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Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008 1 A divergência original: tradução xamanística e tradução etnográfica Pedro de Niemeyer Cesarino Doutor em Antropologia pelo Museu Nacional (UFRJ) 2008 * “I cannot, of course, remove myself from this radix: I merely occupy another position.” (Marilyn Strathern, The Gender of the Gift) Este texto pretende colocar em articulação alguns traços do xamanismo atualmente exercido pelos Marubo (falantes de língua Pano do Vale do Javari, AM) com certos pressupostos da etnologia. Meu objetivo inicial de pesquisa entre os Marubo era realizar um estudo e um trabalho de tradução de suas artes verbais, sobretudo daquelas relacionadas à mitologia e ao xamanismo, a partir de sua inserção etnográfica. A intenção deliberadamente arbitrária, derivada de meu interesse específico pelos regimes discursivos e poético dos xamanismos ameríndios, coincidiu, entretanto, com o ethos do povo em questão, para o qual a expressão verbal elaborada possui papel central. Seus xamãs conhecem um vasto e complexo corpus de cantos divididos em três modos distintos: os cantos-mito (longas narrativas cantadas, os saiti), os cantos de cura (longos cantos agentivos, os shõki) e os cantos dos outros (curtos cantos/falas de espíritos e mortos, os iniki). 1 Tais modos das artes verbais são marcados por um emprego especial da fala chamado de chinã vana, “fala pensada” ou “fala-pensamento”, utilizado nas reflexões sobre os tempos do surgimento e suas conexões ou sobreposições com o tempo atual, nas atividades relacionadas às doenças e outros males, no monitoramento do cosmos, de suas populações, posições e dilemas. A “fala-pensamento”, um complexo conjunto de fórmulas poéticas articulados pelos xamãs em seus rituais e conversas noturnas, constitui o núcleo duro dessa “tradução xamanística” a que me referi e da qual tentarei indicar alguns contornos e constrangimentos interpretativos. É através dela que um xamã, aprendiz ou avançado, pode conhecer efetivamente os cantos-mito e os cantos de * A pesquisa de campo que deu origem a este estudo foi realizada com o apoio do CNPq, da FAPERJ (NuTI/PRONEX), da Wenner-Gren Foundation, do Centre National de la Recherche Scientifique (Bourse Legs Lelong, Erea) e do Centro de Trabalho Indigenista. As traduções de citações em língua estrangeira são minhas. 1 Realizo um estudo aprofundado sobre estas e outras questões em meu doutorado (cf., Cesarino 2008), no qual se inspira grande parte das reflexões aqui apresentadas. Welang (2001) realiza também um estudo sobre os cantos-mito saiti.

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Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008 1

A divergência original: tradução xamanística e tradução etnográfica

Pedro de Niemeyer Cesarino

Doutor em Antropologia pelo Museu Nacional (UFRJ)

2008∗

“I cannot, of course, remove myself from this radix:

I merely occupy another position.”

(Marilyn Strathern, The Gender of the Gift)

Este texto pretende colocar em articulação alguns traços do xamanismo

atualmente exercido pelos Marubo (falantes de língua Pano do Vale do Javari, AM) com

certos pressupostos da etnologia. Meu objetivo inicial de pesquisa entre os Marubo era

realizar um estudo e um trabalho de tradução de suas artes verbais, sobretudo daquelas

relacionadas à mitologia e ao xamanismo, a partir de sua inserção etnográfica. A

intenção deliberadamente arbitrária, derivada de meu interesse específico pelos regimes

discursivos e poético dos xamanismos ameríndios, coincidiu, entretanto, com o ethos do

povo em questão, para o qual a expressão verbal elaborada possui papel central. Seus

xamãs conhecem um vasto e complexo corpus de cantos divididos em três modos

distintos: os cantos-mito (longas narrativas cantadas, os saiti), os cantos de cura (longos

cantos agentivos, os shõki) e os cantos dos outros (curtos cantos/falas de espíritos e

mortos, os iniki).1

Tais modos das artes verbais são marcados por um emprego especial da fala

chamado de chinã vana, “fala pensada” ou “fala-pensamento”, utilizado nas reflexões

sobre os tempos do surgimento e suas conexões ou sobreposições com o tempo atual,

nas atividades relacionadas às doenças e outros males, no monitoramento do cosmos, de

suas populações, posições e dilemas. A “fala-pensamento”, um complexo conjunto de

fórmulas poéticas articulados pelos xamãs em seus rituais e conversas noturnas,

constitui o núcleo duro dessa “tradução xamanística” a que me referi e da qual tentarei

indicar alguns contornos e constrangimentos interpretativos. É através dela que um

xamã, aprendiz ou avançado, pode conhecer efetivamente os cantos-mito e os cantos de ∗A pesquisa de campo que deu origem a este estudo foi realizada com o apoio do CNPq, da FAPERJ (NuTI/PRONEX), da Wenner-Gren Foundation, do Centre National de la Recherche Scientifique (Bourse Legs Lelong, Erea) e do Centro de Trabalho Indigenista. As traduções de citações em língua estrangeira são minhas. 1Realizo um estudo aprofundado sobre estas e outras questões em meu doutorado (cf., Cesarino 2008), no qual se inspira grande parte das reflexões aqui apresentadas. Welang (2001) realiza também um estudo sobre os cantos-mito saiti.

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cura, bem como compreender os cantos dos espíritos yovevo, citados ou transportados

através do corpo/casa do xamã romeya. Tal “fala-pensamento” possui diversas

semelhanças com a conhecida “linguagem torcida” (tsai yoshtoyoshto) yaminawa

estudada por Townsley (1993: 460), empregada “para examinar as coisas com cuidado –

para vê-las com clareza” (ibidem), como explicava um xamã ao autor. Guardadas as

devidas ressalvas com relação ao caso marubo – para o qual o uso da ayahuasca não

articula um xamanismo baseado exatamente na experiência visionária individual, tal

como entre outros povos pano2 –, a afirmação é válida para a dinâmica de pensamento

subjacente às fórmulas poéticas que examinaremos aqui. Válida, sobretudo, por indicar

o caráter necessário do emprego metafórico da linguagem no xamanismo, uma vez que

ele oferece ao xamã o conhecimento sobre o surgimento (wenía) ou a formação (shovia)

de todos os entes do cosmos – conhecimento, aliás, cujos elos de transmissão estão

ameaçados nos dias de hoje. É por desconhecerem tal emprego da linguagem, por

exemplo, que os jovens adoecem: adoecem porque “não têm pensamento” (chinã

yama); não conhecem as entidades existentes em sua completude e estão, portanto,

permanentemente sujeitos às ameaças do campo sociocósmico.

Ora, mas o que é isso que a “fala-pensamento” permite apreender e que escapa

aos jovens? Trata-se de algo referido pelos termos yochĩ ou vaká, normalmente

traduzidos pela etnografia como “alma”, “espírito” ou “essência vital”. Chinã, termo

polissêmico, pode, além de “pensamento”, designar também algo que as “coisas” têm

(chinã aya) ou não (chinã yama); é traduzido por “vida” por alguns Marubo, que muitas

vezes escolhem esse mesmo termo para traduzir yochĩ ou vaká. Townsley diz muito

rapidamente em seu artigo que “em um sentido, então, um yoshi [o correlato yaminawa

do yochĩ marubo] é simplesmente o conjunto das características empíricas da coisa à

qual está associada, hipostasiado e alçado ao patamar de um ser independente – uma

essência” (idem: 453). Diz ainda que “na mesma medida em que yoshi são uma parte da

natureza e dos corpos que animam, estão ao mesmo tempo muito além deles, em um

domínio onde até mesmo os yoshi de árvores e insetos vivem vidas inteligentes e

2Os Marubo não fazem uso da ayahuasca (Banisteriopsis caapi) combinada com a chacrona (Psychotria

viridis). As sessões xamânicas nas quais o uso da ayahuasca pura se faz presente não são, portanto, orientadas pelas experiências visionárias individuais bastante comuns em outros xamanismos pano, tukano e arawak, mas sim pela diplomacia sociocósmica e visitas dos espíritos yovevo que chegam no corpo/maloca dos xamãs romeya. Utiliza-se da infusão do cipó Banisteriopsis caapi para que seu dono ou espírito, Oni Shãko ou “Broto de Ayahuasca”, auxilie a pessoa a cantar, a memorizar longos cantos e a permanecer desperta por toda a noite. A experiência visionára ou excorporada propriamente dita é realizada pelo duplo/alma do xamã romeya, o foco de atenção dos outros membros de uma sessão ritual. Mais considerações em minha tese de doutorado (Cesarino 2008) e em Montagner (1985, 1996).

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volitivas” (idem: 452). Natureza, sobrenatureza e certa relação entre matéria e essência

(ou alma ou espírito) estão portanto aí articuladas, assim como em diversos outros

estudos sobre xamanismos amazônicos e ameríndios: em que medida são, porém,

suficientemente acurados tais pressupostos para a compreensão da articulação suposta

pelo xamanismo entre uma entidade visível e seu aspecto invisível? Mais ainda, o que

determina o corte entre o “natural” e o “extra” ou “sobre”natural? Porque “até mesmo”

árvores e insetos podem viver vidas inteligentes? Porque são entes, digamos, de baixa

estatura ontológica se comparados a humanos? E segundo qual conjunto de

pressupostos?

Em um estudo sobre os Kaxinawá (também falantes de Pano, tal como os

Marubo e os Yaminawa), Keifenheim diz que, “na visão de mundo dos Kashinawa, toda

coisa existente é constituída de matéria e de espírito. Os dois são fenômenos da criação

e não podem em caso algum existir isolados uns dos outros.” (2002: 99; ver algo similar

em Lagrou 1998: 49; 2002: 35). A articulação entre dois (elementos? substâncias?

posições?) é mesmo um dado incontestável das ontologias xamanísticas, mas não os

termos a partir dos quais costuma ser descrita ou traduzida. É sabido que a noção de

natureza (e também a sua oposta complementar, a de cultura) coloca entraves para o

estudo dos xamanismos ameríndios, como têm mostrado Viveiros de Castro (2002) e

Descola (1986): não dá conta da peculiar dinâmica personificante que os constitui e

precisa, portanto, ser reconfigurada para que seja capaz de traduzi-la. O mesmo poderia

ser dito da noção de “criação”: como pensá-la para as cosmologias ameríndias?3

Também a relação entre matéria e espírito – outro dos pares conceituais que tanto

determinam os pensamentos ocidentais – deve ser considerada cum grano salis, para

que não se empreste ao pensamento alheio uma base hilemórfica. O filósofo Gilbert

Simondon descreve bem o quadro de fundo do qual tal terminologia analítica parece ser

tributária:

“Não são apenas a argila e o tijolo, o mármore e a estátua, que podem ser pensados

segundo o esquema hilemórfico, mas também um grande número de fatos de formação,

de gênese e de composição, no mundo vivente e no domínio psíquico. A força lógica

desse esquema é tal que Aristóteles pôde utilizá-lo para sustentar um sistema universal

de classificação que se aplica ao real, tanto segundo a via lógica quanto segundo a via

3Esboço alguma considerações nessa direção, ainda a serem aprofundadas, em Cesarino (2008: 200 e segs). Ver também Tedlock (1983) para o caso maya-quiché.

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psíquica, assim garantindo o conhecimento indutivo. A própria relação entre alma e

corpo pode ser pensada segundo o esquema hilemórfico.” (Simondon 1995: 37).

O autor, preocupado que está com o princípio de individuação e não,

evidentemente, com os xamanismos ameríndios, nota entretanto na sequência “que

utilizar o esquema hilemórfico implica em supor que o princípio de individuação está ou

na forma, ou na matéria, e não na relação entre os dois. O dualismo de substâncias –

alma e corpo –”, segue o filósofo, “está em germe no esquema hilemórfico, e podemos

nos perguntar se este dualismo não terá derivado das técnicas” (idem: 48 – grifo meu).

Casos à parte, a passagem pode auxiliar a compreensão do uso irrefletido de certos

termos analíticos pela etnologia e a decorrente necessidade de reavaliação do estatuto da

relação pressuposta pelos xamanismos ameríndios, tal como a de “corpo” e “alma”. Tal

estatuto tem sido repensado por diversos estudos, sobretudo pelos conduzidos por

Viveiros de Castro (2002) e Lima (2005)4.

Em minha tese de doutorado (Cesarino 2008), tive a oportunidade de demonstrar

que, entre os Marubo, a relação em questão é recursiva e incompreensível, por exemplo,

à maneira hilemórfica, para a qual um suposto princípio confere vitalidade a um suporte

inanimado, como se tratássemos mesmo de duas substâncias separadas, e assimétricas (a

alma tem um peso ontológico maior do que o corpo). No caso marubo, o que traduzimos

por “alma” ou “duplo” (como prefiro) possui uma característica à primeira vista

paradoxal: para si mesmos, os duplos possuem um corpo; apreendem-se como pessoas

ou como corpos, e não como “princípios vitais” ou “espíritos desencarnados”. O

paradoxo é encontrado em diversos outros casos ameríndios5 e, para os Marubo, pode

ser notado nas marcas gramaticais de posse (awẽ) e de reflexividade (-ri): a-ri ã taná-ro

yora-rvi (3DEM-RFL 3DEM entender-TP gente-ENF), “em seu entender, é mesmo

gente”6. É por isso que a pessoa marubo pode ser compreendida através da idéia de

fractalidade: os xamãs, pessoas múltiplas, têm um corpo designado por um termo que

traduzo por “carcaça” (shaká) que, no entanto, é concebido como uma maloca (shovo)

para os duplos que o habitam, isto é, os vaká do lado direito e esquerdo e o chinã nató,

o duplo central. Tratam-se de três irmãos (mais novo, mais velho e irmão do meio) que

possuem sua socialidade própria na dimensão interna replicada (à imagem da maloca

4Ver também Surralés (2003), Vilaça (2002) e Coelho de Souza (2002). 5Entre diversos exemplos possíveis, veja o que diz Vilaça sobre os Wari’: “A alma dos xamãs, as únicas pessoas que possuem uma alma onipresente, é simplesmente um corpo animal” (2002: 361). 63DEM 3ª pessoa demonstrativo; RFL reflexivo; TP tópico; ENF enfático.

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externa), que têm para si mesmos um corpo e que vêem como uma maloca isso que nós

vemos como um corpo/carcaça. A-ri ã taná-ro shovo-rvi (3DEM-RFL entender-TP

maloca-ENF). Partindo de um trabalho de Roy Wagner (1991), Lima expôs o caso

juruna nos seguintes termos, que podem ser tomados de empréstimo para interpretar a

situação marubo:

“A pessoa fractal não é um todo, não é um princípio de totalização, mas o que

seccionamos e tratamos como ponto de referência em um certo campo relacional.

Tampouco é uma parte, pois não pode ser destacada de um todo. Ela só se evidencia por

sua relação com outras e, o principal, suas relações externas são suas próprias relações

internas, as mesmas que a constituem por dentro.” (2005: 121-122 – grifo meu).

Por seu vínculo com aparatos conceituais tais como os descritos por Simondon,

“alma” e “corpo” traduzem mal a dinâmica recursiva que caracteriza a pessoa marubo e

outras ameríndias, marcadas pela reprodução de um mesmo esquema em escalas

distintas, por um comportamento fractal portanto, e não por uma cisão entre duas

substâncias (hilemorfismo) ou por uma relação entre parte e todo (mereologismo). A

cisão ou separação entre duplos e corpos pode ser mais bem interpretada, portanto,

como uma questão de posicionalidade e não de vitalismo: a relação tem mais peso do

que os termos relacionados. Ora, esse ensaio é sobre dilemas de tradução e,

paralelamente aos frequentes embaraços conceituais com os quais se envolve o trabalho

etnográfico, cabe aqui considerar o que podemos pensar que pensam os marubo, por

exemplo, sobre a reflexão tradutiva. Tal reflexão, ativa e agentiva, visa justamente

capturar as singularidades existentes em seus dois aspectos: seus duplos e seus corpos.

Se o esquema é válido para a pessoa (fractal, que replica o ambiente externo no

ambiente interno), também o será para quaisquer singularidades existentes, isto é,

qualquer coisa que se desdobre em seu suporte corporal ou carcaça (awẽ kaya, awẽ

shaká) e seu duplo (awẽ yochĩ, awẽ vaká). É precisamente no monitoramento de tal

relação que reside a lógica da chinã vana ou “fala-pensamento”. Dentre as

singularidades existentes – todas cindidas entre duplos e corpos –, algumas possuem

duplos humanóides (yochĩ ou kayakavi, “vivente”) e outras apenas duplicatas

(kayakavima, “não-vivente”). Este último caso é, por exemplo, o dos besouros,

minhocas, facas ou agulhas, que podem introduzir suas duplicatas na carne de uma

pessoa: tais duplos-projeções serão então sugados por um espírito yove que atua através

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do corpo de um xamã. O primeiro caso, entretanto, é mais complexo e perigoso, pois

envolve a ação de um duplo humanóide e demanda tratamento através de cantos shõki.

É deste que tratamos aqui.

O pensamento xamanístico deve então monitorar, entre outros aspectos, o

surgimento ou formação (awẽ wenía, awẽ shovia), o trajeto e o estabelecimento (awẽ

tsaoa) das coisas ou singularidades compostas por um corpo/carcaça e um duplo (cf.,

Cesarino 2008). Os blocos de fórmulas estandardizadas que compõem os longos

“cantos-pensamento” ou “soprocantos” shõki visam justamente acompanhar ou

visualizar tal esquema tripartite, a fim de que um determinado agente personificado seja

neutralizado pela atividade xamanística7. A repetição rápida e silenciosa de tais blocos

em uma espécie de fala entoada ou padronizada (chant, em inglês) por um velho xamã

kẽchĩtxo, durante sessões de cura noturnas ou diurnas regadas a rapé e ayahuasca,

caracteriza um dos núcleos centrais do aprendizado xamanístico. Memorizando a

sequência de versos formulaicos proferidos pelo mestre mais velho, os aprendizes

aprimoram seu conhecimento sobre as singularidades, tornando-se, consequentemente,

mais aptos para estancar as sempre presentes ameaças do “fundo infinito de socialidade

virtual” (cf., Viveiros de Castro 2002: 419). Ocorre por vezes de os espíritos yovevo

(uma miríade infinita de povos e coletividades distribuída por todas as posições do

cosmos) virem cantar/falar através do corpo/maloca dos xamãs romeya. (A diferença

entre os xamãs kẽchĩtxo e romeya reside justamente neste ponto8: os primeiros não

excorporam seus duplos e não recebem os espíritos em seus corpos-maloca.) Estes

espíritos são também xamãs ou pajés e podem, portanto, transmitir aos ouvintes

sequências de blocos formulaicos da “fala-pensamento”, que eles, aliás, conhecem

melhor do que os viventes (o propósito do xamanismo dos viventes é justamente o de

mimetizar (naroa) e transmitir o saber dos espíritos yovevo, com relação ao qual estão

sempre defasados). Uma vez memorizados, tais blocos de fórmulas serão utilizados na

performance cantada (song) dos longos cantos shõki, nas quais um ou mais xamãs

kẽchĩtxo se debruçam sobre o corpo enfermo e ali realizam seus cantos por mais de uma

hora sem, entretanto, encostar no doente9. Certa feita, eu pedia ao romeya Armando

7Tais cantos são análogos aos koshoiti sharanawa (Déléage 2006) e yaminawa (Townsley 1993), que parecem operar por um esquema similar. Ver também Briggs (1994) para os cantos de cura warao. 8A diferença pode ser compreendida a partir das considerações de Hugh-Jones (1994) sobre os xamanismos vertical e horizontal do noroeste amazônico. 9Isso porque o objetivo é atuar sobre os duplos (yochĩ) que agridem o corpo, em uma direção similar à apontada por Townsley (1993) em sua pertinente revisão do clássico texto de Lévi-Strauss (1970) sobre a

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Cherõpapa que me explicasse melhor a natureza dos espectros yochĩ e de suas ameaças,

bem como das técnicas10 utilizadas em sua neutralização. Eu perguntava pelas sucuris:

P: Askáveise, vẽcha...

E a sucuri?

C: Awẽ kaya shovia mĩ nĩkãtsikira?

Você quer saber como se forma o seu corpo?

Awẽ kaya ashõ akamarivi, yora aská aki. Não é o seu corpo que causa doença, mas a sua pessoa/gente.

à kaya oaro oase, askámẽki awẽ yochĩ avese.

Vir o corpo dela vem, mas junto com o seu espectro. Vanayavo, vanayavo. Aská akarvi. São falantes, falantes. Fazem mesmo assim.

Aivorasĩnã awẽ kayã aská anõ awẽ vakapa.

Quando seus corpos fazem assim, são os seus duplos.

Aská akĩ yochĩ na ẽ yoã kenaivorasĩnã,

Minhas palavras são sobre estes espectros, askárasĩ kenaya, askárasĩ kenaya. os assim conhecidos, os assim conhecidos.

Ene shavápa ene shavapa voivoi yochĩrasĩ Estes espectros que ficam andando pelo mundo sub-aquático, pelo mundo sub-aquático, askárasĩ kenaya, kenaya. os assim conhecidos, os assim conhecidos.

Aivo yora nikarãsho, aská akĩ yora ora akatsinã, akarvi.

Tendo vindo para cá, esta pessoa vai causando doença de longe, fazem mesmo.

Awẽ shoviaivo mĩ nĩkãtsikira?

Você quer escutar as suas formações?

P: M, ãtsamashta nĩkãtsiki.

Sim, quero escutar um pouco.

Ch: Tama, tama tekepashõ ikivoro awẽ kaya, anipa.

Árvore, os que são ditos “feitos de tronco de árvore” são seus corpos, os maiores. Askámaĩnõ askámaĩnõ aská anõs shovo tapõsho ikãivorasĩ Mas aquelas que se abrigam nas malocas e nas casas,

eficácia simbólica. A exposição detalhada de tal performance e dos próprios cantos shõki demandaria um estudo em separado, que não pode ser desenvolvido aqui. 10E aqui estou de acordo com Townsley, para quem o xamanismo yaminawa é “um conjunto de técnicas para conhecer” (1993: 452).

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a tiose na panã tekepashõ ikãivo,

as deste tamanho são “feitas de tronco de açaí”,

panã tekepashõ ikãi, kapi tekepashõ iki, akáro awẽ venepavorasĩ. “feitas de tronco de açaí”, “feitas de tronco de mata-pasto”, estas são as médias.

Askámaĩnõ ã potochtaro aská, shõpa tekepashõikãi, akaivoro awẽ venekama. Mas as menores são assim, são ditas serem “feitas de caule de lírio”, estas não são grandes.

Aro shõpa tekepashõ iki, a venekama.

Estas são ditas serem “feitas de caule de lírio”, as que não são grandes.

Askámãi awẽ kayaparasĩro aská aro shono tapõsho ikãi aká,

Mas as maiores de todas, estas são ditas serem “feitas de raiz de samaúma”,

awẽ askárasĩ painai yoãvaishoavere.

estou te contando daquelas que sobem em cima [das samaúmas].

Awẽ shovia atiki ea yoãvãishoavere

O modo como são feitas eu estou mesmo te contando,

askámãĩnõ a yorakatsinaro, narasĩ no atõ vanã yosĩ aská aki:

mas, se quisermos [pensar] a sua pessoa, o ensinamento das palavras delas é assim:

awẽ shoviro atiki, awẽ ane atiki, anevãish,

como é a sua formação, qual é o seu nome e, em seguida, awẽ shovia atiki anevãish avaikis, depois de sua formação e de seu nome,

txipo yoãvãishoi akátskĩna anõ atõ raonõ,

tendo isso feito eu te digo como se faz para curar,

aská aki anõ atõ aká. como se faz para curar [os males por elas causados].

Awẽ na tama tekepashõ ikiro aro... As que se diz “feitas de tronco de árvore” são assim... 1. atõ mane roeyai seus machados de ferro

roeyai oneki machados esconderam vei tama niaki & árvore-morte atõ vake reraa seus filhos derrubaram

5. rakápakemaĩnõ & caída estando vei tama tekeyai tronco de árvore-morte tekeyai oneki o tronco esconderam vei waka shakĩni dentro do rio-morte aya onepakeki derrubando esconderam

10. vei waka shakĩni dentro do rio-morte aya shokoakesho dentro mesmo colocaram vei tama tekeki tronco de árvore-morte atõ aya onea deixaram escondido

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ene mai tsakamash na terra-rio em pé 15. ene meã tsakamash no braço de rio em pé

rakánavo atõ ash ali assim deixaram vei shõpa peiki & folha de lírio-morte votĩ iki irinõ à folha misturaram mai rakákãisho na terra colocaram

20. rakãnivo yochĩra estes espectros aí yochĩvoro eakiki os espectros mesmo sou diz11

Askávaikis awẽ yanika awẽ yanika ẽ nĩkãnõ mĩ iki taise.

E os seus alimentos, os seus alimentos “eu quero saber”, você talvez tenha dito.

Awẽ yanikaro O alimento deles [dos duplos da sucuri]... 1. vei shõpa eneki caldo de lírio-morte

ene yaniawai do caldo vão bebendo rakãnivo yochĩra os espectros deitados vei oni eneki caldo de ayahuasca-morte

5. ene yaniawai do caldo vão bebendo vei oni sanĩni torpor de ayahuasca-morte vei sanĩkãisho de torpor se embriagaram rakãnivo yochĩra os espectros aí deitados vei shõpa eneki caldo de lírio-morte

10. ene yaniawai do caldo vão bebendo

vei shõpa weki & ao vento de lírio-morte we txiwamashõta ao vento juntam12 rakãnivo yochĩra os espectros deitados yochĩvoro eaki os espectros mesmo sou

15. vei kapi eneki caldo de mata-pasto-morte ene yaniawai do caldo vão bebendo vei kapi sanĩni torpor de mata-pasto-morte vei sanĩkãisho de torpor se embriagaram rakãnĩvo yochĩra os espectros deitados

20. yochĩvoro eakiki espectro mesmo sou diz

vei rome eneki caldo de tabaco-morte ene yaniawai do caldo vão bebendo vei rome sanĩni torpor de tabaco-morte vei sanĩkãisho de torpor se embriagaram

25. rakãnivo yochĩra os espectros aí deitados vei rome paẽnõ com força de tabaco-morte

11Cherõpapa está aí citando as palavras pertencentes ou ditas pelo duplo da sucuri – mas o faz de memória, pois tais duplos não estão ali em presença falando através de seu corpo, tal com ocorre em uma sessão xamânica de cantos iniki (cantos/fala dos espíritos). Um espectro ou duplo fala aí por sua coletividade (donde a oscilação entre singular e plural). Estabeleço uma distinção entre os termos na tentativa de esclarecer a diferença entre “duplos” de quaisquer entidades e “espectros”, sobretudo, dos mortos (yorã vaká): todo espectro é um duplo (vaká, yochĩ, destacado ou associado a um corpo), mas nem todo duplo é um espectro, isto é, um ente potencialmente agressivo e ameaçador. Espíritos-pássaro, por exemplo, são duplos (vaká) de seus corpos ou carcaças (kaya, shaká), isto é, de seus bichos (awẽ yoĩni) que voam pelo céu, mas não são agressivos e insensatos como os espectros dos mortos (de antigos guerreiros assassinos, por exemplo) ou de determinados animais tais como as sucuris e os macacos-preto (iso). 12Somam ou juntam torpor de ayahuasca (oni sanĩ) ao seu vento (we).

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ari merakãisho sozinhos se transformaram ene mai chinãki & para a terra-água chinãtari awai para terra-água vão

30. rakãnivo yochĩraki os espectros deitados

Awẽ yãnika ẽ nĩkãnõ mĩ ivaivai mĩ ashõvai.

“Quero saber qual é o alimento deles”, disse você e eu te contei. (Cesarino 2008: 254 e segs)

Cherõpapa passa da exposição/visualização da formação de alguns dos aspectos

dos corpos das sucuris à dos aspectos de suas pessoas: no caso, de seus alimentos

(versos 1-25) e de suas transformações e caminhos em direção ao lugar de

estabelecimento (versos 25-30). No bloco referente aos corpos, faz referência aos

espíritos demiurgos Kanã Mari, que os construíram ou montaram in illo tempore; a

descrição de seus alimentos, por sua vez, é feita através da visualização de sua

socialidade paralela, isto é, do modus vivendi dos duplos que habitam atualmente em

suas moradas. São estes que, como dizia acima, ameaçam a pessoa vivente e que devem,

portanto, ser monitorados pelos cantos. Os blocos referentes à montagem dos corpos

resgatam versos formulaicos dos cantos-mito saiti para os fins práticos dos cantos shõki:

no caso, o canto-mito que relata os feitos dos espíritos Kanã Mari (Kanã Mari Mai

Vana saiti). O procedimento estrutura o xamanismo marubo, para o qual é essencial esta

interprenetração entre os modos agentivo (cantos de cura) e narrativo (cantos-mito) das

artes verbais 13.

Tabela 1: corpos de sucuris

sucuris de corpos gigantes

shono tapõsho feitas de raiz de samaúma awẽ kayaparasĩ

sucuris de corpos grandes

tama tekepashõ feitas de tronco de árvore awẽ kaya aniparasĩ

sucuris de corpos médios

panã tekepashõ feitas de tronco de açaí awẽ venepavorasĩ

sucuris de corpos menores

shõpa tekepashõ feitas de caule de lírio awẽ potochtarasĩ

Os blocos acima mencionados integram um longo canto de dezenas de páginas

quando realizados em performance. Poderiam ainda se estender aos outros aspectos dos

corpos e dos duplos (tais como os seus nomes), a fim de dar conta da “singularidade-

13Algo similar pode ser encontrado no xamanismo sharanawa (cf., Déléage 2006), yaminawa (Townsley 1993) e desana (Buchillet, 1987, 1990), entre outros.

Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008 11

sucuri” como um todo, mas aqui se detêm apenas em alguns exemplos. O esquema da

“fala-pensamento” aplica-se virtualmente a quaisquer singularidades ou coletividades,

tal como no caso do lixo (matsô), também ele cindido entre seu corpo e seus duplos:

Matsô yochĩ askásevi, matsô potati, matsô potati yochĩ aivoro shaẽshki...

Os espectros do lixo também, do lixo jogado, os espectros do lixo jogado, estes são ditos “feitos de tamanduá”,

Vei shaẽ kayãyai ikivoro awẽ kaya, a matsô potaivo kaya,

Quando se diz “corpo de tamanduá-morte”, fala-se do corpo do lixo jogado,14

askámãi awẽ vakẽshkivoro askáro a yochĩ mas quando se diz “feito de filhote” [de tamanduá], é seu espectro

askámãi a kayãshõ ikiro askáro ã kaya.

e os ditos serem feitos do corpo [de tamanduá] são o corpo/conjunto [do lixo]. 1. vei shae niaki tamanduá-morte em pé

atõ pakã a atã com lança matam rakapakemaĩnõ & estando caído vei shaẽ vakeyai filhote de tamanduá-morte

5. vakeyai oneki o filhote levam mai vei nawavo povo da terra-morte vei tama reraki árvore-morte derrubam shavakapa awaa para clareira abrir shavá peso paketõ & na terra deitar

10. vei shaẽ vakeki filhote de tamanduá-morte aya shoko akesho eles ali colocaram vei shaẽ vakeki filhote de tamanduá-morte vei mai matoke na colina da terra-morte nitxĩnavo atõash em pé colocaram

15. ea yochĩ shoviai eu espectro me formei

Tsaõma, nitxĩki.

Não está sentado, está de pé. Aská avaikĩ a yora, a yora aka askásevi vei shaẽ vesõseki avai, Assim fazem e então a sua pessoa, a sua pessoa fazem com rosto de tamanduá-morte,

vei shaẽ yorase ivai, vei shaẽ metapas,

com corpo de tamanduá-morte, com patas de tamanduá-morte. Avakĩ aro awẽ wakama, waka ashõ ari yanikama, E, em seguida, não é caiçuma, não é caiçuma o alimento deles,

aro awẽ vei rome paẽs anõ wesná paeki,

eles têm tabaco-morte para insônia-envenenar, awẽ yochĩvarã, wesná avarã keská akaya.

14Isto é, do conjunto visível de detritos.

Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008 12

é trazido por seu espectro, tal como quando vem chegando insônia.

Avaiki aro, aro ã waka amama, aro waka amama,

E então, ele não toma caiçuma, não toma caiçuma,

vei rome paẽse, anõ wesná paẽvo. só veneno de tabaco para insônia-envenenar.

Aro matsô yochĩ. Este é o espectro do lixo.

(Cesarino 2008: 260 e segs)

O emprego de fórmulas e paralelismos pela fala pensada visa produzir uma

intensidade reiterativa capaz de capturar determinada subjetividade em questão (cf.,

Cesarino 2006), seja para os fins da agentividade xamanística (cura, feitiçaria), seja para

a compreensão intelectual da variação das multiplicidades (a proliferação desenfreada

de duplos yochĩ e espíritos yovevo por todo o cosmos). Elementos pertencentes ao

mundo dos brancos não escapam ao esquema: a formação das lanternas (de seus

corpos...) é pensada pela fórmula txi kamã shaõshki, “feita a partir dos ossos de onça-

fogo”; relógios o são pela fórmula txi kamã verõshki, “feitos a partir dos olhos de onça-

fogo”; computadores e televisores são pensados/feitos por “cabeça de onça-tontura”

(sĩki kamã voshká) e “cabeça de onça-morte” (vopi kamã voshká); espelhos, por sua vez,

são feitos de “gordura de onça-tontura” (si �ki kamã cheni), “gordura de onça-morte”

(vopi kamã cheni), “gordura de onça-tensão” (shetxi kamã cheni) e “gordura de onça-

calafrio” (tsoka kamã cheni). Tais fórmulas referem-se todas aos corpos dos elementos

indicados: é através dessa espécie de bricolagem imagética que os xamãs

“pensam/fazem” o seu surgimento15. Poiein, poiêsis: a “poética” aqui envolvida, se

tomarmos de empréstimo o sentido etimológico do termo em grego antigo, é mesmo um

15

Cabe aqui compreender tal pensamento estritamente a partir das considerações sobre a bricolagem mítica desenvolvidas por Lévi-Strauss no Pensamento Selvagem (1970)? O sistema xamanístico marubo permuta elementos em funções vacantes, desloca-se ao longo dos eixos paradigmático e sintagmático; opera portanto, como diz Lévi-Strauss, a partir de elementos “pré-constrangidos” (idem: 40). Ainda que esta não delimite um repertório fixo de elementos (“os cantos são intermináveis, não podemos esgotar as formações”, dizem os kẽchĩtxo com frequência), aponta entretanto para um conjunto fechado formado por animais e vegetais, cujas partes corporais e outros elementos servirão de estoque para a proliferação de imagens da mitopoiêsis xamânica. Ora, mas as séries de montagem/transformações poderiam se estender indefinidamente por todas as entidades existentes, uma vez que muitos de seus processos de formação estão previstos dentro dos cantos-lista saiti (os cantos-mito) que servem de fonte para o conteúdo mobilizado pelos cantos-ação shõki (os cantos de cura e de pensamento). Esta indeterminação ocorre porque as singularidades estão cindidas entre seus duplos e seus corpos. Tal cisão gera uma replicação infinita de subjetividades e pontos de vista, que precisam ser conhecidos e monitorados em suas formações (o trabalho do bricoleur).

Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008 13

modo de fazer, uma técnica de manipulação virtual de singularidades. Katsese kẽchĩtxo

chinãrivi, katsese kẽchĩtxto shovirivi, “é tudo pensamento de pajé, é tudo feito por pajé”,

diziam-me com frequência.

Dos elementos acima mencionados, nada porém me disseram sobre seus duplos,

que, por sua vez, vão aparecer nas especulações de um outro xamã sobre a maleta de

ferro que eu levava para a aldeia com meus equipamentos eletrônicos. Seus “fazedores”

(a shovimaivo), seus “donos” (ivo) que vivem distantes nas cidades, podem ser

cantados/pensados através das seguintes fórmulas: “da gente do rio grande / sua coisa

para alegrar” (noa yochĩ nawavo / anõ mekitapãno) (cf., Cesarino 2008). Os donos da

maleta de ferro, isto é, os brancos, são aí chamados de noa yochĩ: emprega-se yochĩ, o

mesmo termo utilizado para a referência genérica aos duplos internos da pessoa e a

qualquer projeção (humanóide ou não) dos corpos que compõem as singularidades

existentes. A noção de yochĩ envolve, portanto, uma relação de distância e de cisão

definidora dos entes ou singularidades: é através do monitoramento de tal relação que os

xamãs podem, por exemplo, atingir os brancos à distância (feitiçaria) ou mesmo

pensar/monitorar os males causados por qualquer elemento ameaçador (atividade de

cura)16.

Tabela 2: coisas dos estrangeiros

Os nomes a partir dos quais são compostas as fórmulas – os nomes referentes

aos elementos utilizados pela bricolagem xamanística tais como onça, lírio, açaí e

samaúma – são sempre acompanhados de classificadores (fogo, tontura, morte, tensão,

calafrio). Sua função, como demonstrei em outro lugar (cf., Cesarino 2008), é a de

acompanhar uma variação virtualmente infinita, não apenas dos elementos utilizados

pelo pensamento agentivo xamanístico, mas também da multiplicidade de coletivos que

16Termos como vaká e yochĩ possuem um campo semântico em comum e são quase sempre sinônimos, na medida em que designam aquele aspecto/duplo (humanóide ou não) que, junto ao corpo/carcaça, completa as diversas singularidades. Uma análise detalhada das noções envolvidas em tais termos levaria a um outro artigo. Ver Cesarino (2008: 224 e segs) e Déléage (2006) para mais considerações sobre o assunto.

feito de ossos de onça-fogo txi kamã shaõshki lanternas amonauti

feito de olhos de onça-fogo txi kamã verõshki relógios vari oĩti feito de cabeça de onça-tontura sĩki kamã voshká computadores e televisores X feito de gordura de onça-tontura feito de gordura de onça-morte feito de gordura de onça-tensão feito de gordura de onça-calafrio

si�ki kamã cheni

vopi kamã cheni

shetxi kamã cheni

tsoka kamã cheni

espelhos veishti

Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008 14

caracteriza o cosmos marubo. Tais nomes são propriamente “entidades-imagem”

manipuladas pelo pensamento xamanístico e não se referem a elementos atuais,

“externos” ou “objetivos”, diríamos nós. Ora, a própria morfologia social sistematiza de

uma maneira peculiar um conjunto determinado de povos (os nawavo) remanescentes

de povos falantes de línguas Pano que, em um dado momento, reuniram-se entre as

cabeceiras dos rios Ituí e Curuçá (cf., Ruedas 2004): a imagem propriamente

cosmopolita da sociedade marubo (“somos como vocês, que têm português, peruano,

brasileiro, colombiano”, dizem com freqüência) replica-se para todo o cosmos e sua

miríade de povos-espírito yovevo; o sistema xamanístico como um todo é propriamente

um sistema de tradução e de trânsito por essa multiplicidade virtual, marcada pela

variação dos classificadores antecedidos aos nomes, sejam estes nomes pessoais ou

nomes de outros elementos.

Não se trata aqui de determinar tal sistema de classificação a partir da

morfologia social, como se essa inspirasse as especulações sobre o cosmos e as

coletividades de espíritos: a dinâmica classificatória e intensiva do xamanismo opera de

modo autônomo; sua base está no campo virtual sociocósmico, anterior ao advento da

sociedade vivente. É verdade, por outro lado, que o sistema parece partir de uma

característica da língua. O marubo funciona de modo similar a outras línguas da família

Pano tais como o shipibo-conibo, que faz amplo uso de compostos morfológicos e

semânticos (cf., Valenzuela 1988). O sistema xamanístico de classificação, entretanto,

não se refere a nomes compostos através de uma relação genitivo-possessiva (tal como

em “dente de caranguejeira”, yotá sheta, ou nawã atsa, “macaxeira do estrangeiro”),

mas sim de variação, como em “tabaco-névoa” (e não “tabaco de ou da névoa”), ou

seja, o tabaco encontrando na “Morada do Céu-Névoa” (koĩ naí shavaya), o último dos

estratos celestes da cosmografia. O mesmo se estende para outros elementos de outras

posições: ene shovo, “maloca-rio” ou a maloca do mundo subaquático; shane awá,

“anta-azulão” ou a anta do patamar celeste Morada do Céu-Azulão; shokor nane,

“jenipapo-descamar”, o jenipapo do patamar celeste Morada do Céu-Descamar, entre

tantos exemplos possíveis.

Trata-se aqui de oferecer apenas um rápido sobrevôo pelo uso especial dos

classificadores e das fórmulas poéticas do sistema xamanístico, este mecanismo de

monitoração e operação intensiva sobre a variação e a multiplicidade que não pode ser

aprofundado aqui (veja Cesarino 2008 para mais detalhes). A idéia é apresentar as

estratégias utilizadas pelo pensamento marubo para refletir e atuar sobre a diferença e a

Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008 15

alteridade, seja no caso dos coletivos de espíritos yovevo, de duplos de corpos tais como

os da sucuri ou de espectros yochĩvo, seja no caso de coletivos de povos estrangeiros,

tais como as outras populações indígenas ou os próprios brancos e seus objetos

tecnológicos. É esse esquema que permite a discriminação, por exemplo, dos

brancos/estrangeiros (nawa) a partir de seus distintos surgimentos e, consequentemente,

de seus distintos agrupamentos coletivos (conforme Cesarino 2008: 428 e segs).

Há “estrangeiros bons” (nawa roapavorasi �) tais como os professores, os

médicos e os missionários, e os “estrangeiros ruins” (nawa ichnarasi �) ou “bravos”

(nawa onipavorasi �). Tais estrangeiros são auxiliados pelos espíritos “sabiás do rio

grande” (noa mawa). Sabiás são espíritos loquazes e seguem acompanhados do

classificador noa, nome do grande rio de onde vêm os estrangeiros, identificado a

Manaus, Brasília, Rio de Janeiro ou São Paulo. (Estariam marcados por outras classes,

se tratássemos dos espíritos auxiliares de xamãs marubo). Diz-se de tais espíritos-sabiá

que são “surgidos do néctar de tabaco branco” (rome osho nãkoki); “surgidos das flores

caídas da samaúma branca” (shono osho menokotõsh wenía), “dos pedaços, flores

caídas e fluxos de seiva da palmeira marajá” (cha chini maská nasotanairi atõsho, cha

chini owa menokoatõsho, cha chini recho avátõsho). O esquema formulaico, vê-se aí, é

o mesmo utilizado no caso dos duplos da sucuri e do lixo examinados acima: as

variações operam apenas ao longo dos sintagmas e paradigmas.

Os estrangeiros bravos, aqueles habitantes das cidades adjacentes à Terra

Indígena Vale do Javari, são por sua vez pensados a partir das seguintes fórmulas,

novamente relativas aos seus surgimentos: surgidos “a partir do néctar da árvore-bravo”

(siná tama nãkõshki), “do néctar da árvore-amargo” (moka tama nãkõshki) e a partir dos

“tabacos-morte” (vopi romerasi �). Seus corpos/carnes (kaya, nami) são pensados pela

fórmula “feitos a partir do traseiro de hárpia” (tete txeshopashõ shovia). Distribuem-se

em quatro coletividades: os tsoka nawa (“estrangeiros-tensão”), shetxi nawa

(“estrangeiros-calafrio”), vopi nawa (“estrangeiros-morte”) e si �ki nawa (“estrangeiros-

tontura”). São “tomadores caldo de taboca-tontura” (si �ki tawa yanikaivorasi �) e de

“caldo de taboca-amargo” (moka tawa yanikaivorasi �), metáforas para a cachaça, que os

torna bravos. Os policiais e soldados, por sua vez, são cantopensados através das

seguintes fórmulas: “surgidos a partir das flores caídas do tabaco-bravo” (siná rome

owãshkirasi�), “surgidos a partir das flores caídas do tabaco-branco” (rome osho

owãshkirasi�), “surgidos a partir das flores de paxiúba-bravo” (siná nisti owãshki) e das

“flores da samaúma-bravo” (siná shono owãshki).

Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008 16

Tabela 3 – surgimento dos espíritos auxiliares

dos estrangeiros bons

Tabela 4 – estrangeiros ruins

Tais fórmulas, mais uma vez, poderiam se desdobrar em longos cantos shõki

referentes às diversas coletividades de estrangeiros, através dos quais estes seriam

pensados/monitorados em seus distintos surgimentos, nas distintas formações de seus

corpos, em seus lugares e alimentos. O xamanismo marubo, vemos bem aí, repousa

sobre o múltiplo: seja no caso dos estrangeiros ou de outros espíritos, a variação de

coletivos já se faz presente desde os tempos do surgimento e, antes como agora, é

justamente sobre suas ameaças que a atividade ritual deve se voltar. Naquele outro

aspecto da complexa vida ritual marubo que não examinamos aqui, referente aos

eventos em que cantam os espíritos yovevo através dos xamãs romeya, também a

multiplicidade é o traço central: os xamãs citam/transportam o que os espíritos,

provenientes de suas infindáveis moradas, vêm dizer aos seus parentes aqui desta terra

(cf., Cesarino 2008; ver Viveiros de Castro 1986 para uma situação análoga entre os

Araweté e Baer 1994 para os Matsiguenga). A separação entre duplos e corpos se dá

contra o “fundo de socialidade virtual” (Viveiros de Castro 2002: 419) que caracteriza a

cosmologia marubo e tantas outras ameríndias. A diferença reside apenas no fato de

que, nos tempos atuais, tal separação engendra dilemas e ameaças cosmopolíticas, sobre

as quais a atividade xamanística deve se voltar permanentemente.

(Este texto poderia ter sido escrito a partir de um outro viés igualmente

complexo do xamanismo marubo e intimamente ligado ao que aqui vai sendo exposto:

os modos de aquisição do conhecimento, os processos de iniciação, a análise detalhada

surgidos do néctar de tabaco branco rome osho nãkoki surgidos das flores caídas da samaúma branca shono osho menokotõsh wenía surgidos dos pedaços do marajá cha chini maská nasotanairi atõsho

surgidos das flores do marajá cha chini owa menokoatõsho

surgidos da seiva do marajá cha chini recho avátõsho

surgidos a partir do néctar da árvore-bravo siná tama nãkõshki surgidos do néctar da árvore-amargo moka tama nãkõshki [surgidos partir dos] tabacos-morte vopi romerasi [corpos] feitos a partir do traseiro de hárpia tete txeshopashõ shovia

Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008 17

das sessões xamânicas nas quais vêm cantar os espíritos yovevo, um estudo de seus

cantos e do papel da polifonia. Ali também a figura do estrangeiro e o problema da

tradução são essenciais – o sistema marubo, como tantos outros ameríndios, é

propriamente “excentrado” e pode ser pensado à luz do conceito de “afinidade

potencial” desenvolvido por Viveiros de Castro (2002)17. Aqui, entretanto, trata-se

situar o papel dos estrangeiros no pano de fundo da multiplicidade em que estão

também envolvidos, de apresentar as estratégias a partir das quais os xamãs kẽchĩtxo

podem, com sua “fala pensada”, traduzir e monitorar a diferença.)

Não há neste início, portanto, uma unidade original, uma base universal humana

anterior à fragmentação das línguas, à dispersão dos sentidos: no início era o múltiplo e

não o uno, como postulam as metafísicas monistas ocidentais e seus antecedentes greco-

judaicos. Os coletivos de espíritos demiúrgicos estão presentes desde os tempos

primeiros: não há aqui espaço para a palavra imperativa bíblica, para o gesto criador

derivado de uma única fonte18. É o que disse um Marubo a Melatti: “O Americano [isto

é, o missionário da Novas Tribos] disse que Deus fez sozinho o rio. Mas o rio têm

muitas coisas, coisas do rio têm muito. Não foi ele que fez vẽsha [sucuri] não, não foi

ele que fez peixe não, foi gente (yora shovima) que fez” (1985: 19-20). O interlocutor

de Melatti está aí se referindo aos espíritos demiurgos fazedores do rio (os Matsi Toro e

Ene Voã), cujos feitos são relatados pelo longo canto-mito Waka Vana saiti. É de um

canto como este que são retiradas, por exemplo, as fórmulas utilizadas para pensar e

atuar sobre as singularidades-sucuri (ver depoimento acima); são estas as coletividades

de espíritos que “montam” ou “fazem” as coisas todas a partir de pedaços de animais e

vegetais dos tempos primeiros. É por estarem tais coletividades de duplos e espíritos

suspensas na virtualidade que o xamanismo, indispensável para a manutenção do

parentesco e do viver bem nos tempos atuais, pôde ser caracterizado com perspicácia

17Um bom exemplo disso é o papel do dom nos processos de iniciação xamanística: o aprendiz deverá, em um determinado momento de sua trajetória, sonhar com uma pessoa outra, um parente indefinido (yora wetsa) que lhe entrega, entre outras coisas, filhotes de arara, recipientes de rapé ou então rádios e gravadores. Estes últimos são uma metonímia para o “pensamento/vida” chinã e para a habilidade de fala (vana) que a figura onírica transporta ao sonhador, assim capaz de aprender longos e eficazes cantos. O caso é bastante próximo do xamanismo sharanawa: ver a exposição do processo de iniciação feita por Déléage (2006: 320 e segs, em especial 328 e 332). Ali também os elementos dos brancos fazem parte de processos de iniciação: “É então um estrangeiro (nahua) que aparece como o mestre da ayahuasca e a imagem implícita, aqui, era a de uma loja tal como as que encontramos na cidade mestiça de Esperanza: uma grande casa repleta de mercadorias (...).” (2006: 329). Trata-se de mais uma formulação da relação do xamanismo com a exterioridade e a afinidade potencial, tal como observou Viveiros de Castro (2002). A relação entre mercadoria, alteridade e xamanismo foi bem observada por Bonilla (2005) em seu estudo sobre os Paumari. 18Ver o que diz Tedlock (1983: 136, 261 e segs) sobre o Popol Vuh e seus dilemas de tradução.

Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008 18

como uma atividade de tradução e de diplomacia por Carneiro da Cunha (1998). O

sentido resgatado ou vinculado pela tradução xamanística ameríndia, entretanto, parece

não ser muito bem descrito através de certos vieses de certas teorias da tradução, tais

como a de Walter Benjamin:

“Mas a relação em que pensamos, esta relação muito íntima entre as línguas, é

aquela de uma certa convergência original. Ela consiste no fato de que as línguas não

são estrangeiras umas às outras, mas, a priori e feita a abstração de todas as relações

históricas, são aparentadas entre si naquilo que pretendem dizer.” (Benjamin 1971: 264

– trad. minha).

Na cosmologia marubo, não parece haver lugar para uma convergência original

anterior às dispersões babélicas que, bem ao contrário, sempre estiveram presentes no

tempo mítico, horizonte desta “diferença infinita, mas interna a cada personagem ou

agente (ao contrário das diferenças finitas e externas que caracterizam o mundo atual)”,

como bem escreveu Viveiros de Castro (2002: 419). Havia ali sim um horizonte de

comunicação, uma capacidade de compreensão interna à diversidade interespecífica, a

partir daquilo que este mesmo antropólogo chamou de “um contexto comum de

intercomunicabilidade idêntico ao que define o mundo intra-humano atual” (2002: 354).

Não havia, porém, uma palavra humana derivada do logos divino19, pois “humano” já é

aqui uma outra coisa. A tarefa do xamanismo é, pois, a de manipular e transitar sobre a

multiplicidade de duplos e coletivos (seus distintos modus vivendi, suas distintas

línguas...) que não bateu em retirada para um passado inacessível das “origens” mas,

bem pelo contrário, permanece suspensa na virtualidade, de modo contíguo ou paralelo

ao presente. Viveiros de Castro novamente: “A transparência absoluta se bifurca, a

partir daí, em uma invisibilidade (a alma) e uma opacidade (o corpo) relativas –

relativas porque reversíveis, já que o fundo virtual é indestrutível ou inesgotável” (2002:

419-420). Ao diversificarem os estrangeiros em seus distintos coletivos, os xamãs

marubo fazem uso de uma operação similar à empregada, por exemplo, para os espíritos

de outros patamares celestes ou da gente da referência sub-aquática. Desde sempre, aí

19Benjamin, novamente: “Ce retard infini du verbe muet dans l’existence des choses par rapport au verbe

qui, dans le savoir de l’homme, leur donne un nom, et, à son tour, de ce verbe lui-même par rapport au

verbe créateur de Dieu, voilà qui fonde la pluralité des langues humaines. C’est en traduction seulement

que le langage des choses peut passer dens le langage du savoir et du nom – autant de traductions,

autant de langues, dès lors que l’homme est déchu de l’état paradisiaque, lequel ne connaissait qu’une

seule langue.” (1971: 92-93).

Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008 19

está essa miríade de estrangeiros (nawavo) ou povos, pela qual as palavras têm de

transitar.

Pedro Cesarino / 26ª RBA / 2008 20

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