custa, vão sendo

postos por terra, a inflexibilidade herdada da adolescênciacomeça a ser revista e o ser humano passa a ter condições,então, de abrir-se para uma nova visão-de mundo.

É bem verdade que, nessa etapa, ele, com certeza é ainda jovem, em sua idade cronológica. Mas, passa a ter consci-ência das profundas mudanças que em si se operou.

4 JUNG, Carl Gustav, O eu e o inconsciente, 21ª Ed, Vozes, Petrópolis, RJ, 2008, pg. 113

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 22/61

22

Crescendo com as fases da vida

Está mais flexível, menos contestador e mais afável. Sabeque compreende melhor o mundo e por ele é compreendi-do. Poderia se dizer que tem um vislumbre de que seu sis-tema mental e psicológico amadureceu.

E, embora não se dê conta que, essa guerra ainda não foi abatalha final, adquire uma nova perspectiva. Melhor, maisestável, mais tolerante e, portanto, mais feliz. Isso enseja-rá um período de bem estar para com o mundo e para con-sigo mesmo.

Pensamos, então, que não será improdutiva aqui mais uma

pequena digressão.Ela servirá para nos mostrar que autenticar-se, no mundopós-moderno não mais comporta o racionalismo iluminista,que considerava a razão, como o único ente digno de confi-ança e os afetos e sentimentos dignos de desprezo.

Erich Fromm, ao referir-se aos filósofos iluministas, diz:

“Eles não viram, conforme Spinoza vira, que afetos, como o pensamento, podem ser tanto racionais quanto irracionais, eque o pleno desenvolvimento do homem requer a evoluçãode ambos, pensamento e sentimento. Não viram que, se o pensamento do homem for dissociado de seu sentimento,tanto o pensamento como o sentimento ficarão deturpados,e que a visão de homem, baseada na admissão de tal disso-ciação também será deturpada” 5  

Esse é um trecho em que Fromm fala da convicção deFreud em manter em seus estudos e pesquisas uma atitudeestritamente racional, estribada no método científico (nessetempo, o pai da psicanálise era ainda muito jovem, emboratal posição não mudasse no decurso de toda a sua vida).

Hoje, no entanto, tal concepção de mundo não é mais acei-ta, uma vez que enxerga o indivíduo como um ser uno, noqual razão e emoções não podem ser vistas dicotomica- 5 FROMM, Erich, A missão de Freud, Zahar Editores, Rio de Janeiro, RJ, 5ª Ed, pg. 16, 1969.

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 23/61

23

Crescendo com as fases da vida

mente, assim como mente e corpo possuem a mesma uni-cidade –  pressupostos que estamos levando em conta naconfecção do presente trabalho.

O que só corrobora a conclusão de que a elaboração de no-vas cosmovisões e o amadurecimento da nascente identi-dade autônoma de que tratamos neste capítulo, constituemum empreendimento de extrema coragem.

Veremos, no próximo capítulo, alguns aspectos característi-cos da vivência desse período da existência humana.

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 24/61

24

Crescendo com as fases da vida

8. A VIVÊNCIA DE ACORDO COM OSPRINCÍPIOS ADOTADOS

mbora haja sempre exceções, o ser humano cumpreneste mundo a sua função natural, pré-determinadapela natureza, que, em última instância, é contribuir

com a sua parcela de responsabilidade para a perpetuaçãoda espécie.

Tal missão poderia ser exatamente como acontece com osdemais animais sexuados, se o homem não fosse um sercivilizado.  A civilização tem suas vantagens, mas tambémpossui preços a serem pagos.

Um desses preços é o ter de cumprir com o script impostopela sociedade, e que, na verdade engloba em sua preten-

são, as formas, os limites e as expectativas das identifica-ções e introjeções que moldam a identidade de cada indiví-duo, conforme temos visto até aqui.

Em outras palavras: embora cada criança, para tornar-seum adulto independente, precise crescer biológica e psico-logicamente; tal crescimento só se dará no contexto dogrupo social maior, que estará sendo levado em conta o

tempo todo, para a estruturação das regras e dos princípiospor ela adotados em sua nova concepção de mundo.

Assim é que, em linhas gerais, em nossa sociedade ociden-tal, o jovem deve estudar e fazer a escolha de sua profis-são; estruturar-se profissionalmente, estabelecer-se finan-ceiramente, para, só então, começar a pensar em casa-mento.

E

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 25/61

25

Crescendo com as fases da vida

É dentro do casamento monogâmico onde deve ocorrer, i-dealisticamente falando, a sexualidade e a geração de fi-lhos, que passam a ser educados no contexto da família.

Essa fórmula - devemos destacar - tem sofrido profundasmodificações nos últimos anos, uma vez que o conceito defamília atual pode ter uma imensa gama de significações,até ao ponto de cônjuges divorciados e com filhos, casa-rem-se novamente e, em pouco tempo, referirem-se à pro-le como: os meus, os seus e os nossos.

Por outro lado, todos sabem das mazelas que se apresen-

tam como verdadeiras patologias sociais e que, a cada dia,nos fazem descrer mais e mais desse desenvolvimento ide-al de que temos falado.

A mídia apresenta-nos, diariamente, o retrato nu e cru deum mundo no qual o próprio processo civilizatório corroeu-se, em suas bases.

O fantasma da pedofilia, a utilização de mão de obra escra-

va, o tráfico de drogas, a prostituição infantil, o processo defavelização das grandes cidades, a corrupção que atingetodas as esferas do poder e a ausência dos antigos valorestranscendentes são apenas alguns exemplos dessa corro-são.

Todavia, a despeito disso tudo, o mundo segue o seu cursoe essa é a razão pela qual, os seres humanos ainda lúcidos

vivenciam suas vidas, de acordo com os princípios introje-tados, que tem sido e continuarão sendo o objeto de nossareflexão neste trabalho.

No próximo capítulo veremos como a maturação continua ecomo, como as águas da ressaca, acabam desaguando noprocesso da chamada segunda adolescência.

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 26/61

26

Crescendo com as fases da vida

9. A SEGUNDA ADOLESCÊNCIA:PROVÁVEIS NOVAS DECEPÇÕES

emos tratado, até aqui, do processo de maturaçãobiopsicológico por que passa o ser humano, desde oseu nascimento até a adolescência; e daí até a tor-

nar-se um adulto jovem.

Por essa ocasião, ele já terá passado pela primeira e se-gunda identificações e vivenciado o lapso de tempo que i-maginamos como sendo uma espécie de período de latên-cia6 ao contrário.

Estamos nos referindo, portanto, a uma longa e produtivaépoca da vida, na qual acontecem profundas mudanças noindivíduo.

Nela, ocorrem as conquistas e realizações, antes, apenassonhadas. Por esse tempo, provavelmente, ele já estarácasado e terá vivenciado plenamente sua sexualidade.

Com certeza, terá experimentado também a paternidade oua maternidade; estará realizado profissional e socialmente;terá atingido metas e objetivos traçados anteriormente,como a aquisição da casa própria, a realização “da viagem

dos sonhos” e, não raramente, o acúmulo de considerávelsoma de dinheiro7.

Como se percebe, falamos da fase que coincide com aquelaque é vista e vivida como a mais feliz para grande partedas pessoas, nascidas em países do mundo ocidental.

6 Época do desenvolvimento psicossexual estudado por Freud durante o qual a criança, geralmenteentre os 6 e 11 anos de idade, deixa de sentir desejo inconsciente pelo genitor de sexo oposto, nutrindo

por ele apenas afetos de amor e de ternura.7 Evidentemente, aqui, estamos nos referindo a um indivíduo em situação, de certa forma, privilegiada;ou por já possuir bens de raiz, ou por ter sido bem sucedido, nas situações adversas da vida.

T

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 27/61

27

Crescendo com as fases da vida

É claro que, nem sempre isso é assim, mas, em geral, essaquadra da existência humana é tida como um período debonança e de desfrute daquilo que se conseguiu amealhar,ao longo do período de vida já vivido, ao mesmo tempo emque novos planos e objetivos continuam a ser feitos.

Mas, como veremos, nem tudo são flores nesse tempo,uma vez que a conquista dos valores visíveis que podemser vistos e ostentados, como que cega o ser humano paraos valores mais altos que, embora não tangíveis, são osque enriquecem o espírito.

Por isso dizemos que até a metade da vida, o ser humanoacumula bens que nutrem o corpo, envaidecem o ego, masdeixam faminta e sedenta a alma que, desnutrida, se atro-fia, perdida dentro de si mesma.

E, uma vez que valores transcendentais há muito deixaramde ser de  “bom tom” no mundo pós-moderno, o homemque nele vive, mesmo sendo cedo bem-sucedido na vida,

logo terá de enfrentar percalços e dificuldades que vêm tra-zer turbulência à sua aparente paz.

Inicia-se, por assim dizer, segunda adolescência.

Essa é uma época que faz-nos refletir no fato de que somostodos novatos na vida. Ela constitui uma viagem que nuncafizemos antes e, portanto, desconhecemos os caminhos eignoramos cada curva da estrada.

Em cada guinada que damos, somos surpreendidos por di-lemas e questões sobre os quais nunca havíamos pensadoantes, ainda que tenhamos a intuição verdadeira de que osnossos ancestrais, sem dúvida, já os vivenciaram, com so-luções bem diferentes das nossas.

Além disso, quando vivemos a nossa primeira adolescência,

tínhamos o respaldo de mentores e da escola. Mas, na épo-

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 28/61

28

Crescendo com as fases da vida

ca da segunda adolescência, chegamos a ela neófitos ecompletamente despreparados.

É sozinho que o ser humano se dá conta de que o tempo

passou, os filhos cresceram, a aparência mudou e o outonoda vida chegou.

O espelho mostra um rosto começando a vincar, uma cabe-ça já um tanto calva ou, na melhor das hipóteses, os cabe-los grisalhos avançando.

Em alguns casos, o cardiologista passa a ser solicitado; avisita ao urologista ou ao ginecologista passa a ser obriga-tória e o homem ou a mulher começam a sentir saudadesde seu tempo de criança.

Novos sentimentos e novas sensações passam a fazer parteda vida: estresse, insônia, fobias, lapsos de memórias sãopreocupações novas, em meio ao corolário de outras tantas–  que trazem consigo um impreciso e confuso sentimentode desamparo.

De repente, perde-se um amigo querido que parecia ter avida toda pela frente. Não foi doença, não foi acidente, foisimplesmente a morte. Dá-se conta, então, de que a vidanão é resistente como um diamante, e sim frágil como asasas de uma borboleta.

É quando o homem, até então imponente, percebe que o

carro de luxo na garagem e a conta bancária avantajadaquase nada significam diante do ocaso da vida, não obstan-te ele poder estar distante, ainda.

O homem, por vezes, não percebe; mas a verdade é queele está vivenciando a segunda adolescência e é preciso tercoragem para vencer mais esse período conturbado da e-xistência neste planeta.

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 29/61

29

Crescendo com as fases da vida

10. CAUSAS E EFEITOS DA SEGUNDAADOLESCÊNCIA

leitor há de lembrar-se dos períodos de turbulênciade sua primeira adolescência, aquela época em quenão se deseja ser mais criança, mas que ainda não

se consegue ser um adulto.

Houve mudanças físicas, um significativo aumento do sis-tema músculo-esquelético. Mas, sobretudo, houve um fe-nomenal incremento hormonal (testosterona, nos meninos;progesterona e estrogênio, nas meninas) que, além dastransformações físicas, trouxe consigo outras, não menosimportantes, de caráter emocional.

A conseqüência foi uma mudança radical no rumo dos inte-

resses e nas fugazes mutações das ideologias e das formasde se enxergar o mundo, nas quais não faltaram extremis-mos que beiravam o fanatismo.

Pois bem, esse inesquecível e turbulento período da vidahumana é exatamente o protótipo de sua segunda adoles-cência que ocorre, mais ou menos, entre os 40 e 50 anosde idade.

Com a diferença de que, aqui, o que determina as mudan-ças é, não o incremento; e sim o decréscimo da produçãohormonal.

O homem começa a perceber que sua libido parece já nãoser a mesma; o mesmo acontecendo com a mulher. A na-tureza já cumpriu a parte mais importante de sua missão eagora retira o pé do acelerador.

O

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 30/61

30

Crescendo com as fases da vida

Eventualmente, a depressão pode avizinhar-se. No homem,por algum grau de disfunção erétil. Na mulher, pela entradano climatério e, posteriormente, na menopausa.

Embora os dois exemplos do parágrafo anterior já nãoconstituam mais um fantasma, eles continuam a assustar,mesmo que as preocupações que despertam sejam mais deordem emocional do que físicas.

Todavia, ainda que assim fosse, existem fármacos muitoeficazes para o tratamento da disfunção erétil, para o ho-mem; e uma eficiente reposição hormonal para as mulhe-

res.Acontece que problemas de outra ordem começam a pipo-car. E eles não apenas parecem ser como, de fato, sãomais importantes do que aqueles que têm a ver apenascom a saúde física, com o sucesso no trabalho, ou com aeventual conquista de fama.

O homem, na metade da existência e, de repente, se dá

conta de que está sofrendo de alguma coisa que lhe parece,por vezes, muito difícil de ser identificada. O que ele sabese resume apenas no que sente.

E o que ele sente é descrito, freqüentemente, com umasensação de vazio, uma espécie de solidão e uma perda designificação.

Ele olha para si mesmo e fica-lhe ainda mais difícil percebera razão dessa crise que está vivendo. Não é raro que cons-tate ter conseguido atingir todos os objetivos com os quaissonhara nos tempos de sua juventude.

Obteve sucesso na carreira, galgou todos os postos que de-sejava, foi exitoso e ganhou muito dinheiro. Não se vê, demodo algum, como um derrotado. Mas não pode evitar a

pergunta que, em geral, é traduzida por estas palavras:“De que vale tudo isso?”  

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 31/61

31

Crescendo com as fases da vida

Aos poucos, não sem sofrimento, vai aflorando à sua cons-ciência alguns pensamentos ainda tênues, mas que, com opassar do tempo vão assumindo contornos mais nítidos atéque; enfim, se for bem sucedido em sua sondagem interior,percebe que o que sente provém de, pelo menos três áreasde sua existência.

A primeira delas desperta-o para a realidade de que temsubordinado a sua vida às sucessivas demandas de funçõesexercidas. Dá-se conta de que não foi percebido como umhomem, mas como: um assistente de projetos, um proje-tista sênior, um gerente de projetos e um diretor .

Isso, agora, o assusta, pois lhe parece muito insignificanteter a própria essência do estar vivendo, reduzida a umamera funcionalidade, própria do mundo do trabalho e dosnegócios. Percebe-se, então, com o sentimento incomumde não ter identificado as dimensões que a vida comporta.

Sua sensação poderia ser comparada à de um homem que,

ao analisar um mapa cartográfico, percebeu e dimensionouapenas como uma ilha, toda a imensidão representada porum continente.

A segunda refere-se a sua perda do senso de ser , na medi-da em que se percebe como sendo apenas mais um  namassa amorfa e coletivista de nossa cultura.

Dá-se conta de que sua vida foi moldada por modelos pré-

estabelecidos e de que sacrificou o que é verdadeiramentegenuíno, em detrimento daquilo que era tido como politi-camente correto ou que, de alguma maneira, valorizava-omais diante das outras pessoas.

Foi apenas mais uma vítima, levada de roldão pelo confor-mismo generalizado, vigente em nossa sociedade.

Tem, assim, a sensação de haver traído a si mesmo exata-mente no que lhe era mais legítimo e mais ansiado por sua

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 32/61

32

Crescendo com as fases da vida

essência para a autenticação de seu ser como pessoa designificado e significação, perante a própria existência.

E, finalmente, em terceiro lugar, dá-se conta de que di-

mensionou demais a sua racionalidade na conquista deseus objetivos, negligenciando quase que totalmente ascoisas da alma, que agora, percebe faminta.

Relembra toda a energia que gastou e todo e tempo quedespendeu com o objetivo de ganhar dinheiro. Percebe queinvestiu pouca coisa ou quase nada no enriquecimento desua alma e na elevação de seu espírito.

Pode contar nos dedos das mãos quantas vezes se permitiuassistir a um concerto musical, a uma peça de teatro, auma representação lírica ou a um culto religioso.

A mesma coisa se pode dizer sobre suas leituras que, du-rante décadas, foram apenas de ordem técnica e acadêmi-ca. Quando foi a última vez que passou um fim de semanaou um dia sequer de suas férias anuais, mergulhado e ab-

sorto na leitura de um bom livro de ficção?

É, mais uma vez, obrigado a constatar a sua falta de cuida-do para com o seu próprio ser. Reconhece que, em ques-tões literárias, filosóficas e existenciais não passa de umanalfabeto, pois aquilo que até agora lhe parecia apenas “perfumaria” ou pura perda de tempo, faz-lhe enorme faltapara nutrir a sua alma.

De repente, na metade da existência, dá-se conta dessesestranhos questionamentos que afloram à sua consciência eque o intrigam e o assustam.

Faz a constatação de que a tudo aquilo que até agora viveupode não ter sido o ideal. Novamente, arrepia-se em pen-sar que gastou anos e anos de sua vida indo e vindo para o

trabalho, cumprindo as mesmas enfadonhas funções e par-ticipando das mesmas infindáveis reuniões.

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 33/61

33

Crescendo com as fases da vida

Tem a estranha sensação de que os filhos cresceram e elenem percebeu. Sente culpa e é tomado por um sentimentode insegurança e de um estranho desamparo.

Percebe que o que está fazendo, afinal, é um importantebalanço da vida. Percorre novamente, com a mente, a es-trada da existência que já percorreu, começa a se pergun-tar se é um fracassado ou um vencedor.

E, num ímpeto de realismo, imagina com mais seriedade amorte e a fragilidade da existência. Faz uma projeção for-çada de quanto tempo de vida ainda lhe resta neste plane-

ta.Inseguro e incerto como o menino adolescente que já foiuma vez; certamente sofrendo, começa então a vislumbrara sua vida sob outras perspectivas e o mundo sob novasóticas.

Chegou, afinal, a seu momento maior de crise existencial.

Não sairá dele da mesma forma. Ou seguirá o mesmo ca-minho, muito mais amadurecido; ou dará uma guinada decento e oitenta graus, mudando radicalmente.

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 34/61

34

Crescendo com as fases da vida

11. O DESPERTAR PARA UMANOVA VIDA

amos início a este capítulo, contando uma estóriaque, há muitos anos, lemos em um velho livro:

“Dizem que um famoso pintor, ao chegar certa manhã emseu local de trabalho que ficava no segundo andar de um velhosobrado; ao abrir as janelas de seu atelier, surpreendeu-se coma figura de um pobre mendigo que, sujo e cercado de moscas,dormia sobre a calçada, do lado oposto da rua.

O pintor imediatamente teve uma inspiração: tomou rápido dos pincéis e das tintas e, com traços precisos, começou a retratarnuma tela, o mendigo.

Demorou-se, deliciado, na confecção de sua obra. Mas, subita-mente, ocorreu-lhe uma idéia, que passou imediatamente a pôr

em prática.Esticou, no retrato, o rosto do pobre homem, colocou-lhe na bo-ca um leve sorriso, transformou os seus olhos fundos e abatidosem outros, brilhantes e vivazes, dando-lhe, no conjunto, umaaparência bonita e jovial.

Satisfeito com a sua obra, ocorreu-lhe mostrá-la ao mendigo, aquem logo mandou chamar, para ver-lhe a reação.

- Reconhece este homem? – perguntou o pintor ao mendigo, co-locado diante de seu próprio retrato.

 Após observar a pintura por longos momentos, percebendo nelaalgo de si, de repente o homem esboçou um sorriso e murmu-rou, ainda perplexo:

- Poderia ser eu?...Sou...eu?

- Sim –  respondeu-lhe enfaticamente o pintor –  este homem é

você mesmo!

D

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 35/61

35

Crescendo com as fases da vida

Depois de respirar profundamente, o mendigo aprumou o corpo,endireitou as pernas, levantou os ombros e disse ao pintor, numlargo sorriso:

- Se este é o homem que o senhor vê em mim, este é o homemque, de hoje em diante, serei!”  

Pois bem, prezado leitor, embora sejam muitas as trans-formações que podem ocorrer na “segunda adolescência dohomem”, a mudança retratada na estória acima simbolizamuito bem a intensidade desse fenômeno, característico doser humano.

No caso ilustrado, houve uma mudança (ou, no mínimo,uma pretensão de mudança)  para melhor no ser humanoretratado. Essa, como dissemos, é uma das possibilidades dentre as duas que podem ocorrer com alguém que estejasaindo da segunda adolescência.

A outra é radicalmente oposta: Após esse período de turbu-lência, o indivíduo (homem ou mulher) como que percebe 

que não viveu como gostaria. Nesse caso, é possível quetome atitudes drásticas para corrigir o que entendeu ter si-do o equívoco de sua vida:

Pode, por exemplo, pedir demissão do emprego, lançar-secom ardor numa nova profissão em que se sinta desafiado(a), divorciar-se, permitir-se apaixonar novamente, contrairnovas núpcias e mudar completamente o seu estilo de vida.

Qualquer seja a escolha que venha a fazer, ela trará conse-qüências que se refletirão diretamente na vida que tinhaanteriormente. Sejam elas consideradas positivas ou nega-tivas, serão enfrentadas corajosamente, pois o homem ou amulher, neste período de sua vida, julga nada mais ter aprotelar.

E, embora o tempo tenha passado, não é por acaso que o

nome escolhida para designar esta fase seja segunda ado-lescência, pois esse tempo será vivido com o mesmo ardor

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 36/61

36

Crescendo com as fases da vida

e a mesma paixão, que caracterizaram a sua primeira ado-lescência.

Para o bem ou para o mal, tem início aqui, o principal perí-

odo de mudanças demandado para a autenticação do serhumano.

Na seqüência deste trabalho, veremos um pouco mais deta-lhadamente aspectos dessa “segunda natureza”, vivenciadapelo indivíduo, no curso de sua existência.

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 37/61

37

Crescendo com as fases da vida

12. A SEGUNDA ADOLESCÊNCIA – DUAS POSSIBILIDADES EM

PERSPECTIVA

emos nos esforçado até aqui em mostrar, ainda que,em rápidas pinceladas, todo o processo que chama-mos de maturação, o qual o ser humano precisará vi-

ver, a fim de conseguir emancipar-se e cumprir o seu papel

de pessoa realizada, em sua passagem por este planeta.Nessa caminhada, acabamos por perceber que a vida, aindaque perigosa, é plena de possibilidades, mas que existemcritérios e exigências para que o indivíduo se torne capazde realizar suas mais íntimas potencialidades.

Entre o ostracismo e o reconhecimento; entre a depressãoe a realização, entre a inércia e o estar em movimento e,

afinal, entre o sentimento de estar perdido e a autenticaçãosempre existe uma ponte e, para atravessá-la, apenas umacondição é requerida de quem quer aventurar-se a ser felize autenticar-se na vida. Essa condição chama-se CORA-GEM.

Que ninguém, nesse rito de passagem, se engane. É preci-so ter coragem para dar um salto do escuro na aventura de

uma nova vida totalmente diferente, sob novos paradig-mas.

Mas é preciso ter coragem também para fazer apenas umatransição leve de acomodação e assentamento na vida, a-gora vista sob nova perspectiva

Ambas as possibilidades são possíveis, ambas são passíveisde serem escolhidas como a nova estrada, ambas são váli-

T

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 38/61

38

Crescendo com as fases da vida

das para o encontro da realização e da felicidade humanase ambas precisam superar o medo e a estagnação.

Os que resistem a fazer essa transição não discerniram que

ela é uma imposição ditada pelo relógio biopsicológico davida, assim como a adolescência, a menarca e o apareci-mento dos dentes do siso.

Em outras palavras: chegar, vivenciar e atravessar a se-gunda adolescência é algo que, por estranho que possa pa-recer, é natural ; e constitui mais uma das inúmeras contin-gências humanas que mexem com o corpo e com a alma de

quem a esteja vivenciando.Nesse rito de  passagem, como a ela temos nos referido,tudo pode ser visto como “permitido”, ainda que precisemser respeitados a dignidade e os princípios éticos que te-nham a ver com o bem estar das pessoas que dela indire-tamente participarão.

De outra forma, por mais feliz e realizada que a pessoa

possa passar a se sentir, cedo ou tarde sua consciência lhecobrará um alto preço, por negligenciar aqueles que sem-pre lhes foram caros.

Ditas essas coisas, podemos nos aprofundar um pouco maisno lado prático dessa fase existencial, que alguns chamamde a idade do (a) lobo (a), talvez pelo valor simbólico queesse animal tem no imaginário popular8.

A evocação da imagem do homem lobo  e da mulher loba logo desperta em nós a lembrança de alguma pessoa queesteja atravessando a fase dos 40 anos que; de pacato paide família ou de acomodada dona de casa, de repente pas-sa como que por um furacão, que geralmente tem início porreais ou imaginárias insatisfações dentro do casamento.

8  Para Jung, a simbologia de animais nos contos sugere a natureza instintiva e primitiva do ser humano.

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 39/61

39

Crescendo com as fases da vida

O estereótipo que construímos é o de um homem que, deuma hora para outra, passa a ser um Don Juan, ávido porfazer novas conquistas ou a de uma mulher que se tornacoquete e sedutora.

Acontece que essa imagem construída nem sempre é ape-nas um estereótipo, pois, como já deixamos claro antes, amudança radical é mesmo uma das duas possibilidades;mas as coisas não precisam ser exatamente como descritasno parágrafo anterior. Tornar claro esse ponto é uma dosprincipais objetivos da escrita deste trabalho.

Por isso, veremos, a seguir, cada uma das possibilidades,relembrando, antes de tudo, que a despeito da profundida-de das mudanças que a segunda adolescência pode provo-car, ele constitui como a primeira, apenas um  período que passa. A turbulência certamente terminará e chegará logo odia em que as coisas se assentarão outra vez.

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 40/61

40

Crescendo com as fases da vida

13. PRIMEIRA POSSIBILIDADE:PERÍODO DE MUDANÇAS RADICAIS

esejamos, nesta fase de nosso trabalho, fazer al-gumas considerações. Lembramos que, a priori,como nos referimos anteriormente, tratamos de um

período da vida que deve ser considerado natural , como amenarca ou o nascimento dos dentes do siso.

Por outro lado, não é possível desconsiderar que falamosaqui do homem, um ser condicionado pela civilização e su-as regras. Portanto, não se pode separar o social do que émeramente biológico.

É importante ressaltar esse detalhe, haja vista o ser huma-no possuir relógios existenciais diferentes para marcar o

seu tempo de aptidão para a reprodução  (logo após a pu-berdade); para o casamento  (no geral, entre os 20 e 30anos) e para a sua realização/autenticação  (entre os 40 e50 anos).

Acontece que o segundo tempo acima mencionado, o deaptidão para o casamento  leva em conta apenas aspectossociais (estudos concluídos, carreira escolhida, atividade la-

borativa condizente); mas não a aptidão emocional ou psi-cológica, dificilmente já atingida nessa época da vida.

É claro que existem as exceções e, graças a elas, algunscasamentos dão certo. Mas, no geral, o que se vê nesse pe-ríodo, é o florescimento do chamado amor romântico (al-tamente idealizado) e da paixão, que é um sentimento comprazo determinado para acabar.

D

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 41/61

41

Crescendo com as fases da vida

Quando um casal se enamora por essa época da vida; semdúvida cada um de seus componentes estará projetando nooutro todas as suas idealizações. Os planos sobre a vida fu-tura, os sonhos, os objetivos estarão, dessa forma, sendofeitos em bases equivocadas (distorcidos pela paixão e pe-las idealizações).

Pois é exatamente sobre essas bases que os noivos se ca-sam, tornam-se marido e mulher. Ainda é sobre elas quevem o primeiro, o segundo e, talvez, até o terceiro filho.

É claro que a vida real de trabalho, altamente competitiva,

aliada às responsabilidades dos novos papéis de esposo-paie esposa-mãe, irá colidir de frente com todas as idealiza-ções.

A impressão que cada um dos cônjuges tem é a de que ooutro “mudou muito”, mas a realidade não é bem essa. Arealidade percebida somente agora, quando a paixão já nãoé a mesma de antes, é que se pode enxergar o outro pela

primeira vez como realmente ele é; e não mais com o viésdas idealizações.

Claro que essa percepção não deixa de ser decepcionante,mas não suficiente ainda para romper o vínculo matrimoni-al. Afinal de contas, é comum ainda existirem sonhos de fe-licidade juntos, muito investimento emocional foi feito e,mais do que tudo isso, existe a preocupação com a educa-

ção dos filhos; fatos que validam a continuidade do inves-timento.

Mas a roda do tempo não pára. Os anos passam rapida-mente e quando o casal se dá conta, os filhos estão cresci-dos, possivelmente já na universidade; aproxima-se (se éque já não ocorreu) a comemoração das bodas de prata, oshormônios estão em fase de decréscimo, acumulam-se de-

cepções, a paixão apagou-se há muito –  fatos inequívocos

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 42/61

42

Crescendo com as fases da vida

como prenúncio de que a época de balanço da vida é che-gada.

Tanto o homem quanto a mulher chegam à conclusão de

que se casaram cedo demais, que a paixão desapareceu eque o amor não pôde virar companheirismo e que, portan-to, vivem apenas uma vida de hipocrisia, que não podecontinuar.

Um casal vivendo essa situação, depois de analisar os fa-tos; freqüentemente, decide não mais permanecer junto.Discute-se, então, a guarda dos filhos, a partilha de bens e

a separação, que posteriormente, será convertida em di-vórcio, o que, nesta altura da existência, é vista por muitoscomo uma guinada de 180 graus.

Aqui, embora ocorra um significativo período de luto, real-mente pode acontecer o que foi definido lá atrás como a i-dade do (a) lobo (a), que abrange uma fase de intensa pro-cura por um novo amor, por alguém que, de fato, venha

complementar a vida.Desta vez, contudo, se os ex-cônjuges aprenderam a “liçãode casa”, a escolha não será feita de forma fortuita, idealis-ta ou imatura.

É com muito cuidado, com precaução para não se machu-car, muito mais exigente, pisando o terreno firme da matu-ridade e consciente do que realmente busca que o homem

e a mulher poderão entrar numa segunda relação para avida, cuja solidez e comprometimento constituirão o solofirme para a auto-realização pessoal e, portanto, para a au-tenticação tão buscada na vida.

Embora uma solução como essa possa parecer drásticademais para a maioria de nós e a despeito dessa situaçãonem sempre ser resolvida dessa forma; as estatísticas de-

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 43/61

43

Crescendo com as fases da vida

monstram que a grande parte dos casamentos terminadesse modo e por essa época da vida.

De qualquer maneira; essa é mais uma contingência trazida

pela pós-modernidade e, a despeito de representar mais oumenos sofrimento, o fato é que o ser humano, homem oumulher, caminha a passos largos em busca de sua autenti-cação.

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 44/61

44

Crescendo com as fases da vida

14. A OUTRA POSSIBILIDADE: UMPERÍODO DE AJUSTES E

ACOMODAÇÕES

erminamos o capítulo anterior mencionando o períodopós-moderno que estamos atravessando e chegamosa falar dele, no início deste trabalho, como uma épo-

ca em que, na verdade, ocorre um choque de civilizações.Uma das conseqüências características de um tempo comoesse é a supervalorização do material , isto é, a busca porvalores financeiros, poder e prestígio, valores que podemser ostentados como símbolos de sucesso.

Mas, não raro, os anos da meia-idade levam também auma reflexão que pode redundar em algo completamente

diferente.

O homem ou a mulher sabe que trabalhou muito, correuatrás de conquistas profissionais e notoriedade. No entanto,a despeito de ter alcançado a maior parte de seus objeti-vos, percebe que, de repente, o seu entusiasmo desapare-ceu.

Depois de analisar todas essas questões e passar em revis-ta as suas realizações, parece haver um insight que podelevar à conclusão de que a vida tem de ser mais do que is-so.

Intuem-se, nessa análise, valores, sentimentos e atitudesque podem ser resumidos em apenas duas palavras: falta eomissão.

T

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 45/61

45

Crescendo com as fases da vida

Percebe-se a falta de amigos, de pequenos prazeres comoa leitura e um bom livro, de contato com a natureza e deconhecimento do próprio interior.

Por outro lado, conscientiza-se também da omissão come-tida junto ao cônjuge, aos filhos, à família de origem, aosvizinhos e às pessoas da comunidade.

Lembremos que falamos aqui também de pessoas que es-tão vivenciando o furacão causado pela meia-idade, comtodos os seus questionamentos, incoerências e ambigüida-des.

Como as do capítulo antecedente, também se casaram combase em idealizações, passaram pelas mesmas experiênciase, com certeza, tiveram, como não poderia deixar de ser,as suas decepções.

Mas para estas, a chegada da idade do (a) lobo (a) nãosignifica conflitos tão importantes que venham provocar al-go tão radical, como a ruptura do casamento.

Há conflitos contundentes, há perguntas que exigem res-postas, Há, enfim, a consciência de que alguma coisa estáerrada e precisa urgentemente ser mudada.

Não é raro a procura de um conselheiro, de uma pessoasábia ou de um psicoterapeuta. Os esforços são dedicados,no entanto, à reconstrução do que eventualmente se des-

construiu e ao soerguimento do que possa ter desmorona-do.

O homem sente a necessidade de tornar-se emocionalmen-te mais próximo de sua mulher e dos seus filhos. A mulher,geralmente, mais sensível, intui a mudança do marido, eprocura se conectar a ela, visto que é algo que no íntimo deseu ser, pode realmente desejar.

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 46/61

46

Crescendo com as fases da vida

Ocorre, então, uma metamorfose. Marido e mulher deixamde ser dois estranhos vivendo debaixo do mesmo teto. Co-meça a haver prazer e empatia entre eles e aquilo que eraconsiderado meramente de caráter doméstico deixa de seruma obrigação para ambos.

A vida comum passa a ser apreciada, começa a aconteceruma agradável troca de sentimentos, idéias, sonhos e asprioridades passam por uma reorganização total.

A alma dos cônjuges, como que ganha vida nova, os filhospassam a conviver com pais cheios de paixão e passam a

sentir que podem contar com eles em suas vitórias e fra-quezas, uma vez que se sentem agora parte de uma famíliareal.

Como se percebe também aqui, a segunda adolescência sefez presente, os alicerces da relação chegaram a ser sacu-didos pelo vendaval de sentimentos ambivalentes, mas nãochegaram a ser abalados, a ponto de se desmoronar.

Houve ajustes de ambos os lados, houve perdas e ganhosde ambas as partes, mas, sobretudo, houve uma acomoda-ção para melhor, como a terra que se acomoda, depois deum terremoto.

Embora por um caminho bem diverso, também aqui houvea autenticação  tão desejada e o resultado dela será, semdúvida, a continuidade de uma vida mais profícua, mais fe-

liz e mais realizada.

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 47/61

47

Crescendo com as fases da vida

15. A CHEGADA DO OUTONO DA VIDA

á apenas algumas décadas, quando sobrevinha amenopausa, as mulheres como que cumprindo umrito, sentiam-se aliviadas por não terem mais de se

preocupar com as desconfortáveis “regras”. 

Por outro lado, com certo saudosismo antecipado, inscrevi-am-se no rol das “velhas” e davam por encerrada sua vidasexual que, na verdade, em boa parte dos casos, nuncachegara a ser plena ou relativamente feliz.

Os homens, por sua vez, viam na aposentadoria o “passa-porte para a velhice” e, sem muito constrangimento troca-vam a atividade laborativa pela de vovô que cuida dos neti-nhos e que passa o tempo livre, jogando bocha com os a-migos.

O cessar a atividade sexual para eles também não causavamuito trauma uma vez que coincidia quase que certamente,com algum grau de perda da libido e de disfunção erétil.

Isso, todavia, deixou de ser assim, quando chegou a essaetapa da vida, a geração dos anos 1960, que protagonizoua chamada revolução sexual.

Uma feliz coincidência (?) fez com que essa mesma gera-ção, ao chegar à terceira idade, protagonizasse também oboom da reposição hormonal, da popularização das moder-nas técnicas cosmetológicas e do advento do Viagra.

Isso tudo, em conjunto com novas descobertas científicasem prol da melhoria da saúde e da qualidade de vida es-tendeu o período da juventude, a tal ponto de mudar para-digmas, por muito tempo, intocáveis.

H

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 48/61

48

Crescendo com as fases da vida

Um exemplo pode servir para clarificar essa significativaquestão, característica da pós-modernidade:

Recentemente, o psiquiatra Flávio Gikovate, ao atender

num programa de rádio9 a um ouvinte jovem, que relatavaa sua inquietação por estar namorando uma mulher cercade 20 anos mais velha do que ele, aconselhou-o de umaforma que até a alguns anos, nem seria admissível.

Disse-lhe o médico terapeuta que uma diferença desse tipodeixou de ser relevante em dias que mulheres de 40 ou 50anos, com os recursos médicos e da cosmetologia não ape-

nas são sexualmente ativas, mas também são esteticamen-te atraentes, nada deixando a desejar às jovens de 20 a-nos.

Assim é que o término da segunda adolescência, que cor-responde ao início da chamada terceira idade ou, como me-taforicamente nos referimos: o outono da  vida  deixou deser visto como a ante-sala da velhice, para se transformar

num período de realizações de muitos sonhos, no qual jun-tos estão unidas disponibilidade, juventude e experiênciade vida.

Livres das pesadas responsabilidades do trabalho, com osfilhos já criados e, em muitos casos, com uma relativa in-dependência financeira; não há dúvida de que essa é umaépoca muito propícia à vivência de sonhos há muito acalen-

tados, ao conhecimento de novas culturas e novos saberes,além do contínuo aprofundamento do próprio senso de rea-lização pessoal.

Paralelamente a tudo isso, o outono da vida pode tambémser um período de aprendizado de novas experiências, co-mo um novo curso universitário por puro prazer, o tocar uminstrumento musical apreciado, o cultivo da espiritualidade

9  Referimo-nos ao programa: No divã do Gikovate, transmitido pela Rádio CBN de São Paulo, 90.5 Kz.

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 49/61

49

Crescendo com as fases da vida

(que não deveria ser negligenciado em nenhum período davida humana) e o viver uma sexualidade renovada e reali-zadora.

Enfim, o outono da vida, longe de representar a acomoda-ção ou o conformismo com um modo de pensar a vida ul-trapassado, pode se transformar num período das mais al-tas realizações humanas, perpetradas não apenas em be-nefício do indivíduo, como em benefício das pessoas de seuuniverso próximo ou distante.

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 50/61

50

Crescendo com as fases da vida

16. A METADE DA VIDA: O QUE ELAPODE SIGNIFICAR?

leitor percebeu que fizemos uma caminhada por es-te pequeno livro, repassando cada uma das fasessignificativas da existência humana; abordando di-

lemas, evidenciando decepções; mas também identificandoo lado positivo e o crescimento produzido pelas vivências esuperações de cada uma das etapas que aqui têm sido pon-tuadas.

Ora, alguém que se propõe a escrever sobre qualquer as-sunto não pode fazer isso como se o ato de escrever fossealguma coisa de somenos importância.

De nossa parte, norteou-nos aqui o pensamento de Viktor

Frankl: “O menor serviço que o escritor pode prestar ao leitor deveriaser o despertar do senso de solidariedade... Se o escritor nãofor capaz de imunizar o leitor contra o desespero, deveria aomenos abster-se de inoculá-lo10.”  

De acordo com essa proposta, dispusemo-nos a fornecerum panorama do caminho que é percorrido pelo homem em

busca de sua superação, de sua maturidade, de sua eman-cipação. Ou, como reiteramos em diversos pontos, em bus-ca de sua autenticação. 

Ora, temos a convicção de que não é preciso que cada ho-mem ou que cada mulher atinja a meia idade para começara ser feliz.

10  FRANKL, Viktor E. Um sentido para a vida, 5ª Ed., Editora Santuário, pg. 83, Aparecida, SP.

O

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 51/61

51

Crescendo com as fases da vida

Ao contrário, cremos que a felicidade, embora não seja umcontinuum, pode e deve ser vivenciada em cada uma dasetapas que temos estudado como necessárias ao cresci-mento, no decorrer de toda a sua vida.

Nesse sentido, o que neste trabalho foi delineado, servirácomo um roteiro vivencial , não inventado por este autor,mas constatado nas experiências vivenciais de milhões deseres humanos, que habitaram e que habitam o planetaTerra.

Ora, temos a consciência de que, quanto mais o indivíduo

se mantém informado sobre aquilo que com ele aconteceem sua vida, no curso de sua existência, menor será a suapossibilidade em se tornar um alienado e maior será a suaprobabilidade de se desenvolver e ser feliz.

Nesse ponto, reconhecemos como positiva a nossa peque-na, mas bem intencionada contribuição.

Mas, a despeito de tudo o que já dissemos, o fato é que a

leitura levou-nos às conseqüências da segunda adolescên-cia; um período que, cronologicamente falando, correspon-de aproximadamente à metade da vida humana e a per-gunta que logicamente surge é: “O que ela pode significar?”  

Numa linguagem figurada, tratamos até agora, nesta obra,das etapas que correspondem à  primavera, ao  verão  e,como vimos no capítulo anterior, ao início do outono da vi-

da, afirmando que ele deixou de ser visto como a ante-salada velhice. É natural que perguntemos, então: Como viven-ciaremos o inverno de nossas vidas?

A pergunta é pertinente e traduz a nossa pequena ou gran-de angústia existencial, que representa, em parte, a cons-ciência que todos temos de nossa própria insignificância di-ante da magnitude da existência.

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 52/61

52

Crescendo com as fases da vida

O fato, contudo, é que, por modesta que seja a nossa vida,ela não precisa ser insignificante, pois, afinal os destinosdas empresas, das instituições, dos estados, das nações edo próprio planeta estão, em grande parte, nãos mãos dohomem.

E como o homem é quem escreve a sua própria história,em última instância ele é o ser responsável pelo tipo de his-tória que escreverá. Uma conclusão deveras desafiadora.

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 53/61

53

Crescendo com as fases da vida

17. A PASSAGEM DO OUTONO PARAO INVERNO DA VIDA

s metáforas são formas simbólicas muito eficazesque utilizamos para representar ou exemplificargrandes lições ou grandes verdades da vida a fim de

torná-las mais compreensíveis.

É claro que elas também poderiam ser utilizadas como eu-femismos, isto é, como um recurso para tornar mais amenaou mais palatável uma realidade aparentemente muito rudeou muito cruel.

Um exemplo de eufemismo que nos vem à memória é a-quele que constava de nosso livro de Português, no ginásio: “Não vou muito bem”   –  dizia o filósofo, em seu leito de

morte”. Preocupamo-nos em dar essas explicações com o objetivode deixar claro ao leitor que as metáforas que utilizamosneste trabalho não possuem conotações eufemísticas, mastêm a intenção apenas de correlacionar a vida humana coma natureza, representada pelas quatro estações do ano.

Assim, utilizamos a primavera, para designar a infância; o

verão, para designar a juventude; o outono, para designara meia-idade; e, finalmente, o inverno, para designar a ve-lhice.

Aliás, depois de termos lido o livro Desfiz 75 anos, de Ru-bem Alves, aprendemos com ele que o termo “idoso”, ape-sar de ser considerado politicamente correto, não é muitobem visto pelas pessoas de sua idade, que preferem que se

refiram a elas como velhas mesmo:

A

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 54/61

54

Crescendo com as fases da vida

“Idoso” é palavra de fila de banco e de supermercado; “velho”,

ao contrário, pertence ao universo da poesia. Já imaginaramse o Hemingway tivesse dado a seu livro clássico o nome de O

idoso e o mar ? Já imaginaram um casal de cabelos brancos,

o marido chamando a mulher de “minha idosa querida”?” 11

 Isto posto, podemos retomar nosso raciocínio e dizer quepodemos, para efeito de referência, apenas, tomar a épocada vida ao redor de 65 anos de idade para dizer que essepode ser considerado o período em que o ser humano estásaindo do outono existencial e começando a entrar no  in-verno de sua vida – um período que pode se tão bom como

qualquer outro anterior.Se for positiva e criativamente vivido, pode certamente ul-trapassar os 85 ou 90 anos, tendo a morte como uma pers-pectiva boa de quem soube viver bem a vida, ao invés deum inimigo indesejável, que comete uma apropriação indé-bita (o que, de fato, pode ser visto assim por alguém quenão soube priorizar os valores de sua existência).

Essa é uma das razões pelas quais dissemos que por maismodesta que seja a vida de alguém, ela não precisa ser in-significante, uma vez que as dimensões de significância oufalta dela serão traçadas pelo próprio indivíduo que vive.

Mas, algumas observações podem ser sugeridas às pessoasque se encontram no inverno da vida, no período que, semeufemismos, é chamado em nossa sociedade como velhice:

1. Não se deixar influenciar pelo marketing da mídia

- todos sabem que o objetivo do marketing é criar ima-gens, com o objetivo de “vender” um determinado prod u-to. Assim, o marketing da mídia acaba criando uma idéianegativa da velhice, de duas maneiras:

Em primeiro lugar, colocando, na maioria de suas campa-nhas publicitárias, pessoas jovens. Dessa forma, desde as

11  ALVES, Rubem. Desfiz 75 anos, Campinas, São Paulo, Papirus, 2009, pg. 52

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 55/61

55

Crescendo com as fases da vida

 propagandas de chocolates e bebidas até aquelas que, arigor, na prática, necessariamente, deveriam envolvem pessoas da terceira idade, como as relacionadas ao Diadas Mães, por exemplo, utilizam a juventude (mães ainda jovens, no caso) para associá-la ao produto a ser vendido.

Deixar de se importar com essas campanhas idealizadasconstitui, portanto, uma decisão determinante, para nãose sentir excluído da sociedade.

2. Manter-se Ativo Sempre Que Possível – essa é umarecomendação que todos os dias é feita, mas todos os dias

é também negligenciada. Uma máxima da chamada evolu-ção darwiniana é: “Tudo o que não se usa se atrofia”. Ela

deveria ser levada á sério, principalmente pelas pessoasna época da velhice.

É importante, sobretudo, além das atividades físicas alta-mente recomendadas, como as caminhadas, por exemplo,manter o interesse por atividades culturais, como ler, es-

crever, freqüentar o cinema e o teatro; familiarizar-secom o computador e com todo o universo que, através daInternet, ele pode oferecer.

3. Cuidar da Saúde Como Prioridade – é quase folclóri-ca, entre nós, a conhecida “rabugice” representada pelos

velhos que se recusam ir ao médico. É como que se, nessaidade, o indivíduo assumisse um sentimento de onipotên-

cia, como o único conhecedor de suas condições de saúdee de seus limites.

Ou, por outro lado, convencesse a si mesmo de que “ir ao

médico nessa idade já não vale mais a pena”, colocando-se a si mesmo, como “carta fora do baralho”. 

Nada mais enganoso. Como sabemos, alguns fatores me-tabólicos como o aumento das taxas de colesterol, dos tri-

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 56/61

56

Crescendo com as fases da vida

glicérides e a alta incidência do diabetes são fatores pró- prios dessa época da vida.

Portanto, o controle desses fatores, através de visitas re-

gulares ao médico e a realização periódica de exames écondição fundamental para se obter qualidade de vida.

4. Manter-se sempre antenado com os mais jovens – aqui está um dos grandes segredos para o clube da tercei-ra idade: nutrir e conservar amizades jovens.

Não é verdade que os jovens não apreciam a companhiados velhos. O que eles não gostam é de suportar velhosrabugentos.

Mas afeiçoam-se sinceramente a todo velho que aprende afalar a língua deles e que, sem implicâncias nem censuras, procura partilhar de seus interesses.

Pessoalmente, conhecemos velhos na casa dos 90 anos,altamente respeitados pela turminha de adolescentes e jo-

vens com quem convivem, porque são jovens de espírito:torcem a favor ou contra o time deles, discutem os lancesdo “último j ogo”, criticam “aquele jogador perna-de- pau”,

comentam a arbitragem e os erros do técnico, reclamamdo “pênalti roubado”; e assim por diante. 

São velhos felizes, amorosos e amados, que vivem inten-samente o presente, ao invés de recitar diariamente a la-

dainha do passado ou deixar-se amedrontar pelo “fantas-ma do futuro”. 

Ao terminar essas considerações sobre o inverno da vida,gostaríamos de deixar claro que, nem de longe, deixamosde considerar as limitações próprias de quem já chegou aessa etapa da existência humana.

Sabemos que os músculos já não têm a mesma força, que

as articulações estão mais rígidas, que os ossos estão mais

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 57/61

57

Crescendo com as fases da vida

frágeis, que os órgãos dos sentidos já têm suas limitações.Reconhecemos também que o medo da perda da indepen-dência e de se tornar “um fardo” se fazem, mais do quenunca, presentes.

Entretanto, em meio a tudo isso, ter a consciência de queessas são contingências que fazem parte de todo ser hu-mano que teve o privilégio de chegar a essa idade e o culti-vo da alegria, que não tem idade para ser curtida e apro-veitada; aliada à confiança que pode muito bem advir davivência de uma espiritualidade não necessariamente religi-osa são fatores que certamente proporcionarão uma velhicebem aproveitada e feliz.

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 58/61

58

Crescendo com as fases da vida

18. EPÍLOGO

issemos, na introdução deste trabalho que a vidanão nos é entregue pronta, mas constitui um mapaem branco, no qual cada um de nós traçará os seus

próprios caminhos, o que devemos fazer com discernimen-to.

Procuramos deixar clara a idéia de que a vida é um proces-

so – portanto, com inúmeras etapas a serem, a seu tempo,vencidas; com suas respectivas barreiras a serem também,a seu tempo, transpostas.

A essa vontade de vencer cada etapa e a essa disposiçãode transpor cada barreira com consciência, que é prerroga-tiva do ser humano; e não de outros animais, chamamosde  processo de autenticação,  que nada mais é do que os

passos que o homem deve dar na vida para a conquista desi mesmo.

Agora, ao concluirmos nosso trabalho, desejamos tambémdeixar clara a noção de que, a nosso ver, esse processo deautenticação nada mais é do que um processo de auto-afirmação do ser.

Mas, um processo de auto-afirmação que compreende, paraa sua consecução, a superação de algo que existe, pelomenos em potência, no interior de cada pessoa, e que “tra-balha contra” essa realização pessoal, através da vida. 

Esse “algo que trabalha contra” certamente possui nomepreciso no âmbito da psicanálise de Freud ou da psicologiaprofunda de Jung. Todavia, o que menos nos interessou

aqui foi “dar nome aos bois”, posto que a nossa intenção foi

D

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 59/61

59

Crescendo com as fases da vida

tentar descrever e explicar o processo, acima de qualquercoisa.

Dizendo em outras palavras: a autenticação sobre a qual

estivemos falando até aqui significa a superação de todasas dificuldades que trabalham no sentido oposto à realiza-ção das potencialidades do indivíduo.

Ela certamente exigirá sempre um considerável incrementode esforço cognitivo e, por vezes, uma extraordinária de-manda de energia psíquica.

Mas, ao final, trará a recompensa traduzida pela inequívocasensação de quem realmente foi e está sendo feliz: a sen-sação de quem sabe que venceu e está vencendo as etapasda vida. E, que deu passos certos na conquista de si mes-mo.

Uma recompensa nada desprezível.

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 60/61

60

Crescendo com as fases da vida

19. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. ALVES, Rubem. Desfiz 75 anos, Campinas: Papirus,2009.

2. – Bíblia Sagrada, Nova Versão Internacional , São Paulo:Vida, 2007.

3. ELKINS, David N.  Além da religião.  São Paulo: Pensa-

mento, 2000.

4. FRANKL, Viktor E. Um sentido para a vida. Aparecida:Santuário, 1989.

5. FROMM, Erich. A missão de Freud . 2. ed. Rio de Janeiro:Zahar, 1969.

6. FILLOUX, Jean-Claude. O inconsciente. São Paulo: Mar-

tins Fontes, 1988.7. JUNG, Carl Gustav. Psicologia e religião. 6 ed. Petrópo-lis: Vozes, 1999.

8. JUNG, Carl Gustav. O eu e o inconsciente. 21 ed. Petró-polis: Vozes, 2008.

9. LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno. 3 ed. Rio de

Janeiro: José Olympio, 1990.10. DIAS DA SILVA, Marco Aurélio. Quem ama não adoece.São Paulo: Best Seller, 2002.

11. MAY, Rollo.  A coragem de criar . Rio de Janeiro: NovaFronteira, 1982.

12. MAY, Rollo.  A descoberta do ser . 4 ed. Rio de Janeiro:

Rocco, 2000.

8/20/2019 Antonio Ayres - Crescendo com as Fases da Vida.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/antonio-ayres-crescendo-com-as-fases-da-vidapdf 61/61

61

13. KAHN, Michael. Freud básico. 3 ed. Rio de Janeiro: Civi-lização Brasileira, 2007.

14. TILLICH, Paul. A coragem de ser . 5, ed. São Paulo: Paz

e Terra, 1992.

Todos os Direitos Reservados

Proibida a reprodução sem autorização por

escrito do autorCopyright©2010 de Antônio Ayres