ACTAS ao co~ó~u~o - repositorio-aberto.up.pt · da revoluÇao francesa em portugal e no brasie ....

14
ACTAS ao co~ó~u~o DA REVOLUÇAO FRANCESA EM PORTUGAL E NO BRASIE

Transcript of ACTAS ao co~ó~u~o - repositorio-aberto.up.pt · da revoluÇao francesa em portugal e no brasie ....

Page 1: ACTAS ao co~ó~u~o - repositorio-aberto.up.pt · da revoluÇao francesa em portugal e no brasie . actas do ~0~6~~10 a recepÇÁo da revolucÁo francesa em portugal e no brasil i 2

ACTAS ao

c o ~ ó ~ u ~ o

DA REVOLUÇAO FRANCESA

EM PORTUGAL E NO BRASIE

Page 2: ACTAS ao co~ó~u~o - repositorio-aberto.up.pt · da revoluÇao francesa em portugal e no brasie . actas do ~0~6~~10 a recepÇÁo da revolucÁo francesa em portugal e no brasil i 2

ACTAS DO

~ 0 ~ 6 ~ ~ 1 0

A RECEPÇÁO DA REVOLUCÁO

FRANCESA EM PORTUGAL E NO BRASIL

I 2 a 9 de Novembro de 1989

UNIVERSIDADE DO PORTO. 1992

Page 3: ACTAS ao co~ó~u~o - repositorio-aberto.up.pt · da revoluÇao francesa em portugal e no brasie . actas do ~0~6~~10 a recepÇÁo da revolucÁo francesa em portugal e no brasil i 2

A MARQUESA DE ALORNA: DOS "EMBLEMAS DA RAZAO" AO "REGRESSO DA SOMBRA"

Em 1941, quando escrcve: "( ... ) No momento que soçobrava a vclha ordcm política c social do Mundo c um grande perigo amcaçava a Pátria, é grato vcr surgir, no mcio da apatia ou da inçpcia gerais ou das timoratas pmdências que parcciam lolher para a deScsa da própria dignidadc, uma Mullter forte. Ela representa o protesto vivo da tradição ameaçada, incama a dignidade da Pátria na humilhação c dinamiza as suas possibilidades para uma acção que pode, na verdade, ser insensata (...)" (I), He~wâni Cidade reivindica, para D. Leonor de Almeida, um tríptico de atributos quc tanto a sua vida como a sua obra permitirão eniatizar. Com eScito ao assumir, enquanto arislocrata e iilintista, um tradicionalismo político, religioso c até literário, ao dcnunciar - antes c após a saída do Convcnto de Chelas - os idcais elevados de Justiça, de Libcrdadc e de Verdade, ao pretender, num misto de mcssianismo e de sebaslianismo algo fantasistas, protagonizar a rcvolta da Naçáo contra as Invasões Napoleónicas, a Marquesa de Aloma incarna, nas suas Poesias como nas suas Cartas, o espírito dc Sctccenlos. Partilhada entre ambigui- dades múltiplas, oscilando entrc o pcrpcluar de um classicismo e a ânsia de afirmar a sua individualidade dc scr, indecisa cntrc a razão c o scnlimcnto, a ordcm e o caos, a passividade c o dinamismo, dividida entre a harmonia e o conflito, a luz c as trcvas, a sabedoria e o desregramenlo sensorial, D. Lconor de Almcida é b c n ~ uma digna representante do século das Luzcs, prenunciando já - no tom coníidcncial, intirnista c langoroso da sua poçtica, nos acentos familiarcs, coloquiais c csponlâneos da sua produção cpislolográiica - a nova estcilica que os finais do sciculo XVIII c princípios do XIX ir20 vcr cclodir.

Assim sendo, ao iàlarnlos de "noinadismo espiritual" da Marqucsa dc Aloina, somos dcsdc logo conironLados com uma certa ambiguidade que penclra tanto a sua vida coino a sua obra: Vitorino NcmCsio, ao nome$-10, ( 2 ) pcnsa, sem dúvida alguma, no cspíiilo ávido, na soSrcguidáo com que Alcipc absorve ludo quanto diz rcspcilo ao universo cultural mas náo podc csquccer a inconstância desse mesmo espírito, dividido entrc os piincfpios arcádicos e

Page 4: ACTAS ao co~ó~u~o - repositorio-aberto.up.pt · da revoluÇao francesa em portugal e no brasie . actas do ~0~6~~10 a recepÇÁo da revolucÁo francesa em portugal e no brasil i 2

classicizantes c a sedução dos novos valorcs a dcspontar (os românticos), nem sequer o combaic inielior quc a maior parte das suas epístolas dcnuncia, a simbolizar as oscilaçóes de uma aristocrata, sonhando com uma Pátria livrc e insubmissa mas nem scmprc renunciando aos privilégios de classe.

Por isso, ao afirmar "( ... ) Pombal cncarrcgara-sc dc matricular alguns grandes do Reino - os mais insusccplíveis de conhecer o preço da livre disposição do próprio corpo e do tcmpo - nas únicas escolas de liberdade possíveis: os ciircercs. A Enciclopédia, as- tutamenle, fazia o rcsto (...)" (3), O mesmo cdlico justifica pclo longo tcmpo de clausura não só a efervescência intclcctual de Alcipe como a sua aprendizagem da Liberdade, os "outeiros" poéticos do Convento de S. Félix, em Chclas, onde D. Leonor, a Mãe e Iimã permanecerão cerca de dezoiio anos, permitiriam a abcrtura para o exterior, o contacto com um mundo que lhc chcgava ou nos inúmeros livros que lia ou nas sibias palavras dos insignes vaics que, pressurosa- merile, a tais Lerlúlias acorriarll. E se a avcrsáo à prcpottncia e ao despotismo dcve datar desse primeiro instanlc em que, apenas com oito anos de idadc, se vira obrigada a dcixtrr o mundo, por ordem de um ministro todo podciaso, o scu amor i Liberdade foi crescendo no convívio com alguns dos espíritos cruditos do século XVIII: o "sábio Alcesic" (Dr. Inicio Tamagnini), o "Albano" (Dr. Ferreira Barroco), o "Almeno" (Frci José do Corução de Jcsus), o próprio tio de Garrctt - Frci Alexandre da Sagrada Família, e ainda Correia Garção e o P. Francisco Manuel do Nascimcnto, teriam, sem dúvida alguma, alimentado a avidez espirilual da iulura Marquesa de Aloma e este último, seu mestrc de lalim e na arte poélica, por ela baptizado com o pseudónimo arcádico dc "Filinlo Elísio" é, para além de todos os outros, o que mais se irii afirmar no cspírilo de D. Leonor. No intenso diiiogo dos dois surgirá uma estreiia cumplicidade: na poética de Filinto, um dos maiores poelas ncoclássicos, cm quem já se vislumbram nítidos prenúncios da transição, ir5 Alcipe beber a dercsa calcgórica de um nobre patriolismo, as conslantcs cxortaçócs à Libcrdadc, à Fralemidadc, os sucessivos apclos à indcpcndtncia nacional. O exílio, de mais dc quarcnia anos, cm tcrra esirangeira França) emprcsta a lira dc D. Francisco Manucl do Nascimcnto, acordes vcrdadciros c pungcnlcs, cm quc lamcnla a "Elísia", uluajada, em que propõe refom~as poélicas, cm quc dcfc~ide o nacionalisino literário. A Marqucsa dc Aloina tornar-se-A "filinlista":

Page 5: ACTAS ao co~ó~u~o - repositorio-aberto.up.pt · da revoluÇao francesa em portugal e no brasie . actas do ~0~6~~10 a recepÇÁo da revolucÁo francesa em portugal e no brasil i 2

como o mestre, o seu classicismo, de fcição nitidamente antibanoca, pugnar8 por uma excessiva valorização formal, por um cruditismo classicizante, por um certo purismo vcrnacular (a fidelidade aos preceitos horacianos exigia, no alCm do culto dos poetas nacionais quinhentistas e até seteceniistas, a valorizaçáo do sublime e do difícil).

Mas i imagem de Filinto, D. Lconor impor-se-á ainda como uma acérrima dcicnsora da Pátria e da Libcrdadc: não é ela que cnvia, ainda de Chclas, ao poeta, uma Epístola - "A respeito de uma ode que lhe mandaram fazer, e fez, ao Marquês de Pombal" - criticando-o pelo facto de tcr, em tom cncornizíslico, dirigido alguns versos ao ministro de D. José? A indcpcndencia e o arrojo espiritual de Alcipe evidenciam-sc nestc pocma que, alCm de mais, testemunha, numa linguagem de cunho nitidamcnte clássico, a revolta e a raiva incontida face ao aviltamento da artc poética: "( ...) Não te esqueças, Filinto, o acerbo caso ... / Latcja-me no pcito um fogo intenso, / Sc dcspcrdiças as jóias do Pamaso, / Dando ao tirano o tcu sublime incenso I/ (...) PorCm tu, que és por elas [as Musas] escolhido /Para em verso divino honrar vcrdadcs, / Rcccia quc o futuro espavorido / Te acuse de infiel às divindadcs (...)". E já no final, D. Lconor exclamad: "( ...) Que fmio tira o justo quando grita? / A cadcia dos erros dilatada, / Fabricada por homcns, ncccssita / Scr por forças de um Deus dcspcdaçada (...) (4). Contra o "ianatismo astuto'' e o "coraçáo corrupto" sc insurgc Alcipe: a crítica dcsassombrada 2 prepotencia do Marquês de Pombal condiz assim coiii os ensinamen- tos retidos nas Iciiuras dos enciclopcdislns frunccscs, com a aprcndi- zagcm dos autores clássicos.

Horácio, Ovídio, Marcial e Catulo tê-la-iam influenciado com o equilíbrio e justa harmonia de uma palavra poética servindo, na sua ânsia de pcrfciçáo, os altos idcais dc Virtudc, Justiça e de Verdade; Voltairc, d'Alcnihcrt, Didcrot, Buffon c Jcan-Jacques Rousscau t2-la-iam scduzido pcla nobreza do cstilo, pelo gCnio filosófico, pela dciesa intransigcntc dos princípios das Luzes. A carta que D. Lconor dirige ao pai, prcso no forte da Junqucira, tcntando juslificar a actuação de Voltairc, a quem o Condc acusara de hercje, C, sem sombra de dúvida, um dos scus mais notáveis manifestos contra a intolerância e a arbitrâricdade. Por ela se podcrá ajuizar o quanto, apcsar da juventude, o espírilo da cnclausurada crescia no culto da Liberdade e da Razão: "( ... ) nias não posso dcixar de

Page 6: ACTAS ao co~ó~u~o - repositorio-aberto.up.pt · da revoluÇao francesa em portugal e no brasie . actas do ~0~6~~10 a recepÇÁo da revolucÁo francesa em portugal e no brasil i 2

confessar a V. Exs, que me vicram as lágrimas aos olhos, quando vi que a V. Exg lhe [a Vollaire] dava sentença dc queima. De que servem homens queimados, mcu qucrido pai? Por ventura rcconhccem clcs a vcrdadc na fogueira? Não é Deus só qucm deve pôr termo aos nossos dias? (...)" ( 5 ) .

Aliás, a canção "Ao Desl~orismo", escrita ainda no Convento c q ~ a n d o Alcipc tinha apcnas dcioilo mos, surprccndc pela vccmên- cia do tom, pela cxallaçao que imprcgna os versos em que se proclama a liberdade de pensamento, em quc se exortam a Justiça e a Verdade: "Pcnsamcntos, nuscci, que Apolo o manda; / Atrevidos nascei, em liberdade: / Quando a mão cxecranda / Do Poder, ou da fera atrocidade / Vos queira compriinir o voo allivo, / Soltos voai, impividos rompcndo / O véu em que a mentira / Quer simultaneamente ir-se envolvendo (...)". E com êniiise rclórica sc clamará ainda: "( ...) É vergonhoso efeito / Do Despotismo, limitar ideias; / Os sustos pusilânimes nasccram / No scio dcstc mundo (...)" (9).

Com efeito, de nítida inspiração filintista, os seus versos perseguem ainda um tradicionalismo que as constanlcs alusões mitológicas e um vocabulário classicizanic mais aproxima das convenções arcádicas. AlCm disso, C de relevar a grande oscilaçáo a nível de prclcrências literárias - tanto Ihc agradava Pope (rcprcscnlantc típico do forn~alisino sclcccnlista) como Ossim, a iicção romântica de Macplicrson, lanlo rcjubilava c o ~ n Corncillc c Racine como com Gray, Young, Goldsmilli, Thomson ou Lamartine, o que Icva Álvaro Manuel Machado a falar, com loda a pcilinência, de um "conscrvadorismo hcrdciro dc ccrtos prcconccitos de um racionalismo iluminista" ('). Como ela própria salienta numa outra epístola, preiere a todos os outros, poclas como Boilcau, La Fontaine c os demais do século XVI. Scrá, no cntailto, cslc cclelismo que irá fccundar a riqucza cultural de Alcipe c a Lransforinará não só num dos vultos nacionais mais pcrmcávcis 3s tendências pré- -rom2nticas curopcias mas ainda num dos cscritorcs quc, na segunda metade do SCculo das Luzes, mais ira contribuir para a criação de um ambiente cultural deveras lavorávcl à cclosão dos novos valorcs. Mais tarde, as suas traduções dc aulores inglcses (Thomson, Gray, Goldsmith), franceses (Lamarlinc), alemãcs (Gocihc, Burgcr, Wie- land, Goncgck) c italianos (Fulvio Tcsti c Mclaslásio) ihscrcvcr-se- -20, apcsar de um ccr~o tom pomposo c rctúrico, ncssa ânsia enorme de erudiçáo quc caraclcriza iiluitos dos cspíiilos dc Setecentos.

Page 7: ACTAS ao co~ó~u~o - repositorio-aberto.up.pt · da revoluÇao francesa em portugal e no brasie . actas do ~0~6~~10 a recepÇÁo da revolucÁo francesa em portugal e no brasil i 2
Page 8: ACTAS ao co~ó~u~o - repositorio-aberto.up.pt · da revoluÇao francesa em portugal e no brasie . actas do ~0~6~~10 a recepÇÁo da revolucÁo francesa em portugal e no brasil i 2

do tormento, / Impõc Icis à voz, ao gesto, / Encadcia o pensamento. // Mas este, baicndo as asas, / Volcja sobre as cadeias / E vinga- -se da baixeza / Co'a elcvaçáo das idcias." (I3) .

Mais tardc, com a morte de D. Jose cm 1777, soará a hora da Libertaçáo. O casamento com o Conde de Oeynhausen, de as- cendência alcmã, uma longa cslada cm Viena de Áusil.ia e uma breve passagem por Paris onde, ao irequcntar o salão de Mme Necker teria encontrado, pela primeira vez, Mmc de StaB, daráo a D. Leonor de A h e i d a motivos sobejos para, em contacto mais íntimo com o Iluminismo cstrangciro, podcr dcscnvolvcr os seus anseios culturais e espirituais. O filosofismo revolucionário quc dcntro dela crescera, alimentando-se das leituras enciclopcdistas mas, esscncialmcnte, imto de uma revolta visceral contra os cxccssos do podcr real que a tinham tomado, a ela e à iamilia, vítimas inocenics de um despolismo retrógrado, repercutia-sc ainda nos animados saraus da sua casa dc S. Domingos de Bcnfica ou na "Sociedade da Rosa", espécie de "maçonaria branca" que Pina Maniquc suspeitava de filiação jacobina mas quc apcnas pretendia, no dizcr da Marquesa, "servir o Trono e o Aliar".

Nos primeiros, participar30 alguns dos nomes mais importanics da cultura portuguesa de princípios do século XIX; Alexandre Herculano aí tcria aprcndido a linguagcrn das lileraturas do Norle e a eles tcria devido a sua iniciaçYo gcriilanística. Aliás, n'O Panorama, elc mesmo o tcstemunlra: "( ... ) Àqucla mulher extraor- dinária, a quem só faltou outra piuia, que náo fossc esta pobre e esquecida Terra dc Porlugal, para ser uma das mais brilhantes provas contra as v3s prclensões de superioridade excessiva do nosso sexo, é que cu dcvi inciiaiilcnto e protccçáo litcrária, quando ainda no verdor dos anos dava os primeiros passos na eslrada das Icuas. (...)" (I4). Na segunda - a "Socicdadc da Rosa" - tcria participado Bocagc c eram, no dizcr do MarquCs dc Frolitcira mcnos de política, mais de lileratura e arlcs; passavam-se eliis em improvisos e em música. (I5). Scrá, no cntanto, a dcsconliança crcsccntc dc Pinii Maniquc que obrigara Alcipe a cxilar-sc em Londrcs, dc 1803 a 1814. De regresso a Portugal, os seus salõcs continuarão a acolhcr, quer durante a y c r r a civil qucr ainda já dcpois da vitória Iibcral, alguns dos espíritos mais notáveis do tciilpo.

Nesta altura, por volta de 1824, rcdigc D. Lconor uma das suas odes mais bclas e eloquenles: "Insónia em a morte de 8 de

Page 9: ACTAS ao co~ó~u~o - repositorio-aberto.up.pt · da revoluÇao francesa em portugal e no brasie . actas do ~0~6~~10 a recepÇÁo da revolucÁo francesa em portugal e no brasil i 2

Outubro de 1824" propõe, num tom por vezes declamatório e pomposo, aurcolado de infinita tristcza e saudade, um imenso queixume em que se enlrclaçam rccordaçóes amargas dos entes queridos já mortos com rcílexõcs dcscnganadas sobre as constantes e nefastas mutações que ocorrem na Pátria. Por isso, toda a composição é um s6 lamento: "( ...) Sc ao menos mais ditosa a Pátria visse! / Se as luzes, sc as virtudes a adoinasscrn! / Grata o suspiro extrcmo em paz soltara, / Os Céus o acolhcriani. /I Pátria! nome sagrado! Com que fúria / Me pcrscgue um cmcl prcssentimcnto! ... / Quão inúteis lições lhe deu a Sorte / - Terramotos, rcvoltas. (...)" ('3. O tradicionalismo da Marquesa de Aloma, o scu conservadorismo ideológico manifestar-se-á, segundo Hciniini Cidade, ncsta poesia em que parece lamentar a "Abrilada" ou seja, a rcvolta que csteve na base da expulsáo de D. Miguel. Mas lumcnta igualmente a "Vila Francada" isto C, a rcposiçáo do poder absoluto que se seguira ao final da Constiiuiçáo de 1522.

No fundo, o que Alcipc rcprova S50 as contínuas mudanças de regime que nem sequer favorecem a Pátria, a instabilidade de uin sistema prccário de cuja liçáo nuncli sc soubc colher os frutos. Amargamente exclamará entáo: "( ...) Ah! se não renasccr co'a Pálria a g16ria / Se a Ciência c a Justiça indu dormitam / Se a Moral não dcsperta, a Indústria acorda / - Ao Nada caminhamos. / (...)" (I7).

Ao adcnr ao regime liberal c ao mantcr as melhores relações quer com a família real quer com alguns dcfcnsores do regime, entre os quais se contava o seu própiio neto, Marquês de Fronteira e Alorna, C vcrdride que Alcipe dá mosvas dc indccisáo política, para a qual náo scnam de modo algum alheios os seus prcconccitos de casta c o scu rcceio de vcr confiscados os bcns quc a ascendência nobrc lhe prodigara. Mas imporla lcr esse titubcar à luz dc um icm- pcramcnto avesso, cm tudo, à linguagem Iiipcrbólica c cxcessiva. Aliás, essa avcrsáo que jii dcscortinamos na carta em que (aconleci- mento raro) se insurge contra o pai que acusara Voltaiie dc "espírito hcrcje", nas poesias em que clama conlra o Fanatisino. o Despotismo e a ausençia de libcrdadc dc pcnsamenlo, vamos encontrá-la ainda nos accnios inais iiitimisias c subjectivos, onde a niclmcoliri, a tristeza, o soirimcnlo, surgcm sempre ninibados dc laivos conics- sionais recatados: raramente a sua delaçáo surgirá acoiiipanhada de qualquer vislumbre dc hiperbolismo scnsori:il.

A quase ausencia dc manifcstaçócs cxccssivas foi-lhe talvcz

Page 10: ACTAS ao co~ó~u~o - repositorio-aberto.up.pt · da revoluÇao francesa em portugal e no brasie . actas do ~0~6~~10 a recepÇÁo da revolucÁo francesa em portugal e no brasil i 2

desde muito cedo imprimida pela distância que scparava a enclausu- rada de Chelas do mundo cm ebuliç3o. Mas provocou-lha ainda uin "temperamento agreste" e tímido e uin ideal de Razão e Ordem, em tudo contrário aos cxageros que, à sua volta, prcscnciava. Talvez por isso mesmo a epístola "Em resposta a h7atércia", já escrita após a saída do Convento, defenda a primazia da razão face ao sentimento amoroso: h quimera do amor opor-sc-à a lci da razão, o racionalismo do sCculo das Luzcs parcce quercr triunfar da sensibilidade romântica: "( ...) Amor em mim não é qual o tu scntcs - / Um clamor, um tumulto dos sentidos; / eu tenho esses escravos submetidos / A leis mais elevadas, mais decentes (...)" (I8). E noutra cantiga, dirá ainda D. Leonor: "( ...) Não quero que hoje a verdade / Se oponha às leis da razão; / Triunfe a modcstia austera, / Gema embora o coraçáo (...)" (I9).

No entanto, perante esta dcfcsa intransigente da Razão (ainda no âmbito de uma determinada concepção filosófica e iluminista), ouiras composições irão surgiiido em que uma importante reabilitação dos sentimentos se transforma já na rcivindicação romântica da primazia das emoções sobre a a~zão: " (...) DC que sou feita? - De tcrra; / Ncla mc hci-de converter: / Se amor arder em meu peito / E da esstncia do meu ser (...)" (20), muito cmbora se reconheça a efemeridade e a crueIdadc dos sonhos de amor: " (...) Amor, tu vens nos ~ilcus sonhos / Acaln~ar-mc o coração; Mas, cruel! quanto promctcs / Não passa de uma ilusão (...)" (I1).

As oscilações, as ambiguidadcs quc D. Lconor protagoniza, irão caracterizar a ampla cncruzikada em que se translorma todo o final do século XVIII e váo manilcstar-se ainda, como não poderia dcixar de ser, nas posiçõcs por ela assun~idas Cace à Revolução Franccsa e 3s Invasões Napolcónicas.

Para Alcipc, os cxccssos quc presenciara em 1789, cristalizados no período do Tcrror em quc Jacobinos c Giiondinos se dcgladiavam mutuamente, solrendo as violencias de um movimcnio incontrol8vcl e, mais tarde, a prcpottncia de NapolcSo Bonaparte incainada, primeiro, no "Bloqucio IbCrico" e, cm seguida, nas invcstidas sucessivas contra Porlugal (em 1807, 1809 e 1810), tomam-se ainda essa "sombra", esse "nocturno" q ~ i c importa, a todo o custo, combater. Uma "Cantiga patriótica, na guerra peninsular'' e um soneto h sua "Lusitana querida!" traduzem, entre outras composiçõcs, e uma vez mais, o seu amor à Liberdade, o scu ódio à Tirania e

Page 11: ACTAS ao co~ó~u~o - repositorio-aberto.up.pt · da revoluÇao francesa em portugal e no brasie . actas do ~0~6~~10 a recepÇÁo da revolucÁo francesa em portugal e no brasil i 2

o seu arreigado scntimcnto patrióiico. Contra o "Tirano" c o "pcrjuro", contra as "férrcas cadeias" se insurgem as "almas livres" e "generosas" que "não tcmcm rcvczcs!". E o soneto transforma- -se num hino à valentia, à coragem e à indcpcndência nacionais: "( ...) Mais que a vilória vale um sofrer bclo; / E assaz te vingas de opressões fatais, / Se arrasada te vês, scm pcrccbê-10. // Povos! a independência que abraçais / Aplaude, alcgrc, o estrago, e grita, ao vê-lo: / "Ruína sim, mas servidão jamais!," (22).

Mas será sobretudo nas Cartas que o seu comprornetimcnto político e social, a sua defcsa intransigcntc da Liberdade, o seu espírito agressivo e clarividcntc se vão revelando. Os traços hipcrbóli- cos que se apresentam tCnues c raros na obra poCtica, accntuam- se na forma episiolar, atingindo mcsrno um ccrlo paroxismo - que tem muito dc fantasista e que é, ralvcz, algo visionário quando se toma mais nítida a vontade enCrgica de participar directa e acti- vamente nos dcstinos da Nação. A mulhcr política, com o seu quê de mcssiânico c de scbustianisra, vislumbra-se cniáo nas sucessivas canas que envia ora ao Príncipe Rcgcnic, ora h Princcsa D. Carlota Joaquina, ora ainda a algumas pcrsonulidadcs inllucnics (cnirc as quais o Cardcal Patriarca e o Viscondc dc Balsemão, a csle último acusando-o de compromctcr o Príncipc Rcgcntc) c que têm por finalidade cnconuar uma solução pura iinpedlr quc a& tropas na- polcónicas avancem sobre Poriugal. O tom toma-se agressivo, autoritário, muitas vczcs violenlo c altivo c oscila entre os conselhos a dar, pedidos a formular c atC exigências a iuzcr. Conio aíiima o Marquês de Fronteira: "( ...) não h i lisonja, ameaça velada ou proposta subtil de que não lance mão para lcvar a bom tcrmo o papel dc salvadora da Pátria c da Cristandade, quc o seu espírito fantasisla, a vontadc viril, o tcnnz engcnlio c uni ccrio pendor nicssi2nico lhe aponram como missão a cumprir (...)" (23).

Arvorando um mcssianismo algo mcgalómnno, D. Lcoiior dc Almcida submctc ao Príncipc, por volra dc 1779, uiiia sCric de mcdidas a scrcm tomadas contra as tropas de NnpolcXo: pcdindo dcsculpa pela ousadia mas porquc "a I-Iistória dc Portugal aprcsenta- [me] rnodclos de mulhcrcs, às quais [cu] não qucr[o] scr inferior" (24), cnvia a D. João uma "Mcnzória sobre n sitiiaçLio iizterizacional de Portugal" scguida dc "Sugestác.~ .sobre os seus renzidios", cm quc imagina o dcspolctar dc uma rcvolra no scio da própria nação francesa, na Vcndcia, movimcnlo cssc que, obcdcccndo a urna

Page 12: ACTAS ao co~ó~u~o - repositorio-aberto.up.pt · da revoluÇao francesa em portugal e no brasie . actas do ~0~6~~10 a recepÇÁo da revolucÁo francesa em portugal e no brasil i 2

confluência de interesses, dcvcria ser igualiiicnte subsidiado por PorLugal, Inglatcrra e Espanha. Para isso, haveria que contar com o comprometimento de dois importantes generais dessa província francesa que atcariam os primeiros iaclios da insurrciçáo.

É de facto surprcendcnie a confiança que D. Leonor parece depositar nas suas próprias aptidócs, assim como é de admirar a sua visáo política que prctende apenas, para alCm de quaisquer interesses pessoais, salvar a Pátria do jugo inimigo. Para Hemâni Cidade, justificam-se plenamente os idcais que norteiam o seu espírito militante: "(..) A situaçáo de PorLugal cra, dc facto, propícia ao susciiar dos messianismos. Oscilando entre os intcresscs divergentes e as ameaças, de tão fácil ~Scctivação, da França e Inglatcrra, que gCnio político seria capaz de evitar, nas rclações com os contcndores, as cautelas e a doblez dos fracos, postos pcla Satalidade geográfica no próprio teatro de conflito dos podcrosos? (...)" (27. ISSO mesmo afirmará Alcipc, numa carta escrita dc Londrcs, em 1806: " (...) Nous dcvcnons par notre propre fautc non pas dcs alliés dc Ia France ni de I'Anglcterre, mais lcurs csclavcs; nous obCissons à Ia Francc par pcur ct nous ménagcons 1'Anglclcrrc par bcsoin; Ia pcur et lc bcsoin n'engendrcnt que lc mépris ct tant que noLre cabine1 ne chlingera pas la Coiiiie des rclations, on nc doit pas s'altcildre, de la part de Ia F Y ~ ~ C C qu'à dcs coups de picd, dc Ia par1 de l'Angletcrre, qu'à dcs reproches et dcs sarcasmcs (...)" (26).

De qualquer modo, as continuas cxortaçócs c os sucessivos apelos nunca cncontraráo resposta. Toinar-se-áo tão dramáticos quão infmiífcros e aperias servirão, com a sua insistência, para aumeiltar o fosso que irá separando os idcais políticos dc D. Leonor das circunsthcias sociais que a envolvem. Ncm a hipótese de liderar uma missão portuguesa às vAi.ias cortcs da Europa, cm espccid à de Madrid, parecc tcr sido accitc. Como último recurso e no auge dc um paroxismo militante, a Condcssa dc Ocynhauscn cnvia, de Inglatcrra, uma cana a Napolcáo: o dcsassoinbro da crítica, a cspon- tiincidade c a sinccridadc do ataquc, a dimcnsáo do sacrifício sugerido, traduzem ainda a grandcza de alma dc Alcipe, a força e a virilidade da sua vontadc. Com ousadia c scni tcmor, se denunciatil o ódio ao tirano e ao "Usurpador universal": "( ...) Tcnho sido vossa inimiga até ao presentc - confesso-vo-lo. Conliiiuo a sê-10. A honra impõc-mc que vos odcic. Estc ódio, contudo, C apcnris iundado sobrc os sofrimentos do Mundo. Esli cm vossa máo rcparar os seus malcs.

Page 13: ACTAS ao co~ó~u~o - repositorio-aberto.up.pt · da revoluÇao francesa em portugal e no brasie . actas do ~0~6~~10 a recepÇÁo da revolucÁo francesa em portugal e no brasil i 2

Eu tenho uma Pilria, uma família, ambas a fcrros vossos. Dai- -1hes a liberdade e sacrificai-me a mim". E quase no fim da missiva concluirá: "( ... ) Saúdo-vos ainda como a Nero; sede Augusto, e eu vos bendirei, ao morrer (...)" (26).

Escritas em francês, estas palavras ncnhum eco suscilariam. EspCcic de libelo conlra o despotismo napolcóilico, a missiva esconder2 ainda, nas entrelinhas, a defesa intransigente dos valorcs de uma aristocracia agonizante. O ódio a Napoleão manifcsta-se paralclamcntc ao rcceio de vcr perlurbados os seus privilégios de casta. Mas incama tambCm a rejeição de qualquer tipo de totalita- rismo, recusa dos excessos rcvolucion2nos que D. Lconor tcste- munhara no período do Tcrror, ein França.

A Alcipc irrequieta e rervorosa quc no Convcnio de S. Félix faz a apologia dos idcais enciclopcdistas do SCculo das Luzes, é a mcsma Marquesa de Aloma que suslém, com a razno, os princípios essenciais de Libcrdadc e de Jusiiça. Iaas 6 tambCm aqucla que adivinha e leme, com a alma, que a rcnovação dcfcndida possa significar os exagcros que scmpre reprovou. A indcíiiiiqáo é ainda um privilCgio prC-românlico.

Maria do Rosário Pontes Universidade do Porto

Page 14: ACTAS ao co~ó~u~o - repositorio-aberto.up.pt · da revoluÇao francesa em portugal e no brasie . actas do ~0~6~~10 a recepÇÁo da revolucÁo francesa em portugal e no brasil i 2

NOTAS

(1) in Marquesa de Alorna, Inéditos. Cartas e outros escriros. Sclccçáo, prefácio c notas do Prof. Hcrnwii Cidade, Lisboa, Liv. S i da Costa Ed., 1941, p. XLU.

(2) cf. Nemésio. Vitorino. "O Magistério dc Alcipc c a iniciaçáo ger- manística" in A Mocidade de IIerculano (1810-1832). Lisboa. Liv. Bernand, 1978, pp. 297-374.

(3) ibidem, pp- 315-316. (4) Marquesn de Alomn, Poesias. Selecção, prefiicio e notas do Prof.

Hemini Cidade. Lisboa, Liv. Sá da Costa Editora, 1960, pp.71 c 75. (5) MarquEs d'Ávila e dc Bolana, A Marqiceso de Alorna, Lisboa, Imprcnsa

de Manucl Lucas Torres, 1916, p. 104. (6) Marquesa de Alorna, Poesias, ... pp. 25-27. (7) cf. Machado, Álvaro Manucl, As Origens do Romantismo em Porrugal.

Lisboa, Instituto dc Cultura Portugucsa. Col. Biblioteca Brcvc, 1985, p. 59. (8) Marquesa de Aloma, Poesias ... p. 27 e 28. (9) ibidem, p. XVIII.

(10) ibidem. pp. XVIII c XM. (11) ibidem. (12) ibidem. (13) in Obras Poéticas de D. Leonor dc Almcida, Tomo 1 . Lisboa, Imprensa

Nacional. 1844, p. 214. (14) citado por Ncmésio. Vitorino, 01). cif., p. 298. (15) Mar@ de Fronteira e Alarna. iLlemúrias (Vol. 1 c 2), Porto. Imprensa

Nacional-Casa da Mocda, 1986, p. 15. (16) Marquesa de Alorna, Poesias, ... p. 167. (17) ibidem, p. 218. (18) in Obras Poéticas dc D. Lconar dc Almcida, ... p. 167. (19) ibidem, p. 219. (20) in Poesias ,..., p. 89. (21) ibidem. p. 97. (22) ibidem, p. 115, (23) Marq~iEs dc Frontcira, op. cit., p. 140. (24) Marquesa de Aloma, Inédiros. Cartas e outros escritos. ..., p. 120. (25) ibidem, p. XXIV. (26) ibidem, p. 196.