A Poesia Marginal Hollanda

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 A poesia marginal Atualizado em 9 de setembro | 6:26 PM O que hoje é conhecido como poesia marginal pode ser definido como um acontecimento cultural que, por volta de 1972-1973, teve um impacto significativo no ambiente de medo e no vaio cultural, promovidos pela censura e pela viol!ncia da repress"o militar que dominava o pa#s naquela época, conseguindo reunir, em torno da poesia, um grande p$blico jovem, até ent"o ligado mais % m$sica, ao cinema, sho&s e cartoons. 'istoricamente, os primeiros sinais editoriais da poes ia margi nal foram os fol he tos mim eog raf ados Travessa Bert alha  de (h ar le s )ei*ot o e Muito Prazer de (hacal, ambos de 1971+ uas outras publica.es também marcaram as fronteiras desse novo territ/rio liter0rio+ "o elas Me Segura qu’eu vou dar um troço de al4 alom"o 519726 e a edi"o p/stuma de Últimos Dias de Paupéria, de orquato 8eto, 519726+ m 1973, a poesia marginal j0 aparece como categoria poética nos encontros *poesia :, na );( <= e *poesia :: em (uriti ba+ 8o ano seguinte, o eve nto )oem>"o, tr!s dias de mos tra s e deb ate s, no ?>? <=, com gra nde aflu! nci a de p$b lic o, compro vou a presena liter0ria dos marginais na cena poética da época+ O termo marginal 5ou magistral como diia o poeta (hacal6, amb#guo desde o in#cio, oscilou numa gama ines got0v el de sentidos marginais da vida política do país, marginais do mercado editorial, e, sobretudo, marginais do cânone literário+ @oi uma poesia que surgiu com perfil despretensioso e aparentemente sup erf icial mas que coloca va em pau ta uma que st"o t"o gra ve qua nto rel evante oethos de uma gera"o traumati ada pelo cerceamento de suas possibilidades de e*press"o pelo crivo viole nto da censura e da repress"o militar+ m ca da poema-piada, em cada improviso, em cada rima quebrada, além das marcas de estilo da poesia marginal, pode-se entrever uma aguda sensibilidade para registrar A com maior ou menor lucide, com maior ou menor destrea liter0ria A o dia-a-dia do momento pol#tico em que viviam os poetas da chamada gera"o >:B+ e ter mi nad os em n"o dei *ar o Csi l!n cioD se ins tal ar, os poe tas mar ginais definiram uma poe sia com fortes tra os anti-liter0rios que se chocav a com o experimentalismo erudito das vanguardas daquele momento. Uma dicção poética empenhada em brincar! com os padr"es vigentes de qualidade literária, de densidade hermen#utica do texto poético, da exig#ncia de um leitor quali$icado para a plena $ruição do poema e seus subtextos+ >ssim, os ma rg in ais, co m um s/ ge st o, desa fi ar am n"o ap enas a cr #tica, ma s ta mbém a instituiço liter!ria oferecendo uma poesia biodegrad0vel que n"o parecia importar- se nem com a perman!ncia de sua produ"o, nem com o reconhecimento da cr#tica in formada pe lo s pa dr.es canEnicos da hi st ori og rafia li te r0ri a+ >o contr0rio , marca vam sua pos ão ao não explic itar qualq uer pro %eto lit erá rio ou poti co e ao apresentar&se cl ar amente co mo o& pr og ra ti ca, mostrando&se avessa ' escolas e a enquadramentos $ormais + 8este sentido, poder #amos consi derar hoje os marg inais como estruturalmente marcados por experi#ncias que re$letem uma quebra geral de certe(as e $)rmulas se%am elas poti ca s, li terárias ou exis tenc iais, tornando&se, na re al idade, mais off  literários do que anti-literários + >través do uso irreverente da linguagem poética e da afirma"o de um desempenho ironicamente fora do sistema, os poetas marginais sinaliavam em sua te*tualidade e atitudes uma apro*ima"o radical entre arte F vida+  > surpreendente capacidade de improviso e a diversidade criativa das interven.es que os marginais promoviam sem solu"o de continuidade, denunciavam esse firme prop/sito de viver poeticamente .ra o que pregava (acaso quando diia Ca  vida n"o est0 a# para ser escrita, mas a poesia sim, est0 a# para ser vividaGD+ )oder#amos mesmo definir o estilo marginal a partir da presena renitente da inven"o poé tic a na pr0 tic a da pro du "o, divul ga "o e comuni ca "o de seus pro dutos+ m tempos de Cmilagre econEmicoD e profissionalia"o de nossas empresas editoriais, os

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 A poesia marginalAtualizado em 9 de setembro | 6:26 PM

O que hoje é conhecido como poesia marginal pode ser definido como umacontecimento cultural que, por volta de 1972-1973, teve um impacto significativo noambiente de medo e no vaio cultural, promovidos pela censura e pela viol!ncia da

repress"o militar que dominava o pa#s naquela época, conseguindo reunir, em torno dapoesia, um grande p$blico jovem, até ent"o ligado mais % m$sica, ao cinema, sho&se cartoons.

'istoricamente, os primeiros sinais editoriais da poesia marginal foram osfolhetos mimeografados Travessa Bertalha de (harles )ei*oto e Muito Prazer de(hacal, ambos de 1971+ uas outras publica.es também marcaram as fronteiras dessenovo territ/rio liter0rio+ "o elas Me Segura qu’eu vou dar um troço de al4 alom"o519726 e a edi"o p/stuma de Últimos Dias de Paupéria, de orquato 8eto, 519726+ m1973, a poesia marginal j0 aparece como categoria poética nos encontros *poesia :, na);( <= e *poesia :: em (uritiba+ 8o ano seguinte, o evento )oem>"o, tr!s dias demostras e debates, no ?>? <=, com grande aflu!ncia de p$blico, comprovou apresena liter0ria dos marginais na cena poética da época+

O termo marginal 5ou magistral como diia o poeta (hacal6, amb#guo desde oin#cio, oscilou numa gama inesgot0vel de sentidos marginais da vida política dopaís, marginais do mercado editorial, e, sobretudo, marginais do cânoneliterário+ @oi uma poesia que surgiu com perfil despretensioso e aparentementesuperficial mas que colocava em pauta uma quest"o t"o grave quanto relevanteoethos  de uma gera"o traumatiada pelo cerceamento de suas possibilidades dee*press"o pelo crivo violento da censura e da repress"o militar+ m cada poema-piada,em cada improviso, em cada rima quebrada, além das marcas de estilo da poesiamarginal, pode-se entrever uma aguda sensibilidade para registrar A com maior oumenor lucide, com maior ou menor destrea liter0ria A o dia-a-dia do momentopol#tico em que viviam os poetas da chamada gera"o >:B+

eterminados em n"o dei*ar o Csil!ncioD se instalar, os poetas marginais

definiram uma poesia com fortes traos anti-liter0rios que se chocava com oexperimentalismo erudito das vanguardas daquele momento. Uma dicçãopoética empenhada em brincar! com os padr"es vigentes de qualidadeliterária, de densidade hermen#utica do texto poético, da exig#ncia de umleitor quali$icado para a plena $ruição do poema e seus subtextos + >ssim, osmarginais, com um s/ gesto, desafiaram n"o apenas a cr#tica, mas tambéma instituiço liter!ria oferecendo uma poesia biodegrad0vel que n"o parecia importar-se nem com a perman!ncia de sua produ"o, nem com o reconhecimento da cr#ticainformada pelos padr.es canEnicos da historiografia liter0ria+ >o contr0rio,marcavam sua posição ao não explicitar qualquer pro%eto literário oupolítico e ao apresentar&se claramente como não&programática,mostrando&se avessa ' escolas e a enquadramentos $ormais+ 8este sentido,

poder#amos considerar hoje os marginais como estruturalmente marcados porexperi#ncias que re$letem uma quebra geral de certe(as e $)rmulas se%amelas políticas, literárias ou existenciais, tornando&se, na realidade,mais off  literários do que anti-literários+ >través do uso irreverente dalinguagem poética e da afirma"o de um desempenho ironicamente fora do sistema, ospoetas marginais sinaliavam em sua te*tualidade e atitudes uma apro*ima"o radicalentre arte F vida+

 > surpreendente capacidade de improviso e a diversidade criativa dasinterven.es que os marginais promoviam sem solu"o de continuidade, denunciavamesse firme prop/sito de viver poeticamente.ra o que pregava (acaso quando diia Ca vida n"o est0 a# para ser escrita, mas a poesia sim, est0 a# para ser vividaGD+)oder#amos mesmo definir o estilo marginal a partir da presena renitente da inven"o

poética na pr0tica da produ"o, divulga"o e comunica"o de seus produtos+ mtempos de Cmilagre econEmicoD e profissionalia"o de nossas empresas editoriais, os

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poetas marginais optaram pela produ"o CdomésticaD e pela comercialia"oindependente+ ssa op"o, refletindo as determinantes vitalistas de nossos poetas e seucompromisso em Cviver poeticamenteD, traduiu-se numa série de publica.esdesafiadoras do ponto de vista das normas da produ"o editorial daquele momento+@oram lanados folhetos mimeografados, livros artesanais, livros-envelopes, posters,cart.es-postais, cartaes, varais de poesia, grava.es em muros e paredes e até mesmouma torrencial chuva de poesia que inundou o centro de "o )aulo, no dia H dedeembro de 1979+ :nvadiram as ruas, teatros, e*posi.es, ganharam espao naimprensa nanica, investiram pesado na venda de m"o em m"o, no contato direto entreo poeta e seu leitor+ *riaram sua $orma particular de comunicação com op+blico a Artimanha, produto etimol)gico da $usão de manha - arte,cu%os principais quartéis generais $oram a ivraria /uro e o 0arque ageno 12+ egundo (hacal, a primeira >rtimanha foi produida na ?uro, :panema, emoutubro de 197B+ m janeiro de 7I, no ?>? <=, foi armada a >rtimanha :: Cparaapresentar o "lmanaque Biot#nico $italidade % sociedade da cidadeD reunindo poetas,m$sicos, atores, artistas pl0sticos, técnicos de som e lu e Coutras pessoas semespecifica.es que chamaria de artimanhosas e manhososD+ anto a estética quanto aética das >rtimanhas marginais marcavam clara diferena com os eventos dapoesia %eat , seus antecessores engajados e malditos no melhor estilo &ipiie, deinterven"o violenta dentro do sistema.

 >inda refletindo a cultura 7JKs da vida e da produ"o grupal e cooperativa, ospoetas marginais defenderam sua Ct0tica das cole.esD, uma forma de associa"oepis/dica que n"o se identificava com a forma"o de grupos ou tend!ncias, A uma veque se conectavam e dissolviam em fun"o de lanamentos -, mas que lembravam umaforma de agrupamento ocasional t#pico das festas ou de momentos de laer esocialia"o, reforando a idéia da pr0tica poética como instrumental para novasformas de verLe*perimentar a vida+ >lgumas cole.es tornaram-se Chist/ricasD como@renesi 5<=6, Mida de >rtista 5<=6, 8uvem (igana 5<=6, @olha de <osto 5<=6, Nandaia5<=6, Narra uburbana 5<=6, )inda#ba 5)6, (ooperativa de scritores 5)<6, imiar

5<86 e tantas outras+ 8"o muito diferentes das cole.es, surgem também um semn$mero de revistas+ iia ent"o )aulo eminsPi COs maiores poetas dos anos 7J n"os"o gente, s"o revistas+ <evistas pequenas, at#picas, protot#picas, n"o t#picas, coletivas,antol/gicas, onde a poesia e os poetas se acotovelam+ m comum a auto-edi"o5samiardat6 todo mundo juntando grana para comprar a droga da poesiaD+ Q o casodo "lmanaque Biot#nico $italidade 5publica"o oficial do grupo 8uvem (igana6, dopornE 'ornal Do%r!%il , do (ordelur%ano, Balo, )rion 5<=6, de ) Saco 5(6, Tri%o 5Rras#lia6, Sil*ncio e  Prot+tipo 5?N6 e tantos outros+ 8esse piquecresce a lista e a novidade das revistas e das cole.es além de algumas batalhas ganhasna grande imprensa, como as editorias do Suplemento ,iter!rio da Tri%una da -mprensa 5por ?aria >mélia ?ello6 e de o m cartaz  de (uritiba+ 3m 4567, a poesiamarginal entra para o debate acad#mico e para o circuito literário o$icial

através da publicação da antologia 26 Poetas Hoje, org. por 8eloisa 9.8ollanda que esquentou a pol#mica em torno do anti&pro%eto marginal!,com enorme repercussão na imprensa+ 8o ano seguinte, os marginais voltam aocentro da cena na /eira Poesia e "rte, um evento de grande porte em comemora"o aosBB anos da emana de >rte ?oderna, organiado pelo poeta (laudio iller no eatro?unicipal de "o )aulo+

m 197S, tr!s eventos marcam a entrada dos marginais em territ/riosinesperados a poesia marginal é tema de discuss"o no encontro oficial da R)(5ociedade Rrasileira para o )rogresso da (i!ncia6, centro da produ"o acad!micanacional, é objeto da e*posi"o C)oucos e raros A retrospectiva da produ"oindependenteD no ?>) 5?useu de >rte de "o )aulo6, um dos mais importantesmuseus do pa#s e do evento ?ostra 8acional de )ublica.es >lternativas no (; 5(asa

do studante ;niversit0rio6, reduto da resist!ncia estudantil no <io de =aneiro+ > dic"o e o tom de transgress"o da poesia marginal e suas t0ticas de produ"o ecomunica"o trou*e um saldo inesperado ainda que inevit0vel o questionamento da

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pr/pria no"o de valor liter0rio+ , com ele, a abertura de novas fronteiras para ae*perimenta"o de uma enorme variedade de estilos, dic.es, novos campos dee*press"o e posicionalidades pol#ticas e culturais no trato poético+

)or estas pr/prias caracter#sticas, a defini"o do contorno de seus grupos oumesmo de seus participantes n"o é muito f0cil+ >lguns, entretanto, destacaram-se, comclarea, na cena poética daquela hora+ Os nomes de al4 alom"o, (acaso, @rancisco >lvim, (hacal, (harles, Rernardo Milhena, >dauto de oua antos, ui Nleiser,udoro >ugusto, >na (ristina (ésar, <onaldo antos, Neraldo (arneiro, eila?iccholis e tantos outros v!m imediatamente como uma refer!ncia dessa poesia+ 8oseu conjunto, a poesia marginal parece ter sido um fenEmeno mais CatuadoD no <io de=aneiro mas com grande presena no Rrasil inteiro, como é o caso de )auloeminsP4 e >lice <ui em (uritiba, de =omard ?uni de Rrito em <ecife, de 8icolas Reher emRras#lia, de <oberto )iva em "o )aulo+

 > emerg!ncia desta poesia descart0vel e CalienadaD, sem aparente projetoestético ou pol#tico, n"o veio sem conflitos, provocando uma forte rea"o negativa dacr#tica e dos te/ricos da literatura+ > pr/pria 'ist/ria, entretanto pode nos surpreenderhoje a poesia marginal é reconhecida pela historiografia liter0ria como a e*press"o, pore*cel!ncia, da poética dos anos 7J no Rrasil+