UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA ... - Companhia de Teatro · do cinema e do teatro, apontando...

73
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA UDESC CENTRO DE ARTES CEART LICENCIATURA EM ED. ARTÍSTICA HAB. ARTES CÊNICAS JULIANO VALDIR DE SOUZA O CINEMA COMO POSSIBILIDADE CENOGRÁFICA PARA O TEATRO DE BONECOS FLORIANÓPOLIS, SC 2010

Transcript of UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA ... - Companhia de Teatro · do cinema e do teatro, apontando...

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC

CENTRO DE ARTES – CEART

LICENCIATURA EM ED. ARTÍSTICA – HAB. ARTES CÊNICAS

JULIANO VALDIR DE SOUZA

O CINEMA COMO POSSIBILIDADE CENOGRÁFICA PARA O

TEATRO DE BONECOS

FLORIANÓPOLIS, SC

2010

JULIANO VALDIR DE SOUZA

O CINEMA COMO POSSIBILIDADE CENOGRÁFICA PARA O

TEATRO DE BONECOS

Trabalho de conclusão de curso apresentado à UDESC como requisito para a obtenção do título de Licenciado em Ed. Artística com Habilitação em Artes Cênicas. Profº. Orientador: Valmor Beltrame Co-orientador: Alex de Souza

FLORIANÓPOLIS, SC

2010

JULIANO VALDIR DE SOUZA

O CINEMA COMO POSSIBILIDADE CENOGRÁFICA PARA O

TEATRO DE BONECOS

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado como requisito parcial para obtenção do

grau de Licenciado, no curso de graduação em Licenciatura em Educação Artística

com Habilitação em Artes Cênicas da Universidade do Estado de Santa Catarina.

Banca Examinadora: Orientador: ______________________________________________

Prof. Dr. Valmor Beltrame UDESC

Co-Orientador: ______________________________________________

Alex de Souza Membro: ______________________________________________

Prof. Dr. Fátima Costa de Lima UDESC

Membro: ______________________________________________

Prof. Roberto Douglas Queiroz Gorgati UDESC

Florianópolis – SC, 03 de Dezembro de 2010.

Aos meus pais e às minhas duas irmãs.

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Valdir e Filomena, pelo amor, carinho e compreensão com que sempre apoiaram minhas escolhas.

A minha esposa, Charlene, pelo amor e companheirismo indispensáveis para

a realização desta pesquisa e principalmente, pela sua “paciência impaciente” – digna de Jó – durante estes três longos semestres.

A minha “quase-filha” Pantufa, pelas lambidas, mordidas, latidos e essenciais

momentos de descontração. A Cia. Cênica Espiral, pela amizade, pela compreensão, pelos ensaios, pelos

estresses, pelas conversas... e por ser o lugar onde “me palpita” o lado artístico. A Alex de Souza, não apenas pela paciência e disponibilidade durante a co-

orientação deste trabalho, mas principalmente pela amizade e por incentivar sempre minhas inquietações artísticas.

A Valmor “Nini” Beltrame, pela paciência e disponibilidade “tri-semestral” em

orientar este trabalho e pelo exemplo de dedicação ao teatro de animação. Ao Grupo de Estudos Sobre Teatro de Formas Animadas, por ter sido onde

começou realmente minha relação com o teatro de animação. A todos os professores e funcionários do Centro de Artes. A todos que de alguma maneira contribuíram direta ou indiretamente para a

realização desta pesquisa. Em especial, a Miguel Vellinho e Willian Sieverdt, não apenas pela

disponibilidade e atenção com a qual sempre me receberam em seus e-mails, mas também por suas produções artísticas e contribuições para com o teatro de animação.

“É longo o caminho por meio de teorias, mas breve e eficaz por meio de exemplos.”

Sêneca

RESUMO

SOUZA, Juliano Valdir de. O cinema como possibilidade cenográfica para o teatro de bonecos. 2010. 71 p. Monografia (Graduação em Artes Cênicas) – Centro

de Artes, Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 2010.

A presente pesquisa aborda aspectos do potencial expressivo do cenário enquanto elemento que compõe a cena no teatro de bonecos. O objetivo principal está pautado na observação do diálogo entre teatro de bonecos e cinema e nas possibilidades cenográficas que isso pode oferecer. Assim, o estudo analisa três espetáculos que se apropriam de elementos da linguagem cinematográfica para a sua composição: Sangue Bom e Filme Noir da Cia. Pequod Teatro de Animação e O Incrível Ladrão de Calcinhas da Trip Teatro de Animação. No primeiro capítulo procura-se fazer um breve panorama histórico a respeito das transformações espaço-cenográficas ocorridas no teatro de bonecos brasileiro durante o século XX. No segundo capítulo são observadas as maneiras com que o teatro de bonecos pode se apropriar de características do cinema através do cenário. E por fim, no terceiro capítulo são analisados três espetáculos brasileiros de teatro de bonecos pretendendo, com isso, observar de que maneira o cenário pode contribuir na encenação de acordo com uma proposta cinematográfica.

Palavras-chave: Cenário. Cenografia. Espaço Cênico. Cinema. Teatro de Bonecos.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8

1 ESPAÇO CÊNICO E CENOGRAFIA ..................................................................... 11

1.1 TRANSFORMAÇÕES ESPAÇO-CENOGRÁFICAS............................................ 12

1.1.1 A explosão do palquinho .................................................................................. 16

1.1.2 O surgimento do balcão ................................................................................... 19

1.2 AS POSSIBILIDADES DO BALCÃO ................................................................... 23

1.2.1 A parte pelo todo .............................................................................................. 24

1.2.2 Nos mínimos detalhes ...................................................................................... 25 1.2.3 Resignificando .................................................................................................. 26

1.2.4 Presença que se basta ..................................................................................... 28

1.3 APONTANDO PARA NOVAS POSSIBILIDADES ............................................... 29

2 DIALOGANDO COM A SÉTIMA ARTE ................................................................. 31

2.1 UMA ARTE INDEPENDENTE ............................................................................. 31

2.1.1 Técnica ............................................................................................................. 33

2.1.2 Visualidade ....................................................................................................... 36

2.2 AS VANTAGENS DE SER BONECO .................................................................. 37

2.2.1 Teatralidade cinematográfica ........................................................................... 38

2.2.2 Uma arte plástica.............................................................................................. 42

3 O POTENCIAL EXPRESSIVO DO CENÁRIO ....................................................... 46

3.1 SANGUE BOM .................................................................................................... 46

3.2 FILME NOIR ........................................................................................................ 52

3.3 O INCRÍVEL LADRÃO DE CALCINHAS ............................................................. 59

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 65

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 68

8

INTRODUÇÃO

Ao iniciar o presente estudo acerca do teatro de animação, optou-se por

restringi-lo ao teatro de bonecos, ou seja, o teatro que utiliza objetos tridimensionais

que representam a figura humana, animal ou alegórica (a morte, o amor, o diabo,

etc) e que são animados diante de um público. Este recorte se dá por conta da

abrangência do teatro de animação enquanto campo artístico, abarcando o teatro de

sombras, de máscaras, de objetos, entre outros. Deste modo, a pesquisa está

centrada no que diz respeito ao cenário no teatro de bonecos e a apropriação de

elementos da linguagem cinematográfica enquanto possibilidades cenográficas.

Com o levantamento bibliográfico realizado para o presente estudo constatou-

se que houve, a partir de meados do século XX, um crescimento significativo das

pesquisas sobre o teatro de animação. No entanto, se por um lado o número de

estudos aumentou, por outro, uma boa parte das publicações aborda aspectos

históricos. Investiga-se sobretudo as origens do teatro de bonecos e sua história; a

sua transformação de divertimento popular em arte erudita; as suas questões

filosóficas enquanto simulacro do ser humano; e as tentativas de definição desta

arte, entre outros aspectos. Mas deixa-se em segundo plano os estudos sobre a

“grafia da cena” deste tipo de manifestação artística que tem fortes características

plásticas e visuais. A análise dos elementos que compõem a cena no teatro de

bonecos como o figurino, o boneco e o ator (enquanto símbolos visuais), o cenário, a

iluminação e o espaço cênico, por exemplo, ainda carece de pesquisas, pois os

estudos existentes dedicados a estes elementos no teatro de atores não abarcam as

especificidades da linguagem da animação. E foi esta constatação e dificuldade de

encontrar alicerces teóricos o principal estímulo para o desenvolvimento da presente

pesquisa.

Assim, é compreendendo a importância e a expressividade de cada um

desses elementos que constituem o aspecto visual da cena no teatro de bonecos,

sem distinção hierárquica, que este estudo busca evidenciar a utilização do cenário

como ferramenta expressiva do espetáculo. São raros os registros sobre a utilização

de cenário no teatro de bonecos no decorrer de sua história, pouco se sabe a não

ser por pequenos comentários em meio às pesquisas históricas dedicadas a esta

arte. Sabe-se, por exemplo, por meio destes estudos, que as telas pintadas foram

durante muito tempo o recurso cenográfico dominante ou que, eventualmente, a

9

própria barraca representava o ambiente – geralmente um pequeno castelo. Mas

poucos estudos aprofundam as discussões sobre este tema, deixando apenas

especulações sobre como haveria se transformado este elemento ao longo do

tempo dentro desta manifestação teatral.

Apesar desta lacuna, é possível observar no contexto atual, em comparação

com estes parcos vestígios, que ocorreram inúmeras transformações no modo como

o cenário é utilizado. A dissolução de fronteiras entre o teatro de bonecos e outros

campos artísticos proporcionou, ao longo do século XX, significativas

transformações na cena de modo que o cenário acompanha também estas

mutações. Espetáculos de grupos como a PeQuod (RJ), Giramundo (MG), Trip

Teatro de Animação (SC), Mevitevendo (SP), Sobrevento (SP) e Mútua (SC),

apenas para citar alguns nomes brasileiros, demonstram as variadas maneiras de

utilização do cenário no teatro de bonecos contemporâneo. É reconhecendo este

ambiente de inter-relações artísticas que a presente pesquisa busca analisar a

apropriação de elementos da linguagem cinematográfica como possibilidade

cenográfica no teatro de bonecos. E com isso iniciar a produção de reflexões acerca

dos elementos que compõem a cena neste campo da arte teatral. Deste modo,

tomando como exemplo o diálogo entre o teatro de bonecos e a linguagem

cinematográfica, pretende-se estudar formas de contribuição do cenário na

encenação do espetáculo teatral com bonecos, observando aspectos cenotécnicos e

expressivos deste elemento que compõe a cena.

Como pedra fundamental para o alicerce teórico deste estudo está a definição

de cenografia feita por José Dias (2008). E para a edificação do trabalho recorreu-se

principalmente a alguns pesquisadores do cinema, dentre eles Georges Sadoul

(1963) e Marcel Martin (2005) e do teatro de animação com destaque para Osvaldo

Anzolin (2010). Além destes autores foi indispensável a utilização também de uma

bibliografia de apoio sobre cenografia, teatro de animação e cinema. Entretanto,

toda a bibliografia utilizada é restrita a cada campo artístico, uma vez que não foi

possível encontrar no decurso deste estudo produções que abordassem o tema

proposto. Assim, através do cruzamento destas informações, buscou-se estabelecer

uma base teórica para a análise dos espetáculos, verificando os elementos da

linguagem cinematográfica absorvidos por eles e refletidos no cenário. Para a

escolha dos três espetáculos a serem analisados com maior profundidade foram

observados dois aspectos determinantes: a existência do diálogo com o cinema de

10

maneira declarada, ou seja, espetáculos em que havia referência escrita sobre o

diálogo com o cinema; e a acessibilidade, daí a escolha por espetáculos brasileiros.

Desta forma foram escolhidos os espetáculos Sangue Bom e Filme Noir da Cia.

PeQuod Teatro de Animação e O Incrível Ladrão de Calcinhas da Trip Teatro de

Animação. E para a análise recorreu-se primeiramente às gravações em vídeo de

cada um dos espetáculos, para que pudessem ser observadas quantas vezes se

fizessem necessárias, bem como fotos. Em segundo lugar, buscou-se reunir todo

material escrito a que se teve acesso sobre cada um dos espetáculos como:

programas, matérias de jornais e de páginas da internet, entrevistas e artigos. Além

disso, conversas informais não gravadas serviram como apoio para o

desenvolvimento da pesquisa.

No primeiro capítulo, a fim de amenizar a lacuna deixada pela falta de estudos

sobre o cenário, procura-se fazer um breve panorama histórico, a respeito das

transformações espaço-cenográficas ocorridas no teatro de bonecos brasileiro

durante o século XX. Busca-se, neste primeiro momento, compreender as

influências do espaço cênico sobre o cenário nos espetáculos com bonecos. É

despendida maior atenção a respeito da utilização dos balcões, mesas e plataformas

como espaço cênico e as possibilidades que este espaço oferece. Por considerar o

uso do balcão uma prática que caracteriza significativa parte da produção

contemporânea do teatro de bonecos brasileiro é que se opta por este enfoque.

No segundo capítulo inicialmente é observada a relação entre as linguagens

do cinema e do teatro, apontando algumas das características que a primeira tomou

emprestadas da segunda. Em seguida, pretende-se familiarizar o leitor com algumas

características e terminologias que se tornaram próprias da linguagem

cinematográfica. Então, através da exemplificação com espetáculos nacionais e

internacionais, são observadas as maneiras com que o teatro – neste caso o de

bonecos – pode se apropriar destas características do cinema e o que isso oferece

de possibilidades ao cenário.

E por fim, no terceiro e último capítulo são analisados três espetáculos

brasileiros de teatro de bonecos: Sangue Bom, Filme Noir e O Incrível Ladrão de

Calcinhas que trazem elementos da linguagem do cinema para sua composição.

Pretende-se, com isso, observar de que maneira o cenário pode se tornar mais

expressivo dentro da encenação e contribuir com a apropriação de características

cinematográficas pelo teatro de bonecos.

11

1 ESPAÇO CÊNICO E CENOGRAFIA

No teatro de bonecos, segundo Osvaldo Anzolin (2010), “as técnicas de

animação sugerem seus espaços de ação, que por sua vez limitam a criação da

Cenografia” (p. 82). Entretanto, esta limitação imposta pelo espaço, a que se refere

Anzolin, não pode e nem deve ser considerada um muro de contenção, mas sim

uma referência para a composição cenográfica. Desta forma, optar por uma

determinada técnica de animação, ou mesmo por mais de uma como é comum no

teatro de bonecos contemporâneo, impõe certos cuidados e influencia diretamente

alguns aspectos do espetáculo. Essas influências aparecem na dramaturgia, na

movimentação dos bonecos e dos animadores, no espaço cênico e nas

possibilidades cenográficas. Assim, nesse capítulo busca-se analisar dois aspectos

importantes para o presente estudo: espaço cênico e possibilidades cenográficas.

Dentre algumas das definições de espaço cênico feitas por Patrice Pavis em

seu Dicionário de Teatro (1999), está a seguinte:

Termo de uso contemporâneo para palco ou área de atuação. Considerando-se a explosão das formas cenográficas e a experimentação sobre novas relações palco platéia, espaço cênico vem a ser um termo cômodo, porque neutro, para descrever os dispositivos polimorfos da área de atuação. (p. 133)

Desta forma, fundamentada no que diz Pavis, a definição adotada neste

estudo para espaço cênico no teatro de bonecos refere-se à área de atuação dos

bonecos – e eventualmente dos atores – de acordo com a convenção estabelecida

em cada espetáculo. Ou seja, “dispositivos polimorfos” que podem ser configurados

por uma área fechada ou aberta, pequena ou grande, com atores ou sem atores,

diante do público ou entre ele, variando de acordo com a inventividade de cada

artista.

Os termos cenografia e cenário frequentemente causam conflitos quando se

trata de defini-los. Cada autor, cenógrafo ou diretor tem sua própria definição sobre

os termos, que às vezes são semelhantes e outras, completamente opostas, umas

mais poéticas, outras mais técnicas. Mas o fato é que esse conflito lexical torna

distante uma definição universal, aceita por todos. Deste modo, a fim de evitar

interpretações equivocadas, torna-se necessário esclarecer as definições adotadas

no presente estudo para esses termos. Segundo José Dias (2008),

12

A cenografia é tudo o que é registrado plasticamente em cena. Não

podemos separar cenários, figurinos, adereços, iluminação ou até mesmo

as marcações de cena, isto é, as movimentações dos atores, porque

também estabelecem fluxos, massas, volumes, num determinado espaço.

(p. 7)

Assim, admitindo a definição de Dias, cenografia é o aspecto plástico do

espetáculo ou ainda, a composição de diferentes elementos visuais, o que no teatro

de bonecos significa: a iluminação, os bonecos, os atores-manipuladores e seu

gestual (quando à vista do público), o cenário, o figurino, os adereços, a topologia do

espaço cênico, entre outros. São estes elementos os responsáveis pela percepção

visual do espetáculo, ou seja, pela “grafia da cena”.

O termo cenário não deve, portanto, ser confundido com o termo cenografia

uma vez que aquele é um dos componentes deste. Com origem no francês, décor

(pintura, ornamentação, embelezamento), que surge no século XV para designar os

telões pintados em perspectiva ao fundo da cena, o cenário esteve vinculado a esta

definição pictórica durante muito tempo (PAVIS, 1999). A própria nomenclatura da

maquinaria teatral demonstra a predominância desta definição quando se observa

ainda hoje no urdimento dos teatros as varas de cenário – que possuem este nome

porque nelas eram amarrados os telões. Contudo, a pintura em tela é apenas uma

das maneiras de elaborar um cenário. Assim, ampliando o conceito a uma definição

mais apropriada ao objetivo deste estudo, cenário é, portanto, o elemento concreto

(telões, mobiliários, dispositivo de atuação, estruturas arquitetônicas) que organiza

funcionalmente o espaço cênico, seja com caráter descritivo, ambiental, abstrato ou

figurativo. E por este motivo pode-se dizer que existe espetáculo sem cenário, mas

não sem cenografia.

1.1 TRANSFORMAÇÕES ESPAÇO-CENOGRÁFICAS

Percebe-se no Brasil, até meados do século XX, que os espetáculos de teatro

de bonecos eram guiados por determinadas convenções e costumes seguidos por

gerações, configurando uma tradição no modo de produzir os espetáculos. Dentre

estas convenções estão a utilização de um anteparo que oculte os animadores e ao

mesmo tempo sirva de espaço cênico para os bonecos, a predominância de

bonecos do tipo antropomorfo e a utilização de uma única técnica de animação –

13

geralmente luva ou fios. Estas características imprimem certa homogeneidade ao

conjunto de espetáculos produzidos na época e estão presentes também em

algumas manifestações populares de teatro de bonecos tais como: o Mamulengo, o

João Redondo, o Babau, o Casemiro Côco e o Kasperl1. Com finalidade

metodológica, os espetáculos cujas encenações são pautadas nas convenções

acima mencionadas – não restringindo apenas às manifestações populares citadas –

serão definidos neste estudo como “tradicionais”, independente do conteúdo

dramatúrgico e do momento histórico no qual estejam inseridos. De modo que

espetáculos produzidos atualmente serão igualmente denominados tradicionais se

pautados nestas convenções.

Das características mencionadas anteriormente é a utilização de um anteparo

que oculte os animadores e ao mesmo tempo sirva de espaço cênico para os

bonecos a mais relevante para esta pesquisa. Esta tapadeira configura um espaço

característico para a representação com bonecos, conhecido como “palquinho”,

empanada, biombo, tenda ou barraca. A denominação varia de acordo com a região,

mas as estruturas consistem basicamente em armações de madeira ou metal e

tecido, pouco maior que a altura de um homem em pé. Como é possível observar na

Figura 01, a seguir, possuem uma abertura superior pela qual se observa os

bonecos de luvas e de vara2, ou na parte inferior, geralmente para os bonecos de

fios ou tringle3, sendo os primeiros mais recorrentes no Brasil. Estas estruturas

possuem as mais variadas configurações que vão desde tecidos improvisados em

portas e janelas, até armações com rebuscados acabamentos que lhe conferem a

aparência de um teatro à italiana em miniatura.

1 Mamulengo, João Redondo, Babau e Casemiro Côco são manifestações populares de teatro de

bonecos que ocorrem principalmente nas regiões norte e nordeste do Brasil. Já o Kasperl, se desenvolve principalmente no sul do país e tem como referência o Kasperl praticado na Alemanha por Max Jacob no início do século XX, conhecido como Kasperl de Hohnstein. Para maiores informações consultar Borba Filho (2000) e Revista Móin-Móin nº3 (2007). 2 São bonecos de estrutura simples, geralmente utilizados para figuração, cujo corpo é estruturado

por uma vara central que parte do pescoço. Seus braços podem ser pêndulos que se agitam conforme o boneco é movimentado ou podem ser animados com o auxílio de varas. 3 São bonecos presos a uma haste que parte do topo da cabeça, semelhante a uma bengala, braços

e pernas podem estar soltos, se agitando conforme a movimentação, ou executar movimentos simples através de mecanismos ou varas.

14

Figura 01 – Empanadas com abertura superior e inferior. Fonte: Ilustração minha.

Nesses espetáculos, ditos tradicionais, o animador permanece oculto por

detrás destas estruturas a fim de conferir maior ilusão de vida aos bonecos, ficando

as possibilidades cenográficas restritas a este espaço. Anzolin (2010) apresenta três

composições distintas, que são comumente utilizadas nesta configuração espacial:

Algumas empanadas são simples e funcionais, outras variam sua forma e assim estabelecem uma composição cenográfica mais elaborada e outras ainda se mantêm em um formato padronizado, mas, são acrescidas de elementos visuais que sugerem o ambiente da cena. (p. 81)

As estruturas cujo autor define como “simples e funcionais”, podem ser

observadas na maioria das manifestações populares do norte e nordeste do Brasil,

mencionadas anteriormente, nas quais a atenção está mais voltada para o jogo

estabelecido entre os bonecos e o espectador, dispensando, na maioria dos casos,

quaisquer elementos de cenário. No segundo formato as estruturas “variam sua

forma” de modo que a própria barraca sugere o ambiente da ação, caracterizando-

se como tal. E por último, naquelas que “são acrescidas de elementos visuais”,

utilizam-se elementos de cenário fixados ao fundo ou à frente da estrutura de modo

que o vão central é destinado à atuação dos bonecos. Estas três composições

cenográficas podem ser exemplificadas com maior clareza nas Figuras 02, 03 e 04 a

seguir.

15

Figura 02 (à esquerda) – Empanada sem cenário. Fonte: http://ceujardimpaulistano.blogspot.com/2010_08_01_archive.html Figura 03 (ao centro) – Empanada caracterizada como cenário. Fonte: http://blogdafolhinha.folha.blog.uol.com.br/arch2009-08-01_2009-08-31.html Figura 04 (à direita) – Empanada com elementos de cenário. Fonte: www.tripteatro.com.br

Observando estas imagens percebe-se que os limites que o espaço cênico

impõe ao cenário estão relacionados unicamente com a sua dimensão espacial, uma

vez que o cenário está contido dentro dos limites de um determinado espaço,

destinado à encenação. Portanto, a criação de diferentes composições cenográficas

dentro destes limites é determinada de acordo com a imaginação de cada artista,

variando de espetáculo para espetáculo.

Algumas transformações ocorridas nessa prática tradicional no Brasil, ao

longo da segunda metade do século passado, levaram ao surgimento de um novo

teatro de bonecos, diferente da maneira como era produzido anteriormente. Dentre

essas transformações está o rompimento com a tapadeira, o que apresenta

determinadas implicações no objeto central deste estudo – o cenário. É importante,

porém, ressaltar que o rompimento com este espaço não encerra sua utilização,

nem tão pouco a prática de um teatro de bonecos com características definidas aqui

como tradicionais. Mas, ao contrário, o coloca lado a lado com outras possibilidades

de espaços e outras práticas, pluralizando e enriquecendo a linguagem. Um

exemplo disso pode ser observado na programação dos festivais de teatro de

bonecos pelo Brasil, onde é possível encontrar espetáculos tradicionais ao lado de

experimentações nada convencionais. Ali é possível constatar ainda a presença de

grupos que continuam utilizando a empanada como recurso nas encenações.

16

1.1.1 A explosão do palquinho

Algumas das primeiras experimentações, encontradas no decurso desta

pesquisa, no que diz respeito à ruptura do espaço tradicional no teatro de bonecos

brasileiro, foram as de Ilo Krugli e Pedro Turón Dominguez, com o Teatro de

Bonecos de Ilo e Pedro. Estas experiências iniciaram de maneira bastante curiosa e

estão relacionadas com a animação dos bonecos diante do público. Em entrevista

concedida à Fanny Abramovich na 12ª edição da revista Mamulengo (1984), Krugli

esclarece como iniciaram essas experimentações:

quando tínhamos o Teatro do Ilo e do Pedro, que existiu, aqui no Brasil, entre 1961 e 1964... Compreendíamos o fascínio que o teatro de bonecos tinha para o público... Mas, houve sempre, muita e muita gente que pedia para assistir o espetáculo por detráz [sic], dentro do palco, vendo a movimentação dos atores... Uma vez, ainda em Cuzco, no Peru, mais ou menos em 1960, fizemos um espetáculo inteirinho de costas para o público... Eles nos assistiam fazendo, correndo, enquanto os bonecos, agiam de costas para eles... Na Escolinha de Arte do Brasil, trabalhávamos em módulos... Para correr dum para outro módulo, o ator tinha que passar com o boneco... (já era uma experiência com atores à vista). (p. 12)

Ou seja, segundo Krugli, antes se oferecia ao espectador visualizar apenas a

atuação dos bonecos acima da tenda, mas nesta ocasião específica cedendo a um

desejo do público, foi observado o trabalho dos artistas nos bastidores. O espetáculo

agrega à história representada pelos bonecos o próprio ato de “fazer a peça”, o que

de certa forma rompe com a idéia do espaço convencional apesar de os artistas

continuarem dentro da empanada.

Com os espetáculos História do Barquinho em 1972 e Histórias de Lenços e

Ventos em 1974, essa experimentação com o boneco fora da empanada, animado à

vista, torna-se mais clara para Krugli. Este último – montado já com o grupo

Ventoforte (RJ/SP) – é considerado um divisor de águas no teatro para crianças,

havendo inclusive certa resistência da classe bonequeira em considerá-lo um

espetáculo de bonecos4, pois como pode ser observado na Figura 05, abaixo, os

bonecos dividem a cena com os atores-animadores mascarados.

4 BRAGA, 2007.

17

Figura 05 – Cena da remontagem (2000) de História de Lenços e Ventos. Fonte: SOUZA, 2007.

Nota-se então que o empenho realizado durante muito tempo para ocultar os

animadores atrás da empanada foi substituído pela sua interferência na cena. Deste

modo é possível constatar que o rompimento do espaço convencional do teatro de

bonecos, no Brasil, está diretamente relacionado com a presença do animador na

cena. Kátia de Arruda e Valmor Beltrame (2006) afirmam que “a entrada do ator em

cena propicia também uma grande mudança no espaço cênico utilizado para os

espetáculos. Os tradicionais palquinhos são substituídos por espaços mais amplos,

que possam comportar as dimensões corporais do ator.” (não paginado). Essa

alteração influi duplamente no aspecto visual dos espetáculos. Primeiro porque

modifica o espaço cênico e segundo, por que os animadores que permaneciam

ocultos, fazendo do boneco a figura central do espetáculo, agora dividem a cena

com ele.

A ampliação do espaço cênico consequentemente oferece novas

possibilidades cenográficas aos espetáculos. Como visto anteriormente, o espaço

estabelece o perímetro da cena, de modo que o cenário está nele contido, logo, com

a ampliação deste espaço e a inclusão do animador na cena, as possibilidades se

multiplicam. O cenário que antes correspondia apenas à escala dos pequenos

bonecos, agora pode também representar em escala humana ou ainda conter as

duas dimensões no mesmo espetáculo, possibilitando a criação de diferentes

camadas ficcionais. Em História de Lenços e Ventos, por exemplo, o cenário é

concebido na escala humana e os bonecos – de luva e vara – atuam em alguns

momentos por detrás de lençóis que compõem o cenário dos atores, sem que haja

um cenário construído nas proporções dos bonecos.

18

Vários grupos atuantes na década de 1970 como o Gralha Azul (SC),

Contadores de Estórias (RJ), Grupo Hombú (RJ), Grupo Navegando (RJ) e Grupo

Revisão (RJ) também experimentaram a animação de bonecos diante do público,

contracenando com eles. Esta tendência de rompimento do espaço tradicional

determinou o surgimento de outras técnicas de animação e os bonecos que

consistiam primeiramente em luva ou vara e “flutuavam” ao serem animados fora da

empanada, ou seja, sem uma referência de chão, dividem lugar com bonecos

gigantes, máscaras de corpo inteiro, entre outros. Estas utilizações de novas

técnicas de animação levaram a novas configurações espaciais que, por sua vez,

levaram a novas experimentações cenográficas. Por exemplo, o grupo Contadores

de Estórias, fundado por Marcos e Rachel Ribas, influenciados pelo Bread and

Puppet Theater5, montou os espetáculos A Fabulosa Estória de Melão City (1976) e

A Estória das Cebolas (1977), encenados ao ar livre com bonecos gigantes, nos

quais os cenários eram parques e praças como é possível observar nas Figuras 06 e

07 abaixo.

Figura 06 (à esquerda) – Cena do espetáculo A História das Cebolas. Fonte: www.ecparaty.org.br /espetaculos.htm Figura 07 (à direita) – Cena do espetáculo A Fabulosa Estória de Melão City. Fonte: www.ecparaty.org.br /espetaculos.htm

5 Grupo teatral estado-unidense dirigido por Peter Schumann, cujo trabalho com bonecos gigantes ao

ar livre exerceu forte influência em grupos teatrais nos Estados Unidos na década de 1960. Com forte apelo político e social o grupo é adepto da “Filosofia da Arte Barata”, apresentando seus espetáculos gratuitamente. Durante as apresentações, muitas vezes se distribui pães para os espectadores. Para maiores informações consultar www.breadandpuppet.org.

19

Segundo Rachel Ribas (2010b), a apropriação dos parques e praças como

cenário dos espetáculos era proposital, “criava-se a situação que transformava o

local em cenário e o público em personagem”. No espetáculo A Fabulosa Estória de

Melão City, por exemplo, de acordo com Ribas:

a história se passava numa praça onde estava tendo a inauguração de um arco do triunfo, no meio da população. De modo que as praças e os palanques onde nos apresentávamos e inclusive a banda de música que tocava conosco já eram o cenário ideal, e os espectadores do espetáculo faziam automaticamente o papel da população da história. (ibid)

Ou seja, nestes casos o próprio espaço cênico, incrementado com alguns

elementos extras, se configura como cenário dos espetáculos. A praça preparada

para a inauguração do arco do triunfo na fictícia Melão City funde-se à praça real, na

qual está ocorrendo a encenação, de modo que espaço cênico e cenário tornam-se

uma coisa só.

Foram todas estas transformações na prática do teatro de bonecos brasileiro,

aliadas à profissionalização deste segmento artístico e a criação da Associação

Brasileira de Teatro de Bonecos, a ABTB – responsável pela primeira publicação

periódica da área, Revista Mamulengo, e por diversos festivais nacionais – que

fizeram da década de 1970 o período que definiria os rumos do teatro de bonecos

brasileiro. A partir de então este segmento artístico passou a ganhar cada vez mais

visibilidade, novos grupos surgiram e com eles novos espetáculos e novas

experimentações.

1.1.2 O surgimento do balcão

Uma vez transgredida a convenção de enquadramento do boneco no espaço

da empanada e com a apropriação de novas técnicas de confecção e animação,

bem como de novos espaços, é possível encontrar hoje uma série de outras

experimentações no teatro de bonecos praticado no Brasil. Entre elas está a

animação de bonecos sobre balcões, prática bastante difundida e que se caracteriza

pela utilização de bonecos de pequeno ou médio porte – aproximadamente 50cm –

com o corpo inteiro articulado. Estes bonecos são animados por um, dois ou mesmo

três animadores simultaneamente, tocando-os diretamente com as mãos ou com o

auxílio de extensões e mecanismos que facilitam o apoio e sua movimentação. Uma

20

das possíveis influências para o desenvolvimento dessas técnicas pode ter sido a

apropriação distorcida, por parte de bonequeiros ocidentais, da técnica de animação

dos bonecos de Bunraku6, levando inclusive alguns autores7 a definir erroneamente

essas variações ocidentais como sendo Bunraku. Definição errônea porque o

Bunraku não é apenas a técnica de animação dos bonecos – que aliás é muito

refinada e complexa - mas sim um conjunto de elementos, regras e signos culturais,

além de uma rígida hierarquia estabelecida durante anos de estudo, diferentemente

das produções ocidentais.

No Brasil, o que parece ser uma das primeiras experiências com os bonecos

de balcão ocorre no ano de 1979, com a estréia, em Minas Gerais, do espetáculo

Cobra Norato do grupo Giramundo Teatro de Bonecos. No espetáculo, cuja história

gira em torno de uma lenda amazônica, foram utilizados mais de 60 bonecos, sendo

vários deles de balcão com técnicas variadas de confecção e manipulação. O

espaço cênico é um extenso balcão negro sem cenário, por onde circulam os

bonecos e sobre o qual é projetada uma cortina de luz a fim de ocultar os

animadores, vestidos com roupas negras ao fundo. Os ambientes da peça são

eventualmente sugeridos com poucos elementos cenográficos, predominando na

maior parte do tempo o balcão vazio, como pode ser observado na figura 08 a

seguir.

Figura 08 – Cena do espetáculo Cobra Norato. Fonte: ESCOLA, [200_]. (Imagem extraída de vídeo)

6 Manifestação tradicional de teatro de bonecos do Japão na qual os bonecos – complexamente

elaborados – são animados por meio de mecanismos, na maioria das vezes, simultaneamente por três artistas com vestes negras e à vista do público. São utilizados três níveis de tapumes que servem para referenciar o chão dos bonecos, um posterior ao outro formando corredores. Os cenários são geralmente bidimensionais dispostos em camadas, sugerindo alguma tridimensionalidade. Seus três elementos centrais são a animação dos bonecos, a narrativa jôruri e a música ao som do shamisen, instrumento de cordas típico da região. Para maiores informações consultar Giroux e Suzuki (1991) e Kusano (1993). 7 CURCI, 2007; UZAM et al, 2010.

21

Outro espetáculo da mesma época que utilizou os chamados bonecos de

balcão foi Mansamente (1980) do grupo Contadores de Estórias. Na contramão do

trabalho que vinham produzindo na década de 70 com bonecos gigantes e buscando

algo que correspondesse aos anseios do grupo em um novo momento, os bonecos

tiveram seu tamanho significativamente reduzido neste espetáculo, que é composto

por três pequenas cenas que abordam episódios do cotidiano rural e indígena

brasileiro. Em crítica publicada no jornal O Estado de São Paulo em 8 de outubro de

1981, Sábato Magaldi escreve: “Arma-se na arena um pequeno praticável e

bonecos, cenários e acessórios não enchem mais do que uma caixa, que pode ser

transportada sem dificuldades.” De acordo com o que descreve Magaldi, percebe-se

que não se utiliza o balcão, mas sim um pequeno praticável. A respeito da escolha

por este espaço Ribas (2010a) esclarece:

Em Mansamente descartamos a opção balcão ou mesa. [...] pela temática, tinha tudo a ver ser manipulado no chão. Em balcão, segundo o diretor, ficaria mais frio. E até hoje alternamos cenas no chão ou em mesas, dependendo do que ele quer passar para o público.

Apesar de propor um clima mais intimista e ser relativamente mais baixo que

o balcão, o pequeno praticável utilizado pelo grupo exerce a mesma função,

servindo de espaço cênico e delimitando a área de atuação dos bonecos e as

dimensões dos cenários. Como a proposta com os bonecos neste espetáculo é de

um alto grau de realismo, tanto na confecção quanto na animação, os cenários não

poderiam deixar de corresponder à proposta e são projetados de maneira

igualmente realista, mas respeitando as pequenas proporções dos bonecos, como é

possível conferir na Figura 09 a seguir.

Figura 09 – Cena do espetáculo Mansamente. Fonte: www.ecparaty.org.br /espetaculos.htm

22

Ambos os espetáculos mencionados acima foram inovadores para época na

qual surgiram, rompendo algumas convenções do teatro de bonecos tradicional e

utilizando técnicas pouco difundidas, bem como uma configuração de espaço

completamente nova para aquele momento. Entretanto, apesar das inovações, estes

espetáculos retomam algumas idéias tradicionais ao neutralizar os animadores e

colocar o boneco novamente em total evidência. Mesmo em Mansamente, no qual

os animadores permanecem à vista do espectador, suas vestes e suas atitudes tem

o objetivo de neutralizá-los. Esse retorno a um espaço reduzido e destinado apenas

aos bonecos, mesmo que de maneira distinta dos palquinhos tradicionais, reduz

novamente o cenário às proporções das pequenas figuras.

Em 1987, quando já começava a se delinear um panorama mais amplo no

teatro de bonecos brasileiro, com novos grupos, maior número de espetáculo e

festivais, o recém formado grupo Sobrevento – na época sediado no Rio de Janeiro

– também utilizou bonecos de balcão para montar Ato Sem Palavras, do dramaturgo

irlandês Samuel Beckett. Neste caso, diferentemente do Giramundo e dos

Contadores de Estórias, os animadores utilizam capuzes que não cobrem seus

rostos e que eventualmente são retirados. Foi este pequeno detalhe, aliado ao texto

de Beckett, que fez do balcão um elemento favorável para a narrativa. O cenário e

os elementos de cena dispostos sobre o balcão seguem o padrão, respeitando as

proporções do pequeno boneco e as indicações do texto, entretanto o que chama

mais a atenção é a cena observada em plano geral: um balcão negro sobre o qual

estão o boneco e demais elementos, cercado por três animadores com vestes

negras e capuzes, conforme pode ser conferido na Figura 10.

Figuras 10 – Cena do espetáculo Ato Sem Palavras. Fonte: www.sobrevento.com.br/fotos_ato.htm

23

Esta configuração de cena associada aos rostos que eventualmente

aparecem, faz dos animadores seres que manipulam e determinam o destino do

boneco, movendo os elementos de cena de acordo com as indicações do texto. O

balcão torna-se, neste caso, elemento significante do cenário uma vez que limita o

espaço da personagem como na proposta de Beckett. Isso faz com que ele deixe de

servir unicamente como suporte, para representar o próprio ambiente de clausura da

personagem.

1.2 AS POSSIBILIDADES DO BALCÃO

A partir da década de 1990 a animação de bonecos sobre balcões, mesas ou

plataformas no Brasil tornou-se uma prática comum e há, hoje em dia, vários grupos

que exploram das mais variadas maneiras este recurso. Estes suportes sobre os

quais os bonecos são animados comumente são adotados como estruturas simples

e funcionais, semelhantes a um pequeno espaço cênico onde são apoiados os

cenários, mas oferecem inúmeras configurações espaciais e possibilitam diferentes

concepções cenográficas. Em geral nestes casos os cenários respeitam as

dimensões dos bonecos e não ultrapassam os limites dos balcões. Contudo, em

alguns casos essas estruturas são transformadas de tal modo que participam da

composição cenográfica do espetáculo, o que neste estudo optou-se por chamar de

“suporte dissimulado”, uma vez que não serve unicamente como apoio e não

explicita sua função como tal.

Atentando, portanto, para as possibilidades e limitações que o balcão

enquanto espaço cênico oferece à cenografia, pretende-se destacar quatro distintas

estruturas cenográficas recorrentes na utilização deste espaço: cenário sintetizado;

cenário detalhado; suporte dissimulado; e espaço vazio. Lembrando, porém, que

não são necessariamente estruturas isoladas, de modo que é possível encontrar

duas ou mais delas em um mesmo espetáculo. É importante esclarecer que este

recorte é feito com finalidade metodológica, uma vez que seria impossível enumerar

e nomear as diferentes estruturas cenográficas possíveis com a utilização dos

balcões, pois estas variam de acordo com a imaginação de cada artista e se

reinventam de espetáculo para espetáculo.

24

1.2.1 A parte pelo todo

Um recurso bastante comum em espetáculos com a animação de bonecos

sobre balcões é a utilização de cenários sintetizados, geralmente elementos

selecionados propositalmente para representar um determinado ambiente. Patrice

Pavis (1999), a respeito das funções dramatúrgicas do cenário no teatro, destaca a

ilustração e a figuração, afirmando que nestes casos “o cenógrafo escolhe alguns

objetos e lugares sugeridos pelo texto” (p.43) e completa dizendo: “esta figuração é

sempre uma estilização e uma escolha pertinente de signos”. Assim, uma porta pode

ser a representação da fachada de uma casa, ou, um armário e uma cama podem

representar um quarto. Este é um recurso muito utilizado no teatro em geral, com

destaque para o teatro elisabetano, que há quatro séculos atrás já explorava

amplamente este tipo de cenário.

Uma das particularidades do teatro de bonecos é o seu caráter sinóptico, de

modo que esta configuração de cenário ajusta-se bem a esta característica. Rafael

Curci (2007), aludindo ao poder de síntese do teatro de bonecos toma emprestado

da Retórica o conceito de sinédoque para explicar a utilização dessa convenção

cenográfica, tão recorrente nessa arte:

No teatro de bonecos a ostensão [da cena] é uma noção que se manifesta em relação aos elementos não mostrados ou menos mostrados e por essa razão toma a forma da sinédoque: uma parte que remete ao todo, e o diretor cênico (ou o bonequeiro) só deve sugerir uma realidade complexa através de um detalhe característico: a coroa pelo rei, uma árvore por uma praça, um punhado de lanças por um exército, etc.

8 (p. 58, tradução minha)

Este recurso pode ser observado em vários espetáculos de bonecos, dentre

os quais está A Caixa, da Cia. Mútua (SC). Nesta montagem o grupo utiliza o balcão

como espaço cênico e uma configuração de cenário que recorre ao uso da parte

pelo todo como é possível conferir nas Figuras 11 e 12. Os animadores com vestes

negras e com bonés que não cobrem completamente seus rostos, animam os

bonecos por trás do balcão também negro que serve de apoio para os cenários,

sempre construídos de acordo com as proporções dos bonecos.

8 En el teatro de títeres las [sic] ostensión es una noción que se manifiesta en relación a los

elementos no mostrados o menos mostrados y por esa razón toma la forma de la sinécdoque: una parte remite al todo, y el director escénico (o el titiritero) solo debe sugerir una realidad compleja a través de un detalle característico: la corona por el rey, un árbol por una plaza, un puñado de lanzas por un ejército, etc.

25

Figuras 11 e 12 – Cenas do espetáculo A Caixa. Fonte: www.flickr.com/photos/evelynph/page3

Na Figura 11, à esquerda, por exemplo, observa-se uma pequena estante

acompanhada de uma poltrona e um tapete, de maneira que esta composição,

disposta sobre a superfície negra do balcão, representa a sala de uma casa ou

apartamento. Igualmente na figura 12, ao lado, um único poste de iluminação pública

em cuja base estão uma caixa e uma lata de lixo, é utilizado para representar a

calçada de uma cidade. Nestes dois casos, mesmo sem as paredes da sala, a

janela, o assoalho, os quadros na parede e a fachada dos prédios por trás do poste,

o espectador através de alguma associação perceptiva completa imaginariamente

as lacunas e reconhece os ambientes.

A utilização deste recurso e a aceitação desta convenção por parte do

espectador torna possível, em espetáculos com bonecos pequenos, a criação de

vários ambientes sem grandes dificuldades. O espetáculo da Cia. Mútua, utilizado

como exemplo, apresenta sobre o mesmo balcão pelo menos quatro ambientes

diferentes, recorrendo apenas a poucos elementos que compõem cada espaço.

1.2.2 Nos mínimos detalhes

Apesar de recorrente a utilização de cenários sintetizados, não é raro

encontrar espetáculos com cenários cuja riqueza de detalhes deixa poucas lacunas

a serem preenchidas pela imaginação do espectador. O velho da horta, montagem

da Cia. PeQuod (RJ) sobre o texto de Gil Vicente, é um exemplo destes

espetáculos. Com animadores encobertos completamente por vestes negras e

dissimulados no fundo negro, Miguel Vellinho, diretor do espetáculo, monta sobre o

palco um ambiente rural em miniatura que mais parece um recorte de um universo

26

paralelo. As pequenas verduras, legumes e flores que apesar de cenográficas

assemelham-se muito às verdadeiras, a terra na qual estão plantadas e a água – de

verdade – que enche o lago recriam minuciosamente uma horta sobre os balcões do

espetáculo, como pode ser observado nas Figuras 13 e 14.

Figura 13 (à esquerda) – Cena do espetáculo O Velho da Horta. Fonte: Acervo da Cia. PeQuod. Figura 14 (à direita) – Cena do espetáculo O Velho da Horta. Fonte: http://sacro-oficio.blogspot.com /2009_07_01_archive.html

Nota-se pelas imagens que esta proposta cenográfica é o avesso da proposta

do exemplo anterior, pautado na síntese cenográfica. Este cenário praticamente não

deixa lacunas a serem preenchidas e oferece todas as informações do ambiente aos

olhos do espectador. Diferentemente do espetáculo da Cia. Mútua, aqui os

ambientes estão todos diante da platéia, recortados eventualmente com a

iluminação a fim de restringir o foco à determinada porção do cenário. Observa-se,

no entanto, que apesar de bastante amplo e minuciosamente detalhado o cenário

está disposto sobre plataformas que lhe servem de suporte, assim como em A

Caixa. A diferença é que aqui se utilizam cinco módulos em tamanhos diferenciados,

quatro para compor a horta e um para o alpendre que fica ao fundo, além de uma

piscina para o lago, evidenciando que os limites do balcão estão mais próximos de

uma referência para a criação cenográfica do que uma barreira intransponível.

1.2.3 Resignificando

Os balcões nos casos anteriores são estruturas que servem de suporte aos

bonecos e cenários, que por sua vez respeitam sempre as proporções

27

miniaturizadas. Segundo Haddas Ophrat, citado por Mário Piragibe (2005), “este

uso, embora altamente funcional, ignora o espaço que rouba do palco” (não

paginado). Ao afirmar isto, o autor refere-se a uma sobreposição de palcos pouco

explorada, de modo que a atenção é destinada exclusivamente ao pequeno palco –

o balcão – armado sobre o palco maior. Entretanto, apesar de haver inúmeros

espetáculos nos quais se opta por uma cenografia restrita à superfície daquele

pequeno espaço, há outros tantos que, apesar de continuar utilizando o balcão como

recurso, transpõem seus limites e exploram outras possibilidade cenográficas,

eventualmente utilizando todo o espaço do palco.

Uma das maneiras de ultrapassar estes limites do balcão é conceituar sua

presença em cena, tornando-o parte efetiva da cenografia do espetáculo, o que

inclui muitas vezes a caracterização dos animadores enquanto personagens da

narrativa. Isso pode ocorrer, por exemplo, dissimulando o balcão em um elemento

de cenário como o fez a Cia. Cênica Espiral (SC) no espetáculo Só Serei Flor

Quando Tu Flores. O suporte principal sobre o qual o boneco é animado dissimula-

se como elemento do cenário da camada ficcional que corresponde ao ambiente das

personagens representadas pelas atrizes, como pode ser observado na Figura 15 a

seguir.

Figuras 15 e 16 – Cenas do espetáculo Só Serei Flor Quando Tu Flores. Fonte: Acervo da Cia. Cênica Espiral.

No decorrer do espetáculo o boneco é montado em cena com os próprios

objetos que compõem o cenário das atrizes, tais como rolos de lã, almofada de

alfinete e um estojo de instrumentos e os elementos desta sala ao serem utilizados

pelo boneco adquirem nova significação, compondo um cenário simbólico que

corresponde a uma segunda camada ficcional. Um velho rádio, por exemplo, ao ser

28

coberto com um tecido se transforma em uma mesa de jantar, assim como outros

pequenos objetos que se convertem em pratos, copos, banquetas e flores, como é

possível conferir na Figura 16, à direita. Este tipo de composição cenográfica

utilizado pela Cia. Espiral extrapola os limites impostos pelo balcão apesar de

continuar utilizando-o como recurso espacial. A diferença essencial desta

configuração utilizada em Só Serei Flor Quando Tu Flores para as anteriores é a

ampliação do espaço cênico e do cenário para comportar as dimensões das atrizes.

Assim como em Histórias de Lenços e Ventos, visto anteriormente, o cenário é

elaborado nas proporções humanas e as atrizes dividem a cena com o pequeno

boneco. Outro aspecto a ser considerado da cenografia deste espetáculo é que

dentro de um ambiente cenográfico criam-se pequenos espaços nos quais,

simbolicamente surgem outros ambientes, que se fazem e desfazem durante o

percurso da peça.

1.2.4 Presença que se basta

Estudar o cenário supõe também refletir sobre a sua ausência. A não

utilização de cenários no teatro de bonecos é uma prática bastante comum e pode

estar relacionada a fatores como: evidenciar as relações estabelecidas entre

boneco-boneco, boneco-animador e/ou boneco-público; evidenciar o boneco

enquanto presença que se basta para comunicar algo; criar um cenário imaginário

sugerido pelas ações; dificuldades econômicas, entre outros. Independente do

motivo que leve a esta economia de recursos, o que se pode perceber é que nestes

casos o boneco quase sempre está em total evidência, suas ações e eventualmente

as de seu(s) animador(es) são os principais elementos responsáveis pela leitura do

espetáculo. Ou seja, o fato de o teatro de bonecos ser uma arte notavelmente visual

não faz com que deva obrigatoriamente apresentar uma infinidade de elementos aos

olhos do espectador, há casos em que a presença do boneco, a destreza do(s)

animador(es) e algum elemento de cena bastam.

Um desses casos pode ser exemplificado pelo espetáculo Vis Motrix da Cia.

Imago Teatro de Animação (PR), que não utiliza cenário, apenas alguns elementos

de cena evidenciando que o que está em questão são os movimentos dos bonecos.

A imagem dos bonecos juntamente com o jogo criado prescinde desse elemento.

Num balcão negro completamente vazio e recortado com a iluminação – segundo o

29

diretor do espetáculo Mauro Rodrigues (2010), para impedir o “registro visual preciso

do espaço/palco” – bonecos de espuma e madeira sem feições definidas são

animados. Estes bonecos contracenam com alguns elementos de cena tais como

vassoura, bola, guarda-chuva, entre outros, para complementar suas ações, como

pode ser observado nas Figuras 17 e 18 abaixo.

Figuras 17 (à esquerda) e 18 (à direita) – Cenas do espetáculo Vis Motrix. Fonte: www.flickr.com/photos/camila_fontes/page13

Este é um exemplo em que o próprio espaço cênico, sem cenário, possibilita

uma composição visual que vai ao encontro da proposta do espetáculo. De acordo

com Rodrigues:

esta escolha pela neutralidade do espaço não é sem razão ou sem proveniência. Tudo é escuro, feito de penumbra em razão de que [...] o surgimento da vida da marionete se dá no ambiente de acolhimento: é escuro como dentro do útero (a platéia também tem luminosidade baixada, desde a recepção do público que é feita por mim e pelo elenco). (ibid)

Percebe-se, portanto, que apesar de o balcão possibilitar composições

cenográficas bastante elaboradas, a ausência de cenário pode, em alguns casos,

contribuir mais do que sua presença.

1.3 APONTANDO PARA NOVAS POSSIBILIDADES

Basta observar o contexto do teatro de bonecos atualmente para perceber

que a técnica de animação pode não ser mais um indicador do espaço cênico, como

sugere Anzolin (2010), uma vez que a presença do animador é capaz de romper

30

convenções pré-estabelecidas. Como foi possível observar em alguns dos exemplos

utilizados neste capítulo a presença do animador pode romper as barreiras que a

técnica supostamente impõe, ampliando as dimensões dos espaços cênicos. Estes

espaços, por sua vez, continuam sendo um definidor da cenografia uma vez que são

os contentores da cena e, portanto, o que delimita as possibilidades cenográficas do

espetáculo. Seja na empanada, no balcão, no palco italiano ou no espaço aberto o

cenário, como visto anteriormente, está sempre condicionado às imposições do

espaço no qual está inserido. Contudo, essa delimitação não impede diferentes

apropriações do mesmo espaço, o que multiplica as possibilidades cenográficas que

ele oferece.

Há, no entanto, um aspecto de grande importância a ser considerado nas

composições cenográficas no teatro de bonecos: a presença constante do animador,

pois mesmo quando está oculto ainda está presente. Segundo Anzolin (2010) é

preciso estar atento, pois “além da posição do espectador, há o local visível do

objeto/personagem e o local do artista/personificador que pode estar aparente ou

não” (p. 81). Assim, independente do espaço cênico que se utilize, o animador está

sempre ligado ao boneco de algum modo e isso deve ser considerado no momento

de concepção cenográfica para que não encubra elementos importantes à

compreensão do espetáculo e para que o próprio cenário não se torne um obstáculo.

Essa é, portanto, uma das particularidades que diferencia a cenografia do teatro de

bonecos da cenografia do teatro de atores.

Outra ressalva importante e que merece a devida atenção é que nenhuma

das configurações cenográficas vistas neste capítulo é melhor ou mais significativa

que outra, mas sim diferentes concepções artísticas que convivem

harmoniosamente lado a lado e que enriquecem, desta forma, a linguagem do teatro

de bonecos. Após observar algumas das transformações ocorridas na maneira de

utilizar o cenário nesta arte e algumas das inúmeras possibilidades que ele pode

oferecer, pretende-se analisar de que maneira o diálogo do teatro de bonecos com

outras linguagens artísticas pode gerar novas propostas cenográficas. Considerando

o contexto atual, no qual as fronteiras entre o teatro de bonecos e os outros campos

artísticos estão diluídas, foi escolhido para realizar esta análise o diálogo

estabelecido entre este campo teatral e o cinema.

31

2 DIALOGANDO COM A SÉTIMA ARTE

É possível perceber no contexto artístico atual que a dissolução de fronteiras

entre diferentes linguagens proporciona um enriquecimento mútuo e o surgimento de

novos códigos artísticos. O teatro de bonecos contemporâneo é caracterizado por

uma diversidade de técnicas, apropriações, explorações, procedimentos e

aproximações com outras linguagens que o tornam uma arte difícil de conceituar.

Assim, a aproximação desta arte com outras linguagens acaba transformando

alguns aspectos e características pré-estabelecidos como, por exemplo, o

rompimento dos espaços cênicos tradicionais em função da interferência do ator na

cena, conforme visto no capítulo anterior. Há também a apropriação de conceitos

das artes visuais que transformam a maneira de confeccionar os bonecos, alterando

sua forma e evidenciando seu caráter plástico e artificial como, por exemplo, a

estilização dos traços, fugindo ao antropomorfismo convencional.

Observando a existência, em alguns espetáculos, de uma aproximação do

teatro de bonecos com a linguagem cinematográfica e percebendo as possibilidades

cenográficas que isso pode oferecer aos espetáculos, optou-se por investigar que

possibilidades são estas. Deste modo, considerando que o espaço cênico determina

algumas condições à cenografia e que dentro destas condições surgem as mais

variadas experimentações, a discussão sobre o cenário passa então a ser ampliada

pela apropriação, por parte das encenações, de características cinematográficas.

2.1 UMA ARTE INDEPENDENTE

As possíveis origens do cinema podem ser encontradas nos brinquedos

óticos do início do século XIX como o fenaquistoscópio, o taumatroscópio, o

zootrópio e o estroboscópio, por exemplo, que consistiam em simular o ganho de

movimento de uma imagem desenhada através da exposição seqüencial de várias

imagens estáticas. Mas foi com o desenvolvimento da fotografia e o aprimoramento

das câmeras fotográficas que começou a ganhar os primeiros contornos do cinema

que se conhece hoje. Com o surgimento dos primeiros instrumentos de captura

seqüencial de imagens iniciaram as experiências com fotografias animadas, de

modo que mais tarde buscou-se uma maneira de projetá-las. Aliando então, a

fotografia animada a um equipamento conhecido como lanterna mágica, que

consistia basicamente em um projetor de slides, começava a se desenvolver o que

32

mais tarde seria conhecido no mundo inteiro como cinema. A partir de então buscou

também no teatro alguns recursos para seu desenvolvimento enquanto linguagem.

As primeiras filmagens feitas com o quinetógrafo de Thomas Edison eram em sua

maioria pequenas cenas que se repetiam ciclicamente nas quais Dickson9 colocou

artistas de variedades para interpretar (SADOUL, 1963). Mas foi Georges Méliès

(1861-1938) quem se apropriou mais profundamente de recursos teatrais para

utilizá-los no cinema, semeando os princípios da encenação cinematográfica.

Segundo Georges Sadoul (1963), “o traço genial de Georges Méliès foi o emprego

sistemático no cinema da maioria dos recursos do teatro: argumento, atores, trajes,

maquilagem, cenografia, maquinaria, divisão em cenas ou atos, etc” (p. 30). Naquele

momento, porém, o cinema estava longe de ser o que é hoje em termos de

linguagem. Flávia Cesarino Costa (2006) apresenta uma breve visão de como eram

os filmes na transição entre os séculos XIX e XX:

Em geral, a câmera ficava estática, de modo a mostrar o corpo inteiro de todo um conjunto de pessoas, realizando panorâmicas apenas para reenquadrar certas ações mais movimentadas. Quando dentro de estúdios, a câmera se localizava no que seria o lugar de um espectador de teatro [...]. (p. 29)

Ou seja, consistia basicamente em um teatro filmado e apesar de autores

como Jacques Aumont (2004) já observar linguagem em algumas filmagens dessa

época, não se haviam desenvolvido ainda muitas das convenções que caracterizam

a linguagem cinematográfica, tal qual se conhece hoje, e que viriam a tornar o

cinema uma arte independente. Foi com a ousadia de alguns diretores e o

aprimoramento técnico dos equipamentos que o cinema começou a desenvolver

suas particularidades e uma gramática própria. Desenvolveram-se os

enquadramentos, a montagem, as trucagens10 e, sobretudo, a câmera saiu da

imobilidade para transitar pelo set, oferecendo dinâmica às filmagens e

possibilitando diferentes enquadramentos e pontos de vista.

Com o desenvolvimento do cinema e sua afirmação enquanto campo artístico

com convenções próprias, além da ampla e rápida disseminação desta arte durante

9 William Kennedy Laurie Dickson (1860-1935), trabalhou com Thomas Edison no desenvolvimento

de equipamentos que posteriormente originariam o cinematógrafo de Lumière. Também foi o inventor do filme de celulóide e produziu os primeiros filmes com atores. 10

Truques de filmagem amplamente explorados por Méliès, dos quais os mais comuns naquela época são a substituição e o desaparecimento de pessoas e objetos, retrocesso de movimento e a alteração da velocidade. São os primeiros efeitos especiais do cinema.

33

o século XX, a possibilidade de apropriação de recursos torna-se uma via de mão

dupla entre o teatro e o cinema. Portanto, assim como o cinema já havia feito

anteriormente, o teatro passa a ter a possibilidade de tomar emprestadas

características genuinamente cinematográficas para suas encenações. Desta forma,

considerando que o teatro de bonecos é uma representação teatral por excelência e

observando o atual contexto de inter-relações artísticas, serão destacados dois

aspectos da linguagem cinematográfica que o teatro de bonecos pode tomar

emprestado através do cenário: a técnica e a visualidade.

2.1.1 Técnica

Muito do que caracteriza a linguagem cinematográfica está relacionado com

os recursos técnicos de que ela dispõe: os enquadramentos, os movimentos de

câmera e a montagem, por exemplo. São estes artifícios, característicos do cinema,

que neste estudo optou-se por chamar de técnica cinematográfica.

O enquadramento no cinema é a delimitação retangular da imagem filmada, a

porção da realidade recortada pelos limites da câmera. É possível enquadrar desde

um olho ou um pequeno objeto até uma paisagem inteira e no cinema os

enquadramentos estão diretamente relacionados com os planos11, de modo que se

convencionou nomear os diversos tipos de planos de acordo com seu

enquadramento. Em função das inúmeras denominações dos tipos de planos, as

quais nem sempre estabelecem concordância, buscou-se aqui definir de maneira

genérica e com finalidade metodológica os tipos de planos e seus respectivos

enquadramentos, advertindo que não se trata de uma definição rígida. Portanto,

levando em consideração a afirmação de Marcel Martin (2005) de que “o plano é

tanto maior ou aproximado quanto menos coisas nele houver para ver” (p. 47), tem-

se, de acordo com a ordem das imagens da Figura 19: Grande Plano Geral (1) –

enquadra grandes paisagens ou cenários nos quais a personagem aparece

compondo o ambiente; Plano Geral (2) – enquadra a personagem inteira,

destacando as ações e o cenário; Plano Inteiro (3) – enquadra a personagem inteira

enfatizando as ações, o ambiente não tem destaque; Plano Americano (4) –

enquadra a personagem do joelho para cima; Plano Médio (5) – enquadra a

11

O plano é um trecho de filme registrado ininterruptamente pela câmera, ou seja, compreende a imagem filmada entre os atos de apertar o REC e o STOP. Pode ser curto ou longo e pode ser filmado com o enquadramento fixo ou em movimento.

34

personagem da cintura para cima; Primeiro Plano (6) – enquadra a personagem do

busto para cima; Grande Primeiro Plano (7) – enquadra o rosto da personagem;

Plano Detalhe (8) – enquadra um detalhe como a boca ou a mão da personagem.

Figura 19 – Tipos de enquadramento. Fonte: Imagem editada por mim a partir da obra O Banho de Susana de Albrecht Altdorfer.

Esta definição de planos leva em consideração o enquadramento da figura

humana, mas pode ser aplicada com objetos ou paisagens, de modo que um plano

detalhe pode enquadrar uma arma sobre uma mesa ou um plano geral pode mostrar

o ambiente vazio de uma cozinha. Assim, os diferentes enquadramentos ajudam a

contar a história, diferentemente dos planos fixos utilizados por Méliès nas suas

primeiras filmagens em estúdio.

Outro recurso, também muito utilizado no cinema é a montagem. Esta

ferramenta consiste na reunião de vários trechos do filme (os planos), que são

gravados separadamente e organizados de acordo com a ordem e a duração

definida pelo diretor para a criação da sequência final. É desta forma que se obtém

os cortes instantâneos para diferentes ambientes e planos, os cutbacks12, as cenas

simultâneas, os diferentes pontos de vista de uma mesma cena, entre outros efeitos.

Aliando este recurso aos diferentes tipos de enquadramento é possível

oferecer mais dinâmica às cenas, diferentemente do modo como eram gravados os

primeiros filmes de Méliès, nos quais os planos tinham sempre o mesmo

12

São saltos temporais na trama, podem ser para o futuro ou para o passado. Geralmente utilizados para relembrar um acontecimento (flashback) ou antever outro.

35

enquadramento – um plano geral fixo semelhante à boca de cena de um teatro. Na

Figura 20, por exemplo, é possível observar a utilização desta união.

Figura 20 – Plano detalhe e primeiro plano. Fonte: FABULOSO, 2001. (Imagem extraída de vídeo)

Nesta cena o encadeamento dos dois planos distintos – plano detalhe e

grande primeiro plano – sugere ao espectador, por associação, que o bilhete do

plano 1 está sendo lido pelo ator do plano 2. Esta justaposição associativa de planos

é um procedimento muito utilizado no cinema e nem sempre possui uma sequência

lógica, podendo ser utilizada para confundir o espectador. A montagem pode

também ser utilizada de outra forma, com o intuito de contar uma história através

dos seus principais episódios, seja seguindo uma ordem cronológica ou não. Esta

maneira de utilizar a montagem pode ser mais bem compreendida utilizando-se um

exemplo conhecido por muitos, a sequência das 14 ilustrações da via crucis. Ali é

contada em apenas 14 planos, cronologicamente organizados, a trajetória da

condenação de Jesus Cristo até seu sepultamento. Com este exemplo também é

possível perceber que, apesar de o cinema ter desenvolvido amplamente esse

recurso, o princípio da montagem já existia muito antes da sétima arte.

Os movimentos de câmera constituem um terceiro recurso

caracteristicamente cinematográfico e consistem em deslocamentos realizados com

a câmera. Tem a finalidade de modificar o enquadramento da cena durante um

plano ou acompanhar uma ação, sendo geralmente realizados com o auxílio de

mecanismos como trilhos, gruas13 e tripés. Os dois mais comuns são a panorâmica

e o travelling. O primeiro provém de movimentos executados pela câmera sobre seu

eixo – vertical ou horizontal – semelhante aos movimentos de “sim” e “não” que se

13 Equipamento semelhante a um guindaste para mover a câmera em diferentes direções. Funciona com um

sistema de contrapeso e na extremidade do “braço” é fixada a câmera ou um assento para o cinegrafista.

36

faz com a cabeça, conforme pode ser observado na Figura 21. O segundo provém

de deslocamentos realizados geralmente sobre trilhos ou gruas e podem ser para os

lados, para trás, para frente, para cima e para baixo, deslocando o eixo da câmera

pelo espaço para acompanhar uma caminhada, se aproximar, se afastar ou

circundar uma ação, como é possível conferir na Figura 22.

Figura 21 (à esquerda) – Movimento da panorâmica horizontal. Fonte: http://filmagem.blogspot.com/2007/10/tecnica-de-captura.html Figura 22 (à direita) – Movimento do travelling lateral. Fonte: http://filmagem.blogspot.com/2007/10/tecnica-de-captura.html

Além dos deslocamentos da câmera, há ainda o zoom, recurso ótico no qual a

posição das lentes da câmera é alterada com a finalidade de simular a aproximação

ou o afastamento do objeto filmado. No cinema este recurso pode ser utilizado em

movimento ou fixo, de modo que se utilizado em movimento altera gradualmente o

enquadramento da imagem e se utilizado fixo pode configurar um plano detalhe ou

um grande primeiro plano. Esses movimentos – da câmera e das lentes – são um

recurso que pode ser considerado como genuíno do cinema. Diferentemente dos

enquadramentos que já eram explorados pela pintura e pela fotografia; da

montagem que já havia sido utilizada pela pintura como visto no exemplo da via

crucis; das trucagens teatrais entre outros recursos anteriores ao cinema e

absorvidos por ele, a transição entre diferentes enquadramentos através de um

movimento de câmera ou ótico é genuinamente cinematográfico.

2.1.2 Visualidade

A visualidade dos filmes está comumente associada aos gêneros

cinematográficos – terror, suspense, aventura, entre outros – de modo que cada

gênero possui determinados códigos visuais que lhes imprimem alguma

37

homogeneidade.14 Assim, optar por um gênero específico impõe, quase sempre,

seguir certas configurações visuais, como por exemplo: o ambiente tétrico dos filmes

de terror; as ambientações sombrias e ameaçadoras do cinema noir; os cenários

surreais dos filmes de ficção científica e aventuras fantásticas; os ambientes áridos

dos filmes de faroeste, entre outros. Na Figura 23 é possível conferir esta

visualidade característica de cada gênero, de modo que as imagens estão

seqüenciadas de acordo com a ordem dos exemplos acima descritos.

Figura 23 – Cenas dos filmes O Albergue, Fuga do Passado, Avatar e O Bom, O Mau e o Vilão. Fontes: FILMES, 2010; CAVE, 2010; NEXUS77, 2010; HOLLYWOOD, 2010.

Um conjunto de elementos compõe as características visuais dos filmes tais

como, o cenário, a caracterização das personagens, a iluminação, as cores, entre

outros. Contudo, há um aspecto interessante relacionado à visualidade no cinema e

que não está associado a um gênero específico ou aos elementos acima citados: é a

projeção em branco e preto dos filmes do início do século XX, determinada pelos

recursos tecnológicos da época. Esta condição dos filmes da época acabou

forçosamente tornando-se uma característica de determinadas obras, de modo que

se torna difícil a dissociação entre um filme de Chaplin e a projeção sem cores, por

exemplo. Sendo assim, que se compreenda por visualidade cinematográfica, neste

estudo, os aspectos visuais gerados ou difundidos através do cinema, seja por

opção estética ou limitação tecnológica.

2.2 AS VANTAGENS DE SER BONECO

O teatro de bonecos, por ser uma arte que possibilita trabalhar com pequenas

proporções e em função da particularidade material de suas figuras, permite uma

ampla apropriação dos mecanismos da linguagem cinematográfica. Personagens

14

Apesar de teorias contemporâneas do cinema colocarem em discussão a questão dos gêneros cinematográficos, não se pretende, com este estudo, penetrar profundamente no cerne desta questão. Portanto, a fim de facilitar a discussão abordada na presente pesquisa, assumir-se-á a divisão das obras cinematográficas em gêneros.

38

podem ser facilmente duplicados, podem ter tamanhos diferentes ou ainda serem

divididos entre bonecos e atores. Há também a possibilidade de estruturação de

cenários simultâneos e com diferentes escalas de tamanho, entre outras

particularidades desta arte. Tudo isso permite ao teatro de bonecos uma

complementaridade próspera com a linguagem do cinema que pode oferecer uma

dinâmica singular aos espetáculos. Sobre as particularidades do teatro de bonecos

que facilitam a apropriação da linguagem cinematográfica, Renato Machado (2008)

diz que:

As duas mais importantes são a diminuição da escala humana para a escala do boneco e a possibilidade de clonar indefinidamente personagens. A diminuição da escala permite que exista uma diversidade imensa de objetos e uma multiplicidade de cenários que na escala humana seria bem mais difícil de realizar; a possibilidade do personagem existir simultaneamente em diferentes pontos do palco, surgir, sumir, dialogar consigo mesmo, está relacionada com a possibilidade de reprodução física do boneco. (p. 198)

Desta forma, por ser o teatro de bonecos uma arte notavelmente plástica e

por possuir a maleabilidade cênica vista acima, procurou-se observar aqui quais

possibilidades a relação com cinema pode oferecer em termos de cenário aos

espetáculos de bonecos. E de que maneira isso pode ampliar o potencial expressivo

deste elemento que compõe a cena.

2.2.1 Teatralidade cinematográfica

Como visto anteriormente, o cinema é fortemente caracterizado pelos seus

recursos técnicos. Estes recursos são, muitas vezes, difíceis de serem reproduzidos

em uma representação teatral com atores em função das dimensões necessárias

para sua execução e dos custos que isso acarretaria, além do tempo e trabalho

necessários. Assim, o teatro de bonecos leva vantagem sobre o teatro de atores na

apropriação destes recursos, uma vez que sua possibilidade de utilizar pequenas

proporções lhe oferece certas facilidades no manuseio da cena, muito improváveis

no teatro de atores.

Uma destas facilidades é a rápida troca de cenários ou mesmo a utilização de

cenários simultâneos, à qual pode-se recorrer para simular diferentes

enquadramentos. Este recurso, muito comum no cinema, pode ser simulado no

teatro de bonecos alterando as dimensões dos bonecos e dos cenários, por

39

exemplo. Isso insinua uma alteração do ponto de vista, como se os elementos de

cena fossem aproximados ou afastados da visão do espectador. Nas Figuras 24 e

25 a seguir, é possível observar a utilização deste recurso para simular dois distintos

enquadramentos em um mesmo espetáculo.

Figuras 24 e 25 - Cenas do espetáculo A Caixa – Cia. Mútua (SC) Fonte: www.ciamutua.com.br

O espetáculo da Cia. Mútua é protagonizado por um boneco-palhaço que em

determinada cena é substituído por uma réplica em tamanho reduzido. Esta

miniatura é animada diante de um painel no qual estão desenhadas imagens de

prédios conforme a figura 24, à esquerda. Desta forma, a disposição cenográfica

simula o enquadramento de um grande plano geral, bastante utilizado no cinema

com finalidade descritiva e que só é possível, neste caso, graças à pequena

dimensão com a qual se está trabalhando. Já na figura 25, à direita, é possível

observar que a utilização de poucos elementos de cenário em escala maior que a da

figura anterior, configura um enquadramento semelhante ao de um plano geral, ou

seja, mais aproximado e com maior definição do ambiente e das ações da

personagem, uma vez que os limites espaciais – o balcão, no caso – continuam os

mesmos, o que diminuiu foi a quantidade de informações do ambiente.

Outra possibilidade de apropriação de recursos cinematográficos pelo teatro

de bonecos que pode enriquecer a encenação é a simulação dos movimentos de

câmera. É possível simular este recurso de diferentes maneiras – geralmente

através do cenário – e uma delas foi utilizada no espetáculo O Senhor dos Sonhos

da Cia. Truks Teatro de Animação (SP). Em determinada cena um boneco é

animado sobre um balcão e diante de uma tela com cenário pintado, no entanto, os

40

movimentos do boneco apenas simulam uma caminhada. Ele permanece no mesmo

lugar e o que desliza é a tela ao fundo, utilizando um mecanismo cenotécnico

simples, já explorado por Erwin Piscator no teatro de atores na década de 1930, cujo

princípio consiste em transferir uma longa tela com cenário pintado, enrolada em

uma bobina vertical, para outra bobina, conforme é possível conferir na Figura 26.

Figura 26 - Cena de O Senhor dos Sonhos – Cia. Truks (SP) Fonte: www.truks.com.br

Este mecanismo aliado à ação do boneco simula um longo travelling da direita

para a esquerda. A simulação deste movimento de câmera já havia sido utilizada no

teatro de bonecos pela diretora do Teatro Tandarica, Margareta Niculescu, na

Romênia em 1958 no espetáculo A Mão de Cinco Dedos. Citada por Jurkowski

(2000), Niculescu descreve uma cena em que um personagem arremessa outro de

um trem em movimento:

O vagão não se mexe. Só um leve tremor, postes de luz que desfilam diante das janelas e um cachecol que flutua ao vento dão a impressão de que o trem avança. Em muitos de nossos espetáculos nós utilizamos efeitos especiais para dar a impressão de que um personagem percorre uma distância, numa variante dos travellings nas filmagens em estúdio. (p. 56)

É possível perceber, em ambos os casos mencionados, que o cenário é um

elemento determinante nestas cenas, uma vez que o espectador permanece

observando a cena de um mesmo lugar e é através da movimentação do cenário e

das ações dos bonecos que se obtém o resultado pretendido. Convém lembrar que

diferentemente do cinema, onde o observador – a câmera – desloca-se para obter

esta movimentação, nos exemplos mencionados é a cena que se desloca e não o

observador – espectador. Assim, as simulações aqui exemplificadas, necessitam da

41

relação frontal – ou mais aproximada do centro – entre cena e espectador para

conseguir o efeito desejado.

Como um terceiro recurso capaz de dinamizar as encenações com bonecos

tem-se a montagem. Este procedimento é utilizado no teatro há muito tempo, os

mistérios medievais, por exemplo, já faziam uso da montagem ao dividir as

encenações em estações que representavam determinadas etapas da história. O

teatro de bonecos também já utilizava o recurso, recorrendo às telas pintadas com

diferentes ambientes como pode ser observado na Figura 27.

Figura 27 – Cenas do Picolo Teatro dei Pupi di Siracusa. Fonte: PUPI, 2008/2009. (Imagem extraída de vídeo)

Nestas imagens observam-se diferentes cenas de um mesmo espetáculo, no

qual as telas são substituídas rapidamente durante o percurso da encenação. Usa-

se a montagem a fim de encurtar a linha espaço-temporal, contando a história

através dos seus principais episódios. Trata-se de uma encenação de Pupi Siciliani

manifestação tradicional de teatro de bonecos do sul da Itália, na região da Sicília,

existente desde o início do século XIX15.

Entretanto, como visto anteriormente, este recurso ganhou novas acepções

dentro da linguagem cinematográfica e pode ser utilizado conjuntamente com

imagens associativas ou diferentes enquadramentos de uma mesma ação,

oferecendo mais dinâmica às cenas e ajudando a contar a história. Um exemplo de

utilização desta acepção cinematográfica de montagem em um espetáculo de teatro

de bonecos é descrito por Felisberto Sabino da Costa (2000), em O Menor

Espetáculo da Terra, encenado em 1989 pelo Grupo Cem Modos (RS):

Vejamos, por exemplo, a sequência entabulada pelos dois sentinelas. O primeiro, ao surgir em cena, parece estar no encalço de alguém.

15

Para maiores informações conferir Pasqualino (2004).

42

Inicialmente encontra-se no perímetro urbano da cidadela, por entre o casario, com uma estatura condizente com a dimensão das torres do castelo. A seguir, em tamanho maior, aparece próximo às muralhas que defendem a pequena comunidade medieval. Finalizando o percurso, eis que surge ampliado, de corpo inteiro, do lado de fora, circundando o muro. [...] Através do procedimento da escala dimensional, o mesmo personagem é apresentado em três tamanhos e técnicas diferentes. Na primeira cena a movimentação é feita com varas; em seguida, marote e, na terceira, o ator veste um boneco. (p. 219-220)

Trata-se aqui de um procedimento de montagem aliado tanto às imagens

associativas quanto aos diferentes enquadramentos de cena. Primeiro porque a

organização das cenas sugere uma continuidade de ação e depois porque a forma

como a personagem é apresentada sugere, a cada quadro, uma aproximação. Desta

forma simula-se um grande plano geral, passando por um plano geral até chegar em

um plano inteiro, o que intensifica a dramaticidade da ação. Caso fosse realizada

toda em um mesmo plano, mostrando de um único ponto de vista todo o percurso da

personagem, acabaria perdendo carga dramática e tornando-se uma cena

descritiva.

Assim, é possível montar uma sequência de cenas no teatro através da

utilização do cenário, oferecendo mais dinâmica às cenas, tal qual se monta uma

sequência de planos cinematográficos. Algumas maneiras de simular este recurso

são a utilização do procedimento da escala dimensional já visto anteriormente no

espetáculo A Caixa, a estruturação de cenários simultâneos ou ainda recorrendo ao

uso da iluminação para recortar determinadas porções do cenário.

2.2.2 Uma arte plástica

De acordo com Felisberto Sabino da Costa (2000), o teatro de animação e o

cinema são formas de expressão que se apóiam na imagem, cada um com suas

particularidades. O cinema, como foi visto anteriormente, possui determinados

códigos visuais que caracterizam suas produções, seja pelo manuseio das imagens

que ele possibilita ou pela visualidade dos filmes. Já o teatro de bonecos é uma arte

com fortes características plásticas e pautada na imagem, correspondendo à

natureza material de suas personagens. Esse caráter artificial do teatro de bonecos

permite uma vasta apropriação dos elementos da linguagem cinematográfica como

já foi possível conferir em alguns exemplos, seja pela sua capacidade de

multiplicação física, pela facilidade de manuseio da cena ou pela naturalidade com

43

que transita por diferentes escalas dimensionais. Entretanto, outro aspecto a ser

observado é a maleabilidade plástica de seus elementos, ou seja, por ser o boneco

um objeto, a ele é possível dar o mesmo tratamento plástico que se dá aos outros

elementos concretos do espetáculo.

Desta maneira, é possível recriar os aspectos visuais dos filmes não apenas

nos cenários, mas também nos próprios bonecos, evidenciando o caráter imagético

desta linguagem. Dois espetáculos que podem exemplificar esta apropriação da

visualidade cinematográfica pelo teatro de bonecos são The Cabinet do grupo

estadunidense Redmoon Theater e Los Bufos de La Matiné do grupo argentino El

Chonchón. O primeiro, inspirado no filme expressionista alemão O Gabinete do Dr.

Caligari (1919), recria, a seu modo, os ambientes e personagens macabros do filme

considerado o primeiro do gênero terror. Essa assimilação da visualidade do filme

pelo espetáculo pode ser conferida nas Figuras 28 e 29.

Figura 28 (à esquerda) – Cena do espetáculo The Cabinet – Redmoon Theater (EUA) fonte: www.chicagostagereview.com/?tag=redmoon-theater&paged=2

Figura 29 (à direita) – Cena do filme O Gabinete do Dr. Caligari (1919). Fonte: www.afilmcanon.com

É possível observar que o cenário do espetáculo segue a linha do

expressionismo com uma aparência distorcida, ambientes sombrios tal qual o

cenário do filme. Além disso, mescla as cores vibrantes da pintura expressionista

com os tons acinzentados do cinema sem cores. Para complementar, as

caracterizações dos animadores e os bonecos recebem o mesmo aspecto tétrico do

cenário, evidenciando ainda mais a visualidade emprestada do filme de Robert

Wiene.

44

O segundo espetáculo recria as clássicas gags de O Gordo e o Magro (Oliver

Hardy e Stan Laurel) e de Carlitos (Charlie Chaplin). Com bonecos de luva e alguns

elementos de cenário, a peça recorre à visualidade típica dos clássicos filmes nos

quais se inspira, como é possível observar nas Figuras 30 e 31.

Figura 30 (à esquerda) – Cena do espetáculo Los Bufos de la Matiné – El Chonchón (ARG) Fonte: http://www.extension.unc.edu.ar/los-bufos-de-la-matine-2-p.gif/view Figura 31 (à direita) – Cena do filme Um Dia Perfeito (1929). Fonte: http://setimaarteecultura.blogspot.com/2010/08/5-curtas-de-o-gordo-e-o-magro-19291930.html

Neste caso não se recorre a um gênero fílmico com aspectos visuais

específicos como no exemplo anterior, mas sim às personagens imortalizadas pelo

cinema do início do século passado. Contudo, a característica visual mais marcante

dos filmes desta época é a projeção em preto e branco e é possível perceber em

cada elemento do cenário do espetáculo, bem como nos próprios bonecos, a

inegável inspiração nos clássicos cômicos da primeira metade do século XX. Não

apenas a fisionomia dos bonecos é recriada de acordo com a imagem e semelhança

das personagens, mas também a ausência de cores, de modo que todos os

elementos que compõem a cena – inclusive os bonecos – são confeccionados em

tons de cinza e sépia. Estes dois exemplos demonstram de que maneira a escolha

por referências cinematográficas propõem – ou impõem – também determinados

códigos visuais consagrados pelo cinema. Além disso, evidenciam a característica

plástica e visual do teatro de bonecos e demonstram um dos recursos que compões

a capacidade expressiva do cenário.

Foi possível observar até o momento algumas das diferentes possibilidades

cenográficas que a linguagem do cinema pode proporcionar ao teatro de bonecos.

Deste modo, parte-se então para uma análise mais aprofundada do potencial

45

expressivo do cenário nas encenações com bonecos, baseado na apropriação de

recursos cinematográficos.

46

3 O POTENCIAL EXPRESSIVO DO CENÁRIO

No capítulo anterior foram observadas algumas das possíveis apropriações

de características cinematográficas pelo teatro de bonecos, de modo que se

constatou que o cenário pode ser um dos elementos mediadores do diálogo entre o

teatro de bonecos e o cinema. Desta forma, pretende-se então verificar, de maneira

mais aprofundada, como o cenário pode se tornar mais expressivo dentro da

encenação ao apropriar-se de características da linguagem cinematográfica e como

isso pode oferecer mais dinâmica às cenas.

A fim de objetivar a pesquisa três espetáculos brasileiros foram selecionados

para realizar esta análise: Sangue Bom e Filme Noir da Cia. PeQuod Teatro de

Animação (RJ) e O Incrível Ladrão de Calcinhas da Cia. Trip Teatro de Animação

(SC). Ambos os espetáculos possuem como denominador comum, a utilização do

balcão como espaço cênico para os bonecos e a apropriação de elementos da

linguagem cinematográfica. Buscando evidenciar o potencial expressivo do cenário

enquanto elemento que compõe a cena, serão observados os aspectos mais

relevantes de sua contribuição na aproximação dos espetáculos com a linguagem

cinematográfica, conforme estes se propõem.

3.1 SANGUE BOM16

Sob direção de Miguel Vellinho a Cia. PeQuod Teatro de Animação busca, em

algumas de suas montagens, experimentar a aproximação da linguagem

cinematográfica com o teatro de animação, sendo Sangue Bom a primeira

montagem do grupo e que deu início a este diálogo fronteiriço. Para criar o

espetáculo o encenador se apropriou da temática e da visualidade dos filmes sobre

vampiros, além de simular recursos técnicos da linguagem cinematográfica como

enquadramentos, montagem e movimentos de câmera através de recursos

cenotécnicos.

As histórias sobre vampiros foram absorvidas da literatura pelo cinema e se

tornaram um clássico entre os filmes de terror. A visualização dessas histórias

deixou de ser uma tarefa da imaginação e das ilustrações para ser estampada nas

16

Espetáculo estreado em novembro de 1999. Duração: 60min.; Direção: Miguel Velinho; Elenco: Liliane Xavier, Marise Nogueira, Márcio Nascimento, Márcio Newlands e Mario Piragibe; Cenografia: Andréa Renck e Miguel Vellinho; Iluminação: Renato Machado; Confecção de bonecos e adereços: Andréa Renck, Gabriela Bardy, Márcio Newlands e Miguel Vellinho

47

películas cinematográficas desde 1922, com a filmagem de Nosferatu, dirigida por

Friedrich Wilhelm Murnau e livremente inspirada no romance Drácula de Bram

Stoker. A partir de então a trajetória das produções cinematográficas inspiradas

nestes seres sobrenaturais foi marcada por filmes como Drácula de Tod Browning

(1931), A Dança dos Vampiros de Roman Polanski (1967), Nosferatu de Werner

Herzog (1979), Entrevista com o Vampiro de Neil Jordan (1994) e mais

recentemente a adaptação para o cinema da saga Crepúsculo escrita por Stephenie

Meyer. Apoiado na vasta literatura e filmografia vampiresca Vellinho monta Sangue

Bom.

Apesar de nortear a produção do espetáculo, a aproximação com a linguagem

do cinema surgiu após a experimentação de outros anseios. Segundo o diretor

Miguel Vellinho (2009), havia primeiramente o desejo de trabalhar com uma situação

específica, que era a utilização da técnica de animação direta em um espetáculo de

uma hora de duração e sem texto. Depois disso surgiu a idéia do vampiro, pois,

segundo o encenador, havia uma vontade de trabalhar com “uma figura que ajuda a

contar a história. Aquela figura que se metamorfoseia, que vira vampiro, que vira

morcego, que desaparece, que flutua” (ibid). Na sequência, respondendo ao anseio

de trabalhar com um cenário que transitasse pelo palco – fugindo à imobilidade

característica do teatro de bonecos – os balcões sobre os quais os bonecos são

animados receberam rodas. A partir de então a maneira de pensar o espaço cênico

do espetáculo se transformou significativamente, pois foi esta escolha por balcões

móveis que sugeriu a semelhança com os travellings usados no cinema, e que

acabou aprofundando o diálogo com a linguagem cinematográfica. Desta forma, o

cenário de Sangue Bom torna-se um dos elos entre o cinema e o espetáculo,

juntamente com a iluminação e a clonagem dos bonecos. A linguagem do cinema

passou, assim, a permear a produção deste e de outros espetáculos da PeQuod.

Estes balcões móveis, que sugeriram ao encenador a idéia de travelling, são

utilizados de duas maneiras diferentes no espetáculo para simular este movimento.

Em uma delas não é seu deslocamento, mas sim a sua disposição estática um ao

lado do outro formando corredores, eventualmente com elementos de cenário sobre

sua superfície para sugerir um determinado ambiente, como pode ser observado na

Figura 32 a seguir. Assim, o responsável por direcionar o olhar do espectador

durante o percurso da ação é o próprio boneco e seu deslocamento sobre estes

corredores.

48

Figura 32 – Cena de perseguição. Fonte: SANGUE, 1999. (Imagem extraída de vídeo)

Na outra maneira é o giro do balcão sobre seu eixo vertical que sugere um

travelling que contorna a ação. Esta última é utilizada, por exemplo, em uma cena

que ocorre num pequeno quarto, na qual o vampiro cai da janela e a garota corre

para observar. A cena inicia com o enquadramento de um plano geral lateral do

aposento, mostrando seu interior, na sequência, após a queda do vampiro, o balcão

gira alterando o ponto de vista da cena, que agora está do lado de fora do castelo e

enquadra a garota na soleira da janela. Ainda na mesma cena, o travelling é seguido

de uma simulação de zoom out,17 com o balcão deslizando para o fundo do palco

até sumir na penumbra, como num fade out18 para mudança de plano no cinema.

Contudo, apesar de proporcionar estes recursos, a maior contribuição dos

balcões móveis, neste espetáculo, não está na simulação de movimentos de

câmera. São os seus rápidos deslocamentos com os cenários, aliados à iluminação

e aos bonecos clonados, a sua principal contribuição, oferecendo a dinâmica e a

velocidade exigida para a edição das cenas ao modo cinematográfico. A narrativa

possui uma estrutura fragmentada de acordo com os roteiros de cinema, portanto a

mobilidade dos balcões e os cenários com elementos de fácil manuseio tornam-se

determinantes para facilitar o processo de encenação.

O cenário do espetáculo não se limita, no entanto, às miniaturas habituais

apoiadas sobre os balcões, pelo contrário, os próprios balcões são transformados

em elementos do cenário que compõem uma segunda camada ficcional,

17

É o oposto do zoom in, ou seja, o afastamento do objeto filmado. 18

Recurso de transição de cenas bastante utilizado no cinema e que consiste em diluir a imagem até que a tela se torne preta.

49

caracterizando-os como suportes dissimulados. Essa assimilação dos balcões pelo

cenário amplia sua função de suporte e o transforma em um elemento significante

do espetáculo. Segundo Mário Piragibe (2005):

O cenário da peça é formado por caixas móveis, que servem, tanto para compor a caracterização de um cais antigo – caracterização essa que é complementada pelo figurino andrajoso dos atores e pela forma como estes transportam as caixas, aludindo ao trabalho de estiva –, também, com uma alteração da luz, sugerir a miniatura de um castelo sinistro, e finalmente, para reproduzir cenários de interior, onde se desenrolam grande parte da ação dos bonecos na peça, apoiando-os sobre as caixas-cenários, com os atores manipulando-os por trás. (Não paginado)

Esta configuração não apenas oferece dinâmica ao espetáculo e também

justifica a presença humana no espaço cênico, possibilitando a criação de diferentes

camadas ficcionais e aproveitando o espaço do palco em sua totalidade. Neste

espetáculo, portanto, os balcões exercem duas funções simultaneamente,

transitando entre duas camadas distintas, porém complementares: a dos atores e a

dos bonecos. Na primeira compõem o próprio cenário e na segunda, além de

continuarem caracterizados como caixas, servem ainda de suporte para os bonecos

e cenários menores, delimitando estes pequenos espaços cênicos. Esta dupla

utilização dos balcões pode ser mais bem exemplificada observando as Figuras 33 e

34 a seguir.

Figura 33 (à esquerda) – Balcões como caixas de carga portuária. Fonte: Acervo da Cia. PeQuod. Figura 34 (à direita) – Balcão como suporte para um cenário em miniatura. Fonte: Acervo da Cia. PeQuod.

Na Figura 33 é possível observar as caixas que caracterizam o cenário da

camada ficcional dos atores. A transformação dos balcões em caixas cenográficas

50

surge para resolver o que Vellinho (2005) chama de: “necessidade de definição do

papel de cada elemento (animado ou não) sobre o palco” (p. 172). Desta forma, o

encenador recorre à lenda sobre vampiros que afirma que o vampiro precisa viajar

com a terra que o sepultou, pois é nela que ele restabelece suas forças. Então,

segundo Vellinho (ibid), “foi aí, nesse detalhe quase sem importância, que se

amarrou toda a conceituação cênica de Sangue Bom” (p. 172). As caixas simulam o

transporte da terra natal do vampiro, e é com o rompimento de uma delas, deixando

cair terra e um pequeno caixão sobre o palco, que inicia o espetáculo. Estas caixas

cenográficas, no entanto, não dissimulam apenas os balcões, elas são divididas em

três categorias:

Os balcões, que são usados para servir de palco para os bonecos e, por serem muitos, nos permitem criar inúmeras composições espaciais, como corredores de um castelo, masmorras e etc; os nichos, que são do mesmo tamanho dos balcões e ficam colocados sobre estes, para, através de dispositivos cenográficos, revelar os interiores do castelo, como uma sala suntuosa toda em mármore ou o quarto da jovem moradora; e, por último, uma série de pequenas caixas que foram pensadas pra resolver determinadas cenas, como é o caso de uma caixa que vira janela, outra que faz às vezes de entrada do castelo. (ibid, p. 174)

Na Figura 34 vista anteriormente, pode-se observar um dos dois “nichos”19

utilizados no espetáculo, com um cenário em miniatura que representa uma sala no

interior do castelo. Nos dois ambientes construídos nas caixas-nichos – o quarto e a

sala – o cenário se estrutura como uma representação detalhada dos cômodos com

piso, papel de parede, ornamentos, entre outras minúcias. É a partir destes detalhes

que se pode perceber a aproximação com outro aspecto cinematográfico – os

enquadramentos – pois estes ambientes, construídos deste modo, remetem ao

enquadramento de um plano geral no cinema. Caracterizado pela captura das

personagens de corpo inteiro e dos detalhes do ambiente à sua volta, o plano geral

é simulado neste espetáculo a partir dos nichos que enfatizam os detalhes do

cenário.

Da mesma forma, no restante dos ambientes do interior do castelo, a

composição do cenário, ou sua ausência, indicam o enquadramento das cenas. Na

maior parte deles o encenador recorreu à ausência total de cenário ou à utilização

19

Optou-se por utilizar o termo “nicho” para designar as caixas que se abrem revelando cenários em miniatura, pois foi este o termo empregado pelo encenador para definir tais dispositivos. Os cenários contidos no interior das caixas são revelados ao se abrir a tampa e as laterais das mesmas.

51

de cenários sintetizados que sugerem o lugar do castelo no qual ocorre a ação. Há

uma cena, por exemplo, em que o vampiro está perseguindo a garota em um amplo

salão, de modo que para sugerir este ambiente foram utilizadas quatro colunas

cenográficas enfileiradas sobre dois balcões. Em outra cena o caçador prepara

armadilhas para o vampiro em ambientes completamente vazios ou numa sala com

apenas um tapete. Esta economia de cenário é uma das maneiras empregadas pelo

encenador para sugerir os enquadramentos mais fechados, utilizados no cinema,

enfatizando a ação das personagens em detrimento do ambiente. Outra solução

para a mesma questão é a utilização da iluminação direcionada, como na cena em

que a garota se depara com o vampiro dentro do quarto e aponta uma arma para

ele. Neste momento o cenário permanece à vista do público, mas com o auxílio da

iluminação fica na penumbra e dois focos destacam as personagens.

Já os planos do exterior do castelo são sugeridos utilizando as caixas de

carga portuária, cujos tamanhos e funções são variados conforme visto

anteriormente. No início do espetáculo, por exemplo, estas caixas são empilhadas

de maneira que, através da iluminação, revelam a silhueta de um castelo como pode

ser observado na Figura 35 a seguir. Esta estrutura sugere o enquadramento de um

grande plano geral do castelo, e só se torna possível graças às convenções de

edição que o cinema instituiu e às pequenas dimensões com as quais se está

trabalhando. Em outro momento, para enquadrar a janela de uma das torres do

castelo, é utilizada uma das caixas menores. Esta caixa ao se abrir revela parte da

torre em que, na janela, está a personagem suicida como demonstra a Figura 36.

Figura 35 (à esquerda) – Castelo montado com caixas. Fonte: SANGUE, 1999. (Imagem extraída de vídeo) Figura 36 (à direita) – Caixa aberta simulando a torre do castelo. Fonte: SANGUE, 1999. (Imagem extraída de vídeo)

52

Seguindo o mesmo mecanismo utilizado para enquadrar a janela na torre,

outra caixa, ao se abrir, revela uma pequena porta emoldurada pela parede do

castelo, de modo que esta porção de parede que emoldura a porta sugere o

tamanho do enquadramento da cena, um plano geral.

Recorrendo ao princípio da montagem – muito utilizado no cinema – Vellinho

indica ao espectador até mesmo a localização do ambiente interno do castelo. Na

cena descrita anteriormente, o boneco-caçador, após se lamentar na porta do

castelo, entra novamente pela pequena abertura e imediatamente surge sobre um

balcão vazio no meio do palco, sugerindo assim, que este balcão representa o átrio

do castelo. Outra cena na qual se utiliza o mesmo princípio inicia com um refletor

iluminando uma caixa estreita e comprida colocada em pé sobre o palco, com uma

pequena pirâmide no topo para sugerir uma das torres do castelo. Em seguida abre-

se, ao lado da torre, uma das caixas-nicho revelando o interior do quarto com a

personagem amordaçada e o foco sobre a torre é apagado. Essa sequência de

imagens sobrepostas sugere ao espectador, por associação, que o quarto está

localizado na torre.

São todos estes recursos cenográficos, vistos até o momento, e as

possibilidades que eles oferecem ao encenador que torna possível constatar que o

cenário de Sangue Bom é um instrumento indispensável para a realização do

espetáculo. Vellinho consegue, através do cenário, dinamizar a estruturação das

cenas, integrar os animadores à trama do espetáculo além de amarrar toda a

narrativa. Assim como é também o cenário o principal elo entre o espetáculo e o

cinema, possibilitando e resolvendo a transposição da gramática da linguagem

cinematográfica para o palco, desde os enquadramentos e a montagem até os

movimentos de câmera. Isso evidencia o potencial expressivo deste elemento de

cena.

3.2 FILME NOIR20

Filme Noir – também da Cia. PeQuod – é um espetáculo que evidencia no

nome as referências que traz do cinema. Os filmes do tipo noir foram influenciados

20

Espetáculo estreado em agosto de 2004. Duração: 75min.; Direção: Miguel Velinho; Elenco: Liliane Xavier, Marise Nogueira, Márcio Nascimento, Márcio Newlands e Mario Piragibe; Cenário e adereços: Carlos Alberto Nunes; Iluminação: Renato Machado; Confecção dos bonecos: Maria Cristina Paiva, Márcio Newlands e Miguel Vellinho.

53

pelo movimento expressionista alemão, refletiam o clima de desilusão que

predominou após a Grande Depressão de 1929 e tiveram seu auge nas décadas de

1940 e 1950. Esses filmes se caracterizam pelas filmagens em preto e branco com

alto contraste, cujas narrativas giram em torno de histórias policiais envolvendo

gangsters, detetives e femme fatales, ocorrendo sempre em um ambiente sombrio e

nebuloso, emprestado dos filmes de terror. É exatamente este tipo de história e

ambiente que Miguel Vellinho recria no palco com Filme Noir, experimentando de

maneira mais intensa que em Sangue Bom as possibilidades da linguagem

cinematográfica, inclusive no que diz respeito ao aspecto visual, reproduzindo a

fotografia deste tipo de filme. Em matéria publicada no Caderno 3 do Diário do

Nordeste em 09 de abril de 2009, o jornalista Delano Rios escreve:

Mais que a chance de trabalhar em diferentes cenários, a companhia tirou o que pôde da estética noir. Os principais elementos visuais do gênero estão lá. O preto e branco do ecrã se transforma nos bonecos pintados e trajados de preto, branco e tons de cinza. O ar esfumaçado, as ambientações noturnas e as tramas policiais são reproduzidos em cena.

Referindo-se à escolha por este tipo de filme, Vellinho (2004) diz: “nada disso

faria sentido se a montagem não fosse inteiramente em preto-e-branco”. E para

obter tal efeito, além da restrição no uso das cores, os animadores foram

completamente cobertos com vestes negras para dissimularem-se junto ao fundo

escuro e a iluminação recebeu filtros para eliminar o amarelado da luz

incandescente.

Este é, portanto, um primeiro aspecto a ser considerado no que diz respeito à

contribuição do cenário no diálogo entre teatro de bonecos e cinema. A narrativa se

desenrola em diferentes ambientes, dentre eles o escritório do detetive, o camarim

de uma cantora de jazz e um bar, de modo que todos os elementos que compõem

os diferentes cenários são tingidos da mesma maneira que os bonecos, com apenas

três cores, recriando a visualidade dos filmes que inspiraram o espetáculo. Na

Figura 37 a seguir, é possível observar o tratamento plástico que receberam os

bonecos e o cenário, constatando que este elemento é peça fundamental para a

resolução cenográfica de Filme Noir e a aproximação com a linguagem

cinematográfica. Nota-se também nesta imagem que a iluminação filtrada e as

vestes negras dos animadores impedem a revelação de tons alheios à proposta e

ressaltam o aspecto acinzentado dos ambientes.

54

Figura 37 – Escritório de Guido Pino – Cenário e boneco em três cores. Fonte: Acervo da Cia. PeQuod.

Márcio Newlands, ator-animador da PeQuod, esclarece esta opção por ocultar

os animadores e filtrar a iluminação: “é algo necessário para destacar esta questão

plástica do espetáculo. Seria difícil recriar aquela atmosfera cinza, entre o preto e o

branco, se aparecesse uma cor de pele ali.” (NEWLANDS apud RIOS, 2009). Além

disso, outro aspecto interessante a ser observado é o fato de que a iluminação

torna-se praticamente um elemento do cenário. Os ambientes do cinema noir,

sempre com muita luz e sombra, estabelecem uma relação simbiótica entre luz e

cenário, de modo que um completa o outro em uma relação de interdependência,

produzindo um aspecto visual único. Assim sendo, o cenário de Filme Noir

dificilmente alcançaria o mesmo resultado sem as sombras provocadas pela

iluminação. Aliás, cabe aqui um parêntese para o fato de que em muitos casos, no

teatro em geral, o cenário sem a complementaridade da iluminação perde boa parte

de sua expressividade. Perde textura, profundidade e volume que muitas vezes só

são possíveis de se conseguir com a simbiose entre luz e cenário.

Apesar de evidentes no nome, na temática e na visualidade, as referências ao

cinema não estão apenas aí. O encenador utiliza novamente em Filme Noir a

simulação de recursos técnicos do cinema, que já havia explorado em Sangue Bom,

além de outros elementos que compõem a gramática cinematográfica. O espetáculo

inicia, por exemplo, com uma narração gravada que em determinado momento

sugere uma reconstituição das memórias de um detetive particular, enquanto no

palco um boneco recria a situação narrada. Toda a história do espetáculo

interpretada pelos bonecos se dá, portanto, através de acontecimentos que ocorrem

em flashback, acompanhados pela narração. Desta forma, alguns destes

55

acontecimentos são apresentados com mais de uma versão, como é típico no

gênero fílmico que empresta o nome ao espetáculo, o que faz com que a narrativa

não possua linearidade, sendo cortada e editada ao modo cinematográfico.

Como solução cenográfica para esta narrativa fragmentada o encenador

recorreu mais uma vez aos balcões móveis, para dinamizar as trocas de ambientes,

e aos bonecos duplicados, a fim de facilitar os cortes das cenas. Logo, um mesmo

boneco-personagem pode estar em dois balcões ao mesmo tempo, ou sair de um

ambiente e aparecer imediatamente em outro. Essa dinâmica, por sua vez, fez com

que o encenador selecionasse estrategicamente os enquadramentos de cada cena,

recorrendo, como já o havia feito em Sangue Bom, a duas distintas composições de

cenário para alcançar o efeito desejado: uma sintetizada e outra mais detalhada.

Ambas as composições podem ser observada nas Figuras 38 e 39 abaixo.

Figura 38 (à esquerda) – Escritório do detetive Race – cenário detalhado. Fonte: FILME, 2004. (Imagem extraída de vídeo) Figura 39 (à direita) – Cena do suicídio do barman – cenário sintetizado. Fonte: FILME, 2004. (Imagem extraída de vídeo)

Na maioria dos ambientes Vellinho recorre à síntese, limitando os cenários ao

essencial e tornando menos complexo o manuseio das cenas além de enfatizar a

ação das personagens. Apenas em alguns ambientes utiliza cenários mais

detalhados, como é o caso do escritório do detetive, local no qual ocorrem várias

cenas do espetáculo. Na Figura 38 é possível observar que além de recriar com

detalhes um escritório para sugerir um plano geral da cena, o encenador utiliza um

recurso cenográfico para simular o enquadramento do ambiente através de uma

janela. Uma cortina persiana fixada na parte frontal do balcão faz com que o

espectador observe a cena no escritório do detetive através de uma janela,

56

enquadramento típico deste tipo de filme, assim como a filmagem através de

espelhos e portas que produz um efeito de quadro dentro de quadro.

Para simular diferentes enquadramentos em uma mesma cena Vellinho

recorre aos balcões móveis e à possibilidade de fácil manuseio dos cenários

sintetizados. Há, por exemplo, uma cena de luta entre o detetive e o barman na qual

são simulados três enquadramentos diferentes, conforme é possível observar na

Figura 40 abaixo.

Figura 40 – Sequência da cena de luta – três diferentes enquadramentos. Fonte: FILME, 2004. (Imagem extraída de vídeo)

A cena inicia com dois balcões afastados sobre o palco, em um deles – à

esquerda do palco – há um balcão de bar e o barman, no outro – à direita – há uma

mesa de bar e o detetive. Lembrando que o plano é maior ou mais aproximado

quanto menos informações possuir, esta composição simula o enquadramento de

um grande plano geral com pouco destaque para as personagens, recorrendo ao

uso da parte pelo todo, de modo que os dois elementos de cenário simulam o

ambiente do bar inteiro. Em seguida os balcões se aproximam e encostam-se a um

balcão menor sem cenário, fechando para o enquadramento de um plano geral, no

qual o cenário do bar e as personagens ganham mais destaque. Ao iniciar a luta, os

bonecos estão sobre o balcão menor e os outros dois – com os elementos de

cenário – são retirados, concentrando o foco na ação, o que simula agora o

enquadramento de um plano inteiro. Esta sequência demonstra o mecanismo de

manuseio do cenário, utilizado pelo encenador em algumas cenas para sugerir

diferentes enquadramentos, seja através do deslocamento dos balcões ou da

remoção dos próprios elementos do cenário. Além disso, ratifica a idéia de

57

versatilidade de um cenário sintetizado, que neste caso foi necessário para

concretizar o objetivo do encenador.

Outro recurso cinematográfico bastante utilizado por Vellinho em Filme Noir, e

que é possível observar nesta mesma sequência, são as simulações de movimentos

de câmera. O deslocamento dos balcões um em direção ao outro, por exemplo,

reduz os limites do enquadramento sugerindo um zoom in, apesar de a distância

entre a cena e o espectador permanecer a mesma. Após iniciar a luta o movimento

sugerido é outro, o deslocamento do pequeno balcão sobre seu eixo vertical simula

um travelling em torno da ação. Este último movimento é utilizado também em uma

cena no escritório do detetive, na qual, enquanto ele se prepara para sair, o balcão

gira fazendo com que o espectador observe a cena lateralmente e não mais através

da janela. Na sequência desta mesma cena o boneco-detetive caminha sobre

balcões nos quais estão fixados elementos que sugerem uma calçada – latas de

lixo, caixas de correio, hidrantes. Estes balcões são deslocados durante a ação e

posicionados de modo a criar um trajeto pelo qual o boneco caminha, como uma

variante dos travellings de acompanhamento. Uma cena semelhante pode ser

observada na Figura 41, em que três balcões estáticos com elementos de cenário

sobre suas superfícies representam uma calçada por onde caminha uma das

personagens.

Figura 41 – Caminhada de Verônika de Vitta. Fonte: FILME, 2004. (Imagem extraída de vídeo)

Nesta cena, cujo recurso foi também utilizado em Sangue Bom, mesmo o

cenário estando completamente à vista, o olhar do espectador se concentra na

personagem e, à medida que ela caminha, capta a porção do cenário que está a sua

volta. Portanto, apesar de estático, o cenário sugere através do olhar do espectador

58

um movimento de travelling. Deste modo percebe-se que o flerte com a linguagem

cinematográfica em Filme Noir condiciona a composição do cenário, de forma que o

torna um elemento determinante para recriar, no palco, a dinâmica e a fotografia do

gênero cinematográfico que lhe empresta o nome. O recurso de um cenário cujos

elementos são de fácil manuseio e estão apoiados sobre suportes móveis é mais

profundamente explorado pelo encenador neste espetáculo, permitindo-o alterar

rapidamente os ambientes, além de posicioná-los na penumbra ou sob os focos de

luz, possibilitando a criação de diferentes atmosferas conforme solicita a proposta.

Esta estrutura cenográfica que permite o manuseio do cenário e

consequentemente a sua observação de diferentes ângulos exige, por sua vez,

certos cuidados no momento da confecção dos seus elementos. É preciso

considerar que estes elementos serão vistos por todos os lados devendo, portanto,

serem cuidadosamente elaborados em suas três dimensões. Enquanto um cenário

fixo sobre um balcão também fixo pode ter somente sua parte frontal pintada e

acabada, o cenário de Filme Noir, assim como o de Sangue Bom precisa ser

finalizado por inteiro para que possibilite a dinâmica pretendida.

Fugindo à homogeneidade da camada ficcional dos bonecos abordada até o

momento, há nesta encenação apenas uma ocasião em que o cenário desvia da

visualidade e da temática do suspense policial e é neste momento, ao final do

espetáculo, que se revela a verdadeira questão proposta pelo encenador: a

metalinguagem. Durante o espetáculo, em paralelo à história representada pelos

bonecos, surge eventualmente a silhueta de um ator por trás de uma mesa

reclamando, martelando, cortando e furando algo. Compondo esta cena, está em

torno dele a silhueta de um armário que sugere uma oficina. No último trecho do

espetáculo, utilizando novamente o recurso de retirar elementos do cenário para

enfatizar a ação da personagem, o encenador revela também a condição de

manipulado do boneco, de modo que este percebe os móveis desaparecendo à sua

volta e percebe também as mãos dos animadores. Após se dar conta de sua

condição, o boneco tenta se desvencilhar das mãos que o agarram e puxa uma

cortina, revelando o cenário misterioso cuja silhueta aparecia eventualmente, um

ateliê com vários bonecos de outros espetáculos da Cia. PeQuod e ferramentas

penduradas, conforme pode ser observado na Figura 42 a seguir. O artesão pega

então o boneco e o coloca junto aos outros em uma prateleira, de modo que esta

59

situação apresenta ao espectador uma segunda camada ficcional, ampliando a

leitura do espetáculo e encerrando a encenação de maneira metalinguística.

Figura 42 – Ateliê revelado ao final de Filme Noir. Fonte: FILME, 2004. (Imagem extraída de vídeo)

Este é o único momento em que o cenário foge ao preto e branco e à escala

miniaturizada do restante do espetáculo, e que não está diretamente relacionado

com o cinema. Porém, em entrevista ao jornalista Delano Rios (2009), o ator-

animador Márcio Newlands diz:

Todos os personagens do cinema noir têm aquele caráter indefinido, transitando por essa coisa do mau-caratismo, do clima soturno da época da Depressão. Estas particularidades psicológicas nos interessaram porque nos davam a possibilidade de falar de outra questão, metalingüística: da manipulação. Quem manipula quem? Isto vale para a história e para a relação do ator com o boneco.

Ou seja, apesar de fugir à proposta cinematográfica representada com os

bonecos, este último elemento do cenário ainda reflete certa relação com o cinema

noir, porém não mais pela temática policial, pela visualidade ou pelos movimentos

de câmera. A afinidade é agora mais política e está na metáfora da “manipulação”

que remete ao “clima soturno” do momento histórico no qual surgiu este gênero

cinematográfico, que serviu de inspiração ao encenador.

3.3 O INCRÍVEL LADRÃO DE CALCINHAS21

21

Espetáculo estreado em 2005. Duração: 55min.; Direção: Willian Sieverdt; Ator-animador: Willian Sieverdt; Direção de Cena: Marcelo F. de Souza; Cenários: Eliane Margareth Roussenq; Bonecos: Paulo Nazareno.

60

Este espetáculo, encenado pela Trip Teatro de Animação (SC) recorre

também ao cinema noir enquanto temática, apropriando-se das histórias policiais e

da ambientação deste tipo de filme. Para obter a dinâmica exigida pelo cinema

William Sieverdt, ator e diretor do espetáculo, apropria-se de recursos técnicos desta

arte tais como a montagem, bastante explorada através de uma narrativa

fragmentada e enquadramentos, simulando através do cenário e da iluminação

diferentes planos. Já na concepção visual do cenário e dos bonecos, recria a seu

modo a visualidade dos filmes que lhe serviram de inspiração. Como visto

anteriormente o cinema noir reflete o clima soturno pós-crise de 1929 e explora

amplamente os ambientes nebulosos e ameaçadores, com personagens de forte

apelo psicológico. De acordo com Fernando Mascarello (2006), as bases estilísticas

desse gênero fílmico são as literaturas policiais e o expressionismo cinematográfico

alemão, que por sua vez possui raízes no expressionismo pictórico, literário e teatral.

Inspirado na literatura policial de Dashiell Hammett, considerado o precursor do

gênero, e no movimento expressionista alemão – cinematográfico e pictórico –

Sieverdt recorre às raízes do cinema noir para encenar O Incrível Ladrão de

Calcinhas, satirizando este gênero fílmico.

O espetáculo inicia com a luz de uma lanterna percorrendo a fachada de um

bar e de prédios cenográficos até encontrar uma calcinha vermelha. O ator-animador

entra então no palco caracterizado de detetive sob uma penumbra e diz o seguinte

texto:

Ainda jovem tive que fazer uma escolha muito difícil: qual o caminho seguir? O do bem ou o do mal? Não fiz a escolha e me tornei um detetive particular. Esse aí atrás do jornal sou eu. Eram 10:30 de uma manhã fria e escura de outono. Enquanto as folhas caiam lá fora, eu procurava algo quente nas páginas policiais... (Transcrito a partir do vídeo do espetáculo)

Enquanto diz o texto dirige-se para trás de um balcão negro, sobre o qual

está a miniatura de um escritório detalhadamente construída e com um boneco

sentado à mesa, por detrás de um jornal. O ator retira então o casaco e interrompe a

fala para iniciar a animação dos bonecos, reproduzindo o restante da história. Inicia-

se já neste detalhe a utilização de recursos cinematográficos característicos do

cinema noir, a narração em off do personagem principal e as cenas em flashback.

Os acontecimentos se passam em seis diferentes ambientes, o escritório do

detetive, um beco escuro, o interior de um bar, o quarto do detetive, o esgoto e o

61

cais do porto. Quatro deles são independentes e distribuídos cada um em um lugar

diferente do palco, variando em níveis de altura e um deles – o beco – se desdobra

em dois ao inverter sua posição verticalmente em 180 graus. Esta organização

espacial pode ser melhor exemplificada observando-se a Figura 43 a seguir.

Figura 43 – Distribuição dos diferentes cenários sobre o palco. Fonte: Acervo da Cia. Trip.

Aliada à iluminação, essa distribuição dos cenários dinamiza o processo de

montagem das cenas, uma vez que os ambientes que não estão em uso

permanecem ocultos na escuridão, tornando-se visíveis apenas com o auxílio da luz.

Assim é possível efetuar trocas de cenários e ambientes em questão de segundos,

simulando as trocas de planos típicas do cinema. No entanto, diferentemente dos

espetáculos observados anteriormente, aqui não se recorre aos bonecos duplicados

para facilitar as trocas de cena, mas sim a um carrinho sobre trilhos, abreviando o

tempo de transporte dos bonecos de um ambiente ao outro. Percebe-se com este

exemplo que a narrativa fragmentada do cinema noir é resolvida aqui com um

recurso cenográfico, evidenciando a importância do cenário na aproximação deste

espetáculo com a linguagem cinematográfica.

A localização dos ambientes mencionados acima se mantém fixa durante

todo o espetáculo, diferentemente dos dois exemplos vistos anteriormente em cujos

balcões havia pequenas rodas para o deslocamento pelo espaço. Desta forma a

dinâmica das cenas fica por conta da narrativa fragmentada e da utilização da

montagem, embaralhando as cenas e os ambientes ao gosto das edições do

cinema.

62

Há outro aspecto que é possível perceber na imagem anterior, a utilização em

todos os ambientes de uma disposição cenográfica detalhada. Os cenários

estruturados desta forma remetem, como visto nos espetáculos anteriores, ao

enquadramento de um plano geral que predomina na maior parte das cenas. Assim,

os enquadramentos mais fechados são simulados recorrendo-se à iluminação como,

por exemplo, na cena em que o detetive está olhando através da persiana de seu

quarto e a iluminação concentra-se naquele ponto, remetendo ao enquadramento de

um plano médio da personagem através da janela. Nas Figuras 44 e 45 é possível

observar o cenário completo em plano geral e o recorte feito com a iluminação.

Figura 44 (à esquerda) – Enquadramento do quarto – Plano geral. Fonte: INCRÍVEL, 2005. (Imagem extraída de vídeo) Figura 45 (à direita) – Enquadramento da janela – Plano médio. Fonte: INCRÍVEL, 2005. (Imagem extraída de vídeo)

Outra cena em que se utiliza o mesmo recurso se passa na ante-sala do

escritório, com a iluminação recortando o detetive e sua secretária pela cintura e

deixando o cenário na penumbra. A simulação do enquadramento de um plano

detalhe através da iluminação é também utilizada para destacar o letreiro do bar, de

modo que se oculta todo o cenário na escuridão e acende-se apenas o letreiro.

Aliando estes diferentes enquadramentos ao recurso da justaposição de

imagens o encenador consegue proporcionar ao espetáculo uma dinâmica

tipicamente cinematográfica, como na cena em que se mostra o letreiro do bar em

plano detalhe e na sequência as personagens aparecem dentro das dependências

do bar em plano geral. Ou na sequência em que o barman em plano geral interno,

desliga as luzes do bar para sair e em seguida aparece em plano geral externo,

saindo pela porta do bar com sacos de lixo.

63

Quanto ao aspecto visual do espetáculo, o encenador inspira-se no cinema

noir, mas recria a seu modo a visualidade destes filmes. Os cenários são todos

construídos com aspecto desalinhado e predominância de cores escurecidas, o que

reforça ainda mais a deformidade já provocada pela iluminação no estilo low-key,

remetendo aos ambientes sombrios dos filmes desse tipo. Este método de

iluminação é típico do cinema noir e caracteriza-se pelas diversas nuanças de luz e

sombra que proporciona, com pontos de luz vindos de diferentes locais e com

intensidades variadas, assim, para obter tal efeito parte da iluminação do espetáculo

advém de instalações feitas nos próprios balcões com pequenos focos de luz. É

possível conferir na figura 46, a seguir, o resultado desta combinação entre luz e

cenário.

Figura 46 – Cenário com traços expressionistas e iluminação low-key. Fonte: www.tripteatro.com.br.

O cenário de O Incrível Ladrão de Calcinhas recria no palco as ambientações

caracteristicamente urbanas e sombrias do cinema noir, mas não pautado no preto e

branco típico desse tipo de filme. Conforme consta no programa do espetáculo: “a

cenografia foi inspirada no „Expressionismo Alemão‟, movimento artístico que

contribuiu para o surgimento do Cine Noir”. Assim, a base para a criação do cenário

parece estar mais relacionada com a subjetividade emotiva, a desilusão política,

seguindo a linha do expressionismo cinematográfico alemão e transformando o

sentimento de medo e desilusão das personagens em cenários tortuosos e

obscuros.

Percebe-se, portanto, que a contribuição do cenário é de evidente importância

para a realização da proposta aqui analisada, uma vez que foram os recursos por

64

ele oferecidos que tornaram possível a transposição de elementos da gramática

cinematográfica para o palco.

65

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cinema, que outrora tomou emprestadas características teatrais para o seu

desenvolvimento enquanto linguagem artística, retribui ao teatro oferecendo-lhe

novos códigos para que este possa continuar se desenvolvendo enquanto

linguagem artística. Foi aproveitando esta retribuição do cinema que alguns artistas

buscaram novas possibilidades para o desenvolvimento de sua arte. Valendo-se do

teatro de bonecos, pelas vantagens descritas neste estudo tais como a possibilidade

de trabalhar com pequenas proporções e a maleabilidade plástica e cênica que ele

oferece, estes artistas buscaram uma complementaridade com a linguagem do

cinema que rendeu possibilidades singulares aos espetáculos.

No que diz respeito às possibilidades cenográficas que este diálogo ofereceu,

pode-se destacar a capacidade de reprodução da visualidade dos diferentes

gêneros cinematográficos e a capacidade de simular recursos técnicos

característicos do cinema. Isso torna evidente a constatação de que o cenário pode

ser um elemento de significativa expressividade, capaz de dinamizar e enriquecer as

encenações teatrais com bonecos.

Como foi possível observar no primeiro capítulo, houveram transformações

significativas no uso do espaço cênico e do cenário pelo teatro de bonecos

especialmente durante a segunda metade do século passado. Isso, no entanto, não

sepultou as práticas tradicionais, pelo contrário, as transformações foram diversas

vezes cumulativas proporcionando uma diversidade de práticas que convivem lado a

lado atualmente. Observou-se, no entanto, que o espaço cênico sempre foi um fator

condicionante para a criação do cenário, oferecendo diferentes possibilidades de

acordo com o espaço utilizado, de modo que foram destacadas quatro estruturas

cenográficas possíveis com a utilização do balcão enquanto espaço.

No decurso do estudo foi possível observar como estas “condições” impostas

pelo espaço são adaptáveis e estão distantes de serem consideradas “barreiras”,

evidenciando que o espaço cênico predominantemente “sugere” possibilidades ao

invés de “confiná-las”. De modo que é possível destacar duas características que

permeiam os três trabalhos observados aqui: 1) são os balcões e os cenários

utilizados que proporcionam boa parte da dinâmica exigida pela proposta de

aproximação com o cinema; 2) o espaço cênico é utilizado em sua totalidade,

66

todavia explorado de maneira distinta em cada caso. Estes espetáculos

exemplificam a transposição dos supostos limites que o espaço “deveria” impor.

Quanto às estruturas cenográficas possíveis com a utilização dos balcões,

observadas ainda no primeiro capítulo se percebe, nos espetáculos observados

nesta pesquisa, que aliadas a conceitos cinematográficos, proporcionam novos

olhares sobre a cena. Essa aproximação analisada neste estudo sublinha as

capacidades do cenário – ou de sua ausência – enquanto elemento expressivo da

cena, capaz de favorecer a encenação sem diluir a importância do boneco.

Outra constatação que se obteve com esta análise é a de que um mesmo

recurso cenográfico pode ser solucionado de diferentes maneiras, dependendo da

inventividade dos artistas. Em Filme Noir e em Sangue Bom, por exemplo, a não

utilização de cenários ou o uso de cenários sintetizados e detalhados determinou os

enquadramentos das cenas, bem como o deslocamento dos balcões até os pontos

iluminados do palco para direcionar o olhar do espectador. Já em O Incrível Ladrão

de Calcinhas, os balcões permanecem no mesmo lugar e os cenários são todos com

detalhamento, de modo que é a iluminação a responsável por direcionar o olhar do

espectador e também por alterar o tamanho do enquadramento. Utiliza-se também

no espetáculo da Trip Teatro de Animação um trilho oculto sobre o qual desliza um

carrinho para abreviar o tempo de transporte dos bonecos de um ambiente ao outro.

Já nos espetáculos da Cia. PeQuod, recorre-se aos bonecos duplicados para o

mesmo fim. Ou seja, os processos de edição das cenas diferem entre os dois grupos

pelos processos técnicos utilizados no palco, obtendo diferentes soluções para a

mesma questão. Este é outro aspecto que demonstra a capacidade do cenário de

proporcionar inúmeros recursos ainda pouco explorados e destaca a necessidade de

estudos sobre este e outros elementos componentes da cena que são capazes de

enriquecer a encenação.

Essa aproximação do teatro de bonecos com o cinema, evidenciada nesta

pesquisa enquanto possibilidade cenográfica, reflete apenas uma pequena parcela

do potencial expressivo que este elemento cênico possui. Atenção que geralmente é

desviada em detrimento de itens supostamente “mais importantes” do espetáculo.

Além disso, demonstra que os elementos que compõem a cena podem

complementar o espetáculo e auxiliar na estruturação da narrativa sem diminuir a

importância dos bonecos. E por este motivo esse estudo sobre o cenário e suas

possibilidades no teatro de bonecos não pretende ser conclusivo, mas se propõe a

67

ser uma provocação a outras reflexões acerca dos elementos que compõem a cena

neste campo da arte teatral.

68

REFERÊNCIAS

BIBLIOGRÁFICAS:

ABRAMOVICH, Fanny. Entrevista com Ilo Krugli Especial para a Revista Mamulengo. Revista Mamulengo, Curitiba, PR, v.1, n. 12, p. 11-14, 1984.

Publicação ABTB. ANZOLIN, Osvaldo. Espaço e cenografia no teatro de animação. Revista Móin-Móin, Jaraguá do Sul, SC, ano 6, n. 7, p. 76-93, 2010. Publicação SCAR/UDESC.

AUMONT, Jacques. Lumière, o último impressionista. In: O olho interminável: cinema e pintura. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. BORBA FILHO, Hermilo. Fisionomia e espírito do mamulengo. Rio de Janeiro: INACEN, 1987. BRAGA, Humberto. Aspectos da história recente do teatro de animação no Brasil. Revista Móin-Móin, Jaraguá do Sul, SC, ano 3, n. 4, p. 243-274, 2007. Publicação SCAR/UDESC. COSTA, Felisberto Sabino da. A poética do ser e não ser: Procedimentos Dramatúrgicos do Teatro de Animação. 2000. 246 p. Tese (Doutorado em Artes Cênicas) – Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000. COSTA, Flávia Cesarino. Primeiro cinema. In: MASCARELLO, Fernando (Org.). História do cinema mundial. Campinas, SP: Papirus, 2006. CURCI, Rafael. Dialéctica del titiritero en escena: Una propuesta metodológica para la actuación con títeres. Buenos Aires: Colihue, 2007. DIAS, José. A importância da cenografia. In: Catálogo da exposição “Cenografia: a arte de José Dias”. Rio de Janeiro: CAIXA, 2008. GIROUX, Sakae M.; SUZUKI, Tae. Bunraku: um teatro de bonecos. São Paulo: Perspectiva, 1991. JURKOWSKI, Henryk. Métamorphoses: la marionette au XX siécle. Tradução:

Eliane Lisboa; Kátia de Aruuma; Gisele Lamb; Paulo Balardim. 2. Ed. Charleville-Mezières: Éditions L‟Entretemps, 2000. KUSANO, Darci. Os teatros Bunraku e Kabuki: Uma visada barroca. São Paulo:

Perspectiva, 1993. MACHADO, Renato. A luz montagem. Revista Móin-Móin, Jaraguá do Sul, SC, ano 4, n. 5, p. 190-208, 2008. Publicação SCAR/UDESC.

69

MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica. Tradução: Lauro António; Maria Eduarda Colares. Portugal: Dinalivro, 2005. MASCARELLO, Fernando. Film Noir. In: ______. História do cinema mundial.

Campinas, SP: Papirus, 2006. MÓIN-MÓIN. Revista de estudos sobre teatro de formas animadas. Jaraguá do Sul, SC: SCAR/UDESC, ano 2, n. 3, 2007. ISSN 1809-1385. PASQUALINO, Janne Vibaek. Los Pupi Sicilianos. E pur si muove!, França, n. 3, p.

30-48, 2004. Publicação UNIMA. PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999. SADOUL, Georges. História do cinema mundial: das origens aos nossos dias. v. 1. São Paulo: Martins Editora, 1963. SIEVERDT, William. O incrível ladrão de calcinhas. [S.l.: s.n.] 2005. Programa do

espetáculo. SOUZA, Alex de. O que é aquilo atrás do boneco?! Um estudo sobre a animação de bonecos à vista do público. 2007. 72 p. Monografia (Graduação em Artes Cênicas) – Centro de Artes, Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 2007. UZAM, Dario et al. Casa de bonecos: 10 anos do teatro da Cia. Articularte. São

Paulo: Ed. dos Autores, 2010. VELLINHO, Miguel. Sangue bom. [S.l.: s.n.] 1999. Programa do espetáculo. ______. Filme noir. [S.l.: s.n.] 2004. Programa do espetáculo. ______. Ação! Aproximações entre a linguagem cinematográfica e o teatro de animação. Revista Móin-Móin, Jaraguá do Sul, SC, ano 1, n. 1, p. 167-186, 2005.

Publicação SCAR/UDESC. ______. Entrevista concedida ao Grupo de Pesquisa Transformações na Poética da Linguagem do Teatro de Animação. Jaraguá do Sul, SC, 02 Out. 2009.

EM MEIO ELETRÔNICO:

BELTRAME, Vamor; ARRUDA, Kátia de. Teatro de bonecos: transformações na poética da linguagem. Revista DaPesquisa, Florianópolis, SC, v. 2, n. 2, 2006. Não paginado. Disponível em: <www.ceart.udesc.br/revista_dapesquisa> Acesso em: 26 Out. 2010. BREAD and Puppet Theater. [S.l.: s.n] Disponível em: <www.breadandpuppet.org> Acesso em: 25 Ago. 2010.

70

CAVE Beneath the Mansion. Mostra cinema noir no Rio de Janeiro. [S.l.: s.n.] 2010. Disponível em: <http://caveabovethemansion.blogspot.com/2010/09/mostra-cinema-noir-no-rio-de-janeiro.html> Acesso em: 02 Out. 2010. CEU Jardim Paulistano. Espetáculo: o teatro de mamulengo e a literatura de cordel. [S.l.: s.n.] 2010. Disponível em: <http://ceujardimpaulistano.blogspot.com/

2010_08_01_archive.html> Acesso em: 25 Ago. 2010. CHICAGO Stage Review. Reviews And Features Of Chicago Theater. I. [S.l.: s.n.] Disponível em: <www.chicagostagereview.com/?tag=redmoon-theater&paged=2> Acesso em: 18 Set. 2010. CONTADORES de Estórias. Espetáculos. [S.l.: s.n] Apresenta fotos e ficha técnica dos espetáculos do grupo. Disponível em: <www.ecparaty.org.br /espetaculos.htm> Acesso em: 29 Ago. 2010. EVELYNPH. Galeria de EvelynPHoto. [S.l.: s.n.] Disponível em: <www.flickr.com/ photos/evelynph/page3> Acesso em: 29 Ago. 2010. FILM Canon, A. Wiene: das cabinet des dr. Caligari. [S.l.: s.n.] Disponível em:

<www.afilmcanon.com o gabinete> Acesso em: 18 Set. 2010. FILMES. O albergue. [S.l.: s.n.] 2010. Disponível em: <http://filmes852.blogspot.com> Acesso em: 19 Set. 2010. FOLHA Online. Blog da Folhinha. Festival de bonecos em Canela. [S.l.: s.n.] 2009.

Disponível em: <http://blogdafolhinha.folha.blog.uol.com.br/arch2009-08-01_2009-08-31.html> Acesso em: 25 Ago. 2010. FONTES, Camila. Galeria de Camila Fontes. [S.l.: s.n.] Disponível em:

<www.flickr.com/photos/camila_fontes/page13> Acesso em: 30 Ago. 2010. HOLLYWOOD. Classic hollywood movie spotlight: the dollars trilogy. [S.l.: s.n.] 2010. Disponível em: <www.hollywood.com/news/ Classic_Hollywood_Movie_Spotlight_The_Dollars_Trilogy/7115817> Acesso em: 02 Out. 2010. MAGALDI, Sábato. A magia do teatro envolvendo o cotidiano. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 08 Out. 1981. Jornal da Tarde, Teatro/Crítica, p. 22. Disponível em: <www.ecparaty.org.br/images/noticias/mansamente_estadao_10_1981.jpg> Acesso em: 20 Ago. 2010. MÚTUA. A Caixa. [S.l.: s.n] Disponível em: <www.ciamutua.com.br> Acesso em: 01 Set. 2010. NEXUS77. Avatar. [S.l.:s.n.] 2010. Disponível em: <www.nexus77.com> Acesso em:

02 Out. 2010.

71

PIRAGIBE, Mário. Palcos sobre palcos, sobre palcos: o animador aparente e a justaposição de espaços... Territórios e fronteiras da cena, São Paulo, v. 5, 2005. Publicação ECA/USP. Disponível em: <www.eca.usp.br/tfc/geral20071> Acesso em: 28 Out. 2010. RIBAS, Rachel. Espetáculo Mansamente [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 25 Ago. 2010. ______. Cebolas e Melão [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por

<[email protected]> em 30 Out. 2010. RIOS, Delano. Em tons de cinza. Diário do Nordeste, Fortaleza, CE, 09 Abr. 2009. Caderno 3, p. 01. Disponível em: <www.diariodonordeste.com.br> Acesso em: 14 Set. 2010. RODRIGUES, Mauro. Espetáculo da Cia Imago [mensagem pessoal]. Mensagem recebida de <[email protected]> em 27 Ago. 2010. SACRO Ofício. Cia. PeQuod Teatro de Animação. [S.l.:s.n.] Disponível em:

<http://sacro-oficio.blogspot.com /2009_07_01_archive.html> Acesso em: 25 Ago. 2010. SÉTIMA Arte é Cultura. Curtas de O Gordo e O Magro 1929/1930. [S.l.: s.n.]

Disponível em: <http://setimaarteecultura.blogspot.com/2010/08/5-curtas-de-o-gordo-e-o-magro-19291930.html> Acesso em: 20 Set. 2010. SOBREVENTO. Ato Sem Palavras. [S.l.: s.n.] Disponível em:

<www.sobrevento.com.br/fotos_ato.htm> Acesso em: 29 Ago. 2010. TRIP Teatro de Animação. Espetáculos. [S.l.: s.n.] Apresenta fotos e ficha técnica dos espetáculos do grupo. Disponível em: <www.tripteatro.com.br> Acesso em: 15 Set. 2010. TRUKS. O Senhor dos Sonhos. [S.l.: s.n.] Disponível em: <www.truks.com.br> Acesso em: 05 Set. 2010. UNIVERSIDAD NACIONAL DE CÓRDOBA. Secretaría de Extensión Universitária. Los Bufos de la Matiné. [S.l.: s.n.] Disponível em: <www.extension.unc.edu.ar/los-bufos-de-la-matine-2-p.gif/view> Acesso em: 20 Set. 2010. VALDETARO, Marcos. Filmagem e Edição de Vídeo. Técnica de filmagem – captura. [S.l.: s.n.] 2007. Disponível em: <http://filmagem.blogspot.com/2007/10/tecnica-de-captura.html> Acesso em: 15 Set. 2010.

VIDEOGRÁFICAS:

ESCOLA das Árvores. Giramundo Teatro de Bonecos. Belo Horizonte, MG: [200_]. Direção: Álvaro Apocalipse. Trecho do espetáculo Cobra Norato. 1 vídeo. 2min.

72

52seg. Disponível em: <www.giramundo.org/teatro/cobra.html> Acesso em: 27 Ago. 2010. FABULOSO Destino de Amélie Poulain. Direção: Jean-Pierre Jeunet. Produção: Jean-Marc Deschamps. [S.l.]: Miramax Films, 2001. 1 DVD. 120min. FILME, Noir. Cia. PeQuod Teatro de Animação. Rio de Janeiro: 2004. Direção: Miguel Vellinho. 1 DVD. 75min. INCRÍVEL Ladrão de Calcinhas, O. Trip Teatro de Animação. Rio do Sul, SC: 2005. Concepção: Willian Sieverdt. Apresentação gravada no Ponto de Cultura Anima Bonecos, em 06/04/2006. 1 DVD. 55 min. PUPI Siciliani – Siracusa.[Picolo Teatro dei Pupi di Siracusa] [S.l.: s.n.] 2008/2009. Trecho do espetáculo Agricane Assedia Il Castello de Angelica. 1 vídeo. 6min. 28seg. Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=JJSgHB8H-N0&feature=related> Acesso em: 02 Out. 2010. SANGUE Bom. Cia. PeQuod Teatro de Animação. Rio de Janeiro: 1999. Direção: Miguel Vellinho. 1 DVD. 60min.