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WELINGTON JUNIOR JORGEOrganizador

CINEMA E CINEMATOGRAFIA: CONCEITOS E APLICAÇÕES

Maringá – Paraná2019

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2019 Uniedusul Editora

Copyright da Uniedusul EditoraEditor Chefe: Profº Me. Welington Junior Jorge

Diagramação e Edição de Arte: André Oliveira VazRevisão: Os autores

Conselho EditorialAlexandra Fante Nishiyama – Faculdade Maringá

Aline Rodrigues Alves Rocha – PesquisadoraAna Lúcia da Silva – UEM

André Dias Martins – Faculdade Cidade VerdeBrenda Zarelli Gatti – Pesquisadora

Carlos Antonio dos Santos – PesquisadorCleverson Gonçalves dos Santos – UTFPR

Constanza Pujals – UningáDelton Aparecido Felipe – UEMFabio Branches Xavier – UningáFábio Oliveira Vaz – Unifatecie

Gilmara Belmiro da Silva – UNESPARJoão Paulo Baliscei – UEM

Kelly Jackelini Jorge – UNIOESTELarissa Ciupa – Uningá

Marcio Antonio Jorge da Silva – UELMárcio de Oliveira – UFAM

Pâmela Vicentini Faeti – UNIR/RMRicardo Bortolo Vieira – UFPR

Rodrigo Gaspar de Almeida – PesquisadorSâmilo Takara – UNIR/RM

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www.uniedusul.com.br

doi.org/10.29327/53717

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SUMÁRIOCAPÍTULO 1 .....................................................................................................................................5

EM BUSCA DE UM SENTIDO? UMA ANÁLISE SOBRE O FILME PATCH ADAMSMarco Cesar Torres OliveiraFelipe Maciel dos Santos SouzaDOI 10.29327/53717-1

CAPÍTULO 2 ...................................................................................................................................13O FETICHE DA LIBERDADE CAPITALISTA NO FILME DA OBRA DE DIAS GOMES: O PAGADOR DE PROMESSAS1

LEONNE BRUNO DOMINGUES ALVESDOI 10.29327/53717-2

CAPÍTULO 3 ...................................................................................................................................20O IMPACTO DA VIDEOARTE DE LETÍCIA PARENTE NO CEARÁLILIANE LUZ ALVESANTONIO JERFSON FREITAS LINSALESSANDRA HARUMI RIBEIRO NAKA DOI 10.29327/53717-3

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Cinema e Cinematografia: Conceitos e Aplicações 5

EM BUSCA DE UM SENTIDO? UMA ANÁLISE SOBRE O FILME PATCH ADAMS

CAPÍTULO 1

Marco Cesar Torres OliveiraCentro Universitário da Grande Dourados,

UNIGRAN, Dourados – MShttp://lattes.cnpq.br/9463323651847588

Felipe Maciel dos Santos Souza(Universidade Federal da Grande Dourados,

UFGD, Dourados - MS)http://lattes.cnpq.br/5514957741890083

RESUMO: A logoterapia foi fundada pelo professor e psiquiatra Viktor Emil Frankl. Com este trabalho relaciona-se, de acordo com a teoria da Logoterapia, a tentativa de suicídio com a necessidade de sentido na personalidade de Patch Adams. De acordo com essa perspectiva, foi realizada uma análise qualitativa de cunho bibliográfico com base nos comportamentos de Patch Adams, os quais foram retirados do filme. Foi possível identificar as contribuições da Logoterapia para a análise do personagem Patch Adams, as quais referem-se a: Vazio Existencial, Frustração existencial, Sentido através do trabalho, Sentido através do amor e Sentido através do sofrimento observou-se que os mesmos se encontram presentes na vivência do personagem. Por fim, discute-se o papel do psicólogo frente ao suicídio.

PALAVRA-CHAVE: Filme; Logoterapia; Psicologia; Suicídio.

ABSTRACT: Logotherapy was founded by professor and psychiatrist Viktor Emil Frankl. With this work relate, according to the theory of Logotherapy, the suicide attempt with the need to sense the personality of Patch Adams. According to this perspective, was performed

a qualitative analysis of bibliographical nature based on behaviors of Patch Adams, based on scenes from the movie. It was possible to identify the contributions of Logotherapy to Patch Adams character analysis, which refer to: Existential emptiness, Frustration Existential, Meaning Through Work, Meaning Through Love and meaning Through Suffering. It was possible to verify that they are present in the experience of the character.

KEYWORDS: Movie; Logoterapy; Psychology; Suicide.

1. INTRODUÇÃO

A logoterapia, ou como tem sido chamada por alguns autores, a “Terceira Escola Vienense de psicoterapia”, foi fundada pelo professor e psiquiatra Viktor Emil Frankl (26/03/1905 – 02/09/1997). A palavra “sentido” vem do termo grego “logos”, por isso, dá-se o nome de logoterapia, a terapia centrada no sentido (FRANKL 2008/1985). O livro “Em busca de Sentido: Um psicólogo no campo de concentração”, escrito por Viktor E. Frankl descreve a descoberta da logoterapia por meio da experiência vivida nos campos de concentrações. Exceto sua irmã, Frankl perdeu toda sua família nos campos de concentrações, ou seja, seu pai, a mãe, seu irmão e também sua esposa (FRANKL, 2008/1985). A logoterapia pode ser aplicada

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Capítulo 1 6Cinema e Cinematografia: Conceitos e Aplicações

diretamente ou também, combinada com outras formas de psicoterapia e farmacologia segundo descreve Fabry (1984):

A logoterapia foi desenvolvida com a finalidade de compreender, diagnosticar e possibilitar a cura das neuroses noogenas. Porém, igualmente importantes são os conceitos que contribuíram para a criação da logoterapia, ajudando-nos a formar uma nova imagem do homem - não apenas do homem neurótico, mas simplesmente do homem, com suas lutas, ambições, seus fracassos, seus triunfos e a sua busca de um significado, à qual consagra toda a sua vida (FABRY, 1984, p. 56).

Para Frankl (2008/1985), a logoterapia é menos retrospectiva e menos introspectiva, concentrando-se nos sentidos a serem realizados pelo paciente em seu futuro. Para ele, o homem se revela como um ser em busca de um sentido e muitos males são explícitos em nosso tempo, no esvaziamento dessa busca (FRANKL 2015/1978). Mas, o que é sentido?

Sentido é, por conseguinte, o sentido concreto em uma situação concreta. É sempre “a exigência do momento”. Esta, por seu turno, encontra-se sempre direcionada a uma pessoa concreta. E assim como cada situação tem sua singularidade, de igual modo cada pessoa tem algo de singular (FRANKL, 2015/1978, p. 26).

A força motivadora do ser humano é a busca do sentido. Esse sentido é exclusivo e específico, uma vez que precisa e pode ser cumprido somente por aquela determinada pessoa. Segundo Frankl (2015/1978), a “vontade de sentido” deve ser vista como um “interesse primário do homem”, pois este sempre está em busca de um sentido e um significado para sua vida.

Não se deveria procurar um sentido abstrato da vida. Cada qual tem sua própria vocação ou missão específica na vida; cada um precisa executar uma tarefa concreta, que está a exigir realização. Nisso a pessoa não pode ser substituída, nem pode sua vida ser repetida. Assim, a tarefa de cada um é tão singular como a sua oportunidade específica de leva-la a cabo (FRANKL,2008/ 1985, p. 133).

Podemos descobrir esse sentido na vida de três diferentes formas, de acordo com a logoterapia: (a) criando um trabalho ou praticando um ato; (b) experimentando algo ou encontrando alguém; e (c) pela a atitude que tomamos em relação ao sofrimento (FRANKL, 2008/1985).

Conforme descreve Langle (1992) o sentido pode variar de situação e pessoa. Cada situação pode oferecer as suas possibilidades nelas inerentes, porém, nem todas as pessoas percebem essas possibilidades da mesma maneira. Uma mesma realidade pode ser vista de maneiras diferentes por duas ou mais pessoas. As aptidões e capacidades também diferem as pessoas, ou seja, as possibilidades que um indivíduo enxerga em uma determinada situação devido às suas aptidões e capacidades, podem ser impossibilidades para outros. Mas, vale ressaltar que, segundo Frankl (2015), a vida oferece sentido, em cada situação existe a possibilidade de sentido. E não há nenhuma pessoa para quem a vida não coloque à disposição um dever (FRANKL, 2015, p. 27).

O suicídio, para Werlang (2013), está entre as dez causas de morte e para os jovens e os jovens adultos, está entre as duas ou três causas de morte. Apesar disso, o suicídio cresceu significativamente, independente das faixas etárias e, também, dos contextos socioeconômicos. Existem pessoas que possuem comportamentos suicidas e ameaçam tirar suas vidas, porém, não logram efetivação. Por

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Capítulo 1 7Cinema e Cinematografia: Conceitos e Aplicações

outro lado, existem pessoas que levam o suicídio até as últimas consequências.

Para melhor compreensão sobre a logoterapia e sua utilidade, foi proposto nesse trabalho analisar Patch Adams na visão Logoterapêutica. Para Vanoye e Goliot-Lété (2002), a análise de um filme não é uma simples tarefa, sendo necessário revê-lo, e mais ainda, examiná-lo tecnicamente.

Analisar um filme ou um fragmento é, antes de mais nada, no sentido cientifico do termo, assim como se analisa, por exemplo, a composição química da água, decompô-lo em seus elementos constitutivos. É despedaçar, descosturar, desunir, extrair, separar, destacar e denominar materiais que não se percebem isoladamente “a olho nu”, pois é tomado pela totalidade (VANOYE; GOLIOT-LÉTÉ, 2002, p. 15).

Como descreve Vanoye e Goliot-Lété (2002), o analista através da etapa de “descontruir” o filme em elementos distintos do próprio filme, adquire um certo distanciamento do mesmo, porém, esses elementos podem ser aprofundados ou seletivos segundo os desígnios da análise. Como relata o autor, a segunda fase desse processo é “reconstruir”, ou seja, estabelecer elos entre esses elementos isolados e compreender como eles se associam para que possam fazer surgir algum significante, ou seja, reconstruir o filme ou o fragmento.

A análise do filme: “Patch Adams: O amor é contagioso”, parte dessa ideia de separar elementos (desconstrução) do personagem que poderão ser unidos (reconstrução), para que possam surgir significantes relacionados à logoterapia.

Esse trabalho tem por finalidade relacionar, de acordo com a teoria logaterapêutica, a tentativa de suicídio com a necessidade de sentido na personalidade de Patch Adams. Tendo como objetivos específicos: (a) identificar as contribuições da Logoterapia para a análise do personagem Patch Adams e (b) explicitar os principais conceitos logoterapêuticos com base nas cenas do filme; e (c) apresentar a abordagem logoterapêutica como possibilidade de ferramenta para o uso do psicólogo. De acordo com essa perspectiva, foi realizado uma análise qualitativa de cunho bibliográfico com base nos comportamentos de Patch Adams.

2. A VISÃO DA LOGOTERAPIA SOBRE A TENTATIVA DE SUICÍDIO DE PATCH

Após tentar se suicidar, em 1969, Patch Adams se interna voluntariamente no hospital Fairfax, onde haviam pessoas hospitalizadas por diversas razões, como por exemplo loucura e catatonia. Na visão logoterapêutica, Patch Adams possuía uma “frustração existencial”, ou como pode ser chamada, a frustração da vontade de sentido. Não se trata de algo patológico, mas, da necessidade de sentido em si mesma. A falta de sentido pode levar uma pessoa a atentar contra sua própria vida (FRANKL, 2015/1978).

O termo “existencial” pode ser usado de três maneiras: (1) o modo especificamente humano de ser; (2) ao sentido da existência; e (3) a busca por um sentido concreto na existência pessoal, ou seja, à vontade de sentido (FRANKL, 2008/1985). Também sobre a tentativa de suicídio de

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Capítulo 1 8Cinema e Cinematografia: Conceitos e Aplicações

Patch, pode-se entende-la como “vazio existencial”, ou seja, um sentimento de ausência abismal de sentido em sua existência. Não são poucos os casos de suicídio que podem ser atribuídos a esse vazio existencial. Fenômenos tão difundidos como depressão, agressão e vício não podem ser atendidos se não reconhecermos o vazio existencial subjacente a eles (FRANKL, 2008/1985).

2.1 O ENCONTRO COM O SENTIDO: SENTIDO ATRAVÉS DE UM TRABALHO OU OBRA

No quarto onde Patch estava alojado, havia um companheiro que via esquilos e, consequentemente, tinha medo e não conseguia sair de sua cama há muito tempo. Em uma noite, Patch ajuda seu companheiro a ir ao banheiro, simulando um tiroteio contra os esquilos que atormentavam seu colega. Patch se sente realizado a ponto que, no outro dia, ele chega ao médico psiquiatra dizendo que desejava sair do sanatório, porque queria ajudar os outros e também fazer conexões com outras pessoas da mesma forma que fez na noite anterior.

Frankl (2015/1978) relata que o sentido não pode ser dado: antes tem de ser encontrado, além disso, o sentido não só deve, mas pode ser encontrado. A decisão que Patch toma sobre ajudar os outros, não foi algo exposto a ele, pelo o contrário, foi algo encontrado por meio de sua experiência com o seu companheiro de quarto na noite anterior. “Cada dia, cada hora, atende, pois, como um novo sentido, e a cada homem espera um sentido distinto. Existe, portanto, um sentido para cada um, e para cada um existe um sentido especial” (FRANKL, 2015/1978, p. 26).

Dois anos após a sua saída do sanatório, Patch ingressa em uma faculdade de medicina no estado da Virgínia, Estados Unidos da América, decidido a se tornar médico. Após a palestra do doutor Dean Walcott, Patch vai, juntamente com seu novo amigo e colega de turma, Truman Schiff, para uma lanchonete, onde é questionado por Truman sobre o porquê querer se tornar médico. Patch Adams (P.A.) responde:

P.A.: Eu quero ajudar. Quero entrar em contato com as pessoas. O médico lida com o que existe de mais vulnerável nas pessoas. Ele oferece tratamento, mas também aconselha e da esperança, é por isso que eu quero ser médico.

A afirmação em sua resposta de querer se tornar médico, remete no que Frankl (2008/1985) descreve sobre três meios que o homem tem para descobrir um sentido para sua vida, sendo eles: (I) criando um trabalho ou praticando algo; (II) experimentando algo ou encontrando alguém e; (III) pela a atitude que tomamos em relação ao sofrimento. O primeiro aspecto pode ser complementado com o posicionamento de Langle (1992, p. 32), segundo o qual “o homem também sente sua vida como tendo sentido quando cria ou realiza algo”. Foi observado no que se refere aos três meios de descobrir um sentido, que Patch, experimenta esse descobrimento nos três modos e não apenas através do trabalho ou praticando algo.

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Capítulo 1 9Cinema e Cinematografia: Conceitos e Aplicações

2.2 O SENTIDO ATRAVÉS DO AMOR

Segundo as normas do doutor Dean Walcott, o estudante de medicina não tem contato com os pacientes até o terceiro ano, entretanto, Patch Adams passa a infiltrar-se frequentemente no hospital para visitar os pacientes e também, usando métodos variados para se aproximar e alegrar os pacientes. Em uma fala entre Patch e sua colega Carin Fisher (C.F.):

C.F.: Eu sei de uma coisa sobre você.P.A.: Que eu estive em um hospício? C.F.: É verdade?P.A.: Eu tentei me matar. O hospício foi a melhor coisa que me aconteceu.C.F.: O que os médicos fizeram para te ajudar?P.A.: Os médicos não me ajudaram, os pacientes me ajudaram. Eles me ajudaram a perceber que ajudando-os, eu poderia esquecer meus problemas. Foi o que eu fiz, ajudei alguns deles, é uma sensação incrível, havia um paciente chamado Rudy, eu o ajudei ir ao banheiro, mas pela a primeira vez na minha vida eu esqueci os meus problemas, pra mim foi um “barato” [...]

Nesse trecho, Patch Adams afirma que ao ajudar seu companheiro, foi a primeira vez que esqueceu dos seus problemas, não no sentido de fuga e esquiva, mas, por meio das conexões realizadas e experimentadas com os outros. Essa atitude se relaciona mais com o estado de superação do que com o estado de fuga.

Nessa moldura de uma tal imagem do ser humano, contudo, falta simplesmente aquela característica ontológica fundamental da realidade humana que acabei denominando de “autrotranscedência” da existência. Isso quer dizer que o ser humano não é por quaisquer condições internas dele próprio, sejam elas prazer ou equilíbrio interior, mas ele é orientado para o mundo lá fora, e neste mundo preocupara um sentido que pudesse realizar ou uma pessoa que pudesse amar. E, com base em sua autocompreensão ontológica pré-reflexiva, tem conhecimento de que ele se auto realiza precisamente à medida que se esquece de si próprio; e ele se esquece de si próprio novamente à mesma medida que se entrega a uma causa à qual serve, ou a uma pessoa que ama (FRANKL, 2007, p. 99).

Em um outro momento, Patch Adams ao organizar alguns acessórios (óculos com nariz; porta guardanapos; colher; saleiro e açucareiro) em uma lanchonete, tem uma ideia de criar um hospital, então vai até Carin para compartilha-la. Carin por sua vez, começa a escrever aquilo que Patch relata sobre o hospital idealizado, que em sua descrição ele finaliza dizendo:

P.A.: [...] E amar é o objetivo final.

Como já foi relatado, um dos meios de encontrar sentido, trata-se de experimentando algo ou encontrando alguém (FRANKL, 2015/1985). Sobre isto, Frankl (2007, p. 103) complementa dizendo: “(...) em outras palavras, pode encontrar um sentido não apenas no trabalho, mas também no amor”.

O amor de Patch não foi apenas dirigido para os pacientes, esse amor, também foi dirigido

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Capítulo 1 10Cinema e Cinematografia: Conceitos e Aplicações

para sua colega Carin. Amar significa que alguém se dirige a um indivíduo, escolhendo-o entre quatro bilhões de habitantes da terra, aproxima-se dele e diz: “tu, e ninguém mais além de ti”. É a logoterapia em sua expressão máxima (FABRY, 1984, p. 68).

2.3 SENTIDO NO SOFRIMENTO

Patch, através do reitor Anderson, recebe a notícia de que Carin está morta. Carin foi assassinada por um paciente que sofria alguns problemas psicológicos e o mesmo se matou após ter cometido o assassinato em sua casa. Carin tinha ido até a sua casa porque tinha ouvido na caixa de mensagem uma ligação feita pelo paciente, pedindo para que alguém fosse lá, porque ele não estava bem.

Ao receber essa notícia, Patch passa a arrumar suas coisas e desistir daquilo que ele tinha começado, ou seja, do seu sonho de se tornar médico e de prosseguir com o hospital comunitário que por ele criado. Patch vai para a beira de um abismo e questiona Deus sobre o que ele quer e, em curto tempo, pensa em se suicidar. Em seu questionamento Patch diz: “Você não vale a pena!”. Logo após ter dito isso, ele enxerga uma borboleta que sai de cima da sua mala e vai até ele. Para Patch não era apenas uma borboleta, era algo que o fazia lembrar de Carin e da história por ela contada de como tinha inveja das lagartas que se transformavam em borboletas e foi uma experiência que o motivou a prosseguir.

A morte de Carin foi um fato irreversível para Patch e foi também uma experiência de perda e sofrimento. Frankl (2008/1985) relata que mesmo em uma situação sem esperança ou quando for uma fatalidade que não pode ser mudada, é possível encontrar um sentido e o sofrimento deixa de ser sofrimento de certo modo, no instante em que se encontra um sentido. Isso é visível na vida de Patch, quando ele se depara com a borboleta que simboliza um sentido para o seu sofrimento, ou uma esperança para prosseguir em seu trabalho.

Porque o que importa, então, é dar testemunho do potencial especificamente humano no que ele tem de mais elevado e que consiste em transformar uma tragédia pessoal num triunfo, em converter nosso sofrimento numa conquista humana (FRANKL, 2008/1985, p. 136).

3. O PAPEL DO PSICÓLOGO FRENTE AO SUICÍDIO

Apesar dos fatores que contribuem para o suicídio variarem entre grupos democráticos e populações específicas, os mais vulneráveis são os jovens, os mais idosos e os socialmente isolados, como a população indígena (BARROS, 2013, p. 10)

Uma grande questão vinculada ao suicídio é que a prevenção, de forma global, é possível. Logo, os comportamentos suicidas podem ser contextualizados como um processo complexo, que pode variar desde a ideia de retirar a própria vida, que pode ser comunicada por meios verbais e não verbais, até o planejamento do ato, a tentativa e, no pior dos casos, a morte (BARROS, 2013, p.10).

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Capítulo 1 11Cinema e Cinematografia: Conceitos e Aplicações

Sobre o papel da logoterapia, Lukas (1990) a descreve, como a “psicoterapia centrada no sentido”, pretendendo ajudar a pessoa a encontrar um sentido na vida, isto quer dizer até mesmo sentido no sofrimento. Lukas (1990, p. 60) relata que não há situação na vida que não ofereça algum tipo de possibilidade de sentido, por mais complicada que ela seja.

Lukas (1990) descreve três “pacotes de ajuda”, que são possibilidades preventivas da logoterapia. Segundo a autora, trata-se, sem exceção, da tentativa de fortalecer os fatores protetores nas pessoas sadias e doentes, para que possam enfrentar os fatores de risco que, em diferentes intensidades, estão presentes em toda a vida humana (LUKAS, 1990, p. 57). Esses “pacotes de ajuda” da logoterapia são: (1) ajudar a encontrar um sentido na vida; (2) auxiliar a tomar decisões que tenham sentido; e (3) ajudar a executar decisões plenas de sentido que foram tomadas. Tais procedimentos são muito usados em prevenção de toxicomania.

O terapeuta, segundo Fabry (1984), pode proporcionar e facilitar uma nova mudança de comportamento do paciente, porém essa mudança não deve ser imposta;

Só em casos de emergência, como uma ameaça de suicídio, por exemplo, justifica-se que o terapeuta sugira uma nova mudança de atitudes. Nestas situações, que Frankl costuma chamar de “derradeiro socorro”, não há tempo para induzir o paciente a manter-se afastado de seus sintomas. Neste caso, o médico tentará equilibrar os pratos da balança em direção ao apego à vida e ao significado, usando seus próprios argumentos. E, mesmo nestes casos, o argumento deve permanecer dentro do sistema de valores do paciente, e não do terapeuta (FABRY, 1984, p. 167).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse trabalho teve por finalidade relacionar, de acordo com a teoria logaterapêutica, a tentativa de suicídio com a necessidade de sentido na personalidade de Patch Adams, usando o filme “Patch Adams: O amor é Contagioso”, filme lançado em 1998 e dirigido por Tom Shadyac.

Por meio de estudos, o primeiro passo foi de identificar as contribuições da Logoterapia para a análise do personagem Patch Adams. Tais contribuições foram, em grande parte, retiradas dos estudos de Viktor Frankl, fundador da logoterapia e também de outros autores. Essas contribuições referem-se aos conceitos logoterapêuticos que foram utilizados para a análise desse filme, Tais como: vazio existencial, frustração existencial, sentido através do trabalho, sentido através do amor e sentido através do sofrimento. Foi possível constatar que os mesmos se encontram presentes na vivência do personagem.

Em um segundo momento, o trabalho explicitou os principais conceitos logoterapêuticos com base nas cenas do filme. Ao ser feita a relação dos conceitos logoterápicos e do filme, foi possível visualizar a ausência de sentido em Patch Adams, tal ausência o levou a tentativa de suicídio. Patch se internou, passando a encontrar sentido em sua vida após ter ajudado o seu companheiro de quarto ir ao banheiro, o que, mesmo sendo um feito simples, foi o suficiente para que Patch encontrasse um sentido e se retirasse do sanatório para se tornar médico. A vontade de ajudar aos outros através da medicina, faz com que Patch se deparasse com a primeira maneira de encontrar sentido, ou seja,

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Capítulo 1 12Cinema e Cinematografia: Conceitos e Aplicações

através de um trabalho ou obra.

Patch, tem como objetivo em ajudar os pacientes além de medicamentos, e sim com o amor, que para a concepção logoterápica se torna a segunda maneira de encontrar um sentido: Através do amor. Observou-se, também, sentido através do sofrimento, que Patch experimenta após a morte de Carin, sua colega e paquera da faculdade, que foi assassinada por um paciente de Patch. Sua experiência de sentido através do sofrimento, foi marcada por uma borboleta (que para Patch representava uma história que Carin tinha contado sobre as borboletas) que pousou sobre ele em um momento que Patch pensava em se suicidar e também, questionava Deus, momento este, realizado após a morte de Carin.

5 REFERÊNCIAS

BARROS, M. N. S. Introdução. In: Conselho Federal de Psicologia, Conselho Federal de Psicologia, Suicídio e os Desafios para a Psicologia (p. 10-11). Brasília, 2013. Disponível em: <http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2013/12/Suicidio-FINAL-revisao61.pdf>. Acesso em: 06/07/2019.

FABRY, J. B. A Busca do Significado: Viktor Frankl – Logoterapia e Vida. São Paulo: ECE, 1984.

FRANKL, V. E. A Presença Ignorada de Deus. 10.ed. re. São Leopoldo: Sinodal; Petrópolis: Vozes, 2007.

_____. Em Busca de Sentido: Um psicólogo no campo de concentração. 37º.ed. São Leopoldo: Vozes, 2008/1985.

_____.. O Sofrimento de Uma Vida Sem Sentido: Caminhos Para Encontrar A Razão de Viver. São Paulo: É Realizações, 2015.

_____. Um Sentido Para a vida: Psicoterapia e Humanismo.19. ed. São Paulo: Ideias e Letras, 2015/1978.

LANGLE, A. Viver com Sentido. Petrópolis, RJ: Vozes Ltda, 1992.

LUKAS, E. Mentalização e Saúde. Petrópolis,RJ: Vozes, 1990.

VANOYE, F.; GOLIOT-LÉTÉ, A. Ensaio Sobre a Análise Fílmica. 2.ed. Campinas-SP: Papirus Editora, 2002

WERLANG, B. Suicídio: Uma Questão de Saúde Pública e um Desafio para a Psicologia Clínica, capítulo III. In: Conselho Federal de Psicologia, Conselho Federal de Psicologia, Suicídio e os Desafios para a Psicologia (p. 25-29). Brasília, 2013. Disponível em: < http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2013/12/Suicidio-FINAL-revisao61.pdf>. Acesso em: 06/05/2016.

DOI 10.29327/53717-1

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Cinema e Cinematografia: Conceitos e Aplicações 13

O FETICHE DA LIBERDADE CAPITALISTA NO FILME DA OBRA DE DIAS GOMES: O PAGADOR DE

PROMESSAS1

CAPÍTULO 2

1 LEONNE BRUNO DOMINGUES ALVES2

RESUMO: Este trabalho pretende analisar a obra de ficção do escritor Alfredo de Freitas Dias Go-mes, mais conhecido como Dias Gomes, O Pa-gador de promessas, publicada pela primeira vez em 1959 e exibido nos cinemas em 1962, dando ênfase na personagem Zé do Burro. A partir da leitura e análise da obra pretendo expor como a personagem Zé do Burro é constituída e, como, a partir dele, e de sua representação simbólica, o autor apresenta o fetiche da liberdade capitalista na obra.

PALAVRAS CHAVE: Sociologia. Cinema. Pa-gador de promessas. Zé do Burro. Fetiche.-

ABSTRACT: This paper discusses the work fic-tion of writer Alfredo de Freitas Dias Gomes, better known as Dias Gomes, O pagador de pro-messas, first published in 1959 and screened in theaters in 1962, emphasizing the character Zé do Burro. From the reading and analysis of the work I present as the character Zé do Burro is formed and as from it, and its symbolic representation, the author presents the fetish of capitalist free-dom in the work.

KEYWORDS: Sociology. Movie. Pagador de promessas. Zé do Burro. Fetish.

1 Uma versão ampliada deste trabalho foi publicado na revista Café com Sociologia Vol.4, nº2. mai.--‐jul.2015. p.9-24.2 Professor EBTT de sociologia no Instituto Federal de Educação, Ciência e tecnologia do Pará (IFPA). Bacha-rel em Ciências Sociais (UFPA); Especialista em Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agroambiental na Amazônia (UFPA); Mestre em Sociologia e Antropologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA).

O BURRO TRANSFORMADO EM CRUZ: ALEGORIA SOBRE O UNIVERSO DE ESCOLHAS DE ZÉ DO BURRO

Figura marcante na trama de O pagador de promessas, Zé do burro é a personagem para a qual Dias Gomes converge todas as outras personagens com o intuito de desenvolver o seu projeto literário dentro do texto. Entretanto, quem é Zé do Burro e os elementos que o constituem (o burro e a cruz)?

Ao contar os motivos que o levaram a fazer a promessa de carregar a cruz até a igreja de Santa Bárbara, Zé do Burro introduz uma nova figura, que ainda que não seja uma personagem, desempenha um papel importante na compreensão da trama, o burro Nicolau. De acordo com Zé do Burro, Nicolau o seguia para onde fosse, motivo pelo qual ficou conhecido por Zé do Burro.

Partindo do conceito de Personagem conceitual e da noção de amigo em Deleuze, podemos fazer um paralelo entre o burro Nicolau e o que neste trabalho apontarei como o universo de escolhas político-ideológicas de Zé do burro. O burro Nicolau, o “amigo”, tão inseparável de

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14Capítulo 2Cinema e Cinematografia: Conceitos e Aplicações

Zé do Burro ao ponto de servir de alcunha a zé, “Zé-do-Burro”, representaria, então, na peça de Dias Gomes, não um quadrúpede por quem se sente afeto, mas sim, todo o universo de escolhas político-ideológicas de Zé. Por isso Zé é o Zé-do-Burro, o zé de todo esse universo de escolhas.

Gilles Deleuze no livro O que é filosofia? (2010) introduz uma reflexão sobre o Amigo, para tratar dos conceitos, a partir da etimologia da própria palavra filosofia. Para este filosofo ao introduzir o “amigo” na filosofia grega, o amigo se torna um personagem conceitual, que transcende a relação com o outro.

Retomando o conceito de personagem conceitual de Deleuze, já mencionado acima, é possível traçarmos um paralelo, onde o burro é a sua marca, tal qual o cogito é de Descarte (cogito de Descarte) o Zé é do burro (Zé do burro). Diante dessa justaposição de elementos afirmo minha sugestão de que o burro é potencialmente Zé, assim como seu retorno sobre si também é verdadeiro, Zé é potencialmente o Nicolau, logo, Zé é potencialmente – e portanto, também representaria enquanto potência3 – todo o universo de escolhas que o burro representa. Assim, Zé do burro, enquanto personagem conceitual, para esta análise, se torna um pensador como diz Deleuze, pois assim como se faz necessário indagar sobre um personagem conceitual que gagueja na literatura: “qual é esse pensamento que pode gaguejar?” (DELEUZE, 2010, p. 84), em o pagador de promessas se faz necessário perguntar qual é esse tipo de pensamento que pode ser do burro?

Ao compreender quem é Nicolau – como representação (o universo de escolhas feitas por Zé do burro) e em potencialidade (o próprio Zé do burro) – percebemos que ele, Nicolau, não deixa de seguir Zé do Burro, mas o contrário, segue com ele todo o percurso até a igreja de Santa Bárbara. Mas como? Ou melhor, em que forma? Transfigurado em cruz.

Porquê sugiro que o autor, Dias Gomes, transforma o burro em cruz na obra O pagador de promessas? O que me faz sugerir, em primeiro lugar, é o fato do burro não o está acompanhando durante sua peregrinação. Segundo, ao contar sua história com o burro, Zé revela que o que chamava atenção dos outros (a ponto de o burro se tornar sua assinatura) era a sua relação com burro, e na cidade a relação de Zé do Burro com a cruz é o que chama a atenção de todos que o vêm inseparável da cruz, tal qual era com o burro. Terceiro, na morte, podemos dizer que Zé do Burro se realiza enquanto potência, crucificado, transformado em cruz, ele realiza a sua vontade.

ZÉ DO BURRO E O FETICHE DA LIBERDADE CAPITALISTA

Nossa análise, até aqui, segue pelas linhas e entrelinhas do texto, pelos símbolos e “entre-símbolos” Portanto, há ainda um aspecto de Zé de burro que preciso sugerir como interpretação, que é a relação do Zé do Burro com Dias Gomes.

Poderiam facilmente sugerir que Zé do Burro é o inconsciente de Dias Gomes, contudo, não creio que esta análise possa dar conta do projeto literário que a obra o pagador de promessas representa. Como diz Andrade (2013):

3 Embora o termo potência seja em sua essência nietzschiano, ligado ao conceito de Vontade de potência, o uso que se faz aqui é a partir da releitura que o filósofo Gilles Deleuze faz dele e o apresenta na sua obra O que é filosofia (2010).

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15Capítulo 2Cinema e Cinematografia: Conceitos e Aplicações

“A Literatura enquanto crítica literária possui duas vertentes conexas. São essas: o discurso de representação da subjetividade do narrador e provavelmente do leitor, enquanto crítico literário; e prática de investigação teórica das formas concretas particulares, ou seja, das obras em que esse discurso se produz.” (Andrade, 2013, p. 28)

Para o filosofo Benedito Nunes, segundo Andrade (2013), a crítica literária deve estar interessada na subjetividade como objeto de sua investigação, pois, os autores fazem uso de um saber ficcional que pode estar relacionado com a realidade. Sobre Benedito Nunes, Andrade diz que “A linguagem literária torna-se instrumento de comunicação que promove elos de entendimento e de discernimento intersubjetivo e o intrassubjetivo” (Andrade. 2013, p. 31). Logo, sugerimos que o texto literário do teatro, antes de ser reflexo do inconsciente do autor, é o reflexo da sua consciência, ainda que tenha muito do inconsciente deste.

Segundo Gilcia Gil Beckel:

“Da literatura, a psicanálise toma referências, exemplos, extrai características que traçam o perfil de um autor, e por meio dela enriquece a própria teoria. Igualmente, a psicanálise oferece aos literatos a oportunidade de utilizar novas metáforas, de aprofundar o processo de criação, de liberação do inconsciente.” (Beckel, 2004, p 02)

Não faremos, deste ponto em diante, uma análise psicanalítica, mas precisamos salientar que toda a nossa análise da subjetividade do autor e da obra é um fator importante. Deste nosso ponto de vista, Zé é menos o inconsciente de Dias Gomes que sua consciência. Na nota do Autor, da 3ª edição, da editora Bertrand Brasil, Dias Gomes Afirma que

“O pagador de promessas surgiu, principalmente, dessa consciência que tenho de ser explorado e impotente para fazer uso da liberdade que, em princípio, me é concedida. Da luta que travo com a sociedade, quando desejo fazer valer o meu desejo de escolha, para seguir meu próprio caminho e não aquele que ela me impõe. Do conflito interior em que me debato permanentemente, sabendo que o preço da minha sobrevivência é a prostituição total ou parcial” (GOMES, 2014, p. 16)

Zé do Burro não é o inconsciente do autor, Dias Gomes, pois, intencionalmente a obra representa um proposito, um projeto literário; tão pouco Dias Gomes é a consciência de Zé do Burro, ainda que as ações da personagem sejam pensadas pelo autor. O que sugiro ocorrer é que o inconsciente da personagem Zé do Burro é a consciência de Dias Gomes. Este é o encontro da intersubjetividade do autor com a obra, e do intrasubjetivo da obra/autor com o leitor.

Segundo Dias Gomes sua obra é uma crítica a ilusão da liberdade capitalista. Mas como essa crítica aparece na obra? Como mencionamos acima, a obra surgiu da consciência de Dias Gomes de ser explorado e impotente para fazer suas próprias escolhas. Zé do Burro é o personagem excêntrico da peça; Zé tem uma missão e não a abandona até que a cumpra. Neste trabalho sugerimos nossa interpretação de que o burro Nicolau representa um universo de escolhas de Zé, por isso é o Zé-do-Burro, zé desse universo de escolhas. Mas qual universo de escolhas é esse?

O universo de escolhas político-ideológicas de Zé do Burro é um (qualquer) contrário ao sistema capitalista. Não sugerimos aqui que seja o socialismo ou o anarquismo, embora, estas duas suposições apareçam na obra, porém, isso não fica claro na personagem. Zé do Burro é chamado de

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16Capítulo 2Cinema e Cinematografia: Conceitos e Aplicações

anarquista, alguém que promove a agitação social, e é comparado a um socialista a favor da reforma agrária. Se analisássemos as duas personagens – que atribuem ao comportamento de Zé do Burro os rótulos de Socialista em favor da reforma agrária e anarquista – o Repórter e o Secreta, do ponto de vista da psicanálise freudiana, poderia sugerir o uso do mecanismos de projeção4 como proteção do Ego. Sendo assim, o Repórter na sua ânsia por um furo de reportagem projeta seu desejo em Zé do Burro, vendo-o conscientemente e principalmente inconscientemente como um socialista em favor da reforma agrária. O Secreta, igualmente ao Repórter, poderia projeta em Zé do Burro, na sua angústia de encontrar um ‘terrorista’ do qual proteger a todos, o anarquista. Vemos nos outros aquilo de que desejamos, e para tal interpretação destaco as seguintes falas:

“REPÓRTER

Hum... bem me pareceu que por trás dessa história do burro, da promessa, havia qualquer coisa... uma intenção oculta e um objetivo político. A polícia, naturalmente, percebeu também.

[,,,]

REPÓRTER

(Sorri, descrente) É claro que a senhora não vai dizer. Nem ele também Mas podem contar comigo e com o meu jornal. Se ele for preso, daremos toda a cobertura. Abriremos manchetes na primeira página. Será uma maravilha para ele!” (GOMES, 2014, p.142)

“SECRETA

O senhor sabe que suas ideias são muito perigosas?

Perigosas?

SECRETA

O senhor não devia dizer isso no jornal. E muito menos aqui, em praça pública. Porque isso pode lhe dar muita aporrinhação.

SECRETA

Eu mesmo ouvi ele dizer que ia jogar uma bomba. Todo mundo aqui é testemunha!” (GOMES, 2014, p. 108; 150)

Obviamente a postura de zé do Burro em favor dos pobres revela muito de sua posição e escolhas políticas inconsciente (este inconsciente é a consciência do autor). Quando o repórter pergunta se Zé é a favor da reforma agrária, ainda que não saiba o que isso significa, Zé diz ser a favor de que as terras improdutivas sejam distribuídas a quem quer trabalhar na terra. As atitudes de Zé do Burro não causam espanto apenas no Repórter, Bonitão é o primeiro a ironizar a atitude de Zé do Burro, comparando-o a santo, e Rosa a primeira personagem indignada por essa atitude.

Zé do Burro na trama de Dias Gomes é o personagem que enfrenta o sistema, enfrenta a partir de sua resignação em ser ele mesmo; Zé do burro não cede. Inicia a peça Zé do Burro e morre como tal. Bonitão, por outro lado, é como que seu oposto, não representa o sistema, apenas mais uma peça

4 Projeção é um conceito freudiano que aparece pela primeira vez em ‘Sobre os fundamentos para se destacar da neurastenia uma síndrome específica denominada “neurose de angústia” (1996), sendo a projeção um dos mecanismos de defesa do indivíduo acometido por um tipo de neurose que Freud ai chamou de a Neurose da Angustia, onde o sistema nervoso entra num estado afetivo de angustia e a psique se torna incapaz de estancar esse estado de excitação provocado pela frustração da angústia, daí então o indivíduo projeta essa excitação para fora.

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17Capítulo 2Cinema e Cinematografia: Conceitos e Aplicações

dele, contudo, Bonitão é a representação do universo de escolhas que o sistema capitalista oferece. Bonitão pergunta a Marli, uma de suas garotas, quando esta resolve requerer um dinheiro fruto de seu trabalho, se ela está virando comunista. Bonitão afirma ainda possuir ‘qualidades’, e que por isso merece o melhor.

Poderíamos entender que esse universo de Bonitão faz Rosa ceder, contudo Rosa nunca esteve no mesmo universo que Zé do Burro, muito antes de Bonitão, Rosa já havia cedido ao materialismo cotidiano e suas formas de ver o mundo. Isso nos é revelado na conversa de Rosa com Bonitão, e os motivos que a levaram a casar-se com Zé do Burro.

ROSA(Depois de um tempo) Gostava, sim. Sabe, na roça, o homem é feio, magro, sujo e mal vestido. Ele até que era dos melhores. Tinha um sítio... (GOMES, 2014, p. 40)

Zé do Burro recusa toda e qualquer ajuda ou oferta de conforto oferecida, por qualquer personagem, que vá de encontro a sua escolha ou promessa, diferentemente de Rosa, que deseja entregar-se ao sistema de corpo e alma. Zé do Burro recebe ofertas de conforto do Repórter que lhe quer tirar proveito, mas recusa; recebe oferta de alimento de Galego e Minha Tia, também recusa; recebe oferta de ajuda de Dedé Cospe-Rima, e também recusa.

A cruz e a escolha de Zé do Burro deixam de ser objetos de espanto e revolta quando o sistema encontra uma forma de usa-los a seu favor. O primeiro a fazer isso é Bonitão, que usa a cruz para ficar a sós com rosa e a ‘seduz’. Rosa se aproveita que Zé não se separa da cruz para ir ver Bonitão. Galego, o Repórter, Guarda e Dedé Cospe-Rima querem se promover a partir da situação de Zé do burro. Minha Tia aproveita a situação para vender. Todas estas personagens representam peças na engrenagem da máquina capitalista, são formas de alienação do indivíduo na sociedade capitalista. É a partir do processo de alienação, que consiste, para Marx (2008), na falta de consciência do indivíduo de que sua força de trabalho lhe é expropriada em detrimento do acumulo de capital por parte do capitalista, que essas personagens expropriam de Zé do Burro sua liberdade. A escolha de Zé de Burro é, agora, aproveitada pelo sistema para fazer o próprio sistema funcionar. Existe um conjunto de imagens da qual a sociedade do espetáculo faz uso para alienar o indivíduo mostrando apenas o que é “bom”, contudo, essas imagens (Bonitão, Rosa, Galego, repórter, Guarda, Dedé Cospe-Rima, Monsenhor etc.) estão a todo o momento trabalhando para que os indivíduos alvos de suas manipulações se identifiquem com a sociedade capitalista, a alienação é o meio pelo qual se tenta prender o indivíduo a sociedade do espetáculo (DEBORD, 1997).

Aparentemente Zé tem escolhas diferenciadas para evitar sua sina, entretanto, isso é um fetiche criado pelo sistema capitalista, e Dias Gomes expõe isso a partir das diversas soluções oferecidas a Zé do Burro. Minha Tia propõe a Zé do Burro que esqueça de entregar a cruz na igreja, mas que a entregue no terreiro onde tem uma imagem de iansã “que é a mesma coisa”. O Delegado e o Secreta que oferecem a oportunidade de ir embora em paz. Rosa que pede para ir embora. Contudo, dos diálogos da obra o mais significativo neste aspecto é de Monsenhor, o Padre, e Zé do Burro.

“MONSENHORVenho aqui a pedido de Monsenhor Arcebispo. S. Excia. Está muito preocupado com o vulto

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que está tomando este incidente e incumbiu-me, pessoalmente, de resolver a questão. A fim de dar uma prova da tolerância da igreja para com aqueles que se desviam dos cânones sagrados...ZÉ(Interrompe) Padre, eu sou católico. Não entendo muita coisa do que dizem, mas queria que o senhor entendesse que eu sou católico. Pode ser que eu tenha errado, mas sou católico.MONSENHORPois bem. Vamos lhe dar uma oportunidade. Se é católico, renegue todos os atos que praticou por inspiração do Diabo e volte ao seio da Santa Madre Igreja.ZÉ(Sem entender) Como, Padre?MONSENHORAbjure a promessa que fez, reconheça que foi feita ao Demônio, atire fora essa cruz e venha, sozinho, pedir perdão a Deus.ZÉ(Cai num terrível conflito de consciência)O senhor acha mesmo que eu devia fazer isso?!...MONSENHORÉ sua única maneira de salvar-se. A igreja católica concede a nós, sacerdotes, o direito de trocar uma promessa por outra.” (GOMES, 2014, p. 113-114)

Para o autor a obra não é uma crítica a igreja, mas uma crítica a falsa liberdade, por isso, Dias Gomes diz que Olavo, o padre, poderia ser policial ou juiz. A igreja, na obra de Dias Gomes representa a opressão universal do sistema capitalista sobre os indivíduos que optam por caminhos diferentes. O sistema não oferece a Zé do Burro uma escolha, não obstante, oferece as escolhas do próprio sistema. O fetiche em Marx (2008), quando este trata da mercadoria, esconde as relações de produção, as relações entre o capitalista e o proletário, que são as relações que verdadeiramente geram valor. Na obra O pagador de promessas o fetiche esconde a coerção da organização social capitalista sobre o indivíduo, fazendo-o crer que ele é livre para escolher. Entretanto, Dias Gomes mostra que quem luta contra essa pressão do sistema acaba esmagado. Esse é o processo de formação da consciência dos homens no Estado capitalista, no qual o poder está nas mãos de quem detém os meios de produção material e de produção intelectual – e reprodução da organização social (MARX; ENGELS, 1998). Dessa forma as relações sociais (materiais) de dominação (o poder da igreja na figura do Monsenhor e do Padre, o poder da imprensa na figura do repórter) são expressas por pensamentos de dominação, como o poder da igreja na obra de Dias Gomes, expresso no seguinte diálogo:

“ZÉ

(Pausa) O senhor me liberta... mas não foi ao senhor que eu fiz a promessa, foi a Santa Bárbara. E quem me garante que como castigo, quando eu voltar pra minha roça não vou encontrar meu burro morto.

MONSENHOR

Decida! Renega ou não renega?

[...]

Não! Não posso fazer isso! Não posso arriscar a vida do meu burro!

PADRE

Então é porque você acredita mais na força do demônio do que na força de Deus! É porque tudo que fez foi mesmo por inspiração do diabo!

MONSENHOR

Nada mais posso fazer então. (Atravessa a praça e sai)

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19Capítulo 2Cinema e Cinematografia: Conceitos e Aplicações

(Corre na direção de Monsenhor) Monsenhor! Me deixe explicar! (No auge do desespero) Me deixe explicar!

PADRE

Que ninguém agora nos acuse de intolerantes. E que todos se lembrem das palavras de Jesus: “Porque surgirão falsos cristos e falsos profetas, e farão tão grandes sinais e prodígios, que, se possível fora, enganariam a muitos”.” (GOMES, 2014, p. 115)

Ao morrer Zé do Burro se torna sua própria escolha, e apenas assim é capaz de realiza-la, e convence alguns a o seguirem. Após a morte de Zé do Burro, seu cadáver é carregado pelos capoeiristas trabalhadores do cais, sob a iniciativa de Mestre Coca, representante dos trabalhadores na trama de Dias Gomes. A morte de Zé soa como um grito ao povo, como o grito de Marx & Engels aos trabalhadores do mundo todo5, grito que é entendido por Mestre Coca e seus companheiros, Zé e seu universo de escolhas – Zé-do-Burro – tronam-se a bandeira levantada pelo povo. Zé do Burro morreu para não ceder ao sistema, sua personagem se torna sua potência, e assim Dias Gomes cumpre seu projeto literário em O pagador de promessas. Como o próprio Dias Gomes diz:

“Zé do Burro faz aquilo que eu desejaria fazer – morre para não conceder. Não se prostitui. E sua morte não é inútil, não é um gesto de afirmação individualista, porquê dá consciência ao povo, que carrega o seu cadáver como bandeira” (GOMES, 2014, p. 17)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, Andréa Costa de. Diálogos filosóficos com Benedito Nunes. Manaus: Edua, 2013.

DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto. 1997.

DELEUZE, Gilles. O que é filosofia? São Paulo: Editora 34, 2010.

GOMES, Dias. O pagador de promessas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.

GOMES, Dias. O pagador de promessas. 36ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.

MARX; ENGELS. A ideologia alemã. – São Paulo: Martins Fontes, 1998.

MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008.

MARX; ENGELS. Manifesto do partido comunista. – São Paulo: Editora escala, 2009.

DOI 10.29327/53717-2

5 Cf. MARX; ENGELS. Manifesto do partido comunista. – São Paulo: Editora escala, 2009. “Proletários de to-dos os países, uni-vos!”, com esta frase Marx e Engels convocam os proletários a saírem da alienação e entrarem na luta consciente contra a exploração.

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Cinema e Cinematografia: Conceitos e Aplicações 20

O IMPACTO DA VIDEOARTE DE LETÍCIA PARENTE NO CEARÁ

CAPÍTULO 3

LILIANE LUZ ALVES1

ANTONIO JERFSON FREITAS LINS2

ALESSANDRA HARUMI RIBEIRO NAKA3

RESUMO: O objetivo deste artigo é apresen-tar e discutir as mudanças ideológicas que mar-caram a produção de videodanças da cidade de Fortaleza, nos últimos cinco anos. Embora a linguagem do videodança venha sendo consi-derada ultrapassada por vários setores, diante das mudanças tecnológicas e conceituais pro-movidas pelo YouTube e por outros dispositi-vos midiáticos, a hipótese desta pesquisa é que existe uma epistemologia local que marca a produção dos videodanças produzidos na ci-dade de Fortaleza, politizando radicalmente o papel desta mídia, dentro e fora da cidade. Para fundamentar a discussão, partimos dos estudos sobre a profanação, desenvolvidos por Giorgio Agamben (2007), da noção de ecologia dos sa-beres, proposta por Boaventura Souza Santos (2010), e da Teoria Corpomídia, elaborada por Katz e Greiner (2005, 2010). O resultado espe-rado é a análise dos videodanças selecionados e a ampliação de uma discussão política que extrapola o âmbito dos estudos da linguagem, uma vez que se desdobra através da reelabora-ção de conceitos como identidade local, rela-ções de poder e fronteiras da comunicação.

1 Jornalista, Especialista em Teoria da Comunicação e da Imagem pela UFC, Mestre em Comunicação e Semió-tica pela Pontificia universidade Católica do São Paulo. ( PUC-SP). Atualmente é professora do curso de jornalismo do Centro Universitário INTA- UNINTA. 2 Historiador, Jornalista , Mestre em Geografia pela Universidade Estadual do vale do Acaraú ( UVA) 3 Graduada em Letras pela Univerisade Estadual do Vale do Acarau e Jornalista, Especialista em Gestão, coordenação, Planejamento e avaliação Escola, pelo centro Universitário Inta- UNINTA. Professora da rede de Escola estadual do Ceará.

PALAVRAS-CHAVE: Videodança, Teoria Corpomídia, Local/Global.

O IMPACTO DA VIDEOARTE DE LETÍCIA PARENTE NO CEARÁ.

Como já foi dito nesta pesquisa, não iremos relatar a história completa da videoarte e do videodança. A pesquisa foca o trabalho artístico de Letícia Parente, pois oi através dele que a videoarte se inseriu no cenário da cidade de Fortaleza .

Nascida em Salvador, Letícia Tarquínio de Souza Parente (Salvador-BA, 1930 – Rio de Janeiro-RJ, 1991), professora de Química da Universidade Federal do Ceará (UFC) e mais tarde da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC – RJ), inicia sua carreira artística com 40 anos e se muda para a cidade de Fortaleza na década de 1960, onde mais tarde assume cargo de Docente na Universidade Federal do Ceará (UFC). Na década de 1970, a artista participa da primeira geração de artistas que estudavam a

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21Cinema e Cinematografia: Conceitos e Aplicações Capítulo 3

videoarte. Houve ainda a segunda e a terceira gerações, às quais não iremos nos deter.

Assim como é difícil definir uma data específica para o início da história da videoarte no mundo, no Brasil também há controvérsias. Há indícios de que na década de 1960, alguns artistas inseriram o aparelho de televisão em suas instalações, a exemplo de Wesley Duke Lee e Artur Barrio, como menciona a pesquisadora Christine Mello (2006, p. 159). Portanto, o vídeo surge no contexto artístico oficialmente na década de 1970, quando o Museu de Arte Contemporânea / Universidade de São Paulo (MAC / USP) é convidado para participar de uma mostra de videoarte na Filadélfia, nos Estados Unidos. Mas apenas alguns artistas participaram do festival, pois não havia câmeras disponíveis para todos. Os que conseguiram viabilizar a realização do vídeo foram os cariocas Sônia Andrade, Fernando Cocchiarele, Anna Bella Geiger e Ivens Machado. A cidade do Rio de Janeiro acaba se tornando, então, a pioneira na videoarte no país, pela intermediação de Jom Tob Azulay, que trouxera um equipamento portapack dos Estados Unidos e cedeu para os artistas (ZANINI, 2008).

Em 1971, Antônio Dias, um brasileiro que morava na Itália, expõe publicamente

a obra The Illustration Of Art ‒ Music Piece (MACHADO, 2008). No Brasil, segundo Arlindo Machado, a utilização do vídeo nas artes acontece em três etapas: a primeira, da década de 1970: “A maioria dos trabalhos produzidos pela primeira geração de realizadores de vídeo consistia em registros de gestos performáticos do artista”. Participam desta fase: Letícia Parente, Anna Bella Geiger, Antônio Dias e Andrea Tonacci. Como todos eram artistas plásticos, este movimento ocorre no circuito das artes, sendo restrito apenas a museus e casas de arte.

Sônia Andrade e Letícia Parente são as duas mais importantes artistas do vídeo no Brasil e sua atuação alonga-se em vários aspectos da multimídia. São igualmente, desde 1964-1975, as figuras que se mostraram mais atrativas na utilização do vídeo no país. Situadas em linhas de conduta muito precisas, ambas agem com indiscutível poder de comunicação, exprimindo e questionando – em trabalhos estruturados com rigor e desempenhados num clima de tensão – as condições opressivas da vivência diária (ZANINI, 2008, p.58).

No ano de 1973, a videoarte descobre Letícia Parente, e ela começa a expor suas produções artísticas. Faz uma mostra individual do trabalho chamado “Monotipias”, no Museu de Arte Contemporânea de Fortaleza, vence o Salão de Abril e participa da Mostra Unifor 70 – Universidade de Fortaleza; insere seu trabalho “Monotipia Flor Maior” na mostra do Salão Nacional de Artes Plásticas no Ceará; participa da Exposição Coletiva “17 artistas no Natal”; tem trabalhos expostos no Museu da Universidade Federal do Ceará (MAUC). No âmbito nacional, no mesmo ano de 1973, a bailarina Analivia Cordeiro gravou pela TV Cultura de São Paulo o mais antigo vídeo produzido no Brasil, que foi o “M 3x3”, uma coreografia para o vídeo gravada para um festival em Edimburgo, na Escócia (MACHADO, 2008). Então, podemos entender que a videodança24, tema desta nossa pesquisa, nasceu junto com a videoarte.

Os artistas interessados em videoarte estavam preocupados em romper com o aparato tradicional da pintura e com sua estética planificada. Eles buscavam a fotografia, o cinema, sobretudo o vídeo, como forma de traçar outros caminhos para a arte. Por isso, ainda não eram conhecidos pelo nome de videomakers, e sim artistas plásticos, que apenas utilizavam recursos do vídeo como um novo suporte para a sua arte.

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22Cinema e Cinematografia: Conceitos e Aplicações Capítulo 3

Assim como explica Roberto Moreira (2007, p. 09): “A maioria desses vídeos tinha como característica um plano-sequência, que registrava a performance ou atitude criativa do artista, realizada com base em um princípio narrativo prosaico”.

Os novos artistas tinham um interesse em comum: a curiosidade de investigar as possibilidades de invenção, com os meios tecnológicos (COCCHIARELE, 2008). Porém, como já foi mencionado anteriormente, o alto custo dos equipamentos dificultava essa produção.

Nos Estados Unidos da América, na década de 1960, o coreógrafo Merce Cunningham começa a ver a dança de forma diferenciada, inovando a sua linguagem. Ele é considerado o precursor do videodança. Seu trabalho se divide em quatro eventos. Entretanto, para a nossa pesquisa, iremos relatar apenas o terceiro evento. Neste, que acontece nos meados da década de 1970, o videodança pode ser chamado de arte híbrida, pois se enquadra na confluência de linguagens diferentes. Começa o desafio de construir coreografias para o cinema. Um programa de televisão chamado “Câmera Três” se propõe a apresentar coreógrafos com trabalhos diferenciados. Nessa fase, Cunningham começa a trabalhar com o diretor de TV Merrill Brockway, iniciando seu trabalho com a apresentação do Video Event (SPANGHERO, 2003, e ROSSINY, 2007).

Foi nessa época que Cunningham começou a perceber a limitação da tela em relação ao palco, mas conseguiu ver outras possibilidades na forma de demonstrar o movimento por meio do vídeo. Nessa fase, passou a estabelecer parcerias com outros filmmakers, tendo destaque Charles Atlas e Elliot Caplan. Tendo mais afinidade com Atlas, juntos desenvolveram um videodança que começou a ser produzido no ano de 1974 e só foi lançado em 1975, com o título de West Beth. Desta parceria nasce também: Locale (1980), Points in Space (1986) e Beach Bird for Camera (AMORIM e GLICIA, 2009, e SPANGHERO, 2003). Todos esses espetáculos eram pensados para a tela e não para o palco. Esse momento foi crucial para a compreensão do desenvolvimento do videodança do século XX ao século XXI. Por meio de uma câmera em movimento, eles investigam as características do espaço fílmico (ROSSINY, 2007, p. 25).

Para Cunningham, a dança era movimento, tempo e espaço (VAUGHAN, 1997).

Com a exploração do acaso e da mediação tecnológica, Cunningham era um curioso com o ritmo da vida e descobriu que a tecnologia era uma das possibilidades de criar movimentos. Assim, desenvolvia trabalhos sem narrativas e sem emoções. Começou a notar uma nova possibilidade do movimento de dança com o uso da tecnologia. O próprio Cunningham explica em seu texto Four Events that led to Large Discoveries (1994), como aponta o autor David Vaughan (1997, p. 276):

O espaço da câmera apresenta um desafio. Apesar de ter limites bem claros, dá a oportunidade de trabalhar com uma dança não admirável no palco. A câmera pega uma visão fixa, mas pode ser movida. Existe a possibilidade de se cortar para uma segunda câmera, com a qual pode-se mudar o tamanho dos bailarinos, que, para o meu olhar, também afeta o tempo do movimento4.

4 Camera space presented a challenge. It has clear limits, but it also gives opportunities of working with dance that are not the stage. The camera takes a fixed view, but it can be moved. There are a possibility of cutting to a second camera which can change the singe of the dancers, which to my eye also affects the time, the rhythm of the movement (VAUGHAN, 1997, p. 276).

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23Cinema e Cinematografia: Conceitos e Aplicações Capítulo 3

Para Parente, o espaço entre a câmera também era um desafio, pois a maioria dos seus vídeos era feita em big close, com apenas uma tomada e em planos-sequência.

Assim como aponta Rogério Luz em seus textos sobre a artista:

Muitos dos vídeos não apresentam corte algum: um único plano acompanha o desenrolar de uma ação inteira. A montagem é interna ao plano e o enquadramento de partes ou fragmentos assinala, sem ambiguidade, a natureza técnica do meio empregado para produzir a imagem. Está-se diante de uma “realidade para a câmera”. Os closes do corpo – quando, com frequência, a artista ou suas personagens não aparecem inteiras – exploram e intensificam uma característica que o cinema produz: a equiparação entre os objetos e os viventes, a pedra e a árvore, o cenário e os atores26.

Sua videoarte surpreende pela simplicidade e atualidade27. Sua produção entre os anos de 1975 e 1982 problematiza a vida cotidiana em frente à câmera. Parente desenvolve em seus vídeos uma característica típica: as cenas são feitas em ambientes domésticos, remetendo assim ao papel da mulher dentro de casa. Ações como costurar, lavar e guardar as roupas são cenas recorrentes. Assim nos explica Cristiana Tejo5:

Seus vídeos tangenciam o redimensionamento das identidades, a relocação de papéis sociais, a utilização do corpo como suporte discursivo, a escalada do consumismo exacerbado e o chamamento para a exploração de novas mídias, aspectos que caracterizam a arte da segunda metade do século XX. Esses elementos, entretanto, se combinam de maneira muito peculiar na trajetória desta artista paradigmática da arte conceitual brasileira e fundamentam historicamente parte da produção atual que lida sobre essas questões.

Parente não utilizava a arte de enfeitar a cena do vídeo, e sim fazia com que os objetos do cotidiano servissem de complemento para sua cena. Como explica Kátia Maciel: “Letícia não enfeita os momentos do cotidiano que escolhe. Ela faz passar os dias que passam por ela de outra maneira. Eu sou uma coisa no meio das coisas e desejo agir como elas, ficar dentro do armário, me estender sobre a tábua de passar”6.

Em seu trabalho “In”, que foi produzido no ano de 1975, no mesmo ano em que “Marca Registra” também foi produzido, Parente se pendura em um cabide junto com as roupas de um guarda-roupa. André Parente7 explica o trabalho da mãe em uma entrevista concedida ao blog de Sérgio Motta:

Quase todos os vídeos de Letícia são tentativas de falar sobre a condição da mulher, por um lado, daí a questão das tarefas domésticas (guarda-roupa, passar roupa, costurar etc.) e da coisificação do indivíduo na sociedade de consumo: consumidor consumido! Mas há outras questões: a opressão do cotidiano, onde as tarefas são infinitas, o intolerável de uma sociedade sob o jogo da ditadura etc. Quando vemos aqueles pés serem costurados, passamos de uma imagem a outra: todos os intoleráveis da sociedade explodem em nossa cara. Penso que essa é uma das marcas do vídeo dela.

5 Fonte: http://www.leticiaparente.net/. Acessado em 12 de fevereiro de 2012.6 LUZ, Rogério. http://www.leticiaparente.net/.7 Filho de Letícia Patente, professor e pesquisador de audiovisual e de multimídia. Diz-se influenciado pela mãe. http://eco.ufrj.br/aparente/index_port.htm

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24Cinema e Cinematografia: Conceitos e Aplicações Capítulo 3

Nos vídeos de Parente, existem características muito presentes: a falta de diálogo e a ausência de música, mas com bastante destaque para os ruídos e barulhos originais dos ambientes, sem nenhuma cor, sendo ela a atriz principal. Segundo a autora Christine Melo (2008, p.147), Letícia Parente é descrita desta forma:

Um corpo feminino sentado num banco com as pernas cruzadas e com um pé diante à câmera, no ambiente externo de uma casa. Nas mãos, agulha e linha preta. Com a firmeza, a linha é passada pelo buraco da agulha e faz um nó em uma das pontas. A mão delicada, com as unhas pintadas com esmalte – cor suave – deliberadamente inicia uma costura incomum. Aqui o suporte não é algodão ou linho, mas a própria pele da artista. Não há titubeios, são gestos preciosos os da Letícia Parente em sua performance em tempo real na frente do vídeo. Como resultado da ação, após dez minutos ininterruptos, sem corte, aparece escrito “Made in Brasil” (com S) na sola de seu pé.

A artista se preocupou em questionar imposições e papéis sociais do cotidiano, discutindo as imposições ao corpo feminino, com obras pensadas e produzidas para demarcar ações realizadas no corpo.

Cláudio Costa, que também escreveu sobre as obras de Letícia Parente, explica a relação da artista com a plateia:

É nesse contexto que os trabalhos de Letícia Parente surgem, tornando ainda mais complexa a relação com o espectador: suas performances não existiriam para uma plateia, mas tão somente para a câmera que a registrava. Um trabalho de videoarte não seria apresentado em salas escuras com espectadores sentados, mas em qualquer lugar onde houvesse o equipamento necessário. Por falta de recursos técnicos acessíveis aos artistas naquele momento, os vídeos produzidos pela primeira geração não seriam editados. Manteriam, ao contrário, apenas o registro do gesto performático do artista, o confronto da câmera com seu corpo – procedimento mais elementar dessa nova arte que surgia.

Letícia Parente teve cinco filhos. Dois deles, Pedro Parente e André Parente, são artistas, hoje estudiosos da tecnologia junto com a arte. Pedro Parente, em entrevista, na qual foi indagado sobre qual a influência das obras de sua mãe em relação a ele, afirma: “A influência é total. Pois a arte conceitual fortemente existente no trabalho de Letícia Parente contamina até hoje os trabalhos elaborados, tanto com Dança e Tecnologia, como também nas instalações desenvolvidas”8.

As obras produzidas pelos artistas da primeira geração da videoarte traziam na sua subjetividade questionamentos políticos. Tinham o objetivo de debater questões políticas e sociais, sobre os poderes e a dominação dos corpos pela sociedade moderna. Na década de 1970, as inquietações políticas ainda perduravam em nosso país. Aponta Christine Melo (2007, p. 149):

A diferença entre os trabalhos realizados na década de 70 e os trabalhos realizados recentes reside no contexto da criação da época. No Brasil, a arte de 70 possui um forte caráter político, o país estava em confronto, tomado pela ditadura militar. Nesse sentido o corpo é revelado como fronteira última de manifestação estética e inserido como mecanismo de circulação de mensagem. Ao longo dos anos 80 e 90, o mecanismo de apresentação do corpo é apresentado de forma bem diferenciada.

8 Entrevista concedida em 16 de maio de 2011, via correio eletrônico.

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Na década de 1970, precisamente em 1973, na cidade de Fortaleza-CE, Parente começou a participar de exposições tanto individuais como coletivas, chegando a ganhar um concurso realizado até hoje, o Salão de Abril de Fortaleza, que é um concurso de obras produzidas pelos artistas locados na cidade9. Participou da 8ª JAC – Jovem Arte Contemporânea, no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo (MAC-SP), primeira mostra pública que ocorreu dos vídeos brasileiros, organizada por Walter Zanini. Foi a Buenos Aires com as videoartes “Marca Registrada”, “Preparação I” e com a obra “In” para o IV International Open Encounter, no Centro de Arte Y Comunicacíon (CAYC). Participou também da Mostra de Videoarte do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM- RJ)10.

A videoarte, em seu início, integrou-se às artes plásticas, como podemos verificar, de acordo com Ivana Bentes:

A videoarte também recria e canibaliza procedimentos de linguagem que remontam às vanguardas históricas e ao cinema experimental dos anos 60 e 70 em todo o mundo – a flicagem, as cinecolagens, as superposições e fotomontagens, os grafismos, as imagens simultâneas no quadro, os trípticos, as telas duplas que iriam reaparecer com o vídeo (BENTES, 2008, p.118).

Trata-se de um exemplo que Néstor Garcia Canclini (2008, p.XXXIX) conceitua como hibridismo:

Considero tratar a hibridação como um termo de tradução entre mestiçagem, sincretismo, fusão e os outros termos empregados para designar misturas particulares. Talvez a questão decisiva não seja qual desses conceitos abrange mais e é mais fecundo, mas, sim, como continuar construindo princípios teóricos e procedimentos metodológicos que nos ajudem a tornar este mundo mais traduzível, ou seja, conviver em meio a suas diferenças, e a aceitar o que cada um ganha e está perdendo ao hibridar-se (2008, p. xxxix).

Assim como os videoartistas, os produtores de videodança também fizeram experiências ousadas com as câmeras de vídeo. Assim explica Royo: “No entanto, a arte do vídeo tem se desenvolvido em maior medida, isso se deve à sua arte híbrida, como consequência da sua evolução como uma forma de arte”11.

Letícia Parente deixou muitos seguidores, mais precisamente aqui no Ceará, onde todos os artistas contemporâneos têm essa influência, como aponta Bardawil:

O que aquela geração dela tava comunicando, tava propondo, assim, um momento da década de 70, um momento superemblemático, década de 60, 70, porque depois você tem Lígia Clark e Hélio Oiticica. È eu acho que são as dicas para qualquer artista que trabalha com arte contemporânea hoje. Esse fiozinho da Letícia Parente até aqui, eu brinco dizendo que a gente é um pouco herdeiro da história. A gente que eu digo não “a gente”, Alpendre. Eu digo a gente, todo mundo que trabalha com isso.

9 No ano de 2012, aconteceu o 63° Salão de Abril de Fortaleza, que ficou em exposição até o mês de maio na Galeria Antônio Bandeira, na Rua Conde D’Eu, nº 560, Centro, mantido pela Prefeitura da cidade. Fonte: http://www.salaodeabrilfortaleza.com.br/10 http://www.leticiaparente.net/11 Si embargo. La razón fundamental de que El vídeo arte se há desarrolhado em mayor medida, isto se debe a sua natureza hibrida, como consecuencia de su evolucion como uma forma de arte. http://campus.usal.es/~viriato/filosofia/webcongreso/com/VictoriaPerez.doc. Acesso em: 28 nov. 2011.

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O que Letícia Parente fez na cidade de Fortaleza foi soltar uma semente que foi cultivada por seus filhos, fazendo com que essa capital soubesse quem era essa artista. E hoje ela é referência para as pessoas que fazem videodança na cidade. Assim explica Bardawil:

Eu acho que todos nós bebemos mesmo. Quem nunca ouviu falar hoje e foi trabalhar com arte contemporânea é herdeiro muito direto dessas questões que foram levantadas por pessoas da história mais recente e aqui, para a, gente, então, a gente não tinha noção do que era videodança. Eu me lembro que eu cheguei a participar do Pano de Boca, quando o Pedrinho começou a propor essas experiências. Eu cheguei a participar do vídeo que ele fez, mas, assim, eu nunca tinha ouvido falar em Letícia Parente, nunca tinha. Era uma experiência bacana, como a gente começou a produzir videodança.

O videodança na Terra da Luz – a mídia da visibilidade.

Em 1986, Pedro Parente, junto com seu amigo Fergus Gallas, produziu o seu primeiro videodança, “Ensaio”, na cidade de Fortaleza, na época ainda classificado como videoarte. Eles ganharam o prêmio de segundo lugar no Festival de Cinema da Casa Amarela Eusélio Oliveira.

Inaugurada em 27 de junho de 1971, a Casa Amarela Eusélio Oliveira oferece cursos nas áreas de cinema, fotografia e animação, além de formar plateia para a área de audiovisual, difundindo a memória do povo cearense. Dispõe de vasto acervo de filmes, vídeos e fotografias. Promove o Cine Ceará, terceiro maior festival de cinema do Brasil, e disponibiliza uma videoteca com cerca de 2.520 vídeos para estudantes, professores da Universidade e população em geral. A Casa dispõe ainda de um laboratório de fotografia, um núcleo de animação, duas ilhas de edição, salas para os cursos de fotografia, cinema e vídeo e o Cine Benjamin Abraão, com capacidade para 146 pessoas. A Casa Amarela mantém parceria com a Associação Cearense de Cinema e Vídeo, com o Núcleo de Cinema de Animação do Ceará, vinculado à Secretaria de Cultura do Estado do Ceará (Secult), e com a Associação dos Amigos da Casa Amarela Eusélio Oliveira12.

O irmão de Pedro, André Parente, é pesquisador de audiovisual e multimídia, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e junto com sua mãe, Letícia Parente, fez várias parcerias: “Comecei fazendo vídeos e filmes, em meados dos anos 70, influenciados pelos pioneiros da videoarte, em particular Letícia Parente, com quem fiz vários vídeos, como modelo, câmera e coautor”13.

Pedro Parente, junto com seus amigos Fergus Gallas (produtor cultural), Lúcia Machado (coreógrafa e esposa de Pedro Parente) e Roberta Marques (videomaker), começa a pensar, produzir e fazer “vídeos de dança” em Fortaleza, na década de 198014. Os amigos começaram a produzir vídeos

12 Fonte: http://www.ufc.br/portal/index.php?option=com_content&task=view&id=144&Itemid=85. Acesso em: 22 mai. 2012.

13 http://www.eco.ufrj.br/aparente/14 Eu, minha esposa e algumas outras pessoas (Roberta Marques e Fergus Gallas) fomos os primeiros a fazer video-dança em Fortaleza... 86 a 88.

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e desta parceria são gerados três videodanças premiados15.

Em 1993, desmancham a parceria e começam a trabalhar em projetos paralelos, deixando assim o videodança de lado. Em 1999, um grupo de estudos e de amigos, com interesse comum em um espaço onde pudessem compartilhar da arte, fundou a Organização não governamental (ONG) Alpendre – Casa de Arte, Pesquisa e Produção. O desenvolvimento dos trabalhos em videodança, na cidade de Fortaleza, firma-se a partir de então, com ênfase nos trabalhos de alguns artistas locais.

A videoarte de Letícia Parente e de toda a sua geração passa a ser pensada não só por seus filhos, mas por inúmeros artistas que a seguiram. Assim nos aponta Alexandre Veras acerca dos trabalhos em videodança no Ceará, destacando os pioneiros nesta.

atividade artística:

Até então eu nem, até já tinha feito, na verdade eu já tinha editado, que são as duas pessoas que eu conheço, que foi quem primeiro produziu videodança em Fortaleza. Que é o Pedro Parente (filho da Letícia Parente) e o Fergus Gallas. Paradoxalmente não, coincidentemente eu editei um desses vídeos do Pedro, que inclusive acho que foi o único prêmio que eu ganhei na minha vida, foi um prêmio de edição no Cine Mostra Fortaleza, há dezoito anos atrás (...). A gente editou isso lá em São Paulo, eu morava em São Paulo na época, o Pedro foi pra lá com esse material, a gente se falou por telefone e a gente editou esse vídeo. E era um videodança. É esse o trabalho que ele faz, realmente, assim você pode caracterizar todos os elementos de videodança (grifos nossos).

Letícia Parente deixa rastros da sua arte até hoje na cidade de Fortaleza. A produção de videodança no Ceará criou uma Epistemologia Local (SANTOS, 2010), pois os grupos Companhia Balé Baião e o Núcleo de Doc-Dança, estudados para esta pesquisa, apresentam cenas de reivindicações políticas em seus videodanças, traços que foram identificados nos trabalhos de Letícia Parente.

15 Ensaios - Premiação: Menção Honrosa – Festival de Vídeo de Fortaleza, 1986.- Televisão 1,2,3 – Premiação: Melhor Direção, Melhor Vídeo, Melhor Edição no 1º Festival Latino- americano

de vídeo.- Da Vinci – Premiação: 3º colocado no Cine Ceará, 1992.- Feijão Sem Banha, - 1993.

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