An Anthropological Perspective on Contemporary India

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Resenha em formato de artigo do Livro

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RESENHASDAS, Veena. 1995. Critical Events: An Anthropological Perspective on Contemporary India.New Delhi: Oxford University Press. 230 pp.Virginia VecchioliMestranda, PPGAS-MN-UFRJAo longo de uma introduo, seis captulos e um eplogo, a antroploga indiana Veena Das apresenta-nos um olhar reflexivo sobre as relaes conflitantes entre o Estado e diversas comunidades polticas da ndia contempornea. Mediante a seleo de um conjunto heterogneo de "eventos crticos", como o desastre industrial de Bhopal, a Partio da ndia, a prtica do sacrifcio feminino entre os hindus e o apelo ao exerccio da violncia entre os militantes Sikh, a autora pretende mostrar e compreender algumas das categorias nativas que hoje so centrais na poltica indiana como as de "vtima", "memria", "tradio", "heri", "honra", "sacrifcio" e "pureza", no a partir de uma perspectiva abstrata e distante acerca das injustias do sistema, mas sim do sofrimento cotidiano das vtimas desses acontecimentos.

A seleo desse conjunto de eventos violentos no resultado, segundo a autora, de uma adeso a modismos tericos. Em vez disso, deriva de uma irrupo da prpria violncia no cotidiano da sociedade indiana, onde conjuntos de atores que levavam at ento uma vida annima surgem na esfe- ra pblica interpelando o Estado pelas conseqncias de um sofrimento percebido como "repentino" e "inexplicvel". Como momentos de "quebra do cotidiano", esses eventos permitem explicitar as transformaes ocorridas nas noes e nas prticas da poltica contempornea, quando as comunidades, ao se confrontarem com o Estado, se constituem como atores polticos; e quando o Estado, ao reconhecer essas comunidades como "vtimas", assume a responsabilidade de atuar "em favor" de seus interesses. Tais eventos revelam com clareza que esse encontro entre uma racionalidade burocrtica e os valores e as noes das comunidades no se realizar livre de conflitos.

O livro no constitui, portanto, uma superposio desconexa de casos e per- sonagens, pois lhe atravessa a preocupao de entender os conflitos que surgem desse encontro, junto com as implicaes tericas e polticas da prpria prtica das cincias sociais em cada uma das situaes analisadas. Porque a experincia da violncia no somente irrompe no cotidiano das vtimas, mas tambm nas prprias construes tericas que as disciplinas elaboram sobre o mundo social. Mtodos e noes tradicionais so necessariamente transformados. Afinal, em contextos nacionais perpassados pela violncia, como reproduzir a metodologia que a antropologia desenvolveu no estudo de sociedades de pequena escala? Como reconhecer as categorias da poltica que so significativas para milhes de pessoas? Como dar conta dos processos histricos que transformam essas categorias sem cair em iluses totalizantes?

Esses questionamentos se justificam no apenas por razes tericas, mas tambm polticas. Consciente da nova "vitimizao" que as teorias causais e monolticas da violncia produzem, a autora tenta construir um tipo de narrativa que permita "recuperar" as vozes das vtimas. na interseo entre os interesses em estudar a violncia e pensar a poltica em contextos nacionais que o conceito de "eventos crticos" adquire sentido como instrumento analtico que articula teoria, metodologia e produo textual.

Critical Events uma "etnografia experimental" de uma sociedade na-cional. Consciente da contribuio de muitos estudos para a produo ou a convalidao cientfica de esteretipos nacionais, Veena Das explicita quais so os processos de objetivao que engendraram as interpretaes da n- dia como "essencialmente" desigual, tradicional e fundamentalista. Para a autora, essas imagens no so simples "fices" narrativas, mas "fatos so-ciais" que intervm na esfera pblica. Tomar os antroplogos como "atores" e suas etnografias como "interpretaes nativas" parte do programa da autora para desnaturalizar o conhecimento antropolgico, mostrando sua afinidade com as suposies prprias do moderno Estado nacional.

A estratgia de recortar esses eventos a partir de seus embates pblicos permite integrar narrativa as mltiplas vozes que participam da poltica, de modo que a ndia no possa ser apresentada como uma entidade nica. O que esses eventos, simultaneamente, evocam a destruio do sentido de integridade do local e do sentido de homogeneidade do nacional. O carter "ficcional" do local como unidade auto-suficiente se evidencia uma vez que a totalidade das relaes sociais necessrias para entend-lo no se encontra no interior das comunidades. Com a experincia do terror, o mundo local transformado, e a percepo dos vnculos entre o local e o global passa a ser uma condio de inteligibilidade tanto para os sujeitos que sofrem tal violncia como para o antroplogo que pretende compreend-la.

O reconhecimento da natureza fragmentria da experincia da violncia tem conseqncias tericas e metodolgicas. Para Das, deve-se privilegiar a dimenso espacial uma vez que esses eventos crticos supem uma ruptura na continuidade temporal. O passado j no fornece os sentidos adequados para compreender a nova situao, e tanto atores quanto antroplogos v- em-se obrigados a criar novos modelos interpretativos. A inteno de manter-se fiel a essa qualidade do "campo" justifica que as transformaes recentes na poltica indiana sejam expostas em uma sucesso de eventos considerados sincronicamente.

Essa perspectiva desconstrutivista sobre a nao, o espao local e a violncia orienta o olhar de Veena Das para uma redefinio do tipo de sujeito social. Os atores que habitamCritical Eventsno esto ligados a um territrio local exclusivo, mas constituem no sentido que Benedict Anderson d expresso "comunidades imaginadas". Dada esta qualidade, Veena Das localiza seu encontro no espao da esfera pblica. Romances, discursos parlamentares, relatrios mdicos, ordens judiciais, estudos clnicos, narrativas familiares, conferncias cientficas, memrias e discursos polticos so os recursos a que a autora recorrer na construo desses eventos.Critical Eventstambm faz referncia a diferentes momentos significativos na histria da ndia contempornea. So crticos pois, como resultado desses conflitos, surgiram novas formas de ao que ressignificaram os sentidos nativos da poltica e transformaram as identidades sociais. E isto porque, a partir da perspectiva da autora, a violncia no somente destruio. O so-frimento e a dor tm seu papel na criao de "comunidades morais". Ao exigirem justia e ao se relacionarem com o sistema burocrtico e jurdico do Estado, tais comunidades so deslocadas do mundo privado e "criadas" como comunidades polticas.

O queCritical Eventspretende mos- trar essa tenso entre, de um lado, as tentativas do Estado de controlar a identidade de seus membros inscrevendo-os na categoria de "vtimas" e, de outro, os esforos das comunidades para resistir a esse poder disciplinador. Ao evidenciar esse tipo de ator annimo em situaes extremas, Veena Das revela, de forma extremamente sugestiva, a maneira como, por meio dessa operao de reconhecimento, o Estado se apropria do sofrimento deles. E, ao faz-lo, conduz esses mesmos atores a uma nova violncia, submetendo-os sua prpria lgica. Paradoxalmente, mediante tal operao, o Estado consegue legitimar-se. Neste ponto parece encontrar-se a fora demonstrativa desses "eventos crticos".

Os conflitos desfraldados em torno do Estado e da comunidade constituem oleitmotivdos diferentes "fragmentos" que integram o livro. Mas, quando os expe, a autora afasta-se dos argumentos reducionistas que marcam a interpretao da ndia e inscreve as oposies entre tradio e modernidade, Estado e comunidade, hindus e muulmanos nos debates mais amplos e caros tradio antropolgica discusses como as que se referem ao pluralismo legal, construo de hegemonias estatais e comunais e aos processos coletivos de construo da memria e do esquecimento.

Critical Eventsapresenta-se, por ltimo, como "um experimento ps-moderno com a forma da etnografia". Por meio da fragmentao, tenta levar em conta as implicaes que a contemporaneidade engendra no texto etnogrfico, porque a violncia questiona no somente a prpria condio da modernidade, mas tambm suas formas clssicas de representao.Critical Events, como soluo narrativa, pretende converter-se em "espelho" das caractersticas distintivas do terror.

A inteno de manter-se "fiel" ao campo e "perto" das vtimas conduz Veena Das a resistir aos discursos totalizantes e abstratos dos "especialistas". Para a autora, pretender emitir um preceito acerca da "racionalidade" da violncia desconhecer as marcas de sua singularidade e, com isso, exercer uma nova violncia sobre as vtimas. Por isso, a violncia no requer ser explicada, mas interpretada. Se os sujeitos se convertem em vtimas justamente por no poderem provar a autenticidade de seus sofrimentos, a antropologia social pode transformar-se em uma fora "curativa" ao possibilitar que se exponha sua voz e ao provocar em outros a experincia do sofrimento. No entanto, se a fragmentao do relato em uma sucesso de eventos crticos um ato de compromisso tico e poltico para com as vtimas, a relativizao da violncia sua conseqncia trgica. Porque somente a partir desta posio que Das pode afirmar que os eventos vinculados a um divrcio ou violao em massa de mulheres so todos "igualmente dramticos". Como possvel esta equiparao, que inclui em ltima instncia as prprias cincias sociais? Com a condio de expurgar a "historicidade" dos sucessivos eventos narrados no livro. sobre esta base que todos os casos parecem converter-se em exemplos de uma mesma coisa: A Violncia.

Ao tentar livrar-se do exotismo que tradicionalmente atribudo ndia, paradoxalmente a autora homogeneiza a experincia desses eventos dramticos e os torna exticos. A essencializao da violncia aparece exposta em toda a sua dimenso ao recorrer ao propsito de alcanar "A Verdade" das vtimas. Esta existe somente se as considerarmos uma unidade, e se, em ltima instncia, pensarmos como tal as comunidades imaginadas que habitam a n-dia contempornea. Sob tais suposies, a prpria categoria de "vtima" aparece naturalizada e a violncia transformada em um "absoluto" porque o espao que atravessa o campo, o pesquisador e a teoria a estratgia textual e no os processos concretos que conduzem a sua irrupo. Inscrever esses eventos no seu processo histrico permitiria reconhecer tambm os espaos de convergncia e negociao entre Estado e comunidade, o que nos obrigaria a tratar a categoria de "vtima" no como algo absoluto, mas como a substancializao provisria de um processo concreto de disputa social que requer ser explicitado etnograficamente.