Voz Própria nº 23

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Publicaçom periodica de NOS-Unidade Popular, organizaçom galega independentista e socialista, correspendente ao Verao de 2010.

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V Assembleia Nacional de NÓS-UP

O lugar é

Compostela. A pergunta é por quê?

JACOBEU NOM

17 de Maio

Perspectivas do

independentismo

socialista

Dossier CentralMulher e Crise

Berta LopesNoela Campanha

Gema BrancoLorena Alonso

Lídia Senra

VP entrevista Alberte Moço

Quintela, novo porta-voz nacional

de NÓS-UP

Presos políticos Mapuche:

Entre a invissibilidade

e o conflito

editorialApós dous longos anos de crise econó-mica capitalista, a classe obreira galega ainda nom foi capaz de responder de forma unitária e conjunta às agressons a que estamos a ser submetidas e sub-metidos polas políticas socioeconómi-cas do governo espanhol e a Junta da Galiza.

O sindicalismo espanhol leva décadas praticando o amarelismo, apostando polo pacto social e por umha política conciliadora com o governo de ser-viço. CCOO e UGT som forças trai-doras e entreguistas. Delas nada se pode aguardar mais que a sua desapa-riçom.O timoratismo praticado polo sindica-lismo nacional e a vergonhosa supedi-taçom que a direcçom da CIG mantém com o regionalismo impossibilitou cris-talizar o que os sectores mais avança-dos da classe obreira, das mulheres e da juventude galega demandávamos: a imediata convocatória de umha greve geral contra o decretaço de Zapatero, contra a reforma das pensons, contra o desemprego e a precariedade labo-ral, contra as políticas neoliberais que pretendem que a crise deles seja paga por nós. Nom foi possível. Suso Seixo nom se atreveu. Optou polo mais fá-cil e enganoso: culpar CCCO e UGT de adiarem a convocatória para 29 de Setembro, sem se atrever a tirar em solitário com umha jornada nacional de luita que teria o apoio de dúzias de organizaçons obreiras e sociais e sem lugar a dúvidas conseguiria parar os sectores estratégicos da economia galega.

Lograr umha adesom maciça à jornada de greve geral de Setembro é umha das tarefas prioritárias após o Dia da Pátria. Porém, é responsabilidade da esquerda revolucionária evitar ce-rimónias de confusom na hora de procurar as origens e definir bem os responsáveis polas agressons laborais e retrocessos sociais. Contrariamen-te ao que pretendem fazer acreditar CCOO e UGT, a responsabilidade das políticas neoliberais traduzidas em privatizaçons dos serviços sociais, no embaratecimento do despedimento, no incremento do desemprego, da marginalizaçom e empobrecimento da Galiza, é responsabilidade directa do governo espanhol e da Junta da Galiza, governadas por duas forças similares completamente entregadas a defender os interesses da burguesia.

Mas esta crise que agora padecemos nom é similar a outras que supera-

mos com enormes custos para as liberdades nacionais e as conquistas operárias e de género. Vai ser longa e profunda e, diferentemente das an-teriores, nom é exclusivamente umha crise económica. Estamos a assistir à mudança de um novo ciclo histórico, à substituiçom do modo de produçom capitalista. Estamos a entrar numha etapa convulsa de enormes incertezas, na qual a Revoluçom ganha o seu vigor histórico, a sua máxima actualidade e vigência. Mas como em todas as eta-pas anteriores, a capacidade de luita e interveçom da classe obreira e das camadas populares vai ser deteminan-te para inclinar a balança face a imensa maioria das deserdadas e deserdados frente às tentativas desesperadas dos donos do mundo por evitar perder os privilégios que hoje desfrutam.Para que a classe obreira galega tenha capacidade de incidir e determinar o futuro, para que as luitas tenham su-cesso e nom sejam exclusivamente um movimento defensivo de curta orien-taçom eleitoral, tem que estar bem organizada em estruturas de carácter nacional e com um projecto socialista.

A militáncia de NÓS-UP leva desde mesmo antes da sua fundaçom, em Junho de 2001, apostando em amplas confluências de todas as mulheres e homens deste país que consideramos imprescindível que a Galiza e a sua classe obreira se dote de umha ferra-menta defensiva de massas com capa-cidade para liderar e conduzir ao nos-so povo face a Independência Nacional e o Socialismo superador do patriar-cado. De forma coerente e honesta, nom só temos participado em todas os processos tendentes a vertebrar espaços unitários, como temos levado sempre a iniciativa para converter em realidade o que é um anseio da prática totalidade da militáncia e activistas da esquerda independentista. Em todo o momento, temos alicerça-do a nossa participaçom na necessida-de de avançar sobre três parámetros irrenunciáveis: respeito ao pluralismo político, afirmaçom do carácter de esquerda da nossa luita e negativa a manter práticas conciliadoras com o autonomismo. Estes eram, som e continuarám a ser os princípios irre-nunciáveis para que o MLNG poda convergir com outras forças e corren-tes. Negar polos factos todas ou cada umha destas coordenadas pode ser le-gítimo, mas é umha via estéril que nom contará com o nosso apoio.

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V AssembleiaNacional

Sábado 12 de Dezembro decorreu em Vigo V Assembleia Nacional de NÓS-Unidade Popular, um encontro que o companheiro Alberte Moço, encarre-gado de pronunciar o discurso final em nome da Direcçom Nacional, definiu como “de grande utilidade”, dado o alto nível do debate e as numerosas intervençons.Após Compostela, Corunha, Ferrol e Teio, foi a vez da maior cidade operá-ria galega. Os companheiros e com-panheiras da comarca encarregárom-se do relativo à recepçom da filiaçom que se deslocou de diferentes pontos da Galiza para um encontro especial-mente útil, sobre os diversos temas de actualidade do calendário político estável em que NÓS-UP está a desen-volver iniciativas no dia a dia.Todo o relativo à vida política do nos-so projecto foi tocado abertamente polas companheiras e companheiros que participárom nesta Assembleia Nacional. Desde as finanças até a in-troduçom no movimento popular, passando polo trabalho sindical e o fe-minista, NÓS-Unidade Popular actua-lizou as coordenadas da sua actuaçom política consoante as novas caracterís-

ticas da situaçom sociopolítica e eco-nómica da Galiza.Após o discurso inicial de Maurício Castro, introduzindo os principais te-mas incluídos nos textos, os debates prolongárom-se toda a jornada até as oito da tarde, em que foi proclamada a nova Direcçom Nacional, que inclui al-gumhas substituiçons e garante a con-tinuidade do trabalho político feito. Numha situaçom adversa por causa das próprias circunstáncias de divisom soberanista, que parte dos anos 70 e nom tem fácil soluçom no curto prazo, a nossa organizaçom marcou a linha política desta nova etapa da maneira mais democrática, certificando o alto grau de unidade e coesom que carac-teriza a nossa corrente. Passadas as 20h, após eleiçom da Di-recçom Nacional, dava começo o acto de encerramento com a presença de delegados e delegadas das Organi-zaçons convidadas: AGAL, AGIR, BRI-GA, Baiuca Vermelha, AMC, AGARB, Associaçom de Amizade Galego-Cu-bana Francisco Vilhamil, Movimento pola Base, Galiza por Palestina, CS Gomes Gaioso, Fundaçom Artábria,

AVV Sam Vicente e Canedo, Gental-ha do Pichel, Primeira Linha, PCPG, ACO Maçarico, AC Semente Vermel-ha e Siareir@[email protected]ároma sua ausência e enca-minhárom umha saudaçom Corrente Vermelha, COSAL, SCD Condado, LNB e a Associaçom Verbo Xido Te-rra de Montes. Também estivo presente no acto fi-nal da V Assembleia Nacional a Con-sul Geral da República Bolivariana da Venezuela na Galiza, Mónica Chazín Fuenmayor. Alejandro Fuentes Her-nández, Consul Geral da Repúblicade Cuba no nosso país, encaminhou um correio desculpando nom poder as-sistir.

O companheiro Alberte Moço prota-gonizou o discurso final, muito aplau-dido polas pessoas presentes, que verificárom a estabilidade e a madurez com que a militáncia da esquerda in-dependentista acordou encetar umha nova fase em que o trabalho deverá aumentar em quantidade e qualida-de, fazendo assim frente às condiçons adversas que o sistema e a ideologia dominantes incutem no povo trabal-

hador galego.A língua, o afám imperialista ianque na América Latina e a crise capitalista com a sua incidência nas trabalhadoras e trabalhadores galegos fôrom alguns dos textos aprovados em forma de resoluçom, junto ao regulamento e às teses organizativa, ideológica e políti-ca. Nom duvidamos da alta produtividade política do encontro assemblear, cujos frutos ajudarám ao avanço da Galiza independente, socialista e nom pa-triarcal que sonhamos.

Nova Direcçom NacionalAlberte Moço Quintela, Noa Rios Bergantinhos, Maurício Castro Lopes, Patrícia Soares Saiáns, Bruno Lopes Teixeiro, Lara Soto Gonçalves, Rami-ro Vidal Alvarinho, Sheila Fernandes Migues, Carlos Morais Álvares, Ilduara Medranho Gonçalves, André Seoane Antelo, José Manuel Dias Cadavei-ra, Abraám Alonso Pinheiro, Yasmina Garcia Castro e Anjo Torres Cortiço.

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Esquerda AbertzaleO MLNB manda-vos um forte abraço e umha saudaçom internacionalista. Te-mos os mesmos enimigos e o mesmo fu-turo: a independência dos nossos povos e o socialismo. Até a vitória semprePátria ou morte: venceremos!Gora Galiza Ceive! MCBÀ V Assembleia Nacional de NÓS-Uni-dade PopularRecebam car@s camaradas da Galiza um cálido abraço, um apoio sincero e um desejo profundo de avanços na sua dura luita pola independência do povo galego e o bem-estar colectivo de essa formosa naçom estreitamente vinculada às luitas emancipadoras dos povos latino-caribe-nhos. Êxitos! Polo Congresso Constitutivo do Movi-mento Continental Bolivariano (MCB)Narciso Isa Conde Caracas, Venezuela9 de Dezembro de 2009Aniversário da Batalha de Ayacucho

Endavant (OSAN) (Países Cataláns)De Endavant (OSAN) e dos Países Cata-láns, queremos dar a NÓS-UP umha sau-daçom na sua V Assembleia Nacional.Sabemos como organizaçom irmá, inde-pendentista e revolucionária, que nom é fácil hoje em dia manter dentro de esta sociedade individualista umha organiza-çom popular que de resposta aos ata-ques que os nossos povos recebem dia a dia.Nos últimos anos fam-se evidentes os retrocessos que a classe trabalhadora tem por culpa duns partidos políticos e uns sindicatos vassalos do capital, nos últimos anos, torna mais visível a neces-sidade da independência dos nossos po-vos para poder desenvolver umha ver-dadeira política do povo e para o povo, sem capital nem patriarcado.Por estes motivos, congratulamo-nos que ano após ano as nossas organizaçons mantenham esta luita pola independên-cia e o socialismo. Visca la terra!

MDT (Países Cataláns)Do Moviment de Defensa de la Terra enviamos umha saudaçom solidária e in-ternacionalista.Desejamos que os debates e as conclu-sons da vossa Assembleia Nacional per-mitam dar um passo mas no caminho da libertaçom nacional, social e de género do vosso país. Todos e todas sabemos o importante que som as assembleias ou congressos nacionais numha organiza-

çom revolucionária.Pola nossa parte, o nosso país vive umha fim de semana importante, já que uns 150 municipios realizam referedos pola independência. Embora saibamos que a luita será longa, estamos cert@s que esta mobilizaçom permitirá aumentar a cons-ciência do nosso povo. Visca Galiza Ceive! Visca els Països Endavant amb la lluita per la indepen-dència, el socialisme i l’alliberament de gènere! Política Operária (Portugal)Queridas companheiras e companheiros de NÓS-Unidade Popular:Saudamos calorosamente todos os mi-litantes na pessoa dos delegados pre-sentes na Assembleia Nacional de 12 de Dezembro em Vigo e felicitamos desde já a Direcção Nacional a eleger.De Portugal seguimos com muito inte-resse e atenção os trabalhos da vossa V Assembleia. Estamos certos de que este órgão decisório máximo saberá encontrar, a partir da análise da vossa actividade passada, as conclusões mais apropriadas para a renovação da linha política independentista e socialista da vossa valorosa organização.Na certeza de poderdes contar com a firme camaradagem e solidariedade da Política Operária, recebei, caros irmãos e companheiros, os votos de coragem e incitamento na vossa luta por uma Galiza livre, vermelha e lilás.

Movimento Popular Democrático do EquadorCaros Companher@s da V Assemblea Nacional de NÓS-UP: A Directiva Nacional do Movimento Po-pular Democrático do Equador exprime umha fraternal e revolucionária sauda-çom às companheiras e companheiros participantes da V Assembleia Nacional de NÓS-UP e deseja que os debates e resoluçons que assumirem abram cami-nhos para avançar mais apressadamente no processo de enterrar o capitalismo e instaturar umha sociedade socialista que reivindique os direitos dos trabalhado-res e dos povos.O Movimento Popular Democrático ratifica-se firmemente nos princípios do internacionalismo proletário e a luita de desenvolvemos no Equador, para dar cabo do sistema capitalista, é um contri-buto para o combate que livram os po-vos de todo o mundo e, em particular, na Galiza, onde se livra umha luita pola independência contra o imperialismo espanhol.Estaremos atentos às vossas resoluçons e estaremos dispostos a coordenar acti-vidades para avançarmos juntos por um novo dia para os povos do mundo.

Pola Pátria Nova e o Socialismo,Luis Villacís MaldonadoDirector Nacional do MPD

Caras companheiras e companhei-ros, amigas e amigos de NÓS-Uni-dade Popular, das organizaçons do Movimento de Libertaçom Nacional e das delegaçons convidadas, Foi-me encomendado encerrar esta quinta reuniom plenária do máximo órgao de decissom da nossa organi-zaçom e, falando em nome da recem eleita Direcçom Nacional, tenho que transmitir-vos, em primeiro lugar umha mensagem de gratitude. Porque gratitude? Porque sempre foi umha sana obses-som das direcçons revolucionárias o medo a que umha cita como esta acabe por converter-se num mero trámite administrativo. Hoje vemos que tal teima está cada vez menos justificada no nosso caso. Se tivesse que procurar umha palavra para de-finir a assembleia de hoje, esta seria “utilidade”. Os debates dados e as

resoluçons tomadas nesta jornada som, por umha parte, umha magní-fica conclussom para os últimos dous anos de actividade mas, o que é mais importante, som o melhor ponto de partida para o período interasseblear que hoje começamos. Portanto, muito obrigado, compa-nheiras e companheiros, por espan-tardes os nossos medos e por dar semelhante liçom de democracia re-volucionária e inteligência colectiva. Se recordades, o companheiro Mau-rício Castro, na alocuçom que deu abertura a esta assembleia, falou do difícil que foi o caminho para chegar-mos até o ponto onde hoje estamos. Pois o que fica! As crises concorrentes que estám a sacudir o Capitalismo estám já a desembocar numha renovada ofen-siva dos patrons contra os povos, as mulheres e a classe trabalhadora no

seu conjunto. A reforma laboral que está a preparar o patronato espanhol junto ao seu governo títere e que te-remos que combater a curto praço é umha boa mostra disto. Também na nossa realidade concreta o regresso ao governo autonómico do Partido Popular serviu para recrudescer os ataques do espanholismo contra o nosso idioma e cultura. É a nossa ta-refa respondermos com contundên-cia e firmeza como figemos o 8 de Fevereiro nas ruas de Compostela. Por outro lado nom fai falta que vos diga o que nos vai traer o Jacobeu no ano que começa dentro duns dias, nas nossas cidades já começamos a constatar e padecer a faze repressiva deste negócio milhonário. Afortunadamente, como vos dizia há um pouco, hoje saimos de aqui prontos para devolver os ataques e converter o assédio em vitória. Temos tarefas urgentes que realizar

no movimento obreiro, no feminis-mo organizado, no movimento nor-malizador do nosso idioma; temos que pulir e aperfeiçoar as nossas ferramentas organizativas, temos muitas luitas que revitalizar e levar à vitória; temos, em definitivo, muito por fazer se realmente queremos umha Galiza livre, vermelha e lilás. Nom poderia acabar a minha inter-vençom sem dedicar umhas palavras à lembrança dumha companheira que nos abandonou há escassos dias e que continua nas nossas retinas e continuará nos nossos coraçons:Teresa Gonçalves, por ti nem um só minuto de silêncio, senom toda umha vida de combate. Viva Galiza ceive!Viva Galiza socialista!Viva Galiza nom patriarcal! Avante com a Unidade Popular!

Alberte Moçonovo porta-voz nacional

Reproduzimos conteúdo integral do discurso à Assembleia Nacional do companheiro Alberte Moço Quintela, novo porta-voz nacional de NÓS-Unidade Popular.

Saudaçons Internacionais

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Já passárom dezassete anos desde que o governo autonómico tomara a decisom de fazer própria umha cele-braçom católica, como é o ano santo compostelano, e empregá-la como es-cusa para levar avante umha operaçom económica de grande envergadura sob a denominaçom de “Xacobeo”.O Jacobeu apresentou-se como a grande oportunidade para activar o desenvolvimento da Galiza conver-tendo-a numha espécie de imenso

parque turístico, com o seu centro em Compostela e com o leit-motiv das peregrinaçons ao suposto túmulo do Apóstolo Santiago.Todo seriam benefícios e os investi-mentos de capital provocados pola exploraçom turística seriam um re-vulsivo para a activaçom da economia do País. Quando menos, isso foi o que nos vendêrom nas administraçons res-ponsáveis.Hoje, a quase duas décadas do inven-

to do Jacobeu, a realidade fica muito longe da idílica visom que se nos quijo transmitir. Galiza afronta o quinto Ja-cobeu sendo consciente do limitado desta iniciativa, mas sem que os di-rigentes políticos responsáveis assu-mam os erros, continuando numha fugida avante.A suposta capacidade de activaçom económica atribuída ao Jacobeu resul-tou umha autêntica fraude. Por mais que os responsáveis políticos insis-

tam na incidência destes fastos para o aumento do PIB da Galiza, a análi-se rigorosa das séries que as próprias instituiçons oficiais fornecem revelam que o Jacobeu nom supujo aumento significativo nengum, e sim que a evo-luçom do PIB galego mantivesse umha tendência altista durante estes anos sem importar que fosse ano santo ou nom.De facto, esta tendência à alta do PIB galego é constante desde mesmo an-

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tes da invençom do Jacobeu e nom sofreu modificaçom até o estalido da crise em 2009 quando aparece umha retracçom. Mas se a celebraçom do Jacobeu nom supom um benefício directo no des-envolvimento económico da Galiza, como é que se podem justificar os investimentos milionários na sua cele-braçom?Repare-se que para 2010 a “Socieda-de anónima de xestión do Xacobeo”,

a entidade criada em 1993 polo gover-no autonómico para gerir este evento, conta com um orçamento de 43,1 mil-hons de euros e que essa verba se viu afectada polas medidas de austeridade provocadas pola crise. Imaginemos qual deveria ser o montante do orça-mento se nom nos encontrássemos num momento de recessom.Porém, sendo justos, haverá que re-conhecer que as gigantescas quantida-des de dinheiro investidas à volta do

Jacobeu tivérom influência no desen-volvimento macro-económico do país. Nom poderia ser doutro jeito, já que um volume de capitais tam elevado influi por activa ou por passiva numha economia das dimensons da galega.Entom, a pergunta que surge é outra. Nom teria sido melhor investir essas quantidades na promoçom doutras actividades que tivessem gerado umha riqueza maior na Galiza?Aliás, a realidade mostrou-nos que

as pejas nom venhem apenas dos re-duzidos resultados económicos que transparecem os dados do PIB. Nom se trata só de resultados quantitativos, mas também qualitativos.O desenvolvimento da indústria turís-tica no País, que até 1993 era certa-mente baixo, sofreu um crescimento exponencial, mas isto reflectiu-se também na extensom do modelo de emprego que caracteriza a este sector económico. Estacionalidade, even-

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tualidade, salários de miséria... som as particularidades concretas do que normalmente chamamos precarieda-de laboral, um dos presentes que o Jacobeu trouxo consigo.Também nom há que esquecer que neste mundo globalizado em que moramos o turismo é um dos sec-tores económicos com um factor de dependência mais importante. Assim, numha actividade económica na qual por definiçom o consumidor é alheio à realidade social em que se insere materialmente o próprio sector, nom pode estranhar que seja praticamente impossível desenvolver um projecto económico-produtivo autocentrado. Assim, o fenómeno da turistificaçom alimentado polo Jacobeu ajudou ainda mais a fazer da economia galega umha realidade subsidiária de avatares ex-ternos.Tendo em conta este factor da relaçom entre Jacobeu e dependência externa, lógico por outra parte, se tivermos em conta que o que pretende o Jacobeu e que cheguem a Galiza o maior número de visitantes foráneos que for possível,

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nom pode surpreender-nos o papel que a cultura galega joga no invento.A política cultural promovida polo Ja-cobeu é a que melhor se acomoda à lógica do turismo. O visitante que vem passar uns dias ao nosso país nom pre-cisa mais que de uns tópicos básicos que lhe dem umha mínima noçom do exotismo de estar numha terra que nom é a sua, mas que nom suponham nengum entrave para o prazenteiro gozo da experiência jacobeia.Assim, o Jacobeu converte-se numha maquinaria propagandística da Galiza de “gaita e pandeireta”, “das verdes paisagens” e a “saborosa gastrono-mia”, e na qual elementos centrais do nosso ser cultural, em especial o nosso idioma, som marginalizados e ocultos para nom “dificultar” a chegada de mais visitantes.O Jacobeu converte-se num agente espanholizador de primeira ordem en-quanto a “galeguidade” fica reduzida a umha pílula digerível polas massas de visitantes foráneos aos quais se deve facilitar a sua estadia sem “incomodá-los” com cousas tais como o nosso idioma nacional.

Esta capacidade de estranhamento de que goza o fenómeno do Jacobeu tem a sua máxima expressom na cidade de Compostela.Cá o fenómeno da turistificaçom tem

sido levado ao seu “máximo esplen-dor” conseguindo que todo o núcleo histórico compostelano se converta, em especial em época estival, num grande parque temático. Assim, a zona velha foi expropriada aos seus habitan-tes para o visitante poder gozar com maior comodidade sem tropezar com os avatares da quotidianeidade da vi-zinhança de Compostela.A zona velha é cada vez mais um corpo estranho para os próprios habitantes da capital do nosso país.A situaçom atinge umha dimensom mais grave quando reparamos na pres-som policial que por volta do Jacobeu é reforçada na nossa cidade. Umha pres-som que atinge os seus pontos mais altos com motivo das comemoraçons do Dia da Pátria e nas datas em que algum personagem de renome visita Compostela.Nesses dias concretos, a já de por si abafante presença dum contingente ar-mado nas nossas ruas vê-se reforçada pola imposiçom dum autêntico estado de sítio, onde os direitos de livre cir-culaçom, manifestaçom e expressom som reduzidos e mesmo suspendidos de facto. Porém, nom é de mais lembrar que a origem de todo isto, que as adminis-traçons se esforçam por nos vender como a máxima expressom da gale-

guidade, o caminho que liga Galiza e Compostela com a Europa e o mundo enteiro, e nom sabemos quantas cou-sas mais; é antes de mais umha cele-braçom religiosa.Umha celebraçom privada da Igreja Católica, mas que conta com o patro-cínio das administraçons públicas, o que evidentemente choca com umha visom laica do que deve ser a atitude do Estado diante das confissons reli-giosas.

Tendo em conta todas estas valori-zaçons e reflexons, a pergunta que NÓS-Unidade Popular quer trasladar ao conjunto do povo galego é: Tem algum sentido que as administraçons públicas continuem a organizar o Ja-cobeu?Para nós a resposta é um nítido e ro-tundo NOM!

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A Conselharia da Cultura com o apoio municipal tem previsto investir mais de 40 milhons de euros numha obra des-necessária, injustificada, agressiva para o meio e contrária aos interesses da maioria do povo trabalhador compos-telano. Umha obra que pode pôr em perigo a declaraçom da capital da Ga-liza como património da humanidade polo brutal impacto que este projecto terá para a zona histórica da nossa ci-dade.O novo governo da Junta da Galiza aca-ba de avalar a disparatada ideia promo-vida polo Consórcio de unir a cidade de Compostela com as instalaçons da Cidade da Cultura no monte Gaiás.No Inverno de 2008 o governo muni-cipal tinha-se manifestado a favor desta obra, embora um informe contrário do Icomos, -umha entidade assesora da Unesco em questons de património-, provocou a congelaçom de faraónico

projecto.A praça do Matadeiro e a futura esta-çom do AVE som os dous pontos de ligaçom previstos para instalar os aces-sos desde Compostela ao Gaiás me-diante duas linhas. Os orçamentos deste ano da Conse-lharia de Cultura já recolhem 9 milhons de euros para iniciar a primeira fase.Para entendermos o enorme interesse que Sanches Bugalho e o Conselheiro de Cultura Roberto Varela manifestam nesta obra há que destacar que pos-teriormente a sua construçom com fundos públicos seria privatizado o serviço mediante umha concessom do transporte.

Esta iniciativa é continuaçom do des-propósito chamado Cidade da Cultura que já consumiu mais de 500 milhons dos nossos euros, e que encetado a

modo de mausoléu por Fraga Iribar-ne, posteriormente continuado irres-ponsavelmente pola Junta bipartida de PSOE e BNG, Feijó pretende culminar nesta legislatura. A Cidade da Cultura, o Jacobeu, e agora o teleférico formam parte de um aberrante projecto integral que pretende converter Compostela num imenso parque de diversom mediante um nefasto modelo de turistificaçom que esta a devorar a identidade da nossa cidade, a qualidade de vida das vizinhas e vizinhos da capital galega e o meio natural desta Compostela cada vez mais enlatada e artificial. Numha comarca e país com uns trans-portes públicos ainda precários e atra-sados, em que os trens funcionam com combustível e nom oferecem serviços de proximidades a “soluçom” é colo-

cada na alta velocidade Madrid-Galiza e teleférico em Compostela. Que tipo de burla é esta? Devemos exigir que se desista deste projecto e que no seu lugar se invista numha rede de transportes comarcal útil e respeitosa com o meio ambien-te. Que se deixe de esbanjar o nosso dinheiro nessa Cidade da Cultura que ninguém precisa e que se invista em cultura real, popular e participativa. Nom queremos ver a nossa cidade convertida numha Disneylándia de ma-risco e monumentos.

NÓS-UP apela ao conjunto das orga-nizaçons culturais, sociais, sindicais e forças políticas comprometidas com a conservaçom do património popular de Compostela e contrárias a um mo-delo turístico irracional a unar esforços para deter esta aberraçom.

Activado disparatado projecto de construir teleférico em Compostela

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Neste 8 de Fevereiro fijo um ano da convocatória que o colectivo ultra Gali-cia Bilingüe, com o apoio de diferentes organizaçons de extrema-direita, reali-zou para exigir mais espanhol e menos galego no ensino e, em geral, na vida pública do nosso país. No seu dia, enti-dades sociais e a esquerda independen-tista, coincidentes na defesa do nosso direito coletivo à língua, participamos numha resposta diversificada contra a manifestaçom espanholista. Houvo exibiçom de cartazes e faixas em defesa do galego, como as que levou a nossa militáncia, e todo o tipo de activi-dades que, diante da resposta violentís-sima da polícia, derivárom em confron-tos e com um companheiro da nossa Direcçom Nacional no hospital com importantes lesons, fruto da malheira recebida em plena rua e diante das cá-maras. Houvo também 18 detençons, incluídas várias militantes de NÓS-UP, no mesmo dia e nos seguintes, sem que as vítimas saibam ainda hoje a que ater-se, pois as arbitrárias acusaçons vam da resistência à autoridade às desordens públicas, obstaculizaçom do direito de manifestaçom ou mesmo por ter in-formado na rede sobre o acontecido, sem nalguns casos nem terem estado naquele dia em Compostela.Mas, sobretodo, um ano depois de aqueles confrontos e da repressom que hoje continua, devemos reconhe-cer que, fruto da falta de um projecto político claro e diferenciado por parte dos partidos que na altura governavam, hoje o PP está em Sam Caetano gover-nando para o mesmo sector extremis-ta que se manfestou contra o galego aquele dia.Aquela manifestaçom, totalmente ro-deada de polícias, que percorreu uns poucos metros de Compostela com presença da extrema-direita no seu

interior, foi o preámbulo da aplicaçom, por parte do PP, de um programa lin-güístico destinado a fazer do galego um resíduo totalmente inservível, recuan-do a posiçons pré-autonómicas no que di respeito à coofialidade actual.Já naquele momento, e nos meses anteriores, NÓS-Unidade Popular e outros sectores vínhamos alertando de que o continuísmo na acçom de gover-no poderia levar o PP de volta ao poder autonómico e de facto, três semanas depois daquela jornada, assim foi.Curiosamente, os que integravam o oficialismo e mantivérom umha pas-sividade escandalosa na jornada do 8 de Fevereiro, tivérom que perder as cadeiras no governo bipartido para as-sumir a necessidade da mobilizaçom.

Parece que o BNG e o PSOE só se lembram dos conteúdos da acçom de governo que os seus votantes esperam deles quando perdem o poder; daí que, sobretodo o primeiro, tenha tentado recuperar o perfil mais mobilizador após derrota de 1 de Março.Quanto à esquerda independentista, o nosso discurso é e será substancial-mente o mesmo. A língua deveria unir todos os sectores que defendem a sua extensom face a quem quer exterminá-la. Qualquer que seja o governo, é im-prescindível manter a iniciativa e exigir umha Galiza em galego, fazendo frente a quem, de maneira mais ou menos ca-muflada, quer deixar-nos sem fala.NÓS-Unidade Popular aproveita este aniversário da jornada do 8 de Feverei-

ro para celebrar o crescimento de um amplo movimento mobilizador contra a política lingüicida do PP. Esperamos que se mantenha e ainda cresça, até tombar iniciativas reaccionárias como o novo Decreto de ensino do PP, e evitando restringir-se aos interesses de quem só fai cálculos mobilizadores em termos eleitorais.Reclamamos, por último, a livre absol-viçom dos 18 companheiros e compan-heiras imputadas como conseqüência da repressom policial de há um ano, parabenizando todas as pessoas que, de umha ou outra forma, participárom naquela jornada de defesa da língua.

A luita pola língua continua!Na Galiza em galego!

Cumpre-se um ano da manifestaçom antigalega deGalicia Bilingüe, o PP e a Falange:

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Vivemos neste 17 de Maio um novo Dia das Letras marcado polas siste-máticas políticas de agressom plani-ficada a um dos principais alicerces da nacionalidade galega: o idioma. Nom é essa umha circunstáncia inédita. Antes ao contrário: nunca a Galiza con-temporánea contou com um governo próprio que desenhasse umha política lingüística à medida das necessidades do nosso povo. Em lugar disso, todos e cada um dos governos, quer direc-tamente espanhóis, quer mentalmente madrilenos, tenhem servido a inte-resses alheios em matéria de língua. Nom pode justificar-se, de nengumha maneira, que trinta anos de autonomis-mo tenham como resultado este fruto podre: umha comunidade lingüística esfarelada, um idioma enfraquecido com uns níveis ínfimos de uso do gale-go, mas paradoxalmente coberto com muitos milhons de euros que em nada ajudárom à recuperaçom do mesmo.

Nom pode justificar-se, mas pode, sim, explicar-se. Todos esses gover-nos, do primeiro ao último, traba-lhárom para fora. Para fora do País, consolidando a presença e os inte-resses espanhóis na Galiza; e para fora da maioria social, favorecen-do os interesses de umha burguesia cada vez mais afastada de qualquer compromisso com o País e a Língua. As conclusons som claras: nom virám de fora as soluçons aos problemas da nossa comunidade lingüística, em sé-rio risco de desapariçom pola via da assimilaçom por parte da dominante espanhola; nem virám da actual classe dominante os compromissos com a política lingüística que necessitamos. Nengum governo burguês, nem sequer um coligado com o autonomismo, as-sumirá um programa verdadeiramente normalizador. É verdade que no último ano tem havi-do importantes mobilizaçons de mas-

sas em defesa do nosso idioma contra a ofensiva espanholizadora do PP, o que em si mesmo é altamente positivo. Só que é necessário evitar ilusons e dizer claramente que, se as aspiraçons do nosso povo se limitarem às da dirigência autonomista que encabeça as convoca-tórias, estaremos a cair mais umha vez no que podemos chamar, de maneira diáfana, “Erro Prestige”: a utilizaçom da força social para o puro carreirismo eleitoreiro do reformismo, que só as-pira à alternáncia nos postos de poder institucional, e nom à verdadeira trans-formaçom do actual estado de cousas. Se nalguns casos pode nom parecer isto tam claro, no caso do idioma vemo-lo quando esses dirigentes reconhecem que só querem voltar à situaçom ante-rior ao 1 de Março, quando o PP che-gou ao governo autonomico. Será que antes do 1 de Março as cousas iam bem para o galego? É evidente que nom, pois este é um velho problema que remon-ta, na sua actual forma, à etapa inaugu-

rada com a “Espanha das Autonomias”. Pola nossa parte, a esquerda indepen-dentista continua a acreditar que só o trabalho de base, a unidade supra-partidária e a claridade dos objectivos estratégicos poderám garantir um fu-turo à nossa comunidade lingüística. Nem sequer um governo sincera-mente comprometido com o idioma poderá fazer o que se deve fazer se nom houver umha firme consciência no povo, que o empurre na direc-çom certa. Umha firme consciência de que sem a nossa língua nom somos nada, que nom podemos perder esta guerra pola sobrevivência colectiva. Polo contrário, havendo consciência, saberemos criar as condiçons políti-cas concretas que nos permitam fa-zer do galego a nossa verdadeira lín-gua nacional, com idênticas funçons e atribuiçons que desfrutam o espanhol em qualquer capital espanhola ou o próprio galego nos países em já é lín-gua oficial, com o nome de português. Em funçom das consideraçons ante-riores, NÓS-Unidade Popular apela a manter a mobilizaçom diária em defesa da língua, dando umha dimensom ain-da maior e superior aos interesses con-cretos de umha ou outra organizaçom. Governe quem governar, devemos exercer os nossos direitos e reivindi-car o único estatuto legal que garante o exercício dos mesmos: a oficialidade única do galego no conjunto da Galiza. Sendo imprescindível, nom chega com derrotar o PP: há que derrotar todas as políticas bilingüistas, venham de onde vinherem. Nessa luita es-tamos e estaremos as militantes de NÓS-Unidade Popular e do conjunto da esquerda independentista galega. Na Galiza, só em galego! Compostela, Galiza, 17 de Maio de 2010

Consideraçons da esquerda independentista num novo Dia das Letras para a reflexom e a luita

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Existem, um pouco por todo o mundo, numerosas manifestaçons da negaçom de direitos sofrida por tantos povos na história. Um par de notícias coinciden-tes no tempo na última semana fam-me reflectir em voz alta sobre umha das mais significativas, porque implica a negaçom radical do mais íntimo desses direitos: o direito à identidade.

As notícias a que fago referências som de diferentes origens. Umha, venezue-lana, informou da decisom do governo desse país de restituir o nome indígena de umha grande cachoeira, com um quilómetro de altura, existente no sul da Venezuela. A tal queda de água ficou mundialmente conhecida com o nome do aviador norte-americano que, su-

postamente, teria sido o “descobri-dor” da mesma: Salto Ángel, tomando o apelido de quem a enxergou quando sobrevoava a zona na década de trinta do século passado.Só que, como é habitual, o descobri-mento nom era nem muito menos original. Na zona vivia (ainda vive) um povo indígena, os Penom, que já desde

tempos imemoriais tinham baptizado a fervença com o nome de Kerepakupai-Meru; daí que Hugo Chávez, com toda a lógica, tenha proposto há só uns dias denominar assim, de maneira oficial, a que é umha das grandes atracçons tu-rísticas do grande país americano.Acho muito visual e significativa a ima-gem de um indivíduo que, sobrevoan-do umha zona a milhares de quilóme-tros do seu país, descobre um lugar habitado há séculos e decide como deve chamar-se, atribuindo-lhe o seu próprio apelido.Enquanto o presidente Chávez fazia esse anúncio, favorável à recuperaçom da identidade originária dos povos da Venezuela, no Parlamento autónomo galego, o presidente da Autonomia fazia um apelo a um dos porta-vozes da oposiçom: “admitam que nos cha-mamos Galicia!”. Dizia-o quem, como tantos galegos carentes de auto-esti-ma, barbariza o seu próprio apelido, inequivocamente galego, consoante a moda de acomodar o nosso patrimó-nio onomástico aos padrons fonéticos hispanos. Alguém lhe tem recomen-dado já umha adaptaçom completa e coerente que converta o seu apelido galego ‘Feijó’ no correspondente me-setário ‘Frijolito’. Somamo-nos a esse pedido.Ninguém pode negar que os apelidos, topónimos e todo o tipo de denomina-çons e jeitos de falar caracterizadores do nosso milenar povo tenhem sido sistematicamente agredidos, ao ponto de conseguir a assimilaçom mental e material de um significativo sector da nossa sociedade. Isto foi possível, so-bretodo, através da cooptaçom das eli-tes dirigentes galegas, nas quais desta-ca o maior representante institucional

Galiza, com nome

próprioReproduzimos artigo de opiniom do companheiro Maurício Castro, membro da Direcçom Nacional de NÓS-UP

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Opiniom

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desse submetimento na actualidade: o presidente da Junta da Galiza.A verdade é que a agressom aos no-mes próprios é umha constante nas conquistas verificadas em todo o pla-neta, jogando as potências europeias, como sabemos, um papel de destaque nessa história da infámia.Fruto dessa realidade, no ámbito da lingüística existe umha disciplina espe-cífica dedicada ao estudo dos nomes atribuídos por uns povos a outros ou a eles próprios: é a chamada etnonímia, dentro da qual costuma diferenciar-se entre os autónimos, nomes auto-atri-buídos por cada povo; e os exónimos, nomes resultantes da denonimaçom que um povo recebe por parte de ou-tros, através da língua deles. Como tal, esse é um fenómeno natural decorren-te do conhecimento, através da nossa própria língua, de umha outra realida-de cultural.Assim visto, as adaptaçons aos idiomas estrangeiros dos nomes de cidades, países e povos relevantes por qualquer motivo nada tenhem de criticável. É normal, por exemplo, que em galego-português podamos falar de Nova Ior-que, Copenhaga ou Marrocos, adap-tando ao nosso génio lingüístico nomes alheios ao mesmo.No entanto, há umha vertente do fe-nómeno denominativo dos outros que sim fai claramente parte de um esque-

ma vertical de imposiçom ideológica sobre umha colectividade dominada. A linha vermelha que separa a legíti-ma denominaçom dos outros na nossa língua da ilegítima negaçom identitária dos mesmos, situa-se na imposiçom a esses povos de um nome diferente ao que eles próprios tenhem direito a dar-se.Existem seguramente centenas, se nom milhares, de exemplos deste tipo de exónimo, ideologicamente marca-dos pola imposiçom. Nalguns casos, o desprezo que implicam é tam inocul-tável que se transparece da própria semántica do nome.Assim, os noruegueses chamárom ‘la-pons’ (’farrapentos’) ao povo saami, e assim é ainda hoje maioritariamente conhecido esse povo sem Estado do norte da Europa. Da mesma forma, para todos nós é mais familiar o nome originalmente despectivo de ‘esquimó’ (’comedor de carne’) do que o utili-zado polo próprio povo inuit para se autodenominar. Um outro exemplo temo-lo em como, a partir do idioma e da mentalidade árabe, o povo nor-te-africano autodenominado amazigh ficou conhecido polo termo ‘berber’, que em árabe significa ‘balbuciante’, dado que era assim interpretada a sua forma de falar polos seus dominantes vizinhos.Nem sempre o colonizador utilizou

nomes abertamente despectivos para usurpar a identidade do colonizado. Os russos rebaptizárom como Che-chénia umha naçom caucásica a partir do nome da primeira povoaçom dessa cultura com que mantivérom contac-to, quando o nome auto-atribuído é o para nós desconhecido de ‘Ichkéria’. O Estado turco tem proibido historica-mente ao povo curdo a utilizaçom do nome próprio, reduzindo-o à assimilis-ta etiqueta de ‘turcos das montanhas’ e definindo em simultáneo a língua curda como “dialecto mal falado do turco”.A recuperaçom da própria identidade passa, em todos os casos referidos, pola reivindicaçom dos respectivos autónimos de cada povo, sem con-dicionantes nem imposiçons alheias, sempre tendenciosas e negadoras do outro. Os povos saami, inuit, amazi-gh, ichkério, curdo… incluso o povo indígena americano autodenominado Penom, todos eles sabem bem essa verdade e, quem nom a souber, está a caminho de sucumbir definitivamente ao domínio assimilista da correspon-dente potência dominante.Núñez Feijó pujo em evidência há só uns dias como o poder simbólico e ma-terial de Espanha continua a manter o seu objectivo assimilista sobre a Gali-za. Nom temos direito ao nosso nome próprio, o que o nosso povo se deu há tanto tempo que já os cronistas ro-

manos deixárom testemunho de nos autodenominarmos ‘galegos’. Séculos de imposiçom criárom, no universo semántico espanhol, ideologicamente conotado polas ideias assimilistas, inú-meras acepçons despectivas para de-finir o nosso etnónimo. Ainda hoje, a ideologia dominante espanhola aspira incluso a que renunciemos a chamar-nos como sempre nos chamamos: Galiza.Em definitivo, o estado da luita polo nome próprio da nossa naçom encarna o nosso estado de saúde como colec-tivo diferenciado realmente existente. Se alguém o duvida, que explique por-que a teima de Núñez Feijó e do con-junto da oficilidade madrilena para que assumamos de vez o modo como eles sempre nos chamárom: Galicia.Defender, recuperar e praticar ‘Gali-za’ é afirmarmos que este povo nom foi assimilado, que existe e reclama o direito à existência: o direito à inde-pendência.

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independentismosocialista

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“O abc do comunismo –o ódio e o des-prezo polos poderosos. A necessidade de os combater. Sempre. É essa a nossa arma secreta”.Francisco Martins Rodrigues

Agradecemos o convite das compa-nheiras e companheiros do Encontro Irmandinho para participarmos e, por-tanto, realizar os nossos contributos, nas reflexons e debates desta Rolda de Rebeldia. Tal como me solicitárom, manifestarei a minha posiçom como comunista galego sobre três paradig-mas consubstanciais à luita de classes, e portanto à luita de libertaçom nacio-nal da Galiza:1- Que modelo organizativo necessita a esquerda patriótica.2- Qual é o sujeito sobre o qual cons-truir o movimento de libertaçom na-cional.3- Que métodos de intervençom e lui-ta devemos empregar.

Porém, antes de opinarmos sobres estas três questons consideramos im-prescindível reflectir sobre as causas que provocam que um colectivo mi-litante integrado no BNG impulsione umha iniciativa destas características, permitindo e facilitando que corren-tes como aquela de em que estou en-quadrado considere acaído participar; também dar umhas pinceladas sobre o passado, presente e futuro da esquer-da independentista.

Consideraçons préviasAs principais causas da actual situaçom de crise estrutural em que se acha inserido o nacionalismo galego nom emanam basicamente da hemorragia

eleitoral que desangra o BNG desde 2001. Há que procurar muito mais atrás. Som as características das ba-ses fundacionais sobre as quais se foi construindo o movimento nacional contemporáneo que provocárom a posterior claudicaçom e actual derrota estratégica frente ao projecto assimila-cionista espanhol. A combinaçom de incapacidade com carência de vontade política para su-perar boa parte dos principais límites congénitos da doutrina dos “Dez pon-tos fundacionais da UPG” impossibili-tárom realizar as imprescindíveis adap-taçons para fazer frente com sucesso aos desafios das novas realidades so-ciopolíticas que se fôrom produzindo na sociedade galega.

Em 1964, o núcleo que realiza o passo histórico de quebrar com o derrotismo inoculado pola inoperante linha cultu-ralista pinheirista é incapaz de superar o pactismo federalista do Partido Gale-guista, o morno ideário do Sempre em Galiza e, portanto, o mais negativo da herdança da III Internacional a respeito da posiçom do marxismo frente as rei-vindicaçons das naçons oprimidas. A procedência hegemonicamente pe-queno-burguesa de boa parte das pes-soas que assistem à reuniom da Ponte da Rocha em Compostela naquele 25 de Julho gora umha UPG independen-tista, sentando assim as bases para que o movimento nacional galego renun-ciasse implicitamente ao único hori-zonte viável para construir a naçom a partir da esquerda: dotar a Galiza de um Estado próprio, optar pola plena soberania e a independência nacional frente a Espanha.Embora se optasse com valentia por descartar e ultrapassar os paradigmas

do pinheirismo, nom se superou a linha histórica hegemónica no nacionalismo galego anterior ao holocausto de 1936, nem ao que mantivo posteriormente aceso o facho da reivindicaçom nacio-nal além-mar. A inequívoca definiçom nacional da Galiza plasmada no primei-ro ponto nom avançou nos naturais e lógicos passos necessários que dela se despreendem, optando por assumir o limitado ideário nacional da Hespaña com h e ñ de Castelao. O anti-indepen-dentismo explícito fica assim patente no ponto dez quando se afirma que a “liberación nacional galega non desbota o vencellamento federativo de Galicia ós demáis povos da Penínsoa”. A recomposiçom da esquerda nacio-nalista realizada em 1964 introduz a recuperaçom da Naçom Galega como sujeito político identificando-a com as camadas populares, apostando sem ambigüidades no exercício do direito de autodeterminaçom, mas foi incapaz de abandonar esse ideário nacional tí-mido e conciliador arrastado pola inér-cia da longa sombra teórica da década de trinta e quarenta. O filo-hispanismo deu lugar a umha “sólida escola teórico-prática baseada numha complexada e acovardada dou-trina nacional a meio caminho entre um autonomismo radical defensor do direito de autodeterminaçom e umha irracional patologia anti-independentista”1. Escola que ao longo destas quatro décadas e meio de trajectória tivo umha errática evoluçom que oscilou entre o fren-tismo anti-imperialista dos primeiros anos, passando polo maoismo epidér-mico dos setenta com ensaio armado incluído, até o actual BNG, umha or-ganizaçom interclassista dirigida pola 1 Carlos Morais. “Crise ou crises no nacionalismo galego”. Abrente 39. Janeiro-Março 2005.

pequena-burguesia que, conservan-do umha ampla base popular, mutou numha força sistémica e esterilizou o legado de décadas de luita.Mas também no plano social a UPG nasce enquadrada numha falta de con-creçom incompreensível -formulada nos pontos três, quatro, cinco e seis-2, cativa de um excessivo pragmatismo e possibilismo para a segunda metade do século XX, em pleno abrolhar das forças revolucionárias marxistas de novo cunho inspiradas no triunfo da Revoluçom cubana, nos postulados do marxismo rebelde do Che Guevara, da recuperaçom do genuíno projecto leni-nista, das vitórias atingidas polos povos colonizados de África e Ásia, numha etapa em que o capitalismo keynesiano de rosto mais amável ainda nom tinha sido substituído pola brutalidade da sua perversa fase neoliberal.

A génese do movimento nacional gale-go nom é alheia a todo esse movimen-to em escala mundial de ruptura com as posiçons conciliadoras soviéticas, com o conservadorismo dos partidos comunistas tradicionais, de legitima-çom e utilizaçom da violência revolu-cionária como instrumento imprescin-dível para atingir o poder e destruir o modo de produçom capitalista, com a incorporaçom à luita de umha nova ge-raçom militante com outros referentes imediatos diferentes aos dos seus pais. Nom podemos desconsiderar que a acidentada fundaçom da UPG tem lu-

2 3- Os meios de produción, distribución e creto per-teñecen ó povo.4- A coleitivización do agro comenzará cunha etapa cooperativa, como fase previa a formas máis desen-roladas de socialización.5- A pequena empresa e a industria artesá serán concentradas en unidás produtivas superiores.6- A grande empresa capitalista será socializada dun xeito imediato.

Três perguntas singelas de complexas respostas

Reproduzimos o texto que serviu de base à intervençom de Carlos Morais, Secretário Geral de Primeira Linha e membro da Direcçom Nacional de NÓS-Unidade Popular durante a “Rolda de Rebeldia” convocada polo Encontro Irmandinho no mês de Janeiro.

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gar tam só semanas depois da cons-tituiçom das FARC nas montanhas da Colômbia, quando o Che estava a difundir por todo o planeta a neces-sidade de se confrontar por todos os meios com o imperialismo. Mais alá da mera casualidade, o movimento patri-ótico galego de inspiraçom marxista, é também fruto, ou polo menos está in-fluído polas tendências internacionais em voga naquela conjuntura. Tanto o que se passava em Paris, Havana, Mos-covo e Pequim, a cisom sino-soviética como os debates e novas orientaçons da esquerda latino-americana e caribe-nha nom eram alheios para Luís Soto no México, como para Celso Emílio Ferreiro em Caracas. Hoje tampouco devem sê-lo, embora a cultura hege-mónica em boa parte do movimento patriótico incompreensivelmente des-preze o que acontece para lá das nos-sas fronteiras.Devemos lamentar a carência de cora-gem e maior visom longo-prazista na hora de definir o projecto estratégico da esquerda nacional que, se bem nas-ce à margem da política espanholista de conciliaçom com o franquismo que começa a teorizar o PC de Carrillo como também contra a manobra polí-tica anticomunista promovida por Ra-mom Pinheiro sob a batuta das potên-cias ocidentais, nom se deu libertado do estreito espartilho do minimalismo pequeno-burguês da Geraçom Nós. Posteriormente vinhérom fases de maior radicalismo nacional e social concretizadas na vácua e efémera fra-seologia independentista de 1977-78, imediatamente condenada a ex-comu-nhom polos guardians das essências do templo após a morte de Reboiras, e a depuraçom da linha obreira polo lobby de professores e profissons libe-rais que se apropriárom do cerne do projecto.A adaptaçom à formaçom social ga-lega das teses de Robert Lafont que Xosé Manuel Beiras plasmou no Atra-so económico de Galiza contribuírom para rearmar o projecto, para nom pactuar a maquilhagem do franquis-mo, mas também reforçárom as teses interclassistas de um movimento na-cional incapaz de se despreender das concepçons dimitrovianas e dos mo-delos terceiromundistas que promovia

o campo soviético, e cujas conseqü-ências fôrom funestas para a plena emancipaçom e libertaçom dos seus povos. Boa parte dos movimentos re-volucionários de libertaçom nacional dos sessenta e setenta som hoje cor-ruptas estruturas de dominaçom das camarilhas que sobrevivêrom às caini-tas batalhas polo controlo e usufructo de siglas de passado heróico, como o MPLA angolano, a FLN argelina ou a FSLN nicaraguana.

As teses do interclassismo e o federa-lismo fôrom adaptando-se às mudan-ças operadas na Galiza fruto das diná-micas impostas por Espanha. Aban-donárom a timidez argumental, as maquilhagens de intrincadas fórmulas, para eclodirem sem complexos, para se exprimirem sem rodeios. Da Lei de Bases de 1987 até a Decla-raçom de Barcelona, passando polo “diálogo institucional” de 2001 até o mesquinho discurso de ter “peso” em Madrid hegemónico entre 2005-2009, ou a reivindicaçom actual de atin-gir maiores quotas de autogoverno, compartilha idêntico fio condutor: um processo paulatino e irreversível de integraçom plena no quadro jurídico-político espanhol. Esta “falha inicial” permite entender-mos porque as elites do BNG condu-zírom de forma gradual um dinámico e vigoroso movimento popular de enor-mes potencialidades para liderar a construçom nacional com parámetros de esquerda ao que actualmente é:

um burocrático aparelho eleitoral-ins-titucional inofensivo para Espanha e o Capital, carente de um projecto estra-tégico coerente mais alá de pretender representar e defender os interesses de determinadas fracçons da burgue-sia nacional, para terem influência sem intermediários em Madrid. Todo isto, em troca de umhas miga-lhas para as suas medíocres e timo-ratas elites, que ocupam espaços de representaçom política e simbólica e cuja obsessom por se perpetuar faci-lita a renúncia permanente ao que faga falta para manter satisfeitos Madrid e os donos do País. A obscena fotografia de Quintana com Jacinto Rei no seu iate em 2005 nom difere qualitativamente da de Guilherme Vasques com Santiago Rey Fernández-Latorre há umhas sema-nas. O neoliberal sem complexos e o progressista de inócuas causas sempre politicamente correctas nom passam de ser as “diversas e necessárias ca-ras” de similar projecto que no fim de contas só procura contar com o aval dos poderosos e dos inimigos da Na-çom Galega e do seu povo trabalha-dor. Para esta viagem, nom faziam falta essas alforjes! Na Galiza a Segunda Restauraçom Bourbónica demorou quase duas dé-cadas a domesticar a esquerda nacio-nalista tal como tinha feito antes em Espanha com o PSOE e o PCE nos primeiros capítulos da denominada Transiçom.

Este processo é irreversível. O BNG está tam corrompido, tam desnaturali-zado, que já nom é possível reconduzi-lo. Nom se pode regenerar. Qualquer iniciativa tendente a dotar a classe tra-balhadora galega de umha ferramenta defensiva que contribua para construir o projecto nacional das maiorias sociais deve partir da premissa de se afastar e quebrar com o que hoje representa o

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BNG: umha força complexada polo seu passado, mas de inequívoca práti-ca regionalista e neoliberal. Igualmente, estám condenadas ao fracasso qualquer das diversas ilusons que teimam em reconstruir por fora algo similar ao que emanou de Riazor em 1982. Com esses vimes já nom se pode construir nengum cesto.A recomposiçom de umha esquerda genuína na Galiza passa inevitavel-mente por asssumir sem complexos três parámetros: a defesa da soberania e a independência nacional, incardi-nada num projecto anticapitalista que aposte no Socialismo, com maiúsculas e sem aditivos fraudulentos, incorpo-rando de maneira transversal no seu discurso e prática a emancipaçom da metade da força de trabalho social. A plena e real libertaçom da mulher, ou seja, a superaçom do patriarcado, é um dos alicerces imprescindíveis para construir a nova força sociopolítica da esquerda transformadora do século XXI.

A incapacidade de fraguar um pro-jecto independentista de massasAo longo destas quatro últimas déca-das e com umha cadência cíclica de aproximadamente dez anos a evolu-çom do movimento nacional foi pro-vocando rupturas a partir posiçons explicitamente independentistas de carácter socialista. UPG liña proletária/PGP/Galiza Ceive em 1977-79, PCLN/FPG em 1986-1988, Primeira Linha em 1996-1999, até o indefinido MpB, com as suas pe-culiaridades e características específi-cas, tenhem sido tentativas de articu-lar um projecto de esquerda indepen-dentista alheio ao conglomerado da UPG/BN-PG/BNG.Porém, até o momento, todas as ten-tativas tendentes a vertebrar o campo da esquerda independentista tenhem fracassado estrepitosamente ou bem se acham numha fase de estagnamen-to com enormes dificuldades para acu-mular forças e avançar aproveitando a favorável conjuntura de profunda crise socioeconómica. Som diversas as causas que podem ex-plicar esta situaçom, mas a sua confi-guraçom e dependência do naciona-lismo maioritário respeito a doutrinas, programas, cultura política, focagem

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década de noventa, emerge um novo agente que nom provém do binómio UPG/BNG e que questiona os para-digmas sobre os que a esquerda inde-pendentista de forma seguidista e acrí-tica tentou infrutuosamente articular o seu projecto. Para podermos construir umha es-querda soberanista eficaz e útil para promover luitas e atingir vitórias, um movimento de libertaçom nacional e social de género com projecçom e apoio de massas, há que ser capaz de abandonar o essencialismo patriótico interclassista. Também um obsoleto discurso cuja centralidade radica no simplismo de reduzir e interpretar a complexa realidade com base na dia-léctica da contradiçom principal Ga-liza-Espanha, negando por activa ou por passiva que numha naçom que pa-dece umha opressom nacional a luita de classes adopta a forma de luita de libertaçom nacional. O eixo de qualquer luita que sincera-mente procure umha sociedade sem classes e sem negum tipo de opres-sons deve partir da contradiçom entre Capital-Trabalho. A ela deverá incor-porar-se, simbiotizando-a, a amálgama multicolor das rebeldias múltiplas das complexas estruturas sociais do século XXI (emancipaçom da mulher, defesa do meio ambiente e questionamento do progresso decimonónico, combate ao poder adulto, libertaçom sexual, respeito polas sociedades multiétnicas e multiculturais, etc) e no caso especí-fico galego a carência de soberania.Na Galiza há burguesia nacional, a opressom nacional que hoje padece-mos nom é estritamente de carácter colonial, devemos ser um movimento de esquerda anticapitalista. Nom podemos seguir reivindicando umha idílica, harmónica e feliz socie-dade rural, pois nom passa de umha simples fantasia que nunca existiu.

Devemos despreender-nos de umha vez dos anacronismos e enxebris-mos, dos postulados milenaristas que a pequena-burguesia incorporou ao movimento de libertaçom nacional. Mas também do economicismo e o legalismo da esquerda que afirma que-rer umha Revoluçom mas mantém um respeito supersticioso pola legalidade vigorante, sem se atrever a questionar com umha prática coerente os feti-chismos do sistema.

Devemos igualmente abandonar as concepçons lineares e mecanicistas do progresso baseado no desenvolvi-mento ilimitado das forças produtivas que tanto dano tenhem provocado ao marxismo através dos manuais soviéti-cos e do estruturalismo althusseriano. Coincidimos plenamente com o Che em que “O socialismo económico sem a moral comunista nom me interessa. Luitamos contra a miséria, mas ao mes-mo tempo contra a alienaçom. (...) Se o comunismo passa por alto os factos da consciência, poderá ser um método de repartiçom, mas já nom é umha moral revolucionária»3.Cumpre umha esquerda rebelde, combativa, unida, que repeite o plu-ralismo ideológico e tenha como ob-jectivo estratégico a tomada do poder, que fomente a democracia directa e a participaçom horizontal, que com-bine a utilizaçom de todas as formas de luita em funçom das condiçons, em que o parlamentarismo nom seja mais que um simples instrumento para en-fraquecer a actual ditadura da demo-cracia burguesa espanhola, que evite dotar-se de aparelhos burocráticos de políticos profissionais bem remunera-dos polo regime que acabem gerando interesses de seu, substituindo a mili-táncia na hora de decidir.3 Entrevista do jornalista Jean Daniel ao Che Gue-vara realizada em Julho del 1963.

Hoje a esquerda independentista con-ta com um capital político, ideológico, organizativo, com umha experiência militante, com uns recursos e ferra-mentas nada desprezíveis. Porém a sua influência social é claramente infe-rior aos esforços investidos e à refe-rencialidade que logra atingir de forma esporádica e intermitente, claramente superior a que possuía a inícios da dé-cada de noventa. Sem lugar a dúvidas é imprescindível para qualquer recom-posiçom de um projecto revolucioná-rio na Galiza do século XXI.

Que modelo organizativo necessi-ta a esquerda patriótica?Para respondermos pois à primeira pergunta que nos convoca esta Rolda de Rebeldia é necessário esclarecer que nom existem modelos estabeleci-dos, que estám condicionados funda-mentalmente por dous factores:1º- As condiçons políticas sobre as quais se intervém.2º- Os objectivos tácticos e estratégi-cos que se persegue. Obviamente, nom é o mesmo agir numha conjuntura caracterizada por umha ditadura militar, um regime au-toritário que provoca sermos um mo-vimento ilegal e portanto clandestino, que sob umha democracia represen-tativa ou numha etapa de transiçom socialista. Nom será nem decalque nem cópia, mas criaçom heróica4. Cada caso necessita umha estrutura ou estrutu-ras diferentes nas quais a originalidade deve combinar-se com as característi-cas da formaçom social em que actua. Tampouco se pode universalizar o modelo entre quem por exemplo unicamente pretende ocupar espaços 4 Formulaçom empregada polo marxista peruano José Carlos Mariátegui num artigo de 1928 para descartar a aplicaçom mimética dos paradigmas soviéticos transmitidos polas directrices da III In-ternacional no seu país.

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táctica e estratégica, referentes e imaginário colectivo, permitem en-tendermos as motivaçons que tenhem impossibilitado consolidar um espaço sociopolítico objectivo e subjectivo di-ferenciado e autónomo, cada vez mais amplo e melhor definido. A maioria destas experiências som fruto de umha cisom da UPG, portan-to arrastam no seu ADN boa parte das deficiências congénitas anteriormente aludidas. Como ramas esgaçadas do tronco comum estám contaminadas, infectadas, esterilizadas para poder cumprir as tarefas que com mais entu-siasmo que reflexom fôrom traçadas. Embora semelhassem querer superar essas limitaçons, a história constatou que nom conseguírom exorcizar esse vírus. Nom fôrom capazes de extirpar o cancro da conciliaçom de classes, do paradigma hispanista, do pánico que a pequena-burguesia manifesta nas en-cruzilhadas históricas, do pacto assi-métrico com Espanha e o Capital.A incapacidade para fraguar um pro-jecto político e social completamente diferenciado e autónomo da matriz, por despreender-se do cordom umbi-lical, impossibilitou consolidar a maio-ria destas iniciativas, as quais, em vez de se alargarem, com o tempo, fôrom enfraquecendo até se esgotarem e, em boa parte, reincorporar-se indivi-dualmente e de forma desordenada ao lugar de onde emanárom.

Assim, parcialmente, sectores desse independentismo tentárom ao longo da década de noventa voltar como corrente organizada ao BNG e ainda umha boa parte das correntes que su-perárom o naufrágio dessa etapa teima em renunciar a dotar-se de um espaço sociopolítico diferenciado, procurando imaginárias e inviáveis convergências.Este complexo e errático processo im-possibilitou umha acumulaçom de for-ças e experiências. A discontinuidade orgánica foi companheira permanente da hemorragia militante que fragmen-tou e atomizou um movimento re-duzidíssimo. Deste jeito, nom pudo socializar o conflito, construir um mo-vimento estruturado, com referentes ideológicos e políticos próprios, com alternativas diferenciadas do autono-mismo.Porém, a partir da segunda metade da

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institucionais renunciando a transfor-mar as estruturas económicas, sociais, ideológicas, militares da sociedade capitalista, frente a quem tem como objectivo estratégico umha Galiza so-berana, independente e socialista.Devemos pois falar de modelos organi-zativos sem dogmatismos nem rigide-zes. Os modelos de organizaçom nom som eternos, imutáveis e indiscutíveis, devem estar em constante mudança e adaptaçom às necessidades e reptos para que sejam eficazes e cumpram a funçom que perseguem.

Pola situaçom organizativa da esquer-da soberanista, -termo no qual incluo todas as organizaçons, partidos, cor-rentes de opiniom, núcleos militantes, colectivos populares, activistas sociais, individualidades sem adcriçom definida que perseguem umha Galiza libertada da opressom espanhola e umha socie-dade superadora do capitalismo-, é imprescindível partirmos inicialmente de um espaço amplo e integrador com um programa avançado de mínimos que respeite o pluralismo ideológico existente. Esta convergência pode adoptar diversos modelos: frente, uni-dade popular, plataforma de mobiliza-çom e luita social, que permita somar para multiplicar, nom somar para res-tar. Serám pois as peças e agentes po-líticos e sociais que participem na sua configuraçom que definam com maior exactidom até onde se pode chegar na fase embrionária de um processo des-sas características.Mas deve em todo o momento con-viver com a existência de identida-des específicas emanadas de maiores afinidades políticas e ideológicas que existirám até o momento em que por vontade própria decidam dissolver-se na estrutura unitária em que estám in-tegrad@s os seus/suas militantes.A partir da percepçom e experiência da organizaçom e corrente na qual milito, a unidade orgánica da esquer-da soberanista e independentista tem sido um dos principais objectivos e preocupaçons da nossa curta trajec-tória. Levamos mais de dez anos ten-tando chegar a ela, participando em diversos experimentos e iniciativas, mesmo promovendo estruturas so-ciopolíticas unitárias. Por este motivo, somos conscientes dos problemas, das dificuldades e obstáculos situados em grande medida na esfera do subjecti-vo, que provocam interferências na hora de darmos passos firmes nesta di-recçom à qual todo o mundo apela, da qual ninguém nega a sua necessidade, mas que vem sendo um dos principais nós górdios do movimento popular nos últimos 150 anos a escala nacional

e internacional. “E se todos fôssemos capazes de unir-nos, para que os nossos golpes fossem mais sólidos e certos, para que a ajuda de todo o tipo aos povos em luita fosse ainda mais efectiva, que gran-de seria o futuro e que próximo!”5.

Nom devemos pois fazer da unidade um fetiche, umha arma para lançar contra o adversário. A esquerda in-dependentista e socialista galega tem dedicado excessivas energias a esta questom. Tenhem corrido rios de tinta sobre os modelos, passos, formas e ca-lendários do processo, mas até agora, polas razons expostas, consideramos que na maioria das ocasions nom tem passado de ser um baile de máscaras no qual estas dificultam conhecer as verdadeiras intençons dos rostos que ocultam a identidade de quem seme-lha querer bailar mas tenta evitá-lo. Umha das premissas elementares para avançarmos é agirmos com sincerida-de e honestidade. Um processo desta magnitude e importáncia nom pode ficar em maos dos que singelamente nom querem unir ou dos que exer-cem vetos maquilhados empregando absurdas desqualificaçons e apelando a mitologias passadas. Qualquer pro-cesso tem que emanar obviamente da vontade por participar, do esforço

por superar divergências e conflitos pretéritos, em base a um debate que permita atingir o maior grau de con-senso possível na aprovaçom de um programa político, de um projecto ideológico e um modelo organizativo que permita a cómoda integraçom de quem o desejar. É imprescindível o reconhecimento e respeito mútuo, a vontade de dialogar sem limitaçons nem exclusons, de tender pontes, de 5 “Mensagem aos povos do mundo através da Tri-continental” elaborada polo Che Guevara antes da sua partida para Bolívia em Novembro de 1966, embora difundida em Abril de 1967.

procurar a mestizagem de culturas, estilos e métodos. Mas para atingir es-tas condiçons é necessário abandonar atitudes irresponsáveis, erradicar os brindes ao sol que com diversos em-brulhos e retóricas nom som mais que expressons do sectarismo patológico que tanto dano tem provocado na es-querda independentista galega.Estamos divididos basicamente por-que nom todo o mundo tem vontade de unir-se, porque há enormes oposi-çons a aceitar a riqueza e o pluralismo ideológico que conforma o nosso mo-vimento. Nom é um problema gera-cional nem de brigas entre indivíduos como incorrectamente se pretende transmitir empregando a típica mano-bra de confusionismo e intoxicaçom para evitar assim abordar o cerne do debate.Pola nossa parte, seguimos defenden-do a mesma posiçom unitária que le-vamos mantendo desde a definiçom realizada em Junho de 1999 no II Con-gresso de Primeira Linha, e cuja última reformulaçom foi difundida por NÓS-Unidade Popular como manifesto 1º de Maio de 2009 afirmando que “Com total honestidade, estamos plenamente convencidas de que é possível com ge-nerosidade e olhar de futuro iniciar a imprescindível transfusom de ideias, de

projectos, de modelos que permitam elaborar sínteses de mínimos colectiva-mente aceitáveis que possibilitem a con-vergência para, com iniciativa, impulso, inconformismo, e intransigência, dotar o País e a nossa classe do baluarte orga-nizado que demandam amplos sectores populares”6.Lamentavelmente, hoje nom se dam as mínimas condiçons subjectivas im-prescindíveis para avançar nesta di-6 Manifesto à Pátria e ao Povo Trabalhador Galego. Chegou a hora da unidade para re-sistir e luitar. www.nosgaliza.org/principal.php?pag=lerdoc&id=76

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recçom. Mas nom por isso devemos cessar em seguir tentando-o!Porém isto pode mudar da “noite para a manhá” em base aos desafios que o povo trabalhador vai ter que encarar a medida que se aprofunde no cata-clismo social ao qual nos conduz um capitalismo em crise sistémica. Pois contrariamente aos diagnósticos dos “especialistas” e dos “analistas” que sempre negárom a possibilidade de unha crise de sobreproduçom, que pudesse rebentar a bolha financeira, o marxismo mais lúcido leva anos a prognosticar os acontecimentos em curso. O capitalismo senil7 ainda nom atingiu fundo. O seu crepúsculo emana das crises-controladas nas quais leva in-serido nas quatro últimas décadas. E embora a partir da queda do muro de Berlim em 1989 e a posterior implo-som da Uniom Soviética em Agosto de 1991 os aparelhos de propaganda da burguesia tenham tentado convencer

as massas empobrecidas e os povos oprimidos que já nom há esperança colectiva pois vivíamos no “melhor dos mundos possíveis”, o neolibera-lismo triunfante da década de noventa foi umha miragem incapaz de derrotar o renovado espectro do comunismo que em 1848 Marx e Engels deixárom gravados no Manifesto do Partido Co-munista. 7 Concepto empregado polo economista mar-xista argentino Jorge Beinstein e polo marxista egípcio Samir Amin em 2001 e 2002 seguindo as formulaçons utilizadas por Roger Dangeville em 1978.

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fazer uso da palavra estavam os países mais industrializados, vários das econo-mias emergentes e alguns dos mais po-bres do planeta. Os líderes e represen-tantes de mais de 170, só tinham direito a escuitar”�.

Semanas antes o último nóbel da paz ao recolher o desacreditado prémio afirmou “às vezes a guerra é necessária e em certa medida umha expressom dos sentimentos humanos”. Coincido par-cialmente com Obama mas sempre como último recurso para lograr a paz e a justiça social. A sua guerra é injusta e injustificada. A que se vem forçados a exercer os povos insurgentes ira-quianos, afgaos, paquistaneses, a que utiliza a resistência palestiniana, curda, colombiana ou basca é qualitativamen-te diferente. Nom podemos pois coin-cidir com as declaraçons de Zapatero na sua mensagem natalícia as tropas de ocupaçom espanholas no Afeganistám quando afirmou que “estamos orgulho-sos da tarefa que levades adiante”, pois somos contrários a matar crianças, a violar a soberania nacional, a exercitar a pilhagem e o saqueio dos recursos alheios. Como o objectivo que perseguimos vai mais alá de construir umha Galiza soberana no quadro da Uniom Euro-peia, somos conscientes que a estra-tégia para atingirmos essa sociedade sem classes nem opressons nom será resultado de termos atingindo umha maioria aritmética nos parlamentinho do Hórreo, pois embora tivessemos possibilidades reais de consegui-la a ló-gica intrínseca da democracia burguesa nom permitiria essa possibilidade em-pregando todos os meios plaussíveis para o evitar, como constatam dúzias de exemplos da história do século XX. “A representaçom parlamentar de umha classe oprimida está consideravelmente abaixo da sua força real”9.

O modelo, os modelos organizativos estám indisoluvelmente vinculados aos objectivos que perseguimos.O comunismo galego do século XXI compartilha semelhantes objectivos àqueles que perseguia Benigno Álva-res na década de trinta ou Moncho Reboiras quarenta anos depois. Por isso, ambos padecêrom perseguiçom e morte polo mesmo projecto nacio-nal que hoje pretende destruir-nos como povo. Para avançar face umha Pátria soberana e independente, para construir um Socialismo genuíno de

8 “A verdade que aconteceu na Cimeira”, artigo de Fidel Castro. http://primeiralinha.org/home/?p=59329 Leon Dadidovich Bronstein “Trostski”. “E ago-ra?. Problemas vitais do proletariado alemám”, artigo publicado 25 de Janeiro de 1932.

homens e mulheres livres e emancipa-das, há que percorrer um longo e duro caminho.Portanto, o modelo organizativo dependerá dos objectivos que se marquem. Para evitar umha desfeita ambiental como Reganosa, pode ser eficaz umha plataforma conjuntural ampla, para impedir a destruiçom de um bairro polo traçado do AVE pode servir umha coordenadora de afec-tad@s, para forçar o patrom a aceitar as reivindicaçons da assembleia de trabalhadores/as pode ser útil o sindi-cato, mas para dinamizar, coordenar e dirigir a luita, as luitas populares face a independência nacional som precisas diversas estruturas organizativas, des-de um partido de quadros bem dis-ciplinado, unificado, coeso, até umha ampla organizaçom política de filiaçom individual que vertebre e globalize as reivindicaçons parciais e atomizadas dos movimentos sociais. Nom podemos deixar-nos arrastar pola ingenuidade de pensar que a ac-tual democracia burguesa espanhola nom se verá forçada a adoptar nova-mente fórmulas autoritárias para man-ter a unidade do seu mercado e impos-sibilitar a vitória das forças populares sobre a sua oligarquia a medida que se desenvolvam e alarguem as luitas na-cionais, de classe e género nas naçons oprimidas, mas também entre a sua classe obreira. Vejamos só a posiçom e atitude do Estado espanhol contra a esquerda abertzale ilegalizando as suas forças políticas e sociais, fechando os seus meios de comunicaçom; contra os consultivos referendos autodeter-ministas na Catalunha; a respeito das expressons mais coerentes do nosso movimento em defesa da língua nacio-

nal da Galiza. Se descartarmos este cenário, estamos simplesmente a praticar autismo polí-tico, fechando os olhos, negando-nos a avaliar a sua evoluçom, a entender a sua natureza antidemocrática como simples apanho, mera reforma ma-quilhada dos quarenta anos de pedra. Estamos a preparar as condiçons sub-jectivas para o suicídio do movimento de libertaçom nacional.Por estes motivos, som necessários diversos espaços organizativos que se complementem interactuando numha mesma direcçom, embora qualitativa-mente diferentes, adaptados às tarefas que se perseguem e conscientes das contradiçons que se produzem ao longo do processo até a tomada do poder. Como círculos concêntricos, seguem vigentes amplas alianças populares de carácter assemblear em que convivam entregados militantes revolucionári@s seguindo boa parte dos paradigmas do modelo de partido revolucionário de vanguarda desenhado por Lenine em 190210 com milhares de activistas dos mais diversos movimentos sociais, intelectuais progressistas, sindicalistas e todas aquelas expressons da auto-organizaçom popular possíveis, dife-renciadas mas unidas pola diversidade ideológica do anticapitalismo e polos diversos graus de implicaçom e com-promisso adquiridos. Porque, como lucidamente vaticinou o camarada Francisco Martins Rodrigues, o nosso Chico, no último acto público em que participou meses antes do seu faleci-mento “o partido que dim que já pas-sou de moda -nom o partido-empresa, 10 Vladimir Ilich Ulianov. Que fazer? Problemas candentes do nosso movimento.

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Assim, nom nos deve surpreender que o actual inquilino do Vaticano, Bento XVI, acabe de reafirmar as teses mais conservadoras e reaccionárias da Igre-ja católica definindo o comunismo como imoral e desumano. Ladram, logo cavalgamos! O anticapitalismo é umha realidade em crescimento. A rebeliom dos povos, a insurgência popular contra o crimino-sa ditadura mundial das potências im-perialistas nom é um sonho nem umha imagem nostálgica do passado, é tangí-vel em áreas cada vez mais amplas do planeta. Após o fim da “guerra fria” ti-vérom que construir um novo inimigo para assim justificar a sua guerra global contra os povos e a classe trabalhado-ra. Levárom até o paroxismo inimagi-nável o fantasma do “terrorismo”, mas hoje os Estados Unidos e os seus alia-dos européus -como Espanha- estám empantanados nos campos de batalha do Iraque, do Afeganistám-Paquistám, e o seu descrédito e desprestígio nun-ca foi tam elevado. Pretendem evitar a irrupçom de novas forças populares, controlar o tsunami libertador que se divisa no horizonte como resposta à extensom maciça da guerra, o terror e a destruiçom, mas nom o conseguirám. Umha nova Pri-mavera Socialista está a emergir. A mudança é umha necessidade inelu-dível.

Agora, pola primeira vez na história da humanidade, jogamos contra-relógio. A grave crise ecológica planetária pro-vocada basicamente polo capitalismo está a conduzir-nos face a hecatombe. A vida da espécie humana está em gra-ve risco. Mas os donos do mundo ne-gam-se a adoptar as mínimas medidas necessárias para paliar a situaçom. A posiçom dos Estados Unidos, o Japom e a Uniom Europeia na recente Cimei-ra de Copenhaga exprime a ilimitada voracidade de umha oligarquia mun-dial disposta a arriscar ao máximo a vida de milhares de milhons de pesso-as para poder seguir mantendo os seus obscenos privilégios e as suas luxurio-sas taxas de lucro. “Obama proferiu um discurso enganoso e demagógico, cheio de ambiguidades, que nom implicava compromisso vinculatório algum e igno-rava o Convénio Marco de Quioto. Saiu da sala pouco depois de escuitar mais alguns oradores. Entre os convidados a

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nom o partido-administraçom, nom o partido-negócio, mas o partido das revo-lucionárias e os revolucionários, esse há de voltar. Porque é preciso acabar com o pesadelo e começarmos a viver como seres humanos”11.A relaçom, as relaçons entre a força, as forças políticas da esquerda sobe-ranista e os movimentos sociais deve ser ante todo de respeito e reconheci-mento mútuo. Qualquer tentaçom de instrumentalizar as luitas populares e as estruturas organizativas conjuntu-rais tenhem-se demonstrado que som um fracasso. A posiçom do BNG a respeito o mo-vimento semi-espontáneo contra a ca-tástrofe do Prestige que abrolhou nos últimos dous meses de 2002 permite extrair liçons sobre os erros tácticos e estratégicos de instrumentalizar um movimento social dessa envergadu-ra em base a um míope imediatismo eleitoral que só procurava derrotar o PP nas urnas12, mas cujos resultados ficárom reduzidos a conseguir frear temporariamente o desgaste eleitoral iniciado em 2001. Nunca Mais foi ma-nipulado de múltiplas formas: vetando a presença da esquerda independen-tista mais coerente, esvaziando-o de um programa anticapitalista e nacio-nal, facilitando a presença do PSOE, burocratizando-o, atando-o e des-mobilizando-o para que nom saltasse as margens de lealdade ao regime, as regras de jogo burguesas, substituindo a greve geral pola inofensiva moçom

11 Intervençom na Festa da Política Operária, Clu-be Oriental de Lisboa, 19 de Janeiro de 2008. Po-lítica Operária 113, Janeiro-Fevereiro de 2008.12 Carlos Morais. “Quinze teses sobre Nunca Mais. Manipulaçom do movimento de massas e fracasso da estratégia reformista”. Abrente nº 29. Julho-Setembro 2003.

de censura que como água de Maio necessitava o fraguismo, suspendendo as mobilizaçons na campanha eleitoral, renunciando a paralisar e suspender as obras da Cidade da Cultura destinan-do esse esbanjamento de recursos pú-blicos em regenerar o litoral e apoiar à classe trabalhadora directamente atingida pola catástrofe. Mas quem re-almente saiu ganhando foi o Estado es-panhol, pois após o desconcerto inicial logrou resistir a força dos protestos nas municipais de 25 de Maio de 2003. Que fica hoje de aquele impressionan-te movimento popular que sacudiu durante meses alguns dos alicerces do sistema? “O BNG foi mesmamente um dique de contençom da enxurrada de indignaçom popular que, sem el, com o muito que choveu ao longo deste vinte anos te-ria asolagado os vales e veigas nos que passa o verao todo o ano a preguiceira e alienada classe política deste país” escreveu lucidamente Beiras um ano depois da catástrofe do Prestige13.

Outros episódios eloqüentes e mais recentes destas práticas podemos ob-servá-las no movimento popular em defesa da nossa língua ou na reivindi-caçom de selecçons nacionais despor-tivas. Durante quatro anos de governo bipartido o BNG nom se atreveu a dar passos decisivos e valentes na constru-çom nacional, e agora reclama o que nom se atreveu a fazer ou a aprofun-dar, pois se hoje Feijó ocupa Rajói é porque Tourinho e Quintana renunci-árom a abrir umha auditoria “sobre os 16 anos de fraquismo para delimitar res-ponsabilidades individuais e colectivas, 13 “A estratexia da dinamita”. Faro de Vigo, 1 de Novembro de 2003.

no ámbito penal e administrativo, no saque dos recursos públicos que caracte-rizárom quatro legislaturas consecutivas de corrupçom, nepotismo e apropriaçom do património público”14. Há que optar por manter dialécticas harmónicas entre o ámbito político e o social. Nom podemos idealizar e sim combater na necessária batalha de ideias, as carentes de originalida-de e miméticas concepçons e receitas movimentistas do espontaneismo e os modelos organizativos apartidários em voga entre determinados sectores da esquerda e o movimento nacional sociológico, promovidas desde os ga-binetes universitários polo posmoder-nismo de Toni Negri, Michael Hardt ou John Holloway. Devemos evitar, em palavras de Néstor Kohan15 que “novos profetas tentem monopolizar a palavra e ditar cátedra” à juventude revolucioná-ria com atractivos jogos malabares de enganoso palavrório inofensivo para luitar contra a exploraçom e a domi-naçom. Os modelos de organizaçom em rede sem um centro sintetizador de experiências e carentes de umha direcçom definida e conhecida, apoia-dos nas novas tecnologias da comuni-caçom, nom passam de ser na maioria dos casos um trivial passa-tempo para manter consciências tranquilas, mas som completamente intrascendentes para combater o inimigo.

Os denominados movimentos sociais apresentam enormes limitaçons “pola parcialidade das suas respectivas luitas e polo imediatismo e temporariedade dos objectivos concretos” polo que é ne-cessária umha relaçom “fluida, perma-nente entre luita social e representaçom política. Um projecto político revolucio-nário nom fai sentido se carecer de força social; mas tampouco fai sentido umha ampla rede social se renunciar à tomada do poder e, portanto, carecer de repre-sentaçom política”16.As organizaçons revolucionárias de-vem fazer parte activa dos movi-mentos sociais respeitando os seus ritmos, necessidades e prioridades, mas os movimentos sociais de orien-taçom transformadora devem tender pontes com as organizaçons políticas que assomem as suas reivindicaçons procurando convergências e espaços comuns de luita. O modelo mais aca-14 Consultar a “Tabela reivindicativa de mínimos para o novo governo autonómico. 444 medidas concretas para umha nova política nacional e de esquerdas”, elaborada por NÓS-Unidade Popular, Setembro de 2005. www.nosgaliza.org/web444/Tabelareivindicativa.pdf15 “Marx en su (Tercer) Mundo. Hacia un socialismo no colonizado”. Ediciones Pensamiento Crítico, Bogotá 2007.16 Carlos Morais. “A precária e velha proposta do neo-progressismo pequeno-burguês”. Abrente 44, Abril-Junho 2007.

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ído para promover a transformaçom social e avançar na libertaçom nacional da Galiza é a fórmula “força-movimen-to”. Umha organizaçom assemblear, horizontal, plural, em sintonia com as luitas socialmente compartilhadas pola classe trabalhadora, as mulheres e a juventude, mas nom só. Umha força-movimento irrespeitosa com a lógica do regime, apoiada na mobilizaçom social, que empregue as instituiçons como caixa de ressonância, que evite ser fagocitada polo institucionalismo, que fuja dos eufemismos chamando as cousas polo seu nome, que tenha a rua como espaço prioritário de in-tervençom.Porém, as relaçons entre o ámbito do político e do social, sem estarem cla-ramente definidas, nom podem estar isentas das tensons inerentes a umha amálgama tam ampla e representativa das diversas fracçons e interesses con-cretos do campo popular.

Qual é o sujeito sobre que deverá construir o movimento de liberta-çom nacional?Sem lugar a dúvidas a classe trabalha-dora no sentido mais amplo. As pro-fundas mudanças experimentadas na formaçom social galega nas dus últi-mas décadas convertem a Galiza nu-mha sociedade bastante semelhante a do capitalismo avançado, embora si-gamos a ser periferia. Da nossa actual morfologia de classes, despreende-se que já nom somos um país estritamen-te rural, desindustrializado e incomu-nicado. Somos umha sociedade com elevadas taxas de urbanizaçom con-formada por umha hegemónica massa de assalariados e assalariadas com um destacado proletariado industrial.É o povo trabalhador quem sofre nas suas carnes a dependência nacional que padecemos por Espanha: traba-lha mais horas por menos salário, tem taxas de desemprego, precariedade e eventualidade laboral mais elevadas, pensons mais baixas, percentagem de pobreza e exclusom social superiores à média, os mais altos índices de sinis-tralidade laboral de Europa Ocidental, umha emigraçom maioritariamente juvenil que desangra a Naçom de boa parte dos seus futuros quadros técni-cos e intelectuais no que nom deixa de ser um autêntico êxodo que esvazia a

panhola mas que progressivamente ia renunciando ao questionamento cons-titucional e autonómico, também tivo que mudar o seu imaginário colectivo substituindo as camadas populares que divulgou Beiras entre o escárnio e a mofa da ignoráncia espanholista por esse aparentemente neutral termo de cidadania. Ou se está com as operárias e operá-rios de Inditex ou com Amáncio Or-tega, ou se está com o proletariado metalúrgico do sul da Naçom ou com os empresários da construçom naval. Ou defendemos as trabalhadoras de Gadisa ou o empório de Tojeiro. Nós nom queremos voar com a gente que simpatiza com Díaz Ferrán nem com os associados ao sindicato do cri-me dirigido por António Fontenla. Ou se pom umha vela a deus ou ao demo. Tentar satisfazer a ambas partes nom é politicamente viável e sim eticamente rejeitável.A nova esquerda patriótica que este foro de debate e reflexom avalia como hipótese, mas que as necessidades do País e da sua classe obreira deman-dam como umha urgência, nom pode ser o projecto dos bem remunerados funcionários das ONGs subsidiadas polo regime e as instituiçons imperia-listas, nom pode ser o espaço de in-tervençom e promoçom social para os profissionais liberais incómodos com a direitizaçom do BNG e o PSOE, nem de vitalícios sindicalistas alheios à reali-dade de fábricas e centros de trabalho, incapazes de despreender-se dos seus privilégios. Deve ser umha força com umha composiçom genuinamente po-pular, conformada por trabalhadoras e trabalhadores em activo, por desem-pregadas e desempregados, pola cada vez maior massa de juventude preca-rizada, polos líderes vicinais, sindicais, dos movimentos sociais, logrando in-corporar esse crisol de culturas e to-nalidades cromáticas de pel que cada dia som mais significativas entre o povo trabalhador galego, independen-temente de terem nascido no Senegal, Equador, Marrocos ou na Colômbia.Obviamente bem intencionados mi-litantes de extraçom social pequeno-burguesa devem fazer parte da nova esquerda transformadora a construir, mas nom para mudar os objectivos estratégicos por umha mais assumível e amável reivindicaçom de umha “de-mocracia avançada”, “maior autogo-verno e bem-estar para a Galiza”, por umha reforma estatutária que permita um melhor encaixe da Galiza na Es-panha contribuindo para desactivar o conflito por mais “vinte anos mais de paz”. A inócua e calculada indefiniçom pro-

movida polos foros sociais e o desapa-recido movimento antiglobalizaçom de um outro mundo é possível deve dar passagem à actualizada máxima luxem-burguiana de Socialismo ou barbárie18. Comunismo ou caos!19 é umha dis-juntiva de máxima actualidade. Eis a única equaçom possível sobre a que construir o novo sujeito transforma-dor, evitando cair no determinismo ca-tastrofista quando o capitalismo avança face a destruiçom das classes sociais ao conduzir ao conjunto do planeta face a sua devastaçom. Conscientes de que nom pode ser assumida por centos de companheiras e companheiros @s comunistas galeg@s consideramos que sintetiza o eixo dialéctico sobre as que progressivamente vam girar as primei-ras décadas deste século XXI.Nos dias de hoje, a reclamaçom do exercício do direito de autodermina-çom deve tem como objectivo prio-ritário construir a suficiente massa crítica para avançar face a soberania, a independência nacional e o Socialismo. Deve elaborar com habilidade e inte-ligência as políticas tácticas, os neces-sários passos graduais para incorporar o maior número de povo ao projecto, para seduzir a maior quantidade de ac-tivistas e militantes desencantados com as fracassadas estratégias eleitoralistas e institucionais do reformismo nacio-nal e espanhol presente na Galiza. Pois após três décadas de Autonomia as bases medulares sobre as que assen-ta o projecto nacional galego acham-se

18- “Folheto de Junius (A crise da social-democra-cia)”, 1915.19- Iñaki Gil de San Vicente. http://www.kaosenla-red.net/noticia/comunismo-o-caos

no estado de maior enfraquecimento da sua história. É pois evidente que há que mudar o rumo, dotar-se de um novo barco e renovar a tripulaçom. Há que opor-se radicalmente ao modelo autonómico optando pola indepen-dência, há que negar-se a aceitar as re-ceitas do neoliberalismo defendendo com clareza a alternativa socialista.

Que métodos de intervençom e luita devemos empregar? Nom se pode mudar a realidade, trans-formar a Galiza e o mundo sem tomar o poder. Aqui radica a pedra angular da construçom de um projecto genui-namente de esquerda, nom as versons tuneadas das velhas e obsoletas forças políticas reformistas.Embora o projecto nacional que nos oprime, explora e domina seja incapaz de superar a crise permanente desde que se configurou num Estado-naçom moderno confrontamos um inimigo poderoso e com enorme experiência: o capitalismo espanhol. Após mais de quinhentos anos tentando extermi-nar-nos, procurando a nossa plena assimilaçom, Espanha nom cede na incessante procura da destruiçom do projecto nacional galego. A sua maior vitória tem sido a desactivaçom do movimento nacional herdeiro das múltiplas reformulaçons e operaçons de cirugia plástica realizadas sobre o melhor do legado e tradiçom do pro-jecto desenvolvido a partir do núcleo de 1964. A integraçom do BNG à lo-gica institucional, renunciando à auto-organizaçom e mobilizaçom popular, permite compreendermos melhor

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Pátria de boa parte dos construtores e construtoras do amanhá. A nossa ren-da é 25% inferior à espanhola. Assim é como a opressom nacional se materializa na exploraçom da classe trabalhadora que conforma o sector social, claramente hegemónico, di-rectamente afectado pola carência de soberania. E ele em conseqüência quem deve dirigir a luita de libertaçom nacional. Devemos pois, tal como nos ensinou Francisco Martins, priorizar a con-centraçom preferencial dos esforços “nas camadas proletárias onde é maior a carga de antagonismo com a sociedade estabelecida” e nom emprestar tanta atençom aos “sectores semiproletários e pequeno-burgueses, mais instruídos, com maiores hábitos de organizaçom, onde é mais fácil conseguir resultados, mas onde, em contrapartida, todo vai no sentido do reformismo”17.A autonomia de classe é essencial para evitar converter-se em simples massa de manobra da burguesia progressista. As organizaçons interclassistas nom som tal. Som forças que empregam as classes populares para os seus fins, quase nunca coincidentes com os do proletariado. A pequena-burguesia nom é de fiar, nas encruzilhadas histó-ricas nas que a confrontaçom de classe atinge o grau de máxima efervescên-cia, e portanto há que posicionar-se, sempre acaba oscilando com a classe da qual procede atraiçoando o seu dis-curso popular.

A Galiza necessita umha organizaçom ampla onde a classe trabalhadora seja hegemónica na sua direcçom, entre a sua militáncia, na sua base social, na sua cultura, nos seus referentes his-tóricos nacionais e internacionais, ar-mada com um discurso claramente ao serviço das camadas populares.É dever da esquerda real estirpar a terminologia burguesa hoje cada vez mais enraizada no movimento popular. O nosso sujeito é a classe trabalhadora nom a cidadania. Esse é um concep-to espúrio para a esquerda, filho do aggiornamento e a adulteraçom, que pretende ocultar a luita de classes re-forçando a hegemonia burguesa. No período de tránsito de um BNG que nom aceitava a lógica da Transiçom es-17- “Acçom comunista em tempo de maré baixa”. Abrente 30, Outubro-Dezembro de 2003.

Cabeça de Calvo Sotelo entregue à NÓS-Unidade Popular no quadro da campanha contra a simbologia fascista.

anál

iseanálise

Perspectivas doindependentismo

socialista

que métodos de intervençom aceita o nosso inimigo e quais som os que nom suporta, extraindo de ai as liçons para o presente e futuro do movimento de libertaçom nacional galego.Levam décadas a tentar convencer-nos de que o parlamentarismo e a concorrência eleitoral é a única via para agir politicamente numha demo-cracia burguesa.A esquerda nom deve renunciar a utilizar este método de luita sempre que for útil para avançar, para difundir o nosso projecto emancipador, para questionar as enormes carências e défices democráticos da corrupta par-titocracia ao serviço dos grandes po-deres económicos e financeiros, dos bancos, monopólios e multinacionais que finaciam as suas campanhas de mercadotecnia, condicionando e hipo-tecando assim as posteriores decisons e orientaçons políticas. Mas o fundamental é centrar a maioria das energias na organizaçom social e popular, investindo os melhores qua-dros e militáncia em construir contra-poder popular autónomo, em avançar na construçom nacional sem aguardar a termos um Estado próprio. A recu-peraçom da figura do apalpador frente aos “reis magos” é um magnífico e actual exemplo de como podemos avançar nessa direcçom no quadro da dependência nacional. É imprescindível e prioritário do-

tarmo-nos de umha ampla rede de entidades e organizaçons populares de carácter sectorial no ámbito lo-cal e nacional sobre as quais tecer o projecto independentista e socialista, pois é mais democrático ao permitir o enquadramento popular, e porque é o melhor antídoto para evitarmos a cooptaçom a que se vem submetidas as bancadas parlamentares, os quadros institucionais, pola perversa lógica do parlamentarismo burguês. A consciência política, os valores, há-bitos e princípios éticos socialistas,

a formaçom ideológica permanente som fundamentais para evitar a sedu-çom do vil metal que corrompe sem trégua. Daí a importáncia do igualita-rismo salarial entre @s camaradas que desenvolvem as tarefas profissionali-zadas que as necessidades do movi-mento exige. Deve cobrar igual umha deputada que um administrativo de umha sede, deve ter igual remunera-çom económica quem desenvolve as ingratas tarefas de organizaçom que quem representa a cara pública do movimento perante os meios de co-municaçom.A corrupçom, o suborno e o transfu-guismo som fenómenos promovidos pola lógica das sociedades classistas baseadas na propriedade privada, e um movimento como o que Galiza e o seu povo trabalhador necessita nom vai estar blindado aos cantos de sereia dos cheques em branco que emita a de-mocracia burguesa espanhola. Os nossos desafios colectivos som imensos, embora caibam num grau de milho, nom podem confiar-se na utili-zaçom de um só método. O marxismo em geral e o leninismo em particular sempre monstrárom umha imensa flexibilidade táctica na hora de em-pregar todos os métodos e formas de luita possíveis para acumular forças e criar consciência para avançar face o objectivo estratégico da tomada do poder.

A combinaçom dialéctica de todas as formas de luita para combater a opressom e a dominaçom devem ser utilizadas em funçom das condiçons objectivas e subjectivas, do nível de consciência popular socialmente com-partilhado, nunca em base a rígidas interpretaçons doutrinais. “O que pode ser eficaz e útil num determinado lugar nom serve noutra latitude”20. Mas a cultura maioritária na nossa esquerda nacional deve libertar-se 20 Carlos Morais. “Sobre caminhos e modelos de Revoluçom”. Junho 2008. www.primeiralinha.org

das vacinas que lhe fôrom aplicando consciente e inconscientemente para conseguir fazer parte dessa falsa res-peitabilidade com que Espanha anes-tesia os oprimidos. As reflexons de Maquiavel e Clausewitz sobre a guer-ra como prolongaçom da política por outros meios fôrom perfeitamente as-sumidas por Lenine e Gramsci sobre a inevitabilidade do confronto violento entre as classes.

Hoje, recolher as clássicas e vigentes concepçons do marxismo nesta ques-tom pode ser constitutivo de delito de apologia de terrorismo pola “Audiência Nacional”, essa versom renovada do Tribunal de Ordem Público (TOP) franquista. “A arma da crítica e a crítica das armas”21 à qual aludia em 1843 Karl Marx, irremediavelmente cada vez adopta máxima actualidade perante a agudizaçom da luitas que a evoluçom da crise capitalista provocará.Nom pretendemos que se nos apli-quem atenuantes na interpretaçom das nossas palavras. Como comunista, sou consciente que os objectivos que persigo “só podem ser alcançados pola queda violenta de toda ordem social existente”22; porém, sei que o proces-so até atingirmos esses objectivos de-verá utilizar todas as formas possíveis.“A Revoluçom Galega como parte in-trínseca da mundial deve impulsionar a construçom de forças sociais tendentes

a atingir a hegemonia popular para a tomada do poder empregando de forma complementar e criativa todos, sem ex-cepçom, os métodos de luita: legais, ale-gais e ilegais. A via reformista fracassou há décadas. A alternativa insurreccional nom só continua vigente, é a única via factível para transitar com sucesso da cada vez mais próxima descomposiçom do regime de partidos burgueses para

21 “Introduçom à “Critica da Filosofia do Direito” de Hegel”.22 Karl Marx e Friedrich Engels. “Manifesto do Partido Comunista”.

23

umha democracia socialista que solucio-ne as três grandes tarefas do nosso par-ticular processo: independência nacio-nal, superaçom da exploraçom da força de trabalho, e plena igualdade de género quebrando as bases do patriarcado”23. Sei que é um debate polémico e incó-modo, mas nom por isso desnecessá-rio e pouco actual. Todo o contrário. Nom podemos pensar em construir algo novo comentendo idênticos erros de experiências anteriores. Hoje na Galiza o movimento popu-lar transformador deve apostar pri-mordialmente na autorganizaçom e movimentaçom social, por promover convergências amplas e alianças sóli-das, por penetrar nas instituiçons para as utilizar ao nosso serviço, evitando sermos utilizados por elas, mas tam-bém por ensaiar a acçom directa, os métodos de desobediência civil de vanguarda e de massas. Nom podemos renunciar a “tensionar a sociedade com imaginaçom e contun-dência, evitando a indiferença, provo-cando adesons e solidariedades, esti-mulando a participaçom popular, nom

reproduzindo hábitos políticos tradicio-nais, mantendo umha prática coerente com o discurso político”24.

23 Carlos Morais. “Parlamentarismo e via insur-reccional”. Abrente 50 Outubro-Dezembro 2008. http://primeiralinha.org/home/?p=52024 Tese Política das Resoluçons do III Congresso de Primeira Linha. Março 2002.

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O Voz Própria foi nestes mais de oito anos de trajectória adaptando-se à realidade e às necessidades da esquerda independentista e socialista galega. A dia de hoje umha das suas principais funçons, dada entre outras razons a periodicidade anual da revis-ta, é a de contribuir à elabo-raçom e formaçom teórica da militáncia do MLNG.Nesta ocasiom a redacçom optou por abordar no Dos-sier central como afecta na Galiza à metade da força de trabalho social a crise sisté-mica que agita o capitalismo.

As mulheres trabalhadoras som um dos sectores mais agredidos pola ofensiva neo-liberal e patriarcal que pro-move a escala global a bur-guesia para perpetuar a sua dominaçom. Com este intuito um conjun-to de reflexons contribuem a abordar diversos aspectos da situaçom que padecem na Galiza do século XXI as mulheres do mundo do Tra-balho. Berta Lopes Permui, trabal-hadora do sector da saúde e membro do Conselho Con-federal da CIG, trata a difícil situaçom actual que atraves-

sam as mulheres no merca-do laboral da Comunidade Autónoma Galega. Noela Campanha, trabalha-dora em precário e dirigente da organizaçom juvenil revo-lucionária BRIGA, introduze-nos no mundo laboral das jo-vens galegas no contexto da nova crise do capitalismo.Gema Branco Martins, tra-balhadora social e militante de NÓS-UP, examina e de-núncia as duras condiçons, similares ao escravagismo a que se vem submetidas as trabalhadoras imigrantes que vendem a sua força de trabalho no nosso País.

Lorena Alonso, licenciada em Trabalho Social, aborda o carácter patriarcal e machis-ta da Lei de dependência.Finalmente Lídia Senra, da Executiva Nacional do Sindi-cato Labrego Galego, analisa a realidade das mulheres no sector primário.

O dossier é completado com um conjunto de entrevistas a nove mulheres representati-vas da amalgama de diversas realidades das mulheres tra-balhadoras galegas.

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Nom é possível reflectir sobre o mer-cado laboral, nem da mulher em re-laçom ao mercado laboral como ten-cionamos fazer, sem falarmos à vez da crise económica em que o sistema ca-pitalista está imerso e que golpeia com especial dureça o Estado espanhol e, por extensom, a Galiza. As dramáticas conseqüências da cri-se sistémica que sofremos está à vis-ta de tod@s. As disparadas taxas de desemprego, a elevada precariedade ou a perda de poder aquisitivo, que afectam o conjunto da classe trabalha-dora e especialmente as mulheres e a juventude, som umha boa monstra do que nos espera.O início da crise agravou umha si-tuaçom já existente previamente, mas que agora é mais perceptível. A incor-poraçom da mulher ao mundo do tra-balho remunerado tem estado sem-pre acompanhada de discriminaçom e submissom. Esta incorporaçom, se bem serviu para rachar com certos relaçons de dependência da mulher em relaçom ao homem, foi útil ins-trumento do capitalismo para afiançar o patriarcado. As caracteristicas dos postos de trabalho que, como norma geral, desenvolvem as mulheres con-vertem estas em mao de obra barata e facilmente prescindível em caso de crise.Ainda com este cenário nada favorece-dor para a plena integraçom em igual-dade das mulheres ao mercado labo-ral, as condiçons que a própria socie-dade patriarcal gera para as mulheres trabalhadoras, como a dupla jornada laboral ou a máxima precariedade nos

postos que desenvolvem, som o cerne do problema da escassa incorporaçom das mulheres à luita por umhas con-diçons de trabalho dignas.

A igual trabalho, diferente salárioExistem muitos pontos de vista para analisar as diferenças salariais entre homens e mulheres que desenvolvem, no mínimo, um trabalho similar. Antes de nos referirmos ao salário em si, quer dizer, ao dinheiro que figura na nossa folha de pagamento, referire-mos alguns factores que influem muito directamente nos salários e que, se fossem levados em conta, disparariam as estatísticas já bem desfavoráveis para as mulheres.

- É obrigatório, quando estamos a falar de incorporaçom da mulher ao mer-cado laboral, referirmo-nos ao trabal-ho doméstico e ao cuidado de crianças e familiares. Este tipo de trabalho, básico e imprescindível na sociedade actual, nom está reconhecido como tal e converte-se em força de trabalho gratuita para o sistema. Portanto, se temos em consideraçom estas tarefas para avaliar a igualdade, as diferenças salariais entre homens e mulheres vam muito além do 26%1 reconhecidos, ja que as mulheres realizam umha outra jornada a mais, que nom é remunera-da nem reconhecida como tal.- Som os sectores mais feminizados que se caracterizam por umha maior precariedade laboral, já nom só em 1 Os dados aparecidos no artigo som tirados do Informe Sociolaboral do 2008 do Conselho Gale-go de Relaçons Laborais e do Informe Mulher e Trabalho 2009 da CIG.

termos de jornada e direitos, como também, com certeza, em condiçons salariais. Além disso, os estudos de-monstram que a tendência geral dos salários é a tendência em baixa, en-quanto a tendência de feminizaçom dum sector dado tender em alta.- A promoçom das mulheres a postos mais elevados na hierarquia dumha empresa, continua a ser um dos as-pectos característicos da discrimi-naçom laboral. Especialmente visível em empresas onde o pessoal é maio-ritariamente feminino, a dificuldade de ascenso dentro da escala laboral traz implicitamente o estangnamento sala-rial para as mulheres.- Em geral, os contratos lixo tenhem como destinatári@s jovens e mulhe-res, bem seja por pertencer a sec-tores já precarizados, bem porque a inserçom das mulheres ao mercado

laboral fai-se em ocasions tardiamen-te, devido a que dedicárom a maior parte da vida ao cuidado de filh@s e/ou familiares ou bem pola necessidade de conciliaçom laboral e familiar, entre outros motivos. Além disso, há que ter em conta que as mulheres lotam a grande maioria dos contratos a tempo parcial tanto em temporários como indefinidos. Isto traduz-se num baixo poder aquisitivo para as mulheres, em salários intermitentes ou numha muito baixa base de cotizaçom.Para além dos matizes, a diferença salarial média entre homens e mul-heres situa-se na Galiza, no território da Comunidade Autónoma, entorno do 25.5%, segundo os dados disponí-veis. Também, dependendo do sector económico a que nos referirmos, esta percentagem irá ver-se incrementada, paradoxalmente, quanto mais femini-

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laboralBerta Lopes Permui

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zado estiver a categoria laboral con-creta. Como exemplos, a media de diferenças salariais no sector serviços acha-se em torno do 33%, percenta-gem que se vê ligeiramente incremen-tada ou diminuida dependendo de se a rama dentro do sector é a referida a comércio, limpeza ou hotalaria e restauraçom. Enquanto a Ensino e Sanidade, que som os sectores femi-nizados por excelência, as diferenças salariais entre homens e mulheres que realizam mesmo trabalho chega a 33%, quer dizer, as mulheres perce-bem unicamente 67% do salário que percebe o homem dedicado a estes sectores.Em virtude dos dados apresentados, as mulheres continuam a ser econo-micamente dependentes de terceiras pessoas e, em caso de unidades fami-liares tradicionais, vem-se submetidas ao poder económico do homem difi-cultando asim a sua emancipaçom.

Trabalho doméstico, existe mas, nom se vê?Nom sem ma intençom, desde a in-fáncia somos educad@s directa ou indirectamente a apreciar o trabalho doméstico como umha necessidade cotiá mais. O problema radica em que, diferentemente doutras tarefas ou necessidades naturais, a sociedade patriarcal atribui com aleivosia tal tra-balho às mulheres, com a obrigaçom entom de antepor os interesses fami-liares aos próprios. Esta concepçom do trabalho domésti-co, que nom é nem remunerado nem reconhecido como jornada laboral, cumpre o objectivo de perpetuar a sociedade patriarcal através de mul-heres submissas ao sistema e econo-micamente dependentes dos homens. Ainda, as mulheres convertem-se as-sim em mao de obra barata para o sis-tema que considera como gratuito um trabalho que se nom existisse quem o figesse faria tremer os alicerces do sistema económico e do estado de providência.O desenvolvimento deste trabalho está directamente relacionado com o flujo de actividade no mercado labo-ral actual, posto que o feito de que as mulheres se vejam obrigadas a levar a cabo estas tarefas condiciona enor-mente a sua incorporaçom ao merca-

do laboral fora do ámbito doméstico recurrindo ao contrato a tempo par-cial, a situaçons irregulares de trabalho ou mesmo ao abandono dos trabalhos remunerados em favor do doméstico.Um dos entraves para o desenvolvi-mento da vida das mulheres tanto no ámbito pessoal como no laboral, che-ga no momento em que umha mulher quer estudar a possibilidade da ma-ternidade e como conjugá-la com a vida laboral. A actual situaçom laboral das mulheres junto com a discrimina-tória consciência social a respeito da integraçom das mulheres ao trabalho remunerado, obriga-nos a ter que es-colher entre a maternidade ou o pleno desenvolvimento da nossa vida profis-sional.A elaboraçom da Lei de Conciliaçom da vida laboral e familiar fai-se sobre uns fundamentos excesivamente fra-cos como para esperar que tivesse algum tipo de sucesso. Sem entrarmos a avaliar as eivas mais evidente como a irrisória licença maternal ou o escasso apoio à lactaçom materna enquanto a tempo e facilidades, os direitos que emanam desta lei para as maes tra-balhadoras nom podem ser exercidos sem antes termo-nos que expor a des-prezos, ameaças e mesmo ao despedi-mento. Porque na mente retrógrada e machista da patronal espanhola man-tém-se a premisa de que a integraçom das mulheres ao mercado laboral é um problema que deveria impedir-se.

Sector feminizado = trabalho pre-cárioCada sector económico no que se di-vide o mercado laboral tem umhas ca-racterísticas inerentes que nascem da própria dinámica do tipo de trabalho mas também som geradas polo mo-delo de sociedade. A feminizaçom dos sectores de produçom englobam-se neste último grupo. Desde que temos uso de razom, som-nos atribuídos roles determinados que acabarám influíndo nos gostos e preferências laborais que encaixam no protótipo feminino de mulher trabal-hadora. Convertemos assim o mer-cado laboral num reflexo social em que as mulheres desenvolvem tarefas relacionadas com a serventia, cuidado e educaçom; e os homens os trabalhos que requeira força e mesmo agressi-vidade.Neste senso, encontramos umha im-portante desagregaçom por sexos de-pendendo da actividade económica a que nos referirmos.Esta situaçom mesmo nos pode resul-tar normal ao assurmimos que a edu-caçom recebida determina, ou entom

influi de jeito importante as nossas de-cisons futuras, mas o que sim é mais inaceitável é que precisamente os tra-balhos mais feminizados som os que contam com condiçons laborais mais precárias.O sector serviços, por exemplo, é o caso mais sangrante e que melhor evidencia que a feminizaçom vai jun-to à precarizaçom. Na Galiza, no ano 2009, 81% das mulheres com empre-go dedicam-se ao sector serviços, e é precisamente neste sector que existe maior taxa de temporalidade, de tem-po parcial, de salários que apenas su-peram o SMI...Assim, noutros sectores historica-mente feminizados como na sanidade ou na educaçom, especialmente em centros privados as condiçons laborais som muito similares enquanto a pre-cariedade de contrataçom, jornada e salário às do sector serviços, e distam muito das condiçons laborais desta mesma actividade no ámbito público.

Esta característica do mercado de tra-balhado vê-se avalizada e fortalecida pola própria administraçom, que per-mite requerimento de sexo feminino ou masculino nas ofertas de emprego, contribuíndo assim para a feminizaçom dos sectores. No ano 2008, as ocu-paçons oferecidas com requerimento do sexo feminino eram por exemplo empregadas de hotelaria, limpadoras, trabalhadoras domésticas ou secretá-rias e as que requeriam exclusivamen-

te trabalhadores eram as relacionadas com a construçom, camionistas, entre outros de similares características.

A mulher trabalhadora, sempre no degrau mais baixo da hierarquiaApesar de que a percentagem de mulheres que contam com diplomas superiores, e mesmo com qualquer tipo de estudos, supera em vários pontos a de homems, o mercado la-boral nom responde a esta realidade. Assim, é mais habitual que dentro do escalom hierárquico dumha empresa sejam os homems que contem com maior percentagem de poder e des-envolvam o trabalho qualificado e mais imprescindível. Assim, as mulheres, apesar de terem como mínimo a mes-ma formaçom e, em ocasions, maior capacitaçom, vem-se na obrigaçom de demonstrar com mais esforço a sua valia para um posto de melhor consi-deraçom.Neste ámbito entra novamente o fac-

tor social e educacional que feminiza a docilidade e a sensibilidade e masculi-niza agressividade e a competitividade, e, como sabemos, estas características estam mais valorizadas no mercado la-boral que a própria formaçom.Além, existe a imcompatibilidade no caso das mulheres entre o desenvol-vimento pleno no plano profissional e o desenvolvimento pleno no plano pessoal, obrigando a decantar a ba-lança para um dos lados. Este mesmo

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equilibrio nom se exige aos homens, ja que se lhes presupom umha mulher detrás encarregada de harmonizar a sua vida privada para que interfira o menos possível na sua implicaçom profissional.As mulheres continuamos a ter den-tro do nosso desenvolvimento profis-sional um teito que nom poderemos sobrepassar enquanto continuarem os prejuizos e etiquetas sociais que se nos imponhem.

Desemprego e economia submer-sa Embora o ano 2009 venha ser algo ex-cepcional na hora de comparar o des-

emprego feminino e masculino devido ao enorme incremento do desempre-go como consequuência da crise, o fei-to de que as percentagens de mulheres e homens desempregad@s se igualem responde a que as taxas de desem-prego femininas sempre fôrom muito mais altas que as masculinas e agora nom é que despidam mais homens que mulheres, simplesmente umha parte importante das demandantes de emprego já nom fôrom contratadas.

Há que ter em conta também que o sector mais afectado pola crise foi a construçom, um dos sectores mascu-linos por excelência, o que contribui para um considerável aumento da taxa de desemprego masculina.Botando por tanto um olho aos dados do 2008, que nos podem dar umha vi-som de como é a tendência real das taxas de desemprego, ve-mos que efectivamenteque ao longo desse ano as mulheres desempregadas superam em mais de 20.000 os homens em si-tuaçom de desemprego. Este 55,78% de mulheres demandan-tes frente a 42,21% de homens vem confirmar que estamos perante um mercado laboral feito à medida dos homens e que às mulheres toca en-frentar-se à precariedade, temporali-dade e contratos lixo. É significativo ver como a maioria dos contratos temporais a tempo parcial e mesmo indefinidos a tempo parcial som assinados por mulheres. Este

dado pode corresponder a várias cau-sas, como a escassez de outras moda-lidades de contrato ou o feito de que a conciliaçom entre a vida laboral e familiar continua a ser bis dias de hoje maioritariamente tarefa das mulheres, de feito no 2008 arredor de 96% dos contratos a tempo parcial por obri-gaçonss familiares fôrom assinados por mulheres.Existem certos factores, como a esca-sa oferta de emprego ou aumento da

imigraçom feminina, que conformam o panorama perfeito para que os em-pregos ilegais ganhem adeptas e cada vez sejam mais as mulheres adicadas a coidadoras e limpadoras domésticas sem asegurar, as que realizam jornadas por acima de contrato, especialmente no comércio, ou as que nom contam com as férias e periodos de descanso legalmente estabelecidos.Se bem esta actividade económica nom declarada, na qual as mulheres carecem de contrato, nom cotizam à Segurança Social e estám sem ase-gurar expostas a qualquer tipo de acidente de trabalho, sempre existiu podemos encontrar agora o matiz di-ferenciador em que, enquanto antes era como complemento económico ao salário principal, este trabalho con-verte-se agora na única via de entrada nas economias domésticas como pode ser em caso de famílias monoparentais ou bem em casos nos que o resto dos membros da unidade familiar se ato-pam em situaçom de desemprego.Mais alá do que poda supor este tipo de empregos para a economia global o que sim é claro que é umha contri-buçom óptima à ja amplamente des-envolvida feminizaçom da pobreza, nom só polos irrisórios salários senom também a longo prazo já que as mul-heres nesta situaçom nom cotizam para o cobro de pensons.

Por se isto fosse pouco, somos as primeiras em ser despedidasÀ vista dos dados aportados podemos fazer-nos umha ideia da situaçom labo-ral que as mulheres estamos a sofrer. Ainda se cabe podemos dar resposta em base a estes dados ao porquê de que as mulheres sejamos as primeiras a sermos despedidas em caso de ajus-tes de pessoal ou por que o nosso tra-balho é o que resulta em mais ocasions prescindível.Como temos analisado, os contratos ocupados maioritariamente por mul-heres som os temporários e a tempo parcial. Isto, de partida supom o ingre-diente perfeito para o despedimento barato. Assim o facto de ocuparmos postos de menor releváncia ou des-envolver tarefas que a priori som mais susceptíveis de ser subcontratadas a preços mais baratos ajuda também a converter-nos em prescindíveis para os patrons.Além o facto de que a incorporaçom as empresas é quase sempre mais tardia nas mulheres que nos homens, especialmente nos sectores mais mas-culinizados.94% das excedências por coidado de crianças e 66% das excedências

por coidado de pessoas dependentes fôrom, em 2008, solicitadas por mul-heres, isto acrescentado a outros fac-tores relacionados com a conciliaçom como os permisos remunerados para acompanhamento de familiares, as baixas maternais ou as horas de lac-taçom fam que os empresários se decantem antes polo despedimento das mulheres. Resulta menos trau-mático para a consciência colectiva o despedimento de mulheres porque se continua a considerar que a actividade laboral das mulheres e mais um com-plemento às tarefas que lhe corres-pondem dentro do àmbito doméstico que umha actividade principal. Porém o feito de um homem ser despedido asume-se como umha derrota vital.A maternidade é um obstáculo in-salvável para a mulher trabalhadora, e é unicamente responsabilidade da mulher poder combinar maternidade e trabalho remunerado, e que esta in-terfira o menos posível no desenvolvi-mento profissional.

Mulher e sindicalismoO panorama que tracejamos deveria ser motivo mais do que suficiente para umha activa participaçom da mulher na actividade política e sindical. Mas, paradoxalmente, a nossa participaçom é escassa e, habitualmente, limitada. É certo que as mulheres tenhem aban-deirado numerosos conflitos concre-tos, sobretodo naquelas empresas ou sectores mais feminizados, mas os mesmos obstáculos que nos impedem a igualdade no mundo laboral, encon-tramo-los para desenvolver umha ple-na actividade política e sindical.Haverá que perguntar-se se estas di-ficuldades só respondem a causas ob-jectivas, relacionadas exclusivamente com as próprias mulheres, ou se, na realidade, há vontade real para fomen-tar a nossa presença nas centrais sindi-cais. Por desgraça, as numerosas ten-tativas por fomentar a implicaçom das mulheres no trabalho sindical da CIG tenhem sido, até agora, um fracasso. A presença de mulheres nos órgaos de direcçom continua a ser minoritária e os espaços de auto-organizaçom nom tenhem servido para remediá-lo, mais bem todo o contrário.Nom podemos pretender converter-nos em referentes do que se deu em chamar conciliaçom laboral e familiar nos centros de trabalho, quando às vistas de tod@s, é evidente que nom fazemos o mínimo esforço por fomen-tar a incoproraçom das mulheres tra-balhadoras, com todas as suas peculia-ridades, na actividade sindical.

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Vivemos imersas numha crise econó-mica mundial de repercussons ainda inimagináveis. Há tam só uns meses poucas pudemos evadir-nos da exal-taçom mediática do 20º aniversário da queda do Muro de Berlim como fito histórico na assunçom do siste-ma capitalista como bloco económico único; poucos fôrom os minutos para rememorar 80º aniversário da crise bolsista do epicentro capitalista, Wall Street, que em questom de semanas levou a classe trabalhadora a umha to-tal depauperaçom. A “Grande depres-som” estendia-se a todos os países ocidentais transformando-se no caldo de cultivo que fortaleceria o auge da ideologia fascista e o recrudescimento da política belicista que daria lugar a II Guerra Mundial. Mas também intensi-ficou enormemente a luita de classes e a organizaçom operária e, o que mais nos interessa no tema a tratar, a defini-tiva incorporaçom de jeito massivo da mulher proletária ocidental (já nom só jovens e solteiras, mas também adultas e casadas) ao mercado larboral (inclu-sive em trabalhos especializados) en-

quanto os homens permaneciam nas diversas frentes, com toda a eferves-cência da ideologia feminista que isto supujo.

Embora seja o caso galego particular, devido a que quase desde o início da guerra civil o nacional-catolicismo fran-quista abafou toda ideologia libertado-ra condenando as mulheres à prisom do lar, a realidade nom deu impedido que, ainda no silêncio, a invisibilizaçom e a repressom, muitas mulheres gale-gas luitassem pola emancipaçom e na resistência, pois o espectro do femi-nismo percorria a Europa.

Dado que o mundo laboral das jovens galegas em 2010 é fruto do sistema so-cieconómico capitalista, é obrigatório salientar a constante propaganda geri-da pola burguesia para deturpar a via-bilidade do modelo socialista, ocultar as misérias que o capital provocou ao longo da história sob patrons de con-duta semelhantes e apagar os referen-tes dos sectores oprimidos.

Em geral, quando a mulher ocidental passou a ser considerada como ele-mento produtivo, fazia-o com umha fatal e insalvável “peculiaridade”, a ele-vada elasticidade da sua mao de obra. Quer dizer, umha maior flexibilidade de contrataçom que no caso do ho-mem e, portanto, susceptível de ser incorporada ou retirada do mercado capitalista, segundo as suas necessi-dades. Por exemplo, nas épocas de crise de emprego dos países europeus das décadas dos anos 60, intensificada logo nos anos 80, a actividade feminina nom parou de crescer, mas jamais o fijo em igualdade de condiçons com os homens. Na actualidade, a inserçom da mulher no mercado de trabalho é a mais alta de toda a história, mas à custa de ocupar principalmente os empre-gos mais precários e vulneráveis. Bem nas épocas de bonança, bem nas de recessom, a concepçom machista do trabalho (inclusive das reivindicaçons sociais) será umha constante que pro-vocará que sejamos nós as que ocupe-mos os piores postos e cobremos os salários mais baixos.

O objectivo é doutrinar em que ainda existindo pontuais necessidades que nos possibilitassem ocupar esferas das que estávamos históricamente excluí-das, o cerne da dominaçom patriarcal segue intacto. Paralelamente tenhem-se registado numerosas luitas feminis-tas exigindo os direitos negados, mas muitos fôrom e som os obstáculos a contornar. O papel do Banco Mundial e o FMI, as reformas laborais sexistas dos governos burgueses, uns sindicatos reformistas e machistas que deixam num segundo lugar estas reivindica-çons, os roles de género, o imaginário colectivo de que o trabalho feminino é um plus na economia familiar ou, no caso das jovens, a violência do poder adulto que recai de forma especial-mente virulenta sobre nós.

Nas últimas três décadas, as políticas deflacionistas do capitalismo espanhol agredírom-nos de um jeito desmedi-do. Desde que os franquistas recicla-dos em democratas e a esquerda re-formista assinárom os Pactos da Mon-cloa, impondo a contençom salarial e

O mundo laboral das

jovens galegas no contexto

da nova crise do capitalismo

Noela Campanha

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2�DOSSIER CENTRAL

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a normalizaçom de reformas laborais para dispor de força de trabalho em condiçons cada vez mais nocivas; ser jovem e mulher convertia-se automa-ticamente na carne de canhom de um sistema construído de costas a nós. Efectivamente, conseguírom aumentar a taxa de lucro do capital mas garantin-do que em períodos de crise as perdas da burguesia fossem socializadas. O desprezo polo investimento público em infra-estrutura social que isso su-pujo continuou mantendo as mulhe-res escravas do trabalho reprodutivo, fazendo inviável um contexto que facilitasse rachar com a concepçom machista do trabalho ou com a estru-tural situaçom de insegurança, devido a umha liberdade económica em infe-rioridade de condiçons e responsável polaa feminizaçom da pobreza.

Nestas chaves, obriga-se-nos a viver

às jovens de 2010, mas recrudescidas por um outro factor: A exaltaçom do consumismo. Esta sibilina maquinaria alienante do capitalismo trabalha duro para impedir a imprescindível e urgen-te auto-organizaçom feminista que nos permita atingir um futuro livre. Se nos martelam com a ideia de que para triunfar no mundo laboral devemos adaptar-nos ao cánon da jovem exe-cutiva agressiva mas doce das revistas com as mil horas necessárias de culto ao corpo, as terapias psicológicas e os ansiolíticos por nom chegar ao impos-sível arquétipo; quantas horas ficam para se organizar contra a indefensom legal em aumento nos nossos postos de trabalho e a contínua insegurança material e imaterial que padecemos?

Quanto às recentes “medidas anti-crise”, como o Plano E, diga-se que, ainda sendo feito por esse governo da “igualdade” de ZP, tenhem “de todo” menos perspectiva de género. Os ingentes investimentos de dinheiro público destinárom-se a sectores eco-nómicos marcadamente masculinos, como o automóvel e a construçom, à vez, ícone dos sectores menos sus-tentáveis (novo paradoxo se nos lem-

brarmos da famosa Lei de Economia Sustentável de ZP). Em concreto, a imensa maioria foi parar ao sector da construçom, quer dizer, para a espe-culaçom; o número de jovens que po-deriam sair beneficiadas nom levanta o número nem das estatísticas.

Mas para nom prejudicar o sua fama de “governo da igualdade”, a medida que os sintomas da crise se visibiliza-va em destruiçom de emprego e até bem avançado o ano 2009, os meios de comunicaçom assinalavam insisten-temente os homens como os maiores prejudicados, já que ocupavam o tra-balho assalariado desses insustentá-veis sectores económicos inicialmente mais afectados. Mas a realidade conti-nuava a ser que a taxa de desemprego feminino durante todo 2009 se man-tivo em 19,2%, a mais elevada dessa “Europa dos 27”. Além de acrescentar as valorizaçons dos indicadores que expressam que as empresas optárom ao início por substituir emprego caro polo mais barato.

Finalmente, o dinheiro público foi in-vestido maioritariamente naqueles sectores. Passados os meses e, como

era esperável, o impacto da crise de-vastou também o sector serviços, têxtil ou conserveiro e o trabalho das milhares de jovens galegas que vivem dele. Galiza findava 2009 (sem contar os territórios irredentos) com 119.352 mulheres desempregadas, 53,56%. Eis, pois, a medida anticrise.

Na Galiza a dureza dos ataques aumen-ta. A equipa de Feijó está conformada por fervorosos católicos orgulhosos de que a sua primeira medida legisla-tiva parta da iniciativa contra o aborto do Forum Espanhol da Família. Mas, isso sim, sem ter o mais mínimo receio do sistemático assédio laboral contra as trabalhadoras grávidas. Isto reflecte bem o rançoso machismo latente no Governo da Junta, que padeceremos nos próximos anos; onde o verdadeiro papel que devemos cumprir é ser filha, mae e esposa, o resto... frivolidades.

As repercussons da última crise do capitalismo materializa-se no maior recrudescimento do dessolador mun-do laboral para o povo trabalhador galego. Incumprimento sistemático dos convénios laborais. Autorizaçom de numerosos expedientes de regu-

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laçom de emprego (ERE) pola Con-selharia do Trabalho, segundo dados oficiais para a CAG mais de 19.000 trabalhadoras e trabalhadores padecê-rom as suas consequências, muitas das empresas ameaçando com a desloca-lizaçom. Consolidaçom do escravagis-mo moderno legalizado: O trabalho nas ETT´s. Reduçom dos salários ou as maiores facilidades para efectuar os despedimentos... Vitória após vitória nas reivindicaçons da burguesia.

Nesta conjuntura, o sector pior parado é o constituído polas jovens galegas se-guidas só polas mulheres imigrantes.

A realidade laboral para as moças pode-se resumir em discriminaçom e precariedade. O perfil da mulher tra-balhadora galega é o de jovem de en-tre 18 e 30 anos, com estudos elemen-tares e que desenvolve a sua carreira profissional no sector serviços. Con-centram maioritariamente trabalhos como telemarketing, hotelaria, limpe-za e na indústria (têxtil e alimentícia) em menor quantidade. Nos quais a tónica costuma ser: Contratos tempo-rais, muitos a tempo parcial, de baixa qualificaçom, com poucas oportunida-des de promoçom, pior remunerados e trajectórias laborais discontínuas. Há que matizar que todos os dados redu-zem terminologicamente o trabalho a umha acçom organizada, especializada e remunerada ficando fora dos cóm-putos o trabalho reprodutivo embora representem umha percentagem de entre 25% e 30% do PIB galego.

Olhemos mais polo miudo vários dos pontos.

Discriminaçom laboral. Contra o preconceito maioriatário, a discrimi-naçom laboral nom só está presente no trabalho em si, como também nas diferentes fases da sua consecuçom: A descriçom do posto, a eleiçom das pessoas candidatas, o sistema de pro-moçom, as características que se de-mandam, o canal de difusom da ofer-ta... Esta é a base que garante a divisom sexual do trabalho, um dos postulados essenciais para manter a reproduçom do capitalismo e a subordinaçom das mulheres.

Fora das paredes do centro de traba-lho, subsiste na legislaçom laboral, que nom oferta abrigo real contra a discri-minaçom e, inclusive, nas organizaçons sindicais.

A discriminaçom neste último aspec-to gira à roda de que as jovens temos menos possibilidades de participar no sindicato, devido em parte à grave precariedade que padecemos e por trabalharmos em centros de menor tamanho com poucas opçons para a actividade sindical. Todo isto fomenta a percepçom do sindicato como um mundo masculino com o forte corpo-rativismo que isso fomenta. No caso das jovens, mais umha vez, o poder adulto transforma-nos em seres bio-logicamente predestinadas a actuar com falta de madurez ou desconhecer “a verdadeira realidade dos factos”, a tutelagem e o paternalismo som umha constante. Fazer-nos ouvir converte-se portanto aqui também noutra odis-seia, tendo que demonstrar umhas capacidades muito superiores às dos companheiros para ganharmos o nos-so respeito e referencialidade.

Temporalidade. Há que destacar umha esclarecedora notícia publicada meses atrás, num jornal de distribui-çom galega. A notícia afirmava que só na “província da Corunha” as mulheres tiveram, em média, 2,6 contratos ao ano, 90% durava menos de 6 meses. A isto soma-se também os problemas com as ajudas ao desemprego fruto de tanta precariedade, já que na totalida-de cotizamos menos entom acumula-mos menores direitos contributivos.

Devemos agradecer ao que as políti-cas neoliberais eufemisticamente cha-márom “flexibilizaçom do mercado de laboral”, ou seja, a legalizaçom da desprotecçom e desregularizaçom do trabalho. Resultado: Despedimen-to livre, nengum tipo de penalizaçom por abusar dos contratos temporais, indemnizaçons raquíticas por cessa-mento de contrato... Agora, o ilumina-do Secretário de Estado da Economia, José Manuel Campa, fala do necessá-rio que seria aprovar umha reforma laboral para acabar com a situaçom da temporalidade no Estado espanhol, talvez depois de conhecer os dados que demonstram que aproximada-mente 40% da populaçom activa leva 15 anos trabalhando sob a ditadura da temporalidade. Ainda assim, todo aponta para que os interesses empre-sariais o farám vir ao rego e finalmen-te todo ficará na mesma ou pior, pois nestas tarefas, a social-democracia

ainda que tente enganar, acaba por vergar-se com lealdade aos que verda-deiramente mandam.

Mesmo o trabalho público se preca-rizou, os dados desvendam que no Estado espanhol 72% dos contratos públicos (sobretodo na limpeza e sub-contratas) realizados a moças menores de 30 anos som temporários.

Pior remuneraçom salarial. Há polo menos três possíveis casos com que normalmente depararemos: Menor sálario que os homens por realizar o mesmo trabalho, igual remuneraçom quando o nosso trabalho tem mais va-lor ou a desproporçom na valorizaçom dos trabalhos que realizam homens e mulheres.

Com a “brincadeira”, anualmente co-bramos milhares de euros menos. No caso dos trabalhos de menor qualifica-çom e menores rendimentos, chega-se

arredor de 5.000 euros de diferença. Se em média as mulheres percebem uns 5.800 euros os homens chegam aos 10.700 euros, praticamente o do-bro. Segundo o inquérito de Estrutu-ra Salarial na Galiza, do INE o salário médio total anual masculino estaria arredor dos 19.000 euros e o feminino sobre os 14.000 euros (excluído o fun-cionariado). É dizer, 74% do masculi-no. Só 25% ganharia acima do salário

médio galego (17.000 euros).

Explica-se em grande medida por mo-tivo das diferenças salariais por activi-dade económica existentes. Os ramos com elevada presença feminina, como as industriais da alimentaçom e do têxtil ou as diversas do sector serviços (neste caso o salário é 36% menor abaixo da média), som as mais preju-dicadas.

A discriminaçom da remuneraçom das moças é ainda mais grave, já que em geral a juventude conta com os salá-rios mais baixos, os números recolhem que entre os 20 e 29 anos o ganho mé-dio anual para as jovens é de 11.700 euros, mais de 7.000 euros menos que o salário médio masculino.

Trabalho a tempo parcial. Umha altíssima percentagem das pessoas assalariadas com jornada parcial som mulheres. Nesta modalidade o capi-

talismo vende a propaganda da nossa grande oportunidade de sermos livres, suporemos que os baixos salários e os deficitários direitos retributivos é o preço da portagem face o estupendo presídio que está à nossa espera. Gra-ças a ele as jovens poderíamos traba-lhar e estudar (ainda que o Processo de Bolonha se tenha encarregado de impedir isto), crescer como pessoa, compatibilizar horários com os nossos

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31DOSSIER CENTRAL

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“deveres”... modernizando a utopia reaccionária segundo o qual a liberda-de pessoal e laboral da mulher é com-patível com o trabalho reprodutivo.

Apesar de estar muito estendida a ideia de que os cargos familiares decrescê-rom para as “despreocupadas” jovens, a realidade demonstra o fictício desta afirmaçom. Se algo se incentiva neste período de crise é a revalorizaçom da instituiçom familiar e o trabalho do-méstico polo capitalismo, agudizado, como se apontava acima, polo empo-brecimento, a dependência económi-ca e a alienaçom patriarcal. Nom é por acaso que se estejam a ancorar entre

a juventude galega as ideias sexistas e patriarcais mais letais. A conjunçom de sistema patriarco-burguês e crise fai que as ideias mais reaccionárias se fa-gam omnipresentes para garantirem a sobrevivência do sistema, e para isso a instituiçom da família é indispensável.

Apesar de que todo o anterior é su-ficiente para demonstrar a lamentável situaçom laboral das jovens, há que

acrescentar um outro factor de fulcral importância: O desemprego juvenil na Galiza é estrutural.

No passado mês de Dezembro al-cançou-se a percentagem recorde de 31,4% (a mais alta desde 1998). En-guanto o Estado espanhol chegou ao 43% de desempregad@s entre @s jo-vens menores de 25 anos, o dobro da média da UE que está em 21%.

Mas como é possível isto sem provo-car convulsons que poriam em xeque a economia de mercado? Em termos económicos, um agente importante a salientar é a trabalho submerso, a mais que provável saída para conseguir di-nheiro ante umha abafante situaçom como a actual. Longe da mística da ilegalidade, a economia submersa está estruturalmente inserida no sistema capitalista de produçom como umha actividade que joga um papel socio-económico activo na manutençom

e reproduçom do próprio sistema. Expande-se ao unísono da crise ac-tual. Umha parte até pode chegar a ser oficial, por exemplo, o aumento das horas extras sem remunerar ou a declaraçom de lucros menores dos re-ais pola empresa; mas centremo-nos naquelas actividades que estám fora de todo controlo e que geram rendas apesar de os distintos indicadores ofi-ciais como o PIB, a taxa de emprego...

nom os contabilizarem.

Os sectores onde as jovens galegas de-sempenhamos este tipo de trabalhos som variados e vam principalmente desde o serviço doméstico (cuidado de crianças), sector da hotelaria, sector educativo (explicaçons) até serviços a empresas, no comércio ou pequenos talheres ou locais. Geralmente tem-se pouca continuidade no trabalho e é freqüente a mudança do sector eco-nómico em funçom das oportunidades ou necessidades. Como se vê, conota nom só precariedade laboral como também marginalidade.

Em torno disto cumpre assinalar bre-vemente que existe outro subtipo, pe-nado juridicamente de um jeito dife-rente mas com um idêntico papel que as anteriores, inclusive mais beneficio-so para o capitalismo e o patriarcado: a prostituiçom.

As repercussons da forte discrimina-çom que padecemos no mundo labo-ral provoca que a pobreza relativa das jovens galegas vaia em aumento. Se bem podemos satisfazer as necessida-des básicas para seguir vivendo, nom se nos permite igualmente ser capazes de levar o nível de vida predicado polo capitalismo e muito menos o da nova sociedade que como revolucionárias queremos construir.

A forte dependência económica a que nos condena a precária situaçom do mercado laboral aumentada por esta crise económica do capitalismo, fomenta a farsa da pouca pontenciali-dade das nossas reivindicaçons, trans-formando-nos aos olhos da sociedade num mal menor.

Nom se nos permite independizar-nos e conquistarmos um espaço próprio, nom se fiam de nós para alugar um an-dar e é impensável para umha jovem trabalhadora poder comprá-lo. Nom se nos permite ter um ócio alternativo fora do consumismo de fim de sema-na ideado para triplicar os lucros das empresas que nos escravizam. Nom se nos permite ter umha sexualidade livre e deitar ao lixo a opressom fami-liar, pois o trabalho reprodutivo será umha constante que haverá de satis-fazer enquanto existir vida humana no planeta e os governos burgueses nom assumirám esta cara responsabilidade e menos se estivermos nós para a for-necer. Pensemos que as remuneradas na esfera doméstica, as empregadas do lar, ficticiamente permitem um cer-to grau de libertaçom de umhas pou-

cas. A realidade é que essa “quota de liberdade” se produz, na maioria dos casos e de novo, à custa da opressom de moças e imigrantes mal pagas e sem contrato. Seja como for, cumpre percebermos que a essência do lar patriarcal mais umha vez fica preser-vado ao substituir-se umha mulher por outra.

O neoliberalismo globalizado junto ao patriarcado oxigena-se só aumentando as desigualdades entre sexos, povos e classes. A burguesia precisa como ar fresco de endurecer as condiçons de exploraçom do trabalho e debilitar a classe trabalhadora cortando as liber-dades de jeito autoritário. Desta forma é que se explica que a violência ma-chista toque todas e cada umha das fa-cetas que nos toca viver como jovens, se formos para fora da norma, se nos mantivermos firmes e desobedientes nom se vai duvidar o mais mínimo em usar o terrorismo de jeito exemplar.

Quase é seguro que o motivo polo qual as jovens estamos a ser tratadas como gado no mercado laboral nom é mais do que um ensaio da burgue-sia, reduzindo-nos a instrumento para desmantelar mais ainda as normas de emprego dominante até conseguir umha idêntica precarizaçom para a totalidade da classe trabalhadora. Op-timizar assim os ganhos até a utopia de força de trabalho gratuita ou remu-nerada só para fomentar o consumo e seguir propiciando a acumulaçom e expansom do capital. Mas ainda que fagam todos os cálculos do mundo, o sistema capitalista está destinado a desaparecer. Pode ser provocado por um processo revolucionário que de luz verde a umha sociedade igualitária, justa e sustentável; mutar num modo de produçom ainda mais violento ou pode arrastar o planeta com ele, mas o que é seguro é a sua total inviabili-dade.

Hoje mais que nunca o feminismo de classe tem que predicar a desobediên-cia social, as jovens galegas precisamos de transformar a base socioeconómica capitalista e patriarcal, destrui-la até que nom fiquem nem as cinzas. Nom podemos seguir vivendo num mundo que está pensado por e para os ho-mens. Devemos encher-nos do orgu-lho de ser classe trabalhadora, de ser mulher e de ser galegas sem esquecer nunca que as nossas maiores conquis-tas se produzirom na luita sem trégua na rua.

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“Eu por exemplo, quando cheguei do Brasil, eu imaginava procurar trabalho num locutório, porque custa muito, eu sabia que nom, bom eu estudei e entom encontrar trabalho disso aqui, mas, sem papéis, nom, e entom eu metim-me em muitas casas, em muitas, limpando e assim, e cheguei aqui com as duas maos rotas, por desafiar deus, que nom era para vir. E entom limpei muitas casas e estivem interna, até que fum muito mal tratada numha casa de umha se-nhora, advogada, e ali por mim própria eu mudei, nom vou ficar assim, para ser maltratada nom. Era umha casa com quatro andares, e eu estava interna e dizia que eu tinha livre desde sábado às 12:00, pois nom era verdade, o sábado vinha toda a sua familia para preparar umha barbacoa, ficavam na piscina, e eu saía às seis ou as sete da tarde. Tinha um filho pequeno que era celíaco, ima-gina o que é cuidar dum neno celíaco, maleducadíssimo; o outro, com doze

anos, umha educaçom que, meu deus, ela sempre de má óstia, vinte e quatro horas. Umha fruta que eu nom quero ver na minha vida é o kiwi. Sabes por quê? Quando ia à escola recolher o neno para lhe dar a merenda ela dizia que lhe tirasse as pevides do kiwi para o neno, também tinha que lhe tirar a pele das uvas… Foi a última casa onde trabalhei, porque notei umha espécie de desprezo por ser imigrante, que dixem nom – nom fico mais aqui.“

Este é o extracto de umha entrevista realizada há um par de anos a umha mulher brasileira que actualmente exerce a prostituiçom num clube de alterne da zona da Corunha. O seu projecto migratório passava por vir à Europa e procurar um trabalho acor-de com os seus estudos, mas, por mor da legislaçom espanhola vigorante, nom se lhe concedeu nem a residência nem a permissom de trabalho, polo

qual se viu condenada a se empregar dentro da conhecida como economia submersa, nomeadamente no serviço doméstico e/ou a prostituiçom, que sem dúvida conformam os únicos dous sectores onde as mulheres sem papéis encontram trabalho na Galiza.

A finais dos anos 90 a Galiza comeza também a sentir o fenómeno da imi-graçom que se levava notando com força umha década antes no Estado espanhol, convertendo-se assim num país, nom apenas emissor, como tam-bém receptor de fluxos migratórios. Se acedermos aos dados do Padrom de Habitantes comprovamos que a feminizaçom desses fluxos migratórios está clara, mulheres na sua marioria com cargas familiares que se conver-tem nos principais suportes económi-cos dos seus lares e que se constituem em protagonistas da migraçom e em dinamizadoras do desenvolvimento do

seu país de origem. Trabalhar como empregada do lar é umha das poucas opçons de conseguir a permissom de trabalho que tenhem actualmente as mulheres imigrantes (se olhamos os dados dos contigentes migratórios que o Estado espanhol aprova cada ano). Além disso, a profissom permite tam-bém trabalharem aquelas em situaçom administrativa irregular, posto que as inspecçons de trabalho –já escassas noutros sectores– nom chegam aos la-res particulares. Isto, que a priori pode supor umha vantagem para que as mu-lheres nestas condiçons encontrem um jeito de ganharem a vida, acaba por ser umha armadilha que dificulta que arranjem a sua documentaçom e as condena a umha invisibilidade social onde as mulheres som vitimas de con-diçons laborais escravagistas (jornadas de trabalho longuíssimas, tratamento degradante, falta total de intimidade...) e privadas por completo dos mais ele-

Mulheres imigrantes:

condiçons excravagistas

(sem contrato, sem férias,

sem seguro) as internas

Gema Branco MartinsImagem dum web que oferece

serviço doméstico filipino.

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mentares direitos como trabalhadoras (possibilidade de se sindicar, direito a greve, falta de convénio colectivo...).A modalidade de trabalho para a maio-ria destas mulheres é a de interna, principalmente porque é umha moda-lidade atraente para os empregadores, já que num número importante de casos significa terem umha mulher es-cravizada no quarto das traseiras, que está ao serviço dos senhores 24 horas do dia, convertendo-se em limpadora, cozinheira, recepcionista e cuidadora de crianças e pessoas idosas, carecen-do dos folgas necessárias e com apenas meio dia livre por semana; enquanto as mulheres recém chegadas e com o in-tuito de aforrar a maior quantidade de dinheiro, tenhem deste jeito a vivenda e a comida paga –incluída, claro, como parte do salário em espécie– mas que facilita a habitabilidade da mulher nu-mha sociedade cheia de preconceitos e onde as pessoas migrantes deparam com dificuldades para alugar um an-dar.

As estatísticas do Ministério de Trabalho espanhol reflectem que actualmente na Galiza autonómica há um total de 4.396 mulheres imigrantes a trabalhar no serviço doméstico, mas há que fazer notar que este nú-mero apenas inclui aquelas que o estám a fazer dadas de alta da Segurança Social. A distribuiçom por “pro-víncias”, segue o padrom habitual de maior concentraçom segundo o número de habitantes e os índices de renda mais altos. Se atendermos à procedência das mulheres, aquelas que venhem de países nom europeus representam 92,53% do total por um 7,46% que venhem imigrando de países da Uniom Europeia.

Se desagregarmos um chisco essas procedências, comprovamos como o emprego no serviço doméstico nom é umha tarefa com predomínio de mulheres procedentes dos países mais avançados economicamente, e mesmo é um sector onde se está a produizr umha expulsom das empregadas nacionais em favor das imi-grantes, já que as condiçons laborais e salariais predominantes fam com que as galegas rejeitem este tipo de emprego (actualmente dentro do Regime do Lar da Segurança Social a nível espanhol, 96% das inscritas som mulheres extracomunitárias). Dentro das europeias, as nacionalidades com maior freqüência som Portugal (167), Roménia (101) e Bulgária (21).

As mulheres latinoamericanas som sem dúvida as maioritárias dentro deste tipo de trabalhos, destacando nomeadamente as colombianas (744) junto com as brasileiras e as peruanas (507). Porém estes fluxos estám seguramente relacionados já nom só com as condiçons económicas do país de procedência, se nom com as facilidades para a entrada das diferentes nacionalidades dentro do Estado espanhol, que nom tem condiçons uniformes para todos os paises latino-americanos. A partir do ano 2001 começou-se a exigir-lhes visto de entrada às mulheres colombianas, o que dificulta a sua chegada, polo que seguramente em anos posteriores estes dados vam ver-se invertidos em favor de nacionalidades como a brasileira, a que ainda nom lhe é nes-cessário vir com visto, e que já de facto experimentou um crescimento importante dentro da Galiza.

Estes números ponhem de releváncia como um importante contingente de mulheres imigrantes vem-se afectadas polos preconceitos sexistas que as relegam a empregos relacionados com o lar e o cuidado dou-tros, unidos assim mesmo aos preconceitos e estereótipos instalados na sociedade em relaçom à imigra-çom. Na sua condiçom de mulheres, e mais de mulheres imigrantes, tenhem de suportar condiçons laborais que as colocam em situaçons de maior vulnerabilidade e escasa possibilidade de participaçom social, para além de salários ainda mais baixos que a média, o que pom de manifesto a situaçom de desigualdade e dis-criminaçom que estám a viver.

Os dados

Uniom Europeia

Bulgária

Portugal

Roménia

21

167

101

Fora da Uniom Europeia

Colômbia

Brasil

Perú

Marrocos

Argentina

Dominicana

Uruguai

China

Venezuela

Cuba

Resto países

744

507

507

158

111

486

159

27

140

132

1.095TOTAIS 4.0��2��

Fonte: Elaboraçom própria a partir dos datos do Ministério de Trabalho espanhol, Dezem-bro 2009

Quadro 2. Procedências mais habituais das empregadas do lar

Corunha

Lugo

Ourense

Ponte Vedra

TOTAL

94

54

83

93

32�

1.998

421

378

1.270

4.0��

Da Uniom Europeia

Fora daUniom Europeia

PROCEDÊNCIA

DESTINO

Fonte: Elaboraçom própria a partir dos dados do Ministério de Trabalho espanhol, Dezembro 2009

Quadro 1. Distribuiçom por “províncias” das empregadas do lar

Imigrante limpando um lar

A Lei de

Dependência:

A dependência

das mulheres

Sempre que se despreza

se oprime e sempre que

se oprime se explora...»

(Concepción Arenal.

Pauperismo)

Recentemente cumprírom-

se três anos da aprovaçom

da Lei 39/2006, de 14 de

dezembro, de promoçom

da autonomia pessoal e

atendimento às pessoas em

situaçom de dependência.

O objetivo desta lei era a

criaçom de um Sistema

Estatal de Dependência

mais conhecido como SND,

com carácter universal e

configurado como rede de

utilizaçom pública integrando

entes e/ou serviços públicos

e privados.

De diversos sectores

sociais e políticos vem-se

solicitando umha revissom

da norma ante os déficits

desta quanto ao insuficiente

financiamento, atrasos no

reconhecimento do grau de

dependência, a maioritária

focagem para as pessoas

idosas e as incoerências que

a lei oculta, como é o caso do

princípio de universalidade.

Se bem todo o anterior é

precisso para a análise da lei

e dos direitos das pessoas

dependentes, neste artigo

vamos perguntar-nos porque

é que nem a própria lei nem

os meios de comunicaçom

se questionam o papel das

mulheres como cuidadoras

neste marco normativo

nem se visibilizam as

suas necessidades e

carências no referente ao

exercício dos direitos que

como trabalhadoras lhe

pertencem.

Para podermos abordar

este tema, faremos umha

aproximaçom de certos factos

históricos e conceptuais

como som a construçom do

contrato social, a divisom

sexual do trabalho, o papel

feminizado dos cuidados,

os discursos e as práticas

informais que pretendem

manter inalterável o modelo

de mulher hetero-esposa-

mae-pobre.

Género e o Liberalismo

político

Hoje em dia, graças aos

trabalhos de múltiplas

feministas, podemos

conhecer as bases teóricas

da redefiniçom do patriarcado

moderno. Por um lado estám

os princípios ideológicos do

Iluminismo e por outro as

condiçons socioeconómicas

do momento. Locke, Hobbes,

Spinoza, Rousseau, Kant,

de perspectivas diferentes,

mas similares objectivos,

elaboram as instituiçons

político-jurídicas que

caracterizam as chamadas

democracías ocidentais por

meio do Contrato Social.

No entanto, os alicerces

das nossas sociedades,

fundamentárom-se na

negaçom do direito à

participaçom das mulheres

e à vez, no objecto de

tais contratos. Bons

exemplos disto som dous

processos revolucionários:

A declaraçom de

Independência dos Estados

Unidos no 1776, aparelhada

à primeira formulaçom dos

Direitos do Homem; e a

Revoluçom Francesa do

1789 e a sua Declaraçom

dos Direitos do Homem.

Nestas circunstáncias, o

nascimento do feminismo foi

inevitável, já que a exclusom

a que se vírom submetidas

deixava-as fora do direito à

cidadania e de todo o que isto

implicava. A universalidade,

igualdade e fraternidade

dos direitos tam só eram

exercidos polos varons,

proprietários e nacionais.

Esta superioridade dos

homens, ratificada mais

tarde por outros ideólogos,

conduziu à configuraçom

das mulheres como espelho

das necesidades do homem,

encarnando a submissom, a

passividade, a beleza e a

capacidade nutritiva. Este

construto cultural vinculou

a mulher ao cuidado das

crianças e da família

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34DOSSIER CENTRAL

Mulher e crise

Sempre que se despreza se oprime e sempre que se oprime se explora...» (Concepción Arenal. Pauperismo)

Recentemente cumprírom-se três anos da aprovaçom da Lei 39/2006, de 14 de Dezembro, de promoçom da auto-nomia pessoal e atendimento às pes-soas em situaçom de dependência. O objetivo desta lei era a criaçom de um Sistema Estatal de Dependência mais conhecido como SND, com carácter universal e configurado como rede de utilizaçom pública integrando entes e/ou serviços públicos e privados.De diversos sectores sociais e políticos vem-se solicitando umha revissom da norma ante os défices desta quanto ao insuficiente financiamento, atrasos no reconhecimento do grau de depen-dência, a maioritária focagem para as pessoas idosas e as incoerências que a lei oculta, como é o caso do princípio de universalidade.Se bem todo o anterior é precisso para a análise da lei e dos direitos das pes-soas dependentes, neste artigo vamos perguntar-nos porque é que nem a própria lei nem os meios de comuni-caçom se questionam o papel das mul-heres como cuidadoras neste marco normativo nem se visibilizam as suas necessidades e carências no referen-te ao exercício dos direitos que como trabalhadoras lhe pertencem.Para podermos abordar este tema, fa-remos umha aproximaçom de certos factos históricos e conceptuais como som a construçom do contrato social, a divisom sexual do trabalho, o papel

feminizado dos cuidados, os discursos e as práticas informais que pretendem manter inalterável o modelo de mul-her hetero-esposa-mae-pobre.

Género e o Liberalismo políticoHoje em dia, graças aos trabalhos de múltiplas feministas, podemos conhe-cer as bases teóricas da redefiniçom do patriarcado moderno. Por um lado estám os princípios ideológicos do Iluminismo e por outro as condiçons socioeconómicas do momento. Locke, Hobbes, Spinoza, Rousseau, Kant, de perspectivas diferentes, mas similares objectivos, elaboram as instituiçons político-jurídicas que caracterizam as chamadas democracías ocidentais por meio do Contrato Social. No entanto, os alicerces das nossas sociedades, fundamentárom-se na negaçom do direito à participaçom das mulheres e à vez, no objecto de tais contratos. Bons exemplos disto som dous pro-cessos revolucionários: A declaraçom de Independência dos Estados Unidos no 1776, aparelhada à primeira for-mulaçom dos Direitos do Homem; e a Revoluçom Francesa do 1789 e a sua Declaraçom dos Direitos do Homem. Nestas circunstáncias, o nascimento do feminismo foi inevitável, já que a exclusom a que se vírom submetidas deixava-as fora do direito à cidadania e de todo o que isto implicava. A univer-salidade, igualdade e fraternidade dos direitos tam só eram exercidos polos varons, proprietários e nacionais. Esta superioridade dos homens, ratificada mais tarde por outros ideólogos, con-duziu à configuraçom das mulheres

como espelho das necessidades do homem, encarnando a submissom, a passividade, a beleza e a capacidade nutritiva. Este construto cultural vincu-lou a mulher ao cuidado das crianças e da família mantendo-a afastada das decisons do Estado.

Para a defesa do incipiente sistema capitalista, os espaços públicos e do-méstico vam sendo perfilados como espaços cada vez mais separados -di-ferentemente do modo de produçom anterior, no qual o lar representava tanto o lugar de trabalho como da vida familiar- As mulheres nom vam ser definidas polo campo de produçom e reproduçom extradoméstico (resul-tado do androcentrismo), mas polas suas funçons atribuídas como biológi-cas -maternidade, cuidado- e as deri-vadas destas funçons na organizaçom social. A cultura ocidental “naturaliza” o rol feminino como mae e a “essência masculina” como geradora da razom instrumental da cultura, da ciência. Consagram-se assim os dous ámbitos, privado e público, que determinam a definiçom social dos roles feminino e masculino. Esta divisom dará forma concreta ao trabalho reprodutivo atri-buído às mulheres numha sociedade assalariada: O trabalho doméstico.

Trabalho doméstico e a ética dos cuidadosA produçom teórica feminista dos anos 80 foi muito rica quanto à revisom dos conceitos chave para a compreensom das formas de exploraçom dos homens sobre as mulheres. O debate dado en-

tre o feminismo ocidental e o marxis-mo abriu umha janela a um conceito de trabalho muito mais amplo, frente àquele que o convertia exclusivamente em sinónimo de actividade assalariada ou emprego. A maioria das análises cegas perante a perspectiva de géne-ro tendem a descrever o trabalho das mulheres do ponto de vista da ausência feminina no mercado de trabalho em relaçom à presença masculina. Esta fo-cagem dá a entender que o problema é das mulheres. Um exemplo disto som as políticas de conciliaçom da vida la-boral e familiar. No entanto, a realidade mostra-nos que, mais que umha ausência, as mulheres temos dupla presença na produçom de mais-valia. A violência simbólica do capitalismo, apoiada no patriarcado, ocultou e oculta o trabal-ho primordial para a reproduçom da vida humana: O trabalho doméstico e, com ele, a invisibilizaçom do sujeito colectivo que o tinha atribuído social e culturalmente: as mulheres.Na actualidade, a compreensom do trabalho doméstico vai além das acti-vidades materiais (limpar o lar, fazer as compras, cozinhar, lavar a roupa...) considerando também a componen-te afectiva e relacional existente nos cuidados às pessoas dependentes (crianças, idosos, pessoas com disca-pacidades temporais ou crónicas...).Os cuidados de terceiras pessoas fam parte de todas aquelas actividades que tenhem como objectivo proporcionar bem-estar físico, psíquico e emocional. Isto implica tarefas de grande impor-táncia social, valor económico e no-

A Lei de Dependência:

A dependência das mulheres

Lorena Alonso

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Mulher e crise

táveis implicaçons políticas. Apesar de todo o anterior devemos citar várias questons para a compreensom da in-visibilizaçom dos cuidados:

• Levam-se a cabo no seio das familias, ficando associadas ao ámbito privado.• Difícil categorizaçom como trabalho polo sua componente afectiva e o ele-vado conteúdo moral.• A forte naturalizaçom que sofrem, devido ao facto de serem desempen-hados por mulheres.

A todo o anterior soma-se o modelo de sujeito autónomo, independente, au-tosuficiente e livre de compromissos, próprio da retórica liberal do contrato social. Um ser que nom precisa de ser cuidado, que foge do reino da neces-sidade para atingir a liberdade. Este ser construído por e para os varons brancos é o exemplo do Ser-Homem no mercado capitalista atual. Mas isto nom é umha realidade para o conjunto da populaçom. O sistema é consciente da importáncia de um espaço no que desenvolver as subjectividades das pessoas e, portanto, as suas necessi-dades. Um espaço no qual os cuidado, afectos e as relaçons de reciprocida-de podam ser atendidos. Nesse lugar estám as mulheres, as nom-cidadás e desta maneira oculta-se, e nom de maneira inocente, o conflito existente entre a lógica da acumulaçom e o cui-dado da vida das pessoas.

As mulheres -nom profissionais- na Lei de Dependência.Depois de algumhas consideraçons prévias em torno ao papel tradicional que o poder masculino nos tem atri-buído, vamos entrar no contexto em que surge a comunmente conhecida como Lei de Dependência.Após anos de luitas feministas e de fa-zer soar reiteradamente a palavra de ordem do pessoal é político, o talante do governo paritário espanhol preten-deu seduzir-nos por meio dos grandes benefícios que isto suporia para as mulheres. Isto nom deixa de ser opor-tunismo lilás já que as causas reais do andamento da lei respondem à maior esperança de vida da populaçom e à impossibilidade de absorver as neces-sidades desta polo sistema político e

económico actual.O que por um lado pretendia erguer-se como o quarto pilar do estado de bem-estar, igualando o novo sistema ao de saúde, educaçom ou pensons, carece do princípio básico de univer-salidade, já que depende do grau de dependência, rendimentos e ambien-te familiar (excluíndo as crianças ou a todas aquelas pessoas que nom ten-ham umha dependência permanente) para poder optar a umha ou outra prestaçom reconhecida no catálogo, dando cabimento também às empre-sas privadas mediante o sistema de co-pagamento. Estas prestaçons som divididas da seguinte maneira:

• Serviços de prevençom e pro-moçom (Teleassistência, Ajuda a domicílio, Atendimento e cuidados pessoais, centros de dia e de noite e residências)• Prestaçons económicas para os cui-dados no ámbito familiar e apoio a cuidadores nom profissionais (só de forma extraordinária).

A continuaçom oferecemos os últimos dados publicados no site oficial da Jun-ta (mês de Novembro) em torno das solicitudes e resoluçons que ditami-nam o direito a algumha prestaçom.

• Solicitudes 87.705 • Resoluçons de PIA 23.431 (avaliadas e com prestaçons reconhecidas).

Como podemos observar, depois de três anos da implantaçom da norma, tam só um aproximado 30,7 % é be-neficiário de algumhas das prestaçons. Umha obscenidade ignorar desta ma-neira as necessidades mais básicas da nossa populaçom.

No que di respeito aos cuidados, a lei reconhece três tipos em funçom de quem os realizar:

• Cuidados profissionais: Realizados por umha instituiçom pública ou enti-dade privada com ou sem fim lucrativo ou profissional autónomo.

• Assistência pessoal: Realiza ou cola-bora em tarefa da vida quotidiana para fomentar a sua independência.

• Cuidados nom profissionais: O atendimento a pessoas em situaçom de dependência no seu domicílio por pessoas da familia ou do ambiente fa-miliar, nom vinculadas a um serviço de atendimento professionalizado.

Devemos esclarecer, antes de con-

tinuar, qual será o nosso sujeito de análise: A figura do cuidador nom profissional. Nestes termos sexistas reconhece a lei o papel das mulheres familiares (nom sempre), que trabal-ham diariamente em mais de 88.000 lares galegos (IGE 2007) das quais na actualidade só se reconhecem 6.000 dadas de alta no convénio especial de cuidadores nom profissionais. As outras trabalhadoras no ámbito da dependência estám reguladas polo Regime Geral da Segurança Social ou de autónomos e, apesar da sua preca-riedade, nada tenhem que ver com a das mulheres nom profissionais, como veremos a continuaçom.

Apesar de que a lei pretende recon-hecer e legalizar umha realidade exis-tente com a figura da cuidadora nom profissional, evidenciaremos que isto nom significa dar-lhe a condiçom de trabalho, por quatro motivos básicos:

• A prestaçom económica é um di-reito da pessoa com dependência e, portanto, nom tem a condiçom de salário.

• O Acordo Especial que regula a figu-ra de cuidadora implica a condiçom de assimilada à alta. Esta situaçom é con-trária e alternativa à alta como trabal-hadora na Segurança Social, carecendo de prestaçom por desemprego, inca-pacidade temporária, entre outras.

• Nom é compatível com umha acti-vidade assalariada a tempo completo, desemprego ou perceptora de deter-minadas prestaçons.

• Nom exige qualificaçom profissional, o que contrasta com a que tenhem os e as profissionais do Atendimento Do-miciliar.

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JACOBEU NOM

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Entom, se se trata de umha ajuda que percebe a pessoa dependente, nom deveriam quotizar à Segurança Social; e se se trata de um salário, porque nom é regulado com todas as conseqüências? Estas mulheres quo-tizarám à Segurança Social, figurando como empregadas, diminuindo assim a taxa de desemprego feminino, ain-da que na realidade continuem a fa-zer as mesmas tarefas e nas mesmas condiçons de precariedade que até o nascimento do Sistema Estatal de De-pendência.Segundo os conceitos que recolhe a lei, o direito à prestaçom económica só deve ser concedida em casos de excepcionalidade, diante da imposi-

bilidade de optar por qualquer dos serviços ofertados no catálogo e, no entanto, aproximadamente 70% dos Planos Individuais de Atendimento (os que avaliam o grau de dependência) reconhecem a prestaçom para os cui-dados nom profissionais.Outra forma de excepcionalidade de que fala a norma é a resultante do atendimento dado por umha pessoa

nom familiar ou do ámbito familiar. Como dixemos anteriormente, nom manejamos dados exactos, mas segun-do as estatísticas do IMSERSO, 40% som mulheres imigradas, elevando-se a percentagem até 81.3% no caso das internas, o que implica umha status de servilismo total.

Do ponto de vista feminista crítico e radical com a violência estrutural do patriarcado, é inadmissível que, por um lado, na declaraçom de princípios do projecto de lei espanhol se recon-heça injusta a repartiçom desigual en-tre mulheres e homens no trabalho dos cuidados e, por outro, se legisle potencializando a continuidade desta situaçom em detrimento dos direitos das mulheres e dos serviços sociais públicos.

ConclusomA partir dos anos 70, as mulheres fôrom-se incorporando a terrenos de

maior autonomia e liberdade negados até o momento, mas isto nom supujo transformaçons reais no ámbito dos cuidados. A estrutura do mercado la-boral masculino está desenhado por e para pessoas que nom tenhem a obrigaçom de tratar de ninguém. Isto provoca um profundo mal-estar físi-co e emocional nas mulheres, o que pretende ser solventado por políticas

e leis de conciliaçom. Estas práticas políticas tenhem mais de propagan-dístico que de real. Como pudemos observar, a cobertura é insuficiente e a tendência é congelar, diminuir e pri-vatizar as prestaçons. Por outro lado, convém recordar o mal-estar feminino (mas sobretodo masculino) perante a realizaçom das tarefas doméstico-fa-miliares, sendo a principal razom o re-ferente simbólico destas tarefas, mui-to ligado ao mundo das servas. Apesar de que as luitas feministas facilitárom a emergência do trabalho doméstico e mostrárom que se trata de um trabal-ho socialmente necessário, o imaginá-rio servil que o acompanha converte-o num trabalho que ninguém quer fazer.

A Lei de Autonomia e Atendimento à Dependência foi muito decepcionante quanto à expectativa social gerada, já que as soluçons que trouxo em torno do cuidado nom garante o direito de todas as pessoas a receber as atençons que precisarem em condiçons dignas

e potencializa a continuidade da atri-buiçom do trabalho dos cuidados às mulheres. O facto de reconhecer o trabalho de cuidados que realizam as mulheres tem um valor simbólico, mas nengumha capacidade transformado-ra. As tarefas dos cuidados é umha responsabilidade de toda a sociedade, más é preciso a construçom de um modelo alternativo que permita, de

maneira real, tirar do ámbito familiar a obrigaçom das mulheres de cuidar as pessoas com algum tipo de depen-dência e a aposta da sociedade galega numha soberania feminista e socialista para pôr em marcha iniciativas pú-blicas estabelecedoras dos recursos sociais precisos em funçom de estas necessidades, em lugar do lucro e o rendimento do capitalismo.

Para findar, recordemos que se por algo se caracteriza o poder masculino e polo seu pensamento puramente económico, contável e soberbamente objectivo. Podemos também conti-nuar a teorizar, dando dados sobre o número de mulheres que diariamente se dedicam em exclusiva ao cuidado, protecçom e apoio de pessoas igno-radas e inservíveis para a máquina de produçom do capital. Mas se nom pa-rarmos a reflectir qual é o nosso papel perante esta exploraçom no ámbito privado, nom poderemos entender, e portanto transformar, o que signifi-

ca renunciarmos às próprias metas e desejos para viver, simplesmente, por e para os outros, sem podermos ser sujeitos de direitos cumprindo o papel tradicionalmente atribuído: Sermos objecto dos benefícios dos outros.

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JACOBEU NOM

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As rendas das exploraçons agrárias venhem sofrendo umha forte de-terioraçom nos últimos anos como consequência das sucessivas reformas da política agrária europeia. No ano 92, inicia-se o debate que culminaria na primeira reforma da PAC em que se aprovárom medidas de reduçom dos mecanismos de protecçom e dos preços. Estabelecem-se, também pola primeira vez, ajudas directas, no vacu-no de carne e no ovino e caprino, por

exemplo, aparecem as primas para “compensar” a reduçom dos preços. Estas ajudas nunca chegárom para compensar totalmente a queda dos preços.No ano 94, como conclusom da Ronda de Uruguai, aprova-se a obrigatorieda-de de que a Uniom Europeia importe 5% do seu consumo interno de pro-dutos agrícolas de países terceiros.O caminho de liberalizaçom marcado nesta primeira reforma iria aumen-

tando nas sucessivas reformas en-caminhadas até o presente, e foi-se traduzindo numa reduçom dos preços dos produtos das exploraçons. Nos dias de hoje, em muitos casos, mes-mo estám abaixo dos custos de pro-duçom. Assim, a situaçom das ex-ploraçons labregas foi-se precarizando e muitas delas vam desaparecendo. As que sobrevivem, seja qual for o sector de produçom, estám sumidas numha profunda crise que, além de afectar seriamente no presente, ameaça o fu-turo do nosso meio rural.

O papel das labregasSe o papel das mulheres na hora de determinar a alimentaçom da família é fundamental, o papel das labregas na produçom de alimentos também é. A nível mundial, 50% dos alimentos som produzidos pelas mulheres. Aqui no nosso país, a alimentaçom das famí-lias labregas está também na mao das mulheres. Na Galiza, temos um número im-portante de pequenas exploraçons labregas em maos das mulheres. Nas redondezas das cidades e das vilas, produzem, sobretodo para o auto-consumo, gerando a maior parte dos alimentos para a sua família. Há outras exploraçons que, além de produzirem para o autoconsumo, vendem algum excedente, o que permite ter uma certa independência económica e ain-da estám as labregas que desenvolvem a sua actividade em exploraçons agrá-rias nos diferentes sectores produti-vos, orientadas para a venda à indús-tria, a venda a outros intermediários

ou a venda directa. Seja qual for o tipo de exploraçom em que desenvolvem o seu trabalho, todas elas dedicam tempo a produzir para a alimentaçom da família e, mui-tas vezes, partilham os alimentos que produzem com pessoas (filhas, filhos ou otras) que vivem nas cidades ou nas vilas. Podemos entom deduzir que o contri-buto destas mulheres para a economia familiar é muito grande. Porém, como nom existe relaçom mercantil, o seu trabalho é infravalorizado, tanto a ní-vel social como a nível das próprias administraçons. Neste quadro, uma pergunta que todo mundo deveríamos fazer-nos, e sobre-todo nestes tempos de crise, é qual seria o nível de fame e desnutriçom no nosso país se estas mulheres nom estivessem produzindo a alimentaçom familiar. Sem nengumha dúvida, isto é algo que deveríamos valorizar e apoiar decididamente.

A invisibilizaçom das labregas A pesar disto, e de trabalharem de sol a sol, muitas destas labregas nem sequer som consideradas como tais. Uma das condiçons para uma pessoa labrega ser considerada legalmente labrega é contribuir para a Segurança Social Agrária. No nosso país, há um grande número de mulheres entre os dezaoito e os cinqüenta anos que nom som coti-zantes. Houvo um momento em que, na maioria dos casos, era por razons económicas. As exploraçons nom po-diam enfrentar o custo da segurança

Situaçomdas labregas

Lidia Senra

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social de duas pessoas. Entom, era o homem, como cabeça de família o que normalmente pagava. As mulheres co-meçavam a contribuir aos 50 anos e há bastantes casos que nem isso. Agora, deparamos com bastantees casos de labregas maiores de 65 anos que nom tenhem direito a perceber a pensom de reforma porque no seu dia nom pagárom. Também, até 2004, que se reformou o Decreto que regulava a segurança so-cial agrária (um decreto que vinha do franquismo) houvo casos de mulheres que vírom como a administraçom re-jeitava a sua contribuiçom por serem casadas com homens que ganhavam mais do que elas, ou com trabalhado-res independentes. Foi graças a uma longa luita das mulhe-res organizadas na Secretaria das Mul-heres do Sindicato Labrego Galego e do próprio Sindicato que se conseguiu eliminar esta clara situaçom de injus-tiça e desigualdade. Mas, até agora, nom fomos capazes de conseguir eli-minar os entraves económicos. A proposta do Sindicato Labrego Ga-lego para isto é bem clara e bem sin-gela: qualquer pessoa que se dedique à

produçom agrária tem que poder con-tribuir, independentemente, de qual for o tamanho da sua exploraçom. Para o qual a quota mensal tem que calcular-se em funçom da renda real das exploraçons.Como fruto também da denúncia e da luita constante das mulheres labregas, conseguiu-se que o governo do Esta-do e também o galego, aprovassem na legislatura passada uma ajuda para apoiar a cotizaçom das labregas me-nores de quarenta anos. Da Secretaria das Mulheres do Sindicato Labrego Galego, considerou-se importante mas, para a Galiza, totalmente insufi-ciente, pois aqui havia e ainda continua a haver muitas mulheres entre quaren-ta e cinqüenta anos com dificuldades económicas para poderem enfrentar o pagamento das quotas.

Situaçom depois da integraçom do Regime Especial Agrário no Sistema Agrário dentro do Regime de Trabal-hadores independentes

Há um par de anos, o Regime Especial Agrário da Segurança Social desapare-ceu e as labregas e os labregos ficamos incluídos num sistema agrário dentro do Regime de Trabalhadores indepen-dentes. As dificuldades económicas com este sistema aumentárom devido a que houvo um aumento importante da co-tizaçom. No ano 2004, a quota mensal com direito a baixa à segurança social

era de 143,81 euros, no ano 2009 foi de 211,68 euros. Assim, o encareci-mento da cotizaçom à segurança so-cial contrasta com a reduçom ou, na melhor das hipóteses, estagnamento dos preços dos produtos agrícolas.Além do mais, este novo sistema intro-duziu volumes de rendimentos (míni-mos e máximos) nas exploraçons para poderem estar dentro deste sistema. E, ainda que nom fixem as quantias mí-

nimas, muitas mulheres que trabalham nas pequenas exploraçons e que nom realizam vendas, estám a ser conti-nuamente requeridas e ameaçadas com ser espulsas da segurança social por nom terem dimensom suficiente.

Que perspectivas no curto prazo?A estas alturas, muito tememos que haja um forte retrocesso e se perdam parte das conquistas atingidas. Medi-

das que se estám apontando como in-crementar os anos de cotizaçom para as pensons teria um impacto de gé-nero demolidor no caso das labregas galegas. A situaçom de crise pola qual atravessamos, se nom houver medi-das de acçom positiva por parte dos governos, vai levar a uma situaçom de maior precarizaçom e, portanto, de mas invisibilizaçom das labregas. Po-deria suceder que mulheres que levam

toda a vida a contribuir, agora com sessenta ou mais anos, sejam expulsas do sistema, e outras que por dificul-dades económicas deixem de cotar e, portanto, fiquem privadas de todos os direitos e benefícios que implica se-rem legalmente labregas (licença por maternidade, baixa por doença, ajudas para filhas e filhos menores de três anos, pensons por incapacidade, pen-sons por reforma,...)

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1) Nome/ Profissom/Idade Laura Bugalho, Sindicalista da CIG, 45 anos

2) Poderias dizer aproximadamente que per-centagem de mulheres trabalha no teu sector laboral? Aproximadamente 50%

3) Achas que existe algum tipo de discrimina-çom ou distinçom entre homens e mulheres no teu trabalho, seja bem por parte de com-panheiros, encarregados, chefes, etc.? Nom, ainda que nos órgaos de decisom a percenta-gem diminui, exemplo é que na Executiva Confede-ral as mulheres estamos representadas em 25%.

4) Segundo as tuas condiçons laborais consi-deras que o trabalho que realizas está mal, suficiente ou bem pago? Porquê? Hoje em dia, dado que estou na Executiva, acho que bem pago.

5) Em épocas de crise, como a actual, pensas que no teu sector as mulheres sodes as pri-meiras a sofrer as conseqüências? Sim, mais compartilhamos esse primeiro lugar com

a populaçom imigrante, e outros sectores como as pessoas LGBTQ. A feminizaçom da pobreza e a existência de sectores laborais de ampla presença das mulheres (serviço doméstico, comércio vário, têxtil,…) vemos como os Convénios Laborais -quando existem-ficam, uma vez mais, em água de castanhas. Chegaria com descrever a situaçom de alguma ope-rária do serviço doméstico, e pior seria a situaçom se fosse mulher imigrante, e pior ainda se vinhesse trabalhar através de umha ONG ou ETT, a explora-çom é muito grande. É algo a denunciar sempre.

�) Sentiste no teu trabalho ou no teu activis-mo sindical algum tipo de discriminaçom, pro-blemas, em base à tua condiçom generica? Em geral, nom. Mas sim que as pessoas companhei-ras e eu tivemos que medrar na convivência laboral, ser uma das primeiras pessoas trans que saem à luz pública nom foi fácil, mais aqui estamos. Quanto ao activismo sindical, acho que é conhecido o que me aconteceu -a minha detençom policial- e o proces-so ainda nom finalizado.

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1) Nome/ Profissom/Idade Helena B. Sabel. Estudante de 4º de Filologia Romá-nica. 21 anos

2) Poderias dizer aproximadamente que per-centagem de mulheres estudam no teu centro? Faculdades como a minha, Filologia, ou outras asso-ciadas a actividades atribuídas sempre às mulheres, como Educaçom Infantil, podem chegar a ter umha presença feminina de 68%. A Universidade sem-pre estivo dominada polo machismo e o sexismo: as mulheres fôrom excluídas da educaçom superior durante séculos e, umha vez que se lhes “permitiu” o acesso à Universidade, eram animadas a realizar estudos relacionados com o campo das letras, consi-derados mais ajeitados à sua “capacidade intelectual inferior”. Os dados demonstram que estes estere-ótipos seguem afectando na eleiçom das carreiras, pois as altas percentagens de mulheres em determi-nadas ramas tradicionalmente femininas contrastam fortemente com a percentagem de matriculadas em carreiras técnicas e experimentais, onde as mulheres nom ocupam 50% das vagas.

3) Achas que existe algum tipo de discrimina-çom ou distinçom entre homens e mulheres no teu centro de estudo, seja bem por parte de companheiros, professorado, pessoal laboral, cargos representativos, etc.? Anos atrás de ano a USC gaba-se de ser umha das universidades do Estado espanhol com “mais mulhe-res”. Com certeza somos maioria entre o estudanta-do, mas conforme imos subindo níveis este número

vai-se reduzindo drasticamente: a presença de mu-lheres nas estruturas associativas dos estudantes, mas sobretodo, nos órgaos de gestom da Universidade é praticamente nula: conseqüência dumha mentalidade anacrónica, que segue a remeter o género feminino para um papel secundário ou meramente decorati-vo. Os dados chegam a ser realmente patéticos: por exemplo, só 12% das cátedras som ocupadas por mulheres. No dia a dia esta discriminaçom também é facilmente detectável. Num centro tam fortemente feminizado no que a número de estudantes se refe-re o tratamento favoritista que recebem os rapazes é especialmente chamativo. Há certo professorado que deve pensar que como estám em minoria, som umha espécie protegida que tenhem que “mimar”, como se a presença masculina carrejasse mais pres-tígio.

4) Em épocas de crise como a actual, pensas que as estudantes som afectadas de diferente maneira que os estudantes? Em primeiro termo, acho que som afectadas da mes-ma forma que o conjunto da juventude, pois a sua fracçom trabalhadora é igualmente discriminada no mundo laboral. Mas a isto devemos acrescentar que como mulheres somos duplamente discriminadas. No próprio campo estudantil, semelha que nom está a mudar nada por efeito da crise. Porém, a situaçom de insegurança social, de histéria ante o futuro, em definitiva, todo aquilo que nos leva a aceitar certas cousas que noutro momento nom aceitaríamos, tam-bém afecta ao mundo estudantil. Justamente aqui, é onde as mulheres se vam ver afectadas de forma distinta que os homens, pois ao saber que temos o futuro mais “preto”, também estaremos mais pré-dispostas a aceitar umha menor quantia nas bolsas, umha maior exigência académica, um ensino de pior qualidade.

5) Quê medidas considerarias mais urgentes e necessárias para combater o sistema patriarcal de ensino que padecemos? Todas sabemos o papel que joga a escolarizaçom como ferramenta de reproduçom ideológica da classe dominante, por isso umha transformaçom profunda do sistema educativo a todos os níveis é imprescin-dível. Ainda assim, há certas medidas concretas que seriam muito positivas neste quadro de reproduçom ideológica. Por exemplo, de AGIR vimos apostando em três medidas básicas: conscientizaçom do profes-sorado para que empregue metodologias de ensino nom discriminatórias e supere o curriculo oculto.Aboliçom de material didáctico que apresente con-teúdos sexistas. Remodelaçom do curriculo escolar com medidas como a instauraçom de novas matérias, como Educaçom Sexual ou umha matéria na qual a juventude analise as condutas machistas, e revisom dos conteúdos das já existentes, como História e Li-teratura, para que se devolte à mulher o seu papel histórico. Só com um ensino coeducativo, nom sub-metido à imposiçom dos roles de género, gozaremos de umha verdadeira igualdade.

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1) Nome/ Profissom/Idade Ana Belém Vicente Amuedo. Operá-ria fabril. 34 anos

2) Poderias dizer aproximadamen-te que percentagem de mulheres trabalha no teu sector laboral? Eu trabalho no sector do alimenta-çom, numha empresa de congelados. A percentagem de mulheres é muito elevado, entre um 80 e 90%.

3) Achas que existe algum tipo de discriminaçom ou distinçom entre homens e mulheres no teu traba-lho, seja bem por parte de com-panheiros, encarregados, chefes, etc.? As cousas com o passar do tempo parece que mudam, mas só formal-mente, pois nom mudam o suficien-te e necessário. Agora há mulheres encarregadas, condutoras de empi-

lhador, chefas de linhas; mas nom há umha mulher gerente ou chefa de produçom. Esses cargos continuam destinados aos homens. De facto to-dos aqueles homens que tenhem a sorte de trabalhar entre mulheres, na linha de produçom som tratados

como “reis”, comportamento deriva-do de umha educaçom patriarcal que provoca o respeito ao homem, polo facto de ser um homem.

4) Segundo as tuas condiçons la-borais, consideras que o trabalho que realizas está mal, suficiente ou bem pago? Porquê? Esta muito mal pago, e o mais triste e que leva mais de 30 anos esta si-tuaçom, que nom vai mudar, pois ao sistema nom lhe interessa a emancipa-çom das mulheres nem de um ponto de vista economico, que determina o resto. O meu trabalho é um sector to-talmente feminizado e portanto com umhas conseqüências de salário e con-diçons precárias. Se fossem homens, a percentagem maioritária neste sector, como já se passou em outros muitos, seria revalorizada com segurança.

5) Em épocas de crise, como a actual, pensas que no teu sector as mulheres sodes as primeiras a sofrer as conseqüências? Poderias descrever algumhas? Totalmente, as mulheres somos as primeiras na listagem dos despedi-mentos. Na empresa onde trabalho actualmente há muita carga de traba-lho, mas o quadro de pessoal nom au-menta, somos nós que com veladas e sábados levamos adiante a produçom. Umha produçom maior e que sai mais rápido, mas um trabalho a mais que nom se vê reflectido nos nossos salá-rios.

�) Trabalhadora, mae e militante feminista, como fás para “poder” com todo?Com enormes dificuldades e sacrifí-cios.

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Mulher e crise

1) Nome/ Profissom/Idade Isaura Barciela Varela, professora interina de Língua e Lite-ratura, 47 anos 2) Poderias dizer aproximadamente que percentagem de mulheres trabalha na teu sector laboral? 66% de mulheres aproximadamente, face a 34% de ho-mens, segundo dados de 2006. 3) Achas que existe algum tipo de discriminaçom ou distinçom entre homens e mulheres no teu trabalho, seja bem por parte de companheiros, encarregados, chefes, etc.? Sim. Existe umha evidente discriminaçom em muitos aspec-tos; nom se escuita por igual umha professora que um pro-fessor. Tanto nos claustros como nas aulas, a autoridade está quase sempre representada polo masculino, a nossa imagem está mas vinculada com o maternal, com os cuidados, com os afectos. Ainda que sejamos maioria, nós nom somos tam visíveis: nas aulas, fora das aulas, nos departamentos, equi-pas de orientaçom, reunions tutoriais, etc temos que fazer um duplo esforço para que o nosso trabalho seja reconhe-cido, assim como para fazer valer a nossa autoridade. De umha parte, as equipas directivas continuam a estar consti-tuídas maioritariamente por homens, sobretodo no caso do cargo de director/a.

4) Segundo as tuas condiçons laborais, consideras que o trabalho que realizas está mal, suficiente ou bem pago? Porquê? Está suficientemente pago, sobretodo se me comparar com mulheres que trabalham em precário, caixeiras de super-mercado, empregadas do lar, etc.

5) Em épocas de crise, como a actual, pensas que no teu sector as mulheres sodes as primeiras a sofrer as conseqüências? Poderias descrever algumhas destas? A reduçom em recursos humanos no sector público está a ser dramática, havendo importantíssimos cortes de pessoal que levam à destruiçom interesseira dos serviços públicos em benefício do sector privado; se tivermos em conta que o mundo laboral da empresa privada é muito mais patriarcal que o da pública, está claro que a resposta é sim, sem dúvi-

da. As conseqüências som precariedade, desemprego, volta ao rol tradicional feminino, ao espaço privado, à casa. �) Que medidas considerarias mais urgentes e neces-sárias para combater o sistema patriarcal de ensino que padecemos?Uf, que pergunta! De entrada haveria que derrubar os mu-ros das escolas, e nom só metaforicamente falando: nom há nada que se pareça mais com uma cadeia do que umha escola. Som centros de doutrinamento e correia de trasmis-

som do sistema patriarcal. Além disto, a coeducaçom teria que ser o ponto de partida para qualquer projecto educa-tivo: novos currículos escolares que visibilizem as mulheres historicamente invisibilizadas, nos quais os seus saberes transmitidos ao longo das geraçons estejam presentes e se-jam valorizados; a desapariçom do princípio de autoridade como se entende hoje em dia e no seu lugar unha educaçom baseada no afectivo e no emocional. Precisamos de umha escola feminista, esse é o único caminho.

1) Nome, profissom, idadeAna Mari Granha Cartelhe. Lim-peza, 38 anos

2) Poderias dizer aproxima-damente que porcentagem de mulheres trabalha na tua empresa/sector? Cinqüenta por cento.

3) Achas que existe algum tipo de discriminaçom ou distinçom entre homens e mulheres no teu trabalho, seja bem por parte de com-panheiros, encarregados, chefes, etc.? Nom

4) Segundo as tuas con-diçons laborais consideras que o trabalho que realizas está mal, suficiente ou bem pago? Porqué? Suficiente bem pago porque fora de Navantia nom ganhas o mesmo.

5) Em épocas de crise, como a actual, pensas que no teu sector as mulheres sodes as primeiras a sofrer as con-seqüências? Poderias descre-ver algumhas destas? Nom, por agora, mas fora de Navantia sim está mal pago e há discriminaçom.

entrevistas_entrevistas_entrevistas_entrevistas

1) Nome/ Profissom/Idade Noélia Cachaça “carpinteira de gálibos” (traçado e alinhaçom na constru-çom naval), 27 anos

2) Poderias dizer aproximadamente que percentagem de mulhe-res trabalha na teu sector laboral? Creio que devemos de ser 20 ou 30% mais ou menos na minha empresa, mas em mao de obra reduz-se muito, nom deve chegar nem aos 10%. No sector da construçom naval há muita divisom por profissons, mas sobretodo há muitíssimos mais homens que mulheres. No caso de Na-vantia, cuido que isto nom é por causa de umha discriminaçom na con-trataçom, mas no facto de que há menos mulheres que tentassem entrar, e isto está relacionado com a proporçom que guarda o sector: há mui poucas mulheres que desenvolvam estas profissons noutras empresas.

3) Achas que existe algum tipo de discriminaçom ou distinçom en-tre homens e mulheres no teu trabalho, seja bem por parte de companheiros, encarregados, chefes, etc.?

Há discriminaçom nalguns grémios ou profissons (falo dentro da mesma em-presa), a depender principalmente dos comandos que toquem. Claro que nom há um sistema para as evitar, e solucionam-se sobre a marcha só quando chegam a ser um problema grave a nível individual ou provocam grande mal-estar. Entre companheiros fica algo do pensar de que os barcos som cousa de homens, e de que umha rapariga que trabalhe ali já está a buscar que se metam com ela, ou que em determinados trabalhos nom fica sério que haja mulheres, mas por sorte (que nom por mérito da empresa) som os menos.

4) Segundo as tuas condiçons laborais, consideras que o trabalho que realizas está mal, suficiente ou bem pago? Porquê? O pagamento do meu trabalho está regulado por unhas tabelas unifor-mes, em que nom cabe muito a discriminaçom, como non seja em re-laçom com fazer ou nom horas extraordinárias ou mudar de posto. No primeiro nom penso que haja diferenças, e no segundo... creio que as mulheres temos mais facilidade para aceder a postos organizativos, mas dificulta-se-nos arranjar os que suponhem comando directo sobre equi-pas de trabalho, mas non tenho dados muito fiáveis para o cerciorar.

5) Em épocas de crise, como a actual, pensas que no teu sector as mulheres sodes as primeiras a sofrer as conseqüências? Poderias descrever algumhas destas? Acho que sim, e vemo-nos agredidas por toda a parte. Somos as primeiras a renunciar ao trabalho remunerado pola familia, já que se entende que nom vamos encontrar algum que dê para man-ter a família toda. Se antes nos reservavam os trabalhos de condi-çons mais baixas, agora fomenta-se a competência entre trabalha-doras/es, e as condiçons que em geral se aturam som ainda piores. 6- Chama a atençom como em determinadas profissons nom há muita diferença entre a quantidade de homens e mulhe-res, entanto outras som quase exclusivamente masculinas.

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Mulher e crise

entrevistas_entrevistas_entrevistas_entrevistas

1) Nome/ Profissom/Idade Noélia Cachaça “carpinteira de gálibos” (traçado e alinhaçom na constru-çom naval), 27 anos

2) Poderias dizer aproximadamente que percentagem de mulhe-res trabalha na teu sector laboral? Creio que devemos de ser 20 ou 30% mais ou menos na minha empresa, mas em mao de obra reduz-se muito, nom deve chegar nem aos 10%. No sector da construçom naval há muita divisom por profissons, mas sobretodo há muitíssimos mais homens que mulheres. No caso de Na-vantia, cuido que isto nom é por causa de umha discriminaçom na con-trataçom, mas no facto de que há menos mulheres que tentassem entrar, e isto está relacionado com a proporçom que guarda o sector: há mui poucas mulheres que desenvolvam estas profissons noutras empresas.

3) Achas que existe algum tipo de discriminaçom ou distinçom en-tre homens e mulheres no teu trabalho, seja bem por parte de companheiros, encarregados, chefes, etc.?

Há discriminaçom nalguns grémios ou profissons (falo dentro da mesma em-presa), a depender principalmente dos comandos que toquem. Claro que nom há um sistema para as evitar, e solucionam-se sobre a marcha só quando chegam a ser um problema grave a nível individual ou provocam grande mal-estar. Entre companheiros fica algo do pensar de que os barcos som cousa de homens, e de que umha rapariga que trabalhe ali já está a buscar que se metam com ela, ou que em determinados trabalhos nom fica sério que haja mulheres, mas por sorte (que nom por mérito da empresa) som os menos.

4) Segundo as tuas condiçons laborais, consideras que o trabalho que realizas está mal, suficiente ou bem pago? Porquê? O pagamento do meu trabalho está regulado por unhas tabelas unifor-mes, em que nom cabe muito a discriminaçom, como non seja em re-laçom com fazer ou nom horas extraordinárias ou mudar de posto. No primeiro nom penso que haja diferenças, e no segundo... creio que as mulheres temos mais facilidade para aceder a postos organizativos, mas dificulta-se-nos arranjar os que suponhem comando directo sobre equi-pas de trabalho, mas non tenho dados muito fiáveis para o cerciorar.

5) Em épocas de crise, como a actual, pensas que no teu sector as mulheres sodes as primeiras a sofrer as conseqüências? Poderias descrever algumhas destas? Acho que sim, e vemo-nos agredidas por toda a parte. Somos as primeiras a renunciar ao trabalho remunerado pola familia, já que se entende que nom vamos encontrar algum que dê para man-ter a família toda. Se antes nos reservavam os trabalhos de condi-çons mais baixas, agora fomenta-se a competência entre trabalha-doras/es, e as condiçons que em geral se aturam som ainda piores. 6- Chama a atençom como em determinadas profissons nom há muita diferença entre a quantidade de homens e mulhe-res, entanto outras som quase exclusivamente masculinas.

1) Nome/ Profissom/IdadeComba Campoy Garcia, jornalista, 30 anos

2) Poderias dizer aproximadamente que per-centagem de mulheres trabalha no teu sector?Segundo dados de um estudo recente elaborado polo Colégio Oficial de Jornalistas da Galiza, a per-centagem de mulheres trabalhando como jornalistas anda polos 45%, se bem as percentagens variam segundo o tipo de meio. Assim, os homens seguem a ser maioria na imprensa escrita, enquanto em ga-binetes de comunicaçom som mais as mulheres. Há de ter-se em conta que o trabalho em um gabinete de comunicaçom nom é estritamente jornalistico, e sim poderia enquadrar-se no ámbito das chamadas “relaçons públicas” ou a publicidade. Som postos que exigem menor criatividade, mas que polas suas condiçons facilitam muito mais a conciliaçom da vida laboral e familiar que nos meios de comunicaçom convencionais.

3) Achas que existe algum tipo de discrimina-çom ou distinçom entre homens e mulheres no teu trabalho, seja bem por parte de companhei-ros, encarregados, chefes, etc.?Concretamente no meu trabalho nom percebo mais discriminaçom que a que supom que os cargos di-rectivos e, portanto, as decisons últimas quanto a conteúdos ou gestom empresarial, estám em maos de homens. Noutras empresas jornalísticas, consta-me que existe umha discriminaçom, que as mulhe-res percebem remuneraçons inferiores por iguais trabalhos, e que em geral, as jornalistas tenhem que aturar certa cultura que pressupom que o jornalis-ta deve ser um “macho”: um tipo disposto a todo pelo sucesso profissional, que nom tem problema em trabalhar quinze horas por dia nem escrúpulos em desempenhar um estilo comunicativo agressivo. Às

mulheres, acho, custa-nos mais entrar nesse padrom e adoitamos assumir o rol de “repórter cachonda e simpática” que alguns programas televisivos tanto ajudam a propagar.

4) Segundo as tuas condiçons laborais conside-ras que o trabalho que realizas está mal, sufi-ciente ou bem pago? Porquê?Acho que está insuficientemente pago para o que se considera na actualidade que é um salário suficiente para um trabalhador qualificado. Porém, assumo que trabalho para uma empresa cultural independente que aposta em conteúdos críticos e em galego, polo qual nunca será uma empresa rendível. Nesse senso, vejo compensado o salário polo facto de poder tra-balhar a gosto e sem renunciar às minhas ideias.

5) Em épocas de crise, como a actual, pensas que no teu sector as mulheres sodes as primei-ras a sofrer as conseqüências? Poderias descre-ver algumhas?Penso que sim, polo mesmo que comentava antes. Se desempenhamos menos cargos directivos, se o perfil do profissional “imprescindível” coincide ha-bitualmente com um homem ambicioso e agressivo, as mulheres estamos em inferioridade de condiçons. Um exemplo é o número de jornalistas que tenhem filh@s. Seria interessante estudar quantas delas se vem obrigadas a deixar os seus trabalhos em jornais ou rádios quando decidem ter uma criança. Já nom é que as empresas nom renovem os seus contratos, que também, mas que elas próprias preferem pro-curar um trabalho que, polos horários, lhes permita criar o seu filho ou filha.

�) Que decisons considerarias mais necessá-rias e urgentes para combater o machismo dos Meios de Comunicaçom?Como umha mudança de cultura nom é algo que se poda fazer de um dia para outro, acho que como me-didas urgentes seria imprescindível que se regularizas-se, de uma vez por todas, o trabalho jornalístico. Que existisse, como ocorre em Portugal, umha normativa

aplicável em todas as empresas (agora cada umha é um mundo) onde se recolhessem uns mecanismos básicos que garantissem a independência dos profis-sionais respeito da linha empresarial de cada meio e o cumprimento dos direitos laborais e de liberdade de expressom dos e das jornalistas. Um desses me-canismos deveria ser um conselho que controlasse o sexismo nos conteúdos do meio e nas relaçons den-tro das redacçons. Outra medida importante seria a formaçom, introduzindo nos currículos das carreiras de jornalismo matérias de linguagem nom sexista e de tratamento nom sexista das informaçons.

1) Nome/ Profissom/Idade Margarida Blasco Fernandes, trabalho numha empresa em Vigo chamada Bosch Communication Center, dedica-da ao telemarketing, 29 anos

2) Poderias dizer aproximadamen-te que percentagem de mulheres trabalha no teu sector laboral? O sector do telemarketing é un sec-tor puramente feminizado, podemos formá-lo umhas 50.000 trabalhado-ras/es das que un 85% chegam a ser mulheres, mulheres e jovens. A minha opiniom é que este sector já foi criado directamente desde o capital para mu-lheres e jovens para poder assovalhar os direitos das trabalhadoras ao seu gosto. Deste jeito matam 2 pássaros co um mesmo tiro já que diminuem as listagens do desemprego feminino e segue-se a manter a submissom da mulher na sociedade

3) Achas que existe algum tipo de discriminaçom ou distinçom entre homens e mulheres no teu traba-lho, seja bem por parte de com-panheiros, encarregados, chefes, etc.?Pois evidentemente na própria apa-riencia nom, o que existe é um gran-de tecto de cristal; se temos em conta que na minha empresa somos 90%

trabalhadoras como é que os postos número 1 som sempre ocupados por homens? as mulheres ascendem, claro que sim, mas até certo limite, a parti-res de ai os postos som ocupados por homens. Como é posível que numha empresa com um alto percentagem de trabalhadoras sobre trabalhadores os altos cargos sejam ocupados por homens? Isto complica-nos muito as negociaçoms como por exemplo em matéria de conciliaçons familiares, ja que nom há praticamente mulheres na discusom, tam só a parte social o qual fai muito dificil emprender medidas negociadas fora do convénio.

4) Segundo as tuas condiçons la-borais consideras que o trabalho que realizas está mal, suficiente ou bem pago? Porquê?Nom valorizo o meu salário quanto ao meu trabalho, porque penso que todos os trabalhos son indispensáveis; muita gente pensa que as teleoperadoras so-mos umhas “pesadas” que chamamos às casas para foder, até dim por tele-fone “a ver se buscas um trabalho e deixas de molestar “. O meu trabalho por exemplo consiste em tramitar er-ros nos contratos para dar de alta um serviço, ou tramitar faltas de pagamen-to... ai! se tivesse que pedir comissons a empresa por insulto recebido... teria um super salário. Eu cobro 800€, o an-dar na minha cidade como mui pouco pode custar 400€. Paga luz, água, tele-fone, internet, roupa...

5) Em épocas de crise, como a ac-tual, pensas que no sector em que trabalhas as mulheres sodes as pri-

meiras a sofrer as conseqüências? Poderias descrever algumhas? No sector sector em que trabalho evidentemente nom, já as mulheres ocupamos 85-90% de todas e todos as trabalhadoras. Bom, a crise claramente nom afecta todos os sectores por igual; o nosso, por exemplo, e em concreto na em-presa em que trabalho, incrementou os lucros 20%, e isso que se nos mistu-rou com o ramo de automoçom e lar, que sim que sofrêrom perdas. Para po-der equiparar os lucros, o que figérom foi reduzir custos na que mais ganho dava, quer dizer, telemarketing, onde estamos esses 85%; contratam a tra-balhadoras jovens, temos até algumha menor de idade, trabalhadoras com as quais podem jogar quanto a flexibilida-de das suas jornadas, com o fim de evi-tar novas contrataçons, vam movendo essas trabalhadoras para poderem tirar rendimento de um jeito barato à qua-lidade do serviço. Doutro jeito teriam que contratar umha nova trabalhado-ra para completar a faixa horária que antes nom se cobrira. Conseqüências muitas mais: negaçons das reduçons de jornada por cuidado de familiares ou filhas/os menores; para evitar des-pedimentos e ter que pagar 45 dias por ano trabalhado, o que fam e mo-dificar a jornada laboral e jogar com o desconhecimento das trabalhadoras, já que ao nom poderem afrontar a nova jornada solicitam a baixa voluntária da empresa, ainda que haja outras solu-çons mais beneficiosas com indemni-zaçom e prestaçom de desemprego.

�) Que medidas considerarias mais

urgentes e necessárias para com-bater a a discriminaçom laboral das mulheres no sector em que trabalhas?Olha que dado publicou a OIT:“Embora as mulheres representem quase 40% dos membros das organi-zaçons sindicais só som mulheres 1% das dirigentes dos sindicatos” Para mim este dado é devastador, as mulheres temos e devemos de estar nos órgaos de deccisons das nossas centrais sindicais, ser partícipes nos congressos, ser partícipes nos con-vénios colectivos,... Se nós somos as que sofremos todo o tipo de discri-minaçom, horária, salarial... teremos que ser nós que defendamos todas. O mais urgente e rápido seria que toda mulher que sofresse qualquer tipo de discriminaçom o denunciasse, porque este tipo de questons nom podem ficar impunes.

Nome/ Profissom/ IdadeMaria Rodinho Tomé, administradora, 34 anos.

2) Poderias dizer aproximada-mente que percentagem de mu-lheres trabalha na tua empresa (sector)?Pertenço ao sector florestal e agrope-cuário, a percentagem de mulheres na minha empresa é do 40%.

3) Achas que existe algum tipo de discriminaçom ou distinçom entre homens e mulheres no teu trabalho, seja bem por parte de companheiros, encarregados, chefes, etc.?Rotundamente sim, tanto por parte de companheiros como chefes, fun-damentalmente no trabalho de cam-po. Amiúde relega-se-nos, às mulhe-res, à escritórios enquanto, em maior medida, os homens fam o trabalho de campo. Isto ocorre sobretodo nos postos de técnicos florestais.

4) Segundo as tuas condiçons la-borais consideras que o trabalho que realizas está mal, suficiente ou bem pago? Porquê?Está mal pago partindo da base de que companheir@s que realizam exactamente o mesmo trabalho, in-clusive compartilhando escritório, co-bram 10% mais aproximadamente. A nossa empresa, depois de quase três anos da sua criaçom, continua sem ter convênio próprio, polo qual as ta-belas salariais nom estám negociadas com ninguém.

5) Como viveste na tua posiçom como delegada sindical o recente conflito laboral na tua empresa?Percebim a apatia geral de compa-nheir@s na hora de defender os seus direitos, num momento de crise ve-mos agravado este sintoma, chegando

a escuitar de boca de um trabalhador de 23 anos que “se há que fazer 12 horas diárias, fam-se, que nom está o mundo para andar jogando com os postos de trabalho...”. Há muito que despertar nas mentes mais jovens.A percepçom geral é de que @ de-legad@ é quem tem que fazer todo, eu exijo d@ delegad@ que conheça e defenda a minha situaçom mas sem ter que estar involucrad@ no mais mínimo.Na minha situaçom concreta nom ti-vem nengum tipo de problema pola minha condiçom de mulher, sim pola de delegada incómoda para a empre-sa, estando despedida e hoje à espera de julgamento por despedimento im-procedente.

42DOSSIER CENTRAL

Mulher e crise

análise

análise

entr

evis

taComo fôrom avaliados os dous úl-timos anos de trabalho político na vossa V Assembleia Nacional?Na verdade, a avaliaçom foi profun-da e pormenorizada, é difícil resumi-la em poucas palavras. A conclusom pode ser que o caminho escolhido foi acertado, embora haja muitas ques-tons em que a Unidade Popular tem ainda muito que trabalhar.Na Assembleia Nacional de 2007 fige-mos umha clara aposta por despreen-der-nos de certas inércias do passado e inaugurar umha nova etapa para a Unidade Popular. A palavra de ordem foi centrarmos os nossos esforços em estimular a penetraçom do nosso mo-

vimento político na sociedade a partir da sua base, dos movimentos sociais e a autoorganizaçom popular, fugindo da política de consignas ideológicas. Este foi, e continua a ser, um repto difícil de afrontar, mas que já está a dar os seus frutos. Hoje, graças à abnegaçom e entrega da nossa militáncia, o nosso projecto goza de implantaçom e res-peito em sectores onde antes nom po-díamos mover-nos com comodidade. Em simultáneo, achamos que humil-demente também temos contribuído para dinamizar iniciativas em campos diversos, desde o cultural ao sindical. Sendo este um dos principais objec-tivos dos quais tínhamos que render

contas nesta V AN, podemos fazer umha valorizaçom positiva. Como é óbvio, trata-se dumha tarefa a longo prazo e neste senso a nossa vontade colectiva foi renovada, hoje contamos com mais experiência e achamos que se soubermos aprender dos erros co-metidos podemos levar a esquerda independentista a um patarmar supe-rior do seu desenvolvimento, o qual é umha prioridade estratégica na actual fase de acumulaçom de forças.Fôrom também analisados outros as-pectos da nossa trajectória política mais recente e, se calhar, um dos pon-tos mais interessantes a este respeito é a constataçom de que por fim a nossa

corrente independentista e socialista começa a reflectir o modelo em rede que levamos anos trabalhando por implementar. Dada esta circunstáncia, coloca-se-nos a tarefa de reforçarmos o papel da Unidade Popular como or-ganizaçom política com vocaçom de massas, como ponto de referência para todo um conglomerado de or-ganizaçons, colectivos e pessoas que em esferas diversas agem sob as ban-deiras da independência, o socialismo e a aboliçom do patriarcado. Dentro deste esquema é que a filiaçom de-cidiu dar um impulso decidido à for-maçom militante. Na Unidade Popular já levamos um tempo a promover ini-

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entrevista

Alberte Moço

VP entrevista Alberte Moço Quintela, novo porta-voz nacional de NÓS-Unidade Popular desde a V Assembleia Nacional celebrada em Vigo o passado mês de Dezembro. Alberte Moço avalia os últimos anos de

trabalho político da Unidade Popular, as relaçons com a esquerda soberanista e as prioridades políticas nos próximos anos.

análise

análise

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evis

taentrevista

Alberte Moço

ciativas orientadas a elevar o nível de consciência e a capacidade teórica em todos os nossos ámbitos de influên-cia, mas hoje assumimos o ambicioso objectivo de provocar um salto quali-tativo nesta matéria, que nos prepare colectivamente para os desafios que teremos que enfrentar acompanhan-do o nosso desenvolvimento.Outra questom que tomou grande releváncia no curso dos debates foi a organizativa. Em NÓS-Unidade Popu-lar podemos orgulhar-nos de contar com umha ferramenta útil e efectiva para levar adiante a nossa actividade, mas em nengum momento perdemos o ímpeto por aperfeiçoá-la ainda mais. É por este motivo que na agenda da nova Direcçom Nacional se acham multidom de tarefas relativas à ex-pansom organizativa, à eficiência das diversas estruturas internas ou aos re-cursos materiais da organizaçom.

Durante todos estes anos, NÓS-UP tem lançado várias propostas de unida-de aos restantes sectores independen-tistas e de esquerda, mas nada se tem avançado nesse terreno. Para NÓS-Unidade Popular, a reconfiguraçom do nosso Movimento de Libertaçom Nacional tem sido umha teima desde antes mesmo do nosso nascimento. De facto, nós somos o fruto dum pro-cesso de unidade, está no nosso ADN político a preocupaçom por construir-mos esse Movimento unido que toda a base social independentista reclama. Porém, é bem sabido que esta vonta-de inequívoca nom tem sido suficiente para constatarmos grandes avanços e nestes anos fôrom muitas as dece-pçons e os fracassos neste sentido, é certo. Mas nom por isso devemos ser catastrofistas e dar todo por perdido. Por um lado, porque nom nos leva a nengum lado fazermos da unidade um fetiche que nos obsessione até a pará-lise; por outro, porque a realidade é dialéctica, complexa e em constante movimento. Seria um grave sintoma de miopia política considerar que nada tem mudado nos últimos anos.Isto é importante, porque só pode-mos concluir que nom tem mudado nada neste terreno se olharmos esta questom com a velha perspectiva da equaçom de siglas que nom acaba de dar um resultado. Os factos estám a impor-nos umha nova forma de inter-

pretarmos a realidade do nosso movi-mento, tomando em consideraçom a sua riqueza e diversidade. Hoje exis-tem multitude de agentes a trabalhar em coordenadas similares às nossas e entre todos eles, nós incluídos, exis-tem relaçons de todo o tipo, mais ou menos frutíferas, que estám paulati-namente a desenhar um novo cená-rio. Nós sempre consideramos que o desenvolvimento, na forma que for, de todas as expressons da esquerda independentista supom umha boa no-tícia. Provavelmente, a conformaçom e crescimento dumha massa crítica fa-vorável ao nosso projecto favorecerá e catalisará processos encaminhados a umha unidade real entre correntes. É cedo para dizer o que nos próximos tempos vai acontecer, mas continua-mos a confiar em que colectivamente saibamos dotar o nosso país do refe-rente independentista e de esquerda que necessita, construído a partir do reconecimento da pluralidade e com vontade de assumir o papel revolucio-nário que lhe é próprio. Quais serám as prioridades políti-cas de NÓS-Unidade Popular nos próximos dous anos?Sem dúvida o actual contexto de cri-se do Capitalismo e as nefastas con-seqüências que está a padecer o nosso

Povo Trabalhador vam condicionar a nossa actividade política. Hoje vemo-nos na obrigaçom de centrar os nossos esforços na defesa das condiçons de vida da maioria social frente aos cons-tantes ataques dos patrons. Num con-texto de incremento do desemprego, de reduçons salariais e despedimentos maciços umha força de esquerda como a nossa nom pode ter outra priorida-de. Nos próximos meses teremos que responder a umha nova reforma la-boral à medida da burguesia e o novo ano viu já acompanhado do anúncio de novos EREs e de mais miséria para a nossa classe. A Unidade Popular es-tará, como sempre, inserida nas luitas contra esta ofensiva e defendendo a destruiçom do Capitalismo e a cons-truçom dumha sociedade mais justa, socialista, como única via para garantir o bem-estar da maioria social.Nom obstante, há algumhas outras linhas de acçom que som também de máxima prioridade para o nosso movimento. Se calhar a mais impor-tante é a referente ao nosso idioma. O espanholismo tem radicalizado as suas posturas de forma muito grave, a proliferaçom do discurso “ultra” e as medidas legislativas do governo do Partido Popular som um claro exem-

plo. É evidente que há um plano para acelerar o processo de aniquilaçom cultural do nosso país e estám a ten-tar derrubar-se os já fracos muros de contençom que o nosso povo conse-guira erguer nas últimas décadas. Por fortuna, está também a ficar patente que este país nom se vai render sem luitar, as impressionantes mobilizaçons populares do ano que acaba de con-cluir assim o demonstram. De NÓS-Unidade Popular achamos que chegou o momento de contraatacar, de revi-talizar a reivindicaçom da hegemonia social do nosso idioma, da oficialidade única do galego, da completa galegui-zaçom de todos os ámbitos da nossa sociedade. Neste senso, tal e como anunciamos há uns dias, daremos o nosso apoio a todas as iniciativas ten-dentes a parar os pés ao Partido Po-pular na sua cruzada anti-galega, mas sempre sem renunciar ao objectivo do monoligüismo social e sem esca-motear a crítica a quem pretendem ressuscitar o decrépito discurso do bilingüismo harmónico e do consenso com o espanholismo.Além destas questons, em breve terá lugar um novo processo eleitoral no nosso país, as municipais de 2011. A Unidade Popular continua a ser favo-

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“A crise do Capitalismo

e as nefastas conseqüências

que está a padecer o

nosso Povo Trabalhador

vam condicionar

a nossa actividade

política”

“a conformaçom e crescimento dumha massa

crítica favorável ao nosso projecto

favorecerá e catalisará processos

encaminhados a umha unidade real entre correntes”

análise

análise

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evis

ta

rável à participaçom eleitoral desde plataformas da esquerda soberanista o mais amplas possíveis. Neste ano fare-mos o possível para que nas nossas vi-las e cidade poda existir um referente deste tipo capaz de ganhar as vontades e a confiança do Povo Trabalhador.

Qual o significado do recámbio na cara pública da organizaçom, com a tua chegada à portavozia?Pois é mais um exemplo da continui-dade nos nossos objectivos e tarefas e da renovaçom dos nossos com-promissos políticos. O companheiro Maurício Castro ao que sucedo e eu representamos a mesma linha política. O mesmo acontece com a Direcçom Nacional no seu conjunto, que nom muda demasiado com respeito à an-terior. A nossa organizaçom goza dum admirável grau de coesom interna que lhe permite encetar projectos a longo praço e isto tem o seu reflexo nos e nas suas representantes. Eu, pessoal-mente, gosto de pensar que a minha assunçom da Portavozia Nacional virá também acompanhada da definitiva in-corporaçom aos postos de direcçom dumha geraçom de militantes que, apesar de sermos jovens, temos já alguns anos de experiência e, sobre-todo, ánimo e vontade de ferro para muitos mais.

Falaste das tarefas da Unidade Po-pular relativas ao mundo do tra-balho, como é que analisas o ce-nário actual, com umha Reforma Laboral em marcha?

Na esquerda independentista levamos bastante tempo a alertar das intençons do Estado espanhol para descarregar os efeitos da crise sobre as costas do povo trabalhador, para evitar que os patrons perdam mais do imprescindí-vel roubando directamente às assala-riadas e assalariados. Hoje, temos que actualizar esse discurso e deixar claro que a Reforma Laboral recentemente aprovada é apenas umha parte dum profundo plano de reestruturaçom que a burguesia espanhola está a ne-cessitar e que se nom aplica numha vez é graças às resistências operárias que poderia gerar. Neste plano, está inserida a reforma do IVA, a recom-posiçom do mapa financeiro em favor

da grande banca, a imparável priva-tizaçom de serviços públicos e toda umha série de medidas já em anda-mento ou em fase preparaçom. É por este motivo, pola nossa urgente necessidade de frear os empresários e defender as conquistas históricas do movimento obreiro, de defender, em definitivo, as nossas condiçons de vida, que levamos meses a reclamar a con-vocatória dumha Greve Geral. Hoje já conhecemos a data em que esta vai ter lugar após o Verao e, sinceramen-te, achamos que o sindicalismo maio-ritário perdeu umha oportunidade de ouro para enfrentar estas agressons no momento de se produzirem. Uns, os sindicatos amarelos espanhóis, porque partilham objectivos com o patronato e compreendem a importáncia de acal-mar os ánimos e evitar umha resposta

obreira contundente; por seu lado, o sindicalismo que se reclama nacional e de classe está cativo dumha direcçom pactista e corrupta, movida polos in-teresses eleitorais do regionalismo, que nom tem hoje nengum interesse em liderar um levantamento popular contra os planos do Capital e escudan-do-se numha pretensa necessidade de unidade sindical renuncia a cumprir o papel que lhe corresponde em defesa da classe trabalhadora.Em qualquer caso, da Unidade Popular achamos que a Greve Geral de 29 de Setembro deve supor o ponto de par-tida para umha estratégia obreira de combate decidido, nom só para frear o actual roteiro precarizador desenhado

polos patrons, mas também para ini-ciar por fim a contraofensiva que nos leve a dar a guinada final a um Capita-lismo que já ameaça com cair polo seu próprio peso. Somos conscientes de que estes desejos serám irrealizáveis enquanto as trabalhadoras e trabal-hadores continuarem a acreditar nos cantos de sereia de certo sindicalismo e no mesquinho discurso da coope-raçom entre classes para salvar umha crise que nós nom provocamos, é por isso que continuaremos a empenhar-nos em mobilizar todas as forças que podamos para despertar os sectores mais combativos e conscientes do povo trabalhador e abrirmos um novo caminho de luita para o movimento obreiro.

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“Nom nos leva a nengum lado

fazermos da unidade um fetiche que

nos obsesione até a parálise;

a realidade é dialéctica, complexa e

em constante movimento.

Seria um grave sintoma de

miopia política considerar

que nada tem mudado nos

últimos anos” “Daremos o nosso apoio a todas as iniciativas tendentes a parar os pés ao Partido Popular na sua cruzada anti-galega, mas sempre sem renunciar ao objectivo do monoligüismo social e sem escamoteiar a crítica a quem pretendem ressucitar o decrépito

discurso do bilingüismo harmónico e do consenso com o espanholismo”

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Presos políticos

Mapuche: Entre a

invisibilidade e o conflito

María Fernanda CautivoPsicóloga Social Comunitária e activista dos Direitos Humanos

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Tentar entender o actual conflito chile-no-mapuche implica necessariamente fazer um percurso pola sua história, umha história unida profundamente à terra1, sendo esta essencial no seu contexto cultural, como património de toda a comunidade, unida a umha dimensom espiritual e sagrada.Neste senso, pode afirmar-se que o eixo principal do conflito Mapuche é a propriedade da terra, é necessário entender que para além da posse ma-terial, a terra para o mapuche constitui a génese de toda a sua cosmovisom e construçom ideológica particular, que avaliza a sua demanda histórica de te-rritório e autonomia.Quando os primeiros espanhóis chegá-rom ao Chile no ano 1535, alentados polas artificiosas promessas de “ouro em grandes quantidades” feitas por indígenas do Cusco, seriam logo rece-bidos nas margens do rio Itata por um povo de estirpe indomável e guerreira, que nom chegariam a dominar nunca, pois nom conseguírom torná-los vas-salos durante todo o seu domínio até o século XIX, vendo-se obrigados a partir de 1641, mediante o tratado de Quilín, a reconhecer a autonomia da Naçom Araucana, aceitando a sua soberania territorial nas terras ao sul do Bío Bío.1 Mapuche em voz mapudugun significa “gente da terra”

É assim que os mapuche, diferente-mente doutros povos indígenas da América, conseguírom manter a sua liberdade até 1881, numha situaçom de guerra com períodos de paz, mas autónomos como povo. Nesses três séculos, o povo mapuche tinha con-seguido constituir-se numha socie-dade agrícola-gadeira, com grandes diferenças em relaçom aos indígenas que tinham encontrado os espanhóis nas suas primeiras incursons, sendo capazes de exercer com habilidade o comércio com crioulos, espanhóis e outros estrangeiros. A sociedade Ma-puche também tinha experimentado importantes mudanças políticas, forta-lecendo-se as alianças entre os Lonkos (Chefes comunitários mapuche), pro-vocando-se verdadeiras formas germi-nais de centralismo político.

Será depois da independência do Chile e sua constituiçom como naçom que nascerám as bases deste conflito his-tórico. A necessidade de crescimento económico dos crioulos, somado à ideia dominante do paradigma Estado-naçom, impulsionarám os afáns expan-sionistas e de dominaçom, na ideia de construir a força a suposta “nacionali-dade chilena”.

Mediante umha cruenta guerra de ocupaçom, a incipiente naçom adop-

tará umha verdadeira lógica de “lim-peza étnica”, recorrendo ao massacre de populaçons completas, ao saque de gado e destruiçom de moradias e te-rras. Depois do eufemístico nome de “Pacificaçom da Araucania” oculta-se a determinaçom de subjugar, submeter e apropriar-se das terras dos autócto-nes. Os sobreviventes ao extermínio irám ver-se obrigados a se deslocar para o sul, confinados a viver numha zona que constitui aproximadamen-te 5% dos seus territórios originais. As terras usurpadas serám repartidas a colonos do outro lado do mundo, principalmente espanhóis, alemáns, italianos e ingleses, com a ideia de as-segurar a ocupaçom e dar fins produ-tivos à terra.

Umha vez reduzido o espaço do terri-tório mapuche vai prever-se a divisom dos terreios que ainda conservavam durante quase todo o século XX, em frontal oposiçom a sua cosmovisom sobre o uso comunitário da terra, favorecendo com isso a revenda (a muito baixo preço) dos lotes obtidos polos novos pequenos proprietários mapuche, aos grandes latifundiários.Durante a ditadura militar, encabeçada por Augusto Pinochet, outras acçons somárom-se às anteriores, princi-palmente os subsídios à instalaçom e operaçom de empresas florestais em terras Mapuche, numha política de fomento florestal que reduzirá ainda mais o seu dizimado território, ero-dindo gravemente os solos, causando a degradaçom dos recursos naturais e

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impossibilitando as actividades agríco-las tradicionais, extinguindo na voraz desflorestaçom a fauna e flora natu-rais, afectando com isso as manifes-taçons religiosas e culturais mapuche, fundadas na terra e no seu equilíbrio. Estas políticas serám nom só mantidas polos governos posteriores na cha-mada “democracia”, como avalizadas e aprofundadas. É assim que durante a década de 90 e a pouco de ter sido promulgada a Lei que dava pola pri-meira vez existência jurídica no Chile aos povos indígenas, no momento em que o conflito Mapuche reaparecia com nova força, nom duvidarám em usar todas as ferramentas que herda-ram da ditadura.

Durante os primeiros governos do acordo (Coligaçom de partidos que governárom o Chile durante duas dé-

cadas depois do fim da ditadura em 1990) aplicou-se num primeiro mo-mento a Lei de Segurança Interior do Estado, o que de certa forma reconhe-cia aos ilícitos imputados aos mapuche em conflito, como ilícitos políticos, sendo em sua maioria processados por delitos contra o ordem pública. Ao mesmo tempo, observa-se um for-te aumento na militarizaçom da zona e portanto da repressom. Isto princi-

palmente como resposta aos conflitos suscitados pola instalaçom da Central hidroeléctrica Ralco2.É a partir do ano 2000, durante o go-verno de Ricardo Lagos, que os ilícitos cometidos polos mapuche passarám a ser processados sob a Lei Antiterro-rista, obedecendo a umha agudizaçom do conflito, produto das promessas incumpridas do mandatário.

A Lei Antiterrorista de 1984 é quali-ficada como umha das mais duras da legislaçom chilena. Sendo criada para combater os grupos insurgentes dos anos 80 e 90 a partir do ano 2000 e até hoje será utilizada para ser aplica-da contra o povo Mapuche, optimiza-da com umha reforma em 1994, que agrega novos argumentos de repres-som política quanto à tipificaçom das “Condutas terroristas”. No ano 2000,

umha nova modificaçom terá curso, atendendo especificamente ao confli-to Mapuche em avanço e em particu-lar às actividades desenvolvidas pola Coordenadora de Comunidades em

2. Em 1997 Endesa inicia a construçom da Central Hidroeléctrica Ralco no Alto do Bíobio, à qual os mapuches se oponhem, ao abrigo da Lei Indígena. Apesar disso, o vale de Ralco é inundado e 70 famílias som desalojadas.

Conflito Arauco-Malleco. Estas refor-mas significarám na prática umha sub-jectivizaçom de umha série de crimes comuns por esta catalogados, incluin-do a noçom de “finalidade” a cada um deles para passar a se constituir como crimes terroristas.

Estas finalidades recolhem o facto de que umha acçom tenha como fim o produzir temor na populaçom, bem como o facto de actuar com o pro-pósito de arrancar resoluçons da au-toridade ou lhe impor exigências. O anterior significará na prática a perda de objectividade na hora de qualificar os crimes como terroristas, já que se se actuou ou nom com determinados fins é sumamente difuso e pouco ob-jectivo, produzindo-se ainda um efei-to de dupla incriminaçom, ao poder ser catalogada umha mesma acçom

ao mesmo tempo como objectivo e como meio.

Longe dos efeitos que pretendiam Lagos, o conflito tendeu a agudizar-se culminando com o assassinato por parte de carabineiros do jovem Alex Lemún, caso que foi condenado em primeiro lugar e arquivado pola Corte Marcial chilena, ficando na impunida-de.

A condenaçom no ano 2003 dos Lo-nkos Pascual Pichun e Aniceto Norin, condenados a 5 anos e 1 dia de prisom sindicados como culpadas do delito de realizar “ameaças terroristas” contra os proprietários de duas quintas da Nona Regiom e o “Caso Puluco Pidenco” no qual quatro mapuche fôrom condena-dos a 10 anos e um dia de prisom por “incêndio terrorista”, significou para o governo chileno umha série de chama-dos de atençom e condenas por par-te de Organizaçons Internacionais de Direitos Humanos como o foi a feita pola Comissom de Direitos Humanos das Naçons Unidas, no ano 2004, que aprovou um relatório que condenava o Estado e o governo chileno por vio-laçom aos direitos humanos dos povos indígenas argumentando -entre outras causas- a de privilegiar o tratamento

judicial da conflituosidade social, ma-nifestando a sua preocupaçom pola aplicaçom do novo procedimento penal: “Vários especialistas dim que a combi-naçom entre novo procedimento penal, lei antiterrorista e foro militar, estabele-ce umha condiçom de vulnerabilidade do direito ao devido processo, que afecta de maneira selectiva um grupo claramente identificado de dirigentes mapuche”, as-sinala o relatório. Também tem tido

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denúncias por parte da CIDH, a Fede-raçom Internacional de Direitos Hu-manos, Amnistia Internacional e o Co-mité de Direitos Económicos, Sociais e Culturais das Naçons Unidas o qual se manifestou profundamente preocupa-do com a aplicaçom de leis especiais o contexto do conflito mapuche.

Será esta pressom internacional, soma-da à suscitada por umha greve a mais de 60 dias dos presos políticos mapu-che, a que levará ao último Governo do Acordo presidido por Michelle Ba-chelet a afirmar que durante seu man-dato nom seria aplicada a lei antiterro-rista. Esta promessa será quebrantada no último ano de seu mandato depois da detençom de Miguel Tapia Huenulef e a partir deste momento será apelada noutros casos mais.

Na actualidade é difícil determinar o número exacto de presos políticos mapuche já que a perseguiçom cons-tante a seus dirigentes tem feito da prisom preventiva umha forma velada de condenaçom extraoficial. Segundo dados obtidos de Gendarmeria e de organizaçons mapuche e nom mapu-ches existiriam por volta de 70 presos políticos mapuche, no quadro das lui-tas que desenvolve este povo, pondo o Chile como o país com mais presos políticos indígenas por defender direi-tos ancestrais.

A situaçom de ocupaçom militar e po-licial da zona mapuche por parte do Estado chileno é permanente. Diaria-mente as comunidades mapuche que continuam a luitar pola recuperaçom das suas terras, som espancadas, ilegl-mente ocupadas, vítimas de umha vio-lência brutal sem olhar a meios, na qual inclusive as crianças som vítimas de insultos e humilhaçons, existindo casos de detençons ilegais e torturas aplica-das a populaçom menor de idade.

Como em palco de guerra, helicópte-ros sobrevoam diariamente a zona. Os habitantes sofrem a diário controlos de identidade abusivos, os dirigentes mapuches som arbitrariamente deti-dos e inculpados por tribunais civis ou militares. Em muitas ocasions, quando as causas som arquivadas ou som de-

clarados inocentes, novos processos som abertos numa clara perseguiçom e umha veemente decisom dos privar de liberdade. É necessário assinalar que os prisioneiros podem ser inculpados por testemunhas protegidas ou por declaraçons de terceiros obtidas sob tortura e que os tribunais os podem manter em cativeiro no mínimo nove meses, só para pesquisar se som ino-centes dos delitos polos quais som acu-sados, além de que tais detençons som muitas vezes realizadas em recintos afastados das famílias e comunidades. Esta situaçom de isolamento, segundo os advogados defensores, “agravaria arbitrariamente a prisom preventiva, sendo um acto de violência psicológica e institucional que só se poderia qualificar como terrorismo de estado’’.

Como pano de fundo, a lógica do capi-talismo selvagem impom-se e o Estado chileno mostrou-se já disposto a defen-der com todo o seu esmagador poder à indústria florestal chilena concentra-da em dous grandes grupos empre-sariais, liderados polo grupo Angelini, dono Florestal Arauco, e o grupo Ma-tte, dono Florestal Mininco. É necessá-rio precisar que só estas duas florestais possuem juntas mais cinco vezes terra que todo o povo mapuche.

Segundo Héctor Llaitul, dirigente ma-puche membro fundador da Coorde-nadora Arauco Malleco e preso políti-co “Este poder de dominaçom conta com todas as garantias do Estado Chileno, na hora de nos incriminar e nos reprimir. O empresariado nom só controla o poder

económico nas regions em conflito, como ainda controla os meios de comunicaçom e é em definitivo parte do poder político. O governo actua em conluio com este e nom fim de contas, controlam o poder judicial para defesa de seus interesses económicos.”

Por sua vez, o Chile tem negando constantemente a existência de presos políticos, argumentando que se trata de criminosos comuns ou terroristas e que nom se aplicou a Lei Antiterrorista a demandas ou reivindicaçons sociais da populaçom indígena. Dita tese é replicada reiteradamente nos meios de comunicaçom oficiais, influindo nos ha-bitantes chilenos que vítimas de umha despolitizaçom profunda inculcada durante 18 anos de ditadura e outros tantos de pseudodemocracia, cedem facilmente aos argumentos tenden-ciosos e criminalizadores dos grandes consórcios da informaçom nacional. Os títulos dos diários parecem umha verdadeira antessala aos Tribunais na-cionais, sentenciando a partir das suas tribunas mediáticas os acusados antes de que sistema penal cumpra com a sua tarefa.

Umha dessas montagens com muitas luzes e pouca substáncia, sustenta-das por figuras da ultra-direita chilena fôrom as ligaçons que segundo “pro-vas irrefutáveis” vinculava certas or-ganizaçons mapuche com a guerrilha colombiana FARC-EP. Depois da des-estimaçom das provas, todo pudo ficar no mais ou menos anedótico, se nom fosse porque já existem imputados aos

quais entre as causas que se incluem para o seu encarceramento as viagens feitas por estes à Colômbia.

De outra parte torna já preocupante a sistemática perseguiçom de que se solidarizar com a causa mapuche, ne-gando-se a passagem pola zona, sendo expulsos do país no caso de serem es-trangeiros ou, mais grave ainda, sendo inculpados depois de fracas montagens em termos de violência. Emblemáticos som os caso de Asel Luzarraga, escri-tor basco a quem se decretou prisom preventiva no ano passado, ficando detido por mais de quarenta dias sem qualquer prova. Também o é o caso da realizadora Elena Varela a quem se imputara participaçom num assalto e quem foi declarada inocente depois de ter sido seqüestrada sem devoluçom de todo o seu trabalho documental na zona mapuche ao momento de sua de-tençom, a 7 de Maio do 2008.

A recente tomada de comando por parte da direita Sebastián Piñera quem durante a sua campanha presidencial afirmava a sua admiraçom por Uribe Vélez e a sua política de “Segurança democrática” pode supor um recru-descimento na perseguiçom, criminali-zaçom e repressom das comunidades mapuche nos próximos anos, o que exige incrementar os nossos esforços solidários para exigir a liberdade dos presos políticos e o cessamento do as-sédio, mas sobretodo para nos trans-formarmos em multiplicadores da sua história e sua luita ancestral, comba-tendo a invisibilidade e a indiferença.