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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE FARMÁCIA MESTRADO EM ANÁLISES CLÍNICAS MONOGRAFIA PREVALÊNCIA DO MIELOMA MÚLTIPLO NA REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA (2008-2011) ORIENTADORA: PROFESSORA DOUTORA MARIA LEONOR CORREIA (FFUL-IMED/UL) ALUNO: EILYN MARISOL GOMES RODRIGUES LISBOA, 2013

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE FARMÁCIA

MESTRADO EM ANÁLISES CLÍNICAS

MONOGRAFIA

PREVALÊNCIA DO MIELOMA MÚLTIPLO NA REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA

(2008-2011)

ORIENTADORA:

PROFESSORA DOUTORA MARIA LEONOR CORREIA (FFUL-IMED/UL)

ALUNO: EILYN MARISOL GOMES RODRIGUES

LISBOA, 2013

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Índice

Resumo /Abstract ................................................................................................... 4

Lista de abreviaturas ........................................................................................... 8

I- Introdução ....................................................................................................... 11

I- 1- Linfócitos B e plasmócitos ........................................................................ 11

I- 1.1- Imunoglobulinas .................................................................................... 12

I- 2- Gamapatias ................................................................................................ 14

I- 2.1- Policlonais ................................................................................................ 14

I- 2.2- Monoclonais ............................................................................................. 15

I- 2.2.1- Gamapatia monoclonal com significado indeterminado e mieloma múltiplo

indolente .......................................................................................................... 19

I- 3- Mieloma múltiplo ...................................................................................... 21

I-3.1- Alterações citogenéticas .......................................................................... 22

I-3.2- Microambiente medular........................................................................... 23

I- 3.3- Epidemiologia ....................................................................................... 24

I- 3.4- Etiologia ................................................................................................ 25

I- 3.5- Sintomatologia ....................................................................................... 25

I- 3.6- Diagnóstico laboratorial ......................................................................... 27

I- 3.7- Estadiamento e prognóstico .................................................................... 29

I- 3.8- Terapêutica ............................................................................................ 30

II- Metodologia ................................................................................................... 37

II- 1- Amostragem ............................................................................................. 37

II- 2- Parâmetros analisados .............................................................................. 37

II- 2.1 – Hematológicos ................................................................................. 38

II- 2.1.1- Concentração em hemoglobina ........................................................ 38

II- 2.1.2 – Mielograma .................................................................................. 39

II- 2.2 – Bioquímicos ..................................................................................... 40

II-2.2.1- Cálcio ............................................................................................. 40

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II-2.2.2- Creatinina ....................................................................................... 41

II- 2.2.3- Ureia .............................................................................................. 41

II- 2.2.4- Eletroforese das proteínas totais ...................................................... 41

II- 2.3 – Imunológicos ................................................................................... 42

II- 2.3.1- β2-microglobulina .......................................................................... 42

II- 2.3.2- Doseamento das imunoglobulinas .................................................... 42

II- 2.3.3- Identificação das imunoglobulinas por imunofixação ........................ 43

III- Resultados..................................................................................................... 45

III- 1- % de doentes diagnosticados por ano de estudo .................................... 45

III- 2- Grupos etários ......................................................................................... 45

III- 3- Sexo ........................................................................................................ 46

III- 4- Parâmetros hematológicos ...................................................................... 47

III- 4.1- Hemograma- hemoglobina ................................................................... 47

III- 4.2- Estudo do aspirado medular ................................................................. 47

III- 4.2.1- Análise quantitativa (% de plasmócitos) ......................................... 47

III- 4.2.2- Análise qualitativa (morfológica) ................................................... 49

III- 5- Parâmetros bioquímicos obtidos na altura do diagnóstico ..................... 51

III- 5.1- Cálcio ................................................................................................. 51

III- 5.2- Creatinina ........................................................................................... 52

III- 5.3- Ureia ................................................................................................... 53

III- 6- Parâmetros imunológicos ....................................................................... 53

III- 6.1- β2-microglobulina ............................................................................... 53

III- 6.2- Imunoglobulinas .................................................................................. 54

III- 6.2.1- Cadeias pesadas ............................................................................ 54

III- 6.2.2- Cadeias leves ................................................................................ 55

IV-Discussão ........................................................................................................ 56

V- Conclusões e perspetivas futuras ................................................................. 59

VI-Bibliografia .................................................................................................... 62

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Resumo /Abstract

O mieloma múltiplo corresponde a 1% de todas as doenças malignas,

constituindo cerca de 10-15% das neoplasias hematopoiéticas. É considerado

uma doença maligna do idoso e é incurável. Os seus critérios de diagnósticos

mais comuns são a deteção sérica do pico monoclonal de imunoglobulina, a

contagem de plasmócitos nos esfregaços de medula óssea, a imunofenotipagem e

a citogenética.

Este trabalho foi realizado no Hospital Dr. Nélio Mendonça E.P.E (Serviço de

Patologia Clínica, setor de Hematologia e com o apoio do serviço de Hemato-

oncologia) e teve como objetivo analisar os dados analíticos hematológicos,

bioquímicos e imunológicos obtidos, na altura do diagnóstico, em pacientes com

mieloma múltiplo, na região autónoma da Madeira, com base no acrónimo CRAB

(hiperCalcemia, Renal insufficiency, Anaemia, Bone lesions) que contempla

valores de cálcio ≥ 11,5 mg/dL, de creatinina> 2 mg/dL e anemia normocítica

normocrómica <10 g/dL.

Foram diagnosticados 58 doentes com mieloma múltiplo entre 2008 e 2011

(inclusive) sendo a maioria do sexo feminino. A faixa etária mais representativa

situou-se entre os 70 e os 79 anos (41,4%) mas, no grupo etário dos 50 aos 59

anos, também foi encontrada uma percentagem relevante de casos (13,8%).

Como esta patologia afeta, sobretudo, os indivíduos com idade avançada, os

resultados obtidos sugerem que na região autónoma da Madeira os doentes mais

jovens estão a ser diagnosticados numa fase mais precoce.

Na altura do diagnóstico 64,5% dos doentes apresentavam anemia e a medula

óssea estava infiltrada com células plasmocitárias (10 à 30%) em 51% dos

pacientes diagnosticados. Valores superiores a 30% de plasmócitos medulares

foram encontrados em 37% dos casos estudados. A função renal e o metabolismo

ósseo destes pacientes não estavam comprometidos aquando do diagnóstico.

A β2-microglobulina estava elevada (> a 2,40 mg/L) em 76% dos doentes e

esteve sempre associada a um prognóstico desfavorável.

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Os mielomas mais frequentemente encontrados foram IgG, com cadeia leve

kappa, tal como aconteceu em outros estudos efetuados em diferentes regiões do

mundo.

Os conhecimentos mais recentemente adquiridos, sobre o microambiente

medular do mieloma múltiplo e a disponibilidade de novas drogas têm melhorado

significativamente a sobrevida destes pacientes nos últimos 10 anos. Os

imunomoduladores (IMiDS), a talidomida, a lenalidomida e os inibidores do

proteossoma (bortezomib, carfilzomib) são os fármacos mais usados nesta

neoplasia. Induzem a apoptose das células plasmocitárias, suprimem a libertação

de citocinas e as vias metabólicas que contribuem para a proliferação da doença.

A talidomida reduz a reabsorção óssea, a lenalidomida e o bortezomib inibem a

angiogénese do tumor e tem ação sobre os osteoclastos, prevenindo o

desenvolvimento das lesões osteolíticas.

Atualmente, pretende-se diagnosticar o mieloma múltiplo o mais precocemente

possível, para aumentar o tempo de vida destes doentes e melhorar a sua

qualidade, enquanto se desenvolvem metodologias e terapêuticas tendo em vista

a cura da doença.

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Abstract

Multiple myeloma accounts for 1% of all neoplasic cancers, accounting for about

10-15% of hematopoietic malignancies. It is considered a malignant disease of

the elderly and is incurable. The diagnostic criteria for this condition are

primarily the detection of serum monoclonal peak, the count morphology of

plasma cells, to immunophenotype and cytogenetics analysis.

This work was performed at the Hospital Dr. Nélio Mendonca EPE in the Service

of Clinical Pathology, Hematology Division and with the support of the Hemato-

oncology service. This case study aimed to examine the analytical data

haematological, biochemical and immunological obtained at diagnosis with

multiple myeloma, the region of Madeira (2008 - 2011), based on the acronym

CRAB (hypercalcemia, renal insufficiency, anemia, bone lesions).

58 patients were diagnosed with multiple myeloma between 2008-2011 and most

female. The most representative age was between 70 and 79 years (41.4%) but,

in the age group 50 to 59 years was also found for a significant percentage of

cases (13.8%). This disease affects mainly individuals with advanced age, the

results suggest that younger patients are being diagnosed earlier.

At the time of diagnosis 64.5% of patients were anemic. The bone marrow was

infiltrated with plasma cells (10 to 30%) in 51% of patients diagnosed. Values

greater than 30% marrow plasma cells were found in 37% of cases. Renal

function and bone metabolism in these patients were not involved at the time of

diagnosis.

The β2-microglobulin was elevated (> to 2.40 mg/L) in 76% of patients and was

always associated with a poor prognosis.

The myeloma IgG were more often found with kappa light chain, as has

happened in other studies conducted in different regions of the world.

The knowledge acquired on the bone marrow microenvironment in MM, and the

availability of new drugs have significantly improved the survival of these

patients with multiple myeloma the past 10 years. Immunomodulators (IMiDs),

thalidomide and lenalidomide and proteasome inhibitors (bortezomib

carfilzomib) are the drugs used in this cancer that primarily induce apoptosis of

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myeloma cells, suppress the release of cytokines and metabolic pathways that aid

in the spread of the disease . Thalidomide reduces bone resorption, bortezomib

and lenalidomide inhibit tumor angiogenesis and control the production of

osteoclasts, preventing the development of osteolytic lesions.

Currently, it is intended to diagnose multiple myeloma as early as possible to try

to increase the lifespan of these patients and improve their quality of life and,

while developing methodologies and therapies aimed at cure the disease.

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Lista de abreviaturas

Ac/Acs- Anticorpo/anticorpos

Ag/Ags- Antigénio/antigénios

AM- Aspirado medular

BCR- Recetor das células B

BM- Biópsia medular

Ca- Cálcio

CL- Cadeias leves

CLL- Cadeias leves livres

CP- Cadeias pesadas

Cr- Creatinina

CRAB- HiperCalcemia, Renal insufficiency, Anaemia, Bone lesions

DKK1- Dickkopf proteins

EDTA- Ácido etilenodiaminotetra-acético

AEAM- Agência europeia de avaliação de medicamentos

FDA- Food and drug administration

FGF- Fibroblast growth factor

FISH- Fluorescence in situ hybridization

GMSI- Gamapatia monoclonal de significado indeterminado

Hb- Hemoglobina

HGF- Hepatocyte growth factor

HNM- Hospital Dr. Nélio Mendonça

Ig/Igs- Imunoglobulina/imunoglobulinas

IGF- Insulin-like growth factor

IH- Imunidade humoral

IL- Interleucina

IMiDS- Imunomoduladores derivados da talidomida

LDH- Lactato desidrogenase

LLC- Leucemia linfocítica crónica

LP- Leucemia plasmocitária

MCP- Monocyte chemotactic protein

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MIP- Macrophage inflammatory protein

MM- Mieloma múltiplo

MO- Medula óssea

NK- Natural killer

PBJ- Proteína de Bence Jones

PCR- Proteína-C reativa

PT- Proteínas totais

RAM- Região autónoma da Madeira

RANK/L- Receptor activator of nuclear factor-kappa B / receptor activator

of nuclear factor-kappa B ligand

RI- Resposta imunitária

Runx2- Runt-related transcription factor 2

SDF- stromal cell-derived factor

SP- Sangue periférico

TGF- Transforming growth factor

TNF - Tumor necrosis factor

Ur- Ureia

VEGF- Vascular endothelial growth factor

VS- Velocidade de sedimentação

β2-M- β2 microglobulina

λ- Comprimento de onda

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Objetivos

Este trabalho tem como objetivo principal analisar os parâmetros

analíticos hematológicos, bioquímicos e imunológicos obtidos, na altura do

diagnóstico, em pacientes com MM, na RAM, com base no acrónimo CRAB

(hiperCalcemia, Renal insufficiency, Anaemia, Bone lesions) que contempla

valores de cálcio ≥ 11,5 mg/dL, de creatinina> 2 mg/dL e anemia normocítica

normocrómica <10 g/dL.

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I- Introdução

I- 1- Linfócitos B e plasmócitos

Os linfócitos B são originados no fígado fetal e na medula óssea (MO).

Caracterizam-se por expressarem, na sua membrana plasmática, o recetor

específico da célula B (BCR). Estas células constituem uma parte essencial do

sistema imunitário, onde são responsáveis pela imunidade humoral (IH), mediada

por anticorpos (Acs) e, também, intervêm na imunidade adaptativa, que confere

proteção imediata e a longo prazo contra uma série de agentes infecciosos (1, 2).

A proliferação e a diferenciação das células B ocorrem em microambientes

especializados dos órgãos linfóides, onde a hipermutação somática gera a

diversidade das imunoglobulinas (Igs). Os linfócitos que se ligam fortemente ao

antigénio (Ag), são selecionados positivamente e a afinidade para os Acs

aumenta ao longo de uma resposta Ag-Ac (maturação da afinidade após o

primeiro contacto com o Ag) (1, 2).

No BCR (Fig.1), um dos componentes é uma Ig que se liga a um Ag específico.

Esta Ig está associada a moléculas sinalizadoras (Ig alfa e Ig beta), que possuem

uma sequência de aminoácidos imunorecetora, que vai ser ativada quando a

célula B se ligar ao Ag, permitindo a sinalização (1, 2).

Fig.1: Recetor das células B (BCR)

(retirado de http://www.arthritis.co.za/immunologyupdate.html).

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Os plasmócitos resultam de linfócitos B maduros, após uma estimulação

antigénica. Devido à produção contínua de Igs, possuem um aparelho de Golgi

muito desenvolvido (Fig.2).

Fig.2: Plasmócito evidenciando um reticulo endoplasmático abundante (retirado de http://imagesbiogeolfxm.free.fr/immuno/original/plasmocyte%20MET.html).

A microscopia eletrónica do plasmócito revela uma estrutura citoplasmática

muito desenvolvida devida à sua atividade secretora. Podem ser encontradas

formas intermédias entre os linfócitos e os plasmócitos (linfócitos

plasmocitóides, ou plasmocitários) no sangue periférico (SP), na MO e, com

maior frequência, nos órgãos linfóides (3, 4).

I- 1.1- Imunoglobulinas

As Igs estão expressas na membrana dos linfócitos B. A célula B produz Igs de

isotipos diferentes. Cada Ig é composta por duas cadeias leves (CL) e duas

cadeias pesadas (CP) idênticas entre si. Funcionalmente, existem duas regiões

principais: a porção N terminal ou região variável, responsável pelo

reconhecimento do Ag e a porção C-terminal ou região constante, com

propriedades efetoras. A região variável das CL, κ ou λ é codificada por dois

segmentos de DNA e a região variável das CP é codificada por 3 segmentos. A

grande variabilidade de especificidade de ligação aos Ags é explicada pela vasta

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diversidade das sequências de aminoácidos da região variável, quer das CL quer

das CP (Fig.3) (1,2).

Fig.3: Estrutura da imunoglobulina G (retirado de Ragahava, 2011).

As Igs compreendem cinco classes diferentes, identificadas com base nas

diferenças na sequência de aminoácidos na região constante das CP. Estas

variações vão determinar a sua atividade funcional (IgG, IgA, IgM, IgD e IgE

consoante possuem cadeias μ, δ, γ, α ou ε, respetivamente). A IgG subdivide-se

em 4 subclasses (IgG1, IgG2, IgG3 e IgG4) e a IgA em duas subclasses (IgA1 e

IgA2) (1, 2).

Os diferentes isotipos dos Acs participam em mecanismos efetores distintos tais

como a neutralização do agente agressor (IgG, IgM e IgA). As IgG são as mais

abundantes no soro (cerca de 75% das Igs totais), assim como na linfa e nos

fluidos peritoneais, têm uma elevada afinidade para o Ag e, tal como os outros

isotipos, estão implicadas na resposta IH (1, 2).

As IgA, correspondem a cerca de 10% a 15% da concentração total das Igs

séricas e fornecem proteção imunológica, principalmente pela neutralização de

agentes patogénicos ou por fixação do complemento (1, 2).

Outros mecanismos implicados na resposta imunitária (RI) são a opsonização e a

fagocitose (mediadas principalmente pelas IgG1 e as IgG3, respetivamente), a

ativação do complemento, efetuada sobretudo pelas IgM, IgG3, IgG1 e IgA, a

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citoxicidade dependente de Acs (IgG1 e IgG3) e a desgranulação de mastócitos,

basófilos e/ ou eosinófilos (IgE) (1, 2).

I- 2- Gamapatias

As gamapatias consistem numa produção excessiva e anómala de Igs que, na

maior parte dos casos, são do tipo IgG. Esta produção acontece porque, durante o

processo de maturação dos linfócitos B, na RI mediada pelos plasmócitos, ocorre

um rearranjo dos genes das Igs que vai originar uma comutação de classe e uma

mutação hipersomática da região variável. Estas gamapatias são possíveis de

visualizar numa electroforese das proteínas séricas, pelo aumento da fração

correspondente às γ-globulinas, quando estes perfis são comparados com os

normais. A interpretação clínica da electroforese de proteínas, é baseada nas

variações das frações das proteínas séricas. Num soro normal as proteínas totais

(PT) encontram-se divididas em a albumina e globulinas (alfa 1, alfa 2, beta1,

beta 2 e gama) (Fig.4) (3,4,5).

Fig.4: Perfil electroforético de proteínas totais normal (adaptado de David F e col, 2012).

I- 2.1- Policlonais

Na gamapatia policlonal os linfócitos B, sujeitos a um estímulo antigénico,

originam uma proliferação desregulada de plasmócitos, que vão secretar vários

tipos de Igs específicas dos Ags que induziram a sua formação (3).

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Quando há uma produção heterogénea de Acs, em resposta a quadros infeciosos

e inflamatórios crónicos (doenças hepáticas e neoplasias), ocorre uma elevação

global das frações correspondentes às γ-globulinas no perfil eletroforético das PT

séricas. (Fig.5) (4).

Fig.5: Perfil eletroforético das proteínas séricas, evidenciando a gamapatia policlonal (retirado de www.hermespardini.com.br/pardini/imagens/dep_142.pdf).

I- 2.2- Monoclonais

Na gamapatia monoclonal, os plasmócitos vão produzir apenas um tipo de Ig,

específica do Ag que a originou (Ac monoclonal). Este Ac pode ser designado

por paraproteína ou proteína M. Na sua presença a situação patológica poderá ser

designada por gamapatia monoclonal, porque existe apenas um tipo de clone a

secretar a paraproteína (Fig.6) (6).

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Fig.6: Perfil electroforético de proteínas totais séricas, evidenciando o pico monoclonal

na fração correspondente às γ-globulinas (retirado de www.hermespardini.com.br/pardini/imagens/dep_142.pdf).

A diminuição da fração gama origina hipogamaglobulinémia e a sua ausência

agamaglobulinémia. Estas podem surgir em situações primárias ou secundárias.

O uso de corticosteróides, a síndrome nefrótica, algumas infeções, a leucemia

linfocítica crónica (LLC), os linfomas e o mieloma múltiplo (MM) de CL são

doenças em que esta fração poderá estar alterada (6), no proteinograma.

Cada clone de células plasmocitárias produz um pico no perfil eletroforético das

proteínas séricas. Para além do MM, também na hepatite aguda fulminante,

infeções virais crónicas, infeções bacterianas e imunodeficiências, poderão

ocorrer 1 ou 2 picos deste tipo (4).

O aumento da proliferação celular, leva a uma maior produção de Igs e a mais

CL para excretar pelos rins, podendo levar à sua saturação e a uma acumulação

destas cadeias no soro. Este aumento também pode ocorrer nas plasmocitoses

reativas, que advêm de inúmeras situações clínicas tais como: casos atípicos

infecciosos e doenças autoimunes. Nestas situações, há uma produção de

plasmócitos atípicos/reativos, que não é acompanhada pelo quadro clínico do

MM. A produção destas células tem lugar num período tempo curto e deve-se à

ativação de um Ag, provocada por uma situação clínica primária (geralmente

doença viral) que leva à proliferação dos plasmócitos no SP e na MO (3,4).

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As neoplasias em que ocorrem clones de células linfoplasmocitárias são o

linfoma linfoplasmocitário ou macroglobulinémia de Waldenström e as doenças

das CP. Estas patologias estão associadas ao aumento de IgM que poderá

provocar elevação da paraproteína, hiperviscosidade ou eventual

crioglobulinémia (4,7).

As neoplasias que envolvem a linhagem plasmocitária são a gamapatia

monoclonal de significado indeterminado (GMSI), o MM e os plasmocitomas

(solitário e extramedular) que são raros, afetam indivíduos novos e cujo

diagnóstico é baseado na análise histológica da zona da infiltração localizada de

plasmócitos (produtores de Igs monoclonais) e pela exclusão do diagnóstico de

MM (3,4,6).

As patologias que envolvem a acumulação/depósito de Igs monoclonais do tipo

IgG ou IgA são a amiloidose e o mieloma osteoesclerótico. A primeira é uma

patologia sistémica que resulta da acumulação anómala de uma substância

proteica e amilóide que, normalmente, não se encontra no organismo e que se

acumula/deposita em vários tecidos (epitelial, ósseo, muscular, etc…). Esta, pode

ser primária ou secundária e hereditária (3,6).

A amiloidose primária é a mais comum e encontra-se muitas vezes associada ao

MM. Nesta, a proteína amiloide é um fragmento de CL produzido em excesso e

que em geral se deposita nos rins, coração e tubo digestivo. Os plasmócitos, ao

secretarem fragmentos de CL de baixo peso molecular ou proteína de Bence

Jones (PBJ), que são filtradas nos glomérulos e concentradas nos túbulos renais,

podem formar cilindros hialinos e obstruir estes túbulos, originando quadros de

insuficiência renal crónica (Fig.7) (6).

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Fig.7: Biópsia mostrando glomérulo renal de um individuo normal (a) e com amiloidose

(b) (retirado de http://invasaopatologica2009.blogspot.pt/2009_08_01_archive.html).

Na maior parte dos casos a amiloidose primária deve-se a CL e, raramente, a CP

e surge em 5 a 10% dos doentes com MM (6).

Na amiloidose secundária, a substância amiloide sérica é uma proteína produzida

pelo fígado em resposta a processos inflamatórios, tais como: artrite reumatoide,

doença de Crohn, osteomielite, tuberculose, etc… (4).

A amiloidose hereditária é muita rara e deve-se a uma mutação genética que

provoca a produção da proteína amiloide (3,4,6).

A leucemia plasmocitária (LP) diagnostica-se com base na percentagem de

plasmócitos presentes no SP, quando o seu valor é superior ou igual à 20% dos

glóbulos brancos totais. Ocorre em 2% dos casos de MM e, mais frequente, em

mielomas de CL (com PBJ) ou do tipo IgD e IgE. O aumento destas células pode

ocorrer também numa fase terminal do MM, em que a MO se encontra muito

infiltrada pelas células plasmocitárias, passando estas para a corrente sanguínea

(LP secundária) sendo também possível visualizar a formação “rouleaux” num

esfregaço de SP (Fig.8) (3,4,6).

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19

Fig.8: Plasmócito em sangue periférico.

I- 2.2.1- Gamapatia monoclonal com significado indeterminado e

mieloma múltiplo indolente

A GMSI e o mieloma indolente são situações pré-malignas, assintomáticas,

caraterizadas por proliferação monoclonal de plasmócitos na MO, ausência de

lesão de órgão alvo (osso, rim etc…) e sem anemia (7).

Um aumento da proteína M sérica menor que 30g/L e a infiltração da MO por

plasmócitos inferior a 10%, são característicos das GMSI. Estão presentes em

cerca de 3% da população com mais de 50 anos. A sua incidência aumenta com a

idade e nem sempre significa doença (8).

Na maior parte dos casos, a GMSI progride para uma forma indolente de

mieloma (assintomática) que, frequentemente, evolui para MM ou para outras

doenças oncológicas (3,7,8,9).

O diagnóstico de GMSI tem que cumprir três critérios: proteína M <3g/dL;

menos de 10% de plasmócitos na MO; ausência de sintomas e de lesões nos

órgãos alvo e sem evidências de outras síndromes linfoproliferativas das células

B (10).

A transição da GMSI para MM resulta na formação de novos vasos sanguíneos

(angiogénese). O aumento da angiogénese que ocorre no MM relaciona-se com a

atividade da doença, grau de envolvimento medular e capacidade proliferativa

dos plasmócitos (7).

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Há um aumento progressivo da angiogénese medular ao longo da evolução da

GMSI para mieloma indolente e para MM (sintomático). Os fatores indutores da

angiogénese responsáveis pela transição da GMSI para MM são: interleucina

(IL) – 6; tumor necrosis factor (TNF) - alfa; vascular endothelial growth factor

(VEGF); fibroblast growth factor (FGF); hepatocyte growth factor (HGF);

insulin-like growth factor (IGF); macrophage inflammatory protein (MIP);

monocyte chemotactic protein (MCP); stromal cell-derived factor (SDF).

De acordo com resultados publicados pela clínica Mayo que incluíram

numerosos pacientes (n=29582) a GMSI corresponde a 61% das gamapatias

monoclonais, o MM a 18% e a amiloidose a 9%. A restante percentagem engloba

outras patologias (Fig.9) (7).

Fig.9: Gamapatias monoclonais. Resultados obtidos na clínica Mayo entre 1960 e 2002.

(X curso Pós-graduação e atualização em Hematologia FFUL).

O MM indolente é uma doença oncológica medular com uma proliferação celular

de plasmócitos superior ou igual a 10%, que surge na progressão da GMSI e

antecede o MM. Este, raramente envolve locais extramedulares mas, quando isso

acontece, o MM é mais agressivo que o intramedular (4,8).

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Na evolução da GMSI para MM a clínica e a sintomatologia agravam-se,

havendo um aumento gradual de paraproteína, assim como infiltração de

plasmócitos na MO e o comprometimento de órgãos alvo (3,7,9).

I- 3- Mieloma múltiplo

O MM ou doença de Kahler é um tumor maligno dos linfócitos B, caracterizado

por uma expansão monoclonal, em que há uma acumulação de plasmócitos na

MO. Nesta patologia o tecido lesado é, maioritariamente, a MO. O índice

mitótico das células plasmocitárias é elevado originando uma proliferação

desregulada e anómala destas células que, geralmente, se dispõem em

agrupamentos. Numa fase avançada da doença a sua proliferação aumenta e

podem ser identificadas no SP (4,7,11,12).

O MM tem sinais clínicos muito heterogéneos, desde lesões ósseas, sintomas

associados a alteração da hematopoeise, disfunção renal, infeções, neuropatia

periférica e patologias extramedulares. A heterogeneidade clínica e o prognóstico

da doença são variáveis (3,10,11).

Os critérios de diagnóstico para esta doença estão descritos na tabela I.

Tabela I: Critérios de diagnóstico do mieloma múltiplo, mieloma múltiplo indolente e

gamapatia monoclonal de significado indeterminado (adaptado de Hoffbrand A. 2005).

Mieloma múltiplo

Critérios major

I Plasmócitos na biópsia medular

II % de plasmócitos superior ou igual a 10% na medula óssea

III

Presença de paraproteína na eletroforese sérica (IgG> 35 g/L;

IgA> 20 g/L) ou na electroforese da urina de 24h (> 1 g/24h de

cadeias leves κ ou λ).

Critérios minor

a Infiltração de plasmócitos na medula óssea entre 10 e 30%

b Nível de paraproteína inferior ao referido anteriormente.

c Lesões osteolíticas

d IgM <0,5 g/L; IgA <1 g/L ou IgG <6 g/L

O diagnóstico do mieloma múltiplo requer no mínimo 2 critérios major; um critério major e um critério

minor ou três critérios minor, incluindo sempre o a e o b.

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Os exames complementares laboratoriais, anátomo-patológicos, radiológicos e a

análise citogenética também são um importante contributo para o diagnóstico

desta situação patológica (11,12,13).

I-3.1- Alterações citogenéticas

A base genética do MM, consiste numa ocorrência progressiva de alterações

múltiplas na estrutura dos cromossomas, que vão influenciar o diagnóstico, a

progressão e o prognóstico da doença (13).

O cariótipo do MM é semelhante aos dos tumores epiteliais e, também, à fase

blástica da leucemia mielóide crónica. O número de translocações detetadas é

maior no MM do que nos tumores epiteliais, com base numa hibridação

comparativa do genoma (3).

As alterações genéticas mais comuns no MM são as translocações numa região

do cromossoma 14q32, no locus IGH, que contém um gene para as CP das Igs e

estão presentes em 50-70% dos doentes. As translocações, tais como a deleção

(13q14) a t(11;14)(q13q32) e a t(4;14)(p16;q32) são as mais frequentes. A

deleção do cromossoma 13 e a hiperploidia são também comuns nesta neoplasia

(40-50%) (tabela II) (3,7,9,13).

Tabela II: Incidência de alterações citogenéticas no mieloma múltiplo (adaptado de

Agarwal A et al 2012).

MGUS- Monoclonal gammopathy of undetermined significance; SMM- smoldering multiple myeloma

Estas alterações, são detetadas por fluorescence in situ hybridization (FISH) em

1/3 dos casos de MM (3,13).

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I-3.2- Microambiente medular

O microambiente medular é muito importante na patogénese e na progressão do

MM. Envolve a matriz extracelular e cinco tipos de células do estroma

(fibroblastos, osteoblastos, osteoclastos, células vasculares endoteliais e

linfócitos). As interações destas células com as células neoplásicas (plasmócitos),

desencadeia a produção de citocinas e outras proteínas (IL-6, IL-1, TNF, IL-11 e

MIP-1α) que ativam os osteoclastos, levando à destruição óssea (osteoporose) e à

estimulação de fatores angiogénicos (VEGF, FGF-2, HGF, IGF-1, MIP-1, MCP-

1, SDF-1) (Fig.10) (4,11).

Fig.10: Microambiente medular no mieloma múltiplo. Legenda: interleucina (IL); TNF- tumor

necrosis factor; FGF- fibroblast growth factors; HGF- hepatocyte growth factor; MIP- macrophage

inflammatory protein; VCAM- vascular cell adhesion protein; M-CSF- macrophage colony-stimulating

factor; BMCs- bone marrow cells; DKK1- Dickkopf proteins; RANK/RANKL- Receptor Activator

of Nuclear factor-Kappa B /ligand

(adaptado de http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0889858807001177).

A progressão de um tumor poderá iniciar-se com uma mutação somática,

resultando uma massa de células, sem vascularização, podendo ou não estagnar.

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Se evoluir haverá proliferação e estimulação de fatores angiogénicos, que

proporcionam os nutrientes necessários para o aparecimento de novos vasos e

para a progressão e maturação do tumor (11).

A patogénese do MM inclui interações mútuas entre os plasmócitos e as células

do estroma da MO e resulta do desequilíbrio entre a destruição óssea provocada

pelos osteoclastos e a reconstrução feita pelos osteoblastos, não havendo

reposição da massa óssea suficiente para compensar o aumento da atividade

osteoclástica. A desregulação dos vários fatores implicados (Dickkopf proteins

(DKK1), IL-3, runt-related transcription factor 2 (Runx2) e transforming growth

factor (TGF) –β), resulta numa perda generalizada do osso e na incapacidade de

reparação destas lesões osteolíticas (Fig.10 e 11) (4,11).

Fig.11: Lesões osteolíticas no crânio e fraturas vertebrais de um doente com mieloma

múltiplo (retirado de Caers JO e col. 2008).

I- 3.3- Epidemiologia

O MM compreende 1-2% dos tumores malignos, 10 a 15% das neoplasias

hematopoiéticas e é a 2ª causa de morte mais frequente após os linfomas.

Diagnosticaram-se 20000 casos e mais de 10000 doentes faleceram com MM,

nos Estados Unidos da América, no ano de 2007. É mais comum nos homens que

nas mulheres (1,4: 1). É, também, mais frequente na raça negra (americanos e

africanos) do que em caucasianos. A média de sobrevivência é,

aproximadamente, de 4 a 7 anos. A incidência aumenta com a idade. Em 90%

dos casos de MM, a idade média da população alvo é superior a 50 anos. Nos

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últimos anos, foram diagnosticados vários MM em pacientes com idades

inferiores. Segundo Rajkumar (2013), a idade média dos doentes na altura do

diagnóstico é de 65 anos. Uma história familiar positiva também aumenta a

probabilidade do aparecimento desta neoplasia (3,9,10,11).

I- 3.4- Etiologia

Na origem do MM estão as infeções crónicas (com estimulação antigénica) a

exposição a determinadas substâncias tóxicas, as radiações ionizantes e os

antecedentes familiares. Os possíveis fatores de risco incluem a dieta (baixo

consumo de vegetais verdes e peixe), a obesidade e as infeções virais (sida e

hepatite C, por exemplo) (3,14,11).

I- 3.5- Sintomatologia

Os doentes com MM apresentam uma clínica muito heterogénea, que inclui

fraqueza e palidez inerentes à anemia, geralmente, associadas ao estadio da

doença, dores ósseas (com probabilidade de fraturas), complicações neurológicas

(deficiências motoras e/ou sensitivas por compressão tumoral das raízes

nervosas) e hiperviscosidade sanguínea. Estes pacientes apresentam, em estadios

avançados da doença células neoplásicas no SP, insuficiência renal, lesão tubular

(causada pela proteinúria), hipercalcémia, amiloidose, hiperuricémia e acidose

tubular. A lesão dos túbulos renais surge quando o rim está saturado pela

excessiva excreção das cadeias CLL, resultando numa nefrite intersticial. A

creatinina (Cr), na maior parte dos casos, encontra-se elevada, devido ao

comprometimento do rim. Outras causas que podem conduzir à insuficiência

renal são a hipercalcémia com hipercalciúria, a amiloidose de CL, só ou

associada com patologias tais como a CLL, a acumulação de CL de Igs, as

infeções, a hiperuricémia e o uso excessivo de anti-inflamatórios (3,6,11).

As lesões osteolíticas são frequentes em cerca de 70% dos casos de MM, porque

não há um equilíbrio entre a formação da massa óssea e a sua destruição,

resultando numa perda contínua de cálcio por parte do esqueleto e originando a

hipercalcémia e a osteopénia. Normalmente, estes doentes apresentam dores ao

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nível do esqueleto axial e 5% têm osteoporose, resultante da ativação da IL-6,

que é produzida pelos macrófagos ativados e por linfócitos T, e que estimula a

produção de citocinas e o crescimento dos linfócitos B), a proliferação dos

plasmócitos que induzem a osteolise, por ativação dos osteoclastos mediada pelo

ligando do receptor activator of nuclear factor-kappa B (RANK), que é expresso

pelos plasmócitos neoplásicos e que se junta ao RANK, presente nos osteoclastos

(Fig.10) (3,11,15).

Na maioria dos MM a anemia é normocítica, pelo comprometimento da MO

devido à expansão da pool dos plasmócitos e à inibição da hematopoiese normal

e, também, dos rins, pela perda da capacidade para produzir eritropoietina devida

à insuficiência renal frequentemente instalada (3,9,16,17).

Há hiperviscosidade quando há uma excessiva produção de proteína M. Neste

caso, podem ocorrer sintomas de fadiga, dispneia, confusão mental e

hemorragias. Estas paraproteínas, têm tendência para polimerizar-se provocando

o aumento da viscosidade sanguínea e da velocidade de sedimentação (VS)

globular, habitualmente presentes nos mielomas (11).

Os doentes com MM do tipo IgA apresentam uma maior viscosidade que os do

tipo IgG, devido à tendência da IgA para formar multímeros. A maior

viscosidade leva, também, ao aumento do volume plasmático, comprometendo a

função cardíaca (6).

Os MM mais frequentes são do tipo de IgG seguidos dos do tipo IgA (Fig. 12)

(18).

Fig.12: Classificação do mieloma múltiplo baseada na produção de imunoglobulinas

monoclonais (retirado de Ar. Bradwell, 2008).

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27

I- 3.6- Diagnóstico laboratorial

As principais manifestações clínicas do MM estão relacionadas com a

percentagem e o aspeto morfológico dos plasmócitos na MO e o nível de

paraproteína sérica. Os sinais clínicos mais frequentes são as citopénias, as lesões

ósseas, a insuficiência renal, a hipercalcémia, as síndromes infecciosas e a

hiperviscosidade, tendo em linha de conta o acrónimo CRAB, que contempla

valores de cálcio ≥ 11,5 mg/dL, de creatinina> 2 mg/dL e anemia normocítica

enormocrómica <10 g/dL (3,4,6,10,16).

As características morfológicas das células plasmocitárias no MM podem variar,

dependendo da sua maturação. Os plasmócitos com maturação, têm um aspeto

oval, com citoplasma basófilo abundante, o núcleo é redondo e excêntrico

apresentando uma zona perinuclear clara. Os plasmócitos sem maturação têm

uma cromatina nuclear dispersa, com nucléolos proeminentes e a razão núcleo-

citoplasma é elevada. Estas células podem ser multinucleadas (quando o índice

mitótico é elevado), polilobuladas e pleomórficas, e são indicativas de um mau

prognóstico da doença. O citoplasma destas células também pode conter

inclusões que poderão corresponder a cristais de Igs, normalmente associados a

MM do tipo IgG. As células em mórula ou células de “Mott” (em que o

citoplasma apresenta inclusões de Igs com aspeto de “cacho de uvas” em torno

do núcleo), também podem ser encontradas nesta neoplasia. A presença de

corpos de Russel e de plasmócitos em forma de chama (flame cells) são

característicos do MM do tipo IgA (3).

Os critérios de diagnóstico laboratorial (hematológicos, bioquímicos,

imunológicos e citogenéticos) estão referidos na tabela II (6,11,16).

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Tabela II: Diagnóstico laboratorial no mieloma múltiplo.

Hematologia

- Biópsia medular e mielograma

- Velocidade de sedimentação

- Hemograma: hemoglobina, número total de glóbulos brancos, fórmula

leucocitária e contagem de plaquetas

Bioquímica

- Creatinina, ureia, cálcio, ácido úrico, lactato desidrogenase, proteína-C

reativa, proteínas totais, β2-microglobulina, osteocalcina e fosfatase alcalina

Imunologia

Electroforese de proteínas (soro e urina), pesquisa de proteína de Bence

Jones, doseamento de cadeias leves e pesadas (soro), imunofixação (soro e

urina), imunotipagem: CD19, CD20 e CD138

Citogenética

Translocações: t(11;14)(q13q32), t(4;14)(p16;q32) e t(14;16)(q32;q23)

Deleção 13q e hiperpoidia

Para o diagnóstico do MM os resultados do hemograma não são suficientes,

embora estes pacientes apresentam, em geral, anemia em grau variável, que se

acentua com o evoluir da doença. Os esfregaços revelam a presença de

numerosos rouleaux (3).

A proteína-C reativa (PCR) e a VS encontram-se, em geral, muito elevadas (11).

A análise do aspirado e da biópsia medulares (BM) são fundamentais para o

diagnóstico, pois permitem avaliar a infiltração medular pelas células

neoplásicas, bem como quantificar a plasmocitose e avaliar o grau de maturação

dos plasmócitos (3).

De entre os parâmetros bioquímicos habitualmente elevados destacam-se a ureia

(Ur) e a Cr devido à disfunção renal, o cálcio (Ca) plasmático, em consequência

do aumento da atividade osteoclástica, e a lactato desidrogenase (LDH) devido

ao aumento da lise celular (6).

O doseamento das PT revela valores elevados e a sua eletroforese apresenta

habitualmente uma elevação das gamaglobulinas com pico evidenciando

monoclonalidade (3,16).

Utilizam-se, frequentemente, técnicas de imunohistoquímica em biópsias e

aspirados medulares (AM) e a caraterização imunológica das células neoplásicas

é essencial. Os marcadores mais usados são o CD19 e o CD20 (para linfócitos B)

e o CD138 para plasmócitos (3,11,13).

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I- 3.7- Estadiamento e prognóstico

A esperança média de vida do paciente com MM varia entre os 6 meses e os 10

anos, ou mais. O estadio e o prognóstico da doença estão relacionados com o

índice mitótico e a proliferação dos plasmócitos. Existem outros fatores que

influenciam o prognóstico tais como: idade avançada, proteinúria e

comprometimento de órgãos vitais (3,11).

Na tabela III encontram-se descritos os parâmetros analíticos, usados na

classificação dos diferentes estadios (3,11).

Tabela III: Mieloma múltiplo (Durie-Salmon citado por Swerdlow e col, 2008).

Estadio 1

● Nível normal ou diminuído de proteína M: IgG <50 g/L, IgA <30

g/L; Proteína de BJ na urina <4 g/24h

● Sem lesões osteolíticas

● Hemoglobina, cálcio, e níveis de Igs normais

Estadio 2 ● Não se associa nem ao estadio 1 nem ao 2

Estadio 3

● Nível de proteína M elevado: IgG>70 g/L, IgA>50 g/L; proteína de

BJ na urina> 12 g/24h

● Múltiplas lesões osteolíticas

● Hemoglobina <8,5 g/dL. Cálcio sérico> 12 mg/dL

Subclassificação baseada na

função renal

A: Creatinina <2 mg/dL

B: Creatinina ≥2 mg/dL

Os parâmetros envolvidos na avaliação do estadio clínico da doença deverão

estar correlacionados com a informação clínica do doente. Os valores normais da

proteína M, do Ca, da Cr e da hemoglobina (Hb) irão corresponder a estadios

mais precoces da neoplasia e com melhor prognóstico. Os valores patológicos

irão corresponder a estadios mais avançados da doença e com um pior

prognóstico. Outros indicadores analíticos que aumentam o risco dos doentes

evoluírem para o estadio 3 são: o aumento de β2-microglobulina (β2-M), a

diminuição da albumina e o aumento da % dos plasmócitos medulares (3).

A β2-M sérica, é uma proteína de baixo peso molecular, encontra-se na

superfície de todas as células nucleadas, aumentando o seu nível sérico aquando

da existência de linfócitos estimulados ou de células em divisão. Quanto maior a

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infiltração pelos plasmócitos e a elevação do índice mitótico, maior será o nível

sérico de β2-M (3,6,16).

A β2-M e a albumina (tabela IV), parecem estar relacionados com a esperança

média de vida dos doentes com MM (3,6,11,16).

Tabela IV: Critérios para a definição dos estadios e prognóstico do mieloma múltiplo (adaptado de: Greipp e col. 2005)

Estadio Critérios Tempo de sobrevivência

I ● β2-microglobulina sérica <3,5 mg/L

● Albumina sérica> 3.5 g/dL

62 meses

II Não pertence nem ao estadio 1 nem ao 3* 44 meses

III ● β2-microglobulina sérica> 5,5 mg/L 29 meses

*Existem 2 categorias para o estadio II: β2-microglobulina sérica <3,5 mg/L e a albumina sérica <3,5

g/dL e β2-microglobulina sérica de 3,5 a <5,5 mg/L, independentemente do valor da albumina sérica.

Este sistema internacional, estabelecido por Greipp et col. (2005) (19),

correlaciona os indicadores do perfil proteico dos doentes (β2-M e albumina)

com o estadio do MM (6,11).

A albumina é a proteína mais abundante do organismo e possui elevado peso

molecular. Há redução da percentagem desta proteína na progressão e evolução

do MM, devido a um aumento da fração gama das Igs (componente M). Esta

proteína só é valorizada como elemento de diagnóstico, nos dois primeiros

estadios (3,5,16).

A hiperdiploidia e a presença da t(11;14) (q13;q32) são índices de prognóstico

favorável na evolução do MM. Outros tipos de translocações cromossómicas,

associadas às deleções do cromossoma 13, conferem um prognóstico mais

desfavorável (9,20).

I- 3.8- Terapêutica

O MM é uma doença incurável e a recaída torna-se inevitável. A terapêutica é

administrada quando o MM é sintomático. Inicialmente estabelece-se uma 1ª

linha terapêutica e, em caso de recaídas são aplicadas as linhas seguintes (2ª e 3ª).

Em 1983 foi feita pela 1ª vez a transplantação autóloga para o tratamento de

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MM. Nos anos 90 iniciou-se a administração da talidomida e a partir de 2002

tem-se usado o bortezomib e a lenolidamida como terapêutica de 2ª linha. O

objetivo do tratamento no MM é, essencialmente, controlar a evolução da

doença, visando a remissão do tumor, de modo a melhorar e prolongar a

qualidade de vida e a sobrevivência dos pacientes (11,20).

O tratamento do MM inclui a quimioterapia (terapêutica combinada) e, também,

a transplantação de células estaminais. A radioterapia é usada em algumas

situações de infiltrações extramedulares, localizadas e pontuais (plasmocitomas)

(11,16,21).

Em geral, o tratamento do MM consiste em terapêutica sistémica e na

administração de cuidados de suporte, nos casos sintomáticos, que consistem em

prevenir a morbilidade, devido às complicações inerentes à doença (anemia,

insuficiência renal e infeções) (11).

A terapia sistémica consiste no controlo da progressão da doença e é aplicada aos

doentes de acordo com a idade, a comorbilidade e as suas preferências. Aos

pacientes com idade <65 anos são-lhes administradas terapias de alta dose e, se

houver condições, é feito o transplante autólogo de células estaminais. Nos

doentes com mais de 65 anos, em geral, a transplantação já não se efetua, devido

à idade avançada e ao frequente comprometimento de órgãos vitais (rins e

coração) (10).

A quimioterapia é eficaz na maioria dos doentes com MM. Consiste na

destruição das células tumorais, contribuindo para uma melhoria dos sintomas.

Infelizmente, esta atua não só nas células tumorais mas, também, nas células

normais e têm como alvo as células neoplásicas em divisão mitótica. Pode

ocorrer uma perda de eficácia destes fármacos aquando de uma terapia

prolongada. As células tumorais tornam-se resistentes, levando ao agravamento

do quadro clínico e a recidivas. A quimioterapia de alta dose baseia-se na

administração de elevadas doses de agentes quimioterápicos, de forma a destruir

todas as células tumorais, seguida de um transplante de células estaminais, sendo

a MO reestruturada através da transfusão de células estaminais do próprio doente

ou de um dador compatível (2,6,10,11).

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A transplantação autóloga de células estaminais melhora as taxas de resposta e de

sobrevivência dos pacientes com MM. O problema são as elevadas doses de

quimioterapia envolvidas no pré-transplante que, muitas vezes, conduzem a

efeitos secundários graves. Os pacientes transplantados, com o tempo, podem

sofrer recidivas (6,10,11).

O desenvolvimento de novos fármacos, e de melhores medidas de suporte

terapêutico, tornaram a transplantação de células estaminais acessível a um

número cada vez maior de doentes mais jovens. Atualmente, os agentes

terapêuticos envolvidos no tratamento do MM são a talidomida, a lenalidomida e

o bortezomib (10,11,16,21,22).

A talidomida (Fig.13) impede o crescimento do tumor, por ter efeito anti-

angiogénese ou seja, impede que cresçam vasos novos para “alimentar” o tumor.

É, também, moduladora da produção das citocinas (IL-6, VEGF e IGF-1), que

alteram a sinalização entre as células, afetando os mecanismos que levam à

proliferação das células plasmocitárias (Fig.14) (6,11).

Fig.13: Estrutura da molécula de talidomida (retirado de http://quimituca.blogspot.pt/2012/06/formula-minima-percentual-e-molecular.html).

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Fig.14: Ação da talidomida sobre a angiogénese (retirado de http://www.pop.eu.com/portal/publico-geral/tipos-de-cancro/Mieloma-

Multiplo/tratamentosmieloma/novos-tratamentos-mieloma.html).

A talidomida usa-se, em combinação com melfalano e prednisona, como

tratamento de primeira linha, em doentes com idade superior a 65 anos. Não é

eficaz em todos os pacientes e, em alguns, têm efeitos secundários que se

sobrepõem aos benefícios (6).

A lenalidomida (Fig.15) está incluída no grupo dos agentes imunomoduladores,

ou seja, das drogas que têm capacidade para atuar no sistema imunitário. É um

composto da nova classe de fármacos imunomoduladores derivados da

talidomida (IMiDS) e atua na supressão direta do crescimento das células

tumorais em cultura, na ativação das células T e natural killer (NK), na supressão

da produção de TNF-alfa e de outras citocinas pré-inflamatórias, produzidas

pelos monócitos, e na inibição do VEGF. Está indicada para doentes com MM

que já tenham recebido tratamento anterior e que sejam resistentes à talidomida.

A sua associação à dexametasona, em altas doses, permitiu obter um aumento do

sucesso das respostas. Este fármaco tem como principais efeitos secundários a

diminuição do número de leucócitos e de plaquetas (que se podem prevenir com

a administração de fatores de crescimento) e o elevado risco de trombose (6,11).

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Fig. 15: Estrutura da molécula de lenalidomida

(adaptado de http://www.mjhid.org/article/view/5926/html_44).

Outro fármaco muito importante no tratamento do MM é o bortezomib

(Velcade®

), o primeiro medicamento da classe de fármacos designados por

inibidores da via de ubiquitina-proteossoma. Este fármaco conduziu a um avanço

enorme no tratamento de doentes com MM. As taxas de resposta observadas em

estudos clínicos, justificaram o processo de aprovação acelerada por parte das

autoridades regulamentares dos EU - food and drug administration (FDA) e da

agência europeia de avaliação de medicamentos (AEAM). O bortezomib é

indicado no tratamento de pacientes com MM, que receberam pelo menos 2

tratamentos anteriores e demostraram progressão da doença no último. A eficácia

é baseada nas taxas de resposta. A formação e decomposição das proteínas

transdutoras de sinal desempenham um papel importante tanto na sobrevivência

das células tumorais como, também, na multiplicação celular e na angiogénese

(11).

A decomposição destas proteínas é controlada pelos proteossomas. O bortezomib

liga-se à subunidade β5 do complexo catalítico central 20S do proteassoma 26S e

inibe reversivelmente a sua atividade de forma semelhante à da quimiotripsina,

por clivagem de ligações peptídicas. Esta ligação interrompe múltiplas cascatas

de sinalização intracelulares em que estão implicadas as proteínas ubiquitinadas,

levando à apoptose das células tumorais, impedindo a angiogénese e inibindo a

interação das células tumorais com as células do estroma da MO (Fig.16). Os

efeitos secundários associados ao bortezomib são: fadiga, alterações

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gastrointestinais, trombocitopénia transitória e neuropatia (reversível, na maioria

dos doentes) (6,11).

Fig.16: Mecanismo de ação do bortezomib em doentes com mieloma múltiplo. IL-

interleucina; VEGF- vascular endothelial growth factor; TNF- tumor necrosis factor; IGF- insulin

growth factor (retirado de http://jco.ascopubs.org/content/23/3/630/F2.expansion.html).

A radioterapia é utilizada de modo localizado, de forma a causar a morte celular

por radiação, caso as células estejam dispostas num único local. Pode ser

administrada de duas formas:

- Radiação local, que é direcionada para a MO, onde os plasmócitos se acumulam

em agrupamentos. Podem, também, realizar-se sessões de radioterapia pouco

agressiva, para controlar o crescimento tumoral e aliviar a sintomatologia;

- Irradiação total do organismo: pratica-se antes de um transplante de células

estaminais.

O tratamento do MM destina-se a prolongar a sobrevivência, atrasar a progressão

da doença, e obter a melhor resposta possível, através da erradicação máxima do

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tumor, recorrendo a fármacos com toxicidade aceitável, para melhorar a

qualidade de vida dos doentes (16,17,20).

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II- Metodologia

II- 1- Amostragem

Na presente investigação recorreu-se a uma amostragem não probabilística (23),

uma vez que a escolha dos elementos da nossa amostra foi realizada em função

de critérios previamente estabelecidos, ou seja, segundo as características do

estudo. A amostra é constituída por 58 doentes diagnosticados com MM do

Hospital Dr. Nélio Mendonça (HNM), na região autónoma da Madeira (RAM)

no período de 2008 a 2011, inclusive. Apesar de 3 utentes não apresentarem

informações referentes aos parâmetros analíticos em estudo, os mesmos foram

utilizados para a quantificação do número total de casos diagnosticados e na

distribuição por sexo e grupo etário. Em 15 utentes não foi possível aceder à

percentagem de plasmócitos medulares na altura do diagnóstico, pelo que o

número de doentes utilizados na análise do estudo do aspirado medular foi de 43

doentes.

Na análise dos parâmetros imunológicos, 5 pacientes não foram utilizados para

CP e 13 para CL (parâmetro analítico das Igs) pelo facto das informações em

causa não se encontrarem disponíveis.

Os produtos biológicos usados nestes doentes com MM foram: soro, obtido a

partir de sangue venoso total (colocado num tubo seco com um gel ativador da

coagulação) e sangue venoso total com o anticoagulante ácido

etilenodiaminotetra-acético (EDTA), um quelante do Ca que forma com ele sais

insolúveis impedindo, a coagulação do sangue. O AM, foi obtido por punção

aspirativa da crista ilíaca antero-superior, postero-superior ou do esterno, após a

desinfecção da pele com álcool a aplicação de anestésico local. Em seguida o

produto aspirado foi colocado em tubo EDTA.

II- 2- Parâmetros analisados

Os parâmetros analisados neste estudo foram os hematológicos (Hb e

percentagem de plasmócitos do mielograma), bioquímicos (Ur, Cr, Ca e

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eletroforese das PT) e imunológicos (β2-M, Igs totais, bom como as suas CL e

CP).

II- 2.1 – Hematológicos

Os parâmetros hematológicos analisados nos doentes com MM, foram a Hb, no

hemograma, e a percentagem de plasmócitos no mielograma.

II- 2.1.1- Concentração em hemoglobina

No hemograma e por terem sido usados os critérios CRAB, analisaram-se apenas

os valores do doseamento de Hb para avaliar a anemia. Estes, foram

determinados pelo método da cianohematohemoglobina, no equipamento Coulter

LH 750 (Izasa) (Fig.17). Este método baseia-se no facto de a Hb, na presença do

ferrocianeto de K+, ser oxidada e transformada em meta-hemoglobina que, ao

reagir com o cianeto de K+ (pH 7,2) origina a cianohematohemoglobina. A

leitura espectrofotométrica foi feita num comprimento de onda (λ) de 540 nm

(24).

Fig.17: Equipamento analítico Coulter LH 750 (retirado de

https://www.beckmancoulter.com/wsrportal/wsr/diagnostics/clinicalproducts/hematology/coulter-lh-750-

hematology-analyzer/index.htm).

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II- 2.1.2 – Mielograma

O sector de hematologia, do serviço de patologia clínica do HNM, foi

responsável pela análise dos mielogramas, tendo atenção especial na observação

da linhagem plasmocitária, em caso de suspeita de MM. O diagnóstico

morfológico do MM é sempre feito a partir de um AM e/ou uma BM.

O AM é obtido através de uma punção lombar do osso esterno ou da crista ilíaca.

Uma boa punção é muito importante, para obtenção destas células.

Macroscopicamente, em comparação com o SP, a amostra apresenta-se com uma

ligeira viscosidade e grumos. O esfregaço medular é executado e corado com a

coloração de May-Grünwald-Giemsa. Nesta, o esfregaço é fixado pelo metanol

presente na solução de May-Grünwald (solução metanólica de eosinato de azul

de metileno) durante 3 min. Em seguida ocorre a dissociação do corante de May-

Grünwald, efetuada pelo tampão de fosfatos o eosinato de azul de metileno (ao

pH conferido pelo tampão) origina a eosina + azul de metileno. Os corantes

agem, individualmente, durante 3 min. A eosina, corante ácido, vai corar os

componentes citoplasmáticos da célula (eosinófilos ou acidófilos) de rosa-

alaranjado e o azul de metileno, que é básico e vai corar o núcleo e os

componentes citoplasmáticos ácidos (basófilos) de azul-arroxeado. A eosina em

conjunto com o azul de metileno vão corar as granulações secundárias dos

neutrófilos de cor rosa. A ação da solução da solução Giemsa diluída (1gota/ml)

durante 15 min, permite que o eosinato de azul de metileno e o eosinato de azur

de metileno sejam dissociados pelo tampão de fosfatos e, assim, os componentes

(eosina, azul de metileno e azur de metileno (cora as granulações azurófilas de

vermelho-púrpura) possam exercer as suas ações individualmente (24).

A observação do esfregaço de MO foi inicialmente feita com ampliação de 40x,

que permite fazer uma avaliação acerca da qualidade da amostra, celularidade,

número de megacariócitos e presença de células estranhas. Em seguida, foi

realizada (com ampliação 100x) a contagem diferencial das células das várias

linhagens hematopoiéticas, bem como a apreciação da sua morfologia. Para a

execução do mielograma contaram-se, no mínimo, 500 células, fazendo-se a

diferenciação dos seguintes elementos (blastos, promielócitos, mielócitos,

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metamielócitos, neutrófilos em bastonetes e segmentados, monócitos (e seus

precursores), eosinófilos (e seus precursores), série linfóide, plasmócitos e a série

eritróide (todos os eritroblastos, nos diferentes estadios de maturação) (24). Os

resultados das contagens foram sempre expressos em %.

O prognóstico do paciente é favorável se tiver uma percentagem baixa de

plasmócitos na MO e é desfavorável quando esta está elevada e a MO se

encontra infiltrada de forma difusa (3,16).

II- 2.2 – Bioquímicos

Foram analisados os dados referentes ao Ca, à Cr, à Ur e à eletroforese das PT.

Todos os exames referidos foram efetuados no aparelho Dxi AU 5400 (Beckman

Coulter) (Fig.18), com exceção da eletroforese das PT.

Fig.18: Equipamento analítico Dxi AU 5400, Beckman Coulter do HNM

(retirado de https://www.beckmancoulter.com/products/splashpage/media/3/images/AU5400.jpg).

II-2.2.1- Cálcio

O Ca foi determinado por um método colorimétrico, que se baseia na reação dos

iões de cálcio (Ca2+

) com arsenazo III [ácido 2,2’- (1,8-Diidroxi-3,6-

disulfonaftileno-2,7-bisazo) bisbenzenoarsonico] para formar um complexo de

cor roxa intensa. A absorvância do complexo cálcio-arsenazo III é medida

bicromaticamente a um λ=660/700 nm. O aumento resultante da absorvância da

mistura de reação é diretamente proporcional à concentração do Ca na amostra

em estudo (25).

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II-2.2.2- Creatinina

A Cr foi obtida pelo método de Jaffé (cinético colorimétrico). A Cr forma com o

ácido pícrico, em meio alcalino, um composto amarelo alaranjado de picrato de

Cr. A leitura é feita num λ entre 520 e 800 nm. As variações obtidas são

proporcionais à concentração de Cr na amostra (26).

II- 2.2.3- Ureia

Este parâmetro analítico foi determinado por ensaio enzimático cinético. A Ur foi

hidrolisada na presença de água e urease, para produzir amónia e dióxido de

carbono. O amoníaco produzido na primeira reação, combinou-se com 2-

oxoglutarato e NADH, na presença de glutamato-desidrogenase, (GLDH) para

produzir glutamato e NAD+. A redução da absorvância de NADH, por unidade

de tempo, é proporcional à concentração de Ur na amostra (27).

II- 2.2.4- Eletroforese das proteínas totais

A electroforese de proteínas séricas (por capilaridade) é um método fundamental

para avaliar a presença de Igs monoclonais, quando há suspeita de MM (Fig.19).

É utilizada com o intuito de analisar a fração gama, e a existência de 1 pico

(monoclonal) ou de 2 (biclonal) nessa zona. É um método quantitativo e sensível,

e tem a vantagem de analisar amostras com pouca quantidade de soro, de forma

rápida e eficaz. (4,5,11,16).

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Fig.19: Electroforese capilar, em gel da agarose, de amostra normal e com mieloma

múltiplo (retirado de Turgeon M., 2005).

II- 2.3 – Imunológicos

Os parâmetros imunológicos analisados foram a β2-M, o doseamento das Igs e a

sua identificação por imunofixação.

II- 2.3.1- β2-microglobulina

A β2-M foi determinada a partir de um ensaio imuno turbidimétrico. Este método

mede a diminuição da luz ao passar por um complexo Ag-Ac, ou seja, avalia a

quantidade de luz absorvida pela amostra, que é diretamente proporcional à

concentração sérica da β2-M (28).

II- 2.3.2- Doseamento das imunoglobulinas

As Igs do soro são doseadas por nefelometria. O método baseia-se na avaliação

da turbidez causada pela reação Ag-Ac, sendo medida a difração da luz que

atravessou a solução. Esta, é diretamente proporcional à concentração das Igs

presentes na amostra. Estes valores são importantes para o diagnóstico,

monitorização da terapêutica e avaliação da progressão do MM (29).

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II- 2.3.3- Identificação das imunoglobulinas por imunofixação

Após o doseamento, as Igs são identificadas por imunofixação. O método

permite analisar os tipos de Igs e de CL presentes nas amostras (Fig.20)

(11,16,30).

Fig.20: Equipamentos de doseamento (a) e de imunofixação (b) das cadeias de

imunoglobulinas.

A imunofixação é uma técnica sensível e rápida. Consiste na separação das

proteínas séricas por electroforese. São utilizados anti-soros (IgA, IgG, IgM e

CL: k e λ) que vão ser colocados sobre as diferentes frações separadas. As

proteínas que não precipitam são eluídas com tampão e as imunoprecipitadas são

coradas. O anti-soro deve ser utilizado numa diluição correta, com base num pré-

doseamento das Igs, para garantir a equivalência acertada de Ag e de Ac. É muito

importante a identificação de CL monoclonais no MM de CL, na amiloidose

sistémica primária e, também, noutras patologias em que há acumulação destas

cadeias (11,16,31).

O doseamento das CLL é um fator de prognóstico, tal como a β2-M. Quando são

encontradas na urina de 24h (PBJ positiva e/ou electroforese urinária com pico

monoclonal) é porque o funcionamento dos rins ainda não está comprometido e

eles conseguem excretar essas cadeias (bom prognóstico). Quando as CL estão

elevadas no soro, indicam mau prognóstico, porque os rins deixam de as excretar

quando já se encontram saturados, devido á sua produção excessiva. Nestes casos

as CL passam para a corrente sanguínea, sendo possível o seu doseamento sérico.

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As CLL κ e λ são doseadas por nefelometria. O teste executa-se para o despiste

de gamapatia monoclonal, juntamente com a eletroforese das PT e a

imunofixação das Igs séricas. A relação do doseamento das CLL κ/λ é um fator

de prognóstico no MM. A razão κ/λ “alta”: <0,02 (λ) ou >3,6 (κ) é fator de bom

prognóstico e de maior sobrevivência global para estes doentes (3,4,6).

A PBJ é um indicador bom e precoce na suspeita de um MM mas, só por si, é

insuficiente e pouco sensível, pois não está presente em todos os doentes (4,16).

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III- Resultados

Os resultados obtidos para os pacientes estudados com MM foram analisados de

acordo com o número de doentes diagnosticados por ano, o grupo etário, o sexo e

os parâmetros analíticos (hematológicos, bioquímicos e imunológicos).

III- 1- % de doentes diagnosticados por ano de estudo

Nos 4 anos estudados a média de novos doentes com MM foi de 14 casos/ano. A

tendência para a ocorrência de novos casos/ano, globalmente, foi para aumentar,

como é possível observar na figura 21. Excetuou-se o ano de 2008/2009 em que

se diagnosticaram apenas 6 pacientes, seguindo exatamente o mesmo critério dos

outros anos estudados.

Fig.21: Nº de doentes novos diagnosticados com mieloma múltiplo nos Hospital Dr.

Nélio Mendonça entre 2008 e 2011 (n=58).

III- 2- Grupos etários

Os grupos etários com um maior número de novos doentes diagnosticados foram

o de pacientes com idades compreendidas entre os 70 e os 79 anos (41.4%) e

entre os 60 e os 69 anos (32.8%).

No grupo etário mais jovem (50 aos 59 anos) foi, também, encontrada uma

percentagem considerável e significativa (13,8%) de casos (Fig.22).

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Fig.22: Distribuição dos novos doentes estudados com mieloma múltiplo, por grupo

etário (2008-2011) (n=58).

III- 3- Sexo

Na totalidade dos pacientes com MM (n=58) da RAM as mulheres parecem ser

ligeiramente (53%) mais afetadas que os homens (46,4%) (Fig.23).

Fig.23: Distribuição, por sexo, dos doentes com mieloma múltiplo na RAM (2008-

2011) (n=58).

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III- 4- Parâmetros hematológicos

De acordo com os critérios do CRAB e para avaliar a progressão da anemia foram

analisados os valores da concentração de Hb (g/dL). Os valores normais de

referência usados foram de 13,0-18,0 g/dL (homem) e de 11,5-16,0 g/dL

(mulher).

A % de plasmócitos obtida, a partir do mielograma foi, também, analisada pelo

facto de esta se relacionar com a evolução e o prognóstico da doença.

III- 4.1- Hemograma- hemoglobina

Cerca de 65% dos doentes estudados estavam anémicos na altura do diagnóstico

com Hb <11,5 g/dL, para as mulheres e <13 g/dL para os homens (Fig.24).

Fig.24: Percentagem de pacientes com anemia, na altura do diagnóstico, nos doentes

com mieloma múltiplo (n=55).

III- 4.2- Estudo do aspirado medular

III- 4.2.1- Análise quantitativa (% de plasmócitos)

Para o estudo do mielograma foram sempre contadas, no mínimo, 500 células e

os resultados foram expressos em % tal como se pode ver no exemplo

apresentado (Fig.25).

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Fig.25: Exemplo de mielograma de um doente com mieloma múltiplo, do Hospital Dr.

Nélio Mendonça da região autónoma da Madeira.

De acordo com os critérios de diagnóstico de Hoffbrand (2005), nos mielogramas

(n=43) foram apuradas as respetivas % de plasmócitos (Fig. 26). A maior parte

dos doentes (51%), tinha entre 10 e 30% de plasmócitos na MO. Cerca de 37%

dos pacientes apresentou valores superiores a 30% e 11% dos doentes apresentou

valores destas células inferiores a 10%. Em 14% dos doentes (n=6), o

mielograma continha mais de 50% de plasmócitos.

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Fig.26: Percentagem de plasmócitos no mielograma dos doentes estudados, aquando do

diagnóstico (n=43).

III- 4.2.2- Análise qualitativa (morfológica)

Durante a execução do mielograma foi, também, analisada a morfologia celular

dos diferentes pacientes estudados, bem como a respetiva celularidade (Fig.27).

Fig.27: A medula óssea infiltrada por plasmócitos (66,6%) em doente com mieloma

múltiplo a cadeias leves livres. Ampliações de 40x em a) e de 100x em b).

As células plasmocitárias mas frequentemente observadas foram as maduras,

geralmente ovais, com um diâmetro de 12-15μm, o citoplasma abundante e muito

basófilo, com um halo perinuclear claro, sem grânulos e por vezes, com

pequenos vacúolos. O núcleo era oval e excêntrico com cromatina muito densa e

disposta em blocos grosseiros (Fig.28).

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Fig.28: Plasmócitos em doente com mieloma múltiplo do tipo IgG com cadeias leves λ

com ampliação de 100x, do Hospital Dr. Nélio Mendonça.

Houve casos em que se observaram células plasmocitárias imaturas com

cromatina nuclear mais laxa e a razão núcleo-citoplasma elevada.

Ocasionalmente, foram observadas células multinucleadas (índice mitótico

elevado), polilobuladas e pleomórficas, sempre indicativas de um mau

prognóstico (Fig.29).

Fig.29: Plasmócito multinucleado com 2 inclusões citoplasmáticas, que poderão

corresponder a cristais de imunoglobulinas, de paciente com mieloma múltiplo do tipo

IgG com cadeias leves λ (ampliação 100x), do Hospital Dr. Nélio Mendonça.

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Ocasionalmente, foram observadas as células em mórula ou células de “Mott”,

em que o citoplasma apresentou locais correspondentes a inclusões de Ig com

aspeto de “cacho de uvas” em torno do núcleo e presença de corpos de Russel

(Fig. 30a). Plasmócitos em forma de chama (flame cells) foram observados em

alguns MM do tipo IgA (Fig.30b).

Fig.30: Mieloma múltiplo do tipo IgG com inclusões esféricas de imunoglobulina ou

corpos de Russel (a) e mieloma múltiplo do tipo IgA com plasmócitos em chama (b).

III- 5- Parâmetros bioquímicos obtidos na altura do diagnóstico

A análise dos parâmetros bioquímicos (n=55), foi efetuada de acordo com os

valores de referência da instituição HNM (obtidos a partir de uma pool de

doentes da região).

III- 5.1- Cálcio

A maioria dos doentes com MM (94%), apresentaram o Ca sérico normal (8,9-

10,3 mg/dL) na altura do diagnóstico. Cerca de 2% apresentaram valores

inferiores aos de referência e 4% evidenciaram hipercalcémia (Fig.31).

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Fig.31: Percentagem de pacientes com mieloma múltiplo, cujo cálcio foi analisado

aquando do diagnóstico (n=55).

III- 5.2- Creatinina

A Cr sérica, em 73% dos 55 doentes com MM estudados, encontrava-se normal

(0,70-1,20 mg/dL) e em 27% dos pacientes foram encontrados valores elevados

(Fig.32).

Fig.32: Percentagem de pacientes com mieloma múltiplo, cuja creatinina foi analisada

aquando do diagnóstico (n=55).

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III- 5.3- Ureia

A Ur sérica, em 69% dos 55 pacientes estudados, encontrava-se normal (8,0-50,0

mg/dL). Foram encontrados valores elevados em 31% dos doentes (Fig.33).

Fig.33: Percentagem de pacientes com mieloma múltiplo, cujos valores de ureia sérica,

foram analisados aquando do diagnóstico (n=55).

III- 6- Parâmetros imunológicos

Foram selecionados para análise os valores de β2-M, na altura do diagnóstico, e o

tipo de MM de acordo com a Ig monoclonal (CP e CL).

III- 6.1- β2-microglobulina

Cerca de 23,6% dos doentes com MM apresentaram valores normais (0,80-2,40

mg/L) de β2-M na altura do diagnóstico. No entanto, 76,4% (n=42) dos doentes

apresentaram valores superiores aos de referência. Cerca de 9% dos pacientes

com resultados elevados (n=5) apresentaram resultados de β2-M compreendidos

entre 10 e 20 mg/L (Fig.34).

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54

Fig.34: Percentagem de pacientes com mieloma múltiplo cuja β2-microglobulina foi

analisada, aquando do diagnóstico (n=55).

III- 6.2- Imunoglobulinas

A classificação do MM, segundo o tipo de Ig, foi feita de acordo com as

respetivas CP e CL.

III- 6.2.1- Cadeias pesadas

Os tipos de MM mais comuns encontrados na RAM foram aqueles que

continham IgG monoclonal (60%). Em 21% dos casos estudados o pico

monoclonal foi devido à IgA e cerca de 13,2% dos doentes apresentaram MM de

CLL. No MM tipo IgD, IgM e na gamapatia biclonal, registaram-se percentagens

semelhantes (aproximadamente 1,9%). Estes valores foram obtidos em apenas 1

paciente, para cada uma das 3 situações anteriormente referidas (Fig.35).

Fig.35: Percentagens dos diferentes tipos de mieloma múltiplo, com base, na produção

de imunoglobulinas monoclonais, (2008-2011) no Hospital Dr. Nélio Mendonça (n=53).

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55

III- 6.2.2- Cadeias leves

Nos MM a IgD e IgM, as CL presentes foram sempre as cadeias λ. Verificou-se

que nos MM a IgG as cadeias predominantes foram as k (62,5%) ao contrário dos

MM a IgA em que as mais frequentes foram as cadeias λ (54,5%) (Fig.36).

Fig.36: Distribuição dos mielomas múltiplos estudados (n=45), de acordo com o tipo de

cadeia (leve e pesada).

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56

IV-Discussão

No período de 2008-2011, inclusive, foram diagnosticados, em média, 14 novos

casos/ano de MM. Globalmente, foi verificado um aumento gradual do nº de

doentes diagnosticados, o que sugere que esta patologia tem aumentado na ilha

da Madeira. Excetuou-se o ano 2008-2009, em que se diagnosticaram apenas 6

doentes, talvez porque neste período houve mudanças no espaço físico do

laboratório e não houve condições para diagnosticar a totalidade dos pacientes.

O grupo etário em que esta neoplasia foi mais frequente situou-se entre os 70 e os

79 anos, em discordância com a literatura (12), que refere que o grupo alvo

ocorre entre os 62 e os 72 anos. Verificou-se também uma percentagem

significativa de casos no grupo etário com idades compreendidas entre 60 e os 69

anos (13,8%). Atualmente, sabe-se que esta patologia tem início muito cedo e é

diagnosticada tardiamente em cerca de 80% dos casos (3). A elevada

percentagem encontrada na faixa etária entre os 60 e os 69 anos poderá estar

relacionada com o melhor acesso aos serviços de saúde na RAM, e por

conseguinte, a um diagnóstico mais precoce. Verificou-se, também, um

decréscimo acentuado de novos casos diagnosticados (8,6%) no grupo com

idades superiores ou iguais a 80 anos, que parece ter sido devido ao falecimento

destes pacientes.

O sexo feminino, em discordância com o referido na literatura (6,10,12) foi o

mais frequente (53%) nos doentes com MM. Esta ligeira diferença poderá estar

relacionada com a maior esperança de vida das mulheres ou com a maior

disponibilidade destas para recorrerem aos serviços de saúde.

A maior parte dos doentes estavam anémicos (65,5%), aquando do diagnóstico,

em concordância com os diversos estudos aqui referidos (12,32,33).

Cerca de 37,5% dos doentes apresentaram valores normais de Hb aquando do

diagnóstico, sugerindo que, de acordo com o referido na literatura (Durie-Salmon

citado por Swerdlow e col, 2008), que os mesmos, na altura do diagnóstico, se

encontravam na fase inicial da doença.

Em alguns casos foi feito o AM com o intuito de avaliar a infiltração da MO

pelas células plasmocitárias (análise quantitativa) e, também, a análise

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morfológica das mesmas (qualitativa) aquando do diagnóstico. Em relação a

análise quantitativa a percentagem de plasmócitos obtida no mielograma é um

dos critérios de diagnóstico do MM, segundo as classificações de Landgren e col

(2011), Gupta e col (2013) e Rajukmar (2013). No presente estudo, em 51% dos

doentes, foram observados valores entre 10 a 30% de plasmócitos medulares

(critério minor de diagnóstico). Em 37% dos pacientes, ocorreu uma infiltração

superior a 30% (critério major de diagnóstico) e em 12% dos doentes foi detetado

menos de 10% destas células. A infiltração de plasmócitos medulares superior a

30% nestes doentes, sugere fortemente o comprometimento da MO na altura do

diagnóstico. No que concerne à análise qualitativa, os nossos resultados estão de

acordo com os referidos na literatura (3,34).

De acordo com os critérios do acrónimo CRAB (6,11) utilizados neste trabalho

foram analisados também parâmetros bioquímicos tais como o Ca, a Cr e a Ur. O

Ca foi estudado para avaliar o metabolismo ósseo, a Cr e a Ur com o intuito de

avaliar a função renal, aquando do diagnóstico. Em 94% dos doentes o Ca sérico

estava normal (8,9-10,3 mg/dL). A Cr e a Ur séricas encontravam-se normais em

73% e em 69% dos pacientes respetivamente (foram considerados valores de

referência normais 0,70-1,20 mg/dL para a Cr e 8,0-50,0 mg/dL para a Ur). Por

outro lado, percentagens da Cr e da Ur que estavam elevadas, 27% e 31%,

respetivamente, corresponderam a doentes com insuficiência renal. À exceção da

Ur, resultados similares foram encontrados em outros estudos (32,33,34). Estes

dados, na sua globalidade, sugerem que o metabolismo ósseo e a função renal

não estavam comprometidos na altura do diagnóstico evidenciando, em

consonância com a literatura (3), que a doença estava num estadio inicial.

Com o intuito de avaliar o prognóstico e a esperança média de vida destes

doentes, foi doseada a β2-M sérica. A maioria dos valores obtidos (76%), foram

valores patológicos (superiores a 2,40 mg/L). Destes, 9% dos pacientes

apresentaram valores entre os 10mg/L e 20mg/L, apontando um prognóstico

desfavorável, que se traduz numa esperança média de vida próxima dos 29 meses

(3,6).

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O tipo de MM com maior predomínio na região estudada foi a IgG (60%)

seguido da IgA (21%) e do CLL (13%), encontrando-se os resultados

encontrados em concordância com outros estudos (18,12,27,29). Finalmente,

verificou-se que as cadeias leves com maior predomínio no MM do tipo IgG,

foram as cadeias K (62,5%). Quanto aos MM restantes (IgA, IgD, IgM)

observou-se um predomínio das cadeias λ (54,5%, 100%, 100%, respetivamente)

o que está de acordo com a literatura já citada anteriormente.

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59

V- Conclusões e perspetivas futuras

Este estudo teve como objetivo analisar a prevalência do MM na população

madeirense e avaliar as condições clínicas, bioquímicas, hematológicas e

imunológicas aquando do diagnóstico, segundo o acrónimo CRAB. Para

concretizar este objetivo foram avaliados 58 doentes com MM do HNM da

RAM, com idades compreendidas entre os 43 e os 86 anos.

Concluiu-se que: 1- a população feminina é a mais afetada; que o número de

doentes com MM tende a aumentar anualmente e são diagnosticados em faixas

etárias mais baixas que as frequentemente citadas na literatura (12); estes

resultados evidenciam um diagnóstico mais precoce e, por conseguinte, a

possibilidade de poder implementar um tratamento atempado (ex. transplantação

autóloga das células estaminais hematopoiéticas em pacientes com idades < a 65

anos); aquando da análise dos parâmetros analisados pelo acrónimo CRAB,

apenas a Hb se mostrou frequentemente alterada, comparativamente com os

resultados de Ca, Ur e Cr. Na maior parte da população estudada (65,5%) os

doentes com MM estavam anémicos e a função renal e o metabolismo ósseo

encontravam-se normais. Embora a calcémia possa indicar uma disfunção no

metabolismo ósseo, seria necessário exames complementares (exames

imagiológicos) para uma melhor avaliação das lesões ósseas nos doentes com

MM; no que diz respeito ao prognóstico e à esperança média de vida destes

doentes, verificou-se, que apenas uma minoria de doentes apresentava um

prognóstico muito desfavorável e com um tempo de vida reduzido. É de

salientar, que teria sido importante a análise citogenética para consolidar este

estudo, nomeadamente, a hiperdiploidia, a presença da t(11;14) (q13;q32)

(índices de prognóstico favorável) e outros tipos de translocações cromossómicas

associadas às deleções do cromossoma 13 (prognóstico desfavorável), com o

objetivo de avaliar de forma mais fidedigna o prognóstico do MM.

O facto da investigação ter utilizado apenas o maetrial disponívele, por

conseguinte, um método de amostragem não probabilística (amostra de

conveniência) (23), não permite a generalização dos resultados obtidos à

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60

população total da RAM, para isso há que elaborar protocolos de estudo mais

derigidos ao alvo em causa.

Perspetivas futuras, Tucci e col (2013), referem a importância do estudo da

IL17A, uma citocina envolvida na atividade osteoclástica, investigada no MM,

para avaliar o seu papel no osteoclasto, que tem uma atividade semelhante à das

células dendríticas imaturas da MO. O envolvimento destas células na atividade

osteoclástica, sugere que a reabsorção óssea é, também, regulada pelo menos “in

vitro”, pelo IL17RA, o que poderá ser uma mais-valia, no tratamento da doença

óssea, com a elaboração de novos fármacos dirigidos a este alvo (35). Hada e col

(2012), referem que os valores de plasmócitos atípicos >85% foram encontrados

em pacientes com alteração da razão entre as CL com predomínio acentuados das

CL λ. Valores desta ordem, foram encontrados em doentes hemodialisados

refratários e que já tinham feito tratamentos com quimioterapia, o Bortezomib

(36). A importância do conhecimento da % de plasmócitos permite um

diagnóstico e uma monitorização precoce, para que os pacientes não venham a

manifestar insuficiência renal e se diminuam a morbilidade destes doentes.

Yyusnita e col (2012) recorrendo ao uso de “microarrays” e mi RNA (sobre-

expresso no SP de doentes com MM contrariamente ao que sucede com os

controlos normais) sugere que este possa ser um forte candidato a biomarcador

do MM. Também foram referidos como estando sobre-expressos os micro RNA,

o let-7c e miR-16, na MO de pacientes com MM (37). Segundo outro estudo,

Jeong e col (2012), referem o interesse do painel CD56/CD19/CD138/CD45 para

distinguir as células plasmocitárias reativas do MM, embora o CD19 continue a

ser o marcador mais válido para a identificação das células neoplásicas em

doentes com MM (38).

O perfil molecular do MM revela uma grande heterogeneidade molecular

referindo a necessidade de meta-analises bem como a validação dos resultados

obtidos (39).

Em suma, o objetivo final no manuseamento do MM, é a cura, mas, como isso

ainda não é possível, procure-se prolongar a sobrevivência global e a qualidade

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de vida, atrasar a progressão da doença e obter a melhor resposta possível através

da erradicação máxima do tumor com uma toxicidade farmacológica aceitável.

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