UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ PAULO DÍDIMO CAMURÇA … · 2020. 1. 20. · Trabalho de...
Transcript of UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ PAULO DÍDIMO CAMURÇA … · 2020. 1. 20. · Trabalho de...
-
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
PAULO DÍDIMO CAMURÇA VIEIRA FILHO
O IMPACTO SOCIAL E JURÍDICO DA MISTANÁSIA NO BRASIL
FORTALEZA
2019
-
PAULO DÍDIMO CAMURÇA VIEIRA FILHO
O IMPACTO SOCIAL E JURÍDICO DA MISTANÁSIA NO BRASIL
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial à obtenção do título de Graduado em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Felipe Lima Gomes
Fortaleza
2019
-
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará
Biblioteca UniversitáriaGerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)
C17i Camurça Vieira Filho, Paulo Dídimo. O impacto social e jurídico da mistanásia no Brasil / Paulo Dídimo Camurça Vieira Filho. –2019. 73 f. : il.
Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará,Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2019. Orientação: Prof. Dr. Felipe Lima Gomes.
1. Morte. 2. Mistanásia. 3. Bioética. 4. Saúde. 5. Sistema prisional. I. Título.
CDD 340
-
O IMPACTO SOCIAL E JURÍDICO DA MISTANÁSIA NO BRASIL
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Programa de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Direito.
Aprovada em: 25/11/2019.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Prof. Dr. Felipe Lima Gomes (Orientador)
Universidade Federal do Ceará (UFC)
_________________________________________
Prof. Dr. Regenaldo Rodrigues da Costa
Universidade Federal do Ceará (UFC)
_________________________________________
Mestrando Thiago do Vale Cavalcante
Universidade Federal do Ceará (UFC)
Grad
-
Agradeço à Deus por ter me acompanhado por todos os dias da minha vida
e, aos meus pais e irmãs pelo carinho e apoio.
-
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Paulo Dídimo e Ana Cléa, pela paciência e carinho que tiveram
comigo durante o processo.
As minhas irmãs, Ana Paula e Ana Clara, que me apoiaram com todo amor do
mundo.
Ao Thiago do Vale Cavalcante pelo apoio acadêmico;
Ao professor Felipe Lima pelo apoio e exemplo como pessoa e profissional;
Ao professor Regenaldo Rodrigues da Costa pelas palavras de motivação,
confiança e sensibilidade, fonte de inspiração para o tema com aulas cativantes;
Aos funcionários da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará;
Aos amigos Rafael Guedes e Julio Biasoli pelos ensinamentos e momentos de
amizade;
-
“(..)Morte igual, mesma morte severina:
que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte de fome um pouco por dia.”
João Cabral de Melo Neto
-
RESUMO
Nessa pesquisa é analisado o problema da mistanásia. Para isso, conceitos
importantes como o do biodireito e o da bioética são tratados, para depois a morte
ser examinada como um fenômeno complexo que pode ser classificada de
diferentes formas, no intuito de se chegar ao conceito de mistanásia. Com base
nesse conceito, é realizado uma análise de qual forma acontece a ocorrência da
mistanásia na área da saúde e da área da segurança, incluindo o sistema prisional,
áreas que representam bem a realidade de uma sociedade. Dessa forma, tal
fenômeno é observado sob uma perspectiva social, no qual é trazido casos notáveis
e analisados dados estatísticos. Além de uma perspectiva social, esse fenômeno é
analisado na perspectiva jurídica sob a ótica dos direitos humanos, para culminar
em uma análise de decisões do Supremo Tribunal Federal acerca dessa temática,
resultando na observação efeitos do sistema jurídico em realidades sociais fáticas
como a realidade brasileira.
Palavras-chave: Mistanásia. Morte. Bioética. Saúde. Sistema prisional.
-
ABSTRACT
In this research, the problem of mistanasia is analyzed. For this, important concepts
such as biolaw and bioethics are treated, and then death is examined as a complex
phenomenon that can be classified in different ways in order to arrive at the concept
of mistanasia. Based on this concept, an analysisis performed about of how the
mistanasia happen in the health and the safety area, including the prison system, in
the context that these are aspects of the society represent well the social reality.
Thus, this phenomenon is observed from a social perspective, in which remarkable
cases are brought and statistical data analyzed. In addition to a social perspective,
this phenomenon is analyzed from the legal perspective under the perspective of
human rights, culminating in an analysis of decisions of the Supreme Court of Brazil
about this issue, resulting in the observation of effects of the legal system on factual
social realities such as the Brazilian reality.
Keywords: Mistanasia. Death. Bioethics. Health. Prison system.
-
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Foto de um campo de concentração em decorrência da seca ...........41
-
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - O Índice de Desenvolvimento Humano e a Desigualdade.................36
Gráfico 2 - Mortes por desnutrição no Brasil........................................................45
Gráfico 3 - Mortes em presídios brasileiros..........................................................48
-
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Perfil da desigualdade no Brasil...............................................37
Tabela 2 - Mortes por desnutrição no Brasil.........................................44-45
Tabela 3 - Análise Estatística – Mortes por Desnutrição...........................46
Tabela 4 - Mortes em presídios brasileiros................................................47
Tabela 5 - Análise Estatística - Mortes em presídios brasileiros...............48
-
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
CF Constituição Federal
DATASUS Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do
Brasil
CNJ Conselho Nacional De Justiça
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ADPF Ação de descumprimento de Preceito Fundamental
PNUD
OMS
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Organização Mundial da Saúde
-
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................16
1.1 Objetivos ........................................................................................................... 17
1.1.1 Objetivo Geral...............................................................................................17
1.1.2 Objetivos Específicos..................................................................................17
1.2 JUSTIFICATIVA ..................................................................................................17
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .............................................................20
2.1 Classificação da pesquisa..............................................................................20
2.2 Fontes e tipos de dados.................................................................................22
2.3 Procedimentos de Análise dos Dados..........................................................23
2.4 Delimitação da pesquisa.................................................................................24
3 A QUESTÂO DA ÉTICA.......................................................................................24
3.1 O conceito de Saúde.......................................................................................25
3.2 bioética e biodireito........................................................................................25
4 A TANATOLOGIA................................................................................................28
4.1 A morte e suas perspectivas..........................................................................28
4.2 A morte como fato jurídico.............................................................................29
4.3 Eutanásia e outros conceitos........................................................................30
4.4 O conceito de mistanásia (eutanásia social).................................................31
5 A ESSÊNCIA DO SISTEMA SOCIAL DO PAÍS................................................... 33
5.1 O sistema social e jurídico brasileiro sob a ótica da teoria geral dos
sistemas.................................................................................................................32
5.2 Desigualdade social como essência do sistema social brasileiro.............34
6 UMA ANÁLISE DE CASOS NOTÁVEIS NO BRASIL ......................................... 39
6.1 A mistanásia ocorrida no chamado Holocausto Brasileiro.........................39
6.2 A mistanásia decorrente das secas do Nordeste..........................................40
7. ANÁLISE DA MISTANÁSIA SOB UMA PERSPECTIVA DOS SISTEMAS
PÚBLICOS ATUAIS..................................................................................................43
7.1 A mistanásia das mortes por desnutrição no sistema público de
saúde......................................................................................................................43
-
7.2 A mistanásia no sistema prisional brasileiro ................................................ 47
8 A MISTANÁSIA SOB A PERPECTIVA DO SISTEMA JURÍDICO ...................... 50
8.1 Os direitos humanos.......................................................................................50
8.1.1 O Princípio da dignidade da pessoa humana...........................................51
8.1.2 O Direito à vida.............................................................................................52
8.1.3 O Direito à Saúde.........................................................................................53
8.1.4 O Direito à Segurança.................................................................................54
8.2 O conceito de mistanásia sob a perspectiva dos direitos humanos.........52
8.3 Os direitos humanos sob a perspectiva do Supremo Tribunal Federal....52
8.3.1 Uma análise do papel do Supremo Tribunal Federal acerca da
mistanásia.............................................................................................................54
8.3.2 A mistanásia e a preservação do direito à saúde....................................54
8.3.3 A mistanásia e a preservação do direito à segurança.............................57
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................60
10 REFERÊNCIAS.................................................................................................62
11 ANEXO..............................................................................................................67
-
16
1 INTRODUÇÃO
Esse trabalho tem como objetivo analisar o fenômeno da mistanásia sob
uma perspectiva multidisciplinar, para tanto tratará de tanto de casos reais
brasileiros. Para que, em um segundo momento, o fenômeno seja observado sob
uma perspectiva jurídica
Dessa forma, são apresentados nesta introdução, a exposição do tema
e do problema, o objetivo geral e os objetivos específicos, além da justificativa. No
capítulo seguinte, são apresentados os procedimentos metodológicos. Depois, os
principais conceitos necessários ao entendimento do trabalho serão analisados,
para nas seções seguintes serem apresentados casos ocorridos no Brasil e os seus
impactos na sociedade brasileira para, dessa forma, fazer uma análise jurídica
sobre o assunto, de forma a expor os resultados do estudo, considerando objetivos
previamente descritos e inclui sugestões para estudos futuros.
O cenário de desigualdade social e econômica atual do País retrata os
problemas graves enfrentados pela população brasileira em que lhes são negados
direitos fundamentais como alimentação, saúde, moradia, segurança e outros.
Nesse contexto, o tema da mistanásia merece ser debatido, pois atenta
contra os direitos da pessoa humana. No sentido de que, a mistanásia se
caracteriza por uma morte em decorrência de uma situação de miserabilidade
social.
Essa é a realidade que atinge milhares de pessoas no fim da vida, pessoas
essas que poderiam ser assistidas corretamente pelo governo, mas que morrem
antes do tempo e com sofrimentos evitáveis.
Assim, este estudo não busca somente conhecer a realidade da mistanásia,
mas problematizar sobre essas questões e seus impactos na sociedade, com vistas
a contribuir para a formulação e implementação de políticas públicas pelo Poder
Executivo que visem diminuir a ocorrência de mistanásia no Brasil. Além disso,
pretende-se agregar ideias que contribuam para alterações legislativas no futuro,
no sentido de que a comunidade acadêmica é um grupo formador de opinião.
-
17
Dessa forma, a questão norteadora da pesquisa será: De que forma a
mistanásia pode ser observada como um problema de interesse social e jurídico no
País?
1.1 Objetivos
A pesquisa científica deve ser realizada com objetivos claramente
definidos. A correta definição de objetivos permite definir “a natureza do trabalho, o
tipo de problema a ser solucionado, o material a coletar” (Cervo, apud Marconi e
Lakatos, 1982, p. 22).
Os objetivos são os resultados ou fins que se espera conseguir com a
pesquisa. São úteis à pesquisa científica, pois facilitam a definição da natureza do
trabalho, o tipo do problema e o material a coletar. Classificam-se em gerais e
específicos.
A seguir serão apresentados os objetivos que nortearão a execução
deste trabalho.
1.1.1 Objetivo Geral:
Analisar o problema da mistanásia sob uma perspectiva social e jurídica
1.1.2 Objetivos específicos:
- Caracterizar conceitos importantes para o entendimento mistanásia no
Brasil
- Analisar casos notáveis de mistanásia na sociedade brasileira
- Analisar a mistanásia sob perspectiva da realidade social atual
- Realizar uma análise da mistanásia sob o prisma do sistema jurídico
nacional e internacional.
1.2 Justificativa
Para Hayman (1969, p. 11) “a investigação é a verificação científica da
teoria”. Já para Ferrari (1982, p. 167), “a pesquisa tem por finalidade tentar conhecer
-
18
e explicar os fenômenos que ocorrem no mundo existencial, isto é, a forma como
se processam, a sua estruturação e função, as mudanças que se operam e até que
ponto podem ser controlados e explicados”.
Assim, quando se diz que a pesquisa responde à necessidade de se
conhecer a natureza dos problemas ou fenômenos, trata-se de validar ou invalidar
as hipóteses lançadas sobre esses mesmos problemas ou fenômenos.
Dessa forma, o alcance dos resultados esperados nesse projeto,
proporcionará um impacto positivo, de modo a influenciar novas pesquisas nessa
temática e assim tornar mais próxima a possibilidade de uma mudança na realidade
social. Em relação ao retorno proporcionado pelo projeto para o aluno, é evidente a
gratificação de realizar uma pesquisa que possui desdobramentos na qualidade de
vida das pessoas e no acesso aos direitos fundamentais, como o direito à saúde e
à segurança, podendo se tornar um ponto de partida para a elaboração de mais
pesquisas na área. Além disso, espera-se que essa pesquisa contribua para a
ampliação dos horizontes do aluno na compreensão dos aspectos legais inerentes
a vida e à morte, algo essencial para a formação de um profissional de Direito,
objetivo da Faculdade.
Além dos aspectos anteriormente apresentados, a elaboração dessa
pesquisa também contribuirá para o enriquecimento do saber do estudante, pois
serão assimilados conhecimentos de várias áreas do conhecimento que certamente
irá contribuir para a formação profissional.
Sob uma perspectiva cidadã, é uma pesquisa que contribui para a
valorização dos direitos humanos, algo importante para a universidade, pois a
promoção dos valores provenientes dos direitos humanos faz parte da função social
da universidade. Assim, é grande a satisfação de dar uma parcela de contribuição
para a realização da função social da universidade.
Sob uma ótica internacional, vale ressaltar que este trabalho está
alinhado com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS, propostos pela
Organização das Nações Unidas, em 2015, mais especificamente com o objetivo 3
dos objetivos do milênio, o qual versa sobre “Boa saúde e bem-estar” e várias de
suas metas (ITAMARATY, 2019). Isso decorre do fato de que as mortes causadas
-
19
por mistanásia, provém da falha do estado em promover a saúde e o bem-estar de
seus cidadãos, sendo, portanto, mortes que são evitáveis.
Assim, fica visível que a pesquisa cientifica é uma ferramenta essencial
na produção de conhecimento e que por meio dela é possível tornar mais próxima
a possibilidade de uma mudança na realidade social, pois o reconhecimento da
mistanásia como um problema jurídico e social é o primeiro passo para uma
mudança e a principal motivação desse trabalho.
-
20
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O estudo corrobora com Cervo, Bervian e Silva (2007) ao entender que
o conhecimento empírico é adquirido pela própria pessoa através da sua interação
com pesquisas que visam buscar a razão de ser das coisas e das pessoas.
Assim, a pesquisa pode ser definida como um “um procedimento
reflexivo, sistemático, controlado e crítico, que permite descobrir novos feitos ou
dados, relações ou leis em qualquer campo do conhecimento humano” de acordo
com (Ander-Egg, 1977, p.167).
A seguir são apresentadas a classificação da pesquisa, fontes e tipos de
dados, procedimentos de análise de dados e delimitação da pesquisa.
2.1 Classificação da pesquisa
A pesquisa científica pode ser classificada quanto a aplicabilidade e
quanto ao controle ou não da variável independente.
Quanto a forma de aplicação, a pesquisa pode ser pura, também
chamada de pesquisa básica, ou aplicada. Pura, básica, fundamental, teórica ou
intelectual: é aquela que procura o progresso científico, a ampliação do
conhecimento teórico, sem a preocupação de utilizá-lo na prática, é a pesquisa
formal, tendo em vista generalizações, princípios, leis.
Segundo Kerlinger (1980, p.320), “pesquisa básica é pesquisa feita para
testar a teoria, estudar relações entre fenômenos com o fim de entender os
fenômenos, com pouca ou nenhuma preocupação quanto à aplicação dos
resultados da pesquisa a problemas práticos”. Já a pesquisa aplicada se caracteriza
pela existência em interesses práticos, isto é, que os resultados sejam utilizados de
forma que sejam aplicados na solução de problemas que ocorram na realidade.
Nesse sentido, para o mesmo autor, “a pesquisa aplicada é pesquisa dirigida para
solução de problemas práticos especificados em áreas delineadas e da qual se
espera melhoria ou progresso de algum processo ou atividade, ou o alcance de
metas práticas”.
-
21
Dessa forma, verifica-se que esta pesquisa é aplicada, pois tem interesse
prático para a realidade brasileira sob diferentes perspectivas para o enfrentamento
de um problema social.
Quanto ao controle ou não da variável independente, a pesquisa pode
ser experimental ou não experimental. Quanto a pesquisa experimental ela pode
ser considerada assim quando
Descreve o que será quando certos fatores são controlados; estuda o nexo, as relações de causa e efeito entre duas ou mais variáveis. Há uma manipulação da variável independente e o registro dos efeitos das reações provocadas na variável independente” (HAYMAN, 1969, p.107-108).
Já a Não Experimental (descritiva): caracteriza-se por não controlar a
variável independente. Pode ser histórica, exploratória ou descritiva. Histórica
quando “descreve o que era: investigação, registro, análise e interpretação de fatos
ocorridos no passado, para, através de generalizações, compreender o presente e
predizer o futuro” (HAYMAN, 1969, p. 173). Exploratória quando “definem,
descrevem e classificam fatos e variáveis sem, contudo, atingir o nível de
explicação, nem o de predição encontrados nas pesquisas puras ou teóricas, nem
o nível do diagnóstico e/ou solução adequada ao problema” (SALOMON, 1977,
p.141) e Descritiva quando “descreve o que é: registro, análise e interpretação de
fenômenos, simples, descrição de um fenômeno” (HAYMAN, 1967, p. 107-108).
Nesse contexto, a pesquisa descritiva, por sua vez pode ser classificada
em:
“Estudos de conjuntos (Surveys): recolhem dados de um número relativamente grande de casos num dado momento. Seu método é transversal. Requer planejamento e análise cuidadosa, interpretação clara dos dados e exposição habilidosa e lógica dos resultados, do contrário converte-se facilmente em rotina de coleta e tabulação de cifras” (Salomon, 1977, p.143).
Esse método engloba os seguintes tipos: investigações sociais ou de
conjuntura – diagnósticos; investigações sobre opinião pública – enquetes; e
investigações estatísticas comerciais (mercadológicas) – amostra, motivação;
Sobre o estudo de caso, ele pode ser definido como “estudo em profundidade de
-
22
casos particulares, enfoque longitudinal, interesse voltado para a história e
desenvolvimento do caso, é uma análise intensiva, estuda a interação dos fatos que
produzem mudanças” (SALOMON, 1977, p.144). Dessa maneira, o estudo de caso
“reúne informações tão numerosas e tão detalhadas quanto possível, com vistas a
apreender a totalidade de uma situação” (BRUYNE, 1977, p. 224-225); por outro
lado, os estudos comparativos, conforme Bruyne (1977, p. 228):
Permitem estudar as relações entre um grande número de variáveis no contexto de uma amostra. Sua análise está centrada na realidade concreta e complexa das organizações e não, como na experimentação em laboratório, num objeto de pesquisa artificialmente reduzido à capacidade de manipulação do pesquisador.
Enquanto que o caso da simulação é diferente pois ela é:
Um tipo de modelo formal construído com vistas a programar em computador certos processos teóricos, observar o que eles geram e comparar eventualmente os resultados obtidos com os dados empíricos recolhidos. É dinâmico, em contraste com os demais modos de investigação (BRUYNE, 1977, p. 241-242).
Assim, verifica-se que esta pesquisa é do tipo não experimental,
descritiva e estudo de caso, pois não há controle da variável independente e se
propõe a descrever a mistanásia no Brasil, que é um caso específico, identificando
como ela se insere na realidade social e jurídica do país.
2.2 Fontes e tipos de dados
Segundo Ferrari (1982, p. 209-210), “na pesquisa científica existem pelo
menos quatro caminhos para a obtenção de dados: (1) a pesquisa bibliográfica; (2)
o levantamento documental; (3) a pesquisa de campo; e (4) a pesquisa de
laboratório”. Assim, a pesquisa bibliográfica é “o ato de ler, selecionar, fichar,
arquivar tópicos de interesse para a pesquisa em pauta”, “a pesquisa documental
tem por finalidade reunir, classificar e distribuir os documentos de todo gênero dos
diferentes domínios da atividade humana”, enquanto que a pesquisa de campo
“corresponde à coleta direta de informação no local dos acontecimentos” e a
-
23
pesquisa de laboratório “caracteriza-se por ser uma experiência limitada ao recinto
fechado de um laboratório e condicionada a manipulações”.
Os dados são de 2 tipos: primários e secundários. Os dados primários
são aqueles levantados especificamente para a pesquisa em referência. Já os
secundários são dados já levantados anteriormente à pesquisa e que serão
utilizados na mesma.
Assim, verifica-se que esta pesquisa se trata de uma pesquisa
bibliográfica e documental, pois serão, conforme Marconi & Lakatos (2001, p. 50),
“investigados documentos que podem descrever e comparar usos e costumes,
tendências, diferenças e outras características” e que serão utilizados dados
secundários.
Quanto a pesquisa documental, para atingir os objetivos propostos,
Foram incluídos documentos como publicações oficiais de Leis e jurisprudências,
além de fontes oficiais do DATASUS e do CNJ, que disponibilizam várias
informações, que nesta pesquisa serão considerados dados secundários, no
sentido metodológico do termo.
Sob a perspectiva da metodologia de pesquisa jurídica, as fontes do direito,
que serão utilizadas são a Doutrina, a Jurisprudência e a Lei no sentido amplo do
termo.
2.3 Procedimentos de Análise dos Dados
Os tipos de procedimentos de análise, segundo Ferrari (1977, p.240-
241), são: (1) análise descritiva: “tem por finalidade enumerar ou descrever as
características dos fenômenos com base em dados protocolares e ideográficos”; (2)
análise preditiva: “é a forma antecipada de responder sobre a probabilidade de que
certos eventos venham a acontecer”; (3) análise normativa: “processa-se através
de um valor ou sistema de valores”; (4) análise prescritiva: “está voltada para a
determinação de sugestões para atingir objetivos”; (5) análise quantitativa: “é o
procedimento que consiste em aplicar princípios, técnicas e métodos das ciências
matemáticas e estatísticas às ciências factuais”; e (6) análise qualitativa: “tem por
finalidade decompor o fenômeno, considerando as partes essenciais”.
-
24
Nesse sentido, a pesquisa proposta detém uma abordagem qualitativa,
pois a análise do problema, não foi quantificada, não houve predominância de
análise estatística e sim aspectos descritivos que promoveram a compreensão e
aproximação com o fenômeno em questão (FACHIN, 2003).
Isso ocorre porque a pesquisa não realiza a coleta, formulação e
organização de dados estatísticos diretamente, propondo-se apenas a utilizar dados
coletados por outros autores, no caso dessa pesquisa, dados de autoria de
instituições, como referência na análise do fenômeno examinado nesse trabalho.
Trata-se, portanto de uma análise qualitativa e descritiva, pois decompõe
e descreve os elementos do fenômeno da mistanásia no Brasil, possuindo também
elementos de uma abordagem normativa e prescritiva, porque se propõe a analisar
o fenômeno sob a ótica da justiça e do sistema de valores presentes na Constituição
de 1988 e sugere formas de enfrentamento para os problemas abordados no exame
do fenômeno observado.
2.4 Delimitação da pesquisa
“A pesquisa científica para sua efetiva realização deverá ser
convenientemente delimitada em termos de três fatores fundamentais: (1) espaço,
(2) tempo e (3) funções” (Ferrari, 1982: 196). Dessa forma, esta pesquisa tem como
objeto delimitado a mistanásia, no Brasil, até os dias atuais.
-
25
3 A QUESTÃO DA ÉTICA
A palavra ética vem do grego, "Ethos", e em seu significado original podia
ser escrita com “e” minúsculo, significando morada, ou com “E” maiúsculo,
significando costumes, sentido que mais se aproxima da ideia que temos de moral,
de virtude. Segundo Aristóteles (1991), a ética está na "práxis", ou seja, em nossas
ações. Todas os conceitos que se tem de ética, normativas ou não, baseiam-se em
na racionalidade, na liberdade e na responsabilidade das pessoas, individualmente
e entre si, ou seja, na convivência.
A ética tem, portanto, aspectos simultaneamente individuais e sociais.
Agir eticamente é construir o próprio caráter em direção à virtude, ou seja, o “ser”.
E é, também, ao mesmo tempo, construir o bem comum e saber viver juntos.
Ética é uma característica inerente a toda ação humana e é um elemento
vital na produção da realidade social. Todo homem possui um senso ético, uma
espécie de "consciência moral", e em função dela, avalia e julga suas ações para
saber se são boas ou más, certas ou erradas, justas ou injustas. Embora
relacionada com o “agir” na sociedade, esses julgamentos sempre têm relação com
cada cultura que prevalece em determinada sociedade, grupo social ou contexto
histórico.
Analisado o conceito de ética, faz-se necessário o exame do conceito de
saúde, para compreender que tanto a saúde, quanto o biodireito e a bioética, vão
muito além, da natureza biológica dessas áreas, possuindo um impacto social muito
grande.
3.1 Conceito de saúde
Para examinar a bioética e o biodireito é necessário primeiro
compreender o conceito de saúde a ser utilizado na pesquisa, da qual a ideia de
bioética e biodireito podem ser inferidas.
De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), “Health is a
state of complete physical, mental and social well-being and not merely the absence
of disease or infirmity.” Ou seja, não se trata apenas de um estado de ausência de
-
26
doenças ou de enfermidades, mas um estado de bem-estar social completo, algo
visivelmente ausente no sistema prisional brasileiro e que precisa ser trabalhado
mais no Sistema Único de Saúde brasileiro.
Nesse mesmo sentido, a OMS não é a única organização preocupada
com a saúde, a própria ONU, tem em um órgão chamado PNUD, que idealizou o
conceito dos objetivos do milênio, presentes na agenda 2030. Dentre esses
objetivos, o objetivo 3, que aborda Saúde e Bem-Estar, fala em “Assegurar uma
vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades”, baseando-
se para isso no conceito de Saúde da OMS, do qual a bioética e o biodireito tem
suas raízes.
3.2 Bioética e o Biodireito
O termo Bioética, segundo Diniz (2008, p.9) “foi empregado pela primeira
vez pelo oncologista e biólogo norte-americano Van Rensselder Potter, da
Universidade de Winsconsin, no seu livro Bioethics: Bridge to the future, publicado
em 1971. “
Nesse contexto, Amaral (1999, p. 36) define a Bioética como “a disciplina
que examina e discute os aspectos éticos relacionados com o desenvolvimento e
as aplicações da biologia e da medicina, indicando os caminhos e os modos de
respeitar os valores da pessoa humana. ” Nesse sentido, Diniz (2008, 10-11)
complementa a definição ao afirmar que:
Bioética é uma resposta da ética às novas situações decorrentes da evolução da ciência na área de saúde, abrangendo não só problemas éticos, mas também a vários aspectos das pesquisas em seres humanos, como, por exemplo, a clonagem, mudança de sexo, esterilização, eugenia, eutanásia, dentre outros.
Sobre a bioética, ela pode ser dividida em macrobioética e microbioética.
A macrobioética se refere a questões ecológicas e a preservação da vida humana
e a microbioética tem como objeto as relações entre médico e paciente, instituições
de saúde públicas ou privadas e entre estas instituições e os profissionais da saúde.
-
27
No entanto, Segundo Loureiro (2009) os princípios da Bioética não
possuem natureza coercitiva por si só. É necessário que o Direito estabeleça o que
é lícito e ilícito. Dessa forma, surge o Biodireito, estabelecendo regras e sanções,
tendo como base o princípio da dignidade humana.
Dessa forma, o Biodireito e a Bioética são distintos. O descumprimento
de um princípio da Bioética gera sanções sociais, enquanto o descumprimento de
uma regra legal, implica na utilização de meios coercitivos para exigir o seu
cumprimento e aplicar punições.
Desse modo, a evolução da Bioética e o Biodireito decorrem das
inovações tecnológicas na área de Saúde, que são cada vez mais rápidas, tornando
as questões cada vez mais complexas, que devem sempre ser discutidas de
maneira interdisciplinar com outras áreas do conhecimento, como sociologia,
filosofia e até mesmo a tanatologia.
-
28
4 A TANATOLOGIA
No capítulo anterior foi falado sobre o conceito de saúde, conceito basilar
para a compreensão da questão da morte. Nesse sentido, para que seja
aprofundada as questões relativas a esse fenómeno é necessário entrar no campo
de estudo da Tanatologia, que é um campo do estudo que estuda a natureza da
morte e do processo de morrer. A raiz grega da palavra vem de “logia” que significa
estudo, e “thanatos” que significa morte.
Nesse sentido, o objeto de estudo dessa área do conhecimento é a
morte. De tal maneira, que não somente a morte em si é estudada, mas todo o
processo de morrer também.
Nesse sentido, ela busca melhores maneiras de se lidar com o fenômeno
da morte e assim conscientizar tanto os leigos no assunto quanto os pesquisadores
da temática sobre sua própria mortalidade, pois quando o pesquisador do assunto
adquire essa consciência, fica mais fácil dar suporte a outras pessoas sobre essa
temática, bem como a realizar pesquisas sobre o assunto.
4.1 A morte e suas perspectivas
A morte é um fato inevitável, pois tudo que é vivo está exposto à morte, de
forma que ela é parte intrínseca da vida. Nesse sentido, a vida humana não escapa
a esse conceito, pois está submetida às mesmas limitações biológicas de todos os
seres vivos. No entanto, os seres humanos, devido a sua natureza, possuem a
consciência de sua própria mortalidade, o que gera uma série de implicações
Uma das principais é a necessidade de conciliação com a morte, de
aceitação da própria finitude. Algo difícil de ser realizado. De forma que, sob uma
perspectiva psicológica, a consciência de sua própria finitude, gera no ser humano
angustia e a ansiedade. Como uma resposta para enfrentar tais sentimentos, as
religiões oferecem, pela fé, um processo de continuidade no além.
No entanto, na atualidade, a religião, apesar de ainda ser forte, vem perdendo
espaço para uma espiritualidade difusa, bem como para o ateísmo e agnosticismo.
Isso se deve à natureza cada vez mais materialista da sociedade capitalista
-
29
contemporânea, tal aspecto que, inclusive, foi alvo de adaptação pelas religiões,
utilizando como ferramenta a teologia da prosperidade, fundindo elementos de
natureza metafísica baseados na fé, com um viés materialista, que estimula a
acumulação de bens materiais.
Nesse sentido, pode-se concluir que a morte é algo complexo. Essa
complexidade decorre do fato que sua natureza fenomenológica, pode ser
analisada sob a perspectiva de diversos ramos do conhecimento, inclusive o
conhecimento jurídico como será visto no próximo subcapitulo.
4.2 A morte como fato jurídico
Na perspectiva de Paulo Nader (p.424, 2016) “o evento morte é fato jurídico
que extingue várias relações jurídicas, modifica algumas e cria outras”. Há várias
situações exemplificativas. Para o Direito de família, a morte é causa de dissolução
matrimonial. Para o Direito das Sucessões, é causa que dá início ao processo de
invenção. Para o Direito Penal, é um fato que, a depender de sua causa e como
ocorrer, pode resultar em ação penal.
Nesse sentido, fica visível o interesse do direito pelo fenómeno da morte. No
entanto, vale frisar que o fenómeno da morte jurídica é mais amplo que o conceito
de morte tradicional, pois ele inclui duas situações que não estão incluídas no
conceito de morte que será utilizado no estudo. Um exemplo disso é a morte
presumida, nos termos do artigo 7° do Código Civil:
“Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência: I – se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida; II – se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra. Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixara data provável do falecimento.”
Assim, ela é um evento considerado morte para efeitos legais de modo a
permitir o início da sucessão, mas que cuja ocorrência, de maneira biológica, é
apenas provável, podendo ter ou não ter se materializado na realidade fática.
-
30
Discutido o interesse do direito acerca da morte, faz-se necessário abordar
os tipos de morte mais discutidos na área da bioética, para só então chegar-se ao
conceito de mistanásia
4.3 Eutanásia e outros conceitos
A palavra “eutanásia” tem origem no grego. “Eu” significa “boa” e “thanatos”
morte, dessa forma, eutanásia pode ser entendida como “boa morte”. A eutanásia
consiste em um processo de abreviação da vida de um paciente, com o objetivo de
aliviar o seu sofrimento. Corroborando com esse pensamento, Guimarães (2011, p.
25) descreve o conceito de eutanásia:
Derivando do grego em sua composição etimológica, a significar a morte sem dor ou a boa morte, a eutanásia consubstancia-se, pois, na conduta pela qual o agente, mediante ação ou omissão, causa a morte de alguém acometido por doença incurável, da qual esteja padecendo com sofrimento ou dores insuportáveis.
Descrito o conceito de eutanásia, é importante discutir os tipos tais como a eutanásia ritualizada, eutanásia medicalizada e eutanásia autônoma.
A eutanásia ritualizada consiste, por exemplo, em abandonar recém-nascidos com deficiências. Na eutanásia medicalizada o dever do médico é por fim aos sofrimentos e dores dos enfermos já sem esperança, proporcionando a estes uma morte digna. (PESSINI, 2004, p.104).
Enquanto que na eutanásia autônoma,
O paciente toma decisão com relação a sua morte. O problema ético consiste em saber se a vontade dos pacientes pode e deve ser respeitada nas situações em que estes recusam terapêuticas que a medicina considera indispensável para a manutenção da vida. ” (PESSINI, 2004, p.107).
Dessa forma, a eutanásia é aplicada para abreviar a vida de forma ativa ou
passiva. O paciente não precisa estar em estado terminal, é suficiente que ele não
suporte viver na sua condição atual. Neste caso, o paciente não está morrendo
tempestivamente, ou seja, no tempo certo, mas está morrendo melhor, no ponto de
vista dele. A eutanásia ativa quando acontece alguma ação para antecipar a morte
-
31
do paciente e passiva acontece por omissão de ações necessárias para manter o
paciente vivo.
Outra forma de morte, tratada muito discutida na bioética é a distanásia,
também conhecida por obstinação terapêutica, segundo Gadelha (2016: p. 38) “se
caracteriza pela imposição de tratamentos inúteis, com a intenção de prolongar o
momento da morte”. Dessa forma, a distanásia prolonga o sofrimento do paciente,
apesar do mesmo se encontrar em um processo de morte irreversível. Tratando-se,
portanto, por um comportamento antiético.
Por outro lado, a ortonásia é “o direito de renunciar os tratamentos inúteis e
dolorosos, nas enfermidades terminais, quando da ausência de possibilidade de
cura, podendo ser definida como a não obstinação terapêutica, a não tentativa de
se prolongar a vida“ (Gadelha, 2016. p. 42).
Nesse sentido, a ortonásia é o contrário da distanásia, ou seja, é proporcionar
a morte da forma certa e no tempo certo. Não prolongando, assim, a vida
desnecessariamente.
4.4 O conceito de mistanásia (eutanásia social)
A mistanásia é também conhecida como eutanásia social. No entanto, esse
conceito é inadequado tendo em vista que eutanásia em grego significa “boa morte”
e a mistanásia não apresenta essa característica. Fica, portanto, evidente que:
Esse conceito, cunhado por Márcio Fabri dos Anjos em 1989, vem preencher a lacuna existente entre as definições de eutanásia, que se trata de uma abreviação da vida; de distanásia, quando há o prolongamento fútil e inútil do processo de morrer; e de ortotanásia, que é a morte certa no lugar e momento certos, pertencentes ao campo da Bioética” (Oliveira, 2018, p. 78).
Sobre a origem da palavra mistanásia, ela tem origem no grego, “mis”
significa miserável; e “thanatos” que significa morte, conforme já dito anteriormente.
Dessa forma que a mistanásia se refere à morte miserável, infeliz, prematura, fora
ou antes do seu tempo. Nas palavras do criador do conceito Marcio Fabril dos Anjos
(1989): “A mistanásia nos faz lembrar os que morrem de fome, cujo número
-
32
apontado por estatísticas é de estarrecer. Faz lembrar, de modo geral, a morte do
empobrecido, amargado pelo abandono e pela falta de recursos os mais primários”.
Assim, tal conceito
Contribui para a responsabilização e conscientização de uma situação que pode ser evitada, visto que o previsível e o evitável anulam o conceito de “morte natural”, transformando-o em fato moral, que causa indignação ético-criativa, com a qual buscamos meios para prevenir a morte precoce” (RICCI, 2017, p. 41).
Portanto, a mistanásia é uma morte “provocada de forma lenta e sutil por
sistemas (grifou-se) e estruturas que não favorecem a vida” (PESSINI, 2001,
p.322), como ocorre no sistema de saúde pública e no sistema prisional brasileiro,
de forma que ela é uma morte, em sua essência, decorrente de uma situação de
miserabilidade social, podendo ser considerada uma morte evitável e precoce que
poderia ser impedida por meio de políticas públicas adequadas, mas que ocorre
devido à ação ineficaz ou omissão do estado.
Nesse sentido, tais políticas públicas, são bastante necessárias para que a
mistanásia não ocorra devido a falhas no sistema público de saúde e no sistema
prisional.
Esses sistemas são bons indicadores da situação social de uma sociedade,
pois, respectivamente, estão responsáveis pela saúde, uma necessidade de toda
população, e pelo bem-estar dos presos, que são o grupo social mais excluído da
sociedade, pois são vistos como elementos não-desejáveis.
-
33
5. A ESSÊNCIA DO SISTEMA SOCIAL DO PAÍS
Para compreender o fenômeno da mistanásia, é necessário compreender o
contexto no qual ele ocorre. Nesse sentido, o ambiente de ocorrência desse
fenômeno é um ambiente marcado em sua essência pela desigualdade social, de
forma que as vítimas desse fenômeno caracteristicamente se encontram em uma
situação de vulnerabilidade social provocado pela maneira como a sociedade
brasileira está estruturada.
5.1 O sistema social e jurídico brasileiro sob a ótica da teoria geral dos
sistemas
De acordo com Ludwig von Bertalanffy (1968) um sistema pode ser
conceituado como um conjunto de elementos integrantes, mas que possuem uma
relação de interdependência entre eles, de modo que cada parte do sistema está
conectada a outra de maneira direta ou indireta. Dessa forma, pode-se dizer que
um sistema tem duas propriedades. Ele possui um propósito e totalidade. Um
propósito, porque ele possui um objetivo inalcançável por apenas um de seus
elementos estando isolado do restante. Totalidade, porque qualquer mudança que
um dos elementos sofra produzirá efeitos em todos os outros elementos do sistema.
No contexto dessa pesquisa, defende-se que o sistema jurídico está inserido
no sistema social do país, de forma que as características de propósito e totalidade
podem ser observadas no sistema social e no sistema jurídico. Nesse sentido, eles
possuem um propósito último que é o atendimento dos direitos e garantias
presentes na Constituição de 1988, algo impossível de ser realizado apenas com
uma norma, órgão do governo ou outro elemento do sistema jurídico ou social
atuando isoladamente. Além disso, os dois sistemas possuem a característica da
totalidade, já que qualquer mudança na forma de atuar de um órgão do estado, de
parte da legislação ou de outro elemento do sistema gera efeitos nos outros
elementos que o compõe.
Sobre a classificação dos sistemas, segundo Ludwig von Bertalanffy (1968),
eles podem ser físicos ou abstratos. Físicos quando tratam de coisas materiais e
-
34
objetos físicos como equipamentos, maquinas, circuitos, seres vivos e etc.,
entretanto eles também podem ser abstratos, como teorias, pensamentos, sistemas
de valores, áreas de pesquisa entre outros. Também podem ser considerados
sistemas abertos ou fechados. Abertos quando estão suscetíveis influencias
externas e fechados quando não interagem com outros sistemas.
No exame do sistema social e do sistema jurídico brasileiro, é visível que eles
se encaixam nessa classificação, correspondendo eles a dois sistemas abstratos e
abertos. O caráter abstrato desses sistemas é evidente, pois no caso do sistema
jurídico, ele obedece a normas gerais abstratas além de obedecer a uma série de
princípios que possuem carga valorativa intimamente ligados com o sistema de
valores do sistema social.
Além disso pode-se afirmar que se tratam de sistemas abertos, pois se
encontra sujeito a influências externas, como mudanças em outros sistemas
existentes, como o sistema econômico
Dessa forma, fica evidente a abordagem multidisciplinar da teoria geral dos
sistemas, teoria desenvolvida pelo biólogo Ludwig von Bertalanffy, podendo ser
aplicada para as mais diversas áreas do conhecimento cientifico. Desse modo, foi
feito um recorte teórico de forma a caracterizar o ambiente no qual o objeto de
estudo dessa pesquisa pode ser observado, que é o sistema social e o sistema
jurídico, a partir de uma abordagem cientifica.
5.2 Desigualdade social como essência do sistema social brasileiro
A desigualdade e a pobreza resultante sob a ótica do modelo econômico
de Amartya Sen representam uma diferente abordagem nas pesquisas econômicas
contemporâneas, pois envolve diversos aspectos relacionados a esse fenômeno
como: a dimensão humana e o papel do Estado e das ações sociais para melhoria
da qualidade de vida. Esse olhar singular o posiciona em destaque perante outros
economistas, porque oportuniza conhecer um mundo diverso que representa uma
complexidade teórica de ideias e de evidencias empíricas (SUNANDO, 1998).
Portanto, essa pesquisa parte da perspectiva de Kerstenetzky (2000)
sobre a obra de interdisciplinar de Amartya Sen em relação a desigualdade, ao
-
35
examinar a atividade econômica sob enfoque ético, intenciona conciliar os
imperativos de justiça com eficiência econômica a partir da ética e racionalidade,
além da desigualdade e pobreza, e extrapola os limites da fragmentação do
conhecimento.
Consequentemente a mitigação das desigualdades é importante porque,
entre outros fatos,
A desigualdade é prejudicial porque aumenta a pobreza e ao reduzi-la o país cresce. A relação entre a distribuição e o crescimento econômico é controversa, mas a maioria dos autores afirma que a desigualdade reduz o crescimento. A distribuição desigual também prejudica uma resposta adequada à volatilidade econômica e choques macroeconômicos. Além disso, há fortes evidências de que a desigualdade econômica aumenta a violência e o crime, o que por sua vez diminui a coesão social (PINTO, 2006, p.1).
Sob outra perspectiva, partindo-se de uma abordagem jurídica, afirma-se
como objetivo social e jurídico a redução das desigualdades sociais no Brasil,
conforme a Constituição Federal preconiza, de forma expressa, no Artigo 3º inciso
III que diz: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
(...) III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais
e regionais; ”
No entanto, para enfrentar essa problemática, é necessário compreender,
nas palavras do próprio Amartya Sen (2010, p.358), que “a política pública tem o
papel não só de implementar afirmações sociais, como também facilitar e garantir a
discussão pública mais completa”.
Sob uma perspectiva de econômica, de forma a estimular uma maior
discussão pública sobre o assunto e divulgar que a perda no Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH,2017) no Brasil é de 23,92%, quando levada em
conta a desigualdade, de acordo com o Programa de Desenvolvimento Humano da
Organização das Nações Unidas. Perda muito grande se comparada a outros
países da ONU.
Ainda sobre o gráfico, é possível observar que quando analisadas a renda, a
educação e a expectativa de vida, o fator que representa maior impacto causado
pela desigualdade no Índice de Desenvolvimento Humano é a renda.
-
36
Gráfico 1 - O Índice de Desenvolvimento Humano e a Desigualdade
Fonte: Disponível em: http://hdr.undp.org/en. Acesso: em 30 de abril de 2019
No intuito de realizar uma abordagem da realidade brasileira sobre
desenvolvimento humano, é evidente a necessidade de analisar o perfil da
desigualdade no Brasil na tabela 1 feita com dados do Programa de
Desenvolvimento das Nações Unidas.
Além disso, pode-se abordar o índice chamado Palma Ratio. Esse índice é
oriundo da razão entre a fatia do Renda Nacional Bruta dos 10 por cento mais ricos
do país dividido pela Renda Nacional Bruta dos 40 por cento mais pobres.
No caso brasileiro, esse índice nos leva a concluir que a soma da renda dos
10 por cento mais ricos tem uma renda equivalente a 3,5 vezes à soma da renda
dos 40 por cento mais pobres. Tal conclusão torna visível a disparidade entre o topo
http://hdr.undp.org/en
-
37
e a base da pirâmide das classes sociais aqui no Brasil, levando em conta que a
renda é o fator mais determinante atualmente para a definição das classes sociais
no País e a exclusão social de parte considerável da população do país.
Outro índice que chama a atenção é o “income quintile share ratio”. Esse
índice também é uma forma de medir a desigualdade na distribuição de renda. Para
atingir esse objetivo, ele calcula a razão entre o total de renda recebida por 20 por
cento da população com maior renda com o total de renda recebido pela por 20 por
cento da população com menor renda. A peculiaridade desse índice é que consegue
observar com maior eficácia a desigualdade entre os extremos da população em
análise.
Tabela 1- Perfil da desigualdade no Brasil
Fonte: UNDP. Disponível em: http://hdr.undp.org/en/countries/profiles/BRA. Acesso em 30 de abril
de 2019.
Assim, verificada a existência de uma grande desigualdade social, de forma
que fica evidente esse aspecto importante do sistema social brasileiro e assim
entender a desigualdade no tratamento dos cidadãos brasileiros, e,
http://hdr.undp.org/en/countries/profiles/BRA
-
38
consequentemente, a ocorrência da mistanásia, no sentido que ela se caracteriza
pela morte de pessoas que de alguma forma foram excluídas socialmente, exclusão
que a desigualdade social, como essência do sistema social brasileiro, possibilita
que o fenômeno da mistanásia ocorra. Tal fato, acaba resultando em efeitos
jurídicos, pois os direitos humanos das pessoas mais desfavorecidas socialmente,
são os direitos mais violados, como poderá ser visto nos capítulos seguintes.
-
39
6 UMA ANÁLISE DE CASOS NOTÁVEIS DE MISTANÁSIA NO BRASIL
Nesta seção será apresentado casos notáveis de mistanásia no Brasil, suas
características e seus impactos sobre a sociedade brasileira, envolvendo questões
de saúde, bem como questões prisionais no Brasil.
6.1 A mistanásia ocorrida no chamado Holocausto Brasileiro
O chamado Holocausto Brasileiro, é o nome dado às mortes que ocorreram
no Hospital Colônia de Barbacena. Provavelmente o nome é inadequado, pois
significa morte queimada, possuindo um viés de sacrifício, e foi por esses motivos
que nomenclatura foi utilizada para nomear o massacre de judeus na segunda
guerra mundial. No caso do Holocausto Brasileiro, foi diferente, segundo Queirós e
Magalhães (2018, p. 2 e 3):
Os motivos das internações no Hospital Colônia poderiam ser
considerados kafkianos, pois os pretextos são os mais diversos. Desde epilépticos, prostitutas, alcoólatras, homossexuais, pessoas que perturbavam a ordem. Havia ainda casos de meninas grávidas violentadas por seus patrões, esposas confinadas para que o marido pudesse morar com a amante, filhas de fazendeiros que perderam a virgindade antes do casamento, homens e mulheres que haviam perdido seus documentos. Até timidez se tornava desculpa para internação. Ao chegarem ao hospício, os internos tinham as cabeças raspadas, roupas arrancadas, além do fato de os funcionários rebatizarem os pacientes, pois desprezavam seus verdadeiros nomes.
Entretanto, a situação era tão desumana, que os fatos que ocorreram no local
fazem jus ao nome, tamanha a barbaridade e banalização do mal. Nesse sentido,
os autores acrescentam (2018, p.16) “Não trata apenas sobre a história de um
hospício, nem sobre saúde pública, mas de humanos e a maneira como foram
desumanizados. Homens e mulheres, cujas vidas foram banalizadas”.
Segundo Rosa e Szavniawski (2018, p. 133) esses pacientes “além de não
possuírem uma assistência plena do Estado, no sentido de garantir a prestação de
medicamentos ou outros materiais, ainda são submetidos a procedimentos
degradantes, violentos e muitas vezes abusivos, afrontando de maneira direta o
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana”.
-
40
Dessa forma, a banalização da vida é algo grave, pois afeta uma série de
direitos fundamentais, inclusive violando esse princípio que, na opinião de muitos,
é o princípio fundador da concepção de direitos fundamentais e direitos humanos.
Vale lembrar que, infelizmente, esse não é o único caso notável.
6.2 A mistanásia decorrente das secas do Nordeste
Os vários períodos de seca no Nordeste motivaram famílias inteiras a
migrarem do interior para as capitais dos estados nordestinos e também para outros
estados. Esse é um problema social, apesar de ser provocado pela natureza, pois
ele permanece assolando as famílias nordestinas, devido a inércia do Estado
Brasileiro na solução dessa problemática.
Um exemplo disso, foi, que no fim do século XIX início de século XX,
Segundo Cavalcante apud Paterra (2015, p. 3), “Fortaleza converteu-se na capital
do desespero. De 21 mil habitantes pelo censo de 1872, passou a ter 130 mil; para
completar o quadro de tragédia, houve um surto de varíola, dizimando milhares de
pessoas. ” Ocorreu, portanto, um aumento significativo de pessoas de maneira
repentina, em um volume que a cidade não estava preparada, resultando em uma
verdadeira tragédia de saúde pública.
Já em 1915, quando ocorreu uma nova seca no Nordeste, o
Governo cearense resolveu criar “campos de concentração”, como medida preventiva para o êxodo para Fortaleza. Esses campos eram cercados por arames farpados e vigiados 24 horas por dia pelo Exército. Esses campos foram desativados em 1915 quando foi implementada uma política de incentivos para migração para a Amazônia (Theóphilo apud Paterra, 2015, p. 4).
Conforme pode ser visto nessa foto:
-
41
Figura 1- Foto de um campo de concentração em decorrência da seca
Fonte: ALBANO, Ildefonso. O secular problema da seca. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1918. Fotografia: preto e branco,
dimensões desconhecidas. Disponível em: Isolamento e poder: Fortaleza e os campos de concentração na seca de 1932 /
Kênia Sousa Rios. -Fortaleza: Imprensa Universitária, 2014.
Essa atitude como forma de prevenir o êxodo do sertanejo para a cidade,
logrou em impedir uma crise sanitária em Fortaleza, entretanto, provocou a morte
-
42
de milhares de pessoas nos campos de concentração do Ceará, devido as
condições precárias a que estavam submetidas essas pessoas.
Anos depois, o governo não aprendeu com os erros anteriores e uma nova
seca atingiu o Nordeste, provocando novas migrações para as cidades, mais uma
vez foram feitos campos de concentração com a população nordestina e mais uma
vez a população teve seus direitos violados e teve como consequência muitas
mortes. Nesse mesmo sentido, sobre essa seca do ano de 1932, fala Rios apud
Paterra (2015, p.4) ao dizer que “Após dezessete anos, nem o governo federal, nem
os governos estaduais haviam se precavido para diminuir os efeitos da seca e a
solução, novamente desumana, passou a ser a criação e ampliação dos campos de
concentração nordestinos”.
Dessa forma, fica evidente nesse caso de segregação de seres humanos
caracterizado pela violência e o descaso com a vida, como ocorreu a prática de
mistanásia pelo Estado Brasileiro. Infelizmente, não só ocorreu, mas continua
ocorrendo em números alarmantes, mas de maneira sutil ainda nos dias de hoje
como é possível ver no capítulo a seguir.
-
43
7. ANÁLISE DA MISTANÁSIA SOB UMA PERSPECTIVA DOS SISTEMAS
PÚBLICOS ATUAIS
Segundo Kerlinger (1980, p.352), “análise é a categorização, ordenação,
manipulação e sumarização de dados. Seu objetivo é reduzir grandes quantidades
de dados brutos, passando-os para uma forma interpretável e manuseável de
maneira que características de situações, acontecimentos e de pessoas possam ser
descritas sucintamente e as relações entre variáveis estudadas e interpretadas”.
Desse modo, nesse capítulo são utilizados dados secundários obtidos de do CNJ e
do DATASUS para a análise do fenômeno da mistanásia. Nesse sentido, para
compreender a análise que será feita, é necessário entender que:
A utilização da análise tem por escopo um ou a combinação dos seguintes objetivos: (1) aumentar o conhecimento sobre o passado e o presente; (2) proporcionar prognoses apropriadas em termos de predição sobre o futuro; (3) estabelecer linhas ou pontos de vista normativos sobre o passado, presente e futuro; (4) prescrever certas metas e proporcionar planos e meios para atingir essas metas; e (5) diagnosticar a natureza do fenômeno” (Ferrari, 1977, p.240).
Com base nessa ideia, esse capítulo tem como objetivo realizar uma análise
de dados secundários com o intuito de aumentar o conhecimento sobre o passado
e do presente, para no fim, diagnosticar a natureza do fenômeno encontrado e como
ele pode ser observado. Para tanto, é observado o sistema de saúde pública e o
sistema público prisional, por se caracterizarem por sistemas de elevada
importância dentro do sistema social.
7.1 A mistanásia das mortes por desnutrição no sistema público de saúde
A tabela a seguir apresenta a quantidade de mortes por desnutrição no Brasil,
por ano, desde o ano de 1979. Vale ressaltar que a morte por desnutrição é uma
morte antecipada e evitável, o que caracteriza a mistanásia. Além de, na própria
definição de Pessini (2001, p.322) é uma morte “provocada de forma lenta e sutil
por sistemas (grifou-se) e estruturas que não favorecem a vida”.
-
44
Tabela 2 – Mortes por desnutrição no Brasil
Ano Brasil
1979 11784
1980 11671
1981 10697
1982 9956
1983 9858
1984 12134
1985 10195
1986 9552
1987 8652
1988 8189
1989 7219
1990 6955
1991 5970
1992 6814
1993 6762
1994 6714
1995 6003
1996 5864
1997 6073
1998 6769
1999 6307
2000 6418
2001 6858
2002 6679
2003 7260
2004 7147
2005 6876
2006 6694
Continua
-
45
Tabela 2 – Mortes por desnutrição no Brasil
2007 6701
2008 6373
2009 6510
2010 6652
2011 6641
2012 6412
2013 6819
2014 6306
2015 6239
2016 6107
2017 5653
Fonte: DATASUS. Tabela do autor
Ao colher esses dados brutos e confeccionar o Gráfico a seguir, constata-se
que o número de mortes por desnutrição no Brasil, no período 1979 a 2017,
apresenta uma curva decrescente, o que evidencia crescente efetividade das
políticas públicas e redução da mistanásia.
Gráfico 2 - Mortes por desnutrição no Brasil
Fonte: DATASUS. Gráfico do autor
-
46
Verifica-se que houve uma pequena melhora a partir da época da
Constituição de 1988, mas que essa melhora nos indicadores não foi significativa,
o que evidencia a manutenção da realidade nos anos seguintes.
Sob outra perspectiva, a tabela a seguir apresenta alguns indicadores que
retratam a situação da desnutrição no Brasil, no qual foram analisados 39 anos e
durante todo esse tempo, 292483 pessoas, portadoras de dignidade humana,
tiveram seus mais básicos direitos fundamentais negados, amargando em uma
morte totalmente evitável e precoce, definição que morte associada a desnutrição
certamente se encaixa.
Tabela 3 – Análise Estatística – Mortes por Desnutrição
Brasil
Média 7499,564
Erro padrão 288,5729
Mediana 6762
Moda #N/D
Desvio padrão 1802,137
Variância da amostra 3247699
Curtose 0,834805
Assimetria 1,433388
Intervalo 6481
Mínimo 5653
Máximo 12134
Soma 292483
Contagem 39
Fonte: DATASUS. Tabela do autor.
Comparando a análise gráfica com a análise estatística descritiva, pode-se
inferir, por exemplo, que o valor mínimo é o dado mais recente e o valor máximo é
um dos mais antigos. Já o desvio-padrão, é alto, o que indica que as quantidades
dos diversos anos estão distantes da média.
Conclui-se, portanto, que a situação de hoje é diferente da situação de
décadas atrás, no entanto, ainda é uma situação ainda passível de preocupação.
Assim, fica visível com a análise de dados do Sistema Único de Saúde que
-
47
ocorre a manifestação da mistanásia no sistema de saúde pública brasileiro, devido
a falhas na promoção de políticas públicas preventivas adequadas. No entanto, a
ocorrência desse fenômeno não se limita ao SUS. Ele também pode ser observado
na população que sofre menos estima do restante da sociedade, a população
carcerária, como será visto no subcapítulo seguinte.
7.2 A mistanásia no sistema prisional brasileiro
Da mesma forma que as mortes por desnutrição, as mortes nos presídios são
mortes evitáveis e precoces, pois os presos estão sob a responsabilidade do
Estado, que deveria zelar por sua integridade física e saúde e cujas mortes não
deveriam ocorrer.
Infelizmente, elas ocorrem, como mostra a Tabela a seguir que apresenta o
número de mortes no sistema prisional brasileiro.
Tabela 4 – Mortes em presídios brasileiros
Fonte: CNJ. Tabela do Autor
Esses dados são preocupantes, não apenas pelos números absolutos, mas
também pelo aumento do número de mortes, desde 2015 conforme o gráfico a
seguir mostra:
Ano Mortes
2015 1271
2016 1714
2017 1598
2018 1613
-
48
Gráfico 3 – Mortes em presídios brasileiros
Fonte: CNJ. Gráfico do autor.
Ao realizar uma análise gráfica simples fica visível, portanto que houve uma
evolução na quantidade de mortes, entre os anos 2015 e 2018, apesar do número
ter se estabilizado de 2016 a 2018. Entretanto, é necessário realizar uma análise
mais profunda, do tipo análise estatística descritiva, para melhor compreensão do
problema, como é possível ver a seguir:
Tabela 5 – Análise Estatística – Mortes em presídios brasileiros
Mortes
Média 1549
Erro padrão 96,17952
Mediana 1605,5
Modo #N/D
Desvio padrão 192,359
Variância da amostra 37002
Curtose 2,900855
Assimetria -1,55604
Intervalo 443
Mínimo 1271
Máximo 1714
Soma 6196
Contagem 4
Fonte: DATASUS. Tabela do autor
-
49
A análise estatística apresentada na Tabela 4 evidencia, por exemplo, um
baixo desvio padrão e um baixo intervalo entre os valores mínimos e máximos, de
modo que, apesar do aumento, a quantidade de mortes se manteve relativamente
estável no período, conforme fica evidente ao olhar o relatório de cada ano
disponível no anexo I da pesquisa.
No entanto, vale frisar, que as informações denunciam uma tragédia
humana lamentável, pois no decorrer de 4 anos, 6196 vidas foram ceifadas, por
omissão estatal. Tal omissão se caracteriza não somente como uma omissão de
um dever social, mas também com a omissão do dever jurídico de ser garantidor de
direitos fundamentais, conforme será examinado com mais detalhes no próximo
capitulo.
-
50
8 A MISTANÁSIA SOB A PERPECTIVA DO SISTEMA JURÍDICO
Para a compreensão da mistanásia sob a perspectiva do sistema jurídico, é
necessário, que ela seja analisada sob a ótica de certos conceitos jurídicos. Esses
conceitos tratam de direitos humanos violados pela ocorrência do fenômeno
mistanásico.
8.1 Os direitos humanos
Os direitos humanos são assim tratados, pois são direitos inerentes a todo
ser humano, independente da etnia, sexo, religião ou qualquer outra característica,
pois são derivados da natureza humana e, portanto, devem ser garantidos pelo
estado brasileiro.
Tais direitos são uma conquista civilizatória, e fazem parte de uma mudança
paradigmática que o Direito sofreu em sua evolução como uma construção teórica
derivada da compreensão do ser humano como sujeito de direitos.
Essa construção é dinâmica, e em permanente evolução. De forma que mais
direitos humanos podem ser reconhecidos no decorrer do tempo, e é por isso que
existem várias dimensões ou gerações de direitos humanos. Inclusive, mais e mais
direitos humanos são recepcionados pela Constituição de 88, por meio de
declarações, tratados, convenções ratificadas. Vale ressaltar, no entanto, que todos
os direitos humanos que serão abordados nesse capítulo estão positivados na
Constituição de 88, bem como presentes no ordenamento jurídico internacional,
devendo o brasil observar o artigo 4º da CF que afirma que “A República Federativa
do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: (...)II
- prevalência dos direitos humanos; ”, De forma que essa prevalência na realidade
dos direitos humanos na realidade teórica do direito será demonstrada nas próximas
páginas, por meio das construções normativas internacionais adotadas pelo Estado
Brasileiro
-
51
8.1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana
No início, depois do mundo vivenciar a catástrofe da segunda guerra mundial,
era necessário não apenas afirmar a existência de direitos humanos, porém era
necessário também justificar essa existência.
Nesse sentido, A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada
pela Organização das Nações Unidas em 1948, já no seu preâmbulo, destaca a
importância da dignidade humana “Considerando que o reconhecimento da
dignidade (grifou-se) inerente a todos os membros da família humana e de seus
direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no
mundo”. Em seguida, estabelece em seu artigo 1º: “Todos os seres humanos
nascem livres e iguais em dignidade (grifou-se) e direitos. São dotados de razão
e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.
Essa declaração foi seguida por outros tratados e convenções internacionais
e continentais, como a Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969,
também conhecida como Pacto De San José Da Costa Rica, que estabelece em
seu artigo 11, sobre a proteção da honra e da dignidade: “Toda pessoa tem direito
ao respeito da sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade (grifou-se) ”.
Já no século XXI, a noção da dignidade da pessoa humana, foi trazida para
a bioética e para o biodireito, por meio da Declaração Universal sobre Bioética e
Direitos Humanos, elaborada em 2005, pela Organização das Nações Unidas para
a Educação, Ciência e Cultura – UNESCO, que estabelece em seu preâmbulo:
“Reconhecendo que questões éticas suscitadas pelos rápidos avanços na ciência e suas aplicações tecnológicas devem ser examinadas com o devido respeito à dignidade da pessoa humana (grifou-se) e no cumprimento e respeito universais pelos direitos humanos e liberdades fundamentais”
Nesse preâmbulo, é reconhecida, a importância da observância da dignidade
da pessoa humana nas discussões éticas que permeiam o biodireito e bioética.
Nesse sentido, essa declaração estabelece em seu artigo 2 os seguintes objetivos:
-
52
“(iii) promover o respeito pela dignidade humana (grifou-se) e proteger os direitos humanos, assegurando o respeito pela vida dos seres humanos(grifou-se) e pelas liberdades fundamentais, de forma consistente com a legislação internacional de direitos humanos; (iv) reconhecer a importância da liberdade da pesquisa científica e os benefícios resultantes dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos, evidenciando, ao mesmo tempo, a necessidade de que tais pesquisas e desenvolvimentos ocorram conforme os princípios éticos dispostos nesta Declaração e respeitem a dignidade humana (grifou-se), os direitos humanos e as liberdades fundamentais”
Vale ressaltar, que essa declaração ao tratar de questões relacionadas à
bioética e ao biodireito em seus objetivos, não somente pregam o respeito à
dignidade da pessoa humana, mas também aos direitos humanos dela derivados,
de forma que se afirma categoricamente na declaração que “A dignidade humana,
os direitos humanos e as liberdades fundamentais devem ser respeitados em sua
totalidade. ”
Consciente da existência dessas construções normativa internacionais,
Barroso (2014), propôs uma ideia mínima de que a dignidade da pessoa humana
se identifica como o valor intrínseco e especial de todos os seres humanos, de modo
a proporcionar a autonomia de cada pessoa, sob a limitação do valor comunitário
que existe em função de algumas restrições legítimas impostas a autonomia do
indivíduo em nome de valores sociais ou interesses estatais.
Baseado nessa ideia, verifica-se que essas 3 importantes construções
normativas contemplam o princípio da dignidade humana, do qual pode ser intuído
os direitos humanos dela decorrentes, que serão examinados nos tópicos a seguir,
começando pelo direito a vida, pois nas palavras de Alexandre de Moraes (2005,
p.3) “O direito à vida, é o direito mais fundamental de todos os direitos, já que
constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos”
(MORAES, p.30)
8.1.2 Direito à vida
Sobre o direito à vida, é necessário dizer que, como todos os outros direitos,
ele é decorrente do princípio da dignidade humana, e sua importância é claramente
manifestada em variados textos legais, como na própria Declaração Universal dos
-
53
Direitos Humanos, em seu Artigo III, declara “Todo ser humano tem direito à vida, à
liberdade e à segurança pessoal”.
Nesse mesmo sentido, a Convenção Americana de Direitos Humanos ao
tratar do direito à vida em seu artigo 4° declarou que “Toda pessoa tem o direito de
que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde
o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”
Em uma perspectiva da bioética e do biodireito, essa proteção a vida também
é estendia ao afirmar, por meio da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos
Humanos, apresenta a questão do direito à vida, no item 3, do Artigo 2 que versa
sobre os Objetivos da declaração, conforme já anteriormente citado.
Para a proteção do direito à vida, outros direitos humanos podem ser intuídos
como o direito a saúde que também está presente nessas três Construções
normativas citadas anteriormente.
8.1.3 Direito à saúde
Sobre o direito a saúde, pode-se considerar o direito à vida, como um pré-
requisito, para ele ser usufruído. De tal forma que a sua importância fica evidente
na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu Artigo XXV, que declara:
Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis
Nesse mesmo sentido, a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos
Humanos de 2004, estabelece que a saúde é essencial à vida em si e parte do
pressuposto que o direito a saúde é um direito de todo ser humano, conforme seu
artigo 14, que versa sobre a Responsabilidade Social e Saúde:
A promoção da saúde e do desenvolvimento social para a sua população é objetivo central dos governos, partilhado por todos os setores da sociedade. b) Considerando que usufruir o mais alto padrão de saúde atingível é um dos direitos fundamentais de todo ser humano (grifou-se), sem distinção de raça, religião, convicção política, condição econômica ou social, o progresso da ciência e da tecnologia deve ampliar:
-
54
(i) o acesso a cuidados de saúde de qualidade e a medicamentos essenciais, incluindo especialmente aqueles para a saúde de mulheres e crianças, uma vez que a saúde é essencial à vida em si (grifou-se) e deve ser considerada como um bem social e humano; (ii) o acesso a nutrição adequada e água de boa qualidade; (iii) a melhoria das condições de vida e do meio ambiente; (iv) a eliminação da marginalização e da exclusão de indivíduos por qualquer que seja o motivo; e (v) a redução da pobreza e do analfabetismo.
É visível, portanto, que direito à saúde está presente na Declaração Universal
dos Direitos Humanos e na Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos
de 2004. Nessa mesma perspectiva, a questão está presente de forma dispersa em
vários artigos da Convenção Americana de Direitos Humanos, como no artigo 196
que diz:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
No entanto, no Brasil, é frequente a mistanásia por omissão de socorro ou
socorro insuficiente. Essa é a realidade de boa parte da população brasileira, em
todas as fases de sua vida. São evidências dessa situação as filas para atendimento
médico, a falta de material adequado, a falta de profissional habilitado, falta de
acomodação para os doentes. Isso muitas vezes implica sofrimento desnecessário
e também até na morte dos pacientes, prejudicando, além do direito à saúde, o
direito à vida das pessoas.
8.1.4 Direito à segurança
Sobre uma outra perspectiva do fenômeno da mistanásia, pode ocorrer de o
direito à segurança ser violado para, logo em seguida, o direto à vida ser
vilipendiado.
Esse tipo de mistanásia ocorre quando pessoas são presas, e em
decorrência de uma situação de miserabilidade social, não têm sua segurança
garantida de maneira eficiente pelo estado, como foi visto nas estatísticas
anteriores.
-
55
Tal postura por parte do estado não pode ocorrer, pois esse direito é
protegido na esfera do direito internacional, por meio de tratados dos quais o Brasil
é signatário, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Artigo III, que
proclama: “Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal
(grifou-se) ”. Tal declaração foi um marco na construção teórica pós-positivista dos
direitos humanos no mundo, e iniciou um movimento mundial de tratados sobre esse
assunto, inclusive iniciativas regionais como a já mencionada Convenção
Americana de Direitos Humanos, que define no Artigo 7º que versa sobre o Direito
à liberdade pessoal: “1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoal”.
Dessa forma, essas duas declarações reconhecem o direito à segurança.
No entanto, infelizmente, o sistema carcerário brasileiro é um exemplo de
mistanásia, pois se caracteriza por negar direitos humanos às pessoas presas, indo
de encontro à Constituição. Essa situação de omissão do Estado causa situações
degradantes e indignas, pois se tratam de situações inconstitucionais.
8.2 O conceito de mistanásia sob a perspectiva dos direitos humanos
O conceito de mistanásia foi abordado no início desse trabalho, bem como
diversos casos em que ela ocorreu. Desse modo, é possível criar um conceito para
o termo sob a luz do direito, baseado nos conceitos jurídicos formulados
anteriormente.
Para tanto, observar-se a ordem no qual os direitos humanos são violados
no decorrer do processo, que tem como último direito a ser violado o direito à vida,
com o princípio da dignidade humana violado tanto em vida como na morte.
Assim, notou-se que, em todos os casos em destaque, o estado falhou em
proteger algum direito humano, como o direito humano a saúde ou o direito humano
à segurança. Nesse sentido, fica evidente que a mistanásia é, para o direito, um
processo decorrente da ação ou omissão do estado em suas políticas públicas que
culmina em mortes resultantes na falha do próprio estado de proteger algum direito
humano além do próprio direito à vida, em um contexto em que o próprio princípio
da dignidade da pessoa humana é desrespeitado.
-
56
8.3 Os direitos humanos sob a perspectiva do Supremo Tribunal Federal
Para defender a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais
dela derivados, o Supremo Tribunal Federal age como guardião da constituição e
dos direitos fundamentais dela derivados. Assim, o STF tem o papel de Guardião
da Constituição, pois possui a função de corte constitucional nos termos do artigo
102.
Tal artigo, ao atribuir as competências do STF, confere à corte a função de
proteger os diretos fundamentais dos cidadãos brasileiros. Alguns desses direitos
encontram-se logo no início da Constituição Federal em seu artigo 5°, tratando-se,
portanto, de um rol exemplificativo.
Esses direitos fundamentais possuem uma importância elementar no
ordenamento jurídico nacional, de tal forma que são cláusula pétrea, não podem ser
abolidos e nem sequer discutida no congresso qualquer proposta de emenda
constitucional que tenha como objetivo abolir direitos fundamentais, nos termos do
parágrafo 4° do artigo 60 que diz: “§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta
de emenda tendente a abolir: (...)IV - os direitos e garantias individuais. (Grifou-
se) ”
Nesse sentido, o desrespeito à dignidade da pessoa humana não deveria
ocorrer, pois a Constituição é clara quando escreve em seu artigo 1° que a
“República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e
tem como fundamentos: (...)III - a dignidade da pessoa humana; ”
Infelizmente, na maior parte da história da humanidade, os direitos
fundamentais do ser humano eram restritos às camadas privilegiadas da sociedade.
A proteção aos direitos da personalidade é bastante recente. Nesse contexto,
Segundo Gagliano & Pamplona Filho (2012. p. 183) “O Homem não deve ser
protegido somente em seu patrimônio, mas principalmente, em sua essência”.
Sob essa perspectiva, além de zelar pelo princípio da dignidade da pessoa
humana, é papel do STF proteger o direito à vida das pessoas, pois esse direito é
garantido pela Constituição da República Federativa do Brasil quando é dito no
caput do art. 5º “ Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
-
57
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida (grifou-se), à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”
Nesse sentido, percebe-se a centralidade do direito à vida na Constituição, pois
nas palavras de José Carlos Sousa Silva:
A norma constitucional trata, portanto, do direito à vida como o fundamental, como pré-requisito para o exercício dos demais direitos. É assim uma norma importantíssima no sistema jurídico brasileiro, base e fundamento para as demais normas que tratam dessa matéria. É norma que serve de fundamento na aplicação das demais outras que tutelam a vida humana (SILVA, 2006, p. 42).
Dessa forma, verifica-se que o ao reconhecer que a Constituição do País
estabeleceu o Supremo Tribunal Federal como corte constitucional, de forma que
fica evidente seu papel na proteção dos valores constitucionais, incluiu neles o
direito à vida e também o direito de que a vida das pessoas, bem como a morte
delas seja digna.
Nessa perspectiva, ressalta-se que o direito a uma vida digna, inclui
também o direito a uma morte digna, pois a morte é parte integrante da vida. Com
efeito, segundo Dworkin (2003, p.280):
[...]A morte domina porque não é apenas o começo do nada, mas o fim de tudo, e o modo como pensamos e falamos sobre a morte – a ênfase que colocamos no “morrer com dignidade” – mostra como é importante que a vida termine apropriadamente, que a morte seja um reflexo do modo como desejamos ter vivido.
Com essa frase, defende-se o alcance da dignidade da pessoa humana, não
somente no decorrer da vida de cada ser humano, mas também em sua morte e no
processo de morrer. Sob essa ótica, a morte é tida como parte integrante da vida,
não podendo os direitos e garantias serem dela dissociados.
8.3.1 Uma análise do papel do Supremo Tribunal Federal acerca da mistanásia
Antes de discutir sobre o uso dos princípios do mínimo existencial