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Accountability: uma reflexão a partir da Teoria da Contabilidade
Eliedna de Sousa Barbosa Universidade de Brasília (UnB)
Jorge Katsumi Niyama Universidade de Brasília (UnB)
Andréa de Oliveira Gonçalves Universidade de Brasília (UnB) [email protected]
Área Temática: N - Outros Temas de Contabilidade e Auditoria
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RESUMO
O presente ensaio teórico procura refletir questões conceituais e teóricas existentes nas raízes
do termo accountability, sob a perspectiva da Teoria da Contabilidade, no qual são apresentados
enfoques em estudo da estrutura conceitual, no campo do conhecimento social aplicado, com
ramificações em diversas áreas e com conotações que realçam a dimensão a ser pesquisada sob
variadas ênfases. A temática é tratada, de modo geral, sob a ótica de sua aplicabilidade nas
organizações, sejam públicas ou privadas. Pode-se observar que a Teoria da Agência e a Teoria
da Contingência são as que mais se destacam nas pesquisas. Contudo, ressalta-se a necessidade
de resgatar a Teoria da Contabilidade nesse contexto, afinal consta na literatura que nela está a
origem do termo accountability. Por fim, sugere-se investigar aspectos teóricos,
epistemológicos e pragmáticos, principalmente, a partir da contabilidade, acerca do referido
termo, pois há, ainda, um longo caminho a ser explorado.
Palavras-chave: Accountability. Teoria da Contabilidade. Organizações.
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1 Introdução
Diante da necessidade de gerar informações de natureza contábil para diversos usuários,
seja no setor público ou privado, as plataformas de dados em qualquer tipo de organização,
buscam manter-se interligadas a diversos sistemas ao mesmo tempo, de modo que possam
alcançar o controle, a medição de desempenho, identificar os custos, entre outros, facilitando e
agilizando a tomada de decisão, e, avaliando a performance na conjuntura em que o uso das
informações contábeis mantém ligação direta com a ideia de responsabilização.
Nesse contexto, a contabilidade oferece importante contribuição à construção e
manutenção de uma racionalidade econômica no âmbito das organizações, onde o mecanismo
das partidas dobradas não é uma simples técnica contábil, mas é respaldada por processos de
mensuração de diversos eventos econômicos no mundo dos negócios (Weber, 1968).
Para Miller (1994) a contabilidade caracteriza-se como um mecanismo de natureza social
devido ao fato de afetar as estruturas sociais, as relações entre Estado e cidadãos, a maneira
pela qual se gerenciam atividades e processos de diversos tipos, enfim o modo como as pessoas
interagem e se administram.
Assim, a Contabilidade não é um instrumento engendrado unicamente no seio das
organizações de maneira isolada, ela incorpora em seu código genético as características da
sociedade. Contudo, embora esteja fortemente relacionada com a vida da sociedade, ainda se
sabe muito pouco sobre a natureza social desse tipo de conhecimento (Burchell, Clubb,
Hopwood, & Hugnes, 1980).
A Contabilidade, genuína e amplamente explicada por teorias de caráter científico, tem
sua faceta prática, extremamente importante, que é a de servir como instrumento eficiente de
accountability, sendo confortante poder expressá-la nas suas dimensões para qualquer gestor
de recursos perante a sociedade (Iudícibus, Martins, & Carvalho, 2005). Para Bovens, Goodin
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& Schillemans (2014) o termo accountability está historicamente e semanticamente enraizado
na prática da Contabilidade e na Ciência Contábil desde os tempos mais primórdios.
Sob a ótica que a crescente institucionalização do aparato contábil e a noção de que a
própria contabilidade faz parte de uma estrutura social mítica, criam-se novas perspectivas para
pesquisas (Miller, 1994). Diante desse contexto, a accountability, como um termo central vem
sendo amplamente pesquisado nas ciências sociais. O que se observa é que de modo geral, há
um consenso conceitual mínimo da accountability que o descreve como “prestação de contas e
responsabilização” (Bovens, Goodin & Schillemans, 2014).
Com isto, o presente ensaio teórico, procura refletir questões conceituais e teóricas
existentes nas raízes do termo accountability, sob a perspectiva da Teoria da Contabilidade.
Uma vez que esse termo vem sendo estudado empiricamente por diversas áreas de estudo,
contudo na ótica aqui proposta para conjeturar, ainda, existe uma lacuna. Cabe ressaltar, que
não é objetivo exaurir o assunto, mas depreender alguns elementos, dimensões e interpretações
que o permeiam.
Este ensaio está estruturado em seis seções, incluindo esta introdução. Na segunda seção,
encontra-se uma discussão epistemológica da accountability, no intuito de permitir uma breve
reflexão sobre o termo, incluindo uma visão estrutural, seguida da terceira seção onde são
abordadas teorias que fundamentam a temática, em destaque a teoria da contabilidade. Na
quarta seção é apresentada uma agenda com sugestões para futuras pesquisas na temática. E,
por fim, as considerações finais desse ensaio são apresentadas na quinta seção.
2 Uma breve reflexão do termo Accountability
Na literatura, o termo accountability se propaga no século XXI, sem fronteiras ou
barreiras, ganhando espaço e destaque em organizações públicas ou privadas, em países com
sistema code law ou common law, em diversas áreas acadêmicas como: na Ciência Contábil,
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na Administração, no Direito, na Economia, nas Relações Internacionais, na Psicologia e na
Sociologia.
Nesse cenário, abrangente e complexo, diversos autores apresentam conceitos com
nuances de significados, que vão delineando pesquisas e culminam por expandir um mix de
entendimentos até certo ponto abstrato, deixando o referido termo em um contexto muitas vezes
confuso para o leitor.
Diante disso, faz-se necessário ir ao berço no qual está ancorado e as raízes do consenso
conceitual mínimo proferido por Bovens, Goodin & Schillemans (2014) que descrevem
accountability como “prestação de contas e responsabilização”, ou seja, na contabilidade, para
assim clarificar a existência de múltiplas concepções que permeiam de modo intuitivo as formas
sistêmicas e estruturais da aplicabilidade desse termo.
No Brasil, Campos (1990) proferia que ainda não era possível encontrar na língua
portuguesa um vocábulo que corresponda fielmente ao significado do termo accountability.
Quase duas décadas após, para Pinho e Sacramento (2009) esse é um conceito que ainda está
em construção e que o Brasil está muito longe de ter uma verdadeira cultura de accountability.
Por sua vez, de acordo com Medeiros, Crantschaninov & Silva (2013), o
termo accountability ganhou mais relevância a partir de 2006 na literatura brasileira, tendo
a Revista de Administração Pública (RAP) o maior número de publicações, sendo os artigos
em sua maioria empíricos, neles citam o termo sem defini-lo ou analisá-lo e apresentam uma
clara confusão sobre o seu significado.
Essas constatações aumentam a necessidade de investigar o que de fato está por trás dessa
terminologia e o quão importante é compreendê-la no lugar de simplesmente traduzi-la. Desse
modo, faz-se necessário impulsionar essa lacuna e convergir para um ponto primário, a partir
do qual ramifica-se para as outras áreas que o utilizam.
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Assim, como esse termo cresceu mais nas pesquisas em outras áreas do que na sua área
de cerne, ou seja, na Ciência Contábil, o que se verifica no contexto das publicação é uma certa
dificuldade de compreender o termo, uma necessidade de traduzi-lo para uma língua pátria e
uma confusão de conceitos ou classes de definições que corroboram para a necessidade de
preconizar o conceito basilar que encontra-se adormecido na contabilidade.
Como a accountability é empregada sob diversas perspectivas, fazendo parte de
concepções de diferentes tipos, os esforços em sistematizar as características que as pesquisas
existentes na área descrevem são poucos, por acabarem gerando confusão no lugar de clarificar.
Portanto, faz-se necessário tentar detalhar, mesmo que de modo geral, o que poderia ser
chamado de uma breve visão geral dessa terminologia.
Tendo algumas expressões que podem ser observadas como recorrentes nos estudos, a
accountability apresenta tipos, mecanismos e atores envolvidos, que diferem de acordo com a
necessidade da sua aplicação. Pontuando alguns desses principais aspectos, torna-se possível
construir uma compreensão mais clara e objetiva da mesma, conforme apresenta a figura 1 a
seguir.
PRINCIPAIS ASPECTOS DESCRIÇÃO
Tipos de accountability Burocrática com linha hierárquica claramente definida.
Legal é mais complexa por depender de sistemas code law ou
common law.
Profissional busca seguir normas de boa conduta, como o código
de ética.
Social sofre pressão por agentes da sociedade e pela mesma
através de processos democráticos e mídia.
Política que pode ser formal ou informal e vai além dos órgãos
de representação (Klijn & Koppenjan, 2014).
Vertical são ações organizadas individual e/ou coletiva, com
referência àqueles que ocupam posições em instituições, para
mostrar uma relação hierárquica de poder.
Horizontal são agências que possuam competência legal,
autonomia e capacidade para supervisionar, controlar e punir
ações julgadas ilícitas realizadas por outros. No Brasil tem
havido um aumento dos mecanismos de accountability
horizontal (O’Donnell, 1998).
Mecanismos de accountability Controle
Transparência
Avaliação de desempenho
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Auditoria
E, só podem ser considerados aqueles que são institucional (O’Donnell, 1998; Schedler, 1999; Keohane, 2002).
Atores envolvidos na
accountability
Dependendo da organização, se pública ou privada, os atores envolvidos
divergem. Contudo, é possível alinhá-los de certa forma com os tipos de
accountability, sendo alguns dos principais: conselho de administração,
órgão regulador, investidores, contadores, acionistas, credores, analistas,
consultores, sociedade, governo, e, vários outros (Bovens, Goodin &
Schillemans, 2014).
Figura 1. Principais aspectos da accountability.
Fonte: Elaboração própria, 2017.
Diante do exposto, corroboram Pinho e Sacramento (2008, p.07) ao destacarem que a
compreensão do significado de accountability tem caráter progressivo e, portanto, não se
esgota. A cada vez que é estudada, acrescentam-se qualificações ao termo.
Ressalta-se, no quadro 1 o mecanismo de transparência que, principalmente, na área
pública, vem transformando-se em algo que está sempre em evidência, seja explorada como
marketing no sentido positivo de boa gestão quando através da publicização da prestação de
contas e acessibilidade pode-se acompanhar como os recursos estão sendo geridos. Seja, ainda,
como modelo de sanção, ao descumpri-la penalidades cabíveis são aplicadas aos responsáveis.
Na literatura de ciência política, o termo carrega um forte caráter normativo ligado aos
valores e princípios democráticos de legitimidade, representação e participação, sendo
considerado seu valor inquestionável, destacando que o termo descreve uma relação entre
atores, mas não uma virtude em si (Pollitt & Hupe, 2011; Bovens, 2010).
Já na contabilidade para Hendriksen & Van Breda (1999), Iudícibus & Lopes (2008) ela
recebe influências de várias outras disciplinas e vem reinventando-se, continuamente, com
técnicas quantitativas e embasamento econômico, inclusive com a ascensão também do viés
sociológico e estudos históricos.
Proferem Niyama & Silva, (2013), que por ser uma Ciência Social, a Contabilidade é
fortemente influenciada pelo ambiente em que atua, sua teoria não é um assunto filosófico,
longe da realidade, focada em terminologias e correntes de pensamento, é flexível para aceitar
diferentes formas de avaliação, e, é a principal linguagem de comunicação dos negócios.
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Nesse cenário, em geral, é possível esboçar o termo accountability dentro de diversas
áreas de pesquisa, sem gerar confusão, desde que conheça exatamente o objeto a ser explorado.
Porém, cabe ressaltar que qualquer um de seus aspectos podem ser usados com sentidos
diferentes, a depender do discurso utilizado, seja para projetar uma imagem de confiabilidade,
fidelidade ou de justiça, ou ainda, como marketing positivo. Logo, discorrer sobre suas
dimensões requer estudos que busquem aprofundar cada aspecto detalhadamente, a fim de
contribuir para seu melhor entendimento.
Ressalta-se, que não é objetivo deste ensaio apontar ou apresentar o melhor conceito, que
possua um sentido amplo e avaliativo. Mas, chamar a atenção para que independente da área
que esteja a aplicar a accountability, trata-se de um termo que não é evasivo como muitas áreas
propagam, pelo contrário, a literatura chama a atenção para sua origem na contabilidade, nela
encontram-se seu alicerce, seu cerne, o ponto inicial que não pode deixar de ser externado.
Portanto, uma vez tendo esse conhecimento, algumas das muitas confusões geradas pelas
discussões em outras áreas sejam então elucidadas e clarificadas.
3 A Accountability na Teoria da Contabilidade
Como o termo accountability permeia por diversas áreas, nas pesquisas relacionadas ao
mesmo, principalmente, no que concerne a aplicação dele nas organizações sejam públicas ou
privadas, dois modelos teóricos se destacam: a Teoria da Agência e a Teoria da Contingência.
Sendo a primeira a mais utilizada, nas pesquisas que analisam a prestação de contas, enquanto
que a segunda vem evoluindo, nas abordagens mais sociológicas com enfoque na
responsabilização (Bovens, Goodin & Schillemans, 2014).
A Teoria da Agência, publicada em 1976, tem como foco central os problemas que
decorrem de conflitos de interesses existentes entre o principal (proprietário) e o agente (gestor),
em situações de hierarquia ou não, em transações inter-organizacionais, ou contratos,
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assumindo a existência de racionalidade limitada e oportunismos dos indivíduos. Assim, o
centro do problema tratado pela teoria da agência é o relacionamento entre principal e agente
com interesses diferenciados, necessitando discutir a assimetria de informação a partir dos
problemas observados (Eisenhardt, 1988; Jensen & Meckling, 1976).
Por sua vez, a Teoria da Contingência, datada do final de 1950 e início de 1960, enfatiza
que nas organizações tudo é relativo, que existe uma relação funcional entre as condições do
ambiente (variáveis independentes) e as técnicas administrativas (variáveis dependentes)
apropriadas para o alcance eficaz dos objetivos da organização. Destacam-se os primeiros
estudos onde Woodward (1958) tratou da tecnologia como fator de contingência, Burns &
Stalker (1960) estudaram o ambiente externo mecânico e orgânico, Chandler (1962) relacionou
a estratégia e a estrutura, Lawrence e Lorsch (1967) pesquisaram sobre ambiente e estrutura; e,
Perrow (1976) tratou da tecnologia e da estrutura.
Nesse contexto, accountability sob a perspectiva da Teoria da Agência é aplicada no
sentido de possibilitar assegurar a minimização da assimetria de informação entre principal e
agente, bem como evitar custos resultados dos conflitos de agenciamento. Dada as
características dessa relação nas organizações, encontra-se, também, nessa discussão o risco
moral e a seleção adversa, sendo possível mensurar o desempenho das ações através da análise
das prestações de contas. Enquanto que na Teoria da Contingência se estuda o comportamento
das organizações em busca de explicações para os diversos fatores contingenciais que sejam
capazes de influenciar o desenho e a função das organizações com enfoque na
responsabilização.
Apesar da literatura apontar essas duas teorias como as mais aplicadas, cabe chamar a
atenção, também, para o enfoque da Teoria da Contabilidade, pois segundo Bovens (2006)
accountability é uma palavra de origem anglo-normanda, que historicamente e semanticamente
está intimamente relacionada à contabilidade.
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Segundo Nakagawa, Relvas e Filho (2008), a accountability de uma organização tem
início com a escrituração por partidas dobradas das atividades e das transações realizadas por
ela (bookeeping) e, termina com as informações e as comunicações geradas pela Contabilidade
(accounting). Para Iudícibus (2013) conceitos que datam da antiguidade da contabilidade
desembocam na visão da stewardship/accountability e se materializam através de sucessivas
contabilizações e relatórios obedecendo à sistemática das partidas dobradas.
Nesse contexto, apresenta-se na figura 2 a seguir, cronologicamente, os documentos que
deram início a um processo evolutivo que ainda continua a se desdobrar, desempenhando um
importante papel na Teoria da Contabilidade, com foco nos usuários, e, que tem como um de
seus objetivos a accountability.
Ano Documento Sinalização na Teoria da Contabilidade da
accountability
1922 Accounting Theory, Tese de Doutoramento de
PATON.
"A função da contabilidade e das explicações de
princípios e procedimentos contábeis deve ser
exposta em termos de necessidades e das finalidades
dos proprietários” (Paton, 1922, p.16).
1940 Introduction to Corporate Accounting
Standards.
O objetivo da contabilidade é fornecer dados
financeiros relativos a uma empresa, compilados e
apresentados para atender às necessidades da
administração, dos investidores e do público (Paton
e Littleton, 1940, p.1).
1966 A Statement of Basic Accounting Theory
(ASOBAT)
Descreve que o processo de identificação,
mensuração e divulgação da informação contábil
permite a realização de julgamento e decisões pelos
usuários da informação (ASOBAT, 1966).
Entre os objetivos presumidos da contabilidade está
o de “facilitar funções e controles sociais, ou seja,
facilitar as operações da sociedade organizada para
o bem-estar de todos” (Hendriksen & Van Breda,
1999, p.79).
1970 Basic Concepts and Accounting Underlying
Financial Statements of Business Enterprises
(APB Statement nº 4)
A definição de Contabilidade, conforme o
pronunciamento nº4 do APB (1970) é uma atividade
de prestação de serviços cuja função é fornecer
informações quantitativas, principalmente, de
natureza financeira, sobre entidades econômicas, e
cuja finalidade é permitir a tomada de decisões
econômicas.
1973 Objectives of Financial Statements (Trueblood
Committee Report)
Baseado nos objetivos enunciados no APB nº 4, traz
a premissa de que embora existam diferentes grupos
de usuários das informações contábeis, eles tomam
decisões e possuem necessidades semelhantes
(Trueblood, 1973).
1973 Statement on Accounting Theory and Theory
Acceptance (SATTA) A informação contábil é vista como um bem
econômico e um bem público, trazendo a discussão
das necessidades de informação dos usuários
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heterogêneos das demonstrações financeiras,
levantando a questão da responsabilização (AAA,
1977).
Figura 2. Accountability na Teoria da Contabilidade.
Fonte: Elaboração própria, 2017.
Além, do exposto na figura 2, destaca-se, ainda, no Trueblood Committee Report que
através do APB nº 4, enumerou doze objetivos para as demonstrações financeiras com parte de
uma estrutura metateórica. Sorter e Gans em 1974 apresentaram, hierarquicamente, os mesmos
conforme demonstra a figura 3.
Figura 3: Hierarquia dos objetivos Fonte: Traduzido de Sorter e Gans (1974) disponível no Wolk, Dodd e Rozycki, p. 147, 2016.
Na figura 3, a accountability foi utilizada para resumir o quinto objetivo onde inclui a
ideia de eficiência e eficácia dos ativos para a empresa maximizar fluxos futuros de caixa
futuros de acordo com determinado nível de risco (Wolk, Dodd, & Rozycki, 2016).
Ressalta-se na cronologia apresentada na figura 2 que esses documentos foram
extremamente importantes e marcaram a história da contabilidade com a existência de uma
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estrutura conceitual e um arcabouço teórico sólido, trilhando um caminho que buscou dar
enfoque as necessidades dos usuários da informação. Esse contexto é coerente com a afirmação
de Hendriksen e Van Breda (1999) de que um dos preceitos da importância da contabilidade é
o seu pragmatismo, ou seja, a sua utilidade para os usuários.
Mesmo diante de todo esse cenário evolutivo, destaca-se que foi com o estudo de Ijiri
(1975) que a accountability alcançou maior notoriedade na área contábil. O referido autor
conceitua a prestação de contas como uma função da contabilidade e com uma visão simples
de fornecimento de informação quantitativa para a tomada de decisão econômica. Já em relação
a responsabilização ele defende ser o objeto subjacente da contabilidade, não se limitando ao
desempenho passado, como também se aplica ao planejamento, a orçamentação e a previsões.
A partir de então, o termo accountability passou a fazer farte de documentos sucessivos
que culminaram no processo de convergência às normas internacionais de contabilidade
adotado por diversos países, de modo a proporcionar para o mercado mundial, uma linguagem
universal de negociação.
Atualmente, a estrutura conceitual (conceptual framework) do International Accounting
Standards Board (IASB), através das International Financial Reporting Standards (IFRS),
contempla, claramente, que as demonstrações financeiras atendem as necessidades da maioria
dos usuários que estão tomando decisões econômicas, entre outras, para decidir quando
comprar, manter ou vender um investimento de capital, bem como para avaliar a administração
ou a accountability da administração (IASB, 2017).
Por sua vez, o Financial Accounting Standards Board (FASB), através do Statements
of Financial Accounting Concepts (SFAC), comenta sobre as preocupações com a qualidade e
a accountability das demonstrações financeiras norte-americanas, e, que as normas de
contabilidade, apesar de serem baseadas na estrutura conceitual, tornaram-se cada vez mais
detalhadas e complexas (FASB, 2017).
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E, também, a International Federation of Accountants (IFAC), através
das International Public Sector Accounting Standards (IPSASB), que são padrões globais de
alta qualidade para a elaboração de demonstrações contábeis por entidades do setor público, na
IPSAS 1 contempla que, especificamente, os objetivos do relatório financeiro de propósito geral
no setor público deve ser fornecer informações úteis para a tomada de decisões, e, demonstrar
accountability da entidade pelos recursos a ela confiados (IFAC, 2017).
Nesse sentindo, observa-se que o termo em estudo encontra-se presente na estrutura
conceitual da contabilidade, contribuindo para que as informações geradas atendam as
necessidades dos diversos usuários. No entanto, há uma lacuna a ser preenchida no que se refere
a pesquisas sob essa perspectiva, de modo que promovam a ascensão dessa discussão e ampliem
para demais áreas mais essa vertente a ser explorada.
4 Uma agenda de perspectivas futura para a Accountability
A dinâmica dos negócios acelerada pelos avanços tecnológicos, leva a necessidade de
estudos para compreender melhor as mutações dos fenômenos que ocorrem, sendo observado,
cada vez mais, o uso da pluralidade teórica e da metateoria para aprofundar com veemência o
objeto pesquisado e dele extrair o máximo possível de explicações.
Envolver questões de pesquisas relevantes depende, também, de arcabouço teórico que
as sustente, que não sejam superficiais, insuficientes, deixando lacuna de compreensão, pouca
ou nenhuma contribuição que seja capaz de promover a evolução do conhecimento.
A partir disso, faz-se necessário apresentar alguns pontos de questionamento e reflexão
que possam suscitar maiores aprofundamentos futuros de aspectos que norteiam a temática,
causam confusões e geram conclusões equivocadas dependendo da perspectiva que se enfatiza
da accountability, sendo eles:
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É a prestação de contas que leva a responsabilização ou é a responsabilização que
leva a prestação de contas?
Como atender a usuários heterogêneos?
Padrões de prestação de contas precisam ser elaborados de modo a melhor atender
as necessidades dos usuários.
A accountability pode ser um termômetro para questões comportamentais a serem
investigadas nos atores envolvidos em escândalos de fraudes e corrupções.
Cuidado para não sobrecarregar um aspecto em detrimento do outro, enfatizar a
accountability apenas sobre a vertente de confiança através da prestação de contas
ou somente explorar as sanções aplicadas a responsabilização, exaltando a linha da
desconfiança.
Os custos para assegurar a accountability nas organizações é algo que precisa ser
mais discutido, principalmente, quando em termos de boa governança os recursos
são escassos.
E, a cultura da accountability que evolui com a dinâmica da governança global
exigirá revisões nas formas de prestação de contas e responsabilização.
Portanto, para Nakagawa (2007) há um longo caminho a ser trilhado sobre a
accountability como razão de ser da contabilidade, aspectos teóricos, epistemológicos e
pragmáticos deverão ser estudados e modelados em termos de aplicação, surgirão muitas
oportunidades no próprio contexto dos atuais problemas sociais, políticos e econômicos
brasileiros.
Assim, espera-se que no amanhã, através de futuras pesquisas na área, esses pontos
apresentados e outros que irão surgindo pela própria dinâmica do fenômeno estudado possam
ser investigados e desenvolvidos pela ciência.
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5 Considerações finais
Esse ensaio teórico buscou refletir alguns aspectos pertinentes à accountability,
destacando seu contexto e sua relevância na Contabilidade. Pode-se observar que a partir do
século XXI esse termo ganhou força e destaque em diversas áreas de estudo, porém carente de
um delineamento científico claro que facilite sua compreensão, independente do campo no qual
será aplicado e do seu progresso inegável, principalmente, no que se refere ao mecanismo de
transparência.
Levantando abordagens e teorias que ressaltam a tamanha dimensão e complexidade que
envolve a temática, pode-se observar que o referido termo ganha espaço de estudo na
administração, na psicologia comportamental, na sociologia, na ciência política, mas pouco se
discute sobre a égide da contabilidade.
De modo geral, as pesquisas na temática limitam-se ao uso da Teoria da Agência e da
Teoria da Contingência no referencial, existindo uma lacuna quando se trata da Teoria da
Contabilidade. Porém, relevantes documentos que fazem parte do acervo histórico evolutivo da
Ciência Contábil, corroboram com Bovens, Goodin & Schillemans (2014) e permitem observar
o termo accountability enraizado na área Contábil.
Esse contexto, cria uma abertura para explorada o referido termo sob a perspectiva
contábil, uma das áreas mais antigas da humanidade. E, por fim, o futuro da accountability no
que se refere a pesquisa científica deve-se dedicar a investigar suas lacunas, seus aspectos
teóricos, epistemológicos e pragmáticos, há, ainda, um longo caminho a ser percorrido,
principalmente, a partir da contabilidade.
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