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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN CAMPUS AVANÇADO PROFESSORA MARIA ELISA DE ALBUQUERQUE MAIA DEPARTAMENTO DE LETRAS ESTRANGEIRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS DOUTORADO EM LETRAS A MULTIFUNCIONALIDADE DE ANTES, AGORA E DEPOIS EM TESES DE DOUTORADO CARLA DANIELE SARAIVA BERTULEZA PAU DOS FERROS-RN 2019

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – UERN

CAMPUS AVANÇADO PROFESSORA MARIA ELISA DE ALBUQUERQUE MAIA

DEPARTAMENTO DE LETRAS ESTRANGEIRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

DOUTORADO EM LETRAS

A MULTIFUNCIONALIDADE DE ANTES, AGORA E DEPOIS EM TESES DE

DOUTORADO

CARLA DANIELE SARAIVA BERTULEZA

PAU DOS FERROS-RN

2019

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CARLA DANIELE SARAIVA BERTULEZA

A MULTIFUNCIONALIDADE DE ANTES, AGORA E DEPOIS EM TESES DE

DOUTORADO

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras (PPGL) do Departamento de Letras Estrangeiras do Campus Avançado Professora Maria Elisa de Albuquerque Maia (CAMEAM) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, para obtenção do grau de doutora em Letras. Orientador: Prof. Dr. João Bosco Figueiredo Gomes.

PAU DOS FERROS-RN

2019

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B552m Bertuleza, Carla Daniele Saraiva

A multifuncionalidade de antes, agora e depois em teses de doutorado. / Carla Daniele Saraiva Bertuleza. - Pau dos Ferros, 2019.

155p.

Orientador(a): Prof. Dr. João Bosco Figueiredo Gomes. Tese (Doutorado em Programa de Pós-Graduação em

Letras). Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

1. Programa de Pós-Graduação em Letras. 2.

Funcionalismo linguístico. 3. Gramaticalização. 4. antes, agora e depois. 5. Uso. I. Figueiredo Gomes, João Bosco. II. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. III. Título.

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A tese “A multifuncionalidade de antes, agora e depois em teses de doutorado”, de autoria de Carla Daniele Saraiva

Bertuleza, foi submetida à Banca Examinadora, constituída pelo PPGL/UERN, como requisito parcial necessário à obtenção do grau de Doutor(a) em Letras, outorgado pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN.

Tese defendida e aprovada em 05/11/2019

BANCA EXAMINADORA

Professor. Dr. João Bosco Figueiredo Gomes – Orientador Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

Professor Dr. João Batista da Costa Júnior – Examinador externo Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Professora Dra. Ana Maria Pereira Lima – Examinadora Externa Universidade Estadual do Ceará

Professora Dra. Maria do Socorro Maia Fernandes Barbosa – Examinadora interna Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

Professor Dr. Wellington Vieira Mendes – Examinador interno Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

Professora Dra. Maria Medianeira de Souza – Suplente externo Universidade Federal de Pernambuco

Professora Dra. Maria Eliete de Queiroz – Suplente interno Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

PAU DOS FERROS-RN

2019

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VELEIRO DO AMOR Antes mesmo da luz existir

E o mundo a consumir Estavam o verbo e a poesia E tudo resplandecia Agora, que aprendi a resplandecer E na chama do amor me aquecer Sou como veleiro no meio do mar Que não se cansa de navegar E nas águas espumantes Que são tão deslumbrantes Vou singrando nesse barquinho E lhe dando todo carinho E depois de toda essa recreação Só tenho a fazer uma declaração Que no brilho do seu olhar Encontrei o motivo para amar (Prof. Me. José Ribamar da Silva Filho)

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Aos meus pais, Lúcia e Assis,

cujo amor me trouxe até aqui.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, que me permitiu viver este momento e reconhecer que o desejo que

ora se realiza contou com muitas mãos e muitos corações, assim agradeço:

Ao meu orientador, o Prof. Dr. João Bosco Figueiredo Gomes, pela confiança

depositada no meu trabalho desde a graduação, pela orientação paciente e por

fomentar mudanças significativas em minha caminhada.

Ao Prof. Dr. Wellington Vieira Mendes e à Profa. Dra. Ana Maria Pereira Lima

pelas valiosas contribuições por ocasião do exame de qualificação.

Ao Prof. Dr. João Batista da Costa Júnior, à Profa. Dra. Ana Maria Pereira

Lima, à Profa. Dra. Maria Eliete de Queiroz e ao Prof. Dr. Wellington Vieira Mendes

que, gentilmente, aceitaram compor a banca examinadora, trazendo contribuições

pertinentes ao meu trabalho.

A minha família, meus pais e meus avós, pelo apoio, pelas orações, pelo amor

e por tudo que representam na minha vida.

Ao meu marido, Carlos Costa, pela compreensão, pelo incentivo e pelo

companheirismo ao longo do curso.

Às minhas amigas, Ana Claudia, Luciana e Regma, pela torcida, pelas

palavras de incentivo e por terem entendido minhas ausências.

À minha amiga, Josefa Jesus, companheira do mestrado e do doutorado, pela

amizade e pelos momentos acadêmicos compartilhados.

A Anikele Frutuoso, Guianezza Saraiva e Ana Gabriela, pelas palavras de

incentivo e pelo companheirismo nas missões acadêmicas e profissionais.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior, CAPES,

pelo auxílio financeiro.

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RESUMO

As gramáticas tradicionais apresentam os advérbios como uma classe fechada cujos

elementos têm características de circunstanciadores, como tempo, modo, dúvida,

intensidade, entre outros. Tendo realizado, no curso de Mestrado, uma pesquisa sobre

os usos de antes, agora e depois em textos acadêmicos inseridos na área de

Linguística, Bertuleza (2013) observou que esses itens apresentam usos, em certos

contextos e cotextos, que vão além da sua função prototípica como advérbio, atuando,

por exemplo, na organização e na construção de sentido do texto acadêmico. Então,

visando dar continuidade à pesquisa realizada no curso de mestrado, esta tese

estende o objetivo ao analisar valores, funções e usos de antes, agora e depois

conforme as unidades retóricas (UR) de teses de doutorado e as respectivas áreas de

conhecimento à luz da Linguística Funcional norte-americana, hoje considerada como

Funcionalismo Clássico. Para tanto, investigou os itens antes, agora e depois, a partir

de dados sincrônicos reais, extraídos do banco de dados Texto Acadêmico Tese de

doutorado – TACTESE (FIGUEIREDO-GOMES; BERTULEZA, no prelo), que compila

teses de doutorado, distribuídas conforme as seis áreas do CNPq, divididas, por

razões metodológicas, em três grupos: ciências formais, factuais naturais e factuais

culturais. Caracteriza-se, pois, como uma pesquisa empírica e descritiva, com uma

abordagem qualitativa e quantitativa. Analisa o comportamento sintático-semântico e

pragmático-discursivo dos usos de antes, agora e depois, as suas funções e os seus

valores em cinco unidades retóricas de teses de doutorado, conforme a área de

conhecimento. Para o recenseamento, o levantamento da frequência e o tratamento

dos dados, utiliza, com base na Linguística de Corpus, as ferramentas do suíte

WordSmith Tools (SCOTT, 2008). Os resultados empíricos revelam que os itens

antes, agora e depois persistem ainda com suas funções originais de advérbio e

apresentam novos usos e funções nas teses acadêmicas. O item antes assume

valores, funções e usos diferentes em quase todas as unidades retóricas das teses

acadêmicas, sendo mais frequente nas teses para sequenciar o tempo dos

acontecimentos, porém, assume funções mais textuais, como as funções sequencial

textual, sequenciador retomador e reformulador retificativo, que contribuem para

organizar o texto acadêmico; sua noção temporal é presente nas três macroáreas do

conhecimento e os usos mais textuais ocorrem nas áreas factuais culturais. O item

agora também assume valores, funções e usos diferentes em todas as unidades

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retóricas das teses acadêmicas, com uso mais frequente para sequenciar o tempo

dos acontecimentos, no entanto, assume funções mais textuais, como a sequencial

textual, que contribui para organizar o texto acadêmico; seus usos temporais ocorrem

nas três macroáreas do conhecimento e os usos textuais ocorrem nas áreas factuais

naturais e factuais culturais. Como os dois outros, o item depois também assume

valores, funções e usos diferentes em todas as unidades retóricas das teses

acadêmicas, com uso mais frequente na sua função prototípica de dêitico temporal

para localizar o tempo, mas também assume funções mais textuais como a sequencial

textual, contribuindo para organizar o texto acadêmico; as ciências formais e factuais

naturais usam com mais frequência o depois na sua função prototípica de dêitico

temporal e as áreas factuais culturais usam-no tanto com seu valor temporal quanto

com valores mais textuais. A partir dos dados analisados no corpus TACTESE, conclui

que, apesar da estabilidade dos valores espacial e temporal prototípicos de advérbio,

os itens antes, agora e depois assumiram novas funções mais gramaticais, embora

esses itens apresentem valores metafóricos para dar conta da organização textual,

com uma tendência de usos mais específicos, no caso deste estudo, às unidades

retóricas do texto acadêmico. Esses dados tendem a confirmar, a partir de dados

sincrônicos, a hipótese de gramaticalização por que passaram, diacronicamente, os

itens antes, agora e depois ao se abstratizarem na trajetória metafórica ESPAÇO >

TEMPO > TEXTO.

Palavras-chave: Funcionalismo Clássico. Gramaticalização. Uso. Antes-Agora-

Depois. Texto Acadêmico.

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ABSTRACT

Traditional grammars present adverbs as a close word class whose elements have

circumstantial characteristics, as time, mode, doubt, intensity, among others. During

her Master course, with a research related to the terms before, now and after in the

academic texts to the Linguistic area, Bertuleza (2013) analyzed that those items have

uses, in some contexts and cotexts, that cut across their typical function as adverbs,

acting, for example, in the organization and in the construction of meaning of an

academic text. Therefore, trying to continue that research during Master course, this

thesis expands the aiming to analyze values, functions and uses of the terms before,

now and after according to the rhetorical units (UR) in the thesis and their respective

areas of knowledge based on North-American Functional Linguistic, considered, in

nowadays, as Classic Functionalism. To this, it investigated terms before, now and

after, with real synchronic data from Texto Acadêmico Tese de doutorado – TACTESE

(FIGUEIREDO-GOMES; BERTULEZA, no prelo) database, that collects thesis

according to six CNPq areas, divided, by methodological reasons, in three groups:

formal science, natural factual and cultural factual. It is an empirical and descriptive

research with a qualitative and quantitative approach. It analyzes semantic-syntactic

behavior and pragmatic-discursive use of before, now and after, their functions and

values in five rhetorical units in thesis, according to the area of knowledge. To the

registration process, the frequency and data treatment, related to Corpus Linguistic,

use the tools from suite WordSmith Tools (SCOTT, 2008). Empirical results point the

terms before, now and after persist in their original functions of adverb and present

new uses and functions in the thesis. Item before has different uses, functions and

values in almost all rhetorical units in the thesis, it is mostly used to stablish the

sequence of time, however, it has more textual functions, as sequential textual, retake

sequencer and rectifier redesigned, so, they contribute to organize academic text; their

temporal notion is found in the three areas of knowledge and the more textual uses

are in the cultural factual area. Item now also has different values, functions and uses

in all rhetorical units from the thesis, with more frequency to stablish sequence of time,

however, it has more textual function as textual sequencer, that contributes to organize

the academic text; their temporal uses are found in the three areas of knowledge and

the textual uses are found in the cultural factual and natural factual. Similar to the

others, item after has different uses, functions and values in all rhetorical units in the

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thesis, with more frequency in the its prototypical function of temporal deictic to point

time, as well as it has more textual functions as textual sequencer, contributing to

organize academic text; formal science and natural factual use it in the prototypical

function of temporal deictic and cultural factual areas use it with temporal as well as

textual value. Based on TACTESE database, it concludes that, although adverb

presents some stability of spatial and temporal prototypical values, items before, now

and after have new more grammatical functions, in spite of present metaphorical

values in the textual organization, with tendency to have more specified uses, in this

research, as rhetorical units in the academic text. This data validates, since synchronic

data, the hypothesis of diachronic grammaticalization of items before, now and after,

to enable an abstract metaphoric trajectory SPACE > TIME > TEXT.

Keywords: Functionalism. Grammaticalization. Use. Before, now, after. Academic

text.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Esquema de mudança semântica ............................................................ 39

Figura 2 – Estágios do desenvolvimento do auxiliar be going to. .............................. 41

Gráfico 1 – Frequência dos usos do antes por áreas do conhecimento .................. 112

Gráfico 2 – Frequência dos usos do agora por áreas do conhecimento ................. 124

Gráfico 3 – Frequência dos usos do depois por áreas do conhecimento ................ 134

Quadro 1 – Usos dos itens antes, agora e depois nas teses .................................. 141

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Frequência das funções de antes nas UR ............................................. 102

Tabela 2 – Frequência das funções de agora nas UR ............................................ 115

Tabela 3 – Frequência das funções de depois nas UR ........................................... 126

Tabela 4 – Funções vs. posições do antes em teses de doutorado ........................ 137

Tabela 5 – Funções vs. posições do agora em teses de doutorado ....................... 138

Tabela 6 – Funções vs. posições do depois em teses de doutorado ...................... 139

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 17

2 LÍNGUÍSTICA FUNCIONALISTA NORTE-AMERICANA: O FUNCIONALISMO

CLÁSSICO ................................................................................................................ 21

2.1 CONCEPÇÃO DE GRAMÁTICA ...................................................................... 22

2.2 A MUDANÇA LINGUÍSTICA ............................................................................ 25

2.3 GRAMATICALIZAÇÃO..................................................................................... 28

2.3.1 Princípio da unidirecionalidade .............................................................. 31

2.1.3.1 Trajetória de gramaticalização ............................................................. 33

2.1.3.2 Trajetória Advérbio > Conjunção ......................................................... 35

2.3.2 Motivações para a gramaticalização ...................................................... 36

2.3.2.1 Processo metafórico ............................................................................ 37

2.3.2.1.1 Processo analógico ESPAÇO > DISCURSO.............................. 38

2.3.2.2 Processo metonímico .......................................................................... 40

2.3.2.2.1 Processo de reanálise ................................................................. 41

2.3.3 Princípio da iconicidade e subprincípios .............................................. 42

2.3.4 Princípio da marcação ............................................................................. 44

3 ESTUDOS FUNCIONALISTAS DOS ITENS ANTES, AGORA E DEPOIS ........... 47

3.1 O ITEM ANTES: DA ANTERIORIDADE À SEQUENCIALIDADE .................... 47

3.2 O ITEM AGORA: DE DÊITICO TEMPORAL A INTRODUTOR DE TÓPICO ... 55

3.3 O ITEM DEPOIS: DE ESPACIAL À CONTINUIDADE DISCURSIVA .............. 70

4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ............................................................... 84

4.1 OBJETIVOS E HIPÓTESES ............................................................................ 84

4.2 CORPUS .......................................................................................................... 85

4.3 CATEGORIAS DE ANÁLISE............................................................................ 88

4.3.1 Unidades retóricas do texto acadêmico ................................................ 88

4.3.1.1 UR Introdução ..................................................................................... 89

4.3.1.2 UR Fundamentação teórica ................................................................. 89

4.3.1.3 UR Metodologia ................................................................................... 89

4.3.1.4 UR Análises dos dados e resultados ................................................... 90

4.3.1.5 UR Conclusão ..................................................................................... 90

4.3.2 Áreas do conhecimento .......................................................................... 91

4.3.2.1 Ciências formais .................................................................................. 91

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4.3.2.2 Ciências factuais naturais .................................................................... 91

4.3.2.3 Ciências factuais culturais ................................................................... 92

4.3.3 Categorias dos usos do antes ................................................................ 92

4.3.3.1 Metáfora ESPAÇO do antes ................................................................ 92

4.3.3.2 Metáfora TEMPO do antes .................................................................. 92

4.3.3.3 Metáfora TEXTO do antes ................................................................... 93

4.3.4 Categorias dos usos do agora................................................................ 94

4.3.4.1 Metáfora TEMPO do agora .................................................................. 94

4.3.4.2 Metáfora TEXTO do agora .................................................................. 94

4.3.5 Categorias dos usos do depois .............................................................. 95

4.3.5.1 Metáfora ESPAÇO do depois .............................................................. 95

4.3.5.2 Metáfora TEMPO do depois ................................................................ 95

4.3.5.3 Metáfora TEXTO do depois ................................................................. 96

4.4 LINGUÍSTICA DE CORPUS NA BUSCA E NO TRATAMENTO DOS DADOS97

4.4.1 O Software WordSmith Tools ................................................................. 98

5 A MULTIFUNCIONALIDADE DE ANTES, AGORA E DEPOIS EM TESES DE

DOUTORADO ........................................................................................................... 99

5.1 USOS E FUNÇÕES DO ANTES, AGORA E DEPOIS SEGUNDO AS UR DA

TESE ACADÊMICA E AS ÁREAS DE CONHECIMENTO ..................................... 99

5.1.1 Usos e funções do antes ....................................................................... 101

5.1.1.1 Antes operador argumentativo de mudança de estado temporal (MET)

...................................................................................................................... 103

5.1.1.2 Antes operador argumentativo de mudança de estado discursivo

(MED) ............................................................................................................ 105

5.1.1.3 Antes sequencial textual (ST) ............................................................ 106

5.1.1.4 Antes sequenciador retomador (SR) ................................................. 107

5.1.1.5 Antes reformulador retificativo (RR)................................................... 109

5.1.1.6 Antes espacial (ESP) ......................................................................... 110

5.1.1.7 Funções do antes conforme áreas do conhecimento ........................ 111

5.1.2 Usos e funções do agora ...................................................................... 114

5.1.2.1 Agora operador argumentativo de mudança de estado temporal (MET)

...................................................................................................................... 116

5.1.2.2 Agora sequencial textual (ST) ........................................................... 117

5.1.2.3 Agora operador argumentativo de mudança de estado discursivo

(MED) ............................................................................................................ 119

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5.1.2.4 Agora dêitico temporal (DT) ............................................................... 120

5.1.2.5 Agora conector/juntor contrastivo (CTR) ........................................... 122

5.1.2.6 Funções do agora conforme áreas do conhecimento ........................ 124

5.1.3 Usos e funções do depois .................................................................... 125

5.1.3.1 Depois operador argumentativo de mudança de estado temporal (MET)

...................................................................................................................... 127

5.1.3.2 Depois dêitico temporal (DT) ............................................................. 130

5.1.3.3 Depois operador argumentativo de mudança de estado discursivo

(MED) ............................................................................................................ 131

5.1.3.4 Depois sequencial textual (ST) .......................................................... 132

5.1.3.5 Funções do depois conforme áreas do conhecimento ...................... 134

5.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS POSIÇÕES DE ANTES, AGORA E DEPOIS

............................................................................................................................. 135

5.3 INSTÂNCIAS DE MUDANÇA E DE ESTABILIDADE DOS SIGNIFICADOS/

FUNÇÕES DOS ITENS ANTES, AGORA E DEPOIS .......................................... 140

6 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 144

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 148

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1 INTRODUÇÃO

A língua, em seus diferentes usos e situações comunicativas, passa por

constantes mudanças, fazendo que novas construções sintáticas se estabeleçam, e

elementos existentes na língua apresentem relações semânticas para além daquelas

delimitadas pela tradição gramatical. É o que acontece com a classe dos advérbios.

As gramáticas tradicionais apresentam essa classe com suas características de

circunstanciadores, como tempo, modo, dúvida, intensidade, entre outros.

Apresentam ainda as classes das quais os advérbios podem ser modificadores: a) um

verbo; b) um adjetivo; e c) outro advérbio. Pode, também, modificar uma oração

inteira. Trata-se, portanto, de uma classe heterogênea que não se prende somente a

um núcleo mas também ao conteúdo semântico-discursivo da oração. Trata-se ainda

de uma classe pouco explorada diante da sua complexidade no âmbito funcional e

cognitivo.

Desse modo, o interesse em estudar essa classe advém da pesquisa de

Iniciação Científica PIBIC/CNPq intitulada “Estudos sobre a Gramaticalização das

Conjunções no Português do Brasil”, realizada por Figueiredo-Gomes e Bertuleza

(2011). Nesse caso, constatamos que havia uma grande tendência da trajetória de

mudança de advérbio > conjunção. Essa constatação nos motivou a analisar essa

tendência.

Nesse sentido, tendo realizado, durante o mestrado, uma pesquisa sobre os

usos de antes, agora e depois em dissertações acadêmicas, que pertenciam à área

de Linguística, Bertuleza (2013) observou que esses itens apresentam funções que

vão além da sua função prototípica como advérbio, pois, em certos contextos e

cotextos, apresentam funções que contribuem para a organização e a construção de

sentido do texto acadêmico. A autora mostrou, por meio de pistas sincrônicas, que

esses itens passaram por um processo de gramaticalização, assumindo funções mais

gramaticais e seguem a trajetória advérbio > conjunção.

Bertuleza (2013) mostrou também que ainda são poucos os trabalhos

voltados para o estudo desses itens. Entre os trabalhos desenvolvidos, há o de Lopes

e Morais (2000), que fazem um estudo sincrônico sobre o item antes e apresentam

que, em certos contextos, esse item perde o seu significado inicial de ordenação

temporal e assume um significado preferencial, cuja ordenação atua numa escala

avaliativa. Por sua vez, Oliveira (2009) faz um estudo sincrônico sobre o advérbio

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agora em dados orais e escritos da cidade de Natal-RN; já Rodrigues (2009) faz um

estudo pancrônico em textos do latim até o século XX também sobre o item agora; e

Souza Júnior (2005) faz um estudo sincrônico nas tiras de quadrinhos de “Gatão de

Meia idade”, de Miguel Paiva, sobre o item agora. Salientamos que os três estudos

mostram que o advérbio agora segue a trajetória de abstratização ESPAÇO > TEMPO

> TEXTO.

Sobre o advérbio depois, há um estudo diacrônico de Martelotta (1994) que

apresenta o item com valor de conector, funcionando como um organizador do

discurso, um sequencializador textual. Gonçalves (2007) também faz um estudo sobre

o item depois em dados orais do português dos cariocas, em que o item exerce

funções espacial, temporal, contrastiva, sequencial e aditiva.

Esta pesquisa dá continuidade à que foi realizada no mestrado. Nessa

perspectiva, estende o objetivo ao analisar valores, funções e usos de antes, agora e

depois conforme as unidades retóricas (UR) de teses de doutorado e as respectivas

áreas de conhecimento à luz da Linguística Funcional norte-americana, hoje

considerada como Funcionalismo Clássico. Essa corrente teórica estuda a língua em

uso, considerando a competência comunicativa dos indivíduos e os fatores externos

que cercam o ato de fala e não somente o fato de os sujeitos codificarem e

decodificarem informações. As ciências da linguagem cada vez mais apresentam

contribuições para os variados fenômenos linguísticos falados ou escritos em

situações reais de uso, possibilitando a compreensão desses fenômenos, como

também permitindo que possamos descrevê-los, e até explicá-los, à luz de

pressupostos teóricos consistentes e aceitos na academia.

Partimos da hipótese de que, assim como nos textos acadêmicos inseridos na

área de Linguística, os itens antes, agora e depois assumem usos e valores mais

específicos conforme as diferentes unidades retóricas de trabalhos acadêmicos e as

diferentes áreas do conhecimento. Com base nesse objetivo e na hipótese,

objetivamos, mais especificamente: a) verificar os usos dos itens antes, agora e

depois, conforme as diferentes unidades retóricas da tese acadêmica e as diferentes

áreas de conhecimento; b) descrever os significados/funções dos itens antes, agora e

depois, segundo os aspectos relativos à dimensão significativa e à dimensão formal,

sobretudo a posição; e c) apresentar as instâncias de mudança e de estabilidade dos

significados/funções dos itens antes, agora e depois.

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O corpus utilizado para o estudo é constituído pelo banco de dados Texto

Acadêmico Tese de Doutorado – TACTESE (FIGUEIREDO-GOMES; BERTULEZA,

no prelo), que compila teses de doutorado, distribuídas conforme as seis áreas do

CNPq, divididas, por razões metodológicas, em três grupos, quais sejam: 1. ciências

formais: Ciências Exatas e da Terra; 2. ciências factuais naturais: Ciências Biológicas;

Ciências da Saúde; 3. ciências factuais culturais: Ciências Sociais Aplicadas; Ciências

Humanas; e Linguística, Letras e Artes. Visando à homogeneidade do volume

amostral analisado nas teses acadêmicas, selecionamos, para esta pesquisa, 24

(vinte e quatro) teses, com uma média de 150 a 200 páginas, totalizando cerca de 1

milhão de palavras, constituindo, assim, um corpus representativo do Português Culto

Brasileiro, norma exigida em trabalhos acadêmicos.

Esta pesquisa se caracteriza como empírica e descritiva, com uma

abordagem qualitativa e quantitativa. Analisamos as amostras coletadas conforme as

unidades retóricas do texto acadêmico tese de doutorado e as suas áreas de

conhecimento, a saber: introdução, referencial teórico, metodologia, análise de dados

e conclusão, expondo o comportamento sintático, semântico-discursivo dos usos de

antes, agora e depois, as suas funções e os seus valores. Para o recenseamento, o

levantamento da frequência e o tratamento dos dados, utilizamos, com base na

Linguística de Corpus, as ferramentas do suíte WordSmith Tools (SCOTT, 2008).

Esta tese está organizada na seguinte ordem: além desta introdução,

apresentamos a fundamentação teórica, que se ancora na abordagem da Linguística

Funcional norte-americana, hoje tratada considerada como Funcionalismo Clássico,

que estuda os fenômenos da mudança linguística a partir da língua em uso.

Buscamos, nessa seção, discorrer sobre a concepção de gramática, como também

sobre o fenômeno da mudança nessa perspectiva, destacando os princípios de

iconicidade, marcação e unidirecionalidade, caracterizando o paradigma da

gramaticalização de itens e de construções gramaticais.

A terceira seção é composta pelos estudos funcionalistas sobre os itens antes,

agora e depois. Em relação ao antes, apresentamos o trabalho de Lopes e Morais

(2000) e Bertuleza (2013); já acerca do agora, trazemos os estudos de Niedzieluk

(2004), Souza Júnior (2005), Duque (2009), Rodrigues (2009), Philippsen (2011) e

Bertuleza (2013); quanto ao item depois, são apresentados os trabalhos de Martelotta

(1994), Lopes e Morais (2000), Gonçalves (2007) e Bertuleza (2013).

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A quarta seção traz os procedimentos metodológicos adotados para a busca

dos usos dos itens antes, agora e depois. Desse modo, relacionamos as hipóteses

em correspondência com os objetivos; o corpus; e as categorias de análise com base

na Linguística Funcional norte-americana. Discorremos brevemente sobre a

Linguística de Corpus, centrando no suíte que utilizamos para a busca e o tratamento

dos dados, no intuito de verificar a frequência dos usos e, a partir das amostras, fazer

a análise qualitativa.

Na quinta seção, apresentamos os resultados obtidos na investigação,

mostrando a multifuncionalidade de antes, agora e depois no texto acadêmico tese de

doutorado, segundo a preferência de usos e as funções espaciais, temporais e

textuais nas diferentes unidades retóricas da tese acadêmica. Com base na

frequência dos usos no texto acadêmico tese de doutorado de diferentes áreas

científicas, apresentamos as instâncias de mudança e de estabilidade de usos mais

conservadores. Por fim, a sexta seção traz a conclusão deste estudo.

Ensejamos que esta pesquisa seja relevante tanto academicamente – ao

contribuir com pesquisas futuras que considerem o paradigma funcionalista clássico,

além da aplicação e da orientação de trabalhos de conclusão de curso – como

pedagogicamente, no que se refere a fundamentar os professores e oferecer dados,

com base em resultados empíricos, para uma aplicação escolar que vise a uma

compreensão do funcionamento e dos usos dos elementos em estudo.

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2 LÍNGUÍSTICA FUNCIONALISTA NORTE-AMERICANA: O FUNCIONALISMO

CLÁSSICO

Nesta seção, apresentamos a teoria funcionalista que dá embasamento a esta

investigação, qual seja: a vertente Linguística Funcionalista norte-americana,

hodiernamente considerada como Funcionalismo Clássico. Esse modelo abriga os

estudos relativos à gramaticalização de itens e de construções lexicais, verificando a

relação entre a estrutura das línguas e o uso que os falantes fazem delas nos

contextos reais de comunicação. Primeiramente, apresentamos aspectos

introdutórios sobre a Linguística Funcionalista norte-americana, seguidos da

concepção de gramática. Depois, detemo-nos sobre o fenômeno da gramaticalização

e sua propriedade unidirecional. Por último, discorremos sobre os processos e

mecanismos motivadores da gramaticalização.

A teoria funcionalista, cada vez mais, tem se constituído um importante

parâmetro para estudos que buscam o conhecimento de fenômenos essenciais

quanto ao uso real da língua, principalmente para estudos que analisam processos

linguísticos e de variação ou mudança de itens ou construções lexicais em relação à

emergência de suas novas funções/significados, como, por exemplo, o processo de

gramaticalização. O Funcionalismo norte-americano surge nos Estados Unidos a

partir da década de 1970, destacando os trabalhos de linguistas como Sandra

Thompson, Paul Hopper e Talmy Givón. Essa corrente linguística entende que a

sintaxe de uma língua possui estruturas em constante mutação, originadas do

discurso e das estratégias de organização das informações elaboradas pelos falantes

durante a atividade comunicativa.

É essa linha funcionalista em que nos ancoramos e a que estaremos nos

referindo ao longo da tese ao mencionarmos o termo funcional(ismo). Trata-se de uma

corrente que estuda como as pessoas fazem uso da língua em situações reais de

comunicação, contrapondo-se, assim, ao estruturalismo e ao gerativismo. Sob o

paradigma funcionalista, está a hipótese de que a forma da língua deve refletir, em

alguma situação, a função que exerce.

De acordo com essa abordagem funcionalista, os fenômenos linguísticos

devem ser explicados a partir de frases que fazem parte do contexto real dos usuários

da língua. Contrapõe-se, assim, ao uso de frases inventadas e totalmente

descontextualizadas, como fazem as gramáticas normativas tradicionais. Esse tipo de

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estudo postula que pesquisas sobre linguagem devem verificar como a língua é usada

nos processos comunicativos, nas circunstâncias discursivas e nas condições de

produção. O estudo da língua tem, pois, como foco, a situação comunicativa. Desse

modo, a partir do entendimento de que a língua desempenha funções que são

externas ao sistema linguístico e de que essas funções externas influenciam a

organização interna do sistema linguístico, a Linguística Funcional norte-americana

busca explicar a forma da língua por meio do uso que se faz dela.

De acordo com Hopper e Traugott (2003) e Bybee (2010), a língua é usada

para atender necessidades interativas, e suas estruturas devem ser explicadas com

base no uso real a que elas se prestam. Assim, a língua é vista como um “sistema

adaptativo” (DU BOIS, 1985), uma “estrutura maleável” (BOLINGER, 1977) e

“emergente” (HOPPER, 1987), pois está sujeita às pressões do uso, ou seja, a

codificação linguística é resultante do uso da língua. Tendo explicitado os

pressupostos teóricos gerais da Linguística Funcionalista norte-americana,

discorremos, em seguida, sobre conceitos-chaves dessa corrente que são

indispensáveis para este trabalho.

2.1 CONCEPÇÃO DE GRAMÁTICA

A gramática é vista pela Linguística Funcional como um conjunto de

regularidades convencionalizadas por meio da repetição. Em outras palavras,

expressões e orações antes inovadoras, por serem muito usadas, acabam se

tornando rotinizadas e, assim, passam a fazer parte do repertório linguístico dos

falantes e da gramática de uma língua.

Du Bois (1985) considera a gramática como um sistema adaptativo em que

forças motivadoras dos fenômenos externos penetram no domínio da língua e passam

a interagir com forças organizadoras internas, competindo e se conciliando

sistematicamente com elas. Assim, a gramática é concebida como um “sistema

aberto, fortemente suscetível à mudança e intensamente afetado pelo uso que lhe é

dado no dia a dia” (FURTADO DA CUNHA; TAVARES, 2007, p. 18).

No contexto dos estudos funcionalistas, surge a noção de gramática

emergente, apresentada por Hopper (1987), como sendo uma gramática suscetível à

mudança e substancialmente afetada pelo uso constante de determinada forma, em

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que novas estruturas gramaticais se desenvolvem. Nesse sentido, a regularidade da

gramática é apenas passageira e nunca totalmente completa.

Considerando o aspecto emergente da gramática, as regras que regulam o

sistema linguístico resultam de um grupo de princípios de adaptação contextual. A

gramática, sob esse viés, é um fenômeno sociocultural em que sua estrutura e sua

regularidade vêm do discurso, sendo moldadas em um processo contínuo. Exemplo

disso é a posição do sujeito na predicação em português: podemos colocar o sujeito

antes ou depois do verbo, mas, ao formular as frases, temos de decidir em que parte

vai aparecer, o que não é arbitrário, já que é o contexto de uso o fator motivador da

escolha. Assim, dominar uma gramática de uma língua significa dominar os

mecanismos de natureza sintática e os processos associados à organização textual

(planos discursivos, coesão e coerência etc.) e aos fenômenos interacionais

(intenções e expectativas dos participantes, leituras de interação, implicaturas

conversacionais etc.). Ademais, existe uma estreita relação entre esses pontos,

porque o texto é organizado contextualmente e no próprio lugar da interação, já que

os interlocutores, “como sujeitos ativos, negociam o sentido de maneira interativa,

tanto respondendo ao contexto quanto criando contexto” (TRAUGOTT; DASCHER,

2005).

Em relação à organização textual, Furtado da Cunha, Costa e Cesário (2003)

afirmam que cada indivíduo organiza seu texto objetivando atender suas

necessidades comunicativas levando em conta seu interlocutor. A partir dessa

organização, o indivíduo deixa evidente a distinção entre o que é eixo central e o que

é periférico em seu contexto. O grau de transitividade reflete a função discursiva em

baixa e/ou alta densidade, de modo que permite apontar nos planos discursivos a

noção de figura e fundo.

Tal noção surge da teoria Gestalt, advinda da Psicologia do século XX, por

meio de estudos sobre a percepção cognitiva no campo visual (HOPPER, 1979). Na

Linguística, essa noção tem contribuído com os estudos sobre a organização do texto.

Furtado da Cunha, Costa e Cesário (2003) compreendem que:

Por figura entende-se aquela porção do texto narrativo que apresenta a sequência temporal de eventos concluídos, pontuais, afirmativas, realis, sob a responsabilidade de um agente, que constitui a comunicação central. Já fundo corresponde à descrição de ações e eventos simultâneos à cadeia da figura, além das descrições de estados, da localização dos participantes da narrativa e dos comentários avaliativos (FURTADO DA CUNHA; COSTA; CEZÁRIO, 2003, p. 39).

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Nesse sentido, nas pesquisas linguísticas, o maior número de estudos sobre

os planos discursivos tem sido aplicado à narrativa, em que a figura representa o

esqueleto e/ou rascunho do texto, fazendo com que o discurso avance e apresente

uma sequência temporal dos acontecimentos, estando, assim, em primeiro plano

como informação principal. Já o fundo é considerado a moldura, a parte do texto em

que são apresentadas as informações de descrição de estados, da localização dos

participantes presentes nas narrativas, como também a descrição de ações e

acontecimentos simultâneos aos planos da figura. Trata-se, assim, de informações

secundárias que enriquecem o texto narrativo.

Vale ressaltar que apesar de figura e fundo serem aplicados com mais

frequência em textos narrativos, tais aspectos podem ocorrer em outros tipos de

produções textuais, como, por exemplo: descrição, relatos de procedimento ou de

opinião. É possível acontecerem situações em que um texto narrativo funcione como

fundo em textos não narrativos mais amplos. Assim, as noções apresentadas são

relevantes neste estudo para que possamos observar os planos discursivos em que

os itens antes, agora e depois aparecem e se esses planos estão ligados de algum

modo à gramaticalização desses itens.

Em relação aos fenômenos interacionais, há uma implicatura conversacional

que desempenha um importante papel na mudança linguística, por se tratar de um

tipo de inferência em que o significado de uma frase não corresponde ao sentido literal

e é deduzido do contexto. Segundo Martelotta (2003), em determinadas mudanças

por gramaticalização pode ocorrer o mecanismo chamado pressão por informatividade

que se refere a um processo em que, por convenção de implicaturas conversacionais

e motivado pelo contexto em que ocorre, o elemento linguístico passa a assumir um

novo valor que pode ser intuído pelo primeiro. Para exemplificar, apresentamos o caso

do item entretanto: (ex.: “Estudou muito, entretanto, não passou”) que, atualmente, é

usado como conjunção adversativa, cuja origem está na antiga expressão entre tanto.

De acordo com Said Ali (1971 apud MARTELOTTA, 2003, p. 67), esse item

“desempenhava função de circunstanciador temporal com valor de entrementes,

enquanto isso sucede”. O uso, atualmente, é totalmente diferente do seu significado

original presente em textos arcaicos do português de advérbio de tempo com o sentido

de “enquanto isso”, “ao mesmo tempo” “entre tantos acontecimentos”.

A esse respeito, Grice (1975) afirma que a implicatura seria consequência da

quebra de uma ou mais de uma das cinco máximas que ele propôs, a saber: máxima

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da quantidade, da qualidade, da maneira, da relação e da relevância. Nessa

perspectiva, o indivíduo, ao violar uma das máximas, gera uma implicatura, permitindo

que o ouvinte faça uma inferência, interpretando um sentido novo B com base em um

sentido velho A. As implicaturas são denominadas pelo autor de conversacionais, pois

as inferências acontecem somente em instâncias de conversação específicas, ou

seja, em alguns contextos de uso e não em outros, o que nos leva a refletir que o

contexto é importante para a interpretação desse novo sentido, sempre buscando

atender os propósitos comunicativos.

Nesse sentido, a noção de gramática adotada pela corrente funcionalista é a

de sistema flexível, que é emergente, estando em constante mudança em um

processo nunca totalmente completado. Assim, as “novas estruturas” criadas pelos

falantes da língua dificilmente são constituídas de novas formas linguísticas, o que

representa, com base em Heine (1994), o engajamento de velhas formas para novos

significados. Desse modo, comumente acontece a utilização de itens e construções

lexicais para usos mais gramaticais, como também para usos com intenções

discursivas e interacionais. Esse é o fenômeno chamado gramaticalização, que será

visto adiante.

2.2 A MUDANÇA LINGUÍSTICA

As pesquisas existentes sobre mudança linguística de uso têm refletido cada

vez mais uma preocupação com os processos de gramaticalização, como também

com o desenvolvimento das construções gramaticais que refletem as regularidades

de uma língua. Sob essa ótica, podemos afirmar que o que influencia de modo direto

as mudanças de uma língua são precisamente os usos que se fazem dessa língua

pelas diversas esferas sociais. Trazemos esse assunto à baila, já tratado em Bertuleza

(2013), para entendermos o comportamento dos novos usos de antes, agora e depois,

de forma diferente do uso prototípico como advérbio.

Segundo Martelotta (2003), as línguas são susceptíveis às nuanças culturais

relacionadas ao estilo de vida dos indivíduos. Nesse processo, de um lado, a língua

apresenta “as variações de natureza individual, social, regional, sexual, entre outros,

que convivem em um momento do tempo, e, de outro lado mudanças que se

manifestam com o passar do tempo” (MARTELOTTA, 2003, p. 57). O autor acrescenta

que o tempo não é o único modo que desencadeia a variação, para, em seguida,

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ocorrer a consolidação da mudança. Esses fatores coexistem e permitem que

aconteçam os processos de gramaticalização de algumas categorias gramaticais.

Ainda de acordo com Martelotta (2003), os processos que geram a variação

e, posteriormente, a mudança são unidirecionais. Nesse sentido, existem nas

categorias gramaticais funções prototípicas que levam a outras, sem que o uso antigo

desapareça. Essa noção defendida pelo autor postula, segundo o proposto por

Hopper (1991), que os processos de gramaticalização ocorrem de duas formas (das

cinco propostas por Hopper) – por camadas e por divergência. Para ele:

O princípio de camadas refere-se ao fato de que as línguas frequentemente possuem mais de uma forma para desempenhar funções idênticas, sendo, nesse caso, importante registrar que a forma nova não implica o desaparecimento da forma existente. No caso da divergência, tem-se um conjunto de formas com a mesma etimologia, desempenhando funções diferentes (MARTELOTTA, 2003, p. 57-58, grifo do autor).

Segundo Martelotta (2003), a gramaticalização das categorias gramaticais

tende a seguir por dois caminhos: o primeiro seria o de várias formas apresentarem

várias funções; e o segundo seria um conjunto de formas oriundas de línguas

diferentes para uma mesma língua desempenhando outras funções além daquela

prototípica. Na língua original, tais formas apresentavam uma determinada função e,

na língua que se constituiu, passam a desempenhar outras funções além daquela

prototípica. Em outras palavras, as categorias gramaticais seguem exercendo suas

funções prototípicas e ainda apresentam outras que não a original, mas que, de

alguma forma, estabelecem relação com a função primeira.

De acordo com os pressupostos teóricos do funcionalismo, a mudança

linguística é um processo natural que ocorre com todas as línguas do mundo. A

sociedade é heterogênea e como a língua é a imagem das atividades humanas, ela

também é heterogênea e está suscetível às mudanças estruturais ou sociais. As

línguas, portanto, não são estanques, mudam com o passar do tempo e com os usos

que se fazem delas.

Martelotta (2003) afirma que a mudança linguística não deve ser entendida

como uma diacronia linear, descrita apenas por transformações decorrentes da

evolução temporal, mas como:

A mudança linguística deve ser entendida como um fenômeno tridimensional, ou seja, a trajetória de mudança de um elemento linguístico é um reflexo de, pelo menos, três aspectos diferentes: tempo e, sobretudo, cognição e uso. Se tempo é fator necessário para que os processos de mudança se façam sentir, cognição e uso são de

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fundamental importância para uma teoria que interpreta as línguas humanas como o reflexo do comportamento, no ato concreto da comunicação, das restrições cognitivas associadas à captação de dadas da experiência, à sua compreensão e ao seu armazenamento na memória, assim como à capacidade de organização, acesso, utilização e transmissão adequada desses dados (MARTELOTTA, 2003, p. 69, grifo do autor).

Nesse sentido, o tempo, a cognição e o uso são apresentados pelo autor como

fatores que desencadeiam a trajetória de mudança de um item linguístico. Esses

fatores irão interpretar dados das nossas experiências passadas e/ou atuais no

momento da interação, constituindo, assim, um caráter linear do processo de

mudança linguística, iniciando de algo concreto e próximo dos indivíduos para algo

menos concreto e afastado deles. Desse modo, a situação comunicativa é o foco da

mudança linguística, pois é nela que os sujeitos irão usar a língua conforme suas

necessidades.

Assim, é possível que ocorra o aparecimento de novos significados, que não

se referem à palavra nova, mas à que já existe no vocabulário dos falantes e que

amplia seu sentido a fim de suprir um novo sentido que necessita de denominação.

Outrossim, a função nova não se refere a um sentido completamente novo para a

palavra, muitas vezes, ocorre de esta manter alguns traços semântico-pragmáticos e

estruturais da função original.

Como vimos, existe um aspecto importante relacionado à regularidade da

mudança: é a sua tendência à unidirecionalidade, já que quando um elemento ou

expressão que apresenta sentido representacional passa a ser usado para expressar

noções gramaticais e se referir a estratégias comunicativas e a atitudes subjetivas dos

usuários, esses elementos tendem a se tornar mais idiomáticos. Esse processo ocorre

de modo gradual, de forma que os elementos vão mudando de sentido, perdendo suas

características morfossintáticas a partir do uso que vai se estendendo para novos

contextos.

Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991, p. 85) expõem uma trajetória ascendente

de abstração semântica dos itens lexicais e afirmam que: “as formas associam-se a

significados progressivamente mais abstratos, partindo da noção de espaço, podendo

ou não passar pela noção de tempo e desaguando na categoria mais abstrata de

texto”, conforme o esquema a seguir:

Espaço > (Tempo) > Texto

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Com base nessa trajetória, um elemento espacial com propriedades mais

básicas e mais concretas passa a transferir essa noção a um elemento temporal cujas

propriedades são mais concretas do que a textual, nesse processo que vai do mais

para o menos concreto. Silva (2005) ressalta que, assim, ocorre uma “mudança

semântica de caráter progressivo” com deslocamento dos sentidos das formas

linguísticas, mas sem que as formas ou funções existentes necessitem desaparecer.

Gramaticalização, portanto, nas palavras de Heine (2003, p. 599): “é um dos

fatores que determinam a história e o desenvolvimento da gramática”. A partir dessa

interpretação, podemos exemplificar o processo de gramaticalização do item depois,

que, de uma origem espacial indicando espaço físico, por meio da trajetória metafórica

espaço > tempo > texto e, em consequência do uso, parece perder essas

propriedades espaciais e temporais, assumindo uma característica textual.

2.3 GRAMATICALIZAÇÃO

Dentre os diversos processos de mudança linguística, a gramaticalização é

destacada como um dos mais corriqueiros que se tem analisado, principalmente pelos

funcionalistas. Tais estudos confirmam a ideia de que a mudança do sistema

linguístico é constante, seja pelo surgimento de novas funções para formas já

existentes, seja devido a novas formas para funções igualmente existentes.

O processo de gramaticalização, na perspectiva funcionalista deste estudo, é

visto de diferentes formas pelos estudiosos da área. Gonçalves, Lima-Hernandes e

Casseb-Galvão (2007, p. 27), por exemplo, apresentam a evolução dos estudos

linguísticos sobre gramaticalização de acordo com três propostas de trajetórias, quais

sejam:

(i) a versão de Meillet (1948), que concebe a gramaticalização como a

passagem [+ lexical] > [- lexical];

(ii) a oferecida por Kurilowicz (1964), que adiciona ao cline de Meillet a

passagem [-gramatical] > [+ gramatical];

(iii) as versões dos estudos atuais [qualquer material linguístico] >

[+gramatical].

O primeiro estudioso a propagar o termo gramaticalização foi Meillet (1948),

quando mostrou que se trata da passagem de uma palavra autônoma à função de

elemento gramatical. Esse estudioso afirma que toda vez que um elemento linguístico

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é empregado, seu valor expressivo diminui e a repetição tende a degastar esse

elemento. É desse modo que novas formas são criadas em decorrência do desgaste

gradativo das palavras. Depois da concepção de gramaticalização apresentada por

Meillet (1948), o termo e as trajetórias começaram a ser apresentados de forma

variada entre os estudiosos, como mostra a evolução traçada por Gonçalves, Lima-

Hernandes e Casseb-Galvão (2007).

A partir dos anos de 1970, aconteceu um resgate do papel das transformações

diacrônicas nas explicações da sintaxe. A partir daí, gerou-se a ideia de que o discurso

é que motiva as transformações que os elementos linguísticos sofrem e que essas

transformações apresentam uma unidirecionalidade, ou seja, elas seguem do discurso

para a gramática.

Para Traugott e König (1991), a gramaticalização é um processo dinâmico,

unidirecional e diacrônico, ou seja, por meio da evolução temporal, um item lexical

adquire um estatuto gramatical. Já Traugott e Heine (1991) ressaltam que a

gramaticalização se trata de um processo tanto diacrônico quanto sincrônico de

organização categorial e de codificação.

Segundo autores mais recentes, como Bybee (2010), a gramaticalização é

comumente definida como “o processo pelo qual um item lexical ou uma sequência

de itens tornam-se um morfema gramatical, mudando sua distribuição e função no

processo”. Além disso, a autora ressalta que, mais recentemente, tem sido observado

que a gramaticalização de itens lexicais está ocorrendo em construções particulares,

criando, assim, novas construções (BYBEE, 2003; TRAUGOTT, 2003). Assim, para a

autora, não se pode dizer apenas que um item lexical torna-se gramaticalizado, pois

as construções com itens lexicais também podem tornar-se gramaticalizadas.

Com o processo de gramaticalização, os elementos perdem a liberdade

comum da criatividade contextualmente motivada pelo discurso e acabam tornando-

se mais fixos e mais regulares. É o caso dos advérbios de lugar que assumem a

função de conjunção e não vice-versa e de vocábulos que viram afixos e não vice-

versa.

Particularmente, adotamos a versão em que a gramaticalização se caracteriza

como um processo diacrônico e um continuum sincrônico que afeta tanto as formas

que vão do léxico para a gramática como as formas que mudam no interior da

gramática. Seguimos, por exemplo, Martelotta (2003) que, objetivando exemplificar os

processos regulares de gramaticalização de advérbios, mostra que o desenvolvimento

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de conjunções a partir de advérbios parece refletir uma transferência para a estrutura

do texto de elementos derivados do mundo das experiências sensório-motoras, dos

processos científicos relacionados a objetos concretos, como também a noções

espaciais e temporais envolvidas nesses processos. Para tanto, o autor cita o estudo

de Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991) que propõem um processo analógico

denominado metáfora espaço > discurso com o intuito de caracterizar um tipo de

mudança comum que leva elementos de valor espacial a assumir funções típicas das

conjunções. Vejamos, pois, cinco amostras, em (2), apresentadas por Martelotta

(2003, 2011):

(2) a. Lançados som fora do mudo e descenderõ aos jnfernos e outros se leuãtarõ e seu logo (MALER, Orto do esposo, 1956). b. A primeira natureza da poonba he que em logo de cantar geme (ROSSI et al., Livro das aves, 1965). c. A serra estava totalmente deserta, e os pingos de chuva que começavam a cair, logo se transformaram em um verdadeiro temporal (Corpus D&G). d. ...e sentei-me na cama afim de vesti-la, mas acontece que em cima da cama havia um ferro de passar roupa usado a poucos instantes e logo quente ainda, sentei-me sobre ele e foi uma dor enorme (Corpus D&G). e. Falar do meu quarto! Logo do meu quarto! Bem o meu quarto é uma verdadeira bagunça. É roupa pra lá e roupa pra cá. Você sabe como é quarto de menino (Corpus D&G).

Em (2), as amostras ilustram o processo de gramaticalização que o item logo

sofreu. As ocorrências (2a) e (2b) apresentam usos espaciais significando no lugar,

no momento. Já em (2c) e (2d), o item apresenta valores temporal e textual como

conjunção conclusiva. Em (2e), temos um uso mais enfático de logo, indicando a

posição do falante em relação ao que fala. Assim, os usos apresentados em (2d) e

(2e) já estão gramaticalizados, pois apresentam função interna ao funcionamento da

língua, marcando uma intenção do falante de organizar os argumentos na sua fala.

Para Martelotta (2003, p. 63), os valores apresentados pelo item logo mostram

que, em muitos casos de desenvolvimento de conjunções, a polissemia do elemento

apresenta também um valor temporal. Desse modo, retomamos Heine, Claudi e

Hunnemeyer (1991) que apresentam a trajetória de mudança semântica que um

elemento pode seguir até atingir o status de conectivo: ESPAÇO > TEMPO > TEXTO.

Nesse caso, a metáfora aconteceria em função da extensão analógica do uso espacial

do termo para valores temporais e textuais.

Segundo Furtado da Cunha et al. (2003, p. 51), o termo gramaticalização pode

ser tomado em dois sentidos relacionados: no estrito, “ocupa-se da mudança que

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atinge as formas que migram do léxico para a gramática”, e no mais amplo, a

gramaticalização “busca explicar as mudanças que se dão no interior da própria

gramática, compreendendo aí os processos sintáticos e/ou discursivos de fixação de

ordem vocabular”. Nesse sentido mais amplo, busca-se, pois, explicar os fenômenos

de variação e mudança linguística, que se modificam tanto sincrônica como

diacronicamente, considerando aspectos relacionados tanto à significação –

envolvendo tempo, discurso, cognição e sentido – quanto à estrutura, no plano

morfossintático e fonológico. No plano significativo, os fatores discursivos,

pragmáticos, semânticos e cognitivos funcionam para satisfazer demandas

comunicativas, seguindo, do plano discursivo para a regularização estrutural, um

crescente grau de abstratização. No plano formal, estão os processos de mudança da

própria gramática.

Nessa perspectiva, Hopper (1987) afirma que, subjacente ao processo de

gramaticalização, existe uma concepção de língua como atividade no tempo real, que,

a rigor, não há gramática como produto acabado, mas sim em constante

gramaticalização. Por sua vez, Neves (2002) afirma que a gramaticalização, na

perspectiva da Linguística Funcionalista, analisa a função como propiciadora da

reflexão, entendendo função como a junção entre o estrutural e o funcional, e não

simplesmente como uma entidade sintática. Desse modo, as diversas funções dos

itens e suas diferentes significações estão em acordo com a eficiência e a

necessidade da comunicação entre os usuários de uma língua. Tendo a compreensão

da gramaticalização como um processo de mudança linguística, buscaremos

apresentar alguns princípios para compreendermos esse tipo de mudança e delinear

sua caracterização.

2.3.1 Princípio da unidirecionalidade

A unidirecionalidade, nos últimos anos, gerou debates calorosos. De um lado,

havia os contraditores, a exemplo de Newmeyer (1998); Janda (2001); Joseph (2001),

que questionavam a unidirecionalidade e procuravam evidências empíricas contra ela.

De outro lado, existe um número maior de autores que são favoráveis a essa hipótese,

pois existe uma publicação inteira de Linguistics (1995, editada por ANS van

KEMENADE) que foi dedicada a entender como categorias funcionais surgem de

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categorias lexicais, e também para estabelecer o elo entre as abordagens

fundamentalmente funcionalistas e as formalistas para a gramaticalização.

As contestações sobre o princípio da unidirecionalidade caem por terra se

considerarmos os argumentos dos estudiosos da gramaticalização, a saber: a) as

mudanças não acontecem de forma abrupta e isso não significa a exclusão da forma

antiga; b) a forma mais antiga e a inovadora podem permanecer em competição na

língua; e c) a teoria dos protótipos ajuda-nos a reconhecer uma gradação, o chamado

“cline”, entre os membros de uma determinada categoria. A esse respeito, Martelotta

(2010) afirma que em muitos dos contraexemplos ao princípio da unidirecionalidade

apresentados na literatura não há reversão do processo de gramaticalização, mas sim

a atuação de processos diferentes. Assim, para o autor, é preciso buscar as

motivações do processo de gramaticalização nos mecanismos gramaticais que

apresentem aspectos gerais de seu funcionamento, fortalecendo, assim, a sua

constituição com princípios teóricos consolidados.

Um aspecto importante da teoria da gramaticalização é que ela é

caracterizada como unidirecional. Sob esse viés, elementos representacionais se

tornam gramaticais e não o contrário. Heine e Kuteva (2007) apresentam quatro

parâmetros de gramaticalização que mostram essa tendência à unidirecionalidade. O

primeiro parâmetro é o da extensão (ou generalização de contextos), que se

caracteriza pelo desenvolvimento de usos em novos contextos, ou seja, os elementos

que estão envolvidos no processo acabam assumindo, com a mudança, um novo

conjunto de contextos de uso e novas características estruturais. Desse modo, a

extensão é um fenômeno eminentemente gradual. No princípio da extensão estão

envolvidos os seguintes componentes: os de natureza sociolinguística, pelo fato de

que uma inovação na língua surge de um ato individual e se estende para outros

falantes; o discursivo-pragmático, por envolver o espalhamento do item ou da

construção para novos contextos discursivos ou pragmáticos; e o semântico, que

atribui ao elemento um novo valor que surge dos novos contextos.

A noção de um elemento ter seu sentido estendido para novos valores tem

relação com o denominado princípio da exploração de velhos meios para novas

funções, de Werner e Kaplan (1963), em que a criação de novos nomes não exige

inventar palavras novas, mas aproveitar o que já existe na língua. É o que acontece

com a mudança por gramaticalização: o material para o desenvolvimento de novos

elementos gramaticais não é imaginado, mas retirado dos elementos ou de

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expressões de natureza lexical que funcionam no nível representacional e são mais

delineáveis semanticamente.

O segundo parâmetro é a dessemantização (ou redução semântica), que é

caracterizada pela perda de conteúdo semântico. Ocorre quando os elementos que

estão envolvidos no processo de gramaticalização perdem o valor representacional e

passam a assumir nova função gramatical. Com isso, os elementos adquirem funções

de natureza pragmático-discursiva, perdendo parte de seu sentido original quando é

reinterpretado nos novos contextos.

O terceiro parâmetro é a decategorização (ou mudança categorial), que se

caracteriza pela perda de propriedades típicas das formas fonte e pela aquisição de

novas características morfossintáticas ou discursivas. Em outras palavras, seria a

mudança de classe gramatical.

Já o quarto parâmetro é a erosão (ou redução fonética), caracterizada pela

perda de substância fonética. Nesse caso, o elemento pode sofrer a coalescência

(fusão de formas adjacentes) e a condensação (diminuição de forma). Esse parâmetro

é visto como uma consequência da frequência do uso ou até da construção,

implicando, assim, o processo da univerbação (HOPPER; TRAUGOTT, 2003) em que

construções inteiras são envolvidas como, por exemplo, em boa hora > embora. Como

podemos perceber, o princípio da unidirecionalidade é definidor por excelência da

gramaticalização, pois as mudanças realmente se efetivam, a priori, numa direção

única e irreversível.

2.1.3.1 Trajetória de gramaticalização

Na literatura funcionalista, em relação à gramaticalização, podemos observar,

a partir dos exemplos, que as diferentes trajetórias propostas resultam das

observações de um objeto específico ligado ao interesse próprio do pesquisador que

o elabora, como pode ser visto em: local > temporal > lógico > ilocutivo > discursivo

(ABRAHAM, 1991), proposicional/ideacional > textual > interpessoal/expressivo

(TRAUGOTT; KÖNIG, 1991), pessoa > objeto > espaço > tempo > qualidade (HEINE;

CLAUDI; HÜNNEMEYER, 1991).

Nesse processo, há um conjunto de trajetórias mais específicas, que vai além

das trajetórias gerais (mais canônicas), embora estas sejam igualmente regulares,

que possibilitam explicar a passagem de um dado elemento de uma categoria

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gramatical para outra. Martelotta, Votre e Cezario (1996, p. 47-48) expõem algumas

trajetórias de gramaticalização no português do Brasil, como:

a trajetória de elemento linguístico do léxico à gramática, como na

passagem de verbo pleno a verbo auxiliar, ou do verbo ir (movimento) a auxiliar

(designando futuro);

a trajetória de vocábulo a morfema, como a passagem de hei de amar >

amarei;

a trajetória de elemento linguístico da condição de menos gramatical

(menos regular) para mais gramatical (mais regular), como menos > menos;

a trajetória de elemento linguístico de mais referencial a menos

referencial, como a do operador argumentativo logo (valor de advérbio espacial do

latim locu) e a função argumentativa como conjunção conclusiva. Esse movimento é

definido pela perda de significação de referentes extralinguísticos e aquisição de

significados pragmáticos, sendo referente a estratégias comunicativas dos

participantes, e, em dados textuais, à organização interna dos argumentos no texto;

a trajetória que induz uma construção sintática a se especializar em uma

função gramatical, como a construção verbo-sujeito, que funciona como introdutora

de informação nova e de sujeito não tópico;

a trajetória de construções negativas relativamente livres a mais fixas em

função de estratégias discursivas específicas, como os três tipos de negativas na fala

de Natal/RN: a negativa canônica não+SV é a mais frequente; depois a negativa

dupla, que se limita a contextos que representam uma pausa temática; e, por último,

a construção de não final, que é usada, comumente, em contextos de respostas a

perguntas diretas (FURTADO DA CUNHA, 1996);

a trajetória dos processos de repetição do discurso, no campo da criação

e da intenção, em direção à gramática, por meio de sua regularização e

sistematização, como, por exemplo, os depoimentos de descrição de lugar que se

regularizam por intermédio de repetição enumeradora, com a utilização preferencial

de verbos como ter e ser (OLIVEIRA, 1996).

Como podemos observar, todas essas propostas de trajetórias específicas

decorrem das constatações empíricas, mas, segundo Martelotta, Votre e Cezário

(1996), não é possível prevê-las enquanto o elemento sob análise não entrar no

processo. Ademais, não se pode especular sobre o eventual desencadeamento de

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uma mudança, pois o processo começou. Desse modo, os autores sugerem-nos

analisar as trajetórias do ponto de chegada ao ponto de partida, indicando

simplesmente os pontos focais, por causa da dificuldade de reconstituição de todos

os seus sentidos.

2.1.3.2 Trajetória Advérbio > Conjunção

Segundo Nunes (1989), os advérbios apresentam as circunstâncias que

acompanham ação ou estado significados pelo verbo, ou os laços que ligam entre si

palavras ou frases. O autor agrupa os advérbios ao lado das conjunções e das

preposições no grupo das partículas de relação. É frequente dividir as partículas em

quatro espécies (advérbios, preposições, conjunções e interjeições), todavia,

conforme o autor, elas se limitam a duas: uma que compreende os advérbios,

preposições e conjunções; e outra, as interjeições.

Essa divisão acontece pelo fato de não existir uma verdadeira diferenciação

entre os itens do primeiro grupo, considerando que, na sua origem, a maioria das

denominadas conjunções tem saído dos advérbios e, destes, as preposições latinas

que foram ajustadas pela nossa língua. Assim, a trajetória advérbio > conjunção é

vista como um fenômeno que já vem sendo observado há muito tempo nos estudos

linguísticos. Tarallo et al. (1992) apresentam o motivo que faz alguns advérbios

desempenharem o papel das conjunções. Os autores expõem que aconteceu uma

redução quantitativa das conjunções do latim para o português. Desse modo, com a

pouca variedade de palavras para atuarem como conectores, houve a necessidade

de usar outras classes gramaticais, principalmente advérbios e preposições, para

atender as necessidades da língua.

Pezatti (2001), por sua vez, apresenta um estudo mais recente sobre a

trajetória advérbio > conjunção, explicando o processo em questão em relação ao

termo então e mostrando que os traços adverbiais não são de todo perdidos nesse

processo:

[...] as conjunções são geralmente expressões que deslizaram de um estatuto de advérbio para o de conjunção. Seu valor de origem perdura na mobilidade de que são dotadas, mais caracterizadora do advérbio. Os operadores que atuam como elementos de coesão entre partes de um texto, como além disso, apesar disso, em vez disso, pelo contrário, ao contrário, ao mesmo tempo, desse modo, assim, então, aliás, situam-se na faixa de transição de advérbio para conjunção. Como termos híbridos, participam da natureza do advérbio e

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da natureza da conjunção: exprimem circunstâncias várias, mas comportam-se como elementos de coesão, a caminho de cristalizarem-se, ou, preferencialmente, gramaticalizarem-se como conjunções coordenativas. É fundamental percebermos que esse valor coesivo advém de seu caráter anafórico, explícito ou implícito (PEZATTI, 2001, p. 84).

Conforme Pezatti (2001), é possível verificar uma recategorização sintática,

pois um item lexical altera as propriedades gramaticais que o incluem em uma

determinada classe para fazer parte de outra, segundo a sequência: categoria maior

(nome, verbo, pronome) > categoria mediana (adjetivo, advérbio) > categoria menor

(preposição, conjunção). Vale ressaltar que, apesar de a evolução advérbio >

conjunção definir-se como a transferência de uma categoria mediana para uma

categoria menor, não quer dizer que se configure como uma perda de traços originais

do termo. Os itens que passam por esse processo adquirem traços da nova categoria,

mas também conservam, em maior ou menor escala, os traços de sua categoria base.

Martelotta (2003), em estudo sobre mudança linguística, apresenta dados que

indicam que a trajetória advérbio > conjunção é unidirecional. Votre e Oliveira (2007)

apresentam que é abrangente o volume de estruturas e construções que se conserva

e de sentidos que se mantém ao longo de diferentes sincronias. Segundo Votre (1999

apud MARTELOTTA, 2003, p. 64-65), essa conservação de padrões funcionais ao

longo dos séculos deve-se a um fenômeno que o autor denomina “princípio da

extensão imagética”. Esse princípio mostra que as possibilidades e potencialidades

de uma forma (no âmbito sintático e semântico) estão presentes na mente dos

usuários e podem ocorrer de acordo com as necessidades destes e com o contexto

situacional do discurso de que fazem parte.

2.3.2 Motivações para a gramaticalização

O processo de gramaticalização tem como princípio cognitivo a exploração de

velhas formas para novas funções (WERNER; KAPLAN, 1963), o que faz com que

conceitos concretos sejam movimentados para o entendimento de um elemento

menos concreto. Assim, falantes e ouvintes, devido às assimetrias de suas

experiências, negociam e adaptam funções e formas para o sucesso da troca

comunicativa, permitindo que a língua altere os seus padrões discursivos e a sua

contraparte mental. Essas negociações e adaptações geram mudanças que, por sua

vez, são guiadas por processos e mecanismos que regularizam e fixam seus usos,

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dentre os quais merecem destaque: metáfora e metonímia; e, por extensão, analogia

e reanálise, respectivamente.

2.3.2.1 Processo metafórico

Segundo Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991), a metáfora está ligada ao

processo de abstratização dos significados, que podem ser lexicais ou menos

gramaticais, que passam, metaforicamente, a tornar-se gramaticais ou mais

gramaticais. Assim, a gramaticalização pode ser motivada pela metáfora.

Para Lakoff (1987), as construções de sentido da língua surgem da interação

físico-social dos falantes em sua inclusão no mundo real, trazidas por intermédio de

metáforas fundantes. Já de acordo com Johnson (1987), essa construção de sentido

é revelada pela experiência sob forma da metáfora, que se torna a própria base para

a semântica da língua. Esse último ressalta, ainda, que o processo metafórico é

fundamental para uma organização conceptual e linguística, pois os conceitos são

construídos por meio do contato com o mundo concreto. O sistema conceptual emerge

desse contato e serve de base para a compreensão de uma realidade mais abstrata.

A metáfora permite aos indivíduos compreenderem o mundo das ideias em função do

mundo concreto. Assim, as relações metafóricas são entendidas como um

mapeamento de um domínio, mais concreto, em termos de outro, mais abstrato.

Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991) explicam que a metáfora envolvida no

processo de gramaticalização é diferente daquela que se relaciona às figuras de

linguagem, pois seria pragmaticamente motivada e focada para a função na

gramática, uma “metáfora emergente”, cuja origem que propicia a gramaticalização

tem natureza “categorial”, ou seja, a construção das estruturas gramaticais pode ser

exposta em termos de algumas categorias básicas partindo sempre,

unidirecionalmente, do elemento mais concreto. Na visão dos autores, torna-se

possível expor o processo de gramaticalização por meio do grupo de categorias

conceptuais, de acordo com uma escala de abstração crescente, em que cada

elemento, seguindo um percurso unidirecional, liga-se a outro elemento à direita por

meio de “flechas” (“>” leia-se “passa para”), resultando no que muitos pesquisadores

chamam de “metáforas categoriais”.

pessoa > objeto > atividade > espaço > tempo > qualidade

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De acordo com Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991), essas categorias

representam um domínio de conceituação relevante para a estruturação da

experiência humana. Em Martelotta (2008), temos a explicação de que isso se

configura a partir de uma escala de abstratização. Em português, temos exemplos

como: a palavra “braço” que indica uma parte do corpo e passa a designar um objeto

como “braço da cadeira”; uma atividade, como em “braçada”; uma medida de espaço,

como em “uma braça”; e uma qualidade, como em “Ele é meu braço direito”.

Essas categorias representam uma variedade de conceitos definidos

perceptual e linguisticamente. Podemos citar como ilustração do esquema: espaço >

tempo > texto, o advérbio depois, retirado do estudo de Gonçalves (2007):

(3) que era um terreno baldio que era chamado Mère Luísa era inclusive era um homem francês que era o engenheiro e que tomou conta disso aí tudo e fez várias obras aqui e depois dali ela então passou aqui pra Avenida Atlântica onde hoje inclusive é esse hotel aqui que era o antigo Cassino Atlântico era aqui no Posto Seis no fim da Avenida Atlântica aqui no Posto Seis quando então foi fundada aí que ela foi fundada a colônia dos pescadores zê seis ela era zê seis e foi fundada (GONÇALVES, 2007, p. 45). (4) E- É, "depois que o filho tive, nunca (est) mais barriga enche," não é? (GONÇALVES, 2007, p. 46). (5) F- Inicialmente dá, sabe? Logo assim [no]- no começo, a gente fica meio temeroso, mas depois a gente vai se acostumando, aí perde aquele receio todo. A gente faz troço que não deve, por exemplo: fumar (GONÇALVES, 2007, p. 47).

Em (3), o depois indica um lugar no espaço, ressaltado pelo advérbio dali

marcando a localização da Avenida Atlântica; na amostra (4), o depois perde a noção

de espaço físico e passa a se referir a um espaço no tempo; já na amostra (5), o item

depois passa a apresentar função textual com ideia de oposição, acompanhado do

conector mas. Podemos compreender não ser necessário que o elemento linguístico

tenha de cumprir todo o caminho indicado pela escala, apresentando cada sentido,

mas sim que um dado relativo a qualquer desses domínios da trajetória pode ser

empregado para expressar qualquer outra entidade à sua direita.

2.3.2.1.1 Processo analógico ESPAÇO > DISCURSO

Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991) propõem um processo analógico

denominado ESPAÇO > DISCURSO para definir um tipo de mudança que acontece

frequentemente nas línguas humanas, que faz com que elementos de valor espacial

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passem a assumir funções peculiares de conjunção. A partir dessa extensão

analógica que serve de base para a organização do universo textual, observamos que

os referentes espaciais externos se manifestam por meio da anáfora e catáfora, em

que elementos de origem dêiticos espaciais são usados para referenciar dados

mencionados ou para mencionar, como exemplifica Martelotta (2003, p. 62):

a) Eu não sei matemática. Isso vai me atrapalhar no exame. b) Eu digo isso: não sei matemática.

De acordo com Martelotta (2003), nesses casos, a organização

espaçotemporal do mundo é usada analogicamente para definir o universo mais

abstrato do texto. Tal procedimento é considerado produtivo, pois revela a

regularidade da utilização de elementos referentes a pontos no espaço ou no tempo

para designar pontos no texto: “como foi dito anteriormente”; “como será desenvolvido

adiante”, entre outros.

Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991) propõem também uma trajetória de

mudança semântica em que um item linguístico tenderia a seguir até chegar no status

de conectivo, conforme Figura 1.

Figura 1 – Esquema de mudança semântica

Fonte: Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991)

Segundo Martelotta (2003), esse esquema apresenta uma trajetória

unidirecional de mudança, que é frequente nas línguas humanas; trajetória que leva

advérbios de lugar a desempenharem funções típicas de conjunção, podendo ou não

ter apresentado intermediariamente valor temporal. O autor usa o mesmo argumento

da ideia da metáfora ESPAÇO > DISCURSO: a expressão de dados espaciais é mais

simples e concreta do que a expressão de dados temporais, que, por sua vez, é básica

e concreta, mais do que a indicação das relações textuais.

Vale ressaltar que os limites entre as categorias não são aparentemente

definidos, existindo um contínuo entre elas. Desse modo, no processo de

gramaticalização, podem acontecer estágios de ambiguidade em que uma palavra ou

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construção pode fazer parte de duas categorias ao mesmo tempo. Heine, Claudi e

Hunnemeyer (1991), assim como a maioria dos estudiosos funcionalistas, afirmam

que o princípio da unidirecionalidade permite que as formas, passando por

gramaticalização, adquiram significados cada vez mais abstratos, não ocorrendo o

contrário.

2.3.2.2 Processo metonímico

A metonímia é outro mecanismo que tem sido apontado como responsável

pela gramaticalização, uma vez que suas motivações estão no contexto linguístico e

pragmático de uso de uma dada forma: há uma associação conceitual entre entidades

de algum modo contíguas, de forma que o item linguístico que é usado em referência

a uma delas passa a ser usado também para outra. Segundo Traugott e König (1991,

p. 212), a metonímia envolve a especificação de um significado em termos de outro

que está presente no contexto, isto é, representa uma transferência semântica por

contiguidade.

À metonímia está ligado um mecanismo chamado por Traugott e König (1991,

p. 194) de inferência por pressão de informatividade, que designa o processo em que

o item linguístico passa a assumir um valor novo, inferido do original, devido à

convencionalização de implicaturas conversacionais por meio de pressões do

contexto de uso. Quando uma implicação comumente surge como forma linguística,

pode ser tomada como parte do significado desta, chegando até mesmo a substituí-

la.

Ainda de acordo com Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991), o processo

cognitivo que envolve a gramaticalização deve ser observado sob duas perspectivas:

uma discreta e outra contínua. A título de ilustração do mecanismo da metonímia,

Castilho (1997) apresenta o advérbio de inclusão magis > mas (conjunção

adversativa), em que esse item passa a codificar a contrajunção, decorrida do uso de

mas em contextos negativos.

Por conseguinte, tanto a metáfora quanto a metonímia são mecanismos que

influenciam no processo de gramaticalização, sendo esta responsável pela pressão

de informação e também pelo surgimento de conectivos; e aquela pelas

características de tempo, aspecto e caso. Enquanto a metáfora é um processo de

abstratização crescente, em que conceitos que fazem parte de domínios pertencentes

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à experiência humana são usados para se referir a domínios abstratos; a metonímia

é um processo de mudança pela proximidade, pelo contato e surge pelo contexto

sintático.

2.3.2.2.1 Processo de reanálise

A reanálise (por transferência metonímica) e a analogia (por transferência

metafórica) estão envolvidas no processo de gramaticalização. A reanálise pode ser

definida como uma mudança na estrutura de uma expressão que não envolve

qualquer modificação imediata ou intrínseca de sua manifestação aparente, ela não é

diretamente observável. Para Hopper e Traugott (2003), no mecanismo de reanálise,

as propriedades gramaticais – sendo elas sintáticas, morfológicas e semânticas – são

modificadas quanto à sua interpretação, mas não no que diz respeito à sua forma.

O mecanismo da analogia “se refere à atração de formas preexistentes por

outras construções também já existentes no sistema e envolve inovações ao longo do

eixo paradigmático” (GONÇALVES, 2007, p. 49). Ou seja, não promove mudança na

regra, apenas permite um desenvolvimento das mudanças trazidas pela reanálise.

Hopper e Traugott (1993) apresentam um exemplo da atuação da reanálise e

da analogia na gramaticalização do auxiliar be going to do inglês, que se reduz a

gonna. Vejamos a Figura 2:

Figura 2 – Estágios do desenvolvimento do auxiliar be going to.

Fonte: adaptada de Hopper e Traugott (1993, p. 61)

Analisando a Figura 2, no estágio I, há um verbo direcional e uma oração de

finalidade; no estágio II, está um auxiliar de futuro com um verbo de atividade,

resultado da reanálise; já no estágio III, há uma ampliação dos tipos de verbos por

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meio da analogia; por fim, no estágio IV, ocorre a reanálise do auxiliar, condensando-

se em um único morfema: gonna.

Então, tanto a reanálise quanto a analogia interessam para a

gramaticalização, mesmo sendo distintamente diferentes e com diferentes efeitos. A

reanálise implica a reorganização linear, sintagmática e, frequentemente, local, e uma

mudança de regra, que não é diretamente observável. Já a analogia implica,

essencialmente, organização paradigmática, mudança nas colocações de superfície

e nos padrões de uso. A analogia faz as mudanças inobserváveis da reanálise

observável. Complementarmente, Gonçalves, Lima-Hernandes e Casseb-Galvão

(2007, p. 50) afirmam:

Diferentemente dos processos analógicos, a reanálise permite a criação de novas formas gramaticais, à medida que, gradualmente, alteram-se as fronteiras de constituintes em uma expressão, levando uma forma a ser reanalisada como pertencente a uma categoria diferente da original. É nesse sentido que, diferentemente da analogia, opera no eixo paradigmático, a reanálise opera no eixo sintagmático.

Assim, para comentar o conceito de Gonçalves, Lima-Hernandes e Casseb-

Galvão (2007), amparamo-nos no pensamento de Hopper e Traugott (2003) que

entendem que a reanálise se relaciona com uma mudança de estrutura hierárquica

nos rótulos categoriais, nas relações gramaticais e nos limites em que se inserem as

conexões.

Podemos tomar como exemplo o item agora, um dos objetos de estudo desta

tese, que se originou do caso ablativo do latim hac hora = (por aqui) advérbio espacial

dêitico e passou por reanálise para o item agora, recategorizado com função temporal.

Em outras palavras, a expressão composta de duas palavras passou por uma

reinterpretação, resultando na mudança de categoria por força do mecanismo de

reanálise, que gerou uma estrutura nova.

2.3.3 Princípio da iconicidade e subprincípios

A iconicidade é definida como a correlação motivada entre forma e função, ou

seja, entre o código linguístico e seu designatum. Segundo Givón (1990), a

iconicidade do código linguístico está sujeita a pressões diacrônicas corrosivas tanto

na forma (código) quanto na função (mensagem). Com isso, o código sofre constante

mudança provocada pelo atrito fonológico e a mensagem também sofre alterações

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devido à elaboração criativa do falante. De acordo com Croft (2001), a estrutura da

língua reflete a estrutura da experiência, ou seja, a construção da língua é comparada

aos conceitos que os indivíduos têm do mundo, com base na perspectiva imposta

sobre o mundo pelo falante.

Segundo Givón (1990, 1995), o princípio de iconicidade se subdivide em três,

quais sejam:

a) o subprincípio da quantidade: estabelece que quanto maior for a quantidade

de informação, maior será a quantidade de forma para sua codificação; a

complexidade da expressão representa, de algum modo, a complexidade do

pensamento. Assim, o que é mais simples e previsível tende a se manifestar por meio

de estruturas menos complexas. Esse princípio expõe, por exemplo, palavras

derivadas, maiores e também mais complexas, se comparadas às primitivas: belo >

beleza > embelezar > embelezamento;

b) o subprincípio da proximidade ou adjacência: os conceitos mais integrados

no plano cognitivo também se apresentam com maior grau de aderência

morfossintática. Segundo Givón (1995, p. 179), “a distância espaço-temporal no fluxo

de fala tende a refletir distância conceptual”. Em outras palavras, a distância

conceitual entre os termos que eles conceituam motiva iconicamente uma distância

entre as expressões linguísticas. A contiguidade estrutural entre os morfemas de um

vocábulo, o nível de integração entre os constituintes de um sintagma, ou ainda entre

os enunciados num texto tendem a refletir a estreita relação entre os signos no nível

conceitual. Furtado da Cunha et al. (2013) exemplificam esse subprincípio mostrando

o que acontece com os intensificadores, uma vez que o morfema de superlativo vem

associado à palavra que modifica. Por exemplo, belíssimo em lugar de muitíssimo

belo. O intensificador muitíssimo está de forma tão associada para ressaltar o sentido

de belo que eles se transformam em uma só palavra pela conexão do sufixo –íssimo

a belo;

c) o subprincípio da ordenação linear: define-se por dois aspectos básicos: a

informação mais tópica tende a vir em primeiro lugar e a ordem das orações no

discurso segue a sequência temporal em que os eventos são conceitualizados. Na

ordenação linear, o sujeito comumente está no início da cláusula e, em uma narrativa,

é notória a ordem das orações no discurso, pois os fatos são narrados na ordem em

que aconteceram.

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2.3.4 Princípio da marcação

Segundo Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2003), o princípio de marcação

tem origem na linguística estrutural desenvolvida pela Escola de Praga.

Primeiramente, o princípio foi constituído para análises fonológicas (com Trubetzkoy);

em seguida, para a morfologia (nos trabalhos de Jakobson), estabelecendo a distinção

entre categorias marcadas e categorias não marcadas. Esse princípio está

relacionado com a frequência de uso, resultando no metaicônico princípio da

marcação: “categorias que são estruturalmente mais marcadas tendem também a ser

substantivamente (funcionalmente) mais marcadas” (GIVÓN, 1995, p. 58). Nessa

perspectiva, as categorias marcadas são menos frequentes e as categorias não

marcadas são mais frequentes em alguns contextos.

Givón (1995) apresenta três critérios fundamentais para a diferenciação entre

categorias marcadas e não marcadas, em um contraste gramatical binário:

a) complexidade estrutural: a estrutura marcada tende a ser mais complexa

(ou maior) que a estrutura não marcada correspondente;

b) distribuição de frequência: a estrutura marcada tende a ser menos

frequente do que a estrutura não marcada correspondente;

c) complexidade cognitiva: a estrutura marcada tende a ser cognitivamente

mais complexa do que a estrutura não marcada correspondente. Incluem-se fatores

como esforço mental, demanda de atenção e tempo de processamento.

Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2003) afirmam que existe uma tendência

geral, nas línguas, para que esses três critérios de marcação aconteçam.

Compreende-se que a correlação entre marcação estrutural, marcação cognitiva e

baixa frequência de ocorrência é o reflexo mais amplo da iconicidade na gramática,

informação que representa o isomorfismo entre aspectos comunicativos e cognitivos

e aspectos formais da marcação. Conforme os autores, “as categorias que são

estruturalmente mais marcadas tendem também a ser substantivamente mais

marcadas” (FURTADO DA CUNHA; COSTA; CEZARIO, 2003, p. 34).

Uma observação givoniana pertinente é que uma mesma estrutura pode ser

marcada num contexto e não marcada em outro. Givón (1995) ressalta que a

marcação é um fenômeno dependente do contexto, por isso, deve ser explicada com

base em fatores comunicativos, socioculturais, cognitivos ou biológicos. A marcação

não se limita somente às categorias linguísticas, mas pode atingir outros fenômenos,

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tais como a distinção entre o discurso formal e a conversação espontânea, conforme

observa o autor.

A título de exemplo, Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2003) apresentam o

contraste afirmação/negação para demonstrar a atuação dos critérios de marcação. A

afirmação é cognitivamente mais simples e esperada, logo, mais frequente na

interação verbal. Isso se reflete também na estrutura linguística, representando a

forma não marcada. Com a negação ocorre o oposto: por ser mais complexa em

termos cognitivos e menos esperada, é também menos frequente e estruturalmente

maior, caracterizando-se forma marcada. Considerando as diferentes estruturas

negativas em português, Furtado da Cunha (2000, grifo da autora) apresenta:

a)... a nova regente... ela não tava sabendo reger direito... a regente do coral... tava errando lá um monte de coisas... né... (FURTADO DA CUNHA, 2000, p. 278). b) ... e teve uma pessoa que chegou pra mim e perguntou... “Gerson... você aceita ficar no cargo e tudo” num sei que... eu disse... não... num aceito não... (FURTADO DA CUNHA, 2000, p. 178). c)... tudo eu faço... sabe? tem isso comigo não... (FURTADO DA CUNHA, 2000, p. 264).

De acordo com Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2003), essas três

estruturas negativas não divergem binariamente, mas sim se distribuem num

contínuo, apresentando diferentes graus de marcação, seja em relação à frequência

de uso, seja em relação à complexidade estrutural e cognitiva. A partir desses três

critérios de diferenciação entre estruturas marcadas e não marcadas, podemos

observar a seguinte hierarquia que distribui as orações negativas com base no seu

grau de marcação: negativa padrão (amostra a) > negativa dupla (amostra b) >

negativa final (amostra c).

Os autores expõem que mesmo a negativa padrão sendo marcada com

relação à afirmativa, nota-se que, entre as três, ela é a menos marcada, sob todos os

aspectos: (a) quanto à complexidade estrutural, é morfologicamente mais simples; (b)

quanto à frequência, registra maior ocorrência; (c) quanto ao contexto de uso, é a

menos marcada pragmaticamente, pois pode ocorrer nos contextos que favorecem

tanto a negativa dupla quanto a final. Nesse sentido, com base no caráter fluido e

criativo da língua, devemos adotar parâmetros de gradualidade na análise da

marcação, analisando as categorias linguísticas em termos discretos ou binários.

Nesta seção, optamos por elencar os conceitos-chaves do funcionalismo que

nos auxiliaram em nossas reflexões e na construção desta pesquisa referente à

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multifuncionalidade de antes, agora e depois no texto acadêmico tese de doutorado.

Dentre eles, destacamos: i) algumas premissas gerais do Funcionalismo norte-

americano; ii) as noções de gramática, mudança linguística e de gramaticalização; iii)

o princípio da unidirecionalidade; iv) as motivações para gramaticalização: metáfora,

metonímia, analogia e reanálise.

Para podermos compreender as etapas da gramaticalização dos itens

linguísticos antes, agora e depois e tecer considerações sobre seus usos, ancoramo-

nos na Linguística Funcionalista norte-americana ou Funcionalismo Clássico, pois

assim como seus representantes, defendemos que a utilização das formas e

expressões linguísticas podem apresentar novos caminhos semânticos devido à

pressão do uso e a aspectos de caráter pragmático e cognitivo. Tendo em mente

esses fundamentos teóricos, na próxima seção, apresentamos os estudos

funcionalistas existentes sobre os itens antes, agora e depois.

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3 ESTUDOS FUNCIONALISTAS DOS ITENS ANTES, AGORA E DEPOIS

Tem crescido o número de estudos funcionalistas que buscam mostrar novos

usos e novas funções que os advérbios assumem na língua. Nesta seção,

apresentamos alguns desses estudos sobre os itens antes, agora e depois, com o

objetivo de mostrar sentidos ̸funções ̸usos que são atribuídos a esses itens. Sobre o

antes, destacamos o trabalho de Lopes e Morais (2000)1 e Bertuleza (2013); em

relação ao agora, os estudos de Niedzieluk (2004), Souza Júnior (2005), Duque

(2009), Rodrigues (2009), Philippsen (2011) e Bertuleza (2013); e quanto ao item

depois, os trabalhos de Martelotta (1994) Lopes e Morais (2000), Gonçalves (2007) e

Bertuleza (2013).

3.1 O ITEM ANTES: DA ANTERIORIDADE À SEQUENCIALIDADE

Acerca dos usos do item antes, encontramos um estudo mais específico,

baseado em corpus, realizado por Lopes e Morais (2000). Ademais, esta pesquisa

ratifica os pressupostos do uso do antes que, em Koch (1987), no estudo referente

aos conectores interfrásticos; em Neves (2000), no estudo das construções temporais;

e em Bertuleza (2013), no estudo de textos acadêmicos.

Lopes e Morais (2000) fazem um estudo sincrônico sobre os itens antes e

depois, utilizando o Corpus de Referência do Português Contemporâneo (subcorpus

oral) como também de exemplos construídos. Esse estudo é continuidade de um

maior sobre um conjunto de advérbios de tempo que adquirem, em alguns contextos

discursivos, valores que, segundo as autoras, não mais pertencem à esfera semântico

temporal-aspectual, contribuindo para a construção de conexões discursivas de

natureza diversa.

O trabalho das autoras é dividido em duas partes. A primeira apresenta as

análises dos valores temporais e não temporais do item antes; a segunda, os valores

temporais e não temporais do item depois. Sobre os valores do item depois,

comentaremos na subseção 3.3. Em relação ao item antes, Lopes e Morais (2000)

mostram que esse item assume as funções de antes espacial, antes temporal, antes

com valor preferencial, antes reformulador retificativo, antes refutativo e antes

1 Utilizamos o trabalho de Lopes e Morais (2000), que analisa uma tese escrita em português europeu, devido ao fato de dar conta do uso discursivo dos itens antes, agora e depois.

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marcador discursivo. As autoras ressaltam que são escassas, no corpus, ocorrências

do item antes com valor espacial. Foram encontradas apenas duas ocorrências num

universo de 222. Vejamos uma dessas ocorrências em (06).

(06) Antes do rio, está uma casa abandonada (LOPES; MORAIS, 2000, p. 2).

Segundo Lopes e Morais (2000), quando se utiliza a locução preposicional

espacial antes de, revela-se uma localização no espaço que pressupõe um trajeto

delimitado por um polo inicial, como na amostra (06): antes do rio, e por um polo final:

uma casa abandonada. Para as autoras, é comum ocorrer a contaminação dos

valores espaciais e temporais, pois o tempo é fator necessário para o movimento. No

corpus, é frequente o uso da locução antes de com a relação de precedência temporal,

como apresenta (07), funcionando como um localizador temporal.

(07) [...] a notícia desse encontro era pública, antes da visita do Presidente da república [...] (LOPES; MORAIS, 2000, p. 4).

Na amostra (07), de acordo com as autoras, há a locução antes de seguida

de um SN, mas independentemente da configuração sintática, elas salientam que há

casos em que o item antes aparece posposto a um SN, embora o item não deixe de

funcionar como um localizador temporal.

Lopes e Morais (2000) apresentam ainda outra construção de valor temporal

que ocorre com o item antes, a tradicionalmente chamada locução conjuncional antes

que, como em (08).

(08) Estão precisamente a fazer isso agora antes que chegue o verão (LOPES; MORAIS, 2000, p. 8).

De acordo com Lopes e Morais (2000), a construção antes que funciona como

conector temporal introdutor de uma oração subordinada. Assim como nas orações

infinitivas introduzidas por antes de, também nas subordinadas, como em (08), a

construção antes que introduz o contexto “o verão”, que funciona como ponto de

referência para a localização do contexto expresso na oração principal.

Sobre isso, as autoras ressaltam que os adjuntos de localização temporal

podem apresentar diferentes configurações sintáticas. Citam como exemplo os

adjuntos que envolvem a ocorrência de antes (antes de e antes que),

independentemente da configuração sintática, e afirmam que sempre se trata de um

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adjunto ao sintagma verbal, e semanticamente qualquer adjunto adverbial de

localização temporal colabora visivelmente para as condições de verdade da frase em

que ocorre. Sobre o antes que, Koch (1987) inclui esse item no estudo dos conectores

interfrásticos do tipo lógico que tem como função apresentar o tipo de relação lógica

que o locutor estabelece entre o conteúdo de duas proposições. Segundo a autora, o

conector antes que apresenta uma relação de temporalidade que localiza no tempo

anterior ações, eventos ou estados de coisas do mundo real, como ilustra em “O

diretor entrou subitamente na sala. Antes que os funcionários se recobrassem do

susto, começou a pregar-lhes um violento sermão” (KOCH, 1997, p. 88).

Sobre isso, Neves (2000), em seu livro Gramática de Usos do Português,

apresenta um estudo sobre as conjunções temporais e/ou construções temporais. De

acordo com a autora, uma construção temporal expressa por um período composto é

formada pelo conjunto de uma oração nuclear, ou principal, e por uma temporal. Neves

postula que há algumas conjunções temporais que são compostas pelo que

tradicionalmente se chama de locuções conjuntivas que vêm normalmente

acompanhadas pelo elemento que no final, é o caso do elemento antes, em “Afonso

acode ao apelo, mas Lourenço o chama antes que chegue à cozinha” (NEVES, 2000,

p. 789).

Concluídos os valores temporais encontrados, Lopes e Morais (2000)

apresentam como valores não temporais os usos do item antes como valor

preferencial, reformulador retificativo, refutativo e marcador discursivo. Para as

autoras, o antes com valor preferencial foi o segundo mais representativo das

ocorrências no corpus. Esse uso envolve uma comparação implícita entre duas

situações, em que uma se sobressai a outra, como mostra (09).

(09) Antes quero que ele envie o texto por fax do que por correio eletrônico (LOPES; MORAIS, 2000, p. 11).

Segundo Lopes e Morais (2000), a relação semântica expressa é de natureza

comparativa, envolvendo uma escala avaliativa de tipo axiológico, em que o falante

avalia como melhor “que ele envie o texto por fax do que por correio eletrônico”. Assim,

o item antes assume um significado avaliativo. As autoras apresentam também outro

tipo de antes preferencial, como em (10).

(10) Estás-me a dizer que o João é tímido?! Antes fosse! (LOPES: MORAIS, 2000, p. 12).

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Na amostra (10), as autoras explicam que o falante, ao dizer antes fosse,

deixa implícito que João não é de fato tímido, refutando uma intervenção do

interlocutor. Segundo elas, o falante acaba criando um mundo alternativo em que se

verifica uma situação avaliada por ele como melhor diante da que existe no mundo

real. Assim, esse caso se diferencia de (09) pelo fato de se construir uma comparação

implícita entre uma situação confractual e uma situação factual.

Outro valor apresentado por Lopes e Morais (2000) é o item antes

reformulador retificativo, que se situa no nível ilocutório, em que o locutor reformula o

seu ato ilocutório inicial, retificando-o, e expressa sua preferência pela formulação

final, como mostra (11).

(11) [...] toda a gente toma calmantes! Eu devo dizer que não tomo! Ou antes, tomo raríssimas vezes (LOPES; MORAIS, 2000, p. 13).

De acordo com Lopes e Morais (2000), o uso de ou permite ao locutor excluir

a primeira formulação, substituindo-a por uma formulação alternativa como preferível

por meio do operador antes. O item antes também apresentou o valor refutativo, que,

segundo as autoras, foi o terceiro valor mais representativo no corpus. Ele ocorre

seguido de pelo contrário, formando uma expressão cristalizada, como apresenta (12).

(12) Acabamos por optar pela sociedade anônima, mas não se constituiu ainda e isso, quer dizer, não constitui nenhuma alteração na linha do jornal. Antes pelo contrário nós pensamos que é uma forma de mantê-la (LOPES; MORAIS, 2000, p. 15).

Segundo Lopes e Morais, na amostra (12), a expressão antes pelo contrário

comuta livremente com o termo ao invés. O item antes reforça o valor do conector

pelo contrário, por meio do qual o locutor indica que vai afirmar uma proposição que

contrasta uma proposição anterior.

Outro valor encontrado foi o item antes como marcador discursivo, que

assume configurações ligeiramente diferentes como: antes de mais, antes de tudo o

mais, antes de mais nada. Essas inserções são vistas pelas autoras como variantes

de uma mesma função, e que ainda apresentam o valor de natureza temporal, embora

exista uma função discursiva visivelmente associada a esse valor, como em (13).

(13) antes de mais nada quero dizer que, he obviamente, hmm, não se trata de uma proposição pessoal (LOPES; MORAIS, 2000, p. 15).

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Segundo as autoras, a construção antes de mais nada é parafraseável pela

construção em primeiro lugar. Na amostra (13), o falante distribui os seus argumentos,

apresentando primeiro aquele que lhe parece mais relevante para a conclusão que

pretende defender. Assim, as autoras afirmam que parece ocorrer uma derivação de

um significado ancorado na situação externa para um significado baseado na situação

textual.

Por último, Lopes e Morais (2000) afirmam que, no plano temporal, o item

antes apresenta uma relação de precedência, seja no plano cronológico das situações

linguisticamente representadas, seja no plano da estruturação discursiva. Porém, em

certos contextos, perde o significado primitivo de ordenação temporal e assume um

significado preferencial, em que a ordenação atua numa escala avaliativa.

Em suma, o estudo apresentado sobre o antes mostra que esse item não

apresenta apenas a função prototípica de advérbio temporal, mas pode, em certos

contextos, desempenhar funções como preferencial, reformulador retificativo,

refutativo e marcador discursivo. Observamos também que as construções antes de

e antes que ocorrem funcionando como localizadores temporais. A escassez de

estudos sobre o antes motivou-nos, em Bertuleza (2013), ao estudo dos usos desse

item, principalmente no intuito de verificar a ocorrência deles nos gêneros acadêmicos

de Linguística, e agora apenas em teses de doutorado em várias áreas do

conhecimento.

Bertuleza (2013) analisa os usos de antes em textos acadêmicos que

pertenciam à área de Linguística. Foi observado que esse item apresenta funções que

vão além da prototípica como advérbio, pois, em certos contextos, as funções

contribuem para a organização e a construção de sentido do texto acadêmico. A

autora mostrou que esses itens passaram por um processo de gramaticalização,

assumindo funções mais gramaticais, por meio da trajetória advérbio > conjunção.

Bertuleza (2013) constatou, no corpus de dissertações e teses de Linguística,

os seguintes usos do item antes: espacial, temporal, conector de tempo, divisor de

época, redirecionador de tópico e sequenciador textual. A autora expõe que o uso do

antes espacial é também apresentado no estudo de Lopes e Morais (2000). Trata-se

de um uso que apresenta uma relação de ordem do domínio do espaço, onde há um

movimento potencial do polo inicial na direção do polo alvo final, sendo o espaço

referenciado.

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No corpus, o uso do antes espacial aparece localizando um elemento no

espaço. Nesse uso, o item antes vem acompanhado da preposição de, como em (14)

e (15).

(14) O exemplo (26) segue a linha de mostrar um argumento máximo em uma escala em direção a uma conclusão, ou seja, um político pode mudar bastante, mudar seu discurso, mudar de partido, mudar até de opinião, mas no final nada dá certo. Nesse caso, a argumentação promove uma concessão, até mesmo pela presença da expressão “tudo bem” antes do argumento (150-D-15). (15) O contraste de gramaticalidade entre as sentenças dos exemplos (154) e (155) evidencia que o núcleo ao qual o verbo ter indicador de anterioridade está associado se posiciona antes do núcleo Aspdurativo, correspondente ao verbo estar, mas depois do núcleo Modepistêmico, correspondente ao verbo dever (12-T-08).

Conforme a amostra (14), na dissertação que trata sobre a gramaticalização

do item “até”, o antes ocorre indicando a localização da expressão “tudo bem”, que se

posiciona em frente ao argumento apresentado anteriormente no trabalho. Em (15),

na tese, o item antes também funciona indicando localização, no caso, a do núcleo do

verbo “ter” que ocorre em frente ao núcleo “Aspdurativo”. Bertuleza (2013) ressalta,

nesses usos, que existe um movimento que parte do polo inicial em direção ao polo

final, em que o espaço referenciado é introduzido por antes do, antecedendo o alvo.

O item antes é tradicionalmente conhecido como advérbio temporal e seus

traços prototípicos são: escopo vinculado ao verbo do enunciado, possibilidade de

movimentação na frase e estabelecimento de circunstância ao contexto. No entanto,

semanticamente, o item antes pode apresentar ainda uma noção temporal variada, a

partir de um ponto de referência que pode pertencer à esfera do passado, do presente

ou do futuro.

Bertuleza (2013), ao analisar os dados referentes ao antes nos gêneros

acadêmicos, encontrou os seguintes usos temporais para esse item: temporal,

conector de tempo e divisor de época. Na função de antes temporal, o item apresenta

uma relação de precedência temporal, a partir de um ponto de referência que pode

pertencer à esfera do presente, passado ou do futuro, uso também encontrado nos

estudos de Lopes e Morais (2000).

No corpus de textos acadêmicos, os usos do antes temporal ocorre fazendo

referência cronológica ao tempo anterior. Ilustramos esse uso nas amostras (16) e

(17).

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(16) Apesar da necessidade de equivalência entre os advérbios already e finally, eles contêm uma carga semântica diferente. O primeiro expressa que a mudança para o estado positivo ocorre antes do previsto, e o segundo, que ocorre relativamente tarde e, portanto, depois do previsto (52-D-18). (17) O uso de a gente com referência específica, principalmente em contextos verbais mais “pontuais” em termos semânticos, como nos casos mais avançados da escala de saliência fônica’ (principalmente graus 6 e 7), reforça a hipótese aqui defendida de que há um movimento, quanto ao uso de a gente, em direção aos contextos antes preferencialmente utilizados pela forma nós, o que demonstra sua especialização e o fluxo contínuo da mudança (77-T-13).

Nas amostras (16) e (17), o item antes funciona como um localizador temporal

dependente de uma referência previamente expressa no contexto discursivo. Na

amostra (16), o item faz referência à anterioridade da previsão para a mudança do

estado positivo do advérbio inglês already. Em (17), o item antes situa o tempo anterior

quando havia preferência pela forma nós em detrimento da forma a gente. Por essas

amostras, podemos perceber que, apesar de a referência ao tempo cronológico ser

mais característica dos gêneros do narrar, o item antes também faz referência ao

tempo cronologicamente anterior nas dissertações e teses.

Bertuleza (2013) postula que no corpus de dissertações e teses ocorre outra

função temporal do item antes realizada como conector de tempo. Essa função é

exercida por meio das construções antes que e antes de. Apesar de um conector ser

característico de uma função textual, a autora prefere elencá-los nos usos temporais

por ser um traço mais saliente, indicando semanticamente a relação de anterioridade

temporal dos eventos contidos entre frases de um enunciado complexo, como

mostram os excertos (18) e (19).

(18) Outro ponto a ser destacado é que não constitui problema o fato de nem todas as relações semânticas disporem de codificações sintáticas correspondentes a cada ponto do continuum. Braga (2001) explica que o processo de gramaticalização pode ser interrompido a meio do caminho, antes que as formas alcancem os estágios mais avançados (D-29). (19) Há, pelo menos, duas maneiras de enfocar a questão do MS. A primeira delas é a que atribui significado ao MS; a outra que o considera como marcador formal exigido pela convenção ou como uma variável estilística em certos contextos. Porém, antes de discorrermos sobre esse tema, é necessário que vejamos a origem do termo subjuntivo, pois é nela que se sustenta um desses enfoques (T-18).

Nas amostras (18) e (19), o item antes que funciona como conector temporal

introdutor de oração adverbial. Essa construção indica o momento em que se deve

atentar para uma previsível mudança de estágios em (18). Já em (19), a construção

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antes de tem como complemento uma oração infinitiva, situada na esfera do futuro,

marcando o que vai acontecer posteriormente àquele momento. Podemos observar

que, segundo a análise de Bertuleza (2013), persiste a noção de tempo no conector,

mas podemos verificar que a função do conector, além de temporal, atua também na

organização textual “antes de discorrermos sobre esse tema, [...]”, portanto, um uso

híbrido, que será apresentado mais adiante como redirecionador de tópico.

Outro uso temporal apresentado por Bertuleza (2013) é o do antes divisor de

época. Denominamo-lo assim por tratar-se de um uso que faz referência a uma

situação que era no passado de uma forma e na época atual da enunciação não é

mais, como ocorre em (20) e (21).

(20) Na verdade, os autores discutem que a mudança vai de menos para mais informação, isto é, na direção do código explícito da relevância e da informatividade que antes era apenas entendido implicitamente (101-D-26). (21) Dessa forma, os estudiosos que escolheram a fala como objeto de estudo começaram a considerar a língua como uma atividade, uma forma de ação e fatores, como quem falou, em que condição falou e para quem falou, antes ignorados, passaram a ter uma importância especial (96-T-16).

Em (20), o item antes, que ocorre no gênero dissertação, indica uma divisão

de época por fazer referência a um tempo passado em que a informatividade era

entendida implicitamente, mas, no momento atual do texto, é vista como relevante

para estudos sobre mudança. Em (21), o item antes ocorre no discorrer da tese

também indicando uma divisão de época em que, em um tempo passado, alguns

estudiosos deixaram de lado a fala e os contextos de uso, mas no presente (momento

da produção escrita), existem estudiosos que passaram a “considerar a língua como

uma atividade”.

Por fim, Bertuleza (2013) identifica o item assumindo funções mais textuais

em que o antes aparece com suas noções de espaço e tempo enfraquecidas,

passando a desempenhar novas funções ocorridas do seu sentido temporal. O item

antes funciona, no texto, com noção de redirecionador de tópico e sequenciador

textual.

Na função de redirecionador de tópico, o antes ocorre no corpus introduzindo

um novo tópico, explicando a mudança linear do conteúdo, apresentando o que será

tratado posteriormente, como mostram (22) e (23).

(22) Na maioria das definições clássicas de gramaticalização, os autores partem do pressuposto de que o processo se dá num caminho unidirecional,

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ou seja, sempre do lexical para o gramatical ou do menos gramatical para o mais gramatical, e não ao contrário. Antes de apresentar a importância da unidirecionalidade nos estudos da gramaticalização, é necessário expor a noção de cline oferecida por alguns autores (109-D-25). (23) Nossa intenção é demarcar as semelhanças e diferenças entre cada um dos processos para poder, assim, investigar se os verbos de Reestruturação e os auxiliares pertencem, de fato, a classes distintas. Antes da análise dos verbos em relação às propriedades de um auxiliar, faremos uma breve abordagem sobre a hipótese inacusativa, considerando que ser inacusativo é uma propriedade necessária, embora não suficiente, de todo o verbo auxiliar (112-T-08).

Nas amostras, o item antes aparece iniciando um novo tópico a ser tratado no

texto. Em (22), o antes introduz o tópico a ser tratado mais adiante, no caso, a

importância da unidirecionalidade nos estudos de gramaticalização, mas faz uma

preparação do conteúdo necessário à compreensão do tópico novo, a noção de cline.

Em (23), o item antes também é usado para introduzir a informação de que se tratará

primeiro da “abordagem sobre a hipótese inacusativa” como base à compreensão do

novo tópico “a análise dos verbos”.

O item antes apresenta no corpus também a função de sequenciador textual.

Nesse uso, Bertuleza (2013) expõe que o item antes ocorre como um organizador

textual, que tem a função de preparar o tópico, introduzindo uma informação preliminar

para o assunto a ser apresentado. Esse uso ocorre, sobretudo, com a forma fixa antes

de tudo como em (24).

(24) Com este trabalho, pretendeu-se, antes de tudo, mostrar que o uso determina diretamente a classificação de um item lingüístico. Dessa forma, espera-se que tenha ficado claro que apenas em função do uso na língua pode-se classificar cada uma das ocorrências do item até (66-D-15).

Na amostra (24), ocorre o uso da construção antes de tudo que pode ser

parafraseável por em primeiro lugar. Segundo Bertuleza (2013), nesses usos, o item

deixa de fazer referência a uma localização temporal e passa a sequenciar uma

linearidade textual.

3.2 O ITEM AGORA: DE DÊITICO TEMPORAL A INTRODUTOR DE TÓPICO

Nesta subseção, apresentamos alguns significados/funções do item agora

resultantes dos estudos de Niedzieluk (2004), Souza Júnior (2005), Duque (2009),

Rodrigues (2009), Philippsen (2011) e Bertuleza (2013). Iniciaremos por Niedzieluk

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(2004), que estuda o agora no discurso oral de Florianópolis, cujos dados foram

extraídos do banco de dados do Projeto VARSUL (Variação Linguística Urbana na

Região Sul do Brasil), analisando 24 entrevistas. Desse modo, buscando descrever a

multiplicidade de funções que o agora exerce, a autora apresenta duas macrofunções:

a primeira é a de conector/elo discursivo que contém quatros microfunções –

contrastivo, avaliativo, referência ao futuro, referência ao passado – e a segunda é a

de advérbio temporal, que contém cinco microfunções.

Niedzieluk (2004) afirma que o item agora possui uma característica

específica do conector/elo discursivo, que é a propriedade que permite dar

sequencialidade ao discurso, funcionando como um organizador ao estabelecer uma

relação entre a parte do texto que ele introduz e a precedente, construindo um elo

coesivo. Assim, a partir dessa macrofunção de conector/elo discursivo, o agora

assume as seguintes microfunções:

a) contrastivo: o item agora tem a função de explicitar uma oposição à ideia

anterior, como a autora ilustra em (26).

(26) Então financeiramente, eu posso dizer que não compensou muito, não. Agora, todo dinheiro que eu ganhava, eu sabia empregar (NIEDZIELUK, 2004, p. 4).

b) retomador: o item agora tem a função de recuperar anaforicamente o tópico

da narrativa e dar prosseguimento ao discurso, como em (27).

(27) F: não! Intriga, assim, de brigar, de quebrar pau não- Mas [a gente também] a gente é humano, né? E: Claro! F: Agora, briguinha de casal é obrigado a existir, porque em casamento que não exista uma briguinha vai virar uma rotina. Que se você casa já é noiva? (NIEDZIELUK, 2004, p. 4).

c) avaliativa: o item agora tem a função de explicitar um ponto de vista e/ou

uma opinião do informante, conforme exposto em (28).

(28) A mesma coisa você [vem criand um] – tem uma criancinha. Ela nasceu para o mundo. Agora, vai depender muito dos pais educarem essa criança (NIEDZIELUK, 2004, p. 4).

d) avaliativa de realce: o item agora tem também a função de explicitar um

ponto de vista ou opinião, mas atenta para um enfoque especial na informação

precedente, como pode ser visto em (29).

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(29) O salário mínimo, que ele ia tirar aquele salário de fome, e aquele papo todo. Acontece que ontem ainda escutei na televisão, que o salário mínimo fica o mesmo: uns três e quatrocentos e poucos que está. Agora, eu acho que um pobre assalariado, vamos ter pena, seu Collor. Não dá de viver. Não pode viver assim (NIEDZIELUK, 2004, p. 4).

e) aditiva: o item agora tem a função de acrescentar outra informação ao já

dito, como em (30).

(30) Pra tu veres como na época o papai conseguia segurar tudo. Eu, verão, eu ia pra praia de manhã, voltava, almoçava, eu ia pra praia de tarde e voltava de noite, tomava banho e aquele negócio todo, e já saía, ia conversar com a rapaziada e só voltava pra dormir. No outro dia de manhã era a mesma coisa e. Agora, de dezesseis pra dezoito eu casei (NIEDZIELUK, 2004, p. 5).

Segundo Niedzieluk (2004), na amostra (26), o item agora assume a função

de conector/elo discursivo de contraste, sendo utilizado para explicitar uma oposição

à ideia de que, apesar de não ter compensado financeiramente, o informante soube

empregar bem o dinheiro ganhado, marcando, assim, um contraste na expectativa do

interlocutor. Na amostra (27), o item em tela assume a função de conector/elo

discursivo retomador, recuperando anaforicamente o tópico da narrativa (briga) e

dando prosseguimento ao discurso. Em (28), o conector/elo discursivo agora explicita

o ponto de vista ou a opinião de que depende dos pais a educação de uma criança.

Na amostra (29), o conector/elo discursivo atenta para um enfoque especial na

informação precedente que era sobre o salário mínimo, um salário de fome, realçado

pelo informante. Por último, na amostra (30), o item agora apenas assume a função

de acrescentar a informação de que, no período entre dezesseis para dezoito anos, o

informante casou.

Segundo Niedzieluk (2004), o agora possui a propriedade dêitica na condição

de advérbio referenciador da circunstância de tempo, estruturalmente vinculado ao

plano sentencial. A macrofunção advérbio temporal está dividida em cinco

microfunções, quais sejam:

a) momento atual: o advérbio agora é empregado aludindo ao momento atual

da enunciação do falante como a autora ilustra em (31)

(31) Ah, então tu estás com fome, tu estás olhando, então agora tu vais comer. Agora tu vais comer tudo (NIEDZIELUK, 2004, p. 3).

b) época atual: o advérbio agora é empregado aludindo à época atual, ou seja,

o momento de enunciação refere-se à época atual/contemporânea, como em (32):

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(32) Então, eu saí do último emprego que eu tinha e peguei na repartição, então peguei como motorista. Agora, hoje, é como eu falei pra você, eu não sou enxergado por um lado melhor, que eu realmente não tenho o estudo (NIEDZIELUK, 2004, p. 3).

c) tempo de contraste: o advérbio agora é empregado para contrastar com a

época passada e isso é mencionado no discurso precedente do informante, como

exposto em (33).

(33) Que é isso? Foi dura então, né? F Ah, a vida é dura, né? A vida antigamente era dura. Agora não. Agora tem muita facilidade. Esses guris não querem nada mesmo. O Exército está chamando, a escola de Sargento. Sujeito ganha mais do que está trabalhando aqui. Eles não querem. Não querem (NIEDZIELUK, 2004, p. 3).

d) tempo de referência ao passado: o advérbio agora é empregado aludindo

a um tempo referido pelo falante com relação ao passado, como pode ser visto em

(34)

(34) Ah, eles são chegados em dinheiro. Não vês agora o que os baianos fizeram! Vão debitar do dinheiro deles (NIEDZIELUK, 2004, p. 3).

e) tempo de referência ao futuro: o advérbio agora é empregado aludindo a

um tempo referido pelo falante com relação ao futuro, como a autora ilustra em (35).

(35) Mas agora ela vai ter neném, vai vir pra cá. O neném vai nascer em junho (NIEDZIELUK, 2004, p. 4).

De acordo com Niedzieluk (2004), na amostra (31), o advérbio agora é

empregado aludindo ao momento atual do falante, momento em que “vais comer”,

tratando-se, portanto, de um elemento dêitico temporal. Em (32), o agora é empregado

aludindo à época atual, ou seja, o momento de enunciação refere-se à época

atual/contemporânea, explicitada pelo advérbio hoje. Na amostra (33), o item parece

referir-se à época atual, mas, na verdade, contrasta com a época passada e isso é

mencionado no discurso precedente do informante pela frase “a vida antigamente era

dura”. Já em (34), o advérbio em tela é empregado aludindo a um tempo referido pelo

falante com relação ao passado. A construção agora + o que os baianos fizeram

implica que a situação atual difere da situação passada. Por último, na amostra (35),

o advérbio agora é empregado aludindo a um tempo referido pelo falante com relação

ao futuro, nesse caso, com a construção agora + ela vai ter. Desse modo, a autora

expõe que o item agora parece estar exposto ao processo de gramaticalização,

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havendo transferência de sua categoria inicial para outra, no caso, de uma

“microfunção puramente dêitica temporal para uma macrofunção de conector/elo

discursivo, passando por uma transição entre essas duas categorias” (NIEDZIELUK,

2004, p. 4).

Outro trabalho que estuda o item agora é o de Souza Júnior (2005). O autor

faz um estudo sincrônico nas tiras de quadrinhos de Gatão de Meia idade, de Miguel

Paiva. Souza Júnior (2005) mostra que o item agora ocorre nas funções de dêitico

temporal, de juntivo e na função discursiva. Para esse autor, o agora, quando se

apresenta como dêitico temporal prototípico, equivale semanticamente a “neste

momento”, “no momento presente” que remete ao tempo presente da ação

enunciativa, como apresenta o diálogo dos quadrinhos em (36).

(36) Mulher: Acho você tão bonitinho! Homem: Que isso? Assim eu fico envergonhado. Mulher: Envergonhado então você fica mais bonitinho! Homem: Puxa ... Homem: Queria que mamãe me visse agora!

De acordo com Souza Júnior (2005), quando o item agora atua na função

juntiva, assume a função de conector com o sentido mais abstrato, perdendo o traço

de mobilidade e ganhando o traço de fixação. Desse modo, passa a funcionar como

recurso para organização das ideias e a progressão textual, estabelecendo relações

de causalidade, como o autor apresenta o diálogo dos quadrinhos em (37); de

contrajunção com ideia de ressalva, em (38); e com a ideia de contraste, em (39).

(37) Narrador: O melhor momento para o pai descasado é a noite: dormir com a filha. (Pai dormindo e a filha assistindo TV.) Filha: Oba! Dormiu! Agora posso ver “A volta dos mortos vivos”! (38) Mulher: Encontrar você tem um lado bom: constatar que a separação foi realmente a melhor solução. Tchauzinho! Homem: Calma! Não vai embora! (A mulher sai.) Homem: Ser abandonado pela mulher é duro. Agora, ser abandonado pela ex-mulher é humilhante! (39) Homem 1: Quando eu era casado, cantar as mulheres tinha um sabor de pecado, uma excitação pelo proibido. Homem 1: Mas agora, que eu estou livre, leve e solto... Homem 2: É o bicho, não é mesmo?! Homem 1: ...sei lá ...perdeu um pouco a graça...

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Segundo Souza Júnior (2005), em (37), o item agora assume a função de

causalidade apresentando a noção de conclusão. Em: “Meu pai dormiu, agora posso

ver a volta dos mortos vivos”, o agora pode ser substituido por portanto. Em (38), o

item agora apresenta-se na função de contrajunção com ideia de ressalva, o

personagem menciona que “é duro ser abandonado por mulher”, em seguida, ele

ressalta, introduzindo com o item em estudo: “Agora ser abandonado pela ex-mulher

é humilhante”. Já em (39), o agora apresenta a função de contrajunção com valor de

contraste ao vir acompanhado de mas, marcando, assim, a oposição temporal

passada “quando eu era casado” versus o presente “mas agora que eu estou livre,

leve e solto”.

Para Souza Júnior (2005), quando o item agora assume a função discursiva,

ele atua nas funções de introdutor de digressão, como em (40), quando um

personagem insere um segmento tópico no interior de outro; e de redirecionador de

tópico, como em (41), quando um personagem deixa de lado um tópico principal sobre

o qual discorre para dar explicações, opinião sobre o que está sendo tratado.

(40) Filha: Pai, acho que fiquei menstruada. Pai: E agora, filha?! Isso só devia acontecer na tira de 2ª feira, quando você já está com sua mãe. (41) Mulher (pensando): Transamos... Agora ele vai achar que eu quero compromisso. Homem (pensando): Transamos... Agora ele vai achar que eu quero compromisso. Mulher: ...Estava pensando uma coisa... Homem: Sabe que eu estava pensando a mesma coisa? (Figura 24).

Desse modo, Souza Júnior (2005) afirma que o item agora está perdendo os

traços presentes no uso temporal e apresentando novos usos e funções, como o valor

juntivo. Assim, age como um conector de sequencialização, estabelecendo relações

lógicas. Em outros casos, o item agora está atuando como marcador discursivo na

organização do discurso. Segundo o autor, o agora está, portanto, numa trajetória

crescente de abstratização, passando de um sentido mais concreto para um mais

abstrato.

Também, em uma perspectiva sincrônica, Duque (2009) fez um estudo sobre

o processo de gramaticalização do agora utilizando o corpus de língua falada do PEUL

– Programa de Estudos de Usos da Língua/UFRJ. O autor encontrou uma diversidade

de ocorrências com o uso desse item. O autor afirma que o agora surgiu da reanálise

da expressão latina hac hora ((n)esta hora), e, com base na diversidade de uso do

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agora, Duque (2009) defende que o item vem cumprindo a trajetória ESPAÇO >

TEMPO > TEXTO proposta por Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991). Ancorado na

perspectiva funcionalista de vertente norte-americana, Duque (2009) classificou o

agora encontrado nas ocorrências como exofórico (ou dêitico) e endofórico (juntivo ou

discursivo), funções que se assemelham às apresentadas por Souza Júnior (2005),

pois o uso considerado exofórico por Duque (2009) é aquele que Souza Júnior

denomina de dêitico temporal, em que o item agora equivale a “neste momento” ou

“no momento presente”.

A função juntiva do agora é entendida pelos dois autores mencionados como

um uso em que o item se apresenta como conector responsável pela organização das

ideias. Outro ponto em comum entre os achados de Duque (2009) e de Souza Júnior

(2005) é o agora discursivo, em que os autores mostram que, nessa função, o item

exerce o papel de marcador discursivo, perdendo características temporais e textuais,

passando a atuar na organização de unidades discursivas.

De acordo com Duque (2009), as instâncias nas quais o agora faz remissão

demonstrativa temporal, numa escala de proximidade em relação ao momento exato

da enunciação, são consideradas como dêiticas (exofóricas). O autor verificou e

atribuiu quatro possibilidades, a saber: i) agora instanciando o momento específico da

fala, como em (42); ii) agora instanciando o momento geral da fala, como em (43); iii)

agora instanciando um momento anterior à fala, como em (44); e iv) agora

instanciando um momento posterior à fala, como em (45).

(42) Britney Spears, eu gosto, eu acho ela bonita. Ah! Tem outras assim que eu não to me lembrando assim agora, mas eu acho assim... eu acho que são bonitas (DUQUE, 2009, p. 6). (43) Tinha só catorze ano. Agora tenho quinze (DUQUE, 2009, p. 6). (44) Não sei fazer arroz. Eu sabia. Agora esqueci (DUQUE, 2009, p. 6). (45) Me roubaram. Aí eu falei assim: Agora, só vou usar a da Rosana, ou então a daquela (DUQUE, 2009, p. 6).

Já em relação à remissão endofórica, Duque (2009) afirma que há

recuperação de algum elemento do enunciado por meio da anáfora ou da catáfora,

como em (46) e (47).

(46) Bom, acho que, se eu num me engano foi em matemática, mas nesse último bimestre agora eu tirei foi em educação artística porque a professora

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não deu prova, ela não deu prova, ela avaliou pelos deveres (DUQUE, 2009, p. 6). (47) Na primeira semana, eu comecei com quinhentos cruzeiros (latido longe) ou quinhentos mil réis, não me lembro, agora ... já tem tantos anos. Na segunda, foi setecentos, ou cruzeiro ou mil ruis, não me lembro (DUQUE, 2009, p. 6).

Segundo Duque (2009), em (46), existe recuperação do sintagma

preposicional “nesse último bimestre”; e, em (47), o item agora remete ao tempo da

enunciação.

Para esse autor, o agora caracteriza-se como juntivo quando participa de

algum tipo de relação de contraste entre orações simples ou complexas, ou seja, o

elemento atua no nível sintático e exerce a função de conector interacional. Ainda

segundo o autor, das muitas evidências que apontam para a caracterização juntiva do

agora, uma delas é o fato de esse elemento poder ser substituído por “mas” na maior

parte das ocorrências, como mostram (48) e (49), o que não é possível nos casos em

que o elemento ainda veicula valor temporal.

(48) Com a família ela cresce. Agora com o marido ela murcha (DUQUE, 2009, p. 6). (49) Eu não bebo bebida alcóolica. Agora, uma cerveja já ainda tomo (DUQUE, 2009, p. 6).

Duque (2009) identificou duas relações semânticas que podem ser atribuídas

ao agora juntivo: a adversidade e a concessão, que fazem parte da função que Souza

Júnior (2005) chama de contrajunção, em que o elemento articula sequencialmente o

texto. Duque (2009) é favorável ao pensamento de Risso et al. (1996, p. 56), que

afirmam que, na caracterização dos marcadores discursivos, “a não integração do

agora articulador tópico à constituição da sentença pode gerar a impressão de

estarmos diante de um elemento descartável, que parece de sobra na fala”. Para

Duque (2009), o agora discursivo pode promover abertura, retomada ou fechamento

de tópico. Vejamos em (50).

(50) E– Hum, hum! E, quando chegou no hospital, quê que o médico disse?/ F– Bem– aí, quando eu cheguei lá, eu entreguei ele lá no médico, aí, não é? Eles não falaram nada, ele queria ser– fazer um curativo: um aqui, que abriu aqui, porque, conforme o tombo, não é? [<atingiu>]– Atingiu aqui e outro aqui, em duas parte da cadeira e machucou a perna. …Aí, naquela noite, eu fui embora, aí, não é? Quando foi o meu outro irmão foi apanhar ele, eu não fui, aí, eu não sei o quê que o médico falou baixinho para ele. Mas faz muito tempo, foi uns dois ano atrás. / E– Vocês estavam vendo o desfile?/ F– É, e pulando, brincando. Aí, não é? Aconteceu, não é? E, foi triste, mas– / E– É,

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sem dúvida, não é? (inint). E, ele ficou perfeito? / F– Não, graças a Deus, ficou perfeito. Graças a Deus! Ele está bem agora. Anda normal, fala normal, pensa normal, ele está bem. / E– Ai, que ótimo! Não é? /F– Hum. (buzina) / E– Ainda bem. Agora, Carlos, me fala, assim, um pouquinho do– dos seus planos, assim, para o futuro, não é? Depois de casado. [Depois de um ano, assim, quando você já tiver casado.] (DUQUE, 2009, p. 6).

Duque (2009) comenta os dois usos do item agora da amostra (50): o primeiro

uso, “ele está bem agora”, é exofórico equivalendo-se a “neste momento”;

diferentemente do segundo uso, em que o agora demarca a mudança de assunto,

dando origem a um novo tópico “planos para o futuro” e sinaliza, ao mesmo tempo, a

associação desse tópico com outro precedente “depois de casado”. Para o autor, a

abertura de tópico firmada pelo agora é uma manifestação simultânea de uma

articulação intertópica.

Apresentamos, a seguir, outro estudo sincrônico sobre o item agora em textos

orais e escritos do Estado de Mato Grosso, realizado por Philippsen (2011). Para a

autora, o item agora apresenta, nos textos analisados, as funções de dêitico, conector

de sequencialização, contrajunção, causalidade, perífrase conjuncional

causal/explicativa e marcador discursivo.

Segundo Philippsen (2011), o agora dêitico apresenta traços prototípicos

como mobilidade de colocação na frase e localização de referência temporal de

momento presente, como em (51).

(51): sem energia não fazia, agora com a chegada da energia é uma animação no assentamento inteiro. E o problema do IBAMA tá comunicando a situação do meio ambiente é um problema e agora que chegou à hora deles estar com uma Toyota pra fazer um trabalho do fogo não tem ninguém, ele chega faz uma reunião com nós, palestra, falatório, e na hora do fogo (PHILIPPSEN, 2011, p. 8).

Já o agora conector, com base na frequência desse item, Philippsen (2011)

observa que pode tratar-se de um deslizamento funcional de agora advérbio >

conjunção, em que as velhas formas se revestem de uma nova roupagem, ou seja,

uma nova função, fruto do processo de gramaticalização, como a autora mostra em

(52). Nessa amostra, o agora assume a função de conector de contrajunção. Outros

autores como Souza Júnior (2005) também reconhecem o item agora como conector

de contrajunção, cujo efeito discursivo pretendido é mostrar ao interlocutor a oposição

de ideias entre os segmentos textuais.

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(52): E o seguinte, o problema dessa associação aqui é a má organização... as autoridades competentes lá em cima também apoia as associações, agora pra isso acontecer tá precisando organizar, tá desorganizada, mas a gente tá tocando devagar, pra entreter o tempo dessa organização (PHILIPPSEN, 2011, p. 9).

Além da função de conector de contrajunção, o item agora apresenta a função

de conector de sequencialização, cujo efeito discursivo pretendido é direcionar o

interlocutor para a sequência dos acontecimentos, como em (53).

(53) Não param, de uns tempos para cá, os comentários sobre os seguidos acontecimentos no estado. Operação Pacenas, crise no Judiciário e agora o tal superfaturamento nas máquinas (PHILIPPSEN, 2011, p. 8).

Parece-nos que esse uso, reforçado pelo conector “e”, tem um aditivo,

acrescentando mais uma informação e funcionando como “além disso”.

O agora também apresenta a função de conector de causalidade ou perífrase

conjuncional causal/explicativa, como denomina Philippsen (2011). Nessa função,

segundo a autora, o efeito discursivo apresenta a crença do falante a respeito do que

é dito e a explicação causal atribuída aos fatos, como apresenta (54).

(54) Eu acho que a prefeitura não tem esse projeto diferenciado pra nós, no caso não dá certo trazer a urbana pra dentro do sítio com qualidade superior, porque os nossos professores agora que estão fazendo faculdade, então começa o ano eles não sabem se vão ser contratados ou não (PHILIPPSEN, 2011, p. 8).

Conforme Philippsen (2011) demonstra, ocorreram alguns usos do agora na

função de marcador discursivo, em que esse item assume funções argumentativas

referentes à organização lógica das ideias, como em (55), assim “nas velhas formas

e nas novas funções acrescentam-se novos efeitos sintático-pragmáticos”

(PHILIPPSEN, 2011, p. 16).

(55) A área aqui da Agrovila que pertence ao município e assentamento da reforma agrária, todo esse tipo de assunto pertence ao presidente da associação, agora aqui nós estamos dividido 50% mexendo com as atuações de imediato porque 100% não redonda, não dá, não existem, porque falta mais posição, pra trabalho, organização, ajuda do próprio povo de fora (PHILIPPSEN, 2011, p. 8).

Para Philippsen (2011), a gramaticalização do item agora como conector de

contrajunção ocorre na modalidade oral, pois, na escrita, continua-se utilizando a

conjunção adversativa mas. A autora constatou também que não só os deslizes

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funcionais se apresentam em um contínuo dos usos da língua mas também que os

efeitos sintático-pragmáticos são mobilizados num processo permanente de

gramaticalização.

Devido ao estudo de Rodrigues (2009) ser diferente dos demais já

apresentados, não obedecemos à ordem cronológica. Trata-se de um estudo

pancrônico de textos do latim até o século XX sobre o item agora. Nos dados

analisados, o item agora apresenta usos temporais, de conexão e discursivos.

Segundo Rodrigues (2009), o item agora ainda é usado como advérbio, mas

deixa de se vincular ao momento presente e passa a ter traços com mais referência

temporal passada em alguns casos e mais referência temporal futura em outros, como

em (56).

(56) “O tratamento de sua pessoa e mesa, que agora diremos, não principiou em Braga: Continuou em Braga o que tinha na religião. O que não espanta muito é que não afrouxou nunca um ponto de rigor com que entrou” (A vida de D. Freire Bartolomeu dos Mártires ̸ Romance ̸ Sincronia Clássica).

Rodrigues (2009) mostra que, exercendo o papel de elemento de conexão, o

item agora assume a função de sequencializador, como em (57), opositor em (58) e

de concluidor em (59).

(57) Mattos permaneceu em meio à massa compacta de pessoas que continuavam na pista e nas imediações do aeroporto. Getúlio morreu, ele pensava a todo instante. Aos poucos as pessoas foram saindo do curto estupor que as dominara quando o avião desapareceu no céu. Agora, homens e mulheres começaram a se enfurecer, a gritar e a se agitar de maneira caótica, espalhando-se pelas cercanias do aeroporto (RODRIGUES, 2009, p. 88). (58) O comissário encheu a mão de tomates despedaçados. Quando ia jogá-los na panela, tudo aconteceu rapidamente. A panela virou e a água fervendo foi derramada sobre sua mão. [...] Está doendo muito? Diz a verdade. Doeu na hora. Agora só está ardendo. Vai ficar uma ferida ai? Com casca? Basta enrolar uma gaze em cima (RODRIGUES, 2009, p. 89). (59) Dom Gilvaz: Eu bem vejo recato e honra desta casa. Que? Aquilo de subir um homem por uma janela, e ir-se para dentro atrás de uma mulher, não é nada? Fagundes: Aquele homem é primo carnal da Senhora Dona Nize. Dom Gilvaz: Pois eu também quero ser muito conjunto da Senhora Dona Clóris: ora2 faça-me o favor de a ir chamar (RODRIGUES, 2009, p. 87).

2 O corpus do trabalho é formado por romances e peças de teatro de quatro sincronias distintas. Assim, em algumas amostras ocorrem o uso da forma antiga “ora” em vez de “agora”.

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No papel de marcador discursivo, segundo Rodrigues (2009), o item agora

funciona como enfatizador de tópico, em (60), localizado em todas as sincronias, e

retomador de tópico, em (61), encontrado somente nas sincronias clássica e moderna.

(60) (Inézia entra, sobe a escada. Olegário acompanha-a com a vista, demonstrando uma irritação doentia) OLEGÁRIO – Mas essa mulher não para de descer e subir essa escada! Será possível? LÍDIA – Ora, Olegário! Ela está fazendo o serviço dela! OLEGÀRIO – está bem. (outro tom) você é mulher de um paralítico (RODRIGUES, 2009, p. 91). (61) Dom Lancetore: senhor doutor, o homem está alucinado, depois que um fantasma, que saiu de uma caixa, o desancou; e sobre isso a grande pena que tem tomado de umas moças, que aqui introduziu em casa, enganando-as, de cuja insolência se me veio mãe aqui queixar, que era mulher de bem, ao que parecia. Semicúpio: ela é muito criada de vossa mercê. Dom Tibúrcio: Deixemos isso; o caso é que minha barriga não está boa. Semicúpio: cale-se que ainda há de ter uma boa barrigada; deite a língua fora. [...] Dom Lancerote: Ah, senhores, grande Médico! Dona Nize: E D. Fuas como está melancólico! (para Dona Clóris) Dona Clóris: Estará cuidando na receita. Semicúpio: Ora, senhores, capitulemos a queixa. Este fidalgo (se é que o é, que isto não pertence a Medicina)... (RODRIGUES, 2009, p. 92).

Por último, Rodrigues (2009) afirma que o agora é um item multifuncional que

se gramaticalizou ao longo da trajetória da língua portuguesa, cujo percurso é TEMPO

> TEXTO.

Em síntese, podemos assinalar que, conforme os estudos apresentados, o

item agora assume usos temporais, como advérbio temporal, também chamado de

dêitico temporal e exofórico; usos de conexão, como retomador, avaliativo, aditivo,

concluidor, sequencializador, conector de causalidade e conector de contrajunção (ou

de contraste); e usos discursivos como marcador discursivo, introdutor de digressão,

redirecionador de tópico, enfatizador de tópico. Essa multifuncionalidade nos levou a

verificar que os usos do agora podem caracterizar os gêneros acadêmicos.

Outro estudo sobre o item agora foi realizado por Bertuleza (2013) com foco

em gêneros acadêmicos, nos quais foram encontrados os seguintes usos do item

agora: dêitico temporal, divisor de época, mudança de estado, sequencial e introdutor

de tópico. O uso do agora como tempo foi encontrado em todos os trabalhos

resenhados nesta seção. Trata-se do uso do agora como advérbio temporal,

diferenciando-se apenas as especificações da referência da circunstância de tempo.

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Bertuleza (2013) também apresenta usos temporais assumidos pelo item agora no

corpus de dissertações e teses – DISSERTES, são eles: agora dêitico temporal,

mudança de estado e divisor de época.

O corpus DISSERTES apresentou os usos temporais do item agora que

mostram a noção de tempo, por meio da função de dêitico temporal, função prototípica

desse item equivalente a “neste momento”, como podemos ver nas amostras (62) e

(63).

(62) Resta agora observar o comportamento das modais introduzidas pela locução SEM QUE, no que tange à mobilidade posicional (73-D-21). (63) O efeito principal da apassivação é que ela cria, por assim dizer, um ambiente inacusativo. Por figurar agora em um ambiente inacusativo, o complemento de considerar passa pelas mesmas transformações descritas em (6): o sujeito da SC é alçado para o Spec/IP matriz em (8a), mas não em (8b) (34-T-08).

Conforme (62) e (63), em amostras dos gêneros dissertação e tese,

respectivamente, sobre estudos de gramaticalização da língua portuguesa, o item

agora ocorre na sua função de dêitico temporal. Na amostra (62), o item agora em

“resta agora observar” equivale semanticamente a “neste momento”. Já na amostra

(63), o item agora em "por figurar agora em um ambiente inacusativo, o complemento

de “considerar” passa pelas mesmas transformações descritas em (62)” também

corresponde ao momento presente da enunciação.

Ocorreram também usos em que o item agora apresentou a função temporal

de mudança de estado, que equivale semanticamente a “a partir desse momento”,

como mostram (64) e (65). Embora sejam muito próximos da função divisor de época,

diferenciamos esses usos por não sugerir um cessamento, mas uma mudança de

estado que se inicia.

(64) A contração de para com o artigo a era esperada neste contexto, porque no registro de fala coloquial este tipo de contração (pra) é usual. O gênero e Unicamp foi alterado e agora é masculino: Unicampo, mas o seu determinante continua feminino: a Unicampo (127-D-30). (65) No entanto, ressalta-se que sempre se imaginou como principal intenção de um estudo não o esgotamento das possibilidades de análise ou o oferecimento de todas as respostas, mas a promoção de reflexão sobre novas respostas, novos caminhos de investigação que, neste caso, agora estão submetidos à apreciação e contribuição dos leitores (94-T-13).

Na amostra (64), a função temporal do item agora apresenta uma noção de

mudança de estado, em que o gênero da palavra Unicamp, a partir daquele momento,

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foi alterado para o masculino. Verificamos também uma mudança de estado em (65),

em que o item agora pressupõe que, a partir daquele momento, a promoção de

reflexão sobre as respostas e os caminhos de investigação está submetida à

apreciação e à contribuição dos leitores. Bertuleza (2013) salienta que é um uso que

se diferencia da função dêitica do agora, apesar de temporal, por marcar as mudanças

nos eventos a partir de um tempo específico.

Outro uso temporal apresentado no corpus é o agora divisor de época que

que ocorre quando o item agora faz referência a uma situação que era no passado de

uma forma e no momento da enunciação não é mais, como ocorre em (66).

(66) Todavia, diferentemente de (32), em que o operador argumentativo era apenas o item até, sendo que o que não podia ser retirado da sentença sem prejuízos sintáticos, por ser uma conjunção integrante, agora o que se chama de operador argumentativo é o grupo até que, já que ele, em bloco, serve ao discurso (26-D-15).

Na amostra (66), em que a dissertação versa sobre os operadores

argumentativos e mostra que a função era restrita a apenas um elemento, o “até” –

não incluindo o “que” como conjunção integrante – mas, por meio do item agora,

marca-se a época atual em que o operador argumentativo “até” mudou, passando a

constituir as expressões até que, fazendo parte do grupo já que.

Bertuleza (2013) mostra ainda que o item agora assume funções mais textuais

e discursivas e passa a desempenhar novas funções advindas do seu sentido primeiro

(tempo), funcionando, no texto, como conectivo, apresentando noção sequencial; e

como marcador discursivo, funcionando como introdutor de tópico. Esse uso está

presente nos estudos de Niedzieluk (2004), distribuído nas funções contrastivo,

retomador, avaliativo, avaliativo de realce e aditivo, colocando no mesmo grupo as

funções discursivas. Souza júnior (2005) registra apenas como conector o agora

juntivo por contrajunção. Além do juntivo adversidade, Duque (2009) encontra o

juntivo concessão. Rodrigues (2009) registra os usos do conector sequencializador,

opositor e concluidor. Por fim, Philippsen (2011) inclui na função do agora conector,

além da contrajunção, o conector de sequencialidade e de causalidade (perífrase

conjuncional explicativa/causal). Em Bertuleza (2013), o item agora como conectivo

apresenta a noção de sequencial.

Já na função sequencial, também tipificada por Rodrigues (2009) e Philippsen

(2011), Bertuleza (2013) apresenta o item agora no corpus DISSERTES, com a função

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de dar continuidade à sequência de eventos ou a ações no contexto em que está

inserido. Trata-se de um uso em que existe uma fluidez entre o registro escrito e a

localização espacial no texto, como mostram (67) e (68).

(67) Na realidade, o uso dessa sentença tem a função de defender um argumento contrário ao procedimento em questão, uma vez que a propriedade resultante já existe. Observe agora o exemplo contido em (2-23) (07-D-18). (68) Uma vez confirmada a capacidade de discriminação e de tg esquematização dos informantes, cabe agora discutir o nível dessa granularidade e a força de coesão entre os grupos (91-T-23).

Nas amostras (67) e (68), o agora enfraquece sua noção temporal e passa a

estabelecer uma relação de continuidade entre as informações do registro,

direcionando o leitor e indicando o local do conteúdo textual nos dois gêneros

acadêmicos. Verificamos uma forma de chamamento para o leitor do que quer que

seja observado, em (67), e um aviso da organização do processamento textual do

autor que reflete também o direcionamento das reflexões sobre o conteúdo. Bertuleza

(2013) afirma que em alguns usos ocorridos nos gêneros acadêmicos, o agora, além

de atuar como um direcionador do texto, ainda desempenha funções de

predominância discursiva.

Embora com função discursiva, Niedzieluk (2004) inclui as funções retomador

e avaliativo e avaliativo de realce como conector. Considerando como marcador

discursivo, Souza Júnior (2005) elenca o introdutor de digressão e redirecionador de

tópico; Duque (2009) registra o introdutor de tópico; já Rodrigues (2009) divide os

marcadores, além do introdutor de tópico, ele apresenta as funções de enfatizador de

tópico e retomador de tópico; e, por fim, Philippsen (2011) engloba o agora como

marcador discursivo na função argumentativa de organizador lógico de ideias.

Bertuleza (2013) mostra como marcador discursivo, no corpus DISSERTES, o item

agora funcionando como introdutor de tópico.

No corpus DISSERTES, o agora introdutor de tópico tem a função de dar início

a um tópico ou a um novo momento do discurso, por meio de uma mudança no tópico

ou no assunto tratado, como segue em (69) e (70).

(69) Vimos que era preciso, então, excluir as ocorrências com os principais ser e ter, além dos modais. Com essa nova rodada, obtivemos um percentual de 24% de ocorrência da forma nova entre os verbos de segunda conjugação, amalgamando F e P. Agora, com o índice de 60% de ocorrência da forma nova entre verbos de 2ª conjugação e de uma sílaba, podemos concluir que,

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com exceção dos verbos mais frequentes na língua e de morfologia mais marcada, a exemplo de ser e ter, o processo de mudança já atingiu essa conjugação na escrita (06-D-17). (70) Agora, conforme foi feito para o verbo achar, são apresentados alguns cruzamentos entre a categoria ‘sentidos’ e outras categorias (113-T-10).

Conforme as amostras, o item agora ocorre iniciando tópicos. Na amostra

(69), em que apresenta os percentuais obtidos após a exclusão de algumas

ocorrências, o agora aparece iniciando um novo tópico mostrando o índice de uma

nova forma entre verbos de segunda conjugação e de uma sílaba. Em (70), o agora

também introduz um turno/tópico no qual ele mostra que a partir daquele momento

será feito um cruzamento entre categorias.

Com base nessas ocorrências, Bertuleza (2013) constatou que o agora

apresenta usos que vão além da sua função prototípica de dêitico temporal, passando

por um desdobramento do tempo, seguindo como sequenciador textual e, em outros

casos, como marcador discursivo.

3.3 O ITEM DEPOIS: DE ESPACIAL À CONTINUIDADE DISCURSIVA

Martelotta (1994) analisou o elemento depois, mostrando que sua forma

origina-se da preposição “de + a + conjunção pois”, que era utilizada para indicar ora

sucessão no espaço, ora sucessão no tempo. Segundo o autor, no português atual, o

depois passou a apresentar valor espacial, temporal, sequencial e aditivo.

Martelotta (1994) não mostrou em seus dados o uso do depois espacial de

localização, do tipo “a loja fica depois da esquina”. No entanto, o que ele encontrou foi

um uso mais abstrato de localização, como em (71), cuja ordenação se deu por

processo metafórico da localização espacial para a sequência do lugar do sentimento:

(71) Ah, uma professora que eu gosto... a professora que eu gosto é a... que eu gosto mesmo é da dona Regina. Depois a dona Inês.

Conforme Martelotta (1994), a amostra (71) consiste em uma ordenação das

professoras, com base no que o informante sente por cada uma delas, em que uma

professora está na frente da outra, pela ordem de preferência do informante.

O depois temporal indica sucessão do tempo e não no espaço como

apresenta a amostra (72).

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(72) E: Já houve alguma vez assim que algum cliente não tenha pagado? I: Já, muitas vezes. Calote, meu irmão, é toda hora. E: Mas como acontece? A pessoa diz que não tem dinheiro ou... I. É, não tem dinheiro. “Está ruim depois eu pago” (MARTELOTTA, 1994, p. 134).

Na amostra (72), o informante, ao responder que já recebeu calote de cliente,

diz que é comum eles dizerem: “Está ruim depois eu pago”. O item depois passa a ser

usado para indicar sucessão no tempo.

Já o depois sequencial serve para organizar as informações do texto e indica

um evento que continua a partir do outro que se concluiu, como em (73).

(73) I:... Não houve nada, que era um barranco muito próximo, então só deu aquele impacto e tudo bem. Depois saímos dali, chegamos no quartel todo mundo frio (MARTELOTTA, 1994, p. 135).

Na amostra (73), o item depois marca a ordem de acontecimentos dos eventos

“Depois saímos dali, chegamos no quartel todo mundo frio”, organizando, assim,

sequencialidade das informações no texto.

Martelotta (1994) mostra ainda que o depois sequencial surge por pressão de

informatividade, gerando formas como depois que e depois de, que assumem o valor

relacional, que conhecemos na tradição gramatical como locução conjuntiva e locução

prepositiva, respectivamente. O autor ilustra a primeira com a amostra (74).

(74) I:... porque depois que saiu aquilo, no dia seguinte apareceu um senhor lá e ficou me olhando e disse assim: “O senhor é o prefeito daí, não é?” (MARTELOTTA, 1994, p. 137).

Por fim, Martelotta (1994) apresenta o depois aditivo, cujo uso, diferentemente

do depois sequencial, caracteriza-se pela perda da noção ESPAÇO > TEMPO e passa

a assumir uma função textual. De acordo com o autor, nesse uso, a trajetória,

resultante da pressão por informatividade, amplia-se e se dá pela metáfora ESPAÇO

> TEMPO > TEXTO, como em (75).

(75) E: Então você acha bom a mulher trabalhar fora? I: Acho. Atualmente acho, não pra mim que já estou com uma vida formada, casada há vinte e sete anos já, não, não, não. E depois não preciso, graças a Deus... (MARTELOTTA, 1994, p. 138).

Segundo Martelotta (1994), na amostra (75), o item depois apresenta um valor

argumentativo, com informações em favor do que está sendo dito “E depois não

preciso, graças a Deus”. Podemos ver, então, que, para Martelotta (1994), a mudança

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do item depois se deu por meio do fenômeno da gramaticalização, cujo percurso

unidirecional pode ser interpretado em dois esquemas idealizados: um formal –

circunstanciador > operador argumentativo e um semântico – ESPAÇO > TEMPO >

TEXTO.

Como já mencionado anteriormente, Lopes e Morais (2000), em seu estudo,

também analisaram o item depois no Corpus de Referência do Português

Contemporâneo (subcorpus oral) e encontraram 3.869 ocorrências desse item,

apresentando valores em diferentes tipos de escalas ou eixos. O estudo mostra que,

no discurso oral, esse item é usado frequentemente não apenas na descrição de

situações externas mas também na expressão de avaliações internas realizadas pelo

falante, além da marcação da estrutura textual ̸discursiva.

Segundo as autoras, nem sempre é claro ou evidente identificar o tipo de

significado associado ao item depois no corpus, pelo fato de haver casos em que há

uma interrupção do discurso, seja por uma intervenção do interlocutor, seja por uma

nova orientação discursiva do locutor; como também há casos em que o contexto é

reduzido e não é esclarecedor, assim, diversas ocorrências apresentaram-se

ambíguas. Desse modo, Lopes e Morais (2000) utilizaram 2.917 ocorrências, em que

a classificação parece inequívoca e unívoca. Dessas ocorrências, as autoras mostram

que houve 23 usos da forma popular despois, havendo, em alguns casos, a ocorrência

das duas formas.

Conforme Lopes e Morais (2000), o item depois apresentou, no corpus,

valores de ordenação espacial, temporal e usos nos planos interpessoal e textual.

Para elas, o item depois com valor espacial exprime uma localização relativa de um

determinado espaço, recorrendo-se a outro espaço (ou entidade), como apresenta

(76).

(76) A minha casa fica depois do supermercado (LOPES; MORAIS, 2000, p. 19).

Na amostra (76), o item depois funciona como um localizador, marcando o

supermercado como ponto de referência para chegar à sua casa. Em outros casos, a

localização espacial definida pelo item depois é contemplada por outras expressões

referenciais também com valor espacial. É o que ocorre em (77).

(77) Silvino na baliza, depois um quinteto defensivo – chamemos-lhe assim – com João Pinto a leteral direito Fonseca a lateral esquerdo, Veloso... irá jogar

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a central com a m [...] função de livre, e dois centrais de marcação são eles Jorge Ferreira e Venâncio, depois a meio-campo, Paneira, André, Jaime Pacheco para diante (LOPES; MORAIS, 2000, p. 20).

Na amostra (77), a expressão de localização espacial a meio-campo acaba

tornando mais precisa a localização espacial apresentada inicialmente pelo item

depois. Para as autoras, o item depois, nas amostras apresentadas, tanto em (64)

como em (78), funciona como um localizador que marca uma relação de ordem entre

as entidades físicas situadas num eixo espacial, em que é definido um polo inicial e

um polo final e gerado um movimento potencial.

Lopes e Morais (2000) mostram que o item depois também é usado para

marcar a ordem das entidades que fazem parte das séries de ordem fixa, como em

(78).

(78) Nesse campeonato, o Sporting ficou depois do Benfica (LOPES; MORAIS, 2000, p. 20).

Conforme as autoras, na amostra (78), a ordem das entidades “o Sporting

ficou depois do Benfica” reflete a posição que elas ocupam hierarquicamente a partir

de critérios convencionalmente definidos. Essas séries seguem a ordem que vai do

mais positivo ou mais bem classificado (polo inicial) para o menos positivo ou com pior

classificação (polo final).

Na função temporal, Lopes e Morais (2000) afirmam que o item depois

também pressupõe a divisão do tempo em duas seções a partir de um ponto de

referência, ou seja, esse item marca o estado de coisas ou situações em um intervalo

de tempo posterior ao ponto de referência, como apresentam em (79).

(79) Agora tratamos de preencher estes impressos. Depois compraremos os outros na papelaria (LOPES; MORAIS, 2000, p. 20).

Conforme as autoras, na amostra (79), o ponto de referência é o presente da

enunciação e o item depois marca uma relação temporal de posterioridade da

utilização do elemento agora.

Lopes e Morais (2000), assim como Martelotta (1994), afirmam que as

expressões depois de e depois que também funcionam como localizadores temporais,

em que o depois de introduz expressões que indicam um intervalo de tempo no eixo

cronológico, como em (80), e o depois que introduz uma oração finita, como elas

ilustram com a amostra (81).

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(80) antes o pai levantava problemas com as idas para casa depois da meia-noite, isso, e que nós íamos para casa sozinhas (LOPES; MORAIS, 2000, p. 24). (81) Gostava muito do Porto, mas depois que vim para Lisboa comecei a gostar mais de Lisboa (LOPES; MORAIS, 2000, p. 24).

Além da função espacial e temporal, Lopes e Morais (2000) encontraram o

item depois como consecutivo, que revela uma consequência de uma situação

expressa no enunciado anterior, como elas mostram em (82).

(82) Esses [turcos] lavaram-se cá em casa. Lavá-los lá eram muito caros. Lá é muito caros, é isto e depois punham lixívia e tudo, depois estragava tudo (LOPES; MORAIS, 2000, p. 32).

Para as autoras, na amostra (82), o estado de coisas apresentado na primeira

oração é entendido como condição suficiente (causa) para a ocorrência do estado de

coisas da oração depois estragava tudo.

Lopes e Morais (2000) também registraram o uso do item depois como

conclusivo, como ilustram em (83).

(83) a gente tem de ceder sempre porque é o nosso papel. E se não se cede, depois dá mau resultado (LOPES; MORAIS, 2000, p. 32).

Para as autoras, na amostra (83), o falante expressa um raciocínio de tipo

inferencial, indicando a certeza do conhecimento de que é “seu papel ceder”. O item

depois permite extrair uma dada conclusão na oração “depois dá mau resultado”.

No plano mais textual-discursivo, as autoras registraram ainda o item depois

como avaliativo, argumentativo, argumentativo interrogativo, sequenciador textual e

marcador de continuidade discursiva. Lopes e Morais (2000) consideram o item depois

como avaliativo quando ele é usado para marcar a ordenação em eixos de tipo

avaliativo, como em (84).

(84) Não, não! Prefiro o Porto, e só depois o Benfica (LOPES; MORAIS, 2000, p. 35).

Na amostra (84), o item depois introduz uma situação avaliativa em que o

falante expressa sua menor preferência pelo Benfica e sua maior preferência pelo

“Porto”.

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Lopes e Morais (2000) apresentam também o depois argumentativo que tem

a função de introduzir um argumento secundário que, ao se ajuntar a outro já

formulado no discurso, realiza um valor corroborativo, como apresenta (85).

(85) Não me apetece ir ao cinema; depois nem sequer gosto muito desse realizador (LOPES; MORAIS, 2000, p. 37).

Em (85), o item depois introduz um argumento que justifica a decisão do

falante de não ir ao cinema. Assim, o item atua como reforço da primeira oração.

Nessa perspectiva da argumentação, as autoras particularizam o uso do item

depois como argumentativo interrogativo, como podemos ver em (86).

(86) Sim, é verdade que fui ver esse filme. E depois? Já tenho 17 anos! (LOPES; MORAIS, 2000, p. 37).

Na amostra (86), segundo Lopes e Morais (2000), “E depois?” é

funcionalmente idêntico a expressões como “e então?”, “e daí?”, características de

interações orais. Para as autoras, ao inserir o item depois interrogativo, o falante

bloqueia a sequência do discurso.

Como sequenciador textual, para Lopes e Morais (2000), o depois garante a

conexão de uma sequência entre os elementos do texto, como em (87).

(87) Preciso de comprar ovos, leite, farinha… e depois margarina, fermento e ainda cacau em pó (LOPES; MORAIS, 2000, p. 40).

Na amostra do (87), o item depois é usado na articulação de termos de uma

listagem, vem acompanhando o conector “e”, mantendo a relação aditiva. O uso do

depois aditivo já foi registrado por Martelotta (1994).

Já o item depois como marcador de continuidade discursiva, segundo Lopes

e Morais (2000), apresenta um caráter fático, que indica que o falante não terminou

seu discurso e assim busca manter a atenção do seu interlocutor, como em (88).

(88) resolvi experimentar e tal fazer uma letra de canção - era uma coisa horrorosa! Saiu uma coisa! - chamada: o homem. Então era: (o homem, o homem fugiu, fugiu. O homem, o homem nem sua aldeia não viu). Depois é... Depois... Depois fazia outras coisas, naquela altura das revoluções... (LOPES; MORAIS, 2000, p. 43).

Na amostra (88), a repetição do item depois parece ser usada com o propósito

de assegurar o turno da palavra, marcando um tempo de espera de acordo com a

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preparação do prosseguimento do discurso. Desse modo, Lopes e Morais (2000)

expõem que o item depois opera em diferentes domínios da significação, os valores

de localização espacial e temporal fazem parte do domínio referencial e os valores

avaliativos e argumentativos pertencem ao domínio interpessoal e discursivo.

Outro estudo sobre o uso do depois que citamos é o de Gonçalves (2007) que

trata do item depois em dados orais do português dos cariocas, mostrando que esse

item passa pelo processo de gramaticalização por apresentar outras funções que

derivam do seu uso tradicional como advérbio. A autora encontrou as seguintes

funções do item depois: espacial, temporal, contrastivo, sequencial e aditivo,

afirmando que o processo que tem levado o item depois a se gramaticalizar é a

metáfora ESPAÇO > TEMPO > TEXTO.

A autora começa a análise dessa trajetória da fala carioca, mostrando o uso

do depois que indica um lugar no espaço, como em (89).

(89) que era um terreno baldio que era chamado Mère Luísa era inclusive era um homem francês que era o engenheiro e que tomou conta disso aí tudo e fez várias obras aqui e depois dali ela então passou aqui pra Avenida Atlântica onde hoje inclusive é esse hotel aqui que era o antigo Cassino Atlântico era aqui no Posto Seis no fim da da Avenida Atlântica aqui no Posto Seis quando então foi fundada aí que ela foi fundada a colônia dos pescadores zê seis ela era zê seis e foi fundada (GONÇALVES, 2007, p. 45).

Na amostra (89), a noção de espaço físico vem ressaltada pelo advérbio

locativo dali, localizando a Avenida Atlântica.

Em seguida, faz a análise do item depois em seu uso prototípico como

advérbio temporal, que deixa de apresentar a noção de espaço físico e passa a se

referir a um espaço no tempo, como apresenta (90).

(90) E – É, depois que o filho tive, nunca (est) mais barriga enche, não é? (GONÇALVES, 2007, p. 46).

Em (90), conforme Gonçalves (2007), a noção de tempo do item depois é

marcada por uma indeterminação temporal, pois não fica claro no texto quando a ação

se realizou, fica pressuposto que é um tempo posterior à enunciação. Discordamos

em parte da autora, uma vez que esse uso parece demarcar uma divisão de período,

apresentando o momento em que, a partir de então, ela percebeu a causa da mudança

corporal, o nascimento do filho.

Defendemos ainda que, apesar de temporal, esse evento é demarcado no

texto pela construção depois que, sendo mais saliente o uso sequencial, já observado

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por Martelotta (1994) e Lopes e Morais (2000). Sustentamos nosso argumento em

Neves (2000), que faz um estudo sobre as conjunções temporais e/ou construções

temporais e define que uma construção temporal expressa por um período composto

é formada pelo conjunto de uma oração nuclear (ou principal) e por uma temporal. A

autora complementa que algumas conjunções temporais são compostas pelo que

tradicionalmente se chama de locuções conjuntivas, como o elemento depois, que

vêm normalmente acompanhadas pelo elemento que no final.

Porém, referindo-se ao depois na função textual de conector de contraste,

Gonçalves (2007) analisa o item em tela que, por meio de pressão de informatividade,

apresenta uma oposição com outros elementos do texto, como em (91).

(91) F- Inicialmente dá, sabe? Logo assim [no]- no começo, a gente fica meio temeroso, mas depois a gente vai se acostumando, aí perde aquele receio todo. A gente faz troço que não deve, por exemplo: fumar (GONÇALVES, 2007, p. 47).

O item depois aparece na amostra (91) acompanhado do conector mas, que

reforça a ideia de oposição medo x falta de temor presente no discurso do falante.

Identificamos que a construção formada pelos dois elementos forma o significado de

contraste temporal, posto que no enunciado anterior há a menção de tempo “no

começo” com o qual o depois se opõe.

Não incluindo a noção temporal, outro uso encontrado por Gonçalves (2007)

é o que ela caracteriza como depois sequencial, cuja função é sequencializar o

discurso, contribuindo para o detalhamento dos fatos e para a ordem na qual eles se

apresentam, como mostra (92).

(92) Loc...foi ali que eu conheci a minha carreira... em sessenta e oito... e em sessenta e nove... eu vim pro Rio e ingressei na Cultura Inglesa... primeiro na Tijuca... depois em Caxias e finalmente fui pra Madureira como professor-chefe... onde eu fiquei dezessete anos... foi uma influência muito boa... eu gostava demais de lá... (GONÇALVES, 2007, p. 49).

Na amostra (92), a autora analisa a sequência dos fatos, em que,

primeiramente, o informante conhece a profissão, em seguida, vem para o Rio de

Janeiro e ingressa na Cultura Inglesa, nos seguintes bairros: primeiro na Tijuca,

depois em Caxias e só então vai para Madureira. O item depois é, segundo a autora,

usado para marcar essa sequência dos fatos.

Identificamos que o termo “sequencial” está ambíguo, pela amostra (92), e

deveria ser completado com a noção temporal, posto que ele é resultante mais de

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uma enumeração de eventos do que, propriamente, de uma função de organização

textual. Sobre essa diferença, citamos Koch (1987), que, em seu estudo sobre os

conectores interfrásticos do tipo lógico, mostra que eles apresentam a função de

apontar o tipo de relação lógica que o locutor estabelece entre o conteúdo de duas

proposições. Alguns desses conectores apresentam relação de temporalidade, que,

segundo a autora, é uma relação em que se localizam no tempo ações, eventos ou

estados de coisas do mundo real. Essa relação pode ser do tipo tempo simultâneo

que remete ao exato, pontual ou do tipo tempo anterior/tempo posterior expresso pelo

conector depois que como em “Depois que eu terminar a pesquisa, pretendo dedicar-

me ao magistério” (KOCH, 1987, p. 88).

Ainda segundo Koch (1987), o item depois pode ser apresentado como um

operador de sequencialidade temporal, como em “Primeiro iremos ao cinema, depois

a uma lanchonete e, por fim, visitaremos um casal de amigos” (KOCH, 1987, p. 94) e

como operador de sequencialidade textual em “Tratarei, em primeiro lugar, da origem

do termo, depois de sua evolução histórica” (KOCH, 1997, p. 94). Desse modo, Koch

(1997) mostra que o operador de sequencialidade temporal exprime a ordem de

acordo com a percepção que o falante teve de um dado estado de coisas do mundo

real. Já o operador de sequencialidade textual apresenta a ordem segundo os

assuntos abordados no texto.

Por último, Gonçalves (2007) apresenta o uso do depois aditivo que, segundo

ela, tem a função de introduzir uma informação complementar que permite ao falante

enriquecer o seu discurso, como em (93).

(93) Loc ...Pedi a licença pra vir só fazer as provas. Então, levei pau, óbvio né, levei pau porque, apesar dos professores serem ruins, você precisa ter contato, diário, com a matéria, e com os colegas e, até com o professor, embora seja, sejam muito ruins, depois eu vi isso quando comecei a assistir aula, vi que não fazia muita diferença, em relação aos professores, mas em relação a, a você tá em contato com a matéria todo dia é importante né, é, levei pau, fiquei com CR baixíssimo, foi um horror. Agora, é foi basicamente isso (GONÇALVES, 2007, p. 50).

O item depois na amostra (93) acrescenta a informação de que “não faz

diferença a relação com os professores”, o que importa é dominar a matéria. O depois

apresenta um valor de constatação do que havia sido falado pelo informante.

Defendemos que esse uso se aplica mais à função de avaliar, conforme apresentam

Lopes e Morais (2000).

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Para Gonçalves (2007), o depois é um elemento que se mostra bastante

polissêmico, que parte de um ponto mais concreto (ESPAÇO), passa pelo nível

intermediário de abstração (TEMPO), gerando usos bem mais abstratos (TEXTO).

Desses usos, as formas mais básicas que dão início ao processo são os usos espacial

e temporal (advérbios) e as formas mais gramaticalizadas são os conectores

(sequencial, aditivo e contrastivo).

Bertuleza (2013) também faz estudo sobre o item depois no corpus de

dissertações e teses – DISSERTES. Desse modo, constata que nos gêneros

acadêmicos ocorrem os seguintes usos do item depois: espacial, sequencial temporal,

dêitico temporal, sequencial textual, indicador de futuridade, conector de tempo,

divisor de época, e introdutor de tópico.

O uso do depois espacial, como vimos, foi analisado nos trabalhos de

Martelotta (1994), Lopes e Morais (2000) e Gonçalves (2007), sendo considerado um

uso prototípico cuja função é indicar a sucessão no espaço. Por isso, nós o elegemos

para iniciar a análise, salientando que, sendo o sentido primeiro, ainda continua muito

frequente nos gêneros acadêmicos, possivelmente por ter um registro mais formal,

portanto, mais erudito.

Bertuleza (2013) ao analisar as ocorrências referentes ao item depois no

corpus DISSERTES, encontrou usos do depois espacial localizando um elemento no

espaço e, estruturalmente, vem acompanhado da preposição de, como apresenta a

amostra (94).

(94) No que diz respeito à posição que embora aparece com esses verbos, o item aparece, comumente, depois de seu complemento verbal, assim como nas ocorrências (27), (28) e (29), ou em menor recorrência, posposto ao verbo (114-D-26).

Conforme a amostra (94), a dissertação que trata sobre a gramaticalização de

“embora” apresenta, por meio do item depois, a localização do elemento “embora”

indicando que ele ocorre frequentemente nesse estudo após os complementos

verbais.

De acordo com Bertuleza (2013), o item depois, originalmente, indica uma

noção espacial, mas, em certos contextos, ocorre um uso metafórico em que a noção

de espaço que se remete a lugar se transfere para o espaço referente a tempo. Nos

estudos sobre esse item, essa noção de tempo do item depois é apresentada por meio

da sua característica de circunstanciador temporal. No entanto, há usos em que o

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depois apresenta noção de tempo variada, inclusive como conector temporal.

Bertuleza (2013) apresenta os usos temporais assumidos pelo item depois nos

gêneros acadêmicos, quais sejam: sequencial temporal, dêitico temporal, indicador de

futuro, conector de tempo e depois divisor de época.

Um dos usos temporais, apresentados pelo item depois no corpus

DISSERTES, inclui sequencial temporal, que é o mais recorrente no corpus. Essa

função caracteriza-se como um uso que indica a sequência lógica dos fatos, ou seja,

a ordem cronológica dos acontecimentos, como em (95).

(95) De acordo com esse modelo, denominado top-down, o falante primeiro decide o propósito comunicativo, seleciona a informação mais adequada para atingir seus propósitos, depois codifica sua informação gramatical e fonológica e finalmente parte para a articulação (71-D-18).

Na amostra (95), o item depois apresenta a função de sequenciar o tempo dos

eventos. Notamos que, em (95), o item depois aparece sequenciando o modelo “top-

down”, indicando que, após o falante decidir o propósito comunicativo e selecionar o

propósito comunicativo, ele codifica a “informação gramatical”.

A função de depois dêitico temporal foi identificada nos textos acadêmicos,

assim como nos estudos já apresentados, como advérbio que indica uma

circunstância que tem a função de expressar uma sucessão no tempo, e não mais no

espaço, como em (96).

(96) Melo (1970: 237) critica os estudiosos que passaram a desconsiderar a correlação devido à NGB, afirmando que, apesar de ele manter sua posição, há aqueles que aceitam “a doutrina careada pela NGB”. Tal fato, explica ele, ocorre, ou porque já estivessem convencidos de tal doutrina ou porque se converteram depois, passando a dizer que as orações que ele continua a considerar correlativas são “subordinadas adverbiais” (105-D-29).

Conforme a amostra (96), o item depois deixa de fazer referência a uma

localização no espaço e passa a indicar uma sucessão temporal. Em (96), a amostra

do gênero dissertação apresenta o pensamento de Melo sobre a “correlação”. Para

ele, os estudiosos que desconsideraram o termo já estavam convencidos da “doutrina

da NGB” ou tinham se convertido em um momento posterior.

Há também ocorrências do item depois apresentando noção temporal de

referência ao futuro. Os trabalhos resenhados sobre o depois não mencionam essa

função, mas Bertuleza (2013) entende que, nesse uso, o item depois seguido de verbo

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infinitivo é utilizado para referir-se a uma ocorrência em um tempo futuro, como mostra

(97).

(97) Os itens lexicais que se tornam gramaticalizados devem, primeiramente, servir a funções discursivas, tornando-se sintaticamente fixos para, depois virem a se constituir um morfema (25-D-25).

Conforme a amostra (97), o item depois é empregado fazendo referência a

um tempo em que o falante prevê uma ocorrência no futuro. Em (97), o item depois +

o verbo vir permitem implicar que os itens lexicais precisam primeiro se tornar fixos

para, no futuro, tornarem-se um morfema.

Outra função temporal assumida pelo item depois é a de conector de tempo

que ocorre em 3,3% das ocorrências. Esse uso localiza no tempo ações, eventos ou

estados de coisas do mundo real, e ocorre por meio do conector depois que, como

em (98). Vale ressaltar que, nos trabalhos de outros estudiosos, o uso da expressão

depois que também é apresentado com valor temporal. Para Lopes e Morais (2000),

independentemente da configuração sintática, o item funciona como um localizador

temporal.

(98) Depois que o item passa a ser utilizado em contextos que sugerem o significado novo e em contextos em que a leitura do significado fonte já não era mais possível, passa pelo contexto que o autor chama de convencionalização (14-D-26).

Na amostra (98), a construção depois que funciona como conector de tempo.

A expressão depois que introduz o enunciado, em que o autor da dissertação se refere

ao tempo em que um determinado elemento, após ser utilizado em determinados

contextos, passa a ser chamado de convencionalização.

No corpus DISSERTES ocorre também o uso temporal depois divisor de

época em 2,2% das ocorrências. Trata-se de um uso em que item marca uma

mudança na época passada para época da enunciação, como apresenta (99).

(99) Achamos importante fazer um estudo mais detalhado do pensamento de Said Ali, não só por ter sido quem tratou do assunto mais profundamente, como também porque teve grande influência em autores posteriores [...]. Ele é, assim, um marco no estudo deste ponto de nossa gramática: não só reflete uma tradição anterior, porque parte do que ensinam gramáticos anteriores, como apresenta uma visão pessoal e crítica do problema, que tem profunda repercussão posterior: pode-se dizer que depois dele praticamente não houve contribuição original à análise de LV.

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Conforme (99), o item depois indica uma mudança de época, contrastando

entre passado e presente. Nesse caso, o item depois, presente na menção “depois

dele”, refere-se ao estudioso de gramática, Said Ali. No presente, após ele, não houve

mais contribuições originais à análise de LV.

Bertuleza (2013) mostra que o item depois também assume funções mais

relacionadas aos segmentos do texto, como sequenciador textual e introdutor de

tópico. Na condição de sequencial textual, o item depois enfraquece sua noção de

tempo e passa a assumir a função de organizar o texto. Como já apresentamos, esse

uso está presente nos estudos de Martelotta (1994), Lopes e Morais (2000) e

Gonçalves (2007). Nesse caso, o depois organiza, enumerando a ordem dos assuntos

abordados no texto, como em (100).

(100) A ordem de apresentação dos marcos predicativos (primeiro, o predicado e, depois, os argumentos) é apenas uma convenção, visto que a ordem real será definida apenas no nível das regras de expressão (175-D-28).

De acordo com a amostra (100), o item depois apresenta a progressão do

texto, contribuindo para o detalhamento da ordem na qual os eventos se encontram

nos gêneros acadêmicos. Em (100), o depois indica a ordem em que serão

apresentados os marcos predicativos no texto.

Outra função textual que Bertuleza (2013) apresenta é de depois introdutor de

tópico. Trata-se de um uso para introduzir um tópico ou um novo momento do

discurso, por meio de uma mudança no tópico ou no assunto, como mostra (101).

(101) Depois dos verbos de crença (por exemplo, crer, acreditar e achar), a autora afirma que a escolha de um determinado modo verbal depende do significado pretendido, entretanto, ela constatou que o MI aparece frequentemente depois desse tipo de verbo. O MS se torna mais frequente quando este tipo de verbo é negado na oração matriz, como em não crer, não achar (148-T-18).

Em (101), o uso do item depois ocorre introduzindo um tópico no qual

apresenta o pensamento de uma autora ao fato de que uma “escolha de um

determinado modo verbal depende do significado pretendido”.

Assim como nos trabalhos de Martelotta (1994), Lopes e Morais (2000) e

Gonçalves (2007), no estudo de Bertuleza (2013), os usos do item depois, de acordo

com os esquemas idealizados, seguem o esquema formal advérbio > conjunção >

marcador discursivo e o semântico ESPAÇO > TEMPO > TEXTO nos gêneros

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acadêmicos dissertação de mestrado e tese de doutorado, embora com

especificidades mais caracterizadoras dos gêneros em questão. Em suma, os estudos

apresentados sobre o item depois mostram que esse item, além das funções espacial

e temporal, assume função textual de depois consecutivo, aditivo, contraste,

conclusivo e funções mais discursivas, como o depois avaliativo, argumentativo,

argumentativo interrogativo e marcador de continuidade discursiva.

À guisa de fechamento, por meio desses estudos sobre os itens antes, agora

e depois, verificamos que os autores resenhados reconhecem que esses itens

apresentam usos que parecem cumprir os esquemas idealizados: o formal advérbio >

conjunção > marcador discursivo e o semântico ESPAÇO > TEMPO > TEXTO. Essas

trajetórias nos motivaram, pois, a verificar se poderíamos encontrar também, nas

teses acadêmicas de diferentes áreas do conhecimento, essas funções ou outras mais

caracterizadoras dos textos a partir dos usos dos itens em questão nas unidades

retóricas constituintes do gênero.

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4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Esta seção apresenta os procedimentos metodológicos utilizados para a

busca dos usos de antes, agora e depois em textos acadêmicos. Nessa perspectiva,

usamos a abordagem teórica para o estudo das línguas que é caracterizada como

Linguística Funcionalista norte-americana, que estuda os fenômenos da mudança

linguística a partir da língua em uso. Na sequência, apresentamos as hipóteses e os

objetivos de pesquisa, conforme o objetivo geral apresentado na introdução deste

trabalho. Apresentamos também a teoria relativa à Linguística de Corpus, a partir da

qual norteamos a seleção e a elaboração do corpus. Além disso, fizemos a busca e o

tratamento dos dados, com base nas ferramentas do suíte WordSmith Tools (SCOTT,

2008) a fim de: recensearmos as categorias de análise; verificarmos as suas

frequências e a dos diferentes usos de antes, agora e depois nos textos acadêmicos

de diferentes áreas do conhecimento; e, finalmente, descrevermos cada uso,

conforme o cotexto e o contexto em que ocorrem.

4.1 OBJETIVOS E HIPÓTESES

Tendo realizado, no curso de mestrado, uma pesquisa sobre os usos de antes,

agora e depois em textos acadêmicos que pertenciam apenas à área de Linguística,

Bertuleza (2013) observou que esses itens apresentam funções que vão além da sua

função prototípica como advérbio. Em certos contextos, apresentam funções que

contribuem para a organização e a construção de sentido do texto acadêmico. Ela

mostrou que esses itens passam por um processo de gramaticalização, assumindo

funções mais gramaticais e realizando a trajetória advérbio > conjunção.

A partir dos resultados apresentados nessa pesquisa de mestrado em que

foram analisados textos acadêmicos que pertenciam apenas à área de Linguística, a

hipótese que ora nos guia é a de que os itens antes, agora e depois, em decorrência

da frequência dos usos e por meio da trajetória metafórica ESPAÇO > TEMPO >

TEXTO, assumem usos em conformidade com as diferentes unidades retóricas das

teses acadêmicas e usos preferenciais conforme as diferentes áreas do

conhecimento.

Com base no objetivo e na hipótese deste estudo, objetivamos, mais

especificamente:

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Objetivo 1: verificar os diferentes usos dos itens antes, agora e depois,

conforme as diferentes unidades retóricas da tese acadêmica.

Hipótese 1: os itens antes, agora e depois desempenham funções mais

espaciais na introdução e na metodologia, mais temporais na fundamentação teórica

e mais textuais na discussão e na análise de dados das teses acadêmicas.

Objetivo 2: verificar os diferentes usos dos itens antes, agora e depois,

conforme as diferentes áreas de conhecimento.

Hipótese 2: as especificidades dos usos dos itens antes, agora e depois

diferenciam-se iconicamente numa proporção escalar: ciências factuais

naturais/funções temporais > ciências factuais culturais/funções textuais > ciências

formais/funções espaciais.

Objetivo 3: descrever os significados/funções dos itens antes, agora e depois,

segundo os aspectos relativos à dimensão formal e à dimensão significativa.

Hipótese 3: os itens antes, agora e depois ocorrem mais frequentemente com

usos mais temporais.

Objetivo 4: analisar as instâncias de mudança e de estabilidade dos

significados/funções dos itens antes, agora e depois.

Hipótese 4: os usos dos itens antes, agora e depois em teses acadêmicas

têm mais frequência na escala TEMPO >TEXTO.

4.2 CORPUS

Berber Sardinha (2004, p. 18) entende corpus como sendo um material

linguístico oral e/ou escrito que apresenta extensão e profundidade a fim de dar conta

de representar usos linguísticos específicos, pois os dados são organizados a partir

de critérios de composição determinados pelos objetivos de descrição e análise.

Esses dados dos corpora precisam estar dispostos em formato eletrônico,

possibilitando o processamento por programas de computador, o que permite o

domínio de quantidades extensas de informações que não poderiam ser tratadas

manualmente pelo pesquisador, ainda que tivesse uma grande equipe de

colaboradores.

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Tal aspecto da extensão dos corpora é também esclarecido por Berber

Sardinha (2004) como critério de classificação, estabelecido numa variação de cinco

padrões, quais sejam:

(i) pequeno – quando a extensão é inferior a 80 mil palavras;

(ii) pequeno-médio – quando a quantidade de palavras fica entre 80 e 250

mil;

(iii) médio – quando esse número varia entre 250 mil e 1 milhão de palavras;

(iv) médio-grande – quando a extensão vai de 1 milhão a 10 milhões de

palavras;

(v) grande – a partir de 10 milhões de palavras.

Desse modo, o corpus deste trabalho é formado por teses de doutorado das

diferentes áreas de conhecimento, conforme a tabela de áreas do conhecimento do

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. Tal tabela

tem finalidade prática, buscando proporcionar aos órgãos que atuam em Ciência e

Tecnologia de agregar as informações de maneira intuitiva, com agilidade e

funcionalidade. Ela se divide em quatro níveis, que vão do mais geral ao mais

específico, abrangendo 8 grandes áreas, 76 áreas e 340 subáreas do conhecimento,

quais sejam:

1º nível – Grande Área: agrupamento de diversas áreas do conhecimento a

partir da afinidade de seus objetos, métodos cognitivos e recursos instrumentais,

refletindo contextos sociopolíticos específicos.

2º nível – Área: conjunto de conhecimentos inter-relacionados, coletivamente

construído, segundo a natureza do objeto de investigação com finalidades de ensino,

pesquisa e aplicações práticas.

3º nível – Subárea: divisão da área do conhecimento formada em função do

objeto de estudo e de procedimentos metodológicos reconhecidos e amplamente

utilizados.

4º nível – Especialidade: caracterização temática da atividade de pesquisa e

ensino. Uma mesma especialidade pode ser enquadrada em diferentes grandes

áreas, áreas e subáreas.

Considerando que o corpus é constituído por teses de doutorado que atendem

os níveis e as áreas de conhecimento estabelecidos pelo CNPq, por razões

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metodológicas, separamos essas áreas em três grupos, a saber: 1) ciências formais:

Ciências Exatas e da Terra; 2) ciências factuais naturais: Ciências Biológicas;

Ciências da Saúde; 3) ciências factuais culturais: Ciências Sociais Aplicadas; Ciências

Humanas; e Linguística, Letras e Artes.

Visando à homogeneidade do volume amostral analisado nos gêneros

acadêmicos, para esta pesquisa, selecionamos 24 (vinte e quatro) teses de 150 a 200

páginas, totalizando cerca de 1.000.000 de palavras; um corpus médio-grande,

portanto. Dessa forma, esse material constitui um corpus representativo do Português

Culto Brasileiro, norma exigida em trabalhos acadêmicos.

Como o corpus deste trabalho é formado por teses de doutorado, achamos

necessário definir o que entendemos por gênero e o que chamamos de texto

acadêmico, uma vez que, como o próprio Swales (1990) reconhece, falta clareza ao

conceito de gênero. O autor discute essa temática tendo como espelho quatro campos

de estudo: dos folcloristas, dos estudos literários, dos linguistas e da retórica até

formular sua própria definição, tendo o ensino em mente.

Então, para a noção de gênero, seguimos a definição proposta por Swales

(1990, p. 58):

Um gênero compreende uma classe de eventos comunicativos, cujos exemplares compartilham os mesmos propósitos comunicativos. Esses propósitos são reconhecidos pelos membros mais experientes da comunidade discursiva original e constituem a razão do gênero. A razão subjacente dá o contorno da estrutura esquemática do discurso e influencia e restringe as escolhas de conteúdo e estilo. O propósito comunicativo é o critério que é privilegiado e que faz com que o escopo do gênero se mantenha enfocado estreitamente em determinada ação retórica compatível com o gênero. Além do propósito, os exemplares do gênero demonstram padrões semelhantes, mas com variações em termos de estrutura, estilo, conteúdo e público-alvo. Se forem realizadas todas as expectativas em relação àquilo que é altamente provável para o gênero, o exemplar será visto pela comunidade discursiva original como um protótipo. Os gêneros têm nomes herdados e produzidos pelas comunidades discursivas e importados por outras comunidades. Esses nomes constituem uma comunicação etnográfica valiosa, porém normalmente precisam de validade adicional.

Para a noção de texto acadêmico, extraímos, sobretudo, da característica de

prototipicidade do gênero. Para Swales (1990), um texto será classificado como sendo

gênero, no caso, acadêmico, se possuir os traços especificados (estrutura

esquemática, estilo, conteúdo e público-alvo) em sua definição. Segundo o autor,

podem-se usar os critérios da semelhança com outros textos para a classificação no

gênero e, resultante dessa semelhança, os textos que mais plenamente se integram

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ao gênero são os que parecem mais típicos entre todos exemplares de um grupo; são,

portanto, protótipos.

Nessa perspectiva, consideramos a tese como um texto escrito do gênero

acadêmico, que relata alguma investigação de nível de pós-graduação do ensino

superior, produzida por seus(suas) autores(as) com interesse de expor suas

descobertas ou discutir questões teóricas e/ou metodológicas. Segundo a ABNT, a

tese apresenta uma investigação original, constituindo-se em real contribuição para a

especialidade em questão, que concede ao candidato o título de doutor, o último de

escolaridade reconhecido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior – CAPES.

4.3 CATEGORIAS DE ANÁLISE

Esta subseção é dedicada à explanação das categorias de análise, que

permitem verificarmos as frequências e os diferentes usos de antes, agora e depois

nos textos acadêmicos. Primeiramente, apresentamos as unidades retóricas que

caracterizam o texto acadêmico; em seguida, as diferentes áreas do conhecimento; e

por último, as categorias relativas aos usos de antes, agora e depois.

4.3.1 Unidades retóricas do texto acadêmico

O estudo de textos dos gêneros acadêmicos ou, mais especificamente, dos

gêneros de pesquisa (artigos científicos, dissertações, monografias e teses de

doutorado) tem ganhado cada vez mais espaço no cenário das pesquisas sobre

linguagem, com o propósito de compreender os processos de construção de

significados e de refletir sobre sua organização discursiva e as diferentes formas de

expressão linguística, que definem esses gêneros por meio das diversas áreas de

conhecimento. Vale ressaltar que, ao analisar a estrutura das dissertações e teses,

podemos notar que esses gêneros seguem a mesma estrutura dos artigos de

pesquisa, conforme foi descrita no modelo IMRD (Introdução, Metodologia,

Resultados e Discussão) proposto por Hill, Soppelsa e West (1982, p. 335-338). No

entanto, após o IMRD, surgiu o modelo de análise proposto por Swales (1990), com o

objetivo de reconhecer a organização retórica do gênero a partir da distribuição de

informações recorrentes. Como já expomos, nosso interesse reside na estrutura

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esquemática das teses na condição de texto acadêmico, com estilo, conteúdo e

público-alvo (áreas de conhecimento) relacionados aos usos do antes, agora e depois.

Nesse sentido, Motta-Roth e Hendges (2010) afirma que há uma progressão de

informações para a construção do texto acadêmico, cuja estrutura esquemática é

dividida nas seguintes seções: Introdução, Fundamentação teórica, Metodologia,

Análise dos dados e Conclusão, das quais trataremos a seguir.

4.3.1.1 UR Introdução

Na Introdução, é apresentado de forma clara e breve o conteúdo proposicional

do texto. Sugere-se que a introdução enfoque os seguintes aspectos: a) situação

problema; b) relevância do tema para a área (justificativa); c) trabalhos na área

(background); d) objetivos da pesquisa; e) orientação teórica; f) procedimentos

metodológicos; g) relevância social/acadêmica; e h) descrição da organização do texto

acadêmico quanto às seções que elabora.

4.3.1.2 UR Fundamentação teórica

Constitui o movimento que situa o trabalho na área maior de pesquisa e

apresenta os autores pertinentes à fundamentação do estudo. Segundo Sá e

Figueiredo-Gomes (2019), a seção de fundamentação teórica reúne um referencial

que dá embasamento à pesquisa, ou seja, ao texto acadêmico. Nela, estão presentes

os pressupostos, a teoria e seus conceitos, os construtos teóricos e termos

especializados que dão suporte à abordagem da pesquisa/trabalho, além de

apresentar os principais representantes.

4.3.1.3 UR Metodologia

Em relação à Metodologia, Motta-Roth (2001) expõe que essa seção visa

descrever os materiais e os métodos empregados na pesquisa. É a unidade que

apresenta o corpus, as hipóteses e ainda indica os percursos utilizados

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(recenseamento, coleta e tratamento dos dados) para se chegar a determinados

resultados.

4.3.1.4 UR Análises dos dados e resultados

A seção de análise dos dados e resultados é a parte mais significativa do texto

acadêmico, pois apresenta a descrição de dados alcançados e suas respectivas

interpretações. De acordo com Motta-Rotth (2010), essa unidade retórica é

organizada a partir de oito movimentos, quais sejam: i) recapitulação de informações

metodológicas, em que se recordam as etapas de análise do estudo; ii) declaração

dos resultados, é um movimento que descreve e apresenta tabelas e gráficos com

estatísticas; iii) explicação do final in(esperado), expõe a discussão e a interpretação

dos dados da pesquisa; iv) avaliação da descoberta, avalia os resultados depois de

serem explicados; v) comparação da descoberta com a literatura, faz comparação

com as afirmações feitas com a fundamentação teórica da área; vi) generalização, faz

generalizações para o estudo ou para a área em que o estudo está inserido; vii)

resumo, apresenta as partes mais relevantes do trabalho; viii) conclusão, que pode

aparecer nessa unidade retórica ou em uma seção à parte, resume e interpreta os

resultados alcançados e pode recomendar futuros estudos mais aprofundados.

4.3.1.5 UR Conclusão

Motta-Roth e Hendges (2010) explicam que na conclusão é feito um resumo

daquilo que foi feito e a indicação da importância do trabalho para a área em que se

insere. Fuchs e Souza (2009) expõem que a conclusão realiza um movimento inverso

ao que se faz na introdução: enquanto esta seção faz uma delimitação do tema

estudado, partindo de um universo até chegar a um objeto, aquela amplia novamente

o tema do objeto até chegar ao universo. Geralmente, apresenta uma síntese dos

achados, dos objetivos alcançados, da validade da teoria, das contribuições da

pesquisa e das temáticas para trabalhos futuros.

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4.3.2 Áreas do conhecimento

Segundo Lakatos e Marconi (1985), a diversidade de fenômenos que ocorrem

no universo conduziu ao surgimento de diferentes campos de estudo e ciências

específicas, que necessitaram de uma classificação, com base na sua ordem de

complexidade ou no seu conteúdo. Auguste Comte apresentou uma das primeiras

classificações em que as ciências são divididas pela forma crescente de complexidade

(LAKATOS; MARCONI, 1985). Surgiram muitas outras, a partir da de Comte: Rudolf

Carnap, por exemplo, apresentou uma classificação de acordo com o conteúdo.

Carnap expõe que as ciências se dividem em: i) formais – constitui-se por enunciados

analíticos, a verdade relaciona-se ao significado de seus termos ou estrutura lógica;

ii) factuais – apresenta enunciados analíticos, mas contêm principalmente os

sintéticos, a verdade depende do significado dos fatos a que se referem (LAKATOS;

MARCONI, 1985). Não existe um consenso entre os autores das classificações. Com

base em Bunge (1976 apud LAKATOS; MARCONI, 1985), temos: ciências formais,

ciências factuais naturais e ciências factuais culturais, que explanaremos a seguir.

4.3.2.1 Ciências formais

As ciências formais se preocupam com os processos puramente lógicos e

matemáticos. São objetos de estudo das ciências formais os sistemas formais, a

Lógica, a Matemática, a Teoria dos sistemas e os aspectos teóricos da Ciência

Computacional, a Teoria da Informação, a Microeconomia, a Teoria da decisão, a

Estatística, entre outros.

4.3.2.2 Ciências factuais naturais

As ciências factuais naturais estudam o universo, que é compreendido como

regulado por regras ou leis de origem natural, ou seja, os aspectos físicos e não

humanos.

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4.3.2.3 Ciências factuais culturais

Também chamadas de Ciências Sociais, estudam os aspectos sociais do

mundo humano, em outras palavras, a vida social de indivíduos e grupos humanos.

Isso inclui: Antropologia, Estudos da Comunicação, Economia, Geografia Humana,

História, Linguística, Ciências Políticas, Psicologia e Sociologia.

4.3.3 Categorias dos usos do antes

Em relação ao item antes, com base na revisão da literatura, selecionamos,

para a busca, as funções: antes espacial, temporal, conector de tempo, divisor de

época, redirecionador de tópico e sequencial textual.

4.3.3.1 Metáfora ESPAÇO do antes

O antes espacial apresenta uma relação de ordem do domínio do espaço,

em que há um movimento potencial do polo inicial na direção do polo alvo final, sendo

o espaço referenciado. Como ilustração, retomamos a amostra (14) 3:

(14) O exemplo (26) segue a linha de mostrar um argumento máximo em uma escala em direção a uma conclusão, ou seja, um político pode mudar bastante, mudar seu discurso, mudar de partido, mudar até de opinião, mas no final nada dá certo. Nesse caso, a argumentação promove uma concessão, até mesmo pela presença da expressão “tudo bem” antes do argumento (150-D-15).

4.3.3.2 Metáfora TEMPO do antes

A função de antes temporal apresenta uma relação de precedência temporal,

a partir de um ponto de referência que pode pertencer à esfera do presente, passado

ou do futuro, conforme apresentamos em (16).

(16) Apesar da necessidade de equivalência entre os advérbios already e finally, eles contêm uma carga semântica diferente. O primeiro expressa que a mudança para o estado positivo ocorre antes do previsto, e o segundo, que ocorre relativamente tarde e, portanto, depois do previsto (52-D-18).

3 Conservamos a identificação numérica apresentada na Seção 2 para a referência autoral das amostras.

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A função de antes conector de tempo é exercida por meio das construções

antes que e antes de. Indica semanticamente a relação de anterioridade temporal dos

eventos contidos entre frases de um enunciado complexo, como já mostramos em

(18).

(18) Outro ponto a ser destacado é que não constitui problema o fato de nem todas as relações semânticas disporem de codificações sintáticas correspondentes a cada ponto do continuum. Braga (2001) explica que o processo de gramaticalização pode ser interrompido a meio do caminho, antes que as formas alcancem os estágios mais avançados (D-29).

Em relação ao antes divisor de época, trata-se de um uso que faz referência

a uma situação que era no passado de uma forma e na época atual da enunciação

não é mais, como já visto em (21).

(21) Dessa forma, os estudiosos que escolheram a fala como objeto de estudo começaram a considerar a língua como uma atividade, uma forma de ação e fatores, como quem falou, em que condição falou e para quem falou, antes ignorados, passaram a ter uma importância especial (96-T-16).

4.3.3.3 Metáfora TEXTO do antes

O antes redirecionador de tópico ocorre quando o item antes introduz um

novo tópico, explicando a mudança linear do conteúdo que será tratado

posteriormente, conforme mostrado em (22).

(22) Na maioria das definições clássicas de gramaticalização, os autores partem do pressuposto de que o processo se dá num caminho unidirecional, ou seja, sempre do lexical para o gramatical ou do menos gramatical para o mais gramatical, e não ao contrário. Antes de apresentar a importância da unidirecionalidade nos estudos da gramaticalização, é necessário expor a noção de cline oferecida por alguns autores (109-D-25).

No uso de antes sequencial textual, o item antes ocorre como um

organizador textual, que tem a função de preparar o tópico, introduzindo uma

informação preliminar para o assunto a ser apresentado, como em (24).

(24) Com este trabalho, pretendeu-se, antes de tudo, mostrar que o uso determina diretamente a classificação de um item lingüístico. Dessa forma, espera-se que tenha ficado claro que apenas em função do uso na língua pode-se classificar cada uma das ocorrências do item até (66-D-15).

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4.3.4 Categorias dos usos do agora

Em relação ao item agora, selecionamos, com base na revisão da literatura,

para a busca, as funções: agora dêitico temporal, mudança de estado, divisor de

época, introdutor de tópico e sequencial.

4.3.4.1 Metáfora TEMPO do agora

O agora dêitico temporal é visto como um advérbio temporal e apresenta as

seguintes características: + referência presente, + circunstanciação verbal e +

mobilidade, equivale semanticamente a “neste momento” ou “no momento presente”,

como pode ser visto na retomada do excerto (62).

(62) Resta agora observar o comportamento das modais introduzidas pela locução SEM QUE, no que tange à mobilidade posicional (73-D-21).

Função temporal de agora mudança de estado equivale semanticamente a

“a partir desse momento”, como em (64).

(64) A contração de para com o artigo a era esperada neste contexto, porque no registro de fala coloquial este tipo de contração (pra) é usual. O gênero de Unicamp foi alterado e agora é masculino: Unicampo, mas o seu determinante continua feminino: a Unicampo (127-D-30).

Quanto ao agora divisor de época, trata-se de um uso em que o item faz

referência a uma situação que era no passado de uma forma e no momento da

enunciação não é mais, conforme apresentado no (66).

(66) Todavia, diferentemente de (32), em que o operador argumentativo era apenas o item até, sendo que o que não podia ser retirado da sentença sem prejuízos sintáticos, por ser uma conjunção integrante, agora o que se chama de operador argumentativo é o grupo até que, já que ele, em bloco, serve ao discurso (26-D-15).

4.3.4.2 Metáfora TEXTO do agora

No uso de agora introdutor de tópico, o item insere um tópico ou um novo

momento do discurso por meio de uma mudança no tópico ou no assunto tratado,

como em (69).

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(69) Vimos que era preciso, então, excluir as ocorrências com os principais ser e ter, além dos modais. Com essa nova rodada, obtivemos um percentual de 24% de ocorrência da forma nova entre os verbos de segunda conjugação, amalgamando F e P. Agora, com o índice de 60% de ocorrência da forma nova entre verbos de 2ª conjugação e de uma sílaba, podemos concluir que, com exceção dos verbos mais frequentes na língua e de morfologia mais marcada, a exemplo de ser e ter, o processo de mudança já atingiu essa conjugação na escrita (06-D-17).

Em relação ao agora sequencial, o item dá continuidade à sequência de

eventos ou a ações no contexto em que está inserido. Trata-se de um uso em que

existe uma fluidez entre o registro escrito e a localização espacial no texto, como visto

em (68).

(68) Uma vez confirmada a capacidade de discriminação e de esquematização dos informantes, cabe agora discutir o nível dessa granularidade e a força de coesão entre os grupos (91-T-23).

4.3.5 Categorias dos usos do depois

Em relação ao item depois, selecionamos, para a busca, com base na revisão

da literatura, as funções: depois espacial, dêitico temporal, sequencial temporal,

indicador de futuridade, conector de tempo, divisor de época, introdutor de tópico e

sequencial textual.

4.3.5.1 Metáfora ESPAÇO do depois

O depois espacial apresenta um valor espacial com sentido de localização,

de acordo com o excerto (94) retomado a seguir.

(94) No que diz respeito à posição que embora aparece com esses verbos, o item aparece, comumente, depois de seu complemento verbal, assim como nas ocorrências (27), (28) e (29), ou em menor recorrência, posposto ao verbo (114-D-26).

4.3.5.2 Metáfora TEMPO do depois

A função de depois dêitico temporal expressa uma sucessão no tempo e

não no espaço, podendo vir acompanhado de outra indicação temporal, como em (96).

(96) Melo (1970: 237) critica os estudiosos que passaram a desconsiderar a correlação devido à NGB, afirmando que, apesar de ele manter sua posição, há aqueles que aceitam “a doutrina careada pela NGB”. Tal fato, explica ele,

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ocorre, ou porque já estivessem convencidos de tal doutrina ou porque se converteram depois, passando a dizer que as orações que ele continua a considerar correlativas são “subordinadas adverbiais” (105-D-29).

A função de depois sequencial temporal caracteriza-se como um uso que

apresenta a sequência lógica dos fatos, ou seja, a ordem cronológica dos

acontecimentos, conforme apresentado em (95).

(95) De acordo com esse modelo, denominado top-down, o falante primeiro decide o propósito comunicativo, seleciona a informação mais adequada para atingir seus propósitos, depois codifica sua informação gramatical e fonológica e finalmente parte para a articulação (71-D-18).

No uso de depois indicador de futuridade, o item depois seguido de verbo

infinitivo é utilizado para referir-se a uma ocorrência em um tempo futuro, como visto

em (97).

(97) Os itens lexicais que se tornam gramaticalizados devem, primeiramente, servir a funções discursivas, tornando-se sintaticamente fixos para, depois virem a se constituir um morfema. (25-D-25)

O uso de depois conector de tempo tem como função localizar no tempo

ações, eventos ou estados de coisas do mundo real, e ocorre por meio do conector

depois que, como em (98).

(98) Depois que o item passa a ser utilizado em contextos que sugerem o significado novo e em contextos em que a leitura do significado fonte já não era mais possível, passa pelo contexto que o autor chama de convencionalização (14-D-26).

Quanto ao depois divisor de época, trata-se de um uso em que item marca

uma mudança na época passada para a da enunciação, conforme (102).

(102) Talvez, nossa percepção a respeito da variação encontrada nos dados coletados na década de 1990 e que compõe o Banco de Dados do VARSUL seja diferente do que ocorra hoje, 15 anos depois (161-T-18).

4.3.5.3 Metáfora TEXTO do depois

O depois introdutor de tópico tem como função introduzir um tópico ou um

novo momento do discurso por meio de uma mudança no tópico ou no assunto,

conforme retomamos (101).

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(101) Depois dos verbos de crença (por exemplo, crer, acreditar e achar), a autora afirma que a escolha de um determinado modo verbal depende do significado pretendido, entretanto, ela constatou que o MI aparece freqüentemente depois desse tipo de verbo. O MS se torna mais freqüente quando este tipo de verbo é negado na oração matriz, como em não crer, não achar (148-T-18).

Já o depois sequencial textual organiza o texto enumerando a ordem dos

assuntos abordados, como em (103).

(103) Em primeiro lugar, será feita uma comparação entre os dois grupos semânticos de verbos, o cognitivo e o volitivo. Depois será feita a análise dos verbos de cada grupo (77-T-10).

4.4 LINGUÍSTICA DE CORPUS NA BUSCA E NO TRATAMENTO DOS DADOS

A Linguística de Corpus (LC), de acordo com Berber Sardinha (2004, p. 3),

dedica-se à “coleta e a exploração de corpora, ou conjunto de dados linguísticos

textuais coletados criteriosamente, com propósito de servirem para a pesquisa de uma

língua ou variedade linguística”. A LC pode ser empregada nas pesquisas em

linguagem como metodologia, pois apresenta um conjunto de elementos importantes

ao linguista que tenha o propósito de trabalhar com grande quantidade de textos.

Corpus é entendido por essa perspectiva como um conjunto de textos que

pode representar aspectos linguísticos que ocorrem em uma determinada língua,

como um pedaço da realidade linguística ou diferentes aspectos de uso dessa língua

em uma determinada comunidade linguística. Segundo a LC, um corpus pode ser

monolíngue, bilíngue ou multilíngue, em outras palavras, formar-se de somente uma

língua ou de várias. Sob um viés metodológico, é necessário observar alguns

aspectos como amostragem, representatividade e quantidade de textos.

Berber Sardinha (2004) afirma ainda que a análise da frequência é importante,

pois apresenta um traço dos usos dos falantes da língua em contextos específicos e

está ligada a fenômenos importantes, como, por exemplo, explicar a mudança da

língua ao longo do tempo. Desse modo, para a análise dos usos de antes, agora e

depois em textos acadêmicos, utilizamos uma das ferramentas da Linguística de

Corpus, que apresentamos na subseção que segue.

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4.4.1 O Software WordSmith Tools

Para o tratamento dos dados, obedecemos aos seguintes passos: após

termos selecionados as teses, fizemos a conversão do formato *pdf (Adobe Reader)

dos textos acadêmicos para o formato *txt, extensão necessária à aplicação do

programa WordSmith Tools (SCOTT, 2008), um suíte de grande valia para os

pesquisadores da Linguística de Corpus que possibilita a coleta de amostras de usos

da linguagem. Segundo Berber Sardinha (2004), existem diversos motivos pela

preferência do programa, com os quais concordamos e mostramos a seguir.

O primeiro motivo é a facilidade de uso; o segundo é que, por ser um programa

que funciona num ambiente gráfico como Windows, permite mais usabilidade na

utilização dos recursos sendo de fácil aprendizado; o terceiro motivo é a facilidade

para obter o programa, pois é distribuído por uma grande editora internacional da

Oxford University Press e também disponível via internet; e o quarto motivo é a sua

versatilidade, pois o programa permite entender a organização de dados da língua e

a análise de amostras isoladas. Ademais, o programa WordSmith Tools apresenta três

ferramentas, quais sejam: o WordList, que permite gerar listas contendo todas as

palavras do arquivo ou arquivos selecionados, organizadas em conjunto com suas

frequências absolutas e percentuais; o Concord, que estabelece concordâncias de

uma palavra específica com partes do texto onde esta ocorreu; e o KeyWords, que

coleta palavras de acordo com a frequência.

Nesta pesquisa, o programa WordSmith Tools contribuiu para a coleta de

amostras em que ocorrem usos de antes, agora e depois em textos acadêmicos e

para o cálculo de frequência desses usos. O programa permitiu também listarmos as

concordâncias dos itens antes, agora e depois com os outros elementos que são

usados no texto e extrairmos as amostras para a análise dos usos em comum.

A seção que segue é a de exposição e análise dos dados, na qual tratamos

dos usos e funções desempenhados pelos itens antes, agora e depois em teses de

doutorado.

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5 A MULTIFUNCIONALIDADE DE ANTES, AGORA E DEPOIS EM TESES DE

DOUTORADO

Apresentamos, nesta seção, os resultados obtidos na análise dos itens antes,

agora e depois realizada no texto acadêmico tese de doutorado. A sequência da

análise contempla inicialmente: usos de antes, agora e depois segundo as Unidades

Retóricas (UR) da tese acadêmica por meio da frequência dos usos e funções do

antes; funções do antes conforme áreas do conhecimento; usos e funções do agora;

funções do agora conforme áreas do conhecimento; usos e funções do depois e

funções do depois conforme áreas do conhecimento. Apresentamos, ainda, as

considerações sobre as posições de antes, agora e depois. Por fim, discutimos sobre

a gramaticalização dos itens antes, agora e depois nas teses de doutorado.

5.1 USOS E FUNÇÕES DO ANTES, AGORA E DEPOIS SEGUNDO AS UR DA TESE

ACADÊMICA E AS ÁREAS DE CONHECIMENTO

Nesta subseção, apresentamos os usos de antes, agora e depois segundo

cinco UR do texto acadêmico tese de doutorado (Introdução, Metodologia, Referencial

teórico, Resultados e Conclusão), com o propósito de verificar quais usos/funções

esses itens desempenham nas unidades retóricas da tese acadêmica. Segundo Koch

(1996), as relações do tipo discursivo, também chamadas de pragmáticas,

argumentativas, retóricas ou ideológicas, são responsáveis pela estruturação de

enunciados em textos, por meio de ligações sucessivas de enunciados. Essa ligação

é feita, comumente, por meio de operadores argumentativos que têm por função dar

orientação argumentativa ao texto, ou seja, guiam o sentido do texto em uma

determinada direção, agindo como importantes marcas da enunciação.

Koch (2004) afirma que o uso da linguagem é primeiramente argumentativo.

Nesse sentido, o falante busca formar seus enunciados de determinada força

argumentativa, sendo que, para isso, faz uso dos operadores argumentativos que

compõem a gramática da língua.

De acordo com Vogt (1980), os operadores argumentativos relacionam-se a

marcadores de subjetividade com a função de orientar a sequência discursiva de um

enunciado, levando o interlocutor à determinada conclusão. Entre os operadores, há

uma série de elementos que, na esfera da gramática normativa, pertence a várias

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classes gramaticais: conjunção, preposição, advérbio, pronome e outras palavras que,

conforme alguns gramáticos, não se enquadram nas referidas classes.

Partindo desse entendimento sobre heterogeneidade das classes

gramaticais, ratificamos o nosso interesse em estudar a classe dos advérbios, que é

de longa data. Entendemos que se trata de uma classe que vai além da sua função

prototípica como advérbio, e, em certos contextos, apresenta funções que contribuem

para a organização e a construção de sentido do texto acadêmico.

Cientes de que muitos dos compêndios gramaticais existentes tratam os

advérbios do ponto de vista normativo, destacamos a necessidade de se

desenvolverem estudos como este, cujo foco é a descrição da língua em situações

reais de uso, especialmente no que diz respeito aos advérbios, que configuram

categoria não discreta e bastante heterogênea. Desse modo, alinhando-nos com

outros trabalhos de perspectiva linguística sobre o tema, procuramos, por meio de

estudos, como a presente tese e a dissertação de Bertuleza (2013), tratar de questões

relativas à gramaticalização, desenvolvendo pesquisas sobre os itens antes, agora e

depois.

O aparecimento de novas funções para formas que já existem e de novas

formas para funções já existentes são provas de que a renovação do sistema

linguístico é constante. Nesse sentido, Hopper (1987) ressalta que o estatuto

gramatical das línguas vai sendo constantemente negociado na fala a partir de

estratégias de construção do discurso. Sob essa ótica, a língua é entendida como

atividade em tempo real, não tendo, a rigor, gramática como produto acabado, mas

em constante gramaticalização.

Partimos do princípio de que um elemento apresenta, em certos contextos

reais de comunicação, outras funções que não são apresentadas nos compêndios

gramaticais. Nesta pesquisa, postulamos que os itens antes, agora e depois nos

textos acadêmicos apresentam novas funções diferentes da sua função prototípica

como advérbio. Nesta subseção, analisamos os dados sobre a gramaticalização de

antes, agora e depois à luz do arcabouço teórico apresentado anteriormente.

A rigor, os dados são relacionados com os pressupostos teóricos da

Linguística Funcional norte-americana, por conseguinte, em determinados momentos,

torna-se necessário retomar aspectos da teoria nesta seção. Por fim, são

apresentadas considerações sobre os resultados obtidos no intuito de verificar a

hipótese de que os itens antes, agora e depois que, etimologicamente são advérbios

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temporais, também assumem valores, funções e usos diferentes nos textos

acadêmicos.

Passemos às análises das funções desempenhadas pelos itens antes, agora

e depois em teses de doutorado. Na subseção a seguir, tratamos dos usos/funções

do item antes e em subseções posteriores dos itens agora e depois.

5.1.1 Usos e funções do antes

O antes, do ponto de vista etimológico, apresenta um significado espacial e

temporal. Esse item advém do latim ante, preposição que significa diante de e também

antes, na esfera do tempo. Corominas e Pascual dizem que, na Idade Média, ante

surge quer como advérbio, quer como preposição, com significado espacial e temporal

(MAGNE, 1952). De acordo com Magne (1952, p. 311-312), antes era empregado

como advérbio e preposição no latim para indicar prioridade no espaço ou no tempo:

em frente de, diante, antes, anteriormente, primeiro.

Segundo Meillet (1948), o papel da repetição na mudança das formas

gramaticais direciona à habitualização: a) a cada vez que um item linguístico é

utilizado, seu valor expressivo diminui; e b) uma palavra não é entendida duas vezes

com a mesma intensidade. De acordo com Bybee (2003), a gramaticalização é

sempre acompanhada pelo aumento da frequência do uso do item/construção. Esse

aumento é, simultaneamente, resultado e contribuinte do processo, pois a repetição

tem determinados efeitos nas mudanças ocorridas na gramaticalização. Sob o critério

da marcação, a estrutura marcada tende a ser menos frequente do que a estrutura

não marcada correspondente.

De acordo com Silva (2015), a Linguística Funcional entende que a frequência

de uso de uma forma linguística (lexical ou gramatical) permite seu estabelecimento

no repertorio do falante, fazendo dela uma unidade de processamento que faz com

que o falante explore os recursos linguísticos disponíveis para chegar a seus

propósitos comunicativos. A frequência de uso, nessa perspectiva, pode ser

considerada como a iniciadora de todo o processo, afetando a semântica por

promover mudança; e também a morfossintaxe, por assegurar a preservação de uma

forma anterior. Desse modo, apresentamos, na ordem decrescente, a frequência dos

usos de antes que foram encontrados nas cinco UR das teses de doutorado, conforme

Tabela 1.

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Tabela 1 – Frequência das funções de antes nas UR

UNIDADES RETÓRICAS

FUNÇÕES IN-TRO-DU-ÇÃO

METODOLOGIA

REFEREN-CIAL TEÓRICO

RESULTA-DOS

CONCLU-SÃO

TOTAL %

MET – 11 (7,6%)

39 (27,2%)

31 (21,6%)

02 (1,3%)

83 (58%)

MED – – 19 (13,2%)

10 (6,9 %)

02 (1,3%)

31 (21,6%)

SEQUEN-CIAL TEXTUAL

– 05 (3,4%)

08 (5,5%)

04 (2,7%)

– 17 (11,8%)

SEQUENCIA-DOR RETOMA-DOR

– – 02 (1,3%)

05 (3,4%)

– 07 (4,8%)

REFORMU-LADOR RETIFICATI-VO

– 02 (1,3%)

01 (0.6%)

01 (0.6%)

– 04 (2,7%)

ESPACIAL – – 01 (0.6%)

– – 01 (0.6%)

TOTAL – 18 (12,5%)

70 (48,9%)

51 (35,6%)

04 (2,7%)

143 (100%)

Fonte: Elaboração para esta pesquisa

Conforme mostra a Tabela 1, o uso do item antes ocorre na maioria das UR

que compõem as teses analisadas, não havendo uso desse item apenas na UR

Introdução. Os dados percentuais mostram que as unidades mais propícias ao uso do

item antes são as UR Referencial teórico, com 48,9% de ocorrências; seguidas da UR

Resultados, com 35,6%, o que se explica pelo volume textual que normalmente

compõe essas unidades. Os dados revelam ainda que o item antes é mais usado na

função de operador argumentativo de mudança de estado temporal (MET), pois detém

a maior frequência de uso, com 58% das ocorrências; contra 21,6% na função de

operador argumentativo de mudança de estado discursivo (MED); 11,8% como

sequencial textual; 4,8% na função de sequenciador retomador; 2,7% na função

reformulador retificativo; e 0,6% na função espacial.

Essas constatações parecem comprovar a hipótese de que o item antes é

multifuncional e, pela distribuição da frequência, segue um trajeto de mudança. Esse

posicionamento já foi defendido por outros estudos que tratam da gramaticalização de

itens ou construções, como os estudos de Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991) e

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Hopper e Traugott (2003), que confirmam o pressuposto de que a sintaxe emerge do

uso. Vejamos, pois, a exposição e a análise das funções desempenhadas pelo item

antes nos textos acadêmicos do corpus utilizado, segundo os usos desse item nas

cinco UR das teses de doutorado, obedecendo ao critério do total de frequência

constante da Tabela 1.

5.1.1.1 Antes operador argumentativo de mudança de estado temporal (MET)

Koch (1987) define o operador argumentativo antes como um sequenciador

do tempo que exprime a ordem dos acontecimentos em um dado estado de coisas do

mundo real. Observando o comportamento desse operador argumentativo,

denominamo-lo de operador argumentativo de mudança de estado temporal. É o uso

mais frequente no corpus em estudo, presente em 58% das ocorrências. Essa função

ocorre em uma tendência escalar nas UR: Referencial teórico > Resultados >

Metodologia > Conclusão.

A amostra (104) apresenta o uso do antes operador argumentativo de

mudança de estado temporal na UR Referencial teórico.

(104) Em 2013, a internet chega à maioridade no Brasil com status de multiplicadora não apenas de informações e plataformas de acesso a elas, mas de vozes, ou seja, espaço para todos se manifestarem. Antes, o acesso à informação era caro, raro e difícil. Atualmente, “além do volume de dados inapreensível pela sua magnitude, a rede conta com fornecedores de todo tipo (03-REFER-T-16-CSO-COMUNICAÇÃO)4.

Em (104), é possível perceber que o pós-graduado faz uso do item antes para

estabelecer uma relação de precedência temporal com ponto de referência no

passado em que o “acesso à informação era caro, raro e difícil”. Essa relação de

precedência temporal se mostra pelo uso de outro operador “atualmente” que situa

essa mudança de estado temporal.

A proposição (105) representa um dos usos do antes operador argumentativo

de mudança de estado temporal na UR Resultados.

(105) Assim, construímos o entendimento de que, a partir da LDB de 1996, para ser professor é preciso, passar inicialmente, pela formação em nível superior, o que, antes, não acontecia (70-RESULT-T-18-CH-EDUCAÇÃO).

4 A identificação das amostras tem a sequência: número da ocorrência – UR – T(tese) – número da tese – Grande área – subárea.

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104

Conforme a amostra (105), notamos que o item antes ocorre como operador

argumentativo de mudança de estado temporal, pois apresenta traços de mais

referência no passado, uma vez que o escrevente da tese faz uso desse item na UR

resultados para expor que, no passado, para ser professor, não era preciso ter

formação em nível superior.

A amostra (106) constitui uma das ocorrências do antes operador

argumentativo de mudança de estado temporal presente na UR Metodologia.

(106) A grande contribuição dessa teoria foi a de mostrar que as diferenças na forma – antes vistas como imotivadas, livres e referencialmente sem significado – podem estar associadas, na verdade, a diferentes significados, desde que se assuma que o significado social e estilístico esteja no mesmo nível de importância do significado referencial, ou primário (40-METOD-T-23-LING).

Conforme amostra (106), podemos dizer que o item antes expressa uma

relação de precedência temporal. O escrevente da tese faz uso do item antes para

fazer referência à mudança de estado em que, no passado, as diferenças na forma

eram vistas como “imotivadas, livres e referencialmente sem significado”. Por ser uma

UR voltada para a descrição dos materiais e dos métodos empregados na pesquisa,

podemos afirmar que esse contexto de descrição favorece o uso do antes na condição

de ordenar os acontecimentos em um dado estado de coisas, assim funcionando

como um operador argumentativo de mudança de estado temporal.

A amostra (107) ilustra o uso do antes operador argumentativo de mudança

de estado temporal na UR Conclusão.

(107) Atitudes hermenêuticas implicam em processos interpretativo-compreensivos, favorecendo um entendimento sobre algo e a apropriação de uma situação ou de aspectos dela que antes não estavam claros e que, por alguma razão, tornaram-se problemáticos, ou seja, que merecem ser repensados (04-CONCLU-T-10-CSA-ENFERMAGEM).

Em (107), o item antes também é usado pelo pós-graduado para estabelecer

uma relação de precedência temporal com ponto de referência no passado em que

não ficavam evidentes os aspectos sobre atitudes hermenêuticas.

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105

5.1.1.2 Antes operador argumentativo de mudança de estado discursivo (MED)

Conforme Lopes e Morais (2000), o item antes pode apresentar ainda um valor

de natureza temporal, mas com uma função discursiva claramente associada a esse

valor. De acordo com a literatura linguística, o conceito mais associado a essa função

é o de que atua na organização do discurso, a partir de aspectos intratextuais,

iniciando turno e na mudança de assunto ou de turno. Denominamos o uso dessa

função do item antes como operador argumentativo de mudança de estado discursivo.

Em nosso corpus, o item antes assume essa função de MED, em uma

tendência escalar, nas UR: Referencial teórico > Resultados > Conclusão. Com a

amostra (108), apresentamos o uso do antes operador argumentativo de mudança de

estado discursivo presente na UR Referencial teórico.

(108) As teorizações sobre a exterioridade ocuparam amplo espaço no interior do primeiro capítulo da tese, razão porque aqui não mais o tomarei como objeto de novas teorizações. Antes, o continuum exterioridade/ interioridade passa a funcionar como categoria entre as demais categorias teóricoanalíticas mobilizadas para o trabalho de análise do corpus (46-REFER-T-21-CH-ANÁLISEDODISCURSO).

Na amostra (108), o item antes ocorre na abertura de turno/tópico. O

escrevente da tese usa o antes para iniciar um novo turno/tópico que ainda está

associado ao tópico anterior, pois a amostra começa expondo que, no primeiro

capítulo da tese, tratou-se sobre o aspecto da exterioridade. No entanto, no fluxo

textual, o escrevente inicia um novo tópico, o qual é introduzido pelo item antes, que

reforça o assunto da exterioridade como categoria “teórico-analítica”.

Na UR Resultados, o antes também funciona como operador argumentativo

de mudança de estado discursivo, conforme a amostra (109).

(109) Esse Plano Estadual de Segurança Pública reúne mais de 140 projetos, distribuídos em seis linhas de ação, a saber: repressão qualificada; aperfeiçoamento institucional; informação e gestão do conhecimento; formação e capacitação; prevenção social do crime e da violência; e gestão democrática. Antes de apresentar os projetos, o plano expõe um diagnóstico da situação de insegurança em Pernambuco, tanto do ponto de vista socioeconômico quanto da violência e criminalidade (48-RESULT-T-13-CSO-SERVIÇOSOCIAL).

Em (109), já como locução prepositiva, antes de aumentou o volume da

estrutura do uso do antes ao integrar-se com a preposição, segundo os princípios de

iconicidade e marcação; também parece se incumbir da função de operador

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106

argumentativo de mudança de estado discursivo. O autor da tese faz uso dessa

locução para encabeçar um novo turno/tópico, que ainda está associado ao tópico

anterior, assinalando a organização do discurso descritivo em relação ao plano

estadual de segurança pública.

Na amostra (110), apresentamos o antes operador argumentativo de

mudança de estado discursivo na UR Conclusão.

(110) Esse trabalho pode tornar a tarefa dos profissionais da educação mais gratificante e, com isso, todos os atores institucionais serão beneficiados, inclusive o psicólogo que terá o seu trabalho ampliado. Antes de isso ocorrer faz-se necessária a análise dos pactos firmados entre as instituições saúde e educação (07-CONCLU-T-19-CH-PSICOLOGIA).

Conforme a amostra (110), notamos que a locução prepositiva antes de

também atua na perspectiva da organização textual, iniciando um novo turno/tópico

que ainda está associado ao tópico anterior.

5.1.1.3 Antes sequencial textual (ST)

Na função de sequencial textual, o item antes se realiza para funções mais

textuais, como a de assinalar a ordem sequencial pela qual as informações são

apresentadas e desenvolvidas no texto. Koch (1987) afirma que o sequenciador

textual funciona na organização tópica dos enunciados, assinalando a ordem em que

os assuntos abordados no texto são apresentados e desenvolvidos.

No corpus desta pesquisa, o item antes assume essa função, em uma

tendência escalar, nas UR: Referencial teórico > Metodologia > Resultados.

Encontramos dez ocorrências do antes sequencial textual, assumindo configurações

estruturais distintas de antes e de antes de, mais recorrentes, as quais resolvemos

integrar nos sintagmas antes de mais nada e antes de iniciarmos.

Na amostra (111), há o uso do antes sequencial textual na UR Referencial

teórico.

(111) Com base na figura 4 de Hopper e Traugott, somos levados a dar logo uma resposta positiva, pelo menos, para as duas primeiras questões. As respostas às três perguntas anteriormente formuladas não são, porém, tão simples nem constituem respostas isoladas, pelo contrário, elas se imbricam completamente. Antes de mais nada, cabe aqui uma observação: proponho-me a fazer mais uma reflexão acerca do problema do que apresentar respostas imediatas para as questões aqui discutidas (144-REFER-T-24-LINGUÍSTICA).

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107

Conforme a amostra (111), o antes ocorre na estrutura antes de mais nada,

em que o escrevente da tese ordena seus argumentos, anunciando, em primeiro lugar,

que se propõe a fazer uma reflexão do problema em vez de apresentar respostas.

Notamos, na amostra, que a noção temporal expressa pelo antes enfraquece e o item

passa a estabelecer um valor de ordenação sequencial textual.

A amostra (112) expõe o uso do antes sequencial textual na UR Metodologia.

(112) De acordo com as instruções do Comitê de Ética em Pesquisa Humana (CEP) da UFJF, antes de iniciarmos os procedimentos de pesquisa, registramos o projeto na Plataforma Brasil e aguardamos a aprovação do CEP (07-METOD-T-05-CB-ECO).

Em (112), o antes ocorre na estrutura antes de iniciarmos, em que o

escrevente da tese estrutura/ordena seu discurso com o propósito de mostrar as

etapas seguidas para o registro e a aprovação de seu projeto no Comitê de Ética em

Pesquisa Humana. Como na amostra (111), a noção temporal expressa pelo antes

enfraquece e o item passa a estabelecer um valor de ordenação sequencial textual.

Como (112), a amostra (113) ilustra o uso antes sequencial textual na UR

Resultados.

(113) Mais adiante iremos tratar especificamente de cada uma dessas famílias separadamente e, ao mesmo tempo em que descreveremos, imprimiremos nossa análise. Antes de iniciarmos este processo vale destacar que estamos tomando como referência para a discussão as subcategorias, que nada mais são, do que os trechos selecionados dos documentos indicativos, os conteúdos de ensino (01-RESULT-T-01-CE-QUIMICA).

Na amostra (113), percebemos que o escrevente da tese, ao expor os

resultados de sua pesquisa, usa a estrutura antes de iniciarmos para ordenar as

informações que serão apresentadas no decorrer do trabalho.

5.1.1.4 Antes sequenciador retomador (SR)

O antes na função de sequenciador retomador exerce uma função anafórica,

em que recupera o assunto tratado no tópico anterior. De acordo com Tavares (1999,

p. 24), na função sequenciador retomador, o elemento linguístico

Recupera o assunto assim interrompido, permitindo sua continuação. É possível que, no processo de retomada, a informação reapareça de forma literal, ou com a alteração de alguns vocábulos, ou apenas seja recolocada

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em foco pelo apontamento para trás realizado pelo conector, sem haver seu resgate textual.

O elemento linguístico na função retomadora retroage para outros tópicos, ou

seja, retoma informações e impulsiona o assunto para frente. No corpus desta

pesquisa, o antes apresenta essa função por meio da estrutura: como dissemos antes.

Os usos do antes nessa função ocorrem, em uma tendência escalar, apenas nas UR:

Resultados > Referencial teórico.

A amostra (114) ilustra o uso de antes sequenciador retomador na UR

Resultados.

(114) O distanciamento vivido pelas famílias no século do XVIII e XIX, (só os homens iam para a Amazônia), hoje, em pleno século XXI, permanece o distanciamento (só o professor ou a professora vai para as comunidades ribeirinhas). Como dissemos antes, é a busca de um sonho viabilizada por meio do trabalho – o trabalho de professor; a possibilidade do emprego, ainda que a família fique na cidade por algum tempo, divididos pela saudade ocasionada pela situação (75-RESULT-T-18-CH-EDUCAÇÃO).

Na amostra (114), o escrevente da tese também faz uso do antes para retomar

a informação de que o sonho de ser professor e ter um emprego faz com que os

participantes da pesquisa fiquem longe de suas famílias.

A amostra (115) apresenta o uso de antes sequenciador retomador na UR

Referencial teórico.

(115) Na relação pesquisador/pesquisado, há também um sentido de autoridade estabelecido. No entanto, a técnica metodológica por nós utilizada tem exatamente o sentido de fazer falar as vozes silenciadas, pois se trata, como dissemos antes, de técnicas projetivas (TALP, PCM), em que observamos o que estão pensando os sujeitos sobre si e sobre o grupo de pertença do/no trabalho que ora abraçam (31-REFER-T-18-CH-EDUCAÇÃO).

Em (115), o antes funciona como um sequenciador retomador, pois

percebemos que o escrevente da tese, ao retomar a informação de qual técnica

metodológica está sendo utilizada na pesquisa, faz uso do antes para que tal

informação apareça de forma literal.

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109

5.1.1.5 Antes reformulador retificativo (RR)

O antes na função de reformulador retificativo apresenta um processo de

reflexão por parte do escrevente da tese que faz uso para explicar, retificar ou

recapitular o que já foi dito de uma forma mais exata. De acordo com Lopes e Morais

(2000), trata-se de um valor que opera em nível ilocutório, no qual o locutor reformula

o seu ato ilocutório inicial, retificando-o e, ao retificar o que disse, o locutor expressa

sua preferência pela formulação final, equivalendo ao sentido das expressões ou

melhor, melhor dizendo.

No corpus em análise, encontramos essa função, em uma tendência escalar,

nas UR: Metodologia > Referencial teórico > Resultados. Na amostra (116),

apresentamos o uso do antes reformulador retificativo presente na UR Metodologia.

(116) Convém aqui a ressalva de que nosso trabalho não tem o viés antropológico nem sociológico com relação a esses grupos. Antes, porém, seguimos a trilha investigativa da representação social do ser professor em comunidades ribeirinhas do Vale do Juruá – Acre (34-METOD-T-18-CH-EDUCAÇÃO).

Em (116), o item antes, apesar de ocorrer acompanhado da conjunção

adversativa porém, não carrega um valor adversativo. Notamos que o escrevente da

tese usa esse item para retificar e/ou explicar que o trabalho segue uma “trilha

investigativa da representação social” que difere de um viés antropológico. Nesse uso,

o item antes pode equivaler ao sentido da expressão “melhor dizendo”, expressando

assim uma preferência pela formulação feita.

A amostra (117) apresenta o antes reformulador retificativo na UR Referencial

teórico.

(117) Neste ponto, somos convidados a revisitar a proposta de Althusser sobre o funcionamento dos Aparelhos Ideológicos de Estado para perceber como se dá o funcionamento do todo complexo das formações ideológicas no âmago dos discursos produzidos pelas instâncias sociais que têm produzido o corpus discursivo sobre o docente e a docência. Antes porém, é fundamental que nos dediquemos a compreender como se dá a filiação dos sujeitos às formações ideológicas mediante o processo de interpelação (55-REFER-T-21-CH-ANÁLISEDODISCURSO).

Na amostra (117), antes também ocorre na função de explicar o que foi dito

anteriormente, retificando assim o tópico anterior. O autor da tese expõe de início que

revisitará a proposta do teórico Althusser sobre os aparelhos ideológicos. No fluxo

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textual, o pós-graduado usa o antes para reformular o disse e expor que é

“fundamental que nos dediquemos a compreender como se dá a filiação dos sujeitos

às formações ideológicas mediante o processo de interpelação”. Notamos que, nesse

uso, o antes também ocorre acompanhado da conjunção adversativa porém. No

entanto, o antes não carrega um valor adversativo, ele equivale ao sentido de “ou

melhor” ou “melhor dizendo”.

A proposição (118) ilustra o uso do antes reformulador retificativo na UR

Resultados.

(118) Assim como os estudantes pesquisados por Gatti, os nossos, em sua maioria, não sonhavam em ser professor, mas estão nessa profissão pelas condições socioeconômicas que os empurram para o mercado de trabalho e, nessa região, segundo eles próprios, o emprego de professor é o mais fácil de arranjar. Não estão nela por amor muito menos por vocação, antes, porém, pela necessidade. Talvez por isso mesmo, lamentem tanto as dificuldades enfrentadas (71-RESULT-T-18-CH-EDUCAÇÃO).

Conforme a amostra (118), o antes também funciona na UR Resultados como

reformulador retificativo, como nas demais amostras dessa função, o antes também

ocorre acompanhado da conjunção adversativa porém. Entretanto, o antes não

carrega um valor adversativo, equivalendo também ao sentido das expressões “ou

melhor”, “ou melhor dizendo”.

5.1.1.6 Antes espacial (ESP)

São escassas no corpus as ocorrências de antes com valor espacial.

Encontramos apenas 1 uso num conjunto de 143 ocorrências, presente na UR

Referencial teórico. Trata-se de um uso que apresenta uma relação de ordem do

domínio do espaço, em que há um movimento potencial do polo inicial na direção do

polo alvo final, sendo o espaço referenciado, conforme retomado no excerto (119):

(119) Nos exemplos abaixo, de orações condicionais, encontramos em (30), seguindo a conjunção se, a presença do MS; entretanto, onde deveria ocorrer futuro do pretérito (tiraria, saciaria, ficariam), ou mesmo imperfeito do subjuntivo (tirasse, saciasse, ficassem), encontramos o imperfeito do MI (tirava, saciava, ficavam). Observe-se, ainda, que há a presença do advérbio talvez antes de tirava, saciava (72-REFER-T-23-LINGUÍSTICA).

Na amostra (119), o escrevente da tese faz uso da locução prepositiva antes

de para indicar a localização do advérbio “talvez”, que se posiciona na frente dos

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verbos “tirava” e “saciava”. O uso do antes espacial ocorre ainda nos textos

acadêmicos, portanto, mais conservador, possivelmente por ser um registro mais

formal e por atender a normas técnicas.

Em síntese, nesta seção, analisamos as ocorrências de antes nas teses,

apresentando as funções, por meio das amostras dispostas ao longo da discussão. O

processo de identificação e análise foi baseado nos princípios do Funcionalismo norte-

americano, que nos permitiu concluir que:

i) o item antes assume valores, funções e usos diferentes em quase todas

as UR das teses acadêmicas, não apresentando usos apenas na UR Introdução;

ii) antes é mais frequente nas UR Referencial teórico e Resultados,

segundo as escalas as funções:

a) MET: Referencial Teórico > Resultados > Metodologia > Conclusão;

b) MED: Referencial Teórico > Resultados > Conclusão;

c) ST: Referencial Teórico > Metodologia > Resultados;

d) SR: Resultados > Referencial Teórico;

e) RR: Metodologia > Referencial Teórico, Resultados;

f) ESP: ocorreu apenas na UR Referencial Teórico;

iii) antes é mais usado para sequenciar o tempo dos acontecimentos nas

UR Metodologia, Referencial teórico, Resultados e Conclusão;

iv) antes assume funções mais textuais que contribuem para organizar o

texto acadêmico, com usos recorrentes nas UR Referencial teórico e Resultados;

v) antes aumenta a sua estrutura para atender as diferentes funções: antes

de; antes de mais nada; antes de iniciarmos; como disse antes.

Passemos, então, à exposição e à análise das funções de antes conforme as

áreas de conhecimento.

5.1.1.7 Funções do antes conforme áreas do conhecimento

Como é um dos objetivos deste trabalho analisar os diferentes usos dos itens

antes, agora e depois nas teses conforme as diferentes áreas de conhecimento, uma

medida que se faz necessária nesta subseção é observar quais usos do item antes

são mais frequentes nas três grandes áreas do conhecimento (como já dito, de acordo

com a tabela do CNPq, são elas: ciências formais, factuais naturais e factuais

culturais).

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Assim, no Gráfico 1, apresentamos a frequência do item antes nas teses

considerando as diferentes áreas do conhecimento, a fim de visualizarmos quais usos

do antes são mais frequentes nas teses e em que áreas há mais uso desse item.

Gráfico 1 – Frequência dos usos do antes nas teses por áreas do conhecimento

Fonte: Elaborado para esta pesquisa

De acordo com o Gráfico 1, confirmamos a hipótese de que o item antes

assume valores, funções e usos diferentes conforme a frequência específica nos

textos acadêmicos das diversas áreas de conhecimento, como: antes espacial,

operador argumentativo de mudança de estado temporal, operador argumentativo de

mudança de estado discursivo, reformulador retificativo, sequencial textual e

sequenciador retomador.

Vale ressaltar que, nessa divisão por áreas do conhecimento, as grandes

áreas se subdividem em: ciências formais, que engloba as: Ciências Exatas e da Terra

e suas subáreas – Química e Astronomia; ciências factuais naturais, constituídas por

Ciências Biológicas e suas subáreas – Ecologia e Zoologia; Ciências da Saúde e suas

subáreas – Enfermagem e Educação Física; ciências factuais culturais, que incluem

as Ciências Sociais Aplicadas e suas subáreas – Serviço Social e Comunicação;

Ciências Humanas e suas subáreas – Educação e Psicologia; e, por fim, Linguística,

Letras e Artes e suas subáreas – Análise do Discurso e Linguística.

Conforme o Gráfico 1, o item antes apresenta menor frequência na área das

ciências formais, com um total de 5 ocorrências, funcionando em 3 delas como

Ciências Formais Factuais Naturais Factuais Culturais

Espacial 1

MET 3 20 62

MED 1 2 26

Reformulador 4

Sequencial Textual 1 1 15

Retomador 7

Total 5 23 118

0

20

40

60

80

100

120

140

em n

úm

ero

s ab

solu

tos

Frequência dos usos do Antes por aréas do conhecimento

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operador argumentativo de mudança de estado temporal, o que demonstra que os

escreventes dessa área fazem uso do item antes para apresentar a ordenação

sequencial das informações, a partir da ordenação temporal dos eventos. Nas áreas

factuais naturais, o antes aparece em 20 ocorrências na função de operador

argumentativo de mudança de estado temporal. Assim, também é usado pelos

escreventes dessa área com mais interesse em ordenar as informações por meio do

tempo dos eventos. Já nas áreas factuais culturais, o item antes se apresenta com

mais variedade de usos e também é mais recorrente nas teses dessas áreas,

representando 82,5% do número total de usos desse item. Nessa área do

conhecimento, o antes ocorre com diferentes funções, mas a função de operador

argumentativo de mudança de estado temporal é a mais recorrente nas teses dessa

área.

De modo geral, notamos que as especificidades dos usos do item antes se

diferenciam iconicamente. A noção de tempo por meio do uso do antes mudança de

estado temporal ocorre nas três macroáreas do conhecimento, porém, seu uso

persiste mais na argumentação das ideias das ciências factuais culturais, como

também nessa área há mais recorrência de usos com a noção de texto, como o caso

do antes sequencial textual.

Verificamos, também, por meio das frequências dos usos do antes nas

diferentes áreas do conhecimento, que a hipótese de que esse item ocorre nas teses

de doutorado com usos mais temporais é verdadeira. Apesar de a referência ao tempo

cronológico ser mais característica dos gêneros do narrar, o item antes também faz

referência ao tempo no gênero acadêmico no que se refere ao texto tese de

doutorado. Constatamos, também, a partir das frequências de uso, que o item antes

desempenha funções textuais nas teses de doutorado por meio das funções

reformulador retificativo, sequenciador textual e sequenciador retomador,

constatações que revelam a frequência na escala TEMPO > TEXTO.

Desse modo, as observações em relação ao uso de antes nas teses de

doutorado de diferentes áreas do conhecimento permitem uma reflexão acerca de sua

recorrência em contextos formais da língua escrita, revelando sua competência para

funcionar como organizador do texto.

Na subseção a seguir, apresentamos os usos do agora que ocorreram no

corpus.

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114

5.1.2 Usos e funções do agora

Martelotta (2004), baseado em Machado (1977), explica que o item agora

provém do sintagma nominal latino hac hora (esta hora, neste momento), em que o

hac representa o advérbio espacial dêitico “por aqui”, constituindo uma relação de

proximidade entre os falantes. Já Rodrigues (2009) explica que a origem desse item

refere-se a “nunc”, forma analógica que originou hac hora e hora e, posteriormente,

agora, ora e hora, proposição confirmada pelas ocorrências do latim mais antigo,

presentes em exemplos de Cícero, Virgílio e Plauto:

Nunc > hac hora > agora hora > ora e hora

No português contemporâneo, o agora é visto como um simples advérbio, um

dêitico temporal que tem como função situar eventos a que ele se refere em um

determinado período de tempo. Contudo, esse item pode apresentar um

desdobramento da noção de tempo, que, segundo Neves (1992), não revela apenas

o momento fisicamente determinado, mas apresenta variação de alcance que pode

referir-se a um mínimo pontual, como também pode abranger um momento maior ou

menor, pertencente à esfera do presente, do passado ou do futuro, desde que se

aproxime ou se atinja o momento da enunciação.

De acordo com Votre, Cezário e Martelotta (2004), a relação entre noções de

espaço e tempo já ocorre na língua por meio de muitos outros casos. Nesse sentido,

é importante destacarmos que essa trajetória iniciada pela forma originária “esta hora”,

“neste momento”, apresenta a passagem de advérbio espacial dêitico para advérbio

dêitico temporal e, em outro momento, para o campo discursivo. Assim, essa trajetória

corrobora o entendimento de que houve uma mudança unidirecional espaço > (tempo)

> texto, conforme a tendência de trajetória proposta por Heine, Claudi e Hunnemeyer

(1991). Desse modo, o agora é objeto de estudo deste trabalho que busca formalizar

algumas reflexões sobre sua multifuncionalidade em textos acadêmicos, como

também traçar a tendência de trajetória de mudança.

Na Tabela 2, apresentamos a frequência dos usos e as funções de agora

segundo as UR da tese de doutorado.

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Tabela 2 – Frequência das funções de agora nas UR

UNIDADES RETÓRICAS

FUN-ÇÕES

INTRO-DUÇÃO

METODO-LOGIA

REFERENCIAL TEÓRICO

RESUL-TADOS

CONCLUSÃO

TOTAL %

MET – 01 (1,1%)

20 (23,2%)

05 (5,8%)

– 26 (30,2%)

SEQUENCIAL TEX-TUAL

01 (1,1%)

02 (2,3%)

08 (9,3%)

09 (10,4%)

03 (3,4%)

23 (26,7%)

MED – – 13 (15,1%)

06 (6,9%)

– 19 (22%)

DÊITICO TEMPO-RAL

02 (2,3%)

01 (1,1%)

07 (8,1%)

02 (2,3%)

02 (2,3%) 14 (16,2%)

COM-TRAS TIVO

– – 01 (1,1%)

03 (3,4%)

– 04 (4,6%)

TOTAL 03 (3,4%)

04 (4,6%)

49 (56,9%)

25 (29%)

05 (5,8%)

86 (100%)

Fonte: Elaborada para esta pesquisa

De acordo com os dados distribuídos na Tabela 2, percebemos que o item

agora ocorre em todas as unidades da tese e, pela frequência, apresenta uma

tendência escalar: Referencial teórico > Resultados > Conclusão > Metodologia >

Introdução, em que há mais ocorrência, como o item antes, na UR Referencial teórico,

com 56,9%; e na UR Resultados, com 29%. Como já mencionamos, essas são

unidades com maior volume textual, sendo, portanto, ambientes propícios aos

diversos usos do item agora.

Os dados da Tabela 2 mostram ainda que o agora desempenha com mais

frequência a função de operador argumentativo de mudança de estado temporal, em

30,2% das ocorrências; seguida da função sequencial textual, em 26,7%; da função

operador argumentativo de mudança de estado discursivo, com 22%; da função de

dêitico temporal, em 16,2%; e da função de conector/juntor contrastivo, em 4,6%.

Esses resultados evidenciam a hipótese de que o item agora é multifuncional e, pela

frequência, segue um trajeto de mudança, conforme proposto por Heine, Claudi e

Hunnemeyer (1991): TEMPO (operador argumentativo de mudança de estado

temporal) > TEXTO (sequencial textual).

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116

Vejamos, então, as funções desempenhadas pelo item agora nos textos

acadêmicos do corpus utilizado segundo a frequência de usos desse item nas cinco

UR das teses de doutorado escolhidas.

5.1.2.1 Agora operador argumentativo de mudança de estado temporal (MET)

Conforme atesta Neves (2000), o item agora pode apontar ampliação do

momento pontual para um contexto maior. Assim, o agora na função operador

argumentativo de mudança de estado temporal funciona como um sequenciador do

tempo, que exprime a ordem dos acontecimentos em um dado estado de coisas do

mundo real, função que equivale semanticamente a “a partir desse momento”.

No corpus em análise, essa função ocorre, em uma tendência escalar, nas

seguintes UR: Referencial teórico > Resultados > Metodologia.

A amostra (120) ilustra o uso do agora operador argumentativo de mudança

de estado temporal na UR Referencial teórico.

(120) A complexificação das sociedades e das relações entre as pessoas faz surgir demandas sociais que acabam por fragilizar esta autonomia e centralidade do ser. Surge uma concepção mais social do sujeito, agora cidadão, e formas de vida e organização coletivas vão suplantando a ação e a criação individuais de um sujeito onipotente (21-REFER-T21-CH-ANALDISCUR).

Em (120), o item agora funciona como operador argumentativo de mudança

de estado temporal. Notamos que o escrevente faz uso do item para remeter ao

passado em que havia uma concepção social do sujeito, mas que, a partir daquele

momento, era visto como cidadão. Nesse contexto, há uma maior referência ao

passado e o item agora marca essa mudança.

A proposição (121) apresenta o uso do agora operador argumentativo de

mudança de estado temporal na UR Resultados.

(121) Notamos que a clientela com queixa escolar que antes era encaminhada para as UBS’s, conforme apontado por Oliveira (2005) e Bastos (1999), agora é encaminhada para os CAPS’s ou para as Universidades da região. Talvez, por isso, os psicólogos das UBS’s, entrevistados na presente pesquisa, não tenham essa clientela claramente identificada, apesar de atenderem crianças e adolescente em idade escolar (137-RESULT-T19-CH-PSICOL).

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Na proposição (121), o agora também ocorre como operador argumentativo

de mudança de estado temporal, mostrando que, a partir daquele momento, a

“clientela com queixa escolar que antes era encaminhada para as UBS’s, é

encaminhada para os CAPS’s”. Salientamos que é um uso que se diferencia da função

dêitica do agora, apesar de temporal, por marcar as mudanças nos eventos a partir

de um tempo específico.

A amostra (122) apresenta também o uso do agora operador argumentativo

de mudança de estado temporal na UR Metodologia.

(122) Durante a pesquisa realizada, pudemos revisitar a metodologia da análise de conteúdo (IACHEL, 2009). Nessa ocasião, retomamos as principais características desse “leque de apetrechos” (BARDIN, 2000, p. 31), agora mais preocupados com questões relativas às condições de produção das falas de nossos entrevistados (01-METOD-T03-CE-ASTRON).

Conforme a amostra (122), podemos afirmar que o agora funciona como

operador argumentativo de mudança de estado temporal, pois expressa uma relação

de precedência temporal com referência passada. O escrevente da tese faz uso do

item agora para fazer referência ao momento em que revisitou a metodologia de

análise de conteúdo, mas, a partir do momento da enunciação, passou a se preocupar

com questões relativas aos entrevistados de sua pesquisa. Esse traço de referência

passada surge também por meio da expressão “nessa ocasião”, que aponta para um

momento passado.

5.1.2.2 Agora sequencial textual (ST)

O agora na função sequencial textual também se realiza para funções mais

textuais, como a de assinalar a ordem sequencial pela qual as informações são

apresentadas e desenvolvidas no texto. No corpus em análise, esse uso ocorre, em

uma tendência escalar, nas UR: Resultados > Referencial teórico > Conclusão

Metodologia > Introdução. Apresentamos, a seguir, as amostras ilustrativas segundo

essa tendência e não de acordo com a ordem esquemática da tese.

A amostra (123) apresenta o uso do agora sequencial textual na UR

Resultados.

(123) Assim, seguimos esse mesmo procedimento para todas as 188 disciplinas de interesse. Passaremos agora a descrever como foi que

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118

procedemos com a organização desses dados para análise (03-RESULT-T01-CE-QUI).

Conforme a amostra (123), o agora funciona como um sequenciador do texto.

O escrevente da tese usa esse item para ordenar as informações que serão

apresentadas posteriormente no texto.

A proposição (124) mostra o uso do agora sequencial textual na UR

Referencial teórico.

(124) os indivíduos são ‘interpelados’ em sujeitos falantes (em sujeitos do seu discurso) por formações discursivas que representam ‘na linguagem’ as formações ideológicas que lhes são correspondentes [...] a interpelação do indivíduo em sujeito do seu discurso se realiza pela identificação (do sujeito) com a formação discursiva que o domina [...] Acrescentaremos agora, [retomando P. Henry], que essa interpelação supõe necessariamente um desdobramento, constitutivo de sujeito do discurso, de forma que um dos termos representa o ‘locutor’, ou aquele que se habituou chamar o ‘sujeito da enunciação’, na medida em que lhe é ‘atribuído o encargo pelos conteúdos colocados’ (17-REFER-T21-CH-ANALDISCUR).

Na proposição (124), o escrevente da tese usa o agora para sequenciar uma

informação nova sobre o assunto tratado no tópico anterior a respeito da interpelação

e dos sujeitos do discurso.

A proposição (125) apresenta o uso do agora sequencial textual na UR

Conclusão.

(125) Assim, retomaremos agora os princípios norteadores desta tese – questões de pesquisa e objetivos – bem como as respostas obtidas a partir da nossa investigação (07-CONCLUS-T22-CH-ANALDISCUR).

Na proposição (125), o escrevente da tese propõe retomar os princípios

norteadores da tese. Assim, por meio do uso do agora, sequencia as informações do

texto. Nesse uso, o item pode ser parafraseável por “a seguir”.

A amostra (126) ilustra o uso do agora sequencial textual na UR Metodologia.

(126) Vamos nos deter agora a apresentar as abordagens teóricas da comunicação popular, alternativa e comunitária (CPAC) (05-METOD-T15-CSO-COMUNIC).

Em (126), o agora também ocorre com a função de sequenciar o texto. Nesse

uso, o item pode ser parafraseável por “a seguir”. Desse modo, o pós-graduado expõe

para o leitor quais abordagens teóricas serão discutidas na UR Metodologia.

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A amostra (127) apresenta o uso do agora sequencial textual na UR

Introdução.

(127) O quarto capítulo é o espaço para explicar o procedimento metapórico de pesquisa. O mesmo objetivo de organizar o primeiro capítulo colocando ordem nas ideias que fundamentam a Teoria do Acontecimento Comunicacional repete-se agora: o objetivo é explicar o procedimento de pesquisa próprio da fundamentação teórica adotada (06-INTRO-T16-CSO-COMUNICAÇÃO).

Na amostra (127), o item agora apresenta a função de sequenciar as

informações no texto. Notamos que o pós-graduado, ao descrever os capítulos de sua

tese, faz uso do agora para expor o objetivo de sua pesquisa, sequenciando, assim,

as informações para o seu leitor.

5.1.2.3 Agora operador argumentativo de mudança de estado discursivo (MED)

O item agora na função de operador argumentativo de mudança de estado

discursivo ainda apresenta um valor de natureza temporal, mas há uma função

discursiva visivelmente associada a esse valor. Como já mencionamos anteriormente,

nessa função, o item atua na organização do discurso, por meio de aspectos

intratextuais, no início de turno e na mudança de assunto ou de turno, como também

recupera informações anteriores não específicas e/ou aponta para situações narradas

pelo falante ou para opiniões emitidas por este, conforme afirma Tavares (1999).

Em nosso corpus, esse uso acontece, em uma tendência escalar, nas UR:

Referencial teórico > Resultados. A amostra (128) representa o uso de agora operador

argumentativo de mudança de estado discursivo presente na UR Referencial teórico.

(128) As revistas femininas passaram a discutir o sexo de forma mais liberta, aberta e, com isso, as mulheres foram deixando de ser um “objeto sexual”, que agora tinha direito ao NÃO e o sexo não estava vinculado, apenas, à procriação (74-REFER-T22-CH-ANALDISCUR).

Na amostra (128), notamos que o item agora funciona como um operador

argumentativo de mudança de estado discursivo, pois o escrevente da tese ao

argumentar que “as revistas femininas passaram a discutir o sexo de forma mais

liberta, aberta” faz uso do item agora para remeter a uma mudança referida por meio

de um argumento, de um fato.

A amostra (129) ilustra o uso de agora operador argumentativo de mudança

de estado discursivo presente na UR Resultados.

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(129) Indagamo-nos: por que o conhecimento é discurso frequente entre os professores ribeirinhos? Existe um consenso do que seja o conhecimento para eles? Os sentidos oriundos de seus discursos nos levam a entender que há tanto um conhecimento que precisa ser aprendido no convívio com os moradores, quanto um conhecimento de conteúdo escolar a ser transmitido. No segundo caso, esses conhecimentos referem-se àquilo que aprenderam ao longo da vida estudantil e que, agora, precisam repassá-los enquanto profissionais do ensino (117-RESULT-T18-CH-EDUCAÇ).

Em (129), o item agora também funciona como operador argumentativo de

mudança de estado discursivo. O pós-graduado, ao expor questionamentos feitos aos

participantes de sua pesquisa e os sentidos compreendidos dessas questões, usa o

agora para marcar a mudança de estado de estudante para profissionais do ensino,

fazendo referência aos fatos ditos anteriormente.

5.1.2.4 Agora dêitico temporal (DT)

O item agora na função de dêitico temporal apresenta-se como um

circunstanciador de tempo, tendo valor de neste momento; nesse momento que

passou; nesse momento que virá; a partir desse/deste momento. Segundo Neves

(2011, p. 266), a definição mais propícia para esse tipo de advérbio é a de que o tempo

em questão é tido como não cronológico, sem ligação com o calendário.

No corpus em análise, encontramos esse uso, em uma tendência escalar, nas

UR: Referencial teórico > Introdução, Resultados, Conclusão > Metodologia. Na

amostra (130), apresentamos o uso do agora dêitico temporal presente na UR

Referencial teórico.

(130) Os meios de comunicação tradicionais deixam de ser produtores de conteúdo e injetores de temas. Os antigos receptores, que utilizavam esses temas como pautas para suas discussões, são agora usuários geradores de conteúdo, liquefazendo as fronteiras entre produtores e consumidores de mensagens dos meios de comunicação (04-REFER-T16-CSO-COMUNIC).

Conforme a amostra (130), o item agora apresenta uma relação de

circunstanciador de tempo, evidenciando o traço de referência temporal presente, pois

notamos que o escrevente expõe que os antigos receptores de informações dos meios

de comunicação tradicionais passarão, no momento presente, a ser usuários

geradores de conteúdo.

A amostra (131) apresenta o uso de agora dêitico temporal na UR Introdução.

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(131) Já nos anos 1930 há uma mudança na percepção das causas do fracasso escolar, sai-se de um período de determinismo e se pensa em prevenção. Nesse período as crianças que apresentam problemas de ajustamento ou de aprendizagem escolar passam a serem denominadas “crianças problema”, substituindo o termo anormal, agora focalizando a influência ambiental (07-INTRO-T19-CH-PSICOL).

Na amostra (131), o agora ocorre na função de dêitico temporal, equivalendo

semanticamente a “nesse momento”. O autor da tese expõe que, no momento

presente, o termo anormal foi substituído, passando a focalizar a influência ambiental

em casos de “crianças problema”. Nesse contexto, percebemos que o item atua com

referência ao presente e a presença do termo “nesse período” evidencia o item agora

funcionando com uma referência temporal.

A proposição (132) ilustra o uso do agora dêitico temporal presente na UR

Resultados.

(132) A junção desses elementos nessa configuração representacional é uma marca deste trabalho. O medo que tinham ao embarcar na canoa é agora tomado pela ousadia no enfrentamento das dificuldades. No entanto, essa é minimizada quando da relação de amizade com essa gente (118-RESULT-T18-CH-EDUCAÇ).

Na amostra (132), o agora também funciona como dêitico temporal. Nesse

contexto, percebemos que o item faz referência ao tempo presente em que o autor da

tese menciona que os participantes de sua pesquisa substituem o medo de embarcar

na canoa pela ousadia de enfrentar as dificuldades.

A amostra (133) apresenta o uso do agora dêitico temporal presente na UR

Conclusão.

(133) Desde o projeto inicial quando de nossa investidura no eternamente estudante e agora, de pós-graduação, a reta final com a obtenção do título de Doutora em Educação (04-CONCLUS-T18-CH-EDUCAÇ).

Em (133), o agora ocorre na função de dêitico temporal, equivalendo

semanticamente a “nesse momento”. Nesse caso, o escrevente expõe que é

eternamente estudante e por meio do item agora mostra que, no momento presente,

é estudante de pós-graduação.

A amostra (134) ilustra o uso do agora dêitico temporal presente na UR

Metodologia.

(134) Quando se substitui, na oração subordinada, o MS por um infinitivo, como no exemplo (66b), a única alteração a ser percebida é a do uso de uma

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forma infinita em lugar de uma flexionada. O lugar destinado à subordinada objetiva direta (que o aluno escrevesse) é preenchido agora por um outro objeto direto em que está presente o infinitivo (escrever) (17-METOD-T23-CH-LINGUIS).

Em (134), o escrevente da tese também faz uso do agora com referência ao

tempo presente. O item funciona com valor de “nesse momento”, assim, assinala uma

relação de circunstanciador de tempo.

5.1.2.5 Agora conector/juntor contrastivo (CTR)

Na função de conector/juntor, o item passa para uma posição relacional

fortemente voltada para o plano textual. Nessa posição, o agora assume função de

conector/juntor, que tem como papel servir de elo para segmentos ou orações.

Segundo Duque (2009, p. 947), “a junção concerne aos usos, nos quais o agora é

responsável pela conexão entre orações, simples ou complexas”. Tratam-se de usos

em que o item agora, normalmente, é parafraseável por mas.

Nos dados desta pesquisa, esse uso ocorre, em uma tendência escalar,

somente nas UR: Resultados > Referencial teórico. A amostra (135) ilustra o uso de

agora conector/juntor contrastivo na UR Resultados.

(135) Persegui o acontecimento (sim, agora com “a” minúsculo porque me refiro à produção jornalística) durante todo o dia da publicação no jornal. Talvez porque estava sob o efeito inebriante do Acontecimento. Isso já era o suficiente para sentir como o acontecimento era injetado no contínuo mediático atmosférico (115-RESULT-T16-CSO-COMUNIC).

Na amostra (135), o item agora ocorre na função de conector/juntor

contrastivo. A nuance da oposição pode ser percebida pela paráfrase do mas,

apresentando traços de conexão e oposição. Notamos que o autor da tese, ao usar o

item agora, revela um contraste entre acontecimento processo x acontecimento

produção.

A amostra (136) apresenta o uso de agora conector/juntor contrastivo na UR

Referencial teórico.

(136) Encontramo-nos diante de dois grupos distintos: os iniciados e os não-iniciados, o que acirra o distanciamento entre famílias e classes, ao mesmo tempo em que se desfaz a homogeneidade do processo de educação das crianças e adultos da comunidade. As crianças já não cresceriam imitando a coletividade dos adultos de sua comunidade. Agora, haveria de se encontrar os meios disciplinares e educacionais que garantissem que cada criança

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aprendesse, desde cedo, os saberes inerentes a sua classe e aceitasse o futuro que lhe estava assignado mediante pertencimento ou exclusão social e laboral (10-REFER-T21-CH-ANALDISCUR).

Em (136), ilustra-se um caso do agora conector/juntor contrastivo. Nesse

contexto, o escrevente da tese faz uso do agora para estabelecer uma relação de

contrajunção, tendo em vista o contraste entre os tópicos que registram uma oposição

entre o passado e o presente. Nesse uso, o agora pode ser parafraseável pelo

conector mas.

Em síntese, mostramos nesta subseção, amostras que comprovam a

multifuncionalidade do item agora em teses de doutorado. Assim, os dados analisados

permitem concluir:

i) o item agora assume valores, funções e usos diferentes em todas as UR

das teses acadêmicas;

ii) agora também é mais frequente nas UR Referencial teórico e

Resultados, segundo as escalas das funções:

a) MET: Referencial Teórico > Resultados > Metodologia;

b) ST: Resultados > Referencial Teórico > Conclusão > Metodologia >

Introdução;

c) MED: Referencial Teórico > Resultados;

d) DT: Referencial Teórico > Introdução, Resultados > Conclusão >

Metodologia;

e) CTR: Resultados > Referencial Teórico.

iii) agora é usado com mais frequência para sequenciar o tempo dos

acontecimentos nas UR Metodologia, Referencial teórico, Resultados e

Conclusão;

iv) agora assume funções mais textuais como a sequencial textual, que

contribui para organizar o texto acadêmico, principalmente nas UR

Referencial teórico e Resultados.

A seguir, apresentamos as funções do agora com base nas áreas de

conhecimento.

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5.1.2.6 Funções do agora conforme áreas do conhecimento

No Gráfico 2, apresentamos a frequência do item agora nas diferentes áreas

do conhecimento a fim de visualizarmos que usos/funções do agora são mais

frequentes e em que áreas há mais uso desse item.

Gráfico 2 – Frequência dos usos do agora por áreas do conhecimento

Fonte: Elaborado para esta pesquisa

Da multiplicidade de funções do agora mapeadas no corpus, observamos que

alguns usos/funções são mais recorrentes em algumas áreas do conhecimento.

Conforme o Gráfico 2, podemos constatar que os usos do agora são mais recorrentes

na área de conhecimento chamada factuais culturais, que engloba as Ciências Sociais

Aplicadas; Ciências Humanas e Linguística, Letras e Artes.

Constatamos, também, no Gráfico 2, que o item agora assume valores,

funções e usos diferentes nos textos acadêmicos, tais como: dêitico temporal,

operador argumentativo de mudança de estado temporal, operador argumentativo de

mudança de estado discursivo, conector/juntor contrastivo e sequencial textual. Tal

constatação confirma a hipótese de que esse item é multifuncional e que vai além da

sua função prototípica de advérbio de tempo, como categoriza a tradição gramatical.

Nas áreas das ciências formais, observamos que ocorrem, na mesma

frequência, os usos do agora dêitico temporal, operador argumentativo de mudança

Cieências Formais Factuais Naturais Factuais Culturais

Dêitico Temporal 1 1 12

MET 1 3 22

MED 1 18

Contrastivo 4

Sequencial Textual 4 3 16

Total 7 7 72

0

10

20

30

40

50

60

70

80

em n

úm

ero

ab

solu

tos

Frequência dos usos do Agora por áreas do conhecimento

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de estado temporal, operador argumentativo de mudança de estado discursivo. Nessa

área, tivemos mais recorrência do uso do agora na função sequencial textual.

Nas áreas factuais naturais, há uma baixa frequência do agora na função de

dêitico temporal e os números revelam equilíbrio nas funções do agora operador

argumentativo de mudança de estado temporal e sequencial textual, ambos com 3

ocorrências no corpus.

Nas áreas factuais culturais, que se mostrou ambiente mais propício aos usos

do agora, há uma maior quantidade de ocorrência do agora na função de operador

argumentativo de mudança de estado temporal, seguido do uso de operador

argumentativo de mudança de estado discursivo, dêitico temporal. Destaca-se a

frequência de uso de funções mais textuais do agora como o uso de conector/juntor

contrastivo e de sequencial textual. Esses resultados permitem-nos afirmar que dadas

as frequências das funções do agora, o item segue a tendência de trajetória na escala

TEMPO > TEXTO.

Na seção 5.1.3, apresentamos os usos do depois que ocorreram no corpus.

5.1.3 Usos e funções do depois

Diacronicamente, segundo Said Ali (2001), o item depois originou-se da

partícula latina post que significava “posterioridade”, resultando, em português, nas

formas pós e pois, com comportamentos gramaticais diferentes. A forma pós adquiriu

papel de preposição, mantendo o valor semântico original. Com o tempo, essa

preposição passou a ser usada antecedida de “a”, “de”, “em”, surgindo as formas após

e, atualmente em desuso, depós e empós. No português arcaico, a forma depós (de

+ pós) conviveu com o item depois, com valores semelhantes de sucessão no tempo,

mas a primeira, mais tarde, tornou-se obsoleta, permanecendo o item depois, que,

segundo a tradição gramatical, é um advérbio de tempo.

Na Tabela 3, apresentamos a frequência dos usos e funções do item depois

segundo as UR da tese de doutorado.

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Tabela 3 – Frequência das funções de depois nas UR

UNIDADES RETÓRICAS

FUN-ÇÕES

INTRODUÇÃO

METODO-LOGIA

REFERENCIAL TEÓRICO

RESULTADOS

CONCLUSÃO

TOTAL %

MET 02 (1,9%)

08 (7,6%)

23 (21,9%)

15 (14,2%)

01 (0,9%)

49 (46,6%)

DÊITICO TEMPO-RAL

03 (2,8%)

12 (11,4%)

11 (10,4%)

14 (13,3%)

01 (0,9%)

41 (39%)

MED – – 06 (5,7%)

02 (1,9%)

– 08 (7,6%)

SEQUENCIAL TEX-TUAL

– – 04 (3,8%)

03 (2,8%)

– 07 (6,6%)

TOTAL 05 (4,7%)

20 (19%)

44 (41,9%)

34 (32,3%)

02 (1,9%)

105 (100%)

Fonte: Elaborada para esta pesquisa

Conforme podemos verificar na Tabela 3, o item depois também ocorre em

todas as unidades da tese, tendo seus usos mais frequentes na UR Referencial

teórico, com 41,9% de ocorrências; e na UR Resultados, com 32,3%. Como os itens

antes e agora são unidades com maior volume textual, configuram-se como ambientes

mais propícios aos diversos usos do item.

Os dados quantitativos mostram ainda que o item depois exerce com mais

frequência a função de operador argumentativo de mudança de estado temporal em

46,6% das ocorrências, seguido de 39% na função dêitico temporal, de 7,6% na

função de operador argumentativo de mudança de estado discursivo e de 6,6% na

função sequencial textual. Os resultados parecem comprovar a hipótese de que o item

depois também é multifuncional e segue um trajeto de mudança, conforme proposto

por Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991), na trajetória TEMPO (operador

argumentativo de mudança de estado temporal) > TEXTO (sequencial textual),

portanto, a mesma dos itens antes e agora.

Vejamos, pois, as funções desempenhadas pelo item depois nos textos

acadêmicos do corpus utilizado, segundo os usos desse item nas cinco UR das teses

de doutorado escolhidas.

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5.1.3.1 Depois operador argumentativo de mudança de estado temporal (MET)

Conforme já mencionamos na análise dos itens antes e agora, na função de

operador argumentativo de mudança de estado temporal, o item depois atua como um

sequenciador do tempo, que exprime a ordem dos acontecimentos em um dado

estado de coisas do mundo real. No corpus em análise, o depois assume a função de

operador argumentativo de mudança de estado temporal, em uma tendência escalar,

nas UR: Referencial teórico > Resultados > Metodologia > Introdução > Conclusão.

A proposição (137) apresenta o uso do depois operador argumentativo de

mudança de estado temporal na UR Referencial teórico.

(137) Lehmann (1988:201) define gramaticalização como “a diachronicprocessand a synchronic continuum which lead from lexical togrammaticalitems”. Cita que é por intermédio desse processo que verbos plenos se tornam modais e auxiliares. Por considerar que aquilo que se gramaticaliza são essencialmente palavras, afirma que a cláusula subordinada possui uma relação gramatical com apenas uma palavra da matriz. Salienta que, quando essa palavra é um verbo, a gramaticalização da palavra superordenada produz tipos de estruturas subordinadas especiais. Ilustra, a partir de sentenças complexas de diferentes línguas, alguns tipos dessas estruturas subordinadas com construções causativas e desiderativas: primeiro, oferece exemplos em que essas construções ocorrem com verbos lexicais plenos na matriz (14) e (15) e, depois, menciona casos de gramaticalização de verbos da oração matriz nessas construções (16), (17) e (18b) (92-REFER-T24-LINGUIST).

Na proposição (137), o escrevente da tese menciona o teórico Lehmann e sua

definição de gramaticalização. Percebemos que é feita uma contextualização em torno

das concepções do teórico. Para tanto, o escrevente faz uso do depois para ordenar

as ações no decorrer do tempo que ilustram algumas afirmações do teórico

mencionado. Essa ordenação temporal fica evidente pelo uso do operador “primeiro”,

que antecede o uso de depois, estabelecendo, assim, uma condição de continuidade

temporal. Ressaltamos que, na UR Referencial teórico, o principal propósito é definir,

conceituar e caracterizar categorias referentes à teoria na qual o pesquisador se

fundamenta, o que a torna um ambiente bem propício aos diferentes usos do depois.

A amostra (138) apresenta o uso do depois operador argumentativo de

mudança de estado temporal na UR Resultados.

(138) De início, procuramos recortar do corpus de análise as unidades de registro que nos pudessem informar sobre a categoria intersetorialidade, relacionada à política de segurança pública de uma forma geral, para depois recortar dos textos dos documentos as unidades de registro que nos

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pudessem informar sobre as subcategorias da intersetorialidade (91-RESULT-T13-CSO-SERVSOCIAL).

Na amostra (138), o depois funciona como sequenciador temporal. Podemos

ver que o escrevente da tese apresenta, de forma ordenada, os passos seguidos na

obtenção dos resultados usando o item depois para estabelecer a sequência temporal

desses acontecimentos.

Essa UR Resultados é a parte mais significativa do texto acadêmico segundo

Motta-Roth e Hendges (2010), pois apresenta a análise e/ou a descrição de dados

alcançados e suas respectivas interpretações, conforme os objetivos traçados para a

pesquisa. Constatamos que o depois contribui, científica e empiricamente, para a

construção do sentido pretendido nessa unidade, apresentando alguns dos resultados

almejados.

A amostra (139) apresenta o uso do depois operador argumentativo de

mudança de estado temporal na UR Metodologia.

(139) Ao realizar as entrevistas, buscou-se seguir o roteiro estabelecido, fazendo por vezes algumas pequenas adaptações, pois as perguntas acabavam por mobilizar diferentes memórias em cada professor universitário. Zimmermann e Silva (2014) descrevem um procedimento semelhante em seu processo de entrevista, destacando que há pequenas variações nas perguntas em decorrência das respostas. Considerando essas variações, o roteiro permitiu abordar três subitens contidos em 6 questões: a trajetória formativa e profissional de cada professor, os seus sentidos sobre a EA e seus sentidos sobre o trabalho interdisciplinar. As entrevistas foram gravadas em áudio e depois transcritas (02-METOD-T05-CB-ECOLOG).

Em (139), o item depois é usado para sequenciar as etapas metodológicas

realizadas pelo escrevente da tese, havendo uma descrição cronológica do modo

como foi registrada a entrevista: “As entrevistas foram gravadas em áudio...” e o

procedimento seguinte realizado com o material colhido: “...e depois transcritas”. Por

ser uma UR voltada para a descrição dos materiais e os métodos empregados na

pesquisa, podemos afirmar que esse contexto de descrição também favorece o uso

do depois na condição de ordenar os acontecimentos em um dado estado de coisas

do mundo real, assim funcionando como um operador argumentativo de mudança de

estado temporal.

A amostra (140) apresenta o uso do depois operador argumentativo de

mudança de estado temporal na UR Introdução.

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(140) Iniciamos o trabalho em parceria com o Programa Sinal Amarelo, programa municipal de atendimento a essas medidas no município de Jundiaí-SP, atendendo as (sic) famílias dos adolescentes assistidos e depois estendendo aos familiares dos adolescentes ainda internos na Febem, facilitando a migração do egresso da medida de internação (11-INTRO-T20-CH-PSICOL).

Na amostra (140), o escrevente da tese faz uso do depois para ordenar o

tempo dos procedimentos de sua pesquisa, em que relata: “iniciamos o trabalho [...]

atendendo as famílias dos adolescentes assistidos”, contextualizando um

acontecimento cujo estado vem a ser mudado com o enunciado: “... e depois

estendendo aos familiares dos adolescentes...”, por meio do uso do depois que

sequencia temporalmente, informando que o atendimento foi estendido

posteriormente à família dos adolescentes. Nessa UR, é esperado que o escrevente

aborde brevemente os procedimentos adotados na metodologia para a realização do

seu trabalho, conforme afirma Motta-Roth e Hendges (2010). Assim, o pós-graduado

faz uso de uma linguagem narrativa e, por esse motivo, postulamos que essa UR seja

propícia ao uso do depois como mudança de estado temporal.

A proposição (141) apresenta o uso do depois operador argumentativo de

mudança de estado temporal na UR Conclusão.

(141) Pudemos comprovar também que o instrumento adotado para tratar das temáticas, bem como a forma como as perguntas foram postuladas, devem ser considerados nas análises como parte do contexto. O uso de entrevistas semiestruturadas com os professores universitários favoreceu que as análises de seus discursos fosse mais aprofundada do que a dos outros participantes, em parte pelo fato de ter havido mais espaço para que eles falassem de sua formação e por terem sido entrevistados depois da aplicação dos questionários aos licenciandos e professores das escolas (01-CONCLUS-T05-CB-ECOLOGIA).

Na amostra (141), o escrevente trata da eficácia do gênero entrevista para a

análise dos discursos de professores universitários. Em sua exposição, faz uso do

depois para registrar a mudança de estado temporal, informando que o questionário

foi aplicado posteriormente com outros sujeitos, no caso licenciados e professores das

escolas. Dessa forma, a marca temporal vem incrementar a veracidade dos

argumentos em favor dos resultados finais obtidos.

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5.1.3.2 Depois dêitico temporal (DT)

O item depois caracteriza-se como um circunstanciador temporal, conforme

apresenta a tradição gramatical. Essa característica é revelada por meio do próprio

contexto narrativo, ou por indicadores temporais, tais como outros advérbios ou

locuções adverbiais.

Sabemos que o item depois, originalmente, carrega uma noção espacial, mas,

em certos contextos, ocorre um uso metafórico em que a noção de espaço referente

a lugar se transfere para o espaço referente a tempo. Nesse sentido, notamos que o

depois passa do primeiro nível da trajetória de Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991)

ESPAÇO > TEMPO. Ocorre, assim, uma transferência metafórica em que a noção de

espaço físico (lugar) passa, num processo mais abstrato de mudança, para o espaço

no tempo, como ocorre nos dados que compõem o corpus desta pesquisa. Esse uso

está presente, em uma tendência escalar, nas UR: Referencial teórico > Resultados

> Metodologia > Introdução > Conclusão. A proposição (142) apresenta o uso do

depois dêitico temporal na UR Referencial teórico.

(142) A Lei de Gordon Moore anteviu o ritmo de evolução da tecnologia na década de 60. Para Gordon Moore, empresário da indústria norte-americana de transistores, o ritmo da evolução mais que dobraria em prazo de 18 meses. Uma década depois, revisou a previsão: a cada dois anos, a evolução tencológica seria de 100% (03-REFER-T16-CSO-COMUNIC).

Na proposição (142), o depois também é usado para localizar a extensão de

tempo posterior necessária para que o Gordon Moore revisasse sua previsão sobre a

evolução da tecnologia.

A amostra (143) representa o uso do depois dêitico temporal na UR

Resultados.

(143) Na ocasião, os pesquisadores debateram sobre o ensino de Astronomia no 1º grau (atual ensino fundamental). Alguns anos depois, Romildo Póvoa viria a participar ativamente da estruturação dos PCN para o segundo e terceiro ciclos do ensino fundamental (16-RESULT-T03-CE-ASTRON).

Em (143), o autor da tese, ao explicar sobre o ensino de Astronomia no ensino

básico, faz uso do depois para localizar a extensão de tempo posterior para a

modificação no PCN.

A amostra (144) ilustra o uso do depois dêitico temporal na UR Metodologia.

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(144) As redes na mata foram verificadas a cada hora até as 24:00h, o que abrange o período de maior atividade (Trajano, 1985), sendo novamente verificadas às 6:00h da manhã seguinte; na restinga, em vista do menor número de coletas, as redes foram verificadas a cada duas horas até as 24:00h e depois novamente às 6:00h. Em algumas noites de chuva muito forte, o intervalo de verificação das redes foi maior, ficando entre três e três horas e meia (04-METOD-T08-CB-ZOOLOG).

Na amostra (144), o escrevente da tese descreve as etapas metodológicas

seguidas para o alcance de seus objetivos. Nesse caso, usa o depois para localizar

precisamente a extensão de tempo posterior que utilizou para verificar as redes na

mata.

A amostra (145) apresenta o uso de depois dêitico temporal na UR Introdução.

(145) Uma das fazendas da região, de propriedade da família Ayrosa, foi repartida para três herdeiras e uma delas doou sua parte para a Irmandade Nossa Senhora dos Remédios. Alguns anos depois, outro membro da família, Senhor Antônio Ayrosa, deixou em testamento a doação de um grande terreno para a Congregação Franciscana Filhas da Divina Providência, com a condição de que fosse construído um orfanato para as crianças do bairro (01-INTRO-T02-CE-QUI).

Em (145), notamos que o depois é usado pelo escrevente da tese com a

função de localizar a extensão de tempo posterior quando um membro da família

Ayrosa fez outra doação de terreno.

A proposição (146) ilustra o uso do depois dêitico temporal na UR Conclusão.

(146) Talvez, nossa percepção a respeito da variação encontrada nos dados coletados na década de 1990 e que compõe o Banco de Dados do VARSUL seja diferente do que ocorra hoje, 15 anos depois (07-CONCLUS-T23-LINGUIST).

Conforme a proposição (146), o escrevente usa o depois para localizar

precisamente a extensão de tempo posterior que leva para uma nova percepção sobre

a variação em seu banco de dados.

5.1.3.3 Depois operador argumentativo de mudança de estado discursivo (MED)

Na função de operador argumentativo de mudança de estado discursivo, o

item depois apresenta ainda um valor de natureza temporal, mas há uma função

discursiva claramente associada a esse valor (LOPES; MORAIS, 2000). Então, o item,

nessa função, atua na organização do discurso, por meio de aspectos intratextuais,

no início de turno e na mudança de assunto ou de turno. No corpus, o item depois

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assume essa função, em uma tendência escalar, nas UR: Referencial teórico >

Resultados. A amostra (147) apresenta o uso do depois operador argumentativo de

mudança de estado discursivo na UR Referencial teórico.

(147) Nessa segunda empreitada, McCombs contou com o apoio de outro estudioso: Donald Shaw. McCombs fez outras atualizações da teoria do agendamento, amplamente utilizada no Brasil em estudos do jornalismo. Inicialmente, a preocupação do autor era a influência da agenda jornalística na agenda pública. Em seguida, preocupou-se com as condições que limitavam o agendamento do público. Depois, o foco foi o enquadramento para, enfim, discutir os efeitos do agendamento na agenda pública e em seus desdobramentos práticos (atitudes da sociedade, como escolha do voto) (02-REFER-T16-CSO-COMUNIC).

Em (147), notamos que o escrevente usa o depois para iniciar um novo tópico

e assim dar continuidade à progressão do texto. Essa constatação ocorre quando

observamos a enumeração dos enunciados anteriores: “Inicialmente, [...]” e “Em

seguida, [...]”, antecedendo o uso do depois. Assim, o escrevente faz uso do depois

para enumerar a ordem na qual os eventos foram organizados no texto.

A proposição (148) apresenta o uso do depois operador argumentativo de

mudança de estado temporal na UR Resultados.

(148) Em seguida, explicamos que deveria formar agrupamentos, a partir dessa escala. Depois de formados os agrupamentos, perguntávamos se estava bom, se haviam terminado e se queriam trocar alguma palavra (138-RESULT-T18-CH-EDUCAÇ).

Na proposição (148), o item depois aumenta a sua estrutura, integrando a

preposição de, resultando na locução prepositiva depois de, que também parece se

incumbir da função de operador argumentativo de mudança de estado discursivo. O

escrevente da tese faz uso desse item para iniciar um novo tópico, que está associado

ao tópico anterior, expondo a organização do discurso descritivo em relação à

formação de agrupamentos a partir de uma escala distribuída anteriormente.

5.1.3.4 Depois sequencial textual (ST)

Na função sequencial textual, o depois também se realiza para funções mais

textuais, como a de assinalar a ordem sequencial pela qual as informações são

apresentadas e desenvolvidas no texto. No corpus em análise, esse uso do depois

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ocorre, em uma tendência escalar, nas UR: Referencial teórico > Resultados. A

amostra (149) ilustra o uso do depois sequencial textual na UR Referencial teórico.

(149) As idéias de Lehmann (1988) e Hopper e Traugott (1993) se encontram distribuídas em várias partes deste capítulo: neste item e nas seções que tratam de gramaticalização e integração entre cláusulas. Neste item, apresento, primeiro, a proposta de Lehmann e, depois, a de Hopper e Traugott, destacando, em cada uma delas, os critérios em que se assentam (99-REFER-T24-LINGUIST).

Em (149), notamos que o depois também é usado para sequenciar o texto,

pois o pós-graduado, ao expor as ideias dos teóricos que compõem sua tese, ordena

para o leitor que informações serão tratadas posteriormente. Essa constatação ocorre

quando observamos a enumeração por meio do outro operador: “primeiro”. Assim, o

depois indica a informação seguinte, dando mais tessitura ao texto.

A proposição (150) apresenta o uso do depois sequencial textual na UR

Resultados.

(150) Os dados fornecidos pela tabela 3 apontam que, em construções complexas com o verbo ver, registram-se, primeiro, mais percentuais de ocorrência de ver1 (44%) e, depois, de ver2 (31%); já o uso menos recorrente desse verbo se instancia como ver5 (2%) (180-RESULT-T24-LINGUIST).

Conforme a proposição (150), o depois tem a função de sequenciar o texto,

pois o escrevente da tese, ao expor os resultados de seu trabalho, faz uso desse item

para ordenar as informações disponíveis na tabela. Assim, a enumeração se dá por

meio do operador “primeiro” e o item depois é usado para indicar a informação

seguinte. Com isso, o depois promove um movimento de avanço relacionado à

informação anterior, buscando a organização do texto.

Em síntese, como o objetivo é analisar os usos e o processo de

gramaticalização do item depois em teses de doutorado, apresentamos, nesta

subseção, amostras que nos permitem concluir:

i) o item depois assume valores, funções e usos diferentes em todas as

UR das teses acadêmicas;

ii) depois também é mais frequente nas UR Referencial teórico e

Resultados, e apresenta tendências de escalas de acordo com as

seguintes funções:

a) MET: Referencial Teórico > Resultados > Metodologia > Introdução

> Conclusão;

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b) DT: Resultados > Metodologia > Referencial Teórico > Introdução >

Conclusão;

c) MED: Referencial Teórico > Resultados;

d) ST: Referencial Teórico > Resultados;

iii) depois é usado com mais frequência na sua função de dêitico temporal

para localizar o tempo, uso presente em todas as UR da tese acadêmica;

iv) depois assume funções mais textuais como a função sequencial textual,

que contribui para organizar o texto acadêmico, principalmente nas UR Referencial

teórico e Resultados.

Na subseção 5.1.3.5, apresentamos as funções do depois com base nas áreas

de conhecimento.

5.1.3.5 Funções do depois conforme áreas do conhecimento

No Gráfico 3, detalhamos a frequência do item depois nas diferentes áreas do

conhecimento, a fim de visualizarmos que usos/funções do depois são mais

frequentes e em que áreas há mais uso desse item.

Gráfico 3 – Frequência dos usos do depois por áreas do conhecimento

Fonte: Elaborado para esta pesquisa

Observamos, no Gráfico 3, que os usos do depois também são mais

recorrentes na área de conhecimento chamada factuais culturais, que engloba as

Ciências Formais Factuais Naturais Factuais Culturais

Dêitico temporal 7 6 28

MET 10 39

MED 1 7

Sequencial Textual 7

Total 8 16 81

0102030405060708090

em n

úm

ero

s ab

solu

tos

Frequência dos usos do depois por áreas do conhecimento

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Ciências Sociais Aplicadas; Ciências Humanas e Linguística, Letras e Artes. Notamos

também que o item depois assume valores, funções e usos diferentes nos textos

acadêmicos, tais como: dêitico temporal, operador argumentativo de mudança de

estado temporal, operador argumentativo de mudança de estado discursivo e

sequencial textual. Desse modo, os dados parecem confirmar a hipótese de que esse

item também é multifuncional e que vai além da sua função prototípica de advérbio de

tempo.

Nas áreas das ciências formais, observamos que o uso mais recorrente do

depois é na função dêitico temporal (em azul claro), quando o item em tela atua como

um localizador de forma mais precisa dos acontecimentos no tempo. Em relação às

áreas factuais naturais, o depois é usado ora como dêitico temporal (em azul claro),

ora como operador argumentativo de mudança de estado temporal (em laranja).

Notamos que há certa equivalência entre os usos. Nessa área do conhecimento,

notamos uma preferência pelos usos do depois com noções temporais.

Já nas áreas factuais culturais, conforme mostra o Gráfico 3, é ambiente

propício aos diversos usos do depois, pois tivemos uma quantidade maior de

ocorrências do depois apresentando as diferentes funções, a saber: dêitico temporal

(em azul claro), operador argumentativo de mudança de estado temporal (em laranja),

operador argumentativo de mudança de estado discursivo (em cinza) e a função de

sequencial textual (em amarelo). Destaca-se a frequência de uso de funções

temporais, embora o depois também ocorra com funções mais textuais como de

sequencial textual. Os resultados apresentados parecem evidenciar que, dadas as

frequências das funções do depois, o item segue a trajetória na escala TEMPO >

TEXTO.

A subseção 5.2 apresenta as considerações sobre as posições de antes,

agora e depois no corpus em análise.

5.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS POSIÇÕES DE ANTES, AGORA E DEPOIS

Nesta subseção, analisamos a posição que os itens antes, agora e depois

ocupam nos enunciados, com o intuito de verificar, segundo o subprincípio icônico da

proximidade, se a variação de posição motiva as funções diferentes que os itens em

tela assumem e, pela frequência, se a fixação de uma posição pode levar à

gramaticalização. Vale ressaltar que a tradição gramatical reconhece a liberdade

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posicional que os advérbios ocupam na oração. A esse respeito, Cunha e Cintra

(1985, p. 534), por exemplo, afirmam que “os advérbios de tempo e de lugar podem

colocar-se antes ou depois do verbo”. Porém, os autores não se posicionam quanto à

possibilidade de ocorrer alteração da função devido à mudança de posição.

Ilari (1990), por sua vez, explica que o deslocamento dos advérbios pode

acontecer por razões de informatividade ou de interesse discursivo. Segundo o autor,

um mesmo advérbio pode ocorrer em diferentes paradigmas apresentando funções

características de cada um. Com isso, é possível falar de polissemia da maioria dos

advérbios, como também de economia da língua, pois a língua reutiliza os meios

lexicais aumentando as suas funções, “a posição depende, em cada caso, da função

que o advérbio exerce ao mesmo tempo que contribui para identificar essa função”

(ILARI, 1990, p. 135). Portanto, a mudança de posição pode enquadrar os advérbios

em outras classes, possibilitando o surgimento de funções que não são apresentadas

pelos compêndios gramaticais.

Desse modo, para as considerações apresentadas nesta subseção,

observamos as seguintes posições: inicial – o item inicia o tópico e/ou ocorre

precedido por pausa; medial – ocorre no meio de sintagmas e/ou precedido de

pronome relativo; e final – apresenta-se ao final do tópico, seguido possivelmente de

pausa. As amostras (151), (152) e (153) ilustram as posições do item antes inicial,

medial e final, respectivamente, encontradas no corpus.

(151) Em outras palavras, as formações discursivas não são a instância de materialização dos discursos enquanto “ideias” arquivadas no interdiscurso que, de modo aleatório, ingressam/egressam no repertório das formações discursivas. Antes, são a materialização de discursos ideológicos constituídos e regulados pela instância (ideológica exterior) do interdiscurso (67-REFER-T-21-CH-ANÁLISEDODISCURSO). (152) A educação poderia estar no processo pelo qual a comunidade se envolve e aprende novas linguagens, desenvolve sua sociabilidade, atua em funções que antes não lhe diziam respeito, como diz Barros (2002, p. 79) (56-RESULT-T-15-CSO-COMUNICAÇÃO). (153) Nesse sentido, reconhecemos o quanto foi e é difícil para os docentes que atuam na formação de profissionais de Educação Física romper com certas práticas e passar a serem críticos e reflexivos, já que no seu processo de formação e de atuação profissional não puderam experimentar essa realidade antes (93-REFER-T-12-CSA-EDUCAÇÃOFISICA).

Na Tabela 4, apresentamos a distribuição dos usos de antes relacionada às

posições que ocupa nos enunciados.

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Tabela 4 – Funções vs. posições do antes em teses de doutorado

Função Posição Inicial Posição Medial Posição Final

Espaço - 01 -

MET 24 47 11

MED 31 01 -

Reformulador Retificativo 04 - -

Sequencial Textual 17 - -

Sequenciador Retomador 04 03 -

Total 80 52 11

Fonte: Elaborada para esta pesquisa

A análise do antes, em relação à posição no enunciado, revela a preferência

desse item pela posição inicial. Os dados mostram que, conforme o item antes passa

do uso prototípico de espaço e de tempo para organizar e sequenciar o texto

acadêmico tese de doutorado, existe uma mudança nesse deslocamento de

ocorrência nas três posições.

Notamos que, nos usos de operador argumentativo de mudança de estado

discursivo e de sequenciador retomador, quase não há ocorrências do antes em

outras posições que não seja a inicial, como ocorreu com os usos de reformulador

retificativo e de sequencial textual que só apareceram nessa posição. Desse modo,

os resultados, segundo o subprincípio icônico da proximidade e pela distribuição da

frequência, indicam que o item antes se deslocou para o início dos enunciados,

fixando-se nessa posição em usos mais textuais.

As amostras (154), (155) e (156) representam os usos do item agora,

respectivamente, nas posições inicial, medial e final ocorridas no corpus.

(154) Em mais de uma ocasião, dentro do capítulo teórico, referi-me à formação discursiva dos Aparelhos de Estado, o que se deve ao reconhecimento da relação ideológica do conjunto das formações discursivas com o que constitui o interdiscurso, esse todo complexo com dominante das formações ideológicas. Agora, a escolha teórica de situar o trabalho das formações discursivas no quadro geral dos Aparelhos Ideológicos de Estado começa a mostrar suas implicações na construção do dispositivo de análise (10-METOD-T21-CH-ANALDISCUR). (155) Segundo Aldaíza Sposati (2006), o modelo de gestão intersetorial tem se mostrado mais eficiente quando combinado à descentralização territorial. Nesse caso, as demandas e características de um território é que irão determinar a extensão da intersetorialidade a partir dos objetivos a serem atingidos. O debate sobre descentralização e municipalização das políticas públicas não é de agora e data das décadas de 80 e 90, na esteira do desmanche do modelo autoritário do Estado ditatorial militar no Brasil (35-REFER-T13-CS0-SERVSOCIAL).

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(156) A comunicação popular no Brasil sob a ótica da pesquisa acadêmica nos anos 80?, em que Xavier Joseph Fredrick se propõe a realizar, nos anos 1990, análise similar a que realizamos agora (64-REFER-T15-CS0-COMUNICAÇÃO).

Para que possamos afirmar se a posição é um dos fatores influenciadores da

fixação do item agora, apresentamos a Tabela 5, que relaciona a posição do item

versus as funções desempenhadas por ele nas teses.

Tabela 5 – Funções vs. posições do agora em teses de doutorado

Função Posição Inicial Posição Medial Posição Final

Dêitico Temporal 07 05 02

MET 12 10 04

MED 10 09 -

Contrastivo 04 - -

Sequencial Textual 23 - -

Total 56 24 06

Fonte: Elaborada para esta pesquisa

Conforme os dados apresentados na Tabela 5, em todos os usos do item

agora, percebemos uma predominância na posição inicial. Destacamos nas

ocorrências do agora dêitico temporal, operador argumentativo de mudança de estado

temporal e operador argumentativo de mudança de estado discursivo uma distribuição

equilibrada nas posições inicial e medial. No entanto, quando o item passa a assumir

usos mais textuais, como a função sequencial textual, notamos que o agora ocorre

apenas na posição inicial. Tais constatações indicam uma passagem gradativa do

item para o início das sentenças, ocupando posição mais fixa nos textos acadêmicos

teses de doutorado.

As amostras (157), (158) e (159) ilustram as posições do item depois inicial,

medial e final, respectivamente, presentes no corpus em análise.

(157) Por metáfora, a amplitude de informações atualmente é a Biblioteca de Babel da ficção de Jorge Luís Borges75, interminável, indefinida, infinita. Em um primeiro momento, gera felicidade, sensação de democracia da informação, de que há espaço para tudo e para a voz de todos. Depois, percebe-se que a infinitude pode gerar fadiga e depressão informativa (08-REFER-T16-CSO-COMUNIC). (158) Apesar do texto já estar finalizado no final de 1989, ele não foi aprovado. E no ano seguinte devido às novas eleições, em 1990, houve uma nova

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configuração no quadro de deputados o que ocasionou em novas ementas que depois de discussões intensas no plenário, conseguiu ser aprovado na Câmara dos deputados (30-REFER-T01-CE-QUI). (159) Em A.jamaicensis, foi descoberto que há um "atraso" no desenvolvimento embrionário da segunda gravidez ("delayed embryonic development", no qual o embrião já implantado desenvolve-se em velocidade muito mais lenta por determinado período, retornando à velocidade normal algum tempo depois) (48-RESULT-T08-CB-ZOOLOG).

Na Tabela 6, apresentamos a distribuição dos usos de depois relacionada às

posições que ocupa nos enunciados nas teses de doutorado.

Tabela 6 – Funções vs. posições do depois em teses de doutorado

Função Posição Inicial

Posição Medial

Posição Final

Dêitico Temporal

19 20 02

MET 29 20

MED 08

Sequencial Textual

07

Total 63 40 02 Fonte: Elaborada para esta pesquisa

A partir da observação da Tabela 6, percebemos que o item depois também

predomina nos enunciados da tese acadêmica na posição inicial. Os dados revelam

ainda que, conforme o item depois passa dos usos prototípicos para os mais textuais,

ocorre uma diminuição dessa distribuição de ocorrência nas três posições. Nos usos

de sequencial textual, por exemplo, não há ocorrências do depois nas posições medial

e final, o que mostra que o item se desloca gradativamente para o início da oração,

ocupando posição mais fixa nas teses de doutorado.

Em suma, os resultados mostram que os itens antes, agora e depois se

apresentam no corpus iniciando tópicos, 59,5%, sinalizando, assim, que tal posição é

fator relevante para o início da gramaticalização desses itens, pois estão ocupando

posições mais fixas e típicas de uma conjunção. Essa constatação parece evidenciar

que os itens antes, agora e depois em teses de doutorado estão seguindo a trajetória

advérbio > conjunção. De acordo com Heine e Reh (1984, p. 64), “quanto mais

gramaticalizado um elemento linguístico, mais sua variedade sintática decresce, ou

seja, a posição na frase se torna mais fixa”.

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Na subseção 5.3, iniciamos a discussão sobre instâncias de mudança e de

estabilidade dos significados/funções dos itens de antes, agora e depois, em que

confrontamos o reconhecimento das funções exercidas por esses itens nas teses de

doutorado.

5.3 INSTÂNCIAS DE MUDANÇA E DE ESTABILIDADE DOS SIGNIFICADOS/

FUNÇÕES DOS ITENS ANTES, AGORA E DEPOIS

Os falantes e ouvintes, devido às assimetrias de suas experiências, negociam

e adaptam funções e formas para o sucesso da troca comunicativa, possibilitando que

a língua altere os seus padrões discursivos, como também a sua contraparte mental.

Essas negociações e adaptações geram, pois, mudanças que, por sua vez, são

guiadas por processos e mecanismos que regularizam e fixam seus usos. Dentre eles,

merecem destaque, neste estudo, as noções de gramaticalização, iconicidade e

metáfora, metonímia, incluindo a analogia e a reanálise, já abordadas nesta tese em

seções anteriores.

A língua é composta de forma e função, estando a forma a serviço da função,

sob a abordagem teórica de cunho funcionalista. Significa, em outras palavras, que as

estruturas da língua emergem dos usos de que necessitam na interação verbal. De

fato, os itens linguísticos antes, agora e depois atuam – nos dados analisados que se

compõem de textos acadêmicos, em específico, teses de doutorado – com funções

diversas. Essas ocorrências são indícios que assinalam a diversidade das relações

semânticas que, a partir dos contextos, intenções, ou até mesmo das limitações

atribuídas pelo repertório, diferenciam-se das classificações fechadas, paralisadas

nas propostas classificatórias tradicionais sobre esses itens.

Em relação às projeções metafóricas, estas apresentam a direção dos

processos de gramaticalização, como também insinuam que a emergência de uma

categoria indica a substituição da anterior, deixando de lado possíveis estágios de

sobreposição em que as categorias poderiam coexistir. Heine, Claudi e Hunnemeyer

(1991) ressaltam a importância da alteração do contexto, que revela a natureza

contínua da transição entre significados. Uma palavra ou construção, além do sentido

A, pode admitir a inferência de um sentido B, em função da contiguidade contextual,

como podemos ver nos usos de ante de, antes de mais nada e depois de. Com o

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passar do tempo, se o sentido B se tornar parte da palavra, podemos dizer que houve

uma convencionalização de inferências, havendo a reanálise.

De acordo com a abordagem funcionalista, a metáfora tem um papel

importante na mudança linguística, pois licencia o uso de dado conceito mais

concreto, relacionado a alguma experiência sensório-motora, em contexto de

significação mais abstrata, conforme Silva (2005). Desse modo, a partir da análise dos

usos dos itens antes, agora e depois nas teses de doutorado, exposta nas seções

anteriores, constatamos o caráter multifuncional desses itens, considerando que, a

partir do uso prototípico de advérbio temporal, foram capazes de se adaptar a novas

funções. Isso significa que esses itens vêm apresentando um trajeto funcional em

direção a terrenos mais abstratos. Diante do exposto, traçamos uma comparação dos

usos apresentados por esses itens, conforme mostra o Quadro 1, para, com base nas

funções/significados, traçar possíveis trajetórias de gramaticalização percorridas por

esses itens no corpus.

Quadro 1 – Usos dos itens antes, agora e depois nas teses

Item antes Item agora Item depois

Espacial - -

- Dêitico temporal Dêitico temporal

Operador argumentativo de mudança de estado

temporal

Operador argumentativo de mudança de estado

temporal

Operador argumentativo de mudança de estado

temporal

Operador argumentativo de mudança de estado

discursivo

Operador argumentativo de mudança de estado

discursivo

Operador argumentativo de mudança de estado

discursivo

Sequencial textual Sequencial textual Sequencial textual

Sequenciador retomador Conector/juntor contrastivo Reformulador retificativo

Fonte: corpus da pesquisa

Observamos, no Quadro 1, que os usos apresentados pelos itens antes, agora

e depois nas teses de doutorado não se limitam somente ao valor de adverbial

espacial e temporal. Esse fator já ratifica uma de nossas hipóteses: a de que esses

itens, com a frequência de uso, tendem a se gramaticalizar, passando a assumir

funções diferentes daquelas que eles desempenham tradicionalmente.

A trajetória traçada pelo antes apresenta fortes indícios de que o item passa

pelo processo de gramaticalização, considerando a origem espacial, o uso temporal

como operador argumentativo de mudança de estado temporal, a passagem pela

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função de operador argumentativo de mudança de estado discursivo e os usos como

sequencial textual, sequenciador retomador e reformulador retificativo. Essa

constatação sinaliza que o item está passando por um processo de mudança, por

meio da trajetória metafórica ESPAÇO > TEMPO > TEXTO.

Em relação à trajetória do item agora, percebemos que também parte do uso

mais concreto de dêitico temporal para o uso de operador argumentativo de mudança

de estado temporal, operador argumentativo de mudança de estado discursivo,

atuando como conector/juntor contrastivo e o uso mais textual de sequencial textual.

Assim, o item agora, no corpus, ocorre seguindo o arranjo linear TEMPO > TEXTO.

A trajetória do item depois no corpus se assemelha à dos itens antes e agora,

pois também parte do uso mais concreto de dêitico temporal para usos como operador

argumentativo de mudança de estado temporal, operador argumentativo de mudança

de estado discursivo e o uso como sequencial textual. Essa constatação mostra a

tendência do processo de mudança desse item em teses acadêmicas, seguindo

trajetória metafórica TEMPO > TEXTO.

Para evidenciar ainda mais os indícios de que os itens antes, agora e depois

vêm se gramaticalizando em textos acadêmicos, vale considerarmos o fator da

distribuição da frequência, pois, para Bybee (2003), a gramaticalização pode ser

caracterizada pelo aumento da frequência de uso de uma palavra ou uma construção

que aumenta a possibilidade de expansão de seu sentido. Assim, a frequência foi

considerada neste trabalho, uma vez que tivemos os itens antes, agora e depois em

funções mais textuais, agindo como sequenciadores do texto, contribuindo na

organização e no sentido dos textos acadêmicos.

Outro fator que ressalta a tendência de gramaticalização desses itens refere-

se à posição que eles ocupam na oração. Elementos gramaticalizados tendem a se

fixar numa determinada posição e isso pôde ser observado quando fizemos o

cruzamento das funções com a posição de antes, agora e depois, revelando que esses

itens estão, segundo o subprincípio icônico de proximidade, iniciando orações,

ocupando posições mais fixas.

Vale considerar também o princípio de persistência (HOPPER, 1991), que

também está presente na gramaticalização, no qual há a permanência de vestígios da

história do significado lexical original, muitas vezes refletido em restrições sobre o

comportamento gramatical do item. Nesse sentido, a preservação de traços do valor

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temporal ainda é perceptível em usos de antes, agora e depois nas funções

consideradas mais textuais.

Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991) afirmam que, se, de um lado, em um

processo, um item perde alguns traços semânticos, por outro lado, ganha funções que

outrora não apresentava. Assim, conforme a escala de abstratização metafórica

desses autores, os itens antes, agora e depois seguem as categorias conceptuais:

ESPAÇO > TEMPO > TEXTO em teses de doutorado. Observamos que essa trajetória

apresenta uma linha unidirecional que vai da esquerda para a direita e que parte do

concreto para o mais abstrato. No ponto final dessa trajetória, os itens antes, agora e

depois passam a introduzir tópicos e perdem quase que completamente seu valor

espacial e/ou temporal ao servir à organização textual.

Desse modo, postulamos que as amostras analisadas tendem a comprovar a

hipótese de que os itens antes, agora e depois, por meio do processo de

gramaticalização, vêm assumindo outros usos e funções diferentes daqueles

admitidos pela tradição gramatical, passando a agir mais caracteristicamente como

sequenciadores textuais nos textos acadêmicos.

Na seção a seguir apresentamos as conclusões, com detalhes dos resultados

alcançados e as contribuições desta pesquisa.

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6 CONCLUSÃO

A língua é um fenômeno em permanente transformação, sendo este complexo

e constituído de múltiplas facetas, que nunca está finalizado, mas sim em contínua

construção. Assim, as ciências da linguagem cada vez mais apresentam contribuições

para os variados fenômenos linguísticos falados ou escritos em situações reais de uso

possibilitando a compreensão desses fenômenos.

Neste trabalho, ancorados em pressupostos da Linguística Funcionalista

clássica que, em seus aspectos teóricos, apresentam que as gramáticas, como um

todo, não estão finalizadas, mas se apresentam em constante transformação,

resultante do contexto que se faz das categorias gramaticais em situações reais da

língua. Essa vertente também apresenta que as categorias gramaticais não exercem

apenas uma função, mas, no uso, tanto podem assumir suas formas prototípicas

quanto outras funções em sua natureza formal e funcional, podendo se estabilizar

numa nova função em uma situação real de utilização dessa língua. Com base nessa

corrente linguística, apresentamos o aspecto dinâmico do comportamento sintático-

semântico dos itens linguísticos antes, agora e depois em teses de doutorado.

Apreciamos primeiramente os usos de antes, conforme as UR da tese

acadêmica, permitindo-nos concluir: i) o item antes assume valores, funções

diferentes em quase todas as UR das teses acadêmicas, não apresentando usos

apenas na UR introdução; ii) antes é mais frequente nas UR referencial teórico e

resultados; iii) antes é mais usado nas teses para sequenciar o tempo dos

acontecimentos, recorrente nas UR metodologia, referencial teórico, resultados e

conclusão; iv) antes assume funções mais textuais, como sequencial textual,

sequenciador retomador e reformulador retificativo, que contribuem para organizar o

texto acadêmico, com usos mais frequentes nas UR referencial teórico e resultados.

Com relação à análise do item antes, conforme as áreas de conhecimento,

concluímos que: i) o item antes também assume valores, funções diferentes nos textos

acadêmicos de diferentes áreas de conhecimento; ii) a noção de tempo por meio do

uso do antes operador argumentativo de mudança de estado temporal persiste na

argumentação das ideias das três macroáreas do conhecimento; iii) a noção de texto

se presentifica com a função do antes sequenciador textual na argumentação das

ideias das ciências factuais culturais.

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A partir dos usos do item agora nas diferentes UR das teses, é possível

assentar que: i) o item agora também assume valores, funções e usos diferentes em

todas as UR das teses acadêmicas; ii) agora também é mais frequente nas UR

Referencial teórico e Resultados; iii) agora é usado com mais frequência para

sequenciar o tempo dos acontecimentos nas UR Metodologia, Referencial teórico,

Resultados e Conclusão; iv) o item em tela assume funções mais textuais como a

sequencial textual, que contribui para organizar o texto acadêmico, principalmente nas

UR Referencial teórico e Resultados.

A análise do item agora, conforme as áreas de conhecimento, revela que: v)

nas áreas das ciências formais, o agora é usado tanto para sequenciar o tempo dos

acontecimentos como para sequenciar a linearidade do texto; vi) nas áreas factuais

naturais, os dados revelam equilíbrio nos usos do agora nas funções de operador

argumentativo de mudança de estado temporal e sequencial textual; vii) nas áreas

factuais culturais, mostrou-se ambiente mais propício aos usos do agora,

apresentando maior frequência nos usos temporais, como operador argumentativo de

mudança de estado temporal, seguido do operador argumentativo de mudança de

estado discursivo, dêitico temporal. No entanto, destaca-se a frequência de uso de

funções mais textuais do agora como o de conector/juntor contrastivo e sequencial

textual.

Já com base nos usos do depois nas diferentes UR das teses, concluímos que:

i) o item depois também é multifuncional e assume valores, funções e usos diferentes

em todas as UR das teses acadêmicas; ii) depois também é mais frequente nas UR

Referencial teórico e Resultados; iii) depois é usado com mais frequência na sua

função prototípica de dêitico temporal para localizar o tempo, presente em todas as

UR da tese acadêmica; iv) esse item também assume funções mais textuais como a

sequencial textual, contribuindo para organizar o texto acadêmico, principalmente as

UR Referencial teórico e Resultados.

Com relação à análise do item depois, conforme as áreas de conhecimento,

os dados revelam: v) nas áreas das ciências formais, o depois é usado com mais

frequência na função de dêitico temporal, localizando de forma mais precisa os

acontecimentos no tempo; vi) nas áreas factuais naturais, o depois é usado ora como

dêitico temporal, ora como operador argumentativo de mudança de estado temporal,

com o propósito de sequenciar o tempo dos acontecimentos; vii) as áreas factuais

culturais são ambiente também propício aos diversos usos do depois, pois há

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ocorrências desse item apresentando diferentes funções, a saber: dêitico temporal,

operador argumentativo de mudança de estado temporal, operador argumentativo de

mudança de estado discursivo e sequencial textual.

Os dados nos levam a confirmar o que diz a teoria funcionalista: para cada

texto, os falantes utilizam recursos diferentes para atender seus propósitos

comunicativos, no caso em estudo, a língua escrita, que exige um rigor maior no

conjunto de escolhas para se chegar aos propósitos esperados. Nessa perspectiva,

os itens antes, agora e depois são usados pelos pós-graduados para sequenciar o

tempo dos acontecimentos, como também para sequenciar linearmente o texto,

retomando, retificando e contrastando seus posicionamentos.

Ressaltamos a escolha do corpus, pois se trata de textos autênticos que

representam o português culto do Brasil. Com ele, foi possível analisar e validar o

estudo dos itens antes, agora e depois segundo a Linguística Funcional norte-

americana, em que se abriga a gramaticalização, no sentido de observarmos os

aspectos sintáticos, como também ampliar os níveis de análise, estudando aspectos

semânticos e pragmáticos.

Assim, de modo geral, os dados demonstram que os usos dos itens antes,

agora e depois tendem a seguir a trajetória de abstratização metafórica ESPAÇO >

TEMPO > TEXTO nos textos acadêmicos teses de doutorado; trajetória na qual o valor

temporal se destaca com funções mais frequentes. Nesse processo, registramos

também um aumento de frequência nos valores mais textuais. No ponto final dessa

trajetória, os itens antes, agora e depois passam a introduzir tópicos e perdem quase

que completamente seu valor espacial e/ou temporal.

Quanto à posição que os itens antes, agora e depois ocupam nos enunciados,

constatamos que esses itens se apresentam no corpus iniciando tópicos, sinalizando,

assim, que a posição é fator relevante para o início da gramaticalização desses itens,

pois estão ocupando posições mais fixas e típicas de uma conjunção. Ao se

gramaticalizarem e adquirirem características de categorias mais textuais como de

uma conjunção, antes, agora e depois passam, portanto, a ser usados na posição

comum da classe para a qual estão em processo de mudança. Desse modo, contraria

o que dizem os manuais gramaticais sobre os advérbios temporais terem como

posição prototípica aquela logo após o verbo.

Já a trajetória estrutural/formal que os itens antes, agora e depois em teses de

doutorado estão seguindo é o percurso advérbio > conjunção. Porém, vale ressaltar

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que essa mudança não sugere que os itens abandonem sua classe de origem

completamente, pois os traços originários se tornam opacos na medida em que

funções mais textuais são necessárias aos contextos de uso. Pudemos constatar

também, por meio dos dados, que se trata de itens multifuncionais, não se prendendo

a apenas um núcleo, mas ao conteúdo semântico da oração. São itens que funcionam

nos textos acadêmicos, contribuindo para a organização do texto. Com base nisso,

podemos concluir que o usuário da língua faz alterações no uso dos padrões

linguísticos com o propósito de fortalecer a funcionalidade e a maleabilidade de seu

discurso.

Acreditamos que os achados desta pesquisa possam contribuir com estudos

futuros que se proponham a estudar, com base em dados sincrônicos, o processo de

gramaticalização dos itens antes, agora e depois, buscando compreender o

funcionamento e os usos desses itens em textos acadêmicos. A teoria da

gramaticalização foi bastante eficiente neste trabalho e pode servir de ponto de partida

para que outros pesquisadores estudem outros elementos gramaticais.

Ademais, queremos ressaltar as contribuições deste estudo, além da análise e

dos resultados apresentados, resumidas em três ganhos: primeiramente, como ganho

científico, os achados sobre as funções que denominamos de operadores

argumentativos de mudança de estado temporal (MET) e de operadores

argumentativos de mudança de estado discursivo (MED) ampliam o conhecimento

científico com a novidade da função e da terminologia utilizada; como ganho

acadêmico, mais subsídios para o ensino da produção de texto acadêmico, por se

tratar de um veículo do discurso científico necessário à circulação e à divulgação dos

resultados dos estudos das universidades e da comunidade científica; e, por último,

citamos a relevância social que incide sobre a cultura da escrita acadêmica que

ultrapassa os muros da universidade. Desse modo, legitima-se o texto acadêmico,

que vulgariza conhecimentos de todas as áreas, os quais se tornam aceitáveis pela

sociedade como verdadeiros e confiáveis.

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