Actas de Bioquímica - Vol. 8 - Miolo...

6
193 ATEROSCLEROSE E TROMBOSE Actas Bioq. 2007, 8: 193-198 VIII SEMINÁRIO Tema: ATEROSCLEROSE E TROMBOSE Subtemas: Clínica da aterosclerose Bioquímica da parede vascular Lesões hemodinâmicas Intervenientes: Docentes convidados: – Doutor Fausto Pinto (Clínica Universitária de Medicina I) – Doutor António José Cidadão (Instituto de Histologia) – Dr. Mário Marques (Instituto de Fisiologia) Docentes do Instituto de Bioquímica/FML: – Dr. Henrique Sobral do Rosário Actas Bioq. 2007, 8: 193-198

Transcript of Actas de Bioquímica - Vol. 8 - Miolo...

193

ATEROSCLEROSE E TROMBOSEActas Bioq. 2007, 8: 193-198

VIII SEMINÁRIO

Tema: ATEROSCLEROSE E TROMBOSE

Subtemas:

• Clínica da aterosclerose• Bioquímica da parede vascular• Lesões hemodinâmicas

Intervenientes:

• Docentes convidados:

– Doutor Fausto Pinto (Clínica Universitária de Medicina I)– Doutor António José Cidadão (Instituto de Histologia)– Dr. Mário Marques (Instituto de Fisiologia)

• Docentes do Instituto de Bioquímica/FML:

– Dr. Henrique Sobral do Rosário

Actas Bioq. 2007, 8: 193-198

Actas de Bioquímica - Vol. 8 - Miolo B.pmd 13-12-2007, 17:55193

194

CLÍNICA DA ATEROSCLEROSE

Introdução

• Significado das apresentações clínicas.Isquémia do miocárdio. O que é a angina depeito? Síndrome isquémico agudo (enfarteagudo do miocárdio versus angina instável).Acidentes vasculares cerebrais. Insuficiên-cia arterial periférica.

• Como avaliar a gravidade da doença isqué-mica? Métodos de imagem: não invasivos(electrocardiograma, ecocardiograma, cinti-grafia de perfusão); invasivos (angiografia).Como avaliar a função endotelial? Avalia-ção da vasomotricidade (por exemplo, comacetilcolina) e fluxo (por exemplo com ade-nosina ou papaverina).

• Como intervir na história natural da ate-rosclerose?

– Prevenção primária (factores de risco –tabagismo, hipertensão arterial, hiperco-lesterolémia, diabetes mellitus, obesidade,sedentarismo);

– Prevenção secundária (correcção dosfactores de risco, papel dos antiagregantesplaquetários);

– Prevenção terciária (terapêutica médica,de intervenção – angioplastia por balão,cirurgia).

I – Significado das apresentações clínicas.

A aterosclerose é a principal responsável pelamortalidade e morbilidade no Mundo Ocidental.A sua localização arterial pode assumir váriosaspectos, originando várias situações patológicas,das quais as mais frequentes são os acidentesvasculares cerebrais (AVC), os síndromesisquémicos do miocárdio (angina instável ouenfarte agudo do miocárdio) e insuficiência arte-rial periférica.

II – Como avaliar a gravidade da doençaisquémica?

É hoje em dia possível avaliar a gravidadeda doença aterosclerótica, quer antes desta semanifestar quer após ter ocorrido um eventoarterial, neste caso para fazer a chamadaestratificação do risco. Assim, em relação àaterosclerose coronária, para além dos elemen-tos de ordem clínica (por exemplo, história deangina de peito de esforço) há um conjunto demétodos que nos permitem avaliar a sua gra-vidade. Incluem-se nestes os métodos não-in-vasivos (por exemplo, electrocardiograma,ecocardiograma, cintigrafia de perfusão) e osinvasivos (como a angiografia coronária). Éainda possível não só avaliar a morfologia daárvore coronária mas também a sua vaso-motricidade, através de testes de estimulaçãoutilizando determinados fármacos. Assim, uti-lizando ergonovína é possível diagnosticar es-pasmo coronário, e o uso de acetilcolinapermite-nos avaliar se a função endotelial estáintacta, originando vasodilatação se o endotélioestiver íntegro (através da libertação de mo-nóxido de azoto), ou vasoconstrição se houverdisfunção endotelial. Existem ainda outrosmétodos que nos permitem avaliar mais detalha-damente a morfologia da placa aterosclerótica(ultrassonografia intracoronária) e o fluxosanguíneo coronário, incluindo a reserva defluxo coronário, índice também da função damicrocirculação coronária (Doppler íntra-coronário).

III – Como intervir na história naturalda aterosclerose?

De que forma é que podemos intervir na his-tória natural da aterosclerose, como a coro-nária? Em primeiro lugar através da chamadaprevenção primária, procurando corrigir os fac-tores de risco que hoje em dia sabemos serem

SEMINÁRIO VIII

Actas de Bioquímica - Vol. 8 - Miolo B.pmd 13-12-2007, 17:55194

195

responsáveis pelo desenvolvimento da ateros-clerose. Entre estes os mais importantes são ahipertensão arterial, a hipercolesterolémia, adiabetes mellitus e o tabagismo, pelo que a iden-tificação destas situações é fundamental, dadoque a sua correcção permite interferir dramati-camente no desenvolvimento de complicaçõesgraves. Uma vez feito o diagnóstico de isqué-mia do miocárdio é possível interferir atravésdo recurso a fármacos (por exemplo, antago-nistas dos canais de cálcio, nitratos, bloquea-dores dos receptores b-adrenérgicos) ou revas-cularizando os territórios em sofrimento, querpor métodos de intervenção (por exemplo,angioplastia por balão), quer por métodos ci-rúrgicos (“bypass” aorto-coronário).

MECANISMOS BIOQUÍMICOSDE REGULAÇÃO DA FUNÇÃODA PAREDE VASCULAR

• NO (monóxido de azoto):

– Síntese endotelial por intermédio daenzima NO sintase (isoenzima endotelial);dependência da arginina.

– Mecanismo de acção da guanilato ciclase,com GMPc como 2.º mensageiro.

– Acção a nível do músculo liso vascular –relaxamento muscular.

– Acções vasculares acessórias: inibição daadesão e activação plaquetária; inibição daadesão e migração leucocitária.

ATEROSCLEROSE E TROMBOSEActas Bioq. 2007, 8: 193-198

Actas de Bioquímica - Vol. 8 - Miolo B.pmd 13-12-2007, 17:55195

196

• Endotelina:

– Molécula peptídica (21 a.a.); endotelina Icomo isoforma endotelial.

– Acção na célula-alvo: 2 sub-tipos de re-ceptores membranares (ETA e ETB, comdiferentes localizações); da via dos fosfoi-nositóis e despolarização da membranacelular.

– Acção a nível do músculo liso vascular –contracção muscular, por do Ca2+ intra-celular.

– Acções vasculares acessórias: activaçãoleucocitária; mitogénio e co-mitogéniocélular (células musculares lisas,fibroblastos).

• Inervação da parede vascular:

– Diferentes tipos de terminações nervo-sas vasculares: inervação vegetativasimpática (norepinefrina; ATP); iner-vação purinérgica (ATP); inervação sensi-tiva peptidérgica (substância P; CGRP;ATP).

– Interacções tróficas entre endotélio e ter-minações nervosas vasculares como regu-ladoras da função da parede vascular.

• Endotélio como superfície anti-coagulanteversus pro-coagulante:

Bibliografia:

1. The L-arginine-nitric oxide pathway: role in atheros-clerosis and therapeutic implications. Atherosclerosis1996; 127:1-11

2. The role of endothelin in coronary atherosclerosis. MayoClin. Proc. 1996; 71:769-777.

3. Role of endothelium in thrombosis and hemostasis. Annu.Rev. Med. 1996; 47:315-331.

CASO CLÍNICO

Parte I

Um homem de 55 anos veio à Consulta deCardiologia por queixas de dor retrosternal.

Tinha história de hipertensão arterial desde há10 anos controlada medicamente, e de hipercoles-terolémia. Refere desde há 2 meses episódios demal retrosternal, com irradiação à mandíbula emembro superior esquerdo, relacionados sobre-tudo com as emoções mas também desencadea-dos pelo frio, com duração de 4-5 minutos. Rea-lizou ECG em repouso que é normal; fez provade esforço em tapete rolante que é inconclusiva;e fez um Holter (registo ECG durante 24 horas)que mostra alterações da repolarização ventricularcom infradesnivelamento do segmento ST-T comcerca de 3 mm, sem relação com qualquer esforço.É iniciada terapêutica com nitratos, β-bloquean-tes e ácido acelilsalicílico.

Ao fim de 1 mês o doente refere ausência demelhoria significativa dos sintomas, pelo que foirecomendada realização de coronariografia, a qualrevelou irregularidades do lúmen das artérias coro-nárias, sem estreitamentos significativos (<50%).Foi realizado teste de provocação com a ergonovinaque desencadeou espasmo da artéria coronária di-reita, no seu segmento médio, numa zona com umalesão de 30% de estenose antes da ergonovina,acompanhado de dor retrosternal e de alteraçõesdo ECG. O doente é então medicado com diltiazem(antagonista dos canais de cálcio), mantendo osnitratos e o ácido acetilsalicílico.

Após a terapêutica instituida refere melhoriadas queixas, tendo ficado assintomático.

Parte II

Cerca de 1 ano depois, na sequência dumaemoção (morte de familiar), refere episódio dedor retrosternal, transfixiva, prolongada, com sen-sação de náuseas, e hipersudorese, pelo que re-

SEMINÁRIO VIII

Actas de Bioquímica - Vol. 8 - Miolo B.pmd 13-12-2007, 17:55196

197

corre ao Serviço de Urgência após 3 horas de dor.Aí é diagnosticado enfarte agudo do miocárdioda parede anterior em evolução, pelo que feztrombólise com rtPA, com critérios de reperfusão,tendo uma evolução clínica não complicada.

Fez prova de esforço pré-alta que desencadeouisquémia do miocárdio, pelo que repetiucateterismo coronário. Este demonstrou a exis-tência duma lesão crítica da artéria descendenteanterior esquerda, que foi submetida a PTCA(angioplastia por balão) com bom resultado. Odoente teve alta medicado com captopril (inibidorda enzima de conversão da angiotensina), nitra-tos, diltiazem e ácido acetilsalicílico, encontran-do-se clinicamente bem ao fim de 6 meses de“follow-up”.

ATEROSCLEROSE E FACTORESHEMODINÂMICOS

As lesões ateroscleróticas são mais frequen-tes na circulação sistémica, nas artérias, em zo-nas de fluxo em turbilhão (ramificações, curva-turas e dilatações fusiformes) e apresentam grausde gravidade muito variáveis de território paraterritório vascular. Assim, os territórios vascularesque mais frequentemente provocam manifesta-ções clínicas devidas a aterosclerose são as arté-rias musculares de tamanho médio (coronárias,carótidas, basilar, vertebrais, ilíacas e femurais)e as artérias de grande calibre (aorta), sendo nes-te caso frequentes as lesões de tipo aneurismático.Estes factos sugerem fortemente a implicação defactores biofísicos do fluxo sanguíneo na génese,localização e gravidade destas lesões.

A primeira evidência da importância do“stress” hemodinâmico na génese das lesõesateroscleróticas data de 1916 (Halsted) em que adilatação pós-estenótica de vasos foi atribuída a“fadiga” da parede vascular. Em 1968, Holmanresponsabiliza as vibrações associadas ao fluxoem turbilhão por esse facto. Em 1973, Ross reu-ne as teorias de Virchow, em que as lesões eram

ATEROSCLEROSE E TROMBOSEActas Bioq. 2007, 8: 193-198

atribuídas a danos ligeiros mas contínuos, eRokitansky, em que pequenos trombos murais nolocal da lesão estimulavam o crescimento de cé-lulas musculares lisas que se incorporavam naslesões do vaso, e formou a teoria da “response--to-injury hypothesis of atherosclerosis”. Por ou-tras palavras, a agressão continuada do vaso vaiacabar por “fatigar” o vaso, que sofre importan-tes transformações estruturais e bioquímicas queacabam por conduzir às lesões ateroscleróticas –“teoria de fadiga da aterosclerose”.

Para que seja possível entender, do ponto devista biofisico, os principais determinantes quejustificam esta hipótese sobre a génese e locali-zação das lesões ateroscleróticas nos vasos, seráfundamental definir tensão de cisalhamento evelocidade de cisalhamento.

Tensão de cisalhamento = F / ARelação de cisalhamento= du / dyViscosidade = (F/A) / (u/y)

Os gradientes de tensão de cisalhamento sãofundamentais para a génese das placas de ate-roma (Oshinsky, 1995). Assim, são esses gra-dientes que provocam “stress” hemodinâmico,causando proliferação de células endoteliais,proliferação do tecido conjuntivo subendoteliale perda da tensão das fibras elásticas. Esta “hipó-tese de fadiga” da aterosclerose foi comprovadapor Stehbens, em 1990, onde foi induzida ate-rosclerose em aneurismas, em fistulas arterio--venosas e em anastomoses vasculares em U,efectuadas experimentalmente em animais comdieta pobre em colesterol.

Particularmente interessantes são os recentestrabalhos de Topper e col. (Boston), do final de1996, que demonstram que o principal determi-nante biofisico para a génese da aterosclerose é adiferente expressão dos genes da superóxido

Actas de Bioquímica - Vol. 8 - Miolo B.pmd 13-12-2007, 17:55197

198

SEMINÁRIO VIII

dismutase do manganésio, da ciclo-oxigenase 2e da sintetase do monóxido de azoto (substânciasanti-ateroscleróticas) consoante a tensão decisalhamento se verifica em fluxo laminar ou emturbilhão. Com efeito, enquanto que no primeirocaso à expressão daqueles genes, no segundo talnão se verifica. Poderemos afirmar que esta seráa consequência química do fenómeno físico.

Bibliografia principal:

1. Braunwald E “Heart Disease – A textbook ofcardiovascular Medicine”. Ed. Saunders Company, 1992.

2. Stehbens WE, Davis PF, Martin BJ “Hemodynamicinduction of atherosclerosis”. Liepsch DW (ed.): Bloodflow in large arteries: Application to atherogenesis andclinical medicine. Basel, 1990, vol. 15, pp 1-12.

Actas de Bioquímica - Vol. 8 - Miolo B.pmd 13-12-2007, 17:55198