1.FBrasete

18
Ágora. Estudos Clássicos em Debate 16 (2014) 1128 — ISSN: 08745498 Agamémnon na Lírica Arcaica Grega Agamemnon in Greek Archaic Lyric MARIA FERNANDA BRASETE (Universidade de Aveiro — Portugal) 1 Abstract: In this article, we seek to trace down the figure of Agamemnon in the texts included in the corpus presently known as the archaic Greek lyric, by emphasizing the most illustrative testimonies by three archaic poets: two fragments from Stesichorus’s Oresteia, the 282a PMGF Davies by Ibycus, and the Pithian XI, by Pindar. Keywords: Agamemnon; Archaic Greek lyric; Stesichorus; Ibycus; Polycrates; Pindar; Pithian 11; Oresteia; The Choephori; Clytemnestra; Orestes. 1. Este parece ser um título ambicioso, atendendo a que a expressão “lírica arcaica” 2 é utilizada para designar toda a poesia arcaica que sucede aos géneros épicos e precede o teatro. A essa amplitude cronológica acresce ainda toda a problemática tecida e entretecida em torno do termo “lírica” que, numa acepção mais lata daquela que os filólogos alexandrinos lhe quiseram consignar 3 , veio a compreender uma significativa diversidade de Texto recebido em 05.11.2013 e aceite para publicação em 05.02.2014. Este texto corresponde a uma versão desenvolvida e atualizada de uma conferência proferida no Colóquio Internacional “Agamémnon, o senhor da casa, senhor da guerra” (Coimbra, Abril de 2008). 1 [email protected]. 2 Sobre a problemática terminológica e taxonómica vd., em especial, Bruno GENTILI ([1984] 1996: cap.III) D. GERBER (1997: 19) e C. CALAME (1998). No seu estudo, intitulado As representações de Afrodite na lírica de Safo, Giuliana RAGUSA (2005: cap.1) discute os principais tópicos relacionados com os problemas de definição da “lírica grega arcaica”. 3 A teoria dos géneros difundida pelos filólogos alexandrinos, sob a influência da distinção preconizado por Platão nas Leis (764de) entre “poesia monódica” e “poesia coral” foi aceite mais ou menos tacitamente pelos estudiosos até aos anos 70 do século passado. Nessa altura, na sequência de uma descoberta de uma indicação esticométrica (N) num pequeno fragmento da Gerioneida — um poema estesicóreo consagrado às façanhas de Héracles — começouse a questionar a imagem tradicional de Estesícoro como um poeta exclusivamente “coral”. Alguns estudos recentes de especialistas reputados têm salientado a fragilidade desse fundamento para classificar os poemas, pois afinal o poeta coral por excelência, Álcman, terá composto temas monódicos, assim como Alceu e Safo, os representantes tradicionais do canto lésbico monódico, compuseram poemas destinados ao canto coral e à dança

description

kj

Transcript of 1.FBrasete

  • gora.EstudosClssicosemDebate16(2014)1128ISSN:08745498

    AgammnonnaLricaArcaicaGrega AgamemnoninGreekArchaicLyric

    MARIAFERNANDABRASETE(UniversidadedeAveiroPortugal)1

    Abstract: In thisarticle,we seek to tracedown the figureofAgamemnon in the textsincluded in thecorpuspresentlyknownas thearchaicGreek lyric,byemphasizing themost illustrative testimoniesby three archaicpoets: two fragments fromStesichorussOresteia,the282aPMGFDaviesbyIbycus,andthePithianXI,byPindar.

    Keywords:Agamemnon;ArchaicGreek lyric; Stesichorus; Ibycus; Polycrates; Pindar;Pithian11;Oresteia;TheChoephori;Clytemnestra;Orestes.

    1.Estepareceserum ttuloambicioso,atendendoaqueaexpressolricaarcaica2utilizadaparadesignar todaapoesiaarcaicaquesucedeaosgnerospicoseprecedeoteatro.Aessaamplitudecronolgicaacresceainda todaaproblemtica tecidaeentretecidaem tornodo termolricaque,numaacepomaislatadaquelaqueosfillogosalexandrinoslhequiseram consignar3, veio a compreender uma significativa diversidade de

    Textorecebidoem05.11.2013eaceiteparapublicaoem05.02.2014.Estetexto

    correspondeaumaversodesenvolvidaeatualizadadeumaconfernciaproferidanoColquio Internacional Agammnon,o senhorda casa, senhordaguerra (Coimbra,Abrilde2008).

    [email protected] Sobre a problemtica terminolgica e taxonmica vd., em especial, Bruno

    GENTILI ([1984]1996:cap.III)D.GERBER (1997:19)eC.CALAME (1998).Noseuestudo,intituladoAs representaes deAfrodite na lrica de Safo,GiulianaRAGUSA (2005: cap.1)discute os principais tpicos relacionados com os problemas de definio da lricagregaarcaica.

    3Ateoriadosgnerosdifundidapelosfillogosalexandrinos,sobainflunciadadistinopreconizadoporPlatonasLeis (764de) entre poesiamondica e poesiacoralfoiaceitemaisoumenostacitamentepelosestudiososataosanos70dosculopassado.Nessaaltura,nasequnciadeumadescobertadeumaindicaoesticomtrica(N) num pequeno fragmento da Gerioneida um poema estesicreo consagrado sfaanhasdeHracles comeouse a questionar a imagem tradicionaldeEstescorocomoumpoetaexclusivamentecoral.Algunsestudosrecentesdeespecialistasreputados tm salientado a fragilidadedesse fundamentopara classificar ospoemas,poisafinal o poeta coral por excelncia, lcman, ter composto temasmondicos, assimcomoAlceueSafo,os representantes tradicionaisdo canto lsbicomondico, compuserampoemasdestinadosaocantocoraledana

  • 12

    MariaFernandaBrasete

    gora.EstudosClssicosemDebate16(2014)

    gnerosesubgneros,ondese incluem tambmo iamboeaelegia.Todossabemosqueestaquestoaindahojenoabsolutamentepacfica,masnoesteomomentoapropriadoparaaretomarmos.Importar,todavia,recordarque,comotmsublinhadoBrunoGENTILI[1984]1996,DouglasGERBER(1997)EvaSTEHLE(1997)ouCharlesSEGAL(1998),entreoutrosestudiosos,anaturezapragmticaeocontextoperformativoquecaracterizaramaantigalricagrega tornaramnaum fenmenocompletamentediferentedapoesiamoderna,eessadistinosobressaitantoaonveldoscontedos,comoaonveldasformasedosmodosdecomunicao.Entreorecitativocomousem acompanhamentomusical eo canto a soloouporum coroacompanhadogeralmentededanasaoritmodamelodiaentoadaeaosomdeuminstrumentodesoprooudecordas,registavaseumagrandediversidadedegnerosedeestiloscultivadospelospoetasquecompunhamemfunodecircunstnciasperformativasmuitoconcretas,versando,amidesvezes,osmesmostemas,emestruturasmtricasequivalentesouno.Todasestasquestescondicionam,diretaouindiretamente,oestudodequalquertemaatinentelricaarcaicagrega.Teremospresenteestelequedequestestopeculiares,mesmosemlheconsignarmosumaabordagemsistemtica4.

    4 Se os nomes de Estescoro e bico, no volume I de The CambridgeHistory of

    Classical Greek Literature, editado por Patricia E. EASTERLING e BernardM.W. KNOX,aparecemaindadependentesdessa catalogao tradicional,namais recente ediodeDouglasGERBER(1997)procedeseaumareformulaotaxonmica:opoetadeHmeraapareceincludonadesignadaPublicPoetry,aopassoquebicoinseridonoespaoda Personal Poetry, devido ao valor que, hoje, a 1. pessoa lrica passou a ter nadistino dos gneros. E se certo que existe uma forte tendncia (decorrente dasinterpretaesdeWESTeGENTILI)emassociarosdoispoetasdaMagnaGrciatradiodonomoscitardico,deorigemocidental,quenuncaabandonaraostemashericos,deinspiraopica, tambmnoparecemser infundadasasdvidasexpressasporG.O.HUTCHINSON (2001:116).Asconcluses tiradas sobreaextensodealgunspoemasdeEstescoro,naopiniodesseA.,nocontradizemahiptesedeumaexecuocoral,bemcomo,noqueconcernescomposiesdebico,aclassificaomodernacomopoesiamondica,maisvocacionadaparaosimpsio,nosolucionadeuma formadefinitivatodas as questes levantadas pelo conhecimento fragmentrio que possumos daproduoedocontextodalricanapocaarcaica.Efetivamente,porquesetratadeumassuntoondeasconjeturasexcedemascertezas,sersempremuitodifcilfixarcritriosquefundamentemumadistinorigorosaeconsentneaentrepoesiacoralemondica.ComojustamenteobservaLusadeNazarFERREIRA(2012)nohporquenoaceitara

  • AgammnonnaLricaArcaicaGrega 13

    gora.EstudosClssicosemDebate16(2014)

    que,comoottuloanuncia,oobjetivoprincipaldesteestudorastrearafiguradeAgammnonnos textosqueconstituemo corpushojeconhecidoda lrica arcaica grega5.Contrariamente ao que sepoderia supor, no foitantoaamplitudeouaproblemtica inerente taxonomiaouaocontextooriginriodessesgnerosdepoesiaantigaquesuscitaramasmaioresdificuldades.Na verdade,uma releitura atentado corpus textual conservadoconfirmou a ideia de que, na lrica arcaica grega, no foi concedido umespaosignificativo figurasoberanadoAtridaque,na Ilada,motivaraamenisdeAquiles.Esse factocomprovasenasparcasebrevesalusesqueencontramosnumapoesiamuitofragmentria.

    AalusomaisantigaprovmdosculoVIIa.C.deumfragmentodeArquloco (P.Oxy.69.4708, fr.1)6,noquala figuradeAgammnon referida,segundoumatradiopicadiferentedahomrica,apropsitodeumengano inicialdaarmadadochefedas tropasaqueiasnasuaviagemparaTria.Sebemque,nos finaisdessemesmo sculo,ou inciodo sculoVIa.C.,doisfragmentosdapoesiadeSafoapresentemumameno implcita(fr. 17 LP) e outra explcita (fr. 95 LP) aoAtridaAgammnon, no seconsideramrelevantesasexguaselacunaresinformaesquetransmitem.

    Defacto,ostestemunhosmaissignificativosencontramolosnocorpustextualremanescentedeoutrostrspoetasarcaicos:emespecial,umpardefragmentos daOresteia, de Estescoro7 (c. 632556 a.C.); o fr. 282a PMGFDavies,debico(sculoIVa.C.)8;ea2tradeea3estrofedaPticaXIdeideiadequeEstescorosenotabilizounacomposiodepoemas longosdecontedopicomitolgico, que sedestinavam apresentao pblica a cargode coros por eletreinados(85),eofactodeopoetadeRgioterutilizadoumestiloelinguagemtpicosdopoetadeHmera(90),bemcomoodeterusadoaestruturatridica[]terosidodeterminantesparaainclusodebiconogrupodoscultoresdelricacoral.

    5Estetemadesenvolvidonocap.IVdadissertaodedoutoramentodeReinaMarisolPEREIRA(2012).

    6D.OBBINK (2006:5).Vd.a traduoportuguesadeCarlosM.M.de JESUS (2008:65).Cf.ostestemunhosdeProclo(Chr.80.429)edeEstrabo(1.1.17).

    7SobreacronologiaeaobradeEstescoro,vd.M.L.WEST (1970)D.E.GERBER(1997:23242),RooseveltROCHA(2009:6568)eLusadeNazarFERREIRA(2013:815).

    8 Para umadiscussoda cronologiade bico, vd.C.L.WILKINSON (2013: 312).Apesar da discrepncia de datas suscitada pelos vrios testemunhos, supese que opoetaseriaoriginriodeRgio(Suda),terianascidoporvoltadoincioosculoVIa.C.e

  • 14

    MariaFernandaBrasete

    gora.EstudosClssicosemDebate16(2014)

    Pndaro(c.518438a.C.).Almdestasrefernciastextuais,sobejaaindaumaoutrainformaoindirectaenodocumentada,masquepelasuapertinentesingularidademereceserreferida.CombasenumesclioaoOrestesdeEurpides(Schol.Eur.Or.46=549PMG),supesequeumacomposiolricadeSimnidesdeCeos(c.556/552ou532/528)terversadoalendadaOresteia, e que, seguindo Estescoro, situava o reino de Agammnon naLacedemnia9ouseja,emEsparta,enoemMicenasouemArgos.Noestudo que Jennifer R.MARCH concede figura de Clitemnestra (1987:81118), este testemunho indireto aparece associado auma outrapeadeevidnciapapirolgica (P.Oxy.2434),queso interpretadospelaA.comoindciosplausveisdequeoenigmticopoeta inico tiodeBaqulides, recuperara, numa das suas muitas composies apagadas pelo tempo, afigura deAgammnon e a lenda daOresteia. Curiosamente, conjeturaseaindaqueessepoemadeSimnidesemparticularpossatersidoaprincipalfontedeinspiraodaprolferaiconografiafigurativadapoca(15vasos)sobre omalogrado assassnio de Agammnon e os subsequentes crimesretaliatrios,nomeadamenteofamosokraterdeBoston10datadodec.470a.C.,portanto alguns anos antesda representaoda trilogia esquiliana,Oresteia(458a.C.)

    2.Deixemos de lado esta ltima referncia, dada a inexistncia deprovas textuais, e centremonos nos textos dos trs autoresmencionadosquealudem,diretaouindiretamente,figuradoAgammnon.Respeitandoacronologia,comecemospelomaisantigo:Estescoro.

    Entreos26livrosatribudospelaSuda(1095)11aopoeta,cujonometer recebido por ter sido o primeiro a criar um coro para a ctara

    que, num perodomais avanado da sua vida, usufrura domecenato do tirano deSamos,Polcrates.

    9 Schol. Eur. Or. 46 = 549 PMG: . . .(ApudJ.R.MARCH,1987:9394enota60).

    10Cf.J.R.MARCH(1987:9596).11D.A.CAMPBELL(1991:2920).

  • AgammnonnaLricaArcaicaGrega 15

    gora.EstudosClssicosemDebate16(2014)

    ()12,Oresteiaumdospoucosttulosconhecidos,edosesparsos fragmentos conservados, sobreviveramdoisversos,provenientesdeuma citaonum esclio auma comdiadeAristfanes (Paz),quecontmumacuriosaaluso,indirectaemetafrica,aAgammnon:

    ,.(Fr.219PMG)

    Pareceulhequeseaproximavaumaserpentecomotopodacabeacobertodesangue;edelasurgiaumrei,umPlistnida.

    Como se depreende, esto aqui implcitos doismotivos que foramsignificativamenteexploradospelos tragedigrafos,emparticularnaOresteiadesquilo:osonhoominosodeClitemnestraeavinganadoassassniodobasileus,descendentedePlstenes,ousejaAgammnon13.Diferentementedamonstruosa anfisbenaprofetizadaporCassandranoAgammnon esquiliano (v.1233)14, ou da vbora terrvel ( : v. 249; v.994:)queOrestesvnasuaprpriame,estedrakonensanguentadorepresenta,nosversosdeEstescoro,umaaparioaterradoraparaaprpriaClitemnestra,porquantoserefereaoespritodomaridoviolentamenteassassinadoepressagiaumasangrentavingana familiar.Masse recordarmos o v. 929 das Coforas ( ),damoscontadequeaprpriaClitemnestra,nasltimaspalavrasquedirigeaOrestes,refereocomoumaserpentequelamentatergeradoecriado15.Oraapoderosaambiguidadequematizaaexploraotrgicados

    12 Estescoro tradicionalmente considerado um poeta da lrica coral, em

    funodosmetroseaexecuodosseuspoemas.SobreadiscussoemtornodaperformancecitardicaoucoraldaobradeEstescoro,vd.M.DAVIES (1988:5253),D.E.GERBER1997:23235)eRooseveltROCHA(2009:6668).

    13Devidoambiguidadedesta refernciagenealgica,poderseia suporqueoPlstenes fosseOrestes, seu neto, o executor da vingana.No entanto, creio que osegundoversodo fragmentoprolongaaalusoaAgammnon,o basileusqueaparececomoumamanifestaododescendedePlstenesmorto.Cf.Fr.194.5MWinfra.

    14AscitaesdaspeasdaOresteiaseguematraduoportuguesadeM.OliveiraPULQURIO(1991).

    15ComorefereM.deFtimaSILVA(2005),noseuexcelenteestudosobreadramaturgiadesquilo,estanovaClitemnestrapoucotemavercomamulherpoderosadeoutrotempo(119).

  • 16

    MariaFernandaBrasete

    gora.EstudosClssicosemDebate16(2014)

    valoressimblicosdaimagemdaserpentetemsidoobjectodediversasinterpretaes16,mas,nestemomento, importar somentenotarqueno encontramos,nemnatrilogiaesquiliana,nemnaElectradeSfocles17,qualqueralusoaessedrakonctnicocomo representaometafricadoespritodeAgammnon.certoqueopardeversoscitadosnoapresentaumareferncia directa e concreta a Agammnon, mas isso no invalida que sepossam tirar algumas ilaes: emprimeiro lugar,omitodeAgammnonperduravacomotemadalricacoralnoinciodosculoVIa.C.,sebemquevinculadoaum lequede tpicos lendriosque juma longa tradio lheassociaraamalogradaCasadeAtreu,oassassnioimpiedosodequenoeraisentadeculpaasuaesposaadltera,Clitemnestra,eevidentementeoepisdiosubsequentedevinganaretaliatria.QueristodizerqueaomitodeAgammnonseencontravamagregados,desdeostemposmaisremotosde uma tradio poticamarcadamente oral, outros episdios lendriosfamiliares,sendoosmaisrelevantesatraiodeClitemnestraeavinganaretaliatria perpetrada por Orestes. Estes factos iriam, evidentemente,marcarafortunadonomedeAgammnon.

    Deve ainda referirse, que, segundo um testemunho de Ateneu(12.512e513), o homerssimo e hesiodssimo18 Estescoro versara otemamticodaOresteia,acrescentandoumnmeromuito significativodepormenores inovadores a uma histria familiar que tambm havia sidotratada por um poeta menor da poca, nosso desconhecido, o mlicoXanto19. Independentementede ter existido ounouma relaode inter

    16Cf.,por exemplo,K.ONEIL (1988) eo estudo recentedeClaireCATENACCIO

    (2011).17EmSof.El.417ss.,Cristemisrefereque,numsonhonoturno,Clitemnnestra

    viraomaridoassassinadoregressarluzdodia,comumceptronamo.TambmnoOrestesdeEurpides(v.618)sereferequeClitemnestrasonharacomoomaridomorto.

    18Cf.F.deMARTINO&O.VOX (1996:20).SobreoestilohomricodeEstescoro,verA.LPEZEIRE (1975:3 sqq.)M.DAVIES (1991:145147)eG.O.HUTCHINSON (2001:11319).

    19 Com base numa passagem de Ateneu (13. 610c), Patricia E. EASTERLING &BernardM.W.KNOX (1985: 186) admitem a hiptesede que aOresteiadeEstescorotenha recebido influnciadessepoeta, seupredecessor.Vd. tambmReinaMarisolT.PEREIRA(2012:16566).

  • AgammnonnaLricaArcaicaGrega 17

    gora.EstudosClssicosemDebate16(2014)

    textualidadeouatderivalidadeentreasobrasdosdoispoetascontemporneos, importar salientar que a reelaborao de Estescoro, pautandosepelaoriginalidadeepelaobjectividadenarrativaalisapangiosreconhecidosdasuaartepotica, teracrescentadonovoselementosaomitoqueatradiopicaconcentraranasacesgloriosasdoheri.Entreosvrios espaos vazios deixados pela narrativa pica e que foram preenchidospela lrica,sobressai,evidentemente,estemotivocrucial,posteriormente exploradopelapoesiadramtica epela iconografia:oda culpadeClitemnestranoassassniodomarido.PareceadmissvelsuporqueEstescoro terreavivadoerecriadoomitoAgammnon,emmoldesmanifestamentediferentesdosda tradio pica,querhomrica,querhesidicaoumesmodociclopico.AsuaOresteia,queintegravaosdoisversosdofr.219PMGF, ter sido, por certo, uma das fontes da trilogia esquiliana, pelomenos no tocante imagem da serpente como smbolo de uma foractnica.Atravsdesteengenhosotopos,oAtridaassassinadosurgiametaforizadonuma serpente sanguinolentaque atormenta o inconscienteda esposaadlteraehomicida.squiloteraproveitadoestaapariodeAgammnonmorto, associandoadeuma formadramaticamente convincenteaosonhodeClitemnestra,masexplorandodetalformaasimbologiadestetema tradicional que dele parece ter feito depender a prpria estruturadramticadasCoforas.Efetivamente,osonhoconstituiomotivoquelevaoCoroaotmulodeAgammnon,oque,porsuavez,vaipermitiroreencontroeoreconhecimentoentreosdoisirmos.Aforasimblicadessesonho uma fora catalisadora da prpria estrutura dramtica da pea, porquanto,almdeprovaraculpadeClitemnestra,setransfiguranaimagemdo filhoserpente (v. 328: ) que o seiomaterno alimentou e omatricdio cruento ensanguentar. Por outro lado, a apario do herimortoserviaaindaparaperpetuarokleosdaquelequeanarrativahomricahavia celebrado comoo rei soberano esenhordoshomensque comandara com xito a expediogrega contraTria,masdepoisdeumnostostriunfante,enfrentaraumamortetrgica,noseiodoseuprpriooikos.

    Convm talvezrecordarque,noclebrepassodosNekyadaOdisseia(11.40910), o destino funesto de Agammnon divulgado na primeirapessoa.NoHades,oespritodoAtridarelatapessoalmenteaUlissesque,

  • 18

    MariaFernandaBrasete

    gora.EstudosClssicosemDebate16(2014)

    na Ilada (18.265)o julgaramortonumabatalhaalgunspormenoresdoscrimesmacabros que se sucederam ao seu bemsucedido retorno a casa:Egistoforaoseuassassino,mascomaconivnciadeClitemnestraque,nomesmomomento em que omarido legtimo se esvaa em sangue, se encarregara,elaprpria,de tiraravida jovemCassandra.NospoemasdoCiclopico,ahistriadamortedeAgammnonforaigualmenteretomada,eoutrospormenoreshaviamsido,porcerto,exploradosoumesmoacrescentados. Podemos, assim, presumir que a traio e a cumplicidade deClitemnestra,fautoradavinganaperpetradaporOrestes,conferiramcontinuidade e unidade histriamalograda do rei glorioso, que o Catlogopseudohesidico tambm no ignorou, como testemunham algunsfragmentospreservados,equeaedioconjuntadeR.MERKELBACHeM.L.WEST(1967)nosdaconhecer.

    Cito apenas a traduo de um desses fragmentos, pela pertinenteinformaodecarizgenealgicoqueencerra:

    AgammnonfilhodePlstenesque,porsuavezerafilhodeAtreu.EmHomerosempreoAtrida.(Fr.194.5MW)

    Pensoquepodemosencontrar,nestesversos,umtestemunhoabonatrioa favordaaparentementeestranhagenealogianohomricaseguidaporEstescoro,querefereAgammnoncomofilhodePlstenes.Efetivamente,atradiogenealgicadoreiregistavaumacertaambiguidade,poisse,comoHomero,eleeraconsideradoumdosdoisfilhosdeAtreu20,circulavaumaoutraverso,alisseguidaporpoetasposteriores,nomeadamentepelos trgicos,dequePlstenesseria filhodeAtreu,portanto,paideAgammnon e deMenelau. Sabese que estas questes genealgicas, assimcomoasonomsticas,ostentam,amidesvezes,uma sriede imprecisesquedevemsernotadas,masnosobrevalorizadas.Exemplos tpicosdessafluidez encontramse tambmnosnomesdeduas filhasdeAgammnon,IfigniaeElectraquestoquenovouaquidesenvolvereaindanalocalizaogeogrficadoreinodeAgammnon.Comojsereferiuanteriormente, um esclio ao Orestes de Eurpides (schol.Eur.Or.46= 549 PMG)fornecenosainformaodequeasupostaOresteiadopoetaSimnidesde

    20EstescororefereocomoAtrida,nofr.238.312PMGF.

  • AgammnonnaLricaArcaicaGrega 19

    gora.EstudosClssicosemDebate16(2014)

    Ceos seguiraaversodeEstescoro, situandoo reinodeAgammnonnaLacedminapossivelmente emEsparta, comonaOdisseia eno emMicenasouemArgos,deacordocomasduasversespresentesna Ilada.Podemosaindaassociaraessadupladissociao,genealgicaegeogrfica,deAgammnonnaOresteiadeEstescoro,arefernciaaoinusitadonomedaama,queterprotegidoOrestes:Laodamia21.

    muitodifcilobtermosumaimagemcoerenteeconsistenteapartirdestesfragmentosesboroadospelotempo,maspensasequeapoesiadeEstescoro ter,certamente,marcadoummomentodeviragemnapoesiaarcaicagrega.OfactodeasuaOresteiaestardivididaemdoislivros22constitui,aparentemente,umdadosignificativoqueentroncana ideiadequeopoeta siciliano adaptou o legado da tradio potica anterior23 s novasformas lricasemergentes,eivadasdeumaartenarrativaondearecriao,aobjectividade ea importnciadopormenor se revelam comomarcasdeuma idiossincrasia potica, ancorada ainda namundividncia herica dopassado,mastambmmuitodistantedaenunciaopersonalizada,daconciso e da brevidade que a narrativa mtica conquistaria na poticapindrica.

    3. Tambm sob a influncia da tradio homrica, entretecida comressonnciashesidicas,um curioso epolmico fragmentode bico (282aPMGF)24,peseemboraoseuestadofragmentrio,recuperaoestatutosoberano emajestoso deAgammnon que, como justamente observouG.O.HUTCHINSON (2001: 243), ocupa um lugar de relevo, enquanto figuramagnificentemente adornada,que ecoa adico pica, apesarde se revestirdeuma significaomaisampla, tendoemcontaostemaseargumentosimplcitosdopoema.Emprimeirolugar,valerapenareferirdoisoutrsaspectosessenciaisparaacontextualizaodopoema.

    21Cf.fr.218PMG/schol.A.Ch.733.22Cf.fr.213,214PMG.23Vd.,porexemplo,AntonioLPEZEIRE(1975:132)P.E.EASTERLING&B.M.W.

    KNOX(1985:88sqq),E.CINGANO(2003:2534)eJenniferL.BENEDICT(2005).24Praumaresenhadasinterpretaesdestepoema,nomeadamentedasdeD.L.

    PAGE(1951)edeJ.P.BARRON(1969),vd.LeonardWOODBURY(1985).

  • 20

    MariaFernandaBrasete

    gora.EstudosClssicosemDebate16(2014)

    Desconheceseaparteintrodutriadestefr.282aPMGF(=S151)eomododeexecuoaquesedestinava,sebemqueostopoidaenunciaona1.pessoa edo elogio belezadeum jovem chamadoPolcrates tenhamsustentadoahiptesedequesetratavadeumacomposioencomendadapara ser cantada numa cerimnia convivial25 possivelmente, um simpsio,no tempoda juventudedo futuro tiranode Samos.Construdosobreumaestruturatridica(talvezumamarcadainflunciadeEstescoro,talvezaestruturaapropriadaaestetipodecantosencomisticoscircunstanciais), apresenta jmarcas discursivas de uma enunciao na 1. pessoa,comprovada pela presena da forma pronominal , no v. 10, onde seenceta uma preterio: Mas no meu desejo cantar26.A presena doadvrbio|27,hipoteticamentelocalizadoeminciodeverso,instaurariaohicetnuncdoargumento28,indiciando,desdelogo,ovalorexpressivoqueaanttesepassadopresenteganhavanaconstruopoticadoencmioque,sobaformatpicadapraeteritio,iluminaasrefernciasmticas,pormeiodaanalogiaedocontraste.

    Entreaprimeiratrada,porsinalincompleta,easegunda,sucedemseasalusesafigurasmticasdalendriaGuerradeTria29,dasquaisPrisanicaquemereceumaavaliaonegativaum traidor talvezportervioladoosprincpiosdehospitalidade(xenia)aoraptarHelena.MasaconjugaoengenhosadomotivodopreponcomodapraeteritioquecriaumparaleloeloquenteentreamemorvelgrandezadafrotadeAgammnoneodesejocontemporneodequeailhadeSamosfossereconhecidapelasuasupremacia martima. A funcionalidade das aluses mticas, particularmente frota de Agammnon30, no se esgotava, por conseguinte, nas

    25Cf.BrunoGENTILI([1984]1996:278).26 As citaes do fr. 282a PMGF seguem a traduo portuguesa de Frederico

    LOURENO(2006:4849).27AfavordestaemendapropostaporGREEFELLeHUNT(1922),pronunciaramse,

    porexemplo,G.O.HUTCHINSON(2001:240)eClaireL.WILKINSON(2013:65).28AbelezadePolcrates(vv.4648).Vd.LeonardWOODBURY(1985:196).29Cf.D.E.GERBER(1997:1923)30Desalientar,as inmerasreminiscnciasdoCatlogodasNaus,docanto II

    daIlada.semelhanaeEstescoro,tambmbicoutilizatopoiherdadosdoCiclopicoenomeadamentefiguraseepisdiosrelativossagatroiana,que,naopiniodeClaireL.

  • AgammnonnaLricaArcaicaGrega 21

    gora.EstudosClssicosemDebate16(2014)

    questes poticas, apresentando tambm motivaes pragmticas concretas,comojustamenteobservouB.GENTILI([1984]1996:282):OpropsitodopoetaerachamaraatenodoauditrioparaopodertalassocrticoqueafamliadePolcratesdetinhanapoca.

    EstepeculiarenquadramentopoticodafiguradeAgammnonfaziasobressairmuitosdosatributosqueaIladalhehaviaglorificado.Oseukleosperduravamesmoaonvelda linguagem:eledescrito,nosvv.2022doepodo da segunda trade como o poderoso Agammnon (v.20: |) [o rei] da linhagem dos Plstenes(v.21: |||, condutor dos homens (v.21: ) e o filho doilustreAtreu (v.22: | | ).Mas esta caracterizao doAtridaparececombinar,deummodocoerente,eptetoshomricosconsagrados,comaalusonohomricaaPlstenes31.queosujeitopoticodeclarara,anteriormente (vv. 1517), a sua recusa emnarrara insolente areta(transliteroa formadrica)dosherisgregos,e,poresse facto,aalusolinhagem dos Plstenes sobrepunhase, relegando para segundo plano amalogradahistriadeAtreu.Masaforaretricadapreteriofaziaaindarealaro temada arete,que, entrelaado como tpicodo kleos,promoviauma afinidade significativa entre as figuras dominantes do poema:Agammnon,opoeta,eo jovemebeloPolcrates,odestinatrioelogiado.ComoobservouLeonardWOODBURY(1985),Barronjperceberaqueotemadestapoemaeraopoderdapoesiaemconferirimortalidade.

    Paraconcluir,poderemosdizerque,nestecomplexoemuitofragmentriopoemadebico,Agammnonafiguraseumparadigmamticosignificante, que, de ummodo subversivo, funciona como mulo de um novoconceitodearete,aliceradonospilaresdabelezaedaglria,que,nopassado,imortalizaraomaisjovemfilhodePramoeHcuba,Troilo,e,nopresente, atravs do canto e da fama do poeta, iria conceder um

    WILKINSON (2013:1314),constituaumprocedimento tpicodospoetasarcaicosgregosqueseenquadravaperfeitamentenumalricadetemticaerticaquecelebravaabelezadeheris.

    31Vd.supranota13.

  • 22

    MariaFernandaBrasete

    gora.EstudosClssicosemDebate16(2014)

    renomeimorredouro(v.47.)aojovemebeloPolcrates32.EstaconscinciadotalentopoticoaliadacrenadequeocantoinspiradodasMusastinhaodomde imortalizar a glria (kleos)dos homens,prenuncia oprogramapoticodeumgneroencomisticoqueviriaa florescernumapocamaistardiadalricaarcaica:oepincio33.

    4.E precisamentenumdos epinciosdomais reputado cultordogneroquese inscreveaderradeiraaluso lrica figuradeAgammnonque encontramos no corpus da lrica arcaica grega. Tratase da PticaXI,compostaparacelebraraterceiravitriadeTrasideu34deTebasnacorridaderapazesdeduasvoltasaoestdio(vv.114),noanode474ou454a.C.35.Novouaquidemorarmenaanlisedestaintricadaode,quetemsuscitadoaos comentadoresmuitosproblemas.Centrarmeei apenasna secomtica,edeumaformamuitobreve,paradepoisexaminaraalusoquefeitaaAgammnon.

    Nas quatro tradas que compem a ode, a convencional narrativamticadesenhauma estrutura circularpela retomado seu tema central

    32SegundoClaireL.WILKINSON(2013:23),()Ibycususesbothmythicalevents

    orcharactersandtheexpressionoferoticsentimentstopraiseanindividual.Bothmythand love arepresented in S 151,wich ends bypromising eternal glory to the youngPolycrates. Ibycus rejection of the Trojan War implies that Polycrates is a moreimportantsubjectforbeauty().

    33SebemqueosnomesdePndaroedeBaqulidessetenhamimortalizadocomoos poetasmais representativos a cultivarem o epincio, a inveno deste gnero depoesiaencomisticatradicionalmenteatribudaaSimnides,opoeta jnicooriginrioda ilhadeCeos,quesediz tersidooprimeiroacomporumapoesiadecircunstncia,porencomendaea trocode remunerao.Descobertaspapirolgicas recentes levaramalguns estudiosos adefender ahiptesede bico ter composto odesdevitria.Vd.LusadeNazarFERREIRA(2013:91,especialmente,n.75).

    34NestaPtica11,celebraseavitriadeTrasideunovigsimooitavo Jogo,masatravsdo Schol.Pi.P. 11 sabese que este filhodePitovencera tambm o trigsimoterceiro.

    35Sobreaproblemticadataodestaodevd.P.J.FINGLASS(2007:518)declaraasuaprefernciapeloanode474a.C.,valorizandoa refernciaaopai (v.44)do jovematleta,que, certamente, teria encomendadoopoema.Contudo,osvriosparalelismosquesepodemestabelecerentreestaOdeeaOresteiadesquilo(458a.C.)sustentamahiptesedadataposterior,tradicionalmenteindicada:oanode454a.C..

  • AgammnonnaLricaArcaicaGrega 23

    gora.EstudosClssicosemDebate16(2014)

    Orestes (v.16ev.35)36,que incluiasegunda tradaea terceiraestrofe.Oargumentoqueintroduzatradicionalsecomticaconstrudoatravsdeumanotageogrficaque localizavagamenteoespaoemqueessa terceiravitriadeTrasideuforaobtida:naslezriasfrteisde/Plades,oamigodo lacnicoOrestes37 (vv. 1516: / ).Estava lanadoomoteparaumanarrativaque,aoenumeraraspersonagensmaisilustrativasdomito(almdePlades,queforaanteriormentemencionado,Agammnon,Clitemnestra,Cassandra,Ifignia,Estrfio), introduza figuraenigmticadeumaama,denomeArsnoe38 (v.17),que ter levadoo jovemOrestesno sedizparaondedepoisdoviolentoassassniodopai.SercuriosoobservarosaspetosselecionadospelopoetanestanarrativadomitodeOrestes39.

    OprimeiroepisdioevocadoprecisamenteodoassassniodopaideOrestessmosviolentasdeClitemnestra (vv.1718: /)40,apodadadeimpiedosa (v.19: )eresponsabilizadaaindapelamortedeCassandra.Aabordagemdestetemaprocessaseemsintoniacomatradio,masasmarcasdeoriginalidadeinsinuamsena imagem inslitaeominosaqueassociaosdestinosdeAgammnon edeCassandra, juntos nasmargensdoAqueronte (v. 202: ). Efetivamente,semelhanadapoesiadeEstescoro,ediferentementedadebico,AgammnonparaPndaroumhomemmorto,vtimadeumaassassniodolosoesanguinrio,certo,massernaoriginalalusosuapsychequea

    36Ostopoireferidosso:oresgatedeOrestesdepoisdasmortesdeAgammnone

    deCassandra;oseuexlioeoregresso;omatricdioeotiranicdio.37AscitaesdaPticaXIseguema traduoportuguesadeAntniodeCastro

    CAEIRO (2006:13538).NotesequePndaro,diferedaversoesquiliana, localizandoomitodeOrestesemEsparta.Cf.S.J.INSTONE(1986:878)querealaofactodeestaOdenoapresentarumapassagemgnmicaa ligaromitoeavitria.RoryB.EGAN (1983:193)adverteparaquenoseentendaqueaassociaogeogrficaTebasLacinaquearelevnciadomitodeOrestesnestaOde.

    38Vd.supran.21.39Sobrearelevnciadomitonestaode,vd.David.C.YOUNG(1968:4ss.),RoryB.

    EGAN(1983),S.J.INSTONE(1986:878)eP.J.FINGLASS(2007:3446).40Paraainterpretaodosvv.1718vd.NicholasLANE(20062007).

  • 24

    MariaFernandaBrasete

    gora.EstudosClssicosemDebate16(2014)

    figurado herico filhodeAtreu (v. 31: ) se ilumina,nasprofundezasdoHades.Essaluz,todavia,umaluzmortia,noirradiaobrilho da glria (kleos), pelo contrrio, desobscurece o ethos do soberano,problematizandooatemtermosticomorais.NessalinhadepensamentosedeveminterpretardoismomentostextuaisdeterminantesdestarecaracterizaopindricadeAgammnon:aduplainterrogaoretricaquereflecteumaambiguidaderelativamentesortedasua filha Ifignia (segundaantstrofe,vv.2227)eainfernciacusticaquesepercebenosversosqueestabelecem o encavalgamento entre o epodo final da segunda trade com aterceiraestrofe(vv.3134).Atentemosnessasduaspassagens.

    [Ant.2]TersidoIfigniachacinadaemEuripo,longedaptriaquemalevouaergueramopesadadorancor?Outersidodominadanumacamaannima,easnoitesdesexodesviaramnadoseucaminho?

    [Epodo2]()Foiassimqueelemesmomorreu,ohericofilhodeAtreu,quandofinalmenteregressoufamosaAmiclas

    [Estr.3]edestruiuaraparigadasprofecias,aoacabarcomoluxonacasadostroianoseprlhefogo,porcausadeHelena.

    Uma surpreendente apropriaodomito reconfigurava,portanto, aimagemdeAgammnonneste epincio,mesmono sendo eleoprotagonistadoparadeigma.Parecemassimmitigadasalgumasinquietaeshermenuticase controvrsiasgeradasem tornodeste cantodevitria.quasecertoquenoestavanoespritodopoetaqueosepisdiosmticosdadesditosageraodeAtreuconstitussemumparadeigmapositivoparaaprsperafamliadovencedorouomotivodeumexcursusmeramenteretrico,comoparecesugeriroenunciadodaAntstrofe3:eacabeipormeperderemencruzilhadas, quando no incio/ seguia em frente por um caminhodireito(vv.3940)41.Esteartifciometadiscursivo,tocaractersticodapotica pindrica, permitialhe, sim, recuperar o tema central da ode e

    41Cf.interpretaodeRobertaSEVIERI(1999:79).

  • AgammnonnaLricaArcaicaGrega 25

    gora.EstudosClssicosemDebate16(2014)

    sublinhar os princpios do programa encomistico da ode que pretendiacelebraravitriapticadeTrasideu.

    NaAntstrofe4,depoisdeosujeitopoticoenunciarclaramenteoseuobjetivo o de alcanar as excelncias que todos partilham (v.55)segueseumasriedegnomaiqueparecemsintetizarnaperfeioaslinhasorientadorasdeumainterpretaomaisampladomitonarrado:

    Massealgumchegaraolimite,queohabiteserenamenteeescapesoberbahorrorosa:talvezassimconsigaultrapassarlimitesmaisbelosdoqueanegramorte,deixandosuadocedescendnciaagraadeumbomnome,omelhordetodososbens.(vv.5559)

    NohaviamsidoestesosprincpiosqueorientaramavidadeAgammnon,assimcomoadasuafamlia.OnomedageraodosAtridasperpetuarasemanchadode sangue,porquea traio,a insolnciaea impiedadequeconduziramaoregicdio,desencadearamoutrosactosviolentosemparticularomatricdio impostoaOrestesque,emltima instncia,provocaram a destruio do oikos42.A vitria ptica de Trasideu tornariamemorveloseularpaterno(v.14),talcomoavinganadeOrestes,sobos auspcios de Apolo, permitira perpetuar o nome do seu progenitor,punindoClitemnestraelibertandoooikosdotiranousurpador(Egisto)43.

    Atendendofinalidadeparadigmticaqueomitodetinhanognerodo epincio, a figuradeAgammnon, alis como ada sua famlia, representa nesta ode, um passadomemorvel,mas que no se devia repetir,especialmenteparaosquedesejavamconquistarumbomnome(isto,oreconhecimento pblico) e alcanar uma excelncia inextinguvel.A esteidealsupremodeveria tambmaspirarovencedorpticoeasuaprspera

    42Cf.MariadoCuFIALHO (2012: 49)que consideraClitemnestra o fulcrodo

    crime, a rainha que, na ausncia domarido, se convertera na mulher demsculasdisposiesnumoikosdisfuncionalepervertido.

    43VejaseoestudodeRobertaSEVIERI(1999).OmatricdioentendidocomoumatohericodeOrestesqueencarnaoprottipodovingador justo,porque sancionadopelodeusdeDelfosApolo.Por isso, lavalenzanegativadelparadigmamtico siconcentrasullacoppiadiususrpatori,mentrelafiguradiOresteilpuntodiriferimentoperlafiguradellaudando(90).

  • 26

    MariaFernandaBrasete

    gora.EstudosClssicosemDebate16(2014)

    famlia,paraque,contrariamentedeAgammnon,fossemreconhecidosecelebradosporumaimaculadaglria.

    BibliografiacitadaBARRON,JohnP.(1969),Ibycus:ToPolycrates.London.BENEDICT,JenniferLynn(2005).StesichorusandtheEpicTradition.University

    PressofVirginia.C.SEGAL.1998.Aglaia :thepoetryofAlcman,Sappho,Pindar,Bacchylides,andCorinna.Lanham,Md..

    CALAME,Claude(1988),Laposie lyriquegrecque,ungenre inexistent?:Littrature111(1988)87110.

    CAMPBELL,DavidA.(ed.)(1991),GreekLyric,VolumeIII,Stesichorus,Ibycus,Simonides,andOthers.Loeb,CambridgeMass..

    CATENACCIO, Claire (2011), Dream as Image and Action in AeschylusOresteia:Greek,Roman,andByzantineStudies51(2011)202231.

    DAVIES, M. (1988), Monody, Choral Lyric, and the Tyranny of thehandbook:CQ38(1988)5264.

    DAVIES,M. (ed.) (1991),Poetarum,Melicorum,Graecorum,Fragmenta.Vol.1.Alcman.Stesichorus.Ibycus.Oxford.

    EASTERLING, Patricia E. & KNOX, B. M. W. (eds.) (1985), The CambridgeHistoryofClassicalGreekLiterature.GreekLiterature.I.Cambridge.

    EGAN,RoryB. (1983), On theRelevance ofOrestes inPindarsEleventhPythian:Phoenix37.3(1983)189200.

    FERREIRA, J. R. (2000), A heroizao do vencedor na poesia grega:F.OLIVEIRA(coord.),Oespritoolmpicononovomilnio.Coimbra:4555.

    FERREIRA,LusadeNazar (2013),MobilidadepoticanaGrcia antiga.UmaleituradaobradeSimnides.Coimbra.

    FIALHO,Maria doCu (2012), DoOikos Plis deAgammnon: sob osignodadistoro:gora.EstudosClssicosemDebate14(2012)761.

    FINGLASS,P. J. (ed.) (2007),Pindar:PythianEleven,Editedwith Introduction,Translationandcommentary.Cambridge.

    GENTILI,Bruno([1984]1996),PoesayPblicoenlaGreciaAntigua.Tradesp.deXavierRiu.Barcelona.

    GERBER,DouglasE.(1997),AcompaniontotheGreeklyricpoets.Leiden.HUTCHINSON,G.O.(2011),Greek lyricpoetry:acommentaryonselected largerpieces.Oxford.

    INSTONE,S.J.(1986),Pythian11:DidPindarErr?:CQ36.1(1986)8694.JESUS,CarlosM.M.de(2008),Arquloco.FragmentosPoticos.Lisboa.

  • AgammnonnaLricaArcaicaGrega 27

    gora.EstudosClssicosemDebate16(2014)

    LANE, Nicholas (20062007), The Interpretation of Pindar, Pythian11.1718:IllinoisClassicalStudies31/32(20062007)263267.

    LPEZEIRE,Antonio (1975),Estescoroenelmarcode la literaturagriegaarcaica:EstudiosClsicos19.7476(1975)132.

    LOURENO,Frederico(2006),PoesiagregadelcmanaTecrito.Lisboa.MARCH,JenniferR.(1987),CreativePoet:StudiesontheTreatmentofMythsinGreekPoetry.(BulletinSupplement49).London.

    MERKELBACH,R.&WEST,M.L.(1967),FragmentaHesiode.Oxford.ONEIL, K. (1998), Aeschylus, Homer, and the Serpent at the Breast:Phoenix52.34(1998)216229.

    OBBINK,D. (2006), ANewArchilochus Poem:Zeitschrift fr PapyrologieundEpigraphik156(2006)19.

    PAGE,D.L. (1951), IbycusPoem inHonour ofPolycrates:Aegyptus 31(1951)158172.

    PAGE,D.L.(1955),SapphoandAlcaeus.AnintroductiontothestudyofancientLesbianpoetry.Oxford.

    PEREIRA,ReinaMarisolT.(2012),Agamemnon(es):EntreomitoeaLiteratura.Dissert. Doutoramento. Coimbra. Disponvel em: http://hdl.handle.net/10316/23019

    RAGUSA, Giuliana (2005), Fragmentos de uma Deusa. A representao deAfroditenaLricadeSafo.Campinas.

    ROCHA,Roosevelt (2009),EstescoroentrepicaeDrama:Phaos9 (2009)6579.

    SEVIERI,Roberta(1999),Uneroeincercadidentit:OrestenellaPiticaXIdiPindaroperTrasideodiTebe:Materialiediscussioniperlanalisideitesticlassici43(1999)77110.

    SILVA, Maria de Ftima (2005), squilo: O Primeiro Dramaturgo Europeu.Coimbra.

    STEHLE,Eva (1997),Performance andGender inAncientGreece:NondramaticPoetryinItsSetting.Princeton.

    WEST,MartinL.(1970),Stesichorus:CQ21.2(1970)302314.WILKINSON,ClaireLouise (2013),TheLyric of Ibycus: Introduction,Text andCommentary.Berlin/Boston.

    WOODBURY, Leonard (1985), Ibycus and Polycrates: Phoenix 39.3 (1985)193220.

    YOUNG,DavidC.(1968),ThreeOdesofPindar:ALiteraryStudyofPythianII,Pythian3.andOlympian7.Leiden.

  • 28

    MariaFernandaBrasete

    gora.EstudosClssicosemDebate16(2014)

    *********

    Resumo: Pretendese, neste estudo, rastrear a figura deAgammnon nos textos queconstituemocorpushojeconhecidodalricaarcaicagrega,privilegiandoostestemunhosmaisilustrativosdetrspoetasarcaicos:doisfragmentosdaOresteia,deEstescoro,ofr.282aPMGFDavies,debico,eaPticaXI,dePndaro.

    Palavraschave:Agammnon; lricaarcaicagrega;Estescoro;bico;Polcrates;Pndaro;Ptica11;Oresteia;Coforas;Clitemnestra;Orestes.

    Resumen:Enesteestudiose intenta rastrear la figuradeAgamennen los textosqueconstituyenelcorpusactualmenteconocidodelalricaarcaicagriega,dandoprimacaalostestimoniosmsilustrativosdelostrespoetasarcaicos:dosfragmentosdelaOrestadeEstescoro,elfr.282aPMGFDavies,debico,ylaPticaXI,dePndaro.

    Palabras clave:Agamenn; lrica arcaica griega;Estescoro; bico;Polcrates; Pndaro;Ptica11;Oresta;Coforas;Clitemnestra;Orestes.

    Rsum:Danscettetude,onprtendsuivrelatracedelafiguredAgamemnondanslestextesquiconstituentlecorpus,telquonleconnataujourdhui,delalyriquegrecque,enprivilgiant les tmoignages les plus rvlateurs de trois potes archaques: deuxfragmentsdOrestie,deStsichore, lefr.282aPMGFDavies,dIbycos,et laPythiqueXI,dePindare.

    Motscls: Agamemnon; lyrique archaque grecque; Stsichore; Ibycos; Polycrate;Pindare;Orestie;Chophores;Clytemnestre;Oreste.