MEMORIAL DO DESASSOSSEGO:
Breve história da edição do Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa
por
ANA CRISTINA COMANDULLI DA CUNHA
Departamento de Letras Vernáculas
Dissertação de Mestrado em Literatura Portuguesa apresentada ao Conselho dos Cursos de Pós-Graduação da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientador: Professor Doutor José Clécio Basílio Quesado. Co-Orientadora: Professora Doutora Gilda da Conceição Santos.
UFRJ / Faculdade de Letras 1º semestre de 2005
Para Ana Luiza Varela, minha sobrinha eleita, que compartilhou comigo cada momento deste trabalho.
A ÍBIS, A AVE DO EGITO POUSA SEMPRE SOBRE UM PÉ
O QUE É ESQUISITO. É UMA AVE SOSSEGADA,
PORQUE ASSIM NÃO ANDA NADA.
FERNANDO PESSOA
O MEU PRIMEIRO AGRADECIMENTO É A DEUS POR TUDO.
AOS FUNCIONÁRIOS DO REAL GABINETE PORTUGUÊS DE LEITURA: CARLA
GONÇALVES, LUCIANO FERREIRA, MARIA MANUELA ALVES, ORLANDO INÁCIO,
ROSELANE BOAVENTURA, VERA LÚCIA DE ALMEIDA E SEU PRESIDENTE DOUTOR
ANTÓNIO GOMES DA COSTA O MEU AGRADECIMENTO PELA DISPONIBILIDADE E AUXÍLIO
PRESTADO EM MINHA PESQUISA.
À CÁTEDRA JORGE DE SENA, ONDE FUI BOLSISTA, AS MINHAS MELHORES
LEMBRANÇAS DO REFÚGIO PERFEITO DOS MEUS ESTUDOS PESSOANOS.
MEU ESPECIAL CARINHO PARA DONA CLEONICE BERARDINELLI, ETERNA
MESTRA! MEU AGRADECIMENTO ÀS SUAS COLABORADORAS SOLANGE GOMES DE
PINHO E VANIE MARIE CAVICHIOLI, QUE ME APOIARAM PARA QUE ESTE PROJETO SE
TORNASSE REALIDADE.
ÀS PROFESSORAS ANA MARIA CAMPOS, MÁRCIA VALÉRIA COSTA, MARIA
LUCIA ELIAS PIRES E ROSELAND SCHIMID RONDON QUE NÃO DEIXARAM QUE EU
DESISTISSE DO SONHO DAS LETRAS.
AOS COLEGAS DOS BANCOS ACADÊMICOS CLAUDIA VALENTIM, EDUARDO
COELHO, LUCIANA SALLES, MÔNICA FAGUNDES E VANESSA RIBEIRO QUE ME
AJUDARAM A VER A VIDA COMO UM CALEIDOSCÓPIO.
O MEU RECONHECIMENTO AOS MESTRES QUE ME ORIENTARAM NO CAMINHO DA
LITERATURA: ÂNGELA BEATRIZ DE FARIA, CLEONICE BERARDINELLI, EUCANAÃ
FERRAZ, GILDA DA CONCEIÇÃO SANTOS, JOSÉ CLÉCIO BASÍLIO QUESADO, LUCI
RUAS, MARIA DE LOURDES SOARES E TERESA CRISTINA CERDEIRA.
O MEU CARINHO E AMIZADE A VANDA ANASTÁCIO, QUE DO OUTRO LADO DO
ATLÂNTICO ME ENSINOU QUE TRABALHO SE PAGA COM TRABALHO .
AO PROFESSOR ANTONIO CARLOS RIBEIRO GARRIDO IGLESIAS, AMIGO DE
HORAS MUITO DIFÍCEIS, O MEU CARINHO E GRATIDÃO.
À PROFESSORA MARIA MAZZARONE O AGRADECIMENTO POR TER ME ENSINADO
A ESCUTAR O SILÊNCIO.
À PROFESSORA LUCI RUAS, SUAVE CULPADA POR ME APRESENTAR O LIVRO DO
DESASSOSSEGO, O MEU CARINHO
AO MEU ORIENTADOR PROFESSOR JOSÉ CLÉCIO BASÍLIO QUESADO, O
OBRIGADO PELA PACIÊNCIA, RESPEITO E AMIZADE AO ORIENTAR E ME DIRIGIR AO
LONGO DESTE TRABALHO.
A MINHA CO-ORIENTADORA PROFESSORA GILDA DA CONCEIÇÃO SANTOS, MEU
CARINHO E AGRADECIMENTO POR TODA DOCE SEVERIDADE COM QUE CONDUZIU A
MINHA PESQUISA.
A MINHA GRATIDÃO A ANA LUIZA VARELA, JOANA D ARC VARELA, MARILDA
COMANDULLI E MARY VARELA, MINHA FAMÍLIA, QUE PRESENTE EM TODOS OS
MOMENTOS, NÃO PERMITIU QUE EU ABANDONASSE A LITERATURA, DESASSOSSEGO QUE
ME FAZ SENTIR VIVA.
Eu canto porque o instante existe E a minha vida está completa Não sou alegre nem sou triste: Sou poeta.
Irmão das coisas fugidias, Não sinto gozo nem tormento. Atravesso noites e dias No vento.
Se desmorono ou se edifico, Se permaneço ou me desfaço, - não sei, não sei. Não sei se fico ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo. Tem sangue eterno a asa ritmada. E um dia sei que estarei mudo: - mais nada.
Cecília Meireles
Gastei uma hora pensando um verso
Que a pena não quer escrever. No entanto ele está cá dentro inquieto, vivo. Ele está cá dentro e não quer sair. Mas a poesia deste momento Inunda minha vida inteira.
Carlos Drummond de Andrade
Eu não sou eu nem sou o outro
sou qualquer coisa de intermédio pilar da ponte de tédio que vai de mim para o outro.
Mário de Sá-Carneiro
CUNHA, Ana Cristina Comandulli da. Memorial do Desassossego: Breve história do Livro do desassossego, de Fernando Pessoa. Rio de Janeiro, 2005. Dissertação de Mestrado em Literatura Portuguesa
Faculdade Letras,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2005.
RESUMO
Estudo do projeto de publicação do Livro do desassossego por seu autor Fernando Pessoa. Estudo do início da vida literária de Fernando Pessoa. O seu primeiro texto crítico e o primeiro texto literário, escrito para o Livro do Desassossego como elo de ligação para o conhecimento da edição material do Livro. A participação e importância de Fernando Pessoa no Modernismo português. Análise do Livro do desassossego, nas suas sucessivas edições, em língua portuguesa, em relação à sua organização, ao seu corpus e à sua ordenação. Análise dessas edições sob a perspectiva da crítica genética como contributo para uma nova possível edição. A possibilidade de preparação de uma edição crítico-genética. Edição elaborada a partir dos documentos deixados pelo autor, considerando a sua última vontade. Contributo para uma edição crítico-genética contextualizada na teoria e na crítica literária moderna.
Palavras-chave: Livro do desassossego/ Fernando Pessoa/ Bernardo Soares/
Vicente Guedes/Edição crítica do Livro do Desassossego
CUNHA, ANA CRISTINA COMANDULLI DA. MEMORIAL DO DESASSOSSEGO: BREVE
HISTÓRIA DO LIVRO DO DESASSOSSEGO, DE FERNANDO PESSOA. RIO DE JANEIRO,
2005. DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM LITERATURA PORTUGUESA
FACULDADE
LETRAS, UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO, 2005.
RÉSUMÉ
ETUDE DU PROJET D´EDITION DU LIVRO DO DESASSOSSEGO, PAR SON AUTEUR
FERNANDO PESSOA. ANALYSE DE L´INITIATION LITTERAIRE DE FERNANDO PESSOA, A
PARTIR DE SON PREMIER TEXTE CRITIQUE AUSSI BIEN QUE DE SON PREMIER TEXTE
LITTERAIRE, ECRIT POUR SON LIVRE: LIVRO DO DESASSOSSEGO. LES DEUX
CONSTITUANT UN PONT
AVEC UNE FUTURE EDITION MATERIELLE. LA PARTICIPATION
ET L´IMPORTANCE DE FERNANDO PESSOA AU MODERNISME PORTUGAIS. ANALYSE DU
LIVRO DO DESASSOSSEGO, DANS SES SUCCESSIVES EDITIONS, EN LANGUE
PORTUGAISE, PAR RAPPORT A SON ORGANISATION, A SON CORPUS ET A SON
ORDINATION. ANALYSE DE CES EDITIONS DANS LA PERSPECTIVE DE LA CRITIQUE
GENETIQUE COMME CONTRIBUTION POUR POSSIBLE NOUVELLE EDITION.
DEMONSTRATION DE LA POSSIBILITE DE LA PREPARATION D´UNE EDITION CRITIQUE-
GENETIQUE. EDITION REALISEE D´APRES LA DOCUMENTATION PRODUITE PAR PESSOA,
EN RESPECT A SA DERNIERE VOLONTE. SELON LA THEORIE LITTERAIRE MODERNE,
CETTE EDITION CRITIQUE-GENETIQUE DOIT ETRE CONSIDEREE COMME BON MODELE
EDITORIAL.
MOTS-CLEFS: LIVRO DO DESASSOSSEGO/ FERNANDO PESSOA/ BERNARDO SOARES/
VICENTE GUEDES/EDITION CRITIQUE DU LIVRO DO DESASSOSSEGO
SUMÁRIO
1. Introdução ................................................................................................ 10
2. No Caminho do Alheamento................................... ................................. 12
2.1. A Águia............................................................................................... 20
2.2. Na Floresta do Alheamento ............................................................... 29
2.3 . Duas Cartas......................................................................................... 34
3. No Caminho do Desassossego................................................................... 38
3.1. A Autoria ............... ............................................................................... 45
3.2. O Corpus ............................................................ ................................51
3.3. A Ordem.................................................................................................57
3.4. O Livro como edição .............................................................................63
3.5. A edição crítico-genética do Livro..........................................................68
4. Conclusão .....................................................................................................73
7. Bibliografia Geral ......................................................................................... 75
8. Bibliografia Específica .................................................................................. 80
8. Anexos.......................................................................................................... 83
1.INTRODUÇÃO
Têm todos, como eu, o futuro no passado
BERNARDO SOARES
Em 1982, a publicação do Livro do desassossego veio somar à já
consagrada obra de Fernando Pessoa mais um objeto de estudo para a
compreensão desse tão complexo quanto genial poeta português. Àquela
altura a grandeza desse poeta já havia ultrapassado limites, atravessado mares
e oceanos. Qualquer apreciador ou estudioso seu tinha, sem detença, uma
enorme literatura passível de servir como apoio para compreender sua obra.
Como exemplo dos pioneiros dos estudos pessoanos temos, dentre
tantos, em Portugal, João Gaspar Simões, Luís de Montalvor, Georg Rudolf
Lind, Jorge de Sena, Jacinto do Prado Coelho, Teresa Rita Lopes, Maria Aliete
Galhoz, Teresa Sobral Cunha e Ivo Castro. No Brasil, Cleonice Berardinelli e
José Clécio Basílio Quesado. Na Itália, temos Luciana Stegagno Picchio. Eles
e muitos outros nomes de magnitude das letras contribuíram, e continuam a
contribuir, para a ampliação da bibliografia e fortuna crítica de Fernando
Pessoa.
A publicação do Livro do desassossego, também denominado por
Pessoa como o L.do D., acrescentou à vasta obra do autor uma quantidade
ainda maior de ensaios, artigos e conferências que vão se reproduzindo
incessantemente. Depois da edição princeps, o Livro do desassossego já teve
novas publicações em Portugal, no Brasil, na Itália, Espanha, Alemanha,
Inglaterra e em França. Além da tradução para os países do leste europeu e
da Ásia.
O ideário editorial do Livro do desassossego não possui uma definição
totalmente clara quanto às suas regras, deixando, pois, em processo de
construção uma unidade editorial desta obra de Fernando Pessoa, mesmo que
não falte desejo e dedicação dos partícipes de uma equipe para esse fim
destinada. O fato é que o livro é um desassossego para quem dele se ocupa.
Este trabalho relata a breve história do L. do D., tal como ele chegou a
ser editado em língua portuguesa. Divide-se ele em duas partes: a primeira,
que trata do que foi publicado pelo próprio autor e, a segunda pelos editores
que publicaram o Livro, após a sua morte.
A primeira parte é composta pelo estudo de elementos do início da
carreira literária de Fernando Pessoa e da sua intenção quanto ao Livro do
desassossego. A segunda trata da publicação material da obra e de sua
relação com a autoria, do corpus, e da ordem das suas edições. A edição
princeps, organizada por Jacinto do Prado Coelho com a colaboração de
Teresa Sobral Cunha e Maria Aliete Galhoz. E as edições seguintes, feitas nos
anos 90, por Teresa Sobral Cunha e Richard Zenith. Buscando melhor
compreender essas edições foi respeitado o estudo pioneiro de Jorge de Sena
que, durante mais de dez anos, trabalhou com os microfilmes dessa obra,
resultando na publicação do texto crítico Introdução ao Livro do
desassossego , em 1970.
A breve história do L. do D. foi tecida com argumentos da bibliografia
material do autor e busca contribuir para novas edições, procurando, dentro
dessa metodologia e da ciência literária, o tipo de edição mais apropriado à
obra de Fernando Pessoa.
2. NO CAMINHO DO ALHEAMENTO
Quero ser uma obra de arte, da alma pelo
menos, já que do corpo não posso ser.
Bernardo Soares
É sabido por quem se ocupa da obra de Fernando Pessoa que ele muito
pouco publicou enquanto vivo. O reconhecimento da sua qualidade como poeta
foi consagrada na cena literária em 1942, em antologia organizada por Adolfo
Casais Monteiro onde foram reunidas poesias já publicadas de maneira
dispersa por Pessoa. Desde então os estudiosos de sua obra vêm trazendo a
lume tanto os textos inéditos que o escritor deixou de publicar quanto aqueles
que ele talvez nem pretendesse publicar. Alguns por considerar como
inacabáveis outros porque não se decidiu quanto à complexa questão da
autoria a ser-lhes atribuída, razão encontrada por Teresa Rita Lopes para esta
opção do autor.1
O percurso da publicação do livro é desassossegante. Caminho traçado,
muito provavelmente de propósito por seu autor, para demonstrar o
desassossego de seus muitos eus . Consubstanciar um livro denominado de
desassossego é extremamente pertinente para um homem que valorizou sua
escrita em detrimento de sua publicação.
Paralela à história do livro, como não podia deixar de ser, há o percurso
literário de Fernando Pessoa ele-mesmo e de seus heterônimos. Pessoa
dedicou seus anos de atividade intelectual à literatura, à crítica literária, aos
estudos de filosofia, filologia, publicidade, editoria de revistas, e tradução, além
de seus interesses pela astrologia, espiritismo e ocultismo.
1 LOPES, Teresa Rita. Pessoa por conhecer.Lisboa: Estampa, 1990.
Foi na revista A Águia, editada no Porto, pelos intelectuais do grupo da
Renascença Portuguesa, que Fernando Pessoa fez sua estréia como uma das
mais belas páginas da crítica literária: A Nova poesia portuguesa . Nessa
mesma revista, em agosto de 1912, Fernando Pessoa publicou a plaqueta Na
Floresta do alheamento, assinada por ele mesmo com a indicação para o L.do
D. Esta peça faz parte do período pós-simbolista de Pessoa e é também parte
integrante das edições que foram feitas do Livro do desassossego. O projeto
do Livro ficou inacabado por seu autor, embora tenha ocupado toda a sua vida
literária o que sempre instigou vários editores a publicação desta obra.
O seu período de trabalho com o grupo da revista A Águia se extinguiu,
em 1914, em razão de discordância do ponto de vista literário, ou seja, face
aos rumos que a literatura portuguesa estava apontando para um futuro muito
próximo. A polêmica criada pelo seu texto A Nova poesia portuguesa,
culminando com a recusa de sua peça O Marinheiro
drama estático que em
muito se assemelhava ao texto Na Floresta do alheamento
foram razões que
levaram Pessoa a romper com o grupo de intelectuais do Porto. Este
rompimento foi deixado claro em carta escrita por Fernando Pessoa a Álvaro
Pinto, secretário da revista A águia, em 12 de novembro de 1914. (Anexo I)
No mesmo período em que escrevia para A Águia, Pessoa conheceu
aqueles que mais tarde iriam se reunir em torno da revista Orpheu,
nomeadamente Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros. Esses dois poetas
acompanharam Fernando Pessoa pelos ismos que ele criou e que marcaram
profundamente a poesia portuguesa do século XX.
Em 1915, foi fundada a revista Orpheu pelos jovens boêmios de Lisboa
interessados na arte como Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Almada
Negreiros e Santa-Rita Pintor, de duração curta, mas com valor inestimável
para a história literária portuguesa. A falta de dinheiro e o suicídio de Mário de
Sá-Carneiro, em 1916, foram algumas das razões para o fim da revista.
A geração de Orpheu , como ficaram conhecidos esses intelectuais, se
inscreveu na história literária como o grupo que causou escândalo e inúmeras
adesões às tendências modernistas do início do século XX. Era a geração do
moderno. Na verdade, o Modernismo dessa geração começou antes da sua
organização em torno dessa revista. Foi ao longo do ano de 1913, que o grupo
de Orpheu deu ao novo movimento literário; o Paülismo, o Interseccionismo e o
Sensacionismo. Na definição do próprio Fernando Pessoa, o Paülismo situa-se
em correntes opostas: o Saudosismo de Teixeira de Pascoaes transportado
para os poetas reunidos em torno da Águia e o simbolismo decadentista que
segue as novas tendências estéticas européias. O poeta paülico tem uma
concepção cinematográfica da sua arte . Os seus estados de alma são
projetados em seqüência de imagens, o que Pessoa define como todo espaço
de alma é uma paisagem .2
Do Paülismo deriva-se ainda outra corrente, o Interseccionismo, que
resulta de uma adaptação às novas estéticas como o Futurismo e o Cubismo.
Essa corrente pretendia, pois, ir além, adotar na literatura formas de linguagem
e complexidade da estrutura pictórica, segundo Pessoa, é constituída por
diferentes sensações mescladas .3 A primeira peça interseccionista de Pessoa
foi Na Floresta do alheamento, publicada na revista do Porto.
2 PESSOA, Fernando. Páginas de Doutrina e Estética. Lisboa: Editora Ática, 1946, pág. 45. 3 PESSOA, Fernando. Páginas íntimas e de auto-interpretação. Lisboa: Editora Ática, 1966. Pág.187.
Mais tarde surge o Sensacionismo, corrente considerada cosmopolita e
universalista e que faz a apologia da sensação como a única realidade da vida.
É pela pena de Álvaro de Campos que Pessoa afirma que o Sensacionismo
começou com a amizade entre Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro ,
acrescentando ainda sobre o mesmo tema: Fernando Pessoa e Mário de Sá-
Carneiro estão mais próximos dos simbolistas. Álvaro de Campos e Almada
Negreiros são mais afins da moderna maneira de sentir e escrever .4
Múltiplo de si mesmo, ao mesmo tempo em que Pessoa dava vida aos
seus heterônimos e ao seu processo de criação literária, dedicou-se também à
editoração como outro processo de atividade nas letras. Ao longo de sua vida,
desde a revista A Águia, passando pela criação de Orpheu, Fernando Pessoa
colaborou com inúmeras revistas: Portugal Futurista, de Almada Negreiros;
Contemporânea, de José Pacheco. Em 1924, dirigiu e fundou com Ruy Vaz a
revista Athena, que definiu como puramente de arte , obedecendo um critério
de generalismo para que atingisse a um público irrestrito. Colaborou ainda com
a revista Presença, de José Régio e dos academicistas de Coimbra, onde
publicou, por insistência desse grupo, o seu conjunto de poemas intitulado Mar
portuguez que, depois, com modificações, comporia a segunda parte da
Mensagem.
Foi o prosador do Alheamento quem levou ao extremo a estética do
Modernismo, tal como foi concebido pelo lema ver em tudo um além 5.
Segundo o texto de Álvaro de Campos, Ultimatum, um poeta deveria ser
vários poetas, nenhum deles sendo a personalidade que se suporia sentindo e
4 PESSOA. Páginas íntimas e de auto-interpretação. 1966. Pág. 148 5 PESSOA, Fernando. A Nova Poesia Portuguesa. Cadernos Inquérito , série G, crítica e História
Literária. Lisboa: Editorial Inquérito Limitada, 1944. Pág. 61
transmitindo seus próprios sentimentos . Este manifesto de Álvaro de Campos
foi publicado no único número da revista Portugal Futurista, em 1917. Foi este
Fernando Pessoa que levou ao ápice a negação de si mesmo, no jogo suicida
da modernidade.6 Ao multiplicar o seu eu em muitos outros, Pessoa negou a
sua própria existência para existir em outros. Fernando Pessoa se
despersonalizou na figura de inúmeros heterônimos, personalidades literárias,
sendo ele-mesmo um outro - o ortônimo. Da multiplicação dessa
despersonalização os mais conhecidos são: Ricardo Reis, médico de profissão,
monárquico, de educação clássica e latinista. Adepto do Sensacionismo
herdado do mestre Caeiro; Estoicista e epicurista, poeta horaciano e helenista:
Ricardo reis tem outra disciplina diferente; as coisas não devem ser sentidas
não só como são. Mas também de modo a integrarem-se em um certo ideal de
medida e regras clássicas .7 Alberto Caeiro, mestre dos heterônimos, nasceu
em Lisboa, mas viveu grande parte de sua vida numa quinta do Ribatejo. Sua
educação não passou do curso primário. Antimetafísico, poeta das sensações,
da natureza, de atitude antimística e pagã. A obra de Caeiro apresenta uma
reconstrução integral do paganismo, na sua essência absoluta, tal como nem
os gregos nem os romanos que vieram nele e por isso não o pensaram, o
puderam fazer. 8 Álvaro de Campos era engenheiro naval de profissão, ligado
aos movimentos modernistas como o Futurismo e o Sensacionismo. É o poeta
que escreve as sensações da energia e do movimento bem como, as
sensações de sentir tudo de todas as maneiras . É o heterônimo que
6 CERDEIRA, Teresa Cristina. A aventura suicida da Modernidade. ---. O avesso do bordado. Lisboa: Editora Caminho, 2001 7 PESSOA. Páginas Íntimas e de auto-interpretação. Pág. 330 8 PESSOA. Páginas Íntimas e de auto-interpretação. Pág. 330
acompanhará Pessoa por toda a vida. O Barão de Teive é uma personalidade
literária, fidalgo, conhecedor de literatura clássica, intelectual, despido de
imagens, um pouco hirto e restrito 9. Vicente Guedes, um heterônimo que
escreve claro e domina as suas emoções; e Bernardo Soares, semi-
heterônimo, às vezes uma personalidade literária, um prosador que, não
sendo Pessoa, era ele menos o raciocínio e a afetividade.
Em todo o seu produto de criação há o Livro do desassossego, obra
inacabada na qual Fernando Pessoa trabalhou durante toda a sua vida. Há
para este livro inacabado mais de um autor. O heterônimo Vicente Guedes e o
semi-heterônimo Bernardo Soares, são os mais conhecidos e polemizados
quanto à autoria. Alguns críticos dessa obra pessoana atribuem certos
fragmentos do Livro ao Barão de Teive . Mas, em seu último plano de
editoração do Livro, foi a Bernardo Soares que Fernando Pessoa atribuiu a sua
autoria. E é importante acentuar que muito pouco se sabe desses personagens
comparados aos demais heterônimos
O projeto do Livro foi escrito em notas e em cartas enviadas aos seus
amigos e editores. Os documentos relativos ao L. do D. estão no espólio do
poeta, hoje sob a guarda do governo português
na Biblioteca Nacional de
Lisboa. Este legado é que favorece aos estudiosos de sua obra a compreensão
da gênese do Livro.
Em meados da década de 10, as cartas encaminhadas a Armando
Côrtes-Rodrigues e a Mário de Sá-Carneiro apresentam um livro que estava
em fase de criação. Nas missivas a Côrtes-Rodrigues, Pessoa se refere ao
texto do L. do D. como uma produção doentia e fragmentada. Os fragmentos
9 PESSOA, Fernando. Cartas a Armando Côrtes-Rodrigues. Lisboa: Editorial Confluência, Ltdª, s/d.
dessa prosa são de depressão confessada, angústia e tédio , afirma o próprio
Pessoa. Elas são cartas confessionais de Pessoa descrevendo sua crise
existencial e o desdobramento dela em relação à sua obra.
(02 de setembro de 1914). Nada tenho escrito nada que valha a pena mandar-lhe. Ricardo Reis e Álvaro futurista-silcenciosos. Caeiro perpetrador de algumas linhas que encontrarão talvez asilo num livro futuro. Mas essas linhas são esboços de poesia propriamente falando. O que principalmente tenho feito é sociologia e desassossego. Você percebe que a última palavra diz respeito ao livro do mesmo; de facto tenho elaborado várias páginas daquela produção doentia. A obra vai pois complexamente avançando. O facto é que neste momento atravesso um período de crise na minha vida. Preocupa-me quotidianamente a necessidade de dar ao conjunto da minha obra uma orientação, tanto intelectual como existente de vida , uma linha metódica e lógica. Quero disciplinar a minha vida (e, consequentemente, a minha obra) como a um estado anárquico pelo próprio excesso de forças vivas em acção, conflito e evolução interconexa e divergente. Não sei se estou sendo perfeitamente lúcido. Creio que estou sendo sincero. Tenho pelo menos aquele amargo espírito que é trazido pela prática anti-social da sinceridade. Sim, eu devo estar a ser sincero. 10
Cerca de um mês depois, Pessoa envia uma outra carta a Côrtes-
Rodrigues com revelações mais contundentes em relação ao
Livro do
desassossego.
(04 de outubro de 1914) Nem lhe mando outras pequenas coisas que tenho escrito nestes dias. Não são muito dignas de serem mandadas, umas; outras estão incompletas; o resto tem sido quebrados e desconexos pedaços do Livro do desassossego. O meu estado de espírito actual é de uma depressão profunda e calma. Estou há dias ao nível do Livro do desassossego. E alguma coisa dessa obra tenho escrito. Ainda hoje escrevi um capítulo todo. 11
Em 19 de outubro do mesmo ano de 1914, Pessoa envia mais uma carta
a Côrtes Rodrigues sobre o seu estado de alma e a intimidade criada com o
Livro:
Eu já não sou eu. Sou um fragmento de mim conservado num museu abandonado. O meu estado de espírito obriga-me agora a trabalhar bastante, sem querer, no Livro do desassossego. Mas tudo fragmentos, fragmentos, fragmentos.12
10 PESSOA. Cartas a Armando Côrtes-Rodrigues. Pág. 22 11 PESSOA, Fernando. Correspondência 1905-1922. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. Pág. 125 12 Idem. Pág. 133
O conteúdo das cartas enviadas a Mário de Sá-Carneiro corresponde,
principalmente, à fase gestacional do Modernismo em Portugal. Mas também
escreve sobre o L. do D.:
(14 de março de 1916) Pode ser que se não deitar hoje esta carta no correio amanhã, relendo-a, me demore a copiá-la à máquina, para inserir frases e esgares dela no Livro do desassossego. Mas isso nada roubará à sinceridade com que a escrevo, nem à dolorosa inevitabilidade com que sinto.13
As cartas dirigidas a João Gaspar Simões tratam sobre as questões
referentes à publicação de textos do L. do D., da autoria de Bernardo Soares, e
que deveria ocupar o segundo lugar no projeto de edição de sua obra
completa.
(28 de junho de 1930) Quando se publica o 27 da Presença? Desejo enviar umas triunfais do Álvaro de Campos e mais uma coisa do meu meu.14
A ordenação que pretende dar à sua obra está na carta datada de 28 de
julho do ano de 1932.
Primitivamente, era minha intenção começar minhas publicações por três livros, na seguinte ordem: 1. Portugal, que é um livro pequeno de poemas (tem 41 ao todo), de que o Mar Português (Contemporânea 40 é a Segunda parte; O Livro do desassossego de Bernardo Soares, (pois que o Bernardo Soares não é um heterônimo, mas uma personalidade literária...) Sucede, porém, que o Livro do desassossego tem muita coisa que equilibrar e rever, não podendo eu calcular, decentemente, que me leve menos de um ano a fazê-lo. 15
13 PESSOA. Correspondência 1905-1922. Pág. 210 14 SIMÕES, João Gaspar. Cartas de Fernando Pessoa a João Gaspar Simões. Lisboa: Publicações
Europa-América, 1957. Pág. 52 -Esta edição foi publicada em apenas 110 exemplares, sendo que 10 ficaram como cota do autor. Foi o próprio Gaspar Simões quem escreveu a introdução, o apêndice e as notas. - O trecho a que Pessoa se refere é o correspondente ao fragmento de nº 95 da edição do Livro do desassossego, organizada por Richard Zenith, 1999. Pág. 125 Durei horas incógnitas, momentos sucessivos sem relação...
15 Idem. Pág. 117
Mesmo depois de publicado, em 1982, os estudiosos do Livro do
desassossego, retornam, com freqüência, aos documentos epistolares
pessoanos, fonte inesgotável de redescobrimentos.
2.1 A ÁGUIA
A estréia literária de Fernando Pessoa aconteceu em 1912, no número 4
da revista A Águia, com a publicação do artigo A Nova poesia portuguesa
sociologicamente considerada.16 Sucedem-se, a este primeiro, outros artigos
sob o mesmo tema: Reincidindo...17, na revista de nº 5, de maio de 1912; A
Nova poesia portuguesa no seu aspecto psicológico
1ª Parte, no nº 9, de
setembro de 1912, e a 2ª Parte no nº 11, de novembro de 1912; no nº12, de
dezembro de 1912, sai a publicação da última parte do artigo intitulado A Nova
poesia portuguesa psicologicamente considerada. Estes cinco artigos,
publicados espaçadamente, formam o grande estudo crítico de Fernando
Pessoa sobre a nova corrente literária que surgia.18
A revista A Águia surgiu em 1910 e teve uma segunda série em 1912,
que se tornou veículo de comunicação do grupo da Renascença Portuguesa,
formado por intelectuais do Porto. O ideário desse grupo era criar um novo
16 Revista A Águia, 2ª série, nº 04, Porto, 1912 17 Reincidindo... é um texto-resposta a uma Carta de Coimbra, escrita e publicada pelo jornal O Dia de Lisboa, em 24 de abril de 1912, intitulada A Literatura e o Futuro. Este artigo criticava o texto de Fernando Pessoa A Nova poesia portuguesa sociologicamente considerada. 18 Esses artigos foram publicados pela segunda vez nos números de maio a setembro de 1941, na revista Ocidente, de Lisboa. Uma terceira publicação foi feita, em 1944, nos Cadernos Inquérito, série G, Crítica e História Literária, com prefácio de Álvaro Ribeiro. 19 A Águia, 1912 20 A Águia, 2ª. A Águia, 1912.
Portugal, ou melhor, ressuscitar a Pátria Portuguesa, arrancando-a do túmulo
onde a sepultaram alguns séculos de obscuridade física e moral .19 Segundo
Teixeira de Pascoaes, o homem mais importante da Renascença, o grupo
queria regressar às fontes originais da vida, para criar uma nova vida .20
Os intelectuais da Renascença deram um novo perfil à revista, passando
esta para uma segunda fase com um conteúdo mais eclético, respeitando, até
onde possível, as procedências ideológicas de seus colaboradores. O
hibridismo dessa revista gerou uma indeterminação editorial que Pessoa soube
aproveitar muito bem, extraindo daí os fundamentos para o seu artigo que
consistia, àquela altura, na antevisão de uma Nova Renascença.
A colaboração de Pessoa na revista A Águia, com uma prosa crítica de
valor incontestável, teve um impacto grande nos meios políticos e culturais de
Portugal, principalmente para aqueles que não comungavam com seu
pensamento. Utilizando o mesmo espaço da A águia, Adolfo Coelho,
intelectual do Porto, acusa, sem citar o nome de Pessoa, de ser uma geração
de visão megalomaníaca e messiânica .
Entretanto, a razão determinante que levou Pessoa a escolher a revista
dos intelectuais do Porto ainda é razão de dúvida para os investigadores de
sua obra. Os pressupostos literários da Renascença pareciam, a princípio,
coincidir com a sua idéia patriótica, confessada a Armando Côrtes-Rodrigues,
em carta datada de 19 de janeiro de 1915:
Porque a idéia patriótica, sempre mais ou menos presente nos meus propósitos, avulta agora em mim; e não penso em fazer arte que não medite fazê-lo para erguer alto o nome português do que eu consiga realizar. 21
21 PESSOA. Cartas a Armando Côrtes-Rodrigues. Pág. 1
O interesse de Fernando Pessoa também não tinha um referencial
político declarado. Entendia que o grupo d A Águia, em sua segunda fase,
desempenhava um papel de transformação cultural da sociedade lusa. E,
neste particular, Pessoa fez uma análise em seu artigo Reincidindo..., dividida
em três partes sobre o futuro da literatura portuguesa. A primeira era sobre o
novo movimento literário
Portugal se prepara para um ressurgimento
assombroso, um período de criação e social como poucos o mundo tem tido .22
A segunda conclusão era acerca do momento político situacional daquele
movimento do Porto
tendo o movimento literário português nascido com e
acompanhado o movimento republicano, que está e será o glorioso futuro
deduzido .23 E a terceira conclusão: O republicanismo que fará a glória da
nossa terra e por quem novos elementos civilizacionais serão criados não é o
atual desnacionalizado, idiota e corrupto, do tripartido republicano .24
Um de seus grandes interesses em interferir na corrente do grupo d A
Águia foi o da arte e da cultura. Esta atitude de Pessoa está clara na mesma
carta enviada a Côrtes-Rodrigues: é uma conseqüência de encarar a sério a
arte e a vida. Outra atitude não pode ter para com a sua própria noção-do-
dever quem olha religiosamente para o espetáculo triste e misterioso do
Mundo."25
22 PESSOA. A Nova Poesia Portuguesa. Pág. 48 23 Idem. Ibidem. 24 Idem. Ibidem. - Os partidos a que Fernando Pessoa se referem são os que foram formadas as voltas de Afonso Costa (1871-1973), Brito Machado e Antonio José de Almeida (1866-1929). Este último eleito presidente da República de Portugal no ano de 1910. 25 PESSOA. Cartas a Armando Côrtes-Rodrigues Pág.1.
Decerto, a aproximação política e sociológica com o grupo do Porto,
possibilitou ao crítico Pessoa apresentar os seus conceitos sobre uma nova
página que se escrevia na história da literatura portuguesa, através de
fundamentos messiânicos que ainda hoje surpreendem quem o estuda. Com
efeito, a série de artigos que compõem a Nova poesia portuguesa, quer se diga
sociologicamente quer psicologicamente considerada, possui elementos que
antevêem o processo poético pessoano. A coterie formada pelos outros eus
e o ortônimo, as correntes literárias conhecidas como Paülismo,
Sensacionismo e Interseccionismo foram delineadas na revista A Águia. Para
justificar ainda mais seus conceitos, Pessoa atribui a essa nova poesia os
significados de vago , subtil , complexo , e sugere que se estabeleça um
equilíbrio entre eles para que a poesia daquela geração não seja
absolutamente subjetiva usando como exemplo o Simbolismo. O resultado foi
o nascimento de uma poesia com a preocupação constante com a Alma e a
Natureza.
O amor patriótico de Fernando Pessoa, referido em suas cartas, como
também as suas reflexões sobre um Portugal camoniano culminaram, como se
sabe, no poema Mensagem, único livro que organicamente 26 foi composto e
publicado em vida pelo poeta, poema que pode ser compreendido como um
dos resultados de suas primeiras publicações no Porto.
No artigo sobre crítica literária, escrito n A águia, o poeta de Mensagem
traça a evolução e o futuro da corrente literária do Modernismo português, a
26QUESADO, Clécio. Mensagem: labirintos de um livro à beira-mágoa. Rio de Janeiro: Editora Elo, 1999
27 PESSOA. A Nova poesia portuguesa, Pág. 48
partir da contextualização de um Portugal histórico e culturalmente engajado
na primeira década do século XX com países da Europa, mais especificamente
na Inglaterra e na França.
...este movimento poético dá-se coincidentemente com um período de pobre e deprimida vida social, de mesquinha política, de dificuldades e obstáculos de tosa a espécie e a mais quotidiana paz individual e social, e a mais rudimentar confiança ou segurança num ou de um, fututo.27
Ainda no mesmo artigo, Pessoa enfatiza a sua dedução em relação ao
futuro literário lusitano:
...mais conclusivo se nos afigura o próximo parecer de um supra Camões na nossa terra. [...] Porque a corrente literária, como vimos, precede sempre a corrente social nas épocas sublimes de uma nação. [...] Ousemos concluir isto, onde o raciocínio excede o sonho: que a actual corrente literária, das que precedem as grandes épocas criadoras das grandes nações de quem a civilização é filha.28
Na última série do artigo A Nova poesia portuguesa psicologicamente
considerada, Fernando Pessoa reúne todos os artigos anteriores e conclui
argumentando que qualquer fenômeno literário
corrente, ou grupo, ou
individualidade
susceptível de ser considerado sob três aspectos para ser
completamente compreendido. Esses três pontos de vista são o psicológico, o
literário e o sociológico.29
O tecido literário de Pessoa é formado pelos significantes e significados
das variantes psicológica, literária e sociológica. Assim, o resultado é um tecido
literário uno e renovado, cuja trama é vista de três maneiras distintas e
entrecruzadas. A primeira variante para Fernando Pessoa é a metafísica
28 PESSOA. A Nova poesia portuguesa, Pág. 48 29 Idem. Pág. 28 30 Idem. Pág.64
conceito do universo e das coisas que subjaz às manifestações dessa
corrente. A segunda é a estética, como modo de ser literário , e a terceira é a
sociologia, que significa as teorias sociais .30
Nestes argumentos, Fernando Pessoa vai além de uma análise da
poesia saudosista finissecular. Através da sua compreensão, configura o seu
processo profético ao afirmar que a nossa poesia caminha para o auge: o
grande poeta proximamente vindouro, que encarnará esse auge, realizará o
máximo equilíbrio da subjectividade e da objectividade .31 Pessoa assinala
ainda neste texto que a nova poesia portuguesa deve conciliar esses contrários
subjetividade e objetividade
por meio da emoção e da inteligência. A nova
poesia portuguesa, uma vez equilibrada na Alma e na Natureza, fundamentada
em uma análise comparativa com a poesia inglesa e o romantismo francês se
firmará como a poesia nacional.
A tessitura dos artigos A Nova poesia portuguesa está esmiuçada em
cartas escritas por Pessoa a Álvaro Pinto, então dirigente da Renascença
Portuguesa e secretário da revista A águia. Foram trocadas correspondências,
no período de 25 de abril a 04 de dezembro de 1912, especificamente sobre
esse texto crítico e sobre o texto em prosa Na Floresta do alheamento.
Como é sabido, muitos dos documentos de Pessoa não são datados e
exigem muita perícia do investigador para torná-los datáveis. Ao contrário, as
cartas enviadas a Álvaro Pinto estão todas datadas, o que é um lenitivo para
os seus estudiosos. Elas revelam o processo editorial desses artigos; a
demora em escrevê-los, os percalços e mesmo os problemas enfrentados com
os próprios editores.
Em 25 de abril de 1912, Pessoa escreve a Álvaro Pinto explicando que
não mandara o artigo sobre A Nova literatura portuguesa sociologicamente
considerada e dando como novo prazo o final do mesmo mês.
Como, porém, V...compreende, a elaboração raciocinativa de um assunto originalmente concebido é difícil, e especialmente difícil quando considerações de espaço tipográfico entram
isto é, têm de ser levados em conta
na
elaboração do raciocínio. (...) Como foi no dia 7 de Abril que recebi as provas do meu primeiro artigo, e elas revistas, chegaram a tempo de não demorar a saída de A Águia, creio (a não ser que o número 5 saia antes do habitual dia 15) que, dando 7 dias de margem para a composição tipográfica do artigo, dou amplo tempo ao compositor. 32
Há nesta carta duas informações, para além da questão tipográfica. A
primeira diz respeito à continuação dos seus estudos e escritos sobre a poesia
portuguesa, cuja segunda parte seria enviada no final do mês de abril. A
segunda diz respeito ao artigo Reincidindo... que foi publicado em maio de
1915, como resposta a um artigo de O Dia, de Lisboa, já mencionado
anteriormente, na nota de pé-de-página de nº 17.
Dois meses depois, em 24 de junho de 1912, Fernando Pessoa envia
mais uma de suas cartas a Álvaro Pinto sobre o artigo que, na seqüência dos
anteriores, se intitula A Nova poesia portuguesa no seu aspecto psicológico.
Apesar da minha toda vontade em satisfazer a promessa de enviar o meu artigo no dia que indiquei, tenho encontrado dificuldade, de ordem racionativa, na execução do escrito. Entre o fazer um artigo cuja imperfeição torturaria tanto o meu senso intelectual como a minha noção do que é devido à Águia, e não o fazer, escolhi, ainda que magoado por ter de faltar ao que prometera, o não enviar a tal colaboração para este mês. Dá-se o caso de ser o mais difícil e importante, por incluir a caracterização da nova corrente literária. 33
31 PESSOA. Correspondências 1905- 1922. Pág.. 240 32 PESSOA. Correspondências 1905-1922. Pág. 41
33PESSOA. Correspondências 1905-1922. Pág. 41 34Idem.Pág. 45
Outra carta datada de 29 de agosto de 1912, Fernando Pessoa envia
ainda ao secretário da revista A Águia, solicitando que una seus últimos artigos
em apenas um número, evitando, inclusive, a não compreensão por outros
críticos ou editores. São os artigos sobre os aspectos psicológicos,
sociológicos e a influência da Renascença Portuguesa na História da Literatura
Portuguesa.
Estimaria muito, e agradecia muito, eu, e o raciocinador que há em mim, se o meu amigo pudesse conseguir que num só número viessem
como, pela lógica, devem ser
os três capítulos do artigo que para aí, em duas remessas enviei. (...) Creio que faziam justiça, de algum modo, à Renascença. Os outros também a faziam, mas faziam-na errado, o que, para mim, é não a fazer. 34
O ano de 1913 é rico em exemplos epistolares sobre o caminho editorial
de Fernando Pessoa e dos intelectuais do Porto. Mas, uma carta é especial
para o Livro do desassossego. A indagação ao secretário d A águia é cada vez
mais freqüente, já que Pessoa percebe que sua literatura não comunga com o
gosto do grupo do Porto.
O meu amigo sabe que nada mais estimo do que absoluta franqueza nesses assuntos. O Na Floresta do alheamento será ultra-excessivo, em matéria de requinte, para que achem prudente que A Águia o insira? Diga-mo francamente. 35
Em 25 de maio de 1914, Pessoa escreve a Álvaro Pinto, perguntando da
possibilidade de publicar algo seu: uma peça sua, O Marinheiro, de um ato de
gênero especial chamado pelo autor de estático . Este mesmo drama foi
publicado em 1915, no n.º 1 de Orpheu.
35 PESSOA. Correspondências 1905-1922. Pág. 101 36 Idem.. Pág.116 37 PESSOA. Correspondências 1905-1922. Pág.130-131
Dentro em pouco mandar-lhe-ei, para a Renascença, caso queira editar, um escrito meu. (...) Claro está que o amigo com toda a franqueza me dirá, depois de ler a peça, se convém realmente editá-la. Exijo, e não me ofenderei com uma recusa uma franqueza absoluta. A peça formará uma mera plaquette. Não lha remeto para A águia porque para esse fim é, além de extensa, vagamente imprópria. 36
A sua última carta enviada a Álvaro Pinto é datada de 12 de novembro
de 1914. Ela compara os textos Na Floresta do alheamento e o outro drama
estático O Marinheiro. Em uma única missiva, Pessoa relata o seu desagrado
com o grupo da Renascença e se dá como indisponível para continuação
desse seu trabalho.
Há meses escrevi para aí, ao meu Amigo, como de costume, perguntando-lhe se a Renascença editaria uma plaquette minha, e expliquei que se tratava de um drama que num acto, de um género a que eu chamo estático , e sobre cuja forma e feitio eu disse, para dele dar alguma idéia, que se assemelhava, como com efeito se assemelha, ao escrito Na Floresta do alheamento que publiquei n A águia. Depois disto, pedia eu na carta referida que o meu Amigo me dissesse francamente se a Renascença podia ou queria editar aquele trabalho. Fiz esta pergunta porque tomei os seus anteriores oferecimentos sobre editar trabalhos meus como referindo-se a trabalhos de crítica ou sociologia, e não as produções propriamente literárias. Eu acrescentei, até, que de modo algum me ofenderia com uma recusa. Sei bem a pouca simpatia que o meu trabalho propriamente literário obtém da maioria daqueles meus amigos e conhecidos, cuja orientação de espírito é lusitanista ou saudosista. 37
E, depois de situar as verdadeiras razões de divergência entre ele e o
grupo do Porto, Fernando Pessoa dá por terminada a sua carta e sua relação
com o grupo da Renascença.
Quanto ao referido trabalho, ou outros trabalhos quaisquer, permita-me o Amigo que lhe peça para colaborar comigo em não falarmos mais nisso. Cessei. (...) Não podendo ter a maravilhosa e natural saúde de não ter opinião nem sonhos, esforcemo-nos ao menos por adquirir a artificial saúde da renúncia. Desculpe-me ter-lhe tomado tanto tempo, e ter acabado de modo tão indecorosamente literário. 38
A bibliografia que possibilitou conhecer as cartas enviadas por Fernando
Pessoa a muitos de seus remetentes não viabilizou todavia, que fossem
38PESSOA. Correspondências 1905-1922. Pág . 132
encontradas as cartas respostas. Foi o que se deu com a correspondência
entre o autor estudado e o secretário da revista A Águia.
2.2. NA FLORESTA DO ALHEAMENTO
A primeira publicação de um texto literário de Fernando Pessoa foi Na
Floresta do alheamento (Anexo 5), no número 20 da revista A Águia, em
agosto de 1913. Levou a sua assinatura e uma indicação em letras maiúsculas
para o L. do D. e cujo tema central é o desassossego do eu .
Ao ler o texto Na Floresta do alheamento percebe-se que o seu
conteúdo se encontra no Livro do desassossego: o tédio, a morte, o tempo, o
amor. Nos projetos de Pessoa para publicação do Livro este trecho aparece
como parte do seu corpus. Conhecer este texto é o primeiro passo para
conhecer o Livro do desassossego. Apontar alguns pontos desta plaqueta é
importante para quem lê essa obra de Pessoa.
Na Floresta do alheamento é um breviário do Interseccionismo, que
simboliza a inquietação de quem o escreveu. A sua estrutura apresenta a
predominância dos verbos no pretérito imperfeito e no infinitivo, acentuando a
imperfeição da vida e a noção de que apenas as sensações podem regê-la.
Neste texto não há definição de tempo: pois este é estático. As descrições de
espaço e tempo são feitas por imagens fragmentadas e instantâneas, que
aparecem e desaparecem em meio às reflexões do sujeito enunciador.
Uma boa definição sobre o significado de Na Floresta do alheamento é
feita pelo próprio autor em carta enviada a João Lebre de Lima39:
A propósito de tédios, lembra-me perguntar-lhe uma coisa... Viu, num número do ano passado, de A Águia, um trecho meu chamado Na Floresta do alheamento? Se não viu, diga-me. Mandar-lho-ei. Tenho imenso interesse em que v. conheça esse trecho. É o único trecho meu publicado em que faço eu o tédio, e do sonho estéril e cansado de si próprio mesmo ao ir começar a sonhar-se, um motivo e o assunto. Não sei se lhe agradará o estilo em que o trecho está escrito: é um estilo especialmente meu, e que aqui vários rapazes
39 PESSOA. Correspondência 1905-1922. Pág. 114
amigos, brincando, chamam o estilo alheio , por ser naquele trecho que aparece. E Referem-se a falar em alheio , escrever em alheio , etc.·· 40
O mote do texto Na Floresta do alheamento é o desassossego, que
também é o título escolhido para o livro que nunca existiu materialmente
O
Livro do desassossego.
Aquele trecho pertence a um livro meu, de que há outros trechos escritos mas inéditos, mais de que falta ainda muito para acabar; esse livro chama-se Livro do desassossego, por causa da inquietação e incerteza que é a sua nota predominante. No trecho publicado isso se nota. O que é em aparência um mero sonho, ou entressonho, narrado, é
sente-se logo que se lê, e deve, se realizei bem, sentir-se através de toda a leitura
uma confissão sonhada da inutilidade dolorosa fúria estéril de sonhar.41
A construção dramática do texto se dá entre a vigília, o sono e o acordar.
Fernando Pessoa faz uso desses estágios do sono para descrever a sua
realidade agonizante.
Sei que despertei e que ainda durmo. O meu corpo antigo, moído de eu viver, diz-me que é muito cedo ainda. Sinto-me febril de longe. Peso-me não sei quê... Num torpor lúcido, pesadamente incorpóreo, estagno, entre o sono e a vigília, num sonho que é a sombra de sonhar. Minha atenção bóia entre dois mundos e vê cegamente a profundeza de um mar e a profundeza de um céu, e estas profundezas interpenetram-se, misturam-se, e eu não sei onde estou nem o que sonho.42
O texto procura absorver a sua expressão de ver e sentir o mundo.
Sentindo tudo e a si mesmo. Em Na Floresta do alheamento, a descrição que
é feita dos sentidos, sobretudo a do sono, revela a instabilidade e a falta de
realidade que o sujeito enunciador sofre. Um oxímoro une os estados de torpor,
sono e vigília, transformando-os em outra realidade:
Com uma lentidão confusa acalmo. Entorpeço-me. Bóio no ar, entre velar e dormir, e uma outra espécie de realidade surge, e eu em meio dela, não sei de que onde que não é este.... Surge mas não apaga esta, esta de alcova tépida, essa de uma floresta estranha. Coexistem na minha atenção algemada as duas realidades, como dois fumos que se misturam. 43
40 Idem. Ibidem. 41 PESSOA. Correspondência 1905-1922. Pág. 114 42 PESSOA. O Livro do desassossego, 1999. Pág.452 43PESSOA. Idem. Pág. 453
Em seus primeiros parágrafos já estão representados os sentidos, as
sensações através do sonho.
O meu corpo antigo, moído deu eu viver, diz-me que é muito cedo ainda. (...) a profundeza de um mar e a profundeza de um céu; e estas profundezas interpenetram-se, misturam-se, e eu não sei onde estou nem o que sonho. (...) Um vento de sombras sopra cinzas de propósitos mortos sobre o que eu sou de desperto. 44
O amor é só desengano.
Desenganemo-nos, meu amor, da vida e dos seus modos. Fujamos a sermos nós...Não tiremos do dedo o anel mágico que chama, mexendo-se-lhe, pelas fadas do silêncio e pelos elfos da sombra e pelos gnomos do esquecimento... E ei-la que, ao irmos a sonhar falar nela, surge entre nós outra vez, a floresta muita, mas agora mais perturbada da nossa perturbação e mais triste da nossa tristeza. 45
O texto é descrito no mais profundo tédio.
Ali vivemos um tempo que não sabia decorrer, um espaço para que não havia pensar em poder medi-lo. Um decorrer fora do Tempo, uma extensão que desconhecia os hábitos da realidade do espaço...Que horas, ó companheira inútil do meu tédio, que horas de desassossego feliz se fingiram nossas ali!...Hora de cinza de espírito, dias de saudade espacial, séculos interiores de paisagem externa...e nós não nos perguntávamos para que era aquilo, porque gozávamos o saber que aquilo não era nada. 46
A finitude humana e a indeterminação do tempo estão claras no texto.
Reparávamos de repente, como quem repara que vive, que o ar estava cheio de cantos de ave, e que, como perfumes antigos em cetins, o marulho esfregado das folhas estava mais entrenhado em nós do que a consciência de o ouvirmos. E assim o murmúrio das aves, o sussurro dos arvoredos e o fundo monótono e esquecido do mar eterno punham à nossa vida abandonada uma auréola de
44 PESSOA. O Livro do desassossego, 1999. Pág. 453 45 Idem . Pág. 456 46 Idem. Pág. 455 47 Idem. Pág.455.
não o conhecermos. Dormimos ali acordados dias, contentes de não ser nada, de não ter desejos nem esperanças, de nos termos esquecidos da cor dos amores e do sabor dos ódios. Julgávamo-nos imortais...47
É um texto de angústia e morte:
Que nítida de outra e de ela essa trêmula paisagem transparente! E quem é essa mulher que comigo veste de observada essa floresta alheia? Para que é que tenho um momento de mo perguntar? Eu nem sei querê-lo saber... A alcova vaga é um vidro escuro através do qual, consciente dele, vejo essa paisagem... e essa paisagem conheço-a há muito, e há muito que com essa mulher que desconheço erro, outra realidade através da irrealidade dela.. (...) Sonho e perco-me, duplo de ser eu e essa mulher. Um grande cansaço é um fogo negro que me consome...Uma grande ânsia passiva é a vida falsa que estreita...48
A floresta alheia é a fronteira entre a vida e a morte.
De vez em quando pela floresta onde de longe me vejo e sinto, um vento lento varre um fumo, e esse fumo é a visão nítida e escura da alcova em que sou actual, destes vagos móveis e reposteiros e do seu torpor nocturno. Depois esse vento passa e torna a ser toda só ela a paisagem daquele outro mundo... 49
Em Na Floresta do alheamento, o desengano é o caminho mais fácil
para a vida.
A nossa vida não tinha dentro. Éramos fora e outros. Desconhecíamo-nos, como se houvéssemos aparecido às nossas almas depois de uma viagem através dos sonhos... Tínhamos nos esquecido do tempo, e o espaço imenso empequenara-se-nos na atenção. Fora daquelas árvores próximas, daquelas latadas afastadas, daqueles montes últimos no horizonte haveria alguma coisa de real, de merecedor de olhar aberto que se dá às coisas que existem?...50
A Floresta do alheamento é construída por uma estrutura textual de
imagens, e a essência de seu texto está nas sensações expostas em cada
48 PESSOA. O Livro do desassossego, 1999. Pág. 455 49 Idem. Ididem. 50 Idem. Ibidem. 51 Idem. Ibidem.
frase: E eu, que longe dessa paisagem quase a esqueço, é ao tê-la que tenho
saudades dela, é ao percorrê-la que a choro e a ela aspiro.... 51
Fernando Pessoa finaliza esse drama poético com frases que revelam a
imperfeição humana, o efêmero do sonho, do tédio e da morte.
Desenganemo-nos da esperança, porque trai, do amor, porque cansa, da vida, porque farta e não sacia, e até da morte, porque traz mais do que se quer e menos do que se espera. Desenganemo-nos, Ó Velada, do nosso próprio tédio, porque se envelhece de si próprio e não ousa ser toda a angústia que é. Não choremos, não odiemos, não desejemos... Cubramos, ó Silenciosa, com um lençol de linho fino o perfil hirto e morto da nossa Imperfeição... 52
52 PESSOA. Livro do desassossego.1999. Pág. 453
2.3. DUAS CARTAS
O Livro do desassossego, em sua forma editorial foi organizado com
documentos que comprovam a sua existência pelo seu autor. Entre estes
documentos estão duas cartas de enorme significado para a construção do
memorial do desassossego.
A primeira data de 3 de fevereiro de 1913, enviada de Paris, por seu
amigo Mário de Sá-Carneiro. Trata-se de uma carta de admiração, de
confissão e de preocupação com o trabalho de Pessoa. Sá-Carneiro reflete a
necessidade que há de publicação da obra de seu amigo, baseado nos artigos
escritos para a revista A Águia, referindo-se à série da Nova poesia portuguesa
e a Na Floresta do alheamento.
O trecho expressa, nitidamente, toda a admiração intelectual de Sá-
Carneiro pelo poeta do alheamento. Esta estima e cumplicidade intelectual
desses dois poetas gerou a página principal do Modernismo português.
Recebi a sua carta anteontem. Não sei como agradecer-lhe. E só lhe digo que ela me causou uma grande alegria porque nos dá sempre grande prazer sabermos que temos quem nos estime e nos compreende. Obrigado. Em primeiro lugar quero-lhe falar das suas poesias. Elas são admiráveis, já se sabe, mas o que mais aprecio nelas é a sua qualidade. Eu me explico. Os seus versos são cada vez mais seus. O meu amigo vai criando uma nova linguagem, uma nova expressão poética e
veja se compreende o que eu quero significar
conseguiu uma notável força de sugerir que é a beleza máxima das suas poesias sonhadas. É muito difícil dizer o que quero exprimir: entre os seus versos correm nuvens.53
A seqüência é um trecho confessional de Sá-Carneiro:
53 SÁ-CARNEIRO. Cartas a Fernando Pessoa. 1973. Pág. 62 54 Idem. Ibidem.
Quantas vezes em frente dum espelho
e isto já em criança
eu não me
perguntava olhando a minha imagem: Mas o que é ser-se eu; o que sou eu? E sempre, nestas ocasiões, de súbito, me desconhecia, não acreditando que eu fosse eu, tendo a sensação de sair de mim próprio. Concebe isto?54
A admiração do poeta, que vivia em Paris em fins de 1912, não poupou
seu amigo de uma crítica severa sobre suas publicações.
O que é preciso, meu querido Fernando, é reunir, concluir os seus versos e publicá-los, não perdendo energias em longos artigos de crítica nem tão pouco escrevendo fragmentos admiráveis de obras admiráveis, mas nunca terminadas. É preciso que se conheça o poeta Fernando Pessoa, o artista Fernando Pessoa
e não o crítico só
por lúcido e brilhante que ele seja. Atenda bem nas minhas palavras. Eu reputo mesmo um perigo para o seu triunfo a sua demora em aparecer como poeta.55
Mário de Sá-Carneiro faz referência aos artigos escritos por Pessoa n A
Águia, ao drama Na Floresta do alheamento e a outros fragmentos
que pelo
texto de sua carta parece conhecer cujo projeto era o Livro do desassossego.
E de forma muito clara conclui o seu parágrafo sobre o assunto:
Habituado a ser considerado como o belo crítico, os outros terão estúpida mas instintivamente repugnância em o aceitar como poeta. E você pode encontrar-se o crítico-poeta e não o poeta-crítico. Por isso, embora em princípio eu concorde com a sua resolução de não publicar versos senão em livro, achava preferível
se não vê possibilidade de o ver sair num espaço breve
a inserção de algumas de suas poesias (ainda que poucas) na Águia. Seria pour prendre date como poeta.56
A segunda carta foi escrita por Fernando Pessoa para Madalena
Nogueira, sua mãe, em 5 de junho de 1914, quando esta ainda morava na
África do Sul. Abaixo da data em que foi escrita há a indicação L. do D. , o que
55 SÁ-CARNEIRO. Cartas a Fernando Pessoa. 1973. Pág. 63 56 Idem. Ibdem.
dá a entender que havia interesse de Fernando Pessoa em incluí-la, em pelo
menos em algumas passagens, no Livro do desassossego.
Entre o relato do seu sentimento de solidão e o seu comichão
intelectual , Fernando Pessoa revela a sua dúvida entre publicar o seu livro ou
permanecer inédito.
Mesmo a circunstância de eu ir publicar um livro vem alterar a minha vida. Perco uma coisa
o ser inédito. E assim mudar para melhor, porque mudar é mau, é sempre mudar para pior. E perder é um defeito, ou uma deficiência, ou uma negação. Sempre é perder. Imagine a Mamã como não viverá, de dolorosas sensações quotidianas, uma criatura que sente desta maneira!57
Fernando Pessoa toma como referência o que seus amigos escrevem
sobre a sua vida intelectual e o seu futuro como poeta.
Que serei eu daqui a dez anos
de aqui a cinco anos mesmo? Os meus amigos dizem-se que eu serei um dos maiores poetas contemporâneos
dizem-no vendo o que eu já tenho feito, não o que poderei fazer (se não eu não citava o que eles dizem...) Mas sei eu ao certo o que isso, mesmo que se realize, significa? Sei eu a que isso sabe? Talvez a glória saiba a morte e a inutilidade, e o triunfo cheire a podridão. 58
Esta carta enviada à sua mãe consta nas edições que foram publicadas
do Livro do desassossego. Os organizadores destas edições assim o fizeram
por terem encontrado no seu original as seguintes informações: para o ''L do
D.", nota e cópia de carta para Pretória . Na edição princeps, de 1982, de
Jacinto do Prado Coelho, ela está localizada no Volume I, no corpo do livro,
com número de fragmento 10, páginas 8 -11.
Na edição organizada por Teresa Sobral Cunha, a mesma carta consta
do Volume I, páginas 118 e 119, da autoria de Vicente Guedes. O título foi
57 PESSOA. Correspondências 1905-1922, 1999. Pág.117-118. 58 Idem. Ibidem
grafado entre parênteses (cópia duma carta para Pretória de 5-6-1914) - com
um sinal de asterisco e explicação ao pé-de-página sobre a missiva.
Richard Zenith, que publicou o Livro do desassossego, em 1998,
transcreveu a carta no item III do Apêndice ao qual denominou Outros textos e
fragmentos não integrados no corpus .
Nos documentos pesquisados sobre o Livro, estas duas cartas formaram
um elo de ligação na vida literária do autor. A primeira porque diz respeito à
fase embrionária do Livro, e a segunda dá conta de como Pessoa percebe a
vida ao publicar um livro: Neste caso o Livro do desassossego.
3. No Caminho do Desassossego
Cheguei àquele ponto em que o tédio é uma pessoa, a ficção encarnada do meu convívio comigo.
BERNARDO SOARES
Em 1932, Fernando Pessoa escrevia a João Gaspar Simões sobre
como pretendia publicar a sua obra fazendo uma ressalva sobre o Livro do
desassossego: Sucede, porém, que o Livro do desassossego tem muita coisa
que equilibrar e rever, não podendo eu calcular, decentemente, que me leve
menos de um ano a fazê-lo .1 Passados mais de setenta anos desta afirmação
do autor, esta obra inacabada foi editada e reeditada, por renomados
estudiosos de Pessoa. Cada qual com a sua interpretação pessoal para uma
organização entendida como definitiva, consagrando o Livro do desassossego
como a prosa pessoana.
A afirmação de Pessoa já seria suficiente para que fossem aceitos como
definitivos os documentos escritos e separados em envelopes contidos em sua
já famosa arca, como sendo para o Livro do desassossego. É um equívoco
também considerar o Livro de a prosa pessoana. Pessoa escreveu muita coisa
em prosa. A prosa desse "indisciplinador de almas" vai além do Livro do
desassossego. Em 1976, Cleonice Berardinelli 2 organizou e prefaciou um livro
1 SIMÕES, João Gaspar. Cartas de Fernando Pessoa a João Gaspar Simões. Lisboa: Publicações Europa-América, 1957. pg. 117.
2 BERARDINELLI, Cleonice. Alguma Prosa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1990.
contendo textos em prosa de Fernando Pessoa, desde a sua adolescência até
o último ano de vida.
Para editar uma obra é preciso respeitar o desejo do autor, e Fernando
Pessoa continua a existir em seus papéis, em documentos epistolares e em
testemunhos registrados pelos que com ele conviveram. É preciso lê-lo para
compreender e respeitar a forma final que ele gostaria que fosse dada à sua
obra. Ivo Castro3, esclarece essa questão editorial afirmando que, na verdade,
apenas o que o próprio autor preparou e classificou em definitivo poderiam ser
considerados, e mesmo assim tendo o autor revisto suas provas e
acompanhado de perto a leitura de sua publicação. Não foi este o caso. O Livro
do desassossego é marcado pelo modo de trabalho de seu autor, que sempre
atribuiu maior valor à redação do que à publicação de seus apontamentos.
Alguns dos fragmentos pertencentes a esta obra foram publicados por Pessoa
e outros tantos deixados em desordem. Este universo de registros, legados
como testamento pelo autor, colocam sempre em discussão a existência de
uma edição definitiva que Pessoa não pôde ou não quis equilibrar e rever.
Em setembro de 2004, no colóquio Fernando Pessoa: outra vez te
revejo... realizado no Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro,
Foram contemplados os textos de O Eu Profundo, Os Outros Eus, Idéias Estéticas da Arte e da Literatura, Idéias Filosóficas, idéias Políticas, Teoria e Prática do Comércio e sua Ficção (onde está incluído o Livro do desassossego)
3 CASTRO, Ivo. Editar Fernando Pessoa. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1990. 4 DUARTE, Luiz Fagundes. Pessoa Desassossegado. Rio de Janeiro: Real Gabinete Português de Leitura,
setembro de 2004. (texto cedido, sob reserva, pelo autor a esta mestranda)
Luiz Fagundes Duarte4, em sua conferência, discorreu sobre as edições
críticas do Livro do desassossego.
Não vou dizer, é claro, que seja coisa de doidos a já longa tradição de edições da obra de Pessoa
embora o conhecimento que tenho dos materiais autógrafos do
escritor, das hesitações e incongruências que neles se encontraram, das fortíssimas diferenças que freqüentemente existem entre a versão final da pequena parte da obra publicada em vida e os respectivos manuscritos autógrafos ainda conservados (o que por vezes retira o tapete ao editor, que assim deixa, nas situações de dúvida, de poder contar com o argumento dos hábitos autorais como guia de bem trabalhar o texto), do complicado código de sinais gráficos que sabemos que representam intenções do autor mas que ele não descodificou e que, por isso, para nós pouco mais são do que marcações de hipóteses, da grande variação de letras e de materiais e suportes de escrita, das possibilidades de leitura que permitem aos editores, enfim -, mas, recordando Ravel, conhecer as características dos manuscritos autógrafos de Pessoa, e arriscar a realização de uma edição crítica e rigorosa da sua obra a partir dos suportes que a contêm, se não é de tornar o filólogo em doido (já que o verdadeiro filólogo tem que estar preparado para tudo), é pelo menos uma das maneiras possíveis de conhecer a obra pessoana: mesmo na imensa confusão em que os deixaram quem pela primeira vez desfez que esvaziou os envelopes em que o autor os havia arrumado os papéis autógrafos pessoanos que continuam a ser a partitura onde se encontra a grande sinfonia de Fernando Pessoa.5
Neste parágrafo, Luiz Fagundes Duarte, sintetizou as grandes questões
que se formam em torno do critério utilizado para editar o Livro do
desassossego. E não é à toa que faz essas referências. A partir do legado
documental de Pessoa, do estudo pioneiro feito por Jorge de Sena6, passando
pela edição princeps de Jacinto do Prado Coelho até a mais recente de Richard
Zenith, independente de suas qualidades, todas apresentaram ao público em
geral versões diferentes de uma mesma obra.
O leitor, cujo interesse está sobretudo na obra e no autor, dará sempre
benefício à dúvida em qualquer edição que leia. Essas edições formam um
cruzamento de justificativas editoriais, cujas respostas irão de zero a infinito.
5 DUARTE, Luiz Fagundes. Pessoa Desassossegado. Rio de Janeiro: Real Gabinete Português de Leitura, setembro de 2004. Pág. 2
6 SENA, Jorge de. Fernando Pessoa Cª Heteronímia. Lisboa: Edições 70, 2000. 3ª Edição.
Interessa a esse leitor saber como e de que forma cada um dos editores do
Livro do desassossego deu substância à decisão do próprio Fernando Pessoa:
A organização do livro deve basar-se numa escolha, rígida quanto possível, dos trechos variadamente existentes, adaptando-se, porém, os mais antigos, que falhem à psicologia de Bernardo Soares, tal como agora surge, a essa vera psicologia. À parte isso, há que se fazer uma revisão geral do próprio estilo, sem que ele perca, na expressão íntima, o devaneio e o desconexo lógico que o caracterizam. 6
O desejo de Fernando Pessoa era fazer um livro desconexo, adaptando
alguns trechos que falhassem ao semi-heterônimo Bernardo Soares, como
também a revisão geral do próprio estilo.
Na década de 50, Jorge de Sena chegou a assumir a tarefa de editar o
Livro do desassossego, a partir de um trabalho de pesquisa e cópia dos textos
feita por Maria Aliete Galhoz. Todavia, após entreveros editoriais, acabou por
desistir. Mas o seu estudo é ponto de partida para quem se ocupa do L. do D..
Comum aos seus sucessores, uma das afirmativas de Sena é o binômio
desassossego-Pessoa.
Seria por certo um exagero considerar-se que o desassossego de Fernando Pessoa estará todo no livro que ele imaginou com esse título, ou no que como Livro , ele alguma vez chegou a ser. Esta obra fragmentária não é senão mais uma das suas várias obras por pessoas várias. 7
A primeira edição do Livro foi a publicada em 1982, organizada por
Jacinto do Prado Coelho, a partir do trabalho de pesquisa e de fixação de texto
de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Esta publicação é um marco
editorial na obra de Fernando Pessoa. Daí vieram novas edições do L. do D. e
novos estudos sobre Pessoa.
7 SENA. 2000. Pág. 145
A fortuna crítica amealhada desde o afloramento maciço de sua poesia
multiplica-se a partir dessa edição princeps e não pára de crescer a polêmica
em relação ao autor e à sua obra. O II Congresso Internacional de Estudos
Pessoanos, realizado em Nashville, em 1984, teve como tema central o Livro
do desassossego. Neste Congresso, Eduardo Lourenço apontou para a
importância dessa edição:
Em boa hora os responsáveis pela existência literária de O Livro do desassossego no-lo ofereceram. Não que a já conhecida textualidade pessoana tenha esgotado o encanto e o mistério que são consubstanciais. Mas os teólogos pessoanos, que todos nós somos um pouco, começavam a moer a mesma farinha e a percorrer, talvez com excessiva confiança, as veredas imbalizáveis de uma aventura culturalmente terminada. Parecia ter chegado o tempo de aprender mais (e sobre) quem se ocupa com Pessoa que sobre o próprio Pessoa, o que sem ser escandaloso
até porque é também inevitável
remetia (remete) o texto para o pretexto, a voz que nos interpela e convoca para o discurso que a devora e apaga. 8
O ano de 1986 foi marcado por novas edições do Livro do
desassossego. No Brasil, Leyla Perrone-Moysés9 publicou uma edição com
308 fragmentos, em ordenação temática, tal como a portuguesa de Jacinto do
Prado Coelho com uma organização subdividida em tópicos. Perrone-Moysés
atribuiu, conscientemente, à sua edição critérios próprios de estruturação à
obra desestruturada de Fernando Pessoa:
Esta edição do Livro do desassossego é discutível. Como todas, passadas ou futuras, por uma razão ou por outra. (...) Poderá, isto sim, haver edições mais completas, mais fiéis aos originais, edições preparadas e apresentadas com todo o aparato crítico que a ciência textual permite. Mas esta é uma edição voluntariamente incompleta e decididamente pouco científica. Não é uma edição para especialistas ou estudiosos da obra de Pessoa; é apenas uma edição corrente, feita para os amadores do Poeta, que são legião em nosso país. 10
8 LOURENÇO, Eduardo. Fernando, Rei da nossa Baviera. Lisboa; Casa da Moeda. Editora Nacional, 1993. Pág. 78
9 PESSOA, Fernando. O Livro do desassossego.São Paulo: Editora Brasiliense, 1996. Pág. 34 11 PESSOA, Fernando. O Livro do desassossego. Lisboa: Editorial Comunicação, 1986.
No mesmo ano, em Portugal, Maria Alzira Seixo11, publicou o Livro do
desassossego de Bernardo Soares. Igualmente baseada na organização da
edição princeps a sua diferença se faz sobretudo pelas sugestões para análise
literária do texto e também pelo apêndice bibliográfico elaborado por José
Blanco. A sua organização foi feita com a seleção de 200 fragmentos dos dois
volumes da edição de 1982, formando, pois, uma antologia capaz de dar uma
compreensão geral da obra. É uma edição menos erudita e com menor aparato
crítico, voltada para um público iniciante, mais precisamente de estudantes do
Portugal dos anos 80.
Em 1990, Teresa Sobral Cunha12 publica a sua edição do afamado Livro.
A sua organização foi pautada nas centenas de textos desconexos inéditos e
éditos que Pessoa deixou em sua arca. Sobral Cunha publica o Livro do
desassossego como dois livros de dois autores; o semi-heterônimo Bernardo
Soares e o heterônimo Vicente Guedes. Do seu ponto de vista, baseada em
sua investigação nos documentos históricos, há a evidência clara de que
Pessoa tinha mais do que um livro, isto é: o percurso possível de um livro, fiel,
até o fim, ao estádio incipiente ('em preparação') de que partiu, e em manifesta
homologia com quem, falando do destino próprio, negou a evolução, mas não a
viagem . 13
A idéia de que Pessoa tivesse como projeto um título para dois livros e
não apenas um já estava contido no estudo de Jorge de Sena:
É que o livro a que pertence o trecho de 1913 não é, todavia, o mesmo a que pertencem os outros
mas um dos núcleos de que, como de outros projectos iniciais, brotou o Fernando Pessoa verdadeiramente grande e liberto de
14 SENA. 2000. Pág. 145. 15 PESSOA, Fernando. O Livro do desassossego. Lisboa: Assírio e Alvim, 1998. Pág. 32
esteticismos a que, no entanto, devera a consciência de si mesmo como artista, que primeiro adquiriu. A transformação do Livro do desassossego é, pois, da maior importância para distinguirmos a transformação do Pessoa esteticista e simbolista, no grande modernista que ele foi.14
Em 1998, Richard Zenith15 publica a sua versão do Livro do
desassossego. Para além de consultar os manuscritos da obra de Pessoa,
Zenith teve a possibilidade de acrescentar à sua organização os estudos
prestimosos das edições anteriores. Em sua introdução, defende que o Livro
não existe materialmente, o que existe é a sua subversão e negação, o livro
em potência, o livro em plena ruína, o livro-sonho, o livro-desespero, o antilivro,
além de qualquer literatura 16.
Esta organização de Richard Zenith desafia o leitor a um suposto
quebra-cabeça sem solução. Cada leitor pode montar um Livro do
desassossego pessoal. Esta proposta já havia sido eliminada por Jacinto do
Prado Coelho em sua Nota sobre a Ordenação do Texto:
A ordem aleatória da inventariação do espólio literário de Fernando Pessoa parece-me de rejeitar in limine, já que, desorientando a leitura, obrigaria cada leitor a fazer ele próprio uma montagem¸ um jogo de puzzle que, além de penoso, exigiria um poder de construção de que só disporiam leitores privilegiados. 17
A organização dessas edições do L. do D., sobretudo as realizadas por
Jacinto do Prado Coelho, Teresa Sobral Cunha e Richard Zenith formam um
estudo à parte do estudo do próprio Livro. Leyla Perrone-Moysés e Maria
Alzira Seixo são claras, nas introduções ao livro, no interesse para o qual se
votam suas edições. Para se conhecer como se concretizaram os conceitos
dados ao livro é necessário se considerar três pontos: a autoria, o corpus e a
organização do texto.
3.1. A AUTORIA
O surgimento da História da Literatura, no século XIX, veio auxiliar
sobremaneira aqueles que se ocupam da edição de textos literários. Mesmo
sendo uma disciplina datada, Vanda Anastácio alerta para a importância da
mudança, ao longo do tempo, dos parâmetros que a regem:
A História Literária deve, pois, ser encarada como um campo de estudos em permanente reconfiguração, dada a tensão inevitável entre o significado adquirido por uma dada obra no contexto da sua época e as reavaliações posteriores que sucessivas gerações dela vão fazendo. 18
Para o caso do Livro do desassossego há um outro apontamento de
Vanda Anastácio igualmente relevante:
É imperioso e necessário procederem continuamente ao estudo das obras, não apenas daqueles autores que foram considerados de primeira grandeza pelas Histórias Literárias que nos precederam, mas também daqueles que, por desconhecimento do que escreveram, por motivos ideológicos, devido a reputações fantasiosos, pela influência das modas, da organização dos curricula escolares ou, muito simplesmente, porque os seus textos não têm edições acessíveis, foram sendo relegados para o esquecimento, ou considerados menores .
Não podemos esquecer que o discurso crítico é historicamente condicionado, que cada época e cada historiador valoriza determinados autores e deixa cair outros ao esquecimento e que esta escolha não depende de um qualquer valor intrínseco dos textos, mas daquilo que diferentes editores, em diversas épocas, procuram neles.19
18 ANASTÁCIO, Vanda. A História Literária e de alguns dos seus problemas. Brotéria: Cristianismo e Cultura, volume 157, Lisboa, julho de 2003, pág. 57
19 Idem. Ibidem. 20 SENA. 2000. Pág. 145.
Pessoa não deu por terminado seu projeto do livro e também não definiu
efetivamente sua autoria. .
A complexidade do estudo para a formação de uma obra, ademais em
estado bruto como o Livro do desassossego, exige cuidado em suas
considerações: todas devem ser válidas, até que se possa extrair o sumo
dessas informações.
Nas investigações feitas a partir do espólio de Fernando Pessoa o Livro
pode ser contextualizado historicamente. Mas o trabalho é complexo, por se
tratar de muitos autores em apenas uma pessoa. Igualmente laboriosa é a
tarefa de análise dos textos encontrados no espólio e cuja inclusão no Livro é
polemizada por críticos de Fernando Pessoa. Na mesma esteira desses
documentos estão os textos éditos atribuídos ao livro e que foram publicados
em 1929, na Solução Editora; em 1930, na revista Presença; em 1931, na
Descobrimento; em 1932, outra vez na Presença. Estes foram publicados sob o
nome de Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros da cidade de Lisboa. Esta
dúvida se reflete na investigação cronológica e ainda não foi respondida: os
textos escritos na fase viva de Soares pertencem ao mesmo período pós-
simbolista e decadentista de Fernando Pessoa. Assim também como havia
dúvida de Fernando Pessoa quanto aos textos que ele próprio considerava
mais modernistas, aos quais acrescentava inscrições como Livro do
desassossego ou A.C.? . A grande dúvida é se todos estes textos pertencem
ao Livro de projeto inacabado pelo autor.
Em seu estudo pioneiro, Jorge de Sena20 identifica três fases distintas na
confecção do Livro: uma primeira, de responsabilidade de Vicente Guedes,
muito simbolista e esteticista, concebida anteriormente à descoberta da
heteronímia profunda de que a grandeza de Pessoa se faria, marcada por
fragmentos que, à exceção de Na Floresta do alheamento e Marcha fúnebre
para o Rei Luís Segundo da Baviera, são apenas trechos inacabados ou nem
sequer saídos de um embrionário começo, escritos de 1912 a 1914 e com
vários outros trechos de temas recorrentes até o ano de 1917. Uma segunda
fase, entre 1917 e 1929, durante a qual o Livro teria ficado em dormência
hesitante e muito fragmentária (a ponto de nada ser datado); e uma terceira
fase, já assumida por Bernardo Soares, marcada por fragmentos mais
cuidadosamente elaborados. É mister lembrar o que escreveu o próprio Pessoa
em Nota para o L.do D.
Há que estudar o caso de se se devem inserir trechos grandes, classificáveis sob títulos grandiosos, como Marcha fúnebre do Rei Luís Segundo da Baviera, ou a Sinfonia de uma noite Inquieta. Há a hipótese de deixar como está o trecho da Marcha fúnebre, e há a hipótese de a transferir para outro livro, em que ficassem os Grandes trechos juntos. 21
Em 1982, respeitando não apenas o estudo de Jorge de Sena, mas
como também o trabalho da primeira manipulação do espólio feita,
pioneiramente, por Maria Aliete Galhoz, a edição da Editora Ática atribuiu a
autoria do livro ao semi-heterônimo Bernardo Soares.
Richard Zenith seguiu o mesmo caminho trilhado por Jacinto do Prado
Coelho e acrescentou à sua edição, em apêndice, textos de autoria de Vicente
Guedes publicados na edição de Teresa Sobral Cunha.
Em apêndice publicam-se: 1) um trecho e dois textos prefaciais que nomeiam Vicente
Guedes, excluídos do envelope com material do Livro reunido por Pessoa, 2) à cópia de uma
carta dirigida a mãe de Pessoa e rotulada L. do D., 3) matéria fragmentária mais pertinente. O
Apêndice também contém um texto com Idéias metafísicas do livro do desassossego, e vários
21 PESSOA. 1999. Pág. 505
escritos de Pessoa (notas, trechos de prefácios, passagens de cartas) relativos ao Livro ou a
Bernardo Soares.22
Os textos atribuídos a Vicente Guedes, em apêndice, são os seguintes:
AP1. O encontro entre Fernando Pessoa e Vicente Guedes; AP2. A
apresentação do livro e do próprio Guedes e o AP3. onde Guedes se apresenta
como morador da Baixa e empregado do comércio.
AP.2.
...este livro suave. É quanto resta e restará duma das almas mais subtis na inércia, mais debochadas no puro sonho que tem visto este mundo. Nunca
eu o creio
houve criatura por fora humana que mais complexamente vivesse a sua consciência de si própria. Dandy no espírito, passeou a arte de sonhar através do acaso de existir. Este livro é a biografia de alguém que nunca teve vida... De Vicente Guedes não se sabe nem quem era, nem o que fazia, nem (*) Este livro não é dele: é ele. Mas lembremo-nos sempre de que, por detrás de tudo quanto aqui está dito, coleia na sombra, misterioso
Para Vicente Guedes ter consciência de si foi uma arte e uma moral; sonhar foi uma religião. Ele criou definitivamente a aristocracia interior, aquela atitude de alma que mais se parece com a própria atitude de corpo de um aristocrata completo. 23
A edição do Livro, na organização de Teresa Sobral Cunha, publicada
no Brasil24, em 1996, foi dividida em dois volumes: o primeiro volume com
textos atribuíveis a Vicente Guedes, O segundo com aqueles declaradamente
escritos por Bernardo Soares. O volume I, de Vicente Guedes, conforme Sobral
Cunha25, teve seus critérios baseados em seu trabalho de investigação que
permitiram ir acrescentando textos reconhecíveis como sendo para o Livro,
mesmo quando não intitulados L.do D., como muitas vezes Fernando Pessoa
usava. O Volume II contempla todos os trechos que, segunda a organizadora,
pertencem exclusivamente a Bernardo Soares. Estes trechos parecem
atribuíveis ao semi-heterônimo em razão de sua datação explícita (1929) ou
aqueles aferidos como sendo da mesma ocasião.
Com o acréscimo dos textos nomeados e os outros identificados
entendidos por Sobral Cunha como pertencentes ao Livro do desassossego,
este passa a ter, efetivamente, dupla autoria: Vicente Guedes e Bernardo
Soares. As afinidades de ambos são várias, pois ambos se aproximam do
ortônimo, são funcionários do comércio e moradores da baixa lisboeta.
Inclusive o encontro deles com Fernando Pessoa é muito semelhante. Os dois
conheceram Pessoa em um restaurante onde faziam suas refeições diárias.
Nos fragmentos datados é possível perceber que ambos são decadentistas. A
estratégia editorial de publicação do Livro em dois volumes chamou atenção do
público para este plano de Pessoa de dupla autoria.
As três edições do Livro do desassossego, resultado de um magistral
trabalho de investigação histórico-literário e de restauração textual tentando
estabelecer uma cronologia dessa obra de Pessoa, formam uma fonte
inesgotável de discussão autoral.
Georg Rudolf Lind, que em 1985, publicou a versão alemã da obra de
Pessoa, ao concluir a sua tradução para a edição de 1982, defendeu a idéia de
que não se deveriam misturar os textos pós-simbolistas da primeira fase e os
textos de Bernardo Soares de 1929-1934:
Prado Coelho tem razão quando afirma que alguns (poucos) textos de B. Soares revelam os mesmos traços estilísticos que os da primeira fase, mas, apesar disto, quão longe anda o moralista dos anos trinta do sonhador amaneirado da Floresta do alheamento! Acho muito provável que o próprio poeta tivesse aproveitado mais do que vestígio da primeira fase, se tivesse tido tempo para uma redacção definitiva do L. do D.. As considerações filosófico-moralísticas de Bernardo Soares são uma coisa: as fantasias do jovem poeta são um prenúncio desta segunda-fase, um mero esboço, e destoam tanto da fase definitiva que a sua ordenação num grupo à parte poderia ter mostrado nitidamente e com maior poder de convicção o avanço da obra, a obra em progresso .26
Em Persona 9, Jacinto do Prado Coelho dá uma explicação para sua
organização dos fragmentos do desassossego em livro uno:
G.R. Lind chama, em tom depreciativo, o sonhador amaneirado da Floresta do alheamento , quer porque relegar para outro apêndice os fragmentos que registram os sucessivos projectos de Pessoa teria talvez mais inconvenientes do que vantagens para uma progressiva, desejável, aproximação do leitor em relação ao L. do D., enquanto livro in progress.27
É sobre a questão da existência e autoria que Richard Zenith inicia sua
introdução à edição de 1998. A sua proposta é que talvez nenhum Livro do
desassossego teria sido publicado.
Tivesse Pessoa preparado o Livro do desassossego para publicação e este seria decerto um livro menor. Previu uma escolha, rígida quanto possível, dos trechos variadamente existentes , a adaptação dos mais antigos à vera psicologia de Bernardo Soares e uma revisão geral do próprio estilo (...) Esta operação resultaria num verdadeiro livro, polido e fluido, com talvez metade das páginas que afinal tem, e talvez metade da sua graça e gênio. Eliminando o que tem de fragmentário e lacunar, o livro ia ganhar força, sem dúvida, mas corria o risco de se tornar mais um livro, em vez da obra única que é.28
Os argumentos são muitos para justificar a autoria a ser dada pelos
organizadores do Livro, e podem ser encontrados no legado do próprio
Fernando Pessoa. Ivo Castro, em conferência no Encontro Internacional do
Centenário de Fernando Pessoa, afirma que, para editar Fernando Pessoa, é
necessário ter em sua organização: Introdução, Texto Crítico e Aparato Crítico.
E, um apêndice poderá complementar o volume.29
O modelo editorial apresentado por Ivo Castro corresponde ao utilizado
pela Equipa Pessoa que vem elaborando a edição crítica da obra do autor.
Recorrer às suas explicações teóricas é importante para qualquer estudioso
das publicações de Fernando Pessoa.
31CASTRO. 1989, pág. 30
A Introdução será basicamente filológica: falará dos testemunhos e do seu estado, exporá aqueles casos de fixação do texto mais complexos e reveladores dos mecanismos de criação, dará aquelas informações de caráter geral que não são de repetir em todos lugares a que respeitam. No Apêndice reúnem-se fragmentos isolados que não foram utilizados no estabelecimento de nenhum texto (...)30
Nas condições deixadas pelo próprio Pessoa, o Livro do desassossego, em
sua última forma irrealizada31, ainda deixa muito o que discutir quanto a sua
autoria.
3.2. O Corpus
Jacinto do Prado Coelho, na Nota sobre a ordenação dos textos32,
explica que o problema da primeira edição do Livro foi a construção da obra e a
configuração de seu autor, deixando claro que a questão da autoria ainda seria
motivo de investigação. A construção do corpus das edições do Livro é uma
tarefa que de igual forma permanece em constante estudo.
O corpus da edição princeps foi ordenado por manchas temáticas de
maneira que ao leitor fosse possível uma leitura homogênea do texto, como por
exemplo: as de caráter autobiográfico e confessional, textos sobre a
diversidade do eu e a sua descoberta através do disfarce, textos sobre o eu e
a circunstância na roda dos dias 33, rejeitando-se, pois, nessa colaboração de
Prado Coelho, a adoção de uma ordem cronológica, pelo que explica:
Em primeiro lugar, a grande maioria dos textos e fragmentos a integrar nem se encontravam datados e nem eram datáveis. Certo é que, tanto pela análise dos conteúdos como pelo exame pericial da letra, do papel, e eventualmente da tinta, se poderia tentar situá-los em determinado período da vida de Pessoa. Mas valeria a pena? Seria pertinente a intenção? Nada garante que ele, chegado o momento, até a morte adiado, de proceder à organização do Livro , os submetesse a uma cronologia veraz, de historiador, que nem sequer a sua memória estaria apta a reconstiutir.34
34 Idem. pág. 32
Prado Coelho aponta ainda para a questão do fingimento em Pessoa em
relação a uma possível ordenação cronológica. Não há garantia de que, se
Pessoa estabelecesse uma cronologia para o Livro do desassossego, esta não
fosse mais um fingimento tão comum ao poeta.
A edição de Teresa Sobral Cunha, em seus dois volumes, está baseada
no núcleo original do Livro do desassossego, o que representaria a escolha do
poeta, explícita em sua carta enviada a João Gaspar Simões: Estou
começando a classificar meus papéis .35 A partir deste núcleo, a investigadora
pessoana acrescentou textos que entendeu reconhecíveis como do
desassossego mesmo não indicados como L. do D., como muitas vezes o
Fernando Pessoa usava. Para além de dividir os textos em dois autores
Bernardo Soares e Vicente Guedes
ou talvez por isso, a ordenação foi
uniformizada, retirando a sigla. Os trechos foram separados entre si por um
espaço em branco, abandonando a numeração dos fragmentos, nomeando
apenas aqueles que foram intitulados pelo próprio Pessoa.
Os trechos autônomos foram organizados da mesma forma que os já
ordenados pelo poeta, incluídos no corpo do texto, guardando a mesma
distancia entre si.
Quando se sucedem dois ou mais trechos que levavam nos originais o mesmo título, e há razões para crer que se destinariam a ser nele integrados para formarem uma só unidade textual, apenas o primeiro deles o conserva, sinalizando-se o facto com um asterisco que em rodapé se esclarece.36
35 SIMÕES, João Gaspar. Cartas de Fernando Pessoa a João Gaspar Simões. Lisboa: Publicações Europa-América, 1957. pg. 117.
36 Idem. Ibidem. 37 Idem. pág. 32
Richard Zenith contesta os acréscimos feitos na edição de sua colega
portuguesa: Os outros novos trechos propostos isto é, a vasta maioria não
tem nenhuma evidência explícita que os ligue ao Livro do desassossego,
embora muitos pudessem integrar-se nele. 37 Zenith optou pelo Apêndice para
não excluir os textos que continham a indicação de L. do D. feita pelo próprio
Fernando Pessoa e que, por questão de ordenação, não foram considerados
na edição princeps.
Fiquei tentado a restringir o corpus desta edição aos textos cuja atribuição não levanta dúvidas. Seria, pelo menos, um critério claro e simples. Não sei, porém, se seria mais fiel. Pessoa teria certamente excluído vários
suponho que muitos
dos trechos previamente marcados L. do D., e teria do mesmo modo, introduzido textos que escreveu sem pensar minimamente no Livro, mas que refletido mais tarde, lhe pareceriam peças fundamentais. Alarguei o corpus, portanto, mas sem alargar as fronteiras definidas pelos trechos explicitamente atribuídos ao Livro. Na dúvida, relativamente aos textos que andam no limite, optei pela exclusão.38
As variantes textuais deixadas pelo autor foram organizadas por Teresa
Sobral Cunha no corpo do Livro, fazendo as devidas e necessárias referências
em pé-de-página.
Ainda com vista a uma sempre mais fiel reprodução procedeu-se a uma outra reparação que tardava desde a primeira edição de 1982: a substituição, pelas variantes alternativas, dos termos contra os quais o autor advertia na redação inicial, conservando, em rodapé, quer a 1ª versão quer as outras variantes, quando as haja, para que se não perca o tempo intelectual do scribendi.39
Richard Zenith opta por colocar as variantes textuais em notas reunidas
ao fim do volume, justificando que seria impossível apresentar, com justiça, o
texto do Livro do desassossego. Deu preferência às primeiras versões dessas
variantes. Reuniu todas as demais e excluiu aquelas que não se variam:
sinônimos exatos, mas também mudanças nos tempos verbais, na ordem das
38 PESSOA, 1996, Volume II, pág 329 39 Idem. Ibidem. 40 PESSOA 1999, pág. 35
palavras, nas preposições, no uso dos artigos etc., desde que não alterem o
sentido. 40 Ao optar por esta organização, Zenith colocou as variantes textuais,
ao final do volume, designando as cotas do espólio a que se referem e
eventuais indicações do Livro do desassossego.
Pessoa, além de deixar muitas variantes, usou freqüentemente um sinal para indicar a sua reserva acerca de uma palavra ou frase. Numa edição impressa, não há maneira de representar estas reservas sem estorvar a leitura do texto (que já anda um pouco estorvada pelas muitas notas) e não vi grande utilidade em fazê-lo. Na presença de uma variante, a reserva já é patente com ou sem um sinal de dubitação. Quando não existem variantes, saber que tal palavra ou frase era dubitada terá pouco ou nenhum interesse para a grande maioria, já que aquela versão é a única que o autor deixou.41
O corpo textual foi separado pela numeração dos fragmentos tal como
na edição de Jacinto do Prado Coelho. Os espaços entre os parágrafos foram
considerados também nos trechos desconexos, formados nesse corpo por
vários apontamentos que podem ou não ter relação entre si.
Tão importante para a compreensão de cada edição é a fixação do texto.
E o leitor deverá estar atento para os sinais fixados por cada uma das edições.
Na edição princeps, Jacinto do Prado Coelho e suas colaboradoras
Teresa Sobral Cunha e Maria Aliete Galhoz utilizaram os sinais gráficos
encontrados nos documentos originais.
Recorremos a parênteses curvos para transcrição de todos os sinais gráficos utilizados pelo Autor para destacar e, por variável ordem de razões, uma palavra ou um grupo de palavras, e ainda para assinalar as lacunas da sua própria responsabilidade, colocando , então, reticências entre eles. / / Reserva do A acerca de uma palavra ou expressão ( ) Hesitação do A quanto à oportunidade da inserção de uma ou mais palavras (...) Passagem deixada incompleta pelo A [ ] Palavras acrescentadas pelos editores [...] Incerteza quanto à leitura estabelecida42
41 PESSOA 1999, pág. 35 42 PESSOA, 1982, pág.29
Foi mantida a ortografia original de Fernando Pessoa sendo explicada
através das palavras do próprio poeta: Minha pátria é a língua portuguesa .
Sobral Cunha optou pela modernização da ortografia para que pudesse
ser o Livro mais bem compreendido em sua leitura.
Ao termo ocorrido em primeiro lance de escrita no corpo textual correspondem variantes do autor que inserimos na margem e em rigorosa seqüência. As barras oblíquas, que surgem delimitando uma palavra, uma expressão ou uma frase, exprimem, da parte do autor
que para tal adverte com um sinal irreproduzível tipograficamente reserva ou propósito de alteração. Palavras aditadas na edição para colmatar evidente lapsus calami surgem entre parênteses rectos e, entre estes, vão também as reticências que assinalam palavra ou palavras ilegíveis. Aos traços separadores que nos originais destacavam, no interior dos trechos, apontamentos cujo registro porventura os reteria para desenvolvimentos futuros, correspondem, nesta edição, discretos pontos que os precedem e lhes são subseqüentes. / / Palavra ou frase com sinal de rejeição do autor (...) Lacuna do autor [...] Lacuna devido a dificuldades de leitura [? ] Incerteza de leitura [ ] Título, data, ou palavra omitida por evidente lapso de redação, propostos
pela editora literária ( ) Sinal de responsabilidade do autor 1ª .v. Primeira versão Var. Variante Frag. Fragmento Ras. Rasurado Esp. Espólio43
Richard Zenith utilizou uma menor quantidade de sinais de fixação do
texto. Esta intenção foi justificada pelo editor como uma forma mais objetiva de
atingir o leitor.
Sinais Usados na Fixação do Texto
espaço deixado em branco pelo autor [...] palavra ou frase não lida
[ ] palavra acrescentada pelo editor [?] leitura conjectural44
Zenith também elaborou uma edição de ortografia atualizada,
respeitando, contudo a pontuação dada por Fernando Pessoa aos textos.
Embora a ortografia aqui seja atualizada, quis respeitar a pontuação que caracteriza a prosa de Pessoa. Mesmo assim, e sobretudo no caso de
43 PESSOA, 1986, Volume I, pág. 330 e Volume II, pág. 383 44 PESSOA, 1999, pág. 36 45 Idem. pág. 36
manuscritos não revistos, eliminei algumas vírgulas que parecem atrapalhar a leitura, sem nenhum benefício em troca. Outras acrescentei e, mais raramente, converti um traço em vírgula, ou uma vírgula em ponto-e-vírgula. 45
A manipulação das edições críticas apresentadas está intimamente
ligada à necessidade de estudo permanente que essas exigem. A história e a
teoria da literatura vêm colaborando para que novos conceitos ampliem a
compreensão dos autores éditos e inéditos. Entender uma obra em constante
mutação e cujo autor é Fernando Pessoa
poeta do fingimento e das
sensações exige distanciamento para que não haja nenhum tipo de tendência
que exima o estudo da obra.
Os três editores citados incitam o leitor não comum à pesquisa nos
originais do desassossego que hoje encontram lugar na Biblioteca de Lisboa.
Em não sendo factível ao público em geral, mesmo aquele que se dedica ao
estudo permanente de sua obra, o acesso ao espólio de Fernando Pessoa,
cabe ao editor crítico este trabalho. Este ponto comum deixa clara a
necessidade uma edição que atenda o leitor, mesmo que as condições de
editor também sejam difíceis, como explica Luiz Fagundes Duarte:
Dans ma condition d editeur critique, je ne peut faire autre chose que déchiffrer et interpréter tous les tracés que l auter a laissés dans l ensemble des manuscrits du texte que j edite: les conclusions, les certitudes, et sourtut les doutes me permettront de dire au lectuer que le texte que je lui le donne à lire aurait pu être comme celui que je présent, mais il aurait pu être différent si l auteur décidé de suivre une des hypothèses qu il a considérés, mises en doute ou abandonnées au long du processus de genèses textuelle (...)46
O Livro do desassossego é uma fonte inesgotável de inquietação para
aqueles que se debruçam sobre a obra de Fernando Pessoa. Editores e
46 DUARTE, Luiz Fagundes. La matérialité des manuscrits modernes. Le fonds Pessoa. Genèses
Deuxième Congrès International de Critique Génétique. Paris: Bibliohèque Nationale de France/ITEM CNSR, 9-12 sptembre 1998.
estudiosos da obra do gênio da modernidade estarão sempre trazendo um
novo livro, mas dificilmente uma edição definitiva.
3.3. A ORDEM
Foi o próprio Pessoa quem disse que o Livro do desassossego tinha
ainda muita coisa que ordenar e classificar, atribuindo ao editor a árdua tarefa
de estabelecer uma ordem para esta obra.
Ao rejeitar o critério cronológico para elaboração de sua edição, Jacinto
do Prado Coelho utilizou as manchas temáticas como formas de ordenação do
texto.
Evitando um ditactismo abusivo, ordenei o Livro do desassossego por manchas temáticas, sem vedações a separá-las, sugerindo nexos e contrastes pela simples justaposição, colocando todavia no começo do itinerário textos e fragmentos a que atribuí uma função periférica, introdutória, e levando o leitor a concentrar a atenção em zonas de relativa homogeneidade, com textos, por exemplo, de caráter autobiográfico e confessional, textos sobre a diversidade ou de sua descoberta através do disfarce, textos sobre o eu e a circunstância na roda dos dias, etc. Trata-se, claro, duma proposta de leitura apresentada a título pessoal, que de nenhum modo ambiciona ser exclusiva ou se pretende a melhor. 47
As primeiras páginas dessa edição foram numeradas com algarismos
romanos, onde foram localizados e ordenados os planos de Pessoa para o
Livro. Nas notas de João Gaspar Simões estão também as cartas dirigidas a
Álvaro Pinto, Mário de Sá-Carneiro, João Gaspar Simões e Adolfo Casais
Monteiro. Este material está no corpo da Introdução, que é separado do corpus
do Livro e também recebe numeração de página em algarismos romanos.
Maria Aliete Galhoz esclarece que estes textos merecem um lugar em
separado por serem explicações dadas pelo próprio Pessoa sobre a gênese
dessa obra. O volume I dessa edição se inicia com as notas, prefácios e
projetos feitos por Pessoa para ordenação do seu livro, elucidando, em
parênteses retos à esquerda do texto a indicação de como foi encontrado no
original do autor. À direita do texto, também entre parênteses retos, identifica-
se os datados e datáveis. Na linha superior a esta informação está o número
47 PESSOA, 1982, volume I, pág. 32
do fragmento grafado em negrito. Na linha inferior, estão as informações do
próprio Pessoa
L. do D., prefácio e notas. O texto ordenado por manchas
temáticas, da edição de Prado Coelho, ficou dividido com montagens da
autoria, retratando apenas Bernardo Soares. Decidiu misturar os textos em
seus temas deixando à parte a possibilidade de identificá-los quanto ao seu
estilo.
A versão de Teresa Sobral Cunha apresenta o Livro do desassossego
cronologicamente ordenado, propondo uma leitura estilística: os autores que se
apresentaram nos anos 10, esteticistas e simbolistas, e os que se
apresentaram nos anos posteriores
os modernistas. A sua montagem,
basicamente cronológica, é estruturada através de razões temáticas dentro
dos blocos de textos tidos, pela editora, por contemporâneos.
Tece-se, desta vez, o texto do vol. I sobre uma rede finíssima de referências materiais e imateriais a partir da qual foi possível fazer suceder blocos de textos, ano a ano (com excepção do grande lapso dos anos 20), grandemente verossímeis, de acordo com vária indicação, já que com data expressa, só dispomos de quatro fragmentos.48
Por sua vez Richard Zenith ordenou a sua edição iniciando com um
prefácio do próprio Fernando Pessoa. Neste prefácio Fernando Pessoa
descreve a aparência física e mental de Bernardo Soares, os lugares que
freqüentava e seus interesses literários. Atribuiu ao corpo do texto o título dado
por Pessoa, Autobriografia sem factos, com epígrafe do próprio corpus. Os
fragmentos, em um total de 481, foram numerados à esquerda acima do texto.
Zenith seguiu a orientação da edição princeps, evitando, contudo, a ordem
cronológica inicial. Em um segundo bloco contendo Os grandes trechos,
agrupou, em ordem alfabética, um total de 40 títulos, escritos nos anos 10,
fixados em notas ao final do volume. Neste grupo de trechos foram incluídos
48 PESSOA, 1986, PÁG. 329
outros: Na Floresta do alheamento e mais três sarcásticos, diferentes entre si,
mas de título igual
Conselhos às mal-casadas.
As anotações para Os grandes trechos foram inseridas no corpo do Livro
por Richard Zenith como os escritos de Viagem nunca feita, O cenotáfio, que
em muito se parece com Na Floresta do alheamento. Além de outros trechos
propostos, a maioria deles sem nenhuma evidência clara de ligação com o
Livro do desassossego, mesmo que de forma temática pudessem fazer parte
dele. O que os torna ligados ao Livro é o texto de 1912, Na Floresta do
alheamento.
Nesta edição, os trechos datados da última fase servem de esqueleto
um esqueleto infalivelmente soariano
para articular o corpus. Entre estes trechos, mantidos em ordem cronológica, intercalam-se os outros quer contemporâneos quer muito anteriores (e inclusive os pouquíssimos datados dos anos 10). Deste modo os mais antigos talvez possam, por uma espécie de osmose, adquirir algo da vera psicologia de Bernardo Soares que Pessoa quis introduzir na revisão de texto que não chegou a fazer. (...) parecia insensato, por outro lado, perturbar a ordem já fornecida pelos trechos datados, que assim constituem um fio condutor minimamente objetivo. Para evitar confusões, releguei todas as datas para as notas no fim do volume. Assumidamente subjetiva é a arrumação, em torno deste esqueleto, das centenas de trechos não datados. 49
Mesmo as indicações explícitas de textos para o Livro muito pouco
colaboram com o editor. Contraditórias, suas anotações apontam para sua
própria dúvida quanto à possível ordenação de um texto final. Foi o que
observou Zenith ao transcrever as anotações do próprio Pessoa, afirmando
mais uma vez que a possibilidade de fazer do Livro do desassossego um
puzzle seria absolutamente possível.
E as indicações explícitas deixadas por Pessoa para articular o Livro? São uma ajuda relativa, porque contraditórias, indicando sobretudo até que ponto chegava a confusão do autor: nem ele sabia como ordenar os trechos. A alternação de trechos assim como os maiores, escreveu em cima do trecho (201) datado de 10-11/9/1931, que nem sequer é assim tão pequeno. Outro trecho (124) traz a indicação Chapater on Indifference or something like that, sugerindo uma organização temática, por capítulos. Na já citada Nota, que também precede um trecho (178), Pessoa pôs a hipótese de publicar a Marcha
49 PESSOA, 1999, Pág.34
Fúnebre do Rei Segundo num livro à parte, com outros trechos possuindo títulos grandiosos, ou de deixá-la como está. E como estava? Misturada com centenas de outros textos, como pedaços de puzzle sem desenho reconhecível. Talvez estivesse certo assim: uma edição de peças soltas, arrumáveis ao bom prazer de cada leitor.50
A terceira e última parte é um Apêndice reunindo 28 trechos agrupados
em quatro grandes rubricas; I
textos que citam o nome de Vicente Guedes; II
matéria fragmentária da Marcha fúnebre para Luís Segundo da Baviera; III
outros textos e fragmentos não integrados no corpus; IV
escritos de Pessoa
relativos ao Livro do desassossego, documentos que Zenith considerou
importantes e já transcritos em edições anteriores.
Para justificar a ordenação de seu livro, Zenith utiliza, freqüentemente,
as palavras do próprio Pessoa, buscando demonstrar que o texto mais
próximo do ideal pessoano seria composto por páginas soltas. Zenith que o
texto real, provavelmente, nem Ferrando Pessoa saberia mesmo propor e
editar, sendo sua leitura livre de ordenamento.
As variáveis deixadas pelo autor do desassossego justificam também,
para Zenith, a redução feita por ele no corpus do Livro.
Uma edição de páginas soltas é pouco praticável, mas consegue-se uma certa aproximação a este ideal pelo fato de as sucessivas edições terem organizado os trechos de formas radicalmente diversas. Oferece-se, agora, mais uma arrumação possível, sem desassossego pelo que tem de arbitrário e com a esperança de que o leitor invente a sua própria. É que a arrumação possível , não há, muito menos definitiva. Ler sempre fora de ordem: eis a ordem correta para ler esta coisa parecida com um livro.51
Esta ordenação baseada nos excertos prefaciais de Pessoa ipse,
respeita o projeto do poeta dos anos 30, aproximando os escritos confessionais
da primeira fase do livro aos da segunda fase. A primeira fase corresponde a
aproximação do ortônimo e de Bernardo Soares aos pós-simbolistas. A
50 Idem. Pág. 33 51 PESSOA, 1999, PÁG. 34
Segunda fase pertence a Vicente Guedes e está mais próxima aos
modernistas.
Ao contrário de Zenith, Jorge de Sena recomendava que os textos das
duas fases fossem editados separadamente, não tanto por causa das
diferenças de estilo, mas das de época , que revelam a evolução na escrita de
Pessoa e dos seus eus , do esteticismo para o Modernismo.
Pus a hipótese de suprimir as datas, porque podem levar alguns a imaginar
erradamente - que os fragmentos sem data são contemporâneos. Devemos antes imaginar que Bernardo Soares está a rever a sua vida, lendo o que escreveu tempos atrás (Sou a mesmo prosa que escreve) e intercalando mental ou literariamente os pedaços do seu passado por entre os seus atuais registros de diário.52
O cuidado com essa ordenação é necessário para que não se percam
as possibilidades de conhecer o que Pessoa deixou como legado em seu
espólio. A esse respeito, é o que Vanda Anastácio nos ensina: é imperioso e
necessário proceder continuamente ao estudo das obras. 53
Os dois volumes do Livro do desassossego, da edição organizada por
Teresa Sobral Cunha, iniciam com prefácios escritos por Fernando Pessoa.
Em ambos, Pessoa descreve minuciosamente Bernardo Soares e Vicente
Guedes quanto ao seu retrato físico e articulação mental, cada prefácio
correspondendo ao volume de autoria de cada pseudo-autor. No volume I, o de
Vicente Guedes, estão os Grandes trechos, entre eles: Na floresta do
alheamento, Marcha fúnebre para o rei Luís Segundo da Baviera, Idéias
metafísicas do L. do D. , Intervalo, entre outros que ao total somam 95 títulos,
incluindo o prefácio do autor. Todos estão organizados cronologicamente ou
por aproximação de datas.
52 PESSOA, 1999, pág. 36 53 ANASTÁCIO, 2003, pág. 57. 54 PESSOA, 1986, pág. 385
Ao volume II
de Bernardo Soares
foi acrescentado um índice de
citações assim organizado: os antropônimos grafados em romano, os
bibliônicos em negrito e os nomes de personagens e entidades mitológicas em
itálico. 54
Este mesmo volume contém os prefácios tematicamente coesos de
Vicente Guedes e de Bernardo Soares. Ao corpo do texto foram adicionados
11 Grandes Trechos: Encolher de ombros, Floresta, A viagem na cabeça,
Trovoada, Sinfonia de uma noite inquieta, Chuva, Storm e Prosa de férias.
Sobral Cunha fez valer também o que chama de: o exame e a investigação
documental da expressão caligráfica ou das idiossincrasias dactilográficas,
bem como das tintas e dos lápis (que os usava, a ambos, de várias cores) .55
O trabalho de investigação realizado por Jacinto do Prado Coelho,
Teresa Sobral Cunha e Richard Zenith possibilitam, hoje, que o leitor envolvido
nos estudos pessoanos, baseado em um trabalho comparativo, avance para
uma outra prática cada vez mais desenvolvida nos meios literários: o estudo
das edições com relevância para seus aparatos genético e crítico.
55 PESSOA, 1986, pág. 379
3.4. O LIVRO COMO EDIÇÃO
É sempre inevitável toda e qualquer discordância que haja em torno das
edições do Livro do desassossego. Explicitar os critérios utilizados e torná-los
como certos também não produzirá efeito para uma explicação definitiva,
porque nenhum critério resiste às modificações permanentes que esta obra
exige. Sempre haverá o que descobrir em um livro tão desconexo e
desequilibrado por mais eficaz que pareça uma proposta para sua ordenação.
O trabalho editorial dessa obra pode ser considerado como suplementos
de autorias. O livro que leva a autoria de Fernando Pessoa e que se denomina
Livro do desassossego forma, como se pode ver, vários livros conforme o seu
respectivo editor. Citados aqui apenas os editados em língua portuguesa e,
mais precisamente, os três que procedem a um estudo comparativo neste
trabalho: Jacinto do Prado Coelho, Teresa Sobral Cunha e Richard Zenith.
Respeitando as outras edições que tiveram objetivos específicos como os de
Leyla Perrone-Moysés e de Maria Alzira Seixo, e nem por isso de menor
qualidade de pesquisa ou mesmo de editoria.
A cultura editorial ainda é fraca. Muitos livros ainda não são datados ou
não possuem informações editoriais precisas. No caso do Livro do
desassossego, por exemplo, outras edições com importância filológica são a da
Editora Petrus, não datada, mas que se calcula ter saído por volta dos anos 60.
Uma outra de grande valor filológico, mas pouco valorizada comercialmente, é
a de António Quadros56. Sua organização foi feita diretamente no espólio, para
reordenar a edição princeps, e sugere a sua dupla autoria.
Tais escolhas, adaptação e revisão já ninguém as poderá fazer por Fernando Pessoa, restando-nos apenas o cuidado e o escrúpulo de nos aproximarmos
56PESSOA, Fernando. Livro do desassossego. Lisboa: Editora Petrus s/d.
tanto quanto possível das intenções expressas neste escrito. Dele se depreende, sem dúvida, que os textos mais antigos falham à psicologia de Bernardo Soares: não são pois de Bernardo Soares, mas do Fernando Pessoa ortónimo. Só passariam a ser de Bernardo Soares, é óbvio, depois de uma escolha, de uma adptação e de uma revisão que o poeta nunca chegou a fazer. 57
António Quadros organizou uma edição em duas partes. A primeira foi
ordenada em torno de textos diarísticos e confessionais, em critério de datas e
os não datáveis por ordem temática; na segunda parte estão os textos de
ficção poética e reflexão, buscando atender o derradeiro plano editorial de
Pessoa.
(...) nesta nova organização que ora apresentamos ao público, fica convenientemente respeitada, não a unidade do Livro, porque não a tem (na ausência da revisão geral do autor) mas a sua realidade plural, consistindo essa realidade em não haver um, mas dois Livros do desassossego: o de Fernando Pessoa-ele próprio, simbolista, decadentista, transcendentalista, neo-romântico; e o de Fernando Pessoa-Bernardo Soares, ainda nalguns aspectos decadentista, mas fundamentalmente divagante, sonhador, coloquial, diarístico, confessionalista, homem comum, pequeno empregado comercial a sonhar com o infinito do seu quarto andar da Rua dos Douradores. 58
Embora respeitando as duas faces de Pessoa, esse organizador
apresenta uma ordenação mesclada de cronologia e temática. É uma edição
que serve como instrumento de estudos sobre a obra, sem qualquer pretensão
de se tornar definitiva.
Por maiores ou melhores que sejam as justificativas apresentadas na
edição de cada Livro, esta obra fantástica estará sempre em processo de
organização. Isto porquê por um lado temos ausência de registros que dêem
viabilidade à obra. Por outro, ao contrário, temos algumas edições que
acumulam suas páginas com notas de rodapé para justificar a montagem de
documentos novos, mais fidedignos. Mais do que nunca, o papel do editor
moderno ganhou poder e risco. Ainda mais quando o autor a ser tratado é
57 PESSOA, s/d. Volume I, pág. 25 58 PESSOA, 1986, pág. 26
Fernando Pessoa, cuja característica principal foi a de não ter editado os seus
livros, à exceção de Mensagem e de algumas odes de Ricardo Reis.
A obra de Pessoa, que hoje já ocupa dezenas de volumes, foi editada
por aqueles que herdaram a sua arca: primeiro a sua família e depois o
governo português. O espólio de Pessoa é um universo textual sempre a ser
tratado e revisado. Se calhar, após a conclusão e edição de cada obra, serão
descobertos novos papéis ou fragmentos de papéis de onde sairão
possibilidades de fazer do mesmo livro um outro livro.
A definição de um editor é bem concreta: ele não deve alterar os traços
gerais que definem o texto. No caso do desassossego, o cuidado é feito sobre
uma obra aberta e inédita, na qual o editor deve cuidar para que os desejos
dispersos de Pessoa sejam respeitados. A interpretação terá um valor menor
para um leitor leigo, mas para um leitor profissional funciona como a abertura
de mais um caminho de estudo para a obra do grande poeta.
O trabalho de publicar o Livro do desassossego começa por onde
Fernando Pessoa parou, pois ele o deixou em estado bruto e desordenado.
Partindo dessa premissa, Jacinto do Prado Coelho atingiu o livro primeiro. A
seguir, a restauração filológica do fio cronológico dos vários escritos de Pessoa
feita por Teresa Sobral Cunha apresenta um novo livro. Ao compor uma edição
que busca tornar uno o Livro, Richard Zenith apresenta outro livro do Livro do
desassossego. Gustavo Rubim defende a dificuldade de haver um livro único e
aponta para a importância de todas as outras edições.
Com ou sem tarimba pessoana, é inverossímil um leitor insensível ao manifesto desajustamento do texto-Bernardo Soares à normalidade dos textos enquadrados pela forma do livro. Há quem se escandalize com um editor literário que fornece uma interpretação desse desajustamento que ultrapassa os aspectos práticos do seu trabalho e a explicação dos seus respectivos critérios? Mas o escândalo não tem outro fundamento que o de evidenciar a inevitabilidade da interpretação enquanto suporte de qualquer edição do Livro do desassossego: as que conhecemos e as que nunca haveremos de
conhecer (caso da de Jorge de Sena, da qual só sobrou, precisamente a interpretação.). 59
A exigência freqüente de um texto final da obra de Fernando Pessoa,
especificamente a do Livro do desassossego, ou seja, a necessidade de dispor
de um texto o mais próximo possível de sua autenticidade torna mais crítico o
trabalho do seu editor. A crítica textual moderna vem se esmerando na
reconstituição de originais perdidos e na sucessiva revisão da ordenação
cronológica. Uma outra dificuldade está na apresentação tipográfica que foi e
que deverá ser utilizada nas edições.
Igualmente central nos debates da crítica textual moderna é a questão da apresentação tipográfica. Talvez não haja forma satisfatória de resolver o dilema entre clareza da página e riqueza de informação, sobretudo quando a realidade textual a representar é constituída por uma abundância de manuscritos profusamente emendados, entre os quais se reconhece uma evolução nem sempre linear. Como informar de tudo isso o leitor na superfície da página? 60
Ao apontar a problemática da apresentação tipográfica, Ivo Castro deixa
clara a necessidade de apresentar ao leitor a maior quantidade de informação
possível com certa urgência. Ele acredita que o estado de conservação do
espólio pessoano não garanta a mais uma geração conhecer o conteúdo
desses documentos
(...) seremos ainda capazes de decifrar a tinta sumida
dos papéis de pior qualidade, que se estão a decompor rapidamente, sem que
os microfilmes existentes assegurem a sua conservação .61
A fixação textual do Livro do desassossego utilizada sobretudo por
Jacinto do Prado Coelho, Teresa Sobral Cunha e Richard Zenith prestam uma
grande colaboração para qualquer editor atento à tendência atual da crítica
genética. O intuito de editar uma obra de Fernando Pessoa é sempre o de
desvendamento. Assim, a fixação de seus textos deverá estar intimamente
ligada à fixação dos processos já utilizados. Pessoa deixou sua obra aberta
para uma pluralidade de soluções. Ele não deixou clara a forma de fixação do
texto, portanto quem já o fez abriu caminho para as edições já alcançadas.
Compartilhar com o leitor todas as possibilidades conjeturais para a
edição do Livro é de grande importância. Estabelecer e publicar o texto crítico e
o aparato crítico no corpo do volume, mesmo sendo tarefa de grande fôlego,
propiciará ao leitor, mesmo àqueles não profissionais, um apoio maior para
compreensão da obra pessoana.
3.5 A EDIÇÃO CRÍTICO-GENÉTICA DO LIVRO
Atualmente, a preocupação do crítico literário tem-se voltado para uma
obra com correspondência mais efetiva em relação aos interesses de seu
autor. Estas tendências foram iniciadas por Gianfranco Contini, na Itália, na
sua teoria sobre a crítica das variantes editoriais. E na França, pela crítica
genética formulada pelos críticos do final da década de 80. Os mais radicais,
como Charles Foulet
que pretendia destruir o texto uma vez reconstruído o
processo textual resultante da análise do material pré-textual avant-texte -, e
os mais moderados como Louis Hay, que pressupõem os textos já realizados
como peças importantes para sua própria história. Unidos a estes grupos há
ainda um esforço coletivo dos investigadores de vários países visando a
integração da filologia tradicional com a genética literária moderna. O intuito é o
de proceder à fixação de um texto que represente a última vontade autêntica
do autor, acompanhado, porém, das variantes de todas as redações
precedentes da obra, desde a sua primeira versão até a última, oferecendo,
assim, ao leitor não apenas a organização textual mais fidedigna, mas
também uma visão dinâmica da evolução que o texto sofreu ao longo de sua
história.
Assim o ideal editorial seria uma edição crítico-genética. O caráter crítico
está na arrumação do texto evidenciando a sua autenticidade. E o da genética
a argumentação das informações disponíveis sobre o processo da sua
constituição por suas sucessivas fases. A apresentação das variantes deve ser
funcional ao texto, no sentido de que a sua fruição seja acessível ao leitor não
especialista, possibilitando uma idéia extra da dinâmica e das potencialidades
implícitas da obra. No caso de Pessoa as variantes textuais são de autoria do
próprio. Estas variantes são autênticas e comprovam a dinâmica do texto
original, as modificações que o próprio Pessoa quis introduzir: as suas dúvidas,
as incoerências, as discordâncias, as atitudes ideológicas que o autor sofreu
desde a primeira formulação.
Exemplo dessas variantes é o texto Na Floresta do alheamento, de
1912, onde Pessoa o indicou para o L. do D. Outros exemplos documentais
sobre o Livro: são a carta escrita a João Gaspar Simões, em 1932; e o último
papel manuscrito, dois dias antes de sua morte. Todas as variantes são
importantes e indescartáveis para que possam levar o texto até a sua última
versão. Mesmo em se tratando de uma obra em que o próprio autor colocava
em dúvida o Livro.
O número considerável de documentos deixados por Pessoa, que já
reconhecidamente fazem parte do Livro, sugere algumas possibilidades para
uma avaliação atual de sua gênese. Para o material pessoano em geral, Luiz
Fagundes Duarte propõe uma divisão em três partes, baseado nas
designações de Almuth Gresillon. Esta divisão pode muito bem se aplicar ao
caso específico do Livro do desassossego;
Dans ce manuscrits, nous trouvons les trois grandes phases de la gènéses d un texte: la phase prédédactionnelle soit disant, des phrases que ne sont plus que la fixation d une idée que bouge, des scénarios, des mots égarés, des listes de poèmes a écrie, des plans, des dessins, etc.; la phase de textualisation, représentée par des brouillons, isolés ou constituant des ensembles génétiques, toujours couverts de ratures, r ecritures, corrections, récritures, gardant plusieures leçons alternatives d un mot, d un vers ou d une phrase, parfois même des versions complètes du texte, des observations ou des codes concernant la qualité de ce que a été écrit, etc.; et la phase de mise au point, le texte achevé, au net, présentant soit laforme manuscrite, soit tapuscrite ou imprimée, souvent avec des corections que parfois, dans le cas des testes publiés par l auteur, n ont pas été intégrés dans la forme ultime du texte. 62
Ainda sob a pena de Fagundes Duarte é possível entender uma
organização e ordenação para uma edição crítico-genética do Livro do
62 DUARTE, 1998.
desassossego. Definição feita em seu pequeno Dicionário de Termos
Textuais:
A edição crítico-genética é a que combina os objetivos e os métodos da edição crítica e da edição genética: por um lado, reproduz o texto que o seu responsável considera criticamente como contendo a última vontade do autor, registrando as intervenções do editor e, no caso de textos já publicados e que originaram tradição, elaborando um aparato de variantes da tradição; por outro lado, faz a recensão de todos os manuscritos relacionados com o texto, classifica-os, organiza-os e descreve-os, e registra em aparato genético as sucessivas alterações autorais, lugar a lugar e testemunho a testemunho, utilizando para isso um dispositivo técnico que permite ao leitor reconstituir a génese do texto, e eventualmente, no caso em que o texto não foi claramente acabado pelo autor, fazer escolhas diferentes das apresentadas pelo editor no que diz respeito a adopção de cada uma das variantes alternativas.63
Ivo Castro, ao coordenar os estudos para editoração dos textos poéticos
de Fernando Pessoa, declarou que com os seus critérios e métodos seria
possível concluir cerca de noventa e cinco por cento do estabelecimento do
texto. O trabalho da mais recente versão poética, na quase totalidade da
edição desse gênero da obra do poeta, foi a sua reprodução diplomática. Isto
porque, se o manuscrito teve sucesso em sua decifração, caberá ao editor
explicar como atingiu tal decifração; se, ao contrário, não for decodificado,
deverá ser deixada uma lacuna deixando assinalado, entre barras oblíquas, o
porque da inexistência da palavra ou trecho . E é desta opnião que
comungamos para uma edição do L. do D..
Os editores do Livro do desassossego elaboraram um trabalho de
pesquisa e arquitetura do corpo do livro que favorece uma edição crítica, na
definição de Fagundes Duarte:
Edição crítica é a reprodução do texto autógrafo (quando existente), ou do texto criticamente definido como mais próximo do original (quando este não existe
constitutio textus), depois de submetido às operações de recensão (recensio), colação (collatio), constituição do estema com base na interpretação das variantes (estemática), definição do testemunho base, elaboração de critérios de transcrição, e de correção (emendatio ope codicum ou emendatio ope ingenii). Todas estas operações devem ser devidamente justificadas e explicadas (annotatio), e todas as intervenções do editor, com realce para as
63 DUARTE, Luiz Fagundes. Pequeno Dicionário de Termos da Crítica Textual. Lisboa: 1997 64 Idem.
lições não adoptadas (do original ou dos testemunhos da tradição) devem ser registradas no aparato crítico. 64
Para a construção deste trabalho é imprescindível o aparato crítico que
tem a função de reunir todas as informações sobre a criação e a transmissão
do texto utilizado pelo editor ao estabelecer o seu texto crítico. Esta atividade
tem o fim de habilitar o leitor a conhecer o caminho percorrido pelo editor,
verificando seus argumentos para escolha ou rejeição do texto e, propondo,
eventualmente, outras soluções editoriais.
O aparato crítico permite que o leitor aprecie o trabalho editorial mas
também tenha a alternativa de investigar o processo da gênese da obra,
através das evidências escritas pelo autor. Já em 1989, Ivo Castro atentava
para a necessidade de um aparato crítico para o tratamento da obra de
Pessoa, devido ao mau estado de conservação do espólio que apresentava o
risco real de certos manuscritos se apagarem definitivamente antes de terem
sido lidos e publicados.
(...) mesmo que tenham sido publicados a tempo e que o restauro a que deverão ser depois submetidos resulte, esses manuscritos serão cada vez mais segregados da leitura pública, significando isso que ou a leis naturais ou os regulamentos dos arquivos se encarregarão de impedir que, a partir de certo momento, a verificação de uma edição possa fazer-se com base no que, a partir de certo momento, a verificação de uma edição possa fazer-se com base no exame directo de manuscritos. A partir daí, a solução será o microfilme, naturalmente, mas à custa de uma perda de informação considerável. 65
Esta afirmação de Ivo Castro é bastante boa para atentarmos quanto às
propostas feitas pelos editores do Livro do desassossego, a fim de que o leitor
procure a fonte original da obra pessoana, de montagem como um jogo ou um
puzzle a ser montado
no caso de Zenith. Mas faltaria o conhecimento técnico
para essa leitura.
65 CASTRO, 1989, pág. 36
O aparato genético é importante porque reconstitui de modo codificado a
evolução da escrita de um determinado passo, como elucidado por Fagundes
Duarte: O aparato genético é parte de uma edição crítico-genética que contém
a história da génese, notas explicativas do estabelecimento do texto, aparato
de variantes, extractos de outras versões do texto .66 A utilização deste aparato
economiza as inúmeras notas, muitas vezes repetitivas, onde são descritas as
posições relativas às emendas feitas pelo editor. Para exemplificar, no caso do
Livro, temos as Notas do final do volume feito por Richard Zenith, ou as notas e
explicações no corpo dos dois volumes elaborados por Sobral Cunha.
Uma edição Vulgata é chamada de versão de um texto difundido e
aceita como autêntica - em sua edição princeps
primeira edição, impressa,
de um texto. , conforme definição de Ivo Castro.67 A editora Ática responde
pela publicação, divulgação e reconhecimento da obra de Fernando Pessoa,
por mais de quarenta anos, serve de esteio para traduções e também para dar
confiança aos críticos na interpretação do poeta. Edições estas consideradas
como o conjunto da obra Vulgata do poeta português. O Livro do desassossego
tem, pois, a sua Vulgata, também pela por essa editora.
Há de se crer que a próxima edição do Livro do desassossego seja a
crítico-genética. Ainda não será a definitiva mas sim a que mais perto estará de
incluir todo o trabalho arqueológico feito sobre ele. A modernidade dessa
edição cumpre o seu papel na teoria literária moderna como também alcança o
ideal de Álvaro de Campos: Sentir tudo de todas as maneiras .
66 DUARTE, 1997 67 CASTRO, 1989, pág. 36
4. CONCLUSÃO
O estudo e a análise do Livro do desassossego mostrou que para
conhecer essa obra seria necessário montar um quebra-cabeça. A pesquisa de
suas edições e de boa parte de sua fortuna crítica foi um passo importante para
entender o Livro. Todavia, não foi encontrado um texto único que contasse a
sua história. É possível encontrar inúmeros documentos que tratam do assunto
desde 1910 até os que antecederam a morte do poeta. A coleção de revistas
Persona, do Centro de Estudos Pessoanos, contém valiosos estudos sobre o
Livro e sua edição princeps. E claro, todos os temas que envolvem a literatura
pessoana.
Ante a documentação encontrada e lida optei por escrever uma
dissertação descritiva do Livro do desassossego. Um memorial do que pode
ser esta obra inacabada de Pessoa. Uma breve história comparada das
edições do Livro de maneira não tendenciosa. Acredito que não deve haver
uma edição definitiva mas uma que contemple os interesses do leitor. Acredito
na edição de um livro com problemas insolúveis , expressão usada por
Bernardo Soares para definir seus trabalhos.
A obra poética de Fernando Pessoa está sempre sendo estudada e
publicada. Assim também acontece com o Livro do desassossego. Atualmente,
os estudos sobre o Livro estão voltados para as suas edições, o que leva o
leitor e estudioso de Fernando Pessoa a acreditar que uma próxima edição
venha acompanhada de novos aparatos críticos e genéticos, a exemplo de sua
obra poética.
Jorge Fernandes da Silveira fez uma reflexão sobre a sua leitura da obra
de Maria Gabriela Llansol: Só se escreve sobre aquilo que não se sabe e,
logo, se quer saber. 1 Escrevi sobre aquilo que não conhecia e fiz de maneira a
facilitar a compreensão de quem desejar ler esta obra. Fazer valer a idéia de
Fernandes da Silveira é a minha conclusão.
1 SILVEIRA, Jorge Fernandes da. O beijo partido. Rio de Janeiro: Bruxedo, 2004.
ANEXOS
ANEXO 1.
TABELA DE CARTAS SOBRE O LIVRO DO DESASSOSSEGO(*)
DATA/LOCAL REMETENTE DESTINATÁRIO
ASSUNTO
29/07/1913 LISBOA
FERNANDO PESSOA ÁLVARO PINTO PUBLICAÇÃO DO TEXTO DE FERNANDO PESSOA NA FLORESTA DO ALHEAMENTO NA REVISTA A ÁGUIA.
03/05/1914 ENVIADA EM 14/05/1974
LISBOA
FERNANDO PESSOA JOÃO LEBRE DE LIMA
FERNANDO PESSOA PERGUNTA AO POETA SE ELE HAVIA LIDO SEU TEXTO NA FLORESTA DO ALHEAMENTO, CUJO ESTILO SE PARECIA COM O SEU LIVRO.
05/06/1914 LISBOA
FERNANDO PESSOA MADALENA NOGUEIRA
RELATA A MADALENA NOGUEIRA, SUA MÃE, DA DIFICULDADE QUE TINHA EM DEIXAR DE SER INÉDITO. ELE TINHA A POSSIBILIDADE DE PUBLICAR UM LIVRO.
02/09/1914 LISBOA
FERNANDO PESSOA ARMANDO CÔRTES-
RODRIGUES
ESTA É A PRIMEIRA CARTA A ESTE DESTINATÁRIO EM QUE FALA EXPLICITAMENTE DO LIVRO DO DESASSOSSEGO
PRODUÇÃO DOENTIA
04/10/1914 LISBOA
FERNANDO PESSOA ARMANDO CÔRTES-
RODRIGUES
PESSOA CONTA QUE ESCREVEU UM CAPÍTULO INTEIRO DO LIVRO DO DESASSOSSEGO.
12/11/1914 LISBOA
FERNANDO PESSOA ÁLVARO PINTO PESSOA ENVIA MAIS UM TEXTO DE GÊNERO ESTÁTICO
O MARINHEIRO QUE É SEMELHANTE AO NA FLORESTA DO ALHEAMENTO
19/11/1914 LISBOA
FERNANDO PESSOA ARMANDO CÔRTES-
RODRIGUES
O SEU ESTADO DE ESPÍRITO O OBRIGA A TRABALHAR NO LIVRO DO DESASSOSSEGO. MAS SÃO APENAS FRAGMENTOS.
04/12/1914 LISBOA
FERNANDO PESSOA MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
PESSOA DEIXA EXPLÍCITO QUE SE NÃO ENVIAR ESTA CARTA NO MESMO DIA ELA FARÁ PARTE DO LIVRO DO DESASSOSSEGO.
14/03/1916 LISBOA
FERNANDO PESSOA MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
PESSOA DIZ QUE ALGUMAS DAS FRASES SOLTAS DESSA CARTA PODERÃO COMPOR O LIVRO DO DESASSOSSEGO.
28/06/1930 LISBOA
FERNANDO PESSOA JOÃO GASPAR SIMÕES
DESEJA SABER QUANDO SAIRÁ O Nº 27 DA REVISTA PRESENÇA, TEM UM TRECHO DO LIVRO DO DESASSOSSEGO PARA PUBLICAR.
28/07/1930 LISBOA
FERNANDO PESSOA JOÃO GASPAR SIMÕES
AINDA SOBRE O TEXTO DO LIVRO DO DESASSOSSEGO PUBLICADO NO Nº 27 DA REVISTA PRESENÇA.
04/07/1930 LISBOA
FERNANDO PESSOA JOÃO GASPAR SIMÕES
AINDA SOBRE O TEXTO DO LIVRO DO DESASSOSSEGO PUBLICADO NO Nº 27 DA REVISTA PRESENÇA.
02/11/1931 JOÃO GASPAR SIMÕES
FERNANDO PESSOA
FALA SOBRE A NECESSIDADE DE PUBLICAÇÃO DO LIVRO.
03/11/1931 JOÃO GASPAR SIMÕES
FERNANDO PESSOA
É UMA CONTINUAÇÃO DA CARTA ANTERIOR
A PUBLICAÇÃO DO LIVRO.
10/12/1931 JOÃO GASPAR SIMÕES
FERNANDO PESSOA
SOBRE A EDIÇÃO DE SUA OBRA.
14/05/1932 LISBOA
FERNANDO PESSOA JOSÉ OSÓRIO DE OLIVEIRA
ELE ESCREVE AO SECRETÁRIO DA REVISTA DESCOBRIMENTO DANDO A SUA COLABORAÇÃO COM ALGUNS TRECHOS DO L. DO D.
28/07/1932 LISBOA
FERNANDO PESSOA JOÃO GASPAR SIMÕES
ORDENAÇÃO DE SUA OBRA, INCLUINDO O LIVRO DO DESASSOSSEGO
13/01/1935 LISBOA
FERNANDO PESSOA ADOLFO CASAIS MONTEIRO
REVELA A GÊNESE DOS HETERÔNIMOS E FALA SOBRE A OBRA INACABADA DO LIVRO.
01/01/1960 SÃO PAULO
JORGE DE SENA EDITORA ÁTICA PERGUNTA AOS EDITORES SOBRE O PROJETO DE EDIÇÃO DO LIVRO DO DESASSOSSEGO.
MAIO DE 1960 SÃO PAULO
JORGE DE SENA EDITORA ÁTICA ESCREVE SOBRE A URGÊNCIA DE SE PUBLICAR O LIVRO DO DESASSOSSEGO. SUGERE O NOME DE MARIA ALIETE GALHOZ PARA CUIDAR DOS ORIGINAIS.
MAIO DE 1960 LISBOA
EDITORA ÁTICA JORGE DE SENA REFLETE SOBRE A FORMA DE ENVIAR O MATERIAL DO LIVRO. E QUE OS ORIGINAIS DEVERIAM FICAR A CARGO DE MARIA ALIETE GALHOZ.
06/05/1960 LISBOA
MARIA ALIETE GALHOZ
JORGE DE SENA INFORMA QUE COMEÇARA NO DIA SEGUINTE A RECOLHA DO MATERIAL DO LIVRO DO DESASSOSSEGO.
02/06/1960 SÃO PAULO
JORGE DE SENA EDITORA ÁTICA APENAS DEPOIS DE AVALIAR O MATERIAL É QUE PODERIA FIXAR O PRAZO DE ENTREGA DOS TRABALHOS.
JUNHO DE 1960
LISBOA EDITORA ÁTICA JORGE DE SENA A EDITORA QUER INFORMAÇÕES
SEGURAS QUANTO AO PRAZO DE ENTREGA DO MATERIAL.
20/07/1960 SÃO PAULO
JORGE DE SENA EDITORA ÁTICA SENA AFIANÇA QUE NÃO HÁ PERIGO EM MANDAR O MATERIAL PARA A ORGANIZAÇÃO DO LIVRO.
(?) 1960 LISBOA
EDITORA ÁTICA JORGE DE SENA INFORMA QUE MARIA ALIETE GALHOZ TERÁ FEITO A RECOLHA DOS TEXTOS ATÉ O FIM DO ANO DE 1960.
23/11/1960 SÃO PAULO
JORGE DE SENA EDITORA ÁTICA SENA É CATEGÓRICO AO DIZER QUE NECESSITA DE TODOS OS TEXTOS DO LIVRO E NÃO APENAS TEXTOS SELECIONADOS.
28/02/1963 MARIA ALIETE GALHOZ
JORGE DE SENA COMUNICA QUE ENVIOU 200 PÁGINAS DE ORIGINAIS
(?)/02/1962 SÃO PAULO
JORGE DE SENA EDITORA ÁTICA INFORMA SOBRE O RECEBIMENTO DE FRAGMENTOS. E DIZ QUE É UMA GRANDE AVENTURA NO PLANO DA CRÍTICA.
24/11/1962 LISBOA
EDITORA ÁTICA JORGE DE SENA A EDITORA ESTABELECE O PRAZO DE PUBLICAÇÃO DO LIVRO DO DESASSOSSEGO ANTES DE JANEIRO DE 1964
20/12/1962 SÃO PAULO
JORGE DE SENA EDITORA ÁTICA SENA ESTABELECE COMO LIMITE DE ENTREGA DE SEU TRABALHO JANEIRO DE 1964.
(?)/09/1963 LISBOA
EDITORA ÁTICA JORGE DE SENA A EDITORA DESEJA SABER QUANDO SENA ENTREGARÁ O TRABALHO DO LIVRO.
27/03/1964 LISBOA
EDITORA ÁTICA JORGE DE SENA INFORMAÇÕES DE QUE HAVIA SIDO LANÇADO (SEM DATA) UMA EDIÇÃO, PELA PETRUS, DO LIVRO DO DESASSOSSEGO
07/06/1964 ARARAQUARA
JORGE DE SENA JOSÉ RÉGIO INFORMAÇÕES SOBRE OS MANUSCRITOS DO LIVRO DO DESASSOSSEGO
17/07/1964 ARARAQUARA
JORGE DE SENA EDITORA ÁTICA SENA CHAMA ATENÇÃO PARA O MATERIAL QUE RECEBEU. E, PORTANTO, NÃO TINHA TODO O MATERIAL DE TRABALHO
17/07/1964 LISBOA
GEORG RUDOLF LIND
JORGE DE SENA INFORMAÇÕES DE QUE NO ESPÓLIO DE PESSOA HÁ MAIS 100 FOLHAS DE MANUSCRITOS COM O SINAL L. DO D.
21/07/1964 ARARAQUARA
JORGE DE SENA JOSÉ BLANC DE PORTUGAL
RELATA QUE PRETENDE MANDAR, COMO SINAL
O LONGO PREFÁCIO JÁ MEIO ESCRITO, JÁ QUE AINDA NÃO TEM A EDIÇÃO ARRUMADA.
24/09/1964 LISBOA
EDITORA ÁTICA JORGE DE SENA A EDITORA SE COMPROMETE A MANDAR O MATERIAL COM A MAIOR BREVIDADE.
07/08/1964 ARARAQUARA
JORGE DE SENA EDITORA ÁTICA COM A INFORMAÇÃO DE LIND, SENA PEDE QUE SEJA ENVIADO O MATERIAL ENCONTRADO NO ESPÓLIO DE PESSOA.
04/08/1964 ARARAQUARA
JORGE DE SENA JOSÉ RÉGIO RELATA COMO ANDA O PREPARO DA EDIÇÃO DO LIVRO DO DESASSOSSEGO. A ORDENAÇÃO PROPOSTA POR PESSOA E OS TRABALHOS DA EDITORA ÁTICA.
04/10/1964 ARARAQUARA
JORGE DE SENA JOSÉ RÉGIO ESCREVE SOBRE O PREPARO DO LIVRO DO DESASSOSSEGO QUE ESPERA TERMINAR ATÉ O FIM DO ANO.
04/12/1964 ARARAQUARA
JORGE DE SENA JORGE DE SENA SENA INFORMA QUE NÃO PODERÁ ENTREGAR O TRABALHO ANTES DE JUNHO DE 1964.
07/11/1965 JORGE DE SENA LUIS AMARO SENA TESTEMUNHOU QUE PRETENDIA INCLUIR SEU ESTUDO SOBRE O L. DO D. EM UM LIVRO DE ENSAIOS FERNANDO PESSOA & C.ª HETERONÍMICA.
15/03/1966 WISCONSIN
JORGE DE SENA JORGE DE SENA SENA RECLAMA DA FALTA DE MATERIAL E DO SILÊNCIO DA EDITORA.
06/10/1966 WISCONSIN
JORGE DE SENA EDITORA ÁTICA SENA DESISTE DE ORGANIZAR O LIVRO DO DESASSOSSEGO DIANTE DA SITUAÇÃO CRIADA PELOS EDITORES.
11/02/1967 LISBOA
EDITORA ÁTICA JORGE DE SENA RECEBE ALGUNS FRAGMENTOS DO LIVRO, ESCRITOS A LÁPIS QUASE INDECIFRÁVEIS
E QUE MARIA ALIETE GALHOZ DECIFRARIA COM UM PEDIDO DE SENA.
30/10/1969 LISBOA
EDITORA ÁTICA JORGE DE SENA A EDITORA COMUNICA QUE D. HENRIQUETA DIAS, IRMÃ DE PESSOA, COMPREENDE E ACEITA A DESISTÊNCIA DE SENA.
23/12/1969 WISCONSIN
JORGE DE SENA EDITORA ÁTICA ÚLTIMA CARTA DE SENA PARA O SEU EDITOR. DIZIA QUE O LIVRO DO DESASSOSSEGO DEVERIA SER EDITADO COM MUITO CUIDADO
17/04/1978 WISCONSIN
JORGE DE SENA EDIÇÕES 70 DECLARA QUE A NOTA DE INTRODUÇÃO AO LIVRO DO DESASSOSSEGO PRECISARIA APENAS SER REVISTA.
(*) ESTAS CARTAS CONTEMPLAM A FASE EM QUE FERNANDO PESSOA DEMONSTRA INTERESSE EM
EDITAR SUAS OBRAS. E AS CARTAS DE JORGE DE SENA SOBRE O SEU TRABALHO PARA PUBLICAÇÃO, PELA EDITORA ÁTICA DO LIVRO DO DESASSOSSEGO.
ANEXO 2.
A CAPA DO VOLUME II DA EDIÇÃO PRINCEPS DO LIVRO DO DESASSOSSEGO,
ORGANIZADO PELA EDITORA ÁTICA, EM 1982. O ÍNDICE GERAL DEMONSTRA A FORMA
ESTRUTURAL DADA AO LIVRO.
ANEXO 3.
OS DOIS VOLUMES DO
LIVRO DO DESASSOSSEGO, ORGANIZADO POR TERESA
SOBRAL CUNHA, PELA EDITORA UNICAMP, EM 1996. INCLUINDO OS SUMÁRIOS DE
CADA VOLUME, DEIXANDO DELIMITADO O MATERIAL RELATIVO A VICENTE GUEDES E A
BERNARDO SOARES.
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