A Lenda Arturiana Nas Literaturas Da Peninsula Iberica

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  • WILLIAM J. ENTWISTLE

    A LENDA ARTURIANA NAS

    LITERATURAS DA PENNSULA IBRICA TRADUO DO INGLS

    DE

    ANTNIO LVARO DRIA

    Revista e acrescentada pelo Autor

    IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

    = 19 4 2 = =

  • A L E N D A A R T U R I A N A NAS

    LITERATURAS DA PENNSULA IBRICA

  • WILLIAM . ENTWISTLE

    A LENDA ARTURIANA NAS

    LITERATURAS DA PENNSULA IBRICA TRADUO DO INGLS

    DE

    ANTNIO ALVARO DRIA

    Revista e acrescentada pelo Autor

    IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

    19 4 2 =

  • NDICE P R E F C I O DO A U T O R Y

    PREFCIO DO TRADUTOR xi

    I. Observaes preliminares i IL A teoria da prioridade portuguesa 6

    III. A introduo do romance arturiano em Castela e Portugal . . a5 IV. Os lais bretes: Cifar 57 V. As novelas arturianas na Catalunha 68

    VI. As novelas arturianas em Castela e Portugal: Tristo. . . . 91 VII. As novelas arturianas em Castela e Portugal: Vespasiano . . n 5

    VIII. As novelas arturianas em Castela e Portugal: O Santo Graal, Jos de Aritnata 118

    XI. As novelas arturianas em Castela e Portugal: O Santo Graal, Merlim, Demanda . 13o

    X. Heris menores do Graal: Galvo, Perceval. A Faula de G. Torroella i63

    XI. As novelas arturianas em Castela e Portugal: Lanarote . . 171 XII. Romances secundrios e outros em Castela e Portugal: madi\ 191

    XIII. A influncia da literatura cavalheiresca na Pennsula Hisp-nica durante a Idade Mdia 201

    APNDICE 227

    ADENDA 231

    ERRATA 233

    NDICE ONOMSTICO. . 235

    NDICE 249

  • Prefcio do Autor

    A amabilidade e cultura do conhecido anglicista Sr. A. Dria e da esclarecida e extinta Imprensa da Universidade de Coimbra, irm gmea da minha, devo a sorte feli\ de me apresentar ao douto pblico portugus.

    Este livro escrevi-o h de\ anos. Era meu propsito fa\er um volume complementar ao que havia de escrever o Sr. Gardner sobre afortuna do mesmo ciclo arturiano em Itlia. Ambos os livros deviam ser obras de vulgari-zao, mas de facto no aconteceu assim; o meu, por algu-mas observaes novas que fiz no curso da sua confeco, dirigiu-se por fim reduzida classe dos hispanistas e eru-ditos na matria de Bretanha, e o do meu ilustre amigo tardou cinco anos, para sair por fim com belas reprodues dos esboos do manuscrito florentino, Pai. 556, da Biblio-teca Nacional.

    Salvo correco de algum erro evidente, deixo o texto do livro tal como o deixei em 1924. Desde aquela data que se conhecem muito melhor alguns documentos princi-pais do ciclo: o Tristo vaticano, publicado pelo Sr. Nor-thup; os fragmentos do Palcio de Madrid, que editou e comentou o Sr. Pietsch; o Cifar do Sr. Wagner e os valio-sos estudos do jovem erudito catalo Sr. Pedro Bohigas e Balaguer. Mas ainda nos falta alguma coisa: uma edio

  • viu A Lenda Arturiana

    Azurara, mas sabemos que uma lrica que se encontra no livro de um conhecido autor galego, Joo de Lobeira, e tambm muito provvel que o infante D. Afonso seja o irmo de El-rei D. Dini^ e cunhado do infante D. Joo Manuel de Castela. E se deduzimos da novela o quarto livro, que de Montalvo, e os cortes e reveses obrigatrios no gnero, que nos fica na mo ? Uma histria de amor muito simples, uma inteireza de f como a achamos nas velhas cantigas de amigo, uma luta sem concluso contra os fados e mesmo uma saudade que a aparenta com a Menina e Moa, tambm novela de cavalarias sui generis. Se havia novela galega ou portuguesa seria coisa momen-tnea entre i3i2 e 134S, quando a conhecemos j caste-lhana; mas aceito o autor galego e o patrono portugus de nascimento e ainda acrescento que vejo nas peripcias o trabalho de uma mentalidade antes galego-portuguesa que de pura casta castelhana.

    Os conflitos literrios desviam muitas ve^es a ateno dos aficionados das obras que constituem a glria genuna da sua nao. Por gastar tinta no problema de um Ama-diz portugus, que se no acha em nenhum lugar, no se tem ponderado suficientemente a prosa inimitvel de Fer-no Lopes, o gnio nico de Gil Vicente, a candura dos Livros de Linhagens, as miras elevadas de historiador de Azurara. A crtica da literatura medieval ocupa-se em todos os pases com exagero do no existente e tempo de chamar a sua mirada vaga para os monumentos sli-dos e inexplorados que merecem toda a sua ateno.

    Quatro palavras mais. Neste ano de IQ34 estabele-ceu-se em Oxford pela primeira ve\ um lente de Portugus. So antigos os servios que tm prestado a esses estudos alguns alunos distintos da nossa Universidade, mas desde

  • Prefcio do Autor IX

    hoje afaga-nos a esperana de ter uma sucesso no inter-rompida de leitores da bela literatura dos nossos antigos aliados e de tempos a tempos, talve\, um erudito. Para mim um grande prazer dirigir-me ao culto pblico neste momento- nico das nossas relaes culturais.

    Universidade de Oxford, ig'34.

    WILLIAM J. ENTWISTLE.

  • Prefcio do Tradutor

    Esta obra est em impresso desde ig33. Interrompida em igS4 pela extino da Imprensa da Universidade de Coimbra, estavam ento impressas seis folhas. S em ig40, pelas raspes por mim j apontadas no prefcio traduo dos Estudos Vicentinos do Sr. Aubrey Bell, pde conti-nuar. Devido boa vontade do Sr. Administrador da Imprensa Nacional pde concluirse em pra\o relativa-mente curto.

    Tal como est, a traduo tem grandes defeitos. Feita em circunstncias anormais, passaram alguns deslizes, apesar da cuidadosa reviso do seu ilustre Autor. Nas pginas impressas at ig34 muito haveria que alterar e mondar. Por rabes bvias no ofi\, limitando-me a cor-rigir cuidadosamente o que estava por imprimir. Se algum dia esta obra tiver 2.a edio, reservarei para essa altura a correco do que dela carece. Nem eu pretendo, de forma alguma, que a minha traduo seja impecvel. O estilo do Sr. EnUvistle, elegante como , nem sempre oferece ao tradutor oportunidade de o trasladar a por-tugus com a clareia desejada, e eu no quis, de modo nenhum, afastar-me do pensamento do Autor, alter ando-o, por redundncia. De resto s quem no conhece a lingua inglesa poder supor que ela possa traducirse ao correr

  • xn A Lenda Arturiana

    da pena, sem a cada passo o tradutor encontrar bices a obrig-lo a meditar antes de escrever.

    Isto no , porm, justificao s incorreces do que traduzi. Reconheo-as, lamento-as, embora no as enjeite. Espero que a crtica imparcial o compreender e ter em conta antes de se pronunciar.

    Por outro lado, desde que a impresso da obra parou em ig34, muita matria nova viu a lu% do dia, que levaria o Autor a alterar aqui e ali ai guinas das suas afirmaes. Quando a traduo foi revista o Sr. Entwistle teve a bondade de acrescentar novas anotaes complementares das da obra;posteriormente outras vieram que no houve oportunidade de inserir no lugar prprio, pelo que seguem adiante em adenda. A actual conflagrao, tornando tam contingentes as comunicaes postais com o mundo, impe-diu que at hoje o Autor pudesse acrescentar novos ele-mentos como complemento e actualizao da obra. Por rabes facilmente compreensveis no o quis eu fa^er. De modo que, com leves alteraes, sai como deveria ter sado h oito anos.

    A literatura cavalheiresca tem dado motivo para muitos estudos mais ou menos volumosos, entre os quais o pre-sente dos de mais valor. Foi por o reconhecer que o Sr. Dr. Joaquim de Carvalho, antigo e muito ilustre Di-rector da Imprensa da Universidade de Coimbra, entendeu publicar a sua traduo, que s tem de lamentvel o ter-me sido confiada. Embora os pontos de vista do Sr. Entwistle se limitem a um aspecto da vasta literatura cavalheiresca o das novelas artimaas, e mesmo esse restringido Pennsula Ibrica, le exaustivo, como facilmente pode verificarse. A literatura cavalheiresca tem sido incom-

  • Prefcio do Tradutor xin

    pletamente estudada entre ns, e o que de valioso existe sobre o assunto, mesmo no que respeita s novelas portu-guesas, deve-se pena de alguns dos mais ilustres espe-cialistas estrangeiros. E no entanto que magnfico campo a lavrar! Estou crente de que a presente obra vai contri-buir para os estudiosos e eruditos portugueses fazerem incidir a sua ateno, pelo menos, sobre o contributo de Portugal para o vasto mar da novelstica cavalheiresca. Pela minha parte espero poder dentro em breve apre-sentar a traduo do magnifico e fundamental livro do Sr. Dr. Henry Thomas Spanish and Portuguese Roman-ces of Chivalry, cuja traduo empreendi h mais de de{ anos, tambm a pedido do Sr. Dr. Joaquim de Carvalho, mas cujo manuscrito se extraviou quando foi remetido para seu ilustre Autor. Na Biblioteca Pblica de Braga tive a sorte de encontrar um MS, citado por D. Antnio Caetano de Sousa, que Inocncio no conheceu seno de nome, e que Barbosa Machado atribuiu Condessa da Vidigueira, D. Leonor Coutinho. Trata-se d Crnica do Imperador Beliandro ( . . . ) e seu filho D. Belindo, prn-cipe de Portugal, trs volumes em letra do sculo xvu assinados por D. Leonor Coutinho. Estou a preparar um estudo sobre a obra, que possivelmente constituir uma introduo sua edio que tenciono fa^er. Ver-se- como este romance um dos mais curiosos exemplares dessa longa dinastia que o Amadiz iniciou e de tam grande vitalidade que ainda sobreviveu s frechadas sarcsticas de Cervantes. Para se poder estudar conscienciosamente a influncia dos romances cavalheirescos na literatura por-tuguesa h que publicar, no todo ou em parte, o contributo dos portugueses para o gnero. O que est publicado pouco e muito dele anda disperso por revistas e outras

  • XIV A Lenda Arturiana

    publicaes peridicas. Isto quanto aos inditos; pelo que respeita aos impressos, qusi todos so inacessveis pela sua raridade. At mesmo a edio moderna do Palmei-rim de Inglaterra, a de igio, comea a rarear no mer-cado, atingindo preos elevados. Quando no seja possvel publicar integralmente os romances portugueses de cava-laria, dever-se-ia ao menos publicar antologias dos passos mais belos e expressivos, pois muitos so os que se podem colher desde o Amadiz at ao sculo xvii. O livro do Sr. Entwistle facilitar essa tarefa, e no poucos agra-decimentos lhe devemos por isso.

    O Sr. William James Entjvistle no um desconhecido dos eruditos e dos estudiosos portugueses, que h pouco mais de um ano tiveram conhecimento directo ou indirecto das conferencias realizadas em Lisboa, Porto e Coimbra por ocasio da imposio das insgnias doutorais de Oxford ao Sr. Dr. Oliveira Salazar.

    Nascido em i8g5 na colnia britnica de Chen-Ian-Qiian (China)y frequentou de go3 a igio a escola das Misses em Xe-Fu, onde alcanou neste ltimo ano o Oxford Senior Local Certificate de i.a classe. Vindo para a Gr-Bretanha no ano seguinte, frequentou em igii e igi2 o Robert Gordon's College, de Aberdeen, do qual passou neste ano para a Universidade de Aberdeen, que frequentou at igi; a obteve variados prmios e honras y elo seu aproveitamento em filosofia clssica e com-parada.

    Em gi 6 prestou servio militar na Grande Guerra, no Royal Field Artillery e nos Scottish Rifles, sendo n ano seguinte ferido em Pronne. Terminada a guerra, esteve

  • Prefacio do Tradutor xv

    na Universidade de Madrid e no Centro de Estudos His-tricos, da mesma cidade, e durante esse perodo prepa-rou um estudo das Relaes entre as literaturas inglesa e espanhola durante a Idade-Mdia.

    Finda a sua estadia em Espanha, durante a qual teve ocasio de profundar os estudos hispnicos, em que hoje autoridade de renome europeu, o Sr. Entivistle iniciou a sua carreira docente na Universidade de Manchester, onde per-maneceu at ig2S, ano em que passou para a de Glasgow, para a assumir a direco da seco espanhola. por esta ocasio que principia a sentir-se atrado pela litera-tura e pela histria de Portugal. Publicando naquele ano a obra de que hoje apresento a traduo, e na qual h largas referncias literatura medieval portuguesa, o Sr. Entwistle publica logo no ano seguinte um substan-cioso ensaio sobre O cossante do Rei D. Sancho, a que se seguiram em iQ2 8 A crtica moderna e a unidade dos Lusadas e Os cavaleiros ingleses em Aljubarrota, aquele na gloriosa revista Lusitnia, da direco da ex-celsa D. Carolina Michais. Entretanto preparava uma reedio da segunda parte da Crnica de D. Joo I, de Ferno Lopes, que a Imprensa da Universidade de Coim-bra devia editar e de que a extino daquele estabeleci-mento cultural veio privar-nos, no sabemos ainda por quanto tempo. Fao votos por que no demore essa reedi-o, esperando que os Srs. Ministro da Educao Nacional e Ministro do Interior facilitem a sua rpida concluso, para honra da cultura portuguesa.

    Em ig3o criaram-se, pelos seus esforos, aulas facul-tativas de portugus na Universidade de Glasgow. Dois anos mais tarde passou gloriosa Universidade de Oxford como professor de estudos hispnicos (cadeira de

  • XVI A Lenda Arturiana

    D. Afonso XIII), sendo ainda director dos estudos pof* tugueses da mesma Universidade desde IQ34. Actual-mente tambm director da Modern Language Review, onde tem publicado variada colaborao sobre a Espanha e sobre Portugal. Amigo dedicado do nosso Pas, fa\ parte daquele grupo admirvel de lusfilos ingleses para com quem temos uma grande dvida em aberto desde que Roberto Southey, o romntico poeta laicista, nos prin-cpios do sculo XIX, chamou sobre Portugal as atenes do ilustrado pblico ingls.

    Adversrio intransigente do nacionalismo narcisista, improdutivo e impotente para criar, entendo que s nos pode ser til, sob todos os pontos de vista, mas muito especialmente no que respeita ao campo cultural, o inter-cmbio com os pases de superior cultura, como a Ingla-terra, a Alemanha e a Espanha, visto como com a Frana esse intercmbio j passou alm da justa medida h muito tempo. Temos tambm o dever de analisar cuidadosamente o que sobre ns se escreve, sobretudo nos pases nrdicos, em que a viso dos factos e dos homens por via de regra mais justa, serena e equilibrada do que nos pases do sul, em que a cor deslumbrante de um cu sem manchas altera bastas ve^es a viso correcta dos acontecimentos e dos caracteres. Ponhamos de parte figurinos estranhos, que nem sempre se acomodam ao nosso corpo, e abramos de par em par as janelas da nossa pequenina casa sobre a Europa e o mundo, na certeza de que s nos poder fa^er bem a entrada dessas lufadas de ar, que vir renovar o confinado ar por tantas geraes respirado. natural que, feita essa operao tam simples, mas que a muitos se afigura dificlima, ns venhamos em breve a corrigir pela reflexo muitos dos defeitos de que temos tentado ver-nos

  • Prefacio do Tradutor xvii

    livres pelo recurso fcil retrica meridional. S ento compreenderemos que o que ao princpio nos parecia cr-tica exagerada, tendenciosa ou malvola da parte de alguns estrangeiros Cultos, nada mais era do que a viso justa das coisas, tornada possvel pela distncia que, se esbate as arestas, muitas ve\es d particular realce a pormenores em que no reparramos. E quando chegarmos a essa compreenso no deixaremos, por certo, de agradecer a todos aqueles que, curiosa ou amorosamente, se tm cur-vado sobre ns para melhor nos conhecerem e amarem, sem curarem de saber se o portugus grato ou no para com os que desinteressadamente ensinam o mundo a am-lo. Entre estes justo salientar o nome do Sr. Wil-liam J. Entwistle, que os estudiosos portugueses vo agora conhecer atravs da sua obra de maior flego e que con-sagrou o seu Autor aos trinta anos.

    Pela parte que me di{ respeito eu deixo aqui consignado ao meu Ex.mo e ilustre Amigo tda a minha admirao de estudioso pela sua obra e todo o meu agradecimento de portugus pelo amor que s nossas coisas tem dedicado. Oxal que um dia a minha Ptria o saiba compreender e retribuir.

    Braga, Julho de ig42.

    ANTONIO ALVARO DRIA.

  • I

    OBSERVAES PRELIMINARES

    A histria das novelas arturianas a dentro da Pennsula Ibe'rica duma atraente simplicidade. Elas constituem uma literatura de tipos limitados e de expresso homoge'nea que surgiu numa poca conhecida ou podendo determinar-se, e derivam duma corrente geral de inspirao. Sendo os limites da discusso definidos e reconhecveis, os tpicos da con-trovrsia no so historicamente remotos; porisso a locali-zao do debate limita-se queles materiais concretos tais como a e'poca e o modo por que se introduziram, as suas classes e genealogia, a sua influncia, e direco geral e quaisquer circunstncias especiais do seu recurso para o gosto penin-sular. Esses materiais podem fixar-se pelos processos vul-gares e evidncia da crtica textual ou histrica; pouca margem do dvida ou conjectura. Em Espanha no nos preocupa qualquer espcie de questo tal como a origem dos vrios ciclos, nem temos a oportunidade para estudar o seu cresci-mento e desenvolvimento. Podemos duma vez partir da pre-suno da existncia da prosa francesa da literatura arturiana no remoto sculo xm, a quai amplificada com um certo vulto pelos textos espanhis como base geral do nosso tra-balho, mas temos o dever de indagar como aquela literatura chegou a tal ponto; nem o nosso interesse afectado pelos complicados e insolveis problemas relacionados com os lais bretes e as novelas completas, a historicidade de Artur ou Tristo, as propores da resultante final que pertencem a diversos factores prprios da raa, os nomes e precedncia

  • i A Lenda Arturiana

    dos heris, as atribuies da autora ou as teorias opostas da composio. Essas controvrsias tm a sua concluso nos grandes ciclos de prosa que so acessveis a todos os estu-diosos; e com os ciclos franceses da prosa traduzidos lite-ralmente, e sem qualquer adio ideativa, para as literaturas peninsulares do se'culo xivque principia a provncia espe-cial a que se refere esta obra.

    A Espanha tem muito pouco a acrescentar ao nosso conhe-cimento do ciclo arturiano. Os seus Tristan, Merlin e Graal reputam-se originais no podendo continuar por muito tempo em trajo francs, mas que caem dentro de limites fixos de desvio dos tipos normais do romance e se inferem de outra evidncia. Uma cano d ao nome de Tristo uma encantadora alegoria amorosa tirada do folclore universal; outra d por aliada*a Lanarote uma tpica alcoviteira espa-nhola, a duea Quintaona ; uma terceira conserva a recor-dao de uma das suas aventuras menos famosas. Um filho de Tristo levou a fama do pai at ao combate dos Mouros da Espanha onde viveu apenas numa edio do romance, psto-que tivesse a vitalidade bastante para alcanar pblico na Itlia em I due Tristani; e Sagramor, na qualidade de um dos mais jovens guerreiros da Tvola Redonda, obteve um novo romance para si prprio pela pena de Jorge Fer-reir de Vasconcelos. E possvel que a Espanha tenha sido a fonte passiva de muitos pormenores do Parsifal, mas o cenrio espanhol dos romances de Wagner e Wolfram absolutamente estranho ao pensamento peninsular. As alu-ses a factos de data anterior aos ciclos estabelecidos so raras e difceis de determinar como tais: a obra de Geoffrey de Monmouth foi posta em circulao na linguagem em que se comps e pela reputao pseudo-histrica que ela alcanou; mas os lais bretes, quando muito, reflectem-se dbilmente na histria de Cifar e nas primeiras cinco poesias lricas do Cancioneiro de Colocci-Brancuti.

    Mas se os romances do ciclo peninsular oferecem compa-rativamente pouco interesse ao estudioso das origens artu-rianas, e se (como pode supor-se) so frequentes vezes de

  • Observaes preliminares 3

    pequena importncia intrnseca, contudo as circunstncias do seu progresso, o seu acompanhamento e o seu resultado, jun-tamente com a grande medida de segurana com que podemos afirmar tais circunstncias, investiram-nas de grande impor-tncia na histria da literatura europeia que deve, sem receio, dar a precedncia aos romances da Alemanha, da Inglaterra e da Itlia, ou talvez da prpria Frana. Circulando primeiro nas cortes de Lisboa, Toledo, Pamplona e Barcelona durante os ltimos anos do se'culo xiii, o mais certo em manuscritos franceses, foram traduzidos durante ou antes da primeira metade do sculo xiv, e por uns 25o anos continuaram a fertilizar a literatura e a sociedade dos reinos espanhis. Cons-tituram uma anttese marcha real e literal do pensamento nacional; uniram-se e guiaram a sua exaltao peculiar quando foram influenciados pelo amor, pela honra e pela religio; gradualmente expandiram as doutrinas e a prtica da cortesia desde o crculo de cortesos que rodeava o monarca at s classes mais nfimas. Durante todo este perodo foram acom-panhados pelo romance seu derivado, o Amadi^ de Gaula, uma criao nativa, de autor, nacionalidade e data desco-nhecidos, cujo nome se conservou durante tda a Idade-Mdia, como um outro Lanarote ou Tristo e sobre cuja descen-dncia estes heris terminaram por resignar a sua identidade e interesse. A inveno da imprensa trouxe uma breve revi-vescncia s fbulas arturianas, a qual foi seguida pela sua total extino; mas ao Amadi^ ela deu uma enorme expanso de influncia, porque esse romance indgena, que preferira uma imitao independente a uma traduo literal, proliferou no esprito do novo pblico dos livros impressos ; le expressou a verdade da vida como um sculo de esperana, de cortesia e de heroicidade desejava v-la, terras desconhecidas e cenas encantadas, princesas recompensando o valor e imprios presos dum brao forte, coraes leoninos, f inquebrantvel e ast-cias do Demnio, aventuras sem fim e irreais, dulcssimas frases de amor e de honra e a extenso militante da F sa-grada. E assim a infindvel sucesso dos romances peninsu-lares passou das tipografias para as mos dos leitores, at

  • 4 A Lenda Arturiana

    que semelhante profuso terminou por embotar o apetite. As emoes das descobertas e conquistas esfriaram e acalma-ram-se e at a f foi acabrunhada por humilhaes. Carlos V, Felipe II e Felipe III so nomes que por si s bastam para ilustrar a marcha do desencantamento. As novelas realistas, nunca desaparecidas por completo de Castela, e que durante 5o anos foram suplantadas pelo optimismo dos seus rivais, apareceram em nmero crescente e sempre implacvel, at que a famlia cavalheiresca se perdeu e sumiu. Mas antes que a sua memria se perdesse de todo, Cervantes, o melhor dos optimistas e o mais verdadeiro dos realistas, levou-as a ambas para a primeira e a maior das suas novelas. No D. Quixote no formulada nenhuma interpretao a priori sobre a natureza ; a alma do idealista e o corpo insistente do realista caminham juntos como partes complementares do mesmo mundo e o severo dualismo dos romances medievais cede fundindo-se com a luz e a sombra da moderna novela. A obra de Cervantes tem muitas afinidades, mas, para a sua genealogia, podemos citar a prpria afirmao do seu autor que o D. Quixote deriva do Amadiz como este de Artur.

    E o terceiro destes nomes, a parte mais antiga da trilogia, que constitui o assunto deste livro. Desde a ltima expo-sio geral da histria do ciclo arturiano na Pennsula, por Menndez y Pelayo na sua grande obra sobre as origens da novela espanhola, tem havido considerveis investigaes ; os textos so geralmente mais acessveis, embora alguns de grande interesse estejam dispersos por duvidosos manuscritos, mas o estudioso pode agora consultar importantes artigos e relatrios. O declnio das teorias de Gaston Paris na terra da sua origem restaura at certo ponto a autonomia dos ciclos espanhis que podem ser estudados com mais aturada e literal ateno quando o fulgor de brilhantes preconceitos j os no ofusque. Apenas pode produzir-se uma obra defini-tiva de todos os problemas relacionados com o nosso assunto, se que sobre os estudos arturianos alguma coisa de defini-tivo se poder fazer; porisso em apndice antiguidade de certos textos, os romances arturianos espanhis carecem de

  • Observaes preliminares 5

    discusso e sofrem com a falta de curiosidade no s de nacio-nais como de estranjeiros ; mas ao autor parece que os factos so agora bastante proveitosos para renunciar resolutamente s largas linhas do seu desenvolvimento e influncia, linhas que modificam um tanto-* as contenes da exposio aceita, e que substituiriam uma histria evidente do seu progresso por uma teoria que nos parece largamente conjectural e precon-cebida.

  • II

    A TEORIA DA PRIORIDADE PORTUGUESA

    A maior parte da matria arturiana que sobreviveu nas literaturas da Pennsula Ibrica encontra-se nas impresses castelhanas dos fins do sculo xv ou princpios do sculo xvi, s quais podemos acrescentar muitos manuscritos em cas-telhano ou portugus aproximadamente da mesma poca, e um importante fragmento em catalo que tem a data de i38o no colofonte. Isto, junto com uma simples folha do Tristan em castelhano e uma referncia no colofonte a um dos ro-mances portugueses, leva-nos a recuar at ao sculo xiv ; mas, falando dum modo geral, verdade que grande parte do hoje existente em castelhano muito posterior e poucas informaes fornece para a sua genealogia. Relacionarmos esses romances moribundos porque em breve foram soterrados pela imensa novelstica que em Espanha se produziu nas eras carolina e filipina com os seus originais franceses do sculo xin e espe-cificarmos o tempo e o modo da sua introduo, as influn-cias que sofreram ou exerceram e as suas mtuas relaes, tais so os objectos das investigaes arturianas na Pennsula. Duas geraes de esclarecidos espritos j se exercitaram em tal assunto, e os nossos dias ainda aguardam o ensaio auto-rizado e h longo tempo esperado de D. Adolfo Bonilla y San Martin (), que deve atenuar ou reacender o longo debate.

    () No 3. vol. (Ensaios) que completa a sua ed. dos Libros de Cabal-leras (Nueva Biblioteca de Autores Espaoles, tom. VI e XI). Todavia o seu ponto de vista deve inferir-se do prefcio ao seu Tristan de Leonis

  • A teoria da prioridade portuguesa 7

    Os comeos da discusso foram ilustrados pelos trabalhos de Pascual de Gayangos (i), Amador de los Rios e Mil y Fon-tanals. O catlogo de toda a literatura cavalheiresca da Es-panha que o primeiro concluiu foi uma contribuio de im-portncia fundamental para todos os ciclos de cavalaria da Pennsula e Ormshy(2) utilizou-o, para ilustrar o D. Qui-xote; o mesmo Ormshy e o falecido prof. Fitzmaurice--Kelly(3) parece que seguiram Gayangos quando conjecturam a relao ntima entre o Baladro del Sabio Merlin e a His-torta di Merlino de Messer Zorzi; Amador de los Rios acres-centou ao assunto uma notvel competncia no estudo dos manuscritos espanhis, e Mil y Fontanals desenvolveu um esprito cientfico maior ao mesmo tempo que um cuidadoso conhecimento do seu ptrio catalo. Estes trs distintos eru-ditos revolveram as bibliotecas em busca de exemplos da matire de Bretagne e a literatura espanhola inquirindo refe-rncias a ela, e porisso aquela teoria principiou a dar origem a uma cadeia de aluses entre os romances sobreviventes e os seus remotos originais franceses. Em Portugal, Varnhagen (4) dirigiu uma investigao semelhante, e das especulaes do en-genhoso Tefilo Braga formulou um juzo coerente e docu-mentado D. Carolina Michalis de Vasconcelos (5), cujas con-

    (Sociedad de Biblifilos Madrileos, tom. V\) e s suas Leyendas de Wag-ner. (Madrid, 1913). Desgraadamente depois de estarem escritas estas linhas, morreu o ilustre sbio espanhol sem completar o estudo tantas vezes prometido. O Sr. prof. Dr. Pedro Bohigas fez um estudo da nove-lstica espanhola medieval (incluso o ciclo arturiano) que se deve pu-blicar na Histria Literria projectada pelo Centro de Estudos Histricos, de Madrid.

    (1) Gayangos, Libros de Caballeras (Bibl. de Aut. Esp., tom. XL); Ros, Historia Crtica de la Literatura Espaola, tom. V; Mil, De la poesia heroico-popalr castellana, cap. X.

    (2) D. Quixote, trad, de J. Ormsby (Londres, i885), cf. vol. IV, ap. 2. (3) Ormsby, loc. cit.; Fitzmaurice-Kelly, Historia de la Literatura

    Espaola (Madrid, 1921), pg. 121 e primeiras d.; cf. Gayangos, Libros de Caballeras, Introd., pg. x, notas b-j,

    (4) Da Litter atura dos Livros de Cavallarias, Viena, 1872. (5) Grundriss der romanischen Philologie, II, 2, pg. 212, segs. e passim.

  • 8 A Lenda Arturiana

    cluses acessveis ao leitor ingls na Portuguese Literature do sr. Aubrey Bell (i) ainda que impugnadas por G. Baist(2) na mesma obra, foram substancialmente adoptadas pelo grande crtico espanhol da gerao passada D. Marcelino Menndez y Pelayo(3), pela sua sntese de erudita opinio referente entrada e progresso da cavalaria arturiana em Espanha e Por-tugal. A sua exposio magistralmente breve e lcida e a sua tese conciliatria, oferecendo aos crticos certas atrac-es a priori sob ambos os aspectos. A sua opinio prin-cipal que a matire de Bretagne foi recebida de Frana no atravs do reino central mas do ocidental-, e assim emquanto que podemos aceitar a prioridade portuguesa pela qual lutaram e ainda lutam os crticos portugueses, dando como causa a forte infuso cltica que se supe existir no seu sangue, ela tambm aceitvel pelos castelhanos porque Mil atribui o retardamento castelhano aos obstculos apresentados por um sentido mais forte da realidade e um nacionalismo mais con-sistente. A sua passagem por Portugal, assim como a dos poemas picos carolngios, dizem que foi pelo caminho dos peregrinos para Santiago, esse primeiro bero da cultura crist espanhola; mas no que respeita ao simples conheci-mento dos romances, a Catalunha, devido s suas afinidades lingsticas com a Provena e o Languedoc, precedeu os dois outros reinos espanhis.

    Esta teoria, em que se permite que caractersticas rcicas desempenhem papel tam importante, encontra uma base con-veniente nas especulaes de Gaston Paris. Nelas o elemento cltico, quer insular quer continental, proeminente por conter no s sugestes mas tambm a primitiva e verdadeira forma das histrias que chegaram a ser agrupadas nos ciclos fran-ceses ; contudo particularmente fcil passar dos celtas g-licos aos lusitanos, das novelas arturianas de Frana s da

    () Oxnia, 1922, pgs. 62-64. (2) Grundriss, II, 2, pgs. 416, 438, etc. (3) Orgenes de la Novela, I, pgs. CLIX-CLXXXIV, Antologa de Poetas

    Lricos Castellanos, tom. XII.

  • A teoria da prioridade portuguesa 9

    Galiza-Portugal. Para chegar a esta afinidade de raa e de temperamento e enquadrar as novelas peninsulares na sua estrutura europeia, a exposio de Mene'ndez y Pelayo con-venientemente prefaciada por um admirvel sumrio das vistas de Gaston Paris, extrado da Littrature Franaise au Moyen ge, da Histoire Littraire de la France (tom. XXX) e dos vols. XV, XVI e XVII da Romania; mas com essa introduo poderemos aventurar-nos a dispens-la, no s porque a crtica do norte dos Pirinus modificou um tanto a sua base em tempos mais recentes como tambm porque as teorias das ori-gens arturianas no tm importncia excepcional para a histria dos romances peninsulares. Procedendo assim, seguiremos o erudito e melhor guia ingls destes assuntos, o Dr. Henry Thomas, do Museu Britnico, cujo captulo preliminar do seu Spanish and Portuguese Romances of Chivalry (1920)(i) compendia em poucas pginas o conhecimento e a opinio actuais respeitantes aos ciclos arturianos, espanhol e portu-gus. As lendas clticas chegaram muito cedo Catalunha por intermdio dos troubadours provenais . . . Mas estas lendas seguiram o mesmo caminho que as de Carlos Magno, e encon-traram da mesma forma uma sada natural pela Galiza e por Portugal, onde existia no s uma escola de poesia lrica flo-rescente, mas tambm, podemos afirm-lo, um esprito gentil herana dos primitivos habitantes celtas, aumentado pela comunicao constante com as terras clticas... Estas poe-sias [os cinco Lais de Bretanha do Canc. Colocci-Brancuti] so tradues livres do francs, e mostram-nos como a ma-tire de Bretagne deve ter sido familiar aos trovadores galegos e portugueses, mesmo no sculo xin. . . Durante o sculo xiv principiaram a ser traduzidos para castelhano [os romances arturianos]. H dois fragmentos de um Tristan espanhol, cuja existncia se supe datar do primeiro, tero daquele sculo, mas a poca em que mais tradues se fizeram, foi a ltima parte do sculo xiv e no sculo xv . . . O primeiro tipo que se estabe-

    (t) H. Thomas, Spanish and Portuguese Romances of Chivalry, Cam-bridge, 1920, pgs. 21-27.

  • IO A Lenda Arturiana

    leceu com xito foi, no sculo xv/, o romance de cava-laria. Paralelamente a esta teoria e' vulgar aceitar-se, com maior ou menor reserva, a hiptese da origem portuguesa do grande derivativo arturiano, o romance de Amai^ de Gaula, adoptando por autor um ou outro dos obscuros Lobeiras ; por este processo tda a corrente cavalheiresca segue uniforme-mente do ocidente para o centro da pennsula.

    As ntimas relaes polticas, culturais e lingsticas que uniram a Catalunha Provena tornaram a literatura da Marca Hispnica particularmente semelhante s ideas estranjeiras ; e foi no muitos anos depois que Bernard de Ventadorn fz a primeira aluso a Tristo e Iseu (1154) ( 1 ) que o trovador catalo Guiraut de Cabrera (2) aparece na completa posse do

    (1) L. Sudr, Les allusions la lgende de Tristan, \n-Romania, tom. XV.

    (2) Mil y Fontanals, De los trobadores en Espaa, pgs. 273 seg. : Cabra juglar, Non puesc mudar

    Qu'eu non chan, pos a mi sab bon ; E voirai dir Senes mentir,

    E comtarai de ta faison. Mal saps viular E pietz chantar

    Del cap tro en la fenizon ; Non sabz unir, Al mieu albir,

    A temperatura de Breton.

    Non sabs d'Erec Con conquistec

    L'esparvier for de sa rejon Ni de Cardueill

    Ni de Tristan C'amava Yceut a lairon,

    Ni de Gualvaing, Qui ses conpaing

    Fazia tanta venaison

    Ni d'Arselot la contenon.

    Mas Arselot (segundo a Inchiestra del San Graal, de Crescini, In-trod.) de Arselot et Riquelme e no do Lancelot du Lac como sugere Mil.

  • A teoria da prioridade portuguesa M

    fio do romance (c. 1170). O seu poema um ataque ao jon-gleur Cabra pela sua execuo defeituosa no canto e na viola e pela sua ignorncia dos temas mais reputados para o verso. Guiraut fala de Cardueil, Erec, Viviana e talvez de Merlim, Galvo, Artur, Tristo, Iseu, qui de Lanarote ; mas pode bastar para concluirmos, pelo orgulho que o seu conhecimento parece inspirar ao trovador, que estas novidades em moda eram ainda pertena de um crculo restrito. Numa tal rbita limitada era provvel que elas gravitassem durante alguns sculos mais ou menos durante tda a durao da literatura catal, porque, embora se possam encontrar aluses matire de Bretagne fora da poesia dos trs sculos seguintes em alguma abundncia, e embora os prprios romances ocupas-sem muitos lazeres de Pedro o Ceremonioso, conde de Bar-celona e rei de Arago, nada de positivo se podia afirmar na ocasio em que Menndez y Pelayo acabava de escrever (io,o5) sobre o que respeitava aos romances deste ciclo, em vern-culo, nem possumos hoje mais do que uma isolada histria do Santo Graal e uma simples folha que descreve o combate de Lanarote com Sir Carados e outra das aventuras de Tristo. Pode-se, mesmo, dizer, a no desconfiarmos de provas negativas, que as lendas brets parecem pouco sim-pticas ao prtico esprito catalo.

    Haba, no obstante, una regin de la Pennsula donde,ya por oculta afinidad de orgenes tnicos, ya por antigua comunicacin con los pases celtas, ya por la ausencia de una poesa pica nacional que pudiera contrarrestar el im-pulso de las narraciones venidas de fuera, encontraron los cuentos bretones segunda patria, y favorecidos por el pres-tigio de la poesa lrica, por la moda cortesana, por el influjo de las costumbres caballerescas, despertaron el germen de la inspiracin indgena que sobre aquel tronco, que pareca ya carcomido y seco, hi{o brotar la prolfica vegetacin del Amadis de Gaula, primer tipo de la novela idealista espa-ola. Fcilmente se comprender que aludo los reinos de Galicia y Portugal, de cuyo primitivo celtismo ( lo menos como elemento muy poderoso de su poblacin, y tambin de

  • 12 A Lenda Arturiana

    la de Asturias y Cantabria) seria demasiado escepticismo dudar, aunque de ningn modo apadrinemos los sueos y fan-tasias que sobre este tpico ha forjado la imaginacin de los arquelogos locales. Si no se admite la persistencia de este primitivo fondo, no solo quedan sin explicacin notables cos-tumbres, creencias y supersticiones vivas an, y casos de ata-vismo tan singulares como el renacimiento del mesianismo de Arts en el rey Don Sebastin, sino que resulta enigmtico el proceso de la literatura caballeresca, que tan profunda-mente arraig all, que conquist sin esfuerzo las imagina-ciones como si estuviesen preparadas para recibirla y que fu imitada con tanta originalidad la vuelta de algunas generaciones. Tambin fu all la poesa lrica el vehculo de las tradiciones galesas y armoricanas (i).

    No noroeste da Pennsula os cossantes (2) indgenas e a in-fluncia dos modelos provenais tinham chegado concluso de produzir uma tcnica da poesia lrica e um dialecto que no foi empregado somente por galegos ou portugueses, mas tambm por leoneses, castelhanos e at mesmo italianos, es-tranjeiros. As suas referncias literatura coeva so raras, mas as que dedicam s lendas brets foram coligidas h tempo e so actualmente conhecidas de todo o mundo em geral. A mais antiga em data destas referncias est sob o nome de Afonso o Sbio (3), rei de Leo e Castela, cujas Cantigas de Santa Maria mencionam Bruto, Artur e Merlm

    (1) Menndez y Pelayo, Orgenes de la Novela, t. I, pg. CLXXI. (2) Faz falta uma palavra que descreva esta belssima flor da poesia

    portuguesa. O termo cantigas de amigo refere-se matria no forma. Descrever uma lrica tam simples e exquisita pela frmula aparatosa de cantigas paralelsticas (para no dizermos, como os alemes, Parallelen-strophenlieder) parece-nos uma ofensa pedantesca memria dos que a compunham. Algum crtico portugus descobrir por fim a frmula acei-tvel, e at esse momento hei-de adoptar a que me oferece o Sr. Aubrey Bell.

    (3) Cantigas de Santa Maria, n.08 35 e 108; Cantigas de las Fiestas de Santa Maria, n. 9; Can^oniere Portoghese Colocci-Brancuti (hoje Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa), n. 468 (36o).

  • A teoria da prioridade portuguesa i3

    e que numa cano de amor do Cancioneiro alude aos sofri-mentos semelhantes de Tristo. Seu neto, D. Deniz de Por-tugal, cita tambe'm Tristo e Iseu e outros mencionam Merlim, as canes de Cornualha e a Bestia Glatissante (i). Por estes poemas parece provar-se a circulao das novelas artu-rianas entre os que contriburam para os cancioneiros por-tugueses do remoto sculo xiv; mas elas cedem em interesse s cinco curiosas lricas, chamadas Lais de Bretanha, com que principia o Cancioneiro de Colocci-Brancuti (n.os i-5). Estas so atribudas pelas suas rubricas ao prprio Tristo e a sua antiguidade atestada pela assero de que uma delas foi a primeira que achamos que foy feita ; e estes lais tm sido apresentados para provar a existncia dum Tristo em prosa, com vestidura portuguesa, no remoto sculo xm (2). A disposio final dos Cancioneiros obra do filho bastardo do rei D. Deniz, D. Pedro, conde de Barcelos (3), que inclui no seu Nobilario ou Livro das Linhagens um captulo intei-ramente dedicado pseudo-histria arturiana e no qual men-ciona no s Artur, Lear e Merlim, mas tambm Galvo, Lanarote e Avalao. Ao suposto original galego podemos atribuir a meno de Tristo e Merlim no poema em que Rodrigo Yez(4) celebra a vitria das armas castelhanas e portuguesas no rio Salado em 1340. Durante o sculo xiv a temperatura arturiana continuou a subir em Portugal. Em i35g Lanarote principiou a aparecer como nome de baptismo e encontramos com frequncia nomes tais como Lanarote, Tristo, Percival, Arturo, bem como Iseu, Ginebra, Viviana, etc. (5). No reinado de D. Fernando o Formoso, Nun'Alvares

    (1) Cane, da Vat., n.us i i5, 930, 1007 e 1140. (2) C. Michalis de Vasconcelos, Lais de Bretanha, m-Revista Lusi-

    tana, t. VI, e in-Canc. da Ajuda, t. II. Do segundo lai diz a rubrica: Esta cantiga he a primeira que achamos que foy feita.

    (3) Livro das Linhagens, ttulo II, n\-Portugali Monumenta Histo-torica ... Scriptures, ed. Herculano.

    (4) Poema de Alfonso Onceno, coplas 405, 242-5 e 1808-41. (5) T. Braga; Curso de historia da litteratura portuguesa, i885,

    pgs. 144-8. (As novelas da Tavola Redonda em Portugal).

  • 14 A Lenda Arturiana

    Pereira escolhe para modelo o heri do Santo Graal, D. Ga-laaz ( ) ; e cerca da mesma poca, sem dvida, a fogosa paixo de D. Pedro o Justiceiro e D. Inez de Castro principiou a tomar o aspecto da lenda de Tristo. Para o historiador do Rei D. Joo I de Portugal familiar todo o corpo de ordenadas citaes, desde a mais antiga; e assim, propos do cerco de Coria, em i385, cita os nomes de Galaaz e Lanarote, Tristo, Quea e Artur. Estes costumes da cavalaria foram imitados na Ala dos Namorados que combateu na batalha de Aljubarrota (i385), na ordem dos Cavaleiros da Madresilva e na historia dos doze cavaleiros que visitaram a Inglaterra (2) a pedido de Joo de Gaunt para defenderem a honra das se-nhoras inglesas.

    Sabemos de obras sobre Tristo, Merlim e Galaaz exis-tentes na biblioteca do infeliz D. Duarte (3), filho de D. Joo I e de D. Felipa de Lencastre, sua esposa, mas nada se sabe sobre a sua linguagem. H actualmente para ns em por-tugus trs livros-uma histria da Destruio de Jerusalem ou do Imperador Vespasiano (1496), que se considerou como tendo sido o original da correspondente obra castelhana (1499) at descoberta por Haebler de um outro incunbulo espanhol datando aproximadamente de i486; um manuscrito intitulado Josep Abaramatia, escrito por um dr. Alvares no reinado de D. Joo III de Portugal, mas baseado na obra de um mestre--escola astorguense, Joam Samchez, cuja linguagem original no pode saber-se pela cpia; e a Historia dos Cavalleiros da Mesa Redonda que pertence ao sculo xv e est relacionada com uns certos romances espanhis em moda acerca da qual impossvel disputar. A proeminncia que os romances do Graal adquiriram nas relquias da literatura arturiana por-tuguesa pode actualmente implicar um interesse maior entre

    (1) Ferno Lopes, Chronica del Rei D. Joo I, ed. Braamcamp Freire, igi5, pg. 60.

    (2) Games, Os Lusadas, VI, est. 43-69. (3) D. Duarte, Leal Conselheiro, 1842, ed. J. I. Roquete, pgs. xx-xxi

    (n.0 29, Livro de Tristam; n. 32, Merlim; n. 35, O Livro de Galaa\).

  • A teoria da prioridade portuguesa i5

    eles do que entre as castelhanas nas muitas seces fants-ticas da matire de Bretagne: mas que sejam propriedade nica do povo portugus nos meados do sculo xv impro-vvel e uma deduo, inteiramente imprpria, inferida duma passagem do Mar de Historias de Fernn Pe'rez de Guzmn, O manuscrito do Graal cita as suas outras partes (o Joseph e o Merlii) e tambe'm o Conto, Livro ou Romaneo do Braado (Conte dei Brait), a Estoria de Tristam, a Estoria Grande de Lanarote e a Estoria de Percival, que devem ser todas consideradas, provavelmente, romances franceses e no por-tugueses ; e pude'ssemos ns chegar a uma concluso pelas obras atrs indicadas e impressas em Espanha, ainda encon-traramos outras mais Merlim {Baladro e Prophecias, 1498 e i5oo); Joseph de Arimathia (= Vespasiano, 1496 port, e 1498 esp.); Santo Graal ou Galaa\ ( i5i5, 1535); Tristan (iboi, 1528, 1533, 1534); Lanzarote (i528?); Percival (i526), e um Artus (i5oi) aparte (1). Nesta corrente podia seguir uma notvel mas hipottica literatura, mas infelizmente per-deram-se, na sua maior parte, as verses portuguesas das lendas brets. (2).

    A febril poesia do delrio amoroso, galantaria por vezes adltera, s distantes e fantsticas aventuras da matire de Bretagne ofereceu uma firme resistncia a alma cas-telhana, clara, prtica e austera, preocupada com a recon-quista do seu solo, a defesa da sua fe' e a afirmao da sua nacionalidade. A introduo do ciclo breto em Castela no remota; ligada a uma nova cavalaria que era ao mesmo tempo menos herica e mais refinada que a carolngia, no se conformou com o carcter grave da cavalaria caste-lhana (3). Antes do sculo xiv so raras as aluses a ela. As mais antigas encontram-se nos Anales Toledanos Prime-ros (4), fastos que terminam com o ano de 1219, e consistem

    (t) Grundriss der romanischen Philologie, II, 2, pg. 214, n. 4. (2) A. F. G. Bell, A Literatura Portuguesa (Histria e Crtica), pg. 70. (3) Mil y Fontanals, De la poesa heroico-popular castellana, cap. X,

    Del Ciclo Bretn. (4) Espaa Sagrada, t. XXIII, pg. 38i.

  • i6 A Lenda Arturiana

    na j conhecida afirmao de que Artur combateu Mordred em Gamlan na Era de 58o , isto no ano de 542. Uns 5o anos depois dos Anales, na Grande et general Estoria de Afonso o Sbio se extractan de la referida crnica de Mon-mouth, que da el rey el ttulo de Estoria de las Bretaas, todas las proejas atribuidas al hijo de Slvio, no olvidadas tampoco las historias de Corineo y Locrino, de doa Guen-dolonea y Mandan, Porex y Flerex, Belino y Brenio, etc. (1) e a Gran Conquista de Ultramar, que foi comple-tada no reinado do seu sucessor, encontra oportunidade para falar na Tavola Redonda nos tempos do Rei Artur, assim como para dar por extenso a histria do Cavaleiro do Cisne ( propos de Godofredo de Bulhes). Don Juan Manuel men-ciona no seu Libro de la Ca\a (2) (escrito antes de i325) falces chamados Lanzarote e Galvan, tendo este ltimo per-tencido a D. Henrique, irmo de Afonso X. O nome de Lanzarote foi dado a uma criana numa pia espanhola em 1344; ao mesmo tempo os anos anteriores oferecem uma aluso a Tristo na Cantiga de los Clrigos de Talavera do disso-luto Arcipreste de Hita (3). Uma traduo do De regimine Principum de Egdio Colonna executada em castelhano antes de i35o por Johan Garcia de Castrogeriz (4) juntou Tristan a Cifar e Amadis, os dois mais antigos romances indgenas de cavalaria ; e o autor do Poema de Alfonso Onceno , como j vimos, familiar com a harpa de Tristo e as profecias (ou pelo menos recipes profticos) de Merlim. No final deste mesmo se'culo xiv, entre 1367 e 1403, o desertor e chanceler D. Pero Lpez de Ayala liga Lanarote a Amadxs entre os livros com que perdeu muitas horas valiosas certamente as

    (i) Amador de los Ros, Historia Crtica de la Literatura Espaola,. tom. V, pg. 29.

    (2) Ed. Baist, pg. 42. (3) Juan Ruiz, Libro de Buen Amor^ copla 1703:

    Ca nunca fue tan leal Blanca Flor a Frores Nin es agora Tristan con todos sus amores.

    (4) Revue Hispanique, tom. XV, pg. 815.

  • A teoria da prioridade portuguesa 17

    da sua juventude; mas a sua penitncia no desaparece tanto que o impea de recorrer s convenes arturianas e a Merlim no final da sua Crnica del Rey Don Pedro, talvez a parte melhor trabalhada, embora de-certo a mais positiva, da prosa medieval espanhola (1). D. Pero Lpez de Ayala deixou a sua obra incompleta no reinado de Henrique III de Castela e Gutierre Diez de Games (2), que escreveu no rei-nado daquele monarca, tambm manifesta o interesse, ento em moda, por Merlim : E si bien paras mientes, como viene Rey nuevo, luego facen Merlin nuevo; dicen que aquel Rey ha de pasar la mar, e destroir ioda la Morisma, e ganar la Casa Sancta, e ser Emperador ; e despus vemos que se face como a Dios place. E assim um novo Merlim foi Alfonso Alvarez de Villasandino (3), o falso profeta da conquista dos Mouros, a reunio de toda a Cristandade e outras maravilhas. Como resultado das suas investigaes em a Normandia e na Bretanha durante os anos de 1405-6, que o autor passou com muita satisfao assolando o sul da costa de Inglaterra e a ilha de Jersey, Diez de Games expoz uma relao do primeiro estabelecimento de Bruto, neto de Enas, em Inglaterra jun-tamente com a histria de sua esposa Doroteia e outras inte-ressantes lendas que no se encontram na obra de Geoffrey de Monmouth. No reinado de D. Joo II de Castela, um judeu chamado Juan Alfonso de Baena coligiu as nug po-ticas da corte no conhecido Cancionero de Baena (1445), que, seja qual for o seu mrito real, um verdadeiro alfobre

    (1) Pero Lpez de Ayala, Rimado de Palacio, copla 162:

    Plogome otros oyr muchas vegadas, Libros de devaneos e mentiras probadas, Amadis, Lanzalote e burlas asacadas, En que perdi mi tiempo a muy malas jornadas.

    e a Crnica del Rey Don Pedro, ao xvir, cap. 22 e ao xx, cap. 3. (2) Gutierre Diez de Games, Crnica de Don Pedro Nio, ed. Lla-

    guno, pg. 29-30. (3) Canc. de Baena, n. 199.

    2

  • i8 A Lenda Arturiana

    de citaes artimaas (i). Um dos seus mais antigos contri-buintes, Pero Ferrs (m. 1379), dirigindo-se ao chanceler Ayala, fala de Artur, Lanarote, Galaaz e Tristo a seguir aos pares de Carlos Magno, e menciona explicitamente os trs livros do Amadis. Esta erudicin indigesta [de Pero Ferrs], diz Menndez y Pelayo, de la cual ms menos participan todos los poetas del Cancionero, tiene hoy la ven-taja de hacernos penetrar en la intimidad de sus lecturas, y mostrarnos, por ejemplo, la poca precisa en que entraron en Espaa las novelas del ciclo bretn, y el punto culminante que lleg su prestigio influencia. As aluses referem-se constantemente trindade cavalheiresca de Lanarote, Tristo e Amadiz e s suas damas, Ginebra, Iseu e Oriana, encon-trando ns mais ainda Artur, Galaaz, Merlim, o Graal, o rei Ban, Bademago, Jos de Arimateia (mais famoso do que o marido da Virgem!) e Brius Sem Piedade; acham-se igual-mente referncias entre os velhos conservadores do tipo de Villasandino e entre a nova escola dos alegoristas italianos que seguiram Francisco Imperial. O ilustre Marqus de San-tillana, o mais notvel exilado do livro de sarcasmos de Baena, tambe'm conheceu Tristo, Lanarote e Galeote (2), e o seu parente Fernn Pe'rez de Guzmn (3), que j contribuir com notcias de Ginebra e Iseu para o Cancionero, discutiu Merlim e o Santo Graal no seu Mar de Historias. Tristo e Lana-rote so conhecidos de outros picarescos arciprestes da velha Espanha, como o de Talavera (4), e os livros do ciclo do Graal

    (1) Canc. de Baena, n, 3o5, Cf. Menndez y Pelayo, Historia de la poesia lrica castellana en la Edad Media, tom. I, pg. 385. Cancionero de Baena, n.* 38, 149, 124, 199, 209, 226, 249^ , 3or, 3o5, 33r = 533, 485, 572, 116 e 234.

    (2) Santillana, Triunfete de Amor, m-Obras: Vi Tristan e Lanarote E con el a Galeote, Discreto e sotil mediante.

    (3) Canc. de Baena, n. 572, e Alar de Historias, caps. XGV e CIV. (4) El Arcipreste de Talavera, parte IV, cap. VI.

  • A teoria da prioridade portuguesa 19

    e de Dom Lanarote foram vistos nas mos de Isabel a Ca-tlica (). Duas canes populares so dedicadas uma a Lan-arote e outra a Tristo, sendo ambas de respeitvel antigui-dade (2); mas Duran arge que um nmero tam pequeno prova a indiferena do pblico em geral e e' mesmo possvel que o final do sculo xv visse um declnio total do interesse pelos temas cavalheirescos, se que podemos avaliar a opi-nio pela frequncia de citaes lricas (3). E como se a circulao manuscrita estivesse exausta e o novo pblico das tipografias impressoras no tivesse surgido ainda.

    Tal a longa e alusiva aproximao dos romances espa-nhis sobreviventes ; mas antes de darmos o passo final seria bom considerar o valor da evidncia oferecida para a priori-dade de Portugal. No fcil dizer at que ponto Menndez y Pelayo se identificou com aquela exposio, porque le mais um crtico histrico da literatura do que um histo-riador literrio, e achamos ter pouca curiosidade de deter-minar as minuti que ho-de formar a histria documen-tada (4). E muito possvel que, como um dogma histrico, a prioridade portuguesa apenas fosse um assunto de grande interesse para le e que a sua inteno fosse artstica pr de parte as suas notas francesa, catal e portuguesa antes de chegar ao seu tema verdadeiro das novelas castelhanas e at tivesse preferido dirigir a sua censura contra as novelas francesas com o fim de reservar as suas palavras de elogio para os romances nacionais Amadis, Cifar, Tirant lo Blanch. Os apologistas portugueses, como Tefilo Braga, D. Carolina Michalis de Vasconcelos, J. J. Nunes e o

    (1) N.* 142, 143 e 144 da sua livraria, segundo o inventrio de Cle-mencn m-Memorias de la Academia de Historia, tom. VI.

    (2) Durn, Romancero General, n.* 351, 352 e 353. (3) G. Baist, Grundriss der romankchen Philologie, II, 1, pg. 441. (4) Na referncia ao Baladro del Sabio Merlin est contido um

    curioso exemplo deste pormenor [Orgenes de la Novela, I, pg. CLXXXIH). Contenta-se com enviar o leitor a G. Paris e ao Merlin, edio de Ulrich. Todavia eles obtiveram o seu conhecimento do Baladro do prprio Menndez y Pelayo (cf. Merlin, Roman en Prose, I, pg. LXXIII).

  • 20 A Lenda Arturiana

    sr. A. F. G. Bell, tm necessidade de penetrar mais profunda-mente; contudo a sua teoria tem uma certa fraqueza grave O maior nmero dos supostos textos portugueses tm de ser inferidos por simples hiptese das prprias relquias caste-lhanas. Em portugus, o leitor o ver, h somente duas seces do Santo Graal, e ambas elas so motivo para con-trovrsia. Nem que quise'ssemos negar a existncia de ro-mances em vernculo da Tvola Redonda no reino ocidental, no subscreveramos a opinio radical de G. Baist que os castelhanos empregam a prosa na narrativa, os portugueses o verso; a sua prosa traduzida da castelhana. (). E muito provvel que uma literatura considervel e tmpora de novelas se perdesse no s em Portugal mas tambm em Espanha e na Catalunha ; mas deve-se confessar que o que em si hipo-ttico um dbil alicerce para as hipteses posteriores da prioridade arturiana de Portugal. A circunstncia de ambos os fragmentos portugueses pertencerem ao ciclo do Graal levou alguns eruditos, mormente Amador de los Rios e O. Klob, a torcer neste sentido uma passagem do Mar de His-

    A

    torias de Fernn Prez de Guzman (2). Este (1376?-1460?) diz do Graal que esta historia no se halla en latin sino en francs, implicando (segundo Ros) que ela no era corrente em castelhano, ou antes (segundo Klob) que a verso penin-

    (1) Grundriss der romanischen Philologie, II, a pg. 441. (2) Sobre isto v. Rios, Hist. Cr. de la Lit. Esp., tom. V, pg. 76;

    O. Klob in-Zeitschrift fr rom. PhiloL, XXVI, pg. 180; G. Baist, in-Zeit-schrift fiir 7-om. Phil., XXXI, pgs. 6o5-; ; e a minha nota in-Modern Language Review, XVIII, pg. 206-8. Prez de Guzman, Mar de Histo-rias, cap. XGVI (Del st grial), diz: Del imperio de len ao d'l seor de dccxxx fue en bretaa avn hermitao fecha vna marauillosa reuela-cion segn se dize: la qual diz que le reuelo vn ngel d'vn grial o escu-dilla que tenia josep abarimatia en que ceno nuestro seor jpu xho el jueues dela cena. Dela qual reuelacion el dicho hermitao escriuio vna estoria q es dicha del sancto grial: esta historia no se halla en latin sino en francs: e dizese que algunos nobles Ia escriuieron. La qual quanto quier q sea deleitable de leer e dulce: enpero por muchas cosas es ;raas que enella se cuenta asaz deuele ser dada poca f.

  • A teoria da prioridade portuguesa 21

    sular estava ainda confinada ao territorio portugus. Que estas implicaes so duvidosas j foi apontado por Baist: se verdade podemos ainda inquirir da competncia do escritor, visto que para estabelecer uma negao se requere um ele-vado certificado de conhecimentos bibliogrficos. Mas assim acontece que tda a passagem em questo desceu ao caste-lhano por intermdio de Giovanni Golonna e Vicente de Beauvais, dum antigo Helinando de Beauvais (1) (c. 1227), que no s faz afirmaes respeitantes linguagem do Graal mas e' o causador da desconfiana caracteristicamente cas-telhana de fabulaao quando descrimina entre a maior ou menor verosimilhana e utilidade (verisimiliora et utiliora) das pores daquela histria. A passagem de Prez de Guz-man implica, se o acreditarmos, que a histria do Graal tinha algum interesse para Castela e porque no estaria escrita em castelhano ? Que a primeira parte, o Josep ab Arima-iheia, era muito conhecida infere-se razoavelmente da nota de Nicols de Valencia : a Santssima Virgem era casada con santo Joseph non de Aba\imatia (2); e que a segunda parte, o Merlin, podia ser empregada para suavizar o esforo da leitura da Sagrada Escritura parece depreender-se da Brivia compida en romance con an poco del libro de Merlin que estava na biblioteca do conde de Benavente cerca do ano de 1440 (3).

    Se os textos so insuficientes para sustentar a tese portu-guesa, ainda mais o so as aluses. Relativamente absoluta prioridade, a entrada nos Anales Toledanos Primeros ante-cipa todas as outras citaes castelhanas ou portuguesas em

    (1) Para Helinando, v. Migne, Patrologa, tom. CCXII, pg. 8i5, e Modem Language Review, loe. cit.

    (2) Cane, de Baena, n. 485 :

    Con santo Joseph non de Abazimatia.

    (3) R. Beer, Handschriftenscht\e Spaniens, para. n. 67, n. 29: Brivia compida en romance con un poco del libro de Merlin, en

    papel cebti mayor, con tablas de madero cubierto de cuero blanco.

  • 22 A Lenda Arturiana

    quasi cerca de meio sculo; e o nome de Afonso X, que encabea a lista das aluses nos Cancioneiros^ pertence im-parcialmente a ambas as literaturas. E verdade encontrarmos uma multido de referncias nestes livros de canes numa data mais antiga do que em semelhante conjunto se pode ver em Castela; mas aquele fenmeno respeita, no pre-sena ou ausncia das novelas arturianas, mas gravitao dos versos corteses da Galiza para Castela o mais natural repositrio de aluses ao amour courtois arturiano. Podem referir-se, realmente, por completo influncia duma con-veno provenal (), e a sua existncia uma perfeita ga-rantia insuficiente da presena dos romances em prosa em vernculo. Semelhantes dificuldades se mostram pela expe-rincia em transmutar para um Tristo portugus do s-culo xiii os cinco lais de Bretanha.

    Todavia a teoria na ausncia de provas bibliogrficas se cr baseada no seu primeiro princpio, o fundo celta do povo portugus. Era bem natural que um povo cltico, habitante da beira-mar e curioso de lendas misteriosas e de novidades forasteiras, se sentisse atrado por esses ennevoados contos de amor e aventura andante, que transportavam as almas para Ocidente at Cornualha e tambm para Oriente, na busca do Santo Gral. Era natural que Portugueses e Ga-legos recebessem mais cedo e mais fortemente que os seus vizinhos Castelhanos a influncia daquelas lendas. Mais na-cionalista e mais clara se mostra Castela nas descries definidas do Poema del Cid; no sculo xn ela haveria repe-lido aquelas lendas para a sua origem brumosa. (Ainda hoje muito mais comum na Galiza que em qualquer outra re-gio da Espanha a simpatia e a solidariedade para com a Irlanda.) (2). A ltima frase de casustica recorda a histria

    (1) Baistj Grundriss der rom. Phil., II, 2, pg.438: Wenn Alfonso X einmal Tristan, Iseu und Artus nennt, so ist dass nur Reflex der proven-zalischen Dichtung.

    (2) Bell, Lit. Port., pg. 70,

  • A teoria da prioridade portuguesa 23

    de Florin de Ocampo (i), o arquelogo espanhol do se'culo xvi que naufragou em Waterford e foi muito bem recebido pelos Irlandeses, o qual afirmou serem eles tambm espanhis (pelo menos de raa, pois que tiveram de falar-Ihes por sinais); mas Ocampo recorda que a Irlanda tinha sido colonizada por um dos reis post-diluvianos da Espanha, de nome Brgus, E quem pode duvidar do rei Brgus, que no s certificado por Berosus e Annius Vterbensis, mas tambm pelo vero nome de todas as Brgidas da infeliz terra? No nos inte-ressa por agora saber se h alguns elementos celtas na Ga-liza; mas falta-nos ainda provar se eles so ali maiores do que em qualquer outra parte da Pennsula. Na verdade triste que o homem cuja ambio ou profisso estudar as origens hispnicas o deva fazer nos autores da antiguidade ! Todavia estes autores nada mais tm a dizer de provvel seno o que disse Plnio (2), que os Celtic do Anas so um ramo do corpo principal dos Celtas de Castela e que os Celtas galcicos so um resduo expulso da Lusitnia. Os principais nomes celtas de lugar ou apelativos de tribu localizam-se nas colinas que ladeiam o vale do Ebro; dali estenderam-se em linha recta do Tejo ao Douro e estabeleceram os seus postos avanados ao sul do esturio do Tejo at Finisterra. O ar-gumento da cultura igualmente infeliz. O messianismo de Artur e D. Sebastio, por exemplo, sobre que Mene'ndez y Pelayo insiste com vigor, apenas uma evidncia conclusiva da persistncia cltica quando mais tarde considerarmos o messianismo de Mahdi, de Buda e do Messias. Posterior-mente a nossa incrdula gerao aprendeu a distinguir entre raa, linguagem e cultura, trs factores humanos que se com-binam muitas vezes num movimento de civilizao, mas que nunca podem argir-se para provar qualquer delas ; e a evi-dncia para os Celtas hispnicos principalmente lingstica

    (1) Girot, Les Histoires Gnrales d'Espagne, pg. 121. (2) O leitor encontrar quasi tudo o que se sabe sobre os Celtas

    (e at ura pouco mais) em Les Celtes en Espagne, de D'Arbois de Ju-bainville, na Revue Celtique, XIV e XV.

  • 24 A Lenda Arturiana

    (toponmica, de facto) e no rcica. Se, contudo, devemos admitir o Celta no nosso argumento (no obstante ser o cl-tico uma fraude na maioria dos argumentos) sejam Celtas no somente os de Nerium, mas tambm os de Segvia, Se-gbriga e Segontia. E h ainda mais uma suspeita a seguir contra esta nacionalidade cltica de Portugal, designadamente, que existe em estado latente. O castelhano preocupou-se de-masiadamente com o Ibero e o Godo (que apresenta aos Celtas ou Francos da Frana a anttese conveniente) para dedicar o seu interesse s prprias origens clticas. Castela est pois muito desejosa de distinguir com uma medalha o seu vizinho portugus. Contudo o celta teste D'Arbois de Jubainville, abundou no planalto central. O Galego pode en-contrar um carcter mais peculiar nos Suevos do seu reino que se distinguem nitidamente dos Visigodos castelhanos e sendo qusi por completo desconhecidos, so dum recurso melhor para base da teoria de qualquer teoria.

  • in

    A INTRODUO DO ROMANCE ARTURIANO EM CASTELA E PORTUGAL

    Talvez que os nossos conhecimentos no nos permitam introduzir todo o corpo da literatura arturiana de Espanha e Portugal a dentro do escopo duma simples teoria. Para o fazermos seria necessrio obter dos textos todas as particula-ridades da sua origem, autoria e histria; e os textos esto longe de desvendar os seus segredos ao primeiro investigador. Alguns factos podemos conseguir e trabalhando sobre eles por meio das aluses e analogias poderemos chegar a conclu-ses provveis alm de tda a espectativa.

    E particularmente instrutivo sob este aspecto conside-rarmos a vria fortuna da Historia Regum Britonum de Geo-ffrey de Monmouth, na Pennsula Ibrica. Ela goza duma prioridade absoluta sobre as novelas em prosa que a seguiram a Frana por duas vezes, sendo separadas dela por uma grande quantidade de versos arturianos; e goza duma rela-tiva prioridade em Espanha, no s porque a lngua em que est escrita (latim) lhe d a autoridade de ser mais antiga do que o francs, mas tambm porque sendo uma histria mais depressa criaria crdito do que se fosse uma simples novela.

    Este primeiro uso da obra, como esperamos provar, contemporneo em Castela da composio dos ciclos da prosa em Frana. Com efeito possvel discutir a introduo da Historia na Pennsula com uma certa segurana. Tm sido indicadas muitas figuras histricas como originrias ou propagadoras da cavalaria arturiana em Espanha; e quando

  • 26 A Lenda Arturiana

    era moda fixar um olhar contemplativo s no sculo xiv im-possvel se tornava passar sem notcias para alm da invaso de Eduardo o Principe Negro em 1367(1). De-certo le aumentara o feitio cavalheiresco que j fora exemplificado pela Ordem dos Cavaleiros da Banda (2), mas com referncias a le apenas podemos documentar um efeito da cavalaria penin-sular: quando o marechal d'Andreghem, que se comprome-tera pelos Ingleses em Frana, foi aprisionado nas fileiras contrrias em Najera (1367), defendeu-se da acusao de traio respondendo que um juramento francs nada tinha de comum com as disputas espanholas; e este precedente foi notado por Lpez de Ayala, Ferno Lopes e Mossen Bernt Boades (3). Juntamente com o Prncipe de Gales devemos citar homens como Sir Hugo Calveley, que apoiou a primeira invaso de Henrique de Trastmara (i366), ou Bertrand Du-guesclin(4) que em Espanha se tornou um dos da Fama ; e tambe'm Edmundo, conde de Cambridge, antes duque de York, que combateu ou quis combater em Portugal no ano de i38i, e Joo de Gaunt que esteve na batalha de Najera (1367), comandou alguns companheiros na Galiza (1386-8), foi o pai da primeira rainha da casa de Avis e av da sua brilhante gerao e ainda veio a ser uma das figuras da histria portu-guesa dos Do{e de Inglaterra. Nos comeos do se'culo xiv os condes ingleses de Derby e Salisbury tomaram parte no cerco de Algeciras (i343)(5), a que o Cavaleiro do Prlogo

    (1) H. Thomas, Spanish and Portuguese Romances of Chivalry, pg. 28.

    (2) Os Caballeros de la Banda , Crnica de Alfonso Onceno, cap. XCIX.

    (3) Ayala, Crnica de Pedro I, ao 18, cap. i3 ; Ferno Lopes, Chro-nica de D. Fernando, cap. X; Boades, Llibre deis Feyts d'Armes de Ca-talunya (Relacin del desafio del senescal de Francia con el prncipe de Gales, en lemosn, Escorial MS. io5, III, 4).

    (4) Amador de los Rios,Hist. Crit. de laLit.Esp., tom. V, cita-o em referencia s novelas arturianas espanholas.

    (5) O Conde de Derby mencionado na Crnica de Alfonso XI, cap. ccxcii e no Poema de Alfonso XI, coplas 2240 e 2272-81.

  • A introduo do romance arturiano em Castela e Portugal 27

    dos Contos de Canterbury(i) se referiu com mais insistncia. Efectivamente no ano de 1343 ou por essa ocasio Castela abundava em ingleses e at inglesas, que eram atrados pelas guerras do sul e pelas peregrinaes do norte da Penn-sula, pelo que um poeta daquela poca judeu e gentio, grego e barbaresco, indgena ou estrangeiro, podia perfeitamente expressar-se em castelhano e ingls (2). Todos estes e o Douglas que combateu em Valncia foram poderosos con-dutores das histrias arturianas, totalmente aparte da ininter-rupta e incomensurvel corrente da directa influncia fran-cesa que sempre atravessou os Pirinus. Os entusiastas pito-rescos pelos ideais cavalheirescos so muito embaraosamente comuns na Espanha do sculo xiv e do mesmo modo no sculo xiii. Temos tambm Eduardo Longshanks (3), que recebeu de Afonso o Sbio a esposa e as esporas em Burgos em 1254, e cuja visita foi paga por Sancho no ano seguinte. Sancho, pelo menos, tinha um certo valor cultural, pois foi o primeiro que ofereceu a olhos ingleses o espectculo de um homem a passear sobre uma tapearia, o que no causou pequeno escndalo. Eduardo tambm o vilo de um epi-sdio cavalheiresco das crnicas de Desclot e Muntaner, pelo que esteve qusi a limpar a arena em Bordus quando o rei

    (1) O Cavaleiro continuou a combater no mar: In Gernade at the sege eek hadde he be Of Algezir, and rideii in Belmarye .

    Prol. 56-7.

    (2) Juan Ruiz, Libro de Buen Amor, copla 1224: Matando e degollando e desollando reses, Dando a cuantos venan, castellanos e ingleses .

    A esposa de Bath estivera in Gaice at Seint Jame (Prol. 466) ; e podemos encontrar outros exemplos nas Viajes en Espaa, de A. Fari-nelli. Para Douglas v, Froissart (d. Globe), pg, 27,

    (3) Para Eduardo v. Historia... de Santiago de Compostela, de Lopes Ferreira, tom. V, pg. 76; Muntaner, caps. 71-92; Desclot, caps. 100, 104-5. Para Sancho V. Poema del Mio Cid, de Menndez Pidal, 1911, tom. Ill, pgs. 640.

  • 28. A Lenda Arturiana

    de Arago quis combater o de Frana; e o seu conhecimento da compilao de Rusticiano de Pisa torna-o um objecto de interesse para o Tristan espanhol. Uma outra figura deste sculo Afonso, conde de Bolonha, que subiu ao trono por-tugus em 1248.

    E como as redaces francesas datam, a primeira de 1210 a 20, e a segunda de i23o, no seria de modo algum impos-svel que o Bolonhs e os que com elle assistiram em Frana o mais tardar de 1238 a 1245 ahi se afeioassem, no s ao genero das pastoreias e balletas, mas tambe'm s ltimas novidades em prosa sobre matire de Bretagne predileco que, propagando-se, devia mais tarde ou mais cedo, creio que na mocidade de D. Denis, conduzir nacionalizao dos textos franceses (1).

    Ningum, por muito longe que vamos, se aventurou a ir ale'm do sculo xn, nem a citar uma dama; e todavia neste sexo e naquele sculo acharemos uma pessoa que pode, qusi evidentemente, relacionar-se com os primeiros vagidos do esprito arturiano em Espanha (2). Eleanor ou Leonor, filha de Henrique III de Inglaterra, foi uma perso-nagem muito importante no s na sua terra natal da Gas-conha mas tambm na sua ptria de adopo. Na primeira era filha daquela Leonor de Aquitnia, a grande protec-tora dos trovadores, e a quem obras como o Roman de Trqye foram respeitosamente dedicadas. Grande parte do poema de Kiot, que mais tarde se transformou no Parsifal de Wolfram ou Eschenbach, foi dedicado ilustrao de seus antepassados angevinos. Seu pai recebera j a dedicatria da da 3.a ed. (1154) da Historia Re gum Britonum de Geoffrey,

    (1) G. Michalis de Vasconcelos, Lais de Bretanha, na Revista Lusi-tana, tom. VI, pg. 27.

    (2) Remeto o leitor que deseje uma informao mais completa, para o meu artigo sobre Geoffrey of Monmouth and Spanish Literature, in-Mo-dern Language Review, vol. XVII, pgs. 381-391. Graas notcia da Crnica de 1404, que eu devo erudio e amabilidade de Miss Janet Perry do King's College, de Londres, o presente captulo completa as concluses a que eu chegara antes naquele artigo.

  • A introduo do romance arturiano em Castela e Portugal 29

    descobrira o tmulo de Artur na Abadia de Glastonbury, pro-tegera, real ou supostamente, Map e recebera as dedicatrias genunas ou esprias de muitos novelistas arturianos da sua poca ou da imediata. A prpria Leonor encontrou seu ma-rido dentro do restrito crculo de polticos europeus e man-teve em face dele uma posio de nfima qualidade; porisso conhecendo os Angevinos, estamos certos de que ela no era a plida e injuriada figura imaginada pelos vrios dramaturgos para a histria de La Judia de Toledo ou Raquel. Seu filho abriu um precedente para o nome de Henrique na realeza espanhola ; ela fundou o mosteiro de Las Huelgas e dirigiu uma guerra contra Joo de Inglaterra a propsito das suas reclamaes sobre a Gasconha. Esta guerra qusi custou Inglaterra a posse daquela dependncia medieval, e poderia ter alterado o curso da histria. Foi empreendida com vigor progressivo e terminou pelo casamento de Eduardo Long-shanks com uma outra Leonor de Castela em 1254. Viveu nos mais amistosos termos com Ricardo. Sendo embora o mais famoso comandante e engenheiro militar do seu tempo este foi, como ela, um aquitaniense pelas referncias; e nos ciclos arturianos relembrado como patrono daquele Ber-nard de Ventadorn que primeiro cita Tristo, e como pro-vedor (substituto) na Alemanha do original do Lancelot de Ulrich von Zatzikhoven. Era ntimo amigo de Afonso II de Arago que no deixou de travar conhecimento com Artur e os arturianos (1). Leonor foi tambm, com seu marido, uma

    (1) Afonso II devia, como patrono de trovadores, conhecer pelo menos a stira de Guiraut de Cabrera. De seu filho Pedro II, diz-se ali :

    E ditz cel que las a rimadas Que anc lo reis Artus non vi Mas Contar tot plan e auzi En la cot t del plus honrat rei Que anc fos de neguna lei: Ao es lo rei d'Aragon Peire de pretz e fills de don, etc.

    Cf. Mil, De los Trotadores en Espaa (1889), tom. II, das Obras, pg. I5 I .

  • 3o A Lenda Arturiana

    protectora das letras, em contacto com poetas como Bertrn de Born e Ramn Vidal de Bezand, e tambm muito capaz de apreciar uma referncia arturiana ().

    Em resumo: se virmos uma dama de belo carcter e ten-dncias literrias, e se soubermos que h um livro dedicado a seu pai e usado na corte de seu filho, num documento que principalmente destinado aos negcios do seu reinado, ento razovel supor-se que ela, os que a cercavam e o seu dote so os elos provveis entre o original e a cpa. Se virmos mais que a esse livro so feitas referncias posteriores por seu bisneto e pelo bisneto deste, podemos presumir que um caso de transmisso familiar. E se virmos que o primitivo conhecimento de tda a lenda arturiana pode contar-se aos seus descendentes e seus imediatos dependentes, ao bisneto dela, neto e bisneto dele todos pessoas de cotao literria somos qusi forados a afirmar que as primitivas etapas dos manuscritos arturianos em vernculo so a mesma ou parte da mesma histria de transmisso familiar.

    Um contemporneo desta rainha Leonor encontrou a pri-meira referncia castelhana s novelas arturianas num verso

    () Sobre estes pontos v. Mil, op. cit., pgs. 117, r33 e i23. Bertrn de Born espera que Afonso VIII intervenha na guerra de Ricardo Corao de Leo e Felipe Augusto ( 11961199). Ramn Vidal de Bezand descreve um acontecimento literrio na corte de Afonso VIII :

    E cant la cort coraplida fo Vene la reyn'Elionors Et anc negus no vi son covs. Estrecha vene en un mantel D'un drap de seda bon e bel Que nom apela sisclato Vermelhs ab lista d'argent fo E y hac un levon d'aur devis. Al rey soplega, pueis s'assis Ad una part, lonhet de lui.

    Guiraut de Calans diz, numa elegia a D. Fernando de Castela (1211): c Qu'en lui era tot lo pretz restauratz Del rey Artus qu'on sol dir e retraire, On trobavan cosseth tug bezonhos,

  • A introduo do romance arturiano em Castela e Portugal 3i

    dos Anales Toledanos Primeros (.i) do ano 542 D.C. (era ju-liana 58o) : Lidio el Rey Zitus con Mordret su sobrino en Camblenc, Era DLXXX. O conde de Barcelos, D. Pedro(2), indica a mesma data no segundo ttulo do seu Livro das Li-nhagens ou Nobiliario, em um passo que sumaria a Historia Regam Britonum de Geoffrey de Monmouth; e como as datas so incertas e sujeitas a desaparecer, e esta perdera-se para a lenda arturiana havia tanto tempo como o Brut de Wace, claro que o escriba dos Anales Toledanos deve ter tido sua frente a prpria Historia. A sua obra termina no ano de 1219. Estas listas de datas estavam sujeitas a fre-quentes transcries e revises mas nada h em to insufi-ciente afirmao que sugira um conhecimento primitivo da Historia; no podemos, pois, indicar com mais preciso a sua introduo na Pennsula Hispnica do que entre o ano do casamento da rainha Leonor e o dos Anales Toledanos Pri-meros, isto e', entre 1170 e 1219.

    O exemplar que esteve na biblioteca real foi a fonte de muitas referncias feitas por Afonso o Sabio obra de Godo-fredo ao longo da vasta compilao conhecida por Grande et General Estoria (3), de que h uma edio autorizada ou de palcio datada de 1280, obra no incomensurvel como as

    (1) Espaa Sagrada, tom. XXIII, pg. 381. In-Modern Language Review, XVII (1922), pg. 383, o presente escritor, seguindo Mil e Menndez y Pelayo, l : Lidio el rey Gitus con Mordret en Camlenc. Era MLXXX, e opina que aqui se tem lido erradamente DLXXX. NOS ex. da Espaa Sagrada do Museu Britnico l-se tambm DLXXX O que correc-tamente indicado pelo Dr. H. Thomas nos seus Spanish and Port. Rom. of Chivalry, cap. I.

    (2) Hist. Reg. Brit., liv. XI, cap. I I : Anno ab incarnatione domi-nica quingentsimo quadragsimo secundo. Tambm no Nobiliario, tit. II : Esta batalha foy na era de quinhentos" e oytenta annos . Por outro lado, Brut: Sis cens et quarente deus ans ; e Annales Cambria?: 537. Gueith Gamlann in qua Arthur et Medraut corruerunt.

    (3) Devo gentileza de Don A. G. Solalinde, quepeimitiu me servisse de materiais por le coligidos para uma ed. da obra, as informaes res-peitantes Grande et General Estoria. O distinto sbio espanhol j deu luz a primeira parte da obra numa edio monumental.

  • 32 A Lenda Arturiana

    modernas histrias enciclopdicas de Cambridge. O seu prin-cipal assunto uma traduo de tda a Bblia aumentada, todavia, com uma inspirao de fina imparcialidade, do Coro e de outras fontes religiosas; paralela a estas tradues, e interrompendo-as, h uma histria do mundo devida, princi-palmente, a Petrus Comestor. Desde as mais remotas fbulas de Ovdio (moralizado por Joo Ingls) a narrativa continua atravs da Eneida de Verglio e vrias fontes histricas at ao nascimento de Cristo, e aqui pra a descrio profana, embora a narrativa da Escritura continue at Quinta Parte inacabada. Eneias sugeriu naturalmente o nome de seu bis-neto Bruto; e como Geoffrey dera s suas fbulas uma certa fidedignidade pelo emprego muito liberal da cronologia bblica, o real compilador teve somente de marcar a sua posio numa referncia conveniente e voltar sua traduo central. Assim vemos dispersa pela II, 111 e IV parte desta Histria Universal uma traduo completa e literal da obra do bispo de Santo Asafo, a que Afonso chama a Estoria de las Bretannas, desde o III cap. do Liv. I at ao VIII do III. As passagens omitidas so os versos do orculo (para o que se deixou um espao em branco no manuscrito e se acrescentou uma parfrase em prosa), as vrias dedicatrias e o captulo em louvor da Bretanha. Declinando as gesticulaes deca-dentes da latinidade galesa por no convirem modstia dum idioma novo, e caindo em confuses ocasionais quando era obrigado a recapitular, Afonso em geral breve, apropriado e uniforme, embora no eminentemente pessoal no seu estilo. Suspende a histria de Breno e Belino para chegar con-cluso segundo a narrativa lvia ortodoxa preservada no Pan-theon de Godofredo de Viterbo; deste modo, aparte o que sabemos das tradies da sua famlia e sucessores, no pode-mos conjecturar como le poderia ter tratado o rei Artur. Na sua anterior Primeira Crnica General ou Estoria de Espanna (c. 1268) aconteceu-lhe ter seguido originais dife-rentes, e a sua edio assemelha-se assim a um par de tesouras porque no faz referncia a Geoffrey ao tratar de Artur, nem mesmo de Gratian Municeps, Constantino e He-

  • A introduo do romance arturiano em Castela e Portugal 33

    lena, ou fabulosa colonizao da Irlanda pelos Barclenses de Espanha.

    A tradio da autoria real continuada por D. Pedro de Barcelos (m. em i35o), bisneto de Afonso e autor suposto e provvel da maior parte do Nobiliario ou Livro das Li-nhagens^). Foi este o primeiro esforo importante da prosa portuguesa, e neste ponto ocupa um lugar anlogo ao das compilaes de Afonso X, de muitas das quais tributrio. O primeiro e o segundo Livros de Linhagens eram secas anotaes de interesse mnimo, mas as verses posteriores foram remodeladas dentro de um plano mais vasto, mais lar-gamente baseadas na histria e na fbula, empregando um estilo que breve, ingnuo e frequentemente gracioso, admi-rvelmente adaptado narrativa. E menos fcil fixar uma data obra, representada como est por um manuscrito do sculo XV e passando alm da data da morte de Pedro o Cruel (1369), e tendo uma dzia de outros autores acrescen-tado os seus trabalhos aos do Duque de Barcelos; mas parece razovel fixar para o corpo da obra o primeiro tero do sculo xiv e atribuir o plano ao prprio D. Pedro. No plano, formando a cadeia genealgica entre os monarcas e a nobreza ibrica e a mais respeitvel antiguidade, entra este Ttulo II dos Reis de Tria, e como eles provieram da linhagem de Dardnio que primeiro povoou Tria; dos Reis de Roma e de Jlio Csar [e] Augusto ; e de Bruto que povoou a Bre-tanha, e de Constantino, do rei Artur, etc. O captulo con-tm um breve sumrio de tda a Historia Regum Britonum, terminando com o regresso de Ivor e Ini Bretanha, onde o autor conclui um pouco incoerentemente: Ataqui vem de-reitamente o linhagem dos rreys da Troya e de Dardanus. Dardanus que pobrou primeiro e rrey Priamo e seus filhos. E Brutus pobrou Bretanha, e Vterpamdragon e rrey Artur de Bretanha. Costantim que foy primeiro que rrey Artur de

    (1) Portuglia; Monumento, HistricaScript or es, , pgs. 236-245. O tt. II omitido na ed. romana de 1640, por Estevam Paolino, como sem interesse para a obra.

    3

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    grandes tempos, e de Cadualech ata Canadres. Aqui fiin este linhagem dos rreys de Bretanha, daqui adeante foy a terra em poder doutros rreys que foram senhores de Bre-tanha a que ns chamamos Imgraterra. O propsito do autor a genealogia, e omite as profecias de Merlim e toda a sua histria pessoal, assim como os louvores e as ma-ravilhas da Bretanha, e os nomes do autor e da obra. Em poucas linhas expande-se a respeito do rei Lear que justamente rememorado em Portugal; isto permite-nos a ns notar que ele, como Afonso X, seguiu um manuscrito do Bispo de Santo Asafo no muito diferente da vulgata de I ID4 ( ) .

    D. Pedro cita duas datas: a da batalha de Camlan como j referida, e a da morte de Gadwallader, 699 D.C. (2). O seu resumo caracterizado por um grau inusitado de decadncia paleogrfica; como exemplo temos Socrim por Locrino, To-rineo por Corneo, Ieyr por Leil, Lucio Liber por Lucio Hiber, Rinal por Rival, Rey de Tos tia por rei de Escocia. Estes erros so to antigos como o escritor pois que o emba-raam frequentes vezes. E assim obrigado a explicar a derivao de Cornualhas do seu Torineo, desta forma: E deu a huuma parte da terra a Torineus, e onue nome depois Corinus, Corinea, e depois foi corrumpido o nome e ouue nome Cornualha. Mostra bem uma preferncia notvel pela

    (1) Para as ed. de Geoffrey, cf. o Apndice do Dr. S. Evans sua traduo de Geoffrey (Dent, Temple Classics), Agora deve o leitor consultar a edio de Acton Griscom e os estudos de E. Faral em Ro-mania e La Legende Arhurienn].

    (2) Cf. Hist. Reg. Brit, de Geoffrey, XII, cap. XVIII. Substituindo dia por anno D. Pedro cai por um momento em contradio pois que o clculo correcto 700 1 ano = 699. Diz ele : Ante as calendas mayas, e esto foy em Abril. Esto foy a cabo de setecentos annos meos um dia da encarnaam de Jesuchristo Wace traduz tambm calendas pelo nosso cmputo: Al disesetisme jor d'avril; mas esta data est errada :

    Sis cens ans puis que Jhesu Crist En sainte Marie car prist.

  • A introduo do romance arturiano em Castela e Portugal 35

    forma de romance dos nomes prprios sobre a latina ; e assim em vez de, como seu bisav, terminar usualmente emo (representando ws), emprega formas tais como Socrim, Ebrat, Julian d'Euras, Dom Valo, Brene, Belim. claro que o seu original no era um texto latino mas um manuscrito em qualquer forma romance, e tambm, como acima observamos, deve ter derivado imediatamente de Godofredo. Um erro tem a virtude de nos advertir sobre a linguagem precisa do seu original. Entre as leituras defeituosas do original conveio-lhe modificar Humberto para Imbereth: mas necessrio derivar o nome do rio Humber (Hombre) do rei Humberto que morreu ali, e como Imbereth destrura o e'timo, o escritor recorreu a uma explicao popular. Diz le que se chamava Hombre do homem que l morreu (). Mas isto um mani-festo contrasenso em portugus e em ingls ; nem pode racio-nalizasse salvo pelo castelhano hombre (homem). D. Pedro, ento, seguiu um castelhano abstracto da Historia Regam Bri-tommi; e, consideradas todas as coisas, onde poderia le ter obtido um tal documento to facilmente seno na corte dos Afonsos ?

    Mas a mais notvel factura do Ttulo II do Nobiliario e do seu original castelhano apresentada pelos trs pargrafos relatando a morte do rei Artur (2). A obra segue de perto a

    (1) Pg. 237 : E por aquelle homem que hi morreu ouue nome Agua-horaem. A grafia usual nos mss. castelhanos do periodo (h)omne ou (h)ome, assim como tambm nomne e nome. (H)omne e nomne so pro-vavelmente cultismos derivados da liturgia ou do canto que principia assim : In Dei nomine, etc. (H)ome e nome eram lies que derivavam da cultura mas que perderam o grupo m'n; mas o discurso popular sem dvida foi sempre hombre, nombre (e assim e. g , no Poema de Yuiif), como em todos os grupos primrios ou secundarios de m'nfembra, fanbre, miembrat, etc.

    (2) Derrey Artur filho de Vterpamdragon e das cortes que fe%, e aqueeeo aa rrainha sua molher com seu sobrino Mordrech a que leixou a terra passamdo em Bretanha.

    Morreo Vterpamdragon e rreynou seu filho rrey Artur de Bretanha, e foy boo rrey e leal e comquereo todolos seus emmiigos, e passou por muytas auemtuyras e fez muitas bomdades que todollos tempos do

  • 3G A Lenda Arturiana

    narrativa de Geoffrey antes e depois da batalha de Camlan: mas durante aquela expedio ouvimos dizer a Lanarote, Gannes

    mundo fallarom dello. Este rrey Artur fez um dia em Ghegerliom sa cidade cortes. E estas cortes foram muy boas emui altas. A estas veerom doze caualleiros messageiros que lhe emuiaua Luius Liber que era emperador de Roma que se fezesse seu vassalho rrey Artur, e que teuesse aquella terra de sua mao. E se este nom fezesse que lhe mandaria tolher a terra per fora e que faria justia de seu corpo. Quamdo esto ouuio rrey Artur foy muito irado e mandou chamar toda sa gente que armas podiam levar. E quando foy a Sam Miguel em monte Gargano comba-teosse com o gigante que era argulhoso e vemeo e matouo. Lucius Liber quando soube que rrey Artur hia sobrelle chamou sa oste e toda sa gente e sayolhe ao caminho. E lidiarom ambos e veneo elrrey Artur, e foy arran-cado ho emperador. E elrrey Artur quando moueo de Bretanha por hir a esta guerra leixou a ssa terra a huum seo sobrinho que havia nome Mor-drech.

    De Mordrech sobrino delrrey Artur.

    Este Mordrech que auia a terra em guarda de rrey Artur e a molher, quando elrrey foy fora da terra alousse com ella e quislhe jazer com a molher. E elrrey quando o soube tornousse com sa oste e veo sobre Mor-drech. E Mordrech quando o soube filhou toda sa companha e sayo a elle sa batalha. E elles tiinham as aazes paradas pera lidar no monte de Cam-blet, e acordousse Mordrech que avia feito gramde traiom e se emtrasse na batalha que seria vencido. E emuiou a elrrey que saysse a departe e falaria com elle, e elrrey assy o fez. E elles que estavam assy em esta falla sayo huuma gram serpente do freo a elrrey Artur, e quando a vyo meteo mao espada e comeeo a emcalalla e Mordrech outrossi. E as gentes que estauam longe viram que hia huum aps ho outro, e fo-romsse a ferir hummas aazes com as outras e foy grande a batalha, e morreo Galuam o filho de rrey Artur de huuma espadada que tragia sobresaada, que lha dera Lamarote de Lago quando emtrara em rto ante a cidade de Ganes. Aqui morreo Mordrech e todollos boos caual-leiros de huuma parte e da outra. Elrrey Artur teue o campo e foy mail ferido de tres lamadas e de huuma espadada que lhe deu Mordrech, e fezesse leuar a Islaualom por saar. Daqui adiante nom fallemos dei se he viuo se he morto, nem Merlim nom disse dei mais, nem eu nom sey ende mais. Os bretoes dizem que ainda he vivo. Esta batalha foy na era de quinhemtos e oytenta annos.

    Da rrainha molher delrrey Artur e doits rrex que depois delrrei Artur ouue em Bretanha e como perdeo o seu nome de Bretanha e pose-rom-lhe nome Ingraterra.

    A rrainha sa molher de rrey Artur meteosse monja em huuma abadia

  • A introduo do romance arturiano em Castela e Portugal "i-j

    e Avalon que precisam dos Galeses. D. Pedro no segue a outra narrativa peninsular destes acontecimentos porque no conhece o rei Marcos de Cornualha que o ltimo perso-nagem de Merlin y Demanda; nem segue a histria francesa mais geralmente divulgada em que o rei Artur altivamente recusa conferenciar com o traidor Mordred. Narrando esta entrevista e deduzindo a batalha duma falsa interpretao dum gesto entre a comitiva pessoal dos monarcas, o Duque de Barcelos mantm-se alheio descrio que d o nosso prprio Malory (Liv. XXI), tambm tributrio do original perdido a que Sommer chamou a Suite du Lancelot. Como aquela obra se estende, em todos os acontecimentos, desde a embaixada de Lcio Hiber at coroao de Constantino, filho de Cador, fcil foi associar-se a Geoffrey. Provavel-mente D. Pedro depende da Historia excepto nos captulos I e II do Liv. XI e mesmo neste caso copia a data de Geoffrey na era Juliana (58o). H umas diferenas de pormenor, algumas das quais devidas condensao ou descuido da verso peninsular, entre Malory e o Nobiliario. As batalhas de Dover () e de Baramdowne so omitidas; a morte de

    e a pouco tempo morreo alli. E no rreyno de Bretanha ouue depois de rrey Artur dous rreys, e huuma parte ouve Loth de Leonis e a outra par-tida ouue Gonstantim o filho de Candor o duc de Cornualha. Depois da morte de rrey Loth de Leonis ouuve hi outros dous rreys em Bretanha que forom do linhagem de rrey Artur e ouueram gramdes batalhas sobre a terra, e emtanto veo Gormon que conquereo a terra e deitou todollos christaos perdiom. E por esto perdeo Bretanha seu nome e pose-romlhe nome Inglaterra.

    () O visconde de Roda, En Ramn Pellers, viu a cabea de Galvo em Dover em 1397 ou 1398. Afonso X, nas Cantigas de Santa Maria, n. 35, diz:

    Mas como soube ele isso? No por Geoffrey, nem pela vulgata do Lancelot, nem por quaisquer tipos arturianos espanhis, nem pela his-tria, visto que a afirmao errnea. Seria da Suite du Lancelot ? Isto no se encontra em Malory, mas Malory seguiu o original principal-

  • 38 A Lenda Arturiana

    Galvo deslocada, e a ele se chama erradamente filho de Artur; este no tem sonho nem envia uma embaixada a Mordred; ele prprio e no os seus cavaleiros quem d o sin