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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO) CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE PRIMEIRA VERSÃO ANO I, Nº17 - SETEMBRO - PORTO VELHO, 2001 VOLUME II ISSN 1517-5421 EDITOR NILSON SANTOS CONSELHO EDITORIAL ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia MIGUEL NENEVÉ - Letras VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows” deverão ser encaminhados para e-mail: [email protected] CAIXA POSTAL 775 CEP: 78.900-970 PORTO VELHO-RO TIRAGEM 200 EXEMPLARES EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA ISSN 1517-5421 lathé biosa 17 A UNIVERSIDADE E O DIREITO ALBERTO LINS CALDAS PRIMEIRA VERSÃO

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Volume II do Primeira Versão (Setembro/Dezembro de 2001)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)

CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

PRIMEIRA VERSÃO ANO I, Nº17 - SETEMBRO - PORTO VELHO, 2001

VOLUME II

ISSN 1517-5421

EDITOR

NILSON SANTOS

CONSELHO EDITORIAL

ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História

JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia MIGUEL NENEVÉ - Letras

VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia

Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows”

deverão ser encaminhados para e-mail:

[email protected]

CAIXA POSTAL 775 CEP: 78.900-970 PORTO VELHO-RO

TIRAGEM 200 EXEMPLARES

EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

ISSN 1517-5421 lathé biosa 17

A UNIVERSIDADE E O DIREITO

ALBERTO LINS CALDAS

PRIMEIRA VERSÃO

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Alberto Lins Caldas A UNIVERSIDADE E O DIREITO

Professor de Teoria da História

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Uma sociedade frágil, roída, consumida e abastardada por infindáveis quarteladas e golpes de estado fascistas como o de 1964; politicamente corrupta, porque

o dinheiro vem antes da comunidade e seu sentido; intelectualmente capacho, porque jamais conseguiu abandonar a subserviência desde a pronúncia até as principais

idéias; popularmente servil, amansada duramente por séculos de crença, favores e milagres; secularmente injusta, porque a lei não pode jamais ser feita "para o pobre",

pois é coisa de Classe e de Estado; capada e recapada até não restar senão um gemido ridículo, humilde e metido a besta; curvada e recurvada, batida e rebatida. Sobre

esta massa podre (que é o povo, sempre o povo!) impera, momento sim momento não, cada fatia de um Poder qualquer: uma vez é o momento dos coronéis, depois dos

tenentes, depois dos generais; chega o momento do imperador, do governador, do presidente, do prefeito; passa o momento dos estudantes, dos jovens, das modas e

chega o momento das mídias; passa o momento dos senhores de terra e chega o momento dos senhores das fábricas; passa o momento do Executivo, chega o do

Legislativo; passa o momento do narcotráfico chega o momento do Judiciário. Cada momento destes, que não passam e se completam e se interpenetram, é o Horror! A

supremacia da ignorância, do fascismo, da brutalidade, da insensibilidade, da delação: o momento da lei, da ordem, da pátria, da terra, da bandeira, da tortura, do exílio,

da cotidiana passividade: momentos que causam dor, causam angústia, causam descrédito.

Estamos num destes grandes momentos na Universidade: o momento do Direito! Vamos a ele! Compreendamos isso mais profundamente. Por partes, como

deve agir o bom açougueiro.

Primeiro, a "história" da UFRO (pronunciem U EFE ERRE Ó!) é rasgada por professores e alunos se processando numa velocidade vertiginosa. Havia um

tempo onde praticamente todos estavam processados. A UFRO passou por uma lavagem desmoralizante inimaginável. E todos os processantes ainda não entenderam

que agindo assim desmoralizavam, diminuíam e afundavam a Universidade, seu poder e sua autonomia: as ratazanas não se remedaram e ainda não entenderam que

deve ser na Universidade o âmbito e o campo das nossas lutas. E se denunciavam e se processavam como quem escova ou palita os dentes: somente um "professor de

segundo grau" deixa o espaço acadêmico e processa um aluno ou um professor (a não ser em raríssimos casos que clamem realmente a Justiça e isso não diga respeito

ao universo acadêmico): com isso o Estado sempre saiu ganhando: com isso certa posição fascista do Estado sempre saiu ganhando: com isso a Cidade sempre saiu

ganhando: a inteligência foi deslocada do seu campo e foi jogada aos leões da polícia, dos tribunais e dos quartéis. Delegamos nosso poder, nossa capacidade, nossa

inteligência, nosso talento, nosso campo: perdemos tudo quando "pomos na justiça";

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Segundo, nesses últimos anos, com o enfraquecimento dos outros poderes, a Justiça tomou os espaços vagos: seja nos espaços legislativos, seja nos espaços

executivos, seja nos espaços populares, seja nos espaços universitários: o Direito (entenda-se certos advogados e certos juizes!) avançaram nos campos vazios e

plantaram suas regras, suas normas, suas leis, seus regimes, sua lógica, sua materialidade, sua experiência: encontrando espaços vazios pensaram que jamais haviam

nele estado uma vida, uma experiência, uma lógica, uma filosofia, uma visão de mundo exata e precisamente oposta a sua. E passaram a criar o mundo a sua "imagem e

semelhança": assim também na Universidade, onde o justo e o injusto, o verdadeiro e o falso, o certo e o errado têm sua lógica própria, seu sentido íntimo, seu

sentimento e seu corpo numa história somente sua, numa razão que somente a ela pertence;

Terceiro, unindo os dois pontos anteriores temos o inferno: não somente a justiça encontrou terreno vazio, baldio, inexplorado, como recebeu sesmaria, poder e

mando de quem foi sempre uma maioria: os "professores de segundo grau". Desconhecedora tanto a justiça quanto os "professores de segundo grau" do que é uma

Universidade, trataram de inventar uma que fosse o paraíso de cada um desses segmentos: os advogados a processarem em nome do justo e do verdadeiro; os juizes a

julgarem por seus códigos e suas normas; as ratazanas saltando de alegria: tudo em nome da Justiça. E o Estado adorou: o MEC vibra com a Universidade "dentro da

lei": processam uns aos outros como se fossem cada um por suas razões, quando são "razões de Estado" que os fazem lutarem entre si: o "cada um por si" já mostrou no

capitalismo que é a melhor maneira de destruir todos aqueles que são minoria: um detalhe: na Universidade se somente um aceitar alguma idéia, alguma visão, esse um

deve ser defendido até a morte;

Quarto, vemos advogados e juizes sem saberem o que é a Universidade: foram somente "alunos de direito": não criaram conhecimento: não pesquisaram: não

geraram visões de mundo: não possuem a experiência da Universidade, sua autonomia intelectual que tanto incomoda exércitos, polícias e fascistas de todas as

camisas: em vez de defendê-la deixando-a com sua liberdade, sua democracia, seu talento, tratam de arrasta-la para a Lei, para o Estado, para o campo onde a

Universidade fenece, para o campo que deve ser exatamente aquilo que a Universidade deve combater: somente uma Universidade livre pode garantir o Direito, pode

ensinar o Direito, pode formar o próprio Direito, antecedendo aos futuros juizes e advogados, um campo de liberdade, de Ética e de inteligência que deve anteceder o

seu próprio universo: sem a Universidade plena, o Direito não existe: enquanto não entenderem isso não se tornarão verdadeiros juizes e advogados. Enquanto sem o

Legislativo e sem o Executivo o Judiciário levantaria uma Nação, sem uma Universidade (entenda-se bem mais que uma instituição!), em pouco tempo toda a vida que

levantou a Nação teria desaparecido no Terror (em todos os Terrores dos últimos duzentos e cinqüenta anos havia sempre um Judiciário eficiente e uma Universidade

castrada: sempre um Legislativo atuante e uma Universidade exilada: sempre um Executivo executando e uma Universidade silenciada);

Quinto, enquanto os professores da Universidade não entenderem sua importância na "ventilação" democrática, nas sutilezas da liberdade e da inteligência, não

serão, por sua vez, Professores de Universidade, mas ratazanas de "segundo grau", antas da floresta. Enquanto não pudermos nós mesmos apanhar nossas ratazanas,

não teremos nosso Direito; enquanto nos acompanharem como crianças, não teremos autonomia, enquanto nos inquirirem com a Lei, não seremos livres para criar;

enquanto cortarem nossa voz, não teremos consciência; enquanto nos coagirem com o Direito (o Estado, a Nação, a Ética, a Política, a Educação) não seremos

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Universidade, mas um campus avançado do Judiciário e o próprio judiciário não será nem pleno nem viverá o Direito, mas os sintomas dos regimes de força e das

ilusões das corporações. É na Universidade onde nascem as fontes que circularão na Cidade: não é somente os "Três Poderes" livres que garantem a Democracia, mas a

inteligência livre, diluidora, contestadora, protegida, respeitada e entendida que é a função primordial da Universidade: é na Universidade onde se sente em primeiro

lugar os sintomas de uma sociedade viciada, fascista, truculenta, policialesca e burra. É a Universidade que, além do Direito, cria, ensina, protege e modifica a Justiça.

Para que se retome o sentido do Direito e a vocação da Universidade é preciso que tanto cidadãos quanto juizes, advogados e professores entendam

profundamente o que é a Universidade e, com isso, se entenderá o próprio sentido do Direito. Não interferindo, não marcando, não ferrando com sua lógica e seu Poder

aquilo que é sutil demais para resistir, e se não resistir é porque estamos numa nova fase ditatorial, seja do Exército, seja dos Coronéis, seja dos Juizes ou Advogados,

seja dos professores. As ditaduras se vestem sempre com o alfaiate que se dispõe a vesti-las!

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)

CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

PRIMEIRA VERSÃO ANO I, Nº18 - SETEMBRO - PORTO VELHO, 2001

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NILSON SANTOS

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CONVERSANDO COM HUMBOLDT

WALTERLINA BRASIL

PRIMEIRA VERSÃO

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Walterlina Brasil CONVERSANDO COM HUMBOLDT

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Era um dia chato. As pessoas iam e vinham na Universidade com aquela pressa de quem tem sempre a responsabilidade de pensar o mundo (ou de contrariá-lo

ou até mesmo negociá-lo, quem sabe ?). Andei lentamente em direção a um buraco reservado para os que passam uma boa parte do tempo ali, enfiados na esperança de

conseguir concluir alguns dos inúmeros expedientes que a dita Instituição envolvia (ou revolvia). Ri sozinha. Era uma espécie de relação franksteinica, ou o médico e o

monstro revelada no dueto “instituição-instituido” ou em algo que considero pior “instituidor-instituição” ou no imperativo “in(sti)tuição-in(sti)tuidor”. Algo que

perfura (um desenho semelhante aquele que torna o amor romântico um ícone do idealizado que para existir no real parte do pressuposto que não deve consentir-se

pleno ou feliz: coração traspassado por uma flecha que alguns, com maior requinte, ainda permitem o desenho de algumas gotas de sangue). Mas, enfim, não me

preocupei com isto. Encontrei aquela professora que está há dois anos tentando ter uma boa idéia para um livro e de tanto falar disso todos já lemos o seu livro (como

vêem não sou a única que sei), menos ela. Vendo-a, num relance vi Platão... Uau! Deve ser isso! O livro da professora existe, está na realidade das suas idéias e vai ver

isto lhe basta. Por alguns segundos caminhei com um anjinho e um diabinho sobre os meus ombros – um em cada lado - pensando horrores e ao mesmo tempo tendo

piedade da professora. Caros leitores, um a parte: É que na Universidade é possível [também] demônios e anjos em uma mesma atitude (ou será o Charada, do

Batman?) em uma mesma pessoa: parecem as mais doces e solidárias (e empáticas) criaturas, até que a porta se feche atrás de nós e possam dizer sozinhos ou sozinhas,

em comparsa: “Estou livre deste (ou desta) idiota!” e certamente nunca saberemos o que realmente eles (ou elas) pensam sobre você, porque a única preocupação que

têm é que eles (ou elas) confirmem para si mesmos, o tempo todo, incansavelmente, que saibam o que são e acreditem nisto (acho que assisti demais Matrix...). Eles

(ou elas) não tem nada a ver conosco. Te suportam, nos suportam. Ponto. Preferi naquele momento, espanar ambos coleguinhas, antes que me atolassem com seus

pesos. Nas leis da convivência “acadêmica” talvez os convoque quando for necessário uma boa idéia (que é aquela que reúne o desequilíbrio dos dois mundos – ou

personagens).

Pois bem. Era um dia chato. Como aqueles onde os alunos te procuram desejosos que você faça no lugar deles o que eles devem fazer sozinhos para superar-se.

Como aqueles em que você tem que implorar que liguem seu ar-condicionado lembrando-os que sua sala é dois por cinco metros, que a arquitetura não foi uma

referência para pensar-se a ocupação do espaço e a prevenção sobre (ou a convivência com) o calor na região está nas cucuias, que você não quer ter menopausa

precoce, que suar muito às vezes fede, que conforto – para trabalhar em paz – é um direito ! mas, como os memorandos sempre vão me vencer... aí vou tentando as

relações mais amigáveis.

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Era um dia chato. Passei pela professora, preparei-lhe meu melhor sorriso e antes que me falasse do seu mais reiterado capítulo (a introdução), fui para a sala na

qual me encerro (“minha sala”, uau!) dizendo que estaria disponível para ouvi-la assim que fizesse meu computador funcionar, sem ter que enviá-lo para manutenção,

senão o pobrezinho dormiria o sono das máquinas culpadas de gerarem homens e mulheres dependentes. De repente, sentado numa mureta, olhando para baixo, com

seus óculos envelhecidos escorregando até a ponta do nariz, com aquela expressão de covarde, arfando, vi o Walter ! O Walter Benjamin! Ao tocar a parede daquele

prédio pude penetrá-la através de uma teia de experiências que passavam na minha mente, enquanto via o Walter. (Caro amigo/amiga, não estou tendo visões da

última hora, da morte ou de fome. Walter Benjamin me levou a pensar sobre a experiência e como ela se revela através das histórias nas coisas que falamos,

vemos, interagimos, sentimos. Ainda não morri e logo, logo chegarei a Humboldt. Tenha paciência). Foi bom vê-lo. Aquele homem já percebia que o tempo eram

relações sucessivas de futuro, portanto está naquilo que posso sentir e fazer sentir, algo que vai além dos objetos (ou sujeitos) e suas representações. Então aquele

prédio era algo mais do que um lugar para professores universitários. Vi as salas sem portas – como foram concebidas -; vi as salas de aulas sem cadeiras enfileiradas –

como foram concebidas -; vi as janelas sem grade – como foram concebidas. Onde as concepções se perderam ? E me dei conta (insigth?): foram concebidas por

alguns e quando alguns se vão ou se forem, seguem com estes suas concepções. Daí talvez que, para alguns (outros/outras), seja importante criar insubstituíveis ou

fazê-los crer. Pois pode haver algo no reino de Alice que confirme que “os fins justificam os meios”, e se ampare qualquer um (outros/outras), de qualquer escrúpulo e

convicção, que os permitam sugar as energias humanas, pois dos humanos, somente necessitam das energias, afinal não são inteligentes como os humanos (e sua luta é

crer veementemente que são mais que humanos e fazer-se mais que inteligentes). Portanto, torna-se fundamental dispensar (e descrer) qualquer tipo de participação e

interesse efetivamente coletivo (em qualquer forma e tempo verbal) cuja legitimidade esteja enxertada com a informação limpa e a permanente coragem de olhar e

acender o atrevimento de todos.

Olhei para o Walter e disse: “Colega, você é um gênio”. Ele me olhou: “Obrigada pelo verbo no presente... lembra da brincadeira: no princípio, tudo era o

verbo ? Figura forte, não é ?”. Eu disse: “Pôxa, eu estou numa Universidade e lembro...” Ele me interrompeu, pela primeira vez levantou a cabeça (tinha olhos bonitos)

e concluiu (pois desaparecia): “Você está em um conceito, ou uma rede deles e a disputa por conceitos é intestina, visceral.. não lembre de nada, experencie, conte,

fale”.

Depois dessas visões (que neste texto me parece mais uma inspiração influenciada pelo “Ghost” ou coisas e filmes pelo estilo), achei que o dia não estava mais

chato. E achei menos ainda que estava recebendo uma missão ou tomando a pílula da Emília (sem que ninguém me venha dar, através de uma pergunta fatal) da minha

consciência, porque já havia tomado-a na exposição e construção de experiências participativas, enfrentadoras, crédulas, tolas, quaisquer que sejam, pois, e sobretudo,

coletivas. Liberei endorfina, no máximo.

Não era um dia chato. Entrei na sala. Sentei em frente ao computador (ele funcionou e a rede também, viva !). Vi minha caixa de correios. Fui vendo pelos

temas (ou subject ?): nenhuma ameaça de morte; nenhum show de circo; nenhuma visita ao porão; nenhum aluno entregando trabalho atrasado; nenhum expediente,

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convocação ou circular (nem os anônimos...); nada para rir... hum... hum... [isso quer dizer que estou procurando] ah! Uma troca de idéias com um colega que bom !

um agendamento com meu grupo de pesquisa, que bom! Um retoque no meu livro, que bom! Apesar de nenhuma piada na rede (pois descontrai), estava bom. “É isso

aí Walter” – pensei – “convivo com uma teia de conceitos, né ?, pois vou seguir a trilha... afinal tem uma porção de coisas que empanam isto: ideologia, poder, pecados

capitais. Lá estava: Humboldt. (Eu não disse leitor/leitora, para você ser paciente? está aí o homem). Pensei exercer o meu estereotipado direito ao chilique

feminino, antecipado de um grito, mas antes disto, vi o rosto de um homem abatido, magro, tinha canas (parecem que os abatidos sempre trazem canas...), não muito

alto, com a esperada (por mim) elegância alemã (e sem essa idiotia de perfil ariano) e que me olhava. Não demonstrava estranhar o ambiente, móveis, vestimentas,

equipamentos. Do nada pegou um copo (com água) e tomava lentamente, como aquelas pessoas que tragam um líquido para acalmar uma intranquilidade. O cachimbo

havia desaparecido. Ele sentou (naquela cadeira que está quase para quebrar, não deu tempo para avisá-lo, não estou na sala da reitoria ou de pró-reitorias, ou na sala

dos conselhos... aí pode-se ter cadeiras mais confortáveis, por razões ditas como “óbvias”). Mas não caiu. Continuou: “Parece que falar de Universidade retorna ao

centro de alguns debates. Qual sua função como instituição ? Para que vai servir ? O que seja ? Há materialidade na Universidade ? Volta aos princípios da criação da

Universidade medieval? (analisastes o encontro sobre o ensino superior na França, em 1998 ? Estive lá), há relação “científica” entre as pessoas? [suspirou] Uma crise

essencialmente pessoal (ou existencial) abala o que-fazer da universidade. E onde estamos? em que tempo estamos? e o que pensamos fazer ? Tive uma conversa um

dia desses com o Weber (o Max) e o Émile (ele detesta ser chamado de Durkheim, como o povo diz) e disse a eles que poderiam ter sido mais claros na sua abordagem,

conversado um pouco mais com o Hobbes, o Maquiavel, o Locke. As pessoas tendem a conciliar o inconciliável, ou pelos menos tentam aproximá-los [franziu a testa,

acenou com a cabeça seu inconformismo]. Falam de Universidade e de Estado como um fato intrínseco e de certo modo ensimesmado. A indissociabilidade entre

ensino, pesquisa e extensão parece estar arraigada e articulada a característica e existência do Estado. Veja: uma função universal: o conhecimento e o processo de

conhecer do ente existente, vinculada a algo como a “capacidade de saber” ?! Que loucura! Condições absolutamente díspares” [colocou a mão no queixo, fitou-me

como que inquirindo-me]. Cheguei a pensar que Humboldt era Francês e não alemão.

“Eu me surpreendo com o que você diz, pois sempre o conheci como alguém que trata de dizer sobre o que é e a necessidade do vínculo científico no

desempenho da universidade. E o que você me diz das idéias de Jaspers, Newman, Whitehead tão citados quando você ?”. Sua voz ainda estava triste. Acho que ainda

há uma miscelânea teórica onde se tenta impor (alguns pretendem criar) uma teoria que seja imperativa (ou ridicularmente explicativa) quanto ao sentido da instituição

em termos de sua natureza, sem alertar para os conceitos. As palavras lançadas por mim já deixaram de ser minhas há muito tempo. Nunca falei de Universidade.

Pensei em Academia. A Universidade tornou-se impossível. Já o era quando eu o disse. Há pressões sobre o desenvolvimento e a forma de viver das pessoas que não

há como a Universidade dar conta! Há respostas sociais a serem proporcionadas, cuja inscrição não está assentada no papel da Universidade ! Não pensei numa

Universidade política. Pensei numa universidade científica [e os/as leitores/as não inventem de interferir com aquela onda de que político e científico não se

desvinculam que não é esta a questão, hein ]. Isto não seria uma idéia. Seria um propósito. A essência da história da expansão do homem sobre a terra é que tem

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justificado de alguma maneira o princípio “natural” de perdedores e ganhadores de algo. Walter tem razão quando diz que a briga quando se refere a conceitos é

intestinal, visceral, pois é a manipulação em algum momento e a imposição em outro de paradigmas que proporcionem assegurar a sobrevivência comercial do trabalho

acadêmico. Por isso que me referi ao Max (Weber) e ao Èmile. Entender que o rol social se curva perante a burocracia e a certificação é descompreender a construção

desse rol, por outro lado achar que a explicação da história da Universidade está no seu fazer exclusivamente pedagógico é também um equívoco.”

Tentei uma intervençãozinha pois nesse momento Humboldt parecia muito chateado. “Mas veja, a Alemanha marcou com modelo e pensamento importantes

sobre a universidade que influenciou inclusive a Universidade Latinoamericana”, fiz de pitaco. “A idéia de América Latina é uma estultícia ![espalmou a mesa]. São

tão sectárias quanto as idéias imperialistas. Lembre-se que há sempre quem acredite nelas, para torná-las impositivas. Crêem, mas não sabem nada”. Nunca pensei que

Humboldt fosse grosseiro. Insisti: “Mas você há de convir que a Universidade é apenas uma entre várias instituições e que por isto deverá por-se a termo e a campo

para saber qual seu papel como uma atitude permanente e vigilante sobre a condição humana. Na América Latina, atrevem-se diante do escravismo intelectual e

tecnológico e são as únicas formas de resistência evidente sobre a realidade da exclusão e do preço pago para alimentar a ganância humana”.

“Querida” - falou em um tom de grande pai, perfurei-o com um olhar reprovador, alegando a inconveniência; corrigiu-se e mudou o tom – “O pecado preferido

do Diabo é a vaidade, lembra ? Uma fogueira de várias delas fez com que Napoleão entendesse a função e a resposta que a universidade teria que dar vinculada ao

poder estatal representado por ele. Eu falei apenas de pesquisa ! Eu falei de pensar sobre o constituído e julgar sua pertinência. Nunca propus uma Universidade ideal,

parasitária do Estado ou dos indivíduos, propus uma atitude. Veja os que realmente fizeram a Universidade (ou o pensamento superior), não estiveram nela. Alguns

foram instados, convidados, seduzidos, mas não dependeram dessa instituição para ser o que são em termos de propostas para as grandes idéias. Quem trata estas

questões ou as vincula a Universidade é tão tolo quanto a própria convicção de existência pessoal a partir disto”.

De certa forma, comecei a achar que a história de “alma penada” poderia colar na visita do Humboldt. “E porque você não fala com Deus ?” Instiguei. “Porque

ele sempre fica deprimido quando uma boa idéia não vem dele. Ele ficou assim com o Einstein e a teoria da relatividade”. Compreendi que Humboldt apostava que

algo poderá ser feito em função do que está dado para a Universidade e o que se disfarça no cenário de pretensas preocupações com a ela. Sentindo que estava cansado

por hoje e que se ía, fulminei: “E daí? Mas e o que fazer diante da tão famigerada inquietação (de outros/outras) frente ao [suposto] silêncio?” Ele disse: “As vezes, há

que silenciar-se diante dos débeis, alguns deles podem ser violadores da palavra e isto pode ser um passo para o estupro do sujeito”

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)

CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

PRIMEIRA VERSÃO ANO I, Nº19 - SETEMBRO - PORTO VELHO, 2001

VOLUME II

ISSN 1517-5421

EDITOR

NILSON SANTOS

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ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia

FABÍOLA LINS CALDAS - História JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia

MIGUEL NENEVÉ - Letras VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia

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A QUESTÃO DOS DISCURSOS HEGEMÔNICOS

VALDEMIR MIOTELLO

PRIMEIRA VERSÃO

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ISSN 1517 - 5421 11

Valdemir Miotello

Professor de Filosofia

[email protected] A QUESTÃO DOS DISCURSOS HEGEMÔNICOS

1 - Vamos procurar olhar, nesse pequeno artigo, a questão da constituição do sujeito dentro de um mundo absolutamente em renovação. Olhando a situação

apresentada socialmente, a forma como a sociedade se organiza e a estrutura que ela mantém, vemos que há por trás um discurso explicador, que vem pelas

informações trazidas do passado, transportadas pelo baú da história e das interações havidas; por outro lado, há em perspectiva de jogo social e interativo um discurso

formador que toma como parâmetro o futuro, o por-vir, os projetos de ser. Na prática discursiva social parece que se produz uma inversão para a produção de novos

sentidos: os discursos formadores, que olham para o futuro, tomam como base os mitos explicadores, que buscam deixar claro onde se quer chegar; já os discursos

explicadores tomam como base os mitos formadores, que buscam afirmar de onde estamos vindo e por que somos do jeito que somos. Vejamos na prática da

bibliografia: Para entender os mitos formadores (que são os produtores dos discursos explicadores de nossa situação atual) se deve ler Gilberto Freyre (Casa Grande &

Senzala), Marilena Chauí (Mitos Formadores), Dante M. Leite (Caráter Nacional), Raimundo Faoro (Os donos do Poder), Darcy Ribeiro (O Processo Civilizatório) e

Sérgio Buarque de Holanda (Visões do Paraíso), entre outros, e buscar as raízes de nossa brasilidade (mito das raças, povo católico, paraíso terrestre, gente pacífica,

pessoas alegres); já para entender os mitos explicadores (que são os produtores dos discursos formadores de nosso futuro a ser construído) precisamos buscar em cada

tempo as projeções discursivas (Brasil, país do futuro; A nação rumo ao Primeiro Mundo; País verde).

2 - Vamos tomar a reflexão por outra ponta: Na história alguns discursos hegemônicos foram produzidos; Aqui é bom pensar em algumas características

marcantes desses discursos: i) a fala vem sempre do setor dominante, incluído; ii) esta fala inclui no discurso os excluídos, falando por eles e falando para eles; iii)

aparentemente também há um lugar de inclusão dos discursos dos excluídos nesse discurso hegemônico; iv) esse discurso, por ser discurso absolutamente ideológico,

esconde mais que revela; v) o discurso é intermediação mais eficaz que as armas para garantir subalternização.

a) Discurso católico na Idade Média; esse discurso igualava a todos pela filiação ao mesmo Pai, pela existência da alma, pela possibilidade do pecado; exigia de

todos orações, sacrifícios e penitências e cobrava de todos uma vida de privações; o que ficava apagado nesse discurso era o mundo real, a vida mesma, o sentido

corporal (que até devia ser negado, rejeitado, castigado, por ser o reino e de posse do demônio); dessa forma garantia-se um sentido celestial para as diferenças

terrestres (criou-se o purgatório para ampliar as possibilidades de igualdade na outra vida);

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b) Discurso do Estado nos séc. XVII e XVIII; aqui a discurseira da igualdade passa pela cidadania, pela afirmação de que todos são iguais perante a lei; de que não

se fará lei para prejudicar alguém por crimes anteriores; além disso todos são sujeitos de direitos e deveres; cria-se a sociedade pelo pacto social (contratualismo

hobbesiano ou rousseauniano); apaga-se, no entanto o sujeito, e se garante um assemelhamento legal (do cidadão) para as diferenças reais de vida, protegendo-se o

patrimônio (dos que têm bens);

c) Discurso Industrial no século XIX; nesse discurso a igualdade se desloca para o mundo do trabalho (vagabundo e miserável é quem não trabalha); as chances de

todos para obter bens estão postas no trabalho; as oportunidades estão aí (se alguns conseguem, todos podem conseguir); nesse discurso apaga-se a diferença,

apagando-se a propriedade dos bens de produção por um lado, e apagando-se a exploração do trabalho, por outro;

d) Discurso do Mercado no século XX; aqui se prega a igualdade pelo consumo (os bens estão na vitrine para quem quiser [mesmo que não possa] consumir;

apresentam-se índices gerais de melhoria de qualidade de vida (acesso a bens coletivos); mas esse discurso apaga o próprio consumo e o lucro proveniente do

consumo dirigido, e as diferenças ficam por conta das necessidades individuais);

e) Discurso da Tecnologia na última década do século XX; esse discurso se apresenta com uma diferença fundamental na produção da hegemonia: não há

necessidade de se produzir hegemonia; e isso porque não há necessidade de se incluir o excluído e o exército de reserva é absolutamente desnecessário; o que se

precisa aqui é do “funcionário criativo”; o trabalho intelectual criativo ganha status; vale o saber criativo; logo a criatividade tem que ser apagada, já que é ela que

produz lucro; as diferenças tem o sentido garantido no uso (cada um usa de forma diferente a tecnologia posta à disposição).

3 - No entanto circulam nesse período de discursos hegemônicos outros discursos, que se apresentam como contrapalavras ativas e responsivas:

a) Contrapalavra ao discurso religioso: discurso e postura de São Francisco e de outras ordens religiosas; Igreja que se coloca ao lado dos pobres e oprimidos;

hereges, bruxos, alquimistas; ignorantes religiosos; não-praticantes; Reforma Protestante;

b) Contrapalavra ao discurso hegemônico do Estado: Rousseau e a manutenção do sujeito bom e autônomo perante o Estado (direito de Resistência); Marx e o fim

do Estado enquanto constructo e propriedade burguesa, passando pela ditadura do proletariado; Freud e o inconsciente, botando a Razão (enquanto racionalidade

ocidental) de molho; Guerras, ditaduras; ação sindical; partidos comunistas;

c) Contrapalavra ao discurso hegemônico do industrialismo: o marxismo e a denúncia da exploração da mais-valia; os movimentos de luta pela terra; os

trabalhadores se organizando em sindicatos; a ciência não dando conta de resolver problemas centrais;

d) Contrapalavra ao discurso hegemônico do Mercado: grupos de não-consumo; estímulo à poupança; aquisição de bens duráveis; luta entre Estado e Mercado na

sua regulamentação; Estados preocupados com capitais voláteis; regulamentação de remessa de dinheiro ao exterior;

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13

e) Contrapalavra ao discurso não-hegemônico da tecnologia: apelo ao escancaramento das mazelas sociais (fome, moradia, saúde, educação, pobreza em geral);

luta pelo perdão das dívidas dos países do III Mundo; ataques ao FMI, Banco Mundial; países falidos; desemprego;

f) Contrapalavra geral e universal: “E nós?”, gritam todos os excluídos da história inteira; os gritos dos que não trabalham; dos que não consomem; dos que não

detém o saber; dos que são escravos; dos que não são gente; “Quem é o dono do Poder? a quem ele serve?” perguntam todos os que se acham fora do alcance de

sua ação; “A tecnologia em ação na atualidade produz o quê, e produz para quem?”, perguntam todos hoje.

4 - Será isso o fim da história, como quer afirmar Fukuyama? De verdade, se a luta de classes é o motor da história, então o fim das classes sociais (patrões e

operários) poderia representar também o fim da história; afinal, hoje o que domina é o Mercado, o Consumo, e não mais a produção. Logo, devemos olhar hoje quem

está dentro do mercado (os incluídos) e os que dele não participam (os excluídos). Os que estão dentro do mercado se dividem entre os que têm bens a oferecer ao

consumo (vendedores/ou tecnólogos criativos) e os que adquirem bens pelo consumo (consumidores). Os excluídos estão absolutamente fora desse jogo.

1. Há grupos de incluídos privilegiados nesse jogo:

a) os que acumularam fortunas financeiras com o desenvolvimento do industrialismo;

b) os que conseguiram pelo trabalho acumular poupança ou plano de previdência público ou privado;

c) os que detém o saber criativo;

d) os que foram constituídos como empreendedores (e não como empregados, serviçais, ocupantes de vagas de trabalho);

e) os que criativamente cruzam equipamentos (não importa quais, de que onda civilizatória) com tecnologia, e com isso elaboram novas funções para tais

equipamentos com novos programas tecnológicos;

f) os info-ricos, que detém o uso tecnológico, em oposição aos info-pobres que não possuem e nem usam equipamentos com tecnologia;

5 - Ainda divagando, agora com arcabouço de Bakhtin. Considerando: a) a situação de rigidez política e de hegemonia política na Rússia de então; b) a

homogeneização do discurso e seu controle; c) a forte intervenção estatal sobre as ações individuais dos sujeitos... O que Bakhtin buscava conseguir ao trabalhar com

sua proposta de sujeito e de linguagem? e porquê e que uso faz da consciência (como em-si; como trabalhada pelo social; como EU pelo OUTRO)? que oposição ele

buscava construir? Era de anti-hegemonia? Ou buscava emergir com nova postura política de dentro da hegemonia instalada? Isso é: Diante de sistemas hegemônicos

– e a preocupação bakhtiniana, e também a minha, é a hegemonia social presente na linguagem - que alternativa Bakhtin propõe e qual alternativa nós

estamos propondo?

a) A hegemonia da classe dominante é produzida, aparece e se mantém duradoura no/pelo discurso?

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14

b) Ou a hegemonia aparece nas relações sociais e produtivas, passa a ser veiculada nos mecanismos de dominação, e se reflete e se refrata na linguagem, um signo

ideológico permanente e universal, dentro dos quais se trava a luta de classes?

c) A linguagem é um mecanismo de dominação (está na super-estrutura da sociedade, como queria crer Marx?) ou apenas carrega em si a ideologia da dominação

(assim como também a ideologia da libertação), de forma disfarçada, embutida, naturalizada (atravessando dessa forma toda a estrutura social, e não sendo ou

estando nem na infra-estrutura e nem na super-estrutura, mas atravessando de alto a baixo toda a sociedade, e se mostrando como o mecanismo de dominação por

excelência?)

d) Se o campo da linguagem é a arena onde se trava a luta de classes, como essa luta aparece na linguagem? Como se dá o jogo entre sentido e significação, entre

reconhecimento e compreensão?

e) Como se dá o encontro entre linguagem carregando de simbologias dominadoras e consciência? Como se produz a contrapalavra do dominado? Essa, uma vez

pronunciada, manifestando dessa forma que se deu alguma (pode ser a que o dominador quer e anseia) compreensão, quebra a hegemonia do discurso ideológico

oficial? Ou pode alimentá-lo apenas com uma compreensão de dominação, quando o dominado introjetou dentro de si (Paulo Freire já refletiu demais sobre essa

possibilidade) o mundo e a consciência do dominador?

f) E como se dá o encontro entre o estético (jogo de palavras e de contrapalavras) e o ético (jogo das ideologias que se debatem nos acontecimentos, na vida)?

6 - Bem que poderia ser interessante poder dividir o mundo discursivamente em Grandes Hegemonias, à maneira que Toffler e Ribeiro fazem com as

sociedades: a) Hegemonia do Discurso Mítico, que dominou todo o mundo agrícola, tendo sua extensão poderosa no discurso religioso; b) Hegemonia do Discurso

Racionalista, com extensão sofisticada no discurso empirista e científico, que dominou todo o mundo Industrial, que se deu com extensão também poderosa no

discurso do Estado e no discurso do Mercado; c) Hegemonia do Discurso Tecnológico, que se estende no discurso da globalização e que domina todo o atual período

da Revolução Digital, carregando consigo o sofisticado e atual discurso ecológico. Seria muito produtivo para a análise se fosse possível identificar na história essas

três Hegemonias discursivas, estabelecidas e fundadas em imperativos ideológicos que forjaram sujeitos construtores de sociedades e de tecnologias, e estabelecendo

entre si relações sociais distintas.

O professor Plínio Soares de Arruda Sampaio, na Folha em 30 de Abril de 2000, na seção Debates, escrevendo sob o título "Dependência e Barbárie", afirma

que "A especificidade desse novo ciclo de modernização dos padrões de consumo (que introduz o país no universo do computador pessoal, do telefone celular e do

automóvel computadorizado), em contraste com tantos outros que marcaram a história brasileira, é a sua incompatibilidade com a continuidade dos processos

responsáveis pela formação da nação". Quebrados os processos de formação da nação, quebrados também estarão os processos de formação dos sujeitos que interagem

no espaço e no tempo dessa mesma nação.

Page 15: Volume II

15

UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)

CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

PRIMEIRA VERSÃO ANO I, Nº20 - SETEMBRO - PORTO VELHO, 2001

VOLUME II

ISSN 1517-5421

EDITOR

NILSON SANTOS

CONSELHO EDITORIAL

ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História

JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia MIGUEL NENEVÉ - Letras

VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia

Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows”

deverão ser encaminhados para e-mail:

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CAIXA POSTAL 775 CEP: 78.900-970 PORTO VELHO-RO

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EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

ISSN 1517-5421 lathé biosa 20

A CONCEPÇÃO DA PALAVRA EM BAKHTIN

MARINALVA VIEIRA BARBOSA

PRIMEIRA VERSÃO

Page 16: Volume II

Marinalva Vieira Barbosa A CONCEPÇÃO DE PALAVRA EM BAKHTIN

Professora de Língua Portuguesa e Literatura

[email protected]

Todorov, no prefácio da Estética da Criação Verbal, define Bakhtin como uma das figuras mais múltipla e enigmática da cultura européia de meados do século

XX. Procurando romper com a concepção de homem que adquire uma linguagem ideal, pronta e acabada, e com a dicotomia que toma a linguagem como forma e

conteúdo, Bakhtin concebe um homem que dialoga com a realidade por meio da linguagem. Este teórico provoca fascínio, talvez, pela sua capacidade de ver o mundo,

o homem e a linguagem como sendo partes de um mesmo processo dialético.

As concepções de Bakhtin exigem do leitor um olhar múltiplo sobre o mundo e sobre o outro. Trata-se de uma teoria que vê o mundo a partir de ruídos, vozes,

sentidos, sons e linguagens que se misturam, (re)constroem-se, modificam-se e transformam-se. Dentro desse burburinho, a palavra assume papel primordial, pois é a

partir dela que o sujeito se constitui e é constituído. Para pensar a palavra a partir dessa perspectiva, faz-se necessário considerar o direito e o avesso não como partes

distintas, mas como elementos que se complementam por meio de uma relação dialógica.

Essa visão dialógica supera a descrição dos elementos estritamente lingüísticos e busca também os elementos extralingüísticos que, direta ou indiretamente,

condicionam a interação nos planos social, econômico, histórico e ideológico. Para pensar a concepção de palavra para Bakhtin, é preciso abandonar a noção de

codificação e decodificação que dá margem a uma percepção de língua como sendo um código fechado. Assim, a linguagem e a história são pontos fundamentais na

compreensão das questões humanas e sociais. Por ser polissêmica e dialógica, a palavra traz marcas culturais, sociais e históricas. Neste ponto Bakhtin estabelece o

maior divisor de águas na construção de sua teoria sobre a língua, pois ao afirmar que o contexto histórico é parte constitutiva da linguagem, ele questiona as

concepções estruturalistas que tomam a palavra como parte de um sistema abstrato de formas, em que o falante não tem poder de intervenção. O contexto histórico

transforma a palavra fria do dicionário em fios dialógicos vivos que refletem e refratam a realidade que a produziu. (Bakhtin, 1995)

A palavra, em situação de uso, é um espaço de produção de sentido. Dela emergem as significações que, conseqüentemente, se fazem no espaço criado pelos

interlocutores em um contexto sócio-histórico dado. Por ser espaço gerador de sentido é controlada, selecionada por meio dos mecanismos sociais. Diante disso, há o

que poderíamos chamar de determinismo social, ou seja, dependendo do interlocutor, da situação de uso, o falante determina qual a melhor palavra a ser utilizada.

Não podemos pensar em um total assujeitamento do sujeito falante ao contexto social. Ao contrário, se por um lado ele se submete, modifica-se para adequar-

se à ordem social em que está inserido, por outro, também interfere e muda tal contexto. Trata-se de uma relação que constitui e é constituída, uma vez que a linguagem

não é sistema fixo e abstrato, por isso permite ao sujeito falante abrir fissuras, construir outros sentidos, romper o cerco do sentido já dado.

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17

Daí Bakhtin falar do processo de reflexão e refração. Neste caso, a palavra, quando entra na arena discursiva, passa por constantes transformações. Ela é

lançada pelo locutor, mas quando devolvida pelo interlocutor, que já tem mudado de posição, passando a ocupar a posição daquele, não é mais a mesma. É a palavra do

primeiro locutor, que a proferiu considerando o seu interlocutor, mais o sentido do segundo locutor, que a devolve com uma carga a mais de sentido. Assim, podemos

afirmar que, em situação de uso, a palavra se vai revestindo de sentidos, tons e valores. Ela é prenhe de significados.

Para Bakhtin, a palavra não é somente um universo de sentidos ou signo puro, é também um signo neutro. Ela é neutra em relação a qualquer função ideológica

determinada, aceita qualquer carga ideológica. Daí Bakhtin considerá-la como o modo mais sensível de relação social, uma vez que se faz presente em todos em todos

os domínios sociais. É por meio da palavra que percebemos as mudanças mais efêmeras que ocorrem na sociedade.

Para compreender como se dá o processo de construção do sentido, é preciso ver a palavra como um signo ideológico, pois só assim é possível perceber a sua

capacidade de assumir múltiplas tonalidades em diferentes campos como o político, o moral e o religioso. Os sentidos funcionam como camadas superpostas que se vão

juntando. É o contexto, a situação social, o lugar ocupado pelo falante que determinam qual o sentido que deve ser dado à palavra.

Em situação de uso, a neutralidade da palavra não é possível porque o processo de interação não acontece de forma simétrica entre os interlocutores. Por meio

da linguagem as divergências, a materialização das lutas de classes, a disputa pelo poder por grupos antagônicos, as crenças religiosas e as demonstrações de

preconceitos são colocadas em evidência.

A mobilidade da palavra faz com que nenhum falante seja o primeiro a proferir determinado tópico discursivo. Ao usar a palavra, encontramo-la já habitada

pelas falas de outrem, pois ela penetra em todos os domínios da sociedade, por isso é indicadora das transformações que a sociedade infere no ser humano; a palavra

associa o traço visível à coisa invisível, à coisa desejada ou temida como uma frágil passarela improvisada sobre o abismo. (Calvino, 1995; p. 90)

Se para Calvino a palavra é a coisa visível e invisível, para Bakhtin ela é a ponte que, quando lançada, de um lado está o locutor e do outro encontra-se o

interlocutor. Em cima dessa ponte se dão as tramas sociais e ideológicas que determinam os sentidos da palavra. É interessante observar que tanto Bakhtin como

Calvino vêem a palavra como algo que mostra e oculta, que é clara e escura. É no entremeio dessa dualidade que está o território comum dos falantes.

Diante dessa dupla face, Calvino (1995) defende a necessidade de respeito no uso das palavras, pois elas permitem aproximar-nos das coisas presentes e das

coisas ausentes. Isso exige cautela, pois as coisas ausentes, embora não ditas, estão presentes, não se distanciam, comunicam-se, mesmo não estando explícitas na

materialidade da palavra. O horizonte social mais imediato e o mais distante se fazem presentes na palavra.

Bakhtin fala em auditório social imediato e mediato. Se no processo de interação o interlocutor presente direciona a palavra do outro, este também não

perde de vista falas, vozes, valores, concepções que se fazem ouvir, embora distantes. Como a palavra traz as marcas históricas, sociais e culturais, a gama de

sentido que ela denota é algo que vai sendo produzido de acordo com os processos de mudanças sociais, ou seja, os vários sentidos das palavras são construídos ao

longo da história, em momentos singulares, pelos sujeitos sociais em interação verbal.

Page 18: Volume II

18

A palavra possui uma gama de rumores que perturbam a constituição do discurso. Ao refletir e refratar a densidade do mundo que a produziu, revela-se

lacunosa e fragmentária. Em situação de uso, ela abre fissuras e brechas que permitem a interferência do outro na construção do sentido. Em cada palavra há vozes,

vozes que podem ser infinitamente longínquas, anônimas, quase despersonalizadas ..., inapreensíveis, e vozes próximas que soam simultaneamente. (Bakhtin in

Kramer,1996; p.109)

Dentro desse jogo dialético - da palavra que liga a palavra - o sujeito falante, que apreende o discurso do outro, não é um ser mudo e passivo. Ao contrário, é

um ser perpassado, cindido pelas suas palavras e pelas de outrem. Podemos afirmar, utilizando-se da voz de Chico Buarque, que no processo de apreensão é

estabelecida uma relação em que a palavra viva/ palavra com temperatura/ que se produz/ muda/ feita de luz mais que de vento/ palavra... que indo a palavra permite a

constituição do sujeito por meio da e na linguagem.

Esse processo de interação não ocorre fora do contexto social e histórico, é fruto da interlocução de dois falantes pertencentes a um mesmo contexto. Nesse caso, questões como classe social, hierarquia e afetividade são determinantes para a construção dos sentidos. Não existe interlocutor abstrato, uma vez que o horizonte social é determinante no processo de uso da palavra. Esse horizonte é internalizado pelo falante, que passa a fazer suas deduções e considerações com base no contexto que o cerca.

Ao orientar a sua palavra a partir do seu interlocutor, o falante constitui a sua subjetividade considerando o seu outro. Esse processo funciona como um espelho

em que o falante busca refletir-se, daí o fato de a palavra ter dupla face, pois é determinada tanto pelo fato de preceder de alguém, como por dirigir-se a alguém.

Podemos afirmar, assim, que a sua existência está intrinsecamente ligada à realidade social, fora do contexto de uso é destituída de sentido. A palavra é uma arena em

miniatura onde se perpassam e lutam os valores sociais de orientações contraditórias. É a partir do momento em que o sujeito falante entra nessa corrente ideológica,

uma vez que a palavra é um signo ideológico por excelência, que constrói a sua visão de mundo. Neste sentido, a palavra, quando proferida, traz as marcas inalienáveis

da vida. (Bakhtin, 1995; p. 49)

Tais fatores extralingüísticos determinam socialmente as palavras dos interlocutores, uma vez que eles também são sujeitos sócio-históricos e trazem valores,

ideais, desejos, culturas e marcas de pertencimento sócio-político-econômico diferentes. Tais pertencimentos, que marcam singularmente os sujeitos, se fazem

presentes na materialidade de suas palavras.

As palavras refletem, não de forma mecânica, os conflitos e apontam as marcas ideológicas distintas de cada sujeito em interação. Nessa visão bakhtiniana não

existe pensamento e linguagem inatos. A atividade mental do sujeito pertence totalmente ao campo social, pois a palavra e o material semiótico, externos aos sujeitos,

são elementos determinantes para a organização do pensamento que, posteriormente, retorna ao campo social.

A palavra, em sua condição de signo, é adquirida no meio social que, interiorizada pelo sujeito, retorna ao meio social por meio do processo de interação, numa

forma diferenciada, ou seja, ela é dialeticamente alterada devido às colorações ideológicas que marcam as condições de produção.

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Em razão desses condicionamentos sociais e históricos que perpassam tanto os sujeitos quanto as palavras, somente o acontecimento enunciativo dará a significação da palavra que, muitas vezes, será diferente da significação registrada no léxico; a significação é construída no processo de interação social. Assim, a palavra é constitutiva tanto da consciência quanto do desenvolvimento humano. A linguagem é constitutiva dos sujeitos sociais.

BIBLIOGRAFIA BAKHTIN, Mikhail (Volochinov). Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo, Hucitec. 1995.

CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo, Companhia da Letras. 1995.

KRAMER, Sônia & LEITE, Maria Isabel. Infância: fios e desafios da pesquisa. Campinas, Papirus. 1996.

Page 20: Volume II

20

UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)

CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

PRIMEIRA VERSÃO ANO I, Nº21 - OUTUBRO - PORTO VELHO, 2001

VOLUME II

ISSN 1517-5421

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NILSON SANTOS

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ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História

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O CRÍTICO E O CRIADOR

RUBENS VAZ CAVALCANTE (BINHO)

PRIMEIRA VERSÃO

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Rubens Vaz Cavalcante (Binho) O CRÍTICO E O CRIADOR

Professor de Teoria da Literatura

[email protected]

Vivemos neste instante a civilização da imagem. Radicalizamos as figuras de som e imagem que a poesia nos ensinou. Agora vemos e ouvimos mais do que

lemos. Lemos o referente. O signo verbal se amalgamou ao vocal e ao visual para sobreviver ao descaso com a leitura “tradicional”. As perguntas vão e vêm: pêndulos.

O crítico e o criador sonham saber o que se passa na cabeça do leitor e do século. Como se constrói uma escritura que atenda à economia discursiva solicitada por esse

leitor? E como se lê essa escritura? Questões difíceis de responder. Talvez, por essa razão, a criação literária contemporânea seja sinônimo da complexidade e da

diversidade do presente. Multiplicidade é a sua marca. “Somos inclassificáveis”1, diz Arnaldo Antunes em uma de suas letras de música, referindo-se à etnologia

múltipla do ser. Vale para a arte e a ciência essa afirmativa. Isso é mais real na medida em que aproximamos a lente do olhar à produção artística e científica do nosso

tempo. As teorias se multiplicam evolutiva e iterativamente, e as experiências estéticas se sobrepõem ou se contrapõem, estilisticamente, aos cânones universais: é a

arte conceitual; dá-se margens a que o espaço discursivo literário seja melhor otimizado pelas teorias e não pela própria literatura: problemas, hipóteses, métodos,

conceitos e reflexões sobre o ato da criação literária são veiculados em grande quantidade, na intenção de articular a formação de uma opinião crítica teoricamente

“embasada”.

Cada uma dessas teorias aspira parte das verdades e validades na interpretação de um texto. A trama teórica é tecida para revelar a cara do nosso tempo, estampada nas obras, mas o tiro, muitas das vezes, sai pela culatra. Depara-se, por exemplo, diariamente com a excitante peleja entre os teóricos, simpatizantes da modernidade perene ou da pós-modernidade inconteste, que reclamam a autoria do desvelamento da época corrente. Que tempo vivemos neste instante? Afinal, somos ou não somos pós-modernos? As respostas são tantas quanto são os olhares dos teóricos e críticos. A intenção é operacionalizar características e procedimentos que justifiquem a existência ou não de uma nova estética. Nesse ambiente de conceitos e contradições é que se constroem os críticos, sob o estranho signo da pretensão de interpretar o mundo.

Assim construído, o crítico contemporâneo, um poço de citações e paixões, tenta convencer o outro que consegue pôr a nu, com os instrumentos e os métodos

organizados da teoria literária, a criação simbólica ou mitológica do sujeito instalado historicamente na escritura literária. Seu impressionismo, aos poucos, vai sendo

posto de lado. Aprende a ler com filtros teóricos. Reclama a perda de algo que nunca teve de verdade: a leitura “inocente”, a relação de puro prazer com a literatura.

Não existe nenhum ato de linguagem inocente: toda leitura é crítica. Falar, escrever, ler e interpretar são ações que acontecem à luz da ideologia que nos constitui, até

mesmo quando pregamos a não-ideologia. O crítico às vezes esquece disso e reflete um vazio de sentido naquilo que rabisca.

1 Na música Inclassificável do CD O silêncio, 1996.

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Veiculando uma crítica que pouco esclarece ao leitor e a si mesmo - é a política do obscurecimento acadêmico -, o crítico escreve para manter a pose de

intelectual sintonizado com o próprio tempo. Experimenta uma inteligência artificial que periga apagar sua sensibilidade. Fica, muitas vezes, confuso e impotente com

tantas teorias da interpretação e, por extensão, desatento ao que elas provocam em sua recepção estética. Escreve para uma academia que declarou o fim do crítico leigo

e instaurou o discurso da crítica academicamente especializada.

Se tudo é complexo e diverso aos olhos do teórico/crítico, a diversidade e a complicação advêm dos conceitos tautológicos e do pragmatismo impenetrável que

regem sua visada. Impossibilitado de ver com os olhos de tatear sons e sentidos do poeta, o teórico/crítico registra a sinestesia, mas não visualiza o gesto realizado pela

escritura que a simultaneidade dos signos perpetua. Só lhe é dado ver a planta baixa dessa arquitetura de sons e sentidos. Denomina “processo” o plano de vôo da

poesia. Supervaloriza a linguagem à imaginação. É capaz de falar, com propriedade, de intertextualidade, plurissignificação, metalinguagem, transracionalidade,

desconstrução, mas muitas vezes cala seus sentidos diante da invenção existencial que fere de letal leveza o verso do rapper nas urbes e diante da improvisação

filosofal que tange a lira do cego nos sertões. Se o poeta é a antena do planeta, como queria Ezra Pound, o teórico/crítico, via de regra, é a estação mal sintonizada da

sensibilidade.

Em meio a essas vozes destoantes a propósito da literatura contemporânea, nem sempre atentos aos vituperos dos teóricos e dos críticos, “com um olho aberto,

outro acordado”2 (diz o poeta citado na introdução), os criadores vão construindo suas obras concomitantes às suas identidades históricas. O poeta observa as evoluções

de uma literatura que se plasma no velho paradigma dos novos tempos. Adequa-se à civilização da imagem. Não existe resistência nem ruptura com o multimeio: o

criador tem consciência da inevitabilidade da linguagem cibernética, aceita-a como instrumento de otimização na expressão da sua arte. O fazer artístico é a sua

resistência e a morte das vanguardas, sua ruptura. Ao artista cabe sintonizar o momento em que arte e técnica se unem para realizar a festa do intelecto. O criador é um

crítico do ambiente estético e estilístico em que se dá a sua criação. Uma crítica que vai por dentro da operacionalização do suporte dado pela técnica à arte: meio

paródia, meio ironia. O conceito de interatividade aplicado à arte conduz o discurso artístico em direção ao discurso publicitário: ao criador começa a parecer normal

que não importa o suporte, e sim a veiculação da criação. Outdoor, livro, muro, parede de edifício, vídeo, luminoso, vinheta de televisão, cd-rom, camiseta, boné ou

seus similares servem ao criador do século XXI como base para a circulação do seu discurso artístico. Faz tempo a arte perdeu a aura do ineditismo: é feita em série

como os objetos e fetichizada pelo espetáculo do consumo. O artista continua antenado com a subjetividade do mundo da criação, mas transcria ritmos e imagens com

os instrumentos de comunicação dos médias. É o que mais o difere do teórico/crítico. Com um olho na objetiva e outro na subjetiva, o criador alterna suas lentes na

leitura dos mundos que o cercam, sem perder de vista o momento mágico da criação. O poeta, assim como o papa, é pop.

2 No livro 2 ou + corpos no mesmo espaço, 1997, p. 23.

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Diante da estranha trama de sentidos na ciência e na criação, Harold Bloom (apud TADIÉ, 1992, p. 313), festejado crítico coetâneo, na tentativa de reabilitar a

subjetividade, propõe que se veja o poeta como um crítico em verso e o crítico como um poeta em prosa. Soa interessante sua proposta, contudo, sabemos da

dificuldade em aliar essas duas entidades. O criador e o crítico têm sintonias diferentes. É uma questão de freqüência: eles não se freqüentam bem. Trabalham com o

mesmo objeto – a criação – sob óticas diferentes. Um é a lavra das palavras; o outro, a larva das palavras.

O pensamento de Jean-Yves Tadié, em A crítica literária no século XX (1992, p. 313), quando argumenta que “Talvez seja necessário retornar ao prazer

proporcionado pelas artes que não pertencem à linguagem para ser e se fazer sensível à literatura, para propiciar ao leitor forma e significação mantidas vivas”, é

também muito tentador. Porém, se propiciar as formas “mantidas vivas” não é problemático, propiciar significações às obras de arte é uma missão complexa. E quando

se trata de poesia a complexidade parece aumentar. O pouco trato com a linguagem poética do leitor contemporâneo gera uma pergunta-bordão: onde a significação da

poesia? Muitas trilhas se encontram abertas na direção do desvendamento desta problemática. Jacques Derrida, por exemplo, com relação ao significado, diz na sua

Gramatologia (1973, p. 199) “que não há nada fora do texto”. Isso reverbera assustadoramente. A auto-suficiência do texto como morada do sentido é questionada por

várias correntes da crítica. Muitos preferem acreditar num sentido em construção no momento do diálogo entre leitor e texto. Octavio Paz, em A outra voz (1993, p.

147), relativiza: “O poema reflete a solidariedade das ‘dez mil coisas que compõem o universo’, como diziam os antigos chineses”. Soa bonito isso. Como os orientais

são sábios! Mas, pensando com os neurônios ocidentais, como seríamos capazes de solidarizar as “dez mil coisas que compõem o universo” se não somos solidários

nem uns com os outros? A escritura de criação é, antes de tudo, um palco para os conflitos do criador.

Se dar sentido a um poema é complexo, definir o que ele é também não é fácil. No reino da prosa, o que é um poema? Benedetto Croce (apud BOSI, 1996, p.

8) nos ensina que “Se nos dispomos a considerar qualquer poema para determinar o que nos faça julgá-lo como tal, discernimos ao primeiro olhar, constantes e

necessários, dois elementos: um complexo de imagens e um sentimento que o anima”. O pensador italiano abre um novo horizonte de expectativa que esbarra no

pequeno alcance das lentes do leitor comum e mortal. Silêncio. Perguntas brotam. O que é exatamente “um complexo de imagem”? E “um sentimento que o anima”?

Silêncio de novo. Dizer o que caracteriza um poema ainda não é defini-lo.

Mesmo com tantos caminhos abertos, a verdade é que nós, teóricos, críticos ou leitores, nos sentimos numa situação desconfortável ao ficarmos diante de um

texto de criação, na condição de intérprete. Talvez pelo fato de não ser da natureza do texto artístico, necessariamente, ser explicitado, mas sim vivido, ou mesmo

porque, na maioria das vezes, sejamos arrogantes a ponto de não reconhecermos nossa incompetência dialógica diante do significado da criação. Ou ainda porque

devêssemos, a exemplo do criador, também criar e nos deixar envolver pela magia da criação, sem racionalizar seus encantos e calar a voz que ecoa em nós os credos

repetitivos da teoria e da crítica. Apenas buscar o lugar mágico onde o crítico e o criador sejam uníssonos, sem alimentar a idéia de que o criador precisa

desesperadamente de nosso juízo de valor para continuar criando, nem criar uma pendência genética em que apenas o descompasso de sintonias é diagnosticado.

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O que nos falta em humildade, sobra-nos em vaidade. A rima é boa, mas a resultante é desastrosa e pobre. E se o artista é o agenciador dos sentidos do mundo,

a quem critica cabe a honrosa função de refletir sobre esses sentidos, estendendo essa reflexão ao outro sem a obrigação de revelá-los. Ocorre-me que o Paul Valéry, no

livro Variedades (1999, p. 25), argumenta que o que caracterizava o escritor clássico era o fato de já trazer “um crítico em si mesmo, associando-o intimamente ao seu

trabalho”. Seria o ideal se assim fosse ainda hoje, mas não é. Um crítico sensível precisa surgir para coexistir com o novo criador e o novo leitor. O parto promete ser

difícil. A convivência também. É uma questão de natureza!

BIBLIOGRAFIA

BOSI, Alfredo (Org.). Leitura da Poesia. São Paulo, Ática, 1996.

DERRIDA, Jacques. Gramatologia. São Paulo, Perspectiva e Edusp, 1973.

TADIÉ, Jean-Yves. A crítica literária no século XX. São Paulo, Bertrand Brasil, 1992.

VALÉRY, Paul. Variedades. São Paulo, Iluminuras, 1999.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)

CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

PRIMEIRA VERSÃO ANO I, Nº22 - OUTUBRO - PORTO VELHO, 2001

VOLUME II

ISSN 1517-5421

EDITOR

NILSON SANTOS

CONSELHO EDITORIAL

ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História

JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia MIGUEL NENEVÉ - Letras

VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia

Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows”

deverão ser encaminhados para e-mail:

[email protected]

CAIXA POSTAL 775 CEP: 78.900-970 PORTO VELHO-RO

TIRAGEM 200 EXEMPLARES

EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

ISSN 1517-5421 lathé biosa 22

DO TEXTO AO HIPERTEXTO DA LEITURA À HIPERLEITURA

ALBERTO LINS CALDAS

PRIMEIRA VERSÃO

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ISSN 1517 - 5421 26

Alberto Lins Caldas DO TEXTO AO HIPERTEXTO

Professor de Teoria da História DA LEITURA À HIPERLEITURA

[email protected]

(...) quando um Coelho Branco (...) passou a correr (...). Não era assim uma coisa muito notável (...). Mas quando o Coelho tirou mesmo o relógio da algibeira do colete (...) Alice levantou-se como uma mola; (...) os coelhos não costumam andar de colete nem de relógio. A arder de curiosidade, correu pelos campos (...) atrás do Coelho e só teve tempo de o ver enfiar-se num grande buraco. (...) Alice pôs-se atrás dele (...) o buraco era direito como um túnel (...) parecia um poço profundíssimo (...) ou o poço era muito fundo ou então o tombo de Alice era muito devagar. (...) olhou depois para as paredes do poço e reparou que estavam cheias de armários e prateleiras, com mapas e gravuras pendurados. (...) Fundo, fundo, cada vez mais fundo.

Alice no País das Maravilhas Lewis Carroll

O hipertexto, conquista e desnudamento dos instáveis labirintos do texto, chama certo tipo de leitura/interpretação por se expor sedutoramente como auto-

organização, afastando a ilusão científica das Lingüísticas e Ciências Humanas, indo além dos constrangimentos da voz num convite aos desvios infindáveis, às

dessimetrias, às simetrias assimétricas, às instabilidades, às dissipações da leitura/leitor: emaranhado entre as vidas da experiência, as vidas da cultura e as vidas

ficcionais [sem a Fé, sem a confiança num Deus (eixo de Dostoievski), numa Escrita, num Livro, numa História, e num Homem, todas as forças são centrí-fugas, se

mantendo o “conjunto”, o “sistema”, a “estrutura” da mesma maneira que o hipertexto, fluindo (aceitando flu-ir), se perdendo, se reorganizando a cada momento, sem

Saber ou Natureza que o justifique, que o explique, que o retenha, que o retese].

Hipertextualizar não é concentrar, mas espalhar, dilatar em todas as direções: onívoro e carnavalizado: como o caminhante de Rousseau que se deliciava com

idéias, imagens e sensações [o solitário enfrentando o silêncio e a incompreensão: a descorporificação do corpo: o deslimite como prazer: mais um corpo ainda preso às

dicotomias naturalizantes do eu-mundo, interior-exterior, sociedade-natureza, presente-passado: o sofrimento de Rousseau: somente um “cidadão” incompreendido; um

“ser natural” irrealizado; um adolescente velho] ou o flaneur de Baudelaire dispersava-se nas ruas da cidade, devorando-a sempre outra, com calma e multidão [sem

domínio e sem exatidão, pensando-se livre da casa, do lar e do pequeno destino: sempre e ainda vestido do seu tempo, do seu limite, do seu ar, mas já em dissolução,

atravessado de dúvidas, camaleão em nascimento, polpa moderna em formação, começo e fim de certo homem]. Vagabundear nas internetes, nas bibliotecas ou nos

livros; nos sonhos, nas interioridades, devaneios ou imagens; não é dominar esses espaços, não é inscrever essa face, esse nome, esse corpo, essa ilusão de poder [a

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inscrição textual]: é dissolvê-los, vê-los como intertextos em fluxo: interatividade essencial: além do limite, incompletos, sempre incompletos: cada “instante” é um

verbete, um link, um buraco de coelho: além da identidade, em plena diferença e desejo. Não mais uma máquina, mas um fora que é um dentro: a virtualidade

computacional exterioriza o “mecanismo de funcionamento” daquilo que nos faz ser. Haver alargado, complexificado, ficcionalizado a virtualidade é aquilo que nos

cria ao pormo-nos a fluir, esse flu-ir que somos nós, mesmo ao nos cristalizamos numa “cultura” ou num “momento cultural”, num “estágio evolutivo”, ou “momento

histórico”, numa forma, maneira, sistema, estrutura, modelo, sociedade ou linguagem.

Entrar no hipertexto é se estender e se espalhar nos meandros que nós mesmos vamos criando com um caminhamento que vai prendendo e soltando, atando e

desatando, trazendo e levando, inspirando e expirando. O hipertexto é esse caminhamento, movimento de criação que existe somente enquanto espaço de desvios, sem

suporte (ilusão naturalista), sem teto (recurso religioso), sem solo (artifício arquitetônico) e sem nome (a questão do autor e do leitor: Deus e a Natureza: a escrita e o

suporte: o nome e a nominação) [há um poder fechando o texto, dobrando a interpretação, disciplinando os fluxos, garantindo os sentidos, falsificando as

multiplicidades, resolvendo as contradições, freando as polifonias, criando fantasmas [“temporários” invisíveis, “por baixo” do visível do programa] dóceis do texto

(que não aparece como hipertexto, mas simplesmente como texto, como aquilo que pode, mas não deve ser ilimitado)]. A hiperleitura, como o próprio “existir

humano”, não se conclui, não termina, não “fecha o ponto”: ao pensarmos o começo estamos no fim: ao pensarmos o fim estamos no começo, e fim e começo são

somente momentos de um meio que deságua, deságua sempre numa rede sem entrada e sem saída, sem estrutura e móvel nos infinitos desvios sinuosos: hemorragia das

identidades: qualquer ponto final é ilusão textual.

Mas o hipertexto não é feito de “páginas encadeadas”, textos que levam a outros textos: esta é a mecânica hipertextual, aquilo que é a visibilidade do hipertexto

[o que conseguimos ver embriagados da milenar experiência do texto]: torná-lo uma enciclopédia faz parte das astúcias sobreviventes dos procedimentos da leitura, da

escrita e da interpretação do texto: o hipertexto é a própria hiperleitura em seu movimento, em seu momento; o resíduo é a mecânica hipertextual: aquilo que fica no

caminho é a rede e sua visibilidade textual [sempre pronta para reiniciar percursos]: a hiperleitura está sempre depois da materialidade textual sentida como mostruário,

arquivo, biblioteca, “série de textos”: é por isso que o visível do hipertexto se parece com um encadeamento de simples textos, verbetes, comentários, notas: o

hipertexto não está no fluxograma, mas no fluxo que se dissipa e se auto-recria. A rosácea em metástase, a rede, é a ilusão imóvel do movimento hipertextual; aquilo

que fica é somente um encadeamento morto de textos: o hipertexto é o movimento que já atravessou a rede criando outros movimentos [assim como o livro é somente a

carcaça do Livro; aquilo que atravessa: e a hiperleitura é aquilo que é somente enquanto é atravessado, enquanto é dito/escrito/inscrito].

O hipertexto exige, mais do que na tradicional “leitura do texto” [a hiperleitura se faz para dentro e para fora, modificando-os], uma atenção dispersiva, uma

ação de hachi [não de garfo e faca: instrumentos de análise: linguagens, gestos e instrumentos de certa cozinha científica e filosófica]: o hipertexto ao fluir conosco

como máquina caótica, heterogeneidades e diferenças, põe a fluir as imobilidades falsas da “página”, do “corpo”, da “leitura” (o dentro - o fora): ao acompanharmos o

fluxo, as linhas de fuga, os alargamentos dos horizontes, as expansões, nos tornamos mais que leitores, mas o que sempre fomos e não víamos: hiperleitores escondidos

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tanto pela escrita religiosa (científica, filosófica, técnica), quanto pela leitura de prazer. E nosso corpo tradicional também se multiplica: não mais um só olhar, um

devaneio metodológico, um corpo anatômico [esquecido que o anatômico é hipertexto, é “criação histórica”, é momento da “tribo ocidental” e não “realidade

biológica”, sequer uma “hegemonia tribal”], mas virtual numa busca que dispersa o fascismo monofônico da unidade e da identidade: somos e sempre fomos legião: a

voz única, o único corpo, a escrita centrada são efeitos de discursos, cristalizações virtuais e não “realidade natural” [nossa grande criação: nosso “meio natural”:

linguagens cristalizadas: pele, cútis, crosta: cosmética fundacional esquecida de si mesma: toda “estrutura científica da realidade” é tão somente uma “dobra material”

[a virtualidade se apresentando como realidade; o concreto como fundamento: a pele como o real], isto é, algo que esconde o virtual, criando uma “sociedade regida

por leis”, uma Natureza material: a compreensão virtual do mundo repolitiza o olhar para esses encobrimentos que não nos deixam ver que o mundo é mais fácil (ou

mais difícil!) de revolucionar do que sempre teorizou nossa filosofia vã.].

A leitura/interpretação nunca foi “ato acabado”, é verdade, mas sempre tendeu a uma “conclusão”, a um “fechamento”, a um “acerto”, a uma “representação”

[com uma linguagem própria, com idéias compatíveis, gestos tradicionais e normas convencionais: atividade disciplinada e disciplinar] curvando-se sobre si mesma;

alegorizando como afastamento, mas sempre dentro do conhecido e respeitável; enquadrada por sintaxes e gramáticas fundadas no sujeito ocidental, cristão, burguês,

universal e naturalmente histórico; criando conteúdos, matérias, objetos que alinhassem sua função, seu deleite; aceitando a “resistência dos materiais” sem avaliar

completamente o próprio material da resistência como constitutiva, ou quase aparente, da leitura enquanto aquilo que naturaliza para se realizar na ação mesma de ler;

não como uma reescritura que põe dessimetrias no limite de certos fluxos, mas como movimento eternamente tendendo ao circular [a leitura sempre diz dizer o mesmo,

sempre deseja dizer o mesmo (sempre proclamando o diferente), reforçando identidades e criando uma aparência hipócrita de deslimite, de deslize, quando criava e cria

tão somente notas, comentários, relações, comparações, divagações: glosas somente gulosas: diz aquilo-que-encontra, aquilo-que-está-lá, o existente: o piccolo mondo

do antigo “pequeno-burguês” se transformando no Universo “único e possível”]. Da mesma maneira que sempre lemos o mesmo livro de formas diferentes (sentindo

que não há um livro único, uma mesma matéria, mas movimento de reescritura, recombinações), sempre e novamente reformatado por nós, resignificado, o hipertexto

ao não esconder que é sempre algo-se-fazendo e não algo-feito, algo que difere e somente diferindo existe [da mesma maneira que somos nós: mantemos o idêntico

reconvertendo a diferença como se ela não existisse ou significasse], supera as ilusões tanto da autoria e do leitor quanto do suporte e do “texto crítico”, exigindo com

isso outra maneira de pensar e escrever.

A transformação do texto em hipertexto, dissolução daquilo que entendíamos como “suporte”, limite e leitura, exige também e tanto a multiplicação da “voz

hermenêutica” quanto a do “tecido crítico”. Uma só linha, um só movimento, um só desdobramento, uma só temporalidade, uma só lógica, um só autor, um só método

são suficientes somente para permitir ao texto unidimensões, pouco movimento, ações de engessamento e articulações tradicionais: leitura daquilo que está-no-texto,

aceitando a seleção sob um nome, um corpo, uma voz. Torna-se claro que é preciso mover (ler, interpretar, analisar, escrever, surfar, deslizar, diferir) o hipertexto de

maneiras diferentes do texto. Mas esbarramos em limites que não são somente limites da interpretação/leitura, mas limites fundamentais do imaginário e as regras dos

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antigos suportes e das maneiras como tínhamos para fazê-los “funcionar”: lemos, escrevemos e refletimos com o hipertexto de uma maneira completamente diversa do

texto [apesar do hipertexto haver desvendado o mistério do texto: todo texto sempre foi hipertexto: o texto é um momento de certa leitura e da visibilidade do

hipertexto: uma dobra hipertextual: uma cristalização hipertextual, assim como o corpo é somente momento de certa virtualidade].

O hipertexto (diferente do texto, não sendo também uma “nova forma de produzir, armazenar e consumir informações”, um além do texto), é forma de

virtualidade singular, holograma polidimensional em constante crescimento e convulsão de infindáveis formigueiros; atmosfera virtual; fluxo de múltiplos “universos”

se ligando a outros múltiplos “universos” além, antes, depois, dentro e a “universo” algum. A conexão entre esses “universos” não sendo objetiva, natural, histórica,

social, cartográfica, mas virtual, se faz por “buracos de coelho” em fluxos e interpenetrações, como em Alice no País das Maravilhas. Sendo assim, comunga (esp[e-

a]lha, re/produz, imita, possibilita) com a “natureza” da pele virtual que cobre o caos e que chamamos o real/o concreto [: o real é hipertextual: não somente enquanto

ser mas enquanto “vida social”, fluxo comunitário, manutenção e suporte].

[Enquanto é possível se fazer um mapa do texto, com o hipertexto isso seria absolutamente impossível (o hipertexto não é somente um labirinto, mas um

encadeamento multidimensional de labirintos que se confunde com o escrito, o falado, o vivido, o inventado, o humano e o próprio existente). Um mapa exige

constância, limite, código, algo que jamais está-lá, representando somente seus próprios códigos, apresentando somente a si mesmo: algo que esteja continuamente se

desconfigurando e reconfigurando pode somente ilusoriamente pensar uma cartografia, um fluxograma, uma maquete, um modelo, um esqueleto, um projeto, uma

analítica. Uma ciência do hipertexto seria absolutamente ridícula, possível somente enquanto redução do hipertexto ao texto, da hiperleitura à leitura (nunca a leitura

como reescritura). A “leitura científica do texto”, a “leitura ideológica do texto”, a “leitura religiosa do texto”, a “leitura filosófica do texto”, a “leitura política do

texto” são tão somente regulamentações de um jogo pre[s]escrito, com regras bem delimitadas dando a impressão de não caberem em si: tudo pre-figurações onto-

lógicas da nossa ocidental maneira de existir].

O hipertexto (como um além do texto, pois desnaturalizado, posto fora da competência, do corpo, do mesmo e do Estado) é verdadeiro e falso ao mesmo

tempo: nele está e não está todos os outros hipertextos, todos os possíveis buracos de coelho. No texto, para que houvesse uma leitura, uma verdade, uma realidade

(coisas estranhas ao hipertexto) foi e é preciso que exista um Deus, uma Natureza, uma Realidade, uma Cultura, um Tempo, uma Verdade, uma Linguagem, uma

Língua, um Dinheiro, um Leitor, um Código, uma Identidade, um Suporte, um Homem, uma Crítica, uma Disciplina: a “superinterpretação”, horror de todo limite

tornado texto, o horror de Umberto Eco, é a própria essência desvendada tanto da linguagem [que é o próprio ser da virtualidade: modulações, ritmos, seleções,

ordenamentos, limitações, regras que aparecem separadas das suas cristalizações, aparece como objeto, como algo-que-diz-o-ser e não como o próprio ser na sua

dimensão de existir] quanto de qualquer “texto” (hipertexto), que não tem dentro nem fora; não é em camadas, em planos; não tem origem ou função; não é corpo nem

espírito. Sendo fluxo polidimensional sem domínio não é “folha de papel” ou “tela de computador, não são “palavras escritas”, não são “palavras”, “frases”, “imagens”,

pixels. Todas as dimensões do hipertexto se cruzam, se interligam, interagem, procriam, destroem-se, completam-se sem cessar numa dimensão virótica, cancerígena,

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pestilenta: o horror dos baudrilards [: a ocidentalidade se apavora quando diante da alteridade, da diferença, da incomunicabilidade, da intraduzibilidade entre seres e

mundo, entre tribos e linguagens, entre corpos e almas, entre presentes e passados].

Dessa maneira, a própria interpretação deve seguir a tendência de desdobramento hipertextual: a interpretação torna-se também hipertexto, pondo-se e

transpondo, em todos os “elementos” possíveis e impossíveis, a si mesmo e ao hipertexto. Como virtualidade o hipertexto é rede, campo multidimensional conectado a

outras redes, outros campos multidimensionais, outras atmosferas, todos instáveis e em movimentos diferentes em si mesmo. A interpretação deve fazer fluir os campos

vivos do hipertexto e todos os campos que se conectam a ele, em novos hipertextos, conflituando e multiplicando assim seus estilos, objetos, perspectivas, tempos,

vozes, leituras, tornando-se também interdimensional: multiplica-se para fazer fluir criando e recriando as multidimensões do hipertexto: hipertextualizando-se, o texto

crítico perde sua lógica e sua pretensão a uma linguagem científica [como se fosse possível haver alguma “linguagem científica”, a não ser enquanto ilusão de certo

discurso!], seus tradicionais limites, tornando-se, enfim, também “texto literário”: o texto crítico sobre o hipertexto passa a fazer parte da hipertextualidade do

hipertexto analisado e vice-versa, aceitando o inconcluso e o ilimitado como uma das suas “maneiras de ser”.

O hipertexto, como qualquer “texto literário”, é o não-lugar, o inominável, o intocado, o intraduzível, o entre-mundos: exatamente porque é o lugar do fluxo, o

traço da negatividade, o deslocamento do “sujeito humano universal” para os devires. Onde o universal, o nacional, o natural não se realiza, não se completa, não

convence. [O hipertexto e sua reescritura são a própria essência do literário, daí porque nenhuma teoria conseguiu desvendá-lo, apreende-lo, explicá-lo: a “literatura”

está sempre depois das linguagens estruturadas, saturadas de teoria, de mesmidade, de conformismo, de enquadramento. Ao mesmo tempo, o “literário” do hipertexto

aponta para outra questão: ao não ser limite, objeto, coisa natural; ao não “provir” de nenhum “campo natural” (mas natural porque naturalizado!), o contexto, o meio

histórico, a autoria, a formação discursiva, a ideologia, a classe social como fundamentos, como essência, como apoio teórico, como crítica, como explicação

desaparecem, tornam-se momentos discursivos sobre o texto entendido como tecido, com bordas, centro, utilidade e posição num espaço-tempo: instituição com suas

regras, matérias, verdades e mentiras, dizeres e não dizeres, poderes e não poderes. O hipertexto não é discurso, mas fluxo discursivo que é “utilizado” conforme sua

produção, circulação, consumo: seu caráter (se tornar discurso) é dado segundo sua apreensão: é a apreensão que condiciona a força interna de configuração e

expansão: é ela que cristaliza o fluxo em discurso, o flu-ir em estrutura, os devires em disciplina e corpo.]

O hipertexto conecta seus elementos através da leitura/escrita, mas essas conexões não são objetivas, reais, palpáveis: elas não “pertencem ao texto” mas a

leitura/escrita, à interpretação, ao espaço entre hipertextos, aos campos entre os “buracos de coelho”. É a leitura/escrita que multiplica e faz fluir o hipertexto: em si

mesmo ele não é, ele não é nada. Ou melhor, sendo fruto da escrita/leitura, sendo leitura viva, o hipertexto é possibilidade indeterminada do fluir: basta dar o primeiro

passo: saltos e quedas, subidas e descidas no hiperespaço.

Todas as “teorias” podem e devem ser chamadas ao mesmo tempo para dialogarem com as instâncias hipertextuais. Cada momento dos desdobramentos é

desdobrado por uma idéia diferente, por um mundo da leitura diferente, por vozes diferentes, por diferentes autores, diferentes tempos e experiências, diferentes

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métodos, procedimentos, teorias, principalmente porque o hipertexto não-existe: desnaturalizado, desistoricizado, fora da “sociedade”, o hipertexto se faz

provisoriamente nos fluxos da hiperleitura e é dessa mesma maneira que o texto reflexivo, analítico, teórico pode alcançar sua “função”, seu “objeto”, sua “matéria”.

É próprio da hiperleitura criar deslizamentos anacrônicos (sem dizer que “existe” no “texto”, na “época” ou no “autor”). Sem anacronismo não haveria

hiperleitura (movimento): sem a justaposição de enganos, ilusões, inarticulações; sem o diálogo entre fantasmas, corpos, matérias, sensibilidades distantes no tempo, no

texto, na palavra; sem a separação daquilo que está unido, articulado, em ordem; sem alteridade se unindo e egos se desdobrando nenhuma leitura se realiza, nenhuma

interpretação é possível [nenhuma “unidade textual” é possível a não ser enquanto naturalização].

A leitura é sempre uma leitura de enquadramento. Exige um autor, uma instituição, uma sociedade, uma história, um homem; um saber que delimite e conheça

os códigos; uma matéria, uma competência, uma sincronia; um jogo com regras; poderes e espaços próprios.

O hipertexto é tapeçaria holográfica, “terreno poroso” (pântanos, areias movediças, labirintos, rizomas: pesadelos e sonhos: a passagem de um movimento, um

ritmo, de sincronias diacrônicas) onde o leitor-coelho (o hiperleitor) fura seus buracos e galerias, sem que isso esteja no hipertexto, mas somente nos “formigueiros” em

fluxos procriativos. Esses buracos e galerias não preexistem no hipertexto como materialidade textual (sentido, significado, código, signo, materialidades), mas como

possibilidades virtuais, isto é, o hipertexto, sendo polidimensional, só pode ser lido/compreendido multidimensionalmente, mesmo que aparentemente siga um único

método, uma única lógica, um único autor ou “escola interpretativa”: sem ser hipertextual a dimensão crítica não consegue ler o hipertexto, precisando torna-lo sempre,

e camufladamente, texto: o hipertexto exige tanto uma hiperleitura quanto uma “análise hipertextual”.

Lewis Carroll em Alice no País das Maravilhas nos aponta movimentos nesse jogo, nessa viagem, nessa inesgotável reescritura: quando um Coelho Branco

passou a correr: o coelho branco é a hiperligação, o punctum bartesiano que nos arrasta por passar correndo: esse passar, esse flu-ir já é por ter se configurado a

rede: o que se põe a flu-ir não é mais um simples ponto, mas o próprio ponto, o buraco de coelho e aquilo que se descortinará em relação: o coelho aqui inicia a história

(a hiperligação, a rede, os fluxos) enquanto hiperleitura: sempre fluxo textual mais amplo que ela mesma, vomitando e devorando, gritando e sussurrando criando e

recriando, pondo e dispondo, sendo somente enquanto rede de devires: e com isso atrai todas as imagens do passar, do correr, dos coelhos brancos e tudo que

nascer/procriar dessas “recordações”; Não era assim uma coisa muito notável: nunca é coisa notável: qualquer ponto aleatório se conecta a outro ponto aleatório (na

hiperleitura) criando outro plano: a hiperleitura cria e abre articulações em movimento que unem e desunem o sentimental, o singular, as impressões, o emocional, os

sentidos, os desejos, os sonhos, as memórias, as insignificâncias, os cotidianos à tradição, à cultura, ao pensamento, aos métodos, às disciplinas, ao escrito e à escrita,

ao lido: ler-escrever-criar: hipertexto/hiperleitura; Mas quando o Coelho tirou mesmo o relógio da algibeira do colete Alice levantou-se como uma mola: o

hermeneuta deve estar atento e “levantar como uma mola” atrás dos seus traços (talvez os punctum e os biografemas de Barthes, ou as clivagens de Bachelard) assim

que seja acionado, buscando não somente as “visões de conjunto”, a “filosofia do texto” ou mesmo as microgramáticas [ponto hipnótico de certas Análises do

Discurso] mas um processo de imersão e submersão, expandindo o minúsculo e miniaturizando o amplo: atraindo “visões de mundo”, mitologias, religiões,

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experiências para o ponto e ampliando esse ponto a essas dimensões, tornando campos de amplidão pontos compactos; os coelhos não costumam andar de colete

nem de relógio: estar atento a suas próprias sensações e imagens pois nesse devaneio da leitura é onde se formata o próprio hipertexto e, conseqüentemente, os buracos

de coelho e os universos textuais que se conectaram com o hipertexto: os elementos, no caso colete e relógio são os acionadores da busca: mas nenhum deles está-lá; A

arder de curiosidade, correu pelos campos: a curiosidade, a paixão, a memória, o descuido, o sono, o dever, o cansaço, o prazer criam o campo multidimensional que

é a hiperleitura, as articulações entre todos os buracos de coelho e todos os hipertextos, se fazendo não na “materialidade do texto” ou no leitor; o buraco era direito

como um túnel (...) parecia um poço profundíssimo: além de ser um túnel é também composto de galerias e galerias de galerias: e o deslimite das galerias: que se

abrem e se tocam e comungam numa grande massa hipertextual: mas essa profundidade é mais delgada do que uma pele: mesmo o absolutamente distante e o

absolutamente minúsculo são tão somente partes discursivas dessa pele sobre o caos; ou o poço era muito fundo ou então o tombo de Alice era muito devagar: o

tempo da narrativa e o tempo do hermeneuta e todos os tempos envolvidos se relativizam e correm mais lentos ou mais rápidos: o tempo é criado e recriado ali segundo

critérios textuais, critérios da leitura: sempre múltiplos, os tempos trocam seus lugares, comutam seus olhares, reformatam seus objetos, interconectam seus corpos: e

todos os tempos do hipertexto são o mesmo tempo presente da vida: o presente que, absolutamente fino, absolutamente nada, sem dimensão e sem natureza, se

desdobra, criando a multidimensionalidade polifônica que possibilita tudo; olhou depois para as paredes do poço e reparou que estavam cheias de armários e

prateleiras, com mapas e gravuras pendurados: os buracos de coelho são, por sua vez, hipertextos que levam a outros hipertextos: de um buraco de coelho, de

qualquer momento de um buraco de coelho, pode-se criar outra galeria, chegando ou não a outro universo, a outro hipertexto [: vozes entre vozes, corpos entre corpos,

olhares entre olhares]; Fundo, fundo, cada vez mais fundo: a profundidade do hipertexto não é linear, unitemporal: está sempre além do suporte e do significado, da

mesma maneira que a virtualidade interior (alma, espírito, consciência, mente, psique, inteligência) não coincide com cérebro, com cabeça, com um dentro, mas com as

próprias ilusões fundamentais do corpo: a espessura do hipertexto é a mesma da realidade, do concreto, do imaginário: a dimensão de uma pele, de uma finíssima cútis

sobre o caos: mas nesse quase nada está vibrando o tudo.

Enquanto criação da hiperleitura o hipertexto carregará o leitor e toda a sua dimensão interior, toda a sua experiência, a sua língua, a sua gramática pessoal,

seus enganos, acertos, desdobramentos. O “autor” é somente mais um reescritor que cristaliza momentaneamente num “texto”, sua hiperleitura: aquele que se deixou

atravessar e dialogou com esse fluxo.

Desterritorrializado o hipertexto é a conquista dos devires. Múltiplos espaços e múltiplos tempos, múltiplos nomes e corpos, interpolações e leituras, deslimites.

Nesses devires a diferença conquista sua ontologia, a minoria sua voz, o silêncio seu fluxo, a linguagem sem lugar.

O tempo do hipertexto é o do desdobramento: não é o tempo da História/história (presente e passado): o tempo-presente que se desdobra ao mesmo tempo

como passado-presente-futuro, criando uma ilusão tridimensional que vai caracterizar as experiências temporais da ocidentalidade.

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Encontrar Agostinho, Dante ou Shakespeare num hipertexto que nos parece absolutamente estranho a tudo isso não quer dizer que esse hipertexto “contenha

algo” [esperamos sempre que haja uma materialidade natural em tudo] de Dante, Agostinho ou Shakespeare: o leitor cria, cava e escava o “buraco de coelho” que faz a

ligação entre universos textuais separados: jamais o que dizer-do-texto (naturalização): o dizer está sempre além, em fluxo conectivo. Ao mesmo tempo, “utilizar” ou

“encontrar” Michelet, Sainte-Beuve, Comte, Marx, Freud, Lukács, Heidegger, Gilberto Freyre, Bakhtin, Campbell, Eliade, Bachelard, Haveloch, Foucault, Barthes,

Deleuze, Eco, Meihy, Willemart, Lévy, Kafka, Proust, Joyce, Marxismo, Estruturalismo, Fenomenologia, Existencialismo, Análise do Discurso, Crítica Genética,

Mitologias, Bíblia, Corão no “mesmo” hipertexto (gerando um “mesmo” hipertexto crítico), depende dos buracos de coelho e dos momentos textuais.

O que deve ser repensada é a leitura de um discurso apenas, de uma lógica, de um método, de um autor, de uma escola, de uma voz gerando um texto. A

multiplicidade de dimensões do hipertexto exige tanto a multiplicidade interpretativa quanto a multiplicidade da voz hermenêutica: hipertexto que nascem juntos e se

colam e se abrem para outros hipertextos.

BIBLIOGRAFIA

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Page 34: Volume II

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Page 35: Volume II

35

UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)

CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

PRIMEIRA VERSÃO ANO I, Nº23 - OUTUBRO - PORTO VELHO, 2001

VOLUME II

ISSN 1517-5421

EDITOR

NILSON SANTOS

CONSELHO EDITORIAL

ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História

JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia MIGUEL NENEVÉ - Letras

VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia

Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows”

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EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

ISSN 1517-5421 lathé biosa 23

PENSANDO PORTO VELHO A DITADURA DO PROLETARIADO

CARLOS ROBERTO REGINA JUNIOR

PRIMEIRA VERSÃO

Page 36: Volume II

Carlos Roberto Regina Junior PENSANDO PORTO VELHO

Aluno do curso de Economia - UFRO A DITADURA DO

PROLETARIADO

[email protected]

Sindicato, essa seria a palavra certa para expressar a luta dos trabalhadores e a sua união para defender-se da exploração capitalista, tornando-se assim uma

força, centralizada que avança por diferentes e sucessivas etapas de protesto, lutando contra a usurpação incessante dos trabalhadores frente ao domínio empresarial,

um movimento “organizado” que luta pelo fim de uma legislação gerada num período de ditadura governamental.

Nascido pelo protestos dos trabalhadores, estudiosos acreditam que os sindicatos se originaram na greve dos estivadores da Inglaterra em 1890, e na França em

1910 onde já se realizavam fusões de sindicatos, durante a passagem para a fase industrial.

Em se tratando de Brasil, os sindicatos surgiram da união dos anarquistas e comunistas, para se defender do despotismo industrial e lutar para que os níveis salariais não se coloquem abaixo do mínimo necessário para a manutenção e sobrevivência dos trabalhadores e família, representando assim, o progresso da classe operária contra os rudimentos capitalistas e abrindo novos e melhores canais de comunicação entre a força de trabalho e a administração empresarial.

Criada em plena época de ditadura de Getúlio Vargas, mais precisamente em 1937, foi reprimida com violência e tortura, mas já conseguia passos importantes,

fazendo com que Getúlio criasse uma CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) o que garantiu direito primários aos trabalhadores, como férias, fundo de garantia , etc.

Acredita-se que hoje exista em torno de 20 mil sindicatos espalhados em todo Brasil. Só dentro da Volkswagem de São Bernardo do Campo existem 54

sindicatos. Esses sindicatos em boa parte contam com um apoio da Central Única dos Trabalhadores (CUT).

A legislação da Consolidação das Leis Trabalhistas, Título V - da organização sindical é explícita nos incisos:

III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões jurídicas ou adminstrativas;

IV - é obrigatório a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho.

Foi através desse incentivo, que o governo viu-se obrigado a criar o Ministério do Trabalho, caso contrário correria o risco de uma revolução, com isso os

trabalhadores puderam então se filiar a um sindicato.

Lutando por um Sindicato

Não que o título deste artigo venha dizer que os trabalhadores tomaram o poder, até porque forças capitalistas federais os impedem de chegar ao ponto de uma

ditadura proletária. Agindo de acordo com a lei, uma pequena organização sindical filiada a Central Única dos Trabalhadores (CUT) tem conseguido ótimas proezas e

resultados.

Page 37: Volume II

37

Nascida em plena expansão capitalista, um grupo de trabalhadores do transporte coletivo em Porto Velho-RO, reuniram-se e decidiram lutar pelos seus direitos

frente a aristocracia urbanitária, desmembrando-se do Sindicato dos Rodoviários e criando seu próprio sindicato sob o comando de José Marcos dos Santos em 30 de

abril de 1990, chamado SITETUPERON (Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Transporte de Passageiro no Estado de Rondônia).

Como primeiro presidente José Marcos tem como incumbência unir os trabalhadores das várias empresas de transporte coletivo como a Porto Velho

Transportes, Itamarati, Viação Capital, TCM, Guaporé, etc. e formaram uma força única capaz de impor seus direitos por meios legais para lutar pela melhoria de

salários e contra o desemprego. Vista, então, como uma ameaça pelos empresários do transporte, o sindicato passa a ser o alvo principal desta classe capitalista

dominante que se organiza para derrubar essa força dos trabalhadores e começa então a se infiltrar no sindicato impedindo, através de “propinas” a sua ação,

organizando assim uma supressão do sistema de trabalho assalariado.

Criado para evitar que o trabalhador continuasse sua luta isolada e individual frente aos capitalistas e para impedir a superexploração do trabalho, o sindicato se

encontrava desestruturado e de "mãos amarradas", pois esquecera a sua finalidade principal e se enveredara pelos laços da burguesia empresarial, esquecendo das

reivindicações trabalhistas e sujeitando-se às decisões dos empresários.

A Revolução contra o Capital

Com a situação perante os trabalhadores não muito favorável, o SITETUPERON convoca novas eleições para a presidência do sindicato, sendo então a única

saída para um novo fortalecimento.

Um novo grupo surge, com propostas revolucionárias e contando com a insatisfação dos trabalhadores do transporte urbano frente a atual diretoria, esse grupo

sob o comando de José Hermínio Coelho, consegue uma vitória esmagadora, contando com 78% dos votos dos associados.

Sabiam muito bem o que teriam que enfrentar, mas o novo presidente tinha um espírito lutador próprio de Karl Marx:

Estamos convencidos de que para fazer triunfar a fraternidade universal teremos que nos dirigir ao verdadeiro povo, ao proletariado, aos homens que vertem dia após

dia o seu sangue e o seu suor sob o avassalamento dos sistemas sociais imperantes.

E mesmo sem conhecer o próprio Marx e suas teorias sobre o trabalho e o capital, Hermínio se encoraja e luta em favor dos trabalhadores do transporte

coletivo. A situação da categoria em 1993 (ano de sua posse), não era nada fácil, em termos de salário a categoria estava enfraquecida, um motorista ganhava o

equivalente a 2,2 salários mínimos e o cobrador um salário correspondente a 1,1 salário mínimo, mal conseguiam se alimentar e sobreviver, pois até cesta básica esses

trabalhadores não recebiam.

Page 38: Volume II

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José Hermínio e seu grupo se rebelaram contra essa usurpação capitalista e decidiram cruzar os braços e parar. Anos terríveis esses para os empresários, que

foram obrigados a tolerar muitas negociações e paralizações por melhores condições de trabalho e um salário digno. Houve anos de vinte dias ininterruptos de greve, o

que resultou na melhoria salarial, cumprimento de horas extras trabalhadas, cesta básica, café da manhã e décimo terceiro pago em dia.

Além de tudo, reduz seu próprio mandato, que era de cinco para três anos, o que possibilitava maior democracia dentro do sindicato, mas o trabalhador estava

contente com o presidente do SITETUPERON, o que possibilitou sua reeleição em 1996 com 85% dos votos, também em 1999 com 92,5% dos votos totais, gerando

muito contentamento, até por parte dos próprios empresários que possuiam uma mão-de-obra eficaz e produtiva.

Com um total de 750 associados o SITETUPERON reforma sua sede, localizada no bairro Nova Porto Velho e disponibiliza, tanto para o sindicalizado como

seus dependentes, atendimento médico, advogado, corte de cabelos, entre outros, produzindo assim uma satisfação mútua.

O Caminho do Poder

O sindicato ainda teria uma luta muito grande pela frente, chamada desemprego. Pesquisas apontam que oficialmente o Brasil tem 6,65 milhões de

desempregados, sendo o quarto país que mais colabora para elevar os níveis de desemprego no mundo, registrando 5,09% do percentual total, na frente dele estão Índia,

Indonésia e Rússia e segundo cálculos do economista Mário Pochmann revela que a mesma sociedade onde a População Economicamente Ativa (PEA) cresce 2,5% ao

ano, o Produto Interno Bruto (PIB) precisaria aumentar 6,5% ao ano para não haver desemprego.

Um sério risco corria o sindicato, pois o desemprego gera o medo nos trabalhadores de sindicalizar-se, o que resultaria na queda de associados e o

enfraquecimento da própria instituição, alem de tudo teriam que enfrentar um inimigo capitalista poderoso chamado Oscar Andrade (PL), proprietário da empresa de

Transporte Coletivo Itamarati que conseguira eleger-se deputado federal.

O sindicato sabia então que havia uma grande barreira para ultrapassar, pois o deputado só iria favorecer a classe capitalista que também encontrava apoio na

Câmara de Vereadores e Prefeitura.

A solução teria que surgir rapidamente. E foi no ano de 2000, em plena época de eleição municipal, que os trabalhadores encontraram-na. José Hermínio

Coelho iria se candidatar a uma cadeira na Câmara de Vereadores contando, é claro, como a maciça participação dos trabalhadores do transporte coletivo e outros, só

dessa maneira aumentaria a proteção ao emprego, a união dos trabalhadores em torno do sindicato e um começo de igualdade partidária política. A classe empresarial

para não ficar desprotegida, tentaria eleger um dos seus funcionários da área administrativa para vereador, resultando em uma neutralidade na Câmara dos Vereadores.

Mas não contavam com a união do SITETUPERON e a população, que acabaria por eleger Hermínio o primeiro colocado do partido (PT) com 1634 votos,

tendo uma maciça adesão dos trabalhadores do transporte coletivo que não aceitaram o candidato dos empresários.

Page 39: Volume II

39

Para os empresários só restava apoiar a reeleição do atual Prefeito Carlinhos Camurça, o que facilitaria as negociações entre o transporte coletivo e Prefeitura.

Mas para o trabalhador, não foi de todo mal, pois ao fazer com que o prefeito ajudasse as empresas com asfaltamento das ruas, por exemplo, estaria ajudando

aos motoristas e cobradores a trabalharem com mais conforto e segurança.

Como Hermínio acabara de se tornar vereador, poderia agora desempenhar seu cargo de presidente do sindicato com mais empenho, contando com o apoio de

seu vice José Cláudio Nogueira de Carvalho, continuando assim um domínio proletário, pois Cláudio é o atual presidente municipal do Partidos dos Trabalhadores

(PT), e com sua determinação sempre esteve na luta contra o avassalamento do capitalismo e da mais-valia, conseguindo atualmente grandes conquistas como cesta

básica, café da manhã e um excepcional salário para os trabalhadores do transporte coletivo, comprovadamente o terceiro melhor salário do país, só atrás do salários

dos trabalhadores de São Paulo e Porto Alegre, fazendo vigorar um atual salário de R$780,05 para os motoristas e R$ 468,03 para cobrador, aumentando para um nível

excelente, se comparado com a atual situação econômica em que se encontra o país, elevando a proporção de salários, principalmente dos cobradores de coletivo que

em 1993 era de 50% em relação ao dos motoristas.

“Tudo isso não vai parar tão cedo”, afirma José Cláudio: “Enquanto houver fôlego e união, o sindicato lutará pela força operária”. Dentre os principais

objetivos do grupo estão o ticket refeição, convênios médicos e área de lazer para os associados, continuando assim a prosperar o respeito aos trabalhadores e

recebendo o apoio político partidário do vereador, que tem se empenhado para impedir a implantação do sistema de mototáxi em Porto Velho e preocupando-se com a

área de saúde que se encontra muito precária, contando sempre com a ajuda dos trabalhadores para alcançar vôos mais altos.

A responsabilidade de Hermínio Coelho, Cláudio Nogueira e Valderi da Costa Braga (motorista, membro da diretoria do sindicato e atual presidente da

associação dos moradores do bairro Pombal.) só tem a fazer verdadeiras as palavras de Karl Marx que dizia que “não é a consciência dos homens que determinará o seu

ser, mas o contrário,o seu ser social que determina a sua consciência”.

Com essa consciência positiva e revolucionária conquistada através do SITETUPERON, é que esses homens poderão lutar com mais força para que os

trabalhadores do transporte coletivo, através de um sindicato forte, filiado a CUT, possam ter uma menor exploração da mais-valia e conseqüentemente melhores

condições de vida.

BIBLIOGRAFIA

GÖRGEN, James. POLÍTICA SINDICAL: PELO FIM DA UNICIDADE, NÃO DA UNIDADE. 1997, www.advfrgs.org.br MARX, K & ENGELS, F. MANIFESTO DO PARTIDO COMUNISTA. Moscou. Edições Progresso, 1987. SPINDEL, Arnaldo. O QUE É SINDICALISMO. Coleção Primeiros Passos. São Paulo, Brasiliense, 1983

Page 40: Volume II

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)

CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

PRIMEIRA VERSÃO ANO I, Nº24 – OUTUBRO - PORTO VELHO, 2001

VOLUME II

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PENSANDO PORTO VELHO A DISCRIMINAÇÃO DEPOIS DOS 40 ANOS

DANIELY FÁTIMA DE CARVALHO E SILVA

PRIMEIRA VERSÃO

Page 41: Volume II

Daniely Fátima de Carvalho e Silva PENSANDO PORTO VELHO

Aluna do curso de Economia - UFRO A DISCRIMINAÇÃO DEPOIS DOS 40

ANOS

Este artigo tem como objetivo mostrar que não é fácil “envelhecer” no Brasil, as discriminações que acontecem depois dos 40 anos, relacionados ao

crescimento cultural, intelectual e financeiro.

Algumas pessoas estão envelhecendo mau, estão infelizes, segundo nossa sociedade, estão ficando velhas “mas não estão ficando sábias”.

Segundo o mundo competitivo os mais velhos não têm a menor chance de “mostrar trabalho”.

Não é novidade que os profissionais com mais de 40 anos enfrentam enormes dificuldades, principalmente se forem de nível intelectual baixíssimo, na hora de

se exporem no mercado de trabalho as dificuldades aumentam.

Os empresários estão, digamos assim, enxugando custos, diminuindo os empregos, pelo menos para os mais velhos, colocando jovens, encontrando

“espaço” apenas para os mais novos, mantendo altos salários para os executivos já existentes na empresa e contratando com salários baixos.

Logo no Brasil

Logo em nosso país, chamado Brasil, o país habitado por uma maioria de velhos, situação que certamente se agravará em função das dificuldades econômicas,

pela discriminação de alguns em dar chances aos mais experientes.

Pessoas que colaboram enquanto jovem, mais por conseqüências não tiveram chance de estudar e lhes proporcionar um futuro digno, sem humilhações,

chegando muitas vezes aos 50 anos com muita experiência, muita sabedoria, que poderia ser utilizada em beneficio de toda sociedade, estão vivendo aos trancos e

barrancos, muitas vezes indo embora de seu país para ter uma vida com mais decência e sendo reconhecido como ser humano.

A sociedade não se prepara para o inevitável, o envelhecimento com “reconhecimento”.

Existi sim discriminação

Uma pesquisa feita pelo grupo Catho com mais de 300 empresas, constatou que há sim discriminação com os mais velhos.

Cerca de 70% delas responderam que preferem pessoas mais jovens em cargos de nível médio. Aqueles que não são promovidos a diretor ou presidente têm

poucas chances de permanecerem nas companhias quando ultrapassam os 50 anos, diz a pesquisa.

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A pesquisa revelou, também, em média todos os demitidos tinham cinco anos a mais do os recém-formados.

“Atualmente, as posições de gerência são ocupadas por apenas 15% de profissionais com mais de 50 anos” - Thomas Case – Sócio-Fundador do Grupo Catho.

É preciso correr contra o tempo

Muitas vezes o desemprego, faz com os mais idosos, “os mais velhos”, procurem empresas de recolocação, ou seja, tentam novas oportunidades de emprego.

Porém, existi apenas mercado para quem está atualizado. A Tecnologia avança muito depressa, por isso quem acompanha o crescimento, as mudanças no mundo,

acaba encontrando espaço. Tendo visão de negócios, visão apurada para aceitarem mais rapidamente as novas tecnologias.

Quando não há chances, os desempregados, mesmo os formados, correm atras de qualquer coisa para não passarem fome e entrar em desespero.

O Mercado só não oferece oportunidade para quem não sabe administra sua carreira. “Você precisa estar sempre atento as chances que aparecem e buscar

experiências quando a situação não é satisfatória”. Não se sentir humilhado, já basta o preconceito, a falta de informação da sociedade.

Sem dúvida a ociosidade faz com que qualquer pessoa, velha ou jovem, se entregue ao desânimo e sem perspectiva de um futuro melhor, muitas vezes levando

ao desespero, e muitas vezes a loucura e suicídio.

Como solucionar tantos problemas

Aqueles que dão a volta por cima se dedicam à alguma atividade física, mental ou intelectual, estão menos sujeitos aos males da discriminação. A dedicação a

tarefas manuais, atividade filantrópicas e religiosas, ocupando o tempo se extruindo, ocupando o tempo ocioso de forma saudável, proporcionado uma vida mais útil

e produtiva. Se informando, evoluindo com o tempo, motivando-se para continuar a carreira, a vida depois dos 40 anos.

Em uma entrevista com um senhor de 45 anos, podemos ver que não adianta parar de lutar, a culpa é da sociedade em geral, podemos observar que continuar a

viver é saber envelhecer com dignidade;

José Nunes Marques, 45 anos, começou a trabalhar com 12 anos como engraxate, trabalhou durante 15 anos nas Centrais Elétricas de Rondônia, foi demitido, pois

precisaram enxugar o quadro pessoal, ganhava R$ 1.636,00, trabalhando 6h por dia, nível superior incompleto por motivos financeiros, possui carro próprio, casado,

uma filha e hoje trabalha no Almoxarifado da Fundação Rio Madeira, Instituição de Apoio a Universidade Federal de Rondônia, ganhando 500,00 (quinhentos reais),

trabalhando 8h por dia.

Senhor Nunes, o senhor passou por algum tipo de preconceito?

É uma questão complicada, se a pessoa alcança 35 a 40 anos, já está ultrapassado para o mercado de trabalho, mais também não se aposenta.

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A maioria dos trabalhos prestados, terceirizados não tem espaço para as pessoas de “meia idade” ou idosas.

Na minha situação, como já estive em Cuba, por duas vezes, um vez na Rússia, Israel, Egito, Italia, é engraçado como aqui no Brasil se fala muito em primeiro

mundo, e não fazem nada para que vire primeiro mundo.

Nos balcões das empresas aéreas da Italia a maior parte do pessoal efetivo tem mais de 40 anos.

A palavra desemprego não faz parte do cotidiano deles, não existi no dicionário deles.

Nas fábricas de jóias mais famosas do mundo em Teberiades em Israel os ourives tem mais de 60 anos, para nós aqui no Brasil, é impossivel sonhar com essa

realidade, aqui em nosso país o que importa é ganhar dinheiro, mesmo que seja criminosamente.

Precisam sempre de “Gente nova e sangue novo” para trabalhar com baixo custos na mão de obra.

Muitas vezes a gente estuda tanto, se esforça tanto, ler , se informa, para não chegar a nada, a lugar nenhum, você simplesmente é cortado por estar “com a idade

ultrapassada”.

No sistema bancário privado ninguém se aposenta, entidades que poderiam fazer muito, mais sonegam impostos.

Como já vivi muita coisa nessa vida, passei mais de um ano desempregado, é terrível, entrei em depressão profunda, insônia, a insegurança perante sua família, sua

vida se torna um pesadelo, você passa a se sentir um lixo, um inutil.

A pessoa de meia idade é mais ponderada nas suas colocações, tem experiência, pode contribuir sempre de algum modo, mais se torna tudo desnecessária na

conjuntura do mercado globalizado.

Mercado este que não tem oportunidade para todos, e que a oportunidade é para os mais “jovens e espertos”, os mais bem paridos, como pude ver em Cuba uma

jovem filha de lavadeira cursando o ultimo ano de medicina com especialização em Cardiologia, e um filho cursando Engenharia com especialização em Física

Nuclear, isto acontece no Brasil?.. eu pelo menos nunca vi.

Idade do Lobo

Os altos executivos indicaram as idades medianas para os seguintes tipos de executivos: (Fonte: Grupo Catho)

O mais pontual 42 anos

O mais disposto a trabalhar 12 horas por dia 36,5 anos

O mais adequado para trabalho em grupo 37,7 anos

O mais flexivel 40 anos

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O mais disposto a arriscar 32,6 anos

O mais atualizado tecnicamente 38,2 anos

O mais resistente a mudanças 53,7 anos

Aceita mais rapidamente novas tencologias 30 anos

O que mais fará leitura sobre negocios 47,2 anos

O que tomará as melhores decisões 51,5 anos

Algumas conclusões: Tenho experiência em casa, meu pai está desempregado a 7 anos, tem 46 anos e experiência de sobra, trabalha desde os 10 anos de idade,

com as fontes de pesquisa que encontrei, pude perceber que há oportunidade para quem procura se atualizar, não desperdiça conhecimento, e corre atras do tempo

perdido.

Não adianta ficar esperando, o tempo passa, os preconceitos aumentam, as dificuldades não acabam e o conhecimento sempre fica.

Certamente a idade é uma questão de preconceito, empregar-se, é difícil, há barreiras, mais com certeza a pontes para passarmos por cima de tudo.

Somos preconceituosos, achamos que quanto mais velhos, menos “sábios”, porém esquecemos que a sabedoria esta claramente na experiência de vida.

A alegria não acaba, as melhores formas de viver estão na madeira de nos aceitarmos perante a sociedade, perante nós mesmos.

Viver, crescer, envelhecer, com dignidade.

Page 45: Volume II

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PRIMEIRA VERSÃO ANO I, Nº25 - NOVEMBRO - PORTO VELHO, 2001

VOLUME II

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PENSANDO PORTO VELHO REFORMA AGRÁRIA: UMA MEDIDA ECONÔMICA

ANTONIO ELSON PORTELA

PRIMEIRA VERSÃO

Page 46: Volume II

ISSN 1517 - 5421 46

Antonio Élson Portela PENSANDO PORTO VELHO

Aluno do curso de Economia - UFRO REFORMA AGÁRIA: UMA MEDIDA ECONÔMICA

O Brasil é um País com dimensões continentais, no qual possui uma grande área disponível à agricultura, sendo em torno de 70% de seu território, mas sendo

apenas 14 % desta área explorada. Conta ainda com um solo rico em minerais, que se torna ótimo para a agricultura. E sem contar que é dono de um terço das águas

doce do Planeta e está situado em uma zona de clima equatorial, que é totalmente favorável à atividade agrícola.

Dos países com grandes extensões territoriais, o Brasil é o único que permanece com uma estrutura agrária parecida com a de sua colonização, prevalecendo o

elevado número de latifúndios, que muito contribuem para a o processo de concentração de terras. E esta geralmente é medida pela escala de Gini3. Na qual o Brasil

encontra-se com um nível bastante concentrado,algo em torno de 0,802, colocando o País na 12ª posição do ranking de classificação de concentração de terras. Por

esta escala o níveis se encontram entre valores de 0 a 1. Tendo em 1 a representação total da concentração total do grande latifúndio.

Observando a situação fundiária brasileira através da escala de Gini, nota-se que o Brasil está atrasado em relação aos países, que têm uma agricultura

desenvolvida, em se tratando em Reforma Agrária. Resultando direto na produção agrícola nacional. Porque o país não aproveita os potenciais que lhe competem

para ser um dos maiores produtores e exportadores agrícolas do mundo.

Fonte: INCRA

3 Estatístico Italiano

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47

Através do gráfico acima observamos uma curva ascendente que corresponde a concentração de terras. E esta chegará no nível de concentração máxima,

quando todas as terras pertencerem a uma só pessoa. No gráfico percebemos uma ótima desconcentração de terra, para propriedades com pequenas áreas. E acontece

exatamente ao contrário para com as grandes propriedades.

Em todo o território nacional podem ser encontrados os grandes latifúndios, que geralmente são propriedades de pessoas muito poderosas. E que estão

dispostos a lutar pela posse de suas terras. Estas grandes propriedades foram formadas desde a época da colonização brasileira. Enormes quantidades de terras eram

usadas para o cultivo de uma determinada cultura, que tinha sua produção em grande escala, com fins para a exportação. E o Brasil passou por diversos ciclos de

colonização agrícola, sempre baseadas na forma de monoculturas. Sendo que até hoje, são destinadas propriedades inteiras para o cultivo de uma só cultura. Como é

o exemplo da soja, grande produto de exportação brasileira. Mas temos que atestar para a importância das grandes propriedades produtivas, que são os chamados

“braço forte da agricultura brasileira”.

Porém um dos grandes problemas da Reforma Agrária é a formação dos grandes latifúndios improdutíveis. Por uma combinação de vários fatores e as

dificuldades impostas pelo mercado. Os latifundiários perderam as condições de produção. Ficando hectares de terras inteiras em ociosidade por um longo período de

tempo.

Fonte: INCRA

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Através do gráfico acima podemos notar que o número das grandes propriedades é bem pequeno, mas que ocupam uma enorme área. E é exatamente o

contrário que acontece com os minifúndios. Para efeito de classificação da propriedade rural, ficam definidos os seguintes conceitos:

• Minifúndio: propriedade rural menor que o módulo fiscal;

• Pequena propriedade: área entre 1 e 4 módulos fiscais;

• Média propriedade: área entre 4 e 15 módulos fiscais;

• Grande propriedade: área superior a 15 módulos fiscais.

Um módulo fiscal é um imóvel rural “que direta e pessoalmente explorado

pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada

região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com ajuda de terceiros”4

A incorporação dos minifúndios e das pequenas propriedades pelos latifundiários e concentração de terras pode ser percebida após a Revolução Verde, que

trouxe a mecanização da lavoura e as novas tecnologias para o campo. A Revolução Verde tornou-se um problema aos pequenos produtores rurais, que não

apresentavam condições financeiras para a mecanização de suas lavouras e a aderirem às novas tecnologias. Este investimento é fundamental para o alcanço de maior

produtividade e bom preços, para que se produza excedentes no qual se destinarão à exportação.

Geralmente, devido ao tamanho das pequenas propriedades, o pequeno agricultor fica sem condições de investir na mecanização de suas lavouras, porque não

seria muito vantajoso, pelo tamanho do investimento em uma área tão pequena. E muitos não se contentam com o simples sustento da subsistência, e preferem vender

suas terras aos latifundiários e tentar uma nova vida na cidade ou então trabalhar para o dono das novas terras.

Como podemos ver nos gráfico acima, o Brasil apresenta em seu território uma grande área ocupada pelos latifúndios, cerca de 55% das áreas existentes

pertencem a 3% do número de propriedades cadastradas, segundo informações obtidas do INCRA.5

Além do altíssimo nível de concentração de terras, podemos mencionar um grande número de grandes propriedades improdutivas. Cerca de 52,28% de área

ocupada por latifúndios estão por ser exploradas. Isto demonstra que a Reforma Agrária Nacional vem passando por um profundo estágio de atraso em relação aos

países desenvolvidos.

4 Fernanda Zuquim – Brasil: A Modernização do Espaço Agrário ea Questão Fundiária 5 Balanço da Reforma Agrária feito pelo Incra

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Com o desenvolvimento tecnológico no campo e a grande concentração de terras, podemos observar a marginalização do trabalhador rural, que tenta uma

nova oportunidade na cidade. Este movimento denominado de êxodo rural, contribui muito para o crescimento demográfico das cidades, acarretando um índice maior

de desemprego, geralmente pelas dificuldades que o homem do campo encontra nos grandes centros urbanos.

A população brasileira residente no campo em 1960 chegava em torno de 55%. Após a industrialização nacional, e as melhores condições de vida encontrada

nas cidades, juntamente com a Revolução Verde, podemos notar que o número de pessoas residentes no campo mudou totalmente. E através de dados do IBGE,

podemos concluir que hoje a população brasileira é predominantemente urbana. Sendo em torno de 82%.

A Reforma Agrária Nacional

A Reforma Agrária é o conjunto de medidas que visam fazer uma melhor redistribuição de terras, através dos projetos de assentamentos rurais, divididos em

pequenas propriedades destinadas a famílias carentes, que não têm terra para tirar suas condições de sobrevivência. E visa estabelecer um sistema de relações entre o

homem, a justiça, o progresso e o bem estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do país, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio.

A Reforma Agrária brasileira assumiu uma grande importância nas discussões políticas de desenvolvimento nacional. Principalmente na década de 90,

surgindo por todo o país reivindicações por Reforma Agrária liderada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). Estes não conformados com a

existência de muitas terras com potencialidades não aproveitadas; tendo eles um sonho de ser dono de sua própria lavoura. Este movimento mudou completamente a

opinião da população em relação a Reforma Agrária. Com a política de invasão de terras improdutivas, gerando em algumas vezes conflitos com os proprietários, eles

ganharam muitos adeptos e outros contra o movimento.

Segundo líderes do movimento, o número de trabalhadores rurais sem-terra vem crescendo no Brasil e já alcança 4,8 milhões de famílias, dos quais 150 mil

pessoas estão ligadas ao MST, espalhados por 600 acampamentos em todo o País. Sua principal meta é protestar contra a concentração de terras e cobrar do Governo

Federal um maior Orçamento para a Reforma Agrária. Querendo elevar a cifra de R$ 1,3 bilhões anuais para R$ 4 bilhões.

As reivindicações históricas de reforma agrária defendida para garantir terra aos sem-terra são muito justas, porque consagra o acesso à propriedade aos

trabalhadores, historicamente excluídos pela burguesia e pelo latifúndio de terem uma terra para manter suas famílias e garantir suas mais elementares condições de

vida.

Porém dar terra aos trabalhadores rurais não resolveria nenhum problema social do país. Os projetos de assentamentos do governo brasileiro segundo o

Ministro do Desenvolvimento e Reforma Agrária, Raul Julgmann, visa muito mais que dar assistência ao lavrador e sua família, através de um pedaço de chão para

plantar, do que propriamente criar colônias especialmente produtivas entre os sem-terra. Uma família assentada pelo programa de reforma agrária ganha um lote de 20

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hectares e em média um crédito de R$ 20.000 para construir sua casa, comprar equipamentos e sementes para começar uma plantação. O Movimento dos trabalhadores

rurais sem-terra afirmam que o crédito cedido pelo governo é somente R$ 7.500 para cada família, uma diferença de R$ 12.500.

O Balanço da Reforma Agrária e da Agricultura Familiar de 2000, registram que em seis anos, de 1995 até o final de 200, 482.206 famílias – mais 2 milhões

de pessoas conquistaram seu pedaço de chão em assentamentos da Reforma Agrária. Desde 1995 até o final de 2000, o Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar (Pronaf) liberou R$ 10,2 bilhões para pequenos produtores. Somam 3.736os assentamentos criados pelo Instituto Nacional de colonização e

Reforma Agrária (Incra) em quase 18 milhões de hectares de 1995 a 2000.6

Mas o grande problema encontrado para desencadear o processo de Reforma Agrária é os altos custos que ela vem enfrentando. Principalmente com os valores

pagos a certas indenizações aos latifundiários, que são bastante elevadas. Isto se tornou um sistema bem rentável para os donos de latifúndios improdutivos.

Uma Medida Econômica

A Reforma Agrária não representa somente uma política social, em que apenas tenha que dar terra a trabalhadores rurais. Ela deve ser encarada com outras

pretensões. A desconcentração de terras seria, uma verdadeira medida econômica, e com muito mais importância que uma medida social.

O Brasil tem enormes possibilidades econômicas, recursos naturais e uma grande mão-de-obra disponível. Tem terras férteis sobrando, e tem pelo menos 4,8

milhões de famílias sem-terras querendo trabalhar. Com todos esses fatores o País poderia ter um volume bem maior nas suas exportações agrícolas e abastecer todo o

mercado interno.

“O Governo não faz a Reforma Agrária, mas gasta todos os anos, cerca de 5 bilhões de dólares (mais de 10 bilhões de reais) com a importação de comida que

poderia ser produzida aqui”.7

Seria de suma importância a exploração de todas as áreas disponíveis à atividade agrícola no Brasil. E a única alternativa para se dar o aproveitamento dessas

áreas é o fim das grandes propriedades improdutivas, que representa um atraso para a agricultura brasileira.

Mas não podemos descartar a importância que as grandes propriedades totalmente produtivas têm para a economia local. Estas geram grandes volumes de

divisas para o País com suas exportações. Como foi por muitos anos o caso da Fazenda Itamarati, que já foi considerada a maior produtora de soja do mundo. E hoje

podemos citar os grandes grupos agrícolas como a Arisco, Círius, Parmalat, Maggi, que são grandes exportadoras agrícolas.

6 Dados obtidos no Ministério do Desenvolvimento e Reforma Agrária 7 Jornal dos sem-terra, abril de 2001.

Page 51: Volume II

51

Porém não basta apenas realizar a Reforma Agrária. O agricultor precisa ter recursos para produzir. Ele precisa de apoio governamental. Como a criação de

uma linha de crédito para financiamentos à aquisição de máquinas, sementes e outros empreendimentos; aplicação de subsídios. Este última é uma das ações do

governo mais importante para o desenvolvimento da agricultura nacional.

De acordo com a revista The Economist, para cada dólar ganho, um fazendeiro americano recebe do governo cinqüenta centavos a mais em subsídio do

governo sobre o valor real do que foi produzido, enquanto um japonês recebe 2 dólares a mais. O total de subsídios gasto pelo governo americano por ano chega em

torno de 100 bilhões de dólares.8

Vale a pena mencionar a política econômica realizada pelos grandes produtores e exportadores de produtos agrícolas. A proteção de seu mercado interno,

adotando uma elevada tarifa sobre os produtos agrícolas importados. Este protecionismo, reforçado com uma redução nas cotas de importação por parte dos grandes

países industrializados, agrava os sérios problemas das nações dependentes das exportações de produtos primários.

Nos países que observamos uma forte aplicação de subsídios e uma política protecionista, podemos observar o grande desenvolvimento agrícola. Como

acontece com os Estados Unidos – maior produtor e exportador de produtos agrícolas do mundo. Estes representam cerca de 14% das exportações totais do país.

Se o governo brasileiro seguisse o exemplo americano e realizasse de fato uma Reforma Agrária, para aqueles que estivessem dispostos a se dedicar a

agricultura, nós teríamos grandes chances de ter uma agricultura Primeiro Mundo.

Sendo realmente realizada uma Reforma Agrária no Brasil, boa parte das terras cultiváveis do País estariam sendo exploradas, criando mais riquezas para a

nação. E haveria uma “movimentação das terras” gerando um grande fluxo de capitais e a criação de empregos diretos e indiretos na zona rural. O que seria ótimo

para reduzir o grande aglomerado encontrado nos grandes centros urbanos.

Para por a terra em movimentação o agricultor precisa de crédito para adquirir sementes, maquinários, insumos, instruções técnicas e outros fatores existentes

para uma atividade agrícola. Isto resultaria diretamente na ampliação de novos mercados de produtos agrícolas e o surgimento de indústrias de maquinários.

Acarretando também na criação de empregos nos centros urbanos.

Com o surgimento de empregos nas cidades e no campo, haverá um maior mercado consumidor, o que realmente interessa aos grandes investidores

estrangeiros. Um grande mercado para os seus produtos e um grande número de mão-de-obra disponível.

Outra conseqüência que surgirá facilmente com a Reforma Agrária será uma grande produção de alimentos, que atingirá uma auto-suficiência do mercado

interno e uma produção de excedentes que se destinará à exportação.

8 Hélio Carlos Gatcia – Lições de Geografia

Page 52: Volume II

52

E com uma produção totalmente mecanizada, ela tenderá a chegar em um menor custo de produção, implicando em menor custo de vida em se tratando de

alimentação.

Por motivos de favorecimento de classes políticas, a Reforma Agrária está muito lenta. Os grandes proprietários que têm muita influência política jamais

cederia suas terras para os assentamentos do governo e tão pouco repassaria-as através de títulos da dívida agrária por preços justos. Já que as indenizações viraram o

negócio da moda

Para a concretização da Reforma Agrária seria necessário um Orçamento Federal gigantesco, para o qual o Brasil recorreria para os empréstimos obtidos lá

fora. Esse é um dos motivos porque demora tanto o processo de desconcentração de terras no País. Será que o Governo deve aumentar a sua dívida externa para

financiar a Reforma Agrária Nacional?

Bibliografia

LUCCI, Elian Alabi - GEOGRAFIA: Homem no Espaço Global, São Paulo, Saraiva, 1995.

Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, Nº 3, Abril de 2001.

GARCIA, Hélio Carlos – Lições de Geografia, 3.ed., São Paulo, Scipione,1995.

Page 53: Volume II

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)

CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

PRIMEIRA VERSÃO ANO I, Nº26 - NOVEMBRO - PORTO VELHO, 2001

VOLUME II

ISSN 1517-5421

EDITOR

NILSON SANTOS

CONSELHO EDITORIAL

ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História

JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia MIGUEL NENEVÉ - Letras

VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia

Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows”

deverão ser encaminhados para e-mail:

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EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

ISSN 1517-5421 lathé biosa 26

PENSANDO PORTO VELHO AIDS – UMA GUERRA QUE NÃO SE SABE QUEM

VAI VENCER

CLEYTON SANCHES

IZABEL ARAUJO LIMA

SARA FERNANDES

RÔMULO LOPES

PRIMEIRA VERSÃO

Page 54: Volume II

CLEYTON SANCHES, IZABEL ARAUJO LIMA, SARA FERNANDES E RÔMULO LOPES PENSANDO PORTO

VELHO

Alunos do curso de Economia - UFRO AIDS – UMA GUERRA QUE NÃO SE SABE QUEM VAI

VENCER

A AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) tornou-se uma das principais causas de mortes prematuras em vários lugares do mundo, sobre tudo na faixa etária de 20 a 49 anos.

Recentemente vem ocorrendo vários relatos de redução da morbidade e da mortalidade por AIDS, atribuídas ao uso da terapia anti-retroviral combinada. No

Brasil tem-se verificado um aumento de óbito atribuído a AIDS, mas não há analise que abordam sobre o período após o inicio da disponibilizarão universal e gratuita

da terapia anti-retroviral combinada, que, no país ocorreu em 1996 (Decreto Nº 9313 de 13 de Novembro de 1996 ). Na distribuição geográfica da AIDS no Brasil, as

regiões sudeste e sul são ainda as campeãs em números de ocorrências, porem nos últimos anos enquanto estas apresentaram uma redução na notificação dos casos, na

região norte caminha na contra-mão apresentando as maiores taxas de crescimento da mortalidade.

Dados e números da aids no Estado de Rondônia

No estado de Rondônia a primeira notificação de AIDS ocorreu em Porto Velho, em 1986, e da lá para cá foram registradas, segundo a secretaria de Saúde (

SESAU ) 414 casos de AIDS, sendo que 253 homens e 161 mulheres. Em Porto Velho tem um total de 342 casos, sendo que 217 homens e 125 mulheres, ou seja, a

capital detém 80% dos casos. Como mostra a tabela abaixo:

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Quadro demonstrativo dos casos de aids no Estado de Rondônia - 1986-Maio/2001 - Fonte: Secretaria de Saúde do Estado de Rondônia

Município Masculino Feminino Total Porto Velho 217 125 342 Vilhena 02 08 14 Cacoal 12 09 21 Pimenta Bueno 03 05 08 Ji-Paraná 06 05 11 Ariquemes 02 03 05 Rolim de Moura 02 02 04 Presidente Médice 03 01 04 Guajará-Mirim 01 01 02 Jarú 01 02 03 Total Geral 414

Apesar da maioria dos infectados ainda serem de homens, é verificada a tendência do aumento do número de caso entre mulheres. No Brasil a razão entre o

número de óbitos ocorridos em homens e em mulheres passou de 11 para 2,5, em conseqüência da promiscuidade masculina. Outras tendências são pauperização e

juvenilização, ou seja, haver o maior número de casos entre as camadas mais pobres e mais jovens. No Brasil como em Rondônia o maior número de casos esta entre os

heterossexuais, provando que há muito já não existe o tal “grupo” de risco, definido por homossexuais ( a Aids era chamada como a “doenças dos gays” ) e usuários de

drogas injetáveis, mas sim o comportamento de risco.

Assistência e programas de prevenção

Os exames ELISA, LACEN e CD4CD8 (para a contagem de linfócitos e definição do tipo de terapia) só são feitos na capital.

A assistência aos doentes e dada pelos sete SAES (serviço de assistências epidemiológica) espalhados pelo estado, dois deles encontra-se em Porto Velho, que

recebem recursos do SUS, e do Banco Mundial através de um convenio. Após a confirmação de do exame o paciente é encaminhado ao SAE onde recebera assistência

medica e psicológica.

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Praticamente não há falta de medicamentos do coquetel, que Ministério da Saúde disponibiliza, (dos medicamentos anti-retrovirais), já que o governo produz a

maioria dos componentes. Por outro lado há falta dos remédios para as infecções oportunistas, já que o Estado não assume essas despesas. Alguns desses remédios

podem chegar a custar 300 reais e para consegui-los os representantes dos SAES chegam a fazer mendicância, pedindo remédios a médicos e solicitando amostras

grátis a laboratórios ou os próprios pacientes assumem essas despesas. Alguns desses remédios podem chegar a custar 300 reais e para consegui-los os

representantes dos SAES chagam a fazer mendicância, solicitando esses remédios a médicos e solicitando amostras grátis em laboratórios. A farmácia básica não

conta com esses remédios. Para solucionar este problema há uma proposta onde o suprimento de remédios e as despesas com tratamento sejam divididas entre os

governos estaduais e municipais. Mostrados na tabela abaixo:

Período/2001 Destino da verba Total Janeiro Dept.Epidemiologia/PVH 2.485.704,57 Fevereiro Dept.Epidemiologia/PVH 2.300.371,42 Março Dept.Epidemiologia/PVH 2.441.641,63 Abril Dept.Epidemiologia/PVH 2.696.597,02 Maio Dept.Epidemiologia/PVH 2.857.365,82 Junho Dept.Epidemiologia/PVH 436.311,11 Total Geral Dept.Epidemiologia/PVH 13.217.991,57 Fonte: Recursos Federais do SUS

Em 1997 começou uma parceria com o Banco Mundial e Secretaria de Saúde do Estado, porem nos últimos anos tem havido uma redução de metade da verba a

cada ano. Não há dados oficiais sobre as pessoas soropositivos (pessoas contaminadas com o vírus HIV que não desenvolveram a doença), porem são feitas pesquisam

em nível nacional.

Os testes em grávidas só começaram a ser feitos no ano 2000 em Porto Velho e em algumas cidades do interior. Na são feitos os exames na policlínica Rafael

Vaz e Silva, administrado pela prefeitura municipal de Porto Velho, no hospital Oswaldo Cruz, administrado pela Secretaria Estadual de Saúde, no Cemetrom e ainda

no CTA, Centro de Testagem Anônima.

A relação de medicamentos anti-retrovirais disponibilizados pelo Ministério da Saúde inclui 12 medicamentos (cinco inibidores da transcriptase reversa

análogos de nocleosídeo, três inibidores de transcriptase reversa não análogos de nucleosídeos e 4 inibidores de protease) em 25 apresentações farmacêuticas. Com isso

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57

os gastos de remédios que o governo federal tem é de 332 milhões de dólares. Os preços dos anti-retrovirais tem apresentado uma queda devido às negociações do

Ministério de Saúde junto aos fornecedores. As quedas mais significativas dizem respeito aos preços dos medicamentos que já são produzidos no Brasil. Tanto por

empresas privadas nacionais e laboratórios oficiais. Esses remédios apresentam uma media de redução de 72% em relação aos importados.

O Brasil hoje economiza 227 milhões de dólares na produção de oito das doze drogas do coquetel anti-retroviral. Caso o país não produzi-se esses

medicamentos, poderia gastar em media 530 milhões de dólares a cada ano.

A AIDS no Brasil tem provocado um grande prejuízo em 20 anos de descoberta como veremos abaixo:

� 58 milhões de pessoas infectadas; � 22 milhões de óbitos; � Dois bilhões de dólares são gastos por ano, hoje, no combate à aids; � 70% dos casos estão na África. Apenas 0,04% são medicados. (Fonte: Revista Veja (04.07.2001)

Prevenção � Distribuição de preservativos para todo o estado de Rondônia � Parcerias na distribuição: Seduc (adolescentes) universitárias pelo projeto universiaids. � Campanha de distribuição em carnavais (incluindo-se os de fora-de-época) � Dia da mulher, festivais de praia, dia dos namorados e eventos como o arraial do Flor do Maracujá.

Conclusões – verificou-se que sócio-economicamente é mais viável fazer campanhas de prevenção contra a AIDS do que investir milhares de dólares em

medicamentos e projetos destinados ao combate a AIDS. Não deixando de ressaltar a importância dos investimentos para a descoberta da cura deste mal. Estas

recomendações têm sido discutidas com o Programa Nacional e elas serão consideradas durante as campanhas. Importante também, a avaliação social forneceu

evidências da preocupação de muitos atores sobre a fragilidade de muitas pessoas e sobre a definição de uma estratégia de sustentabilidade após o final de cada

campanha de prevenção.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)

CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

PRIMEIRA VERSÃO ANO I, Nº27 - NOVEMBRO - PORTO VELHO, 2001

VOLUME II

ISSN 1517-5421

EDITOR

NILSON SANTOS

CONSELHO EDITORIAL

ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História

JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia MIGUEL NENEVÉ - Letras

VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia

Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows”

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ISSN 1517-5421 lathé biosa 27

PENSANDO PORTO VELHO O JOGO DA TERRA EM RONDÔNIA

DUANNY DRAYTON NEVES TARCISIO PARADA DE CARVALHO

FRANCISCO RÉGIS ALMEIDA BRUNO LEITE DA SILVA

PRIMEIRA VERSÃO

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ISSN 1517 - 5421 59

Duanny Drayton Neves, Tarcisio Parada de Carvalho PENSANDO PORTO VELHO

Francisco Régis Almeida, Bruno Leite da Silva O JOGO DA TERRA EM RONDÔNIA

Alunos do curso de Economia - UFRO

[email protected]

Partindo da pressuposição que a disponibilidade do fator terra não é ilimitado, como inicialmente se referiam os clássicos até Ricardo, que passou a advertir

sobre o problema da fixidez e dos rendimentos decrescentes, podemos lançar a discussão básica da economia - a escassez de recursos versus as necessidades ilimitadas

do homem. Sendo limitado o fator de produção terra este deve ter uma plena utilização de forma racional que, além de atender à conservação dos recursos, sirva para

erradicação do desemprego e subemprego. Como solução teremos que procurar combinar, no estado de Rondônia, fatores humanos e patrimoniais adequadamente, para

tanto cabe analisar os projetos implementados na região e apontar que estes tinham um objetivo plenamente justificável do ponto de vista econômico, pois se os

recursos são limitados sua utilização plena é imprescindível. Contrapondo-se aos ecologistas que defendem a preservação incondicional destes, nossa posição aqui é

defender a conservação e não a preservação, ou seja, a utilização racional do fator terra e é justamente aí que nós encontramos os erros nos projetos colonizadores

efetivados pelo INCRA, principalmente configurados no PA`s.

Uma comparação exata ou mesmo aproximada entre os dados de 1970 e 1996 não seria viável, pois havia apenas dois municípios - Guajará-Mirim, Porto Velho

- e hoje há mais de 50 municípios. Optamos pela comparação, numa primeira análise, apenas de 1970 a 1975, Pensavamos que por serem regiões de colonização antiga,

sua concentração fundiária estava relacionada a isso, porém foi impressionante notar que essa relação na verdade não existia.

As áreas destinadas a agricultura familiar (abaixo de 200 ha) em 1970 representavam 13,64% da área total do município de Porto Velho, enquanto as áreas acima

de 10.000 ha representavam 27,15% desse mesmo montante; em Guajará-Mirim estes dados eram respectivamente 10,51% e 12,25%. Passando para 1975 temos, em

Porto Velho as áreas destinadas a agricultura familiar, 52,74%; acima de 10.000 ha ,10,12%. Já em Guajará-Mirim as áreas abaixo de 200 ha, 41,10%; acima de 10.000

ha 47,44%. Percebe-se logo que Guajará-Mirim caminhou no sentido inverso ao percorrido por Porto Velho, crescendo a sua concentração relativa, estava injustificada

a explicação histórica dos números atuais de concentração, haja vista que se parti de números de concentração pequenos.

Neste período (70-75) se efetivou os Projetos Integrados de Colonização “PIC´s” criado para agricultores de baixa renda com áreas médias das parcelas de 100

ha, este projeto diz respeito a implantação e organização territorial. Os PIC´s totalizaram uma área de 1.368.602 ha e foram efetivados entre 1970-1974, porém,

enquanto no município de Porto Velho (que compreendia os atuais municípios de Ji-Paraná, Cacoal, Vilhena, Pimenta Bueno e Ariquemes em 1975), constatou-se 3

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60

PIC´s, em Guajará-Mirim houve apenas um (Sidney Girão) com uma área pequena em comparação com a total, 76.300 ha.

Entre 1975 e 1980 as terras aráveis em Rondônia passaram de 3.082.053 ha para 5.223.631 ha, neste mesmo momento o estado teve uma nova separação

municipal, passando de dois (Porto Velho e Guajará-Mirim) para sete (Ariquemes, Cacoal, Guajará-Mirim, Ji-Paraná, Pimenta Bueno, Porto Velho e Vilhena). Quando

isto aconteceu, elucidou-se a ação dos grileiros e posseiros em Pimenta Bueno, onde anteriormente existiu uma demarcação de lotes com aproximadamente 2.000 ha,

fazendo com que esta região apresentasse nível elevado de concentração, que se pode verificar no gráfico (área total dos estabelecimentos).

Contribuiu para o processo de concentração verificado em Pimenta Bueno, Porto Velho, Guajará-Mirim, a regularização fundiária em demarcação que,

legitimava a alienação das terras em favor de um único pretendente, (o INCRA passou a alienar áreas de até 500.000 ha para companhias de colonização, 72.000 ha

para projetos madereiros, 66.000 ha para projetos agropecuários e regularizou títulos adquiridos ilegalmente até 66.000 ha) “O INCRA se convertia então num imenso

cartório público regularizando as terras dos grileiros e posseiros” (Citado por José Malory Popermayer). Surgindo o que podemos chamar de paradoxo do INCRA,

estaria ele a promover a concentração num estágio inicial da colonização?

O último PIC, em 75 na região de Ariquemes/Ji-Paraná, mudou a estratégia de colonização empregada pelo INCRA, para os PAD´s (projeto de assentamento

dirigido) no qual o órgão governamental assume a responsabilidade de organização territorial e de infra-estrutura, sendo que os beneficiados precisam ser mais

especializados do que um sem terra. Os lotes eram um pouco maiores com áreas médias de 100 ha a 250 ha, totalizou o PAD um montante de 799.586 ha. Estes

projetos foram centralizados no município de Ariquemes, explicando desta forma a desconcentração desta região: (fonte: IBGE)

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É comum no entanto se observar que em projetos mais antigos como o de Ji-Paraná “dois ou três lotes são ocupados pela mesma família, isto provoca o que

podemos chamar de minifundização dos estabelecimentos” (PERCIVO)

No início da década de 80, Rondônia registrava um total de terras aproveitadas para cultivo de 5.222.593 ha; em 1985 houve um aumento de 809.986 ha,

resultando num total de 6.032.579 ha, apresentado uma ampliação até 1996 de 2.857.861 ha, contabilizando assim 8.890.440 ha. O estado já representava uma nova

fronteira agrícola para o Brasil recebendo um intenso fluxo migratório, naquele contexto histórico, o governo achou necessário a criação de um projeto que

correspondesse a demanda por terras. Ele permaneceu em execução até a metade da década, o que contribuiu para uma divisão menos desigual das terras, porém esta

colonização dirigida que se verificou não constituiu um sucesso, porque ao longo do processo o Estado perdeu sua direção, como exemplo de tal fato, pode-se citar “a

extensão dos limites dos projetos realizados pela pressão da ação dos grileiros e posseiros” (idem)

O projeto implementado pelo INCRA, para atender as exigências do governo foram os PA´s - projeto de assentamento acelerado, com parcelas entre 25 ha a 50

ha. As terras dos programas de assentamento acelerado somaram 566.217 ha e localizaram-se entre 1981-1984. Nos PA’s a dimensão dos lotes corresponde à metade

da área dos lotes dos PIC´s, a localização desses projetos se dá em áreas próximas às dos projetos de colonização já implantados, “ a forma como tem sido conduzida

sua execução pelo INCRA - as terras são apenas divididas e abertas as picadas até os lotes, dificultando o acesso e a ocupação efetiva dos mesmos - permite abstrair

que os projetos de assentamento acelerado constituem-se em reservatórios de força de trabalho àqueles projetos mais antigo”. (LOPE, 1983: 27)

O modelo da pequena produção imposto pelo PA´s apresenta fatores de desestabilização, pois o produtor é abandonado a sua força de trabalho, sendo o

migrante, futuro produtor, considerados por natureza “economicamente frágil” (SEPLAM - Indicadores sócio-econômicos das cidades), aprendeu cedo que não deveria

contar com o crédito das instituições financeiras, devido ao fato do pequeno produtor ter receio em perder a terra por não conseguir pagar o empréstimo.

Em 1980, as áreas abaixo de 200 ha representavam 51,17% da área total utilizada como fator de produção, passando para 58,56%, em 85. Nas áreas acima de

10.000 ha observou-se que, em 80, estas representavam 16,17% das terras e em 85 ocorreu uma queda desse índice para 14,03%; porém se deve avaliar esta queda

apenas em termos relativos, pois, na verdade, ocorreu no período um aumento absoluto de 183.362 ha das terras contidas nesta faixa de análise.

O aumento significativo das áreas familiares ocorreu pela ação do PA`s, mas nós não podemos encarar este programa como uma forma de assentamento efetivo,

tendo em vista que pela maneira como foi conduzido, não apresentando um estudo detalhado da terra, um melhor investimento em infra-estrutura e pelo pequeno porte

dos lotes, fez com que tempos depois houvesse uma concentração das terras, verificada no período de 11 anos (85-96).

Em 96 as áreas abaixo de 200 ha regrediram para apenas 35,09% das áreas cultivadas. Fato de grande importância, revelador do que se passou nesses últimos 11

anos citados, é ter existido não só uma concentração relativa, ou seja, em termos de porcentagem, mas também uma concentração absoluta, pois as áreas destinadas a

agricultura familiar retrocederam 413.169 ha, não obstante o fato das terras aráveis sofrerem ampliação de quase 3 milhões de hectares, esta absurda concentração foi

explicada no parágrafo anterior ao falarmos sobre o PA`s.

Page 62: Volume II

62

Entre 1985 e 1996, verificou-se que a faixa de análise acima de 10.000 ha teve sua participação relativa quase dobrada de 14,03% indo para 26,05%, isso

significa que as terras contidas nessa faixa se ampliaram em 1.453.473 ha.

Observe o gráfico de comparação entre 1980-1996 (obs.: 1-1980, 2-1985, 3-1996):

Fonte: IBGE

Devido à falta de uma política dirigida nas áreas das atuais microrregiões Porto Velho e Guajará-Mirim, podemos considerá-las regiões de tradicional

concentração de terra, em 1996 a relação das áreas acima de 10.000 ha era 43,50% e 66,76% das áreas cultiváveis respectivamente. Comparando com os dados de 85

temos para o mesmo grupo de área total 14,95% em Porto Velho e 23,03% em Guajará-Mirim.

As microrregiões de Cacoal, Ariquemes, Ji-Paraná e Colorado D’Oeste, configuram hoje uma zona de melhor divisão das áreas de cultivo localizada no centro-

sul do estado, pois estas receberam grande interferência dos órgãos governamentais, mas também encaminham-se claramente à concentração, é o que se verifica com os

dados:

1- Cacoal, grupo de área total abaixo de 200 ha, (1985) 78,90% (1996) 48,41% e acima de 10.000 ha (1985) 0,00% (1996) 7,50%

2- Ariquemes, grupo de área total abaixo de 200 ha, (1985) 61,65% (1996) 36,03% e acima de 10.000 ha (1985) 10,71% (1996) 22,99%.

3- Ji-Paraná, grupo de área total abaixo de 200 ha, (1985) 82,38% (1996) 55,61% e acima de 10.000 ha(1985) 4,68% (1996) 18,19%.

4- Colorado D’Oeste, grupo de área total abaixo de 200 ha, (1985) 50,68% (1996) 28,25% e acima de 10.000 ha (1985) 26,41% (1996) 39,76%.

Vilhena se constitui uma exceção no estado, apresentando quedas relativas, em 1980 sua área acima de 10.000 ha contava com 26,79% do total, em 85 passou

para 23,57% e finalmente em 1996 apresentava apenas 14,04% das suas terras na faixa aqui considerada. Isto se traduz na forma absoluta com quedas sucessivas de

áreas concentradas: 7.958 ha (80-85) e 110.376 ha (85-96) (fonte: IBGE).

0 ,0 0 %

1 0 ,0 0 %

2 0 ,0 0 %

3 0 ,0 0 %

4 0 ,0 0 %

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1 2 3

C o n c e n t ra ç ã o

R e la t iva a b a ix o d e

2 0 0 h a

C o n c e n t ra ç ã o

R e la t iva 2 0 0 d e

1 0 .0 0 0 h a

C o n c e n t ra ç ã o

R e la t iva a c im a d e

1 0 .0 0 0 h a

Page 63: Volume II

63

Gráfico representativo da situação atual da estrutura fundiária representativo de 1996, último censo agropecuário do IBGE

Apesar de não podermos fazer uma comparação no tempo da evolução da microrregião de Alvorada do Oeste, pois a mesma não existia, ressaltando-se que esta

apresenta a melhor divisão da sua área cultivada por faixas do estado, isto se da pelo fato de lá ter ocorrido os últimos projetos de colonização dirigida, com ressalva

desta ser a menor microrregião hoje existente. Resta apenas avaliar o que isto representa em termos de produção agrícola e degradação ambiental.

A análise sobre a importância do Planafloro à estrutura fundiária é fundamental, mas tal comparação não é possível, pois durante o governo de Fernando Collor

de Melo não houve censo agropecuário, assim, não podemos tirar conclusões baseados em outros dados, já que outros que viessem a existir poderiam apresentar

distorções.

O estudo dos dados, mostra-nos ser a reforma agrária defendida hoje a colonização do estado de Rondônia de ontem, então não podemos cometer os mesmos

erros efetuados anteriormente, assim, nos moldes defendidos, assentamento acelerado, desordenados e com pequenos lotes seria inviável. Defendemos uma postura

mais conservadora e responsável de processar estes assentamentos; um processo dirigido pelo governo, com uma infra-estrutura adequada e assistência aos produtores,

para que estes não abandonem suas propriedades voltando à concentrar as terras.

Relevante também é mencionar que consideramos o INCRA como sendo “o senhor absoluto na condução do processo de colonização” (MARROCOS) de 1970-

1980, sendo apontado como o maior responsável pela estrutura fundiária verificada hoje.

E s t r u t u r a F u n d i a r i a p o r M R H

0 %

1 0 %

2 0 %

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A lv o r a d a

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5 . 0 0 0 a m e n o s d e 1 0 . 0 0 0 h a

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M e n o s d e 2 0 h a

Page 64: Volume II

64

Em suma, ao observarmos os projetos de colonização, notamos que os mesmos fizeram com que ocorresse uma grande desconcentração das terras nos períodos

de 1970 até 1975, essa desconcentração só se repetiu no período de 1980 até 1985, quando o aumentou do fluxo migratório exigiu a criação dos projetos de

assentamento acelerado.

Em última análise a comparação dos dados de 1985-1996, leva-nos a concluir que se abateu sobre o estado de Rondônia uma intensa concentração das terras,

nesta época, houve uma queda nas áreas destinadas a agricultura familiar de pouco mais de 400.000 ha, lembrando ter havido no mesmo período um aumento de

2.857.861 ha nas áreas utilizadas para cultivo. Este fato foi produzido pelo evidenciamento da falência dos projetos de colonização mal estruturados que procuravam

assentar famílias de forma rápida, buscado aliviar as tensões no campo que existiam em outras regiões do Brasil.

BIBLIOGRAFIA

AMARAL, José Januário, TERRA VIRGEM, TERRA PROSTITUTA. USP, Mestrado, São Paulo, 1994.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE -, Censo Agropecuária 1970, 1975, 1980, 1985, 1996.

MARROCOS, Manoel Filho, MIGRAÇÃO E MALÁRIA EM RONDÔNIA SUAS HISTÓRIAS E RELAÇÕES. FGV, Mestrado, São Paulo 1989.

PERSIVO, Silvio Rodrigues, O XADREZ DAS TERRAS. UFPA, 1985, Pará.

ROSSETI, José Paschoal, INTRODUÇÃO À ECONOMIA. Universidade Mackenzie,8 ed. São Paulo, Atlas, 1980.

SANTOS, Carlos, A TERRITORIALIDADE NA COLONIZAÇÃO RONDONIANA. UFRJ/PPGG, Tese de Doutorado, Rio de Janeiro, 1998.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)

CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

PRIMEIRA VERSÃO ANO I, Nº28 - NOVEMBRO - PORTO VELHO, 2001

VOLUME II

ISSN 1517-5421

EDITOR

NILSON SANTOS

CONSELHO EDITORIAL

ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História

JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia MIGUEL NENEVÉ - Letras

VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia

Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows”

deverão ser encaminhados para e-mail:

[email protected]

CAIXA POSTAL 775 CEP: 78.900-970 PORTO VELHO-RO

TIRAGEM 200 EXEMPLARES

EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

ISSN 1517-5421 lathé biosa 28

PENSANDO PORTO VELHO TAXA DE INCÊNCIO

SILVIO LUIZ RODRIGUES DA SILVA

PRIMEIRA VERSÃO

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ISSN 1517 - 5421 66

Silvio Luiz Rodrigues da Silva PENSANDO PORTO VELHO

Aluno do curso de Economia - UFRO TAXA DE INCÊNDIO

Desde a promulgação da Lei Estadual 853 de 30 de novembro de 1999, que instituiu a taxa de fiscalização e utilização efetiva ou potencial dos

serviços do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Rondônia e do Decreto 8985 que regulamentou a Lei 853, os bombeiros esperaram pela possibilidade de efetivar o conteúdo existente na Lei 853 e buscar as tão almejadas melhorias de condições de trabalho e de atendimento ao público.

Pretendemos neste artigo exemplificar melhor estes e outros aspectos que envolvem as questões em torno da Lei 853, excetuando-se o aspecto da inconstitucionalidade ou não, pois com certeza se criamos uma Lei, foi porque houve parecer favorável da PGE sobre o assunto, no entanto, como cumpridores da Lei que somos, estamos abertos a quaisquer posicionamento da justiça quer seja favorável ou não ao nosso pleito. Para tanto, vamos começar contando um pouco de nossa história, mostrar o quanto é diverso e importante o nosso trabalho, apresentar comparativos entre a taxa de incêndio e outras taxas do município de Porto Velho e também de outros Estados, discorrer sobre o preço e a necessidade do treinamento constante dos bombeiros, mostrar que investir nos bombeiros é também investir em segurança para a população e melhorar o trabalho das polícias (principalmente a militar), também vamos citar alguns pontos sobre a situação atual da Corporação em nosso Estado, responder as principais dúvidas e falar de nossos sonhos para o futuro e depois concluirmos nosso artigo.

Ainda no Brasil império no ano de 1856, depois de uma sucessão de incêndios no Teatro São João (nos anos de 1825, 1851 e 1856) o então Imperador D. Pedro II criou, através do Decreto 1775 no dia 02 de Julho, o serviço de extinção de incêndios. Nascia através deste ato em nosso país a profissão de bombeiro, e como ocorre com as demais profissões, de lá para cá, muitas coisas mudaram e também os bombeiros evoluíram nas suas atividades, sendo hoje em dia um profissional que realiza missões em terra, mar e ar. E deste aquela época ser bombeiro (e isto a evolução contribuiu para reforçar ainda mais) é essencialmente ajudar ao próximo diante de uma dificuldade ou de um problema qualquer.

Criados em 26 de outubro de 1957, no então Território Federal de Rondônia, os bombeiros deste Estado sempre passaram por dificuldades da mais diversas,

superadas única e exclusivamente pelo esforço, entusiasmo, heroísmo e sentimento do cumprimento do dever de seus integrantes.

Com os incêndios ocorridos na década de 70 em São Paulo, nos Edifícios Joelma (1974) e Andraus (1972) onde foram ceifadas 205 vidas, passaram as

autoridades a preocuparem-se com melhores condições de trabalho para os bombeiros bem como, com os aspectos de prevenção para as diversas instalações.

Com a desvinculação da Polícia Militar no ano de 1998, o Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Rondônia (CBMRO), passou a contar com uma legislação

específica para suas atividades (Lei 858 de 16 de dezembro de 1999), aumentou seu poder de penetração junto ao Governo Estadual e conseguiu alguns avanços no

sentido de minimizar as diversas questões que o afetam ainda hoje, quais sejam: efetivo, materiais, equipamentos, viaturas.

No entanto embora estes avanços sejam visíveis, muito ainda falta para que tenhamos um Corpo de Bombeiros dentro do desejável e do que merece a

sociedade deste Estado. Parece que são muito verdadeiras, embora tristes, as palavras do Major bombeiro militar Álvaro Maus, de Santa Catarina em seu livro: “Teoria

Geral da Proteção Contra Incêndio nas Atividades Técnicas do Corpo de Bombeiros” : “por muito tempo, e também ainda hoje, não são raros os Corpos de Bombeiros

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67

que sobrevivem economicamente dos incêndios que não conseguem controlar, sendo o clamor público gerado pelas tragédias, o fator decisivo para obtenção dos

recursos tão reclamados e necessários”.

Já faz muito tempo que os bombeiros não são mais somente “os Soldados do fogo”, como poderemos ver abaixo suas funções ampliaram-se muito, gerando a

necessidade de um profissional eclético e que deve estar constantemente preparado. A nova definição é bem mais ampla e atual: “Soldados da Vida”.

1)Combate a incêndios: residências, mato, lixo, terreno baldio, comércios, industrias, veículos, postes de luz, “pó de serra”.

2)Captura e extermínio de animais:

animais domésticos: cães, macacos, e gatos raivosos; cavalos no fosso.

extermínio de insetos: abelhas, cabas, gafanhotos.

captura de animais: cobras, jacarés, bichos preguiça.

3)Atendimento a vidas humanas: afogamentos, pessoas perdidas na mata, tentativas de suicídio e atendimento pré - hospitalar (vítimas presas em ferragens,

choques elétricos, quedas, disparos de arma de fogo, ferimentos de arma branca (faca), acidentes domésticos e no trabalho, auxilio a doente, auxilio a parturiente)

4)Atividades prevencionistas:

proteção a banhistas.

palestras em escolas.

participação em SIPAT’S de empresas.

cursos para empresas: formação de brigada, combate a incêndios, plano de abandono de local.

vistorias e análise de projetos: instalações temporárias, shows, locais de reunião de público, comércio, industria, residências multifamiliares.

5)Atividades de defesa civil:

atendimento a catástrofes: enchentes, terremotos, desmoronamentos, acidentes de vulto, grandes incêndios, secas.

elaboração dos planos de defesa civil.

decretação de estado de emergência, de calamidade pública.

6)Outros serviços:

cortejos fúnebres.

cortes de árvore (que não apresentam risco).

cortes de árvore (caídas ou na eminência).

rebeliões em presídios.

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68

abastecimentos a locais especiais (delegacias, presídios, casa do menor, casa do ancião).

apoio á autoridades: órgãos públicos, militares, eclesiásticos.

Mesmo trabalhando somente em (6) seis municípios deste Estado e com efetivo atual de 161(cento e sessenta e um) homens, os bombeiros atenderam neste 1º trimestre de

2001 em nosso Estado mais de 571 (quinhentas e setenta e uma) ocorrências ( no quadro abaixo mostramos as principais). Segundo dados da ONU a proporção mínima habitante/

bombeiro é de 750/1, o que para o Estado de Rondônia com aproximadamente 1.377.000 (um milhão trezentos e setenta e sete mil) habitantes segundo dados do IBGE nos aponta uma

necessidade de pelo menos 1.800 (um mil e oitocentos) homens. Principais atendimentos no 1º trimestre de 2001 no Estado.

Combate a incêndios 66 Resgate de cadáver 11 Captura de animal 90 Auxílio a doente 248 Auxilio a parturiente 61 Resgate de pessoas 29

O aspecto de cobrar uma taxa da sociedade pelo risco dos serviços de bombeiros não é, de maneira alguma um fato novo em nosso país. Estados como

Pernambuco, Pará, Santa Catarina, Alagoas, Ceará, Rio de Janeiro, Distrito Federal e outros também já cobram uma taxa e com valor bem superiores aos cobrados

em nosso Estado. Aliás as outras taxas cobradas em nosso município superam em muito, o valor cobrado pela Taxa Anual dos Bombeiros , vejamos o quadro

comparativo abaixo para uma residência de 100 m²:

- LOCALIDADE / SERVIÇO VALOR R$ - Brasília 40,00 - Pernambuco 44,00 - Rio de Janeiro 30,00 - Ceron/Rondônia 22,68 - Taxa de lixo - Iluminação Pública - Taxa de Bombeiros – Rondônia 9,52

Quando do atendimento de uma ocorrência de Bombeiro temos deslocado para o local da ocorrência um enorme quantitativo financeiro, isso ocorre porque

os equipamentos e materiais são muitos caros e em algumas situações são importados é com manutenção no exterior. Aliás os equipamentos nacionais (com exceção

de mangueiras de incêndios) são todos inferiores e de baixa qualidade. A titulo de exemplo, quando do atendimento de uma ocorrência de acidente de trânsito com

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69

vítima presa nas ferragens, o correto seria o deslocamento de 03 viaturas de Bombeiros: salvamento, combate a incêndio e resgate, que adicionados aos demais

materiais e equipamentos chegaríamos facilmente a cifra aproximada de R$ 650.000 (seiscentos e cinqüenta mil reais).

Um bombeiro pode ficar um ano sem ser empregado, mas não deve um só instante estar despreparado. Hoje quando surge um processo de seleção para

bombeiro, muitos acham-se e condições mais na verdade ocorrem situações de não preenchimento de vagas. Isto ocorre porque um bombeiro tem que saber nadar,

correr, não pode ter fobias (altura, espaços confinados, escuro) ter uma boa aptidão física, além de é claro possuir 2º grau completo, sem falar de psicotécnico,

entrevista, exame de sangue, bons antecedentes entre outros.

Formar e manter em forma um bombeiro, em face de sua diversidade de atividades torna-se muito dispendioso, só para exemplificar vamos citar algumas

necessidades coletivas: piscina semi olímpica, torre de salvamento, pórtico; casa de fumaça; pista de combate a incêndio, quadra esportiva, poço para mergulho, barcos,

lanchas, GPS. Também o enxoval individual para um bombeiro chega a cifra dos R$ 4.000,00 (quatro mil reais) pois são necessários: capa, bota, calça, capacete,

balaclaya, cinto ginástico, machadinha, luva, cabo, freios, cadeira de alpinista, lanterna, mochila, cantil.

A relação entre as Polícias e os Bombeiros vai muito além do fato de serem usuários de fardas e de questões como hierarquia e disciplina. Na verdade embora

atuem de forma diferenciada e usando técnicas apropriadas à profissão de cada um bombeiro e polícia costumam trabalhar lado a lado dentro do contexto da segurança

pública. É muito comum Bombeiros realizarem vistorias em Estádios de Futebol a pedido da PM, trabalharem com a Delegacia de Jogos e Diversões vistoriando e

notificando estabelecimentos noturnos; além de remoções de cadáver.

Mas hoje, em que pese a parceria e o bom relacionamento, existe uma questão que deverá ser primazia pura dos Bombeiros mas que por falta de meios a PM

faz, causando um duplo prejuízo a população. Falo do atendimento pré hospitalar que a Polícia executa e que deveria ser realizado pelos bombeiros; o duplo prejuízo

ocorre primeiro, com o desvirtuamento da obrigação policial militar pois quando uma rádio patrulha transporta uma parturiente ela não é mais uma RP(rádio patrulha),

mas sim uma ambulância desfigurada, quando uma viatura tem que transportar uma vítima de acidente de transito ela está deixando de patrulhar as ruas para fazer um

serviço que não é atribuição primordial sua. O segundo aspecto que prejudica a população diz respeito diretamente a vítima que é atendida, quando de um acidente de

trânsito, pela PM, ou por um táxi, enfim por cidadão qualquer. Nestes casos nós não temos um atendimento pré-hospitalar ou resgate, temos simplesmente uma remoçã;

julgamos interessante definir atendimento pré hospitalar e remoção, o primeiro subentende um atendimento por pessoas gabaritadas (com conhecimento) e que irão

proporcionar o suporte básico de vida à vítima através de técnicas e com os equipamentos necessários, o segundo trata-se simplesmente de retirar a vítima do local e

transportá-la ao pronto socorro imediatamente, situação esta que pode vir a prejudicar ainda mais as leões da vítima e agravar o seu quadro clínico.

Os números comprovam, hoje cerca de 50% dos atendimentos da PMRO são de cunho assistencial, ou seja investir nos bombeiros é também ajudar a polícia a

melhorar seu trabalho de policiamento ostensivo e preventivo e com isso proporcionar maior segurança a população.

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7) A SITUAÇÃO ATUAL DO CBMRO

Vamos neste item descrever de maneira sucinta, as condições dos bombeiros deste Estado; é fundamental discorrermos sobre o assunto pois a

finalidade da taxa é justamente proporcionar melhorias de equipamento e material para a Corporação.

São também citadas (no final) questões relativas ao efetivo, que dizem respeito diretamente ao Governo do Estado; para solucionar tais questões o Governo

Federal aprovou em 20 de outubro de 2000, a Lei 10.029 que versa sobre o serviço auxiliar voluntário e o Governo Estadual aprovou recentemente a LEI 985, de 25

junho de 2001, que permitirá uma melhoria (esperamos breve) em nossos quadros.

- Na capital hoje temos somente uma (1) viatura de combate a incêndio em condições de uso.

- Existem somente 02 (dois) conjuntos para combate a incêndio (capa, bota e capacete), o correto seria todo o Bombeiro ter o seu equipamento uma vez que

trata-se de equipamento de proteção individual (EPI).

- Os aeroportos de Jí-paraná e Vilhena não possuem serviço de bombeiros, no entanto aeronaves tipo Fokker 100 fazem escalas nestas cidades.

- As últimas (e únicas) viaturas dadas pelo Governo são do ano de 1978.

- É muito comum bombeiros comprarem alguns materiais com seu dinheiro: luvas, cabos, cadeiras, máscaras de mergulho...

- Para a retirada de vítimas presa em ferragens os Bombeiros pegam emprestado o desencarcerador hidráulico da Infraero.

- O Centro de Atividades Técnicas, responsável pela prevenção das instalações em todo o Estado, está efetivado somente na capital e em Jí-Paraná.

- O efetivo previsto é de 1.280 (um mil duzentos e oitenta) homens mas atualmente existem 161 (cento e sessenta e um), ou seja uma defazagem de 87% do

efetivo previsto.

- Quando da desvinculação da PMRO em 1998 haviam 182 (cento e oitenta e dois) bombeiros e atualmente são 161(cento e sessenta e um) ou seja, o efetivo

já diminuiu 13% nestes 3 anos.

Vamos agora responder as principais perguntas que nos fazem os contribuintes:

a) Terei que pagar este valor por mês? Não. A taxa é paga uma só vez (anualmente).

b) Com o pagamento da taxa minha residência está assegurada no caso de incêndio ? Não. A taxa é para os serviços do bombeiros e não tem nenhuma

relação com seguros.

c) Para onde vai o dinheiro ? O dinheiro é depositado em uma conta do Corpo de Bombeiros que irá administrar a aplicação dos recursos juntamente com

o conselho comunitário de segurança; saliente-se que a arrecadação será empregada dentro do município.

d) Existe alguma forma de isenção ? Sim. Residências com área inferior a 50m².

e) Onde pagar ? Até o vencimento em qualquer agência bancária e após a data nas agências do Banco do Brasil.

Page 71: Volume II

71

f) Como fiscalizar ? Além da fiscalização do conselho comunitário de segurança, todos os procedimentos serão divulgados na imprensa e os

equipamentos serão entregues em solenidade pública

Ao lidarmos com pessoas, temos colhido uma série de histórias felizes e outros nem tanto; muito embora o ser humano - e o Bombeiro não poderia ser

diferente - tenha a “capacidade” de melhor armazenar as coisas boas (felizes) não podemos deixar de lado os momentos tristes, principalmente aqueles em que o

profissional sabe que caso tivesse melhores condições as coisas poderiam ser diferentes. Nada mais frustrante que não encontrar um afogado por falta de materiais de

mergulho; ou prolongar a dor de um preso nas ferragens por falta de um desencarcerador hidráulico ou ainda, prolongar as perdas patrimoniais em um incêndio por

falta de viaturas, roupas, equipamento de respiração.

Conhecedores que somos da relação de afeição existente entre os bombeiros e a sociedade, tudo o que desejamos e ver diminuídas (ou extintas porque não ?)

estas questões frustrantes e poder, ainda mais, prestar nossos serviços a sociedade. Queremos um futuro onde todos os profissionais tenham seu EPI, onde os rádios

funcionem, as viaturas não vazem e principalmente que possamos realizar o atendimento pré hospitalar na capital e com um tempo resposta dentro dos padrões das

grandes capitais. Hoje pode ser um sonho, mas temos certeza que com o apoio da sociedade vamos concretizar nosso desejo.

10) CONCLUSÃO

Conhecedores que somos de todas as variáveis que envolvem a Corporação, e também sabedores dos resultados que o pagamento da taxa tem trazido para as

demais Corporações de outros Estados, temos certeza de que esta é saída mais digna e de melhor resultado, para evitar o colapso de uma estrutura formada por

profissionais sérios, abnegados e que estão simplesmente buscando melhores condições de continuarem prestando o seu serviço, para uma sociedade que

constantemente sofre com todos os tipos de tragédias e muitas vezes chora a perda dos seus filhos por questões que poderiam ser evitadas.

Ao término deste artigo esperamos ter mostrado todas as faces que envolvem a questão da taxa de incêndio, e o quanto ela é necessária para os bombeiros de

Rondônia, quer seja pelos muitos anos em que não houve investimento algum; pelo alto preço de suas viaturas, equipamentos e materiais ou mesmo pelo valor

simbólico que ela significa para a grande parcela da sociedade. Temos certeza que a boa imagem que a sociedade tem a nosso respeito em todos os lugares, será

reforçada ainda mais, quando todos perceberem que sua pequena contribuição colaborou para o engrandecimento da Corporação e que os frutos serão colhidos pela

própria sociedade.

BIBLIOGRAFIA Decreto Estadual do Rio de Janeiro nº 23.695 de 06 de novembro de 1997 – estipula a taxa de serviços estaduais relativas a prevenção de extinção de incêndio. Decreto Estadual de Pernambuco nº 15.529, de 30 de dezembro de 1996 – consolida os valores às taxas de fiscalização e utilização de serviços públicos do estado de

Pernambuco, fixa o respectivo valor mínimo, correspondente ao seu custo administrativo. Lei do Distrito Federal nº 336 de 06 de novembro de 2000 – versa sobre a taxa de fiscalização, prevenção, extinção de incêndio e pânico. Maus, Álvaro – Proteção Contra Incêndio: Atividades Técnicas no Corpo de Bombeiros – Teoria Geral. Florianópolis Editograf 1999.

Page 72: Volume II

72

UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)

CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

PRIMEIRA VERSÃO ANO I, Nº29 - DEZEMBRO - PORTO VELHO, 2001

VOLUME II

ISSN 1517-5421

EDITOR

NILSON SANTOS

CONSELHO EDITORIAL

ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História

JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia MIGUEL NENEVÉ - Letras

VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia

Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows”

deverão ser encaminhados para e-mail:

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CAIXA POSTAL 775 CEP: 78.900-970 PORTO VELHO-RO

TIRAGEM 200 EXEMPLARES

EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

ISSN 1517-5421 lathé biosa 29

DIAGNÓSTICO DA CAPTAÇÃO DE ÁGUA SUBTERRÂNEA EM PORTO VELHO

ELIOMAR PEREIRA DA SILVA FILHO ALBER J C VIÉGAS CAMPOS

PRIMEIRA VERSÃO

Page 73: Volume II

ISSN 1517 - 5421 73

Eliomar

Pereira da Silva Filho e Alber J C Viégas Campos DIAGNÓSTICO DA CAPTAÇÃO DE ÁGUA

Professor do Departarmento de Geografia – UFRO / CPRM-RO SUBTERRÂNEA EM PORTO VELHO

[email protected] / [email protected]

A cidade de Porto Velho, com quase 300 mil habitantes em sua área urbana, carece em infra-estrutura de saneamento básico. Somente 50% de sua população é

abastecida de água potável pela CAERD (Companhia de Águas e Esgoto de Rondônia) e 2% é atendida pela rede de esgotamento sanitário, característica bastante

comum às cidades da região norte (CAERD, 1997). Apesar de 50% da população urbana ser abastecida de água, este serviço é feito de forma intermitente, o que causa

sérios transtornos à população, levando a de maior poder aquisitivo a contratar a perfuração de poços tubulares para complementar ou até mesmo substituir a água

fornecida pela CAERD.

Tal demanda fez surgir pequenas empresas com qualidade técnica duvidosa que, concorrendo com baixos preços nos serviços, acabam comprometendo a

atuação das poucas empresas com tradição no mercado. Neste cenário caótico, observa-se a perfuração de poços por leigos, sem o respeito às normas técnicas de

construção de poços, que podem servir como vetores de contaminação da água subterrânea, como foi evidenciado no trabalho de Bahia (1997).

De modo a dar um diagnóstico da captação de água subterrânea na área urbana de Porto Velho (RO), foi proposto pelo Serviço Geológico do Brasil –

CPRM/Residência de Porto Velho, juntamente com a Universidade Federal de Rondônia (UNIR), um questionário a ser aplicado pelos alunos do curso de Geografia do

7o período, onde foram levantadas as informações de mais de 200 poços na área urbana da cidade, possibilitando definir as características construtivas destes (tipo de

revestimento, diâmetro, profundidade, dentre outras), bem como o seu regime de explotação feito pela população.

Caracterização da Área

A região onde está situada a cidade de Porto Velho, capital do Estado de Rondônia, possui um clima tropical chuvoso, tipo Awi, segundo a classificação de

Köppen, com uma estação relativamente seca nos meses de junho a agosto, denominada regionalmente como “verão”.

Situada à margem direita do Rio Madeira, aproximadamente na latitude 08º 45' S e longitude 63º 55' W, a cidade de Porto Velho (Figura 1) possui uma área

urbana de aproximadamente 150 Km2 onde vivem cerca de 300.000 habitantes (IBGE, 2000). A pluviosidade e a temperatura média anual são de 2262 mm e 26,7º C,

Page 74: Volume II

74

respectivamente, de acordo com a estação meteorológica de Porto Velho (dados de 1954 a 1993), com um excedente hídrico médio de 808 mm, distribuídos ao longo

do ano entre o escoamento superficial e a recarga efetiva dos aqüíferos (Bezerra, 1996).

Figura 1 – Localização da cidade de Porto Velho - RO

Arcabouço Hidrogeológico

Na região de Porto Velho ocorrem sedimentos com espessura média de 50 metros, podendo alcançar, em algumas localidades, mais de 110 metros. São depósitos de origem fluvial e colúvio-aluvial bastante heterogêneos, constituídos por intercalações de areia, argila e silte. Esta seqüência, de idade tércio-quaternária, é denominada de Formação Jaci-paraná (Adamy & Romanini, 1990). Os aqüíferos da Formação Jaci-paraná possuem uma permeabilidade média de aproximadamente 7 m/dia e os poços que captam sua água possuem uma vazão média de15 m3/h (Campos, 1998).

O sistema aqüífero Jaci-paraná, geralmente, apresenta uma camada argilosa no topo da seqüência, com espessura bastante variável, o que faz levar a crer que

tratam-se de aqüíferos confinados. Entretanto, em algumas localidades, as lentes e/ou camadas arenosas afloram, o que pode indicar zonas de recarga do aqüífero local.

Contudo, tal hipótese ainda não pode ser confirmada devido aos poucos dados para atestar a ligação dessas lentes e/ou camadas arenosas com o aqüífero local (Campos

e Morais, 1999).

AMAZONA S

MATOGROSSO

AMAZONAS

ACRE

MATOGR O S SO

B O

L Í V I A

8º8º

63º

64º

65º9 º

66º

66º10º

11º

12º

65º

64º

63º13º

62º

61º

60º13º

12º

11º60º

61º

10º

62º

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04 0 K m 4 0 8 0 K m

E S C A L A G R Á F I C A

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Page 75: Volume II

75

Metodologia de Trabalho

Em abril de 2000, o Serviço Geológico do Brasil – CPRM e a Universidade Federal de Rondônia desenvolveram um questionário aplicado pelos alunos do 7° período do curso de Geografia para a população urbana de Porto Velho (RO), como atividade curricular da cadeira “Processos Gemorfológicos”. Foram cadastrados mais de 200 poços, entretanto, após uma análise, selecionaram-se 185.

As informações levantadas através do cadastramento foram: tipo de bomba, tipo de revestimento, existência de relatório de perfuração, empresa perfuradora,

data de perfuração, diâmetro, qualidade da água, dentre outras. A pesquisa abrangeu 50 bairros, sendo realizada nos meses de maio e junho de 2000.

Resultados Obtidos

Embora tenham sido selecionados 185 poços, nem todos forneceram informações completas. A partir dos dados levantados, procurou-se traçar um quadro da situação atual da perfuração de poços em Porto Velho.

� Foram obtidas informações de 179 poços quanto ao tipo de bomba. A grande maioria utiliza bomba injetora ou centrífuga (67%), além de submersa

(30%) e compressor (3%);

� Apenas 77 (41%) proprietários sabem informar a empresa perfuradora, sendo que somente em 48 (26%) a perfuração foi realizada por empresas

legalizadas;

� Aproximadamente 70% dos poços cadastrados foram perfurados a partir de 1996;

� Em 172 poços foi possível obter informações sobre o diâmetro do poço: 4” (50%); 6” (20%); 10” (13%); 8” (10%); 2” (5%) e 12” (2%);

� Em 173 poços, a profundidade varia de 10 a 110 metros, com média de 44 metros;

� As informações sobre a qualidade da água consumida foi respondida por 180 pessoas. A água foi considerada boa por 91% dos moradores, enquanto o

restante reclamou de problemas de excesso de Ferro (gosto, manchas nas roupas), salobridade, presença de óleo e/ou gasolina, além de água com odor forte;

� A existência de relatório construtivo somente foi observada em 20% dos poços cadastrados;

� O revestimento foi observado em 177 poços. Dentre estes, 80% são revestidos com tubos de PVC branco, sendo somente 20% com tubos geomecânico

azul;

� Somente 66 (36%) moradores souberam dizer a vazão de produção dos poços. Esta varia de 1 a 10 m3/h, com média de 3 m3/h;

� Dente os 179 poços cadastrados com identificação do estabelecimento, mais de 70% são pertencentes a domicílios e

� 97% dos poços cadastrados possuem tampa.

Conclusões e Recomendações

O cadastramento contemplou uma vasta porção da área urbana, tendo a maior concentração de poços no bairro Nova Esperança (9 poços).

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76

Com base nas informações levantadas, onde grande parte da amostragem está concentrada em residências domiciliares (70%), observa-se que há uma grande

perda de informações devido à falta do relatório de perfuração, onde somente 20% afirma possuí-lo. Entretanto, não foi possível observar a qualidade dos dados ali

registrados, o que demandaria um custo laboratorial, até o presente, inviável nesta pesquisa.

Para o futuro, no entanto, espera-se a obtenção de recursos para selecionarmos áreas críticas onde a análise dos dados quantitativos, oriundos de análises

laboratoriais, venha colaborar na melhor utilização desse recurso natural.

A demanda por água é enorme, o que faz proliferar a criação de empresas clandestinas para atendimento a este mercado. Há uma necessidade urgente de um

disciplinamento na perfuração de poços por parte dos organismos estaduais, de modo a garantir a qualidade e a quantidade deste importante recurso estratégico que é a

água subterrânea.

BIBLIOGRAFIA

ADAMY, Amilcar, ROMANINI, Sérgio José (Orgs.) Geologia da Região Porto Velho-Abunã; folhas Porto Velho (SC.20-V-B-V), Mutumparaná (SC.20-D-I) e Abunã SC.20-V-C-V) Estados de Rondônia e Amazonas. Brasília: DNPM/CPRM, 1990. 273p. (Programa Levantamentos Geológicos Básicos do Brasil-PLGB).

BAHIA, Maria Alves da Silva. Caracterização Biogeoquímica de Águas Subterrâneas da Zona Urbana de Porto Velho. Belém, 1997. 129p. Tese (Mestrado) - Universidade Federal do Pará,1997.

BEZERRA, Ricardo Braz. Balanço Hídrico em Porto Velho - RO, no período de 1954 a 1993, através do método de THORNTHWAITE & MATHER (1955). Porto Velho; UNIR/Departamento de Geografia, 1996. 83p.

CAMPOS, J. C. V.. Avaliação Preliminar do Potencial Hidrogeológico da Cidade de Porto Velho (RO). In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ÁGUAS SUBTERRÂNEAS, 10,São Paulo,1998, (CD-ROM).

CAMPOS, J. C. V. e MORAIS, P. R. C. Morfologia dos Aqüíferos da área urbana de Porto velho (RO). SIMPÓSIO BRASILEIRO DE RECURSOS HÍDRICOS, 13, Belo Horizonte, 1999, (CDROM).

COMPANHIA DE ÁGUAS E ESGOTO DE RONDÔNIA-CAERD. Diagnóstico dos serviços de saneamento básico do Estado de Rondônia. Porto Velho: Porto Velho, 1997. n.p.

IBGE. Censo demográfico: sinopse preliminar. Rio de Janeiro: IBGE, 2000. p. 3-5.

ANEXO

FICHA DE CADASTRAMENTO DE POÇO TUBULAR

OBS: NÃO CADASTRAR POÇOS-CACIMBA

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Poço no Data: Empresa construtora, responsável e telefone de contato:

Toponímia: Volume diário de água retirada do poço: Proprietário: Endereço e telefone para contato:

Vazão: � sabe _______ � não sabe

Estimativa: � 1m3/h � 2m3/h � 3m3/h � 4m3/h � 5m3/h � >5m3/h

Freq. de Uso: Data de perfuração: Profundidade: Horas de bombeamento diário:

Diâmetro(polegadas): � 2 � 4 � 6 � 8 � 10 � 12 � ____ Relatório: � sim � não

Tipo de bomba: � submersa � injetora � centrífuga � ______ Cadastrado por: O poço seca? Revestimento: � pvc branco � geomecânico

azul

Tipo de uso: Aspecto e qualidade da água: Profundidade da fossa:

Tampa: � sim � não OBS:

VOCABULÁRIO Poço tubular: é o poço popularmente chamado de poço artesiano ou semi-artesiano, tem diâmetro, normalmente menor do que 30 cm. Poço cacimba: é o poço escavado manualmente, possui grande diâmetro, em média superior a 80 cm. Toponímia: é a descrição de pontos de referência para uma localização mais precisa. Ex: casa em frente a uma padaria. 1 m3/h = 1000 litros/h 1 polegada = 2,54 cm Revestimento: pvc branco = tubulação usada normalmente em construção de redes de esgoto.

geomecânico azul = tubulação azul própria para construção de poços. Tipo de bomba: submersa = bomba que é instalada dentro do poço, fica submersa.

injetora = bomba instalada do lado de fora do poço, visualmente apresenta dois canos dentro do poço que injeta o ar e outro que bombeia a água centrífuga = bomba instalada do lado de fora do poço, visualmente tem somente um cano dentro do poço que aspira (bombeia) a água.

Relatório: documento fornecido pela empresa construtora onde constam as informações construtivas e geológicas dos poços.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)

CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

PRIMEIRA VERSÃO ANO I, Nº30 - DEZEMBRO - PORTO VELHO, 2001

VOLUME II

ISSN 1517-5421

EDITOR

NILSON SANTOS

CONSELHO EDITORIAL

ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História

JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia MIGUEL NENEVÉ - Letras

VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia

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EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

ISSN 1517-5421 lathé biosa 30

OS VIVOS DO DIA DE MUERTOS

ELISABETE CHRISTOFOLETTI

PRIMEIRA VERSÃO

Page 79: Volume II

ISSN 1517 - 5421 79

Elisabete Christofoletti

Psicóloga e mestra em educação

[email protected]

OS VIVOS DO DIA DE MUERTOS

(...) “as artes ou ciências práticas, não se aprendem só especulando, senão exercitando. Como se aprende a escrever? Escrevendo. Como se aprende a esgrimir? Esgrimindo. Como se aprende a navegar? Navegando. Assim também se há de aprender a morrer, não só meditando, mas morrendo (...) saber morrer é a maior façanha.” .Antônio Vieira, Segundo Sermão de Quarta Feira de Cinza

Participei recentemente da realização do trabalho de Incubação de Sonhos iniciado durante o Dia de Muertos, no México. Para quem conhece o México é

inevitável retornar para casa abandonando seus encantos. O contato ou melhor a con-vivência com sua mitologia e seus rituais remetem às nossas próprias mitologias e

rituais.

Foram dias, longos dias de indígenas horas conversando com os curandeiros zapotecas, ou caminhando diariamente pela antiga construção da Igreja/Museu de

São Domingos, em Oaxaxa, e seu jardim de vegetação avermelhada, deixando a terra visível por baixo de suas folhas, possibilitando uma imagem de um mesmo tom,

quente e árido, com a vegetação e a terra avermelhada, as construções em volta da praça de tijolo ou pedra em diversos tons ocre, em continuidade, quase sem ruptura,

criando uma paisagem diferenciada dentro da cidade de Oaxaca, ou ainda percorrendo as ruínas de Monte Alban (local preferido dos sacerdotes para ligarem o céu e a

terra; os astros e a agricultura) até a noite, quando os turistas não mais ocupavam seus caminhos, onde com o auxílio dos curandeiros que nos acompanhavam

realizamos o ritual de evocação dos sonhos, já que estávamos iniciando nossos trabalhos de sonhos e a presença deles nos era fundamental, que estivéssemos em

harmonia com nossa interioridade.

Como um ritual de iniciação, para entrar no círculo delineado na terra com flores amarelas, já difícil de enxergar pela chegada da noite, com o auxílio do luar,

do fogo das tochas, marcado com o som de um instrumento próximo a um surdo, reproduzindo as batidas de cada coração.

Com a seiva de uma árvore queimando como incenso, um a um adentrávamos enquanto formávamos o círculo. A existência do círculo somente seria possível

com a presença de cada um, o círculo era cada um, que passando por uma purificação em sua entrada, abdicava naquele momento de tudo tanto o possível para estar

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inteiro naquele ritual, que demarcava o ingresso neste mundo de interioridade explícita, protetor, de aceitação de cada um como se é, sem importar-se quem se é, de

onde veio, quais suas riquezas, qual sua crença neste ritual.

Um ritual de iniciação também a uma etapa de reflexão, de um tempo que seria destinado a um contato bastante íntimo com a interioridade de cada um.

Após a purificação, é lembrado através de referências e agradecimentos os Deuses, que não estamos sozinhos, que somos criadores e criaturas, a presença do

divino na existência.

Podemos entender a necessidade de lançar um olhar ao redor, aprendermos a enxergar em nosso quotidiano o que temos e conforme nossas escolhas

estabelecermos um tipo de relação necessária e harmônica, não estabelecendo determinados confrontos quando não se fazem necessário.

A experiência de estar com um povo com uma arqueologia rica que faz parte do seu quotidiano, cujos mitos e xamãs remetem à sua história e à condição atual

de muitos operários e comerciantes sobrepondo produção de mercadoria a atividade xamânica, obrigando a Igreja como instituição a viver um sincretismo, aceitando

por exemplo que a comunidade participe do ritual do dia dos mortos, que faça tapetes de flores, serragem de madeira com sua porta com desenhos que nos remetem a

essa festividade, para não perder espaço junto aos fieis, a instituição igreja precisou ceder, aceitar ou suportar, não sabemos ao certo, a cultura desse povo. Pensando

sobre nossos rituais, no Brasil, foram os negros com seus cultos afro que tiveram que aceitar o sincretismo. A força, o significado desses rituais no México pode ser

imaginado talvez por essa situação, que leva uma instituição sólida e tradicional como a igreja católica aceitar esse sincretismo, a respeitar a cultura mexicana. Para

grande parte dos ocidentais, conviver com o diferente causa incômodo, como se a unicidade pudesse garantir alguma coisa, certezas, ou mesmo garantia de felicidade.

Não é o poder religioso sobre um povo que lhe garantirá fieis.

Participar do ritual do Dia de Muertos, provoca os sonhos noturnos, facilitando o encontro, a proximidade com nossas tantas mortes, assim como responsável

por minha disposição em sentar frente a tecnologia e buscar aconchego nas palavras, imensas teias, de símbolos, manifestação também de nossa mitologia e refletir o

mito da morte, afinal somos narrativas (explícitas ou não) possibilitando, criando nossas próprias leituras.

O México todo, nos dias que antecedem o Dia de Muertos começa a preparar-se para receber seus mortos. Na cidade do México, com três grandes mercados, o

“De La Merces”, o “De Las Bruxas” e o mercado “Dos doces”, deparamo-nos com um encanto próprio a de cada um deles. São espaços onde é possível sentir a

movimentação das pessoas, o ritmo de seu caminhar, o tipo de procura que são feitas nesses mercados, algumas situações familiares, conversas que chegam da

caminhada da rua. Em meio as frutas, legumes, flores, plantas para todas as curas, material para realização de trabalho de vudu, curas dos males do coração e do corpo.

O mercado “De La Merces” é bastante grande e abriga inúmeras barracas, que formam um conjunto de cores bastante forte, pela diversidade delas. Nas

barracas das frutas e legumes, mais um aprendizado, além de não poder tocar em nada, pede-se a quantidade desejada, medida por aquilo que cabe numa mão, mas não

se escolhe. A própria vendedora pega indiscriminadamente com a mão o que nela cabe e entrega ao comprador, que ao abrir seu pacote pode encontrar frutos bons ou

estragados.

Page 81: Volume II

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Nas barracas de condimentos a variedade de salsa é muito grande, para um desconhecido podem parecer iguais, mas não são, além de terem sabores diferentes,

são funções distintas. Os vendedores demonstram animação quanto alguma pergunta sobre como cada salsa deve ser usada, dividindo com muito bom humor as

informações, que como infelizmente não pude testar, não posso também afirmar que sejam saborosas.

Normalmente os mexicanos não sugerem a visita a esse mercado dada sua localização, próximo a zona de prostituição (organizada pela estado) e de circulação

de assaltantes.

O mercado “De las Bruxas”, conta com um número muito grande de senhoras idosas trabalhando, orientando e vendendo seus produtos. A maior dificuldade

está em chegar a esse mercado, que não contando com sinalização de indicação pela cidade, precisa explicação sobre sua localização. Vivemos uma experiência

bastante interessante, como estava sendo muito difícil encontrá-lo, resolvemos tomar um taxi, mas quando o motorista soube para onde iríamos, parou imediatamente o

carro e pediu que descêssemos, após uma certa insistência de nossa parte, disse que não poderia nos levar porque ele não pode ir ou passar perto desse mercado, tinha

impedimentos para isso. Já bastante irritado e incomodado, sugeriu que também nós não fôssemos, pois, estas são coisas com as quais não deveríamos brincar, são

sérias, precisam de respeito assim como ele o tem. Terminamos por descer do carro, sem ao menos conseguirmos alguma informação sobre como chegarmos lá.

O incômodo de nosso taxista, evidentemente teve efeito contrário, respeitar não significaria para nós perdermos a oportunidade de adentrar em uma parte desse

mundo de magia, e com mais um pouco de insistência, conseguimos pegar um ônibus que nos deixou em sua esquina.

A mistura de cheiros, cores, materiais, caminhamos por suas ruelas, muitas vezes passando apertadas em meio a tantas pessoas que caminhavam, faziam

compras ou estavam fazendo uma refeição sentadas em grandes bancos de madeira, em torno de mesas também de madeiras. Parte do trajeto fomos acompanhadas por

algumas pessoas que ofereciam os serviços de leituras de mão, previsão de vida futura e execução de trabalhos. Em um dos corredores (eram muitos, um imenso

labirinto, onde facilmente poderíamos nos perder) encontramos animais, a maioria filhotes, cachorros, papagaio, passarinhos, ratos, galinhas, etc, morcegos secos assim

como parte de animais, sempre preparados e vendidos para a execução dos trabalhos, foi nesse momento que descobrimos que máquina fotográfica não é bem vinda.

Convencidos de que a melhor e mais bonita imagem deveria estar em nossas lembranças, começamos a ouvir uma música, distante, mas ali.

Bela, alegre, caminhávamos pelo labirinto embalados por sua toada, até que encontramos bem no centro de uma banca uma mesa onde quatro mulheres, de

corpo forte e vestidas com roupas coloridas, jogavam um carteado, ao lado um casal dançava ao som de um grupo regional que estava devidamente trajado para a

ocasião, uniformes pretos com detalhes brilhando, grande chapelões e pessoas em torno, de curiosos e não convidados, talvez somente nós, o restante demonstrava

fazer parte do que mais tarde descobrimos ser a festa de aniversário da senhora que estava dançando, a dona de uma das barracas.

Enquanto estávamos hipnotizados pela festa, do fundo do imenso corredor, observo uma senhora com algumas uma cruz carregando encostada ao peito,

enquanto se aproxima, percebo que a cruz que carrega guarda um Cristo moreno, quase negro.

Na medida que íamos resistindo ao oferecimento de alguns produtos, as horas passavam e precisamos caminhar.

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82

Outra viagem às nossas possíveis fantasias foi vivenciada no “Mercado De Doces”, caminhando nas ruelas extremamente apertadas (por onde passava uma

pessoa de cada vez e neste caso era dois ou três), encontramos tudo o que pudermos imaginar com motivos de morte, são caveiras, esqueletos, fantasmas de açúcar,

chocolate, pipoca, pipoca de arroz, vários tipos de confeitos, enfeites elaborados em papel, plásticos, madeira, tolhas de papel recortadas com motivos de morte

formando grandes varais.

Em Oaxaca, a tradição do “Dia De Muertos” mantém-se com muita força, o mercado da cidade apesar de grande, no período de preparação para a festa fica

pequeno, suas ruelas que já são estreitas não permitem o passo acelerado, nem mesmo esquivar-se de sacolas e pessoas. Uma grande mistura de cheiro, cores e formas

criam um ambiente alegre, onde com bastante cuidado e exigência, é feita a escolha de cada elemento que irá compor o altar das oferendas.

Passando pelas bancas de comidas encontraram todo tipo de fruta, legumes, queijos, presuntos, salames, pães, bolachas, que habitualmente são comprados para

consumo dos Oaxaquenhos. Nesta ocasião também são escolhidos de acordo com os gostos dos mortos aos quais se deseja oferecer, para compor o altar que cada

família irá montar em sua casa e depois no cemitério em cima das tumbas para seus mortos.

Nas barracas de brinquedos e artesanatos assim como nas de doces é possível encontrar tudo que a imaginação e a vida permite, sempre com motivos de morte.

A vida é retratada em todos os seus momentos, crianças, adultos homens e mulheres, até mesmo velhos, famílias esqueletos inteiras. Pequenas ou grandes, essas

esculturas também retratam as mais variadas atividades profissionais, assim como os momentos da vida. São esqueletos dançando, tendo relações sexuais, comendo,

bebendo, cantando, tocando instrumentos, dando aula, formas de representação dos prazeres da vida.

O Dia De Muertos para os mexicanos é acima de tudo a possibilidade da comemoração da vida, dia em que os que se foram recebem autorização divina para

retornarem e partilhar a vida com os vivos.

Entre os dias trinta de outubro e dois de novembro acontece a grande festa. Nesta primeira noite as famílias preparam-se, já tendo montado um altar em suas

casa com oferendas para os mortos, coloca-se os elementos simbólicos (chocolate, pão, fumo, mezcal, flores amarelas que simbolizam a sabedoria e encontra-se

facilmente pela região neste período do ano) além daqueles objetos e alimentos que o morto mais apreciava, para que retornando possa sentir os prazeres que apreciava.

Também lhe é oferecido um tapete, para que descanse de sua chegada para posteriormente fazer a viagem de retorno, que como todos imaginam deve ser longa e

cansativa.

Chegando ao cemitério é possível perceber que algo está acontecendo, há uma grande movimentação de carros, pessoas carregando os últimos preparativos.

Ainda de dentro do ônibus vimos que um senhor carregava um caixãozinho com um esqueleto tocando saxofone, sua família o acompanhava, com passos rápidos

caminhavam. Mais tarde, já dentro do cemitério, tornamos a encontrá-los, com o caixãozinho depositado em cima da tumba, e todos sentados e conversando em torno

dela.

Page 83: Volume II

83

Na entrada do cemitério pelo lado de fora estão barracas com comidas típicas, são doces, salgadas e bebidas, que ajudam a aquecer o corpo para passar a noite e

enfrentar o frio.

Após um passeio pela frente e redondezas do cemitério, onde pudemos observar um belo tapete (como aqueles feitos para procissão pela igreja católica no

Brasil), com motivos de santo ou referente à vida envolvendo pessoas mortas, é um colírio para os olhos.

Entrar no cemitério é como se as cortinas de um teatro fossem abertas. A sensação que sentimos ao estarmos sentados nas confortáveis cadeiras do municipal,

em meio a sua suntuosidade, a cada vez que as cortinas abrem, o coração dispara e adentramos num espaço mágico. Assim é a sensação de passar pelos arcos da

entrada do cemitério, abre-se um espetáculo do qual fazemos parte, personagens vivos, onde atuamos com nossa própria narrativa, são milhares de velas acessas,

crianças dormindo, outras brincando, arrumando as oferendas, algumas vestidas de diablitos, adultos conversando, rádio ligados com as músicas mais variadas

possíveis, pessoas tocando instrumentos. Na penumbra da noite os rostos iluminados por chamas, o início da neblina, a mistura de sons formam um mantra único.

Reunidas, as famílias tomam o mezcal (aguardente elaborada a partir de uma planta o maguey, que depois de adulta, quando nasce o pendão de seu centro, é

cortado e na cova assim criada emerge um líquido do qual é feito o mezcal), assim como oferecem aos que os visitam, trocam-se goles de bebidas, conversas, histórias

e a certa altura da noite come-se uma comida própria para a ocasião o tamalis, uma massa de milho envolta em folha de bananeira com um molho preto e salsa (uma

espécie de pimenta), lembra visualmente nossa pamonha, mas com sabor totalmente diferente e único.

Os sabores, cheiros sempre serão únicos, é possível lembrar de determinados odores sentidos na infância por exemplo e que não podem ser repetidos,

justamente porque foram sentidos em dado momento e em dada vivência. Os sabores e odores estão muito mais vinculados a nossas lembranças, a situações que

vivemos enquanto tínhamos contato com o que nos referimos, do que com um alimento, por exemplo, propriamente dito. A leitura que fazemos de uma situação vivida

está vinculada ao que somos, pensamos, agimos naquele momento, ao contexto, isto é, vivemos uma situação, temos uma percepção, expectativa, envolvimento e

constituímos uma narrativa, que neste momento nos torna especiais, únicos assim como o que vivemos. Dessa maneira o sabor do tamalis jamais poderá ser o mesmo,

cada pessoa estabeleceu uma relação, buscou lembranças constituindo cada interioridade assim como a leitura sobre ele, portanto jamais se repetirá.

O significado de uma festa como essa, não pode ser desvinculado da cultura e crença de um povo, lembrando-nos sempre que não poderá ser transportada para

outros lugares, fora de seu ritual, compondo e sendo composto por tantas e diversas narrativas do povo mexicano.

Ainda no cemitério, orações são feitas, de reverência aos Deuses, pedindo e agradecendo, colocando-se a disposição para que os seus possam vir visitá-los.

Caminhando por entre as ruelas do cemitério é possível conversar com as pessoas, ouvir tantas histórias de vida e morte (também Severinas em tantos

sofrimentos, dores, uma vida miserável, mas que contrário a qualquer previsão sobrevive e surpreende), e sentir a perplexidade quando perguntam como é nossa festa

do dia dos mortos.

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As diferenças são perceptíveis. Sofremos com a morte (sentimento que também dividimos com os mexicanos), e nos esforçamos o máximo para dela

distanciarmos, assim como dos que se foram. Em nosso Finados, deparamo-nos com o sofrimento, passando os mortos a representar e carregar com sua lembrança

sofrimento e dor, dor também solitária, ao contrário do como vivemos mexicanos, quando as pessoas se visitam, participam da montagem do altar de amigos, assim

como partilham o momento de desmontar e saborear as oferendas.

Com a morte, abrimos um ciclo de dor, sofrimento e penitência, e por isso precisamos nos distanciar dos nossos mortos, morte é sinônimo de separação e não

de reencontro, esta concepção aumenta ainda mais a dor já existente, fugimos dos que amamos, dos que sentimos falta, de nossos sentimentos, mortes, perdas, de nós

mesmos.

O momento da constatação da morte, seja para nossa cultura ou a mexicana, é o mesmo: dor e sofrimento apresentam-se com grande semelhança de forma e

sentido, a existência de rituais (de encontros) para o Dia De Muertos não altera, nem exclui a dor da perda.

Quando a morte de um ente querido acontece, somos mobilizados por ela, mas esta é uma situação em que entramos em contato com a dor que é única e

própria de cada um, dor da perda, daquele que se foi, do que se viveu e que não poderá mais ter continuidade, a impotência e a lembrança de tantas outras perdas que se

acumularam ao longo dos anos durante a construção de cada história de vida; porém não choramos a perda do outro ou pelo outro, mas por nós que permanecemos,

pelo que possamos vir a sentir. A dor é por nós, cada um de nós.

Trabalhar com as perdas não é tarefa fácil. Poucas vezes nos deparamos com situações como esta, onde podemos participar da opção pela vida, de impotência

diante da morte, mas não diante de tantas pequenas mortes que ao longo da existência passamos uma a uma, e que insistimos, para assumirmos posteriormente o papel

de vítima, graças a uma possível impotência. Não só a morte, mas a vida também contém mistérios que envolvem nossas crenças. Vida e morte/Morte e vida, crenças e

rituais, lembremos que os evangelizadores, donos de verdades, quando chegam buscam a todo custo impor essa sua verdade como única, para dominar interferem em

conceitos, formas de vida estabelecendo uma nova crença, provocando genocídio.

Sentada no café em frente a praça principal, em meio a uma saborosa marguerita, pudemos ouvir algumas histórias no mínimo bastante instigantes, como esta

de mesmo de forma sintética tentarei relatar.

Contam os estudiosos dessa cultura, que no princípio da colonização mexicana, os indígenas atribuíam a cada indivíduo vários entidades anímicas e cada uma

delas correspondia a um destino diferente depois da morte. (Para compreender esse conceito, precisamos deixar de lado o conceito cristão de um Deus único)

Os povos Nahuas habitantes da região central do México compreendiam a morte como o momento da dispersão dos componentes do ser humano, sendo que

consideravam três os principais centros anímicos do ser humano que correspondiam a três níveis do cosmo.

O primeiro, situa-se no coração, guarda consigo a essência humana, a vida. Quando a pessoa morre, ele deixa o peito como o deus do vento. O coração depois

da morte permanece sobre a terra, pois, pertence não a um indivíduo, mas a seu grupo familiar.

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O segundo, situado no cérebro, está vinculado a individualidade e ao destino pessoal, sai da cabeça como uma serpente e depois da morte repousa sobre a terra,

além de geralmente ser guardado por seus familiares em uma caixa que contém suas cinzas e mexas do cabelo da pessoa que morreu.

O terceiro, situado no fígado, representa o motor das paixões, se dispersa na superfície da terra e pode converter-se em fantasmas ou enfermidades, como o

vento noturno.

O poder da morte era atribuído a Deus que a partir do modo de vida de cada um, determinava como seria sua morte, isto é, os Deuses avaliavam o bom e o mal

de cada um e estabelecia seu destino a partir desse momento. Para as pessoas, porém, o mais importante era cumprir uma função cósmica do que necessitassem o

prêmio ou o castigo, não existiam paraísos de ócio, mas sim de trabalho. Acreditava-se ainda que todas as criaturas tinham um coração indestrutível e de natureza

divina, Dom esse oferecido pelo deus que os haviam criado.

A forma da morte de cada um indicava o lugar para onde se iria. Depois da morte havia quatro lugares para designar seu destino, “el Mictlan” que significa

lugar dos mortos, situado nas profundezas da terra, para onde se dirigiam os que haviam tido uma morte comum.

Os que caíram em combate eram oferecidos em sacrifício ao sol em “el Ichan Tonatiuh Ilhuícatl”, o céu que é a morada do sol, assim como as mulheres

mortas em seu primeiro parto ou comerciantes que padeceram em seu trabalho.

O paraíso da vegetação “el Tláloc” recebia os que foram golpeados por um raio, afogados ou que sofreram enfermidades ligadas a água.

Para os recém nascidos que morriam antes mesmo de conhecerem alimentos sólidos, era destinado um lugar chamado de “Chichihualcuauhco”, onde podiam

alimentar-se com leite, lá havia uma árvore com frutos em forma de mamas e enquanto esperavam uma nova oportunidade de vida, poderiam continuar a se alimentar.

Não podemos deixar de salientar, que segundo essa crença, cabe a Deus somente direcionava a pessoa morta, o destino já está traçado partindo das escolhas que

uma a uma foram feitas. A responsabilidade pela felicidade, infelicidade, cabe a cada um, que dessa maneira assume em suas mãos sua própria história de vida e morte.

Dentro da cultura mexicana, os cultos aos mortos ou sobre a morte, são vários; como por exemplo o culto aos deuses da morte, como os responsáveis pelo

ciclo que perpetua a vida, seja ela vegetal, animal ou humana. O culto aos antepassados através da veneração dos restos mortais que eram depositados no templo da

comunidade, buscando força e proteção. Também o culto às forças sobrenaturais contidas em relíquias utilizadas como objetos sagrados e por isso também geradores

de poder; e por último o culto aos mortos, preparação do corpo, separação das partes e envio de cada uma delas a seu destino, preparando dessa forma também o

cadáver para sua conservação e a homenagem a seus restos.

Dissociamos em nossa cultura a vida da morte, assim também são estabelecidas nossas relações quotidianas, mas não podemos fugir de nossas mortes diárias.

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Temos vivido em um mundo que dia a dia volta-se mais para a mercadoria, para o acúmulo, colocando em segundo plano a interioridade e singularidade de

cada um. Abrimos mão de nossa cultura em nome de outra que provavelmente deva ser melhor, mesmo que não a conheça muito bem, e em nome de uma tal

praticidade, modernidade, vamos extirpando os poucos rituais que ainda nos restam.

Talvez pela ausência de rituais para quase tudo, que tenha ficado tão encantada com esse grande coração que senti durante minha estadia no México, desde a

gentileza pelas ruas, o acolhimento pelos desconhecidos, o cuidado com o qual foram feitas as deliciosas e saudosas tortillas com flor de abóbora e queijo, na esquina

do pequeno hotel, ao senhor dono da charutaria que gentilmente conversou, e permitiu que trouxesse o melhor que podia me oferecer, ao garçom do café que sem a

preocupação de perder clientela ensinou pacientemente a receita da melhor marguerita que alguém possa ter provado, ao rapaz que passou dias pintando a bela virgem

de Guadalupe que finalmente encontrei, a todos que nos mercados, nas feiras, pacientemente decidiram suas fabulosas histórias de morte e vida, de crença e esperança

apesar de uma vida também difícil e amarga, principalmente por estarem na condição de vizinhos pobres do grande senhor de nossos tempos, e finalmente pela

gentileza e afeto que não xamãnica, mas veio dos velhos xamãs, detentores de sensibilidade e olhar além das aparências, que conseguiram conviver com as diferenças

mesmo sabendo de sua existência e encerraram essa jornada com um sopro de caracol (com o desenho de um diablito) no coração.

Ecoando ainda o sopro do caracol, precisamos resgatar nossa possibilidade de escolha, nossas narrativas, que são tantas, tantas narrativas de vida e morte tantas

Severinas quanto desejarmos.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)

CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

PRIMEIRA VERSÃO ANO I, Nº31 - DEZEMBRO - PORTO VELHO, 2001

VOLUME II

ISSN 1517-5421

EDITOR

NILSON SANTOS

CONSELHO EDITORIAL

ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História

JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia MIGUEL NENEVÉ - Letras

VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia

Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows”

deverão ser encaminhados para e-mail:

[email protected]

CAIXA POSTAL 775 CEP: 78.900-970 PORTO VELHO-RO

TIRAGEM 200 EXEMPLARES

EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

ISSN 1517-5421 lathé biosa 31

GEOPOLÍTICA Y GEOECONOMÍA MONDIALES EN TRES ESCENARIOS

DE LA GLOBALIZACIÓN

CLODOMIR SANTOS DE MORAIS

PRIMEIRA VERSÃO

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ISSN 1517 - 5421 88

Clodomir Santos de Morais

Professor de Sociologia Rural

[email protected]

GEOPOLÍTICA Y GEOECONOMÍA MONDIALES

EN TRES ESCENARIOS DE LA GLOBALIZACIÓN

Antes de todo me declaro no ser alérgico a la globalización que tanta polémica atormenta, hoy día, a los académicos, a los políticos a los sindicalistas, a un gran

número de productores agrícolas y estudiantes etc., más quiero agregar que soy alérgico sí, y soy contra, a los aspectos perversos de la globalización.

La globalización es un fenómeno social-histórico sometido al determinismo de la economía mercantil cuya expansión es inevitable porque resulta del constante

crecimiento de los niveles de las fuerzas productivas, o sea, del avance del Progreso Técnico, es decir, de la tecnología.

Históricamente se ha comprobado lo inexorable de las leyes de la economía mercantil plasmada en la División Social del Trabajo y en la Propiedad Privada.

Por se tratar de leyes objetivas, ellas actúan independientemente del albedrío de algún demiúrgo o de algún gobierno porque nace y se desarrolla según el irrefrenable

progreso técnico.

EL PRIMER ESCENARIO

La más importante Globalización que la Historia registra fue aquella que abarcó casi la totalidad el Planeta. Globalización comenzada en los primeros siglos del

Segundo Milenio y efectivada a lo largo de los diez siglos subsecuentes. Es un larguísimo período de gestación de un mundo sin fronteras rígidas inexpugnables a la

circulación mercantil. Y a lo largo de un milenio, el fenómeno de la globalización distingue claramente cuatro escenarios determinados por la evolución de la economía

mercantil.

Por ejemplo, pese a que las Cruzadas convocaban a los europeos para liberar al Santo Sepulcro de las manos de los infieles, los musulmanes, el motivo real y

más fuerte de aquella movilización de campesinos, de artesanos y nobles a aquél tipo de guerra santa de los católicos romanos, residía en el propósito de tumbar la

muralla aduanal de los istmos Arábicos y de Suez, que los árabes imponían al flujo comercial entre Europa mediterránea y el Extremo Oriente.

Tanto es así que nadie mas se ha preocupado por apropiarse del Santo Sepulcro después de la adopción de las tecnologías de la brújula y de la carabela, que han

propiciado a los portugueses a circumnavegar África para llegar a las Indias, a Singapur, China, Japón y Timor Leste, mientras a los navegantes italianos y españoles

propiciaron el descubrimiento del desconocido Continente Americano. El interés más grande en aquellos entonces consistió en revivir la idea milenarista de que en

mediados del segundo milenio, el mundo se iba a terminar y por lo tanto, se debería llevar el Evangelio a todos los rincones de la Tierra para todos seres humanos.

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Es ahí que el mercantilismo asume un carácter salvacionista por esfuerzos de Portugal, España y Rusia, en alcanzar a los pueblos más distantes, para

cristianizarlos escondiendo los verdaderos motivos que era el de extender a toda la Tierra el intercambio mercantil. De esa manera, montado sobre el supuesto

propósito de cristianizar los pueblos conquistados, el mercantilismo salvacionista portugués llegó a Japón e China, a India, al Timor, en la Australasia; además de crear

grandes colonias como Mozambique, en le Océano Índico, Angola, Santo Tomé y Príncipe, Cabo Verde, Guiné Bissau y Brasil, en el océano Atlántico.

Mientras tanto, el mercantilismo salvacionista español se encargó de la colonización más allá de la línea divisoria del Tratado de Tordesilla, en el Atlántico y

en el Pacífico, desde la frontera con Canadá hasta la Tierra del Fuego en el sur del Continente.

A su vez, el Clero Ortodoxo, con sede en Kiev, y luego en Moscú, también fue utilizado para justificar la expansión de su mercantilismo salvacionista de Rusia

que penetró en toda Siberia, atravesó el Estrecho de Bering, conquistó el Alaska y bajando para el sur, otros rusos llegaron a establecerse en San Francisco de

California.

Tanto el Imperio de Felipe II cuanto el Imperio del Zar eran tan extensos que el sol, antes de ocultarse en su Occidente ya había nacido en su oriente. El

Tratado de Tordesilla, refrendado por la Santa Sé, establecedor de los deslindes de los dominios occidentales de portugueses y españoles, fue elocuente pese a que

perdió vigencia en el reinado de Felipe II, que alcanzó la más grande globalización con un super imperio que daba vuelta alrededor del planeta.

Ello se debe a la ruptura de los muros feudales que anteriormente dificultaban la circulación de mercancías, en una época de franca expansión de la producción

e del intercambio comercial, merced de la expansión de la producción artesanal que condujo al crecimiento de las ciudades, los burgos, y al surgimento de la clase

burguesa rica y progresista. Dicha expansión, a la postre, determinó el agotamiento del oro y de la plata europeas imprescindibles como medios de pagos.

En el comienzo del segundo milenio fueron realizados los famosos viajes de Marco Polo y de Ibin Batuta para evaluar las posibilidades de intercambio

comercial vía terrestre, sin necesariamente transitar por aquellos famosos istmos. Marco Polo era empujado por el mercantilismo salvacionista de la península itálica y

Ibn Batuta, catedrático de la Universidad Mahometana de Tumbuctu, en las orillas del Río Níger, era empujado por el mercantilismo árabe con el propósito de difundir

el Corán entre los más lejanos pueblos del Planeta.

Sin embargo, tan solo mediante la expansión de los intercambios mercantiles, dentro de Europa, Mar del Norte, Mar Báltico, Norte de África y entre el Mar del

Mediterráneo y el Océano Índico, es que apareció la gran empresa mercantil que caracteriza el mercantilismo propiamente tal.

De hecho, antes de aparecer la gran empresa mercantilista era impracticable la colonización de América y de otras áreas de África e India. En efecto a los

esfuerzos de la economía familiar campesina de producción para el consumo de los Vikingos de Eric el Rojo (que llegó al continente americano algunos siglos antes de

Cristóbal Colon) les han faltado las condiciones históricas del mercantilismo, abajo enumeradas:

a) vive del trueque, o sea, del intercambio de mercancías y por esta razón,

b) se supone la existencia de mercado productor y mercado consumidor organizados en los extremos de los flujos comerciales;

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c) y opera no en forma de economía familiar , de carácter artesanal, sino en forma de gran empresa con asalariados.

Ahora bien, al acercarse del mediado del segundo milenio, la economía mercantil resucita las preocupaciones milenaristas de que al fin del mundo amerita

salvar la mayor cantidad de almas en todos los rincones del Planeta. Era a partir de ahí que el mercantilismo salvacionista de Portugal, España y Rusia, al buscar crear

mercados, al mismo tiempo iba instintivamente lanzando las bases de la geopolítica y geoeconomia de ámbito planetario.

Se trataba de un fenómeno generalizado dictado por una ley inexorable de la economía mercantil que somete a los individuos, alcanzados por la circulación

mercantil. Es decir: los individuos contagiados por la mercancía inevitablemente tendrán que producir mercancías a fin de mediante el intercambio, tener acceso a

mercancías. En las huellas del largo “Extensionismo Universitario” de Ibn Batuta, el mercantilismo salvacionista se extendió allende al Mar Caspio involucrando los

pueblos asiáticos de la cuenca del Océano Indico incluyendo Indonesia, en la Australasia, Norte de Mozambique, en la isla africana Zanzíbar, (milenarista productora

de clavos de olor) y en los pueblos de la Cuenca del Río Nilo.

El flujo mercantilista de los árabes anteriormente ya había introducido en el occidente los importantes inventos chinos: el papel, la pólvora y la brújula. Empezó

en su periodo salvacionista, el mercantilismo árabe hizo la caña de azúcar migrar de su hábitat en la cuenca del Río Ganges, hacia inicialmente el Golfo Pérsico y luego

para Chipre de donde los ibéricos las llevaron a las Islas Canarias, Madera y Azorese el Atlántico.

Es que con la expansión de los círculos comerciales de la Liga Hanseática en las vías fluviales de las cuencas del mar del Norte, Báltico y Mar Negro, el escaso

consumo del azúcar de la caña para fines terapéuticos (como antídoto de intoxicaciones) se ha convertido en un masivo consumo popular de la naciente industria

artesanal de alimentos. Ello condujo el mercantilismo ibérico a buscar nichos ecológicos de caña azucarera para la producción masiva de azúcar en los litorales de

regiones tropicales porque era el producto cuya venta compensaba los costos de transporte marítimo.

No es por acaso pues, que la colonización del Continente Americano por los ibéricos se llevó a efecto en el marco ecológico de la caña azucarera, es decir,

entre los trópicos de Cáncer y Capricornio. Las áreas más allá de los trópicos, las que hoy día conforman Estados Unidos, Canadá. Argentina y Chile, se dedicaron a la

ganadería suplidora de proteínas y de animales a tracción a las gran empresas colonial agrícola (al trapiche productor de azúcar y aguardiente) y a la gran empresa

militar minera de los ibéricos.

Para incursionar en la producción, los mercantilismos portugueses españoles y después el holandés, el francés y el inglés tuvieron que realizarlo mediante su

más importante característica – la gran empresa -, utilizadora de mucha mano de obra, o sea, de muchos brazos. Dado esté modelo histórico de la gran empresa, la

agricultura de latinoamerica sigue desempeñando importante papel en la economía de cada país. De ahí se haber estructurado la gran empresa militar minera, la gran

empresa de servicios y la gran empresa colonial agrícola, el ingenio azucarero. Los brazos en regiones litoraneas eran escasos y asimismo rebeldes, dado a la

incompatibilidad estructural organizativa presentada entre el modo de producción de los ibéricos, y el multimilenario régimen comunal primitivo de los indígenas

selváticos. Al paso que, en menos de mil años, se estima la distancia entre el modo de producción asiático de los indígenas de los altiplanos aztecas, incas, mayas, etc.,

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que ya habían propiciado la revolución del riego, y el modo de producción de los ibéricos. Sin embargo, las enfermedades del litoral diezmaban a los indígenas

reclutados para los trabajos forzados en el litoral. La solución fue, pues, importar brazos esclavos de África, práctica que los europeos realizaban ha más de un siglo.

Por eso es que, ejemplifiquemos, en solamente treinta años de colonización, en el mercado de Porto Belo, en Panamá, ya se había vendido más de cinco mil

esclavos. La adrede prohibición de esclavización de los indígenas objetivaba tan sólo fortalecer la venta de brazos esclavos africanos que, una vez agotados las

aluviones auríferas y las minas de piedras preciosas de América, pasaron a ser la mercancía más importante, la mercancía ideal que financiaría los costos de la

colonización, el despilfarro y el lujo de las cortes. Más de cincuenta millones de africanos fueron capturados en los tres siglos de la colonización americana, pero,

apenas un tercio llegó con vida a los ingenios azucareros y a las minas.

La acumulación originaria del capital propiciada por el mercantilismo salvacionista, presenta este precio demasiadamente elevado de decenas de millones de

muertos de los brazos africanos y en brazos autóctonos, los indígenas, que fueron diezmados en constantes genocidios, en América, África, Asia y Europa.

La Ética, el Derecho, la Filosofía, al obedecer a la lógica interna del sistema económico vigente en este primero escenario del proceso de globalización, se

volvieron cómplices de los crímenes y de todos los demás aspectos perversos, pese a que, por otro lado, no se puede soslayar los beneficios materiales y espirituales

que los pueblos de los continentes han podido producir en ese largo periodo de medio milenio, en que se procesaron los pasos iniciales de mundialización de la

economía mercantil.

EL SEGUNDO ESCENARIO

El segundo Escenario del proceso de globalización comienza en la Revolución Industrial y siempre reflejando el nivel de las fuerzas productivas el cual, cuanto

más elevado, más riqueza se produce y se acumula. También en este escenario en algunos casos, la religión fue utilizada para disimular aspectos perversos de la

naciente economía mercantil capitalista. Dichos aspectos perversos fueron cuestionados en mediados del siglo XIX por el Papa León XIII en su encíclica "De Rerum

Novarum” y por Marx en “El Capital”.

Bernard Shaw trató de idealizar una supuesta reflexión de Napoleón Bonaparte, prisionero en la Isla de Santa Elena el cual llega a la triste conclusión de que

los ingleses eran más inteligentes que los franceses: Nosotros, los franceses, cuando queremos conquistar a un pueblo en África, América o en Asia, reclutamos y

entrenamos la fina flor de nuestra juventud. Ésta pasa años peleando hasta que, a costa de muchas bajas, logra dominar los autóctonos. Los ingleses, al contrario, lo

primero que hacen es enviar la Biblia al pueblo que esperan conquistar. Los autóctonos se convencerán de que el Dios de los ingleses es más poderoso que los dioses

locales. Por esa razón deciden aprender ingles para que sean entendidos por el Dios de los ingleses. Enseguida se les hacen llegar las mercancías inglesas. Pocos

años más tarde aquél pueblo colonizado reclutará y entrenará la fina flor de su propia juventud para defender, allá mismo, los intereses de los ingleses.

Sin embargo, después de exportar la Biblia y manufacturas, los países industrializados (Inglaterra, E.E.U.U., Alemania, Francia, Japón, Italia y Rusia) pasan a

exportar capitales a sus colonias y países dependientes, en las últimas décadas del siglo XIX. Navíos a vela y a vapor cinglan todos los océanos y mares del Planeta

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mundializando así el comercio que por la vía de los ferrocarriles que cruzan de Lisboa a Vladivostock (en el Mar de Japón) del Cairo a la Ciudad del Cabo, en Sur

África; y, asimismo interligan los océanos Atlántico y Pacífico, de Nueva York a San Francisco de California y de Buenos Aires a Santiago de Chile.

Estas vías de penetración de mercancías establecían nuevos parámetros de geopolítica y de geoeconomía con vistas a vencer el desempleo proveniente de la

desintegración de las economías artesanas y campesinas en Europa e Japón. Por lo tanto, la solución encontrada fue la transferencia, en forma masiva, de excedentes

demográficos para regiones del Planeta – regiones carentes de población, tales como el Oeste de Estados Unidos, el Sur de Brasil, Africa Austral, Argentina, Uruguay,

Chile, Australia y Nueva Zelandia.

Se estima entre cuarenta e cincuenta millones de ingleses, irlandeses, italianos, holandeses franceses, alemanes, escandinavos, rusos, españoles, polacos,

balcánicos transplantados para el Continente Americano, Africa y Australasia. Se calcula que, la suma de estos pueblos transplantados, mas los veinte millones de

muertos en la guerra franco germánica de 1870 y el primero conflicto mundial de 1914 no fueron suficientes para reducir las presiones sociales del desempleo y la

pobreza europeas, razón por la cual emerge en 1918, en Rusia, el primer estado proletario determinador de nuevos marcos geopolíticos y geoeconómicos.

El telégrafo electromagnético y el teléfono inventados respectivamente por Samuel Morse y por Grahan Bell, en la tercera y séptima décadas del siglo XIX, una

vez introducidos en cables submarinos que dan vuelta al mundo con noticias políticas, económicas y financieras, en pocas horas, orientaban las principales bolsas de

valores del mundo: Nova York, Londres, París, Berlín, San Petersburgo y Tokio. Los cables submarinos llegaron en la época histórica en que el capital financiero se

sobrepone a los capitales industriales y agrícolas.

Inmediatamente el progreso técnico, expreso en el nivel de las fuerzas productivas hizo surgir respectivamente con el alemán Hertz y con el francés Brangli los

aparatos emisor y el detector de ondas eletrico-magnética que llevó al italiano Guillermo Marconi, enseguida, a inventar el radio, o sea, la comunicación inalámbrica.

Ello resulta de la acumulación del capital en las metrópolis determinando el surgimento de grandes monopolios, los cuales, reduciendo la competitividad, han alterado

el carácter y la eficiencia de la economía mercantil capitalista. Es a partir de ahí que surgen los Estados Rentistas que se lanzan en la estructuración de nuevos imperios

sustituyendo el colonialismo por el imperialismo. A los Estados imperialistas mucho les gusta tener el mayor número de Estados deudores que, en los organismos

internacionales se comportan como sus vasallos, sus feudatarios.

Una vez estructurados los imperios mediante la guerra, ellos buscan nuevas reparticiones del mundo inclusive en “pedazos de pueblos y de geografía” como lo

que pasó en el conflicto franco-germánico de 1870 y en los dos conflictos mundiales de 1914 y de 1939.

EL TERCER ESCENARIO

Los instrumentos empresariales articulados en grandes monopolios en el tercer Escenario de la Globalización preludían el sometimiento de los Estados

nacionales a los intereses económicos de transcontinentales corporaciones financieras en detrimento del papel disciplinador del Estado protector del ser humano y de

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los recursos naturales. A esa altura del proceso la Ciencia se convierte en un mero medio de producción, desarrollada y puesta a servicio de las grandes corporaciones

financieras y de las estratégicas instituciones militares.

La geopolítica, que anteriormente era de relevancia para los Estados, se ha trasmutado en geoeconomía de mucha relevancia para las corporaciones financieras

que ponen sus empresas transnacionales a succionar los recursos de todos los pueblos del Planeta por más lejano que se encuentren. El Banco Mundial y el FMI

constituyen partes fundamentales de la bomba de succión que enriquecen el Norte y pauperiza cada vez más el Sur del Planeta. Y lo hacen con el movimiento

alternativo del vaivén: realizando la inversión pregonada como ayuda a los países del sur y recogiendo las ganancias de mil por ciento que otra vez se invierten para

succionar más ganancias, depauperando sistemáticamente los pueblos de los Estados periféricos.

El nuevo milenarismo salvacionista adoptado por la economía mercantil capitalista está plasmado en el neoliberalismo que apunta a la privatización ya no

solamente de los servicios e industrias básicas del Estado, sino del Estado propiamente tal, utilizádo apenas como espantajo aterrorizador de los extractos sociales y

pueblos rebeldes, en la medida en que lo van desplumando con la privatización de los medios de comunicación y transporte (teléfonos, radio, televisión, ferrocarriles,

carreteras, flotas aéreas y marítima etc.) de las minas, los bosques, las hidroeléctricas, los satélites, la industria bélica y de hidrocarburo, etc., etc., etc.

El tótem milenarista del fin del mundo no tiene sentido en este Tercer Escenario de la Globalización. La gloria, la salvación de las almas están previstas para

llegar solamente con el fin de la Historia, porque sus defensores, creen que el liberalismo es eterno por el hecho de no depender de la Historia y tan solo del individuo

genial, emprendedor, ejecutivo de vocación empresarial.

Sus seguidores levantan las banderas de los derechos humanos y del sistema democrático que permitan al individuo hacer lo que le dé la gana, inclusive la no-

participación de lo que se denominan elecciones democráticas. Las corporaciones financieras (FMI e Banco Mundial, etc.) llegan al desplante de condicionar créditos a

los que, a su criterio no viven en modelo de democracia representativa. Porque es en ese caldo de cultivo que se denomina democracia representativa (en algunos casos

menos de 20% de los votantes), las transnacionales encuentran la ecología social del despojo de las riquezas de los pueblos y de la execración de las culturas autóctonas

con la alienación total o parcial de los valores nacionales y la proscripción de los principios que rigen la autodeterminación de los pueblos.

Con nostalgia me recuerdo de cuando en mediados de julio de 1957, en la calidad de jefe de una Misión Económico Parlamentar del nordeste de Brasil, tuvo el

honor de ser invitado a asistir, en Roma, a la primera sesión de la discusión de la Cámara de Diputados, referente a la entrada de Italia en el Mercado Común Europeo.

En esta tarde tuve la felicidad de escuchar discursos de elocuentes oradores: De Gásperi, Fanfani, Pietro Neni y Togliati, representantes de diferentes

tendencias filosóficas del parlamento italiano, heredero de una cultura multimilenar, y me sentí trasladado al fulguroso Senado Romano, con las reediciones

contemporáneas de Cícero y Catalina.

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Pese a las emociones de aquella singular oportunidad histórica que a mí tocó vivir, he podido identificar una preocupación constante en los principales

discursos: la protección de las costumbres, de los valores y de las culturas de tantos pueblos, cuya reunificación en el Estado Italiano mucho ha contribuido Giuseppe

Garibaldi.

En este tercer Escenario de la Globalización, seguramente la bomba de succión del intercambio mercantil y de las transacciones financieras de las

transnacionales que se apoyan en los papeles, los cupones de las Bolsas de Valores, llevará para el mundo desarrollado las ganancias resultantes de la desfavorable

relación de energía despendida por energía captada en el III° Mundo.

Esto vale decir que las condiciones saludables de un productor del Primer Mundo resultan de la succión de la energía despendida por miles de productores del

III° Mundo. La extensa esperanza –de vida- de aquél se alimenta de la reducida esperanza -de vida- de éstos.

Pasados seiscientos años después de largo periodo realizado por IBN BATUTA, hoy día, Africa e Indonesia viven otro tipo de Globalización: la Globalización

de la miseria y del desempleo presidida por otro dios todopoderoso: el dinero adorado en “el templo” de las Bolsas de Valores.

En efecto, la ONU ha noticiado, el mes pasado que Africa presenta trescientos y cuarenta millones de hambrientos y en cada minuto tres africanos mueren de

desnutrición. Mientras tanto la Revista “Visión” edición de 16 a 21 de agosto de 1998, informa que, “con la empresa “Quantum Funds” él célebre mega especulador

cosmopolita, George Soros, quien posee fondos disponibles por alrededor de veinte mil millones de dólares, es capaz de obtener créditos cien veces mayores por medio

del mercado de los derivados y, en particular, de los ominosos hedge funds (fondos de resguardo) popularmente conocidos como cobertura de riesgos. O sea, mientras

el “Quantum Funds” puede fácilmente mover doscientos mil millones de dólares, el cuarto país más poblado del planeta, Indonesia, se encuentra incapacitado de

conseguir en los selectos mercados de dinero, ni la quinta parte de estos créditos bancarios, donde se mueven como peces en el agua los megaespeculadores”.

Sin embargo, es un equívoco imaginar que la tecnología de punta montada sobre la informática, sobre la robótica, predominante en el famoso “Grupo de los

Siete” de países más ricos del mundo, dispensen la participación, y hasta la existencia de los otros 174 países que conforman la comunidad internacional. El concepto

de marginalidad es un concepto falso, sea al nivel local o nacional o al nivel mundial, porque nadie puede estar al margen de la economía mercantil capitalista, si acaso

ya fue alcanzado por la circulación mercantil.

Los tres millones de hindúes tirados al desempleo por la crisis financiera de Indonesia no pueden ser rigurosamente considerados excluidos. Su existencia por si

solo, con todo y hambre que sufren, juegan un papel importante en la manutención de bajísimos salarios.

Es decir, las comunicaciones informatizadas, el microcomputador o la “Internet”, en este caso, vinieron apenas a acelerar la apropiación de “plusvalía” merced

de la interdependencia, al nivel mundial, de todos los ciudadanos insertados en la gigantesca telaraña de las relaciones de intercambio.

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Tal y como se comportan los vasos capilares del sistema circulatorio identificado por Harvey y Malpighi en el siglo XVI, similar a las redes hidrográficas, los

flujos de energía dispendida en las periferias resultan siempre incrementando el cauce de los grandes caudales, que en biología humana serían las aortas superior e

inferior que el corazón usa para hacer circular el precioso líquido, la sangre con la cual se hace llegar o restar energía a las células.

Ya no se debe pensar tan solamente en términos económicos. Se tiene que recurrir a la biología y tomar la energía que un ser humano necesita como unidad

vital de 2.100 calorías la cual, en una parte del Planeta, se acumula en forma de riqueza, en detrimento de millones de individuos que no alcanzan ni la mitad de estas

calorías. Esta riqueza es conseguida (en tanto trabajo consumidor de energía), eliminado a unos millones del mercado de trabajo y a otros millones de la propia

existencia vital, por desnutrición.

Que la Sociología pues, no se apoye solamente en los criterios o parámetros de la Economía para explicar el complejo momento en que vivimos; que ella

recurra también a la Biología, porque el lenguaje de esta ciencia explica mejor lo que es el hambre, sin lo que resulta difícil convencer a las masas de enajenados

desposeídos, cómo superarla.

Ahora bien, en la encrucijada en que se depara, hoy día la Humanidad, en plena crisis laboral y ecológica del progreso técnico, los protagonistas de ella tendrán

que crear experimentalmente los más distintos espectros que ayuden en la lectura, en la ecuación y en la solución de sus enormes problemas de consecuencias

imprevisibles.

El Planeta se hunde vertiginosamente en parámetros y criterios éticos incomprensibles tales como:

a. las líneas de financiamiento de la Comunidad Europea para que sus agricultores no produzcan alimentos, cuando un tercio de la población de la tierra

padece de hambre epidémica con millones y millones de óbitos por desnutrición;

b. la conversión del terrorismo vulgar en la vulgarización del terrorismo de Estado.

c. La volupia de las políticas de privatización que conducen a la indiferencia frente a la plétora mundial del desempleo y su corolario inmediato, la miseria y

la violencia entre individuos, entre Pueblos, entre Naciones y entre Estados;

d. La mistificación, al identificar como pueblos hambrientos a los cubanos que se ganan sistemáticamente la mayoría de las medallas de oro de olimpiadas

regionales y a los coreanos del norte que lanzan satélite con su propia tecnología.

Toda esa fenomenología especialmente trágica del final del milenio rompe el esquema lógico-formal de la Ética. Lo peor de todo es que el fetichismo, en el

dinero y la circulación mercantil, llevan a los individuos a no sentir la gravedad del proceso violento en que se vive y el confronto armado en escala mundial que ya se

avizora.

Lo más grave de este Tercer Escenario del milenar Proceso de la Globalización es la Crisis del Progreso Técnico – Crisis que presenta dos faces: la

ecológica y la laboral.

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Si bien es cierto que no puede haber desarrollo sin la necesaria transformación de la Naturaleza, el Progreso Técnico, cuya evidencia es más identificable a

partir de la Revolución Industrial, ha conducido a la destrucción de gran parte de los recursos naturales del Planeta.

Ello parece obedecer a una paradoja de la lógica interna del propio Progreso Técnico, ya que los países que más polución causan al Planeta son aquellos más

desarrollados y supuestamente más cultos. Estados Unidos por ejemplo, aporta casi 40% de toda la polución que afecta la biosfera. La comunidad Europea, juntamente

con Japón y Rusia producen el mismo índice de polución del planeta.

La face ecológica de la crisis del Progreso Técnico en casi todo lado es encarada como un fenómeno de desespero apocalíptico. Los ecologistas abordan el

escenario de polución y de las devastaciones de recursos naturales como si ellos estuviesen en un proceso de catarsis. Surgen de ahí protestas y no soluciones. Mientras

unos toman el camino del ludismo ecológico (una especie de paráfrasis contemporánea del ludismo de los inicios de la Revolución Industrial que movilizaba artesanos

para destruir las máquinas en la suposición de que ellas arrebataban, por competencia, las oportunidades de empleo) otros prefieren las actitudes neo-orientales de

meditación contemplativa de la Naturaleza y del desprecio a las tecnologías de transformación del medio ambiente de que tanto necesita el Hombre.

Unos y otros no logran ver ninguna perspectiva; no vislumbran ninguna salida para la crisis ecológica. Son incapaces de ver que la óptima correlación del

hombre y el Medio Natural solamente es lograda mediante la transformación en el carácter de la actividad humana y de su orientación económica, teniendo en vista la

protección de la biosfera, es decir, del Medio Ambiente.

Afuera de esto, es caer en el utópico naturalismo de Jean Jacques Rousseau o en el “orientalismo” cultural indiferente al hambre, a la penuria, y a la miseria.

Ellos son los que no creen que es imposible el Progreso Técnico sin la transformación de la Naturaleza. En general tienen una visión acentuadamente romántica de la

face ecológica de la crisis del Progreso Técnico y, por esta razón, difícilmente entienden que la evolución orgánica tanto en la forma biológica cuanto en las formas

superiores de la organización de la materia, es decir, en los organismos sociales, presenta claramente la contradicción existente entre el caosógeno y el anti-caosógeno

de la biología humana con su versión más elevada en las formas de organizaciones sociales.

A pesar de esto, la protesta y la renuncia a las formas tecnológicas de transformación son insuficientes para solucionar la ecuación del problema con que se

busca la compatibilidad del Medio Natural con el desarrollo tecnológico. Es que no se puede ignorar que la evolución orgánica biológica resulta del caosógeno (el

Medio Natural) y del anti-caosógeno (la vida biológica o la vida social). En síntesis, la compatibilidad de la tecnología y la biosfera como sus premisas, serán la base de

la Revolución Eco-Tecnológica que la humanidad hoy día necesita.

En cuanto a la face laboral del progreso de la crisis del Progreso Técnico, este ha provocado en varios países del III Mundo una especie de “Camuflada

Guerra Civil del Desempleo” en la medida en que la tecnología de punta incrementa el Capital Constante (sea en el Sector Primario, Secundario o en el Terciario)

reduciendo ipso-facto el Capital Variable (la fuerza de trabajo) en lo que a la composición orgánica del capital se refiere.

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El desempleo, pues, afecta hoy día casi todos los países y la movilidad de la mano de obra ociosa, o mal remunerada, lleva a que millones de individuos

principalmente del Tercer Mundo marchen a buscar oportunidades de empleo o de ingresos en los países del llamado Primer Mundo.

Ese fenómeno de magnitudes continentales vino a subvertir los paradigmas y la ética del neoliberalismo y de la globalización en que él navega,

desenmascarando flagrantemente los principios democráticos que tanto apregonan sus representantes, con la creación de nuevos “muros de Berlín”, tendidos a lo largo

de las fronteras Sur de la Comunidad Europea y del Sur de Estados Unidos.

Todo mundo sabe que, tanto en las fronteras comunitarias mueren cada año, centenas de africanos y asiáticos intentando atravesar sus fronteras en búsqueda

de trabajo. Como dije el sociólogo marroquino, citado por el economista Bruno Amoroso, “con la caída del muro de Berlín en 1989, se puso la primera piedra para un

nuevo muro atravesado en el Mediterráneo”.

En la frontera México - Estados Unidos anualmente encuentran la muerte miles de migrantes mexicanos y centroamericanos. Mueren ahogados en el Río

Bravo o en los desiertos, huyendo de los balazos de la Guarda de frontera de Estados Unidos. El periódico “Excélsior” de 20 de enero de 2000 ha informado que, en

apenas una noche, (2 de enero) fueron expulsados y puestos del lado mexicano, 14 mil individuos latinoamericanos indocumentados. Es el Muro de Berlín más trágico

que se conoce, impuesto por la geopolítica y geoeconomía de la globalización neoliberal.

Para vencer el desempleo y la pobreza la solución invariable está en la organización de los propios desempleados y de los pobres en Empresas

Comunitarias, ó Cooperativas de participación social generadoras de puestos de trabajo e ingresos necesarios a un nivel de vida digno. La “micro – empresa” individual

(fase de la economía informal) no constituye la solución del problema del desempleo y de sus corolario inmediatos, la pobreza y el hambre, porque presentan un alto

indice de mortalidad infantil “ ya que cien que se crean el 90% no llegan a un año de edad.

Por lo tanto, hay que reunir y capacitar a los interesados, de forma masiva (porque el desempleo y la pobreza son fenómenos masivos) a fin de que

estructuren empresas asociativas o comunitarias generadoras de puestos de trabajo e ingresos, pues, tan solo en estas dimenciones podrán enfrentar la competitividad de

los mercados globalizadores.

La metodología de capacitación masiva difundida por el Instituto de Apoyo Técnico a los Países del Tercer Mundo (ATTERMUN), con sede en Brasilia, ha

empujado con éxito en América Latina, Africa y Europa programas nacionales de capacitación masiva para estructuración de miles de empresas corporativas

asociativas, autogestionarias de producción de bienes y de servicios generadoras de puestos de trabajo e ingresos, como forma de reducir la pobreza y el desempleo.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)

CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

PRIMEIRA VERSÃO ANO I, Nº32 - DEZEMBRO - PORTO VELHO, 2001

VOLUME II

ISSN 1517-5421

EDITOR

NILSON SANTOS

CONSELHO EDITORIAL

ALBERTO LINS CALDAS - História ARNEIDE CEMIN - Antropologia FABÍOLA LINS CALDAS - História

JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia MIGUEL NENEVÉ - Letras

VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia

Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows”

deverão ser encaminhados para e-mail:

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CAIXA POSTAL 775 CEP: 78.900-970 PORTO VELHO-RO

TIRAGEM 200 EXEMPLARES

EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

ISSN 1517-5421 lathé biosa 32

ESCALA PADRÃO DO QUESTONÁRIO DE MOTIVAÇÃO PARA O TRABALHO (F. TORO) PARA OS TRABALHADORES NOS GRUPOS DE ENFERMAGEM DA CIDADE DE PORTO VELHO– RONDÔNIA- BRASIL

CLAUDEMIR LEITE DA SILVA

PRIMEIRA VERSÃO

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ISSN 1517 - 5421 99

Claudemir Leite da Silva

Profesor do Departamento de Psicología – UFRO

[email protected]

ESCALA PADRÃO DO QUESTONÁRIO DE MOTIVAÇÃO PARA O TRABALHO (F. TORO) PARA OS TRABALHADORES NOS GRUPOS DE ENFERMAGEM

DA CIDADE DE PORTO VELHO– RONDÔNIA- BRASIL

A Psicologia Aplicada Latino-americana, com ênfase na Brasileira, apresenta uma série de instrumentos que auxiliam o trabalho de diversos profissionais no

exame e identificação das habilidades e conhecimentos humanos. Em diversos estudos realizados nos principais centros culturais e educacionais do Brasil

encontramos uma busca, através do desenvolvimento da tecnologia sociométrica, de soluções para muitos problemas aplicados. Os grandes centros já contam com

muitos instrumentos padronizados para suas culturas, níveis de desenvolvimento econômico, social e tecnológico, enquanto que para as populações mais distantes

estes instrumentos se apresentam de pouca utilidade devido as marcantes diferenças de idiossincrasia e até de desenvolvimento econômico-social-cultural.

Como parte de uma série de estudos que têm como objetivos levantar, identificar e classificar os padrões de identidade da população atual da região Norte do

Brasil, especificamente do estado de Rondônia que apresenta um desenvolvimento global bastante diferenciado de outras regiões do Brasil, necessitamos empregar

instrumentos padronizados para esta realidade.

Em relação a motivação e particularmente a motivação para o trabalho não existe, até o presente, instrumentos padronizados para a realidade da região de

Rondônia. Aplicar instrumentos com escalas padrão desenvolvidas em outras regiões do Brasil não resultaria inadequado mas teríamos ao final um perfil

motivacional não regionalizado.

Após o estudo de diversos instrumentos que medem a motivação para o trabalho o Questionário de Motivação para o Trabalho (QMT) desenvolvido por

Fernando Toro (1992) se apresentou um dos mais completos não só pela abrangência dos fatores que mede como também por ser um instrumento utilizado em

outros países latino-americano o que pode apresentar vantagens quando de comparações entre perfis de culturas diversas.

Para este questionário Toro (1992) tomou as abordagens das teorias motivacionais relevantes desenvolvidas à partir da década de 40 (Teoria da Pulsão –

Hull, 1943; Teoria da Valência e do Incentivo – Tolman,1959; Esquemas da Hierarquia de Necessidades Básicas – Maslow, 1943,1954; Teoria da Equidade –

Adams, 1963, 1965; Teoria das necessidades sociais – McClelland, Atkinson y Feather, 1966, 1968; Teoria da Expectativa – Vroom y Lawler, 1964, 1973; Esquema

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dos Fatores Motivação e Higiêne – Herzberg, 1959, 1966) e os resultados das investigações relevantes (Toro, 1981; Toro y Cabrera, 1985; Toro, 1985, Toro y

Cabrera,1990)

Segundo Toro (1982):a fundamentação teórica na qual se apoia o QMT está conformado por um esquema conceitual que toma de um lado os aportes

de teorias motivacionais relevantes e os resultados de investigações empíricas, e de outro lado toma em consideração um esquema conceitual desenvolvido

por ele que integra varias dimensões analíticas para produzir uma conceitualização que destaca o caráter dinâmico do fenômeno”.

O QMT é um instrumento que mede 15 fatores motivacionais divididos em 03 dimensões, sendo: a) Condições Motivacionais Internas (CMI); b) Meios

Preferidos para obter Retribuições desejadas no trabalho (MPR); c) Condições Motivacionais Externas (CME).

a) Condições Motivacionais Internas. (CMI) (Ver Toro,1985, 1990)

É representado por 5 variáveis internas. Estas variáveis, em conjunto, descrevem condições pessoais internas de caráter cognitivo e afetivo, que permite ao

indivíduo derivar sentimentos de agrado ou desagrado de sua experiência com pessoas ou com eventos externos específicos. Como conseqüência dos sentimentos de

agrado experimentados uma vez, pode-se ativar comportamentos posteriores de aproximações a tais pessoas ou eventos.

Dentro desta dimensão pode-se distinguir pelo menos três categorias de variáveis: fisiológicas, psicológicas e psicossociais.

1. Logro (Log): Se manifesta através do comportamento caracterizado pela intenção de fazer algo excepcional, alcançar excelência, levar vantagens sobre outros;

2. Poder (Pod): Expressado por ações e intenções orientadas a adquirir ou exercer domínio, controle e influência sobre pessoas ou grupos;

3. Afiliação (Afi): Expressada por ações dirigidas a obter ou conservar relações interpessoais acaloradas;

4. Auto-realização (A-R): Manifestada por ações que buscam aperfeiçoamento e utilização no trabalho de habilidades e conhecimentos pessoais;

5. Reconhecimento (Rec): Manifestado em atividades orientadas a obter dos demais atenção, aceitação ou admiração pelo que a pessoa é, faz ou sabe;

b) Meios preferidos para obter Retribuições desejadas no trabalho.(MPR) (Ver Toro, 1985, 1990)

É representado por 5 variáveis. Toro instrui que em todos os fenômenos psicológicos se observam grandes diferenças individuais tanto nas condições

motivacionais internas como nas condições motivacionais externas e que por razão de tais diferenças individuais as pessoas podem diferir em quanto aos meios que

preferem empregar para obter retribuições desejadas no trabalho. Desta maneira este fator operacionaliza 5 variáveis que refletem uma amostra de condutas

instrumentais para a obtenção de benefícios desejados no trabalho, porém não esgotam todas as possibilidades.

6. Dedicação a Tarefa (D-T): Expressado por comportamentos ocupacionais orientados a dedicação do tempo, esforço e iniciativa ao trabalho. Preocupação por

mostrar no trabalho responsabilidade e qualidade;

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7. Aceitação da Autoridade(A-A): Inclui modos de comportamento que expressam reconhecimento e aceitação tanto das pessoas com autoridade na empresa, como

das decisões e atuações de tais pessoas;

8. Aceitação de Normas e Valores (ANV): Inclui comportamentos que refletem aceitação e fixação na prática de crenças, valores e normas relevantes para o

funcionamento e a permanência da empresa;

9. Requisição (Req): Modos de comportamento que buscam alcançar as retribuições desejadas influenciando diretamente a quem pode concedê-las, mediante

solicitação direta, confrontação ou persuasão;

10.Expectação (Exp): Modos de comportamento que mostra uma atitude de espera ou de confiança nas decisões e disposições dos comandos, nas determinações da

autoridade formal;

c) Condições Motivacionais Externas. (CME) (Ver Toro,1990)

É também representado por 5 variáveis. Em seu conjunto estas variáveis buscam estudar o valor que uma pessoa atribui a vários tipos de retribuições pelo

desempenho que uma organização pode oferecer. Estas variáveis têm o caráter de fatores que suscitam o interesse pelo trabalho reforçam ou incentivam modos de

comportamentos dirigidos para obtê-los. Esta dimensão compreende uma categoria de variáveis constituídas por eventos externos e outra por pessoas ou agentes

11. Supervisão (Sup): Comportamentos de consideração, reconhecimento e retroinformação por parte dos representantes da autoridade organizacional;

12. Grupo de Trabalho (G-T): Possibilidade no trabalho de contato pessoal com outros, de participação em atividades coletivas;

13. Conteúdo do Trabalho (C-T): Variedade, autonomia e retroinformação que provém do cargo ou da tarefa;

14. Salário (Sal): Retribuição em dinheiro ou espécie, associada ao desempenho de um cargo;

15. Promoção (Pro): Possibilidade de mobilidade ascendente na organização;

METODOLOGIA

Na área de prestação de serviços foram aplicados o QMT em 124 trabalhadores de 17 grupos de enfermagem, sendo 15 do sexo masculino e 109 do sexo

feminino; 23 enfermeiros, 73 auxiliares de enfermagem, e 28 técnicos de enfermagem; com uma média de idade de 38,02 anos, entre as faixas de 22 – 57 anos; e

uma média de experiência de trabalho de 11,02 anos, entre as faixas de 0 – 32 anos. Os questionários foram aplicados entre 01 de novembro de 2000 e 30 de

fevereiro de 2001. Após aplicação foram obtidos resultados brutos e para classificar os fatores utilizou-se 10 níveis de corte, através do método estatístico “cutoff”.

RESULTADOS

A Escala Padrão para os trabalhadores nos grupos de enfermagem que prestam serviços na saúde se constitui da seguinte forma:

a)Condições Motivacionais Internas. (CMI)

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Log Pod Afi A-R Rec PB PT PB PT PB PT PB PT PB PT 06 - 10 10 - 10 14 - 10 11 - 10 12 - 10 07 - 20 12 - 20 15 - 20 13 - 20 13 - 20 08 - 30 12 - 30 16 - 30 14 - 30 15 - 30 09 - 40 13 - 40 17 - 40 16 - 40 16 - 40 10 - 50 13 - 50 18 - 50 16 - 50 16 - 50 11 - 60 14 - 60 18 - 60 18 - 60 17 - 60 12 - 70 15 - 70 19 - 70 19 - 70 18 - 70 14 - 80 17 - 80 19 - 80 20 - 80 19 - 80 17 - 90 20 - 90 20 - 90 22 - 90 20 - 90 25 - 100 25 - 100 25 - 100 25 - 100 25 - 100

M= 10,81 M= 14,15 M= 17,24 M= 16,46 M= 16,34 D= 4,08 D= 3,45 D=3,03 D= 3,91 D= 3,13 N= 124 N= 124 N= 124 N= 124 N= 124

M=média; D= desvio padrão; N= número de sujeitos;

b) Meios preferidos para obter Retribuições desejadas no trabalho.(MPR)

D-T A-A ANV Req Exp PB PT PB PT PB PT PB PT PB PT 16 - 10 09 - 10 -- - 10 09 - 10 08 - 10 17 - 20 11 - 20 14 - 20 11 - 20 09 - 20 18 - 30 -- - 30 -- - 30 12 - 20 10 - 30 19 - 40 12 - 40 15 - 40 13 - 40 -- - 40 20 - 50 13 - 50 16 - 50 14 - 50 11 - 50 21 - 60 -- - 60 17 - 60 15 - 60 13 - 60 22 - 70 14 - 70 18 - 70 16 - 70 14 - 70 23 - 80 15 - 80 19 - 80 17 - 80 15 - 80 24 - 90 17 - 90 20 - 90 18 - 90 17 - 90 25 - 100 25 - 100 25 - 100 25 - 100 25 - 100

M= 19,62 M= 12,95 M= 16,46 M= 13,95 M= 12,05 D= 3,36 D= 2,87 D= 2,61 D= 3,57 D= 3,69

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N= 124 N= 124 N= 124 N= 124 N= 124

M=média; D= desvio padrão; N= número de sujeitos;

c) Condições Motivacionais Externas. (CME)

Sup G-T C-T Sal Pro

PB PT PB PT PB PT PB PT PB PT 09 - 10 13 - 10 11 - 10 07 - 10 07 - 10 11 - 20 16 - 20 13 - 20 08 - 20 09 - 20 13 - 30 17 - 30 - - 30 09 - 30 10 - 30 14 - 40 - - 40 14 - 40 12 - 40 - - 40 - - 50 19 - 50 16 - 50 13 - 50 12 - 50 16 - 60 20 - 60 17 - 60 14 - 60 14 - 60 17 - 70 21 - 70 18 - 70 16 - 70 15 - 70 18 - 80 23 - 80 20 - 80 18 - 80 16 - 80 21 - 90 24 - 90 21 - 90 20 - 90 18 - 90 25 - 100 25 - 100 25 - 100 25 - 100 25 - 100

M= 14,96 M= 18,69 M= 15,85 M= 13,01 M= 12,54 D= 4,11 D= 4,12 D= 3,94 D= 4,99 D= 3,89 N= 124 N= 124 N= 124 N= 124 N= 124

M=média; D= desvio padrão; N= número de sujeitos; CONCLUSÕES

Para analisar o significado geral das vária faixas de pontuações que podem ser obtidas com a aplicação da Escala Padrão os resultados devem ser

enquadrados na seguinte tabela:

Pontuações entre 0 e 20: mostram um interesse ou valorização excepcionalmente baixas por comparação com os outros quatro fatores da mesma dimensão.

Pode assumir que existe uma baixíssima probabilidade de ativação do comportamento na área descrita pelo fator;

Pontuações entre 21 e 40: mostra uma valorização ou interesse relativamente baixo com uma probabilidade limitada de que se ativem comportamentos

como os obtidos no fator;

Pontuações entre 41 e 60: Mostram um interesse, valorização ou tendência a uma média reação, ou seja normal ou comum a maioria da população para a

qual se elaborou a escala;

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Pontuações entre 61 e 80: Uma pontuação dentro desta faixa descreve uma valorização ou interesse relativamente altos com uma probabilidade alta de que

em um momento dado se ativem modos de comportamentos incluídos no fator;

Pontuações entre 81 e 100: Descrevem uma valorização ou interesse excepcionalmente altos e sugerem por conseguinte a uma alta probabilidade de

ocorrência de algum dos comportamentos descritos pelo fator;

BIBLIOGRAFIA

Toro Álvarez, F. DIFERENCIAS EN EL PERFIL MOTIVACIONAL DE GERENTES DE EMPRESAS PUBLICAS Y PRIVADAS. Colômbia, Rev. Latino-americana de Psicologia, Vol. 25, No. 3, 1993. Toro Álvarez, F. CUESTIONARIO DE MOTIVACIÓN PARA EL TRABAJO – CMT. CINCEL LTDA;Medellin: Colômbia. 1992. Toro Álvarez, F.T. DESEMPEÑO Y PRODUCTIVIDAD – CONTRIBUCIONES DE LA PSICOLOGIA OCUPACIONAL. CINCEL LTDA., págs. 25-127, Medellin: Colômbia, 1990. Toro Álvarez, F. PERFIL MOTIVACIONAL DE PROFESIONALES DE LA SALUD. REVISTA DE PSICOLOGIA OCUPACIONAL. Vol.2, Nº 03. Medellim: Colômbia, 1983. Toro Álvarez, F. DISTINCIONES CONCEPTUALES PARA EL DISEÑO DE UN INSTRUMIENTO QUE PERMITA EVALUAR ASPECTOS DE LA MOTIVACIÓN PARA EL TRABAJO. INTERAMERICAN JOURNAL OF PSYCHOLOGY. Vol. 15 . Nº 2, 97-121.1982. Spielgel, M. R. ESTATÍSTICA. Editora McGraw-Hill do Brasil LTDA, Brasil, 1997.

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ISSN 1517 - 5421 105

VITRINE

DIVULGUE:DIVULGUE:DIVULGUE:DIVULGUE:

PRIMEIRA VERSÃO

N A

INTERNET

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C on su l t e o s i t e e l e i a o s a r t i g o s p u b l i c a d o s

SUGESTÃO DE LEITURA

A FORMAÇÃO DO ESPÍRITO CIENTÍFICO

GASTON BACHELARD Editora Contraponto

RESUMO: Fica como um dos elementos provocativos deste livro a afirmação do próprio Bachelard: toda cultura científica deve começar por uma catarse intelectual e afetiva. Resta, então, a tarefa mais difícil: colocar a cultura científica em estado de mobilização permanente, substituir o saber fechado e estático por um conhecimento aberto e dinâmico, dialetizar todas as variáveis experimentais, oferecer enfim à razão razões para evoluir. SUMÁRIO: A noção de obstáculo epistemológico; O primeiro obstáculo: a experiência primeira; O conhecimento geral como obstáculo ao conhecimento científico; Exemplo de obstáculo verbal: a esponja – extensão abusiva das imagens usuais; O conhecimento unitário e pragmático como obstáculo ao conhecimento científico; O obstáculo substancialista; Psicanálise do realista; O obstáculo animista; O mito da digestão; Libido e conhecimento objetivo; Os obstáculos do conhecimento quantitativo; Objetividade científica e psicanálise. Áreas de interesse: Análise do Discurso , Lingüística Indígena, Antropologia. Palavras-chave: índios, Amazônia, Cultura, Meio-Ambiente, Etnografia.