16. Karl Marx Ou o Espirito Do Mundo Jacques Attali

download 16. Karl Marx Ou o Espirito Do Mundo Jacques Attali

of 4

Transcript of 16. Karl Marx Ou o Espirito Do Mundo Jacques Attali

  • 8/18/2019 16. Karl Marx Ou o Espirito Do Mundo Jacques Attali

    1/4

    C

      C C   í í ( ( (

      (

      C ( ( ( C (

    íKi

      í

    /

    v> v-

    •v-

    vy  X^

      V 1̂

      VJ1  V>  V/ 

    (

      ( ( ( ( C   i

    -

      <

    :

      . u v

    ,

      :• 

    i  , , , - , ' ,

     

      -

     

    J A C Q U E S   A T T A L I

    O U   O E S P Í R IT O D O  M U N D O

    Tradução de

    CLÓVIS  M RQUES

    Revisão técnica de

    M RCELO  B CKES

    E D I T O R  R E C O R D

    R I O  DE  J N E I R O  S ÃO  P U L O

      7

     .—•

    ,

     

    '

  • 8/18/2019 16. Karl Marx Ou o Espirito Do Mundo Jacques Attali

    2/4

     

    í

    Introdução

    Ne n h u m

     autor

      teve

     mais  le i tores , nenh um re voluc ioná r io .susc itou m

    esperanças ,

      n e n h u m

      ideólogo mereceu mais exegeses , e , à   p a r t e

      a lgr.

    fundadores  de re l ig iões , nenhum hom em exerceu no mun do uma

      i n l l u ê v .

    comparáve l  à

     qu e  K a r l Marx  teve no sécu lo XX.

    ..E, no  e n t an t o ,  pouco an t e s  d o  a l v o r e c e r d o  s é c u l o s eg u i n t e ,  no q

    n o s

     en c o n t r a mo s , suas teor ias ,

      su a

     c o n c e p çã o

      d e

     m u n d o  f o r a m

      u n i v e r .

    m e n t e r e j e i t ad a s ; a p r á t i c a

      po l í t i ca

      c o n s t r u í d a e m t o r n o d o

      seu nor;u-

    ' "jogada no  l ixo  dá

     História.

     Hoje; quase

     ninguém

      o es iuc la , e c

      c ;: l -

    to m

      s u s t e n t a r

     que ele se

     e n g a n o u

      a o  j u l g a r  o capi ta l i smo

      m o r i b u n d o

    soc i a l i smo ao a l canc e da

      mão.

      A o s olhos  de

      m u i t o s ,

      ele é

      c o n s i d e r a d

    p r i n c i p a l  r e s p o n s á v e l

      po r

      a l g u n s

     d os

      m a io r e s c r im e s

     da

      H i s t ó r i a ,

      e

      p ; -

    cu jarmente pe las p iores

      pe r v e r s õ es q ue

      m a r c a r a m

     o f im do  m i l é n i o

      a -

    r io r ,  d o

     n a z i s m o

     a o  s t a l i n i s m o .

    L e n d o  a t e n t a m e n t e su a  o b r a ,

      c o n t u d o ,

      d e s c o b r i m o s que ele fo i c :

    de

      ver , muito antes  de

     todo

     mundo, em que m e d i d a  o  cap i t a l i smo  co :

    tuia

      u m a l i b e r açã o d a s a l i e n açõ e s an t e r i o r e s . D e s c o b r im o s t am b é m

    n u n c a c o n s i d e r o u  que ele  es tava  em   a g o n i a  e que

      j a m a i s

      p e n s o u

      q -

    soc ia l i smo   fosse poss íve l

      nu m

      ú n i c o p a í s,

      ma s

      qu e , p e l o c o n t r á r i o ,

     i

    apologia

      d a  l i v r e

     troca

      e da mund ia l i zação , e  p r e v iu  que a

      revoluçá

    a c o n t ec e r i a ,

     s e

      acon tecesse ,

      c o m o

      s u p e r a ç ã o

      de um

      c a p i t a l i s m o

      t o n

    universa l .

      -

     

    "

      •

     

    :

  • 8/18/2019 16. Karl Marx Ou o Espirito Do Mundo Jacques Attali

    3/4

     

    ( ( í í ( ,(

    K A R L

      M A R X  O U O

      E S P Í R I T O

      D O

     M U N D O

    I N T R O D U Ç Ã O

    13

    R e v i s i t a n d o

     s u

    v i d a ,

      t a m b é m t o m a m o s c o n s c i ê n c i a d a e x t r e m a a t u a -

    l i c l a d e

      desr .c  e x t r a o r d i n á r i o d e s ti n o , co n s i d e r a d o

     em

     t o d a s

      a s

      s ua s c o n t r a -

    d i ç õ e s .

    P r i m e i r o ,  p o r q u e

      o

      sécu lo

     q ue e l e

     a t r a v e s s o u a s s e m e l h a - s e espantosa-

    m e n t e  a o

      n o s s o . C o m o  hoiet_ o _ r n u n c i o  e r a j j o m i n a d o d e m o g r a f i c a m e n t e

    pela

     Á s i a

      e

      e c o n o m i c a m e n t e

     p e l o _ m u n d o a n g l o - s a x ã o .

      Corno_hoje1_a_deniO ;

    cra ci a  e o

     m e r c a d o t e n t a v a m c o n q u i s ta r

      o pk mgta .

     C o m o

      h o j e ,

      t e c n o l o g i a s

    r e v o l u c i o n a v a m _ aL £rodução   d e e n e r g i a e d e  obje tos ,  a s

     comunicações^

     as

    a r t e s , a s i d e o l o g i a s , e

      a m j n c _ i a v a m u r n a  f o r m i d á v e l

      r e d u ç ã o d o q u e

      hájie_

    q u e a p o b r e z a é i n t o l e r á v e l e d e q u e

      a _ v i d a _ s ó

      v a l e  a j g e n a _ s e  p e r m i t i r

    m e l h o r a r

      o

      d e s t i n o

     da

      h u m a n i d a d e . H e rd a

      do

      c r i s t i a n i s m o

     o

      sonho

      de

    penosojip

      t r a b a l h o ^

     Como  h o j e , n i n g u é m s a b i a s e o s m e r c a d o s e s t a v a m

    às

     p o r t a s d e u m a  o n d a  d e  c r e s c i m e n t o  s e m p r e c e d e n t e o u n o  auge  d e  suas

    c o n t r a d i ç õ e s . Cojrip hoje^ram_consideráveis

      a s

      d e s i g u a l d a d e s e n t r e

      o s

    m a i ; p o d e r o s o s e o s  m a i s ' m i s e r á v e i s .  Como  ho je , g rupo s d e p res sã o , à s

    ve/ ,e3  v io len to s ,_ e jmesmo  d e s c s p e r a _ d o sj_ g p u n h a m - s e  à m u n d i a l i z a ç ã o d o s

    m e rca dos . ,  à ascensão  d a  denio_cr?.c ia_e_à  se cu l a j i za ç ã o .  Como  h o j e , h a v i a

    q u e m  t i v e s s e esperança  n u r n a  outra  v i d a , m a i s f r a t e r n a , q u e l i b e r a s s e o s

    h c n i e n s

     cb

      m i s é r i a ,

      d a

     a l i e n a ç ã o

      e d o

      s o f r i m e n t o .

     Como

      h o j e ,

      m u i t o s e s -

    cr i to res

     e

     políticos

     disputavam  a

     honra

     de ter

     encontrado

     o caminho para

    c o n d u z i r

      o s

      h o m e n s

      n essa c l i r eç ã o , po r

      l i v r e

      e e s p o n t â n e a

      vontade

      o u à

    fc.-çí.   Como

     hoje.

     homens e  m u l h e r e s  cê  coragem,  em particular jorna-

    iis:£S  c o m o

      Ivíarx,

     m o r r i a m pela  l i b e r d a d e d e

     f a la r ,

     e screv e r , pen sar .  Como

    hqe,

      e n f i m , o

     capitalismo reinava

      absoluto,  p e s a n d o no

     custo

     do traba-

    l h o  por

     t o d a p a r t e , modelando

     a

     o r g a n i z a ç ã o

     do

     m u n d o

     de  acordo  com a

    da;

     nações

     europeias.

    D ep o is , ,

     p o r q u e s u a ação

      e s tá

      n a o r igem d o que há d e es sen c ia l ern n o s -

    so presen te : foi n u m a das instituições por ele  fun d ad a s , a Internacional, que

    n a ; ce u a s o c i a l d e m o c r a c i a ; f o i c a r i c a t u r a n d o s e u i d e a l q u e s e e d i f i c a r a m

    algumas   das piores ditaduras  do  século

     passado,

     cujas sequelas  ainda  se fa-

    zen  s e n t i r  e m v á r i o s c o n t i n e n t e s . F o i a t r a v é s d a s c i ê n c ia s s o c ia i s , d a s q u a i s

    f o i e l e ur n  dos pais, que se  modelou  n o ssa

     concepção

     do Estado e da Histó-

    r ia E

     p e l o j o r n a l i s m o ,

     d o

      q u a l

      f o i e l e u m d o s

      maio res p ro f i s s io n a i s ,

      que o

    m indo es tá sempre  entendendo

     a si

     m e s m o

      e

     po r tan to

      se

      transformando.

    F i n a l m e n t e ,

      p o r q u e

      e l e

      e s t á

      n o

      p o n t o

      d e

      c o n v e r g ê n c i a

      d e

      tudo

      q u e

    c o i s t i t u i

     o

      h o m e m moderno

     ocidental. Ele

     h e r d a

     do

     j u d a í s m o

      a

     ideia

     de

    Herdado

     R e n a s c i m e n t o jt

      ambicJQ-de pensar c^un^b_rj^]onalrnente. Herda

    d a Prúss ia a cer teza d e que a  f i l o s o f i a  é a p r i m e i r a d a s c i ê n c i a s e d e q u e o

    E s t a d o   é o  co raç ã o , ameaç ad o r ,  de  t o d o p o d e r . H e r d a  da  F r a n ç a  a  c o n -

    vic ção

      de que a

     R e v o l u çã o

      é a

     c o n d i ç ã o

     d a

      e m a n c i p a ç ã o

     d o s

      povos.  Her-

    d a  d a  I n g l a t e r r a  a  paixão  p e l a d e m o c r a c i a ,  o  e m p i r i s m o e a  economia

    po l í t ica .  Herda,  e n f i m , da Europa a paixã o  do  u n i v e r s a l e da   l i b e r d a d e .

    A t r a v é s d e s s a s h e r a n ç a s q u e a l t e r n a d a m e n t e a s s u m e e r e c u s a , e l e   se

    t o r n a   o  pen sad o r po l í t ico  do  u n i v e r s a l e o d e f e n s o r  dos  f r a c o s . Embora

    m u i t o s f i l ó s o f o s t e n h a m

      pensado

      o s e r h u m a n o  e m s u a

     t o t a l i d a d e

      a n t e s

    d e l e , ele é p  p r i m e i r o a a p r e e n d e r o

      mu n d o _ co rn o _ u rn  c o n j u n t o

     ao  m e s m o

    tempo po l í t ico , eco n ó mico ,

      ci e n t í f i co

      e f i l o s ó f i c o .  A e x e m p l o d e  Hegel,

    s e u p r i m e i r o m e s t r e , e l e

      q u e r _ a p r e s e n t a r

      u m a

      l e i t u r a

      g l o b a l d o r e a l ; m a s ,

    a o  contrário

     d e l e ,

     v ê p  reaj_ap_gnas  n a j i i s t ó r i a d o s

     h o m e n s ,

     e

      n j tp _ mais_ n o

    r e i n o d e

      D e u s . M a n i f e s t a n d o u r n a

      in cr ív e l

      v o r a c i d a d e d e c o n h e c i m e n t o

    em

     todas

     as

     d isc ip l in as ,

     em todas as

     l ín guas ,

     ele se

     e m p e n h a

      até o

     último

    f ô lego   e m a b a r c a r a t o t a l i d a d e d o m u n d o e d a s m o l a s p r o p u l s o r a s d a l i -

    b e r d a d e h u m a n a .   Ele é o espírito do  m u n d o .

    G l o b a l m e n t e , a e x t r a o r d i n á r i a   t r a je tór i a  clesse  p r o s c r i t o , f u n d a d o r d a

    ún ica r e l ig iã o n o v a

     dos

     últimos séculos,  permite-ncs  c o m p r e e n d e r  como

    o  nosso p r e s e n t e f o i c o n s t r u íd o c o m b a s e n e s s e s  h o m e n s r a r o s , q u e opta-

    ram por   v i v e r

     corno

      marg in a i s d esapo ssad o s para  preservar o   d i r e i t o  de

    sonhar  c o m u m m u n d o m e l h o r , e m b o r a o s c a m i n h o s d o p o d e r l h e s e s t i -

    vessem  abertos.

     Temos

     para

     com

      e les

     urn

      d e v e r

     de

     gratidão.

     Ao

     mesmo

    t e m p o ,

      o

      d e s t i n o

      d e s u a

      o b r a m o s t r a - n o s c o r n o

      o

      m e l h o r

      cios

      sonhos

      é

    capaz

     de

     r e s v a l a r para

     a  pior  das

     barbár ies .

    Digo -o

      s e m  ênfa se  n e m

      n o s t a l g i a . N u n c a

      f u i n e m s o u

      m a r x i s t a

    e m

    q u a l q u e r   sentido  d a  p a l a v r a .  A  obra  de ív ía rx não m e  a c o m p a n h o u

      na

    j u v e n t u d e ; p o r i n c rí v e l q u e p a re ç a , n ã o o u v i m u i t o s e u n o m e s e r p r o n u n -

    ciado durante meus es tud o s

      de

      ciências, direito , economia

     ou

      história.

      Meu

    p r i m e i r o c o n t a t o s é r i o   c o m e l e f o i a t r a v é s d a  l e i t u r a

      t a r d i a

      d e  s e u s l i v r o s

    e

     de uma

      co r respo n d ên cia

      com o

      a u t o r

      de PourMarx

    56  L o u i s A l t h u s s e r .

  • 8/18/2019 16. Karl Marx Ou o Espirito Do Mundo Jacques Attali

    4/4

     O p O O O O

     O P

     f

    i

     4

    K A R L M A R X  O U O  E S P Í R I T O  D O M U N D O

    Desde então, nunca mais

     me

     separei

     d o

      personagem

     e da

     obra.

     Marx fas-

    ;

      cinou-me  pe la precisão

     de seu

     pensamento,

     a força de sua

     d ia lé t ica ,

     o p o d e r

    de seu raciocínio , a  ciareza d e

     suas análises,

     a  ferocidade  de su as críticas,

    o hum or cie suas tiradas, a clareza de seus conceitos. C om fre quência  cada

    ve z  maior,  ao  longo  de  minhas pesquisas,  fu i  sent indo  a  necessidade  de

    saber o que  el e pensa va do m ercado, dos

      preços,

      da produção, da

      t roca,

    do   poder,  da

      injustiça,

      da alienação, da  mercador ia ,  da

      antropologia,

      da

    música,

     d o  tempo,  da medicina,  da física,  da propr iedade,  do

      judaísmo

     e

    da história. Hoje, sem pre consciente de  suas am biguidades, sem

     c o m p a r - .

    t i ihar

     quase nunca as conclusões de seus epígonos, não há um

      t e m a

      co m

    qu e

     e u

     venha

     a m e envolver sem que me

     pergunte

     o que

     ele pensou

      a

     res-

    peito.

      E sem um

     enorme  interesse

      em

     lê-ío.

    ' D e z e n a s d e

     milhares

    de   estudos^ d e ze n a s de

      biografias foram

      escritos

    sobre esse espírito prodigioso, sempre hagiográficos ou hostis, quase nunca

    distanciados.

      N ã o há uma

     l inha

     sua que não

      tenha suscitado centenas

      de

    páginas de comentados

     furiosos

      ou maravi lhados. Houve quem fizesse dele

    ur n

     av en t u re i ro

     político,

     u m arr ivis ta

     f inanceiro ,

      um

      t i r a n o

     domést ico,

     u m

    parasita  social.  Outros

      viram

      nele um profeta , um extra ter rest re , o

     pri-

    .mei ro

     d os

     grandes economistas,

     o pai das

     ciências sociais,

     d a

     Nova Histó-

    r ia ,

      d a  an t ropo log ia  e  m e s m o d a  p s i c a n á l i se . Ou t r o s ,  enf im,  chegaram a

    ...

      ve r

      nele.

     o úl t im o

      filósofo

      cristão.

    13

    '

    1 Hoje ,

      q u a n d o  o

     comunismo parece

    te r

      para sempre desaparecido  da superfície  do  p laneta e seu p e n sa m e n t o

    'não é mai ; um eleme nto do jogo de poder , to rna-se  enf im  possível  fa lar

    dele com serenidade, ser iedade e p o r t a n t o  de

      m an e i ra

      úti l. .;

    Chegoi por tanto o mo men to de contar sem rodeios, de forma moder-

    na, seu inciível dest ino e sua extraordinár ia trajetória

      intelectual

     e política.

    D e

      e n t e n d t r  como

      fo i

     possível

      que ele

      redigisse

     co m

      m en o s

     de 30

      a n o s

     o

    texto

     polítco

     mais lido

     d e

     toda

     a

     história

      da

      h u m a n i d a d e ;

     de

     revelar

      suas

    relações siigulares

     com o

     dinhei ro ,

      o

      t rabalho,

     a s

     mulheres;

     d e

      descobrir

    t am b é m  o  :xcepcional  panf le tá r io  que ele foi . D e  aprovei tar

      para

      r e i n t e r -

    pre ta r esse ;éculo XIX de que somos herdei ros di re tos, feito  de violências.e

    lutas,  sofrinentos e massacres, ditaduras e opressão,

      miséria

      e  epidemias,

    tã o

     estranh

    às

      cintilações

      do

      r o m a n t i sm o ,

      à

     vaporosidade

      do

      r o m a n c e

    burguês ,

      c

    d o u r a d o s

     da

     Opera  e

     a os

      bast idores

     da

     Belle  Époque