A Cor Dos Eleitos Determinantes Da Sub-representação Política Dos Não Brancos No Brasil

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Revista Brasileira de Ciência Política, nº16. Brasília, janeiro - abril de 2015, pp. 121-151. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0103-335220151606 Luiz Augusto Campos * e Carlos Machado ** A cor dos eleitos: determinantes da sub-representação política dos não brancos no Brasil *** e color of the elected: determinants of the political under-representation of non-whites in Brazil Por que existem tão poucos políticos negros nas instâncias decisórias brasileiras? Embora seja praticamente consensual o diagnóstico de que a política brasileira é majoritariamente branca (Johnson III, 1998; Uninegro, 2011; Paixão e Carvano, 2008; Paixão et al., 2010), pouco se sabe sobre os mecanismos políticos e sociais que levam à sub-representação política dos não brancos. É verdade que a exclusão da política não é uma prerrogativa dos negros, já que é igualmente notório que mulheres enfrentam enormes dificuldades para ascenderem a posições de poder. No entanto, a prolífica bibliografia sobre os mecanismos que levam à sub-representação feminina contrasta com o reduzido número de trabalhos dedicados a entender a marginalidade política dos negros brasileiros. A distância entre a identificação do problema e o diagnóstico de suas possíveis causas não apenas oblitera a entrada desse tema na agenda de debate acadêmico e político, ela restringe também a imaginação daqueles que tentam pensar mecanismos para a inclusão política desse grupo. Se não temos informações sobre as origens do problema, como formular medidas para mitigar tal exclusão? * É professor de sociologia do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: <[email protected]>. ** É professor do Instituto de Ciência Política (IPOL) da Universidade de Brasília (UnB). E-mail: <[email protected]>. *** Agradecemos a Thyago Simas de Oliveira, pelo apoio na construção do sistema de catalogação e classificação das fotos dos candidatos; a Isadora Harvey, Bruno Viggiano, Victor Ramos e Leandro Guedes, por ajudarem na classificação das fotos; e aos pareceristas anônimos da RBCP.

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Por que existem tão poucos políticos negros nas instâncias decisóriasbrasileiras? Embora seja praticamente consensual o diagnóstico de que apolítica brasileira é majoritariamente branca (Johnson III, 1998; Uninegro,2011; Paixão e Carvano, 2008; Paixão et al., 2010), pouco se sabe sobre osmecanismos políticos e sociais que levam à sub-representação política dosnão brancos. É verdade que a exclusão da política não é uma prerrogativados negros, já que é igualmente notório que mulheres enfrentam enormesdificuldades para ascenderem a posições de poder. No entanto, a prolíficabibliografia sobre os mecanismos que levam à sub-representação femininacontrasta com o reduzido número de trabalhos dedicados a entender amarginalidade política dos negros brasileiros.

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Revista Brasileira de Cincia Poltica, n16. Braslia, janeiro - abril de 2015, pp. 121-151. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0103-335220151606Luiz Augusto Campos* e Carlos Machado**A cor dos eleitos:determinantes da sub-representao poltica dos no brancos no Brasil***Te color of the elected:determinants of the political under-representation of non-whites in BrazilPor que existem to poucos polticos negros nas instncias decisrias brasileiras? Embora seja praticamente consensual o diagnstico de que a poltica brasileira majoritariamente branca (Johnson III, 1998; Uninegro, 2011; Paixo e Carvano, 2008; Paixo et al., 2010), pouco se sabe sobre os mecanismos polticos e sociais que levam sub-representao poltica dos no brancos. verdade que a excluso da poltica no uma prerrogativa dos negros, j que igualmente notrio que mulheres enfrentam enormes difculdades para ascenderem a posies de poder. No entanto, a prolfca bibliografa sobre os mecanismos que levam sub-representao feminina contrastacomoreduzidonmerodetrabalhosdedicadosaentendera marginalidade poltica dos negros brasileiros.Adistnciaentreaidentifcaodoproblemaeodiagnsticodesuas possveiscausasnoapenasobliteraaentradadessetemanaagendade debate acadmico e poltico, ela restringe tambm a imaginao daqueles que tentam pensar mecanismos para a incluso poltica desse grupo. Se no temos informaes sobre as origens do problema, como formular medidas para mitigar tal excluso?* professor de sociologia do Instituto de Estudos Sociais e Polticos (IESP) na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: .**professordoInstitutodeCinciaPoltica(IPOL)daUniversidadedeBraslia(UnB).E-mail: .***Agradecemosa ThyagoSimasdeOliveira,peloapoionaconstruodosistemadecatalogaoe classicaodasfotosdoscandidatos;aIsadoraHarvey,BrunoViggiano,VictorRamoseLeandro Guedes, por ajudarem na classicao das fotos; e aos pareceristas annimos da RBCP.RBCPed16.indd 121 13/04/15 16:01122 Luiz Augusto Campos e Carlos MachadoUm dos raros momentos em que a sub-representao poltica dos negros entrou na agenda de debate pblico coincidiu com o incio das discusses acerca da vacilante reforma poltica, cogitada pela presidenta Dilma Roussef em resposta s manifestaes de junho de 2013 (Falco, 2013; Braga, 2013; Cardoso,2013).FoicolocadoempautaoProjetodeEmendaConstitu-cional PEC 116/2011 , que prope um sistema de voto plural, em que o eleitor teria de escolher dois candidatos para cada cargo legislativo, um dentro do rol de autodeclarados negros e outro candidato concorrente no sistema universal. Aps a votao, os autodeclarados negros com mais votos preencheriam uma proporo das cadeiras no parlamento equivalente a dois teros da populao negra total do pas, segundo o IBGE1.Paraalmdopolmicoarranjoinstitucionalcolocadopelaproposta, merece destaque o fato de ela ter sido redigida sem que houvesse um conheci-mento mnimo dos processos que afastam os negros da poltica formal. No caso das mulheres, por exemplo, parte de sua ausncia na poltica deve-se aos obstculos enfrentados dentro dos prprios partidos, que difcultam o lana-mento de candidaturas femininas (Arajo, 2005). Provavelmente considerando esse diagnstico, o Congresso Nacional optou por criar cotas eleitorais que visassem garantir alguma proporcionalidade de gnero nas listas partidrias. Ainda que a lei no exija o preenchimento da cota para mulheres (Miguel, 2000), o que tem produzido resultados eleitorais andinos (Arajo e Alves, 2007), ela foi formulada com base em algum conhecimento sobre o fenmeno.O mesmo no se aplica sub-representao racial. A ausncia de explicaes ou mesmo de hipteses na literatura especializada deve-se a vrios fatores. Alm disso, a politizao da desigualdade racial bem mais recente que a politizao da desigualdade de gnero, incorrendo na falta de dados sobre a raa/cor dos candidatos. J h algum tempo, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) disponi-bilizainformaesdoscandidatosregistrados,comoprofsso,patrimnio, gastos de campanha, escolaridade, gnero etc. No entanto, somente nas ltimas eleies de 2014 a varivel raa/cor foi adicionada aos registros do TSE.Por conta disso, as pesquisas feitas at hoje sobre a sub-representao do negro na poltica nacional foram obrigadas a gerar esse dado, seja pela het-eroclassifcao das fotos dos candidatos (Campos, 2014; Bueno e Dunning, 2013),sejapelabuscadeinformaesjuntoaospartidosouaosprprios 1O inteiro teor da PEC 116/2011 pode ser consultado em: . Acessado em 27 dez. 2014.RBCPed16.indd 122 13/04/15 16:01123 A cor dos eleitospolticos (Oliveira, 1991; Meneguello, Mano e Gorski, 2012). Logo, a adio davarivelraa/cornosregistrosdoTSEterumaenormeimportncia paraaspesquisasfuturassobreamarginalizaodosnegrosdapoltica. Noentanto,aausnciadessainformaoatopresentemomentotorna difcil transpor dois problemas. O primeiro deles: impossvel determinar apenas com os dados do TSE em que medida a posio dos negros nas listas partidrias em 2014 refete uma tendncia histrica ou, ao contrrio, um pontoforadastendnciastemporais.Emsegundolugar,aomenosatas eleies de 2016, teremos apenas os dados referentes aos pleitos federais. Se entendermos que a excluso poltica dos negros provavelmente tem a ver com obstculos prprios da carreira poltica no Brasil, perceberemos que o foco nas eleies federais restringe as investigaes aos pontos fnais da carreira poltica brasileira.Com o intuito de preencher essas lacunas, o objetivo deste artigo elucidar quais os principais fltros que afastam os no brancos da poltica brasileira a partir de um estudo das eleies para vereador de 2012. Diante da aus-ncia de registros sobre a raa/cor dos candidatos nesse pleito, as fotos dos candidatos a vereador dos dois maiores colgios eleitorais do pas (Rio de Janeiro e So Paulo) foram submetidas heteroclassifcao de uma equipe de pesquisadores. Os resultados desse experimento ajudam a compreender at que ponto o alheamento poltico dos no brancos brasileiros se deve: (i) a vieses no recrutamento partidrio; (ii) s diferenas de capital educacional e poltico entre os candidatos brancos e no brancos; (iii) s desigualdades nadistribuiodosrecursospartidrioseeleitorais;ou(iv)sprprias preferncias eleitorais dos votantes.Assim, este artigo inicialmente apresentar os problemas e os potenci-ais da metodologia utilizada para estabelecer a raa/cor dos candidatos. A seguir, se poder observar quatro hipteses testadas para a sub-representao poltica dos no brancos. E, por fm, so discutidas concluses parciais acerca dos dados apresentados.MetodologiaDiante da ausncia de registros sobre a raa/cor dos candidatos e polti-cos brasileiros, existem trs opes metodolgicas para produzir esse dado. Na primeira delas, pesquisadores entram em contato diretamente com os polticos includos no recorte e os questionam sobre como eles se classifcam RBCPed16.indd 123 13/04/15 16:01124 Luiz Augusto Campos e Carlos Machadoracialmente. Esse o expediente adotado por Meneguello et al. (2012) no estudo exploratrio sobre o dfcit de representao poltica de negros em quatro estados brasileiros. Tal conduta tem a vantagem de respeitar normas internacionais,querecomendamaautoclassifcaoparaaatribuiode identidadetnica,edeproduzirdadoscomparveis,aprincpiocomos dadoslevantadospeloIBGE,quetambmadotaaautoclassifcao.Por outro lado, quase nunca possvel obter informaes sobre todos os polticos includos num dado recorte devido s difculdades de acesso a esse grupo, j que muitos deles se recusam a responder tal questo. Umasegundaopointermediriaemenosdispendiosarecorrers burocraciasdospartidosoudasinstituiesestataisembuscadedados secundrios, como fez Cloves Oliveira (1991). No obstante essa estratgia contorne as difculdades de acessar determinados polticos, ou mesmo suas resistncias pessoais, ela coloca todos os problemas relativos arbitrariedade dos dados fornecidos, que difcilmente podem ter sua validade testada.Uma terceira alternativa, cada vez mais utilizada, a heteroclassifcao, em que fotos dos candidatos so submetidas avaliao de outras pessoas (Bueno e Dunning, 2013). A despeito da sua difuso, essa alternativa tambm suscita alguns problemas. Alm de questes ticas relacionadas imposio de identidades sociais, pois nem sempre algum classifcado como branco se enxerga como branco, existe tambm toda uma srie de problemas relacio-nados comparao com os dados levantados pelo IBGE. Ademais, em um pas com classifcaes raciais fuidas, difcil crer que a heteroclassifcao fornea dados vlidos para toda a realidade nacional.Por outro lado, a heteroclassifcao apresenta ao menos trs vantagens. Em primeiro lugar, ela capta como determinados polticos tendem a ser clas-sifcados pelos outros. Ora, se raa um conceito sociolgico e no biolgico (Guimares, 1999), o negro no pode ser visto como quem possui apenas marcas objetivas de negritude, mas quem tende a ser classifcado como tal pelos outros por conta dessas marcas. Em segundo lugar, diferentes pesqui-sas tm demonstrado grande correlao entre o modo como as pessoas se autodeclaram racialmente e so percebidas pelos outros (Silva, 1999; Muniz, 2012; Prandi, 1996), o que relativiza a ideia de que as classifcaes raciais brasileiras so arbitrrias ou absurdamente contingentes. Em terceiro lugar, o problema da fuidez do modelo de classifcao racial brasileiro pode ser contornado pela heteroclassifcao mltipla, isto , pela classifcao das fotos RBCPed16.indd 124 13/04/15 16:01125 A cor dos eleitospor mais de uma pessoa. A partir disso, podemos no apenas produzir dados mais confveis, mas tambm medir a fuidez do nosso sistema classifcatrio.Sendoassim,osdadosqueseseguemsereferemaomodocomouma equipedeclassifcadoresatribuiuumacor2aoscandidatosavereadorem 2012 nas duas maiores metrpoles brasileiras, Rio de Janeiro e So Paulo. Usamos as trs principais categorias empregadas pelo IBGE (branco, pardo epreto),ignorandoascategoriasresiduais(amareloeindgena),asquais costumam congregar menos de 2% da populao das regies pesquisadas. Seguindo uma operao j costumeira na bibliografa especializada, fundimos os candidatos classifcados como pardos e pretos na categoria no brancos3. Isso se justifca porque os percentuais de heteroclassifcados pretos costumam ser baixos e tambm porque as pesquisas da rea tendem a mostrar estreita proximidade em termos demogrfcos entre os dois grupos.Aotodo,foramobtidasnositedoTribunalSuperiorEleitoral(TSE) 2.733candidaturas4,dasquais1.596referiam-seacandidatosavereador pelo municpio do Rio de Janeiro e 1.137 pela cidade de So Paulo. Todas foram submetidas classifcao de quatro pesquisadores. Embora todos os classifcadores pertenam ao meio acadmico e possuam um perfl socioec-onmico similar, o que pode sugerir um vis classifcatrio, fundamental lembrar que no se pretende com tal classifcao estabelecer objetivamente qual a cor dos candidatos. A validade da heteroclassifcao mltipla tem de ser avaliada pragmaticamente: se o modo como os candidatos foram clas-sifcados acompanhar desigualdades estatisticamente relevantes, isso por si s j sugere que tais classifcaes tm alguma validade. Isto , embora no saibamos se o preto ou pardo que classifcado por outros se percebam as-sim, ou se so percebidos como tais pela sociedade em geral, o fato de eles 2Embora concordemos que o termo cor funcione no Brasil como eufemismo para se falar do problema da raa e do racismo no Brasil (Guimares, 1999), preferimos utiliz-lo por questes metodolgicas, haja vista que a heteroclassicao feita por ns buscou estabelecer somente a cor dos candidatos segundo as categorias do IBGE (preta, parda ou branca).3H uma grande polmica tambm sobre a utilizao do uso dessa expresso para designar a soma de pretos e pardos. Como um de ns explorou em outra oportunidade (Campos, 2013), a maneira com que os estudiosos lidam com a categoria pardo em seus estudos deixou de ser uma simples questo metodolgica para se tornar um dilema poltico. Por conta disso, muitos autores tm defendido que pretos e pardos devem ser considerados negros. Entretanto, acreditamos que esse debate mais complexo e que aqueles que se autodeclaram pardos no Brasil possuem uma heterogeneidade identitria que deve ser considerada, como alguns estudos tm indicado (Silva e Leo, 2012). Ademais, como optamos por trabalhar com a heteroclassicao, torna-se ainda mais delicado atribuir uma negritude a indivduos que certamente teriam sido classicados de outro modo caso utilizssemos um modelo categorial dicotmico.4Trabalhamos apenas com as candidaturas deferidas em 26 de dezembro de 2013.RBCPed16.indd 125 13/04/15 16:01126 Luiz Augusto Campos e Carlos Machadoexperimentarem desigualdades de forma especfca j pode ser visto como um indcio da validade dessas heteroclassifcaes.A Tabela 1 contm as concordncias entre as classifcaes obtidas. Em mais da metade dos casos (62,9%), houve unanimidade classifcatria, isto , todos os quatro classifcadores concordaram. Em um quarto dos casos (25%), houve grande coincidncia nas classifcaes, j que apenas um classifcador optou por uma cor diferente dos outros trs. Em apenas 12,1% dos casos houve empate. Diante disso, optou-se por considerar como a cor do candidato aquela que foi classifcada pela maioria dos codifcadores. Como os casos em que houve em-pate no so estatisticamente relevantes, eles foram submetidos ao julgamento de um quinto pesquisador incumbido de desempatar a classifcao.Tabela 1 - Concordncias entre as classifcaes binrias (branco e no branco)N %concordncia total (4x0) 1.718 62,9concordncia alta (3x1) 683 25concordncia baixa (2x2) 332 12,1total 2.733 100Fonte: Elaborada pelos autores.HiptesesRecrutamento de candidaturas. Uma primeira hiptese explicativa para a sub-representao dos pretos e pardos na poltica a escassez de candida-turas. Ao menos em relao aos postos no Legislativo federal, a sub-repre-sentao de mulheres parece refetir a pequena participao delas nas listas lanadas pelos partidos (Arajo, 2001). Todavia, esse efeito no uniforme nos diferentes nveis federativos. Como mostram Miguel e Queiroz (2006), as chances de sucesso eleitoral das mulheres aumentam consideravelmente quando elas disputam os pleitos municipais do que as eleies federais.Nossos dados indicam que algo semelhante acontece com os pretos e par-dos no nvel municipal, sobretudo quando levamos em conta a participao dos mesmos nas listas partidrias. Quando comparamos a quantidade relativa de no brancos na populao dos dois municpios com a proporo de no brancos candidatos, percebemos que as disparidades so leves. Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, 37,8% dos candidatos lanados a vereador em 2012 foram classifcados como no brancos, contra 31,6% em So Paulo. RBCPed16.indd 126 13/04/15 16:01127 A cor dos eleitosAinda que nas duas cidades tenham percentuais maiores de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas (48% e 37,1%, respectivamente), a distncia entre as duas propores no sufciente para explicar a presena diminuta de no brancos entre os eleitos, como se pode observar no Grfco 1.Grfco1-Distribuiopercentualdosgruposdecornapopulao,candidaturaseeleitospara vereador em 2012, nos municpios de Rio de Janeiro e So Paulo Fonte: Elaborado pelos autores a partir de dados do TSE.Embora j seja possvel perceber um fltro que impede os no brancos de se candidatarem nas duas cidades, o fltro maior parece no estar na oferta de candidaturas. Sendo assim, resta avaliar ainda trs hipteses alternativas, a saber: aquela que explica a sub-representao de pretos e pardos por de-sigualdades de capital simblico; aquela que a explica a sub-representao por desigualdades na distribuio de recursos de campanha; e aquela que presume um vis discriminador nas escolhas eleitorais dos votantes.Capital simblico. Pesquisas sobre recrutamento poltico vm chamando a ateno para o fato de que recursos sociais mais simblicos, como nvel de instruo, origem de classe, gnero etc., tm grande peso nas chances eleitorais dos candidatos (Norris e Lovenduski, 1995). Constata-se, por exemplo, que candidatos com nvel escolar maior tendem a receber mais votos, do mesmo modo que indivduos oriundos das classes mais altas da sociedade (Rodrigues, 2002; Perissinotto, Costa e Tribess, 2009; Norris, 1997). Para estimar em que medida o acesso a uma classe social e instruo podem refetir nas chances eleitorais menores de no brancos, levamos em considerao o patrimnio e a populao(censo de 2010)populao(censo de 2010)candidaturas(2012)Rio de Janeirobrancos brancos no brancos no brancosSo Paulocandidaturas(2012)eleitos(2012)eleitos(2012)RBCPed16.indd 127 13/04/15 16:01128 Luiz Augusto Campos e Carlos Machadoescolaridade declarada pelos candidatos ao TSE. Como indica o Grfco 2, os candidatos no brancos aparecem concentrados no grupo dos sem patrimnio declarado. J quando observamos aqueles com um patrimnio valorado em at 100 mil reais, a presena dos dois grupos bastante similar. A partir dessa faixa, a quantidade de no brancos decresce em relao de brancos, sugerindo que a origem de classe pode ter impacto nas chances eleitorais desse grupo:Grfco 2- Distribuio percentual da cor dos candidatos de acordo com o patrimnio declarado em reais ao TSE, nos municpios do Rio de Janeiro e So Paulo (2012)Fonte: Elaborado pelos autores a partir de dados do TSE.Um padro semelhante acontece em relao educao formal. Como indicamoGrfco3eoGrfco4,osbrancosestosobrerrepresentados nosestratoscommaioreducaoformal.Essedadoimportanamedida em que a posse de diploma de ensino superior costuma ser visto como um importante ndice da posse de qualidades pessoais relevantes politicamen-te. O ensino superior no afeta as chances de sucesso eleitoral apenas pelo acessoaconhecimentosespecfcos,mastambmpelasredesdecontato sociaisquesoestabelecidasnoambienteuniversitrio,recorrentemente umespaodeiniciaonavidapoltico-partidriadosaspirantesvida pblica;pelaobtenodehabilidadesimportantesnojogopolticocomo boa oratria, por exemplo.sem patrimnio patrimnio baixo(menos de 100 mil)patrimnio mdio(menos de 100 mile 400 mil)patrimnio alto(menos de 400 mile 800 mil)patrimnio muito alto (mais de 800 mil)brancos no brancosRBCPed16.indd 128 13/04/15 16:01129 A cor dos eleitosGrfco 3 - Percentual dos candidatos conforme a cor e o nvel de instruo, no municpio do Rio de Janeiro (2012)Fonte: Elaborado pelos autores a partir de dados do TSE.Grfco 4 - Percentual dos candidatos conforme a cor e o nvel de instruo, no municpio de So Paulo (2012)Fonte: Elaborado pelos autores a partir de dados do TSE.ensinofundamentalincompletoensinomdioincompletoensinomdiocompletoensinosuperiorincompletoensinosuperiorescompletoensinofundamentalcompleto80.70.60.50.40.30.20.10.0.brancos no brancosensinofundamentalincompletoensinomdioincompletoensinomdiocompletoensinosuperiorincompletoensinosuperiorescompletoensinofundamentalcompleto80.70.60.50.40.30.20.10.0.brancos no brancosRBCPed16.indd 129 13/04/15 16:01130 Luiz Augusto Campos e Carlos MachadoContudo,emboraessesdadossugiramquenobrancostmmenos chances eleitorais por possurem menor patrimnio e instruo, eles tam-bmnosoconclusivos.Talvez,elesapenasindiquemqueospartidos polticos preferem recrutar candidatos com maior nvel de instruo e, por conseguinte,tendemarecrutarmenosnobrancos,postoqueessecon-tingentedemogrfcotemrealmentemenosoportunidadeseducacionais na sociedade. Novamente, preciso ponderar o peso estimado que ser no branco tem na recepo de votos, sobretudo isolando outras variveis como sexo, ocupao, instruo etc., o que ser feito a seguir.Recursos de campanha. Os gastos de campanha tm um papel central nas chances eleitorais dos candidatos e partidos polticos. Essa a terceira hiptese. Como muitos estudos indicam, alta a correlao entre as despesas decampanhaeavotaoobtidapeloscandidatosnaseleiesbrasileiras (Lemos, Marcelino e Pederiva, 2010). Porm, preciso tomar cuidado para no se deduzir uma relao causal entre essas duas variveis. Embora seja intuitivo supor que com mais recursos um candidato tenha mais meios para convencermaiseleitores,htambmumarelaoinversaentreasverbas investidas e as votaes. Isso porque candidatos que so vistos como mais competitivos, a quem se atribui mais chances de ganhar, tendem a ter mais facilidadedecaptarrecursosdecampanha.Logo,aaltacorrelaoentre despesas e votaes pode refetir, tambm, a maior facilidade daqueles com votaes potenciais maiores em obter recursos.De todo modo, as despesas de campanha so um fator fundamental para o acesso de determinados indivduos a posies de poder e, em ambos os casos analisados, verifca-se alta correlao entre votao e receita de campanha. Nas eleies cariocas, a correlao entre receita da campanha em reais e a proporo de votos recebidos pelo candidato a partir do R de Pearson foi de 0,744; enquanto em So Paulo este indicador assume o valor de 0,762. Sendo a receita de campanha um preditor da votao aferida, a compreen-so da interao entre recursos disponveis a candidatos no brancos pode contribuir para elucidar a baixa representao desse grupo.Apartirdosnossosdados,possvelperceberquebrancosdeclaram receitas de campanha em mdia bem maiores que no brancos. No Rio de Janeiro, brancos declararam ao TSE gastar em mdia 34 mil reais, enquanto no brancos declararam receitas da ordem de 12 mil reais. Em So Paulo, ondeascampanhascostumamserbemmaiscaras,brancosgastaramem mdia 100 mil reais, enquanto no brancos gastaram em mdia 73 mil reais.RBCPed16.indd 130 13/04/15 16:01131 A cor dos eleitosContudo, essas mdias so infuenciadas pelo fato de haver alguns can-didatos brancos com receitas vultuosas, bem como muitos candidatos no brancos com despesas irrisrias. Para neutralizar os efeitos desses outliers, preciso observar a distribuio dos candidatos de acordo com a cor em cada faixa de renda (Grfco 5). Em ambas as capitais, os no brancos esto concentrados nas faixas inferiores de renda, mas as distncias so pequenas. Novamente, o universo de candidaturas em So Paulo apresenta um cenrio menos desigual que o do Rio, o que talvez explique por que a seletividade racialnaseleiescariocasforammaiores.Porm,quandoobservamos osestratosreferentessdespesasdecampanhasuperiores(maisde100 milreais),percebemosquehumasobrerrepresentaodebrancos.No Rio, esse estrato superior concentra 8% dos candidatos brancos e apenas 2% dos no brancos; enquanto em So Paulo ele composto por 15% dos brancos e 10% dos no brancos.Grfco 5 - Distribuio percentual dos grupos de cor por faixa de despesas de campanha em reais, nos municpios do Rio de Janeiro e So Paulo (2012)Fonte: Elaborado pelos autores a partir de dados do TSE.Entretanto,essesdadosnososufcientesparaqueseatribuacor dos candidatos desigualdade no acesso a recursos de campanha. Para tal, preciso ponderar o peso relativo da cor em relao a outras variveis, tradi-cionalmente levadas em conta quando se estima a maior ou menor facilidade em se obter fnanciamento para campanha. Baseado nisso, utilizamos um modelo de regresso linear para estimar o impacto da cor do candidato so-menos de1 mil reais(585)menos de1 mil reais(585)de 1 mil e 10 mil reais(669)de 1 mil e 10 mil reais(669)de 1 mil a 100 mil reais(247)de 1 mil a 100 mil reais(247)mais de 100 mil reais(95)mais de 100 mil reais(95)Rio de Janeirobrancos brancos no brancos no brancosSo Paulo34.41.39.46.18.11.8.2.16.18.41.47.27.26.15.10.RBCPed16.indd 131 13/04/15 16:01132 Luiz Augusto Campos e Carlos Machadobre o montante de recursos capitalizados para a campanha5. Consideramos nos modelos trs variveis independentes, alm da cor: o sexo6, a posse de diploma de ensino superior7 e a pertena a uma ocupao profssional tra-dicionalmente da classe alta segundo o modelo EGP8.Apesar da signifcncia estatstica entre cor do candidato e acesso a recur-sos de campanha, o controle desta relao com demais variveis evidencia que ela tem um impacto menor do que as outras caractersticas do candidato sobre o incremento dos recursos de campanha disponveis. De acordo com o modelo 1 da Tabela 2, candidaturas de no brancos9 captam 53% menos receita do que candidatos brancos. Entretanto, o controle desse efeito com outras variveis como sexo, instruo e profsso do candidato aponta a cor do candidato como um trao secundrio, apesar da manuteno do efeito.Tabela 2 - Modelos de regresso linear (varivel dependente: log da porcentagem de receita)modelo 1 (R=,018) modelo 2 (R=,071) modelo 3 (R=,092)B std. B B std. B B std. B(constante) -4,387* -4,523* -4,818* no branco -,529* -,134 -,369* -,093 -,305* -,077feminino -,687* -,165 -,581* -,140ensino superior ,651* ,171 ,457* ,120classe alta ,599* ,159Fonte: Elaborada pelos autores a partir de dados do TSE.* Signifcativo a 5%5Para o tratamento da receita de campanha como varivel dependente do modelo de regresso linear proposto,foinecessriomodicaravarivel.Aprincpiofoicalculadaaproporoentreosvotos recebidos pelos candidatos e o somatrio de votos recebidos por todos os candidatos. A partir desses dados, calculou-se o log natural proporo de votos.6O sexo dos candidatos foi tratado nos modelos de regresso atravs da classicao de candidaturas do sexo feminino com o valor 1 e do sexo masculino com o valor 0.7Aformaodoscandidatosfoitratadanosmodelosderegressoapartirdauniodascategorias Ensino superior incompleto e Ensino superior completo com a atribuio do valor 1 para candidatos que tiveram alguma passagem pelo ensino superior e o valor 0 em caso negativo. 8Para agrupar as ocupaes prossionais em classes, utilizamos o modelo EGP proposto por Erikson, Goldthorpe e Portocarero (1979). No anexo ao nal deste artigo, explicamos os critrios de classicao das ocupaes desse esquema. Nas anlises a seguir, o tratamento das ocupaes se refere ao efeito deocandidatopossuirumaocupaoclassicadacomopertencenteclassealta,asquaisforam categorizadas com o valor 1, enquanto s demais ocupaes atribuiu-se valor 0.9A cor dos candidatos foi tratada nos modelos de regresso atravs da classicao de candidaturas de no brancos com o valor 1 e brancos com o valor 0.RBCPed16.indd 132 13/04/15 16:01133 A cor dos eleitosCandidaturas de no brancos apresentam em mdia 37% menos recursos de campanha do que brancos, ao se controlar pelo sexo e pela formao, que, no entanto, apresentam um impacto maior sobre o acesso receita de cam-panha. Em mdia, mulheres recebem 69% menos do que homens e pessoas que tiveram acesso ao ensino superior recebem 65% a mais do que aqueles sem a mesma oportunidade. Contudo, o ltimo modelo atesta a importncia daocupaoprofssionaldocandidatoparaobtermaiorfnanciamentode campanha, pois aqueles identifcados na classe alta recebem em mdia mais de duas vezes o fnanciamento em relao queles em ocupaes profssionais tra-dicionalmente de classe mdia ou baixa. Alm disso, o efeito observado por ter frequentado o ensino superior atenuado quando h o controle da ocupao. O modelo sugere que o efeito de ser no branco perde poder explicativo comaadiodeoutrosaspectosqueconstituemoperfldoscandidatos. Entretanto,omodeloderegressoutilizadopressupealinearidadedos efeitos entre as variveis, de modo que toda alterao de uma unidade na varivel dependente, no caso a receita, pressupe substantiva alterao na condiodocandidatoobservado.Adiferenaentreumcandidatoque dispe de mil reais diante de outro com 21 mil reais tomada como tendo o mesmo impacto que a diferena entre 21 mil reais e 41 mil reais, mesmo se supondo que unicamente candidatos cujo investimento ultrapasse 30 mil reais tenham efetivamente chance de sucesso eleitoral.Considerandoquetodosistemaeleitoralcarregaemsiumalgicade concentrao, a qual opera atravs de elementos de distino poltico-social, a vasta maioria dos candidatos sequer pode sonhar em ser eleito. Ser entre oscandidatosdosestratosmaiselevadosdedistinopoltico-eleitoral mais atraentes ao eleitorado e com real possibilidade de eleio10 que se encontram os postulantes efetivos a cargos eletivos. Um modelo linear no permite apreender esse acirramento da disputa por recursos na competio por formao de diferenciao social necessria ao sucesso eleitoral. Uma primeira vista sobre essa questo encontra-se na Tabela 3, na qual a receita divulgada pelos candidatos foi recortada em dez partes iguais e calculada a porcentagem de no brancos em cada uma das partes.10Emespecialdevidoaosefeitosdasregraseleitorais.Nocasobrasileiro,nobastaaconcentrao devotaoemcandidatos,poisseroeleitossomentecandidatosdepartidosoucoligaesque ultrapassem o quociente eleitoral (a diviso entre votos vlidos e o nmero de vagas em disputa em dado distrito eleitoral).RBCPed16.indd 133 13/04/15 16:01134 Luiz Augusto Campos e Carlos MachadoTabela 3 - Proporo de no brancos por decil da receita, por municpio (2012)receita Rio de Janeiro So Paulo1 e 2 decil*38,6% 33,0%3 decil 43,1% 35,1%4 decil 51,6% 36,0%5 decil 46,3% 39,5%6 decil 44,1% 27,4%7 decil 38,0% 30,2%8 decil 33,8% 34,8%9 decil 28,8% 21,9%10 decil 16,4% 24,8%Fonte: Elaborada pelos autores a partir de dados do TSE.*Parafacilitaraorganizaodosdadosforamunidososdoisprimeirosdecis,devidoquantidadedecandidatosque apresentavam valores muito baixos ou inexistentes.A igualdade entre perfs de brancos e no brancos pode ser assumida nas pri-meiras divises da receita, mas a comparao com os cortes superiores evidencia a diminuio no nmero de no brancos entre candidatos com maior potencial de atrao de recursos. Portanto, no conjunto dos estratos com maior chance de vitria eleitoral, onde h maior acirramento da competio, que opera um entrave quanto ao acesso a recursos importantes para candidatos no brancos. Quando se considera estar no ltimo decil a quase a totalidade dos eleitos em ambas as cidades, apenas cerca de 16% dos cariocas e 25% dos paulistanos no so brancos. A igualdade de condies entre aqueles sem chance de galgar uma posioelevadanalistadaslegendasemnadacontribuiparaelevarosno brancos a uma posio de efetivamente poderem almejar representao poltica.Porm, uma vez que a Tabela 3 traz informaes apenas da cor dos candida-tos, ainda possvel questionar se a relao observada se refere ao efeito da cor dos eleitos, ou se traria o efeito especfco da formao dos candidatos. A Tabela 2 atesta o pertencimento classe alta como um componente fundamental ao acesso de recursos de campanha, cujo efeito supera aquele apresentado para o acesso ao ensino superior, caracterstica de praticamente todos os candidatos eleitos. possvel que o baixo nmero de no brancos no ltimo decil da receita decampanhadecorradadifculdadedesseperfldecandidaturasacessaras ocupaes de maior distino na sociedade. Dessa forma, foi observada a dis-tribuio entre os decis da receita das candidaturas de classe alta, diferenciando brancos e no brancos, como se pode observar no Grfco 6.RBCPed16.indd 134 13/04/15 16:01135 A cor dos eleitosGrfco 6 - Distribuio percentual de candidatos com ensino superior, por cor e decil da receita de campanha (2012)Fonte: Elaborado pelos autores a partir de dados do TSE.A concentrao de no brancos de classe alta ocorre no 9 decil. H, contu-do, grande disparidade quando comparada com a quantidade de brancos com o perfl selecionado no mesmo decil. At o 8 decil, a diferena da concentra-o de brancos e no brancos de classe alta em cada diviso equivalente, ou apresenta ligeira vantagem para no brancos. No entanto, a partir do 9 decil, no por acaso onde se concentram as maiores somas de dinheiro investidos em campanha, perceptvel a diferena na quantidade de brancos e no brancos.Votao. Quanto votao obtida, no brancos recebem em mdia menos da metade dos votos que brancos. Nas eleies analisadas dos dois municpios, a proporo mdia de votos recebidos11 por brancos foi de 0,0897% contra 0,0410% de no brancos. Tal discrepncia similar em ambos os municpios. No Rio de Janeiro, candidatos a vereador brancos receberam em mdia 0,0772% dosvotoscontra0,0309%doscandidatosnobrancos;enquantoemSo Paulo, os percentuais foram 0,1056% e 0,0579% para brancos e no brancos, 11Comoestamostrabalhandocomeleiesemmunicpiosdistintos,optamosportrabalharcoma quantidade relativa de votos recebidos de modo a tornar os dados comparveis.brancos no brancos1o e 2odecil30.25.20.15.10.5.0.3o decil 4o decil 5o decil 6o decil 7o decil 8o decil 9o decil 10o decilRBCPed16.indd 135 13/04/15 16:01136 Luiz Augusto Campos e Carlos Machadorespectivamente. Em termos absolutos, candidatos brancos no Rio de Janeiro receberam em mdia 2.200 votos contra 881 votos de no brancos; j em So Paulo, brancos tiveram em mdia 4.707 contra 2.581 de no brancos.No entanto, isso no basta para se afrmar que existe maior preferncia dos eleitores por candidatos brancos. As discrepncias apontadas podem refetir outras desigualdades, entre elas menos capital poltico e menor acesso ao ensino superior dos no brancos. Por isso, do mesmo modo que procedemos com as receitas de campanha, fez-se necessrio estabelecer o peso ponderado da cor dos candidatos em relao ao peso das outras variveis computadas, o que aparece na Tabela 4.Tabela 4 - Modelos de regresso linear (varivel dependente: log da porcentagem da votao) modelo 1 (R=,011) modelo 2 (R=,162) modelo 3 (R=,185)B std. B B std. B B std. B(constante) -3,979* -3,886* -4,158* no branco -,361* -,102 -,175 -,050 -,120 -,034feminino -1,326* -,360 -1,218* -,331ensino superior ,592* ,172 ,413* ,120classe alta ,556* ,165Fonte: Elaborada pelos autores a partir de dados do TSE.* Signifcativo a 5%Candidatosnobrancosrecebemmenorvotaodoquecandidatos brancos, porm esse efeito perde signifcncia estatstica ao se considerar o sexo dos candidatos, a formao e sua ocupao. interessante notar que, com a instituio das cotas femininas no Brasil, houve aumento no nmero de candidaturas de mulheres12 de tal forma que provavelmente grande parte dessas candidaturas sejam meramente formais, com o intuito de cumprir a cota, sem haver um verdadeiro investimento dos partidos em tais candidatu-ras. No entanto, faz-se necessrio esclarecer que a comparao entre receber mais votos e efetivamente ser um candidato com reais chances de eleio no plenamente evidente atravs do modelo apresentado.Idealmente a competio eleitoral democrtica suporia iguais chances de vitriaentretodososcandidatos.Essasuposio,contudo,irrealquando 12Particularmente as eleies de 2012 destacam-se como as primeiras em que quase todos os partidos efetivamenteapresentaram30%decandidaturasfemininas.Issoconsistenteaoseobservarque mulheres recebem em mdia votao muito abaixo daquela recebida por homens. Agradecemos a Luis Felipe Miguel por apontar essa questo.RBCPed16.indd 136 13/04/15 16:01137 A cor dos eleitosselevaemcontaaseleiesconcretas.Apenaspouqussimascandidaturas se distinguem entre tantas para que possam somar votos sufcientes e terem alguma chance de vitria. Nas eleies para vereador no Rio de Janeiro, por exemplo, praticamente no h uma distino em termos de competividade entre um candidato que recebe dez votos e outro que recebe 6 mil votos, pois ambos no seriam eleitos. Entretanto, a diferena entre receber 6 mil votos e 6.015 garante uma cadeira parlamentar13. A diferenciao entre candidaturas a partir do acmulo de votos trata candidaturas muito dspares em relao efetiva chance de obterem sucesso eleitoral. Logo, considerar a competitividade das candidaturas pode auxiliar a com-preender de forma mais precisa o impacto da cor sobre as chances de sucesso eleitoral. Para diferenciar uma candidatura competitiva de outra no compe-titiva, usamos como critrio a proximidade de votao de um candidato com aqueles eleitos que receberam as menores votaes. Isso nos levou a distinguir as candidaturas com apelo eleitoral substantivo daquelas que so meramente fgurativas e usadas para preencher as listas eleitorais. Dessa feita, foram cate-gorizadas como candidaturas competitivas aquelas que obtiveram ao menos 20% da votao recebida pelo ltimo candidato eleito. A partir dessa informa-o, tornou-se possvel averiguar o efeito das caractersticas dos candidatos sobre a sua chance de apresentar uma candidatura eleitoralmente competitiva, como abordado atravs da regresso logstica apresentada na Tabela 5.Tabela 5 - Modelos de regresso logstica (varivel dependente: candidatura competitiva) modelo 1 (C&S=,011) modelo 2 (C&S=,032) modelo 3 (C&S=,044)B exp (B) B exp (B) B exp (B)no branco -1,12* ,33 -,89* ,41 -,79* ,45feminino -,98* ,38 -,79* ,46ensino superior 1,11* 3,03 ,79* 2,20classe alta 1,25* 3,48Fonte: Elaborada pelos autores a partir de dados do TSE.* Signifcativo a 5%O tratamento do efeito da cor do candidato apresenta impacto signifcativo no primeiro modelo, o qual se mantm a despeito das contribuies de sexo, formao escolar e ocupao profssional. Com base no modelo 2, candidatos/13Nesse caso, o fato de ser eleito com 6.015 votos no se deve apenas votao do candidato, mas posio que o mesmo ocuparia na lista da coligao da referida eleio. RBCPed16.indd 137 13/04/15 16:01138 Luiz Augusto Campos e Carlos Machadoas no brancos/as teriam chance 41% menor de apresentar uma candidatura competitiva em comparao a brancos/as, efeito muito parecido com a con-diodemulheres,comumachance38%menordeseremcaracterizadas como competitivas. importante ressaltar a variao do efeito da cor entre o modelo 1 e 2, pois o controle do acesso ao ensino superior tratado no segundo modelo acirra o efeito de ser no branco. Mas, ao se considerar a diferena relativa classe, as caractersticas testadas anteriormente apresentam um efeito comparativamente reduzido, em particular aquele referente ao ensino superior. Mas tal como fora observado na anlise sobre a receita dos candidatos, os modelos considerados na regresso no se adquam bem s desigualdades que caracterizam a distribuio de votos. Os constrangimentos para o sucesso eleitoral de polticos no brancos no so similares em toda a estrutura com-petitiva e, ao que parece, se fazem mais fortes especifcamente na competio entre aqueles que recebem mais votos. Por isso, necessrio analisar mais atentamente a distribuio da votao dos candidatos. Novamente o que se observa uma igualdade entre brancos e no brancos nas faixas de menor votao com uma abrupta reduo no nmero de candidatos no brancos no ltimo decil, como se pode observar na Tabela 6. Tabela 6 - Proporo de no brancos por decil de votao, por municpio (2012)receita Rio de Janeiro So Paulo1 decil 31,4% 29,2%2 decil 52,2% 42,6%3 decil 43,4% 35,4%4 decil 43,8% 30,7%5 decil 34% 41,1%6 decil 41,9% 33,3%7 decil 37,1% 35,1%8 decil 41,3% 27,2%9 decil 36,9% 23,7%10 decil 17% 19,5%Fonte: Elaborada pelos autores a partir de dados do TSE.O que se percebe com a anlise dos decis de votao na Tabela 6 e da receita na Tabela 3 a abrupta alterao da composio das faixas com maior concentrao de votos e recursos em termos raciais. Isso pode indicar que o RBCPed16.indd 138 13/04/15 16:01139 A cor dos eleitosperfl de candidaturas no brancas recebido pelos fnanciadores de campa-nha, e pelos eleitores, como um trao no desejado entre o grupo de pessoas cuja estima social se concentra. O municpio de So Paulo apresenta dados ainda mais contundentes. Se o ltimo decil da receita apresentava em torno de 24% de no brancos, o mesmo decil em relao quantidade de votos composto por apenas 19% desse grupo de cor. No caso do Rio de Janeiro, nem sequer h o descompasso entre as duas situaes, pois o ltimo decil contm cerca de 16% (quanto receita) e 17% (quanto votao) de no brancos.Damesmaformacomofoitrabalhadonaanlisesobreareceitade campanha, necessrio distinguir que a anlise com base na distribuio da votao apresenta um vis especfco decorrente da cor dos candidatos, mesmoquandocontrolamosapassagempelaclassealta.Comoindicao Grfco 7, candidatos no brancos de classe alta, porm pouco competitivos (localizados entre o 1 e o 8 decil de votao), se distribuem nesse estrato de modo semelhante aos candidatos no brancos com o mesmo perfl. Porm, essa situao se inverte no ltimo decil de votos:Grfco 7 - Distribuio percentual de candidatos com passagem pela classe alta, por cor e decil de votao (2012)Fonte: Elaborado pelos autores a partir de dados do TSE.brancos no brancos1o decil30.25.20.15.10.5.0.3o decil 4o decil 5o decil 6o decil 7o decil 8o decil 9o decil 10o decilRBCPed16.indd 139 13/04/15 16:01140 Luiz Augusto Campos e Carlos MachadoTalcomonocontextodareceita,praticamenteinexistemvariaesno perfl das candidaturas de brancos e no brancos at o 9 decil. Mas como j foi abordado anteriormente, no ltimo decil, onde a concentrao de votos maior, que se localizam praticamente todos os eleitos. nesse estrato em que a competio poltica mais importante para se obter uma cadeira legislativa que a distncia entre brancos e no brancos se torna mais forte, mesmo se consideramos apenas aqueles que possuem ensino superior. Cerca de 28% dos brancos com algum vnculo a ocupaes profssionais tidas como de classe alta encontram-se no ltimo decil, ao passo que apenas 17% dos nobrancosapresentamesseperfl.Quandoadisputairrelevante,raa no importa, mas o mesmo no se pode afrmar quando se caracteriza um cenrio de competio poltica.ConclusoPor vrias razes, os dados discutidos at aqui no permitem responder de forma conclusiva a questo que abre este artigo, a saber: Por que exis-tem poucos polticos pretos e pardos nas instncias decisrias brasileiras? Trabalhamos aqui com um conjunto restrito de informaes, referentes s eleiesparavereadorde2012emdoisgrandesmunicpios.Ademais,o mtodo de atribuio da pertena racial dos candidatos pode ser criticado em vrias frentes. Contudo, essas informaes apresentam evidncias con-tundentes para testar algumas hipteses explicativas para a marginalidade poltica dos negros. possvel, a partir desses dados, descartar algumas respostas aparente-mente plausveis para o problema. Em primeiro lugar, no possvel atribuir a sub-representao de no brancos relativa escassez de candidatos com esse perfl. De fato, existem menos candidatos no brancos nas listas partidrias doqueaproporodessegruponapopulaodeambososmunicpios. Porm, esse hiato no grande o sufciente para explicar a magnitude da sub-representao deles na poltica, o que, alis, corrobora os dados encon-trados por Bueno e Dunning (2013).No Rio de Janeiro, cidade que continha 48% de no brancos autodeclara-dos em 2010, 37,8% dos candidatos foram classifcados como pretos ou par-dos. Em So Paulo, cidade em que 37,1% da populao se autodeclarou preta ou parda em 2010, 31,6% das candidaturas foi composta de pretos e pardos. Embora haja uma diminuio na proporo de candidatos no brancos em RBCPed16.indd 140 13/04/15 16:01141 A cor dos eleitosrelao populao desses municpios, a proporo de eleitos sofre um corte bem maior, j que apenas 9,8% dos vereados do Rio de Janeiro e 16,4% dos representantes de So Paulo foram classifcados como pretos ou pardos. possvel explicar esses hiatos de diferentes formas. Como vimos, can-didatos no brancos possuem menos recursos simblicos eleitoralmente valiosos(instruoepatrimnio,basicamente)queseusconcorrentes brancos. Todavia, vale notar que as distncias entre brancos e no brancos aumenta somente quando observamos os estratos superiores de patrimnio e instruo. O nmero de no brancos entre os candidatos sem patrimnio oucomumpatrimniomdioprximodaquantidadedebrancos.O mesmo no acontece entre aqueles com um patrimnio alto ou muito alto. Isso vale tambm para os nveis de instruo. Abstraindo as nuances de cada cidade, os no brancos aparecem sub-representados mormente nos estratos com mais instruo, em especfco naqueles que congregam quem possui ensino superior incompleto ou completo.Mas essas desigualdades no servem por si s para que se atribua uma desvantagem competitiva aos no brancos. Como notrio, esse estrato da populao brasileira costuma advir das classes mais baixas de nossa hierar-quia socioeconmica e, por isso, sempre delicado afrmar que as desvan-tagens que eles enfrentam podem ser atribudas sua pertena racial. Na tentativa de isolar o efeito da raa sobre o efeito da instruo ou da classe, se fez necessrio correlacionar o acesso dos candidatos a recursos eleitorais relevantes(basicamentefnanciamentosparacampanhaevotos)aoutras variveis em modelos multivariados de regresso.Quando tomamos o acesso a fnanciamento de campanha como varivel dependente,percebemosmaiordifculdadedoscandidatosnobrancos emobterrecursos,oquepersistiumesmoquandocontrolamosoefeito do sexo e do grau de instruo. Embora ter o ensino superior e uma ocu-pao profssional tradicionalmente da classe alta e ser homem facilitem o acesso a fnanciamento, ser no branco tem ainda assim um efeito sobre esse recurso. Contudo, a regresso deve ser lida com cautela, haja vista a distribuioabsurdamentedesigualnosnveisdereceita,comoindicou aanlisedosdecis.Porcontadisso,precisocontrolaroefeitodaraa sobreoacessoafnanciamentodecampanhadeoutraforma.Optamos por fazer esse controle verifcando em que medida h uma desigualdade de acesso a recursos de campanha entre candidatos brancos e no brancos RBCPed16.indd 141 13/04/15 16:01142 Luiz Augusto Campos e Carlos Machadoidentifcadoscomoclassealta,critriofundamentalparaaobtenode mais recursos de campanha, como observado na regresso tratada anteri-ormente. Essa anlise indica que os no brancos com ocupaes de classe alta se concentram relativamente mais entre o 3 e o 8 decis de despesas eleitorais. Essa situao se inverte apenas nos dois ltimos decis, nos quais os brancos predominam. Em outros termos, s possvel notar desigual-dadesnoacessoareceitasdecampanhaporcorquandocontrolamosa instruo nos ltimos decis.Algodistintoocorrequandoobservamosasvotaesrecebidaspor brancos e no brancos. A raa aqui no apresentou um efeito signifcativo ao controlarmos seu efeito na recepo de votos levando em conta outras variveis como sexo, ensino superior ou ter de uma profsso tradicional-mente de classe alta. Mas, novamente, essa regresso tem limites, haja vista adistribuioaindamaisdesigualdosvotospeloscandidatos.Portanto, maisimportantequeconsiderarototaldevotosrecebidosobservarem que medida h uma desigualdade de acesso dos no brancos a um piso de votos capaz de tornar sua candidatura minimamente competitiva. E aqui que as desigualdades de oportunidades polticas entre brancos e no brancos se torna maior. Ser no branco difculta sobremaneira o acesso aos estratos maiscompetitivosdaseleies,mesmoquandolevamosemcontaoutras variveis. O efeito negativo de no ser branco se torna comparvel ao efeito desermulher,entendendo-searelevnciadoltimodevidoaoimpacto persistente nos modelos abordados anteriormente. Quando controlamos o peso de ser no branco no acesso aos votos e, ao mesmo tempo, isolamos a posse de diploma de ensino superior, h um padro de desigualdade se-melhante ao que ocorre no acesso a fnanciamento. Brancos e no brancos se distribuem pelas faixas de votos de modo bastante semelhante. A nica exceo est no estrato que congrega as maiores votaes, em que h absoluta predominncia de brancos.Essasobservaesnospermitemensaiaralgumasconcluses.Em primeiro lugar, parece haver uma perniciosa interao entre as dinmicas sociolgicas da discriminao racial no Brasil e o funcionamento prprio do nosso sistema eleitoral. Do ponto de vista sociolgico, nossos dados parecem corroborar a ideia de que os no brancos enfrentam difculdades maiores de ascenso medida que se acirra a competitividade por recursos socialmente valiosos nas esferas em que eles penetram. Essa ideia j se faz presente na RBCPed16.indd 142 13/04/15 16:01143 A cor dos eleitosliteratura acadmica brasileira sobre relaes raciais desde trabalhos como o de Charles Wagley (1963), que em seus estudos no Recncavo baiano j reconheciaquedadoqueacompetioparapertenceraessaclassealta local e que a competio por prestgio dentro dela relativamente intensa, nesse ponto da hierarquia social que o critrio raa se torna mais crucial nadeterminaodaposiosocial(Wagley,1963,p.52;traduodos autores). Porm, tal hiptese s se torna central nas explicaes de nossas desigualdades a partir dos estudos de Carlos Hasenbalg e Nelson do Vale Silva (Hasenbalg e Silva, 1988, 1984; Hasenbalg, 2007). Para esses autores, a difuso no Brasil de uma ordem competitiva capitalista e moderna no foi sufciente parareduzirasubalternidadesocialdonegro,comoconjecturavaalguns expoentesdasegundageraodoProjetoUnesco,emespecial,Florestan Fernandes(2007).Aocontrrio,onegroparecepermanecerenfrentando difculdadesdeascensomesmonessaordemcompetitiva.Comoafrma Hasenbalg (2007, p. 123), se as pessoas entram na arena competitiva com osmesmosrecursos,excetonoquesereferefliaoracial,oresultado (posiodeclasse,ocupao,rendaeprestgio)dar-se-emdetrimento dos no brancos.Lendo nossos dados luz da bibliografa recente sobre as difculdades deascensodosnegrosnoBrasil,possvelconjecturarquecenrios competitivosnoapenaspermanecemdiscriminandoessegrupo,mas discriminam-no ainda mais. Noutros termos, a discriminao racial no apenas permanece operando em cenrios de competio, mas o aumento dessa competio parece aumentar a marginalizao dos negros. Nas faixas de receita e votao das eleies em que a competitividade dos candida-tosmenor,asituaodosnobrancospoucodiferentedaquelados brancos. J nas faixas que concentram as candidaturas mais competitivas, asdistnciasentreosdoisgruposaumentamsensivelmente,sempreem prejuzo dos no brancos.Mas para responder questo que nos motiva aqui preciso conectar essa hiptese sociolgica com o funcionamento especfco das democracias rep-resentativas como a nossa. A despeito do discurso igualitrio, subjacente aos mecanismos de seleo eleitoral prprios das democracias representativas, a eleio no garante por si s a igualdade de oportunidades. Ao contrrio, ocomponentedemocrticodaseleiesnodecorredaigualdadede oportunidade entre os competidores, mas do igual peso de cada eleitor em RBCPed16.indd 143 13/04/15 16:01144 Luiz Augusto Campos e Carlos Machadoum contexto de sufrgio universal. Como destaca Bernard Manin (2002), eleieslivresdoaoeleitorapossibilidadedeescolherorepresentante poltico a partir da caracterstica que ele reputar mais relevante e, por isso, sero selecionadas pela via do voto candidaturas cuja proeza ser se destacar-se em meio diversidade de opes (Manin, 2002, p. 136). Logo, nenhum dos mecanismos das eleies ao redor do mundo, atualmente consideradas democrticas,pretendetrataroscandidatoscomalgumajustiassuas caractersticas. Uma das caractersticas centrais da eleio , portanto, que ela no visa produzir representantes similares aos eleitores, mas o oposto disso(Manin,2002,p.160).Notoa,humatendnciaemboaparte das democracias atuais de que a representao parlamentar [fornea] uma imagem invertida da estrutura social (Gaxie, 2012, p. 166).Por conta desse elemento aristocrtico das democracias representati-vas, as chances de sucesso eleitoral esto condicionadas capacidade de acesso de um dado grupo social a uma elite de candidatos competitivos. No basta apenas que uma parte considervel das candidaturas seja de no brancos ou que as desigualdades prejudiciais a eles sejam pequenas para a maioria dos candidatos. Os eleitos permanecem sendo aqueles que esto no topo tanto em termos da distribuio de recursos de campanha como nosltimosestratosdevotao.Noutrostermos,nobastaapenaster maior acesso mdio a recursos e votos para se eleger, preciso ter acesso ao seleto grupo com mais recursos do que todos os demais.Deumlado,adiscriminaoracialnasociedadebrasileiraparecese tornar mais presente em cenrios em que a competio por recursos sociais mais acirrada. De outro lado, o princpio aristocrtico de distino que caracterizaaseleiesnasdemocraciasrepresentativasfazcomqueos eleitos sejam recrutados mormente das candidaturas mais competitivas. E justamente desse estrato que os negros esto excludos. Isso sugere que uma partilha mdia mais equnime das receitas de campanha ou uma cota para pretos e pardos nas listas partidrias possam ser medidas de ganhos duvidososparaamitigaodasub-representaodenegrosnasesferas decisrias.Maisdoqueisso,precisoinclu-losnosestratossuperiores de competitividade.RBCPed16.indd 144 13/04/15 16:01145 A cor dos eleitosAnexos Anexo 1 - Classifcao de ocupaes segundo o modelo EGPPara estabelecer em que medida as desigualdades entre brancos e no brancospodemseratribudassdesigualdadesdeclasse,optamospor classifcaroscandidatosdeacordocomomodeloEGPdeclasses,pro-posto por Robert Erikson, John Goldthorpe e Luciene Portocarero (1979). Nesse modelo neoweberiano, as classes se defnem basicamente pelas re-laes empregatcias que seus membros estabelecem dentro do mercado detrabalho(empregadores,autnomoseempregados)esuassituaes no mercado (nveis de renda, graus de segurana econmica etc.) e suas situaesdetrabalho(autoridadesobreoutrosempregados,autonomia de suas atividades etc.). Baseado nisso, os autores propem uma diviso analtica em sete classes (ver Quadro 1). Uma vantagem desse modelo a sua versatilidade analtica, j que ele permite diferentes redefnies das classesapartirdassuasfusesemgruposmaiores.OQuadro1mostra no apenas essa tipologia, mas nossa proposta de fuso em trs grandes grupos. Decidimos restringir a extenso da categoria classe alta primeira classe do esquema EGP basicamente, porque a maior parte dos candidatos provm dessas ocupaes mais altas.Quadro 1 Modelo EGP de classesclassifcao nmero ocupaes e/ou situaes de trabalhoclasse alta IProfssionais, administradores e encarregados de alto nvel; gerentes de grandes indstrias e grandes proprietrios.classe mdiaIIProfssionais de baixo nvel, tcnicos de alto nvel, administradores de baixo nvel, gerentes em grandes estabelecimentos industriais e de servios; e supervisores de trabalhadores no manuais.III Empregados no setor no manual de rotina.IVPequenos proprietrios, artesos por conta prpria e outros trabalhadores por conta prpria.classe baixaV Tcnicos de baixo nvel e supervisores de trabalhadores manuais.VI Trabalhadores manuais qualifcados na indstria. VIITrabalhadores manuais semiqualifcados ou sem qualifcao e trabalhadores na agricultura.Fonte: Erikson, Goldthorpe e Portocarero (1979).RBCPed16.indd 145 13/04/15 16:01146 Luiz Augusto Campos e Carlos MachadoAnexo 1 - Anlise dos resduos da regresso da porcentagem da receitaNormal P-P Plot of Regression Standardized ResidualDependent Variable: receita_porc_InExpected Cum ProbObserved Cum ProbScatterplotDependent Variable: receita_porc_InRegression Standardized Predicted ValueRegression Standardized ResidualRBCPed16.indd 146 13/04/15 16:01147 A cor dos eleitosAnexo 2 - Anlise dos resduos da regresso da porcentagem da votaoNormal P-P Plot of Regression Standardized ResidualDependent Variable: votos_porc_InExpected Cum ProbObserved Cum ProbScatterplotDependent Variable: votos_porc_InRegression Standardized Predicted ValueRegression Standardized ResidualRBCPed16.indd 147 13/04/15 16:01148 Luiz Augusto Campos e Carlos MachadoRefernciasARAJO,Clara(2001).Ascotasporsexoparaacompetiolegislativa: ocasobrasileiroemcomparaocomexperinciasinternacionais. 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Mas a despeito dessa evidente marginalidade, poucosesabesobreascausasdessasub-representaopoltica.Esteartigopretende elucidar quais so os principais fltros que afastam os no brancos, pretos e pardos, da poltica brasileira. Para tal, foi feito um levantamento sobre a cor dos candidatos a verea-dor nas eleies de 2012 nas duas maiores cidades brasileiras: So Paulo e Rio de Janeiro. Diante da carncia de registros ofciais sobre a raa ou cor desses candidatos, optamos por submeter suas fotos, disponibilizadas pelo TSE, classifcao de uma equipe de pes-RBCPed16.indd 150 13/04/15 16:01151 A cor dos eleitosquisadores. Os resultados permitiram entender at que ponto o alheamento poltico dos no brancos brasileiros se deve: (i) a vieses no recrutamento partidrio; (ii) s diferenas de capital educacional e patrimnio entre os candidatos brancos e no brancos; (iii) s desigualdadesnadistribuiodosrecursospartidrioseeleitorais;ou(iv)sprprias prefernciaseleitoraisdosvotantes.Aoqueparece,aschanceseleitoraisdospretose pardos refetem as difculdades que esses grupos tm em ascender pequena elite de candidatos que possuem os maiores fnanciamentos e as maiores votaes.Palavras-chave:Raa,eleies,representaopoltica,desigualdadepoltica,eleies municipais.AbstractItseemsbeyondcontroversythatnationalpoliticsinBrazilismostlywhite.Recent assessments indicate that the proportion of blacks in the federal parliament has never exceeded a mere 9%. Despite this apparent marginalization, there is scant information aboutthecausesofthispoliticalunder-representation.Thisarticleaimstoclarifythe flters that keep non-white, black and brown people out of Brazilian politics. Therefore, an evaluation was conducted on the colors of candidates running for city councilor in the 2012 elections in the countrys two largest cities: So Paulo and Rio de Janeiro. Given the lack of ofcial records on the race or color of those candidates, we decided to submit their photos provided by the Electoral Supreme Court, to be classifed by a team of researchers. The results allowed understanding to what extent the political alienation of non-white Brazilians is a result of: (i) biases in party recruitment; (ii) diferences in educational capital and property between white and non-white candidates; (iii) inequalities in the distribution of party and electoral resources; or (iv) voters own electoral preferences. Apparently, the electoral chances of blacks and browns refect those groups difculties to ascend to the small elite of candidates who have the largest funds and most votes.Keywords:Race,elections,politicalrepresentation,politicalinequality,municipal elections.Recebido em 8 de setembro de 2014.Aprovado em 3 de dezembro de 2014.RBCPed16.indd 151 13/04/15 16:01