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D I R E I T O P E N A L - P A R T E E S P E C I A L C R I M E S C O N T R A A D M I N I S T R A Ç Ã O D A J U S T I Ç A

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CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA

ARTS. 338 A 359

O ramo da Administração Pública que se protege é o Poder Judiciário

ou a atividade inerente que vai desaguar no Poder Judiciário. Portanto, protege-se a

dignidade e a honra das funções jurisdicionais, ou seja, a efetividade e o respeito que

se deve ter à decisão da Justiça.

Há, assim, uma especialização no que toca ao bem jurídico tutelado.

Por isso é que há condutas descritas nesse capítulo que encontram paradigmas em outros

tipos penais, como acontece no crime do art. 357 – exploração de prestígio – que encontra

paradigma no art. 332 – tráfico de influência – sendo certo que o art. 357 prevalece pela

especialidade, como também o art. 356 que é especial ao art. 314.

ART. 338 – REINGRESSO DE ESTRANGEIRO EXPULSO

“Re ing ressa r no te r r i t ó r i o nac iona l o es t range i ro que de le fo i expu l so :

Pena – r ec lusão , de 1 (um) a 4 (qua t ro ) anos , sem p re ju í zo de nova expu l são após o cumpr imento da pena”

O sujeito ativo é qualificado. Trata-se de crime PRÓPRIO pois só

pode ser sujeito ativo o estrangeiro porque o brasileiro não pode ser expulso do

território nacional. Contudo, admite-se a participação.

Integra o tipo objetivo do crime a expulsão do estrangeiro.

Expulsão é medida prevista na Lei 6815/80 – Estatuto do Estrangeiro – e que deve ser

adotada pelo Ministro da Justiça.

A competência para ação penal é da Justiça Federal pois está se

desrespeitando uma decisão oriunda de uma autoridade federal – o Ministro da Justiça.

O crime se consuma no momento do reingresso do estrangeiro no solo

nacional, desde que este tenha ciência de sua prévia expulsão. Se o estrangeiro foi

deportado e volta ao território nacional não estará caracterizado o crime, da mesma forma

que não caracteriza o crime quando o estrangeiro foi extraditado.

Extradição é a entrega do estrangeiro para o Estado que o requer

para que o estrangeiro, no país que o requisitou, cumpra pena ou responda a processo

criminal.

Deportação é a retirada compulsória do estrangeiro do solo nacional

porque este se encontra em situação irregular no país.

Expulsão é a retirada compulsória do estrangeiro do país porque a

sua permanência se mostrou inconveniente. A deportação é, assim, um “minus” em relação à

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expulsão, que é um “minus” em relação à extradição, mas só há tipificação do reingresso

do estrangeiro expulso.

O estrangeiro expulso poderá reingressar no país desde que obtenha

uma autorização estatal para tanto. Nessa hipótese, o crime não estará configurado.

O conceito de território nacional encontra-se no art. 5º, “caput”,

do CP. Os parágrafos do art. 5º não podem ser enquadrados como território nacional para

efeitos do art. 338, pois trata-se de forma de extensão do conceito de território e não

este propriamente dito.

O ingresso de estrangeiro em embaixada brasileira no exterior também

não pode configurar o crime do art. 338 porque embaixada não é território nacional, nem

tampouco extensão do território, daí porque não haverá o crime.

Se há uma expulsão mas o estrangeiro permanece no território

nacional não estará configurado qualquer ilícito penal, mas sim administrativo, o que

pode, inclusive, ensejar a prisão do estrangeiro desde que decretada por um Juiz e não

pelo Ministro da Justiça conforme prevê de forma inconstitucional o art. 69 da Lei 6815.

ART. 339 – DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA

“Da r causa à in s tau ração de inves t igação po l i c i a l , de processo jud i c i a l , i n s tau ração de inves t igação admin i s t ra t i va , i nqué r i t o c i v i l ou ação de imp rob idade admin i s t ra t i va con t ra a lguém, imputando - lhe c r ime de que o sabe i nocen te :

Pena – r ec lusão , de 2 (do i s ) a 8 (o i to ) anos , e mu l ta .

§1º A pena é aumentada de sex ta pa r te , se o agen te se se rve de anon imato ou de nome supos to .

§2º A pena é d im inu ída de metade , se a imputação é de p rá t i ca de con t ravenção . ”

O crime do art. 339 consiste numa causação de instauração de

procedimento oficial de investigação policial, civil ou administrativa ou a ação de

improbidade, contra uma pessoa que se sabe ser inocente.

É uma dolosa provocação de instauração de persecutório criminal,

administrativo e, também, de ação de improbidade administrativa visando a apurar fato

delituoso praticado por alguém com o conhecimento pleno, pelo agente, de que esta pessoa

é inocente.

O crime do art. 339 nada mais é, portanto, do que uma CALÚNIA

ESPECIALIZADA, que gera a movimentação desnecessária, despicienda do aparelho de

repressão penal ou do Poder Judiciário no plano civil, bem como do próprio Ministério

Público, no caso do inquérito civil.

Como acontece da calúnia simples, deve-se, no dolo, exigir o

conhecimento da inocência do sujeito que será investigado por conta da denúncia.

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O crime se consuma com a efetiva instauração do inquérito ou com a

deflagração da ação penal ou com o início de um eventual inquérito administrativo ou

civil ou com o ajuizamento da ação de improbidade. Ou seja, o crime se consuma com o

início dos procedimentos oficiais descritos no tipo penal.

Se o sujeito denuncia na Delegacia, representa no Ministério Público

ou ajuíza da ação de improbidade, mas o inquérito não é instaurado ou a petição inicial

da ação é indeferida, estará configurada a TENTATIVA, pois caracterizado o início do ato

executório, que é qualquer ato do agente que dê conhecimento à autoridade da suposta

situação criminosa que sabe que não foi praticada pela pessoa a quem o agente imputa o

crime.

Não se reclama no tipo penal algo além da instauração do

procedimento, isto basta para a consumação do crime do art. 339.

É absolutamente indispensável, para a caracterização do tipo penal,

que o sujeito impute a alguém a conduta criminosa, sabendo que a pessoa é inocente.

Se o sujeito apenas narra um acontecimento, não há o crime de

denunciação caluniosa, pois a calúnia exige a imputação de fato preciso, determinado,

certo. Nessa hipótese, podem se materializar duas situações: (1) o agente não imputa a

ninguém e narra um acontecimento de forma genérica que acredita tenha acontecido. Nesse

caso, não há tipicidade na conduta, pois o sujeito estará apenas solicitando, como

cidadão, a apuração de um fato; (2) O sujeito comunica o fato criminoso que sabe que não

existiu. A hipótese será do art. 340 – comunicação falsa de crime.

Até o advento da Lei 10.028, só existia um caso de denunciação

caluniosa que não tinha natureza criminal, que era o processo administrativo disciplinar.

Agora, também a ação de improbidade administrativa passou a figurar no tipo penal.

Verifica-se, assim, que o nome de “denunciação criminosa” não

reflete, adequadamente, o que o tipo abrange porque enquanto a calúnia consiste na

representação falsa de crime, a denunciação caluniosa consiste na provocação de

procedimento e conseqüente instauração persecutório que nem sempre desandará na imputação

de um crime, porque nas duas situações de processo administrativo e ação de improbidade

não se extrairá a prática de um crime, mas sim de um ilícito administrativo ou civil.

Assim, enquanto a calúnia consiste na imputação dolosa e falsa de

crime a alguém que sabe ser inocente, a denunciação caluniosa nem sempre resultará em uma

imputação falsa de crime, até porque o bem jurídico tutelado não é a honra individual de

alguém, mas sim a administração da justiça. A Justiça “lato sensu” é que é induzida a

erro e a trabalho desnecessário quando ocorre uma situação dessa.

É fundamental para a configuração de crime de denunciação caluniosa

que não haja uma mera notificação de um ato irregular. O fato irregular deve ser

imputado a alguém, deve estar discriminada a autoria da conduta tida como irregular.

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Quando não há a imputação de fato não existirá denunciação

caluniosa, podendo existir o crime de acusação falsa do art. 340.

Discute-se se o crime do art. 339 admite o dolo eventual, isto é,

quando há dúvida sobre a autoria ou a culpa do sujeito e mesmo assim o agente pede à

autoridade a instauração do procedimento investigatório. Nesse caso, o entendimento

dominante é no sentido de que o crime de denunciação caluniosa reclama apenas o DOLO

DIRETO, ou seja, o conhecimento idôneo da inocência do sujeito.

O tipo dispõe “dar causa à instauração... imputando-lhe crime de que

o sabe inocente.” Deve-se interpretar a esta última expressão, em que consiste “saber

ser o sujeito inocente”.

Questão: X sabedor que Y é pessoa que se encontra em extrema situação de

dificuldade financeira, que sequer tem condições de se alimentar, e, por conta

disso, invade todos os dias invade o supermercado e furta alguns bens para sua

alimentação, narra tais fatos para a polícia, solicitando que seja instaurado

o respectivo inquérito policial. O inquérito vem a ser arquivado, por conta

do reconhecimento de que a situação indica estado de necessidade – furto

famélico – e não é instaurada a ação penal. Fica constatado no inquérito que

X sabia que Y estava em estado famélico. A questão é: está caracterizada a

prática do crime de denunciação caluniosa?

Resposta: Exigir ou interpretar a expressão “que o sabe ser inocente”

abrangendo também os demais pressupostos do crime (culpabilidade ou ilicitude

e condição objetiva de punibilidade), significaria dizer que o autor do crime

de denunciação caluniosa deveria ter o conhecimento bastante seguro do

direito.

Obviamente, nessa expressão “que o sabe ser inocente”, só se insere o saber

que o sujeito não foi o autor da conduta a ele atribuída, se ele é o autor mas

agiu em legítima defesa, tal condição não deve ser apurada por aquele que

narra o crime, mas sim pelo Promotor, Juiz ou Delegado. A expressão deve ser

interpretada a luz do dolo. O agente deve ter o conhecimento pleno que o

acusado não praticou o crime a ele atribuído. Assim, se a denunciação

caluniosa se faz, por exemplo, por advogado, é possível caracterizar o dolo.

O direito sempre dá destaque ao conhecimento especial do sujeito, o

que ocorre no art. 339. Assim, se o sujeito tem um conhecimento especial da situação,

até por conta de sua profissão, e sabe, por isso, que o fato foi praticado sob o manto de

uma excludente, poderá estar caracterizado o crime de denunciação caluniosa, porque

verificado o dolo.

No que toca ao sujeito que não tem conhecimento especial, a

expressão “que o sabe ser inocente” deve ser interpretada como sendo QUE SABE QUE O

SUJEITO NÃO É O AUTOR DO FATO.

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Para o aquele que tem conhecimento especial, poderá ser ampliada

essa interpretação, o que não traz qualquer prejuízo à segurança jurídica, porque essa

situação versa sobre o dolo do sujeito, dolo esse que deve abranger o conhecimento de que

a pessoa é inocente. Ora, se o dolo é composto de elemento cognitivo e elemento

volitivo, o conhecimento, a cognição do sujeito vai variar de acordo com alguma

característica especial sua.

O direito penal sempre dá destaque ao conhecimento especial que o

agente tem sobre uma situação. Até mesmo em situações de imputação objetiva, isso é

defendido. É o caso do exemplo clássico do sobrinho que manda o tio viajar de avião,

torcendo para que o avião caia. O sobrinho, se o avião cair, não responderá pela morte

pelo simples fato de que não tinha o domínio da situação. Mas se o sobrinho manda o tio

para um avião, sabendo que um terrorista havia botado uma bomba naquele avião, responderá

pela morte caso o avião exploda e o tio morra, pois nessa hipótese ele tinha um

conhecimento especial da situação, o que fará com que haja a imputação objetiva do

resultado a ele.

Quando se imputa a alguém a prática não de um crime, mas de uma mera

contravenção penal, a hipótese será a do parágrafo segundo – causa especial de diminuição

de pena – porque as conseqüências serão menores. No §1º, há um desvalor de conduta maior

por conta do anonimato ou do nome suposto, daí porque haverá um aumento de pena.

ART. 340 – COMUNICAÇÃO FALSA DE CRIME OU DE CONTRAVENÇÃO

“P rovoca r a ação de au to r idade , comun icando - l he a ocor rênc ia de c r ime ou de con t ravenção que sabe não se Te r ve r i f i cado:

Pena – de tenção , de 1 (um) a 6 ( se i s ) meses , ou mul ta . ”

A descrição de fatos sem imputação quando se sabe que o fato

não existiu gera o crime do art. 340

Nessa hipótese, o que acontece é uma provocação de uma autoridade,

que no caso será policial, judicial ou do Ministério Público, ou seja, aquelas que têm a

atribuição de atuar no âmbito da persecução criminal, narrando-se um acontecimento de um

fato que caracteriza crime ou contravenção, que, na realidade, sabe-se não ter ocorrido.

É imprescindível para a caracterização do crime menos grave do art.

340 que a prática do fato não tenha sido imputada a alguém. Isso, aliás, é o que

distingue o crime do art. 340 do art. 339 (denunciação caluniosa).

De qualquer maneira, haverá um dano à administração da justiça, pois

será instaurado um procedimento para averiguação de um fato inexistente, em desprestígio

da justiça

O dolo, nesse caso, é o DOLO DIRETO. O sujeito sabe que a situação

não ocorreu.

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Outro fato que distingue o crime do art. 340 da denunciação

caluniosa é que nesta pode acontecer de o sujeito narrar um fato que não aconteceu,

imputando-o a determinada pessoa, como também pode narrar um fato que ocorreu, imputando-

o a pessoa que sabe ser inocente. Assim, a denunciação caluniosa pode se dar através

dessas duas condutas distintas. Já a comunicação falsa exige-se que o crime narrado não

tenha ocorrido. A comunicação falsa do crime é fulcrada na inexistência do crime,

enquanto na denunciação caluniosa tem fulcro na imputação falsa a alguém.

Além disso, na denunciação caluniosa se reclama a instauração por

parte da autoridade do procedimento necessário para apuração do ilícito atribuído a

alguém, a comunicação falsa reclama única e exclusivamente uma ação da autoridade, não

definindo o tipo penal do art. 340 a natureza dessa ação.

Logo, qualquer tipo de medida da autoridade que visa a apurar o

acontecimento falso a ela narrado pelo agente do delito é bastante para consumar o crime

do art. 340, ainda que a autoridade não tenha chegado a instaurar formalmente o

procedimento, o que aí difere da denunciação caluniosa.

Esses crimes, além do tipo do art. 341, têm a potencialidade de

fazer com que a Justiça profira decisões injustas, equivocadas, estando aí configura a

lesão ao bem jurídico tutelado.

No crime do art. 340, não se admite o fracionamento da conduta, daí

porque não há a possibilidade de tentativa.

ART. 341 – AUTO-ACUSAÇÃO FALSA

“Acusa r - se , pe ran te a au to r idade , de c r ime i nex i s ten te ou p ra t i cado por ou t rem:

Pena – de tenção , de 3 ( t rês ) meses a 2 (do i s ) anos , ou mu l ta . ”

O crime de auto-acusação falsa também pode gerar dano à

administração da Justiça, pois esta poderá proferir decisões equivocadas.

O crime ou será inexistente ou terá sido praticado por pessoa

diversa da que se auto-acusa.

O crime é bastante freqüente na segunda hipótese – auto-acusação

falsa de crime praticado por outrem – seja porque se quer proteger o verdadeiro autor do

crime, seja porque é feita mediante paga, ou porque se quer inviabilizar a persecução

criminal (ex. sujeito de mais de 70 anos se auto-acusa falsamente de crime, o que

acarretará em relevante redução de pena ou extinção da punibilidade).

O fato é que, neste crime, também não haverá lugar para tentativa.

Ou o sujeito se acusa ou não se acusa. Não há a necessidade de que se instaure os

procedimentos para a investigação do crime. Basta, para caracterizar a consumação, que a

autoridade tome conhecimento da auto-acusação. Aliás, só há a possibilidade da tentativa

se a confissão se der por escrito e esse documento se extravie.

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Quando a auto-acusação for praticada quando o sujeito está prestando

depoimento na condição de testemunha, não existirá o crime de auto-acusação, porque será

subsidiário. Na realidade, estará configurado o crime de falso testemunho, previsto no

art. 342 do CP.

Se o sujeito comparece como testemunha perante uma ação penal e ele

falsamente atribui a si mesmo a prática do crime, isto irá gerar, muito provavelmente, a

absolvição do verdadeiro culpado e caracterizar o crime do art. 342.

ART. 342 – FALSO TESTEMUNHO OU FALSA PERÍCIA

“Faze r a f i rmação fa l sa , ou nega r , ou ca la r a ve rdade , como tes t emunha , pe r i t o , con tador , t r adu to r ou in té rp re te em p rocesso jud i c i a l , ou admin i s t ra t i vo , i nqué r i t o po l i c i a l , ou em ju í zo a rb i t r a l :

Pena – r ec lusão , de 1 (um) a 3 ( t rês ) anos , e mu l ta .

§1º As penas aumentam -se de um sex to a um te r ço , se o c r ime é p ra t i cado med ian te suborno ou se comet ido com o f im de ob te r p rova des t inada a p roduz i r e fe i t o em p rocesso pena l , ou em p rocesso c i v i l em que fo r pa r te en t idade da admin i s t ração púb l i ca d i re ta ou ind i re ta .

§2º O fa to de i xa de se r pun íve l se , an tes da sen tença no p rocesso em que ocor reu o i l í c i t o , o agen te se re t ra ta ou dec la ra a ve rdade . ”

O crime de falso testemunho consiste na conduta de fazer afirmação

falsa ou negar ou calar a verdade.

Primeira coisa a se observar nesse crime: falso testemunho é CRIME

PRÓPRIO, porque a conduta só pode ser praticada pelo contador, perito, testemunha,

intérprete ou tradutor.

E, além de ser crime próprio, ele é crime de MÃO PRÓPRIA, que é um

crime em que a conduta típica só pode ser praticada por aquela pessoa, ninguém pode

auxiliá-la nesse tipo de conduta. Ex. ninguém pode prestar depoimento em nome de José,

ou fazer um laudo em nome de João.

Justamente por ser crime de mão própria é que se discute se admite

concurso de agente. Uma coisa é certa: por ser de mão própria o crime não admite a co-

autoria. A dúvida reside na possibilidade de existir participação ou não no crime.

Questão: Horas antes de um testemunho, o advogado da causa instrui a

testemunha para fazer uma afirmação falsa e essa testemunha presta, então, o

depoimento falso. O advogado também responderia pelo crime de falso

testemunho?

Resposta: A tese do STF é de que o advogado pode ser enquadrado na condição

de partícipe do crime de falso testemunho. O crime é de mão própria mas admite

a participação sob a modalidade de instigação. Não admite a co-autoria porque

o sujeito não preenche as condições do tipo, mas a participação, nessa

modalidade, é permitida de acordo com a orientação do STF.

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A doutrina majoritária, entretanto, é no sentido da negativa tanto da co-

autoria quanto da participação, por ser o crime de mão própria. Para a

doutrina, há um tipo específico para a hipótese, que é o crime do art. 343 –

corrupção ativa de testemunha. Sustenta-se que há um tipo específico para

aquele que não é testemunha, intérprete, contador, tradutor ou perito, que é o

crime do art. 343. Para estas pessoas (perito, etc.) o tipo específico seria

o do art. 342. Assim, para a doutrina, a instrução de testemunha sem promessa

de recompensa caracterizaria uma atipicidade da conduta.

Outra controvérsia existente sobre o crime do art. 342 é sobre a

natureza da falsidade do depoimento, da perícia, etc., só que mais freqüentemente quanto

à testemunha. A controvérsia consiste em saber se a falsidade é objetiva ou subjetiva.

Ex. Em uma ação penal que visa a apurar crime de homicídio

atribuído a José, João comparece como testemunha do MP e

afirma que, com convicção que José foi o autor do crime, não

obstante não ter visto a cara de José porque o homicida estava

de costas. Posteriormente, constata-se que uma pessoa muito

parecida com José foi o autor do crime e não ele. João

acreditava firmemente que era José o autor do crime, mas

prestou um depoimento falso.

Indaga-se se a falsidade a que se refere o tipo é uma falsidade

objetiva, que existiu no exemplo acima, ou uma falsidade subjetiva, que não ocorreu no

exemplo. É claro que o tipo exige uma falsidade SUBJETIVA, porque o crime é doloso, ou

seja, o dolo abarca o conhecimento de que a informação é falsa. Admite-se, contudo, o

dolo eventual. Dessa forma, se existir dúvida, ela deve ser explicitada para que se dê o

valor devido ao depoimento.

Entretanto, a eventual negligência da testemunha, que faz com ela

acredite firmemente no acontecimento, não dará tipicidade à conduta, porque não se pune a

forma culposa.

A expressão falsa é elemento normativo do crime, assim, se o sujeito

faz uma afirmação objetivamente falsa mas que acha que é verdadeira, estará caracterizado

o erro de tipo, que exclui o dolo.

Também não será qualquer afirmação falsa que fará nascer o crime de

falso testemunho, porque a afirmação que não reflete a realidade, mas não tem qualquer

potencialidade de causar algum tipo de dano à administração da justiça, será atípica por

ausência de potencialidade lesiva.

Assim, se o sujeito fizer uma afirmação inidônea, mas essa afirmação

não é capaz de interferir na decisão que será proferida no bojo do procedimento onde foi

feita a afirmação, não haverá crime algum.

Ex. testemunha que presta afirmação verdadeira quanto ao

cometimento do crime, mas falsa quanto à vestimenta do

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criminoso, não estará cometendo o crime de falso testemunho,

porque a afirmação inidônea não tem potencial de interferir na

decisão quanto à autoria do crime.

Nesse caso, a Administração da Justiça não chegará a ser ofendida,

havendo absoluta ausência de potencialidade lesiva.

Mesma situação ocorre nos crimes de falso – ex. falsidade

documental, em que se insere no documento informação falsa irrelevante.

Para que a Administração da Justiça possa ser lesionada com a

prática do crime de falso testemunho, por conta de uma decisão equivocada, o falso deve

versar sobre uma situação jurídica ou de fato que tenha efetivamente a possibilidade de

interferir no futuro, no destino da decisão.

Se a pessoa mentir a idade, também não haverá, a princípio, qualquer

relevância.

Discute-se, neste contexto, se os depoimentos de conduta, de

idoneidade, ou testemunha de caráter, poderiam ou não trazer reflexo no processo se

falsos. A jurisprudência vem considerando que não porque esse tipo de testemunho é

inócuo. Aliás, a jurisprudência entende que essa pessoa sequer é testemunha, porque ele

não presenciou o fato, mas sim atesta quanto ao caráter do criminoso. Tal depoimento

não interferirá no destino da causa, mas tão somente, se for o caso, na fixação da pena,

o que também é muito discutível.

Discute-se, ainda, se existe crime em casos onde a pessoa presta um

depoimento judicial sem prestar o compromisso previsto no CPP.

O CPP prevê que a testemunha deve prestar o compromisso legal de

dizer a verdade. Se houver uma contradita da testemunha, ou a testemunha

voluntariamente declara que não tem isenção de ânimo para prestar o compromisso, o juiz

poderá tomar o depoimento desvinculando a pessoa do compromisso de dizer a verdade, sendo

que tal pessoa será, no processo penal, denominada de informante.

Se o informante mentir sobre algo juridicamente relevante, sabendo

que o depoimento era falso, ou seja, depoimento com falsidade subjetiva, estará

caracterizado o crime para a grande maioria da doutrina penal, não se extraindo qualquer

conseqüência da ausência de prestação de compromisso.

Heleno Fragoso tem uma posição extremamente minoritária quanto ao

assunto, defendendo que o compromisso é essencial para que a pessoa receba o “status”

referido no tipo, qual seja, testemunha. Para ele, se a pessoa não prestar o

compromisso, ela não poderá ser qualificada como testemunha, não preenchendo as condições

reclamadas no tipo, porque o crime é próprio.

Assim, de acordo com a posição majoritária da doutrina, se pela

livre convicção do juiz, este poderá dar crédito ou não ao depoimento da testemunha ou do

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informante e se este último prestou um depoimento subjetivamente falso, com

potencialidade de repercutir no processo, estará caracterizado o crime.

Há pessoas que o Código de Processo Penal proíbe de depor (advogado

sobre seus clientes, padre por segredos revelados por confissão, etc.). Essas pessoas

não poderão ser o sujeito ativo do crime porque o Juiz não deve permitir seus

depoimentos.

Mas se Juiz admitir o depoimento de qualquer uma dessas pessoas e

ela mentir, prestando um depoimento falso, estará caracterizado o crime porque a vedação

do CPP quanto ao depoimento é sobre fatos verdadeiros. Se a pessoa prestar um depoimento

falso, não estará caracterizada a situação proibitiva do Código de Processo Penal, pois

ela não estará se pronunciando sobre fatos verdadeiros, mas sim falsos, o que importa na

prática do crime do art. 343.

O Código escusa de depor outras pessoas (marido sobre a mulher,

filho sobre o pai, pai sobre o filho – art. 206 do CPP). Nessas hipóteses, também estará

caracterizado o crime do art. 343 se o depoimento for admitido e for falso.

O crime de falso testemunho se consuma no exato momento em que o

sujeito presta o depoimento, independentemente de esse depoimento falso ter gerado dano,

ter sido considerado na sentença. O crime é de PERIGO, ou seja, ainda que o juiz tenha

desprezado o depoimento falso, que tinha potencialidade de repercutir da sentença, estará

caracterizado o crime de falso testemunho, mesmo que tenha sido descartado pelo juiz.

Mas o crime de falso admite, no §2º, uma escusa, ou seja, o fato

deixará de ser punível se o agente se retratar ou declarar a verdade, desde que isso

ocorra antes da sentença a ser proferida no processo em que foi prestado o depoimento

falso.

O tipo prevê, assim, uma retratação que surtirá efeito no plano da

culpabilidade, retratação essa vinculada ao momento de proferimento da sentença onde o

ilícito do falso testemunho ocorreu.

A retratação – condição objetiva de punibilidade - visa a que a

sentença que vier a ser proferida no processo em que se prestou o depoimento falso não

possa ser afetada por essa falsidade.

Em virtude da possibilidade de tal retratação se discute se cabe a

prisão em flagrante da testemunha que prestou o depoimento falso.

Não cabe, primeiro porque o Juiz não tem como auferir se o

depoimento é falso no momento em que é prestado, pois se o fizer ele estará prejulgando a

causa. E até mesmo se pode questionar a validade da prisão em flagrante pois é possível

a imediata retratação da testemunha.

Falso testemunho praticado em Plenário do Tribunal do Júri: O juiz deve questionar

ao Júri a existência ou não do falso. Quem tem competência para dizer se houve ou

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não o falso é o Júri e não o Juiz Presidente. Se o Júri concluir que houve o

cometimento do crime, respondendo sim ao questionamento, a testemunha deverá ser

presa em flagrante. Se os jurados decidirem que a testemunha não mentiu, não se

poderá mais apurar o fato, o que é equivalente ao arquivamento de um inquérito

policial.

A testemunha que comparece como tal não é obrigada a depor sobre

fatos que venha a prejudicá-la no futuro.

A testemunha não pode se recusar a depor, até porque o tipo penal

prevê a conduta de negar ou calar a verdade, entretanto, quando a pergunta, ou da

resposta à pergunta se extrai qualquer situação que possa prejudicar a testemunha, esta

não será obrigada a depor. Da mesma forma, não haverá o crime se o acusado se recusar a

depor sobre fato específico com a alegação de que tal fato está coberto pelo sigilo

profissional.

Outra situação controvertida é a de verificar a partir de quando se

tem um falso testemunho, o que consiste em outro argumento para impedir a prisão em

flagrante.

O falso testemunho será definido como tal no momento da sentença,

logo, se reclama uma sentença no processo onde se praticou o falso para que o crime possa

ser reconhecido. A decisão no processo administrativo, a sentença no processo civil

equiparam-se à sentença na ação penal. Não se reclama, contudo, o trânsito em julgado da

sentença, mas tão somente o seu proferimento.

O juiz que profere essa sentença tem o dever de, ao reconhecer a

ocorrência de testemunho falso, extrair cópia dos autos remetê-las a quem de direito para

a apuração do crime.

Por conta disso, então, fica bastante difícil a possibilidade de se

sustentar o cabimento da prisão em flagrante nessa hipótese.

No §1º, há causa especial de aumento de pena, pois estará

caracterizada uma maior potencialidade lesiva do crime de falso.

Resumo

Basicamente os pontos centrais do falso testemunho são: primeiro a

controvérsia existente sobre a natureza da falsidade feita pela testemunha, perito, etc.,

se trata de falsidade objetiva ou falsidade subjetiva.

Predomina o entendimento de que a falsidade é subjetiva, pois se

trata de um crime doloso. Assim, porque o dolo compreende o conhecimento e vontade de

realização do tipo objetivo, é óbvio que se o sujeito ao prestar o depoimento com a

informação falsa acreditar que sua declaração é verdadeira, não estará presente o dolo, o

que descaracteriza o crime de falso testemunho por se tratar de falsidade objetiva.

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O problema reside na seguinte questão: O que acontece quando o

sujeito acredita que está mentindo sobre um fato juridicamente relevante mas, na

realidade, seu depoimento reflete a verdade?

Ex. X presta depoimento sobre um homicídio, mentindo quanto ao

autor do crime para proteger Y que, para ele, seria o

verdadeiro assassino. Só que, na realidade, Y não cometeu o

crime que foi praticado por outra pessoa.

A conduta de X é atípica pois ele, na realidade, não prestou a

informação falsa, sendo caso de crime imaginário, ou seja,

que só existe na mente do sujeito – art. 17 do Código Penal.

No crime de falso testemunho sempre há oportunidade para a

retratação, que é prevista expressamente no tipo, que deságua, nos termos do §2º, na

afetação da punibilidade da conduta típica. O limite temporal para a retratação é a

prolatação da sentença no processo em que se prestou o falso e não daquele instaurado

para a punição do falso.

Questão: Pode-se apurar a prática do crime de falso antes do trânsito em

julgado da sentença proferida nos autos do processo onde prestado o falso

testemunho? A denúncia pode ser oferecida de imediato pelo Ministério

Público, ou deve ser aguardada a sentença a ser proferida nos autos do

processo onde se prestou o falso?

Resposta: O entendimento majoritário é a de que não é necessário aguardar o

trânsito em julgado para o início da ação penal.

Contudo, uma parte minoritária da doutrina defende que, para evitar o

proferimento de decisões conflitantes que poderiam ocorrer se no processo onde

supostamente foi cometido o crime de falso testemunho o Juiz ou Tribunal venha

a classificá-lo como verdadeiro, defende-se que a ação penal que visa a apurar

e a punir o crime de falso testemunho somente deve ser instaurada após o

trânsito em julgado da sentença proferida no processo onde ocorrido o falso

testemunho. Se instaurada para evitar a ocorrência da prescrição, deve-se

aplicar a hipótese do art. 116, I, do CP, sobrestando o feito e

consequentemente a prescrição até a decisão final no outro processo.

ART. 343 – CORRUPÇÃO ATIVA DE TESTEMUNHA

“Da r , o fe rece r , ou p romete r d inhe i ro ou qua lque r ou t ra van tagem a tes temunha , pe r i t o , con tador , t r adu to r ou in té rp re te , pa ra f a ze r a f i rmação fa l sa , nega r ou ca la r a ve rdade em depo imento , pe r í c i a , cá l cu los , t r adução ou in te rp re taçã o:

Pena – r ec lusão , de 3 ( t rês ) a 4 (qua t ro) anos , e mu l ta .

Pa rág ra fo ún i co . As penas aumentam -se de um sex to a um te r ço , se o c r ime é comet ido com o f im de ob te r

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prova des t inada a p roduz i r e fe i t o em p rocesso pena l ou em p rocesso c i v i l em que fo r pa r te e n t idade da admin i s t ração púb l i ca d i re ta ou ind i re ta ” .

A diferença básica entre o tipo penal do art. 343 e do art. 333

(corrupção ativa) é que no primeiro há a previsão do núcleo verbal DAR. Isto significa

que, enquanto na corrupção ativa não existirá o crime por atipicidade da conduta quando o

funcionário pede ao particular o pagamento de determinada quantia, porque não existe o

núcleo verbal DAR, somente o oferecer ou prometer, no art. 343, o legislador quis

expressamente punir a conduta de DAR, incluindo esse núcleo verbal no tipo penal.

Assim, entre o art. 317 e o art. 343 plena correlação dos núcleos

verbais neles previstos:

CORRUPÇÃO ATIVA DE

TESTEMUNHA (ART. 343)

CORRUPÇÃO PASSIVA

(ART. 317)

CORRUPÇÃO ATIVA (ART.

333)

DAR SOLICITAR --------

OFERECER RECEBER OFERECER

PROMETER ACEITAR PROMETER

Portanto, mesmo nos casos onde a testemunha solicita o dinheiro e

alguém paga, este responderá pelo crime na modalidade de dar.

O crime do art. 343 é uma corrupção ativa especializada e

prevalecerá sobre o art. 333 sempre que o particular corromper perito, testemunha,

contador, tradutor ou intérprete.

O nome de corrupção ativa de testemunha é um nome doutrinário pois o

Código Penal inclui esse crime dentro da parte destinada ao crime de falso testemunho.

Trata-se de figura especializada sobre o art. 333 do CP, que trata

da corrupção ativa comum, genérica. A corrupção ativa do art. 343 é de pessoa que

poderia ser sujeito ativo do crime do art. 342.

Justamente porque existe esse tipo penal, parte da doutrina defende

que não cabe co-autoria ou participação no art. 342.

Isto porque o art. 342 trata de crime próprio, que somente pode ser

cometido por perito, testemunha, intérprete, como também crime de mão própria porque

ninguém pode praticá-lo no lugar do sujeitos ativos descritos no tipo penal (tradutor,

perito, intérprete).

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OBSERVAÇÃO: Crime de mão própria é aquele onde a ação típica só pode ser

realizada pela pessoa descrita no tipo penal. Todo o crime de mão própria é

crime próprio mas nem todo crime próprio é de mão própria. O crime de mão

própria não admite co-autoria nem tampouco a participação material, mas admite

a participação moral.

Como o art. 342 representa crime de mão própria, pode ele admitir

somente a participação moral – ex. advogado que instiga testemunha sem paga, o que é

admitido pelo Supremo Tribunal Federal.

Contudo, uma parte da doutrina alega que sequer é possível a

participação moral no crime de falso testemunho, porque tal situação não foi prevista

pelo legislador, que só admitiu a possibilidade de alguém responder por uma situação de

fato onde ocorrido o falso testemunho quando houver propina, paga, na forma tipificada

pelo o art. 343 – tipo específico de corrupção ativa de testemunha.

Argumentam que isso seria um sinal claro de que o legislador não

admitiu o crime de falso testemunho para as pessoas não descritas no tipo penal

correspondente. Para tais pessoas, o código expressamente previu uma situação específica

de responsabilização que é a corrupção ativa de testemunha, ou seja, deve estar presente

a propina, a paga para caracterizar a tipificação penal. Contudo, essa corrente é

minoritária, porque o STF já admitiu a participação moral no art. 342.

Nesse crime de corrupção ativa deve ser observado que a testemunha

que recebe o dinheiro e presta o depoimento falso responde somente pelo crime do art.

342. Quanto ao tradutor a situação é idêntica.

No que se refere à falsa perícia, quando o perito for oficial,

funcionário público, a hipótese será de crime de falso testemunho – falsa perícia em

concurso com o crime de corrupção passiva prevista no art. 317 do Código Penal. Isto

porque a objetividade jurídica no crime de falso testemunho é a proteção à credibilidade

das decisões judiciais, que não podem ser maculadas ou expostas a risco por um depoimento

falso, um laudo falso, enquanto no art. 317, a objetividade jurídica é a proteção à

honra do cargo público, sendo, por isso, bens jurídicos distintos.

Se o perito apresentar, mediante paga, laudo falso e depois

comparecer em audiência para esclarecer pontos desse laudo falso, o crime praticado será

um só, o de corrupção passiva, pois além de o comparecimento à audiência não representar

tecnicamente um testemunho, seus esclarecimentos sobre o laudo representam, tão somente,

um exaurimento da conduta de corrupção passiva já praticada.

Quando se tratar de testemunha, intérprete, tradutor que não podem

ser considerados funcionários públicos nos termos do art. 327, o crime praticado será só

o de falso testemunho, previsto no art. 342, mesmo sendo a testemunha considerada como

auxiliar do juízo – tal situação em nenhuma hipótese caracteriza funcionário público nos

termos do art. 327.

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O dolo eventual pode estar presente no tipo penal do art. 342,

quando, por exemplo, houver a modificação do sentido de um trecho de texto por conta da

tradução se o tradutor ou intérprete tinha conhecimento que determinada expressão poderia

ser traduzida de formas diferentes. Se o tradutor ou intérprete só conhecia um sentido

para dar ao texto, não estará caracterizado o dolo eventual.

Se a testemunha não for subornada, mas coagida prestando depoimento

falso em virtude de uma coação, ela não responderá pelo crime do art. 342 por conta da

coação moral irresistível – art. 22 do CP. Já a pessoa que exerceu a coação responderá

pelo tipo específico do art. 344 – coação no curso do processo.

ART. 344 – COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO

“Usa r de v io l ênc ia ou g rave ameaça , com o f im de f avorece r i n te resse p róp r io ou a lhe io , con t r a au to r idade , pa r te , ou qu a lque r ou t ra pessoa que func iona ou é chamada a in te rv i r em p rocesso jud i c i a l , po l i c i a l ou admin i s t ra t i vo , ou em ju í zo a rb i t r a l :

Pena – r ec lusão , de 1 (um) a 4 (qua t ro ) anos , a l ém da pena co r responden te à v io l ênc ia ” .

Essa “qualquer outra pessoa” referida no tipo penal inclui todas as

pessoas que são sujeitos ativos do art. 342 (perito, testemunha, tradutor, intérprete).

O núcleo verbal é USAR com elementares VIOLÊNCIA ou GRAVE AMEAÇA.

Contudo, não se pune só a violência ou a grave ameaça. A punição ocorre porque o uso de

violência ou grave ameaça é destinado a fazer com que o dolo específico – especial fim de

agir – aconteça, qual seja, o favorecer interesse próprio ou alheio.

Esse interesse que se menciona no tipo é qualquer espécie de

interesse, não se restringindo apenas ao interesse material, econômico.

O crime se consuma com o emprego da violência ou da grave ameaça,

independentemente de o interesse ter sido ou não satisfeito, daí porque o crime do art.

344 é CRIME FORMAL.

OBSERVAÇÃO: Quase todo crime que o tipo penal descreva um especial fim de agir

é CRIME FORMAL.

O tipo exige a satisfação ou a intenção de satisfazer o interesse só

no plano subjetivo, ou seja, só na intenção do agente e não que o interesse seja

efetivamente satisfeito.

O crime de ameaça é absorvido pelo crime de coação no curso do

processo, entretanto, o uso da violência física não é absorvido, pois o próprio tipo

penal, quando enuncia a pena, deixou claro que o sujeito será condenado pelo crime de

coação, além de lhe ser imputadas as penas correspondentes à violência, o que representa

CUMULAÇÃO DE PENAS.

A hipótese não é de concurso material, mas sim de CONCURSO FORMAL

IMPRÓPRIO, previsto na 2a parte do art. 70 do Código Penal. Isto porque no concurso

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material exige-se duas ou mais ações, enquanto no crime de coação com violência há uma

única ação, a qual, contudo, implicará não da aplicação da pena mais grave, aumentada de

1/6, mas sim na cumulação das penas em virtude do disposto no art. 70 – parte final.

OBSERVAÇÃO: No concurso formal impróprio, os vários resultados obtidos numa

única conduta praticada pelo sujeito são por ele almejados, enquanto no

concurso formal próprio, apesar de ter havido um única ação com vários

resultados, somente um deles era almejado pelo agente.

ART. 345 – EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES

“Faze r ju s t i ça pe la s p róp r i a s mãos , pa ra sa t i s f a ze r pre tensão , embora l eg í t ima , sa l vo quando a l e i o pe rm i te :

Pena – de tenção , de 15 (d ia s ) a 1 (um) mês , a l ém da pena co r responden te à v io l ênc ia .

Pa rág ra fo ún i co . Se não há emprego de v io l ênc ia , somente se p rocede med ian te que ixa . ”

Essa tipificação de condutas deriva do

fato de o Estado ter chamado para si, de forma privativa, o poder de

“dizer o direito”, proibindo a justiça privada.

Essa proibição, no direito penal, é positivada no tipo penal

previsto no art. 345.

É requisito fundamental do crime de exercício arbitrário das

próprias razões que a pretensão a ser satisfeita indevidamente pelo sujeito seja

LEGÍTIMA.

Não se reclama que o sujeito tenha a razão na sua pretensão, basta

que seja legítima a pretensão que o sujeito visou satisfazer através de modo próprio.

Essa pretensão tem que estar ancorada na lei, deve ter fundamentação

legal, de forma que, a princípio, fosse permitido o acolhimento da pretensão pelo Poder

Judiciário se essa tivesse sido a via escolhida pelo autor.

Isto quer dizer que a expressão “pretensão embora legítima” contida

no tipo penal deve ser interpretada, utilizando-se como parâmetro o processo civil, como

sendo “o pedido juridicamente possível”. Basta isso para que seja configurada a

adequação da conduta a esse tipo penal.

Assim, não existirá o exercício arbitrário das próprias razões se o

marido obrigar a mulher a manter relações sexuais forçadas, pois tal pretensão não

poderia ser acolhida pelo Poder Judiciário. Neste caso, estaria configurado um crime de

estupro e não o de exercício arbitrário das próprias razões.

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Quando a pretensão for ilegítima, a satisfação dela pelo próprio

agente desaguará em tipicidade por outro tipo penal que não seja o do exercício

arbitrário das próprias razões.

Ex. X gosta de determinado relógio e o pega. Essa pretensão

não poderia ser acolhida pelo Poder Judiciário. O crime será

de furto e não o de exercício arbitrário das próprias razões.

OBSERVAÇÃO: Seqüestro ou cárcere privado não são meios para viabilizar

pagamento de dívida, por isso não estará configurado exercício arbitrário, mas

sim seqüestro.

Ex. Sujeito que tem uma dívida com um hotel e o dono do hotel,

diante da tentativa do sujeito de sair do hotel sem pagar,

retém a bagagem dele. O fato será ATÍPICO, porque a própria

lei civil autoriza o dono do hotel a agir dessa forma, sendo a

conduta lícita, e o próprio art. 345 ressalva a permissão da

lei.

O exercício próprio das próprias razões é típico crime subsidiário,

pois só existirá se a conduta per si não for típica de outro tipo penal.

Assim, as pretensões ilegítimas que não encontrem amparo abstrato na

lei configuram a atipicidade objetiva do crime do art. 345, mas tipicidade por outro tipo

penal.

Se a pretensão for legítima, podem estar presentes duas hipóteses:

(1) uma pretensão legítima onde a própria lei autoriza a satisfação pessoal do agente,

hipótese na qual não estará caracterizado o crime do art. 345, que expressamente ressalva

tal situação; (2) uma pretensão legítima que a lei não autoriza a satisfação diretamente

pelo sujeito, estando, dessa forma, caracterizado o crime do art. 345.

Questão: Sujeito que contrata a realização de obras em sua casa e as paga

antecipadamente. O operário nada faz. O sujeito retém os bens do operário e

informa que só serão devolvidos quando encerrada a obra. Existe autorização

legal para o sujeito proceder dessa forma?

Resposta: A resposta é negativa. Apesar de a pretensão ser legítima, pois há

uma inadimplência, a lei não autoriza o sujeito a satisfazer seus interesses

diretamente, daí porque estará configurado o crime de exercício arbitrário das

próprias razões previsto no art. 345 do CP.

A objetividade jurídica da norma é o resguardo das decisões

judiciais, sendo que é a própria Constituição que estabelece que a função de “dizer o

direito” é reservada ao Estado- Juiz. O sujeito não pode menosprezar a atuação do Poder

Judiciário.

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Trata-se de crime FORMAL IMPRÓPRIO, sendo que será aplicada a pena

correspondente à violência, além da pena prevista no art. 345 do CP.

OBSERVAÇÃO: Pendura. A retenção momentânea das pessoas no restaurante para o

pagamento da dívida tem sustentação legal para que sejam levantados os dados

necessários para viabilizar a posterior cobrança da dívida. Contudo, não se

pode obrigar o sujeito a trabalhar para pagar a dívida. De outro lado, a

conduta de comer no restaurante sem recursos está tipificada no artigo 176 do

CP, o que é bastante interessante pois, se o sujeito dispor de recursos para

efetuar o pagamento, não haverá tipicidade na conduta.

Ex. Locador que expulsa locatário de seu imóvel, com ameaça

com arma de fogo, porque o inquilino não paga o aluguel. Está

configurada a conduta do art. 345 do CP, porque a pretensão é

legítima – pagamento de aluguel – mas a lei não confere ao

locador o direito de satisfazer sua pretensão de forma direta.

Estará configurado o exercício arbitrário das próprias razões,

pois a lei confere ao locador um meio processual idôneo para a

satisfação da pretensão, qual seja, a ação de despejo.

A objetividade jurídica da norma reside no respeito que deve ser

observado quanto à atuação do Poder Judiciário. O menosprezo pela Administração da

Justiça configura violação ao bem jurídico tutelado.

ART. 348 – FAVORECIMENTO PESSOAL

“Aux i l i a r a sub t ra i r - se à ação de au to r idade púb l i ca au to r de c r ime a que é cominada pena de rec lusão:

Pena – de tenção , de 1 (um) a 6 ( se i s ) meses , e mu l ta .

§1º . Se ao c r ime não é cominada pena de rec lusão:

Pena – de tenção , de 15 (qu inze ) d ia s a 3 ( t rês ) meses , e mu l ta .

§2º Se quem p res ta o aux í l i o é ascenden te , descenden te , côn juge ou i rmão do c r im inoso , f i ca i s en to de pena . ”

ART. 349 – FAVORECIMENTO REAL

“P res ta r a c r im inoso , f o ra dos casos de co -au to r i a ou de recep tação , aux í l i o des t inado a to rna r seguro o p rove i to do c r ime:

Pena – de tenção , de 1 (um) a 6 ( se i s ) meses , e mul ta . ”

O crime de favorecimento pessoal (art. 348), junto com o crime de

favorecimento real (art. 349) e o crime de receptação (art. 180) derivaram de uma

evolução de um tema específico da doutrina penal que é o CONCURSO DE AGENTES.

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O concurso de agentes, ou de pessoas, ou cumplicidade, em épocas

remotas, consistia em qualquer tipo de auxílio moral ou material prestado por alguém que

ajudasse o cometimento de crime por outrem, independentemente de quando tenha ou tivesse

acontecido esse auxílio.

Assim, quando surgiu no direito a noção de cúmplice, definiu-se que

a cumplicidade poderia acontecer em qualquer etapa do “iter criminis”, como também até

depois da consumação, o que era chamado de cumplicidade pós-fato.

O Código Criminal no Império – primeira codificação penal brasileira

- consagrava esse tratamento da cumplicidade, inclusive a punição pela cumplicidade pós-

fato. Assim, quem escondesse o homicida também respondia pelo crime de homicídio; quem

escondia o ladrão, mesmo não sabendo que este havia cometido um crime, também respondia

pelo roubo.

Havia, assim, uma flagrante ausência de proporcionalidade entre a

punição do sujeito que praticava tal conduta, de gravidade objetiva muito inferior ao do

outro, e a punição atribuída ao próprio autor do crime, autor da conduta típica

principal.

Por conta dessa constatação é que surgiram os crimes previstos nos

arts. 348; 349 e 180 – chamados delitos de fusão - que partem do pressuposto do

cometimento de crimes por outrem.

O surgimento desses delitos de fusão está vinculado à evolução da

dogmática penal no que toca ao concurso de agentes, pois se constatou a necessidade de se

estabelecer um limite vinculado ao “iter criminis” e diferenciar a conduta desse sujeito

da conduta do autor, ou do co-autor ou do partícipe do crime.

Esse limite, muito embora haja uma controvérsia se vinculado ao

exaurimento da conduta – que é a consumação material ou à consumação formal - é uma

consumação. Assim, só há concurso de agentes quando A colabora com B para a prática do

crime até que o crime seja consumado por B.

Qualquer colaboração dada após a consumação não é suficiente para

atribuir ao autor da colaboração “status” de concorrente do crime.

Mas, em contrapartida, quem auxilia de qualquer maneira a prática do

crime, ainda que o auxílio ocorra após a prática do crime, também estará praticando uma

conduta tipificada no âmbito penal, que pode ser a prevista no art. 348; no art. 349 ou

no art. 180, que são os chamados delitos de fusão.

Em legislação extravagante também estão previstos crimes de fusão –

ex. lavagem de dinheiro.

Os delitos de fusão necessariamente derivam de um crime praticado

por alguém em que a ação típica consiste em um auxílio ao crime iniciado após a sua

consumação.

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Os crimes de fusão são aqueles em que a ação criminosa neles

prevista é iniciada após a consumação do crime antecedente. Só é autor dos crimes de

fusão quem não é autor, co-autor ou partícipe do crime antecedente.

Ex. Quem pratica o crime de receptação não pode ter praticado

o crime de furto a ele antecedente. Quem pratica o homicídio

não pode praticar o crime de favorecimento pessoal.

O favorecimento pessoal (art. 348) consiste no auxílio a subtração à

ação de autoridade do autor de crime ao qual é cominada a pena de reclusão. Pune-se,

também, o auxílio dado a autor de crime punido com detenção, mas com uma pena inferior,

configurando um privilégio.

O tipo fala em auxílio prestado a autor de crime, o que abrange o

auxílio prestado a co-autor e a partícipe de crime.

Ex. W empresta ferramenta para X para que ele arrombe uma casa

e cometa furto, sendo assim partícipe do crime. Após o

cometimento do crime, esse sujeito foge e pede auxílio a Y,

que o esconde em casa. Y responderá pelo crime do art. 348.

O Código Penal, no art. 348, ao utilizar a expressão autor não quis

restringir o auxílio prestado ao autor material. Assim, o auxílio prestado a todo e

qualquer concorrente para que se subtraia à ação da autoridade pública que atua no âmbito

da persecução criminal configurará o crime de favorecimento pessoal.

O fundamental para configurar o crime de favorecimento pessoal é que

por parte do sujeito que auxilia a subtração exista um conhecimento de que aquela pessoa

está sendo procurada, pois só assim estará caracterizado o auxílio à subtração.

Logo, se o sujeito não estiver sendo procurado, não estará

caracterizado crime algum, não havendo tipicidade na conduta do agente que hospedar esse

sujeito em casa. O tipo demanda que o autor do crime seja procurado pela autoridade

pública pois só assim o auxílio à subtração poderá estar configurado. A subtração é

sinônimo de fuga.

O tipo de favorecimento pessoal refere-se ao autor de CRIME, logo, o

auxílio dado a autor, co-autor, ou partícipe de CONTRAVENÇÃO PENAL não caracterizará o

crime do art. 348.

O crime existirá mesmo que o autor do outro crime venha a ser

posteriormente absolvido. Eventual absolvição ou condenação do sujeito não afetará a

condenação do agente pelo crime do art. 348 porque esse tipo penal objetiva assegurar a

Administração da Justiça – o auxílio à fuga ofende a objetividade do tipo penal. Assim,

auxiliar a fuga de um inocente ou a fuga de um culpado ofende a Administração da Justiça

da mesma forma.

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Quem auxiliar a fuga de agente de crime apenado com pena de reclusão

terá uma pena cominada mais grave. Se o agente cometeu uma contravenção, não haverá

tipicidade na conduta e se o agente cometeu crime em que é cominada pena de detenção

estará configurada a hipótese de privilégio - §1º.

O dolo do sujeito deve abarcar o conhecimento da procura do autor do

outro crime. Assim, se o sujeito não souber que a outra pessoa está sendo procurada,

estará caracterizado ERRO DE TIPO, o que afasta o dolo.

O tipo não pune a conduta do pai, filho, cônjuge que ajuda o outro a

fugir, pois o direito penal sempre dá destaque à manutenção da união familiar,

configurando, assim, PERDÃO JUDICIAL.

O companheiro ou companheira também se valerão do perdão judicial,

por analogia “in bonam partem”.

O problema maior reside nos crimes de favorecimento real e no crime

de receptação.

O crime de favorecimento real configura-se pela conduta de prestar

ao criminoso, fora dos casos de co-autoria ou de receptação, auxílio destinado a tornar

seguro o proveito do crime.

O crime de receptação prevê um núcleo verbal que pode trazer

confusão com o crime de favorecimento real que é o RECEBER. O próprio tipo do

favorecimento real estabelece que somente será sujeito do crime aquele que, fora dos

casos de co-autoria (leia-se também participação) e receptação, auxiliar o criminoso.

A distinção entre as duas figuras – receptação e favorecimento real

– se dará através do DOLO.

Primeiro, deve-se lembrar que o co-autor ou partícipe do crime

antecedente não poderá, por lógica, cometer qualquer uma dessas condutas de delito de

fusão.

Ex. X e Y subtraem uma coisa indivisível, no valor de R$

100,00. Porque a coisa não pode ser dividida, X paga a Y R$

50,00 e fica com a coisa toda para si. X não poderá ser

punido pelo crime de receptação pois é co-autor do crime de

furto e por este será processado.

O sujeito responderá pelo crime de receptação, quando receber a

coisa, sabendo que é produto do crime, com o intuito econômico, ou com o intuito de

obter alguma vantagem. O dolo, no crime de receptação, abrange a intenção de lucrar com

o recebimento do produto do crime.

Já no favorecimento real, o sujeito recebe a coisa, sabendo que é

produto de crime, com o intuito de AUXILIAR o autor do crime, sem “animus lucrandi”, daí

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porque a pena do favorecimento real – que tem um desvalor de conduta menor – é inferior à

pena de receptação.

Se o sujeito desconhecer que a coisa recebida é produto do crime,

não haverá o dolo, caracterizando erro de tipo.

De outro lado, se o sujeito receber a coisa para guardá-la,

recebendo também uma quantia mensal, seja a título de depósito, locação, ou qualquer

outro não vinculado ao intuito econômico, o crime também será o de favorecimento real e

não o de receptação, pois o recebimento de tal quantia não caracteriza “animus lucrandi”.

Ex. X subtrai um quadro raro, que passa a ser procurado e

precisa ser escondido. X pede a Y que guarde o quadro e paga

a ele uma quantia mensal a título de “depósito”. O crime será

o de favorecimento real e não de receptação. O lucro que não

se obtenha diretamente pela coisa, não caracteriza o crime de

receptação.

X subtrai um bem e entrega a Y para que este o venda. X fica

com uma parte do produto da venda e Y a outra parte. Estará

caracterizado o crime de receptação, pois o lucro advém

diretamente da coisa objeto do crime antecedente.

A diferença está na presença do “animus lucrandi”. Se este estiver

caracterizado, o crime será o de receptação. Se não estiver configurado, o crime será o

de favorecimento real, pois o intuito primordial neste último é a prestação de auxílio.

RESUMO

Crimes de Fusão consistem em crimes que demandam necessariamente da

existência material de outro crime para que possam ocorrer. O tipo objetivo do delito de

fusão contém a existência material do outro crime, daí porque não será possível que

alguém responda pelo crime de fusão se a materialidade do outro crime ficar

descaracterizada.

Todas as espécies delitivas da lei de lavagem de dinheiro – Lei 9613

- constituem crimes de fusão. Para que o dinheiro possa ser “lavado” ele deve ser

proveito de um crime.

Mas enquanto nos crimes de fusão previsto no Código Penal (arts.

180; 348 e 349) não se especificou qual o crime precedente, na lei de lavagem de dinheiro

o legislador estabeleceu, de forma taxativa, quais os crimes antecedentes que autorizam a

caracterização da lavagem.

Cumpre destacar que a lei de lavagem de dinheiro não especificou

como crime antecedente o crime contra o patrimônio – daí porque o produto do roubo não

será objeto do crime de lavagem, nem tampouco o crime de sonegação fiscal. Mas todos os

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crimes contra a Administração Pública viabilizam a lavagem de dinheiro, tal qual o

tráfico.

ART. 350 – EXERCÍCIO ARBITRÁRIO OU ABUSO DE PODER

“Ordena r . . . . . . . ”

VIDE LEI 5898/65

O tipo do art. 350 se tem como revogado pela Lei 4898/65, que é a

lei que define o crime de abuso de autoridade. Essa é a tese dominante na doutrina e

pacífica da jurisprudência.

Tal lei é posterior à parte especial do código e tratou inteiramente

sobre o tema de abuso de poder.

ART. 351 – FUGA DE PESSOA PRESA OU SUBMETIDA A MEDIDA DE SEGURANÇA

“P romover ou f ac i l i t a r a fuga de pessoa l ega lmente presa ou submet ida a med ida de segurança de ten t i va :

Pena – de tenção , de 6 ( se i s ) meses a 2 (do i s ) anos .

§1º Se o c r ime é p ra t i cado a mão a rmada , ou por ma i s de uma pessoa , ou med ian te a r rombamento , a pena é de rec lusão , de 2 (do i s ) a 6 ( se i s ) anos .

§2º Se há emprego de v io l ênc ia con t ra pessoa , a p l i ca -se também a pena co r responden te à v io l ênc ia .

§3º A pena é de rec lusão , de 1 (um) a 4 (qua t ro ) anos , se o c r ime é p ra t i cado por pessoa sob cu ja cus tód ia ou gua rda es tá o p reso ou o in te rnado .

§4º No ca so de cu lpa do func ioná r io i n cumb ido da cus tód ia ou gua rda , ap l i ca - se a pena de de tenção , de 3 ( t rês ) meses a 1 (um) anos , ou mu l ta ”

O auxílio feito por terceiro para que pessoa submetida a medida

restritiva imposta por autoridade competente – qualquer espécie de restrição à liberdade

ou a medida de segurança – configura crime.

Isto é, um terceiro não pode auxiliar o preso ou a pessoa detida por

força de medida de segurança repressiva a fugir, caso isso aconteça estará configurado o

crime do art. 351.

No tipo se observa dois núcleos verbais – PROMOVER e FACILITAR,

sendo que na modalidade promover há uma conduta comissiva, ativa do sujeito, que por

força ou iniciativa própria viabiliza a fuga.

Na modalidade facilitar, normalmente se tem uma conduta omissiva –

facilita-se a fuga da prisão quando o carcereiro propositadamente deixa aberta a porta do

cárcere.

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O crime admite como sujeito ativo tanto o funcionário público como o

particular, sendo que, no que toca ao funcionário público, há apenação da forma CULPOSA.

Assim, se o carcereiro esqueceu a porta aberta do cárcere, por

culpa, a hipótese será a do §4º do art. 351.

Como o particular não tem qualquer espécie de dever vinculado à

manutenção da segurança da área de cárcere, ele não poderá, nem em tese, responder pela

conduta pela forma culposa. No §4º, que trata da modalidade culposa, está bem claro que

o sujeito ativo só poderá ser o funcionário público.

Na forma dolosa, qualquer pessoa poderá ser sujeito ativo do crime.

O crime também admite a forma comissiva, como a omissiva (facilitar)

sendo que nesta última é cometido, por via de regra, pelo funcionário público que tem

como dever de ofício zelar pela segurança do cárcere.

A facilitação prevista no “caput” é uma facilitação dolosa, que não

admite dolo eventual, segundo entendimento dominante. O dolo deve ser direto, pois o

crime é de omissão.

Se o carcereiro fornecer ao detento um instrumento (ex. serra) para

viabilizar a fuga, ele responderá pelo crime na modalidade de PROMOVER e não na de

facilitar porque há uma ação, há uma conduta ativa.

Integra o tipo objetivo do crime a legalidade da prisão. Não se

pode confundir a legalidade com a justiça da prisão. Para que seja configurado o crime,

se requer que a prisão tenha sido revestida dos seus pressupostos formais de validade.

Logo, promover a fuga de pessoa que se encontre “detida para

averiguações” – figura que não existe no ordenamento jurídico – não constitui crime

algum, mas tão somente legítima defesa de terceiros. No entanto, promover a fuga de

pessoa que se tem presa por injustiça do Juiz constitui o crime do art. 351 pois, embora

injusta a prisão é legal.

Questão controvertida é a decretação da prisão por juiz

manifestamente incompetente. O auxílio à fuga do preso constitui o crime do art. 351,

pois não se trata de questão que possa ser resolvida “manu militari” pelo agente, pois o

ordenamento jurídico prevê formas de argüição dessa incompetência.

Os crimes contra a Administração da Justiça tutelam a moralidade de

alguma situação vinculada a esse ramo específico da Administração Pública, bem como

tutelam a própria função privativa estatal de “dizer o direito”, “aplicar o direito”,

como ocorre na hipótese acima. Ora, se o direito dá o agente a oportunidade de agir de

acordo com o previsto no ordenamento, não pode o agente agir de forma “manu militari”.

O momento consumativo desse crime é controvertido.

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Há autores que sustentam que o crime se consuma com a fuga,

portanto, qualquer ato destinado a viabilizar a fuga que não tenha ocorrido por

circunstâncias alheias a vontade do agente configuraria tentativa, sendo assim caso de

CRIME MATERIAL. Esta é a corrente majoritária.

Outros autores sustentam que se trata de CRIME FORMAL, sendo a fuga

exaurimento da conduta. O resultado naturalístico dispensado no tipo é a fuga e o crime

se consumaria com a mera promoção ou facilitação, sem possibilidade de configuração de

tentativa.

No parágrafo primeiro estabelece-se a qualificadora pelo concurso

eventual de pessoas ou utilização de arma.

O tipo penal trata equivocadamente do crime praticado a mão armada

para caracterizar a qualificadora. Sabe-se que há armas próprias e armas impróprias. As

primeiras são os objetos cuja função precípua seja realmente ofender – ex. revólver. As

armas impróprias são os objetos que podem ofender, não sendo esta, contudo, a sua

finalidade precípua – ex. faca.

A redação defeituosa do tipo, que qualifica a figura quando o crime

é praticado a mão armada, merece uma interpretação restritiva, ou seja, só viabiliza a

forma qualificadora a ação intentada mediante a utilização de arma própria.

Muito embora o legislador tipifique a viabilização de fuga de preso

por terceiro, ele não pune a fuga viabilizada pelo próprio preso.

Assim, tentar fugir da prisão, por si só, é conduta atípica. Mas o

fato de a conduta ser atípica não dá direito subjetivo algum à fuga, sendo extremamente

equivocada a expressão “direito de fugir”.

Tanto é assim que o sujeito que tenta fugir e não consegue ou que

foge e é recapturado imediatamente tem uma regressão no seu regime de execução e

cumprimento de penal. Se estava em regime semi-aberto, tal fato caracterizará mau

comportamento fazendo com que seja estipulado o regime fechado.

No entanto, o ordenamento jurídico pune a evasão mediante violência

contra a pessoa, o que está previsto no art. 352 do Código Penal.

ART. 352 – EVASÃO MEDIANTE VIOLÊNCIA CONTRA A PESSOA

“Evad i r - se ou ten ta r evad i r - se o p reso ou o ind i v íduo submet ido a med ida de segurança de ten t i va , usando de v io l ênc ia con t ra a pessoa :

Pena – de tenção , de 3 ( t rês ) meses a 1 (um) ano , a lém da pena co r responden te à v io l ênc ia . ”

O sujeito ativo é o próprio preso. O crime não é pela fuga em si, o

núcleo central da punição reside no desvalor de conduta representado pela agressão,

violência física.

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Em classificação doutrinária, esse crime representa o CRIME DE

ATENTADO que é aquele em que a modalidade tentada já é punida no próprio tipo penal.

Esse crime é incompatível com a tentativa.

Em geral, a figura tentada é forma de adequação indireta ao tipo

penal. Tentar matar alguém não encontra tipificação direta no art. 121. Para que seja

possível a adequação da conduta à norma do art. 121 é necessária a utilização do artigo

14, II, do CP, por isso se diz que se trata de adequação indireta.

Nos crimes de atentado, não acontece tal situação. Neles, a

tentativa já é punida da mesma forma do que o crime consumado. Assim, a conduta tentada

já encontra tipicidade direta na norma penal.

Entretanto, o tipo penal do art. 352 não faz distinção na pena para

a figura tentada (tentar evadir-se) ou para a figura consumada (evadir-se).

Note-se que o art. 14, II, do CP estabelece obrigatoriamente um

causa de redução de pena para a forma tentada, por conta do desvalor de conduta menor que

acontece nessa hipótese.

Assim, na figura tentada no art. 352, deve o Juiz observar na etapa

de graduação da pena, mais precisamente na fase de fixação da pena base, as conseqüências

do crime, pois é evidente que a conseqüência do crime na forma tentada é inferior à forma

consumada, conforme prevê o art. 59 do CP.

A grave ameaça não é elementar da figura, assim, o a utilização de

arma de fogo para efeito de intimidação da pessoa não constitui o crime do art. 352.

Há que se observar, entretanto, que o tipo penal não menciona

“causar lesão”, mas tão somente “usar violência”, daí porque não há necessidade de

ocorrência de lesão corporal para caracterizar o crime.

Se da violência resultar dano à vida, ou seja, caracterizar algum

resultado típico, haverá concurso formal impróprio previsto na 2a parte do art. 70 do CP,

aplicando-se cumulativamente as penas de ambos os crimes.

OBSERVAÇÃO: CONCURSO FORMAL IMPRÓPRIO. Única conduta com dois resultados

atingindo bens jurídicos distintos, com dois resultados típicos - crime

contra a administração à Justiça e crime contra a vida, que traz como

conseqüência a soma das penas porque os crimes concorrentes resultam de

desígnios autônomos, por ação dolosa.

O Código Penal Brasileiro adotou a Teoria Objetiva da Tentativa, ou

seja, a tentativa configura causa obrigatória de diminuição de pena porque, apesar de

expor a risco o bem jurídico tutelado – pois a tentativa implica em início de execução -

há um suposto desvalor de resultado menor.

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Por ser a fuga atípica, só se adentra na fase executiva do crime do

art. 352 quando se pratica a violência, daí porque não há tentativa de violência. O

tentar usar da violência constitui ato preparatório do crime do art. 352.

ART. 353 – ARREBATAMENTO DE PRESO

“A r reba ta r o p reso , a f im de ma l t ra tá - l o , do poder de quem o tenha sob cus tód ia ou guarda :

Pena – r ec lusão , de 1 (um) a 4 (qua t ro ) anos , a l ém da pena co r responden te à v io l ênc ia . ”

Teoricamente, o Estado é o principal interessado em proteger o

sujeito que se encontra sob sua custódia ou guarda. Justamente por isso é que o Estado é

o principal interessado em manter o sujeito em suas integrais condições físicas.

Porque terceiros podem se insurgir contra a punição estatal, numa

espécie de exercício arbitrário das próprias razões sem interesse legítimo, atingindo a

integridade física do preso, foi tipificada a conduta de o sujeito retirar o preso da

esfera de proteção estatal com a finalidade de maltratar.

O tipo contém dolo genérico acrescido de dolo específico - que é a

finalidade de maltratar. Trata-se de crime FORMAL que irá se consumar no momento em que

o preso for retirado da proteção estatal, independentemente de o maltrato se concretizar.

Se o sujeito ativo do crime chegar a concretizar a finalidade

maltratando o preso, dependendo do contexto fático, estará caracterizado ou o crime de

lesão corporal, ou o crime de homicídio ou até mesmo o crime de tortura (Lei 9455/97).

Assim, para efeitos de consumação do crime do art. 353, a

concretização do maltrato ao preso é exaurimento da conduta – o crime se consuma antes

que esse resultado aconteça. Mas se ficar configurado o maltrato, estará caracterizado o

atingimento de outro resultado típico (lesão corporal, homicídio, tortura). O crime do

art. 353 não ficará absorvido por estes crimes, pois tutelam bens jurídicos distintos,

por isso as penas serão aplicadas cumulativamente.

Se o preso for arrebatado por uma multidão, sendo linchado, a

hipótese será de crime cometido por multidão.

Os crimes que derivam de um levante coletivo são crimes que vem

demandando o estudo da dogmática moderna pois em algumas situações se observa que a

psíquica do sujeito é alterada por conta desse movimento “popular”. As pessoas podem ter

sua vontade afetada em virtude do movimento coletivo, da instigação da multidão. Tal

fato, entretanto, não pode importar na afetação da culpabilidade do sujeito, mas pode

fazer com que a sua pena seja diminuída em virtude de tal situação.

Ex. no homicídio está viabilizado que alguma dessas situações

se enquadrem no homicídio privilegiado – relevante valor

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moral, injusta provocação da vítima, mas nunca para suprimir a

culpabilidade, mas sim para diminuir a pena.

Pode o juiz levar tal situação como causa atenuante, genérica, pois

o rol das atenuantes do art. 65 não são taxativas em virtude do disposto no art. 66 do

CP.

ART. 357 – EXPLORAÇÃO DE PRESTÍGIO

“So l i c i t a r ou recebe r d inhe i ro ou qua lque r ou t ra van tagem, a p re tex to de in f l u i r em ju i z , j u rado , ó rgão do M in i s té r i o Púb l i co , f unc ioná r io de jus t i ç a , pe r i t o , t r adu to r , i n té rp re te ou tes temunha:

Pena – r ec lusão , de 1 (um) a 5 ( c inco) anos , e mu l ta .

Parágrafo único . As penas aumentam -se de um te r ço , se o agen te a lega ou in s inua que o d inhe i ro ou u t i l i dade também se des t ina a qua lque r das pessoas re fe r idas nes te a r t i go”

O crime de exploração de prestígio constitui forma especializada do

crime de tráfico de influência, previsto no art. 332 do CP, no entanto, é adequado para o

ramo da administração da justiça.

O sujeito ativo do crime é qualquer pessoa. Há dois sujeitos

passivos: o principal, direto, que é a própria Administração da Justiça; e o sujeito

passivo secundário, que é o Juiz, o membro do Ministério Público, o funcionário da

Justiça, ou seja, aqueles descritos no tipo penal.

O tipo prevê dois núcleos verbais: solicitar/receber.

Na modalidade solicitar, o crime é formal. Na modalidade receber, o

momento consumativo se dará quando o sujeito, efetivamente, incrementa o seu patrimônio

com a quantia ou vantagem.

A expressão “qualquer outra utilidade” referida no tipo segue a

palavra dinheiro, guardando analogia com o dinheiro, daí porque deve ter conteúdo

patrimonial.

Esse dinheiro ou utilidade é solicitada ou recebida sob o pretexto

de influenciar alguns dos sujeitos descritos no tipo penal (juiz, promotor, etc.). Não

existirá o crime em questão se uma dessas pessoas estiver mancomunada com o sujeito

ativo. Se houver conluio, a hipótese será de corrupção passiva (solicitar) ou uma

concussão (exigência).

A figura do art. 357 é reservada para os casos em que NÃO HÁ CONLUIO

entre o agente (particular) e o funcionário descrito no tipo. O funcionário terá seu

nome utilizado em vão, sem o seu conhecimento, por isso é considerado sujeito passivo

secundário.

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Justamente por conta disso é que, com a prática do crime do art.

357, estará caracterizado o crime contra a honra do funcionário.

O sujeito ativo que comete o crime de exploração de prestígio atinge

a Administração da Justiça como também atinge a honra do funcionário que exerce tais

funções, daí porque haverá concurso formal de crimes entre o crime do art. 357 e o crime

contra a honra de funcionário público, ou seja, “proper rem” – próprio ofício, havendo,

por isso, o agravamento da pena previsto no art. 141, II, do CP.

Para a caracterização do crime do art. 357, o prestígio da pessoa

que o comete deve ser possível, sendo hipótese de tentativa inidônea se um mendigo na rua

solicitar dinheiro para influenciar um Ministro do Supremo Tribunal Federal. Tal

situação é inverossímil e por isso não caracteriza o crime.

Enquanto o tráfico de influência é crime exclusivo de particular, o

crime de exploração de prestígio pode ter como sujeito ativo o funcionário público ou o

particular.

Ex. um funcionário de um cartório, sabendo previamente que o

Ministério Público havia solicitado o arquivamento de um

inquérito, solicita ao indiciado dinheiro para influenciar o

MP e conseguir a manifestação pelo arquivamento. Estará

caracterizado o crime do art. 357.

É condição sine qua non para a tipicidade da conduta é a

INEXISTÊNCIA DE CONLUIO ENTRE O SUJEITO ATIVO E O FUNCIONÁRIO SUPOSTAMENTE INFLUENCIADO.

Não é, entretanto, condição sine qua non para a tipificação da

conduta a alegação de que a quantia solicitada ou parcela dela será distribuída ao

funcionário a ser influenciado, ou seja, reverta para o sujeito passivo secundário. O

tipo existe ainda que nada se diga a respeito.

Contudo, quando o agente, além de solicitar ou receber a quantia,

insinua que parcela desse valor será destinada ao funcionário influenciado estará

caracterizada causa de aumento de pena, na forma do parágrafo único.