A Prospectiva Estratégica para as Empresas e o Território - Michel Godet and Philippe Durance

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Para as empresas e os territórios A prospectiva estratégica Michel Godet Philippe Durance

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Transcript of A Prospectiva Estratégica para as Empresas e o Território - Michel Godet and Philippe Durance

  • A PROSPECTIVA ESTRATGICA

    PARA AS EMPRESASE OS TERRITRIOS

  • Michel GodetPhilippe Durance

    A PROSPECTIVAESTRATGICA

    PARA AS EMPRESASE OS TERRITRIOS

  • Michel GODET:

    Titular da ctedra de Prospectiva Estratgica no ConservatoireNational des Arts & Mtiers (CNAM), fundador e animador duCrculo dos Empreendedores do Futuro.

    Philipe DURANCE:

    Professor associado no Conservatoire National des Arts &Mtiers (Escola de Gesto & Sociedade), membro activo doCrculo dos Empreendedores do Futuro.

    A publicao deste livro foi possvel graas cooperao entre oGabinete de Prospectiva da UNESCO e o Crculo dos Empreendedo-res do Futuro. O Crculo dos Empreendedores do Futuro um pro-jecto comum entre o Centro Nacional do Empresariado (CNE-CNAM) e a Fundao Prospectiva & Inovao.

  • Prefcio

    Hans dOrville

    Sub-Director Geral para oPlaneamento Estratgico da UNESCO

    Saber prever e prever ter poder. Esta mxima de AugusteComte exprime de forma astuciosa a ambio e o foco das activi-dades de previso do futuro, em geral, e o envolvimento daUNESCO nessas mesmas actividades, em particular. Atravs da suaaco nos domnios da educao, das cincias, da cultura e da comu-nicao, a UNESCO promove a criao, a difuso, o uso, a aplicaoe a preservao do saber, enquanto instrumento de uma estratgiaglobal para construir a paz e uma cultura de paz, envolvendo opoder do dilogo e sociedades do conhecimento efectivas e inclu-sivas.

    O texto constitutivo da UNESCO de 1945 enuncia, no seu prem-bulo, um objectivo claro e desafiador, que se inspira em muitas tradi-es polticas e filosficas, essencialmente de carcter humanista,designadamente a promoo, atravs da cooperao internacional,da adeso ao princpio essencial que afirma: nascendo as guerras noesprito dos homens, no esprito dos homens que devem ser cons-trudas as defesas da paz. Esta pois a viso da UNESCO, com aforte dimenso prospectiva que lhe prpria, afirmando nomeada-mente que devemos catalisar para este fim os esforos de todas aspartes envolvidas Estados membros, sociedade civil e, de formacrescente, empresas privadas e cidados conscientes. Fundador daprospectiva, Gaston Berger foi o primeiro a abraar esta viso, eleque, em 1946, foi membro da Delegao francesa primeira Confe-rncia Geral da UNESCO, ao lado de Lon Blum, Ren Cassin,Frdric Joliot-Curie, Lucien Febvre e ainda Franois Mauriac.

    Hoje, passados mais de sessenta e cinco anos, o mandato da

    UNESCO alargou-se para novos e numerosos domnios e cresceuem ambio, ao mesmo tempo que continuava a defender os ideaisda universalidade e da diversidade. Hoje, somos todos chamados a

  • A PROSPECTIVA ESTRATGICAVIenvolver-nos com o futuro, o nosso futuro e o das geraesvindouras, as quais nos apercebemos serem afectadas por mltiplascrises. As crises globais mais importantes que desafiam a nossa civili-zao, a nossa prosperidade e o nosso bem-estar so: as crises clim-ticas e ecolgicas; as crises financeiras, econmicas e sociais; a crise dapobreza endmica; as crises da agricultura e da energia. Todas estascrises esto interligadas, abrigam ameaas paz e clamam por solida-riedade e pela partilha de valores ticos entre as pessoas e os povos.

    Sendo actor da cooperao multilateral, a UNESCO est mergul-hada no presente, procurando influenci-lo com ideias, valores epadres, lutando ao mesmo tempo pela emergncia de um mundosustentvel, ou seja, com a infraestrutura moral e intelectual neces-sria para a construo do mundo globalizado do futuro. Comopassar da viso aco? necessria uma ponte para passar da noode um futuro desejvel para a realidade de um futuro sustentvel que possvel alcanar. Na UNESCO, atravs da antecipao estrat-gica, expressamente integrada na estratgia de mdio prazo1 e rela-cionada com o Programa Bienal e os documentos oramentais(documentos C/5), que se faz um esforo para traduzir a viso dofuturo desejvel em actividades concretas e programas que osEstados-membros pedem ao Secretariado para implementar, desen-volvendo no processo as cinco funes chave confiadas Organi-zao.

    A UNESCO desempenha diversos papis e funes: a funo delaboratrio de ideias; a funo de organismo normativo, cujosinstrumentos e polticas diversas devem ser integrados nas legislaesnacionais; a funo de cmara de concertao de ideias e de centropara intercmbio de informaes, o qual rene conhecimentos eperitos nos domnios emergentes, como o da tica cientfica enomeadamente a biotcnica; a funo de construtor de capacidadesnos Estados-membros, desenvolvendo neles as necessriascompetncias e instituies; e, por fim, a funo de estrutura catali-sadora da cooperao internacional, quando por exemplo aUNESCO encoraja os Estados-membros a enfrentar desafios emconjunto e a promover o dilogo intercultural.

    Para bem realizar os nossos mltiplos e complexos mandatos, aantecipao estratgica um instrumento essencial que nos ajuda aintegrar e explicitar o mbito e o alcance das nossas expectativas easpiraes. A necessidade de instrumentos, mecanismos e metodolo-

    1. Ver Estratgia de Mdio Prazo para 2008-2013 (documento 34 C/4)

  • PREFCIO VII

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    .gias de antecipao eficazes torna-se maior num contexto em que aaco da UNESCO se inscreve, cada vez mais, no quadro alargadodas Naes Unidas, ao nvel global e dos diversos pases.

    Duas destas dimenses esto organicamente ligadas ao trabalho daantecipao estratgica. Por um lado, temos a gesto baseada nosresultados (RBM), que nos incita a incrementar a coerncia, a perti-nncia e a avaliao fidedigna das vrias aces. Isto conduz-nos auma exigncia especial em matria de antecipao: antecipar paraobter e melhorar os resultados. A outra dimenso a gesto do risco,a qual concentra a nossa ateno sobre as ameaas e as oportuni-dades inesperadas que podem afectar o nosso contexto interno eexterno. Isto define outra caracterstica inerente antecipao: terconscincia da incerteza, a qual pode ser vista como a verdadeiramarca do pensamento e do planeamento orientados para o futuro.

    Gerir para obter melhores resultados e ter em conta os riscos queimporta correr ou evitar, tornaram-se verdadeiros princpios ecompetncias de organizao, estreitamente ligados com a estra-tgia, o oramento e a gesto dos recursos humanos. Todos estointer-relacionados e so uma pr-condio para servirem comocondutores da mudana e no para sermos conduzidos em direcesimprevisveis.

    A publicao deste livro oferece-nos uma oportunidade para reatar aestimulante e benfica parceria que conduziu a uma excelente publi-cao nos anos de 19901. Afinal, prospectiva e antecipao s fazemsentido, na realidade, se forem capazes de divulgar os seus conceitose mtodos, os quais so relevantes para todos os actores, quer sejampblicos ou privados.

    , pois, especialmente benvinda a publicao deste novo manual, namedida em que ele mostra como uma organizao pode elaborar edifundir a sua prpria viso, para alm de uma linguagem e refern-cias comuns, a todos os nveis e para todos os interessados. Comoprospectivistas ou especialistas da antecipao, ns teremos sucessose conseguirmos fazer progredir uma cultura de antecipao, de resi-lincia, de curiosidade e de inovao, as quais ajudaro a criar ummundo mais sustentvel e pacfico.

    Janeiro de 2011

    1. Michel Godet, Da Antecipao Aco. Um Manual de Prospectiva Estrat-gica, UNESCO Publishing, coleco Future-oriented studies, 1994.

  • Sumrio

    Prefcio V

    Prefcio : Prever o futuro ou constru-lo ? XIII

    Introduo : Os fundamentos da Prospectiva Estratgica 1

    Captulo 1Do rigor para uma indisciplina intelectual

    I. Planeamento, prospectiva e estratgia: quais as diferenas? 11

    1. Uma necessria clarificao dos conceitos 132. Dos desejos da Prospectiva s realidades da Estratgia 153. Que estratgias e para que graus de incerteza? 164. Quatro atitudes face ao futuro 165. Cinco questes fundamentais para construir o futuro 176. Os factores de desenvolvimento so antes de tudo endgenos 18

    II. Cinco ideias-chave da prospectiva 19

    1. O mundo muda, mas os problemas mantm-se 202. O futuro, fruto do acaso, da necessidade e da vontade 213. Contra a complicao do complexo 224. Colocar as boas questes e desconfiar das ideias feitas 225. Da antecipao aco por via da apropriao 23

    III. A prospectiva estratgica 25

    1. O planeamento estratgico com base em cenrios 252. A metodologia e as suas etapas 263. Instrumentos para o rigor 294. Abordagens modulares e contingentes 315. Um caso de planeamento com base em cenrios: AXA Frana 326. Uma via de futuro: a prospectiva ao longo da fileira 34

    IV. Do bom uso dos mtodos e dos instrumentos 37

    1. O sonho do prego e o risco do martelo 382. Para que serve um cenrio ? 40

    3. Como avaliar a qualidade de um cenrio 41

  • A PROSPECTIVA ESTRATGICAX4. O diabo est (muitas vezes) nos detalhes 425. Os seminrios de prospectiva estratgica 44

    Captulo 2Dos problemas aos mtodos

    I. O mtodo dos cenrios: viso de conjunto 48

    1. A dinmica dos cenrios 482. A elaborao dos cenrios 493. Utilidade e limites 51

    II. Iniciar o processo: os seminrios de prospectiva 52

    1. Os diferentes tipos de laboratrios 532. Princpios para a implementao e a animao 553. Utilidade e limites 55

    III. Estabelecer o diagnstico da empresa 56

    1. A rvore de competncias 572. Os mtodos e os instrumentos da anlise estratgica 593. O diagnstico estratgico 59

    IV. Identificar as variveis-chave 62

    1. As etapas da anlise estrutural 622. As diferentes variveis e a sua interpretao 653. A colocao em evidncia das variveis escondidas 664. Utilidade e limites 68

    V. Analisar o jogo de actores 69

    1. As fases da anlise 692. Utilidade e limites 72

    VI. VArrer o campo dos possveis e reduzir a incerteza 74

    1. A anlise morfolgica 742. O inqurito DELPHI 783. O baco de Rgnier 814. Um mtodo de impactos cruzados probabilsticos 82

    VII. Avaliar as opes estratgicas 85

    1. As rvores de pertinncia 85

    2. Multipol 88

  • A PROSPECTIVA ESTRATGICAVIenvolver-nos com o futuro, o nosso futuro e o das geraesvindouras, as quais nos apercebemos serem afectadas por mltiplascrises. As crises globais mais importantes que desafiam a nossa civili-zao, a nossa prosperidade e o nosso bem-estar so: as crises clim-ticas e ecolgicas; as crises financeiras, econmicas e sociais; a crise dapobreza endmica; as crises da agricultura e da energia. Todas estascrises esto interligadas, abrigam ameaas paz e clamam por solida-riedade e pela partilha de valores ticos entre as pessoas e os povos.

    Sendo actor da cooperao multilateral, a UNESCO est mergul-hada no presente, procurando influenci-lo com ideias, valores epadres, lutando ao mesmo tempo pela emergncia de um mundosustentvel, ou seja, com a infraestrutura moral e intelectual neces-sria para a construo do mundo globalizado do futuro. Comopassar da viso aco? necessria uma ponte para passar da noode um futuro desejvel para a realidade de um futuro sustentvel que possvel alcanar. Na UNESCO, atravs da antecipao estrat-gica, expressamente integrada na estratgia de mdio prazo1 e rela-cionada com o Programa Bienal e os documentos oramentais(documentos C/5), que se faz um esforo para traduzir a viso dofuturo desejvel em actividades concretas e programas que osEstados-membros pedem ao Secretariado para implementar, desen-volvendo no processo as cinco funes chave confiadas Organi-zao.

    A UNESCO desempenha diversos papis e funes: a funo delaboratrio de ideias; a funo de organismo normativo, cujosinstrumentos e polticas diversas devem ser integrados nas legislaesnacionais; a funo de cmara de concertao de ideias e de centropara intercmbio de informaes, o qual rene conhecimentos eperitos nos domnios emergentes, como o da tica cientfica enomeadamente a biotcnica; a funo de construtor de capacidadesnos Estados-membros, desenvolvendo neles as necessriascompetncias e instituies; e, por fim, a funo de estrutura catali-sadora da cooperao internacional, quando por exemplo aUNESCO encoraja os Estados-membros a enfrentar desafios emconjunto e a promover o dilogo intercultural.

    Para bem realizar os nossos mltiplos e complexos mandatos, aantecipao estratgica um instrumento essencial que nos ajuda aintegrar e explicitar o mbito e o alcance das nossas expectativas easpiraes. A necessidade de instrumentos, mecanismos e metodolo-

    1. Ver Estratgia de Mdio Prazo para 2008-2013 (documento 34 C/4)

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    .gias de antecipao eficazes torna-se maior num contexto em que aaco da UNESCO se inscreve, cada vez mais, no quadro alargadodas Naes Unidas, ao nvel global e dos diversos pases.

    Duas destas dimenses esto organicamente ligadas ao trabalho daantecipao estratgica. Por um lado, temos a gesto baseada nosresultados (RBM), que nos incita a incrementar a coerncia, a perti-nncia e a avaliao fidedigna das vrias aces. Isto conduz-nos auma exigncia especial em matria de antecipao: antecipar paraobter e melhorar os resultados. A outra dimenso a gesto do risco,a qual concentra a nossa ateno sobre as ameaas e as oportuni-dades inesperadas que podem afectar o nosso contexto interno eexterno. Isto define outra caracterstica inerente antecipao: terconscincia da incerteza, a qual pode ser vista como a verdadeiramarca do pensamento e do planeamento orientados para o futuro.

    Gerir para obter melhores resultados e ter em conta os riscos queimporta correr ou evitar, tornaram-se verdadeiros princpios ecompetncias de organizao, estreitamente ligados com a estra-tgia, o oramento e a gesto dos recursos humanos. Todos estointer-relacionados e so uma pr-condio para servirem comocondutores da mudana e no para sermos conduzidos em direcesimprevisveis.

    A publicao deste livro oferece-nos uma oportunidade para reatar aestimulante e benfica parceria que conduziu a uma excelente publi-cao nos anos de 19901. Afinal, prospectiva e antecipao s fazemsentido, na realidade, se forem capazes de divulgar os seus conceitose mtodos, os quais so relevantes para todos os actores, quer sejampblicos ou privados.

    , pois, especialmente benvinda a publicao deste novo manual, namedida em que ele mostra como uma organizao pode elaborar edifundir a sua prpria viso, para alm de uma linguagem e refern-cias comuns, a todos os nveis e para todos os interessados. Comoprospectivistas ou especialistas da antecipao, ns teremos sucessose conseguirmos fazer progredir uma cultura de antecipao, de resi-lincia, de curiosidade e de inovao, as quais ajudaro a criar ummundo mais sustentvel e pacfico.

    Janeiro de 2011

    1. Michel Godet, Da Antecipao Aco. Um Manual de Prospectiva Estrat-gica, UNESCO Publishing, coleco Future-oriented studies, 1994.

  • Sumrio

    Prefcio V

    Prefcio : Prever o futuro ou constru-lo ? XIII

    Introduo : Os fundamentos da Prospectiva Estratgica 1

    Captulo 1Do rigor para uma indisciplina intelectual

    I. Planeamento, prospectiva e estratgia: quais as diferenas? 11

    1. Uma necessria clarificao dos conceitos 132. Dos desejos da Prospectiva s realidades da Estratgia 153. Que estratgias e para que graus de incerteza? 164. Quatro atitudes face ao futuro 165. Cinco questes fundamentais para construir o futuro 176. Os factores de desenvolvimento so antes de tudo endgenos 18

    II. Cinco ideias-chave da prospectiva 19

    1. O mundo muda, mas os problemas mantm-se 202. O futuro, fruto do acaso, da necessidade e da vontade 213. Contra a complicao do complexo 224. Colocar as boas questes e desconfiar das ideias feitas 225. Da antecipao aco por via da apropriao 23

    III. A prospectiva estratgica 25

    1. O planeamento estratgico com base em cenrios 252. A metodologia e as suas etapas 263. Instrumentos para o rigor 294. Abordagens modulares e contingentes 315. Um caso de planeamento com base em cenrios: AXA Frana 326. Uma via de futuro: a prospectiva ao longo da fileira 34

    IV. Do bom uso dos mtodos e dos instrumentos 37

    1. O sonho do prego e o risco do martelo 382. Para que serve um cenrio ? 40

    3. Como avaliar a qualidade de um cenrio 41

  • A PROSPECTIVA ESTRATGICAX4. O diabo est (muitas vezes) nos detalhes 425. Os seminrios de prospectiva estratgica 44

    Captulo 2Dos problemas aos mtodos

    I. O mtodo dos cenrios: viso de conjunto 48

    1. A dinmica dos cenrios 482. A elaborao dos cenrios 493. Utilidade e limites 51

    II. Iniciar o processo: os seminrios de prospectiva 52

    1. Os diferentes tipos de laboratrios 532. Princpios para a implementao e a animao 553. Utilidade e limites 55

    III. Estabelecer o diagnstico da empresa 56

    1. A rvore de competncias 572. Os mtodos e os instrumentos da anlise estratgica 593. O diagnstico estratgico 59

    IV. Identificar as variveis-chave 62

    1. As etapas da anlise estrutural 622. As diferentes variveis e a sua interpretao 653. A colocao em evidncia das variveis escondidas 664. Utilidade e limites 68

    V. Analisar o jogo de actores 69

    1. As fases da anlise 692. Utilidade e limites 72

    VI. VArrer o campo dos possveis e reduzir a incerteza 74

    1. A anlise morfolgica 742. O inqurito DELPHI 783. O baco de Rgnier 814. Um mtodo de impactos cruzados probabilsticos 82

    VII. Avaliar as opes estratgicas 85

    1. As rvores de pertinncia 85

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    .Captulo 3A prospectiva estratgica para os territrios

    I. Gnese e desenvolvimento da prospectiva territoriaL 92

    1. Planificao, prospectiva e ordenamento do territrio 922. Um contexto legislativo recente muito favorvel 100

    II. A prospectiva territorial uma prospectiva estratgica 103

    1. Uma abordagem prospectiva 1032. Uma elaborao estratgica 1043. Um processo participativo 1074. Os trs livros: azul, amarelo e verde 108

    III. Prospectiva territorial e aprendizagem organizacional 109

    1. Os estudos prospectivos 1092. O apoio deciso 1103. A mobilizao 1114. A conduo da mudana 111

    IV. Algumas armadilhas a evitar 112

    1. O risco da demagogia participativa 1122. No confundir governabilidade com governana 1133. Demasiados cenrios e menos projectos endgenos 114

    Captulo 4Os cenrios, instrumentos da Estratgia e da Gesto

    I. Do bom uso dos cenrios: a Shell ontem e o INRA hoje 120

    II. A prospectiva do transporte areo no horizonte de 2050 121

    1. As principais inflexes e rupturas 1222. As evolues do lado da procura e os comportamentos 1243. As evolues dos parmetros da oferta 1274. Interrogaes sobre as regulaes 131

    III. Dois cenrios para a agricultura 133

    1. Cenrio 1: E se o libralisme cego fizesse morrer o campo 1342. Cenrio 2: E se a Frana das hortas produzisse operrios da Natureza 136

  • A PROSPECTIVA ESTRATGICAXIIIV. A ANAH 2010, uma prospectiva conseguida 139

    1. Da prospectiva participativa 1412. Das ideias feitas s ideias de aco 1443. Que competncias para a ANAH? 1474. Objectivos estratgicos e meios 1495. estratgia da reorganizao 151

    Concluso : As chaves da excelncia nas empresas e nos territrios 155

    Anexo : Como me tornei prospectivista 163

    Bibliografia 173

  • Prefcio

    P r e v e r o f u t u r o o u c o n s t r u - l o ?

    A traduo deste livro de introduo prospectiva estratgica1

    comea com a escolha difcil de saber como traduzir o conceitofrancs de prospectiva nas outras lnguas. Em espanhol , em portu-gus e nas outras lnguas latinas, o conceito o mesmo. em inglsque a traduo coloca um verdadeiro problema. Nunca houve umverdadeiro equivalente: nem futurology, nem futures studies,nem forecasting; sendo este ltimo muito marcado pela modeli-zao econmica e pela previso tecnolgica. Nas minhas obras ante-riores em ingls, a dificuldade foi muito simplesmente contornada:num caso, a conselho de Igor Ansoff, que prefaciava, a palavra foisubstituda no ttulo por scenarios2 (Godet, 1987); noutro, apalavra foi evitada intitulando o livro Creating Futures (Godet,2006). O nico caso em que no me decidi, o de From Anticipationto Action: A Handbook of Strategic Prospective (Godet, 1994), nopassou despercebido aos olhos dos anglo-saxes que, hoje em dia,usam um ttulo mais longo na Amazon, acrescentando (Future-oriented Studies) para estarem seguros de bem explicarem do quese trata !

    No princpio dos anos 90, a clula de prospectiva da Comisso Euro-peia chamava-se Forward Unit, em ingls. Em 1993, aquando deuma reunio europeia organizada em Ispra (IPTS, 1993), tnhamoslanado, com Ian Miles, o conceito de Profutures (contraco deProspectiva e de Futures). Na poca, a unidade de Ian Miles naUniversidade de Manchester chamava-se Strategic Prospective(Miles, 2010). Espervamos, nessa poca, fazer passar o conceito deprospectiva em lngua inglesa (Bain, Roubelat, 1994; IPTS 1995;

    1. Agradecemos ao editor ter-nos permitido traduzir e difundir este livro emvrias lnguas.

    2. Scenarios and Strategic Management em vez de Prospective et PlanificationStrategique.

  • A PROSPECTIVA ESTRATGICAXIVGodet, 1979). O que no tinham conseguido nos Estados Unidos,algumas dcadas antes, Andr Cournand e Maurice Levy (1973), ouPhilippe de Seynes (Godet 1979), ao publicarem em ingls os textosfundadores, ia poder fazer-se na Europa ? Esperana infundada, semdvida por falta de apoio da Comisso Europeia, que nada fez parapromover a Escola Francesa de Prospectiva, embora colhesse nela asua inspirao. o ingls que domina e foi portanto o conceito deforesight, aparecido no final dos anos 90, que se imps. Poucoimporta o continente se o contedo o mesmo. Precisamos todaviade falar de strategic foresight para nos aproximarmos, emboraincompletamente, do contedo da prospectiva tal como a prati-camos e descrevemos nesta obra.

    Assim, durante vrios anos, o conceito de prospectiva no encontroutraduo em ingls. Utilizava-se, quando necessrio, o termo francsla prospective para designar esta disciplina, que se esfora porantecipar para esclarecer a aco presente luz dos futuros possveise desejveis. Foi necessrio esperar por 1996 para que Ben R.Martin, num artigo que se tornou histrico para o lanamento doconceito de foresight, evocasse pela primeira vez a equivalnciacom o francs prospective: the starting point of foresight, as withla prospective in France, is the belief that there are many possiblefutures (Martin, 1996; 2010).

    Esta traduo apenas aproximada porque, se existe de facto noconceito de foresight a ideia de debate participativo que realmentese encontra na prospectiva moderna, falta em todo o caso a ideia deprojecto e de proactividade, quer dizer, a ideia da construo volun-tarista de um plano de aco para provocar as mudanas desejadas ea realizao de um projecto. por esta razo que a expresso stra-tegic foresight nos parece hoje mais adaptada para se aproximar dela prospective, tal como esta se desenvolveu em Frana e no mundolatino. Na obra presente, utilizaremos indiferentemente strategicforesight ou strategic prospective para designar a prospectiva.

    Algumas reflexes sobre as diferenas de concepo da prospectiva entre os Estados Unidos e a EuropaEste nmero especial foi fonte de numerosos ensinamentos para todosos que estiveram implicados na sua preparao. Os editores convida-dos, o editor chefe e vrios co-autores, puderam estudar a prospectivatal como ela efectivamente praticada tanto no continente americanocomo na Europa. Havia entre ns um acordo tcito sobre o que nos

    parecia ser o strategic foresight, os seus conceitos e as suas prticas.

  • PREFCIO XV

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    .Parecia-nos poder encontrar facilmente um terreno de entendimentoentre dois dos principais lugares de origem dos mtodos de antecipa-o depois da Segunda Guerra Mundial e, no entanto, radicalmentediferentes desde o incio: de um lado, os Estados Unidos, com aborda-gens muito avanadas de technological forecasting, desenvolvidasnum ambiente principalmente militar; do outro, a Frana, com umaatitude prospectiva fundada sobre uma crtica da deciso, deixando umgrande lugar liberdade humana e s reflexes sobre as finalidades daaco e os valores. (...)

    Ao longo das nossas discusses, surgiram vrias oposies que seencontram, de forma mais ou menos explcita, nas diferentes contribui-es publicadas. A primeira respeita ao significado do termo foresi-ght em si mesmo, que s se aproxima da prospectiva na condio dese qualificar como strategic foresight. No estilo americano, o res-pectivo significado limitado imagem de um futuro dado. Nofamoso relatrio Bruntland, publicado pelas Naes Unidas em 1987,o termo foresight usado na verso inglesa original e traduzido naverso francesa por intuio. Tal exemplo ilustra perfeitamente estaconcepo. Nesta perspectiva, o termo foresight no deveria serusado para designar o processo, assim como os instrumentos associa-dos, que conduzem definio desta imagem. No estilo francs, aprospectiva, como o seu suposto equivalente strategic foresight, considerado como designando ao mesmo tempo um processo e oresultado deste processo em termos de aco.

    Esta primeira oposio constitui uma parte explicativa da segunda, querespeita prtica da prospectiva. Considerar que o foresight unica-mente um resultado permite considerar o papel do prospectivista comosendo o de fornecer a determinados clientes imagens de futuros pr-determinados, sem estes ltimos concederem qualquer importnciaaos meios usados para os estabelecer. Esta postura tem duas conse-quncias importantes.

    Primeiramente, o processo de criao destas vises do futuro, mesmose transparente para o cliente, do domnio exclusivo do futurista.O cliente no participa na realizao deste trabalho. Este aspectorepresenta certamente a oposio mais forte com o estilo francs.Para a prospectiva fundamental que os beneficirios deste trabalhosejam tambm os seus prprios produtores. (...)

    Em segundo lugar, ver o foresight simplesmente como um resultadono implica nenhuma relao directa com a tomada de deciso e a pre-parao da aco: o cliente recebe simplesmente estas vises que vopermitir-lhe modificar o seu estado de conscincia relativamente a umadada situao. O estilo americano fala de strategic foresight no

    por causa de uma qualquer relao com a elaborao da estratgia, mas

  • A PROSPECTIVA ESTRATGICAXVIporque o seu horizonte de trabalho simplesmente superior ao do pla-neamento operacional. No estilo francs justamente porque aprospectiva est directamente ligada aco que ela estratgica. Noseio de uma organizao, o estudo dos futuros possveis e desejveis,em si mesmos, no tem interesse se no for destinado a influenciar con-cretamente a aco. E para assegurar que a estratgia seja a mais ade-quada possvel s realidades actuais e futuras da organizao, ela deveser partilhada e repousar sobre um conhecimento ntimo das dinmicasdo contexto.Para l destas oposies, os dois estilos partilham dois grandes princ-pios, que so realmente constitutivos da prospectiva e do strategicforesight: a vontade humana capaz de influenciar o futuro de formaa favorecer o desejvel e esta capacidade fundamenta uma obrigaomoral de reflectir sobre o futuro e sobre as suas trajectrias possveis.Eles partilham igualmente de um dos objectivos da prospectiva queconsiste em fazer com que os actores tomem conscincia das hiptesesimplcitas em que se baseiam as suas decises, para as pr em causa eeventualmente modific-las. Partilham, enfim, das grandes linhas domtodo prospectivo enquanto tal (descrio do sistema estudado,identificao das variveis chave e dos actores, formalizao das ten-dncias, descrio dos futuros possveis, escolha de um futuro dese-jvel, etc.). Em definitivo, mesmo se as duas concepes podem surgirde lugares profundamente opostos, as suas diferenas no deixam deser sensivelmente menores do que aquelas que, h sessenta anos, pesa-vam sobre as respectivas concepes de origem.

    Joseph Coates, Philippe Durance, Michel GodetEste extracto foi tirado da introduo ao nmero especial da revistaTechnological Forecasting and Social Change, consagrado prospectivaestratgica, editado por Joseph Coates, Philippe Durance e MichelGodet publicado em Novembro de 2010 (volume 77, n 10).

    Esta indisciplina intelectual forosamente transdisciplinar e caracte-rizada por uma viso global e sistmica, onde os actores e as variveispodem desempenhar um papel chave na construo de um futurosempre aberto, em que os determinismos no impedem a determi-nao de vencer. O futuro fruto da vontade humana, a qual trans-portada pelos nossos projectos, pelos nossos desejos e pelos nossossonhos.

    O filsofo Gaston Berger (1957b) considerado o pai da prospec-tiva, na sequncia de um artigo seminal de 1957. Ele prprio eradiscpulo do filsofo Maurice Blondel, que considerava o futuro

    como um domnio a construir a partir dos materiais e das limitaes

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    .do passado: o futuro no se prev, prepara-se, dizia ele. GastonBerger ia ainda mais longe considerando que o futuro a razo deser do presente e que uma grande parte das nossas aces explica-sepelos projectos que as justificam.

    Na verdade, estas ideias no so novas e encontram-se j nasreflexes de Aristteles, ao distinguir a causa eficiente, a que provocao efeito, da causa final, a que justifica os nossos actos com base numprojecto. O conceito de projecto e de plano de aco para o realizartambm no novo. Encontra-se j em Sneca, para quem no hvento favorvel para quem no sabe para onde vai.

    Para a prospectiva, o futuro no est escrito, no essencial, mas antespara ser construdo pelos actores mais bem colocados e determi-nados a bater-se pela vitria dos seus projectos. assim que a anteci-pao se dividiu em atitudes complementares mas frequentementeseparadas: a pr-actividade e a pr-actividade. A primeira aplica-se aantecipar as mudanas previsveis para melhor se preparar para elas edelas tirar partido. A se encontram todas as abordagens dos futuresstudies, do forecasting, do scenario planning. A segunda, maisvoluntarista, procura provocar as mudanas desejadas atravs deaces (a inovao, por exemplo, para a conquista de mercados).

    Bem entendido, a prospectiva de Gaston Berger, qual nos refe-rimos, antes de mais uma reflexo para esclarecer a aco presente luz dos futuros possveis e desejados1. Se esta viso voluntarista percebida naturalmente pelas empresas familiarizadas com o stra-tegic planning, ela muitas vezes olhada com suspeita pelos defen-sores da economia de mercado, que desconfiam dos partidrios doplaneamento econmico e social e confiam antes nos mecanismos demercado. As questes do desenvolvimento sustentvel, da responsa-bilidade em relao ao planeta e s geraes futuras ou da regulaoe da melhor governana dos sistemas financeiros ressaltam destaatitude voluntarista e proactiva face ao futuro.

    1. A abordagem em termos de futuribles (contraco dos futuros possveis),lanada alguns anos mais tarde por Bertrand de Jouvenel, est mais virada paraa antecipao especulativa. Alis, no seu livro L'Art de la Conjecture, escritoem 1964, Jouvenel no usa uma nica vez a palavra prospectiva. No fim dosanos 70, eu perguntei-lhe porque no tinha usado o conceito de prospectivade Gaston Berger, alis citado uma s e nica vez no princpio da obra, peloseu papel em favor das cincias sociais. A sua resposta foi simplesmente: paraqu, se a mesma coisa ! . A Histria reteve o conceito de prospectiva e noo de conjectura. Ateno, todavia: a conjectura sobre os futuros possveis no isenta de risco, porque ela leva frequentemente construo de demasiadoscenrios esquecendo a necessidade de ter projectos.

  • A PROSPECTIVA ESTRATGICAXVIIIEsta obra constitui uma introduo prospectiva estratgica queprocura somente dar um resumo do campo coberto pelo Manual deProspectiva Estratgica que venho publicando desde h perto devinte anos, apoiando-me sobre a experincia de investigao e daactividade como professor consultado pelas empresas e pelos terri-trios desde h mais de 40 anos (Godet, 2007).

    Quero preparar a substituio de geraes e, nesse sentido, tenhomuito prazer em assinar este livro1 conjuntamente com PhilippeDurance, certamente o mais fiel, o mais eficaz e o mais prometedordaqueles que pude influenciar. A sua tese sobre Gaston Berger, sob adireco de Jacques Lesourne, defendida no CNAM em 2009, cons-tituir certamente um marco importante.

    Vista do estrangeiro, a irradiao da Escola Francesa de Prospectivanunca cessou de se manifestar desde o final dos anos 50 e ns manti-vemos a chama acesa desenvolvendo mtodos to rigorosos comoparticipativos, fazendo apelo aos instrumentos racionais para abordara complexidade e fecundar o pensamento pela imaginao, redu-zindo as incoerncias colectivas.

    Desde 2003, tive a grande alegria, graas ao Cercle des Entrepre-neurs du Futur, que compreende meia centena de grandesempresas2, de pr estes mtodos rigorosos e os programas inform-ticos associados para identificar as variveis chave, analisar os jogosde actores, construir os cenrios, probabiliz-los, fazer escolhasnuma base multicritrios e em futuro incerto gratuitamente disposio na Internet e em trs lnguas (francs, ingls, espanhol).Desde h cinco anos, houve mais de 40.000 descargas a nvelmundial, das quais cerca de 40% vieram da Amrica Latina, o quetestemunha a influncia real da Escola Francesa de Prospectiva.

    1. A verso portuguesa deste livro foi elaborada por uma equipa do IEESF - Ins-tituto Superior de Estudos Sociais e Formao, sob a direco do Prof. JlioG. Dias.

    2. O Cercle des Entrepreneurs du Futur, criado em 2003, compreende meia cen-tena de membros. Tem como objectivo principal contribuir para a sociedadedo conhecimento e apoiar o empreendedorismo, ajudando as empresas a pen-sar e agir de outra forma (cf. http://www.laprospective.fr/cercle-des-entre-preneurs.html). graas a este Crculo que os programas informticos deprospectiva puderam ser postos on line gratuitamente, em vrias lnguas. Em2010, o Cercle des Entrepreneurs du Futur tornou-se um programa da Fon-dation Prospective et Innovation. Esta Fundaode utilidade pblica, presi-dida por Jean-Pierre Raffarin, antigo primeiro ministro (cf. (http://www.prospective-innovation.org/).

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    .Ningum profeta no seu pas: no conseguimos suscitar o mesmointeresse junto dos poderes pblicos que, ao contrrio das empresascitadas, continuam a lanar exerccios de prospectiva sobre a Franade amanh sem mesmo pensar em dar um pouco de formao aosmembros dos seus grupos de reflexo, considerando sem dvida queesta indisciplina intelectual se apreende por si prpria, como a prosade M. Jourdain. Nas colectividades territoriais, o interesse est maisespalhado que nos Ministrios, mas o profissionalismo e o rigor noesto sempre presentes.

    Uma palavra ainda sobre a Escola Francesa de Prospectiva: asdivises internas no impedem a sua irradiao, mas esta certa-mente menor em razo das capelas que rivalizam demasiadas vezescom base na confuso entre o trabalho terico e o dos consultores,at porque a prospectiva tambm uma actividade rentvel pelomenos para estes. Os objectos de discrdia so mltiplos: achamosque hoje se abusa da elaborao de cenrios em detrimento da cons-truo de projectos endgenos. Abusa-se igualmente do uso demtodos que sistematizmos, como a anlise morfolgica, quepermite construir cenrios encaixados como um jogo de Lego, mascuja pertinncia, coerncia e sobretudo verosimilhana, dependemdo conhecimento, da cultura e da experincia dos que os constroem.Pode aprender-se a dizer a missa dos mtodos de cor em algumassemanas. Mas preciso anos de prtica e de pesquisa nos textos parase vir a ser um profissional experimentado. Contribuir para a trans-misso do capital humano da prospectiva estratgica, tal a ambiodeste livro como dos precedentes.

    Enfim, estou muito reconhecido UNESCO, que j tinha publicadoem 1994 From Anticipation to Action, por se ter associado Fundao Prospectiva e Inovao e s Edies Dunod para difundireste livro em verses bilingues1.

    Professor Michel Godet

    Paris, Janeiro de 2011

    1. Esto previstas, para comear, verses Francs-Ingls, Francs-Portugus,Francs-Espanhol, Francs-Arabe e Francs-Alemo. Esto tambm previstasverses Francs-Chins e Francs-Italiano. O conjunto ser progressivamenteposto on-line.

  • Introduo

    O s f u n d a m e n t o s d a P r o s p e c t i v a E s t r a t g i c a

    A Prospectiva alimenta-se da Histria ; de uma poca para outra,enquanto os homens vo mudando os problemas permanecemmuitas vezes idnticos. De igual modo, para bem compreender osobjectivos, o alcance e o mtodo da Prospectiva, til debruarmo-nos sobre as grandes ideias que esto na origem desta prtica todivulgada nos dias de hoje.

    A Prospectiva foi instituda em meados dos anos 50 pelo filsofoGaston Berger, o qual a formaliza principalmente com base numacrtica aos processos de deciso. A partir de 1955, Berger vai forjar asua argumentao em favor da tomada em considerao do futuronas decises humanas. Para este efeito, ele traa os contornos de ummtodo novo que reconcilia saber e poder, finalidades e meios,dando ao homem poltico a possibilidade de transformar a sua visodo futuro em aces, os seus sonhos em projectos. Mais tarde, apartir de 1958, ele definir as modalidades desta nova metodologia.Aps a sua morte em 1960, o seu pensamento ser perpetuado porum grupo de militantes que, fazendo parte da elite da sociedadeeconmica e poltica francesa, se encarregaro de difundir os grandesprincpios desse pensamento et os iro aplicar na preparao dealgumas das grandes escolhas polticas daquele tempo.

    A ideia de uma cincia do homem do futuro

    Os anos 50 so ainda muito marcados pelos actos de barbrie come-tidos durante a Segunda Guerra Mundial. Enquanto que as relaesse mundializam e se complexificam, a Frana entra num perodo decrescimento sem precedentes. A evoluo rpida das tcnicas pe emdesordem um grande nmero de abordagens da realidade e, paramuitos intelectuais daquela poca, as descobertas feitas pela Cinciapem tantos ou mais problemas do que aqueles que resolvem. Sob

    estes mltplos efeitos, a acelerao da velocidade do tempo tornou-

  • A PROSPECTIVA ESTRATGICA2se um facto da experincia, a lei normal da transformao do mundo.Assim, o futuro avana mais rapidamente que as ideias (Berger,1957). As consequncias das decises tomadas hoje produzir-se-onum mundo totalmente diferente daquele em que foram preparadas.

    Neste contexto, para Berger, os mtodos clssicos j no so sufi-cientes: baseados essencialmente na experincia (isto , no passado),eles j no permitem governar, nem dirigir, nem administrar. Denotar que o filsofo no pe em causa nem o sentido nem o valor daHistria, mas apenas a sua utilizao na preparao das decises. Defacto, a Histria e a Prospectiva tm muito em comum, e particular-mente pelo facto de ambas se debruarem sobre factos nopresentes: o passado j no est presente, o futuro ainda no existe(Berger, 1959). O passado deve servir para detectar as realidades quepermanecem, as tendncias pesadas, teis para forjar hipteses ouregras operatrias, eficazes para a aco mas no para definir modeloscuja aplicao simples viria substituir-se anlise e ao pensamentoexplcito. Estas atitudes retrospectivas j no so adequadas. No mais possvel viver com base nestes adquiridos. Anticipar a partir dopassado, mesmo a partir da sua forma mais cientfica (extrapolao),significa prever o futuro de forma determinstica, como se o fen-meno estudado se mantivesse congelado, fora do tempo.

    A crtica de Gaston Berger visa directamente a deciso pblica. Eleprprio, sendo na altura alto funcionrio do Ministrio da EducaoNacional1, constata que os meios a utilizar so muitas vezes defi-nidos antes da definio dos fins a atingir. Entretanto, a realidadeimpe claramente uma hierarquia inversa: determinar primeiro osfins e, depois, os meios correspondentes. Berger constata que, naprtica, a distino entre os fins e os meios no simples de fazer.Querer, poder e saber envolvidos numa espcie de nebulosa clara-obscura que entrava a deciso. Em definitivo, os fins resignam-se namaior parte das vezes aos meios de que dispe o decisor nummomento dado, no significando mais do que a menos m das solu-es. Assim, o homem pode ser levado a renunciar a uma condiomelhor, julgada utpica, porque os meios necessrios para a obterno foram ainda descobertos (Berger, 1958a).

    Para o filsofo, uma cincia do homem do futuro,uma antropologia prospectiva, teria pois por funo fazer emergiras aspiraes humanas, com base no estudo das diferentes situaes

    1. Gaston Berger foi director-geral adjunto do Ensino Superior no Ministrio daEducao Nacional em 1952 e depois director-geral entre 1953 e 1960.

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    .em que o homem poderia encontrar-se no futuro. Esta missoseria confiada a especialistas de diversos horizontes capazes deindicar o modo como as coisas tm tendncia a evoluir no futuro.Tratar-se-ia de pr a colaborar aqueles que definem o desejvel comaqueles que so os melhores a definir os possveis. A ideia dedesenhar os mundos possveis, em traos largos, deve permitir escla-recer o juzo sobre o caminho a seguir e faz-lo em tempo til paraque a deciso seja eficaz. Deste modo, Berger atribui Prospectiva,abertamente, uma finalidade normativa.

    O esprito prospectivo

    A partir de 1958, Gaston Berger vai formalizar alguns dos grandesprincpios da sua teoria. Este esforo apoiar e ser ele prprioapoiado pelos trabalhos de aplicao realizados com os membros doCentro Internacional de Prospectiva, que ele criou em 1957.Partindo do princpio de que a teoria tem um poder menor que oexemplo, e considerando que a formalizao de um mtodo frutode um esforo reflexivo sobre a prtica, Berger e os fundadores doCentro no cessaro de suscitar e de realizar estudos sobre temasconcretos: consequncias das grandes inovaes tcnicas (utilizaoda energia atmica para fins pacficos, ciberntica, astronomia,aeronutica, etc.), as relaes entre o Ocidente e o resto do mundo,as relaes progresso-sociedade, etc. So realizadas deslocaes aoestrangeiro para participar em congressos considerados importantese a propor elementos de reflexo que vo no sentido da novapostura que a atitude prospectiva. Estes trabalhos mobilizamnumerosas pessoas de horizontes mltiplos: investigadores, universi-trios, altos funcionrios, quadros dirigentes de grandes empresas.Constituem-se equipas que juntam especialistas complementares emtorno do mesmo objecto de estudo.

    A postura defendida ento por Berger (1957) em relao ao futuroreposa sobre seis virtudes fundamentais. A primeira destas qualidades a calma, necessria ao distanciamento que permite conservar odomnio de si. A imaginao, complemento til da razo, abre a viada inovao e confere, quele que sabe fazer prova disso, um olhardiferente, original, sobre o mundo. O esprito de equipa indispen-svel para uma aco eficaz, assim como o entusiasmo, que puxa paraesta mesma aco e torna o homem capaz de criar. A coragem essencial para sar dos caminhos traados, para inovar, paraempreender e aceitar correr os riscos inerentes. Enfim, o sentido

    humanista a virtude primordial: para ter conscincia do seu futuro,

  • A PROSPECTIVA ESTRATGICA4uma sociedade deve pr o homem em primeiro lugar. Para isso, acultura deve desempenhar um papel de primeira grandeza: elapermite apreender o pensamento do outro ; ela d a possibilidade decompreender antes de julgar ; ela mostra, atravs de diferentesformas, como o homem pode tomar o destino nas suas mos.

    Para alm das qualidades necessrias para enfrentar esse mundo novoque o futuro, Berger desenvolve as bases de uma atitude prospec-tiva que torna possvel tomar em conta esse mundo novo na suanatureza original, que abre todas as possibilidades ao seu desenvolvi-mento e permite preparar a aco.

    Numa poca em que as causas engendram os seus efeitos a uma velo-cidade crescente, no mais possvel ficarmo-nos pelos efeitosimediatos das aces em curso. A Propectiva tem, pois, por objectoo estudo do futuro longnquo. Este horizonte afastado no umobstculo, bem pelo contrrio ; no procurando predizer nem seinteressando pelos factos, mas pelas situaes, ela no tem que fixardatas para os seus resultados e pode esperar assim um grau de certezaelevado. Com efeito, mais fcil indicar um tendncia geral que adata e a intensidade de um determinado acontecimento. Entretanto,a Prospectiva no se ope previso de curto prazo, que continua aser indispensvel; as duas abordagens completam-se. De igual modo,a prospectivao de situaes afastadas no tempo implica ultrapassarabordagens demasiado especializadas e mobilizar o contributo devrias competncias para que, da confrontao dos diversos pontosde vista sobre o futuro, possa nascer uma viso comum feita decomplementaridades. Enfim, a Prospectiva deve recusar a utilizaode mtodos de anlise baseados no hbito e na rotina para se dedicara um trabalho de anlise em profundidade que seja capaz de identi-ficar os factores verdadeiramente determinantes e de permitircompreender o comportamento e as motivaes dos homens. Estesprincpios ver longe, ver largo e analisar em profundidade fazemda Prospectiva uma actividade de sntese e conferem-lhe os meiospara ser global, pois a interdependncia constitui o facto mais inc-modo que a Prospectiva deve integrar. Trata-se de encarar as conse-quncias dos actos e de ver como estas se relacionam com o que sepassa em todos os outros domnios, porque as verdades fragmen-trias so por vezes to nocivas como os erros (Berger, 1958b).

    Berger acrescenta duas outras dimenses necessrias atitude pros-pectiva. A primeira a assuno de riscos; para o filsofo estadimenso constitui um desafio de primeira grandeza. Em primeiro

    lugar, ela torna-se possvel porque, ao contrrio da previso de curto

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    .prazo (que conduz a decises imediatas e, muitas vezes, de carcterirreversvel) obrigando, assim, maior prudncia -, o horizonteafastado da Prospectiva autoriza a audcia; ser sempre possvel, nummomento posterior, modificar as aces lanadas hoje, adaptando-ass novas circunstncias entretanto sobrevindas. A assuno de riscos igualmente uma atitude necessria; num mundo cada vez mais difi-cilmente previsvel, preciso inovar: ou provocar a mudanacomporta uma parte importante de risco. A segunda dimenso dizrespeito finalidade da Prospectiva, a qual permite definir, noapenas o que pode acontecer, mas o que os homens querem queacontea. Deste modo, ela abre a via a uma verdadeira construo dofuturo. Para Gaston Berger, mesmo que isso fosse possvel, noserviria de nada prever o que se ir passar, em qualquer caso ; oimportante prever o que se poderia passar caso o homem nofizesse nada para mudar o curso das coisas. Assim, a Prospectivaliberta o homem da fatalidade (1959) e provoca a aco. Bergerconvida-nos a considerar que, em todas as circunstncias, o homem a finalidade e que as finalidades esto no corao das aceshumanas.

    Do esprito ao mtodo prospectivo

    Entre 1959 e 1960, estando j definidas as principais caractersticasda atitude prospectiva e realizados os primeiros estudos prospec-tivos, Gaston Berger ser secundado na sua reflexo por algunsmembros do Centro Internacional de Prospectiva, em particularPierre Mass, o ento Comissrio do Plano. Este grupo dedicar-se-a precisar certas modalidades de aco da Prospectiva sobre a reali-dade atravs da fixao de um certo nmero de regras para acoprtica.

    Dado que o futuro pertence ao domnio da vontade, a Prospectivadeve ter por objectivo tornar a aco eficaz. No se trata de construiruma teoria da aco, mas sobretudo uma cincia da prtica que, maisdo que uma simples aplicao dos mtodos cientficos aos problemashumanos, dever constituir uma verdadeira mudana de perspectiva;o objecto no consiste em observar o futuro a partir do presentemas, pelo contrrio, observar o presente a partir do futuro. Estamudana de perspectiva implica fazer a escolha de um futuro entreos muitos futuros possveis e pe em primeiro plano, mais uma vez,o problema da finalidade da aco. A reflexo sobre os fins no separvel de um conhecimento exacto dos meios possveis. A Pros-

    pectiva permite uma confrontao permanente entre os fins, os

  • A PROSPECTIVA ESTRATGICA6meios e a realidade das situaes presentes (Berger, 1959). A neces-sidade de uma articulao entre o exploratrio e o normativo assimexplicitamente postulada.

    Que fazer concretamente? Para servir o homem de aco e ser eficaz,a Prospectiva deve esclarecer o sentido geral e profundo dos factosobservados, elaborar planos e programas, emitir recomendaesimediatamente aplicveis, mostrar as ideias em aco, fixar objectivospossveis que devero ser alcanados. Ela dever ainda permitircombater as ideias falsas, as ideias feitas (Bourbon-Busset, 1959) eevitar a perda de tempo com falsos problemas ou questes ultrapas-sadas, convidando deste modo a pr em questo, continuamente,as regras !das! aces !empreendidas! e os objectivos !das! institui-es (Berger, 1960). Por tudo isto, a razo no suficiente; elaprecisa da ajuda da imaginao, essa disponibidade do esprito, querecusa deixar-se enquadrar, que considera que nada est atingido emdefinitivo e que tudo pode ser sempre reposto em questo(Bourbon-Busset, 1959 ; Mass, 1959).

    Todas as organizaes se situam face a um contexto em que oscomportamentos so aleatrios. A cada estatgia que elas pretendamlevar para a frente corresponde um certo nmero de futros possveis.A Prospectiva tem por misso determinar esses futuros possveis eavaliar os aspectos qualitativos e quantitativos que os caracterizam.Quando os futuros mais verosmeis comportam elementos desfa-vorveis, o papel da Prospectiva consiste em encontrar estratgiasactivas que eliminem ou minimizem esses elementos (Mass, 1959).

    O exerccio da Prospectiva comporta uma dificuldade maior na suaabordagem ao futuro; diversos tempos se sobrepem sem seconfundirem (Mass, 1959). Mas, embora as escalas temporaissejam diferentes, elas so vividas pelos homens em simultneo, j quevivem em conjunto e devem fazer face ao mesmo futuro. A interde-pendncia de actividades com temporalidades diferentes implica anecessidade de escolher uma medida comum: um horizonte deter-minado. A definio deste quadro responde a uma outra necessi-dade. Os problemas abordados pelos processos de elaborao estra-tgica no tm limite de tempo no que respeita ao futuro. Paraabordar a sua resoluo, para operacionalizar essa resoluo, adeterminao de um horizonte essencial. Este no deve ultrapassarmuito o perodo de existncia previsto para problema tratado, o seuprazo, de modo a atenuar a influncia do arbitrrio, caracterstico doafastamento do horizonte, sobre a estratgia para o prazo em

    questo e, por maioria de razo, sobre a deciso presente.

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    .Enfim, a prpria essncia da Prospectiva repousa sobre a capacidadede discernir, por detrs do visvel, os factores que condicionamrealmente a mudana. preciso, sobretudo. evitar de nos limitarmos hiptese da estabilidade, que muitas vezes no mais do que umaconfisso de ignorncia ou de fraqueza, um recuo perante a anliseem profundidade ou a responsabilidade da escolha (Mass, 1959).Por este facto, essencial que nos interroguemos sobre a validade dapermanncia dessa estabilidade, cujo postulado pode ser muitasvezes contradito de vrias maneiras: pela contradio das consequn-cias, pela inverso da influncia dos factores a longo prazo, pelasvirtudes da adversidade e os riscos da facilidade e, sobretudo, pelavontade de mudana do homem. Alm disso, no basta simples-mente supor tais mudanas: para ser pragmtico, primordial pr-determinar a poca e a importncia dessas mudanas. Neste sentido,uma observao atenta deve permitir corroborar a intuio e o racio-cnio atravs dos factos portadores de futuro, os quais, mesmo tendouma dimenso nfima no presente, podero ser de imensa impor-tncia pelas suas consequncias potenciais.

    Assim, entre 1955 e 1960, Gaston Berger e os membros do CentroInternacional de Prospectiva iro lanar as bases conceptuais de ummtodo que, cerca de cinquenta anos mais tarde, se generalizou nasorganizaoes: a necessidade de separar o exploratrio do normativo,a importncia dos sinais fracos, o papel da imaginao, a dificuldadeda integrao das diversas temporalidades, etc.

    Aps a morte de Gaston Berger em 1960, o Centro ir prosseguir osseus trabalhos graas ao apoio dos principais militantes do futuro:Andr Gros, Louis Armand, Pierre Mass, Franois Bloch- LainNa mesma altura, Bertrand de Jouvenel (1964) publica A Arte daConjectura e lana o conceito, tomado de emprstimo ao jesutaespanhol Molina (sculo XVI ), de futurvel (futuro possvel), semfazer qualquer referncia prospectiva de Berger. Em 1972, apsalgumas peripcias, Bertrand de Jouvenel retomar a herana doCentro Internacional de Prospectiva e far a sua integrao no seioda associao Futuribles Internacional, que tinha sido criada algunsanos antes, em 1967. A empresa e a revista Futuribles, criada em1975, desenvolveram-se em seguida sob a direco de Hugues deJouvenel. A Escola francesa de Prospectiva foi reforada, desde oincio dos anos 70, pelos trabalhos e as investigaes de Michel

    Godet na SEMA.

  • Captulo 1

    D o r i g o r p a r a u m a i n d i s c i p l i n a i n t e l e c t u a l

    A aco sem finalidade no tem sentido e a antecipao suscita aaco. por isso que a Prospectiva e a Estratgia so, em geral,indissociveis e, da, a expresso Prospectiva estratgica. Mas acomplexidade dos problemas e a necessidade de os colocar colectiva-mente impem o recurso a mtodos to rigorosos e participativosquanto possvel, para os reconhecer e fazer aceitar as solues. Nose deve, entretanto, esquecer os limites da formalizao, pois oshomens so tambm guiados pela intuio e a paixo. Os modelosso invenes do esprito para representar um mundo que nunca sedeixar encerrar na jaula das equaes. E felizmente que assim ,porque, sem esta liberdade, a vontade animada pelo desejo no teriaesperana! Tal a convico que nos anima: utilizar todas as possibi-lidades da razo, conhecendo os seus limites, mas tambm as suasvirtudes. No h oposio mas complementaridade entre intuio erazo. Para permanecer uma indisciplina intelectual (Mass,1973), fecunda e credvel, a Prospectiva tem necessidade de rigor.

    O debate de ideias sobre a mudana, o papel dos homens e das orga-nizaes ou, ainda, a utilidade dos mtodos, est atravancado porum certo nmero de questes recorrentes, que voltam superfciequaisquer que sejam os argumentos avanados. o caso, porexemplo, da diferena e das relaes entre os conceitos de Prospec-tiva, Planeamento e Estratgia; do interesse da probabilizao doscenrios; da complicao do complexo e da utilizao das ferra-mentas que deram provas na Prospectiva de empresa em outrosdomnios como a Prospectiva territorial. Sobre todas estas questes,a experincia acumulada, desde h quase trinta anos, em vriascentenas de intervenes nas empresas e no terreno, permite-nos darrespostas claras, pelo menos no nosso esprito.

    A Prospectiva constitui uma antecipao (pr-activa e practiva) para

    esclarecer a aco presente luz dos futuros possveis e desejveis.

  • A PROSPECTIVA ESTRATGICA10Preparar-se para as mudanas previsveis, no impede de agir paraprovocar as mudanas desejadas: a antecipao no pode trans-formar-se em aco sem a apropriao pelos actores envolvidos.

    Aparecem aqui dois erros simtricos a evitar. O primeiro consiste empensar de cima para baixo, como peritos ao servio da aco do prn-cipe, esquecendo a apropriao; uma m ideia querer impor umaboa ideia. O segundo consiste em afastar os peritos e as anlisestericas para dar a palavra aos assalariados ou aos cidados e privile-giar os consensos do presente. Sem prospectiva cognitiva, a prospec-tiva participativa anda s voltas sobre o vazio e sobre as preocupaesdo presente. O sonho consensual das geraes presentes frequente-mente um acordo momentneo para que nada mude e para trans-mitir s geraes futuras o fardo das nossas irresponsabilidades colec-tivas. Uma tal prospectiva, embora tenha a vantagem de ser partici-pativa, no deixa de ser contrria prpria definio dedesenvolvimento durvel. Ela consagra o triunfo dos egosmos indi-viduais de curto prazo (s so injustas as desigualdades das quais nobeneficiamos!) em detrimento dos interesses colectivos e de longoprazo. As decises corajosas para fazer face aos desafios do futuroraramente so consensuais, e se a Prospectiva deve ser participativa, aEstratgia que nela se inspira regressa aos representantes designadosou eleitos; compete-lhes fazer prova de vontade e de coragem paraevitar a armadilha da demagogia participativa.

    Voltemos s origens da Prospectiva. Gaston Berger (1959) deixou-nos em herana os cinco elementos indissociveis da atitude estrat-gica: ver longe, largo, profundo, pensar no Homem, arriscar. Desdeos anos 70, ns militmos no sentido de se acrescentar a esta atitudetrs caractersticas muitas vezes negligenciadas: ver de outra maneira(desconfiar das ideias feitas), ver em conjunto (apropriao) e utilizarmtodos to rigorosos e participativos quanto possvel para reduziras inevitveis incoerncias colectivas.

    Os homens tm sede de futuro e de esperana, e essa necessidadecolectiva exprime-se melhor se for canalizada atravs dos mtodos.Os casos de Prospectiva territorial do Pas Basco (Mousli, 2004) e daMartinica (Dern et al., 2008) so exemplares em muitos aspectos.O primeiro teve incio em 1992, com o apoio da DATAR e a partici-pao das foras vivas do territrio, com seminrios de prospectivareunindo em St. Palais mais de cem pessoas (eleitos, responsveiseconmicos, universitrios) durante dois dias. Estes trabalhos, aolongo de dois anos, conduziram elaborao de um plano de desen-

    volvimento do territrio. O segundo, lanado em 2006 em Fort-de-

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    .France, sob a gide do Conselho Regional da Martinica, mobilizoudurante nmais de um ano a grande maioria dos actores locais(Estado, Regio, Departamento, municpios, chefes de empresa,associaes representativas da sociedade civil, etc.) volta de umexerccio de prospectiva destinado a definir o plano regional dedesenvolvimento econmico (SRDE). Foi feito um esforo conside-rvel para se assegurar que todos os cidados pudessem participar naconstruo do projecto. Estes processos de envolvimento colectivoso hoje considerados como referncias das polticas territoriais.

    I. PLANEAMENTO, PROSPECTIVA E ESTRATGIA: QUAIS AS DIFERENAS?

    Os conceitos de Prospectiva, Estratgia e Planeamento esto, naprtica, intimamente ligados, sendo que cada um deles faz apelo aosoutros e com eles se interpenetra; falaremos de Planeamento estrat-gico, de Gesto estratgica e de Prospectiva estratgica. Cada umadestas abordagens da realidade remete para um referencial de defini-es, de problemas e de mtodos cuja especificidade no est sufi-cientemente estabelecida at porque a linguagem no est estabili-zada.

    Como podemos orientar-nos no meio desta problemtica? Nohaver grande proximidade entre todas estas abordagens? Face aosproblemas concretos, no acumulmos ns uma srie de mtodosque so bastante teis at porque lhes conhecemos os limites? A estasquestes respondemos sem hesitar. Existe, de facto, uma caixa deferramentas para a anlise prospectiva e estratgica e os gestoresexperientes fariam mal em privarem-se da sua utilizao. Estapermite criar uma linguagem comum e multiplicar a fora do pensa-mento colectivo, reduzindo as inevitveis dificuldades de comuni-cao. Mas, para isso, importa recordar os conceitos fundamentais ea sua histria.

    Para ser fecundo, ou seja, portador de futuro, o casamento entre aProspectiva e a Estratgia deve encarnar-se na realidade quotidiana edar origem, atravs da apropriao - por todos os actores envolvidos,do topo base da hierarquia -, a uma verdadeira mobilizao da inte-ligncia colectiva1. Embora o encontro entre a Prospectiva e a Estra-

    1. Sendo simultaneamente um conceito, um campo de investigao e um pro-jecto poltico, a inteligncia colectiva constitui a base da cooperao intelec-tual entre os seres humanos (Durance, 2004).

  • A PROSPECTIVA ESTRATGICA12tgia fosse inevitvel, de facto, ele no conseguiu apagar a confusode gneros e conceitos que ainda existe. Estes ltimos so bastantemais prximos do que geralmente se admite. Assim, a definio dePlaneamento proposta por Ackoff (1973) conceber um futurodesejado, bem como os meios reais para l chegar no difere emnada da que propomos para a Prospectiva; para a qual o sonhofecunda a realidade, o desejo fora produtiva do futuro e a anteci-pao ilumina a pr-actividade e a practividade.

    As modas da gesto sucedem-se mas vo mantendo sempre umponto em comum. Trata-se de motivar os homens lanando-lhesnovos desafios, sendo certo que o processo do seu envolvimentocolectivo o objectivo pretendido; ele obtm-se, havendo ou noresultados imediatos. neste sentido que as anlises estratgicaspartilhadas podem produzir a sntese do envolvimento colectivo,contrariamente ao que defende Henry Mintzberg (1994). O maisdifcil no fazer as boas escolhas, mas estar seguro de que seconsegue que cada um coloque as verdadeiras questes. Umproblema bem colocado e colectivamente partilhado por aqueles aquem diz respeito, estar j quase resolvido. No isso que quersignificar Michel Crozier quando afirma: o problema, [a formu-lao d]o problema!?

    A herana acumulada pela anlise estratgica considervel. Assim,por exemplo, a anlise clssica em termos de ameaas e oportuni-dades, oriundas do contexto geral, mostra que no podemos limitar-nos, em nome da rendibilidade de curto prazo, mera anlise docontexto concorrencial, como poderamos ser levados a crer pelaleitura das primeiras obras de Michael Porter.

    As mltiplas incertezas que pesam sobre o contexto geral, nomeada-mente no longo prazo, mostram o interesse da construo decenrios globais para iluminar a escolha das opes estratgicas eassegurar a perenidade do desenvolvimento.

    O mercado das ideias na rea da Gesto e da Estratgia marcadopela dominao esmagadora das abordagens e instrumentos conce-bidos alm-Atlntico. Todavia, numerosas empresas americanasforam vtimas das abordagens em termos de strategic business units[unidades estratgicas de negcio]. O declnio relativo e mesmoabsoluto de sectores inteiros da indstria americana, nos anos 60 a80, relativamente Europa e ao Japo, impedem, segundo MarcGiget (1998), que se fale de abordagem clssica americana: entre-tanto, a renovao dos anos 90 fez-se a partir de anlises, como

    Made in America, inspiradas precisamente em modelos estran-

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    .geiros, para redescobrir as virtudes do posicionamento relativa-mente aos melhores (benchmarking), da reconverso total dosprocessos e das organizaes (reengineering), da recentragem nasactividades de base (downsizing), das cadeias de valor (supply chain)e da inovao a partir das competncias principais da empresa.

    No mesmo sentido argumentam Hamel e Prahalad (2005), quandoprocuram explicar a diferena entre empresas ganhadoras e empresasperdedoras: A concluso impunha-se: certas equipas de direco,simplesmente, fizeram prova de maior clarividncia que outras.Algumas conseguiam imaginar produtos, servios e sectores de acti-vidade inteiros, at a inexistentes, e acelerar o seu nascimento.Manifestamente, elas perdiam pouco tempo a preocupar-se com oposicionamento da sua empresa nos espaos concorrenciais exis-tentes, dado que j tinham empreendido a criao de novos espaos.Outras empresas as retardatrias preocupavam-se mais com aconservao do passado do que com a conquista do futuro. Depassagem, realcemos as semelhanas: a Estratgia fala de clarividnciae de inovao e a Prospectiva de pr-actividade e de pr-actividade,mas trata-se no essencial da mesma coisa.

    Esta , sem dvida, a razo pela qual a expresso Prospectiva Estrat-gica se tem difundido desde o fim dos anos oitenta. Como imaginara aco estratgica sem ver longe, largo, profundo, assumir riscos,pensar no homem (cf. supra), como o faz a Prospectiva, segundoGaston Berger (1964)? Claro que impossvel! E, inversamente,ainda segundo Gaston Berger, olhar o futuro perturba o presente,ou seja, a antecipao convida aco. Para ns, a questo est resol-vida: a Prospectiva frequentemente estratgica, seno pelas suasconsequncias ao menos pelas suas intenes, e a Estratgia apela Prospectiva, quanto mais no seja para iluminar as escolhas quecomprometem o futuro.

    1. Uma necessria clarificao dos conceitos

    A grandeza e a queda do Planeamento estratgico no pararam defazer falar delas. Para Henry Mintzberg, uma organizao podeplanear (tomar o futuro em considerao) sem se envolver num exer-ccio de planeamento (num procedimento formal) mesmo quandoproduz planos (intenes explcitas). Na realidade, no tanto oplaneamento que est em causa mas a maneira como ele posto emprtica. O enxerto do Planeamento estratgico s pode enrazar-se se

    ele se integrar na cultura e identidade das organizaes envolvidas.

  • A PROSPECTIVA ESTRATGICA14As alavancas do desenvolvimento no so apenas racionais, sotambm emocionais e comportamentais. Da a ideia de Gesto estra-tgica; conceito que poderia classificar-se quase como um pleonasmouma vez que, para Boyer e Equilbey (1990), a Gesto a arte depr a organizao ao servio da Estratgia. A gesto no constituiem si mesmo uma estratgia. A Estratgia condiciona a Gesto massupe tambm a existncia de objectivos e de tcticas associadas(decises contingentes). verdadeiramente difcil as pessoas enten-derem-se no meio desta terminologia quando autores toconceituados como Mintzberg se recusam a fazer estas distines ese contentam em utilizar sem restries o termo estratgico paraqualificar qualquer coisa de relativamente importante. chegado omomento de clarificar todos estes conceitos, por forma a se evitar dedar sentidos diferentes s mesmas palavras e de utilizar palavrasmuito diferentes para dizer a mesma coisa.

    De acordo com autores clssicos como Lucien Poirier (1987) e IgorAnsoff (1989), a noo de estratgia remete para a aco de umaorganizao sobre o meio envolvente e para a reflexo sobre essaaco. Muito naturalmente, Lucien Poirier falava de estratgia pros-pectiva. As duas noes so distintas mas frequentemente asso-ciadas. Entretanto, certos autores, como Fabrice Roubelat (1996),sustentam a ideia de que certas prospectivas seriam estratgicas eoutras no. Este ltimo apoia-se, nomeadamente, numa observaode Jacques Lesourne (1994) para afirmar que: a deciso estratgica no s aquela que cria uma irreversibilidade para o conjunto daorganizao mas tambm aquela que antecipa uma evoluo domeio envolvente susceptvel de provocar essa irreversibilidade.

    A deciso estratgica seria ento, segundo Jacques Lesourne, aquelasusceptvel de pr em causa a existncia da organizao, a sua inde-pendncia, as suas misses, o campo das suas actividades principais.Deste modo, para uma dada organizao, existem reflexes prospec-tivas de natureza geral que no revestem qualquer carcter estrat-gico (irreversvel) para o actor que as conduz. Estas definies rigo-rosas tm a vantagem de afastar a utilizao do termo estratgicopara qualificar tudo o que parece importante. No entanto, aprudncia e o bom senso impem no limitar a prospectiva interro-gao sobre os riscos de ruptura, nem reduzir a estratgia s decisesque apresentam um carcter irreversvel para as organizaes. Comefeito, as fronteiras so tnues e impossveis de materializar. nomeadamente o caso das decises acerca das quais o prprio

    Jacques Lesourne constatava: as grandes decises tomam-se rara-

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    .mente, elas tornam-se cada vez menos improvveis medida que seacumulam as pequenas decises.

    Para uma organizao, a prospectiva no um acto filantrpico masuma reflexo com vista a esclarecer a aco e, em particular, aquelaque reveste um carcter estratgico.

    2. Dos desejos da Prospectiva s realidades da Estratgia

    sempre tentador tomar os desejos pelas realidades. Ora no pelofacto de as vises do futuro ou os cenrios parecerem desejveis quese deve fazer as escolhas e construir o projecto estratgico de umaorganizao em funo dessa viso pr-activa. preciso tambm serpr-activo e preparar-se para as mudanas esperadas na envolventefutura da organizao.

    Os cenrios possveis no so igualmente provveis ou desejveis e preciso fazer a distino entre os cenrios da envolvente geral e asestratgias dos actores. O sucesso da palavra cenrio conduziu aabusos e confuses com a estratgia que convm clarificar.

    Importa, pois, distinguir uma fase exploratria de identificao dosdesafios do futuro e uma fase normativa de definio das escolhasestratgicas possveis e desejveis, sob pena de perdermos a nossaorientao face a esses desafios. A distino entre estes dois tempos tanto mais justificada quanto a escolha das estratgias condicionadapela incerteza mais ou menos forte que pesa sobre os cenrios e pelanatureza mais ou menos contrastada dos cenrios mais provveis.

    No se deve confundir os cenrios prospectivos com a escolha dasopes estratgicas, tanto mais que no so os mesmos actoresinternos que esto na primeira linha. A fase da antecipao das muta-es deve ser colectiva e supe o envolvimento do maior nmero.Por consequncia, ela faz apelo aos instrumentos da Prospectiva paraorganizar e estruturar, de maneira transparente e eficaz, a reflexocolectiva sobre os desafios do futuro e, eventualmente, sobre aavaliao das opes estratgicas. Em contrapartida, por razes deconfidencialidade e responsabilidade, a fase das escolhas estratgicas da competncia de um nmero limitado de pessoas, em geral osmembros do Comit de Direco da empresa ou os representanteseleitos de uma colectividade territorial. Esta ltima fase no tem,pois, necessidade de um mtodo especfico, devendo as decises sertomadas aps concertao e consenso entre os dirigentes, tendo emconta o modo de regulao prprio da cultura da organizao ou do

    grupo, assim como o temperamento e a personalidade dos diri-

  • A PROSPECTIVA ESTRATGICA16gentes. Os instrumentos so teis para preparar as escolhas, mas nose devem substituir liberdade das escolhas.

    3. Que estratgias e para que graus de incerteza?

    No h estatsticas do futuro. Face ao futuro, o prognstico pessoal, muitas vezes, o nico elemento de informao disponvel. necessrio, pois, recolher diversas opinies para forjar uma convicocolectiva e fazer prognsticos sob a forma de probabilidades subjec-tivas. Mas a competncia dos peritos interrogados levanta, muitasvezes, um certo nmero de questes. A nossa convico simples:na medida em que um perito representa a opinio caracterstica deum grupo de actores, o seu ponto de vista tem interesse para serconsiderado uma vez que, mal ou bem, com base nessa viso dofuturo que esses actores vo orientar a sua aco.

    A incerteza do futuro pode ser apreciada a partir do conjunto decenrios que repartem entre si o campo dos provveis. Em princpio,quanto maior for o nmero de cenrios maior ser a incerteza. Masser maior apenas em princpio, porque necessrio ter tambm emconta as diferenas de contedo entre os cenrios: os mais provveispodem ser muito prximos ou muito contrastados.

    Em teoria, duas situaes se podem apresentar. Se a incerteza fraca,um nmero limitado de cenrios prximos concentra a maior parte docampo dos provveis; ento, possvel optar ou por uma estratgiaarriscada (apostando num cenrio entre os mais provveis) ou por umaestratgia robusta, isto , uma estratgia que resista bem maior partedas evolues provveis. Se a incerteza grande, um grande nmerode cenrios so necessrios para cobrir a maior parte do campo dosprovveis ou, ainda, os cenrios mais provveis so muito contras-tados; convm, ento, adoptar uma estratgia flexvel compreendendoo mximo de escolhas reversveis. O risco aqui a recusa da assunode riscos e de adoptar uma estratgia que conduz a rejeitar as opesarriscadas mas eventualmente mais rentveis, recuando para escolhascom ganhos to fracos como os seus prprios riscos.

    A experincia mostra que, em geral, um pequeno nmero decenrios suficiente para cobrir a maioria do campo dos provveis.

    4. Quatro atitudes face ao futuro

    Por causa da falta de antecipao de ontem, o presente est cheio de

    questes por resolver, ontem insignificantes mas hoje a necessitar de

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    .resoluo urgente, mesmo que o desenvolvimento de longo prazoseja sacrificado. Num mundo em mutao permanente, onde asforas da mudana vm subverter os factores da inrcia e os hbitos,um esforo acrescido de prospectiva exigido s organizaes parapoderem reagir com flexibilidade e sem perder o rumo, fazendoprova de flexibilidade estratgica. Para serem sujeito da mudana eno apenas o seu objecto, as organizaes devem antecipar correcta-mente - nem demasiado cedo, nem demasiado tarde - as diferentesmudanas, tcnicas, organizacionais, regulamentares

    Face ao futuro, os homens podem escolher entre quatro atitudesfundamentais: sofrer a mudana (a passividade), agir na urgncia (areactividade), preparar-se para as mudanas previsveis (a practivi-dade) e, enfim, agir para provocar as mudanas desejadas (a practi-vidade). a Hasan Ozbekhan1 que devemos a formulao, no finaldos anos oitenta, destes conceitos de pr-actividade e practividade.

    Num contexto de crise, a reactividade predomina sobre o resto enum contexto de crescimento, preciso antecipar as mudanas e,nomeadamente, provoc-las atravs da inovao. A Prospectiva, aantecipao ao servio da aco, a necessria combinao das trsatitudes activas.

    5. Cinco questes fundamentais para construir o futuro

    Estando os conceitos de prospectiva e de estratgia intimamenteligados, trata-se, no entanto, de duas entidades distintas. Por isso,convm separar bem o tempo da antecipao, ou seja, a prospectivadas mudanas possveis e desejveis, do tempo da preparao daaco, ou seja, a elaborao e avaliao das opes estratgicaspossveis para a organizao se preparar para as mudanas esperadas(practividade) e provocar as mudanas desejveis (practividade).

    A Prospectiva ocupa-se apenas da questo que pode acontecer?(Q1). Ela torna-se estratgica quando uma organizao se interrogasobre que posso eu fazer? (Q2). Uma vez tratadas estas duas ques-tes, a Estratgia parte do que posso eu fazer? (Q2) para colocar

    1. Hasan Ozbekhan era professor na Universidade da Pensilvnia e conselheirocientfico do Grupo de Pesquisas sobre o Futuro da Universidade do Quebe-que. Ele est na origem de uma teoria do planeamento na qual os cenriosdesempenham um papel importante. Ele participou, nomeadamente, noestudo sobre o mtodo dos cenrios, encomendado pela DATAR em meadosdos anos 70, que ps em destaque as especificidades desta ltima em relao sprticas norte-americanas (DATAR, 1975).

  • A PROSPECTIVA ESTRATGICA18as duas outras questes: que vou eu fazer? (Q3) e como vou faz-lo? (Q4). Da a sobreposio entre a Prospectiva e a Estratgia.

    Esta dicotomia entre a explorao do futuro e a preparao da acoconduz formulao de cinco questes fundamentais que uma orga-nizao que reflecte sobre o seu futuro deve colocar a si prpria:(Q1) que pode acontecer no futuro?; (Q2) que posso eu fazer?;(Q3) que vou eu fazer?; (Q4) como vou faz-lo?; e, uma questoprvia essencial, (Q0) quem sou eu? Esta questo prvia sobre aidentidade da empresa, frequentemente negligenciada, o ponto departida da metodologia de anlise estratgica de Marc Giget (1998).Ela impe um regresso s fontes, um questionamento sobre as razesdas suas competncias, sobre as suas foras e fraquezas, o que nodeixa de recordar o famoso conhece-te a ti mesmo dos Gregosantigos.

    Naturalmente que h exerccios de Prospectiva geral que no tmum carcter estratgico claro para um determinado actor, assimcomo h anlises estratgicas de empresas ou de sectores em que acomponente prospectiva embrionria ou, mesmo, inexistente.Portanto, por razes de clareza, reservaremos a expresso Prospec-tiva estratgica para os exerccios de Prospectiva que tenham ambi-es e finalidades estratgicas para o actor que os realiza.

    6. Os factores de desenvolvimento so antes de tudo endgenos

    A antecipao no est ainda muito disseminada entre os dirigentes;quando tudo vai bem, eles podem passar sem ela e, quando tudo vaimal, j tarde para agir de outro modo que no seja a urgncia: preciso reagir e depressa! Entretanto, a reactividade no um fim emsi mesma; desejvel a curto prazo, ela no leva a lado nenhum se no orientada pelos objectivos de longo prazo da empresa, pois noh vento favorvel para quem no sabe para onde vai (Sneca). Aatitude prospectiva no consiste em estar a espera da mudana parareagir; ela visa controlar a mudana esperada (ser practivo) eprovocar a mudana desejada (ser practivo). O desejo , assim,considerado uma fora produtiva do futuro.

    Porqu e como antecipar? Quais so as consequncias estratgicasdas mutaes do contexto? Como enfrentar o desafio da motivaodos homens? E, finalmente, qual o futuro da Gesto? As respostasa estas questes no so dissociveis, porque a motivao interna e a

    estratgia externa se fecundam mutuamente.

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    .Para muitas empresas em dificuldades, o naufrgio explicado maispelas insuficincias internas da gesto do que pela tempestade quepossa existir no exterior: sem um bom capito no h equipa ganha-dora. O dirigente ideal deve saber antecipar, suscitar a adeso e oentusiasmo, agir com tenacidade e reagir sem precipitao. Ter umbom cabo no suficiente para a estratgia, preciso ter uma tripu-lao preparada e motivada para a manobra. Assim, para umaempresa, a frente externa e a frente interna constituem um nicosegmento estratgico. A batalha s pode ser ganha nas duas frentesou em nenhuma delas. Noutros termos, face s mutaes docontexto estratgico, o futuro de uma empresa depende em grandemedida das suas foras e fraquezas internas.

    O strategic gap, o desvio em relao aos objectivos de crescimentoem volume, talvez menos importante que o performance gap: omais importante ser rentvel ao nvel em que nos encontramos.Uma das condies para preencher o performance gap consiste emrecuperar o management gap. Este ltimo pe a questo da adap-tao das estruturas e dos comportamentos no seio da empresa. Oprincipal factor que limita o desenvolvimento das empresas o factorhumano, o tempo necessrio para formar os homens e motiv-los emtorno dos projectos. Com efeito, a aco que no tem objectivo notem sentido. a antecipao que esclarece a aco e lhe d umsentido no duplo sentido da palavra: direco e significado.

    As evolues no so inexorveis; tudo depende dos homens e da suacapacidade para se apropriarem dos futuros possveis, para agirem eavanarem em conjunto em direco a um outro futuro. As evolu-es do contexto requerem, da parte da empresa, capacidade para serflexvel e para dar resposta rpida, que as estruturas condicionamlargamente. As estruturas devem no s adaptar-se evoluo docontexto mas tambm saber antecip-lo, pois as suas inrcias engen-dram um atraso nesta adaptao.

    II. CINCO IDEIAS-CHAVE DA PROSPECTIVA

    Qualquer forma de predio do futuro uma impostura. O futurono est escrito, necessrio constru-lo. O futuro mltiplo, inde-terminado e aberto a uma grande variedade de futuros possveis. Oque se vai passar amanh depende menos de tendncias pesadas quese imporiam fatalmente aos homens do que das polticas levadas a

    cabo por estes face a essas tendncias. Se o futuro , em parte, fruto

  • A PROSPECTIVA ESTRATGICA20da vontade humana, ento esta, para se exercer com eficcia, deve terem conta cinco ideias-chave da Prospectiva.

    1. O mundo muda, mas os problemas mantm-se

    Aps mais de um quarto de sculo de reflexes e estudos prospec-tivos sobre os grandes desafios das sociedades modernas nos terri-trios e nas empresas, chegmos a uma constatao bem conhecidae, no entanto, geralmente ignorada: so sempre os homens e as orga-nizaes que fazem a diferena. Assim, quando uma empresa est emdificuldades, no serve de nada procurar um bode expiatrio natecnologia ou na concorrncia - vinda de algures e, decerto, desleal -, nem a soluo est nos subsdios. Tudo se explica, na maior partedos casos, pela falta de qualidade das equipas de gesto, pela suaincapacidade em antecipar, em inovar, em motivar os homens.

    O mundo muda e os problemas permanecem. Tal a constataoque se nos tem imposto de cada vez que voltamos a encontrar umproblema j abordado h cinco, dez ou, mesmo, vinte e cinco anosatrs. o caso no que concerne ao sector da energia, ao problema dotransporte areo na regio parisiense, ao futuro dos Correios, a desa-fios como os do emprego ou da formao. A vantagem para ohomem de reflexo evidente: o investimento intelectual do passadono fica quase nunca obsoleto e basta actualiz-lo com a introduode dados recentes para voltar a encontrar a maior parte dos meca-nismos e constataes anteriores.

    Tudo se acelera! Quantas vezes no ouvimos j esta afirmao ?!Nos anos 50, Berger fundamentava a necessidade da Prospectivapartindo da mesma constatao: a acelerao da Histria obriga oshomens a encarar as suas aces de modo diferente, pois as conside-raes de amanh no podero ser idnticas s de ontem. Em 1872,j Michelet, ento com 74 anos, no final da sua obra sobre a histriado sculo XIX, observava que: um dos factos mais graves, e menosnotados, que a velocidade do tempo mudou completamente. Otempo dobrou a passada de uma maneira estranha. Apenas noperodo da vida de um homem (...), eu vi duas revolues que,noutros tempos, seriam separadas por por dois mil anos de inter-valo.

    Os homens tm a memria curta. Eles desconhecem o tempo longoe os seus ensinamentos. A Histria no se repete, mas os comporta-mentos reproduzem-se. Os homens conservam, ao longo dos

    tempos, perturbadoras semelhanas de comportamento, que os

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    .conduzem, quando colocados em situaes comparveis, a reagir demaneira quase idntica e, portanto, previsvel. Assim, existem nopassado lies, tantas vezes esquecidas, que so ricas de ensina-mentos para o futuro: os ciclos de penria e de abundncia, ligadoss antecipaes sobre os preos; a sucesso de longos perodos deinflao seguidos de perodos de deflao; ou, ainda, a perturbadoracoincidncia entre as evolues demogrficas e a expanso ou odeclnio econmico e poltico dos pases, tudo isto so exemplos queilustram esta realidade. No por acaso que Gaston Berger, ohomem da Prospectiva, se deu to bem com Fernand Braudel, ohomem que revolucionou a maneira de fazer a Histria, introdu-zindo nela justamente o tempo longo.

    Cada gerao tem a impresso de viver uma poca de mutaes semprecedentes. Este enviesamento natural: a poca actual forosa-mente excepcional para cada um de ns porque a nica em quevivemos. Da a tendncia, simtrica da anterior, de sobrestimarmos aimportncia e a rapidez das mudanas na actualidade, nomeada-mente no que respeita s novas tecnologias.

    2. O futuro, fruto do acaso, da necessidade e da vontade

    Como bem demonstrou o meteorologista do MIT Edward Lorenz(1972), mesmo os modelos matemticos tm os seus limites epodem ter comportamentos imprevisveis; diferenas muitopequenas podem ter como consequncia resultados totalmente ines-perados.

    O mundo real demasiado complexo para que se possa esperar,algum dia, pr em equao o seu eventual determinismo escondido.E mesmo que o pudssemos fazer, a incerteza, inerente a todas asmedidas, e nomeadamente as sociais, manteria sempre em aberto,pelo menos nos nossos espritos, o leque dos futuros possveis. Umavez que o determinismo indeterminvel, importa fazer como setudo estivesse em aberto, como se a revolta da vontade pudesse, sela, abater a tirania do acaso e da necessidade.

    A deteco, a imaginao das rupturas no futuro um exercciodifcil. Como reconhecer os pontos de bifurcao? Que aconteci-mentos, que inovaes vo ficar sem consequncias e quais soaqueles susceptveis de afectar o quadro global, de determinar irre-versivelmente a escolha de uma evoluo, quais so as zonas de

    escolha e as zonas de estabilidade? (Prigogine, Stengers 1990).

  • A PROSPECTIVA ESTRATGICA22A considerao de rupturas, ou pontos de bifurcao, constitui omenu quotidiano da Prospectiva. A identificao do leque dosfuturos possveis, atravs do mtodo dos cenrios, permite detectaras rupturas potenciais, os caminhos que conduzem a elas e as suasconsequncias. Os parmetros destas rupturas constituem asvariveis-chave da anlise prospectiva.

    3. Contra a complicao do complexo

    Sero necessrios instrumentos complexos para ler a complexidadedo real? Ns pensamos que no. Os grandes espritos, dotados deum pensamento complexo, souberam melhor que outros descobrirleis relativamente simples para compreender o universo. Pensemosnos princpios da termodinmica ou na teoria da relatividade.

    Importa saudar a chamada ordem de Maurice Allais (1989), umdos mais importantes economistas matemticos do nosso tempo:Uma teoria em que nem as hipteses nem as consequncias podemser confrontadas com o real, desprovida de qualquer interesse cien-tfico. Ele acrescenta que no haver nunca modelos perfeitos massomente modelos aproximativos da realidade, e esclarece que entredois modelos, o melhor ser sempre aquele que, para uma dadaaproximao da realidade, representar mais simplesmente os dadosda observao.

    No se deve, pois, confundir complicao com complexidade e,simetricamente, simplismo com simplicidade! O desafio ambiciosopois fcil fazer complicado e difcil fazer simples.

    4. Colocar as boas questes e desconfiar das ideias feitas

    Demasiadas vezes, no se questiona a razo de ser das questes colo-cadas e a maioria precipita-se na procura ilusria de respostas quepodem parecer boas ou ms e que alimentam os debates estreis para falsas questes. Ora, no h uma boa resposta para uma mquesto. Mas como colocar as boas questes?

    A luz cria a sombra. Os projectores da actualidade esto focados topoderosamente em determinados problemas que escondem muitosoutros, tanto mais que muitas vezes existe uma verdadeira recusa emver. As ideias feitas e que esto na moda, devem ser olhadas comdesconfiana, porque so geralmente fonte de erros de anlise e depreviso. Maurice Allais figura entre os aliados objectivos deste

    combate pois denuncia, tambm ele, a tirania das ideias domi-

  • DO RIGOR PARA UMA INDISCIPLINA INTELECTUAL 23

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    .nantes. A informao muitas vezes amordaada pelo conformismodo consenso, o qual leva a reconhecermo-nos na opinio dominantee a rejeitar o ponto de vista minoritrio. Finalmente, aquele que vjusto tem poucas hipteses de ser ouvido. Igualmente, necessrioperguntarmo-nos porque que certas questes no so nunca abor-dadas.

    Assim, um dos principais desafios da Prospectiva consiste em quebraro silncio organizacional (Morrison, Miliken, 2000) que limita aexpresso de ideias diferentes, porque divergentes das ideias domi-nantes. Nos processos de expresso colectiva prprios de todas asorganizaes humanas, a racionalidade do colectivo, se no forcorrectamente gerida , nem sempre superior do indivduoisolado. Pondo de lado o enviesamento da confirmao o facto dea maior parte dos indivduos se interessarem s pelas informaesque confirmem os seus pensamentos -, o qual conduz os grupos aestudarem apenas os assuntos mais evidentes, vrias formas desil