UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN€¦ · Tese defendida e aprovada em 05/11/2019...
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – UERN
CAMPUS AVANÇADO PROFESSORA MARIA ELISA DE ALBUQUERQUE MAIA
DEPARTAMENTO DE LETRAS ESTRANGEIRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
DOUTORADO EM LETRAS
A MULTIFUNCIONALIDADE DE ANTES, AGORA E DEPOIS EM TESES DE
DOUTORADO
CARLA DANIELE SARAIVA BERTULEZA
PAU DOS FERROS-RN
2019
CARLA DANIELE SARAIVA BERTULEZA
A MULTIFUNCIONALIDADE DE ANTES, AGORA E DEPOIS EM TESES DE
DOUTORADO
Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras (PPGL) do Departamento de Letras Estrangeiras do Campus Avançado Professora Maria Elisa de Albuquerque Maia (CAMEAM) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, para obtenção do grau de doutora em Letras. Orientador: Prof. Dr. João Bosco Figueiredo Gomes.
PAU DOS FERROS-RN
2019
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B552m Bertuleza, Carla Daniele Saraiva
A multifuncionalidade de antes, agora e depois em teses de doutorado. / Carla Daniele Saraiva Bertuleza. - Pau dos Ferros, 2019.
155p.
Orientador(a): Prof. Dr. João Bosco Figueiredo Gomes. Tese (Doutorado em Programa de Pós-Graduação em
Letras). Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
1. Programa de Pós-Graduação em Letras. 2.
Funcionalismo linguístico. 3. Gramaticalização. 4. antes, agora e depois. 5. Uso. I. Figueiredo Gomes, João Bosco. II. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. III. Título.
A tese “A multifuncionalidade de antes, agora e depois em teses de doutorado”, de autoria de Carla Daniele Saraiva
Bertuleza, foi submetida à Banca Examinadora, constituída pelo PPGL/UERN, como requisito parcial necessário à obtenção do grau de Doutor(a) em Letras, outorgado pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN.
Tese defendida e aprovada em 05/11/2019
BANCA EXAMINADORA
Professor. Dr. João Bosco Figueiredo Gomes – Orientador Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
Professor Dr. João Batista da Costa Júnior – Examinador externo Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Professora Dra. Ana Maria Pereira Lima – Examinadora Externa Universidade Estadual do Ceará
Professora Dra. Maria do Socorro Maia Fernandes Barbosa – Examinadora interna Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
Professor Dr. Wellington Vieira Mendes – Examinador interno Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
Professora Dra. Maria Medianeira de Souza – Suplente externo Universidade Federal de Pernambuco
Professora Dra. Maria Eliete de Queiroz – Suplente interno Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
PAU DOS FERROS-RN
2019
VELEIRO DO AMOR Antes mesmo da luz existir
E o mundo a consumir Estavam o verbo e a poesia E tudo resplandecia Agora, que aprendi a resplandecer E na chama do amor me aquecer Sou como veleiro no meio do mar Que não se cansa de navegar E nas águas espumantes Que são tão deslumbrantes Vou singrando nesse barquinho E lhe dando todo carinho E depois de toda essa recreação Só tenho a fazer uma declaração Que no brilho do seu olhar Encontrei o motivo para amar (Prof. Me. José Ribamar da Silva Filho)
Aos meus pais, Lúcia e Assis,
cujo amor me trouxe até aqui.
AGRADECIMENTOS
A Deus, que me permitiu viver este momento e reconhecer que o desejo que
ora se realiza contou com muitas mãos e muitos corações, assim agradeço:
Ao meu orientador, o Prof. Dr. João Bosco Figueiredo Gomes, pela confiança
depositada no meu trabalho desde a graduação, pela orientação paciente e por
fomentar mudanças significativas em minha caminhada.
Ao Prof. Dr. Wellington Vieira Mendes e à Profa. Dra. Ana Maria Pereira Lima
pelas valiosas contribuições por ocasião do exame de qualificação.
Ao Prof. Dr. João Batista da Costa Júnior, à Profa. Dra. Ana Maria Pereira
Lima, à Profa. Dra. Maria Eliete de Queiroz e ao Prof. Dr. Wellington Vieira Mendes
que, gentilmente, aceitaram compor a banca examinadora, trazendo contribuições
pertinentes ao meu trabalho.
A minha família, meus pais e meus avós, pelo apoio, pelas orações, pelo amor
e por tudo que representam na minha vida.
Ao meu marido, Carlos Costa, pela compreensão, pelo incentivo e pelo
companheirismo ao longo do curso.
Às minhas amigas, Ana Claudia, Luciana e Regma, pela torcida, pelas
palavras de incentivo e por terem entendido minhas ausências.
À minha amiga, Josefa Jesus, companheira do mestrado e do doutorado, pela
amizade e pelos momentos acadêmicos compartilhados.
A Anikele Frutuoso, Guianezza Saraiva e Ana Gabriela, pelas palavras de
incentivo e pelo companheirismo nas missões acadêmicas e profissionais.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior, CAPES,
pelo auxílio financeiro.
RESUMO
As gramáticas tradicionais apresentam os advérbios como uma classe fechada cujos
elementos têm características de circunstanciadores, como tempo, modo, dúvida,
intensidade, entre outros. Tendo realizado, no curso de Mestrado, uma pesquisa sobre
os usos de antes, agora e depois em textos acadêmicos inseridos na área de
Linguística, Bertuleza (2013) observou que esses itens apresentam usos, em certos
contextos e cotextos, que vão além da sua função prototípica como advérbio, atuando,
por exemplo, na organização e na construção de sentido do texto acadêmico. Então,
visando dar continuidade à pesquisa realizada no curso de mestrado, esta tese
estende o objetivo ao analisar valores, funções e usos de antes, agora e depois
conforme as unidades retóricas (UR) de teses de doutorado e as respectivas áreas de
conhecimento à luz da Linguística Funcional norte-americana, hoje considerada como
Funcionalismo Clássico. Para tanto, investigou os itens antes, agora e depois, a partir
de dados sincrônicos reais, extraídos do banco de dados Texto Acadêmico Tese de
doutorado – TACTESE (FIGUEIREDO-GOMES; BERTULEZA, no prelo), que compila
teses de doutorado, distribuídas conforme as seis áreas do CNPq, divididas, por
razões metodológicas, em três grupos: ciências formais, factuais naturais e factuais
culturais. Caracteriza-se, pois, como uma pesquisa empírica e descritiva, com uma
abordagem qualitativa e quantitativa. Analisa o comportamento sintático-semântico e
pragmático-discursivo dos usos de antes, agora e depois, as suas funções e os seus
valores em cinco unidades retóricas de teses de doutorado, conforme a área de
conhecimento. Para o recenseamento, o levantamento da frequência e o tratamento
dos dados, utiliza, com base na Linguística de Corpus, as ferramentas do suíte
WordSmith Tools (SCOTT, 2008). Os resultados empíricos revelam que os itens
antes, agora e depois persistem ainda com suas funções originais de advérbio e
apresentam novos usos e funções nas teses acadêmicas. O item antes assume
valores, funções e usos diferentes em quase todas as unidades retóricas das teses
acadêmicas, sendo mais frequente nas teses para sequenciar o tempo dos
acontecimentos, porém, assume funções mais textuais, como as funções sequencial
textual, sequenciador retomador e reformulador retificativo, que contribuem para
organizar o texto acadêmico; sua noção temporal é presente nas três macroáreas do
conhecimento e os usos mais textuais ocorrem nas áreas factuais culturais. O item
agora também assume valores, funções e usos diferentes em todas as unidades
retóricas das teses acadêmicas, com uso mais frequente para sequenciar o tempo
dos acontecimentos, no entanto, assume funções mais textuais, como a sequencial
textual, que contribui para organizar o texto acadêmico; seus usos temporais ocorrem
nas três macroáreas do conhecimento e os usos textuais ocorrem nas áreas factuais
naturais e factuais culturais. Como os dois outros, o item depois também assume
valores, funções e usos diferentes em todas as unidades retóricas das teses
acadêmicas, com uso mais frequente na sua função prototípica de dêitico temporal
para localizar o tempo, mas também assume funções mais textuais como a sequencial
textual, contribuindo para organizar o texto acadêmico; as ciências formais e factuais
naturais usam com mais frequência o depois na sua função prototípica de dêitico
temporal e as áreas factuais culturais usam-no tanto com seu valor temporal quanto
com valores mais textuais. A partir dos dados analisados no corpus TACTESE, conclui
que, apesar da estabilidade dos valores espacial e temporal prototípicos de advérbio,
os itens antes, agora e depois assumiram novas funções mais gramaticais, embora
esses itens apresentem valores metafóricos para dar conta da organização textual,
com uma tendência de usos mais específicos, no caso deste estudo, às unidades
retóricas do texto acadêmico. Esses dados tendem a confirmar, a partir de dados
sincrônicos, a hipótese de gramaticalização por que passaram, diacronicamente, os
itens antes, agora e depois ao se abstratizarem na trajetória metafórica ESPAÇO >
TEMPO > TEXTO.
Palavras-chave: Funcionalismo Clássico. Gramaticalização. Uso. Antes-Agora-
Depois. Texto Acadêmico.
ABSTRACT
Traditional grammars present adverbs as a close word class whose elements have
circumstantial characteristics, as time, mode, doubt, intensity, among others. During
her Master course, with a research related to the terms before, now and after in the
academic texts to the Linguistic area, Bertuleza (2013) analyzed that those items have
uses, in some contexts and cotexts, that cut across their typical function as adverbs,
acting, for example, in the organization and in the construction of meaning of an
academic text. Therefore, trying to continue that research during Master course, this
thesis expands the aiming to analyze values, functions and uses of the terms before,
now and after according to the rhetorical units (UR) in the thesis and their respective
areas of knowledge based on North-American Functional Linguistic, considered, in
nowadays, as Classic Functionalism. To this, it investigated terms before, now and
after, with real synchronic data from Texto Acadêmico Tese de doutorado – TACTESE
(FIGUEIREDO-GOMES; BERTULEZA, no prelo) database, that collects thesis
according to six CNPq areas, divided, by methodological reasons, in three groups:
formal science, natural factual and cultural factual. It is an empirical and descriptive
research with a qualitative and quantitative approach. It analyzes semantic-syntactic
behavior and pragmatic-discursive use of before, now and after, their functions and
values in five rhetorical units in thesis, according to the area of knowledge. To the
registration process, the frequency and data treatment, related to Corpus Linguistic,
use the tools from suite WordSmith Tools (SCOTT, 2008). Empirical results point the
terms before, now and after persist in their original functions of adverb and present
new uses and functions in the thesis. Item before has different uses, functions and
values in almost all rhetorical units in the thesis, it is mostly used to stablish the
sequence of time, however, it has more textual functions, as sequential textual, retake
sequencer and rectifier redesigned, so, they contribute to organize academic text; their
temporal notion is found in the three areas of knowledge and the more textual uses
are in the cultural factual area. Item now also has different values, functions and uses
in all rhetorical units from the thesis, with more frequency to stablish sequence of time,
however, it has more textual function as textual sequencer, that contributes to organize
the academic text; their temporal uses are found in the three areas of knowledge and
the textual uses are found in the cultural factual and natural factual. Similar to the
others, item after has different uses, functions and values in all rhetorical units in the
thesis, with more frequency in the its prototypical function of temporal deictic to point
time, as well as it has more textual functions as textual sequencer, contributing to
organize academic text; formal science and natural factual use it in the prototypical
function of temporal deictic and cultural factual areas use it with temporal as well as
textual value. Based on TACTESE database, it concludes that, although adverb
presents some stability of spatial and temporal prototypical values, items before, now
and after have new more grammatical functions, in spite of present metaphorical
values in the textual organization, with tendency to have more specified uses, in this
research, as rhetorical units in the academic text. This data validates, since synchronic
data, the hypothesis of diachronic grammaticalization of items before, now and after,
to enable an abstract metaphoric trajectory SPACE > TIME > TEXT.
Keywords: Functionalism. Grammaticalization. Use. Before, now, after. Academic
text.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Esquema de mudança semântica ............................................................ 39
Figura 2 – Estágios do desenvolvimento do auxiliar be going to. .............................. 41
Gráfico 1 – Frequência dos usos do antes por áreas do conhecimento .................. 112
Gráfico 2 – Frequência dos usos do agora por áreas do conhecimento ................. 124
Gráfico 3 – Frequência dos usos do depois por áreas do conhecimento ................ 134
Quadro 1 – Usos dos itens antes, agora e depois nas teses .................................. 141
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Frequência das funções de antes nas UR ............................................. 102
Tabela 2 – Frequência das funções de agora nas UR ............................................ 115
Tabela 3 – Frequência das funções de depois nas UR ........................................... 126
Tabela 4 – Funções vs. posições do antes em teses de doutorado ........................ 137
Tabela 5 – Funções vs. posições do agora em teses de doutorado ....................... 138
Tabela 6 – Funções vs. posições do depois em teses de doutorado ...................... 139
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 17
2 LÍNGUÍSTICA FUNCIONALISTA NORTE-AMERICANA: O FUNCIONALISMO
CLÁSSICO ................................................................................................................ 21
2.1 CONCEPÇÃO DE GRAMÁTICA ...................................................................... 22
2.2 A MUDANÇA LINGUÍSTICA ............................................................................ 25
2.3 GRAMATICALIZAÇÃO..................................................................................... 28
2.3.1 Princípio da unidirecionalidade .............................................................. 31
2.1.3.1 Trajetória de gramaticalização ............................................................. 33
2.1.3.2 Trajetória Advérbio > Conjunção ......................................................... 35
2.3.2 Motivações para a gramaticalização ...................................................... 36
2.3.2.1 Processo metafórico ............................................................................ 37
2.3.2.1.1 Processo analógico ESPAÇO > DISCURSO.............................. 38
2.3.2.2 Processo metonímico .......................................................................... 40
2.3.2.2.1 Processo de reanálise ................................................................. 41
2.3.3 Princípio da iconicidade e subprincípios .............................................. 42
2.3.4 Princípio da marcação ............................................................................. 44
3 ESTUDOS FUNCIONALISTAS DOS ITENS ANTES, AGORA E DEPOIS ........... 47
3.1 O ITEM ANTES: DA ANTERIORIDADE À SEQUENCIALIDADE .................... 47
3.2 O ITEM AGORA: DE DÊITICO TEMPORAL A INTRODUTOR DE TÓPICO ... 55
3.3 O ITEM DEPOIS: DE ESPACIAL À CONTINUIDADE DISCURSIVA .............. 70
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ............................................................... 84
4.1 OBJETIVOS E HIPÓTESES ............................................................................ 84
4.2 CORPUS .......................................................................................................... 85
4.3 CATEGORIAS DE ANÁLISE............................................................................ 88
4.3.1 Unidades retóricas do texto acadêmico ................................................ 88
4.3.1.1 UR Introdução ..................................................................................... 89
4.3.1.2 UR Fundamentação teórica ................................................................. 89
4.3.1.3 UR Metodologia ................................................................................... 89
4.3.1.4 UR Análises dos dados e resultados ................................................... 90
4.3.1.5 UR Conclusão ..................................................................................... 90
4.3.2 Áreas do conhecimento .......................................................................... 91
4.3.2.1 Ciências formais .................................................................................. 91
4.3.2.2 Ciências factuais naturais .................................................................... 91
4.3.2.3 Ciências factuais culturais ................................................................... 92
4.3.3 Categorias dos usos do antes ................................................................ 92
4.3.3.1 Metáfora ESPAÇO do antes ................................................................ 92
4.3.3.2 Metáfora TEMPO do antes .................................................................. 92
4.3.3.3 Metáfora TEXTO do antes ................................................................... 93
4.3.4 Categorias dos usos do agora................................................................ 94
4.3.4.1 Metáfora TEMPO do agora .................................................................. 94
4.3.4.2 Metáfora TEXTO do agora .................................................................. 94
4.3.5 Categorias dos usos do depois .............................................................. 95
4.3.5.1 Metáfora ESPAÇO do depois .............................................................. 95
4.3.5.2 Metáfora TEMPO do depois ................................................................ 95
4.3.5.3 Metáfora TEXTO do depois ................................................................. 96
4.4 LINGUÍSTICA DE CORPUS NA BUSCA E NO TRATAMENTO DOS DADOS97
4.4.1 O Software WordSmith Tools ................................................................. 98
5 A MULTIFUNCIONALIDADE DE ANTES, AGORA E DEPOIS EM TESES DE
DOUTORADO ........................................................................................................... 99
5.1 USOS E FUNÇÕES DO ANTES, AGORA E DEPOIS SEGUNDO AS UR DA
TESE ACADÊMICA E AS ÁREAS DE CONHECIMENTO ..................................... 99
5.1.1 Usos e funções do antes ....................................................................... 101
5.1.1.1 Antes operador argumentativo de mudança de estado temporal (MET)
...................................................................................................................... 103
5.1.1.2 Antes operador argumentativo de mudança de estado discursivo
(MED) ............................................................................................................ 105
5.1.1.3 Antes sequencial textual (ST) ............................................................ 106
5.1.1.4 Antes sequenciador retomador (SR) ................................................. 107
5.1.1.5 Antes reformulador retificativo (RR)................................................... 109
5.1.1.6 Antes espacial (ESP) ......................................................................... 110
5.1.1.7 Funções do antes conforme áreas do conhecimento ........................ 111
5.1.2 Usos e funções do agora ...................................................................... 114
5.1.2.1 Agora operador argumentativo de mudança de estado temporal (MET)
...................................................................................................................... 116
5.1.2.2 Agora sequencial textual (ST) ........................................................... 117
5.1.2.3 Agora operador argumentativo de mudança de estado discursivo
(MED) ............................................................................................................ 119
5.1.2.4 Agora dêitico temporal (DT) ............................................................... 120
5.1.2.5 Agora conector/juntor contrastivo (CTR) ........................................... 122
5.1.2.6 Funções do agora conforme áreas do conhecimento ........................ 124
5.1.3 Usos e funções do depois .................................................................... 125
5.1.3.1 Depois operador argumentativo de mudança de estado temporal (MET)
...................................................................................................................... 127
5.1.3.2 Depois dêitico temporal (DT) ............................................................. 130
5.1.3.3 Depois operador argumentativo de mudança de estado discursivo
(MED) ............................................................................................................ 131
5.1.3.4 Depois sequencial textual (ST) .......................................................... 132
5.1.3.5 Funções do depois conforme áreas do conhecimento ...................... 134
5.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS POSIÇÕES DE ANTES, AGORA E DEPOIS
............................................................................................................................. 135
5.3 INSTÂNCIAS DE MUDANÇA E DE ESTABILIDADE DOS SIGNIFICADOS/
FUNÇÕES DOS ITENS ANTES, AGORA E DEPOIS .......................................... 140
6 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 144
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 148
17
1 INTRODUÇÃO
A língua, em seus diferentes usos e situações comunicativas, passa por
constantes mudanças, fazendo que novas construções sintáticas se estabeleçam, e
elementos existentes na língua apresentem relações semânticas para além daquelas
delimitadas pela tradição gramatical. É o que acontece com a classe dos advérbios.
As gramáticas tradicionais apresentam essa classe com suas características de
circunstanciadores, como tempo, modo, dúvida, intensidade, entre outros.
Apresentam ainda as classes das quais os advérbios podem ser modificadores: a) um
verbo; b) um adjetivo; e c) outro advérbio. Pode, também, modificar uma oração
inteira. Trata-se, portanto, de uma classe heterogênea que não se prende somente a
um núcleo mas também ao conteúdo semântico-discursivo da oração. Trata-se ainda
de uma classe pouco explorada diante da sua complexidade no âmbito funcional e
cognitivo.
Desse modo, o interesse em estudar essa classe advém da pesquisa de
Iniciação Científica PIBIC/CNPq intitulada “Estudos sobre a Gramaticalização das
Conjunções no Português do Brasil”, realizada por Figueiredo-Gomes e Bertuleza
(2011). Nesse caso, constatamos que havia uma grande tendência da trajetória de
mudança de advérbio > conjunção. Essa constatação nos motivou a analisar essa
tendência.
Nesse sentido, tendo realizado, durante o mestrado, uma pesquisa sobre os
usos de antes, agora e depois em dissertações acadêmicas, que pertenciam à área
de Linguística, Bertuleza (2013) observou que esses itens apresentam funções que
vão além da sua função prototípica como advérbio, pois, em certos contextos e
cotextos, apresentam funções que contribuem para a organização e a construção de
sentido do texto acadêmico. A autora mostrou, por meio de pistas sincrônicas, que
esses itens passaram por um processo de gramaticalização, assumindo funções mais
gramaticais e seguem a trajetória advérbio > conjunção.
Bertuleza (2013) mostrou também que ainda são poucos os trabalhos
voltados para o estudo desses itens. Entre os trabalhos desenvolvidos, há o de Lopes
e Morais (2000), que fazem um estudo sincrônico sobre o item antes e apresentam
que, em certos contextos, esse item perde o seu significado inicial de ordenação
temporal e assume um significado preferencial, cuja ordenação atua numa escala
avaliativa. Por sua vez, Oliveira (2009) faz um estudo sincrônico sobre o advérbio
18
agora em dados orais e escritos da cidade de Natal-RN; já Rodrigues (2009) faz um
estudo pancrônico em textos do latim até o século XX também sobre o item agora; e
Souza Júnior (2005) faz um estudo sincrônico nas tiras de quadrinhos de “Gatão de
Meia idade”, de Miguel Paiva, sobre o item agora. Salientamos que os três estudos
mostram que o advérbio agora segue a trajetória de abstratização ESPAÇO > TEMPO
> TEXTO.
Sobre o advérbio depois, há um estudo diacrônico de Martelotta (1994) que
apresenta o item com valor de conector, funcionando como um organizador do
discurso, um sequencializador textual. Gonçalves (2007) também faz um estudo sobre
o item depois em dados orais do português dos cariocas, em que o item exerce
funções espacial, temporal, contrastiva, sequencial e aditiva.
Esta pesquisa dá continuidade à que foi realizada no mestrado. Nessa
perspectiva, estende o objetivo ao analisar valores, funções e usos de antes, agora e
depois conforme as unidades retóricas (UR) de teses de doutorado e as respectivas
áreas de conhecimento à luz da Linguística Funcional norte-americana, hoje
considerada como Funcionalismo Clássico. Essa corrente teórica estuda a língua em
uso, considerando a competência comunicativa dos indivíduos e os fatores externos
que cercam o ato de fala e não somente o fato de os sujeitos codificarem e
decodificarem informações. As ciências da linguagem cada vez mais apresentam
contribuições para os variados fenômenos linguísticos falados ou escritos em
situações reais de uso, possibilitando a compreensão desses fenômenos, como
também permitindo que possamos descrevê-los, e até explicá-los, à luz de
pressupostos teóricos consistentes e aceitos na academia.
Partimos da hipótese de que, assim como nos textos acadêmicos inseridos na
área de Linguística, os itens antes, agora e depois assumem usos e valores mais
específicos conforme as diferentes unidades retóricas de trabalhos acadêmicos e as
diferentes áreas do conhecimento. Com base nesse objetivo e na hipótese,
objetivamos, mais especificamente: a) verificar os usos dos itens antes, agora e
depois, conforme as diferentes unidades retóricas da tese acadêmica e as diferentes
áreas de conhecimento; b) descrever os significados/funções dos itens antes, agora e
depois, segundo os aspectos relativos à dimensão significativa e à dimensão formal,
sobretudo a posição; e c) apresentar as instâncias de mudança e de estabilidade dos
significados/funções dos itens antes, agora e depois.
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O corpus utilizado para o estudo é constituído pelo banco de dados Texto
Acadêmico Tese de Doutorado – TACTESE (FIGUEIREDO-GOMES; BERTULEZA,
no prelo), que compila teses de doutorado, distribuídas conforme as seis áreas do
CNPq, divididas, por razões metodológicas, em três grupos, quais sejam: 1. ciências
formais: Ciências Exatas e da Terra; 2. ciências factuais naturais: Ciências Biológicas;
Ciências da Saúde; 3. ciências factuais culturais: Ciências Sociais Aplicadas; Ciências
Humanas; e Linguística, Letras e Artes. Visando à homogeneidade do volume
amostral analisado nas teses acadêmicas, selecionamos, para esta pesquisa, 24
(vinte e quatro) teses, com uma média de 150 a 200 páginas, totalizando cerca de 1
milhão de palavras, constituindo, assim, um corpus representativo do Português Culto
Brasileiro, norma exigida em trabalhos acadêmicos.
Esta pesquisa se caracteriza como empírica e descritiva, com uma
abordagem qualitativa e quantitativa. Analisamos as amostras coletadas conforme as
unidades retóricas do texto acadêmico tese de doutorado e as suas áreas de
conhecimento, a saber: introdução, referencial teórico, metodologia, análise de dados
e conclusão, expondo o comportamento sintático, semântico-discursivo dos usos de
antes, agora e depois, as suas funções e os seus valores. Para o recenseamento, o
levantamento da frequência e o tratamento dos dados, utilizamos, com base na
Linguística de Corpus, as ferramentas do suíte WordSmith Tools (SCOTT, 2008).
Esta tese está organizada na seguinte ordem: além desta introdução,
apresentamos a fundamentação teórica, que se ancora na abordagem da Linguística
Funcional norte-americana, hoje tratada considerada como Funcionalismo Clássico,
que estuda os fenômenos da mudança linguística a partir da língua em uso.
Buscamos, nessa seção, discorrer sobre a concepção de gramática, como também
sobre o fenômeno da mudança nessa perspectiva, destacando os princípios de
iconicidade, marcação e unidirecionalidade, caracterizando o paradigma da
gramaticalização de itens e de construções gramaticais.
A terceira seção é composta pelos estudos funcionalistas sobre os itens antes,
agora e depois. Em relação ao antes, apresentamos o trabalho de Lopes e Morais
(2000) e Bertuleza (2013); já acerca do agora, trazemos os estudos de Niedzieluk
(2004), Souza Júnior (2005), Duque (2009), Rodrigues (2009), Philippsen (2011) e
Bertuleza (2013); quanto ao item depois, são apresentados os trabalhos de Martelotta
(1994), Lopes e Morais (2000), Gonçalves (2007) e Bertuleza (2013).
20
A quarta seção traz os procedimentos metodológicos adotados para a busca
dos usos dos itens antes, agora e depois. Desse modo, relacionamos as hipóteses
em correspondência com os objetivos; o corpus; e as categorias de análise com base
na Linguística Funcional norte-americana. Discorremos brevemente sobre a
Linguística de Corpus, centrando no suíte que utilizamos para a busca e o tratamento
dos dados, no intuito de verificar a frequência dos usos e, a partir das amostras, fazer
a análise qualitativa.
Na quinta seção, apresentamos os resultados obtidos na investigação,
mostrando a multifuncionalidade de antes, agora e depois no texto acadêmico tese de
doutorado, segundo a preferência de usos e as funções espaciais, temporais e
textuais nas diferentes unidades retóricas da tese acadêmica. Com base na
frequência dos usos no texto acadêmico tese de doutorado de diferentes áreas
científicas, apresentamos as instâncias de mudança e de estabilidade de usos mais
conservadores. Por fim, a sexta seção traz a conclusão deste estudo.
Ensejamos que esta pesquisa seja relevante tanto academicamente – ao
contribuir com pesquisas futuras que considerem o paradigma funcionalista clássico,
além da aplicação e da orientação de trabalhos de conclusão de curso – como
pedagogicamente, no que se refere a fundamentar os professores e oferecer dados,
com base em resultados empíricos, para uma aplicação escolar que vise a uma
compreensão do funcionamento e dos usos dos elementos em estudo.
21
2 LÍNGUÍSTICA FUNCIONALISTA NORTE-AMERICANA: O FUNCIONALISMO
CLÁSSICO
Nesta seção, apresentamos a teoria funcionalista que dá embasamento a esta
investigação, qual seja: a vertente Linguística Funcionalista norte-americana,
hodiernamente considerada como Funcionalismo Clássico. Esse modelo abriga os
estudos relativos à gramaticalização de itens e de construções lexicais, verificando a
relação entre a estrutura das línguas e o uso que os falantes fazem delas nos
contextos reais de comunicação. Primeiramente, apresentamos aspectos
introdutórios sobre a Linguística Funcionalista norte-americana, seguidos da
concepção de gramática. Depois, detemo-nos sobre o fenômeno da gramaticalização
e sua propriedade unidirecional. Por último, discorremos sobre os processos e
mecanismos motivadores da gramaticalização.
A teoria funcionalista, cada vez mais, tem se constituído um importante
parâmetro para estudos que buscam o conhecimento de fenômenos essenciais
quanto ao uso real da língua, principalmente para estudos que analisam processos
linguísticos e de variação ou mudança de itens ou construções lexicais em relação à
emergência de suas novas funções/significados, como, por exemplo, o processo de
gramaticalização. O Funcionalismo norte-americano surge nos Estados Unidos a
partir da década de 1970, destacando os trabalhos de linguistas como Sandra
Thompson, Paul Hopper e Talmy Givón. Essa corrente linguística entende que a
sintaxe de uma língua possui estruturas em constante mutação, originadas do
discurso e das estratégias de organização das informações elaboradas pelos falantes
durante a atividade comunicativa.
É essa linha funcionalista em que nos ancoramos e a que estaremos nos
referindo ao longo da tese ao mencionarmos o termo funcional(ismo). Trata-se de uma
corrente que estuda como as pessoas fazem uso da língua em situações reais de
comunicação, contrapondo-se, assim, ao estruturalismo e ao gerativismo. Sob o
paradigma funcionalista, está a hipótese de que a forma da língua deve refletir, em
alguma situação, a função que exerce.
De acordo com essa abordagem funcionalista, os fenômenos linguísticos
devem ser explicados a partir de frases que fazem parte do contexto real dos usuários
da língua. Contrapõe-se, assim, ao uso de frases inventadas e totalmente
descontextualizadas, como fazem as gramáticas normativas tradicionais. Esse tipo de
22
estudo postula que pesquisas sobre linguagem devem verificar como a língua é usada
nos processos comunicativos, nas circunstâncias discursivas e nas condições de
produção. O estudo da língua tem, pois, como foco, a situação comunicativa. Desse
modo, a partir do entendimento de que a língua desempenha funções que são
externas ao sistema linguístico e de que essas funções externas influenciam a
organização interna do sistema linguístico, a Linguística Funcional norte-americana
busca explicar a forma da língua por meio do uso que se faz dela.
De acordo com Hopper e Traugott (2003) e Bybee (2010), a língua é usada
para atender necessidades interativas, e suas estruturas devem ser explicadas com
base no uso real a que elas se prestam. Assim, a língua é vista como um “sistema
adaptativo” (DU BOIS, 1985), uma “estrutura maleável” (BOLINGER, 1977) e
“emergente” (HOPPER, 1987), pois está sujeita às pressões do uso, ou seja, a
codificação linguística é resultante do uso da língua. Tendo explicitado os
pressupostos teóricos gerais da Linguística Funcionalista norte-americana,
discorremos, em seguida, sobre conceitos-chaves dessa corrente que são
indispensáveis para este trabalho.
2.1 CONCEPÇÃO DE GRAMÁTICA
A gramática é vista pela Linguística Funcional como um conjunto de
regularidades convencionalizadas por meio da repetição. Em outras palavras,
expressões e orações antes inovadoras, por serem muito usadas, acabam se
tornando rotinizadas e, assim, passam a fazer parte do repertório linguístico dos
falantes e da gramática de uma língua.
Du Bois (1985) considera a gramática como um sistema adaptativo em que
forças motivadoras dos fenômenos externos penetram no domínio da língua e passam
a interagir com forças organizadoras internas, competindo e se conciliando
sistematicamente com elas. Assim, a gramática é concebida como um “sistema
aberto, fortemente suscetível à mudança e intensamente afetado pelo uso que lhe é
dado no dia a dia” (FURTADO DA CUNHA; TAVARES, 2007, p. 18).
No contexto dos estudos funcionalistas, surge a noção de gramática
emergente, apresentada por Hopper (1987), como sendo uma gramática suscetível à
mudança e substancialmente afetada pelo uso constante de determinada forma, em
23
que novas estruturas gramaticais se desenvolvem. Nesse sentido, a regularidade da
gramática é apenas passageira e nunca totalmente completa.
Considerando o aspecto emergente da gramática, as regras que regulam o
sistema linguístico resultam de um grupo de princípios de adaptação contextual. A
gramática, sob esse viés, é um fenômeno sociocultural em que sua estrutura e sua
regularidade vêm do discurso, sendo moldadas em um processo contínuo. Exemplo
disso é a posição do sujeito na predicação em português: podemos colocar o sujeito
antes ou depois do verbo, mas, ao formular as frases, temos de decidir em que parte
vai aparecer, o que não é arbitrário, já que é o contexto de uso o fator motivador da
escolha. Assim, dominar uma gramática de uma língua significa dominar os
mecanismos de natureza sintática e os processos associados à organização textual
(planos discursivos, coesão e coerência etc.) e aos fenômenos interacionais
(intenções e expectativas dos participantes, leituras de interação, implicaturas
conversacionais etc.). Ademais, existe uma estreita relação entre esses pontos,
porque o texto é organizado contextualmente e no próprio lugar da interação, já que
os interlocutores, “como sujeitos ativos, negociam o sentido de maneira interativa,
tanto respondendo ao contexto quanto criando contexto” (TRAUGOTT; DASCHER,
2005).
Em relação à organização textual, Furtado da Cunha, Costa e Cesário (2003)
afirmam que cada indivíduo organiza seu texto objetivando atender suas
necessidades comunicativas levando em conta seu interlocutor. A partir dessa
organização, o indivíduo deixa evidente a distinção entre o que é eixo central e o que
é periférico em seu contexto. O grau de transitividade reflete a função discursiva em
baixa e/ou alta densidade, de modo que permite apontar nos planos discursivos a
noção de figura e fundo.
Tal noção surge da teoria Gestalt, advinda da Psicologia do século XX, por
meio de estudos sobre a percepção cognitiva no campo visual (HOPPER, 1979). Na
Linguística, essa noção tem contribuído com os estudos sobre a organização do texto.
Furtado da Cunha, Costa e Cesário (2003) compreendem que:
Por figura entende-se aquela porção do texto narrativo que apresenta a sequência temporal de eventos concluídos, pontuais, afirmativas, realis, sob a responsabilidade de um agente, que constitui a comunicação central. Já fundo corresponde à descrição de ações e eventos simultâneos à cadeia da figura, além das descrições de estados, da localização dos participantes da narrativa e dos comentários avaliativos (FURTADO DA CUNHA; COSTA; CEZÁRIO, 2003, p. 39).
24
Nesse sentido, nas pesquisas linguísticas, o maior número de estudos sobre
os planos discursivos tem sido aplicado à narrativa, em que a figura representa o
esqueleto e/ou rascunho do texto, fazendo com que o discurso avance e apresente
uma sequência temporal dos acontecimentos, estando, assim, em primeiro plano
como informação principal. Já o fundo é considerado a moldura, a parte do texto em
que são apresentadas as informações de descrição de estados, da localização dos
participantes presentes nas narrativas, como também a descrição de ações e
acontecimentos simultâneos aos planos da figura. Trata-se, assim, de informações
secundárias que enriquecem o texto narrativo.
Vale ressaltar que apesar de figura e fundo serem aplicados com mais
frequência em textos narrativos, tais aspectos podem ocorrer em outros tipos de
produções textuais, como, por exemplo: descrição, relatos de procedimento ou de
opinião. É possível acontecerem situações em que um texto narrativo funcione como
fundo em textos não narrativos mais amplos. Assim, as noções apresentadas são
relevantes neste estudo para que possamos observar os planos discursivos em que
os itens antes, agora e depois aparecem e se esses planos estão ligados de algum
modo à gramaticalização desses itens.
Em relação aos fenômenos interacionais, há uma implicatura conversacional
que desempenha um importante papel na mudança linguística, por se tratar de um
tipo de inferência em que o significado de uma frase não corresponde ao sentido literal
e é deduzido do contexto. Segundo Martelotta (2003), em determinadas mudanças
por gramaticalização pode ocorrer o mecanismo chamado pressão por informatividade
que se refere a um processo em que, por convenção de implicaturas conversacionais
e motivado pelo contexto em que ocorre, o elemento linguístico passa a assumir um
novo valor que pode ser intuído pelo primeiro. Para exemplificar, apresentamos o caso
do item entretanto: (ex.: “Estudou muito, entretanto, não passou”) que, atualmente, é
usado como conjunção adversativa, cuja origem está na antiga expressão entre tanto.
De acordo com Said Ali (1971 apud MARTELOTTA, 2003, p. 67), esse item
“desempenhava função de circunstanciador temporal com valor de entrementes,
enquanto isso sucede”. O uso, atualmente, é totalmente diferente do seu significado
original presente em textos arcaicos do português de advérbio de tempo com o sentido
de “enquanto isso”, “ao mesmo tempo” “entre tantos acontecimentos”.
A esse respeito, Grice (1975) afirma que a implicatura seria consequência da
quebra de uma ou mais de uma das cinco máximas que ele propôs, a saber: máxima
25
da quantidade, da qualidade, da maneira, da relação e da relevância. Nessa
perspectiva, o indivíduo, ao violar uma das máximas, gera uma implicatura, permitindo
que o ouvinte faça uma inferência, interpretando um sentido novo B com base em um
sentido velho A. As implicaturas são denominadas pelo autor de conversacionais, pois
as inferências acontecem somente em instâncias de conversação específicas, ou
seja, em alguns contextos de uso e não em outros, o que nos leva a refletir que o
contexto é importante para a interpretação desse novo sentido, sempre buscando
atender os propósitos comunicativos.
Nesse sentido, a noção de gramática adotada pela corrente funcionalista é a
de sistema flexível, que é emergente, estando em constante mudança em um
processo nunca totalmente completado. Assim, as “novas estruturas” criadas pelos
falantes da língua dificilmente são constituídas de novas formas linguísticas, o que
representa, com base em Heine (1994), o engajamento de velhas formas para novos
significados. Desse modo, comumente acontece a utilização de itens e construções
lexicais para usos mais gramaticais, como também para usos com intenções
discursivas e interacionais. Esse é o fenômeno chamado gramaticalização, que será
visto adiante.
2.2 A MUDANÇA LINGUÍSTICA
As pesquisas existentes sobre mudança linguística de uso têm refletido cada
vez mais uma preocupação com os processos de gramaticalização, como também
com o desenvolvimento das construções gramaticais que refletem as regularidades
de uma língua. Sob essa ótica, podemos afirmar que o que influencia de modo direto
as mudanças de uma língua são precisamente os usos que se fazem dessa língua
pelas diversas esferas sociais. Trazemos esse assunto à baila, já tratado em Bertuleza
(2013), para entendermos o comportamento dos novos usos de antes, agora e depois,
de forma diferente do uso prototípico como advérbio.
Segundo Martelotta (2003), as línguas são susceptíveis às nuanças culturais
relacionadas ao estilo de vida dos indivíduos. Nesse processo, de um lado, a língua
apresenta “as variações de natureza individual, social, regional, sexual, entre outros,
que convivem em um momento do tempo, e, de outro lado mudanças que se
manifestam com o passar do tempo” (MARTELOTTA, 2003, p. 57). O autor acrescenta
que o tempo não é o único modo que desencadeia a variação, para, em seguida,
26
ocorrer a consolidação da mudança. Esses fatores coexistem e permitem que
aconteçam os processos de gramaticalização de algumas categorias gramaticais.
Ainda de acordo com Martelotta (2003), os processos que geram a variação
e, posteriormente, a mudança são unidirecionais. Nesse sentido, existem nas
categorias gramaticais funções prototípicas que levam a outras, sem que o uso antigo
desapareça. Essa noção defendida pelo autor postula, segundo o proposto por
Hopper (1991), que os processos de gramaticalização ocorrem de duas formas (das
cinco propostas por Hopper) – por camadas e por divergência. Para ele:
O princípio de camadas refere-se ao fato de que as línguas frequentemente possuem mais de uma forma para desempenhar funções idênticas, sendo, nesse caso, importante registrar que a forma nova não implica o desaparecimento da forma existente. No caso da divergência, tem-se um conjunto de formas com a mesma etimologia, desempenhando funções diferentes (MARTELOTTA, 2003, p. 57-58, grifo do autor).
Segundo Martelotta (2003), a gramaticalização das categorias gramaticais
tende a seguir por dois caminhos: o primeiro seria o de várias formas apresentarem
várias funções; e o segundo seria um conjunto de formas oriundas de línguas
diferentes para uma mesma língua desempenhando outras funções além daquela
prototípica. Na língua original, tais formas apresentavam uma determinada função e,
na língua que se constituiu, passam a desempenhar outras funções além daquela
prototípica. Em outras palavras, as categorias gramaticais seguem exercendo suas
funções prototípicas e ainda apresentam outras que não a original, mas que, de
alguma forma, estabelecem relação com a função primeira.
De acordo com os pressupostos teóricos do funcionalismo, a mudança
linguística é um processo natural que ocorre com todas as línguas do mundo. A
sociedade é heterogênea e como a língua é a imagem das atividades humanas, ela
também é heterogênea e está suscetível às mudanças estruturais ou sociais. As
línguas, portanto, não são estanques, mudam com o passar do tempo e com os usos
que se fazem delas.
Martelotta (2003) afirma que a mudança linguística não deve ser entendida
como uma diacronia linear, descrita apenas por transformações decorrentes da
evolução temporal, mas como:
A mudança linguística deve ser entendida como um fenômeno tridimensional, ou seja, a trajetória de mudança de um elemento linguístico é um reflexo de, pelo menos, três aspectos diferentes: tempo e, sobretudo, cognição e uso. Se tempo é fator necessário para que os processos de mudança se façam sentir, cognição e uso são de
27
fundamental importância para uma teoria que interpreta as línguas humanas como o reflexo do comportamento, no ato concreto da comunicação, das restrições cognitivas associadas à captação de dadas da experiência, à sua compreensão e ao seu armazenamento na memória, assim como à capacidade de organização, acesso, utilização e transmissão adequada desses dados (MARTELOTTA, 2003, p. 69, grifo do autor).
Nesse sentido, o tempo, a cognição e o uso são apresentados pelo autor como
fatores que desencadeiam a trajetória de mudança de um item linguístico. Esses
fatores irão interpretar dados das nossas experiências passadas e/ou atuais no
momento da interação, constituindo, assim, um caráter linear do processo de
mudança linguística, iniciando de algo concreto e próximo dos indivíduos para algo
menos concreto e afastado deles. Desse modo, a situação comunicativa é o foco da
mudança linguística, pois é nela que os sujeitos irão usar a língua conforme suas
necessidades.
Assim, é possível que ocorra o aparecimento de novos significados, que não
se referem à palavra nova, mas à que já existe no vocabulário dos falantes e que
amplia seu sentido a fim de suprir um novo sentido que necessita de denominação.
Outrossim, a função nova não se refere a um sentido completamente novo para a
palavra, muitas vezes, ocorre de esta manter alguns traços semântico-pragmáticos e
estruturais da função original.
Como vimos, existe um aspecto importante relacionado à regularidade da
mudança: é a sua tendência à unidirecionalidade, já que quando um elemento ou
expressão que apresenta sentido representacional passa a ser usado para expressar
noções gramaticais e se referir a estratégias comunicativas e a atitudes subjetivas dos
usuários, esses elementos tendem a se tornar mais idiomáticos. Esse processo ocorre
de modo gradual, de forma que os elementos vão mudando de sentido, perdendo suas
características morfossintáticas a partir do uso que vai se estendendo para novos
contextos.
Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991, p. 85) expõem uma trajetória ascendente
de abstração semântica dos itens lexicais e afirmam que: “as formas associam-se a
significados progressivamente mais abstratos, partindo da noção de espaço, podendo
ou não passar pela noção de tempo e desaguando na categoria mais abstrata de
texto”, conforme o esquema a seguir:
Espaço > (Tempo) > Texto
28
Com base nessa trajetória, um elemento espacial com propriedades mais
básicas e mais concretas passa a transferir essa noção a um elemento temporal cujas
propriedades são mais concretas do que a textual, nesse processo que vai do mais
para o menos concreto. Silva (2005) ressalta que, assim, ocorre uma “mudança
semântica de caráter progressivo” com deslocamento dos sentidos das formas
linguísticas, mas sem que as formas ou funções existentes necessitem desaparecer.
Gramaticalização, portanto, nas palavras de Heine (2003, p. 599): “é um dos
fatores que determinam a história e o desenvolvimento da gramática”. A partir dessa
interpretação, podemos exemplificar o processo de gramaticalização do item depois,
que, de uma origem espacial indicando espaço físico, por meio da trajetória metafórica
espaço > tempo > texto e, em consequência do uso, parece perder essas
propriedades espaciais e temporais, assumindo uma característica textual.
2.3 GRAMATICALIZAÇÃO
Dentre os diversos processos de mudança linguística, a gramaticalização é
destacada como um dos mais corriqueiros que se tem analisado, principalmente pelos
funcionalistas. Tais estudos confirmam a ideia de que a mudança do sistema
linguístico é constante, seja pelo surgimento de novas funções para formas já
existentes, seja devido a novas formas para funções igualmente existentes.
O processo de gramaticalização, na perspectiva funcionalista deste estudo, é
visto de diferentes formas pelos estudiosos da área. Gonçalves, Lima-Hernandes e
Casseb-Galvão (2007, p. 27), por exemplo, apresentam a evolução dos estudos
linguísticos sobre gramaticalização de acordo com três propostas de trajetórias, quais
sejam:
(i) a versão de Meillet (1948), que concebe a gramaticalização como a
passagem [+ lexical] > [- lexical];
(ii) a oferecida por Kurilowicz (1964), que adiciona ao cline de Meillet a
passagem [-gramatical] > [+ gramatical];
(iii) as versões dos estudos atuais [qualquer material linguístico] >
[+gramatical].
O primeiro estudioso a propagar o termo gramaticalização foi Meillet (1948),
quando mostrou que se trata da passagem de uma palavra autônoma à função de
elemento gramatical. Esse estudioso afirma que toda vez que um elemento linguístico
29
é empregado, seu valor expressivo diminui e a repetição tende a degastar esse
elemento. É desse modo que novas formas são criadas em decorrência do desgaste
gradativo das palavras. Depois da concepção de gramaticalização apresentada por
Meillet (1948), o termo e as trajetórias começaram a ser apresentados de forma
variada entre os estudiosos, como mostra a evolução traçada por Gonçalves, Lima-
Hernandes e Casseb-Galvão (2007).
A partir dos anos de 1970, aconteceu um resgate do papel das transformações
diacrônicas nas explicações da sintaxe. A partir daí, gerou-se a ideia de que o discurso
é que motiva as transformações que os elementos linguísticos sofrem e que essas
transformações apresentam uma unidirecionalidade, ou seja, elas seguem do discurso
para a gramática.
Para Traugott e König (1991), a gramaticalização é um processo dinâmico,
unidirecional e diacrônico, ou seja, por meio da evolução temporal, um item lexical
adquire um estatuto gramatical. Já Traugott e Heine (1991) ressaltam que a
gramaticalização se trata de um processo tanto diacrônico quanto sincrônico de
organização categorial e de codificação.
Segundo autores mais recentes, como Bybee (2010), a gramaticalização é
comumente definida como “o processo pelo qual um item lexical ou uma sequência
de itens tornam-se um morfema gramatical, mudando sua distribuição e função no
processo”. Além disso, a autora ressalta que, mais recentemente, tem sido observado
que a gramaticalização de itens lexicais está ocorrendo em construções particulares,
criando, assim, novas construções (BYBEE, 2003; TRAUGOTT, 2003). Assim, para a
autora, não se pode dizer apenas que um item lexical torna-se gramaticalizado, pois
as construções com itens lexicais também podem tornar-se gramaticalizadas.
Com o processo de gramaticalização, os elementos perdem a liberdade
comum da criatividade contextualmente motivada pelo discurso e acabam tornando-
se mais fixos e mais regulares. É o caso dos advérbios de lugar que assumem a
função de conjunção e não vice-versa e de vocábulos que viram afixos e não vice-
versa.
Particularmente, adotamos a versão em que a gramaticalização se caracteriza
como um processo diacrônico e um continuum sincrônico que afeta tanto as formas
que vão do léxico para a gramática como as formas que mudam no interior da
gramática. Seguimos, por exemplo, Martelotta (2003) que, objetivando exemplificar os
processos regulares de gramaticalização de advérbios, mostra que o desenvolvimento
30
de conjunções a partir de advérbios parece refletir uma transferência para a estrutura
do texto de elementos derivados do mundo das experiências sensório-motoras, dos
processos científicos relacionados a objetos concretos, como também a noções
espaciais e temporais envolvidas nesses processos. Para tanto, o autor cita o estudo
de Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991) que propõem um processo analógico
denominado metáfora espaço > discurso com o intuito de caracterizar um tipo de
mudança comum que leva elementos de valor espacial a assumir funções típicas das
conjunções. Vejamos, pois, cinco amostras, em (2), apresentadas por Martelotta
(2003, 2011):
(2) a. Lançados som fora do mudo e descenderõ aos jnfernos e outros se leuãtarõ e seu logo (MALER, Orto do esposo, 1956). b. A primeira natureza da poonba he que em logo de cantar geme (ROSSI et al., Livro das aves, 1965). c. A serra estava totalmente deserta, e os pingos de chuva que começavam a cair, logo se transformaram em um verdadeiro temporal (Corpus D&G). d. ...e sentei-me na cama afim de vesti-la, mas acontece que em cima da cama havia um ferro de passar roupa usado a poucos instantes e logo quente ainda, sentei-me sobre ele e foi uma dor enorme (Corpus D&G). e. Falar do meu quarto! Logo do meu quarto! Bem o meu quarto é uma verdadeira bagunça. É roupa pra lá e roupa pra cá. Você sabe como é quarto de menino (Corpus D&G).
Em (2), as amostras ilustram o processo de gramaticalização que o item logo
sofreu. As ocorrências (2a) e (2b) apresentam usos espaciais significando no lugar,
no momento. Já em (2c) e (2d), o item apresenta valores temporal e textual como
conjunção conclusiva. Em (2e), temos um uso mais enfático de logo, indicando a
posição do falante em relação ao que fala. Assim, os usos apresentados em (2d) e
(2e) já estão gramaticalizados, pois apresentam função interna ao funcionamento da
língua, marcando uma intenção do falante de organizar os argumentos na sua fala.
Para Martelotta (2003, p. 63), os valores apresentados pelo item logo mostram
que, em muitos casos de desenvolvimento de conjunções, a polissemia do elemento
apresenta também um valor temporal. Desse modo, retomamos Heine, Claudi e
Hunnemeyer (1991) que apresentam a trajetória de mudança semântica que um
elemento pode seguir até atingir o status de conectivo: ESPAÇO > TEMPO > TEXTO.
Nesse caso, a metáfora aconteceria em função da extensão analógica do uso espacial
do termo para valores temporais e textuais.
Segundo Furtado da Cunha et al. (2003, p. 51), o termo gramaticalização pode
ser tomado em dois sentidos relacionados: no estrito, “ocupa-se da mudança que
31
atinge as formas que migram do léxico para a gramática”, e no mais amplo, a
gramaticalização “busca explicar as mudanças que se dão no interior da própria
gramática, compreendendo aí os processos sintáticos e/ou discursivos de fixação de
ordem vocabular”. Nesse sentido mais amplo, busca-se, pois, explicar os fenômenos
de variação e mudança linguística, que se modificam tanto sincrônica como
diacronicamente, considerando aspectos relacionados tanto à significação –
envolvendo tempo, discurso, cognição e sentido – quanto à estrutura, no plano
morfossintático e fonológico. No plano significativo, os fatores discursivos,
pragmáticos, semânticos e cognitivos funcionam para satisfazer demandas
comunicativas, seguindo, do plano discursivo para a regularização estrutural, um
crescente grau de abstratização. No plano formal, estão os processos de mudança da
própria gramática.
Nessa perspectiva, Hopper (1987) afirma que, subjacente ao processo de
gramaticalização, existe uma concepção de língua como atividade no tempo real, que,
a rigor, não há gramática como produto acabado, mas sim em constante
gramaticalização. Por sua vez, Neves (2002) afirma que a gramaticalização, na
perspectiva da Linguística Funcionalista, analisa a função como propiciadora da
reflexão, entendendo função como a junção entre o estrutural e o funcional, e não
simplesmente como uma entidade sintática. Desse modo, as diversas funções dos
itens e suas diferentes significações estão em acordo com a eficiência e a
necessidade da comunicação entre os usuários de uma língua. Tendo a compreensão
da gramaticalização como um processo de mudança linguística, buscaremos
apresentar alguns princípios para compreendermos esse tipo de mudança e delinear
sua caracterização.
2.3.1 Princípio da unidirecionalidade
A unidirecionalidade, nos últimos anos, gerou debates calorosos. De um lado,
havia os contraditores, a exemplo de Newmeyer (1998); Janda (2001); Joseph (2001),
que questionavam a unidirecionalidade e procuravam evidências empíricas contra ela.
De outro lado, existe um número maior de autores que são favoráveis a essa hipótese,
pois existe uma publicação inteira de Linguistics (1995, editada por ANS van
KEMENADE) que foi dedicada a entender como categorias funcionais surgem de
32
categorias lexicais, e também para estabelecer o elo entre as abordagens
fundamentalmente funcionalistas e as formalistas para a gramaticalização.
As contestações sobre o princípio da unidirecionalidade caem por terra se
considerarmos os argumentos dos estudiosos da gramaticalização, a saber: a) as
mudanças não acontecem de forma abrupta e isso não significa a exclusão da forma
antiga; b) a forma mais antiga e a inovadora podem permanecer em competição na
língua; e c) a teoria dos protótipos ajuda-nos a reconhecer uma gradação, o chamado
“cline”, entre os membros de uma determinada categoria. A esse respeito, Martelotta
(2010) afirma que em muitos dos contraexemplos ao princípio da unidirecionalidade
apresentados na literatura não há reversão do processo de gramaticalização, mas sim
a atuação de processos diferentes. Assim, para o autor, é preciso buscar as
motivações do processo de gramaticalização nos mecanismos gramaticais que
apresentem aspectos gerais de seu funcionamento, fortalecendo, assim, a sua
constituição com princípios teóricos consolidados.
Um aspecto importante da teoria da gramaticalização é que ela é
caracterizada como unidirecional. Sob esse viés, elementos representacionais se
tornam gramaticais e não o contrário. Heine e Kuteva (2007) apresentam quatro
parâmetros de gramaticalização que mostram essa tendência à unidirecionalidade. O
primeiro parâmetro é o da extensão (ou generalização de contextos), que se
caracteriza pelo desenvolvimento de usos em novos contextos, ou seja, os elementos
que estão envolvidos no processo acabam assumindo, com a mudança, um novo
conjunto de contextos de uso e novas características estruturais. Desse modo, a
extensão é um fenômeno eminentemente gradual. No princípio da extensão estão
envolvidos os seguintes componentes: os de natureza sociolinguística, pelo fato de
que uma inovação na língua surge de um ato individual e se estende para outros
falantes; o discursivo-pragmático, por envolver o espalhamento do item ou da
construção para novos contextos discursivos ou pragmáticos; e o semântico, que
atribui ao elemento um novo valor que surge dos novos contextos.
A noção de um elemento ter seu sentido estendido para novos valores tem
relação com o denominado princípio da exploração de velhos meios para novas
funções, de Werner e Kaplan (1963), em que a criação de novos nomes não exige
inventar palavras novas, mas aproveitar o que já existe na língua. É o que acontece
com a mudança por gramaticalização: o material para o desenvolvimento de novos
elementos gramaticais não é imaginado, mas retirado dos elementos ou de
33
expressões de natureza lexical que funcionam no nível representacional e são mais
delineáveis semanticamente.
O segundo parâmetro é a dessemantização (ou redução semântica), que é
caracterizada pela perda de conteúdo semântico. Ocorre quando os elementos que
estão envolvidos no processo de gramaticalização perdem o valor representacional e
passam a assumir nova função gramatical. Com isso, os elementos adquirem funções
de natureza pragmático-discursiva, perdendo parte de seu sentido original quando é
reinterpretado nos novos contextos.
O terceiro parâmetro é a decategorização (ou mudança categorial), que se
caracteriza pela perda de propriedades típicas das formas fonte e pela aquisição de
novas características morfossintáticas ou discursivas. Em outras palavras, seria a
mudança de classe gramatical.
Já o quarto parâmetro é a erosão (ou redução fonética), caracterizada pela
perda de substância fonética. Nesse caso, o elemento pode sofrer a coalescência
(fusão de formas adjacentes) e a condensação (diminuição de forma). Esse parâmetro
é visto como uma consequência da frequência do uso ou até da construção,
implicando, assim, o processo da univerbação (HOPPER; TRAUGOTT, 2003) em que
construções inteiras são envolvidas como, por exemplo, em boa hora > embora. Como
podemos perceber, o princípio da unidirecionalidade é definidor por excelência da
gramaticalização, pois as mudanças realmente se efetivam, a priori, numa direção
única e irreversível.
2.1.3.1 Trajetória de gramaticalização
Na literatura funcionalista, em relação à gramaticalização, podemos observar,
a partir dos exemplos, que as diferentes trajetórias propostas resultam das
observações de um objeto específico ligado ao interesse próprio do pesquisador que
o elabora, como pode ser visto em: local > temporal > lógico > ilocutivo > discursivo
(ABRAHAM, 1991), proposicional/ideacional > textual > interpessoal/expressivo
(TRAUGOTT; KÖNIG, 1991), pessoa > objeto > espaço > tempo > qualidade (HEINE;
CLAUDI; HÜNNEMEYER, 1991).
Nesse processo, há um conjunto de trajetórias mais específicas, que vai além
das trajetórias gerais (mais canônicas), embora estas sejam igualmente regulares,
que possibilitam explicar a passagem de um dado elemento de uma categoria
34
gramatical para outra. Martelotta, Votre e Cezario (1996, p. 47-48) expõem algumas
trajetórias de gramaticalização no português do Brasil, como:
a trajetória de elemento linguístico do léxico à gramática, como na
passagem de verbo pleno a verbo auxiliar, ou do verbo ir (movimento) a auxiliar
(designando futuro);
a trajetória de vocábulo a morfema, como a passagem de hei de amar >
amarei;
a trajetória de elemento linguístico da condição de menos gramatical
(menos regular) para mais gramatical (mais regular), como menos > menos;
a trajetória de elemento linguístico de mais referencial a menos
referencial, como a do operador argumentativo logo (valor de advérbio espacial do
latim locu) e a função argumentativa como conjunção conclusiva. Esse movimento é
definido pela perda de significação de referentes extralinguísticos e aquisição de
significados pragmáticos, sendo referente a estratégias comunicativas dos
participantes, e, em dados textuais, à organização interna dos argumentos no texto;
a trajetória que induz uma construção sintática a se especializar em uma
função gramatical, como a construção verbo-sujeito, que funciona como introdutora
de informação nova e de sujeito não tópico;
a trajetória de construções negativas relativamente livres a mais fixas em
função de estratégias discursivas específicas, como os três tipos de negativas na fala
de Natal/RN: a negativa canônica não+SV é a mais frequente; depois a negativa
dupla, que se limita a contextos que representam uma pausa temática; e, por último,
a construção de não final, que é usada, comumente, em contextos de respostas a
perguntas diretas (FURTADO DA CUNHA, 1996);
a trajetória dos processos de repetição do discurso, no campo da criação
e da intenção, em direção à gramática, por meio de sua regularização e
sistematização, como, por exemplo, os depoimentos de descrição de lugar que se
regularizam por intermédio de repetição enumeradora, com a utilização preferencial
de verbos como ter e ser (OLIVEIRA, 1996).
Como podemos observar, todas essas propostas de trajetórias específicas
decorrem das constatações empíricas, mas, segundo Martelotta, Votre e Cezário
(1996), não é possível prevê-las enquanto o elemento sob análise não entrar no
processo. Ademais, não se pode especular sobre o eventual desencadeamento de
35
uma mudança, pois o processo começou. Desse modo, os autores sugerem-nos
analisar as trajetórias do ponto de chegada ao ponto de partida, indicando
simplesmente os pontos focais, por causa da dificuldade de reconstituição de todos
os seus sentidos.
2.1.3.2 Trajetória Advérbio > Conjunção
Segundo Nunes (1989), os advérbios apresentam as circunstâncias que
acompanham ação ou estado significados pelo verbo, ou os laços que ligam entre si
palavras ou frases. O autor agrupa os advérbios ao lado das conjunções e das
preposições no grupo das partículas de relação. É frequente dividir as partículas em
quatro espécies (advérbios, preposições, conjunções e interjeições), todavia,
conforme o autor, elas se limitam a duas: uma que compreende os advérbios,
preposições e conjunções; e outra, as interjeições.
Essa divisão acontece pelo fato de não existir uma verdadeira diferenciação
entre os itens do primeiro grupo, considerando que, na sua origem, a maioria das
denominadas conjunções tem saído dos advérbios e, destes, as preposições latinas
que foram ajustadas pela nossa língua. Assim, a trajetória advérbio > conjunção é
vista como um fenômeno que já vem sendo observado há muito tempo nos estudos
linguísticos. Tarallo et al. (1992) apresentam o motivo que faz alguns advérbios
desempenharem o papel das conjunções. Os autores expõem que aconteceu uma
redução quantitativa das conjunções do latim para o português. Desse modo, com a
pouca variedade de palavras para atuarem como conectores, houve a necessidade
de usar outras classes gramaticais, principalmente advérbios e preposições, para
atender as necessidades da língua.
Pezatti (2001), por sua vez, apresenta um estudo mais recente sobre a
trajetória advérbio > conjunção, explicando o processo em questão em relação ao
termo então e mostrando que os traços adverbiais não são de todo perdidos nesse
processo:
[...] as conjunções são geralmente expressões que deslizaram de um estatuto de advérbio para o de conjunção. Seu valor de origem perdura na mobilidade de que são dotadas, mais caracterizadora do advérbio. Os operadores que atuam como elementos de coesão entre partes de um texto, como além disso, apesar disso, em vez disso, pelo contrário, ao contrário, ao mesmo tempo, desse modo, assim, então, aliás, situam-se na faixa de transição de advérbio para conjunção. Como termos híbridos, participam da natureza do advérbio e
36
da natureza da conjunção: exprimem circunstâncias várias, mas comportam-se como elementos de coesão, a caminho de cristalizarem-se, ou, preferencialmente, gramaticalizarem-se como conjunções coordenativas. É fundamental percebermos que esse valor coesivo advém de seu caráter anafórico, explícito ou implícito (PEZATTI, 2001, p. 84).
Conforme Pezatti (2001), é possível verificar uma recategorização sintática,
pois um item lexical altera as propriedades gramaticais que o incluem em uma
determinada classe para fazer parte de outra, segundo a sequência: categoria maior
(nome, verbo, pronome) > categoria mediana (adjetivo, advérbio) > categoria menor
(preposição, conjunção). Vale ressaltar que, apesar de a evolução advérbio >
conjunção definir-se como a transferência de uma categoria mediana para uma
categoria menor, não quer dizer que se configure como uma perda de traços originais
do termo. Os itens que passam por esse processo adquirem traços da nova categoria,
mas também conservam, em maior ou menor escala, os traços de sua categoria base.
Martelotta (2003), em estudo sobre mudança linguística, apresenta dados que
indicam que a trajetória advérbio > conjunção é unidirecional. Votre e Oliveira (2007)
apresentam que é abrangente o volume de estruturas e construções que se conserva
e de sentidos que se mantém ao longo de diferentes sincronias. Segundo Votre (1999
apud MARTELOTTA, 2003, p. 64-65), essa conservação de padrões funcionais ao
longo dos séculos deve-se a um fenômeno que o autor denomina “princípio da
extensão imagética”. Esse princípio mostra que as possibilidades e potencialidades
de uma forma (no âmbito sintático e semântico) estão presentes na mente dos
usuários e podem ocorrer de acordo com as necessidades destes e com o contexto
situacional do discurso de que fazem parte.
2.3.2 Motivações para a gramaticalização
O processo de gramaticalização tem como princípio cognitivo a exploração de
velhas formas para novas funções (WERNER; KAPLAN, 1963), o que faz com que
conceitos concretos sejam movimentados para o entendimento de um elemento
menos concreto. Assim, falantes e ouvintes, devido às assimetrias de suas
experiências, negociam e adaptam funções e formas para o sucesso da troca
comunicativa, permitindo que a língua altere os seus padrões discursivos e a sua
contraparte mental. Essas negociações e adaptações geram mudanças que, por sua
vez, são guiadas por processos e mecanismos que regularizam e fixam seus usos,
37
dentre os quais merecem destaque: metáfora e metonímia; e, por extensão, analogia
e reanálise, respectivamente.
2.3.2.1 Processo metafórico
Segundo Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991), a metáfora está ligada ao
processo de abstratização dos significados, que podem ser lexicais ou menos
gramaticais, que passam, metaforicamente, a tornar-se gramaticais ou mais
gramaticais. Assim, a gramaticalização pode ser motivada pela metáfora.
Para Lakoff (1987), as construções de sentido da língua surgem da interação
físico-social dos falantes em sua inclusão no mundo real, trazidas por intermédio de
metáforas fundantes. Já de acordo com Johnson (1987), essa construção de sentido
é revelada pela experiência sob forma da metáfora, que se torna a própria base para
a semântica da língua. Esse último ressalta, ainda, que o processo metafórico é
fundamental para uma organização conceptual e linguística, pois os conceitos são
construídos por meio do contato com o mundo concreto. O sistema conceptual emerge
desse contato e serve de base para a compreensão de uma realidade mais abstrata.
A metáfora permite aos indivíduos compreenderem o mundo das ideias em função do
mundo concreto. Assim, as relações metafóricas são entendidas como um
mapeamento de um domínio, mais concreto, em termos de outro, mais abstrato.
Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991) explicam que a metáfora envolvida no
processo de gramaticalização é diferente daquela que se relaciona às figuras de
linguagem, pois seria pragmaticamente motivada e focada para a função na
gramática, uma “metáfora emergente”, cuja origem que propicia a gramaticalização
tem natureza “categorial”, ou seja, a construção das estruturas gramaticais pode ser
exposta em termos de algumas categorias básicas partindo sempre,
unidirecionalmente, do elemento mais concreto. Na visão dos autores, torna-se
possível expor o processo de gramaticalização por meio do grupo de categorias
conceptuais, de acordo com uma escala de abstração crescente, em que cada
elemento, seguindo um percurso unidirecional, liga-se a outro elemento à direita por
meio de “flechas” (“>” leia-se “passa para”), resultando no que muitos pesquisadores
chamam de “metáforas categoriais”.
pessoa > objeto > atividade > espaço > tempo > qualidade
38
De acordo com Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991), essas categorias
representam um domínio de conceituação relevante para a estruturação da
experiência humana. Em Martelotta (2008), temos a explicação de que isso se
configura a partir de uma escala de abstratização. Em português, temos exemplos
como: a palavra “braço” que indica uma parte do corpo e passa a designar um objeto
como “braço da cadeira”; uma atividade, como em “braçada”; uma medida de espaço,
como em “uma braça”; e uma qualidade, como em “Ele é meu braço direito”.
Essas categorias representam uma variedade de conceitos definidos
perceptual e linguisticamente. Podemos citar como ilustração do esquema: espaço >
tempo > texto, o advérbio depois, retirado do estudo de Gonçalves (2007):
(3) que era um terreno baldio que era chamado Mère Luísa era inclusive era um homem francês que era o engenheiro e que tomou conta disso aí tudo e fez várias obras aqui e depois dali ela então passou aqui pra Avenida Atlântica onde hoje inclusive é esse hotel aqui que era o antigo Cassino Atlântico era aqui no Posto Seis no fim da Avenida Atlântica aqui no Posto Seis quando então foi fundada aí que ela foi fundada a colônia dos pescadores zê seis ela era zê seis e foi fundada (GONÇALVES, 2007, p. 45). (4) E- É, "depois que o filho tive, nunca (est) mais barriga enche," não é? (GONÇALVES, 2007, p. 46). (5) F- Inicialmente dá, sabe? Logo assim [no]- no começo, a gente fica meio temeroso, mas depois a gente vai se acostumando, aí perde aquele receio todo. A gente faz troço que não deve, por exemplo: fumar (GONÇALVES, 2007, p. 47).
Em (3), o depois indica um lugar no espaço, ressaltado pelo advérbio dali
marcando a localização da Avenida Atlântica; na amostra (4), o depois perde a noção
de espaço físico e passa a se referir a um espaço no tempo; já na amostra (5), o item
depois passa a apresentar função textual com ideia de oposição, acompanhado do
conector mas. Podemos compreender não ser necessário que o elemento linguístico
tenha de cumprir todo o caminho indicado pela escala, apresentando cada sentido,
mas sim que um dado relativo a qualquer desses domínios da trajetória pode ser
empregado para expressar qualquer outra entidade à sua direita.
2.3.2.1.1 Processo analógico ESPAÇO > DISCURSO
Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991) propõem um processo analógico
denominado ESPAÇO > DISCURSO para definir um tipo de mudança que acontece
frequentemente nas línguas humanas, que faz com que elementos de valor espacial
39
passem a assumir funções peculiares de conjunção. A partir dessa extensão
analógica que serve de base para a organização do universo textual, observamos que
os referentes espaciais externos se manifestam por meio da anáfora e catáfora, em
que elementos de origem dêiticos espaciais são usados para referenciar dados
mencionados ou para mencionar, como exemplifica Martelotta (2003, p. 62):
a) Eu não sei matemática. Isso vai me atrapalhar no exame. b) Eu digo isso: não sei matemática.
De acordo com Martelotta (2003), nesses casos, a organização
espaçotemporal do mundo é usada analogicamente para definir o universo mais
abstrato do texto. Tal procedimento é considerado produtivo, pois revela a
regularidade da utilização de elementos referentes a pontos no espaço ou no tempo
para designar pontos no texto: “como foi dito anteriormente”; “como será desenvolvido
adiante”, entre outros.
Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991) propõem também uma trajetória de
mudança semântica em que um item linguístico tenderia a seguir até chegar no status
de conectivo, conforme Figura 1.
Figura 1 – Esquema de mudança semântica
Fonte: Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991)
Segundo Martelotta (2003), esse esquema apresenta uma trajetória
unidirecional de mudança, que é frequente nas línguas humanas; trajetória que leva
advérbios de lugar a desempenharem funções típicas de conjunção, podendo ou não
ter apresentado intermediariamente valor temporal. O autor usa o mesmo argumento
da ideia da metáfora ESPAÇO > DISCURSO: a expressão de dados espaciais é mais
simples e concreta do que a expressão de dados temporais, que, por sua vez, é básica
e concreta, mais do que a indicação das relações textuais.
Vale ressaltar que os limites entre as categorias não são aparentemente
definidos, existindo um contínuo entre elas. Desse modo, no processo de
gramaticalização, podem acontecer estágios de ambiguidade em que uma palavra ou
40
construção pode fazer parte de duas categorias ao mesmo tempo. Heine, Claudi e
Hunnemeyer (1991), assim como a maioria dos estudiosos funcionalistas, afirmam
que o princípio da unidirecionalidade permite que as formas, passando por
gramaticalização, adquiram significados cada vez mais abstratos, não ocorrendo o
contrário.
2.3.2.2 Processo metonímico
A metonímia é outro mecanismo que tem sido apontado como responsável
pela gramaticalização, uma vez que suas motivações estão no contexto linguístico e
pragmático de uso de uma dada forma: há uma associação conceitual entre entidades
de algum modo contíguas, de forma que o item linguístico que é usado em referência
a uma delas passa a ser usado também para outra. Segundo Traugott e König (1991,
p. 212), a metonímia envolve a especificação de um significado em termos de outro
que está presente no contexto, isto é, representa uma transferência semântica por
contiguidade.
À metonímia está ligado um mecanismo chamado por Traugott e König (1991,
p. 194) de inferência por pressão de informatividade, que designa o processo em que
o item linguístico passa a assumir um valor novo, inferido do original, devido à
convencionalização de implicaturas conversacionais por meio de pressões do
contexto de uso. Quando uma implicação comumente surge como forma linguística,
pode ser tomada como parte do significado desta, chegando até mesmo a substituí-
la.
Ainda de acordo com Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991), o processo
cognitivo que envolve a gramaticalização deve ser observado sob duas perspectivas:
uma discreta e outra contínua. A título de ilustração do mecanismo da metonímia,
Castilho (1997) apresenta o advérbio de inclusão magis > mas (conjunção
adversativa), em que esse item passa a codificar a contrajunção, decorrida do uso de
mas em contextos negativos.
Por conseguinte, tanto a metáfora quanto a metonímia são mecanismos que
influenciam no processo de gramaticalização, sendo esta responsável pela pressão
de informação e também pelo surgimento de conectivos; e aquela pelas
características de tempo, aspecto e caso. Enquanto a metáfora é um processo de
abstratização crescente, em que conceitos que fazem parte de domínios pertencentes
41
à experiência humana são usados para se referir a domínios abstratos; a metonímia
é um processo de mudança pela proximidade, pelo contato e surge pelo contexto
sintático.
2.3.2.2.1 Processo de reanálise
A reanálise (por transferência metonímica) e a analogia (por transferência
metafórica) estão envolvidas no processo de gramaticalização. A reanálise pode ser
definida como uma mudança na estrutura de uma expressão que não envolve
qualquer modificação imediata ou intrínseca de sua manifestação aparente, ela não é
diretamente observável. Para Hopper e Traugott (2003), no mecanismo de reanálise,
as propriedades gramaticais – sendo elas sintáticas, morfológicas e semânticas – são
modificadas quanto à sua interpretação, mas não no que diz respeito à sua forma.
O mecanismo da analogia “se refere à atração de formas preexistentes por
outras construções também já existentes no sistema e envolve inovações ao longo do
eixo paradigmático” (GONÇALVES, 2007, p. 49). Ou seja, não promove mudança na
regra, apenas permite um desenvolvimento das mudanças trazidas pela reanálise.
Hopper e Traugott (1993) apresentam um exemplo da atuação da reanálise e
da analogia na gramaticalização do auxiliar be going to do inglês, que se reduz a
gonna. Vejamos a Figura 2:
Figura 2 – Estágios do desenvolvimento do auxiliar be going to.
Fonte: adaptada de Hopper e Traugott (1993, p. 61)
Analisando a Figura 2, no estágio I, há um verbo direcional e uma oração de
finalidade; no estágio II, está um auxiliar de futuro com um verbo de atividade,
resultado da reanálise; já no estágio III, há uma ampliação dos tipos de verbos por
42
meio da analogia; por fim, no estágio IV, ocorre a reanálise do auxiliar, condensando-
se em um único morfema: gonna.
Então, tanto a reanálise quanto a analogia interessam para a
gramaticalização, mesmo sendo distintamente diferentes e com diferentes efeitos. A
reanálise implica a reorganização linear, sintagmática e, frequentemente, local, e uma
mudança de regra, que não é diretamente observável. Já a analogia implica,
essencialmente, organização paradigmática, mudança nas colocações de superfície
e nos padrões de uso. A analogia faz as mudanças inobserváveis da reanálise
observável. Complementarmente, Gonçalves, Lima-Hernandes e Casseb-Galvão
(2007, p. 50) afirmam:
Diferentemente dos processos analógicos, a reanálise permite a criação de novas formas gramaticais, à medida que, gradualmente, alteram-se as fronteiras de constituintes em uma expressão, levando uma forma a ser reanalisada como pertencente a uma categoria diferente da original. É nesse sentido que, diferentemente da analogia, opera no eixo paradigmático, a reanálise opera no eixo sintagmático.
Assim, para comentar o conceito de Gonçalves, Lima-Hernandes e Casseb-
Galvão (2007), amparamo-nos no pensamento de Hopper e Traugott (2003) que
entendem que a reanálise se relaciona com uma mudança de estrutura hierárquica
nos rótulos categoriais, nas relações gramaticais e nos limites em que se inserem as
conexões.
Podemos tomar como exemplo o item agora, um dos objetos de estudo desta
tese, que se originou do caso ablativo do latim hac hora = (por aqui) advérbio espacial
dêitico e passou por reanálise para o item agora, recategorizado com função temporal.
Em outras palavras, a expressão composta de duas palavras passou por uma
reinterpretação, resultando na mudança de categoria por força do mecanismo de
reanálise, que gerou uma estrutura nova.
2.3.3 Princípio da iconicidade e subprincípios
A iconicidade é definida como a correlação motivada entre forma e função, ou
seja, entre o código linguístico e seu designatum. Segundo Givón (1990), a
iconicidade do código linguístico está sujeita a pressões diacrônicas corrosivas tanto
na forma (código) quanto na função (mensagem). Com isso, o código sofre constante
mudança provocada pelo atrito fonológico e a mensagem também sofre alterações
43
devido à elaboração criativa do falante. De acordo com Croft (2001), a estrutura da
língua reflete a estrutura da experiência, ou seja, a construção da língua é comparada
aos conceitos que os indivíduos têm do mundo, com base na perspectiva imposta
sobre o mundo pelo falante.
Segundo Givón (1990, 1995), o princípio de iconicidade se subdivide em três,
quais sejam:
a) o subprincípio da quantidade: estabelece que quanto maior for a quantidade
de informação, maior será a quantidade de forma para sua codificação; a
complexidade da expressão representa, de algum modo, a complexidade do
pensamento. Assim, o que é mais simples e previsível tende a se manifestar por meio
de estruturas menos complexas. Esse princípio expõe, por exemplo, palavras
derivadas, maiores e também mais complexas, se comparadas às primitivas: belo >
beleza > embelezar > embelezamento;
b) o subprincípio da proximidade ou adjacência: os conceitos mais integrados
no plano cognitivo também se apresentam com maior grau de aderência
morfossintática. Segundo Givón (1995, p. 179), “a distância espaço-temporal no fluxo
de fala tende a refletir distância conceptual”. Em outras palavras, a distância
conceitual entre os termos que eles conceituam motiva iconicamente uma distância
entre as expressões linguísticas. A contiguidade estrutural entre os morfemas de um
vocábulo, o nível de integração entre os constituintes de um sintagma, ou ainda entre
os enunciados num texto tendem a refletir a estreita relação entre os signos no nível
conceitual. Furtado da Cunha et al. (2013) exemplificam esse subprincípio mostrando
o que acontece com os intensificadores, uma vez que o morfema de superlativo vem
associado à palavra que modifica. Por exemplo, belíssimo em lugar de muitíssimo
belo. O intensificador muitíssimo está de forma tão associada para ressaltar o sentido
de belo que eles se transformam em uma só palavra pela conexão do sufixo –íssimo
a belo;
c) o subprincípio da ordenação linear: define-se por dois aspectos básicos: a
informação mais tópica tende a vir em primeiro lugar e a ordem das orações no
discurso segue a sequência temporal em que os eventos são conceitualizados. Na
ordenação linear, o sujeito comumente está no início da cláusula e, em uma narrativa,
é notória a ordem das orações no discurso, pois os fatos são narrados na ordem em
que aconteceram.
44
2.3.4 Princípio da marcação
Segundo Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2003), o princípio de marcação
tem origem na linguística estrutural desenvolvida pela Escola de Praga.
Primeiramente, o princípio foi constituído para análises fonológicas (com Trubetzkoy);
em seguida, para a morfologia (nos trabalhos de Jakobson), estabelecendo a distinção
entre categorias marcadas e categorias não marcadas. Esse princípio está
relacionado com a frequência de uso, resultando no metaicônico princípio da
marcação: “categorias que são estruturalmente mais marcadas tendem também a ser
substantivamente (funcionalmente) mais marcadas” (GIVÓN, 1995, p. 58). Nessa
perspectiva, as categorias marcadas são menos frequentes e as categorias não
marcadas são mais frequentes em alguns contextos.
Givón (1995) apresenta três critérios fundamentais para a diferenciação entre
categorias marcadas e não marcadas, em um contraste gramatical binário:
a) complexidade estrutural: a estrutura marcada tende a ser mais complexa
(ou maior) que a estrutura não marcada correspondente;
b) distribuição de frequência: a estrutura marcada tende a ser menos
frequente do que a estrutura não marcada correspondente;
c) complexidade cognitiva: a estrutura marcada tende a ser cognitivamente
mais complexa do que a estrutura não marcada correspondente. Incluem-se fatores
como esforço mental, demanda de atenção e tempo de processamento.
Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2003) afirmam que existe uma tendência
geral, nas línguas, para que esses três critérios de marcação aconteçam.
Compreende-se que a correlação entre marcação estrutural, marcação cognitiva e
baixa frequência de ocorrência é o reflexo mais amplo da iconicidade na gramática,
informação que representa o isomorfismo entre aspectos comunicativos e cognitivos
e aspectos formais da marcação. Conforme os autores, “as categorias que são
estruturalmente mais marcadas tendem também a ser substantivamente mais
marcadas” (FURTADO DA CUNHA; COSTA; CEZARIO, 2003, p. 34).
Uma observação givoniana pertinente é que uma mesma estrutura pode ser
marcada num contexto e não marcada em outro. Givón (1995) ressalta que a
marcação é um fenômeno dependente do contexto, por isso, deve ser explicada com
base em fatores comunicativos, socioculturais, cognitivos ou biológicos. A marcação
não se limita somente às categorias linguísticas, mas pode atingir outros fenômenos,
45
tais como a distinção entre o discurso formal e a conversação espontânea, conforme
observa o autor.
A título de exemplo, Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2003) apresentam o
contraste afirmação/negação para demonstrar a atuação dos critérios de marcação. A
afirmação é cognitivamente mais simples e esperada, logo, mais frequente na
interação verbal. Isso se reflete também na estrutura linguística, representando a
forma não marcada. Com a negação ocorre o oposto: por ser mais complexa em
termos cognitivos e menos esperada, é também menos frequente e estruturalmente
maior, caracterizando-se forma marcada. Considerando as diferentes estruturas
negativas em português, Furtado da Cunha (2000, grifo da autora) apresenta:
a)... a nova regente... ela não tava sabendo reger direito... a regente do coral... tava errando lá um monte de coisas... né... (FURTADO DA CUNHA, 2000, p. 278). b) ... e teve uma pessoa que chegou pra mim e perguntou... “Gerson... você aceita ficar no cargo e tudo” num sei que... eu disse... não... num aceito não... (FURTADO DA CUNHA, 2000, p. 178). c)... tudo eu faço... sabe? tem isso comigo não... (FURTADO DA CUNHA, 2000, p. 264).
De acordo com Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2003), essas três
estruturas negativas não divergem binariamente, mas sim se distribuem num
contínuo, apresentando diferentes graus de marcação, seja em relação à frequência
de uso, seja em relação à complexidade estrutural e cognitiva. A partir desses três
critérios de diferenciação entre estruturas marcadas e não marcadas, podemos
observar a seguinte hierarquia que distribui as orações negativas com base no seu
grau de marcação: negativa padrão (amostra a) > negativa dupla (amostra b) >
negativa final (amostra c).
Os autores expõem que mesmo a negativa padrão sendo marcada com
relação à afirmativa, nota-se que, entre as três, ela é a menos marcada, sob todos os
aspectos: (a) quanto à complexidade estrutural, é morfologicamente mais simples; (b)
quanto à frequência, registra maior ocorrência; (c) quanto ao contexto de uso, é a
menos marcada pragmaticamente, pois pode ocorrer nos contextos que favorecem
tanto a negativa dupla quanto a final. Nesse sentido, com base no caráter fluido e
criativo da língua, devemos adotar parâmetros de gradualidade na análise da
marcação, analisando as categorias linguísticas em termos discretos ou binários.
Nesta seção, optamos por elencar os conceitos-chaves do funcionalismo que
nos auxiliaram em nossas reflexões e na construção desta pesquisa referente à
46
multifuncionalidade de antes, agora e depois no texto acadêmico tese de doutorado.
Dentre eles, destacamos: i) algumas premissas gerais do Funcionalismo norte-
americano; ii) as noções de gramática, mudança linguística e de gramaticalização; iii)
o princípio da unidirecionalidade; iv) as motivações para gramaticalização: metáfora,
metonímia, analogia e reanálise.
Para podermos compreender as etapas da gramaticalização dos itens
linguísticos antes, agora e depois e tecer considerações sobre seus usos, ancoramo-
nos na Linguística Funcionalista norte-americana ou Funcionalismo Clássico, pois
assim como seus representantes, defendemos que a utilização das formas e
expressões linguísticas podem apresentar novos caminhos semânticos devido à
pressão do uso e a aspectos de caráter pragmático e cognitivo. Tendo em mente
esses fundamentos teóricos, na próxima seção, apresentamos os estudos
funcionalistas existentes sobre os itens antes, agora e depois.
47
3 ESTUDOS FUNCIONALISTAS DOS ITENS ANTES, AGORA E DEPOIS
Tem crescido o número de estudos funcionalistas que buscam mostrar novos
usos e novas funções que os advérbios assumem na língua. Nesta seção,
apresentamos alguns desses estudos sobre os itens antes, agora e depois, com o
objetivo de mostrar sentidos ̸funções ̸usos que são atribuídos a esses itens. Sobre o
antes, destacamos o trabalho de Lopes e Morais (2000)1 e Bertuleza (2013); em
relação ao agora, os estudos de Niedzieluk (2004), Souza Júnior (2005), Duque
(2009), Rodrigues (2009), Philippsen (2011) e Bertuleza (2013); e quanto ao item
depois, os trabalhos de Martelotta (1994) Lopes e Morais (2000), Gonçalves (2007) e
Bertuleza (2013).
3.1 O ITEM ANTES: DA ANTERIORIDADE À SEQUENCIALIDADE
Acerca dos usos do item antes, encontramos um estudo mais específico,
baseado em corpus, realizado por Lopes e Morais (2000). Ademais, esta pesquisa
ratifica os pressupostos do uso do antes que, em Koch (1987), no estudo referente
aos conectores interfrásticos; em Neves (2000), no estudo das construções temporais;
e em Bertuleza (2013), no estudo de textos acadêmicos.
Lopes e Morais (2000) fazem um estudo sincrônico sobre os itens antes e
depois, utilizando o Corpus de Referência do Português Contemporâneo (subcorpus
oral) como também de exemplos construídos. Esse estudo é continuidade de um
maior sobre um conjunto de advérbios de tempo que adquirem, em alguns contextos
discursivos, valores que, segundo as autoras, não mais pertencem à esfera semântico
temporal-aspectual, contribuindo para a construção de conexões discursivas de
natureza diversa.
O trabalho das autoras é dividido em duas partes. A primeira apresenta as
análises dos valores temporais e não temporais do item antes; a segunda, os valores
temporais e não temporais do item depois. Sobre os valores do item depois,
comentaremos na subseção 3.3. Em relação ao item antes, Lopes e Morais (2000)
mostram que esse item assume as funções de antes espacial, antes temporal, antes
com valor preferencial, antes reformulador retificativo, antes refutativo e antes
1 Utilizamos o trabalho de Lopes e Morais (2000), que analisa uma tese escrita em português europeu, devido ao fato de dar conta do uso discursivo dos itens antes, agora e depois.
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marcador discursivo. As autoras ressaltam que são escassas, no corpus, ocorrências
do item antes com valor espacial. Foram encontradas apenas duas ocorrências num
universo de 222. Vejamos uma dessas ocorrências em (06).
(06) Antes do rio, está uma casa abandonada (LOPES; MORAIS, 2000, p. 2).
Segundo Lopes e Morais (2000), quando se utiliza a locução preposicional
espacial antes de, revela-se uma localização no espaço que pressupõe um trajeto
delimitado por um polo inicial, como na amostra (06): antes do rio, e por um polo final:
uma casa abandonada. Para as autoras, é comum ocorrer a contaminação dos
valores espaciais e temporais, pois o tempo é fator necessário para o movimento. No
corpus, é frequente o uso da locução antes de com a relação de precedência temporal,
como apresenta (07), funcionando como um localizador temporal.
(07) [...] a notícia desse encontro era pública, antes da visita do Presidente da república [...] (LOPES; MORAIS, 2000, p. 4).
Na amostra (07), de acordo com as autoras, há a locução antes de seguida
de um SN, mas independentemente da configuração sintática, elas salientam que há
casos em que o item antes aparece posposto a um SN, embora o item não deixe de
funcionar como um localizador temporal.
Lopes e Morais (2000) apresentam ainda outra construção de valor temporal
que ocorre com o item antes, a tradicionalmente chamada locução conjuncional antes
que, como em (08).
(08) Estão precisamente a fazer isso agora antes que chegue o verão (LOPES; MORAIS, 2000, p. 8).
De acordo com Lopes e Morais (2000), a construção antes que funciona como
conector temporal introdutor de uma oração subordinada. Assim como nas orações
infinitivas introduzidas por antes de, também nas subordinadas, como em (08), a
construção antes que introduz o contexto “o verão”, que funciona como ponto de
referência para a localização do contexto expresso na oração principal.
Sobre isso, as autoras ressaltam que os adjuntos de localização temporal
podem apresentar diferentes configurações sintáticas. Citam como exemplo os
adjuntos que envolvem a ocorrência de antes (antes de e antes que),
independentemente da configuração sintática, e afirmam que sempre se trata de um
49
adjunto ao sintagma verbal, e semanticamente qualquer adjunto adverbial de
localização temporal colabora visivelmente para as condições de verdade da frase em
que ocorre. Sobre o antes que, Koch (1987) inclui esse item no estudo dos conectores
interfrásticos do tipo lógico que tem como função apresentar o tipo de relação lógica
que o locutor estabelece entre o conteúdo de duas proposições. Segundo a autora, o
conector antes que apresenta uma relação de temporalidade que localiza no tempo
anterior ações, eventos ou estados de coisas do mundo real, como ilustra em “O
diretor entrou subitamente na sala. Antes que os funcionários se recobrassem do
susto, começou a pregar-lhes um violento sermão” (KOCH, 1997, p. 88).
Sobre isso, Neves (2000), em seu livro Gramática de Usos do Português,
apresenta um estudo sobre as conjunções temporais e/ou construções temporais. De
acordo com a autora, uma construção temporal expressa por um período composto é
formada pelo conjunto de uma oração nuclear, ou principal, e por uma temporal. Neves
postula que há algumas conjunções temporais que são compostas pelo que
tradicionalmente se chama de locuções conjuntivas que vêm normalmente
acompanhadas pelo elemento que no final, é o caso do elemento antes, em “Afonso
acode ao apelo, mas Lourenço o chama antes que chegue à cozinha” (NEVES, 2000,
p. 789).
Concluídos os valores temporais encontrados, Lopes e Morais (2000)
apresentam como valores não temporais os usos do item antes como valor
preferencial, reformulador retificativo, refutativo e marcador discursivo. Para as
autoras, o antes com valor preferencial foi o segundo mais representativo das
ocorrências no corpus. Esse uso envolve uma comparação implícita entre duas
situações, em que uma se sobressai a outra, como mostra (09).
(09) Antes quero que ele envie o texto por fax do que por correio eletrônico (LOPES; MORAIS, 2000, p. 11).
Segundo Lopes e Morais (2000), a relação semântica expressa é de natureza
comparativa, envolvendo uma escala avaliativa de tipo axiológico, em que o falante
avalia como melhor “que ele envie o texto por fax do que por correio eletrônico”. Assim,
o item antes assume um significado avaliativo. As autoras apresentam também outro
tipo de antes preferencial, como em (10).
(10) Estás-me a dizer que o João é tímido?! Antes fosse! (LOPES: MORAIS, 2000, p. 12).
50
Na amostra (10), as autoras explicam que o falante, ao dizer antes fosse,
deixa implícito que João não é de fato tímido, refutando uma intervenção do
interlocutor. Segundo elas, o falante acaba criando um mundo alternativo em que se
verifica uma situação avaliada por ele como melhor diante da que existe no mundo
real. Assim, esse caso se diferencia de (09) pelo fato de se construir uma comparação
implícita entre uma situação confractual e uma situação factual.
Outro valor apresentado por Lopes e Morais (2000) é o item antes
reformulador retificativo, que se situa no nível ilocutório, em que o locutor reformula o
seu ato ilocutório inicial, retificando-o, e expressa sua preferência pela formulação
final, como mostra (11).
(11) [...] toda a gente toma calmantes! Eu devo dizer que não tomo! Ou antes, tomo raríssimas vezes (LOPES; MORAIS, 2000, p. 13).
De acordo com Lopes e Morais (2000), o uso de ou permite ao locutor excluir
a primeira formulação, substituindo-a por uma formulação alternativa como preferível
por meio do operador antes. O item antes também apresentou o valor refutativo, que,
segundo as autoras, foi o terceiro valor mais representativo no corpus. Ele ocorre
seguido de pelo contrário, formando uma expressão cristalizada, como apresenta (12).
(12) Acabamos por optar pela sociedade anônima, mas não se constituiu ainda e isso, quer dizer, não constitui nenhuma alteração na linha do jornal. Antes pelo contrário nós pensamos que é uma forma de mantê-la (LOPES; MORAIS, 2000, p. 15).
Segundo Lopes e Morais, na amostra (12), a expressão antes pelo contrário
comuta livremente com o termo ao invés. O item antes reforça o valor do conector
pelo contrário, por meio do qual o locutor indica que vai afirmar uma proposição que
contrasta uma proposição anterior.
Outro valor encontrado foi o item antes como marcador discursivo, que
assume configurações ligeiramente diferentes como: antes de mais, antes de tudo o
mais, antes de mais nada. Essas inserções são vistas pelas autoras como variantes
de uma mesma função, e que ainda apresentam o valor de natureza temporal, embora
exista uma função discursiva visivelmente associada a esse valor, como em (13).
(13) antes de mais nada quero dizer que, he obviamente, hmm, não se trata de uma proposição pessoal (LOPES; MORAIS, 2000, p. 15).
51
Segundo as autoras, a construção antes de mais nada é parafraseável pela
construção em primeiro lugar. Na amostra (13), o falante distribui os seus argumentos,
apresentando primeiro aquele que lhe parece mais relevante para a conclusão que
pretende defender. Assim, as autoras afirmam que parece ocorrer uma derivação de
um significado ancorado na situação externa para um significado baseado na situação
textual.
Por último, Lopes e Morais (2000) afirmam que, no plano temporal, o item
antes apresenta uma relação de precedência, seja no plano cronológico das situações
linguisticamente representadas, seja no plano da estruturação discursiva. Porém, em
certos contextos, perde o significado primitivo de ordenação temporal e assume um
significado preferencial, em que a ordenação atua numa escala avaliativa.
Em suma, o estudo apresentado sobre o antes mostra que esse item não
apresenta apenas a função prototípica de advérbio temporal, mas pode, em certos
contextos, desempenhar funções como preferencial, reformulador retificativo,
refutativo e marcador discursivo. Observamos também que as construções antes de
e antes que ocorrem funcionando como localizadores temporais. A escassez de
estudos sobre o antes motivou-nos, em Bertuleza (2013), ao estudo dos usos desse
item, principalmente no intuito de verificar a ocorrência deles nos gêneros acadêmicos
de Linguística, e agora apenas em teses de doutorado em várias áreas do
conhecimento.
Bertuleza (2013) analisa os usos de antes em textos acadêmicos que
pertenciam à área de Linguística. Foi observado que esse item apresenta funções que
vão além da prototípica como advérbio, pois, em certos contextos, as funções
contribuem para a organização e a construção de sentido do texto acadêmico. A
autora mostrou que esses itens passaram por um processo de gramaticalização,
assumindo funções mais gramaticais, por meio da trajetória advérbio > conjunção.
Bertuleza (2013) constatou, no corpus de dissertações e teses de Linguística,
os seguintes usos do item antes: espacial, temporal, conector de tempo, divisor de
época, redirecionador de tópico e sequenciador textual. A autora expõe que o uso do
antes espacial é também apresentado no estudo de Lopes e Morais (2000). Trata-se
de um uso que apresenta uma relação de ordem do domínio do espaço, onde há um
movimento potencial do polo inicial na direção do polo alvo final, sendo o espaço
referenciado.
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No corpus, o uso do antes espacial aparece localizando um elemento no
espaço. Nesse uso, o item antes vem acompanhado da preposição de, como em (14)
e (15).
(14) O exemplo (26) segue a linha de mostrar um argumento máximo em uma escala em direção a uma conclusão, ou seja, um político pode mudar bastante, mudar seu discurso, mudar de partido, mudar até de opinião, mas no final nada dá certo. Nesse caso, a argumentação promove uma concessão, até mesmo pela presença da expressão “tudo bem” antes do argumento (150-D-15). (15) O contraste de gramaticalidade entre as sentenças dos exemplos (154) e (155) evidencia que o núcleo ao qual o verbo ter indicador de anterioridade está associado se posiciona antes do núcleo Aspdurativo, correspondente ao verbo estar, mas depois do núcleo Modepistêmico, correspondente ao verbo dever (12-T-08).
Conforme a amostra (14), na dissertação que trata sobre a gramaticalização
do item “até”, o antes ocorre indicando a localização da expressão “tudo bem”, que se
posiciona em frente ao argumento apresentado anteriormente no trabalho. Em (15),
na tese, o item antes também funciona indicando localização, no caso, a do núcleo do
verbo “ter” que ocorre em frente ao núcleo “Aspdurativo”. Bertuleza (2013) ressalta,
nesses usos, que existe um movimento que parte do polo inicial em direção ao polo
final, em que o espaço referenciado é introduzido por antes do, antecedendo o alvo.
O item antes é tradicionalmente conhecido como advérbio temporal e seus
traços prototípicos são: escopo vinculado ao verbo do enunciado, possibilidade de
movimentação na frase e estabelecimento de circunstância ao contexto. No entanto,
semanticamente, o item antes pode apresentar ainda uma noção temporal variada, a
partir de um ponto de referência que pode pertencer à esfera do passado, do presente
ou do futuro.
Bertuleza (2013), ao analisar os dados referentes ao antes nos gêneros
acadêmicos, encontrou os seguintes usos temporais para esse item: temporal,
conector de tempo e divisor de época. Na função de antes temporal, o item apresenta
uma relação de precedência temporal, a partir de um ponto de referência que pode
pertencer à esfera do presente, passado ou do futuro, uso também encontrado nos
estudos de Lopes e Morais (2000).
No corpus de textos acadêmicos, os usos do antes temporal ocorre fazendo
referência cronológica ao tempo anterior. Ilustramos esse uso nas amostras (16) e
(17).
53
(16) Apesar da necessidade de equivalência entre os advérbios already e finally, eles contêm uma carga semântica diferente. O primeiro expressa que a mudança para o estado positivo ocorre antes do previsto, e o segundo, que ocorre relativamente tarde e, portanto, depois do previsto (52-D-18). (17) O uso de a gente com referência específica, principalmente em contextos verbais mais “pontuais” em termos semânticos, como nos casos mais avançados da escala de saliência fônica’ (principalmente graus 6 e 7), reforça a hipótese aqui defendida de que há um movimento, quanto ao uso de a gente, em direção aos contextos antes preferencialmente utilizados pela forma nós, o que demonstra sua especialização e o fluxo contínuo da mudança (77-T-13).
Nas amostras (16) e (17), o item antes funciona como um localizador temporal
dependente de uma referência previamente expressa no contexto discursivo. Na
amostra (16), o item faz referência à anterioridade da previsão para a mudança do
estado positivo do advérbio inglês already. Em (17), o item antes situa o tempo anterior
quando havia preferência pela forma nós em detrimento da forma a gente. Por essas
amostras, podemos perceber que, apesar de a referência ao tempo cronológico ser
mais característica dos gêneros do narrar, o item antes também faz referência ao
tempo cronologicamente anterior nas dissertações e teses.
Bertuleza (2013) postula que no corpus de dissertações e teses ocorre outra
função temporal do item antes realizada como conector de tempo. Essa função é
exercida por meio das construções antes que e antes de. Apesar de um conector ser
característico de uma função textual, a autora prefere elencá-los nos usos temporais
por ser um traço mais saliente, indicando semanticamente a relação de anterioridade
temporal dos eventos contidos entre frases de um enunciado complexo, como
mostram os excertos (18) e (19).
(18) Outro ponto a ser destacado é que não constitui problema o fato de nem todas as relações semânticas disporem de codificações sintáticas correspondentes a cada ponto do continuum. Braga (2001) explica que o processo de gramaticalização pode ser interrompido a meio do caminho, antes que as formas alcancem os estágios mais avançados (D-29). (19) Há, pelo menos, duas maneiras de enfocar a questão do MS. A primeira delas é a que atribui significado ao MS; a outra que o considera como marcador formal exigido pela convenção ou como uma variável estilística em certos contextos. Porém, antes de discorrermos sobre esse tema, é necessário que vejamos a origem do termo subjuntivo, pois é nela que se sustenta um desses enfoques (T-18).
Nas amostras (18) e (19), o item antes que funciona como conector temporal
introdutor de oração adverbial. Essa construção indica o momento em que se deve
atentar para uma previsível mudança de estágios em (18). Já em (19), a construção
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antes de tem como complemento uma oração infinitiva, situada na esfera do futuro,
marcando o que vai acontecer posteriormente àquele momento. Podemos observar
que, segundo a análise de Bertuleza (2013), persiste a noção de tempo no conector,
mas podemos verificar que a função do conector, além de temporal, atua também na
organização textual “antes de discorrermos sobre esse tema, [...]”, portanto, um uso
híbrido, que será apresentado mais adiante como redirecionador de tópico.
Outro uso temporal apresentado por Bertuleza (2013) é o do antes divisor de
época. Denominamo-lo assim por tratar-se de um uso que faz referência a uma
situação que era no passado de uma forma e na época atual da enunciação não é
mais, como ocorre em (20) e (21).
(20) Na verdade, os autores discutem que a mudança vai de menos para mais informação, isto é, na direção do código explícito da relevância e da informatividade que antes era apenas entendido implicitamente (101-D-26). (21) Dessa forma, os estudiosos que escolheram a fala como objeto de estudo começaram a considerar a língua como uma atividade, uma forma de ação e fatores, como quem falou, em que condição falou e para quem falou, antes ignorados, passaram a ter uma importância especial (96-T-16).
Em (20), o item antes, que ocorre no gênero dissertação, indica uma divisão
de época por fazer referência a um tempo passado em que a informatividade era
entendida implicitamente, mas, no momento atual do texto, é vista como relevante
para estudos sobre mudança. Em (21), o item antes ocorre no discorrer da tese
também indicando uma divisão de época em que, em um tempo passado, alguns
estudiosos deixaram de lado a fala e os contextos de uso, mas no presente (momento
da produção escrita), existem estudiosos que passaram a “considerar a língua como
uma atividade”.
Por fim, Bertuleza (2013) identifica o item assumindo funções mais textuais
em que o antes aparece com suas noções de espaço e tempo enfraquecidas,
passando a desempenhar novas funções ocorridas do seu sentido temporal. O item
antes funciona, no texto, com noção de redirecionador de tópico e sequenciador
textual.
Na função de redirecionador de tópico, o antes ocorre no corpus introduzindo
um novo tópico, explicando a mudança linear do conteúdo, apresentando o que será
tratado posteriormente, como mostram (22) e (23).
(22) Na maioria das definições clássicas de gramaticalização, os autores partem do pressuposto de que o processo se dá num caminho unidirecional,
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ou seja, sempre do lexical para o gramatical ou do menos gramatical para o mais gramatical, e não ao contrário. Antes de apresentar a importância da unidirecionalidade nos estudos da gramaticalização, é necessário expor a noção de cline oferecida por alguns autores (109-D-25). (23) Nossa intenção é demarcar as semelhanças e diferenças entre cada um dos processos para poder, assim, investigar se os verbos de Reestruturação e os auxiliares pertencem, de fato, a classes distintas. Antes da análise dos verbos em relação às propriedades de um auxiliar, faremos uma breve abordagem sobre a hipótese inacusativa, considerando que ser inacusativo é uma propriedade necessária, embora não suficiente, de todo o verbo auxiliar (112-T-08).
Nas amostras, o item antes aparece iniciando um novo tópico a ser tratado no
texto. Em (22), o antes introduz o tópico a ser tratado mais adiante, no caso, a
importância da unidirecionalidade nos estudos de gramaticalização, mas faz uma
preparação do conteúdo necessário à compreensão do tópico novo, a noção de cline.
Em (23), o item antes também é usado para introduzir a informação de que se tratará
primeiro da “abordagem sobre a hipótese inacusativa” como base à compreensão do
novo tópico “a análise dos verbos”.
O item antes apresenta no corpus também a função de sequenciador textual.
Nesse uso, Bertuleza (2013) expõe que o item antes ocorre como um organizador
textual, que tem a função de preparar o tópico, introduzindo uma informação preliminar
para o assunto a ser apresentado. Esse uso ocorre, sobretudo, com a forma fixa antes
de tudo como em (24).
(24) Com este trabalho, pretendeu-se, antes de tudo, mostrar que o uso determina diretamente a classificação de um item lingüístico. Dessa forma, espera-se que tenha ficado claro que apenas em função do uso na língua pode-se classificar cada uma das ocorrências do item até (66-D-15).
Na amostra (24), ocorre o uso da construção antes de tudo que pode ser
parafraseável por em primeiro lugar. Segundo Bertuleza (2013), nesses usos, o item
deixa de fazer referência a uma localização temporal e passa a sequenciar uma
linearidade textual.
3.2 O ITEM AGORA: DE DÊITICO TEMPORAL A INTRODUTOR DE TÓPICO
Nesta subseção, apresentamos alguns significados/funções do item agora
resultantes dos estudos de Niedzieluk (2004), Souza Júnior (2005), Duque (2009),
Rodrigues (2009), Philippsen (2011) e Bertuleza (2013). Iniciaremos por Niedzieluk
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(2004), que estuda o agora no discurso oral de Florianópolis, cujos dados foram
extraídos do banco de dados do Projeto VARSUL (Variação Linguística Urbana na
Região Sul do Brasil), analisando 24 entrevistas. Desse modo, buscando descrever a
multiplicidade de funções que o agora exerce, a autora apresenta duas macrofunções:
a primeira é a de conector/elo discursivo que contém quatros microfunções –
contrastivo, avaliativo, referência ao futuro, referência ao passado – e a segunda é a
de advérbio temporal, que contém cinco microfunções.
Niedzieluk (2004) afirma que o item agora possui uma característica
específica do conector/elo discursivo, que é a propriedade que permite dar
sequencialidade ao discurso, funcionando como um organizador ao estabelecer uma
relação entre a parte do texto que ele introduz e a precedente, construindo um elo
coesivo. Assim, a partir dessa macrofunção de conector/elo discursivo, o agora
assume as seguintes microfunções:
a) contrastivo: o item agora tem a função de explicitar uma oposição à ideia
anterior, como a autora ilustra em (26).
(26) Então financeiramente, eu posso dizer que não compensou muito, não. Agora, todo dinheiro que eu ganhava, eu sabia empregar (NIEDZIELUK, 2004, p. 4).
b) retomador: o item agora tem a função de recuperar anaforicamente o tópico
da narrativa e dar prosseguimento ao discurso, como em (27).
(27) F: não! Intriga, assim, de brigar, de quebrar pau não- Mas [a gente também] a gente é humano, né? E: Claro! F: Agora, briguinha de casal é obrigado a existir, porque em casamento que não exista uma briguinha vai virar uma rotina. Que se você casa já é noiva? (NIEDZIELUK, 2004, p. 4).
c) avaliativa: o item agora tem a função de explicitar um ponto de vista e/ou
uma opinião do informante, conforme exposto em (28).
(28) A mesma coisa você [vem criand um] – tem uma criancinha. Ela nasceu para o mundo. Agora, vai depender muito dos pais educarem essa criança (NIEDZIELUK, 2004, p. 4).
d) avaliativa de realce: o item agora tem também a função de explicitar um
ponto de vista ou opinião, mas atenta para um enfoque especial na informação
precedente, como pode ser visto em (29).
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(29) O salário mínimo, que ele ia tirar aquele salário de fome, e aquele papo todo. Acontece que ontem ainda escutei na televisão, que o salário mínimo fica o mesmo: uns três e quatrocentos e poucos que está. Agora, eu acho que um pobre assalariado, vamos ter pena, seu Collor. Não dá de viver. Não pode viver assim (NIEDZIELUK, 2004, p. 4).
e) aditiva: o item agora tem a função de acrescentar outra informação ao já
dito, como em (30).
(30) Pra tu veres como na época o papai conseguia segurar tudo. Eu, verão, eu ia pra praia de manhã, voltava, almoçava, eu ia pra praia de tarde e voltava de noite, tomava banho e aquele negócio todo, e já saía, ia conversar com a rapaziada e só voltava pra dormir. No outro dia de manhã era a mesma coisa e. Agora, de dezesseis pra dezoito eu casei (NIEDZIELUK, 2004, p. 5).
Segundo Niedzieluk (2004), na amostra (26), o item agora assume a função
de conector/elo discursivo de contraste, sendo utilizado para explicitar uma oposição
à ideia de que, apesar de não ter compensado financeiramente, o informante soube
empregar bem o dinheiro ganhado, marcando, assim, um contraste na expectativa do
interlocutor. Na amostra (27), o item em tela assume a função de conector/elo
discursivo retomador, recuperando anaforicamente o tópico da narrativa (briga) e
dando prosseguimento ao discurso. Em (28), o conector/elo discursivo agora explicita
o ponto de vista ou a opinião de que depende dos pais a educação de uma criança.
Na amostra (29), o conector/elo discursivo atenta para um enfoque especial na
informação precedente que era sobre o salário mínimo, um salário de fome, realçado
pelo informante. Por último, na amostra (30), o item agora apenas assume a função
de acrescentar a informação de que, no período entre dezesseis para dezoito anos, o
informante casou.
Segundo Niedzieluk (2004), o agora possui a propriedade dêitica na condição
de advérbio referenciador da circunstância de tempo, estruturalmente vinculado ao
plano sentencial. A macrofunção advérbio temporal está dividida em cinco
microfunções, quais sejam:
a) momento atual: o advérbio agora é empregado aludindo ao momento atual
da enunciação do falante como a autora ilustra em (31)
(31) Ah, então tu estás com fome, tu estás olhando, então agora tu vais comer. Agora tu vais comer tudo (NIEDZIELUK, 2004, p. 3).
b) época atual: o advérbio agora é empregado aludindo à época atual, ou seja,
o momento de enunciação refere-se à época atual/contemporânea, como em (32):
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(32) Então, eu saí do último emprego que eu tinha e peguei na repartição, então peguei como motorista. Agora, hoje, é como eu falei pra você, eu não sou enxergado por um lado melhor, que eu realmente não tenho o estudo (NIEDZIELUK, 2004, p. 3).
c) tempo de contraste: o advérbio agora é empregado para contrastar com a
época passada e isso é mencionado no discurso precedente do informante, como
exposto em (33).
(33) Que é isso? Foi dura então, né? F Ah, a vida é dura, né? A vida antigamente era dura. Agora não. Agora tem muita facilidade. Esses guris não querem nada mesmo. O Exército está chamando, a escola de Sargento. Sujeito ganha mais do que está trabalhando aqui. Eles não querem. Não querem (NIEDZIELUK, 2004, p. 3).
d) tempo de referência ao passado: o advérbio agora é empregado aludindo
a um tempo referido pelo falante com relação ao passado, como pode ser visto em
(34)
(34) Ah, eles são chegados em dinheiro. Não vês agora o que os baianos fizeram! Vão debitar do dinheiro deles (NIEDZIELUK, 2004, p. 3).
e) tempo de referência ao futuro: o advérbio agora é empregado aludindo a
um tempo referido pelo falante com relação ao futuro, como a autora ilustra em (35).
(35) Mas agora ela vai ter neném, vai vir pra cá. O neném vai nascer em junho (NIEDZIELUK, 2004, p. 4).
De acordo com Niedzieluk (2004), na amostra (31), o advérbio agora é
empregado aludindo ao momento atual do falante, momento em que “vais comer”,
tratando-se, portanto, de um elemento dêitico temporal. Em (32), o agora é empregado
aludindo à época atual, ou seja, o momento de enunciação refere-se à época
atual/contemporânea, explicitada pelo advérbio hoje. Na amostra (33), o item parece
referir-se à época atual, mas, na verdade, contrasta com a época passada e isso é
mencionado no discurso precedente do informante pela frase “a vida antigamente era
dura”. Já em (34), o advérbio em tela é empregado aludindo a um tempo referido pelo
falante com relação ao passado. A construção agora + o que os baianos fizeram
implica que a situação atual difere da situação passada. Por último, na amostra (35),
o advérbio agora é empregado aludindo a um tempo referido pelo falante com relação
ao futuro, nesse caso, com a construção agora + ela vai ter. Desse modo, a autora
expõe que o item agora parece estar exposto ao processo de gramaticalização,
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havendo transferência de sua categoria inicial para outra, no caso, de uma
“microfunção puramente dêitica temporal para uma macrofunção de conector/elo
discursivo, passando por uma transição entre essas duas categorias” (NIEDZIELUK,
2004, p. 4).
Outro trabalho que estuda o item agora é o de Souza Júnior (2005). O autor
faz um estudo sincrônico nas tiras de quadrinhos de Gatão de Meia idade, de Miguel
Paiva. Souza Júnior (2005) mostra que o item agora ocorre nas funções de dêitico
temporal, de juntivo e na função discursiva. Para esse autor, o agora, quando se
apresenta como dêitico temporal prototípico, equivale semanticamente a “neste
momento”, “no momento presente” que remete ao tempo presente da ação
enunciativa, como apresenta o diálogo dos quadrinhos em (36).
(36) Mulher: Acho você tão bonitinho! Homem: Que isso? Assim eu fico envergonhado. Mulher: Envergonhado então você fica mais bonitinho! Homem: Puxa ... Homem: Queria que mamãe me visse agora!
De acordo com Souza Júnior (2005), quando o item agora atua na função
juntiva, assume a função de conector com o sentido mais abstrato, perdendo o traço
de mobilidade e ganhando o traço de fixação. Desse modo, passa a funcionar como
recurso para organização das ideias e a progressão textual, estabelecendo relações
de causalidade, como o autor apresenta o diálogo dos quadrinhos em (37); de
contrajunção com ideia de ressalva, em (38); e com a ideia de contraste, em (39).
(37) Narrador: O melhor momento para o pai descasado é a noite: dormir com a filha. (Pai dormindo e a filha assistindo TV.) Filha: Oba! Dormiu! Agora posso ver “A volta dos mortos vivos”! (38) Mulher: Encontrar você tem um lado bom: constatar que a separação foi realmente a melhor solução. Tchauzinho! Homem: Calma! Não vai embora! (A mulher sai.) Homem: Ser abandonado pela mulher é duro. Agora, ser abandonado pela ex-mulher é humilhante! (39) Homem 1: Quando eu era casado, cantar as mulheres tinha um sabor de pecado, uma excitação pelo proibido. Homem 1: Mas agora, que eu estou livre, leve e solto... Homem 2: É o bicho, não é mesmo?! Homem 1: ...sei lá ...perdeu um pouco a graça...
60
Segundo Souza Júnior (2005), em (37), o item agora assume a função de
causalidade apresentando a noção de conclusão. Em: “Meu pai dormiu, agora posso
ver a volta dos mortos vivos”, o agora pode ser substituido por portanto. Em (38), o
item agora apresenta-se na função de contrajunção com ideia de ressalva, o
personagem menciona que “é duro ser abandonado por mulher”, em seguida, ele
ressalta, introduzindo com o item em estudo: “Agora ser abandonado pela ex-mulher
é humilhante”. Já em (39), o agora apresenta a função de contrajunção com valor de
contraste ao vir acompanhado de mas, marcando, assim, a oposição temporal
passada “quando eu era casado” versus o presente “mas agora que eu estou livre,
leve e solto”.
Para Souza Júnior (2005), quando o item agora assume a função discursiva,
ele atua nas funções de introdutor de digressão, como em (40), quando um
personagem insere um segmento tópico no interior de outro; e de redirecionador de
tópico, como em (41), quando um personagem deixa de lado um tópico principal sobre
o qual discorre para dar explicações, opinião sobre o que está sendo tratado.
(40) Filha: Pai, acho que fiquei menstruada. Pai: E agora, filha?! Isso só devia acontecer na tira de 2ª feira, quando você já está com sua mãe. (41) Mulher (pensando): Transamos... Agora ele vai achar que eu quero compromisso. Homem (pensando): Transamos... Agora ele vai achar que eu quero compromisso. Mulher: ...Estava pensando uma coisa... Homem: Sabe que eu estava pensando a mesma coisa? (Figura 24).
Desse modo, Souza Júnior (2005) afirma que o item agora está perdendo os
traços presentes no uso temporal e apresentando novos usos e funções, como o valor
juntivo. Assim, age como um conector de sequencialização, estabelecendo relações
lógicas. Em outros casos, o item agora está atuando como marcador discursivo na
organização do discurso. Segundo o autor, o agora está, portanto, numa trajetória
crescente de abstratização, passando de um sentido mais concreto para um mais
abstrato.
Também, em uma perspectiva sincrônica, Duque (2009) fez um estudo sobre
o processo de gramaticalização do agora utilizando o corpus de língua falada do PEUL
– Programa de Estudos de Usos da Língua/UFRJ. O autor encontrou uma diversidade
de ocorrências com o uso desse item. O autor afirma que o agora surgiu da reanálise
da expressão latina hac hora ((n)esta hora), e, com base na diversidade de uso do
61
agora, Duque (2009) defende que o item vem cumprindo a trajetória ESPAÇO >
TEMPO > TEXTO proposta por Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991). Ancorado na
perspectiva funcionalista de vertente norte-americana, Duque (2009) classificou o
agora encontrado nas ocorrências como exofórico (ou dêitico) e endofórico (juntivo ou
discursivo), funções que se assemelham às apresentadas por Souza Júnior (2005),
pois o uso considerado exofórico por Duque (2009) é aquele que Souza Júnior
denomina de dêitico temporal, em que o item agora equivale a “neste momento” ou
“no momento presente”.
A função juntiva do agora é entendida pelos dois autores mencionados como
um uso em que o item se apresenta como conector responsável pela organização das
ideias. Outro ponto em comum entre os achados de Duque (2009) e de Souza Júnior
(2005) é o agora discursivo, em que os autores mostram que, nessa função, o item
exerce o papel de marcador discursivo, perdendo características temporais e textuais,
passando a atuar na organização de unidades discursivas.
De acordo com Duque (2009), as instâncias nas quais o agora faz remissão
demonstrativa temporal, numa escala de proximidade em relação ao momento exato
da enunciação, são consideradas como dêiticas (exofóricas). O autor verificou e
atribuiu quatro possibilidades, a saber: i) agora instanciando o momento específico da
fala, como em (42); ii) agora instanciando o momento geral da fala, como em (43); iii)
agora instanciando um momento anterior à fala, como em (44); e iv) agora
instanciando um momento posterior à fala, como em (45).
(42) Britney Spears, eu gosto, eu acho ela bonita. Ah! Tem outras assim que eu não to me lembrando assim agora, mas eu acho assim... eu acho que são bonitas (DUQUE, 2009, p. 6). (43) Tinha só catorze ano. Agora tenho quinze (DUQUE, 2009, p. 6). (44) Não sei fazer arroz. Eu sabia. Agora esqueci (DUQUE, 2009, p. 6). (45) Me roubaram. Aí eu falei assim: Agora, só vou usar a da Rosana, ou então a daquela (DUQUE, 2009, p. 6).
Já em relação à remissão endofórica, Duque (2009) afirma que há
recuperação de algum elemento do enunciado por meio da anáfora ou da catáfora,
como em (46) e (47).
(46) Bom, acho que, se eu num me engano foi em matemática, mas nesse último bimestre agora eu tirei foi em educação artística porque a professora
62
não deu prova, ela não deu prova, ela avaliou pelos deveres (DUQUE, 2009, p. 6). (47) Na primeira semana, eu comecei com quinhentos cruzeiros (latido longe) ou quinhentos mil réis, não me lembro, agora ... já tem tantos anos. Na segunda, foi setecentos, ou cruzeiro ou mil ruis, não me lembro (DUQUE, 2009, p. 6).
Segundo Duque (2009), em (46), existe recuperação do sintagma
preposicional “nesse último bimestre”; e, em (47), o item agora remete ao tempo da
enunciação.
Para esse autor, o agora caracteriza-se como juntivo quando participa de
algum tipo de relação de contraste entre orações simples ou complexas, ou seja, o
elemento atua no nível sintático e exerce a função de conector interacional. Ainda
segundo o autor, das muitas evidências que apontam para a caracterização juntiva do
agora, uma delas é o fato de esse elemento poder ser substituído por “mas” na maior
parte das ocorrências, como mostram (48) e (49), o que não é possível nos casos em
que o elemento ainda veicula valor temporal.
(48) Com a família ela cresce. Agora com o marido ela murcha (DUQUE, 2009, p. 6). (49) Eu não bebo bebida alcóolica. Agora, uma cerveja já ainda tomo (DUQUE, 2009, p. 6).
Duque (2009) identificou duas relações semânticas que podem ser atribuídas
ao agora juntivo: a adversidade e a concessão, que fazem parte da função que Souza
Júnior (2005) chama de contrajunção, em que o elemento articula sequencialmente o
texto. Duque (2009) é favorável ao pensamento de Risso et al. (1996, p. 56), que
afirmam que, na caracterização dos marcadores discursivos, “a não integração do
agora articulador tópico à constituição da sentença pode gerar a impressão de
estarmos diante de um elemento descartável, que parece de sobra na fala”. Para
Duque (2009), o agora discursivo pode promover abertura, retomada ou fechamento
de tópico. Vejamos em (50).
(50) E– Hum, hum! E, quando chegou no hospital, quê que o médico disse?/ F– Bem– aí, quando eu cheguei lá, eu entreguei ele lá no médico, aí, não é? Eles não falaram nada, ele queria ser– fazer um curativo: um aqui, que abriu aqui, porque, conforme o tombo, não é? [<atingiu>]– Atingiu aqui e outro aqui, em duas parte da cadeira e machucou a perna. …Aí, naquela noite, eu fui embora, aí, não é? Quando foi o meu outro irmão foi apanhar ele, eu não fui, aí, eu não sei o quê que o médico falou baixinho para ele. Mas faz muito tempo, foi uns dois ano atrás. / E– Vocês estavam vendo o desfile?/ F– É, e pulando, brincando. Aí, não é? Aconteceu, não é? E, foi triste, mas– / E– É,
63
sem dúvida, não é? (inint). E, ele ficou perfeito? / F– Não, graças a Deus, ficou perfeito. Graças a Deus! Ele está bem agora. Anda normal, fala normal, pensa normal, ele está bem. / E– Ai, que ótimo! Não é? /F– Hum. (buzina) / E– Ainda bem. Agora, Carlos, me fala, assim, um pouquinho do– dos seus planos, assim, para o futuro, não é? Depois de casado. [Depois de um ano, assim, quando você já tiver casado.] (DUQUE, 2009, p. 6).
Duque (2009) comenta os dois usos do item agora da amostra (50): o primeiro
uso, “ele está bem agora”, é exofórico equivalendo-se a “neste momento”;
diferentemente do segundo uso, em que o agora demarca a mudança de assunto,
dando origem a um novo tópico “planos para o futuro” e sinaliza, ao mesmo tempo, a
associação desse tópico com outro precedente “depois de casado”. Para o autor, a
abertura de tópico firmada pelo agora é uma manifestação simultânea de uma
articulação intertópica.
Apresentamos, a seguir, outro estudo sincrônico sobre o item agora em textos
orais e escritos do Estado de Mato Grosso, realizado por Philippsen (2011). Para a
autora, o item agora apresenta, nos textos analisados, as funções de dêitico, conector
de sequencialização, contrajunção, causalidade, perífrase conjuncional
causal/explicativa e marcador discursivo.
Segundo Philippsen (2011), o agora dêitico apresenta traços prototípicos
como mobilidade de colocação na frase e localização de referência temporal de
momento presente, como em (51).
(51): sem energia não fazia, agora com a chegada da energia é uma animação no assentamento inteiro. E o problema do IBAMA tá comunicando a situação do meio ambiente é um problema e agora que chegou à hora deles estar com uma Toyota pra fazer um trabalho do fogo não tem ninguém, ele chega faz uma reunião com nós, palestra, falatório, e na hora do fogo (PHILIPPSEN, 2011, p. 8).
Já o agora conector, com base na frequência desse item, Philippsen (2011)
observa que pode tratar-se de um deslizamento funcional de agora advérbio >
conjunção, em que as velhas formas se revestem de uma nova roupagem, ou seja,
uma nova função, fruto do processo de gramaticalização, como a autora mostra em
(52). Nessa amostra, o agora assume a função de conector de contrajunção. Outros
autores como Souza Júnior (2005) também reconhecem o item agora como conector
de contrajunção, cujo efeito discursivo pretendido é mostrar ao interlocutor a oposição
de ideias entre os segmentos textuais.
64
(52): E o seguinte, o problema dessa associação aqui é a má organização... as autoridades competentes lá em cima também apoia as associações, agora pra isso acontecer tá precisando organizar, tá desorganizada, mas a gente tá tocando devagar, pra entreter o tempo dessa organização (PHILIPPSEN, 2011, p. 9).
Além da função de conector de contrajunção, o item agora apresenta a função
de conector de sequencialização, cujo efeito discursivo pretendido é direcionar o
interlocutor para a sequência dos acontecimentos, como em (53).
(53) Não param, de uns tempos para cá, os comentários sobre os seguidos acontecimentos no estado. Operação Pacenas, crise no Judiciário e agora o tal superfaturamento nas máquinas (PHILIPPSEN, 2011, p. 8).
Parece-nos que esse uso, reforçado pelo conector “e”, tem um aditivo,
acrescentando mais uma informação e funcionando como “além disso”.
O agora também apresenta a função de conector de causalidade ou perífrase
conjuncional causal/explicativa, como denomina Philippsen (2011). Nessa função,
segundo a autora, o efeito discursivo apresenta a crença do falante a respeito do que
é dito e a explicação causal atribuída aos fatos, como apresenta (54).
(54) Eu acho que a prefeitura não tem esse projeto diferenciado pra nós, no caso não dá certo trazer a urbana pra dentro do sítio com qualidade superior, porque os nossos professores agora que estão fazendo faculdade, então começa o ano eles não sabem se vão ser contratados ou não (PHILIPPSEN, 2011, p. 8).
Conforme Philippsen (2011) demonstra, ocorreram alguns usos do agora na
função de marcador discursivo, em que esse item assume funções argumentativas
referentes à organização lógica das ideias, como em (55), assim “nas velhas formas
e nas novas funções acrescentam-se novos efeitos sintático-pragmáticos”
(PHILIPPSEN, 2011, p. 16).
(55) A área aqui da Agrovila que pertence ao município e assentamento da reforma agrária, todo esse tipo de assunto pertence ao presidente da associação, agora aqui nós estamos dividido 50% mexendo com as atuações de imediato porque 100% não redonda, não dá, não existem, porque falta mais posição, pra trabalho, organização, ajuda do próprio povo de fora (PHILIPPSEN, 2011, p. 8).
Para Philippsen (2011), a gramaticalização do item agora como conector de
contrajunção ocorre na modalidade oral, pois, na escrita, continua-se utilizando a
conjunção adversativa mas. A autora constatou também que não só os deslizes
65
funcionais se apresentam em um contínuo dos usos da língua mas também que os
efeitos sintático-pragmáticos são mobilizados num processo permanente de
gramaticalização.
Devido ao estudo de Rodrigues (2009) ser diferente dos demais já
apresentados, não obedecemos à ordem cronológica. Trata-se de um estudo
pancrônico de textos do latim até o século XX sobre o item agora. Nos dados
analisados, o item agora apresenta usos temporais, de conexão e discursivos.
Segundo Rodrigues (2009), o item agora ainda é usado como advérbio, mas
deixa de se vincular ao momento presente e passa a ter traços com mais referência
temporal passada em alguns casos e mais referência temporal futura em outros, como
em (56).
(56) “O tratamento de sua pessoa e mesa, que agora diremos, não principiou em Braga: Continuou em Braga o que tinha na religião. O que não espanta muito é que não afrouxou nunca um ponto de rigor com que entrou” (A vida de D. Freire Bartolomeu dos Mártires ̸ Romance ̸ Sincronia Clássica).
Rodrigues (2009) mostra que, exercendo o papel de elemento de conexão, o
item agora assume a função de sequencializador, como em (57), opositor em (58) e
de concluidor em (59).
(57) Mattos permaneceu em meio à massa compacta de pessoas que continuavam na pista e nas imediações do aeroporto. Getúlio morreu, ele pensava a todo instante. Aos poucos as pessoas foram saindo do curto estupor que as dominara quando o avião desapareceu no céu. Agora, homens e mulheres começaram a se enfurecer, a gritar e a se agitar de maneira caótica, espalhando-se pelas cercanias do aeroporto (RODRIGUES, 2009, p. 88). (58) O comissário encheu a mão de tomates despedaçados. Quando ia jogá-los na panela, tudo aconteceu rapidamente. A panela virou e a água fervendo foi derramada sobre sua mão. [...] Está doendo muito? Diz a verdade. Doeu na hora. Agora só está ardendo. Vai ficar uma ferida ai? Com casca? Basta enrolar uma gaze em cima (RODRIGUES, 2009, p. 89). (59) Dom Gilvaz: Eu bem vejo recato e honra desta casa. Que? Aquilo de subir um homem por uma janela, e ir-se para dentro atrás de uma mulher, não é nada? Fagundes: Aquele homem é primo carnal da Senhora Dona Nize. Dom Gilvaz: Pois eu também quero ser muito conjunto da Senhora Dona Clóris: ora2 faça-me o favor de a ir chamar (RODRIGUES, 2009, p. 87).
2 O corpus do trabalho é formado por romances e peças de teatro de quatro sincronias distintas. Assim, em algumas amostras ocorrem o uso da forma antiga “ora” em vez de “agora”.
66
No papel de marcador discursivo, segundo Rodrigues (2009), o item agora
funciona como enfatizador de tópico, em (60), localizado em todas as sincronias, e
retomador de tópico, em (61), encontrado somente nas sincronias clássica e moderna.
(60) (Inézia entra, sobe a escada. Olegário acompanha-a com a vista, demonstrando uma irritação doentia) OLEGÁRIO – Mas essa mulher não para de descer e subir essa escada! Será possível? LÍDIA – Ora, Olegário! Ela está fazendo o serviço dela! OLEGÀRIO – está bem. (outro tom) você é mulher de um paralítico (RODRIGUES, 2009, p. 91). (61) Dom Lancetore: senhor doutor, o homem está alucinado, depois que um fantasma, que saiu de uma caixa, o desancou; e sobre isso a grande pena que tem tomado de umas moças, que aqui introduziu em casa, enganando-as, de cuja insolência se me veio mãe aqui queixar, que era mulher de bem, ao que parecia. Semicúpio: ela é muito criada de vossa mercê. Dom Tibúrcio: Deixemos isso; o caso é que minha barriga não está boa. Semicúpio: cale-se que ainda há de ter uma boa barrigada; deite a língua fora. [...] Dom Lancerote: Ah, senhores, grande Médico! Dona Nize: E D. Fuas como está melancólico! (para Dona Clóris) Dona Clóris: Estará cuidando na receita. Semicúpio: Ora, senhores, capitulemos a queixa. Este fidalgo (se é que o é, que isto não pertence a Medicina)... (RODRIGUES, 2009, p. 92).
Por último, Rodrigues (2009) afirma que o agora é um item multifuncional que
se gramaticalizou ao longo da trajetória da língua portuguesa, cujo percurso é TEMPO
> TEXTO.
Em síntese, podemos assinalar que, conforme os estudos apresentados, o
item agora assume usos temporais, como advérbio temporal, também chamado de
dêitico temporal e exofórico; usos de conexão, como retomador, avaliativo, aditivo,
concluidor, sequencializador, conector de causalidade e conector de contrajunção (ou
de contraste); e usos discursivos como marcador discursivo, introdutor de digressão,
redirecionador de tópico, enfatizador de tópico. Essa multifuncionalidade nos levou a
verificar que os usos do agora podem caracterizar os gêneros acadêmicos.
Outro estudo sobre o item agora foi realizado por Bertuleza (2013) com foco
em gêneros acadêmicos, nos quais foram encontrados os seguintes usos do item
agora: dêitico temporal, divisor de época, mudança de estado, sequencial e introdutor
de tópico. O uso do agora como tempo foi encontrado em todos os trabalhos
resenhados nesta seção. Trata-se do uso do agora como advérbio temporal,
diferenciando-se apenas as especificações da referência da circunstância de tempo.
67
Bertuleza (2013) também apresenta usos temporais assumidos pelo item agora no
corpus de dissertações e teses – DISSERTES, são eles: agora dêitico temporal,
mudança de estado e divisor de época.
O corpus DISSERTES apresentou os usos temporais do item agora que
mostram a noção de tempo, por meio da função de dêitico temporal, função prototípica
desse item equivalente a “neste momento”, como podemos ver nas amostras (62) e
(63).
(62) Resta agora observar o comportamento das modais introduzidas pela locução SEM QUE, no que tange à mobilidade posicional (73-D-21). (63) O efeito principal da apassivação é que ela cria, por assim dizer, um ambiente inacusativo. Por figurar agora em um ambiente inacusativo, o complemento de considerar passa pelas mesmas transformações descritas em (6): o sujeito da SC é alçado para o Spec/IP matriz em (8a), mas não em (8b) (34-T-08).
Conforme (62) e (63), em amostras dos gêneros dissertação e tese,
respectivamente, sobre estudos de gramaticalização da língua portuguesa, o item
agora ocorre na sua função de dêitico temporal. Na amostra (62), o item agora em
“resta agora observar” equivale semanticamente a “neste momento”. Já na amostra
(63), o item agora em "por figurar agora em um ambiente inacusativo, o complemento
de “considerar” passa pelas mesmas transformações descritas em (62)” também
corresponde ao momento presente da enunciação.
Ocorreram também usos em que o item agora apresentou a função temporal
de mudança de estado, que equivale semanticamente a “a partir desse momento”,
como mostram (64) e (65). Embora sejam muito próximos da função divisor de época,
diferenciamos esses usos por não sugerir um cessamento, mas uma mudança de
estado que se inicia.
(64) A contração de para com o artigo a era esperada neste contexto, porque no registro de fala coloquial este tipo de contração (pra) é usual. O gênero e Unicamp foi alterado e agora é masculino: Unicampo, mas o seu determinante continua feminino: a Unicampo (127-D-30). (65) No entanto, ressalta-se que sempre se imaginou como principal intenção de um estudo não o esgotamento das possibilidades de análise ou o oferecimento de todas as respostas, mas a promoção de reflexão sobre novas respostas, novos caminhos de investigação que, neste caso, agora estão submetidos à apreciação e contribuição dos leitores (94-T-13).
Na amostra (64), a função temporal do item agora apresenta uma noção de
mudança de estado, em que o gênero da palavra Unicamp, a partir daquele momento,
68
foi alterado para o masculino. Verificamos também uma mudança de estado em (65),
em que o item agora pressupõe que, a partir daquele momento, a promoção de
reflexão sobre as respostas e os caminhos de investigação está submetida à
apreciação e à contribuição dos leitores. Bertuleza (2013) salienta que é um uso que
se diferencia da função dêitica do agora, apesar de temporal, por marcar as mudanças
nos eventos a partir de um tempo específico.
Outro uso temporal apresentado no corpus é o agora divisor de época que
que ocorre quando o item agora faz referência a uma situação que era no passado de
uma forma e no momento da enunciação não é mais, como ocorre em (66).
(66) Todavia, diferentemente de (32), em que o operador argumentativo era apenas o item até, sendo que o que não podia ser retirado da sentença sem prejuízos sintáticos, por ser uma conjunção integrante, agora o que se chama de operador argumentativo é o grupo até que, já que ele, em bloco, serve ao discurso (26-D-15).
Na amostra (66), em que a dissertação versa sobre os operadores
argumentativos e mostra que a função era restrita a apenas um elemento, o “até” –
não incluindo o “que” como conjunção integrante – mas, por meio do item agora,
marca-se a época atual em que o operador argumentativo “até” mudou, passando a
constituir as expressões até que, fazendo parte do grupo já que.
Bertuleza (2013) mostra ainda que o item agora assume funções mais textuais
e discursivas e passa a desempenhar novas funções advindas do seu sentido primeiro
(tempo), funcionando, no texto, como conectivo, apresentando noção sequencial; e
como marcador discursivo, funcionando como introdutor de tópico. Esse uso está
presente nos estudos de Niedzieluk (2004), distribuído nas funções contrastivo,
retomador, avaliativo, avaliativo de realce e aditivo, colocando no mesmo grupo as
funções discursivas. Souza júnior (2005) registra apenas como conector o agora
juntivo por contrajunção. Além do juntivo adversidade, Duque (2009) encontra o
juntivo concessão. Rodrigues (2009) registra os usos do conector sequencializador,
opositor e concluidor. Por fim, Philippsen (2011) inclui na função do agora conector,
além da contrajunção, o conector de sequencialidade e de causalidade (perífrase
conjuncional explicativa/causal). Em Bertuleza (2013), o item agora como conectivo
apresenta a noção de sequencial.
Já na função sequencial, também tipificada por Rodrigues (2009) e Philippsen
(2011), Bertuleza (2013) apresenta o item agora no corpus DISSERTES, com a função
69
de dar continuidade à sequência de eventos ou a ações no contexto em que está
inserido. Trata-se de um uso em que existe uma fluidez entre o registro escrito e a
localização espacial no texto, como mostram (67) e (68).
(67) Na realidade, o uso dessa sentença tem a função de defender um argumento contrário ao procedimento em questão, uma vez que a propriedade resultante já existe. Observe agora o exemplo contido em (2-23) (07-D-18). (68) Uma vez confirmada a capacidade de discriminação e de tg esquematização dos informantes, cabe agora discutir o nível dessa granularidade e a força de coesão entre os grupos (91-T-23).
Nas amostras (67) e (68), o agora enfraquece sua noção temporal e passa a
estabelecer uma relação de continuidade entre as informações do registro,
direcionando o leitor e indicando o local do conteúdo textual nos dois gêneros
acadêmicos. Verificamos uma forma de chamamento para o leitor do que quer que
seja observado, em (67), e um aviso da organização do processamento textual do
autor que reflete também o direcionamento das reflexões sobre o conteúdo. Bertuleza
(2013) afirma que em alguns usos ocorridos nos gêneros acadêmicos, o agora, além
de atuar como um direcionador do texto, ainda desempenha funções de
predominância discursiva.
Embora com função discursiva, Niedzieluk (2004) inclui as funções retomador
e avaliativo e avaliativo de realce como conector. Considerando como marcador
discursivo, Souza Júnior (2005) elenca o introdutor de digressão e redirecionador de
tópico; Duque (2009) registra o introdutor de tópico; já Rodrigues (2009) divide os
marcadores, além do introdutor de tópico, ele apresenta as funções de enfatizador de
tópico e retomador de tópico; e, por fim, Philippsen (2011) engloba o agora como
marcador discursivo na função argumentativa de organizador lógico de ideias.
Bertuleza (2013) mostra como marcador discursivo, no corpus DISSERTES, o item
agora funcionando como introdutor de tópico.
No corpus DISSERTES, o agora introdutor de tópico tem a função de dar início
a um tópico ou a um novo momento do discurso, por meio de uma mudança no tópico
ou no assunto tratado, como segue em (69) e (70).
(69) Vimos que era preciso, então, excluir as ocorrências com os principais ser e ter, além dos modais. Com essa nova rodada, obtivemos um percentual de 24% de ocorrência da forma nova entre os verbos de segunda conjugação, amalgamando F e P. Agora, com o índice de 60% de ocorrência da forma nova entre verbos de 2ª conjugação e de uma sílaba, podemos concluir que,
70
com exceção dos verbos mais frequentes na língua e de morfologia mais marcada, a exemplo de ser e ter, o processo de mudança já atingiu essa conjugação na escrita (06-D-17). (70) Agora, conforme foi feito para o verbo achar, são apresentados alguns cruzamentos entre a categoria ‘sentidos’ e outras categorias (113-T-10).
Conforme as amostras, o item agora ocorre iniciando tópicos. Na amostra
(69), em que apresenta os percentuais obtidos após a exclusão de algumas
ocorrências, o agora aparece iniciando um novo tópico mostrando o índice de uma
nova forma entre verbos de segunda conjugação e de uma sílaba. Em (70), o agora
também introduz um turno/tópico no qual ele mostra que a partir daquele momento
será feito um cruzamento entre categorias.
Com base nessas ocorrências, Bertuleza (2013) constatou que o agora
apresenta usos que vão além da sua função prototípica de dêitico temporal, passando
por um desdobramento do tempo, seguindo como sequenciador textual e, em outros
casos, como marcador discursivo.
3.3 O ITEM DEPOIS: DE ESPACIAL À CONTINUIDADE DISCURSIVA
Martelotta (1994) analisou o elemento depois, mostrando que sua forma
origina-se da preposição “de + a + conjunção pois”, que era utilizada para indicar ora
sucessão no espaço, ora sucessão no tempo. Segundo o autor, no português atual, o
depois passou a apresentar valor espacial, temporal, sequencial e aditivo.
Martelotta (1994) não mostrou em seus dados o uso do depois espacial de
localização, do tipo “a loja fica depois da esquina”. No entanto, o que ele encontrou foi
um uso mais abstrato de localização, como em (71), cuja ordenação se deu por
processo metafórico da localização espacial para a sequência do lugar do sentimento:
(71) Ah, uma professora que eu gosto... a professora que eu gosto é a... que eu gosto mesmo é da dona Regina. Depois a dona Inês.
Conforme Martelotta (1994), a amostra (71) consiste em uma ordenação das
professoras, com base no que o informante sente por cada uma delas, em que uma
professora está na frente da outra, pela ordem de preferência do informante.
O depois temporal indica sucessão do tempo e não no espaço como
apresenta a amostra (72).
71
(72) E: Já houve alguma vez assim que algum cliente não tenha pagado? I: Já, muitas vezes. Calote, meu irmão, é toda hora. E: Mas como acontece? A pessoa diz que não tem dinheiro ou... I. É, não tem dinheiro. “Está ruim depois eu pago” (MARTELOTTA, 1994, p. 134).
Na amostra (72), o informante, ao responder que já recebeu calote de cliente,
diz que é comum eles dizerem: “Está ruim depois eu pago”. O item depois passa a ser
usado para indicar sucessão no tempo.
Já o depois sequencial serve para organizar as informações do texto e indica
um evento que continua a partir do outro que se concluiu, como em (73).
(73) I:... Não houve nada, que era um barranco muito próximo, então só deu aquele impacto e tudo bem. Depois saímos dali, chegamos no quartel todo mundo frio (MARTELOTTA, 1994, p. 135).
Na amostra (73), o item depois marca a ordem de acontecimentos dos eventos
“Depois saímos dali, chegamos no quartel todo mundo frio”, organizando, assim,
sequencialidade das informações no texto.
Martelotta (1994) mostra ainda que o depois sequencial surge por pressão de
informatividade, gerando formas como depois que e depois de, que assumem o valor
relacional, que conhecemos na tradição gramatical como locução conjuntiva e locução
prepositiva, respectivamente. O autor ilustra a primeira com a amostra (74).
(74) I:... porque depois que saiu aquilo, no dia seguinte apareceu um senhor lá e ficou me olhando e disse assim: “O senhor é o prefeito daí, não é?” (MARTELOTTA, 1994, p. 137).
Por fim, Martelotta (1994) apresenta o depois aditivo, cujo uso, diferentemente
do depois sequencial, caracteriza-se pela perda da noção ESPAÇO > TEMPO e passa
a assumir uma função textual. De acordo com o autor, nesse uso, a trajetória,
resultante da pressão por informatividade, amplia-se e se dá pela metáfora ESPAÇO
> TEMPO > TEXTO, como em (75).
(75) E: Então você acha bom a mulher trabalhar fora? I: Acho. Atualmente acho, não pra mim que já estou com uma vida formada, casada há vinte e sete anos já, não, não, não. E depois não preciso, graças a Deus... (MARTELOTTA, 1994, p. 138).
Segundo Martelotta (1994), na amostra (75), o item depois apresenta um valor
argumentativo, com informações em favor do que está sendo dito “E depois não
preciso, graças a Deus”. Podemos ver, então, que, para Martelotta (1994), a mudança
72
do item depois se deu por meio do fenômeno da gramaticalização, cujo percurso
unidirecional pode ser interpretado em dois esquemas idealizados: um formal –
circunstanciador > operador argumentativo e um semântico – ESPAÇO > TEMPO >
TEXTO.
Como já mencionado anteriormente, Lopes e Morais (2000), em seu estudo,
também analisaram o item depois no Corpus de Referência do Português
Contemporâneo (subcorpus oral) e encontraram 3.869 ocorrências desse item,
apresentando valores em diferentes tipos de escalas ou eixos. O estudo mostra que,
no discurso oral, esse item é usado frequentemente não apenas na descrição de
situações externas mas também na expressão de avaliações internas realizadas pelo
falante, além da marcação da estrutura textual ̸discursiva.
Segundo as autoras, nem sempre é claro ou evidente identificar o tipo de
significado associado ao item depois no corpus, pelo fato de haver casos em que há
uma interrupção do discurso, seja por uma intervenção do interlocutor, seja por uma
nova orientação discursiva do locutor; como também há casos em que o contexto é
reduzido e não é esclarecedor, assim, diversas ocorrências apresentaram-se
ambíguas. Desse modo, Lopes e Morais (2000) utilizaram 2.917 ocorrências, em que
a classificação parece inequívoca e unívoca. Dessas ocorrências, as autoras mostram
que houve 23 usos da forma popular despois, havendo, em alguns casos, a ocorrência
das duas formas.
Conforme Lopes e Morais (2000), o item depois apresentou, no corpus,
valores de ordenação espacial, temporal e usos nos planos interpessoal e textual.
Para elas, o item depois com valor espacial exprime uma localização relativa de um
determinado espaço, recorrendo-se a outro espaço (ou entidade), como apresenta
(76).
(76) A minha casa fica depois do supermercado (LOPES; MORAIS, 2000, p. 19).
Na amostra (76), o item depois funciona como um localizador, marcando o
supermercado como ponto de referência para chegar à sua casa. Em outros casos, a
localização espacial definida pelo item depois é contemplada por outras expressões
referenciais também com valor espacial. É o que ocorre em (77).
(77) Silvino na baliza, depois um quinteto defensivo – chamemos-lhe assim – com João Pinto a leteral direito Fonseca a lateral esquerdo, Veloso... irá jogar
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a central com a m [...] função de livre, e dois centrais de marcação são eles Jorge Ferreira e Venâncio, depois a meio-campo, Paneira, André, Jaime Pacheco para diante (LOPES; MORAIS, 2000, p. 20).
Na amostra (77), a expressão de localização espacial a meio-campo acaba
tornando mais precisa a localização espacial apresentada inicialmente pelo item
depois. Para as autoras, o item depois, nas amostras apresentadas, tanto em (64)
como em (78), funciona como um localizador que marca uma relação de ordem entre
as entidades físicas situadas num eixo espacial, em que é definido um polo inicial e
um polo final e gerado um movimento potencial.
Lopes e Morais (2000) mostram que o item depois também é usado para
marcar a ordem das entidades que fazem parte das séries de ordem fixa, como em
(78).
(78) Nesse campeonato, o Sporting ficou depois do Benfica (LOPES; MORAIS, 2000, p. 20).
Conforme as autoras, na amostra (78), a ordem das entidades “o Sporting
ficou depois do Benfica” reflete a posição que elas ocupam hierarquicamente a partir
de critérios convencionalmente definidos. Essas séries seguem a ordem que vai do
mais positivo ou mais bem classificado (polo inicial) para o menos positivo ou com pior
classificação (polo final).
Na função temporal, Lopes e Morais (2000) afirmam que o item depois
também pressupõe a divisão do tempo em duas seções a partir de um ponto de
referência, ou seja, esse item marca o estado de coisas ou situações em um intervalo
de tempo posterior ao ponto de referência, como apresentam em (79).
(79) Agora tratamos de preencher estes impressos. Depois compraremos os outros na papelaria (LOPES; MORAIS, 2000, p. 20).
Conforme as autoras, na amostra (79), o ponto de referência é o presente da
enunciação e o item depois marca uma relação temporal de posterioridade da
utilização do elemento agora.
Lopes e Morais (2000), assim como Martelotta (1994), afirmam que as
expressões depois de e depois que também funcionam como localizadores temporais,
em que o depois de introduz expressões que indicam um intervalo de tempo no eixo
cronológico, como em (80), e o depois que introduz uma oração finita, como elas
ilustram com a amostra (81).
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(80) antes o pai levantava problemas com as idas para casa depois da meia-noite, isso, e que nós íamos para casa sozinhas (LOPES; MORAIS, 2000, p. 24). (81) Gostava muito do Porto, mas depois que vim para Lisboa comecei a gostar mais de Lisboa (LOPES; MORAIS, 2000, p. 24).
Além da função espacial e temporal, Lopes e Morais (2000) encontraram o
item depois como consecutivo, que revela uma consequência de uma situação
expressa no enunciado anterior, como elas mostram em (82).
(82) Esses [turcos] lavaram-se cá em casa. Lavá-los lá eram muito caros. Lá é muito caros, é isto e depois punham lixívia e tudo, depois estragava tudo (LOPES; MORAIS, 2000, p. 32).
Para as autoras, na amostra (82), o estado de coisas apresentado na primeira
oração é entendido como condição suficiente (causa) para a ocorrência do estado de
coisas da oração depois estragava tudo.
Lopes e Morais (2000) também registraram o uso do item depois como
conclusivo, como ilustram em (83).
(83) a gente tem de ceder sempre porque é o nosso papel. E se não se cede, depois dá mau resultado (LOPES; MORAIS, 2000, p. 32).
Para as autoras, na amostra (83), o falante expressa um raciocínio de tipo
inferencial, indicando a certeza do conhecimento de que é “seu papel ceder”. O item
depois permite extrair uma dada conclusão na oração “depois dá mau resultado”.
No plano mais textual-discursivo, as autoras registraram ainda o item depois
como avaliativo, argumentativo, argumentativo interrogativo, sequenciador textual e
marcador de continuidade discursiva. Lopes e Morais (2000) consideram o item depois
como avaliativo quando ele é usado para marcar a ordenação em eixos de tipo
avaliativo, como em (84).
(84) Não, não! Prefiro o Porto, e só depois o Benfica (LOPES; MORAIS, 2000, p. 35).
Na amostra (84), o item depois introduz uma situação avaliativa em que o
falante expressa sua menor preferência pelo Benfica e sua maior preferência pelo
“Porto”.
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Lopes e Morais (2000) apresentam também o depois argumentativo que tem
a função de introduzir um argumento secundário que, ao se ajuntar a outro já
formulado no discurso, realiza um valor corroborativo, como apresenta (85).
(85) Não me apetece ir ao cinema; depois nem sequer gosto muito desse realizador (LOPES; MORAIS, 2000, p. 37).
Em (85), o item depois introduz um argumento que justifica a decisão do
falante de não ir ao cinema. Assim, o item atua como reforço da primeira oração.
Nessa perspectiva da argumentação, as autoras particularizam o uso do item
depois como argumentativo interrogativo, como podemos ver em (86).
(86) Sim, é verdade que fui ver esse filme. E depois? Já tenho 17 anos! (LOPES; MORAIS, 2000, p. 37).
Na amostra (86), segundo Lopes e Morais (2000), “E depois?” é
funcionalmente idêntico a expressões como “e então?”, “e daí?”, características de
interações orais. Para as autoras, ao inserir o item depois interrogativo, o falante
bloqueia a sequência do discurso.
Como sequenciador textual, para Lopes e Morais (2000), o depois garante a
conexão de uma sequência entre os elementos do texto, como em (87).
(87) Preciso de comprar ovos, leite, farinha… e depois margarina, fermento e ainda cacau em pó (LOPES; MORAIS, 2000, p. 40).
Na amostra do (87), o item depois é usado na articulação de termos de uma
listagem, vem acompanhando o conector “e”, mantendo a relação aditiva. O uso do
depois aditivo já foi registrado por Martelotta (1994).
Já o item depois como marcador de continuidade discursiva, segundo Lopes
e Morais (2000), apresenta um caráter fático, que indica que o falante não terminou
seu discurso e assim busca manter a atenção do seu interlocutor, como em (88).
(88) resolvi experimentar e tal fazer uma letra de canção - era uma coisa horrorosa! Saiu uma coisa! - chamada: o homem. Então era: (o homem, o homem fugiu, fugiu. O homem, o homem nem sua aldeia não viu). Depois é... Depois... Depois fazia outras coisas, naquela altura das revoluções... (LOPES; MORAIS, 2000, p. 43).
Na amostra (88), a repetição do item depois parece ser usada com o propósito
de assegurar o turno da palavra, marcando um tempo de espera de acordo com a
76
preparação do prosseguimento do discurso. Desse modo, Lopes e Morais (2000)
expõem que o item depois opera em diferentes domínios da significação, os valores
de localização espacial e temporal fazem parte do domínio referencial e os valores
avaliativos e argumentativos pertencem ao domínio interpessoal e discursivo.
Outro estudo sobre o uso do depois que citamos é o de Gonçalves (2007) que
trata do item depois em dados orais do português dos cariocas, mostrando que esse
item passa pelo processo de gramaticalização por apresentar outras funções que
derivam do seu uso tradicional como advérbio. A autora encontrou as seguintes
funções do item depois: espacial, temporal, contrastivo, sequencial e aditivo,
afirmando que o processo que tem levado o item depois a se gramaticalizar é a
metáfora ESPAÇO > TEMPO > TEXTO.
A autora começa a análise dessa trajetória da fala carioca, mostrando o uso
do depois que indica um lugar no espaço, como em (89).
(89) que era um terreno baldio que era chamado Mère Luísa era inclusive era um homem francês que era o engenheiro e que tomou conta disso aí tudo e fez várias obras aqui e depois dali ela então passou aqui pra Avenida Atlântica onde hoje inclusive é esse hotel aqui que era o antigo Cassino Atlântico era aqui no Posto Seis no fim da da Avenida Atlântica aqui no Posto Seis quando então foi fundada aí que ela foi fundada a colônia dos pescadores zê seis ela era zê seis e foi fundada (GONÇALVES, 2007, p. 45).
Na amostra (89), a noção de espaço físico vem ressaltada pelo advérbio
locativo dali, localizando a Avenida Atlântica.
Em seguida, faz a análise do item depois em seu uso prototípico como
advérbio temporal, que deixa de apresentar a noção de espaço físico e passa a se
referir a um espaço no tempo, como apresenta (90).
(90) E – É, depois que o filho tive, nunca (est) mais barriga enche, não é? (GONÇALVES, 2007, p. 46).
Em (90), conforme Gonçalves (2007), a noção de tempo do item depois é
marcada por uma indeterminação temporal, pois não fica claro no texto quando a ação
se realizou, fica pressuposto que é um tempo posterior à enunciação. Discordamos
em parte da autora, uma vez que esse uso parece demarcar uma divisão de período,
apresentando o momento em que, a partir de então, ela percebeu a causa da mudança
corporal, o nascimento do filho.
Defendemos ainda que, apesar de temporal, esse evento é demarcado no
texto pela construção depois que, sendo mais saliente o uso sequencial, já observado
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por Martelotta (1994) e Lopes e Morais (2000). Sustentamos nosso argumento em
Neves (2000), que faz um estudo sobre as conjunções temporais e/ou construções
temporais e define que uma construção temporal expressa por um período composto
é formada pelo conjunto de uma oração nuclear (ou principal) e por uma temporal. A
autora complementa que algumas conjunções temporais são compostas pelo que
tradicionalmente se chama de locuções conjuntivas, como o elemento depois, que
vêm normalmente acompanhadas pelo elemento que no final.
Porém, referindo-se ao depois na função textual de conector de contraste,
Gonçalves (2007) analisa o item em tela que, por meio de pressão de informatividade,
apresenta uma oposição com outros elementos do texto, como em (91).
(91) F- Inicialmente dá, sabe? Logo assim [no]- no começo, a gente fica meio temeroso, mas depois a gente vai se acostumando, aí perde aquele receio todo. A gente faz troço que não deve, por exemplo: fumar (GONÇALVES, 2007, p. 47).
O item depois aparece na amostra (91) acompanhado do conector mas, que
reforça a ideia de oposição medo x falta de temor presente no discurso do falante.
Identificamos que a construção formada pelos dois elementos forma o significado de
contraste temporal, posto que no enunciado anterior há a menção de tempo “no
começo” com o qual o depois se opõe.
Não incluindo a noção temporal, outro uso encontrado por Gonçalves (2007)
é o que ela caracteriza como depois sequencial, cuja função é sequencializar o
discurso, contribuindo para o detalhamento dos fatos e para a ordem na qual eles se
apresentam, como mostra (92).
(92) Loc...foi ali que eu conheci a minha carreira... em sessenta e oito... e em sessenta e nove... eu vim pro Rio e ingressei na Cultura Inglesa... primeiro na Tijuca... depois em Caxias e finalmente fui pra Madureira como professor-chefe... onde eu fiquei dezessete anos... foi uma influência muito boa... eu gostava demais de lá... (GONÇALVES, 2007, p. 49).
Na amostra (92), a autora analisa a sequência dos fatos, em que,
primeiramente, o informante conhece a profissão, em seguida, vem para o Rio de
Janeiro e ingressa na Cultura Inglesa, nos seguintes bairros: primeiro na Tijuca,
depois em Caxias e só então vai para Madureira. O item depois é, segundo a autora,
usado para marcar essa sequência dos fatos.
Identificamos que o termo “sequencial” está ambíguo, pela amostra (92), e
deveria ser completado com a noção temporal, posto que ele é resultante mais de
78
uma enumeração de eventos do que, propriamente, de uma função de organização
textual. Sobre essa diferença, citamos Koch (1987), que, em seu estudo sobre os
conectores interfrásticos do tipo lógico, mostra que eles apresentam a função de
apontar o tipo de relação lógica que o locutor estabelece entre o conteúdo de duas
proposições. Alguns desses conectores apresentam relação de temporalidade, que,
segundo a autora, é uma relação em que se localizam no tempo ações, eventos ou
estados de coisas do mundo real. Essa relação pode ser do tipo tempo simultâneo
que remete ao exato, pontual ou do tipo tempo anterior/tempo posterior expresso pelo
conector depois que como em “Depois que eu terminar a pesquisa, pretendo dedicar-
me ao magistério” (KOCH, 1987, p. 88).
Ainda segundo Koch (1987), o item depois pode ser apresentado como um
operador de sequencialidade temporal, como em “Primeiro iremos ao cinema, depois
a uma lanchonete e, por fim, visitaremos um casal de amigos” (KOCH, 1987, p. 94) e
como operador de sequencialidade textual em “Tratarei, em primeiro lugar, da origem
do termo, depois de sua evolução histórica” (KOCH, 1997, p. 94). Desse modo, Koch
(1997) mostra que o operador de sequencialidade temporal exprime a ordem de
acordo com a percepção que o falante teve de um dado estado de coisas do mundo
real. Já o operador de sequencialidade textual apresenta a ordem segundo os
assuntos abordados no texto.
Por último, Gonçalves (2007) apresenta o uso do depois aditivo que, segundo
ela, tem a função de introduzir uma informação complementar que permite ao falante
enriquecer o seu discurso, como em (93).
(93) Loc ...Pedi a licença pra vir só fazer as provas. Então, levei pau, óbvio né, levei pau porque, apesar dos professores serem ruins, você precisa ter contato, diário, com a matéria, e com os colegas e, até com o professor, embora seja, sejam muito ruins, depois eu vi isso quando comecei a assistir aula, vi que não fazia muita diferença, em relação aos professores, mas em relação a, a você tá em contato com a matéria todo dia é importante né, é, levei pau, fiquei com CR baixíssimo, foi um horror. Agora, é foi basicamente isso (GONÇALVES, 2007, p. 50).
O item depois na amostra (93) acrescenta a informação de que “não faz
diferença a relação com os professores”, o que importa é dominar a matéria. O depois
apresenta um valor de constatação do que havia sido falado pelo informante.
Defendemos que esse uso se aplica mais à função de avaliar, conforme apresentam
Lopes e Morais (2000).
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Para Gonçalves (2007), o depois é um elemento que se mostra bastante
polissêmico, que parte de um ponto mais concreto (ESPAÇO), passa pelo nível
intermediário de abstração (TEMPO), gerando usos bem mais abstratos (TEXTO).
Desses usos, as formas mais básicas que dão início ao processo são os usos espacial
e temporal (advérbios) e as formas mais gramaticalizadas são os conectores
(sequencial, aditivo e contrastivo).
Bertuleza (2013) também faz estudo sobre o item depois no corpus de
dissertações e teses – DISSERTES. Desse modo, constata que nos gêneros
acadêmicos ocorrem os seguintes usos do item depois: espacial, sequencial temporal,
dêitico temporal, sequencial textual, indicador de futuridade, conector de tempo,
divisor de época, e introdutor de tópico.
O uso do depois espacial, como vimos, foi analisado nos trabalhos de
Martelotta (1994), Lopes e Morais (2000) e Gonçalves (2007), sendo considerado um
uso prototípico cuja função é indicar a sucessão no espaço. Por isso, nós o elegemos
para iniciar a análise, salientando que, sendo o sentido primeiro, ainda continua muito
frequente nos gêneros acadêmicos, possivelmente por ter um registro mais formal,
portanto, mais erudito.
Bertuleza (2013) ao analisar as ocorrências referentes ao item depois no
corpus DISSERTES, encontrou usos do depois espacial localizando um elemento no
espaço e, estruturalmente, vem acompanhado da preposição de, como apresenta a
amostra (94).
(94) No que diz respeito à posição que embora aparece com esses verbos, o item aparece, comumente, depois de seu complemento verbal, assim como nas ocorrências (27), (28) e (29), ou em menor recorrência, posposto ao verbo (114-D-26).
Conforme a amostra (94), a dissertação que trata sobre a gramaticalização de
“embora” apresenta, por meio do item depois, a localização do elemento “embora”
indicando que ele ocorre frequentemente nesse estudo após os complementos
verbais.
De acordo com Bertuleza (2013), o item depois, originalmente, indica uma
noção espacial, mas, em certos contextos, ocorre um uso metafórico em que a noção
de espaço que se remete a lugar se transfere para o espaço referente a tempo. Nos
estudos sobre esse item, essa noção de tempo do item depois é apresentada por meio
da sua característica de circunstanciador temporal. No entanto, há usos em que o
80
depois apresenta noção de tempo variada, inclusive como conector temporal.
Bertuleza (2013) apresenta os usos temporais assumidos pelo item depois nos
gêneros acadêmicos, quais sejam: sequencial temporal, dêitico temporal, indicador de
futuro, conector de tempo e depois divisor de época.
Um dos usos temporais, apresentados pelo item depois no corpus
DISSERTES, inclui sequencial temporal, que é o mais recorrente no corpus. Essa
função caracteriza-se como um uso que indica a sequência lógica dos fatos, ou seja,
a ordem cronológica dos acontecimentos, como em (95).
(95) De acordo com esse modelo, denominado top-down, o falante primeiro decide o propósito comunicativo, seleciona a informação mais adequada para atingir seus propósitos, depois codifica sua informação gramatical e fonológica e finalmente parte para a articulação (71-D-18).
Na amostra (95), o item depois apresenta a função de sequenciar o tempo dos
eventos. Notamos que, em (95), o item depois aparece sequenciando o modelo “top-
down”, indicando que, após o falante decidir o propósito comunicativo e selecionar o
propósito comunicativo, ele codifica a “informação gramatical”.
A função de depois dêitico temporal foi identificada nos textos acadêmicos,
assim como nos estudos já apresentados, como advérbio que indica uma
circunstância que tem a função de expressar uma sucessão no tempo, e não mais no
espaço, como em (96).
(96) Melo (1970: 237) critica os estudiosos que passaram a desconsiderar a correlação devido à NGB, afirmando que, apesar de ele manter sua posição, há aqueles que aceitam “a doutrina careada pela NGB”. Tal fato, explica ele, ocorre, ou porque já estivessem convencidos de tal doutrina ou porque se converteram depois, passando a dizer que as orações que ele continua a considerar correlativas são “subordinadas adverbiais” (105-D-29).
Conforme a amostra (96), o item depois deixa de fazer referência a uma
localização no espaço e passa a indicar uma sucessão temporal. Em (96), a amostra
do gênero dissertação apresenta o pensamento de Melo sobre a “correlação”. Para
ele, os estudiosos que desconsideraram o termo já estavam convencidos da “doutrina
da NGB” ou tinham se convertido em um momento posterior.
Há também ocorrências do item depois apresentando noção temporal de
referência ao futuro. Os trabalhos resenhados sobre o depois não mencionam essa
função, mas Bertuleza (2013) entende que, nesse uso, o item depois seguido de verbo
81
infinitivo é utilizado para referir-se a uma ocorrência em um tempo futuro, como mostra
(97).
(97) Os itens lexicais que se tornam gramaticalizados devem, primeiramente, servir a funções discursivas, tornando-se sintaticamente fixos para, depois virem a se constituir um morfema (25-D-25).
Conforme a amostra (97), o item depois é empregado fazendo referência a
um tempo em que o falante prevê uma ocorrência no futuro. Em (97), o item depois +
o verbo vir permitem implicar que os itens lexicais precisam primeiro se tornar fixos
para, no futuro, tornarem-se um morfema.
Outra função temporal assumida pelo item depois é a de conector de tempo
que ocorre em 3,3% das ocorrências. Esse uso localiza no tempo ações, eventos ou
estados de coisas do mundo real, e ocorre por meio do conector depois que, como
em (98). Vale ressaltar que, nos trabalhos de outros estudiosos, o uso da expressão
depois que também é apresentado com valor temporal. Para Lopes e Morais (2000),
independentemente da configuração sintática, o item funciona como um localizador
temporal.
(98) Depois que o item passa a ser utilizado em contextos que sugerem o significado novo e em contextos em que a leitura do significado fonte já não era mais possível, passa pelo contexto que o autor chama de convencionalização (14-D-26).
Na amostra (98), a construção depois que funciona como conector de tempo.
A expressão depois que introduz o enunciado, em que o autor da dissertação se refere
ao tempo em que um determinado elemento, após ser utilizado em determinados
contextos, passa a ser chamado de convencionalização.
No corpus DISSERTES ocorre também o uso temporal depois divisor de
época em 2,2% das ocorrências. Trata-se de um uso em que item marca uma
mudança na época passada para época da enunciação, como apresenta (99).
(99) Achamos importante fazer um estudo mais detalhado do pensamento de Said Ali, não só por ter sido quem tratou do assunto mais profundamente, como também porque teve grande influência em autores posteriores [...]. Ele é, assim, um marco no estudo deste ponto de nossa gramática: não só reflete uma tradição anterior, porque parte do que ensinam gramáticos anteriores, como apresenta uma visão pessoal e crítica do problema, que tem profunda repercussão posterior: pode-se dizer que depois dele praticamente não houve contribuição original à análise de LV.
82
Conforme (99), o item depois indica uma mudança de época, contrastando
entre passado e presente. Nesse caso, o item depois, presente na menção “depois
dele”, refere-se ao estudioso de gramática, Said Ali. No presente, após ele, não houve
mais contribuições originais à análise de LV.
Bertuleza (2013) mostra que o item depois também assume funções mais
relacionadas aos segmentos do texto, como sequenciador textual e introdutor de
tópico. Na condição de sequencial textual, o item depois enfraquece sua noção de
tempo e passa a assumir a função de organizar o texto. Como já apresentamos, esse
uso está presente nos estudos de Martelotta (1994), Lopes e Morais (2000) e
Gonçalves (2007). Nesse caso, o depois organiza, enumerando a ordem dos assuntos
abordados no texto, como em (100).
(100) A ordem de apresentação dos marcos predicativos (primeiro, o predicado e, depois, os argumentos) é apenas uma convenção, visto que a ordem real será definida apenas no nível das regras de expressão (175-D-28).
De acordo com a amostra (100), o item depois apresenta a progressão do
texto, contribuindo para o detalhamento da ordem na qual os eventos se encontram
nos gêneros acadêmicos. Em (100), o depois indica a ordem em que serão
apresentados os marcos predicativos no texto.
Outra função textual que Bertuleza (2013) apresenta é de depois introdutor de
tópico. Trata-se de um uso para introduzir um tópico ou um novo momento do
discurso, por meio de uma mudança no tópico ou no assunto, como mostra (101).
(101) Depois dos verbos de crença (por exemplo, crer, acreditar e achar), a autora afirma que a escolha de um determinado modo verbal depende do significado pretendido, entretanto, ela constatou que o MI aparece frequentemente depois desse tipo de verbo. O MS se torna mais frequente quando este tipo de verbo é negado na oração matriz, como em não crer, não achar (148-T-18).
Em (101), o uso do item depois ocorre introduzindo um tópico no qual
apresenta o pensamento de uma autora ao fato de que uma “escolha de um
determinado modo verbal depende do significado pretendido”.
Assim como nos trabalhos de Martelotta (1994), Lopes e Morais (2000) e
Gonçalves (2007), no estudo de Bertuleza (2013), os usos do item depois, de acordo
com os esquemas idealizados, seguem o esquema formal advérbio > conjunção >
marcador discursivo e o semântico ESPAÇO > TEMPO > TEXTO nos gêneros
83
acadêmicos dissertação de mestrado e tese de doutorado, embora com
especificidades mais caracterizadoras dos gêneros em questão. Em suma, os estudos
apresentados sobre o item depois mostram que esse item, além das funções espacial
e temporal, assume função textual de depois consecutivo, aditivo, contraste,
conclusivo e funções mais discursivas, como o depois avaliativo, argumentativo,
argumentativo interrogativo e marcador de continuidade discursiva.
À guisa de fechamento, por meio desses estudos sobre os itens antes, agora
e depois, verificamos que os autores resenhados reconhecem que esses itens
apresentam usos que parecem cumprir os esquemas idealizados: o formal advérbio >
conjunção > marcador discursivo e o semântico ESPAÇO > TEMPO > TEXTO. Essas
trajetórias nos motivaram, pois, a verificar se poderíamos encontrar também, nas
teses acadêmicas de diferentes áreas do conhecimento, essas funções ou outras mais
caracterizadoras dos textos a partir dos usos dos itens em questão nas unidades
retóricas constituintes do gênero.
84
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Esta seção apresenta os procedimentos metodológicos utilizados para a
busca dos usos de antes, agora e depois em textos acadêmicos. Nessa perspectiva,
usamos a abordagem teórica para o estudo das línguas que é caracterizada como
Linguística Funcionalista norte-americana, que estuda os fenômenos da mudança
linguística a partir da língua em uso. Na sequência, apresentamos as hipóteses e os
objetivos de pesquisa, conforme o objetivo geral apresentado na introdução deste
trabalho. Apresentamos também a teoria relativa à Linguística de Corpus, a partir da
qual norteamos a seleção e a elaboração do corpus. Além disso, fizemos a busca e o
tratamento dos dados, com base nas ferramentas do suíte WordSmith Tools (SCOTT,
2008) a fim de: recensearmos as categorias de análise; verificarmos as suas
frequências e a dos diferentes usos de antes, agora e depois nos textos acadêmicos
de diferentes áreas do conhecimento; e, finalmente, descrevermos cada uso,
conforme o cotexto e o contexto em que ocorrem.
4.1 OBJETIVOS E HIPÓTESES
Tendo realizado, no curso de mestrado, uma pesquisa sobre os usos de antes,
agora e depois em textos acadêmicos que pertenciam apenas à área de Linguística,
Bertuleza (2013) observou que esses itens apresentam funções que vão além da sua
função prototípica como advérbio. Em certos contextos, apresentam funções que
contribuem para a organização e a construção de sentido do texto acadêmico. Ela
mostrou que esses itens passam por um processo de gramaticalização, assumindo
funções mais gramaticais e realizando a trajetória advérbio > conjunção.
A partir dos resultados apresentados nessa pesquisa de mestrado em que
foram analisados textos acadêmicos que pertenciam apenas à área de Linguística, a
hipótese que ora nos guia é a de que os itens antes, agora e depois, em decorrência
da frequência dos usos e por meio da trajetória metafórica ESPAÇO > TEMPO >
TEXTO, assumem usos em conformidade com as diferentes unidades retóricas das
teses acadêmicas e usos preferenciais conforme as diferentes áreas do
conhecimento.
Com base no objetivo e na hipótese deste estudo, objetivamos, mais
especificamente:
85
Objetivo 1: verificar os diferentes usos dos itens antes, agora e depois,
conforme as diferentes unidades retóricas da tese acadêmica.
Hipótese 1: os itens antes, agora e depois desempenham funções mais
espaciais na introdução e na metodologia, mais temporais na fundamentação teórica
e mais textuais na discussão e na análise de dados das teses acadêmicas.
Objetivo 2: verificar os diferentes usos dos itens antes, agora e depois,
conforme as diferentes áreas de conhecimento.
Hipótese 2: as especificidades dos usos dos itens antes, agora e depois
diferenciam-se iconicamente numa proporção escalar: ciências factuais
naturais/funções temporais > ciências factuais culturais/funções textuais > ciências
formais/funções espaciais.
Objetivo 3: descrever os significados/funções dos itens antes, agora e depois,
segundo os aspectos relativos à dimensão formal e à dimensão significativa.
Hipótese 3: os itens antes, agora e depois ocorrem mais frequentemente com
usos mais temporais.
Objetivo 4: analisar as instâncias de mudança e de estabilidade dos
significados/funções dos itens antes, agora e depois.
Hipótese 4: os usos dos itens antes, agora e depois em teses acadêmicas
têm mais frequência na escala TEMPO >TEXTO.
4.2 CORPUS
Berber Sardinha (2004, p. 18) entende corpus como sendo um material
linguístico oral e/ou escrito que apresenta extensão e profundidade a fim de dar conta
de representar usos linguísticos específicos, pois os dados são organizados a partir
de critérios de composição determinados pelos objetivos de descrição e análise.
Esses dados dos corpora precisam estar dispostos em formato eletrônico,
possibilitando o processamento por programas de computador, o que permite o
domínio de quantidades extensas de informações que não poderiam ser tratadas
manualmente pelo pesquisador, ainda que tivesse uma grande equipe de
colaboradores.
86
Tal aspecto da extensão dos corpora é também esclarecido por Berber
Sardinha (2004) como critério de classificação, estabelecido numa variação de cinco
padrões, quais sejam:
(i) pequeno – quando a extensão é inferior a 80 mil palavras;
(ii) pequeno-médio – quando a quantidade de palavras fica entre 80 e 250
mil;
(iii) médio – quando esse número varia entre 250 mil e 1 milhão de palavras;
(iv) médio-grande – quando a extensão vai de 1 milhão a 10 milhões de
palavras;
(v) grande – a partir de 10 milhões de palavras.
Desse modo, o corpus deste trabalho é formado por teses de doutorado das
diferentes áreas de conhecimento, conforme a tabela de áreas do conhecimento do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. Tal tabela
tem finalidade prática, buscando proporcionar aos órgãos que atuam em Ciência e
Tecnologia de agregar as informações de maneira intuitiva, com agilidade e
funcionalidade. Ela se divide em quatro níveis, que vão do mais geral ao mais
específico, abrangendo 8 grandes áreas, 76 áreas e 340 subáreas do conhecimento,
quais sejam:
1º nível – Grande Área: agrupamento de diversas áreas do conhecimento a
partir da afinidade de seus objetos, métodos cognitivos e recursos instrumentais,
refletindo contextos sociopolíticos específicos.
2º nível – Área: conjunto de conhecimentos inter-relacionados, coletivamente
construído, segundo a natureza do objeto de investigação com finalidades de ensino,
pesquisa e aplicações práticas.
3º nível – Subárea: divisão da área do conhecimento formada em função do
objeto de estudo e de procedimentos metodológicos reconhecidos e amplamente
utilizados.
4º nível – Especialidade: caracterização temática da atividade de pesquisa e
ensino. Uma mesma especialidade pode ser enquadrada em diferentes grandes
áreas, áreas e subáreas.
Considerando que o corpus é constituído por teses de doutorado que atendem
os níveis e as áreas de conhecimento estabelecidos pelo CNPq, por razões
87
metodológicas, separamos essas áreas em três grupos, a saber: 1) ciências formais:
Ciências Exatas e da Terra; 2) ciências factuais naturais: Ciências Biológicas;
Ciências da Saúde; 3) ciências factuais culturais: Ciências Sociais Aplicadas; Ciências
Humanas; e Linguística, Letras e Artes.
Visando à homogeneidade do volume amostral analisado nos gêneros
acadêmicos, para esta pesquisa, selecionamos 24 (vinte e quatro) teses de 150 a 200
páginas, totalizando cerca de 1.000.000 de palavras; um corpus médio-grande,
portanto. Dessa forma, esse material constitui um corpus representativo do Português
Culto Brasileiro, norma exigida em trabalhos acadêmicos.
Como o corpus deste trabalho é formado por teses de doutorado, achamos
necessário definir o que entendemos por gênero e o que chamamos de texto
acadêmico, uma vez que, como o próprio Swales (1990) reconhece, falta clareza ao
conceito de gênero. O autor discute essa temática tendo como espelho quatro campos
de estudo: dos folcloristas, dos estudos literários, dos linguistas e da retórica até
formular sua própria definição, tendo o ensino em mente.
Então, para a noção de gênero, seguimos a definição proposta por Swales
(1990, p. 58):
Um gênero compreende uma classe de eventos comunicativos, cujos exemplares compartilham os mesmos propósitos comunicativos. Esses propósitos são reconhecidos pelos membros mais experientes da comunidade discursiva original e constituem a razão do gênero. A razão subjacente dá o contorno da estrutura esquemática do discurso e influencia e restringe as escolhas de conteúdo e estilo. O propósito comunicativo é o critério que é privilegiado e que faz com que o escopo do gênero se mantenha enfocado estreitamente em determinada ação retórica compatível com o gênero. Além do propósito, os exemplares do gênero demonstram padrões semelhantes, mas com variações em termos de estrutura, estilo, conteúdo e público-alvo. Se forem realizadas todas as expectativas em relação àquilo que é altamente provável para o gênero, o exemplar será visto pela comunidade discursiva original como um protótipo. Os gêneros têm nomes herdados e produzidos pelas comunidades discursivas e importados por outras comunidades. Esses nomes constituem uma comunicação etnográfica valiosa, porém normalmente precisam de validade adicional.
Para a noção de texto acadêmico, extraímos, sobretudo, da característica de
prototipicidade do gênero. Para Swales (1990), um texto será classificado como sendo
gênero, no caso, acadêmico, se possuir os traços especificados (estrutura
esquemática, estilo, conteúdo e público-alvo) em sua definição. Segundo o autor,
podem-se usar os critérios da semelhança com outros textos para a classificação no
gênero e, resultante dessa semelhança, os textos que mais plenamente se integram
88
ao gênero são os que parecem mais típicos entre todos exemplares de um grupo; são,
portanto, protótipos.
Nessa perspectiva, consideramos a tese como um texto escrito do gênero
acadêmico, que relata alguma investigação de nível de pós-graduação do ensino
superior, produzida por seus(suas) autores(as) com interesse de expor suas
descobertas ou discutir questões teóricas e/ou metodológicas. Segundo a ABNT, a
tese apresenta uma investigação original, constituindo-se em real contribuição para a
especialidade em questão, que concede ao candidato o título de doutor, o último de
escolaridade reconhecido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior – CAPES.
4.3 CATEGORIAS DE ANÁLISE
Esta subseção é dedicada à explanação das categorias de análise, que
permitem verificarmos as frequências e os diferentes usos de antes, agora e depois
nos textos acadêmicos. Primeiramente, apresentamos as unidades retóricas que
caracterizam o texto acadêmico; em seguida, as diferentes áreas do conhecimento; e
por último, as categorias relativas aos usos de antes, agora e depois.
4.3.1 Unidades retóricas do texto acadêmico
O estudo de textos dos gêneros acadêmicos ou, mais especificamente, dos
gêneros de pesquisa (artigos científicos, dissertações, monografias e teses de
doutorado) tem ganhado cada vez mais espaço no cenário das pesquisas sobre
linguagem, com o propósito de compreender os processos de construção de
significados e de refletir sobre sua organização discursiva e as diferentes formas de
expressão linguística, que definem esses gêneros por meio das diversas áreas de
conhecimento. Vale ressaltar que, ao analisar a estrutura das dissertações e teses,
podemos notar que esses gêneros seguem a mesma estrutura dos artigos de
pesquisa, conforme foi descrita no modelo IMRD (Introdução, Metodologia,
Resultados e Discussão) proposto por Hill, Soppelsa e West (1982, p. 335-338). No
entanto, após o IMRD, surgiu o modelo de análise proposto por Swales (1990), com o
objetivo de reconhecer a organização retórica do gênero a partir da distribuição de
informações recorrentes. Como já expomos, nosso interesse reside na estrutura
89
esquemática das teses na condição de texto acadêmico, com estilo, conteúdo e
público-alvo (áreas de conhecimento) relacionados aos usos do antes, agora e depois.
Nesse sentido, Motta-Roth e Hendges (2010) afirma que há uma progressão de
informações para a construção do texto acadêmico, cuja estrutura esquemática é
dividida nas seguintes seções: Introdução, Fundamentação teórica, Metodologia,
Análise dos dados e Conclusão, das quais trataremos a seguir.
4.3.1.1 UR Introdução
Na Introdução, é apresentado de forma clara e breve o conteúdo proposicional
do texto. Sugere-se que a introdução enfoque os seguintes aspectos: a) situação
problema; b) relevância do tema para a área (justificativa); c) trabalhos na área
(background); d) objetivos da pesquisa; e) orientação teórica; f) procedimentos
metodológicos; g) relevância social/acadêmica; e h) descrição da organização do texto
acadêmico quanto às seções que elabora.
4.3.1.2 UR Fundamentação teórica
Constitui o movimento que situa o trabalho na área maior de pesquisa e
apresenta os autores pertinentes à fundamentação do estudo. Segundo Sá e
Figueiredo-Gomes (2019), a seção de fundamentação teórica reúne um referencial
que dá embasamento à pesquisa, ou seja, ao texto acadêmico. Nela, estão presentes
os pressupostos, a teoria e seus conceitos, os construtos teóricos e termos
especializados que dão suporte à abordagem da pesquisa/trabalho, além de
apresentar os principais representantes.
4.3.1.3 UR Metodologia
Em relação à Metodologia, Motta-Roth (2001) expõe que essa seção visa
descrever os materiais e os métodos empregados na pesquisa. É a unidade que
apresenta o corpus, as hipóteses e ainda indica os percursos utilizados
90
(recenseamento, coleta e tratamento dos dados) para se chegar a determinados
resultados.
4.3.1.4 UR Análises dos dados e resultados
A seção de análise dos dados e resultados é a parte mais significativa do texto
acadêmico, pois apresenta a descrição de dados alcançados e suas respectivas
interpretações. De acordo com Motta-Rotth (2010), essa unidade retórica é
organizada a partir de oito movimentos, quais sejam: i) recapitulação de informações
metodológicas, em que se recordam as etapas de análise do estudo; ii) declaração
dos resultados, é um movimento que descreve e apresenta tabelas e gráficos com
estatísticas; iii) explicação do final in(esperado), expõe a discussão e a interpretação
dos dados da pesquisa; iv) avaliação da descoberta, avalia os resultados depois de
serem explicados; v) comparação da descoberta com a literatura, faz comparação
com as afirmações feitas com a fundamentação teórica da área; vi) generalização, faz
generalizações para o estudo ou para a área em que o estudo está inserido; vii)
resumo, apresenta as partes mais relevantes do trabalho; viii) conclusão, que pode
aparecer nessa unidade retórica ou em uma seção à parte, resume e interpreta os
resultados alcançados e pode recomendar futuros estudos mais aprofundados.
4.3.1.5 UR Conclusão
Motta-Roth e Hendges (2010) explicam que na conclusão é feito um resumo
daquilo que foi feito e a indicação da importância do trabalho para a área em que se
insere. Fuchs e Souza (2009) expõem que a conclusão realiza um movimento inverso
ao que se faz na introdução: enquanto esta seção faz uma delimitação do tema
estudado, partindo de um universo até chegar a um objeto, aquela amplia novamente
o tema do objeto até chegar ao universo. Geralmente, apresenta uma síntese dos
achados, dos objetivos alcançados, da validade da teoria, das contribuições da
pesquisa e das temáticas para trabalhos futuros.
91
4.3.2 Áreas do conhecimento
Segundo Lakatos e Marconi (1985), a diversidade de fenômenos que ocorrem
no universo conduziu ao surgimento de diferentes campos de estudo e ciências
específicas, que necessitaram de uma classificação, com base na sua ordem de
complexidade ou no seu conteúdo. Auguste Comte apresentou uma das primeiras
classificações em que as ciências são divididas pela forma crescente de complexidade
(LAKATOS; MARCONI, 1985). Surgiram muitas outras, a partir da de Comte: Rudolf
Carnap, por exemplo, apresentou uma classificação de acordo com o conteúdo.
Carnap expõe que as ciências se dividem em: i) formais – constitui-se por enunciados
analíticos, a verdade relaciona-se ao significado de seus termos ou estrutura lógica;
ii) factuais – apresenta enunciados analíticos, mas contêm principalmente os
sintéticos, a verdade depende do significado dos fatos a que se referem (LAKATOS;
MARCONI, 1985). Não existe um consenso entre os autores das classificações. Com
base em Bunge (1976 apud LAKATOS; MARCONI, 1985), temos: ciências formais,
ciências factuais naturais e ciências factuais culturais, que explanaremos a seguir.
4.3.2.1 Ciências formais
As ciências formais se preocupam com os processos puramente lógicos e
matemáticos. São objetos de estudo das ciências formais os sistemas formais, a
Lógica, a Matemática, a Teoria dos sistemas e os aspectos teóricos da Ciência
Computacional, a Teoria da Informação, a Microeconomia, a Teoria da decisão, a
Estatística, entre outros.
4.3.2.2 Ciências factuais naturais
As ciências factuais naturais estudam o universo, que é compreendido como
regulado por regras ou leis de origem natural, ou seja, os aspectos físicos e não
humanos.
92
4.3.2.3 Ciências factuais culturais
Também chamadas de Ciências Sociais, estudam os aspectos sociais do
mundo humano, em outras palavras, a vida social de indivíduos e grupos humanos.
Isso inclui: Antropologia, Estudos da Comunicação, Economia, Geografia Humana,
História, Linguística, Ciências Políticas, Psicologia e Sociologia.
4.3.3 Categorias dos usos do antes
Em relação ao item antes, com base na revisão da literatura, selecionamos,
para a busca, as funções: antes espacial, temporal, conector de tempo, divisor de
época, redirecionador de tópico e sequencial textual.
4.3.3.1 Metáfora ESPAÇO do antes
O antes espacial apresenta uma relação de ordem do domínio do espaço,
em que há um movimento potencial do polo inicial na direção do polo alvo final, sendo
o espaço referenciado. Como ilustração, retomamos a amostra (14) 3:
(14) O exemplo (26) segue a linha de mostrar um argumento máximo em uma escala em direção a uma conclusão, ou seja, um político pode mudar bastante, mudar seu discurso, mudar de partido, mudar até de opinião, mas no final nada dá certo. Nesse caso, a argumentação promove uma concessão, até mesmo pela presença da expressão “tudo bem” antes do argumento (150-D-15).
4.3.3.2 Metáfora TEMPO do antes
A função de antes temporal apresenta uma relação de precedência temporal,
a partir de um ponto de referência que pode pertencer à esfera do presente, passado
ou do futuro, conforme apresentamos em (16).
(16) Apesar da necessidade de equivalência entre os advérbios already e finally, eles contêm uma carga semântica diferente. O primeiro expressa que a mudança para o estado positivo ocorre antes do previsto, e o segundo, que ocorre relativamente tarde e, portanto, depois do previsto (52-D-18).
3 Conservamos a identificação numérica apresentada na Seção 2 para a referência autoral das amostras.
93
A função de antes conector de tempo é exercida por meio das construções
antes que e antes de. Indica semanticamente a relação de anterioridade temporal dos
eventos contidos entre frases de um enunciado complexo, como já mostramos em
(18).
(18) Outro ponto a ser destacado é que não constitui problema o fato de nem todas as relações semânticas disporem de codificações sintáticas correspondentes a cada ponto do continuum. Braga (2001) explica que o processo de gramaticalização pode ser interrompido a meio do caminho, antes que as formas alcancem os estágios mais avançados (D-29).
Em relação ao antes divisor de época, trata-se de um uso que faz referência
a uma situação que era no passado de uma forma e na época atual da enunciação
não é mais, como já visto em (21).
(21) Dessa forma, os estudiosos que escolheram a fala como objeto de estudo começaram a considerar a língua como uma atividade, uma forma de ação e fatores, como quem falou, em que condição falou e para quem falou, antes ignorados, passaram a ter uma importância especial (96-T-16).
4.3.3.3 Metáfora TEXTO do antes
O antes redirecionador de tópico ocorre quando o item antes introduz um
novo tópico, explicando a mudança linear do conteúdo que será tratado
posteriormente, conforme mostrado em (22).
(22) Na maioria das definições clássicas de gramaticalização, os autores partem do pressuposto de que o processo se dá num caminho unidirecional, ou seja, sempre do lexical para o gramatical ou do menos gramatical para o mais gramatical, e não ao contrário. Antes de apresentar a importância da unidirecionalidade nos estudos da gramaticalização, é necessário expor a noção de cline oferecida por alguns autores (109-D-25).
No uso de antes sequencial textual, o item antes ocorre como um
organizador textual, que tem a função de preparar o tópico, introduzindo uma
informação preliminar para o assunto a ser apresentado, como em (24).
(24) Com este trabalho, pretendeu-se, antes de tudo, mostrar que o uso determina diretamente a classificação de um item lingüístico. Dessa forma, espera-se que tenha ficado claro que apenas em função do uso na língua pode-se classificar cada uma das ocorrências do item até (66-D-15).
94
4.3.4 Categorias dos usos do agora
Em relação ao item agora, selecionamos, com base na revisão da literatura,
para a busca, as funções: agora dêitico temporal, mudança de estado, divisor de
época, introdutor de tópico e sequencial.
4.3.4.1 Metáfora TEMPO do agora
O agora dêitico temporal é visto como um advérbio temporal e apresenta as
seguintes características: + referência presente, + circunstanciação verbal e +
mobilidade, equivale semanticamente a “neste momento” ou “no momento presente”,
como pode ser visto na retomada do excerto (62).
(62) Resta agora observar o comportamento das modais introduzidas pela locução SEM QUE, no que tange à mobilidade posicional (73-D-21).
Função temporal de agora mudança de estado equivale semanticamente a
“a partir desse momento”, como em (64).
(64) A contração de para com o artigo a era esperada neste contexto, porque no registro de fala coloquial este tipo de contração (pra) é usual. O gênero de Unicamp foi alterado e agora é masculino: Unicampo, mas o seu determinante continua feminino: a Unicampo (127-D-30).
Quanto ao agora divisor de época, trata-se de um uso em que o item faz
referência a uma situação que era no passado de uma forma e no momento da
enunciação não é mais, conforme apresentado no (66).
(66) Todavia, diferentemente de (32), em que o operador argumentativo era apenas o item até, sendo que o que não podia ser retirado da sentença sem prejuízos sintáticos, por ser uma conjunção integrante, agora o que se chama de operador argumentativo é o grupo até que, já que ele, em bloco, serve ao discurso (26-D-15).
4.3.4.2 Metáfora TEXTO do agora
No uso de agora introdutor de tópico, o item insere um tópico ou um novo
momento do discurso por meio de uma mudança no tópico ou no assunto tratado,
como em (69).
95
(69) Vimos que era preciso, então, excluir as ocorrências com os principais ser e ter, além dos modais. Com essa nova rodada, obtivemos um percentual de 24% de ocorrência da forma nova entre os verbos de segunda conjugação, amalgamando F e P. Agora, com o índice de 60% de ocorrência da forma nova entre verbos de 2ª conjugação e de uma sílaba, podemos concluir que, com exceção dos verbos mais frequentes na língua e de morfologia mais marcada, a exemplo de ser e ter, o processo de mudança já atingiu essa conjugação na escrita (06-D-17).
Em relação ao agora sequencial, o item dá continuidade à sequência de
eventos ou a ações no contexto em que está inserido. Trata-se de um uso em que
existe uma fluidez entre o registro escrito e a localização espacial no texto, como visto
em (68).
(68) Uma vez confirmada a capacidade de discriminação e de esquematização dos informantes, cabe agora discutir o nível dessa granularidade e a força de coesão entre os grupos (91-T-23).
4.3.5 Categorias dos usos do depois
Em relação ao item depois, selecionamos, para a busca, com base na revisão
da literatura, as funções: depois espacial, dêitico temporal, sequencial temporal,
indicador de futuridade, conector de tempo, divisor de época, introdutor de tópico e
sequencial textual.
4.3.5.1 Metáfora ESPAÇO do depois
O depois espacial apresenta um valor espacial com sentido de localização,
de acordo com o excerto (94) retomado a seguir.
(94) No que diz respeito à posição que embora aparece com esses verbos, o item aparece, comumente, depois de seu complemento verbal, assim como nas ocorrências (27), (28) e (29), ou em menor recorrência, posposto ao verbo (114-D-26).
4.3.5.2 Metáfora TEMPO do depois
A função de depois dêitico temporal expressa uma sucessão no tempo e
não no espaço, podendo vir acompanhado de outra indicação temporal, como em (96).
(96) Melo (1970: 237) critica os estudiosos que passaram a desconsiderar a correlação devido à NGB, afirmando que, apesar de ele manter sua posição, há aqueles que aceitam “a doutrina careada pela NGB”. Tal fato, explica ele,
96
ocorre, ou porque já estivessem convencidos de tal doutrina ou porque se converteram depois, passando a dizer que as orações que ele continua a considerar correlativas são “subordinadas adverbiais” (105-D-29).
A função de depois sequencial temporal caracteriza-se como um uso que
apresenta a sequência lógica dos fatos, ou seja, a ordem cronológica dos
acontecimentos, conforme apresentado em (95).
(95) De acordo com esse modelo, denominado top-down, o falante primeiro decide o propósito comunicativo, seleciona a informação mais adequada para atingir seus propósitos, depois codifica sua informação gramatical e fonológica e finalmente parte para a articulação (71-D-18).
No uso de depois indicador de futuridade, o item depois seguido de verbo
infinitivo é utilizado para referir-se a uma ocorrência em um tempo futuro, como visto
em (97).
(97) Os itens lexicais que se tornam gramaticalizados devem, primeiramente, servir a funções discursivas, tornando-se sintaticamente fixos para, depois virem a se constituir um morfema. (25-D-25)
O uso de depois conector de tempo tem como função localizar no tempo
ações, eventos ou estados de coisas do mundo real, e ocorre por meio do conector
depois que, como em (98).
(98) Depois que o item passa a ser utilizado em contextos que sugerem o significado novo e em contextos em que a leitura do significado fonte já não era mais possível, passa pelo contexto que o autor chama de convencionalização (14-D-26).
Quanto ao depois divisor de época, trata-se de um uso em que item marca
uma mudança na época passada para a da enunciação, conforme (102).
(102) Talvez, nossa percepção a respeito da variação encontrada nos dados coletados na década de 1990 e que compõe o Banco de Dados do VARSUL seja diferente do que ocorra hoje, 15 anos depois (161-T-18).
4.3.5.3 Metáfora TEXTO do depois
O depois introdutor de tópico tem como função introduzir um tópico ou um
novo momento do discurso por meio de uma mudança no tópico ou no assunto,
conforme retomamos (101).
97
(101) Depois dos verbos de crença (por exemplo, crer, acreditar e achar), a autora afirma que a escolha de um determinado modo verbal depende do significado pretendido, entretanto, ela constatou que o MI aparece freqüentemente depois desse tipo de verbo. O MS se torna mais freqüente quando este tipo de verbo é negado na oração matriz, como em não crer, não achar (148-T-18).
Já o depois sequencial textual organiza o texto enumerando a ordem dos
assuntos abordados, como em (103).
(103) Em primeiro lugar, será feita uma comparação entre os dois grupos semânticos de verbos, o cognitivo e o volitivo. Depois será feita a análise dos verbos de cada grupo (77-T-10).
4.4 LINGUÍSTICA DE CORPUS NA BUSCA E NO TRATAMENTO DOS DADOS
A Linguística de Corpus (LC), de acordo com Berber Sardinha (2004, p. 3),
dedica-se à “coleta e a exploração de corpora, ou conjunto de dados linguísticos
textuais coletados criteriosamente, com propósito de servirem para a pesquisa de uma
língua ou variedade linguística”. A LC pode ser empregada nas pesquisas em
linguagem como metodologia, pois apresenta um conjunto de elementos importantes
ao linguista que tenha o propósito de trabalhar com grande quantidade de textos.
Corpus é entendido por essa perspectiva como um conjunto de textos que
pode representar aspectos linguísticos que ocorrem em uma determinada língua,
como um pedaço da realidade linguística ou diferentes aspectos de uso dessa língua
em uma determinada comunidade linguística. Segundo a LC, um corpus pode ser
monolíngue, bilíngue ou multilíngue, em outras palavras, formar-se de somente uma
língua ou de várias. Sob um viés metodológico, é necessário observar alguns
aspectos como amostragem, representatividade e quantidade de textos.
Berber Sardinha (2004) afirma ainda que a análise da frequência é importante,
pois apresenta um traço dos usos dos falantes da língua em contextos específicos e
está ligada a fenômenos importantes, como, por exemplo, explicar a mudança da
língua ao longo do tempo. Desse modo, para a análise dos usos de antes, agora e
depois em textos acadêmicos, utilizamos uma das ferramentas da Linguística de
Corpus, que apresentamos na subseção que segue.
98
4.4.1 O Software WordSmith Tools
Para o tratamento dos dados, obedecemos aos seguintes passos: após
termos selecionados as teses, fizemos a conversão do formato *pdf (Adobe Reader)
dos textos acadêmicos para o formato *txt, extensão necessária à aplicação do
programa WordSmith Tools (SCOTT, 2008), um suíte de grande valia para os
pesquisadores da Linguística de Corpus que possibilita a coleta de amostras de usos
da linguagem. Segundo Berber Sardinha (2004), existem diversos motivos pela
preferência do programa, com os quais concordamos e mostramos a seguir.
O primeiro motivo é a facilidade de uso; o segundo é que, por ser um programa
que funciona num ambiente gráfico como Windows, permite mais usabilidade na
utilização dos recursos sendo de fácil aprendizado; o terceiro motivo é a facilidade
para obter o programa, pois é distribuído por uma grande editora internacional da
Oxford University Press e também disponível via internet; e o quarto motivo é a sua
versatilidade, pois o programa permite entender a organização de dados da língua e
a análise de amostras isoladas. Ademais, o programa WordSmith Tools apresenta três
ferramentas, quais sejam: o WordList, que permite gerar listas contendo todas as
palavras do arquivo ou arquivos selecionados, organizadas em conjunto com suas
frequências absolutas e percentuais; o Concord, que estabelece concordâncias de
uma palavra específica com partes do texto onde esta ocorreu; e o KeyWords, que
coleta palavras de acordo com a frequência.
Nesta pesquisa, o programa WordSmith Tools contribuiu para a coleta de
amostras em que ocorrem usos de antes, agora e depois em textos acadêmicos e
para o cálculo de frequência desses usos. O programa permitiu também listarmos as
concordâncias dos itens antes, agora e depois com os outros elementos que são
usados no texto e extrairmos as amostras para a análise dos usos em comum.
A seção que segue é a de exposição e análise dos dados, na qual tratamos
dos usos e funções desempenhados pelos itens antes, agora e depois em teses de
doutorado.
99
5 A MULTIFUNCIONALIDADE DE ANTES, AGORA E DEPOIS EM TESES DE
DOUTORADO
Apresentamos, nesta seção, os resultados obtidos na análise dos itens antes,
agora e depois realizada no texto acadêmico tese de doutorado. A sequência da
análise contempla inicialmente: usos de antes, agora e depois segundo as Unidades
Retóricas (UR) da tese acadêmica por meio da frequência dos usos e funções do
antes; funções do antes conforme áreas do conhecimento; usos e funções do agora;
funções do agora conforme áreas do conhecimento; usos e funções do depois e
funções do depois conforme áreas do conhecimento. Apresentamos, ainda, as
considerações sobre as posições de antes, agora e depois. Por fim, discutimos sobre
a gramaticalização dos itens antes, agora e depois nas teses de doutorado.
5.1 USOS E FUNÇÕES DO ANTES, AGORA E DEPOIS SEGUNDO AS UR DA TESE
ACADÊMICA E AS ÁREAS DE CONHECIMENTO
Nesta subseção, apresentamos os usos de antes, agora e depois segundo
cinco UR do texto acadêmico tese de doutorado (Introdução, Metodologia, Referencial
teórico, Resultados e Conclusão), com o propósito de verificar quais usos/funções
esses itens desempenham nas unidades retóricas da tese acadêmica. Segundo Koch
(1996), as relações do tipo discursivo, também chamadas de pragmáticas,
argumentativas, retóricas ou ideológicas, são responsáveis pela estruturação de
enunciados em textos, por meio de ligações sucessivas de enunciados. Essa ligação
é feita, comumente, por meio de operadores argumentativos que têm por função dar
orientação argumentativa ao texto, ou seja, guiam o sentido do texto em uma
determinada direção, agindo como importantes marcas da enunciação.
Koch (2004) afirma que o uso da linguagem é primeiramente argumentativo.
Nesse sentido, o falante busca formar seus enunciados de determinada força
argumentativa, sendo que, para isso, faz uso dos operadores argumentativos que
compõem a gramática da língua.
De acordo com Vogt (1980), os operadores argumentativos relacionam-se a
marcadores de subjetividade com a função de orientar a sequência discursiva de um
enunciado, levando o interlocutor à determinada conclusão. Entre os operadores, há
uma série de elementos que, na esfera da gramática normativa, pertence a várias
100
classes gramaticais: conjunção, preposição, advérbio, pronome e outras palavras que,
conforme alguns gramáticos, não se enquadram nas referidas classes.
Partindo desse entendimento sobre heterogeneidade das classes
gramaticais, ratificamos o nosso interesse em estudar a classe dos advérbios, que é
de longa data. Entendemos que se trata de uma classe que vai além da sua função
prototípica como advérbio, e, em certos contextos, apresenta funções que contribuem
para a organização e a construção de sentido do texto acadêmico.
Cientes de que muitos dos compêndios gramaticais existentes tratam os
advérbios do ponto de vista normativo, destacamos a necessidade de se
desenvolverem estudos como este, cujo foco é a descrição da língua em situações
reais de uso, especialmente no que diz respeito aos advérbios, que configuram
categoria não discreta e bastante heterogênea. Desse modo, alinhando-nos com
outros trabalhos de perspectiva linguística sobre o tema, procuramos, por meio de
estudos, como a presente tese e a dissertação de Bertuleza (2013), tratar de questões
relativas à gramaticalização, desenvolvendo pesquisas sobre os itens antes, agora e
depois.
O aparecimento de novas funções para formas que já existem e de novas
formas para funções já existentes são provas de que a renovação do sistema
linguístico é constante. Nesse sentido, Hopper (1987) ressalta que o estatuto
gramatical das línguas vai sendo constantemente negociado na fala a partir de
estratégias de construção do discurso. Sob essa ótica, a língua é entendida como
atividade em tempo real, não tendo, a rigor, gramática como produto acabado, mas
em constante gramaticalização.
Partimos do princípio de que um elemento apresenta, em certos contextos
reais de comunicação, outras funções que não são apresentadas nos compêndios
gramaticais. Nesta pesquisa, postulamos que os itens antes, agora e depois nos
textos acadêmicos apresentam novas funções diferentes da sua função prototípica
como advérbio. Nesta subseção, analisamos os dados sobre a gramaticalização de
antes, agora e depois à luz do arcabouço teórico apresentado anteriormente.
A rigor, os dados são relacionados com os pressupostos teóricos da
Linguística Funcional norte-americana, por conseguinte, em determinados momentos,
torna-se necessário retomar aspectos da teoria nesta seção. Por fim, são
apresentadas considerações sobre os resultados obtidos no intuito de verificar a
hipótese de que os itens antes, agora e depois que, etimologicamente são advérbios
101
temporais, também assumem valores, funções e usos diferentes nos textos
acadêmicos.
Passemos às análises das funções desempenhadas pelos itens antes, agora
e depois em teses de doutorado. Na subseção a seguir, tratamos dos usos/funções
do item antes e em subseções posteriores dos itens agora e depois.
5.1.1 Usos e funções do antes
O antes, do ponto de vista etimológico, apresenta um significado espacial e
temporal. Esse item advém do latim ante, preposição que significa diante de e também
antes, na esfera do tempo. Corominas e Pascual dizem que, na Idade Média, ante
surge quer como advérbio, quer como preposição, com significado espacial e temporal
(MAGNE, 1952). De acordo com Magne (1952, p. 311-312), antes era empregado
como advérbio e preposição no latim para indicar prioridade no espaço ou no tempo:
em frente de, diante, antes, anteriormente, primeiro.
Segundo Meillet (1948), o papel da repetição na mudança das formas
gramaticais direciona à habitualização: a) a cada vez que um item linguístico é
utilizado, seu valor expressivo diminui; e b) uma palavra não é entendida duas vezes
com a mesma intensidade. De acordo com Bybee (2003), a gramaticalização é
sempre acompanhada pelo aumento da frequência do uso do item/construção. Esse
aumento é, simultaneamente, resultado e contribuinte do processo, pois a repetição
tem determinados efeitos nas mudanças ocorridas na gramaticalização. Sob o critério
da marcação, a estrutura marcada tende a ser menos frequente do que a estrutura
não marcada correspondente.
De acordo com Silva (2015), a Linguística Funcional entende que a frequência
de uso de uma forma linguística (lexical ou gramatical) permite seu estabelecimento
no repertorio do falante, fazendo dela uma unidade de processamento que faz com
que o falante explore os recursos linguísticos disponíveis para chegar a seus
propósitos comunicativos. A frequência de uso, nessa perspectiva, pode ser
considerada como a iniciadora de todo o processo, afetando a semântica por
promover mudança; e também a morfossintaxe, por assegurar a preservação de uma
forma anterior. Desse modo, apresentamos, na ordem decrescente, a frequência dos
usos de antes que foram encontrados nas cinco UR das teses de doutorado, conforme
Tabela 1.
102
Tabela 1 – Frequência das funções de antes nas UR
UNIDADES RETÓRICAS
FUNÇÕES IN-TRO-DU-ÇÃO
METODOLOGIA
REFEREN-CIAL TEÓRICO
RESULTA-DOS
CONCLU-SÃO
TOTAL %
MET – 11 (7,6%)
39 (27,2%)
31 (21,6%)
02 (1,3%)
83 (58%)
MED – – 19 (13,2%)
10 (6,9 %)
02 (1,3%)
31 (21,6%)
SEQUEN-CIAL TEXTUAL
– 05 (3,4%)
08 (5,5%)
04 (2,7%)
– 17 (11,8%)
SEQUENCIA-DOR RETOMA-DOR
– – 02 (1,3%)
05 (3,4%)
– 07 (4,8%)
REFORMU-LADOR RETIFICATI-VO
– 02 (1,3%)
01 (0.6%)
01 (0.6%)
– 04 (2,7%)
ESPACIAL – – 01 (0.6%)
– – 01 (0.6%)
TOTAL – 18 (12,5%)
70 (48,9%)
51 (35,6%)
04 (2,7%)
143 (100%)
Fonte: Elaboração para esta pesquisa
Conforme mostra a Tabela 1, o uso do item antes ocorre na maioria das UR
que compõem as teses analisadas, não havendo uso desse item apenas na UR
Introdução. Os dados percentuais mostram que as unidades mais propícias ao uso do
item antes são as UR Referencial teórico, com 48,9% de ocorrências; seguidas da UR
Resultados, com 35,6%, o que se explica pelo volume textual que normalmente
compõe essas unidades. Os dados revelam ainda que o item antes é mais usado na
função de operador argumentativo de mudança de estado temporal (MET), pois detém
a maior frequência de uso, com 58% das ocorrências; contra 21,6% na função de
operador argumentativo de mudança de estado discursivo (MED); 11,8% como
sequencial textual; 4,8% na função de sequenciador retomador; 2,7% na função
reformulador retificativo; e 0,6% na função espacial.
Essas constatações parecem comprovar a hipótese de que o item antes é
multifuncional e, pela distribuição da frequência, segue um trajeto de mudança. Esse
posicionamento já foi defendido por outros estudos que tratam da gramaticalização de
itens ou construções, como os estudos de Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991) e
103
Hopper e Traugott (2003), que confirmam o pressuposto de que a sintaxe emerge do
uso. Vejamos, pois, a exposição e a análise das funções desempenhadas pelo item
antes nos textos acadêmicos do corpus utilizado, segundo os usos desse item nas
cinco UR das teses de doutorado, obedecendo ao critério do total de frequência
constante da Tabela 1.
5.1.1.1 Antes operador argumentativo de mudança de estado temporal (MET)
Koch (1987) define o operador argumentativo antes como um sequenciador
do tempo que exprime a ordem dos acontecimentos em um dado estado de coisas do
mundo real. Observando o comportamento desse operador argumentativo,
denominamo-lo de operador argumentativo de mudança de estado temporal. É o uso
mais frequente no corpus em estudo, presente em 58% das ocorrências. Essa função
ocorre em uma tendência escalar nas UR: Referencial teórico > Resultados >
Metodologia > Conclusão.
A amostra (104) apresenta o uso do antes operador argumentativo de
mudança de estado temporal na UR Referencial teórico.
(104) Em 2013, a internet chega à maioridade no Brasil com status de multiplicadora não apenas de informações e plataformas de acesso a elas, mas de vozes, ou seja, espaço para todos se manifestarem. Antes, o acesso à informação era caro, raro e difícil. Atualmente, “além do volume de dados inapreensível pela sua magnitude, a rede conta com fornecedores de todo tipo (03-REFER-T-16-CSO-COMUNICAÇÃO)4.
Em (104), é possível perceber que o pós-graduado faz uso do item antes para
estabelecer uma relação de precedência temporal com ponto de referência no
passado em que o “acesso à informação era caro, raro e difícil”. Essa relação de
precedência temporal se mostra pelo uso de outro operador “atualmente” que situa
essa mudança de estado temporal.
A proposição (105) representa um dos usos do antes operador argumentativo
de mudança de estado temporal na UR Resultados.
(105) Assim, construímos o entendimento de que, a partir da LDB de 1996, para ser professor é preciso, passar inicialmente, pela formação em nível superior, o que, antes, não acontecia (70-RESULT-T-18-CH-EDUCAÇÃO).
4 A identificação das amostras tem a sequência: número da ocorrência – UR – T(tese) – número da tese – Grande área – subárea.
104
Conforme a amostra (105), notamos que o item antes ocorre como operador
argumentativo de mudança de estado temporal, pois apresenta traços de mais
referência no passado, uma vez que o escrevente da tese faz uso desse item na UR
resultados para expor que, no passado, para ser professor, não era preciso ter
formação em nível superior.
A amostra (106) constitui uma das ocorrências do antes operador
argumentativo de mudança de estado temporal presente na UR Metodologia.
(106) A grande contribuição dessa teoria foi a de mostrar que as diferenças na forma – antes vistas como imotivadas, livres e referencialmente sem significado – podem estar associadas, na verdade, a diferentes significados, desde que se assuma que o significado social e estilístico esteja no mesmo nível de importância do significado referencial, ou primário (40-METOD-T-23-LING).
Conforme amostra (106), podemos dizer que o item antes expressa uma
relação de precedência temporal. O escrevente da tese faz uso do item antes para
fazer referência à mudança de estado em que, no passado, as diferenças na forma
eram vistas como “imotivadas, livres e referencialmente sem significado”. Por ser uma
UR voltada para a descrição dos materiais e dos métodos empregados na pesquisa,
podemos afirmar que esse contexto de descrição favorece o uso do antes na condição
de ordenar os acontecimentos em um dado estado de coisas, assim funcionando
como um operador argumentativo de mudança de estado temporal.
A amostra (107) ilustra o uso do antes operador argumentativo de mudança
de estado temporal na UR Conclusão.
(107) Atitudes hermenêuticas implicam em processos interpretativo-compreensivos, favorecendo um entendimento sobre algo e a apropriação de uma situação ou de aspectos dela que antes não estavam claros e que, por alguma razão, tornaram-se problemáticos, ou seja, que merecem ser repensados (04-CONCLU-T-10-CSA-ENFERMAGEM).
Em (107), o item antes também é usado pelo pós-graduado para estabelecer
uma relação de precedência temporal com ponto de referência no passado em que
não ficavam evidentes os aspectos sobre atitudes hermenêuticas.
105
5.1.1.2 Antes operador argumentativo de mudança de estado discursivo (MED)
Conforme Lopes e Morais (2000), o item antes pode apresentar ainda um valor
de natureza temporal, mas com uma função discursiva claramente associada a esse
valor. De acordo com a literatura linguística, o conceito mais associado a essa função
é o de que atua na organização do discurso, a partir de aspectos intratextuais,
iniciando turno e na mudança de assunto ou de turno. Denominamos o uso dessa
função do item antes como operador argumentativo de mudança de estado discursivo.
Em nosso corpus, o item antes assume essa função de MED, em uma
tendência escalar, nas UR: Referencial teórico > Resultados > Conclusão. Com a
amostra (108), apresentamos o uso do antes operador argumentativo de mudança de
estado discursivo presente na UR Referencial teórico.
(108) As teorizações sobre a exterioridade ocuparam amplo espaço no interior do primeiro capítulo da tese, razão porque aqui não mais o tomarei como objeto de novas teorizações. Antes, o continuum exterioridade/ interioridade passa a funcionar como categoria entre as demais categorias teóricoanalíticas mobilizadas para o trabalho de análise do corpus (46-REFER-T-21-CH-ANÁLISEDODISCURSO).
Na amostra (108), o item antes ocorre na abertura de turno/tópico. O
escrevente da tese usa o antes para iniciar um novo turno/tópico que ainda está
associado ao tópico anterior, pois a amostra começa expondo que, no primeiro
capítulo da tese, tratou-se sobre o aspecto da exterioridade. No entanto, no fluxo
textual, o escrevente inicia um novo tópico, o qual é introduzido pelo item antes, que
reforça o assunto da exterioridade como categoria “teórico-analítica”.
Na UR Resultados, o antes também funciona como operador argumentativo
de mudança de estado discursivo, conforme a amostra (109).
(109) Esse Plano Estadual de Segurança Pública reúne mais de 140 projetos, distribuídos em seis linhas de ação, a saber: repressão qualificada; aperfeiçoamento institucional; informação e gestão do conhecimento; formação e capacitação; prevenção social do crime e da violência; e gestão democrática. Antes de apresentar os projetos, o plano expõe um diagnóstico da situação de insegurança em Pernambuco, tanto do ponto de vista socioeconômico quanto da violência e criminalidade (48-RESULT-T-13-CSO-SERVIÇOSOCIAL).
Em (109), já como locução prepositiva, antes de aumentou o volume da
estrutura do uso do antes ao integrar-se com a preposição, segundo os princípios de
iconicidade e marcação; também parece se incumbir da função de operador
106
argumentativo de mudança de estado discursivo. O autor da tese faz uso dessa
locução para encabeçar um novo turno/tópico, que ainda está associado ao tópico
anterior, assinalando a organização do discurso descritivo em relação ao plano
estadual de segurança pública.
Na amostra (110), apresentamos o antes operador argumentativo de
mudança de estado discursivo na UR Conclusão.
(110) Esse trabalho pode tornar a tarefa dos profissionais da educação mais gratificante e, com isso, todos os atores institucionais serão beneficiados, inclusive o psicólogo que terá o seu trabalho ampliado. Antes de isso ocorrer faz-se necessária a análise dos pactos firmados entre as instituições saúde e educação (07-CONCLU-T-19-CH-PSICOLOGIA).
Conforme a amostra (110), notamos que a locução prepositiva antes de
também atua na perspectiva da organização textual, iniciando um novo turno/tópico
que ainda está associado ao tópico anterior.
5.1.1.3 Antes sequencial textual (ST)
Na função de sequencial textual, o item antes se realiza para funções mais
textuais, como a de assinalar a ordem sequencial pela qual as informações são
apresentadas e desenvolvidas no texto. Koch (1987) afirma que o sequenciador
textual funciona na organização tópica dos enunciados, assinalando a ordem em que
os assuntos abordados no texto são apresentados e desenvolvidos.
No corpus desta pesquisa, o item antes assume essa função, em uma
tendência escalar, nas UR: Referencial teórico > Metodologia > Resultados.
Encontramos dez ocorrências do antes sequencial textual, assumindo configurações
estruturais distintas de antes e de antes de, mais recorrentes, as quais resolvemos
integrar nos sintagmas antes de mais nada e antes de iniciarmos.
Na amostra (111), há o uso do antes sequencial textual na UR Referencial
teórico.
(111) Com base na figura 4 de Hopper e Traugott, somos levados a dar logo uma resposta positiva, pelo menos, para as duas primeiras questões. As respostas às três perguntas anteriormente formuladas não são, porém, tão simples nem constituem respostas isoladas, pelo contrário, elas se imbricam completamente. Antes de mais nada, cabe aqui uma observação: proponho-me a fazer mais uma reflexão acerca do problema do que apresentar respostas imediatas para as questões aqui discutidas (144-REFER-T-24-LINGUÍSTICA).
107
Conforme a amostra (111), o antes ocorre na estrutura antes de mais nada,
em que o escrevente da tese ordena seus argumentos, anunciando, em primeiro lugar,
que se propõe a fazer uma reflexão do problema em vez de apresentar respostas.
Notamos, na amostra, que a noção temporal expressa pelo antes enfraquece e o item
passa a estabelecer um valor de ordenação sequencial textual.
A amostra (112) expõe o uso do antes sequencial textual na UR Metodologia.
(112) De acordo com as instruções do Comitê de Ética em Pesquisa Humana (CEP) da UFJF, antes de iniciarmos os procedimentos de pesquisa, registramos o projeto na Plataforma Brasil e aguardamos a aprovação do CEP (07-METOD-T-05-CB-ECO).
Em (112), o antes ocorre na estrutura antes de iniciarmos, em que o
escrevente da tese estrutura/ordena seu discurso com o propósito de mostrar as
etapas seguidas para o registro e a aprovação de seu projeto no Comitê de Ética em
Pesquisa Humana. Como na amostra (111), a noção temporal expressa pelo antes
enfraquece e o item passa a estabelecer um valor de ordenação sequencial textual.
Como (112), a amostra (113) ilustra o uso antes sequencial textual na UR
Resultados.
(113) Mais adiante iremos tratar especificamente de cada uma dessas famílias separadamente e, ao mesmo tempo em que descreveremos, imprimiremos nossa análise. Antes de iniciarmos este processo vale destacar que estamos tomando como referência para a discussão as subcategorias, que nada mais são, do que os trechos selecionados dos documentos indicativos, os conteúdos de ensino (01-RESULT-T-01-CE-QUIMICA).
Na amostra (113), percebemos que o escrevente da tese, ao expor os
resultados de sua pesquisa, usa a estrutura antes de iniciarmos para ordenar as
informações que serão apresentadas no decorrer do trabalho.
5.1.1.4 Antes sequenciador retomador (SR)
O antes na função de sequenciador retomador exerce uma função anafórica,
em que recupera o assunto tratado no tópico anterior. De acordo com Tavares (1999,
p. 24), na função sequenciador retomador, o elemento linguístico
Recupera o assunto assim interrompido, permitindo sua continuação. É possível que, no processo de retomada, a informação reapareça de forma literal, ou com a alteração de alguns vocábulos, ou apenas seja recolocada
108
em foco pelo apontamento para trás realizado pelo conector, sem haver seu resgate textual.
O elemento linguístico na função retomadora retroage para outros tópicos, ou
seja, retoma informações e impulsiona o assunto para frente. No corpus desta
pesquisa, o antes apresenta essa função por meio da estrutura: como dissemos antes.
Os usos do antes nessa função ocorrem, em uma tendência escalar, apenas nas UR:
Resultados > Referencial teórico.
A amostra (114) ilustra o uso de antes sequenciador retomador na UR
Resultados.
(114) O distanciamento vivido pelas famílias no século do XVIII e XIX, (só os homens iam para a Amazônia), hoje, em pleno século XXI, permanece o distanciamento (só o professor ou a professora vai para as comunidades ribeirinhas). Como dissemos antes, é a busca de um sonho viabilizada por meio do trabalho – o trabalho de professor; a possibilidade do emprego, ainda que a família fique na cidade por algum tempo, divididos pela saudade ocasionada pela situação (75-RESULT-T-18-CH-EDUCAÇÃO).
Na amostra (114), o escrevente da tese também faz uso do antes para retomar
a informação de que o sonho de ser professor e ter um emprego faz com que os
participantes da pesquisa fiquem longe de suas famílias.
A amostra (115) apresenta o uso de antes sequenciador retomador na UR
Referencial teórico.
(115) Na relação pesquisador/pesquisado, há também um sentido de autoridade estabelecido. No entanto, a técnica metodológica por nós utilizada tem exatamente o sentido de fazer falar as vozes silenciadas, pois se trata, como dissemos antes, de técnicas projetivas (TALP, PCM), em que observamos o que estão pensando os sujeitos sobre si e sobre o grupo de pertença do/no trabalho que ora abraçam (31-REFER-T-18-CH-EDUCAÇÃO).
Em (115), o antes funciona como um sequenciador retomador, pois
percebemos que o escrevente da tese, ao retomar a informação de qual técnica
metodológica está sendo utilizada na pesquisa, faz uso do antes para que tal
informação apareça de forma literal.
109
5.1.1.5 Antes reformulador retificativo (RR)
O antes na função de reformulador retificativo apresenta um processo de
reflexão por parte do escrevente da tese que faz uso para explicar, retificar ou
recapitular o que já foi dito de uma forma mais exata. De acordo com Lopes e Morais
(2000), trata-se de um valor que opera em nível ilocutório, no qual o locutor reformula
o seu ato ilocutório inicial, retificando-o e, ao retificar o que disse, o locutor expressa
sua preferência pela formulação final, equivalendo ao sentido das expressões ou
melhor, melhor dizendo.
No corpus em análise, encontramos essa função, em uma tendência escalar,
nas UR: Metodologia > Referencial teórico > Resultados. Na amostra (116),
apresentamos o uso do antes reformulador retificativo presente na UR Metodologia.
(116) Convém aqui a ressalva de que nosso trabalho não tem o viés antropológico nem sociológico com relação a esses grupos. Antes, porém, seguimos a trilha investigativa da representação social do ser professor em comunidades ribeirinhas do Vale do Juruá – Acre (34-METOD-T-18-CH-EDUCAÇÃO).
Em (116), o item antes, apesar de ocorrer acompanhado da conjunção
adversativa porém, não carrega um valor adversativo. Notamos que o escrevente da
tese usa esse item para retificar e/ou explicar que o trabalho segue uma “trilha
investigativa da representação social” que difere de um viés antropológico. Nesse uso,
o item antes pode equivaler ao sentido da expressão “melhor dizendo”, expressando
assim uma preferência pela formulação feita.
A amostra (117) apresenta o antes reformulador retificativo na UR Referencial
teórico.
(117) Neste ponto, somos convidados a revisitar a proposta de Althusser sobre o funcionamento dos Aparelhos Ideológicos de Estado para perceber como se dá o funcionamento do todo complexo das formações ideológicas no âmago dos discursos produzidos pelas instâncias sociais que têm produzido o corpus discursivo sobre o docente e a docência. Antes porém, é fundamental que nos dediquemos a compreender como se dá a filiação dos sujeitos às formações ideológicas mediante o processo de interpelação (55-REFER-T-21-CH-ANÁLISEDODISCURSO).
Na amostra (117), antes também ocorre na função de explicar o que foi dito
anteriormente, retificando assim o tópico anterior. O autor da tese expõe de início que
revisitará a proposta do teórico Althusser sobre os aparelhos ideológicos. No fluxo
110
textual, o pós-graduado usa o antes para reformular o disse e expor que é
“fundamental que nos dediquemos a compreender como se dá a filiação dos sujeitos
às formações ideológicas mediante o processo de interpelação”. Notamos que, nesse
uso, o antes também ocorre acompanhado da conjunção adversativa porém. No
entanto, o antes não carrega um valor adversativo, ele equivale ao sentido de “ou
melhor” ou “melhor dizendo”.
A proposição (118) ilustra o uso do antes reformulador retificativo na UR
Resultados.
(118) Assim como os estudantes pesquisados por Gatti, os nossos, em sua maioria, não sonhavam em ser professor, mas estão nessa profissão pelas condições socioeconômicas que os empurram para o mercado de trabalho e, nessa região, segundo eles próprios, o emprego de professor é o mais fácil de arranjar. Não estão nela por amor muito menos por vocação, antes, porém, pela necessidade. Talvez por isso mesmo, lamentem tanto as dificuldades enfrentadas (71-RESULT-T-18-CH-EDUCAÇÃO).
Conforme a amostra (118), o antes também funciona na UR Resultados como
reformulador retificativo, como nas demais amostras dessa função, o antes também
ocorre acompanhado da conjunção adversativa porém. Entretanto, o antes não
carrega um valor adversativo, equivalendo também ao sentido das expressões “ou
melhor”, “ou melhor dizendo”.
5.1.1.6 Antes espacial (ESP)
São escassas no corpus as ocorrências de antes com valor espacial.
Encontramos apenas 1 uso num conjunto de 143 ocorrências, presente na UR
Referencial teórico. Trata-se de um uso que apresenta uma relação de ordem do
domínio do espaço, em que há um movimento potencial do polo inicial na direção do
polo alvo final, sendo o espaço referenciado, conforme retomado no excerto (119):
(119) Nos exemplos abaixo, de orações condicionais, encontramos em (30), seguindo a conjunção se, a presença do MS; entretanto, onde deveria ocorrer futuro do pretérito (tiraria, saciaria, ficariam), ou mesmo imperfeito do subjuntivo (tirasse, saciasse, ficassem), encontramos o imperfeito do MI (tirava, saciava, ficavam). Observe-se, ainda, que há a presença do advérbio talvez antes de tirava, saciava (72-REFER-T-23-LINGUÍSTICA).
Na amostra (119), o escrevente da tese faz uso da locução prepositiva antes
de para indicar a localização do advérbio “talvez”, que se posiciona na frente dos
111
verbos “tirava” e “saciava”. O uso do antes espacial ocorre ainda nos textos
acadêmicos, portanto, mais conservador, possivelmente por ser um registro mais
formal e por atender a normas técnicas.
Em síntese, nesta seção, analisamos as ocorrências de antes nas teses,
apresentando as funções, por meio das amostras dispostas ao longo da discussão. O
processo de identificação e análise foi baseado nos princípios do Funcionalismo norte-
americano, que nos permitiu concluir que:
i) o item antes assume valores, funções e usos diferentes em quase todas
as UR das teses acadêmicas, não apresentando usos apenas na UR Introdução;
ii) antes é mais frequente nas UR Referencial teórico e Resultados,
segundo as escalas as funções:
a) MET: Referencial Teórico > Resultados > Metodologia > Conclusão;
b) MED: Referencial Teórico > Resultados > Conclusão;
c) ST: Referencial Teórico > Metodologia > Resultados;
d) SR: Resultados > Referencial Teórico;
e) RR: Metodologia > Referencial Teórico, Resultados;
f) ESP: ocorreu apenas na UR Referencial Teórico;
iii) antes é mais usado para sequenciar o tempo dos acontecimentos nas
UR Metodologia, Referencial teórico, Resultados e Conclusão;
iv) antes assume funções mais textuais que contribuem para organizar o
texto acadêmico, com usos recorrentes nas UR Referencial teórico e Resultados;
v) antes aumenta a sua estrutura para atender as diferentes funções: antes
de; antes de mais nada; antes de iniciarmos; como disse antes.
Passemos, então, à exposição e à análise das funções de antes conforme as
áreas de conhecimento.
5.1.1.7 Funções do antes conforme áreas do conhecimento
Como é um dos objetivos deste trabalho analisar os diferentes usos dos itens
antes, agora e depois nas teses conforme as diferentes áreas de conhecimento, uma
medida que se faz necessária nesta subseção é observar quais usos do item antes
são mais frequentes nas três grandes áreas do conhecimento (como já dito, de acordo
com a tabela do CNPq, são elas: ciências formais, factuais naturais e factuais
culturais).
112
Assim, no Gráfico 1, apresentamos a frequência do item antes nas teses
considerando as diferentes áreas do conhecimento, a fim de visualizarmos quais usos
do antes são mais frequentes nas teses e em que áreas há mais uso desse item.
Gráfico 1 – Frequência dos usos do antes nas teses por áreas do conhecimento
Fonte: Elaborado para esta pesquisa
De acordo com o Gráfico 1, confirmamos a hipótese de que o item antes
assume valores, funções e usos diferentes conforme a frequência específica nos
textos acadêmicos das diversas áreas de conhecimento, como: antes espacial,
operador argumentativo de mudança de estado temporal, operador argumentativo de
mudança de estado discursivo, reformulador retificativo, sequencial textual e
sequenciador retomador.
Vale ressaltar que, nessa divisão por áreas do conhecimento, as grandes
áreas se subdividem em: ciências formais, que engloba as: Ciências Exatas e da Terra
e suas subáreas – Química e Astronomia; ciências factuais naturais, constituídas por
Ciências Biológicas e suas subáreas – Ecologia e Zoologia; Ciências da Saúde e suas
subáreas – Enfermagem e Educação Física; ciências factuais culturais, que incluem
as Ciências Sociais Aplicadas e suas subáreas – Serviço Social e Comunicação;
Ciências Humanas e suas subáreas – Educação e Psicologia; e, por fim, Linguística,
Letras e Artes e suas subáreas – Análise do Discurso e Linguística.
Conforme o Gráfico 1, o item antes apresenta menor frequência na área das
ciências formais, com um total de 5 ocorrências, funcionando em 3 delas como
Ciências Formais Factuais Naturais Factuais Culturais
Espacial 1
MET 3 20 62
MED 1 2 26
Reformulador 4
Sequencial Textual 1 1 15
Retomador 7
Total 5 23 118
0
20
40
60
80
100
120
140
em n
úm
ero
s ab
solu
tos
Frequência dos usos do Antes por aréas do conhecimento
113
operador argumentativo de mudança de estado temporal, o que demonstra que os
escreventes dessa área fazem uso do item antes para apresentar a ordenação
sequencial das informações, a partir da ordenação temporal dos eventos. Nas áreas
factuais naturais, o antes aparece em 20 ocorrências na função de operador
argumentativo de mudança de estado temporal. Assim, também é usado pelos
escreventes dessa área com mais interesse em ordenar as informações por meio do
tempo dos eventos. Já nas áreas factuais culturais, o item antes se apresenta com
mais variedade de usos e também é mais recorrente nas teses dessas áreas,
representando 82,5% do número total de usos desse item. Nessa área do
conhecimento, o antes ocorre com diferentes funções, mas a função de operador
argumentativo de mudança de estado temporal é a mais recorrente nas teses dessa
área.
De modo geral, notamos que as especificidades dos usos do item antes se
diferenciam iconicamente. A noção de tempo por meio do uso do antes mudança de
estado temporal ocorre nas três macroáreas do conhecimento, porém, seu uso
persiste mais na argumentação das ideias das ciências factuais culturais, como
também nessa área há mais recorrência de usos com a noção de texto, como o caso
do antes sequencial textual.
Verificamos, também, por meio das frequências dos usos do antes nas
diferentes áreas do conhecimento, que a hipótese de que esse item ocorre nas teses
de doutorado com usos mais temporais é verdadeira. Apesar de a referência ao tempo
cronológico ser mais característica dos gêneros do narrar, o item antes também faz
referência ao tempo no gênero acadêmico no que se refere ao texto tese de
doutorado. Constatamos, também, a partir das frequências de uso, que o item antes
desempenha funções textuais nas teses de doutorado por meio das funções
reformulador retificativo, sequenciador textual e sequenciador retomador,
constatações que revelam a frequência na escala TEMPO > TEXTO.
Desse modo, as observações em relação ao uso de antes nas teses de
doutorado de diferentes áreas do conhecimento permitem uma reflexão acerca de sua
recorrência em contextos formais da língua escrita, revelando sua competência para
funcionar como organizador do texto.
Na subseção a seguir, apresentamos os usos do agora que ocorreram no
corpus.
114
5.1.2 Usos e funções do agora
Martelotta (2004), baseado em Machado (1977), explica que o item agora
provém do sintagma nominal latino hac hora (esta hora, neste momento), em que o
hac representa o advérbio espacial dêitico “por aqui”, constituindo uma relação de
proximidade entre os falantes. Já Rodrigues (2009) explica que a origem desse item
refere-se a “nunc”, forma analógica que originou hac hora e hora e, posteriormente,
agora, ora e hora, proposição confirmada pelas ocorrências do latim mais antigo,
presentes em exemplos de Cícero, Virgílio e Plauto:
Nunc > hac hora > agora hora > ora e hora
No português contemporâneo, o agora é visto como um simples advérbio, um
dêitico temporal que tem como função situar eventos a que ele se refere em um
determinado período de tempo. Contudo, esse item pode apresentar um
desdobramento da noção de tempo, que, segundo Neves (1992), não revela apenas
o momento fisicamente determinado, mas apresenta variação de alcance que pode
referir-se a um mínimo pontual, como também pode abranger um momento maior ou
menor, pertencente à esfera do presente, do passado ou do futuro, desde que se
aproxime ou se atinja o momento da enunciação.
De acordo com Votre, Cezário e Martelotta (2004), a relação entre noções de
espaço e tempo já ocorre na língua por meio de muitos outros casos. Nesse sentido,
é importante destacarmos que essa trajetória iniciada pela forma originária “esta hora”,
“neste momento”, apresenta a passagem de advérbio espacial dêitico para advérbio
dêitico temporal e, em outro momento, para o campo discursivo. Assim, essa trajetória
corrobora o entendimento de que houve uma mudança unidirecional espaço > (tempo)
> texto, conforme a tendência de trajetória proposta por Heine, Claudi e Hunnemeyer
(1991). Desse modo, o agora é objeto de estudo deste trabalho que busca formalizar
algumas reflexões sobre sua multifuncionalidade em textos acadêmicos, como
também traçar a tendência de trajetória de mudança.
Na Tabela 2, apresentamos a frequência dos usos e as funções de agora
segundo as UR da tese de doutorado.
115
Tabela 2 – Frequência das funções de agora nas UR
UNIDADES RETÓRICAS
FUN-ÇÕES
INTRO-DUÇÃO
METODO-LOGIA
REFERENCIAL TEÓRICO
RESUL-TADOS
CONCLUSÃO
TOTAL %
MET – 01 (1,1%)
20 (23,2%)
05 (5,8%)
– 26 (30,2%)
SEQUENCIAL TEX-TUAL
01 (1,1%)
02 (2,3%)
08 (9,3%)
09 (10,4%)
03 (3,4%)
23 (26,7%)
MED – – 13 (15,1%)
06 (6,9%)
– 19 (22%)
DÊITICO TEMPO-RAL
02 (2,3%)
01 (1,1%)
07 (8,1%)
02 (2,3%)
02 (2,3%) 14 (16,2%)
COM-TRAS TIVO
– – 01 (1,1%)
03 (3,4%)
– 04 (4,6%)
TOTAL 03 (3,4%)
04 (4,6%)
49 (56,9%)
25 (29%)
05 (5,8%)
86 (100%)
Fonte: Elaborada para esta pesquisa
De acordo com os dados distribuídos na Tabela 2, percebemos que o item
agora ocorre em todas as unidades da tese e, pela frequência, apresenta uma
tendência escalar: Referencial teórico > Resultados > Conclusão > Metodologia >
Introdução, em que há mais ocorrência, como o item antes, na UR Referencial teórico,
com 56,9%; e na UR Resultados, com 29%. Como já mencionamos, essas são
unidades com maior volume textual, sendo, portanto, ambientes propícios aos
diversos usos do item agora.
Os dados da Tabela 2 mostram ainda que o agora desempenha com mais
frequência a função de operador argumentativo de mudança de estado temporal, em
30,2% das ocorrências; seguida da função sequencial textual, em 26,7%; da função
operador argumentativo de mudança de estado discursivo, com 22%; da função de
dêitico temporal, em 16,2%; e da função de conector/juntor contrastivo, em 4,6%.
Esses resultados evidenciam a hipótese de que o item agora é multifuncional e, pela
frequência, segue um trajeto de mudança, conforme proposto por Heine, Claudi e
Hunnemeyer (1991): TEMPO (operador argumentativo de mudança de estado
temporal) > TEXTO (sequencial textual).
116
Vejamos, então, as funções desempenhadas pelo item agora nos textos
acadêmicos do corpus utilizado segundo a frequência de usos desse item nas cinco
UR das teses de doutorado escolhidas.
5.1.2.1 Agora operador argumentativo de mudança de estado temporal (MET)
Conforme atesta Neves (2000), o item agora pode apontar ampliação do
momento pontual para um contexto maior. Assim, o agora na função operador
argumentativo de mudança de estado temporal funciona como um sequenciador do
tempo, que exprime a ordem dos acontecimentos em um dado estado de coisas do
mundo real, função que equivale semanticamente a “a partir desse momento”.
No corpus em análise, essa função ocorre, em uma tendência escalar, nas
seguintes UR: Referencial teórico > Resultados > Metodologia.
A amostra (120) ilustra o uso do agora operador argumentativo de mudança
de estado temporal na UR Referencial teórico.
(120) A complexificação das sociedades e das relações entre as pessoas faz surgir demandas sociais que acabam por fragilizar esta autonomia e centralidade do ser. Surge uma concepção mais social do sujeito, agora cidadão, e formas de vida e organização coletivas vão suplantando a ação e a criação individuais de um sujeito onipotente (21-REFER-T21-CH-ANALDISCUR).
Em (120), o item agora funciona como operador argumentativo de mudança
de estado temporal. Notamos que o escrevente faz uso do item para remeter ao
passado em que havia uma concepção social do sujeito, mas que, a partir daquele
momento, era visto como cidadão. Nesse contexto, há uma maior referência ao
passado e o item agora marca essa mudança.
A proposição (121) apresenta o uso do agora operador argumentativo de
mudança de estado temporal na UR Resultados.
(121) Notamos que a clientela com queixa escolar que antes era encaminhada para as UBS’s, conforme apontado por Oliveira (2005) e Bastos (1999), agora é encaminhada para os CAPS’s ou para as Universidades da região. Talvez, por isso, os psicólogos das UBS’s, entrevistados na presente pesquisa, não tenham essa clientela claramente identificada, apesar de atenderem crianças e adolescente em idade escolar (137-RESULT-T19-CH-PSICOL).
117
Na proposição (121), o agora também ocorre como operador argumentativo
de mudança de estado temporal, mostrando que, a partir daquele momento, a
“clientela com queixa escolar que antes era encaminhada para as UBS’s, é
encaminhada para os CAPS’s”. Salientamos que é um uso que se diferencia da função
dêitica do agora, apesar de temporal, por marcar as mudanças nos eventos a partir
de um tempo específico.
A amostra (122) apresenta também o uso do agora operador argumentativo
de mudança de estado temporal na UR Metodologia.
(122) Durante a pesquisa realizada, pudemos revisitar a metodologia da análise de conteúdo (IACHEL, 2009). Nessa ocasião, retomamos as principais características desse “leque de apetrechos” (BARDIN, 2000, p. 31), agora mais preocupados com questões relativas às condições de produção das falas de nossos entrevistados (01-METOD-T03-CE-ASTRON).
Conforme a amostra (122), podemos afirmar que o agora funciona como
operador argumentativo de mudança de estado temporal, pois expressa uma relação
de precedência temporal com referência passada. O escrevente da tese faz uso do
item agora para fazer referência ao momento em que revisitou a metodologia de
análise de conteúdo, mas, a partir do momento da enunciação, passou a se preocupar
com questões relativas aos entrevistados de sua pesquisa. Esse traço de referência
passada surge também por meio da expressão “nessa ocasião”, que aponta para um
momento passado.
5.1.2.2 Agora sequencial textual (ST)
O agora na função sequencial textual também se realiza para funções mais
textuais, como a de assinalar a ordem sequencial pela qual as informações são
apresentadas e desenvolvidas no texto. No corpus em análise, esse uso ocorre, em
uma tendência escalar, nas UR: Resultados > Referencial teórico > Conclusão
Metodologia > Introdução. Apresentamos, a seguir, as amostras ilustrativas segundo
essa tendência e não de acordo com a ordem esquemática da tese.
A amostra (123) apresenta o uso do agora sequencial textual na UR
Resultados.
(123) Assim, seguimos esse mesmo procedimento para todas as 188 disciplinas de interesse. Passaremos agora a descrever como foi que
118
procedemos com a organização desses dados para análise (03-RESULT-T01-CE-QUI).
Conforme a amostra (123), o agora funciona como um sequenciador do texto.
O escrevente da tese usa esse item para ordenar as informações que serão
apresentadas posteriormente no texto.
A proposição (124) mostra o uso do agora sequencial textual na UR
Referencial teórico.
(124) os indivíduos são ‘interpelados’ em sujeitos falantes (em sujeitos do seu discurso) por formações discursivas que representam ‘na linguagem’ as formações ideológicas que lhes são correspondentes [...] a interpelação do indivíduo em sujeito do seu discurso se realiza pela identificação (do sujeito) com a formação discursiva que o domina [...] Acrescentaremos agora, [retomando P. Henry], que essa interpelação supõe necessariamente um desdobramento, constitutivo de sujeito do discurso, de forma que um dos termos representa o ‘locutor’, ou aquele que se habituou chamar o ‘sujeito da enunciação’, na medida em que lhe é ‘atribuído o encargo pelos conteúdos colocados’ (17-REFER-T21-CH-ANALDISCUR).
Na proposição (124), o escrevente da tese usa o agora para sequenciar uma
informação nova sobre o assunto tratado no tópico anterior a respeito da interpelação
e dos sujeitos do discurso.
A proposição (125) apresenta o uso do agora sequencial textual na UR
Conclusão.
(125) Assim, retomaremos agora os princípios norteadores desta tese – questões de pesquisa e objetivos – bem como as respostas obtidas a partir da nossa investigação (07-CONCLUS-T22-CH-ANALDISCUR).
Na proposição (125), o escrevente da tese propõe retomar os princípios
norteadores da tese. Assim, por meio do uso do agora, sequencia as informações do
texto. Nesse uso, o item pode ser parafraseável por “a seguir”.
A amostra (126) ilustra o uso do agora sequencial textual na UR Metodologia.
(126) Vamos nos deter agora a apresentar as abordagens teóricas da comunicação popular, alternativa e comunitária (CPAC) (05-METOD-T15-CSO-COMUNIC).
Em (126), o agora também ocorre com a função de sequenciar o texto. Nesse
uso, o item pode ser parafraseável por “a seguir”. Desse modo, o pós-graduado expõe
para o leitor quais abordagens teóricas serão discutidas na UR Metodologia.
119
A amostra (127) apresenta o uso do agora sequencial textual na UR
Introdução.
(127) O quarto capítulo é o espaço para explicar o procedimento metapórico de pesquisa. O mesmo objetivo de organizar o primeiro capítulo colocando ordem nas ideias que fundamentam a Teoria do Acontecimento Comunicacional repete-se agora: o objetivo é explicar o procedimento de pesquisa próprio da fundamentação teórica adotada (06-INTRO-T16-CSO-COMUNICAÇÃO).
Na amostra (127), o item agora apresenta a função de sequenciar as
informações no texto. Notamos que o pós-graduado, ao descrever os capítulos de sua
tese, faz uso do agora para expor o objetivo de sua pesquisa, sequenciando, assim,
as informações para o seu leitor.
5.1.2.3 Agora operador argumentativo de mudança de estado discursivo (MED)
O item agora na função de operador argumentativo de mudança de estado
discursivo ainda apresenta um valor de natureza temporal, mas há uma função
discursiva visivelmente associada a esse valor. Como já mencionamos anteriormente,
nessa função, o item atua na organização do discurso, por meio de aspectos
intratextuais, no início de turno e na mudança de assunto ou de turno, como também
recupera informações anteriores não específicas e/ou aponta para situações narradas
pelo falante ou para opiniões emitidas por este, conforme afirma Tavares (1999).
Em nosso corpus, esse uso acontece, em uma tendência escalar, nas UR:
Referencial teórico > Resultados. A amostra (128) representa o uso de agora operador
argumentativo de mudança de estado discursivo presente na UR Referencial teórico.
(128) As revistas femininas passaram a discutir o sexo de forma mais liberta, aberta e, com isso, as mulheres foram deixando de ser um “objeto sexual”, que agora tinha direito ao NÃO e o sexo não estava vinculado, apenas, à procriação (74-REFER-T22-CH-ANALDISCUR).
Na amostra (128), notamos que o item agora funciona como um operador
argumentativo de mudança de estado discursivo, pois o escrevente da tese ao
argumentar que “as revistas femininas passaram a discutir o sexo de forma mais
liberta, aberta” faz uso do item agora para remeter a uma mudança referida por meio
de um argumento, de um fato.
A amostra (129) ilustra o uso de agora operador argumentativo de mudança
de estado discursivo presente na UR Resultados.
120
(129) Indagamo-nos: por que o conhecimento é discurso frequente entre os professores ribeirinhos? Existe um consenso do que seja o conhecimento para eles? Os sentidos oriundos de seus discursos nos levam a entender que há tanto um conhecimento que precisa ser aprendido no convívio com os moradores, quanto um conhecimento de conteúdo escolar a ser transmitido. No segundo caso, esses conhecimentos referem-se àquilo que aprenderam ao longo da vida estudantil e que, agora, precisam repassá-los enquanto profissionais do ensino (117-RESULT-T18-CH-EDUCAÇ).
Em (129), o item agora também funciona como operador argumentativo de
mudança de estado discursivo. O pós-graduado, ao expor questionamentos feitos aos
participantes de sua pesquisa e os sentidos compreendidos dessas questões, usa o
agora para marcar a mudança de estado de estudante para profissionais do ensino,
fazendo referência aos fatos ditos anteriormente.
5.1.2.4 Agora dêitico temporal (DT)
O item agora na função de dêitico temporal apresenta-se como um
circunstanciador de tempo, tendo valor de neste momento; nesse momento que
passou; nesse momento que virá; a partir desse/deste momento. Segundo Neves
(2011, p. 266), a definição mais propícia para esse tipo de advérbio é a de que o tempo
em questão é tido como não cronológico, sem ligação com o calendário.
No corpus em análise, encontramos esse uso, em uma tendência escalar, nas
UR: Referencial teórico > Introdução, Resultados, Conclusão > Metodologia. Na
amostra (130), apresentamos o uso do agora dêitico temporal presente na UR
Referencial teórico.
(130) Os meios de comunicação tradicionais deixam de ser produtores de conteúdo e injetores de temas. Os antigos receptores, que utilizavam esses temas como pautas para suas discussões, são agora usuários geradores de conteúdo, liquefazendo as fronteiras entre produtores e consumidores de mensagens dos meios de comunicação (04-REFER-T16-CSO-COMUNIC).
Conforme a amostra (130), o item agora apresenta uma relação de
circunstanciador de tempo, evidenciando o traço de referência temporal presente, pois
notamos que o escrevente expõe que os antigos receptores de informações dos meios
de comunicação tradicionais passarão, no momento presente, a ser usuários
geradores de conteúdo.
A amostra (131) apresenta o uso de agora dêitico temporal na UR Introdução.
121
(131) Já nos anos 1930 há uma mudança na percepção das causas do fracasso escolar, sai-se de um período de determinismo e se pensa em prevenção. Nesse período as crianças que apresentam problemas de ajustamento ou de aprendizagem escolar passam a serem denominadas “crianças problema”, substituindo o termo anormal, agora focalizando a influência ambiental (07-INTRO-T19-CH-PSICOL).
Na amostra (131), o agora ocorre na função de dêitico temporal, equivalendo
semanticamente a “nesse momento”. O autor da tese expõe que, no momento
presente, o termo anormal foi substituído, passando a focalizar a influência ambiental
em casos de “crianças problema”. Nesse contexto, percebemos que o item atua com
referência ao presente e a presença do termo “nesse período” evidencia o item agora
funcionando com uma referência temporal.
A proposição (132) ilustra o uso do agora dêitico temporal presente na UR
Resultados.
(132) A junção desses elementos nessa configuração representacional é uma marca deste trabalho. O medo que tinham ao embarcar na canoa é agora tomado pela ousadia no enfrentamento das dificuldades. No entanto, essa é minimizada quando da relação de amizade com essa gente (118-RESULT-T18-CH-EDUCAÇ).
Na amostra (132), o agora também funciona como dêitico temporal. Nesse
contexto, percebemos que o item faz referência ao tempo presente em que o autor da
tese menciona que os participantes de sua pesquisa substituem o medo de embarcar
na canoa pela ousadia de enfrentar as dificuldades.
A amostra (133) apresenta o uso do agora dêitico temporal presente na UR
Conclusão.
(133) Desde o projeto inicial quando de nossa investidura no eternamente estudante e agora, de pós-graduação, a reta final com a obtenção do título de Doutora em Educação (04-CONCLUS-T18-CH-EDUCAÇ).
Em (133), o agora ocorre na função de dêitico temporal, equivalendo
semanticamente a “nesse momento”. Nesse caso, o escrevente expõe que é
eternamente estudante e por meio do item agora mostra que, no momento presente,
é estudante de pós-graduação.
A amostra (134) ilustra o uso do agora dêitico temporal presente na UR
Metodologia.
(134) Quando se substitui, na oração subordinada, o MS por um infinitivo, como no exemplo (66b), a única alteração a ser percebida é a do uso de uma
122
forma infinita em lugar de uma flexionada. O lugar destinado à subordinada objetiva direta (que o aluno escrevesse) é preenchido agora por um outro objeto direto em que está presente o infinitivo (escrever) (17-METOD-T23-CH-LINGUIS).
Em (134), o escrevente da tese também faz uso do agora com referência ao
tempo presente. O item funciona com valor de “nesse momento”, assim, assinala uma
relação de circunstanciador de tempo.
5.1.2.5 Agora conector/juntor contrastivo (CTR)
Na função de conector/juntor, o item passa para uma posição relacional
fortemente voltada para o plano textual. Nessa posição, o agora assume função de
conector/juntor, que tem como papel servir de elo para segmentos ou orações.
Segundo Duque (2009, p. 947), “a junção concerne aos usos, nos quais o agora é
responsável pela conexão entre orações, simples ou complexas”. Tratam-se de usos
em que o item agora, normalmente, é parafraseável por mas.
Nos dados desta pesquisa, esse uso ocorre, em uma tendência escalar,
somente nas UR: Resultados > Referencial teórico. A amostra (135) ilustra o uso de
agora conector/juntor contrastivo na UR Resultados.
(135) Persegui o acontecimento (sim, agora com “a” minúsculo porque me refiro à produção jornalística) durante todo o dia da publicação no jornal. Talvez porque estava sob o efeito inebriante do Acontecimento. Isso já era o suficiente para sentir como o acontecimento era injetado no contínuo mediático atmosférico (115-RESULT-T16-CSO-COMUNIC).
Na amostra (135), o item agora ocorre na função de conector/juntor
contrastivo. A nuance da oposição pode ser percebida pela paráfrase do mas,
apresentando traços de conexão e oposição. Notamos que o autor da tese, ao usar o
item agora, revela um contraste entre acontecimento processo x acontecimento
produção.
A amostra (136) apresenta o uso de agora conector/juntor contrastivo na UR
Referencial teórico.
(136) Encontramo-nos diante de dois grupos distintos: os iniciados e os não-iniciados, o que acirra o distanciamento entre famílias e classes, ao mesmo tempo em que se desfaz a homogeneidade do processo de educação das crianças e adultos da comunidade. As crianças já não cresceriam imitando a coletividade dos adultos de sua comunidade. Agora, haveria de se encontrar os meios disciplinares e educacionais que garantissem que cada criança
123
aprendesse, desde cedo, os saberes inerentes a sua classe e aceitasse o futuro que lhe estava assignado mediante pertencimento ou exclusão social e laboral (10-REFER-T21-CH-ANALDISCUR).
Em (136), ilustra-se um caso do agora conector/juntor contrastivo. Nesse
contexto, o escrevente da tese faz uso do agora para estabelecer uma relação de
contrajunção, tendo em vista o contraste entre os tópicos que registram uma oposição
entre o passado e o presente. Nesse uso, o agora pode ser parafraseável pelo
conector mas.
Em síntese, mostramos nesta subseção, amostras que comprovam a
multifuncionalidade do item agora em teses de doutorado. Assim, os dados analisados
permitem concluir:
i) o item agora assume valores, funções e usos diferentes em todas as UR
das teses acadêmicas;
ii) agora também é mais frequente nas UR Referencial teórico e
Resultados, segundo as escalas das funções:
a) MET: Referencial Teórico > Resultados > Metodologia;
b) ST: Resultados > Referencial Teórico > Conclusão > Metodologia >
Introdução;
c) MED: Referencial Teórico > Resultados;
d) DT: Referencial Teórico > Introdução, Resultados > Conclusão >
Metodologia;
e) CTR: Resultados > Referencial Teórico.
iii) agora é usado com mais frequência para sequenciar o tempo dos
acontecimentos nas UR Metodologia, Referencial teórico, Resultados e
Conclusão;
iv) agora assume funções mais textuais como a sequencial textual, que
contribui para organizar o texto acadêmico, principalmente nas UR
Referencial teórico e Resultados.
A seguir, apresentamos as funções do agora com base nas áreas de
conhecimento.
124
5.1.2.6 Funções do agora conforme áreas do conhecimento
No Gráfico 2, apresentamos a frequência do item agora nas diferentes áreas
do conhecimento a fim de visualizarmos que usos/funções do agora são mais
frequentes e em que áreas há mais uso desse item.
Gráfico 2 – Frequência dos usos do agora por áreas do conhecimento
Fonte: Elaborado para esta pesquisa
Da multiplicidade de funções do agora mapeadas no corpus, observamos que
alguns usos/funções são mais recorrentes em algumas áreas do conhecimento.
Conforme o Gráfico 2, podemos constatar que os usos do agora são mais recorrentes
na área de conhecimento chamada factuais culturais, que engloba as Ciências Sociais
Aplicadas; Ciências Humanas e Linguística, Letras e Artes.
Constatamos, também, no Gráfico 2, que o item agora assume valores,
funções e usos diferentes nos textos acadêmicos, tais como: dêitico temporal,
operador argumentativo de mudança de estado temporal, operador argumentativo de
mudança de estado discursivo, conector/juntor contrastivo e sequencial textual. Tal
constatação confirma a hipótese de que esse item é multifuncional e que vai além da
sua função prototípica de advérbio de tempo, como categoriza a tradição gramatical.
Nas áreas das ciências formais, observamos que ocorrem, na mesma
frequência, os usos do agora dêitico temporal, operador argumentativo de mudança
Cieências Formais Factuais Naturais Factuais Culturais
Dêitico Temporal 1 1 12
MET 1 3 22
MED 1 18
Contrastivo 4
Sequencial Textual 4 3 16
Total 7 7 72
0
10
20
30
40
50
60
70
80
em n
úm
ero
ab
solu
tos
Frequência dos usos do Agora por áreas do conhecimento
125
de estado temporal, operador argumentativo de mudança de estado discursivo. Nessa
área, tivemos mais recorrência do uso do agora na função sequencial textual.
Nas áreas factuais naturais, há uma baixa frequência do agora na função de
dêitico temporal e os números revelam equilíbrio nas funções do agora operador
argumentativo de mudança de estado temporal e sequencial textual, ambos com 3
ocorrências no corpus.
Nas áreas factuais culturais, que se mostrou ambiente mais propício aos usos
do agora, há uma maior quantidade de ocorrência do agora na função de operador
argumentativo de mudança de estado temporal, seguido do uso de operador
argumentativo de mudança de estado discursivo, dêitico temporal. Destaca-se a
frequência de uso de funções mais textuais do agora como o uso de conector/juntor
contrastivo e de sequencial textual. Esses resultados permitem-nos afirmar que dadas
as frequências das funções do agora, o item segue a tendência de trajetória na escala
TEMPO > TEXTO.
Na seção 5.1.3, apresentamos os usos do depois que ocorreram no corpus.
5.1.3 Usos e funções do depois
Diacronicamente, segundo Said Ali (2001), o item depois originou-se da
partícula latina post que significava “posterioridade”, resultando, em português, nas
formas pós e pois, com comportamentos gramaticais diferentes. A forma pós adquiriu
papel de preposição, mantendo o valor semântico original. Com o tempo, essa
preposição passou a ser usada antecedida de “a”, “de”, “em”, surgindo as formas após
e, atualmente em desuso, depós e empós. No português arcaico, a forma depós (de
+ pós) conviveu com o item depois, com valores semelhantes de sucessão no tempo,
mas a primeira, mais tarde, tornou-se obsoleta, permanecendo o item depois, que,
segundo a tradição gramatical, é um advérbio de tempo.
Na Tabela 3, apresentamos a frequência dos usos e funções do item depois
segundo as UR da tese de doutorado.
126
Tabela 3 – Frequência das funções de depois nas UR
UNIDADES RETÓRICAS
FUN-ÇÕES
INTRODUÇÃO
METODO-LOGIA
REFERENCIAL TEÓRICO
RESULTADOS
CONCLUSÃO
TOTAL %
MET 02 (1,9%)
08 (7,6%)
23 (21,9%)
15 (14,2%)
01 (0,9%)
49 (46,6%)
DÊITICO TEMPO-RAL
03 (2,8%)
12 (11,4%)
11 (10,4%)
14 (13,3%)
01 (0,9%)
41 (39%)
MED – – 06 (5,7%)
02 (1,9%)
– 08 (7,6%)
SEQUENCIAL TEX-TUAL
– – 04 (3,8%)
03 (2,8%)
– 07 (6,6%)
TOTAL 05 (4,7%)
20 (19%)
44 (41,9%)
34 (32,3%)
02 (1,9%)
105 (100%)
Fonte: Elaborada para esta pesquisa
Conforme podemos verificar na Tabela 3, o item depois também ocorre em
todas as unidades da tese, tendo seus usos mais frequentes na UR Referencial
teórico, com 41,9% de ocorrências; e na UR Resultados, com 32,3%. Como os itens
antes e agora são unidades com maior volume textual, configuram-se como ambientes
mais propícios aos diversos usos do item.
Os dados quantitativos mostram ainda que o item depois exerce com mais
frequência a função de operador argumentativo de mudança de estado temporal em
46,6% das ocorrências, seguido de 39% na função dêitico temporal, de 7,6% na
função de operador argumentativo de mudança de estado discursivo e de 6,6% na
função sequencial textual. Os resultados parecem comprovar a hipótese de que o item
depois também é multifuncional e segue um trajeto de mudança, conforme proposto
por Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991), na trajetória TEMPO (operador
argumentativo de mudança de estado temporal) > TEXTO (sequencial textual),
portanto, a mesma dos itens antes e agora.
Vejamos, pois, as funções desempenhadas pelo item depois nos textos
acadêmicos do corpus utilizado, segundo os usos desse item nas cinco UR das teses
de doutorado escolhidas.
127
5.1.3.1 Depois operador argumentativo de mudança de estado temporal (MET)
Conforme já mencionamos na análise dos itens antes e agora, na função de
operador argumentativo de mudança de estado temporal, o item depois atua como um
sequenciador do tempo, que exprime a ordem dos acontecimentos em um dado
estado de coisas do mundo real. No corpus em análise, o depois assume a função de
operador argumentativo de mudança de estado temporal, em uma tendência escalar,
nas UR: Referencial teórico > Resultados > Metodologia > Introdução > Conclusão.
A proposição (137) apresenta o uso do depois operador argumentativo de
mudança de estado temporal na UR Referencial teórico.
(137) Lehmann (1988:201) define gramaticalização como “a diachronicprocessand a synchronic continuum which lead from lexical togrammaticalitems”. Cita que é por intermédio desse processo que verbos plenos se tornam modais e auxiliares. Por considerar que aquilo que se gramaticaliza são essencialmente palavras, afirma que a cláusula subordinada possui uma relação gramatical com apenas uma palavra da matriz. Salienta que, quando essa palavra é um verbo, a gramaticalização da palavra superordenada produz tipos de estruturas subordinadas especiais. Ilustra, a partir de sentenças complexas de diferentes línguas, alguns tipos dessas estruturas subordinadas com construções causativas e desiderativas: primeiro, oferece exemplos em que essas construções ocorrem com verbos lexicais plenos na matriz (14) e (15) e, depois, menciona casos de gramaticalização de verbos da oração matriz nessas construções (16), (17) e (18b) (92-REFER-T24-LINGUIST).
Na proposição (137), o escrevente da tese menciona o teórico Lehmann e sua
definição de gramaticalização. Percebemos que é feita uma contextualização em torno
das concepções do teórico. Para tanto, o escrevente faz uso do depois para ordenar
as ações no decorrer do tempo que ilustram algumas afirmações do teórico
mencionado. Essa ordenação temporal fica evidente pelo uso do operador “primeiro”,
que antecede o uso de depois, estabelecendo, assim, uma condição de continuidade
temporal. Ressaltamos que, na UR Referencial teórico, o principal propósito é definir,
conceituar e caracterizar categorias referentes à teoria na qual o pesquisador se
fundamenta, o que a torna um ambiente bem propício aos diferentes usos do depois.
A amostra (138) apresenta o uso do depois operador argumentativo de
mudança de estado temporal na UR Resultados.
(138) De início, procuramos recortar do corpus de análise as unidades de registro que nos pudessem informar sobre a categoria intersetorialidade, relacionada à política de segurança pública de uma forma geral, para depois recortar dos textos dos documentos as unidades de registro que nos
128
pudessem informar sobre as subcategorias da intersetorialidade (91-RESULT-T13-CSO-SERVSOCIAL).
Na amostra (138), o depois funciona como sequenciador temporal. Podemos
ver que o escrevente da tese apresenta, de forma ordenada, os passos seguidos na
obtenção dos resultados usando o item depois para estabelecer a sequência temporal
desses acontecimentos.
Essa UR Resultados é a parte mais significativa do texto acadêmico segundo
Motta-Roth e Hendges (2010), pois apresenta a análise e/ou a descrição de dados
alcançados e suas respectivas interpretações, conforme os objetivos traçados para a
pesquisa. Constatamos que o depois contribui, científica e empiricamente, para a
construção do sentido pretendido nessa unidade, apresentando alguns dos resultados
almejados.
A amostra (139) apresenta o uso do depois operador argumentativo de
mudança de estado temporal na UR Metodologia.
(139) Ao realizar as entrevistas, buscou-se seguir o roteiro estabelecido, fazendo por vezes algumas pequenas adaptações, pois as perguntas acabavam por mobilizar diferentes memórias em cada professor universitário. Zimmermann e Silva (2014) descrevem um procedimento semelhante em seu processo de entrevista, destacando que há pequenas variações nas perguntas em decorrência das respostas. Considerando essas variações, o roteiro permitiu abordar três subitens contidos em 6 questões: a trajetória formativa e profissional de cada professor, os seus sentidos sobre a EA e seus sentidos sobre o trabalho interdisciplinar. As entrevistas foram gravadas em áudio e depois transcritas (02-METOD-T05-CB-ECOLOG).
Em (139), o item depois é usado para sequenciar as etapas metodológicas
realizadas pelo escrevente da tese, havendo uma descrição cronológica do modo
como foi registrada a entrevista: “As entrevistas foram gravadas em áudio...” e o
procedimento seguinte realizado com o material colhido: “...e depois transcritas”. Por
ser uma UR voltada para a descrição dos materiais e os métodos empregados na
pesquisa, podemos afirmar que esse contexto de descrição também favorece o uso
do depois na condição de ordenar os acontecimentos em um dado estado de coisas
do mundo real, assim funcionando como um operador argumentativo de mudança de
estado temporal.
A amostra (140) apresenta o uso do depois operador argumentativo de
mudança de estado temporal na UR Introdução.
129
(140) Iniciamos o trabalho em parceria com o Programa Sinal Amarelo, programa municipal de atendimento a essas medidas no município de Jundiaí-SP, atendendo as (sic) famílias dos adolescentes assistidos e depois estendendo aos familiares dos adolescentes ainda internos na Febem, facilitando a migração do egresso da medida de internação (11-INTRO-T20-CH-PSICOL).
Na amostra (140), o escrevente da tese faz uso do depois para ordenar o
tempo dos procedimentos de sua pesquisa, em que relata: “iniciamos o trabalho [...]
atendendo as famílias dos adolescentes assistidos”, contextualizando um
acontecimento cujo estado vem a ser mudado com o enunciado: “... e depois
estendendo aos familiares dos adolescentes...”, por meio do uso do depois que
sequencia temporalmente, informando que o atendimento foi estendido
posteriormente à família dos adolescentes. Nessa UR, é esperado que o escrevente
aborde brevemente os procedimentos adotados na metodologia para a realização do
seu trabalho, conforme afirma Motta-Roth e Hendges (2010). Assim, o pós-graduado
faz uso de uma linguagem narrativa e, por esse motivo, postulamos que essa UR seja
propícia ao uso do depois como mudança de estado temporal.
A proposição (141) apresenta o uso do depois operador argumentativo de
mudança de estado temporal na UR Conclusão.
(141) Pudemos comprovar também que o instrumento adotado para tratar das temáticas, bem como a forma como as perguntas foram postuladas, devem ser considerados nas análises como parte do contexto. O uso de entrevistas semiestruturadas com os professores universitários favoreceu que as análises de seus discursos fosse mais aprofundada do que a dos outros participantes, em parte pelo fato de ter havido mais espaço para que eles falassem de sua formação e por terem sido entrevistados depois da aplicação dos questionários aos licenciandos e professores das escolas (01-CONCLUS-T05-CB-ECOLOGIA).
Na amostra (141), o escrevente trata da eficácia do gênero entrevista para a
análise dos discursos de professores universitários. Em sua exposição, faz uso do
depois para registrar a mudança de estado temporal, informando que o questionário
foi aplicado posteriormente com outros sujeitos, no caso licenciados e professores das
escolas. Dessa forma, a marca temporal vem incrementar a veracidade dos
argumentos em favor dos resultados finais obtidos.
130
5.1.3.2 Depois dêitico temporal (DT)
O item depois caracteriza-se como um circunstanciador temporal, conforme
apresenta a tradição gramatical. Essa característica é revelada por meio do próprio
contexto narrativo, ou por indicadores temporais, tais como outros advérbios ou
locuções adverbiais.
Sabemos que o item depois, originalmente, carrega uma noção espacial, mas,
em certos contextos, ocorre um uso metafórico em que a noção de espaço referente
a lugar se transfere para o espaço referente a tempo. Nesse sentido, notamos que o
depois passa do primeiro nível da trajetória de Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991)
ESPAÇO > TEMPO. Ocorre, assim, uma transferência metafórica em que a noção de
espaço físico (lugar) passa, num processo mais abstrato de mudança, para o espaço
no tempo, como ocorre nos dados que compõem o corpus desta pesquisa. Esse uso
está presente, em uma tendência escalar, nas UR: Referencial teórico > Resultados
> Metodologia > Introdução > Conclusão. A proposição (142) apresenta o uso do
depois dêitico temporal na UR Referencial teórico.
(142) A Lei de Gordon Moore anteviu o ritmo de evolução da tecnologia na década de 60. Para Gordon Moore, empresário da indústria norte-americana de transistores, o ritmo da evolução mais que dobraria em prazo de 18 meses. Uma década depois, revisou a previsão: a cada dois anos, a evolução tencológica seria de 100% (03-REFER-T16-CSO-COMUNIC).
Na proposição (142), o depois também é usado para localizar a extensão de
tempo posterior necessária para que o Gordon Moore revisasse sua previsão sobre a
evolução da tecnologia.
A amostra (143) representa o uso do depois dêitico temporal na UR
Resultados.
(143) Na ocasião, os pesquisadores debateram sobre o ensino de Astronomia no 1º grau (atual ensino fundamental). Alguns anos depois, Romildo Póvoa viria a participar ativamente da estruturação dos PCN para o segundo e terceiro ciclos do ensino fundamental (16-RESULT-T03-CE-ASTRON).
Em (143), o autor da tese, ao explicar sobre o ensino de Astronomia no ensino
básico, faz uso do depois para localizar a extensão de tempo posterior para a
modificação no PCN.
A amostra (144) ilustra o uso do depois dêitico temporal na UR Metodologia.
131
(144) As redes na mata foram verificadas a cada hora até as 24:00h, o que abrange o período de maior atividade (Trajano, 1985), sendo novamente verificadas às 6:00h da manhã seguinte; na restinga, em vista do menor número de coletas, as redes foram verificadas a cada duas horas até as 24:00h e depois novamente às 6:00h. Em algumas noites de chuva muito forte, o intervalo de verificação das redes foi maior, ficando entre três e três horas e meia (04-METOD-T08-CB-ZOOLOG).
Na amostra (144), o escrevente da tese descreve as etapas metodológicas
seguidas para o alcance de seus objetivos. Nesse caso, usa o depois para localizar
precisamente a extensão de tempo posterior que utilizou para verificar as redes na
mata.
A amostra (145) apresenta o uso de depois dêitico temporal na UR Introdução.
(145) Uma das fazendas da região, de propriedade da família Ayrosa, foi repartida para três herdeiras e uma delas doou sua parte para a Irmandade Nossa Senhora dos Remédios. Alguns anos depois, outro membro da família, Senhor Antônio Ayrosa, deixou em testamento a doação de um grande terreno para a Congregação Franciscana Filhas da Divina Providência, com a condição de que fosse construído um orfanato para as crianças do bairro (01-INTRO-T02-CE-QUI).
Em (145), notamos que o depois é usado pelo escrevente da tese com a
função de localizar a extensão de tempo posterior quando um membro da família
Ayrosa fez outra doação de terreno.
A proposição (146) ilustra o uso do depois dêitico temporal na UR Conclusão.
(146) Talvez, nossa percepção a respeito da variação encontrada nos dados coletados na década de 1990 e que compõe o Banco de Dados do VARSUL seja diferente do que ocorra hoje, 15 anos depois (07-CONCLUS-T23-LINGUIST).
Conforme a proposição (146), o escrevente usa o depois para localizar
precisamente a extensão de tempo posterior que leva para uma nova percepção sobre
a variação em seu banco de dados.
5.1.3.3 Depois operador argumentativo de mudança de estado discursivo (MED)
Na função de operador argumentativo de mudança de estado discursivo, o
item depois apresenta ainda um valor de natureza temporal, mas há uma função
discursiva claramente associada a esse valor (LOPES; MORAIS, 2000). Então, o item,
nessa função, atua na organização do discurso, por meio de aspectos intratextuais,
no início de turno e na mudança de assunto ou de turno. No corpus, o item depois
132
assume essa função, em uma tendência escalar, nas UR: Referencial teórico >
Resultados. A amostra (147) apresenta o uso do depois operador argumentativo de
mudança de estado discursivo na UR Referencial teórico.
(147) Nessa segunda empreitada, McCombs contou com o apoio de outro estudioso: Donald Shaw. McCombs fez outras atualizações da teoria do agendamento, amplamente utilizada no Brasil em estudos do jornalismo. Inicialmente, a preocupação do autor era a influência da agenda jornalística na agenda pública. Em seguida, preocupou-se com as condições que limitavam o agendamento do público. Depois, o foco foi o enquadramento para, enfim, discutir os efeitos do agendamento na agenda pública e em seus desdobramentos práticos (atitudes da sociedade, como escolha do voto) (02-REFER-T16-CSO-COMUNIC).
Em (147), notamos que o escrevente usa o depois para iniciar um novo tópico
e assim dar continuidade à progressão do texto. Essa constatação ocorre quando
observamos a enumeração dos enunciados anteriores: “Inicialmente, [...]” e “Em
seguida, [...]”, antecedendo o uso do depois. Assim, o escrevente faz uso do depois
para enumerar a ordem na qual os eventos foram organizados no texto.
A proposição (148) apresenta o uso do depois operador argumentativo de
mudança de estado temporal na UR Resultados.
(148) Em seguida, explicamos que deveria formar agrupamentos, a partir dessa escala. Depois de formados os agrupamentos, perguntávamos se estava bom, se haviam terminado e se queriam trocar alguma palavra (138-RESULT-T18-CH-EDUCAÇ).
Na proposição (148), o item depois aumenta a sua estrutura, integrando a
preposição de, resultando na locução prepositiva depois de, que também parece se
incumbir da função de operador argumentativo de mudança de estado discursivo. O
escrevente da tese faz uso desse item para iniciar um novo tópico, que está associado
ao tópico anterior, expondo a organização do discurso descritivo em relação à
formação de agrupamentos a partir de uma escala distribuída anteriormente.
5.1.3.4 Depois sequencial textual (ST)
Na função sequencial textual, o depois também se realiza para funções mais
textuais, como a de assinalar a ordem sequencial pela qual as informações são
apresentadas e desenvolvidas no texto. No corpus em análise, esse uso do depois
133
ocorre, em uma tendência escalar, nas UR: Referencial teórico > Resultados. A
amostra (149) ilustra o uso do depois sequencial textual na UR Referencial teórico.
(149) As idéias de Lehmann (1988) e Hopper e Traugott (1993) se encontram distribuídas em várias partes deste capítulo: neste item e nas seções que tratam de gramaticalização e integração entre cláusulas. Neste item, apresento, primeiro, a proposta de Lehmann e, depois, a de Hopper e Traugott, destacando, em cada uma delas, os critérios em que se assentam (99-REFER-T24-LINGUIST).
Em (149), notamos que o depois também é usado para sequenciar o texto,
pois o pós-graduado, ao expor as ideias dos teóricos que compõem sua tese, ordena
para o leitor que informações serão tratadas posteriormente. Essa constatação ocorre
quando observamos a enumeração por meio do outro operador: “primeiro”. Assim, o
depois indica a informação seguinte, dando mais tessitura ao texto.
A proposição (150) apresenta o uso do depois sequencial textual na UR
Resultados.
(150) Os dados fornecidos pela tabela 3 apontam que, em construções complexas com o verbo ver, registram-se, primeiro, mais percentuais de ocorrência de ver1 (44%) e, depois, de ver2 (31%); já o uso menos recorrente desse verbo se instancia como ver5 (2%) (180-RESULT-T24-LINGUIST).
Conforme a proposição (150), o depois tem a função de sequenciar o texto,
pois o escrevente da tese, ao expor os resultados de seu trabalho, faz uso desse item
para ordenar as informações disponíveis na tabela. Assim, a enumeração se dá por
meio do operador “primeiro” e o item depois é usado para indicar a informação
seguinte. Com isso, o depois promove um movimento de avanço relacionado à
informação anterior, buscando a organização do texto.
Em síntese, como o objetivo é analisar os usos e o processo de
gramaticalização do item depois em teses de doutorado, apresentamos, nesta
subseção, amostras que nos permitem concluir:
i) o item depois assume valores, funções e usos diferentes em todas as
UR das teses acadêmicas;
ii) depois também é mais frequente nas UR Referencial teórico e
Resultados, e apresenta tendências de escalas de acordo com as
seguintes funções:
a) MET: Referencial Teórico > Resultados > Metodologia > Introdução
> Conclusão;
134
b) DT: Resultados > Metodologia > Referencial Teórico > Introdução >
Conclusão;
c) MED: Referencial Teórico > Resultados;
d) ST: Referencial Teórico > Resultados;
iii) depois é usado com mais frequência na sua função de dêitico temporal
para localizar o tempo, uso presente em todas as UR da tese acadêmica;
iv) depois assume funções mais textuais como a função sequencial textual,
que contribui para organizar o texto acadêmico, principalmente nas UR Referencial
teórico e Resultados.
Na subseção 5.1.3.5, apresentamos as funções do depois com base nas áreas
de conhecimento.
5.1.3.5 Funções do depois conforme áreas do conhecimento
No Gráfico 3, detalhamos a frequência do item depois nas diferentes áreas do
conhecimento, a fim de visualizarmos que usos/funções do depois são mais
frequentes e em que áreas há mais uso desse item.
Gráfico 3 – Frequência dos usos do depois por áreas do conhecimento
Fonte: Elaborado para esta pesquisa
Observamos, no Gráfico 3, que os usos do depois também são mais
recorrentes na área de conhecimento chamada factuais culturais, que engloba as
Ciências Formais Factuais Naturais Factuais Culturais
Dêitico temporal 7 6 28
MET 10 39
MED 1 7
Sequencial Textual 7
Total 8 16 81
0102030405060708090
em n
úm
ero
s ab
solu
tos
Frequência dos usos do depois por áreas do conhecimento
135
Ciências Sociais Aplicadas; Ciências Humanas e Linguística, Letras e Artes. Notamos
também que o item depois assume valores, funções e usos diferentes nos textos
acadêmicos, tais como: dêitico temporal, operador argumentativo de mudança de
estado temporal, operador argumentativo de mudança de estado discursivo e
sequencial textual. Desse modo, os dados parecem confirmar a hipótese de que esse
item também é multifuncional e que vai além da sua função prototípica de advérbio de
tempo.
Nas áreas das ciências formais, observamos que o uso mais recorrente do
depois é na função dêitico temporal (em azul claro), quando o item em tela atua como
um localizador de forma mais precisa dos acontecimentos no tempo. Em relação às
áreas factuais naturais, o depois é usado ora como dêitico temporal (em azul claro),
ora como operador argumentativo de mudança de estado temporal (em laranja).
Notamos que há certa equivalência entre os usos. Nessa área do conhecimento,
notamos uma preferência pelos usos do depois com noções temporais.
Já nas áreas factuais culturais, conforme mostra o Gráfico 3, é ambiente
propício aos diversos usos do depois, pois tivemos uma quantidade maior de
ocorrências do depois apresentando as diferentes funções, a saber: dêitico temporal
(em azul claro), operador argumentativo de mudança de estado temporal (em laranja),
operador argumentativo de mudança de estado discursivo (em cinza) e a função de
sequencial textual (em amarelo). Destaca-se a frequência de uso de funções
temporais, embora o depois também ocorra com funções mais textuais como de
sequencial textual. Os resultados apresentados parecem evidenciar que, dadas as
frequências das funções do depois, o item segue a trajetória na escala TEMPO >
TEXTO.
A subseção 5.2 apresenta as considerações sobre as posições de antes,
agora e depois no corpus em análise.
5.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS POSIÇÕES DE ANTES, AGORA E DEPOIS
Nesta subseção, analisamos a posição que os itens antes, agora e depois
ocupam nos enunciados, com o intuito de verificar, segundo o subprincípio icônico da
proximidade, se a variação de posição motiva as funções diferentes que os itens em
tela assumem e, pela frequência, se a fixação de uma posição pode levar à
gramaticalização. Vale ressaltar que a tradição gramatical reconhece a liberdade
136
posicional que os advérbios ocupam na oração. A esse respeito, Cunha e Cintra
(1985, p. 534), por exemplo, afirmam que “os advérbios de tempo e de lugar podem
colocar-se antes ou depois do verbo”. Porém, os autores não se posicionam quanto à
possibilidade de ocorrer alteração da função devido à mudança de posição.
Ilari (1990), por sua vez, explica que o deslocamento dos advérbios pode
acontecer por razões de informatividade ou de interesse discursivo. Segundo o autor,
um mesmo advérbio pode ocorrer em diferentes paradigmas apresentando funções
características de cada um. Com isso, é possível falar de polissemia da maioria dos
advérbios, como também de economia da língua, pois a língua reutiliza os meios
lexicais aumentando as suas funções, “a posição depende, em cada caso, da função
que o advérbio exerce ao mesmo tempo que contribui para identificar essa função”
(ILARI, 1990, p. 135). Portanto, a mudança de posição pode enquadrar os advérbios
em outras classes, possibilitando o surgimento de funções que não são apresentadas
pelos compêndios gramaticais.
Desse modo, para as considerações apresentadas nesta subseção,
observamos as seguintes posições: inicial – o item inicia o tópico e/ou ocorre
precedido por pausa; medial – ocorre no meio de sintagmas e/ou precedido de
pronome relativo; e final – apresenta-se ao final do tópico, seguido possivelmente de
pausa. As amostras (151), (152) e (153) ilustram as posições do item antes inicial,
medial e final, respectivamente, encontradas no corpus.
(151) Em outras palavras, as formações discursivas não são a instância de materialização dos discursos enquanto “ideias” arquivadas no interdiscurso que, de modo aleatório, ingressam/egressam no repertório das formações discursivas. Antes, são a materialização de discursos ideológicos constituídos e regulados pela instância (ideológica exterior) do interdiscurso (67-REFER-T-21-CH-ANÁLISEDODISCURSO). (152) A educação poderia estar no processo pelo qual a comunidade se envolve e aprende novas linguagens, desenvolve sua sociabilidade, atua em funções que antes não lhe diziam respeito, como diz Barros (2002, p. 79) (56-RESULT-T-15-CSO-COMUNICAÇÃO). (153) Nesse sentido, reconhecemos o quanto foi e é difícil para os docentes que atuam na formação de profissionais de Educação Física romper com certas práticas e passar a serem críticos e reflexivos, já que no seu processo de formação e de atuação profissional não puderam experimentar essa realidade antes (93-REFER-T-12-CSA-EDUCAÇÃOFISICA).
Na Tabela 4, apresentamos a distribuição dos usos de antes relacionada às
posições que ocupa nos enunciados.
137
Tabela 4 – Funções vs. posições do antes em teses de doutorado
Função Posição Inicial Posição Medial Posição Final
Espaço - 01 -
MET 24 47 11
MED 31 01 -
Reformulador Retificativo 04 - -
Sequencial Textual 17 - -
Sequenciador Retomador 04 03 -
Total 80 52 11
Fonte: Elaborada para esta pesquisa
A análise do antes, em relação à posição no enunciado, revela a preferência
desse item pela posição inicial. Os dados mostram que, conforme o item antes passa
do uso prototípico de espaço e de tempo para organizar e sequenciar o texto
acadêmico tese de doutorado, existe uma mudança nesse deslocamento de
ocorrência nas três posições.
Notamos que, nos usos de operador argumentativo de mudança de estado
discursivo e de sequenciador retomador, quase não há ocorrências do antes em
outras posições que não seja a inicial, como ocorreu com os usos de reformulador
retificativo e de sequencial textual que só apareceram nessa posição. Desse modo,
os resultados, segundo o subprincípio icônico da proximidade e pela distribuição da
frequência, indicam que o item antes se deslocou para o início dos enunciados,
fixando-se nessa posição em usos mais textuais.
As amostras (154), (155) e (156) representam os usos do item agora,
respectivamente, nas posições inicial, medial e final ocorridas no corpus.
(154) Em mais de uma ocasião, dentro do capítulo teórico, referi-me à formação discursiva dos Aparelhos de Estado, o que se deve ao reconhecimento da relação ideológica do conjunto das formações discursivas com o que constitui o interdiscurso, esse todo complexo com dominante das formações ideológicas. Agora, a escolha teórica de situar o trabalho das formações discursivas no quadro geral dos Aparelhos Ideológicos de Estado começa a mostrar suas implicações na construção do dispositivo de análise (10-METOD-T21-CH-ANALDISCUR). (155) Segundo Aldaíza Sposati (2006), o modelo de gestão intersetorial tem se mostrado mais eficiente quando combinado à descentralização territorial. Nesse caso, as demandas e características de um território é que irão determinar a extensão da intersetorialidade a partir dos objetivos a serem atingidos. O debate sobre descentralização e municipalização das políticas públicas não é de agora e data das décadas de 80 e 90, na esteira do desmanche do modelo autoritário do Estado ditatorial militar no Brasil (35-REFER-T13-CS0-SERVSOCIAL).
138
(156) A comunicação popular no Brasil sob a ótica da pesquisa acadêmica nos anos 80?, em que Xavier Joseph Fredrick se propõe a realizar, nos anos 1990, análise similar a que realizamos agora (64-REFER-T15-CS0-COMUNICAÇÃO).
Para que possamos afirmar se a posição é um dos fatores influenciadores da
fixação do item agora, apresentamos a Tabela 5, que relaciona a posição do item
versus as funções desempenhadas por ele nas teses.
Tabela 5 – Funções vs. posições do agora em teses de doutorado
Função Posição Inicial Posição Medial Posição Final
Dêitico Temporal 07 05 02
MET 12 10 04
MED 10 09 -
Contrastivo 04 - -
Sequencial Textual 23 - -
Total 56 24 06
Fonte: Elaborada para esta pesquisa
Conforme os dados apresentados na Tabela 5, em todos os usos do item
agora, percebemos uma predominância na posição inicial. Destacamos nas
ocorrências do agora dêitico temporal, operador argumentativo de mudança de estado
temporal e operador argumentativo de mudança de estado discursivo uma distribuição
equilibrada nas posições inicial e medial. No entanto, quando o item passa a assumir
usos mais textuais, como a função sequencial textual, notamos que o agora ocorre
apenas na posição inicial. Tais constatações indicam uma passagem gradativa do
item para o início das sentenças, ocupando posição mais fixa nos textos acadêmicos
teses de doutorado.
As amostras (157), (158) e (159) ilustram as posições do item depois inicial,
medial e final, respectivamente, presentes no corpus em análise.
(157) Por metáfora, a amplitude de informações atualmente é a Biblioteca de Babel da ficção de Jorge Luís Borges75, interminável, indefinida, infinita. Em um primeiro momento, gera felicidade, sensação de democracia da informação, de que há espaço para tudo e para a voz de todos. Depois, percebe-se que a infinitude pode gerar fadiga e depressão informativa (08-REFER-T16-CSO-COMUNIC). (158) Apesar do texto já estar finalizado no final de 1989, ele não foi aprovado. E no ano seguinte devido às novas eleições, em 1990, houve uma nova
139
configuração no quadro de deputados o que ocasionou em novas ementas que depois de discussões intensas no plenário, conseguiu ser aprovado na Câmara dos deputados (30-REFER-T01-CE-QUI). (159) Em A.jamaicensis, foi descoberto que há um "atraso" no desenvolvimento embrionário da segunda gravidez ("delayed embryonic development", no qual o embrião já implantado desenvolve-se em velocidade muito mais lenta por determinado período, retornando à velocidade normal algum tempo depois) (48-RESULT-T08-CB-ZOOLOG).
Na Tabela 6, apresentamos a distribuição dos usos de depois relacionada às
posições que ocupa nos enunciados nas teses de doutorado.
Tabela 6 – Funções vs. posições do depois em teses de doutorado
Função Posição Inicial
Posição Medial
Posição Final
Dêitico Temporal
19 20 02
MET 29 20
MED 08
Sequencial Textual
07
Total 63 40 02 Fonte: Elaborada para esta pesquisa
A partir da observação da Tabela 6, percebemos que o item depois também
predomina nos enunciados da tese acadêmica na posição inicial. Os dados revelam
ainda que, conforme o item depois passa dos usos prototípicos para os mais textuais,
ocorre uma diminuição dessa distribuição de ocorrência nas três posições. Nos usos
de sequencial textual, por exemplo, não há ocorrências do depois nas posições medial
e final, o que mostra que o item se desloca gradativamente para o início da oração,
ocupando posição mais fixa nas teses de doutorado.
Em suma, os resultados mostram que os itens antes, agora e depois se
apresentam no corpus iniciando tópicos, 59,5%, sinalizando, assim, que tal posição é
fator relevante para o início da gramaticalização desses itens, pois estão ocupando
posições mais fixas e típicas de uma conjunção. Essa constatação parece evidenciar
que os itens antes, agora e depois em teses de doutorado estão seguindo a trajetória
advérbio > conjunção. De acordo com Heine e Reh (1984, p. 64), “quanto mais
gramaticalizado um elemento linguístico, mais sua variedade sintática decresce, ou
seja, a posição na frase se torna mais fixa”.
140
Na subseção 5.3, iniciamos a discussão sobre instâncias de mudança e de
estabilidade dos significados/funções dos itens de antes, agora e depois, em que
confrontamos o reconhecimento das funções exercidas por esses itens nas teses de
doutorado.
5.3 INSTÂNCIAS DE MUDANÇA E DE ESTABILIDADE DOS SIGNIFICADOS/
FUNÇÕES DOS ITENS ANTES, AGORA E DEPOIS
Os falantes e ouvintes, devido às assimetrias de suas experiências, negociam
e adaptam funções e formas para o sucesso da troca comunicativa, possibilitando que
a língua altere os seus padrões discursivos, como também a sua contraparte mental.
Essas negociações e adaptações geram, pois, mudanças que, por sua vez, são
guiadas por processos e mecanismos que regularizam e fixam seus usos. Dentre eles,
merecem destaque, neste estudo, as noções de gramaticalização, iconicidade e
metáfora, metonímia, incluindo a analogia e a reanálise, já abordadas nesta tese em
seções anteriores.
A língua é composta de forma e função, estando a forma a serviço da função,
sob a abordagem teórica de cunho funcionalista. Significa, em outras palavras, que as
estruturas da língua emergem dos usos de que necessitam na interação verbal. De
fato, os itens linguísticos antes, agora e depois atuam – nos dados analisados que se
compõem de textos acadêmicos, em específico, teses de doutorado – com funções
diversas. Essas ocorrências são indícios que assinalam a diversidade das relações
semânticas que, a partir dos contextos, intenções, ou até mesmo das limitações
atribuídas pelo repertório, diferenciam-se das classificações fechadas, paralisadas
nas propostas classificatórias tradicionais sobre esses itens.
Em relação às projeções metafóricas, estas apresentam a direção dos
processos de gramaticalização, como também insinuam que a emergência de uma
categoria indica a substituição da anterior, deixando de lado possíveis estágios de
sobreposição em que as categorias poderiam coexistir. Heine, Claudi e Hunnemeyer
(1991) ressaltam a importância da alteração do contexto, que revela a natureza
contínua da transição entre significados. Uma palavra ou construção, além do sentido
A, pode admitir a inferência de um sentido B, em função da contiguidade contextual,
como podemos ver nos usos de ante de, antes de mais nada e depois de. Com o
141
passar do tempo, se o sentido B se tornar parte da palavra, podemos dizer que houve
uma convencionalização de inferências, havendo a reanálise.
De acordo com a abordagem funcionalista, a metáfora tem um papel
importante na mudança linguística, pois licencia o uso de dado conceito mais
concreto, relacionado a alguma experiência sensório-motora, em contexto de
significação mais abstrata, conforme Silva (2005). Desse modo, a partir da análise dos
usos dos itens antes, agora e depois nas teses de doutorado, exposta nas seções
anteriores, constatamos o caráter multifuncional desses itens, considerando que, a
partir do uso prototípico de advérbio temporal, foram capazes de se adaptar a novas
funções. Isso significa que esses itens vêm apresentando um trajeto funcional em
direção a terrenos mais abstratos. Diante do exposto, traçamos uma comparação dos
usos apresentados por esses itens, conforme mostra o Quadro 1, para, com base nas
funções/significados, traçar possíveis trajetórias de gramaticalização percorridas por
esses itens no corpus.
Quadro 1 – Usos dos itens antes, agora e depois nas teses
Item antes Item agora Item depois
Espacial - -
- Dêitico temporal Dêitico temporal
Operador argumentativo de mudança de estado
temporal
Operador argumentativo de mudança de estado
temporal
Operador argumentativo de mudança de estado
temporal
Operador argumentativo de mudança de estado
discursivo
Operador argumentativo de mudança de estado
discursivo
Operador argumentativo de mudança de estado
discursivo
Sequencial textual Sequencial textual Sequencial textual
Sequenciador retomador Conector/juntor contrastivo Reformulador retificativo
Fonte: corpus da pesquisa
Observamos, no Quadro 1, que os usos apresentados pelos itens antes, agora
e depois nas teses de doutorado não se limitam somente ao valor de adverbial
espacial e temporal. Esse fator já ratifica uma de nossas hipóteses: a de que esses
itens, com a frequência de uso, tendem a se gramaticalizar, passando a assumir
funções diferentes daquelas que eles desempenham tradicionalmente.
A trajetória traçada pelo antes apresenta fortes indícios de que o item passa
pelo processo de gramaticalização, considerando a origem espacial, o uso temporal
como operador argumentativo de mudança de estado temporal, a passagem pela
142
função de operador argumentativo de mudança de estado discursivo e os usos como
sequencial textual, sequenciador retomador e reformulador retificativo. Essa
constatação sinaliza que o item está passando por um processo de mudança, por
meio da trajetória metafórica ESPAÇO > TEMPO > TEXTO.
Em relação à trajetória do item agora, percebemos que também parte do uso
mais concreto de dêitico temporal para o uso de operador argumentativo de mudança
de estado temporal, operador argumentativo de mudança de estado discursivo,
atuando como conector/juntor contrastivo e o uso mais textual de sequencial textual.
Assim, o item agora, no corpus, ocorre seguindo o arranjo linear TEMPO > TEXTO.
A trajetória do item depois no corpus se assemelha à dos itens antes e agora,
pois também parte do uso mais concreto de dêitico temporal para usos como operador
argumentativo de mudança de estado temporal, operador argumentativo de mudança
de estado discursivo e o uso como sequencial textual. Essa constatação mostra a
tendência do processo de mudança desse item em teses acadêmicas, seguindo
trajetória metafórica TEMPO > TEXTO.
Para evidenciar ainda mais os indícios de que os itens antes, agora e depois
vêm se gramaticalizando em textos acadêmicos, vale considerarmos o fator da
distribuição da frequência, pois, para Bybee (2003), a gramaticalização pode ser
caracterizada pelo aumento da frequência de uso de uma palavra ou uma construção
que aumenta a possibilidade de expansão de seu sentido. Assim, a frequência foi
considerada neste trabalho, uma vez que tivemos os itens antes, agora e depois em
funções mais textuais, agindo como sequenciadores do texto, contribuindo na
organização e no sentido dos textos acadêmicos.
Outro fator que ressalta a tendência de gramaticalização desses itens refere-
se à posição que eles ocupam na oração. Elementos gramaticalizados tendem a se
fixar numa determinada posição e isso pôde ser observado quando fizemos o
cruzamento das funções com a posição de antes, agora e depois, revelando que esses
itens estão, segundo o subprincípio icônico de proximidade, iniciando orações,
ocupando posições mais fixas.
Vale considerar também o princípio de persistência (HOPPER, 1991), que
também está presente na gramaticalização, no qual há a permanência de vestígios da
história do significado lexical original, muitas vezes refletido em restrições sobre o
comportamento gramatical do item. Nesse sentido, a preservação de traços do valor
143
temporal ainda é perceptível em usos de antes, agora e depois nas funções
consideradas mais textuais.
Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991) afirmam que, se, de um lado, em um
processo, um item perde alguns traços semânticos, por outro lado, ganha funções que
outrora não apresentava. Assim, conforme a escala de abstratização metafórica
desses autores, os itens antes, agora e depois seguem as categorias conceptuais:
ESPAÇO > TEMPO > TEXTO em teses de doutorado. Observamos que essa trajetória
apresenta uma linha unidirecional que vai da esquerda para a direita e que parte do
concreto para o mais abstrato. No ponto final dessa trajetória, os itens antes, agora e
depois passam a introduzir tópicos e perdem quase que completamente seu valor
espacial e/ou temporal ao servir à organização textual.
Desse modo, postulamos que as amostras analisadas tendem a comprovar a
hipótese de que os itens antes, agora e depois, por meio do processo de
gramaticalização, vêm assumindo outros usos e funções diferentes daqueles
admitidos pela tradição gramatical, passando a agir mais caracteristicamente como
sequenciadores textuais nos textos acadêmicos.
Na seção a seguir apresentamos as conclusões, com detalhes dos resultados
alcançados e as contribuições desta pesquisa.
144
6 CONCLUSÃO
A língua é um fenômeno em permanente transformação, sendo este complexo
e constituído de múltiplas facetas, que nunca está finalizado, mas sim em contínua
construção. Assim, as ciências da linguagem cada vez mais apresentam contribuições
para os variados fenômenos linguísticos falados ou escritos em situações reais de uso
possibilitando a compreensão desses fenômenos.
Neste trabalho, ancorados em pressupostos da Linguística Funcionalista
clássica que, em seus aspectos teóricos, apresentam que as gramáticas, como um
todo, não estão finalizadas, mas se apresentam em constante transformação,
resultante do contexto que se faz das categorias gramaticais em situações reais da
língua. Essa vertente também apresenta que as categorias gramaticais não exercem
apenas uma função, mas, no uso, tanto podem assumir suas formas prototípicas
quanto outras funções em sua natureza formal e funcional, podendo se estabilizar
numa nova função em uma situação real de utilização dessa língua. Com base nessa
corrente linguística, apresentamos o aspecto dinâmico do comportamento sintático-
semântico dos itens linguísticos antes, agora e depois em teses de doutorado.
Apreciamos primeiramente os usos de antes, conforme as UR da tese
acadêmica, permitindo-nos concluir: i) o item antes assume valores, funções
diferentes em quase todas as UR das teses acadêmicas, não apresentando usos
apenas na UR introdução; ii) antes é mais frequente nas UR referencial teórico e
resultados; iii) antes é mais usado nas teses para sequenciar o tempo dos
acontecimentos, recorrente nas UR metodologia, referencial teórico, resultados e
conclusão; iv) antes assume funções mais textuais, como sequencial textual,
sequenciador retomador e reformulador retificativo, que contribuem para organizar o
texto acadêmico, com usos mais frequentes nas UR referencial teórico e resultados.
Com relação à análise do item antes, conforme as áreas de conhecimento,
concluímos que: i) o item antes também assume valores, funções diferentes nos textos
acadêmicos de diferentes áreas de conhecimento; ii) a noção de tempo por meio do
uso do antes operador argumentativo de mudança de estado temporal persiste na
argumentação das ideias das três macroáreas do conhecimento; iii) a noção de texto
se presentifica com a função do antes sequenciador textual na argumentação das
ideias das ciências factuais culturais.
145
A partir dos usos do item agora nas diferentes UR das teses, é possível
assentar que: i) o item agora também assume valores, funções e usos diferentes em
todas as UR das teses acadêmicas; ii) agora também é mais frequente nas UR
Referencial teórico e Resultados; iii) agora é usado com mais frequência para
sequenciar o tempo dos acontecimentos nas UR Metodologia, Referencial teórico,
Resultados e Conclusão; iv) o item em tela assume funções mais textuais como a
sequencial textual, que contribui para organizar o texto acadêmico, principalmente nas
UR Referencial teórico e Resultados.
A análise do item agora, conforme as áreas de conhecimento, revela que: v)
nas áreas das ciências formais, o agora é usado tanto para sequenciar o tempo dos
acontecimentos como para sequenciar a linearidade do texto; vi) nas áreas factuais
naturais, os dados revelam equilíbrio nos usos do agora nas funções de operador
argumentativo de mudança de estado temporal e sequencial textual; vii) nas áreas
factuais culturais, mostrou-se ambiente mais propício aos usos do agora,
apresentando maior frequência nos usos temporais, como operador argumentativo de
mudança de estado temporal, seguido do operador argumentativo de mudança de
estado discursivo, dêitico temporal. No entanto, destaca-se a frequência de uso de
funções mais textuais do agora como o de conector/juntor contrastivo e sequencial
textual.
Já com base nos usos do depois nas diferentes UR das teses, concluímos que:
i) o item depois também é multifuncional e assume valores, funções e usos diferentes
em todas as UR das teses acadêmicas; ii) depois também é mais frequente nas UR
Referencial teórico e Resultados; iii) depois é usado com mais frequência na sua
função prototípica de dêitico temporal para localizar o tempo, presente em todas as
UR da tese acadêmica; iv) esse item também assume funções mais textuais como a
sequencial textual, contribuindo para organizar o texto acadêmico, principalmente as
UR Referencial teórico e Resultados.
Com relação à análise do item depois, conforme as áreas de conhecimento,
os dados revelam: v) nas áreas das ciências formais, o depois é usado com mais
frequência na função de dêitico temporal, localizando de forma mais precisa os
acontecimentos no tempo; vi) nas áreas factuais naturais, o depois é usado ora como
dêitico temporal, ora como operador argumentativo de mudança de estado temporal,
com o propósito de sequenciar o tempo dos acontecimentos; vii) as áreas factuais
culturais são ambiente também propício aos diversos usos do depois, pois há
146
ocorrências desse item apresentando diferentes funções, a saber: dêitico temporal,
operador argumentativo de mudança de estado temporal, operador argumentativo de
mudança de estado discursivo e sequencial textual.
Os dados nos levam a confirmar o que diz a teoria funcionalista: para cada
texto, os falantes utilizam recursos diferentes para atender seus propósitos
comunicativos, no caso em estudo, a língua escrita, que exige um rigor maior no
conjunto de escolhas para se chegar aos propósitos esperados. Nessa perspectiva,
os itens antes, agora e depois são usados pelos pós-graduados para sequenciar o
tempo dos acontecimentos, como também para sequenciar linearmente o texto,
retomando, retificando e contrastando seus posicionamentos.
Ressaltamos a escolha do corpus, pois se trata de textos autênticos que
representam o português culto do Brasil. Com ele, foi possível analisar e validar o
estudo dos itens antes, agora e depois segundo a Linguística Funcional norte-
americana, em que se abriga a gramaticalização, no sentido de observarmos os
aspectos sintáticos, como também ampliar os níveis de análise, estudando aspectos
semânticos e pragmáticos.
Assim, de modo geral, os dados demonstram que os usos dos itens antes,
agora e depois tendem a seguir a trajetória de abstratização metafórica ESPAÇO >
TEMPO > TEXTO nos textos acadêmicos teses de doutorado; trajetória na qual o valor
temporal se destaca com funções mais frequentes. Nesse processo, registramos
também um aumento de frequência nos valores mais textuais. No ponto final dessa
trajetória, os itens antes, agora e depois passam a introduzir tópicos e perdem quase
que completamente seu valor espacial e/ou temporal.
Quanto à posição que os itens antes, agora e depois ocupam nos enunciados,
constatamos que esses itens se apresentam no corpus iniciando tópicos, sinalizando,
assim, que a posição é fator relevante para o início da gramaticalização desses itens,
pois estão ocupando posições mais fixas e típicas de uma conjunção. Ao se
gramaticalizarem e adquirirem características de categorias mais textuais como de
uma conjunção, antes, agora e depois passam, portanto, a ser usados na posição
comum da classe para a qual estão em processo de mudança. Desse modo, contraria
o que dizem os manuais gramaticais sobre os advérbios temporais terem como
posição prototípica aquela logo após o verbo.
Já a trajetória estrutural/formal que os itens antes, agora e depois em teses de
doutorado estão seguindo é o percurso advérbio > conjunção. Porém, vale ressaltar
147
que essa mudança não sugere que os itens abandonem sua classe de origem
completamente, pois os traços originários se tornam opacos na medida em que
funções mais textuais são necessárias aos contextos de uso. Pudemos constatar
também, por meio dos dados, que se trata de itens multifuncionais, não se prendendo
a apenas um núcleo, mas ao conteúdo semântico da oração. São itens que funcionam
nos textos acadêmicos, contribuindo para a organização do texto. Com base nisso,
podemos concluir que o usuário da língua faz alterações no uso dos padrões
linguísticos com o propósito de fortalecer a funcionalidade e a maleabilidade de seu
discurso.
Acreditamos que os achados desta pesquisa possam contribuir com estudos
futuros que se proponham a estudar, com base em dados sincrônicos, o processo de
gramaticalização dos itens antes, agora e depois, buscando compreender o
funcionamento e os usos desses itens em textos acadêmicos. A teoria da
gramaticalização foi bastante eficiente neste trabalho e pode servir de ponto de partida
para que outros pesquisadores estudem outros elementos gramaticais.
Ademais, queremos ressaltar as contribuições deste estudo, além da análise e
dos resultados apresentados, resumidas em três ganhos: primeiramente, como ganho
científico, os achados sobre as funções que denominamos de operadores
argumentativos de mudança de estado temporal (MET) e de operadores
argumentativos de mudança de estado discursivo (MED) ampliam o conhecimento
científico com a novidade da função e da terminologia utilizada; como ganho
acadêmico, mais subsídios para o ensino da produção de texto acadêmico, por se
tratar de um veículo do discurso científico necessário à circulação e à divulgação dos
resultados dos estudos das universidades e da comunidade científica; e, por último,
citamos a relevância social que incide sobre a cultura da escrita acadêmica que
ultrapassa os muros da universidade. Desse modo, legitima-se o texto acadêmico,
que vulgariza conhecimentos de todas as áreas, os quais se tornam aceitáveis pela
sociedade como verdadeiros e confiáveis.
148
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