FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
MESTRADO INTEGRADO EM MEDICINA – TRABALHO FINAL
LUÍS ANTÓNIO LOURENÇO MADURO
VALOR DA TÉCNICA ARFI (ACOUSTIC RADIATION FORCE
IMPULSE) NA CARACTERIZAÇÃO DE LESÕES MAMÁRIAS
ARTIGO CIENTÍFICO ORIGINAL
ÁREA CIENTÍFICA DE IMAGIOLOGIA
Trabalho realizado sob a orientação de:
PROFESSOR DOUTOR FILIPE CASEIRO ALVES
DRª MAFALDA TAVARES MAGALHÃES
MARÇO/2017
1
VALOR DA TÉCNICA ARFI (ACOUSTIC RADIATION FORCE
IMPULSE) NA CARACTERIZAÇÃO DE LESÕES MAMÁRIAS
Artigo Científico Original
Luís António Lourenço Maduro1
1Faculdade de Medicina, Universidade de Coimbra, Portugal
Trabalho final do 6º ano médico com vista à atribuição do grau de mestre no âmbito do ciclo
de estudos do Mestrado Integrado em Medicina.
Área científica: Imagiologia
Orientador: Professor Doutor Filipe Caseiro Alves2
2Serviço de Imagem Médica, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Portugal
2Clínica Universitária de Radiologia, Faculdade de Medicina, Universidade de Coimbra,
Portugal
Co-orientadora: Drª Mafalda Tavares Magalhães3
3Serviço de Imagem Médica, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Portugal
2
ÍNDICE
RESUMO ................................................................................................................................... 3
PALAVRAS-CHAVE ................................................................................................................ 4
ABSTRACT ............................................................................................................................... 5
KEY WORDS ............................................................................................................................ 6
ABREVIATURAS ..................................................................................................................... 7
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 8
MATERIAIS E MÉTODOS .................................................................................................... 11
Pacientes e Lesões ................................................................................................................ 11
Ecografia modo-B e ARFI .................................................................................................... 11
Análise Estatística................................................................................................................. 13
RESULTADOS ........................................................................................................................ 15
Técnica ARFI ....................................................................................................................... 17
Caracterização Histológica ................................................................................................... 19
DISCUSSÃO ............................................................................................................................ 23
CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 29
AGRADECIMENTOS ............................................................................................................. 30
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 31
3
RESUMO
OBJECTIVOS: Avaliar o valor diagnóstico da técnica Acoustic Radiation Force Impulse
(ARFI) e especificar um valor cut-off de shear wave velocity (SWV) para diferenciar as lesões
mamárias benignas das malignas. Perceber se existem diferenças de SWV para cada tipo
histológico de nódulo mamário.
MATERIAIS E MÉTODOS: 100 lesões mamárias de 90 pacientes foram examinadas com
ecografia modo-B e técnica ARFI. Foram obtidas a SWV (m/s) no interior da lesão e no
parênquima circundante, sendo também calculada a Razão Lesão/Parênquima (RLP) de cada
massa. As medições da SWV e da RLP foram comparadas conforme o respectivo diagnóstico
histopatológico. A precisão diagnóstica foi avaliada com a análise das Receiver Operator
Characteristic curves (ROC).
RESULTADOS: A SWV nas lesões malignas (média ± desvio padrão; 8,55 ± 1,62 m/s) foi
significativamente maior do que nas benignas (3,84 ± 1,49 m/s; p<0,001). A RLP também se
mostrou significativamente maior nas lesões malignas (3,38 ± 1,11 vs 1,51 ± 0,50; p<0,001).
As medições da SWV no interior da lesão e a RPL apresentaram um poder discriminativo
significativo na distinção entre malignidade e benignidade (Area Under the Curve [AUC] de
0,966 e 0,966, respectivamente). Foram obtidos os valores cut-off de 6,593 m/s (sensibilidade
de 87,2% e especificidade de 96,7%) para a SWV no interior da lesão e 2,181 (sensibilidade de
92,3% e especificidade de 93,4%) para a RLP. Não houve diferenças estatisticamente
significativas na avaliação ARFI entre os vários subtipos histológicos de lesões benignas ou
malignas.
CONCLUSÃO: A técnica ARFI é promissora na diferenciação entre lesões mamárias benignas
e malignas. Fornece informação quantitativa, objectiva e reprodutível sobre a rigidez dos
tecidos, sendo um complemento valioso à informação da ecografia modo-B. Esta técnica pode
tornar-se assim um potencial auxiliar nas recomendações para estudo invasivo por biópsia.
5
ABSTRACT
OBJECTIVES: To evaluate the diagnostic ability of Acoustic Radiation Force Impulse (ARFI)
and to specify the shear wave velocity (SWV) cut-off value for the differentiation of benign
and malignant breast lesions. To see if there are differences of SWV between each breast nodule
histologic type.
MATERIALS AND METHODS: 100 breast lesions in 90 patients were examined with B-mode
ultrasonography and ARFI technology. SWV were measured inside lesions and in the
surrounding parenchyma. The lesion-to-parenchyma ratio (LPR) was calculated for each mass.
SWV and LPR measurements were compared according to their histopathological diagnosis.
Diagnostic performance was evaluated with receiver operating characteristic curve (ROC)
analysis.
RESULTS: SWV inside malignant lesions (mean ± standard deviation; 8,55 ± 1,62 m/s) were
significantly higher than benign lesions (3,84 ± 1,49 m/s; p<0,001). LPR was also significantly
higher for malignant lesions (3,38 ± 1,11 vs 1,51 ± 0,50; p<0,001). Lesion SWV and LRP
showed a significantly discriminative power in distinction of malignant and benign lesions (area
under the curve [AUC] of 0,966 and 0,966, respectively). A cut-off value of 6,593 m/s
(sensitivity of 87,2% and specificity of 96,7%) was obtained for lesion SWV and 2,181
(sensitivity of 92,3% and specificity of 93,4%) for LPR. There weren’t significant differences
in ARFI measurements between histological subtypes of benign or malignant lesions.
CONCLUSIONS: ARFI technology is promising in differentiation of benign and malignant
breast lesions. It provides quantitative, objective and reproductive information about stiffness
of the tissues. It is a valuable complement to B-mode ultrassonagraphy and it may become a
potential help in recommendations for biopsy.
7
ABREVIATURAS
ARFI – Acoustic Radiation Force Impulse
SWV – Shear Wave Velocity
ROI – Region Of Interest / região de interesse
RLP – Razão Lesão-Parênquima
BI-RADS - Breast Imaging - Reporting And Data System
VTIQ - Virtual Touch tissue Imaging and Quantification
ROC - Receiver Operating Characteristic
AUC – Area Under the Curve
FN – Falso Negativo
FP – Falso Positivo
8
INTRODUÇÃO
O cancro da mama é um problema mundial de saúde.1 Aproximadamente uma em cada
oito mulheres irá desenvolvê-lo durante a sua vida, sendo uma das suas principais causas de
morte.2 A sua detecção precoce é essencial para um tratamento eficaz, sendo, por isso, um dos
pontos chaves na abordagem a esta doença.1,3–5
A ecografia, mamografia e ressonância magnética são usadas na avaliação de nódulos
mamários, porém, mesmo com os seus avanços tecnológicos, estas técnicas ainda apresentam
uma especificidade baixa.1 Portanto, a biópsia continua a ser o gold standard para um
diagnóstico de uma lesão suspeita. Contudo, o resultado patológico é benigno em até 75% dos
casos. Deste modo, a criação de uma técnica não invasiva que permita uma melhor
diferenciação entre lesões benignas e malignas assume grande relevância na prática clínica.6
A elastografia é uma técnica não invasiva que utiliza os ultrassons para avaliar a rigidez
dos tecidos, detectando a sua deformação e deslocamento quando sujeitos a uma compressão
externa.3,4,7,8 A informação é convertida numa escala de cores, sendo sobreposta à imagem da
ecografia modo-B.6,7 Como os tumores malignos tendem a ser mais rígidos e as lesões benignas
mais elásticas3,7–10, a elastografia usada de forma complementar à Ecografia modo-B aumenta
a especificidade na diferenciação entre lesões benignas e malignas, o que já tem sido
comprovado por vários estudos (83,1% vs 76,9% para a Ecografia B isolada).4,11–13
Porém, esta técnica tem várias limitações. A primeira, e talvez a mais importante, é que
ao necessitar de compressão externa dos tecidos, torna-a mais dependente do operador,
limitando a sua reprodutibilidade.3,7,13 Além desta variabilidade técnica, existe ainda um certo
grau de subjectividade na interpretação da imagem.7,11 Por último, a informação obtida é apenas
qualitativa ou semi-quantitativa.5–8,13
A técnica ARFI (Acoustic Radiation Force Impulse) é uma nova tecnologia ecográfica
que, através da emissão de pulsos acústicos de curta duração, avalia a rigidez/elasticidade dos
9
tecidos.1,5,7 Estes pulsos acústicos são transmitidos aos tecidos, submetendo-os a pequenos
deslocamentos, que variam consoante a rigidez.5,7–10,14 Estas alterações são avaliadas por outros
feixes de ultrassons e quando comparadas com a imagem de referência ecográfica modo-B,
permitem a criação de um elastograma, ou seja, de um mapa de cores da rigidez relativa dos
tecidos (informação qualitativa).4,8,13,14 Mas o que torna esta técnica distinta da elastografia
convencional é a possibilidade de obter um valor quantitativo acerca da rigidez, através da
medição da shear wave velocity (SWV) de uma determinada região de interesse (ROI).4–10,13,14
O deslocamento dos tecidos resultantes dos pulsos acústicos iniciais vão gerar ondas de
cisalhamento (shear waves) que se movimentam perpendicularmente ao pulso inicial.1,7,15 À
medida que estas shear waves se movimentam, são gerados novos deslocamentos nos tecidos,
que serão detectados através de outros feixes de ultrassons – Figura 1. Este movimento é depois
correlacionado com o tempo decorrido e é calculada a velocidade da shear wave (em m/s).4,7,15
As shear waves propagar-se-ão mais rápido em tecidos rígidos (SWV mais elevadas) e mais
lentamente em tecidos elásticos (SWV mais baixas).8
Resumindo, esta técnica permite-nos uma avaliação não só qualitativa mas também
quantitativa da rigidez dos tecidos, sem a necessidade de compressão externa. Assim, a técnica
ARFI possibilita que a rigidez, propriedade intrínseca dos tecidos, se torne em informação
objectiva e reprodutível.1,16
10
Figura 1 – Representação da medição ARFI numa determinada ROI. A emissão de um
pulso acústico de curta duração (laranja) gera shear waves (azul) que atravessam a ROI. Quando
os feixes de ultrassons (verde) detectam a passagem da shear wave, revelam a localização da
onda e, correlacionando com o tempo decorrido, é possível calcular a sua velocidade (SWV).14
(ARFI, acoustic radiation force impulse; ROI, region of interest; SWV, shear wave velocity).
Portanto, o objectivo do estudo foi definir um valor de cut-off de SWV para diferenciar
as lesões mamárias benignas das malignas, bem como perceber se existem diferenças de SWV
para cada tipo histológico de nódulo mamário, de modo a permitir a sua caracterização.
11
MATERIAIS E MÉTODOS
Pacientes e Lesões
Entre Janeiro e Junho de 2013, 90 mulheres (equivalendo a um total de 100 lesões
mamárias), foram convidadas a participar no estudo, tendo sido examinadas com ecografia
modo-B e técnica ARFI. Foram incluídas mulheres que tinham sido previamente seleccionadas
para realizar biópsia ecoguiada no Serviço de Imagem Médica do Centro Hospitalar e
Universitário de Coimbra por apresentarem lesões mamárias com características que sugeriam
a realização de caracterização histológica (lesões Breast Imaging - Reporting and Data System
[BI-RADS] 4 e 5).
Todas apresentavam idade superior a 18 anos e foram excluídas: mulheres grávidas ou
a amamentar; mulheres com implantes mamários ipsilaterais à lesão a avaliar; mulheres com
história de cancro da mama no mesmo quadrante da lesão a avaliar, bem como com
antecedentes de radioterapia ou quimioterapia nos últimos 12 meses. A avaliação imagiológica
foi sempre efectuada antes da biópsia, de modo a reduzir potenciais artefactos. Só lesões
subsequentemente confirmadas por biópsia foram incluídas no estudo. Foi obtido
consentimento informado para todos os casos.
Ecografia modo-B e ARFI
A ecografia modo-B e a técnica ARFI foram realizadas por um Radiologista, tendo
conhecimento dos dados clínicos e mamográficos de cada caso. Foi usado o ecógrafo Acuson
S3000 (Siemans Medical Solutions, Mountain View, CA, USA) com software ARFI, com sonda
linear de alta-frequência 9L4m com frequência de 9 MHz. A avaliação do mapa de cores da
rigidez dos tecidos e a medição SWV foram efectuadas através da aplicação “Virtual Touch
tissue Imaging and Quantification” (VTIQ).
12
Para ambas as avaliações (ecografia modo-B e ARFI), as pacientes foram posicionadas
em decúbito dorsal com os braços em abdução máxima (180 graus). Em algumas lesões
localizadas nos quadrantes externos, especialmente nas mamas mais volumosas, as doentes
foram posicionadas em decúbito lateral (contralateral ao lado da lesão).
Para a aquisição ARFI, a sonda foi aplicada com pressão mínima, usando uma
quantidade adequada de gel de contacto para evitar áreas de artefacto.
Para cada lesão foi criada uma ROI, ajustada de forma a incluir a lesão alvo, bem como
o parênquima mamário circundante. A funcionalidade VTIQ foi accionada, mantendo-se a
sonda fixa, e o mapa de cores, dentro da ROI, foi obtido de acordo com o grau de rigidez dos
tecidos. A escala variou de azul (mais elástico) a vermelho (mais rígido). Foram obtidas
velocidades shear-wave (m/s) no interior da lesão, bem como no parênquima circundante
(distando pelo menos 1 cm da lesão), usando uma ROI predeterminada com dimensões fixas de
2 x 2 cm – Figura 2. As medições dentro da lesão foram obtidas preferencialmente na área mais
rígida apresentada no mapa de cores. Para minimizar problemas relacionados com possíveis
heterogeneidades das lesões, a SWV foi medida pelo menos 3 vezes dentro da lesão e 3 vezes
no parênquima circundante, tendo sido calculada a média para cada uma destas medições.
Subsequentemente, a Razão Lesão/Parênquima (RLP) foi também calculada.
Como a SWV é expressa em valores numéricos, só os resultados numéricos foram tidos
em consideração neste estudo. Todas as SWV exibidas como “X,XX” m/s foram consideradas
inválidas, tendo sido excluídas, realizando-se depois uma nova aquisição.
13
Figura 2 – Exemplo de uma lesão lobulada hipoecogénica na ecografia modo-B
(direita). A SWVs foram elevadas (esquerda), o que foi consistente com o diagnóstico
histopatológico de carcinoma invasivo. (SWV, shear wave velocity).
Análise Estatística
A análise estatística foi realizada com o recurso ao software SPSS 22 (IBM, Armonk,
NY, USA). Os dados quantitativos foram apresentados como média ± desvio padrão.
Para a análise inferencial, a normalidade das distribuições dos valores de cada amostra
foi avaliada usando o Teste Kolmogorov-Smirnov. A comparação dos valores da SWV, da RLP
e do diâmetro da lesão entre cada dois grupos histológicos foi comparada com o teste t de
Student de amostras independentes quando a distribuição era normal ou com o teste não
paramétrico de Mann-Whitney U caso contrário. Para comparação dos valores entre os
múltiplos grupos histológicos foi utilizado o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis, nos casos
14
em que as distribuições não apresentavam normalidade, ou o Teste ANOVA, quando estas eram
normais.
Para determinar a precisão diagnóstica dos valores da SWV e da RLP na distinção entre
lesões benignas e malignas, foram criadas Receiver Operating Characteristic curves (ROC) e
a respectiva Area Under the Curve (AUC) foi determinada. O valor de cut-off óptimo foi obtido
pela maximização do Youden’s Index (sensibilidade + especificidade – 1) e foram registadas a
sensibilidade e especificidade para esse valor.
Um erro de tipo I de 0,05 foi considerado para todas as comparações.
15
RESULTADOS
Noventa mulheres foram incluídas no estudo, com uma idade média de 50,94 ± 12,73
anos, perfazendo um total de 100 lesões mamárias. Destas, 54 (54%) estavam localizadas na
mama esquerda e 46 (46%) na mama direita. A maioria localizava-se nos quadrantes superiores
da mama (65%). O tamanho médio das lesões foi 16,21 ± 8,23 mm. Não se observou diferença
estatisticamente significativa entre o tamanho das lesões benignas (16,02 ± 1,10 mm) e das
malignas (16,51 ± 1,23 mm) (p=0,486).
O diagnóstico histológico revelou 61 (61%) lesões benignas e 39 (39%) carcinomas. A
divisão histológica encontra-se representada na Tabela 1.
16
Tabela 1 – Diagnóstico Histológico
LESÕES MALIGNAS Grau Histológico 1 13
2 16
3 17
Total 39
Tipo Histológico Ductal 36
Lobular 2
Metaplásico 1
Total 39
LESÕES BENIGNAS Tipo Histológico Fibroadenoma 36
Quisto 10
Hamartoma 4
Papiloma Ductal 4
Granuloma 2
Cicatriz Radial 1
Hiperplasia Epitelial com Atipia 2
Adenoma do Mamilo 1
Adenoma Tubular 1
Total 61
17
Técnica ARFI
As medições da técnica ARFI encontram-se dispostas na Tabela 2. A SWV nas lesões
malignas (8,55 ± 1,62 m/s) foi significativamente maior que nas benignas (3,84 ± 1,49 m/s;
p<0,001). A RLP também se mostrou significativamente maior nas lesões malignas (3,38 ±
1,11 vs 1,51 ± 0,50; p<0,001).
Tabela 2- Medições ARFI para as Lesões Benignas e Malignas
Medida Benigno (n=61) Maligno (n=39) Valor P
SWV Lesão (m/s) 3,84 ± 1,49 8,55 ± 1,62 <0,001*
SWV Parênquima (m/s) 2,58 ± 0,64 2,66 ± 0,59 0,514#
RLP 1,51 ± 0,50 3,38 ± 1,11 <0,001*
Nota: Os valores estão apresentados na forma de média ± desvio padrão.
ARFI, acoustic radiation force impulse; SWV, shear wave velocity; RLP, razão lesão-parênquima.
* Teste Mann-Whitney
# Teste T de Student para amostras independentes
As curvas ROC estão representadas na Figura 3. As medições da SWV no interior da
lesão e a RPL apresentaram um poder discriminativo significativo na distinção entre
malignidade e benignidade (AUC de 0,966 e 0,966, respectivamente). O mesmo não se
observou nas medições da SWV no parênquima (AUC de 0,547). Através do Youden Index,
foram obtidos os valores de cut-off de 6,593 m/s (sensibilidade de 87,2% e especificidade de
96,7%) para a SWV dentro da lesão e 2,181 (sensibilidade de 92,3% e especificidade de 93,4%)
para a RLP (Tabela 3).
18
Figura 3 – Receiver Operating Characteristic curves para as medições ARFI no interior
da lesão, no parênquima, bem como para a razão lesão-parênquima. (ARFI, acoustic radiation force
impulse).
Tabela 3 – AUC, Cut-off, Sensibilidade e Especificidade das Medições ARFI
Medida AUC (EP) Valor P Cut-off Sensibilidade Especificidade
SWV Lesão 0,966 (0,016) <0,001 6,593 m/s 87,2% 96,7%
RLP 0,966 (0,016) <0,001 2,181 92,3% 93,4 %
ARFI, acoustic radiation force impulse; SWV, shear wave velocity; RLP, razão lesão-parênquima; AUC, area under the curve;
EP, erro padrão.
19
Caracterização Histológica
Os valores médios da SWV e da RLP por tipo histológico encontram-se apresentados
na Tabela 4. Foram elaborados também gráficos boxplot com a distribuição dos valores da SWV
e da RLP para cada tipo histológico – Figuras 4 e 5.
Não houve diferenças estatisticamente significativas entre os subtipos benignos
(p=0,446 e p=0,292 para a SWV no interior da lesão e para a RLP, respectivamente).
Também não se encontraram diferenças estatisticamente significativas entre os subtipos
malignos (p<0.419 e p<0,331 para a SWV no interior da lesão e para a RLP, respectivamente),
nem nos diferentes graus histológicos do carcinoma ductal (p=0,640 e p=0,454 para a SWV no
interior da lesão e para a RLP, respectivamente).
20
Tabela 4 – Medições ARFI de cada Tipo Histológico
Nº SWV LESÃO (M/S) RLP
LESÕES MALIGNAS Grau
1 13 8,76 ± 1,40 3,33 ± 0,99
2 16 8,37 ± 1,79 3,54 ± 1,32
3 17 8,06 ± 1,89 2,89 ± 0,91
Tipo Histológico
Ductal 36 8,45 ± 1,65 3,34 ± 1,13
Lobular 2 9,75 ± 0,08 3,41 ± 0,52
Metaplásico 1 9,7 4,74
LESÕES BENIGNAS Fibroadenoma 36 3,84 ± 0,44 1,52 ± 0,44
Quisto 10 3,28 ± 0,35 1,34 ± 0,39
Hamartoma 4 3,63 ± 0,36 1,25 ± 0,35
Papiloma Ductal 4 3,79 ± 0,45 1,54 ± 0,53
Granuloma 2 5,54 ± 0,06 2,16 ± 0,66
Cicatriz Radial 1 2,43 1,23
Hiperplasia Epitelial
com Atipia
2 3,86 ± 0,09 1,20 ± 0,13
Adenoma do Mamilo 1 9,38 3,47
Adenoma Tubular 1 2,89 1,24
Nota: Os valores estão apresentados na forma de média ± desvio padrão.
ARFI, acoustic radiation force impulse; SWV, shear wave velocity; RLP, razão lesão-parênquima.
21
Figura 4 – Distribuição dos valores da SWV no interior da lesão em cada tipo
histológico. (SWV, shear wave velocity).
22
Figura 5 - Distribuição dos valores da RLP no interior da lesão em cada tipo histológico.
(RLP, razão lesão-parênquima).
23
DISCUSSÃO
Os resultados do nosso estudo demonstraram que a técnica ARFI com o software VTIQ
permite diferenciar lesões mamárias entre benignas e malignas. Tanto a SWV no interior da
lesão como a RLP apresentaram, com significância estatística, valores mais elevados no grupo
maligno em relação ao benigno.
Ao usar esta técnica, também observámos a elasticidade relativa codificada num mapa
de cores, o que pode ajudar o examinador a avaliar a lesão mais facilmente. No caso dos tumores
malignos, há um maior contraste inicial entre a lesão e o parênquima adjacente, o que permite
uma categorização mais rápida, ainda antes das medições quantitativas.
Deliberadamente, nas medições do parênquima, definiu-se uma distância mínima de 1
cm para a lesão. Bai et al.15 e Zhou et al.4 descreveram que em muitos tumores malignos existe
infiltração do tecido adjacente devido à presença de reacções desmoplásicas, aumentando a sua
rigidez. Isto podia condicionar uma menor capacidade diagnóstica da RLP entre lesões benignas
e malignas. No entanto, no nosso estudo, a precisão diagnóstica da RLP foi igual à da SWV no
interior da lesão (AUC=0,966), sugerindo que a distância aplicada possa ser suficiente para
evitar este viés.
Durante a nossa investigação, percebeu-se ainda que algumas lesões são mais
heterogéneas que outras nos seus valores de SWV. De facto, para lesões mais heterogéneas, os
valores da velocidade podem até ser úteis para auxiliar uma biópsia guiada, dirigindo-as para
as regiões com maior velocidade. Tendo em conta esta variabilidade, foram realizadas múltiplas
medições e calculada a sua média para posterior tratamento de dados.
Tanto a SWV no interior de lesão como a RLP revelaram boa precisão diagnóstica.
Considerando a distinção de benignidade e malignidade, obteve-se o valor de cut-off óptimo de
6,593 m/s para a SWV no interior da lesão, com uma sensibilidade de 87,2% e uma
especificidade de 96,7%. Este valor foi calculado através do Youden Index, que é definido por
24
“sensibilidade + especificidade – 1”. Neste caso em concreto foi igual a 0,84. Porém, na prática
clínica, para a decisão de biopsar a lesão, é preferível maximizar a sensibilidade em detrimento
da especificidade, de modo a reduzir ao máximo o número de falsos negativos (FN). Com um
Youden Index semelhante, de 0,83, pudemos obter um cut-off de 5,622 (sensibilidade de 92,3%
e especificidade de 90,2%). Estes resultados foram consistentes com estudos prévios.7,17,18
A sensibilidade máxima (100%) foi alcançada com um cut-off de 4 m/s, correspondendo
a uma especificidade de 62,3%. Contudo, Teke et al.1 e Zhou et al.4 apresentaram maiores
especificidades (91% e 95,8%, respectivamente) para valores de cut-off similares (4,07 e 4,19
m/s, respectivamente). Uma justificação possível é que na nossa investigação se selecionou
preferencialmente a área mais rígida da lesão para efectuar as medições no seu interior. Estes
estudos não especificaram nenhuma zona preferencial para esta medição. Isto pode levar a uma
sobrestimação dos valores de cut-off dos nossos resultados comparativamente aos destes dois
estudos. Kapetas et al.13 justifica também estas diferenças na literatura com o efeito do grau de
pré-compressão aplicada pela sonda, como demonstrado por Wojcinski et al.19, e sugere o uso
da RLP para compensar esta criação de rigidez artificial nos tecidos. De facto, o cut-off de 2,181
para a RLP foi consistente com os estudos prévios que avaliaram esta aplicação da técnica
ARFI.7,13
Tendo em conta os cut-off óptimos para a SWV no interior da lesão e para a RLP,
verificaram-se 3 FN em cada um dos testes. Todos corresponderam a Carcinomas Ductais, não
existindo predominância de nenhum grau histológico. Dois casos de FN são comuns às duas
medidas, com um diâmetro de 9 mm e 12 mm. Os terceiros casos de FN da SWV no interior da
lesão e da RLP tinham 14 mm e 11 mm de diâmetro, respectivamente. O pequeno tamanho
destas lesões pode ter sido a razão para os baixos valores medidos, pois estudos prévios têm
sugerido que a SWV está positivamente associada com o tamanho da lesão.15,20
25
Existiram também, para os valores cut-off óptimos, 4 falsos positivos (FP) para a RLP
e 2 FP para a SWV no interior da lesão, sendo que estes últimos são comuns ao grupo de FP da
RLP. Portanto, totalizaram-se 4 casos. Dois corresponderam a um Adenoma do Mamilo e a um
Fibroadenoma com diâmetro de 33 mm e 23 mm, respectivamente. Como justificado
anteriormente, também aqui o tamanho das lesões pode ter sido a razão dos valores mais
elevados. No entanto, as duas outras lesões eram de pequenas dimensões: um Granuloma com
diâmetro de 14 mm e um Fibroadenoma com diâmetro de 10 mm. O Granuloma, por se tratar
de uma lesão inflamatória, está também associado a uma maior rigidez, o que explica os valores
de velocidade mais elevados. Quando observado o relatório histológico do pequeno
Fibroadenoma classificado como FP, observou-se que este apresentava um estroma
predominantemente fibroso e hialinizado, o que ocorre em alguns fibroadenomas em doentes
com mais idade e que se encontram presentes há mais anos.
Por isso, resolvemos estudar as diferenças nos resultados ARFI do subgrupo de
Fibroadenomas com estroma mais fibroso (9 de 33) em relação aos restantes. Observou-se uma
diferença estatisticamente significativa (p=0,048) para a SWV no interior da lesão, com uma
média superior no subgrupo com o estroma mais fibroso (4,74 ± 1,09 m/s vs 3,60 ± 1,51 m/s).
Para a RLP, a diferença (1,75 ± 0,43 m/s vs 1,45 ± 0,44 m/s) não apresentou significância
estatística (p=0,094). No entanto, verificou-se que o grupo dos Fibroadenomas denominados
“Normais”, possuía um outlier (Figura 6). Este valor pode ser justificado por uma possível
medição em que se aplicou uma maior pré-compressão. Como se trata de uma amostra pequena,
este outlier é preponderante para os resultados estatísticos. Ao compararmos as médias dos dois
grupos, sem o valor em questão, alcançamos significância estatística tanto para a SWV no
interior da lesão (p=0,011) como para a RLP (p=0,010). Assim, para combater este possível
efeito de outliers, são necessários estudos com maiores amostras que consigam esclarecer
melhor a validade destas conclusões.
26
Figura 6 – Distribuição da SWV no interior da lesão e da RLP de acordo com o
subgrupo de Fibroadenomas. (SWV, shear wave velocity; RLP, razão lesão-parênquima).
Quanto ao objectivo secundário do nosso estudo, não se registaram diferenças
estatisticamente significativas de SWV entre os diversos tipos histológicos benignos. De facto,
exceptuando os Fibroadenomas e Quistos, o tamanho da amostra de cada tipo histológico
revelou-se insuficiente para se retirar alguma conclusão. Também não se verificaram diferenças
significativas entre os tipos histológicos malignos, pois apenas existiam 2 casos de Carcinomas
Lobulares e 1 caso de Carcinoma Metaplásico. Em relação à diferenciação histológica maligna,
Evans et al.20, num grande estudo recente com 1137 lesões malignas, concluiu que a maioria
dos grupos histológicos malignos apresentavam SWV similares, com excepção do Carcinomas
Tubulares. Infelizmente, este tipo histológico não se encontrava presente na amostra do nosso
estudo. Por fim, também não foi detectada relação entre as SWV e o grau histológico maligno.
Como um dos objectivos que justificou a procura de uma medida quantitativa para
avaliar a rigidez era tornar esta propriedade mais objectiva e reprodutível, é importante inferir
acerca da sua reprodutibilidade na técnica ARFI. Neste estudo não foi possível avaliar este
parâmetro, pois os exames imagiológicos foram apenas efectuados por um radiologista para
cada caso. No entanto, Kapetas et al.13 demonstrou uma elevada reprodutibilidade tanto para a
27
SWV no interior da lesão como para a RLP (coeficiente de reprodutibilidade de 0,94 e 0,86
respectivamente). Justifica ainda os resultados superiores da SWV no interior da lesão em
relação à RLP, por esta última precisar de um maior número de medições. Além disso, a mesma
quantidade de pré-compressão, referida anteriormente, pode divergir entre diferentes tipos de
tecido.
Apesar dos resultados do nosso estudo serem consistentes com a literatura, a informação
sobre a técnica ARFI na avaliação imagiológica da mama ainda é escassa e são necessários
mais e maiores estudos. O possível valor desta técnica na diferenciação entre lesões benignas e
malignas ainda está por definir. Kim et al.3 propôs usar o valor de cut-off da SWV no interior
da lesão e da RLP para reclassificar as lesões num BI-RADS modificado. Considerando as
lesões malignas a partir de um score ≥ 4, o sistema modificado de reclassificação melhorou a
especificidade (62,4% vs 91,5%), precisão (71,3% vs 93%) e o valor preditivo positivo (47,0%
vs 79,6%) em relação ao BI-RADS clássico. Isto sugere que os valores de rigidez encontrados
nas lesões devem ser sempre correlacionados com as características da lesão encontradas na
ecografia em modo-B, funcionando o ARFI como uma técnica complementar a esta (e não em
substituição).
O nosso estudo teve algumas limitações. Primeiro, o tamanho da amostra foi pequeno.
Houve uma reduzida diversidade histológica, com os tipos benignos raros em quantidade
insuficiente e com ausência de vários tipos malignos raros (Carcinomas Tubulares, Papilares,
Mucinosos, entre outros). Como tal, não se alcançaram conclusões sobre a diferente
caracterização histológica através da técnica ARFI. Segundo, algumas lesões são
significativamente heterogéneas e podem aparentar possuir diferente rigidez ou morfologia
consoante o plano de imagem seleccionado. Terceiro, a avaliação de cada caso foi realizada
apenas por um Radiologista, o que pode levar a um viés de selecção relacionado com o
operador. Quarto, não foram registados alguns factores que estudos anteriores demonstraram
28
ter influência nos resultados da SWV. O primeiro deles é que, apesar de incomuns, alguns
tumores malignos mais elásticos à palpação vão revelar SWV mais baixas.13,20 O outro é o
estado menstrual das pacientes que, não influenciando a SWV no interior das lesões, pode
alterar as velocidades do parênquima e, consequentemente, os resultados da RLP.13,21 No
entanto, também existe um estudo na literatura que nega a influência da fase menstrual.22
Quinto, nas medições do parênquima não se distinguiu entre tecido glandular ou adiposo.
Alguns estudos demonstraram que o tecido glandular apresenta maiores SWV do que o tecido
adiposo.4,9 Sexto, o efeito da pré-compressão referido anteriormente pode tornar esta técnica
mais dependente do operador, reduzindo a sua objectividade e reprodutibilidade. Por fim, os
valores da SWV podem não ser reprodutíveis por diferentes equipamentos, sendo necessário
averiguar se essa discrepância existe.
29
CONCLUSÃO
A nossa investigação demonstrou que a técnica ARFI é promissora na diferenciação das
lesões mamárias entre benignas e malignas. Fornece informação quantitativa, objectiva e
reprodutível sobre a rigidez dos tecidos. É um complemento valioso à informação da ecografia
modo-B, melhorando a sua especificidade e reduzindo os seus falsos positivos. Esta técnica
pode tornar-se assim um potencial auxiliar nas recomendações para estudo invasivo por biópsia.
Contudo, para esta técnica se tornar rotina na prática clínica, mais e maiores estudos são
necessários, no sentido de a optimizar e validar. Para o seu uso clínico, é também importante
definir protocolos na sua utilização, tendo em conta factores como a pré-compressão ou a
distância das medições do parênquima que possam criar possíveis viés dependentes do
operador.
30
AGRADECIMENTOS
Gostaria de deixar uma palavra de apreço a todos os que contribuíram de alguma forma
para a conclusão deste trabalho.
Agradeço ao Professor Doutor Filipe Caseiro Alves, que gentilmente aceitou ser meu
orientador, pela orientação e revisão final.
Agradeço à Drª Mafalda Tavares Magalhães pela ajuda, paciência e imensa
disponibilidade que sempre demonstrou durante a orientação e correcção científica do trabalho.
À minha família, em especial aos meus pais, por estarem sempre presentes e tudo me
terem proporcionado ao longo do meu o percurso académico.
Aos meus colegas e amigos, que percorreram comigo esta etapa da minha vida.
E por último, à Sofia por toda a compreensão, incentivo e apoio constante.
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