UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES -...
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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE BELAS-ARTES
Colagem em território expandido.
Eduardo Fonseca
MESTRADO EM PINTURA
2012
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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE BELAS-ARTES
Colagem em território expandido.
Eduardo Fonseca
MESTRADO EM PINTURA
Dissertação orientada pelo Professor Hugo Ferrão
2012
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RESUMO
Uma breve passagem sobre o aparecimento da expressão colagem no
mundo da arte inaugura o conteúdo dessa dissertação que procura apresentar algumas
possíveis maneiras de utilização da técnica da colagem, centrada sobre as nossas
propostas pictóricas, que de certa maneira extrapolam a sua forma habitual.
Para alcançarmos um posicionamento mais consistente sobre o tema, são
introduzidas breves passagens históricas e personagens importantes que formatam o
nosso imaginário. O universo Pop apresenta-se como ponto de partida e conduz o tema
se relacionando com propostas sugeridas em diversos momentos e lugares diferentes,
como por exemplo: a Pop Art definida por Lawrence Alloway que desmembrou-se
como um movimento importante, o Tropicalismo ocorrido no Brasil, e outras passagens
contemporâneas, cuja influência é nítida no nosso projeto de Pintura.
Ao estabelermos os alicerces teóriocos da nossa pesquisa, passamos para
a fase seguinte onde mostramos algumas relações entre a origem da comunicação
através de simbolos e seus respetivos significados comparando-as às primeiras práticas
de colagem. O texto nos sugere uma maior profundidade interpretativa sobre o fazer e o
significar das coisas, remetendo-nos para questões referentes ao processo de construção,
tanto visto pelo ponto metodológico, como pela descoberta de caminhos já percorridos
ou apropriados como acontece na prática da crítica genética.
Por fim, são apresentados alguns casos que não remetem diretamente
para o campo da pintura ou da arte, mas que questionados contribuem ou podem ser
considerados dentro do assunto discutido pela ótica da Colagem, e que se articulam com
a nossa pesquisa, para a qual se utilizam imagens provenientes desses domínios
integrados no trabalho pessoal do autor (Eduardo Fonseca). Estas referências visuais e
de outros artistas acentuam estratégias para compreensão das ideias propostas.
Palavras-chave
Colagem, processo, etapas, Pop, mídia, crítica, mass media
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RESUMO
A brief passage about the appearance of the term collage in the art world
opens the first content of this dissertation. It attempts to present some possible ways of
using the concept art (collage) in other situations that go beyond their usual form.
To achieve a consistent position on the issue, some brief historical
passages are introduced as well as some important characters that have shaped the
concept of collage as we know it. The Pop universe presents itself as a starting point and
leads the topic relating with proposals suggested at various times and places, such as:
the Pop Art defined by Lawrence Alloway who dismembered as an important move;
Tropicalism occurred in Brazil and other contemporary passages.
As we establish the foundations of our research, we are able to move to
the next phase where we show some relationships between the origin of communication
through symbols and their meanings, comparing them to the first practice of collage.
From there, the text suggests a greater reflection on the meaning of things and referring
us to create questions concerning the construction process, both seen by a chronological
point about striking a path already traversed in this case addressed by critics gene.
Finally, we present some cases that do not necessarily relate to the field
of painting or art, but questioned whether they can be considered within the subject
discussed by Optical Bonding. This research makes use of images of personal work of
the author (Eduardo Fonseca) and visual references to other artists as a strategy for
understanding the ideas proposed.
Palavras-chave
Collage, process, steps, Pop, media, criticism, mass media
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Agradecimentos
Agradeço primeiramente à minha mãe, que sempre apoiou minhas
iniciativas, mesmo quando não botava fé nas mesmas. Aos meus meus irmãos, Adriana
e Alexandre, e cunhados Erthos e Livia pela presença constante nas minhas escolhas.
Ao Francisco e Antônio por me darem esperança que apesar de tudo, há sempre uma
nova maneira de ver o mundo.
À Priscila pela companhia, compreensão, as viagens, os momentos
difíceis e os prazerosos e presença constante e fundamental nos útimos quatro anos!
Aos ilustres e consagrados Cães de Alfama: Ribão (orientador Mor),
Carol, Bê, Julia, Badu e Mira. É animal! Ao grande Paulinho primo, amigo, físico,
sociólogo e o melhor sanfoneiro que Coimbra já teve. À Isa! À Glaura! À Martinha
pelos momentos de Axé. Á Cacá, Maria e Cisca pela amizade e oportunidade nos
negócios! Ao Thiaguinho e seu inseparável Pipo! Ao António (Poeta) Poppe, pelos
absolutos momentos de descontração e construção lúdica-visual-rítmica-sensitiva! Ao
Oli e Tom, grandes amigos ingleses nada comuns! À grande amiga Maria Marques pelo
carinho e dedicação que sempre teve conosco! À Isabel, Manuel, Ana e Rita pela
mansão concedida. Ao Nica e os Espíritos Livres. À malta do Tejo Bar, do Loucos e
Sonhadores, dos miradouros da vida, de Alfama e da noite lisboeta em geral.
Aos professores Isabel Sabino, Manuel Botelho, Carlos Vidal, Ilidio
Salteiro. Ao orientador desta dissertação, o Professor Hugo Ferrão. Ao Mário Azevedo.
Aos grandes amigos madeirenses inesquecíveis Hugo e Cristiana! Ao
Rui! Aos colegas de Mestrado. À Lígia e a Sara! Aos funcionários da Faculdade de
Belas Artes que sempre trataram-me super bem. À Renata e Rita da reprografia. Às
senhoras da Secretaria. Ao Carlos Alcobia. Às meninas da Cantina: Dona Paula, Dina,
Dona Helena e as outras que não sei o nome. À Paula da lojinha.
À todos os amigos e familiares que vieram nos visitar em terras lusitanas
e pelos momentos inesquecíveis (alguns já nem me lembro direito) que passamos! Às
famílias Rezende e Fonseca, amo todos vocês até os que não prestam! À Claudia, João
Bosco e Carol e toda a fauna e flora que vivem com eles!
E claro, à Madame Olga, à Sónia, ao Pastel de Belém, à Ginginha e todas
as personagens e figuras inesquecíveis nesse Portugal querido!
Obrigado.
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ÍNDICE
1– Introdução.........................................................................................................Pág. 06
2 – Aproximações à ideia de Colagem.................................................................Pág. 07
3 – Mecanismos de visualização da Colagem......................................................Pág. 17
3.1 Relações Intertextuais..........................................................................Pág. 19
3.2 Mestiçagem das imagens - 1+1+1=1..................................................Pág. 23
4 – Colagem como colecionismo de referências .................................................Pág. 27
4.1 Colagem enquanto resgate – Crítica Genética.................................Pág. 27
5 – Colagem a expandir territórios......................................................................Pág. 31
5.1 Storytelling Kate Moss.........................................................................Pág. 31
5.2 Implosão em tempo real......................................................................Pág. 36
5.3 Colagem Comunicacional...................................................................Pág. 39
5.4 “Colagem Contemporânea”...............................................................Pág. 41
6 – Conclusão.........................................................................................................Pág. 47
Bibliografia............................................................................................................Pág. 48
Páginas da Web.....................................................................................................Pág. 50
Filmografia.............................................................................................................Pág. 51
Musicografia..........................................................................................................Pág. 51
Índice de Imagens..................................................................................................Pág. 52
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1 – INTRODUÇÃO
A pesquisa em torno do processo de produção foi o primeiro passo dado
para abordar as várias atividades que se complementam para se chegar à um resultado
final de um trabalho plástico. Com o avanço das pesquisas começou-se a perceber que
em todas as etapas existentes no decorrer do processo se acumulavam elementos e
intenções para o andamento do trabalho, um fator normal para a conceção de uma obra.
Porém essas aglomerações mostraram-se atraentes enquanto objetos de pesquisa, pois
partiam do pressuposto que se tratavam de colagens que, embora não abrangessem o
sentido prático de afixar vários objetos em uma superfície, mostravam-se aplicáveis em
outras instâncias. Veio então o questionamento a respeito da possibilidade de emprego
do conceito de colagem para além de sua utilização comum. Uma verossímil alternativa
para se pensar em construções que envolvam junções de sentidos em uma pré-feição ou
elaboração de algo que não necessariamente precisa ser executável materialmente.
Para chegarmos ao ponto mais importante dessa discussão, precisaremos
passar por caminhos básicos que envolvem conceitos consolidados a respeito da
Colagem e apresentar alguns exemplos de artistas, obras e movimentos que acabaram
por dialogar com o gênero em discussão.
Através desse pensamento constrói-se um jogo de referências que se
entrelaçam em uma pesquisa espelhada no trabalho prático pessoal desenvolvido ao
longo do curso de Mestrado. Esses trabalhos deram-se de modo progressivo à
investigação e espelham o pensamento, também aglomerativo, da catalogação produzida
em uma espécie de colecionismo dessas referências. Cria-se, a partir daí, um diálogo
com a plasticidade do trabalho prático no âmbito da pintura enquanto superfície onde se
sobrepõe materiais diversos, mas essencialmente utilizando a tinta como ferramenta.
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2 – COLAGEM À PRIMEIRA VISTA
O crítico de arte britânico Lawrence Alloway (1926–1990) denominou
em 1956 a colagem de Richard Hamilton (1922–2011) “Just What Is It That Makes
Today’s Homes So Different, So Appealing?” como Pop Art. Certamente Alloway não
tinha a noção de que acabara de denominar um estilo que cresceria nos anos seguintes
com outros artistas como Andy Warhol (1928-1987), Roy Lichtenstein (1923-1997) ,
James Rosenquist (1933), Tom Wesselmann (1931-2004), Eduardo Paolozzi (1924-
2005) entre outros. Hamilton “inaugurou” a Pop Art, com uma colagem carregada de
elementos do quotidiano de uma época em que crescia o consumo de produtos
industrializados do pós-guerra. Não havia uma preocupação por parte do artista em
transformar a imagem do trabalho final em algo realista ou próximo à isto, mas a mera
representação de um conjunto concebido por peças distintas retiradas de revistas, livros,
cartazes, embalagens e jornais já existentes no dia a dia das pessoas criara um contexto
particular ao final do processo . A disposição desses elementos no cenário da maneira
como são, nos remete a um desconforto em relação à harmonia do conjunto, pois todos
eles carregam características das mídias de onde foram retiradas e se tornam quase
desconexas umas das outras. Hamilton define os princípios centrais da nova
sensibilidade artística: “trata-se de uma Arte popular, transitória, consumível, de baixo
custo, produzida em massa, jovem, espirituosa, sexy, chamativa, glamurosa, e um
grande negócio”1.
O “Just What Is It That Makes Today’s Homes So Different, So
Appealing?” de Richard Hamilton, concretiza a Pop Art, mas não inaugura a linguagem
da colagem que já era utilizada há vários anos, antes mesmo do Dadaísmo com Tristan
Tzara (1896-1963), Hugo Ball (1886-1927) e Hans Arp (1886-1966) ou o Cubismo
com Picasso (1881-1983) e Braque (1882-1963). Esses movimentos resgataram a
linguagem da aglomeração de forma e conceito e a transformaram em um novo modo de
leitura.
1 Enciclopedia Itaú Cultural Artes Visuais. Atualizado em 04/09/2008
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_ver
bete=367
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Fig. 01. Richard Hamilton. “Just What Is It That Makes Today’s Homes So Different, So Appealing?”
1956. Colagem sobre papel, 24 x 26 cm. Kunsthalle Tübingen
O que tomamos como a Colagem hoje em dia vem muito da junção de
vários elementos ou imagens provindas de outras mídias que compõe um mesmo
cenário, tal como a linguagem publicitária disposta numa cidade com seus inúmeros
outdoors e banners espalhados sobre os prédios ou um álbum de fotografias onde há
uma seleção das melhores fotos da viagem de férias do último ano. Mas não podemos
generalizar o sentido da técnica.
Talvez possamos dizer que a Colagem já era utilizada na Idade Media
pelos artistas e monges como estratégia plástica para ilustrar as passagens bíblicas e
seus elementos construindo-as com materiais diversos num mesmo contexto. Por
exempo: ao incorporar o ouro, a prata e pedras preciosas sobre as pinturas religiosas,
esses trabalhadores utilizavam uma tecnica bastante desenvolvida e somavam o sentido
da palavra pretendida ao conceito de riqueza que sugeriam aqueles materiais. Nestes
casos, pode-se dizer que se tratava de uma colagem pictórica ou matérica, uma maneira
mais simples da utilização da técnica para a construção de uma imagem que incorpora
outros materiais e acrescentam na visualização final do trabalho. Porém, não podemos
deixar de ressaltar a importância do significado existente em cada elemento
incorporado. Todos eles carregam seus respetivos sentidos para terem sido inseridos nos
lugares que lhes foram destinados. Como por exemplo a utilização do ouro na
ornamentação de Igrejas, na fabricação de moedas e imagens elevadas ao posto de
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sagradas desde a antiguidade, e o que é mais interessante para este caso, a valorização
do material por vários povos em todo o mundo: desde as sociedades pré-colombianas na
América, passando pelos Egito antigo até os povos da Ásia oriental, como China e
Japão. Teoricamente, em uma história mais recente, só temos o registro da aproximação
dos povos americanos com os europeus, africanos e asiáticos a partir do século XV.
Como podem sociedades tão diferentes venerar ao mesmo tempo o mesmo metal? Seria
pelo fato do brilho? Da maleabilidade?
É importante, também, não esquecermos que a Colagem, em primeiro
lugar, trata de um ato de reapropriação de elementos preexistentes, ou seja, além do
conjunto plástico construído a formar um corpo, há instâncias de conceitos que também
dizem sobre a aglutinação dessas partes.
A representação de um conjunto de imagens principalmente na Pintura,
por ter sido o gênero cuja durabilidade se estendeu até ao presente e por ser mais
eficiente na sua forma de captar um determinado momento (exceto por meios mais
modernos como a fotografia e o cinema), também foi, e é, em sua maioria, sustentada
pela colagem. Ainda que esta não seja construída com materiais diferentes entre si, há
colagens compostas de elementos referenciais atemporais, ou seja, uma obra de várias
referências em tempos destintos. Exemplo disso são as pinturas de naturezas mortas do
pintor quinhentista flamenco Jan Brueghel (1568-1625) que representava vários tipos de
flores existentes das quatro estações do ano em uma única tela. Brueghel executava um
trabalho ao longo de meses juntando tipos diferentes de espécies, uma junção até então
impensável, em um único instante. Um trabalho minucioso e paciente. Muitas dessas
Pinturas são compostas também por diversos insetos predominantes em épocas distintas
do ano. O resultado final revela uma coleção de elementos que não dividiam o mesmo
tempo em condições naturais, mas se afirmam no mesmo espaço como um só corpo.
Se voltarmos nossos olhos para uma outra época ainda mais longínqua e
primitiva que a de Brueghel perceberemos que as práticas processuais da perpetuação
imagética dada pelo homem já possuíam características conceituais que dialogam com a
colagem. Como as primeiras pinturas feitas pelo homem: as Pinturas rupestres. Algumas
concentram-se em grandes paredões rochosos em cavernas e, embora não tenham sido
feitas em um mesmo momento, o conjunto dessas imagens representa uma mesma
época. É o caso do sítio arqueológico da Serra da Capivara, no Estado do Piauí, Brasil,
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que contém um registro de cerca de doze mil anos de permanência e evolução de povos
que por lá viveram. Entretanto, para os arqueólogos que trabalham na Serra, segundo a
FUNDHAM (Fundação Museu do Homem Americano), é difícil uma catalogação
detalhada sobre as pinturas, pois as gerações que sucederam ao longo do tempo no
parque foram acrescentando e sobrepondo novas imagens sobre as antigas.
Quando a colagem aparece na Pop Art, o sentido da sua utilização é bem
mais descompromissado e irreverente que sua participação em outras épocas, já que em
hora alguma disfarça seu carater de reprodutibilidade em larga escala e não assume uma
postura moralista e/ou séria. Andy Warhol chega ao ápice desse conceito repetindo
várias vezes a mesma imagem, e apesar dessa constante repetição, Warhol dizia que
gostava de ver as pequenas diferenças existentes entre os elementos copiados. De certa
maneira a crítica da Pop Art à Industria Cultural e/ou Cultura de Massa, cai em
contradição com essa afirmação de Warhol, pois os produtos fabricados em série
sempre serão diferentes um do outro, mesmo que essa diferença seja no defeito que
possa a vir ocorrer em cada um ou no aspeto material do produto (composição plástica,
alterações durante a fabricação, intempéries do tempo, etc).
Fig. 02. Andy Warhol – “32 Campbell’s Soup Cans”. 1961/62. 32 Serigrafias. MoMA
Se focarmos no trabalho de Peter Blake (1932) para o álbum “Sgt.
Peppers Lonely Heart Club Band”, em 1967, dos Beatles notamos que trata-se de uma
“colagem psicodélica” que segue uma linha semelhante ao trabalho de Hamilton, o
“Just What Is It That Makes Today’s Homes So Different, So Appealing? “ no seu
aspeto da construção de um contexto composto por elementos retirados de diferentes
fontes. Essa junção transforma os sentidos iniciais de cada imagem que foi construída
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com um determinado intuito e passa a fazer outro papel mantendo a mesma forma,
como a teoria de Lavoisier: “No mundo nada se perde, nada se cria. Tudo se
transforma”. E é com essa citação que podemos traçar uma constante no
desenvolvimento que a Arte se dá através dos tempos, com a condição de sempre estar
se reutilizando e se reestrurando.
Fig. 03. Peter Blake – Capa do álbum “Sargent Peppers Lonely Hearts Club Band” dos Beatles. 1967
Na maioria das vezes a colagem nesse sentido do “Sgt. Peppers Lonely
Heart Club Band” da-se com um aspeto anômalo por compor-se de figuras provindas de
outras mídias e acaba criando um desconforto perante o espectador. Trata-se de um
trabalho cujo resultado final é apresentado recortado por figuras e cenários aleatórios,
quase como uma forma de seleção pessoal de um mundo composto por uma infinidade
de referências. De certa maneira o sentido da colagem trás sempre uma aura de mistério
e enigma para a obra quando construída com este aspeto “cru” da mesclagem de
imagens. Ao longo do tempo, deste trabalho de Blake foram surgindo alguns outros
sentidos dado a sua imensa popularidade e sujeito às mais megalomaníacas
interpretações, como, por exemplo, o significado que cada personagem incluído no
cojunto teria por estar ali, a morte de um dos integrantes da banda por o primeiro plano
sugerir um túmulo ornado de flores, etc. Situações prováveis de serem criadas pela sua
imensa popularidade.
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Poucos meses depois do lançamento do “Sgt. Peppers”, já em 1968,
influenciados principalmente pela cultura Pop européia e estadunidense, mesclando com
valores bem regionais e específicos, um grupo de jovens artistas brasileiros lançam o
revolucionário álbum “Tropicália ou Panis et Circencis”2. Para a capa deste disco não
foi feita uma colagem como Blake executou mas, elaborada pelo artista plástico Rubens
Gerchman (1942-2008), sob fotografia de Oliver Perroy (1937), a imagem final, feita na
casa do fotógrafo, teve nos adereços alegóricos uma criação coletiva, com todos os
envolvidos opinando. Da-se então uma clara referência ao trabalho de Peter, no mínimo
uma paródia. No entanto a colagem neste álbum está presente no recheio. Uma mescla
de artistas de diferentes situações que se encontram com o mesmo propósito: Gilberto
Gil (1942), Caetano Veloso (1942), Tom Zé (1936), Os Mutantes (Rita Lee (1947),
Arnaldo Batista (1948) e Sérgio Dias (1951)), Gal Costa (1945), Nara Leão (1942-
1989), Rogério Duprat (1932-2006) e Torquato Neto (1944-1972). Uma construção
coletiva que originou uma das cenas mais irreverentes da cultura brasileira. Para as duas
canções que dão título ao disco “Tropicália” e “Panis et Circencis” a mensagem é clara
quanto à proposta do grupo. Enquanto a canção “Tropicália” resume uma situação
contemporânea da época, juntando o moderno ao decadente, as desvalorizadas ou
valorizadas, por acidente, raízes culturais, a “Panis et Circencis” mostra uma frustração
eminente sobre as atitudes experimentais de uma juventude que arriscava o “novo”
enquanto a maioria das pessoas preferia continuar presa ao cotidiano, amordaçadas por
uma ordem ditada de uma classe dominante retrógrada e enraizada em costumes
arcaicos: “... Mas as pessoas na sala de jantar, estão ocupadas em nascer, em morrer”.
Possivelmente, nesta última canção poderíamos aproximar ao contexto do filme “Anjo
Exterminador” (1962) de Luis Buñuel (1900-1983), quando um grupo de ricos
burgueses, a representar a aristocracia da época, ficam presos por grades e muros
imaginários em uma sala após um jantar. Uma referência um tanto quando pertinente ao
contexto atual.
O movimento Tropicalista atingiu setores nas artes plásticas, na
literatura, na moda, no comportamento das pessoas e principalmente na música, onde
foi primeiramente exposto e influenciando muitos movimentos artísticos que jogam
com os mesmos princípios ainda hoje. Mesclava bananas e psicodelia. Misturou
manifestações tradicionais da cultura brasileira com inovações estéticas radicais.
2 “Tropicalia ou Panis et Circencis” – 1968, Gravadora Philips.
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Tranformou-se em um movimento que pregava a liberdade de expressão, mesmo que
essa fosse em prol de causa alguma, em um cenário de censura política pelo contexto
ditatorial que o Brasil passava. Alguns escritores comparam o movimento à semana de
Arte Moderna de 1922 ocorrida também no Brasil, mais especificamente em São Paulo,
quando alguns nomes da cena artística daquela época como Mário de Andrade (1893-
1945), Oswald de Andrade (1890-1954), Víctor Brecheret (1894-1955), Plínio Salgado
(1895-1975), Anita Malfatti (1889-1964), Menotti Del Pichia (1892-1988), Guilherme
de Almeida (1890-1969), Sérgio Milliet (1898-1966), Heitor Villa-Lobos (1887-1959),
Tácito de Almeida (1889-1940), Di Cavalcanti (1897-1976) entre outros, se juntaram
para “inaugurar” o que seria a verdadeira face da arte brasileira. Baseados em conceitos
como o antropofagismo, que absorvia a cultura exportada pelas potências culturais
(Europa e Estados Unidos), “digeria” e acrescentava à cultura brasileira na produção de
um novo conceito. Uma Colagem. Praticamente como fizeram os tropicalistas. A grande
diferença entre as duas propostas (a antropofágica e a tropicalista) é que a primeira
estava interessada na digestão da cultura erudita que estava sendo exportada, enquanto
os tropicalistas incorporavam todo tipo de referencial estético, seja erudito ou popular.
Acrescenta-se a isso uma novidade: a incorporação de uma cultura não necessariamente
popular, mas pop. O movimento, neste sentido, foi bastante influenciado pela estética da
Pop Art e refletiu no Brasil algumas das discussões e desmembramentos que o
movimento teve no país.
Para estabelecer-mos uma noção entre Cultura Popular e o Pop
precisamos apontar algumas diferenças que as identificam e aspetos que as
complementam. A Cultura Popular se origina a partir de questões nacionais ou
regionais, enquanto a Cultura Pop, ou Cultura de Massa, se origina a partir das
premissas de mercado e se destina ao consumidor, embora ela possa trazer traços da
Cultura Popular. A Cultura Popular representa as tradições e expressões, um
conhecimento que foi passado de geração em geração por um longo período de tempo
através de uma arte sem compromisso com o mercado. Ela também é usada para
reafirmar valores de um povo, mas nem sempre contesta outras vertentes “vindas de
fora”. Traz também identificação para os indivíduos de um grupo. A Cultura Pop muitas
vezes foi recebida como algo absurdo capaz de distorcer muitos valores incorporados ao
movimento, mas deve-se salientar que ela se mantém como um registro válido da era
moderna.
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Fig. 04. Álbum “Tropicalia ou Panis et Circencis”, 1967
Fig.05. Nelson Leirner. “Adoração”, 1966. Instalação. MASP
No cenário das artes plásticas da segunda metado do século XX o
expressivo papel que a Pop Art teve no Brasil e a sua representabilidade quase que
concomitante à vivida na Europa e nos Estados Unidos originou uma vertente bem
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particular fazendo aparecer alguns artistas que souberam adaptar o conceito ao
lugar/espaço em torno. Apesar de estar fora do eixo principal das vanguardas artísticas,
ressalta-se que foi um movimento do pós Segunda Guerra Mundial, época em que os
meios de comunicação já começavam a aumentar sua velocidade de ação e agilidade em
adentrar nas entranhas da sociedade mundial. Nelson Leirner (1932) é um bom exemplo
da assimilação da Arte Pop brasileira. Seu trabalho sempre teve uma crítica bem
humorada sobre a incorporação de produtos de consumo em massa pelas classes sociais
e a utilização de imagens regionais sugere uma especificidade à pesquisa. Em 1966,
Leirner produziu uma instalação onde misturava uma representação do cantor Roberto
Carlos (1941) com imagens de Santos católicos à sua volta, e à frente introduziu uma
catraca. Para este trabalho ele denominou de “Veneração”. Em sua instalação “O
Grande Combate”, 1985, Leirner dispõe imagens religiosas e ícones da indústria do
entreterimento simulando uma grande luta. Uma alusão ao constante conflito existente
na adoração de imagens por grande parte do povo brasileiro em geral. Outro artista a
discutir essa relação da Pop Art com costumes do país foi Rubens Gerchman (1942-
2008), ressaltando sempre o futebol e utilizando cores bem vivas no acrílico.
“A Pop Art é bem aceita entre a maioria das pessoas justamente por usar
elementos da vida cotidiana. Independente de analisar conceitos e momentos
históricos, um leigo costuma apreciar esse tipo de arte porque é “bonita”,
vibrante, agrada aos olhos de quem vê. (...) Aquilo que não compartilha
elementos com seu público se torna hermético e muitas vezes não consegue ser
apreciado. Aquilo que é familiar demais não traz novidades nem porta
informação, por isso não causa interesse. Assim, as obras da Pop Art têm um
design efetivo por apresentarem elementos familiares em uma combinação
inusitada.”3
O artista Geoffrey Farmer (1967), em sua obra “Leaves of Grass” (2012)
exposta na 13ª Documenta de Kassel, produz uma peça a ocupar todo um corredor
utilizando recortes de figuras impressas retiradas de publicações de uma determinada
revista. Essas figuras são suspensas em astes de madeira afixadas em uma base estreita e
3 Site da Galeria Grazini. http://galeriagrazinigoes.blogspot.com/2011/03/pop-art-do-luxo-ao-
kitsch.html
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dispostas umas sobre as outras utilizando-se para se orientarem, ao longo do percurso,
apenas a ordem cronológica das edições que seguem cinquenta anos de publicações
semanais. Ao percorrer a obra de uma ponta à outra, o observador é bombardeado por
sucessivas camadas de fragmentos de imagens que recriam uma acumulação de
referências resgatadas por ele ao longo de um intervalo grande de tempo.
Com este recente trabalho Farmer chega ao contemporâneo quando os
vídeos e as ciber-artes dividem espaço com o pensamento voltado ao ainda
manufaturado trabalho da Colagem, embora o meio utilizado para dispor os elementos
não seja a superfície habitual de outrora como, por exemplo, a tela em branco ou o
papel. O excesso de figuras a confrontar o espectador, mesmo que essas sejam figuras
resgatadas do último século, cita uma realidade atual e caótica para grande parte do
mundo que é a saturação da exploração da imagem. Detalhe curioso nessa instalação é
ver que localiza-se em um corredor a ligar uma sala à outra, logo o observador torna-se
quase que obrigado a apreciar a obra, ou pelo menos seduzido pelo grande muro
imagético que o olha. Poderíamos compará-la à nossa constante visualização forçada de
imagens e signos estampados nos objetos do cotidiano.
Fig. 06. Geoffrey Farmer . “Leaves of Grass”, 2012. Instalação. 13º Documenta de Kassel
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3 – MECANISMOS DE VISUALIZAÇÃO DA COLAGEM
A Industria Cultural foi um termo criado por Theodor Adorno (1903-
1969) e Max Horkheimer (1895-1973), vindos da Escola de Frankfurt, a fim de
denominar a situação da Arte durante a crescente sociedade capitalista industrial
presente em meados do século XX. Segundo Adorno e Horkheimer a Industria Cultural
não nasceu para aproximar a sociedade dos meios de expressões artísticas e culturais,
mas o contrário: transforma-las a tal ponto que conseguiriam reproduzi-las facilmente
para torna-las em produto de mercado. Walter Benjamin (1892-1940), também ligado à
Escola de Frankfurt, em “A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Tecnica”, de
1936, sugere a ideia de que os meios tecnológicos tornaram possível reproduzir as
Obras de Arte em escala industrial (como a reprodução de Pinturas e discos de músicas)
mas não chegou a democratizar a Arte, simplemente banalizou-a, fazendo com que o
público perdesse o senso crítico e se tornasse consumidor passivo de todos os produtos
anunciados nos meios de comunicação de massa. Partindo da perspetiva de Benjamin, é
possível pensar que o impacto provocado pela indústria moderna no público consumidor
não é sempre, e necessariamente, negativo, pelo contrário, a Indústria Cultural pode ser
capaz de contribuir para a emancipação desse público e para a melhoria da sociedade,
uma vez que serve como caminho importante para a ampliação de seu horizonte de
conhecimento, e por fim, é preciso que este mesmo público tenha educação e instrução
suficiente para saber filtrar o que lhe convém.
Pode-se dizer que nos dias atuais a Publicidade e o Mass-Media são os
grandes guias que direcionam esse pensamento aglomerativo dos fatores convergentes
sobre gosto comum das pessoas a fim de indica-las ao que serem e consumirem, em
outras palavras: formadores de opinião em potencial. Poderíamos considerar a
Publicidade como uma ferramenta que se apodera do potencial de outros meios para sua
sobrevivência e de seus idealizadores. Quando a Vodka Absolut contratou Andy Warhol
para pintar uma embalagem do seu produto, ela copiava uma estratégia antiga de
apropriação dos meios artísticos para atrair o público consumidor ao seu produto.
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No livro “A Realidade Figurativa”4, Pierre Francastel (1900-1970)
mensiona sobre a participação e importância dos artistas na construção da história
ocidental. Os grandes interesses que regiam o comportamento das massas já sabiam
quem mais tinha a capacidade de interpretar os elementos ao redor e representá-los.
Dessa maneira os artistas, encontravam-se em posição favorável para expor suas ideias
com segurança, porém cautela, pois, por mais que servissem ao poder, muitos tinham
suas pesquisas paralelas, alguns até a questionar seus próprios mandatários. Em uma
análise mais pessimista da situação, os artistas se viam obrigados a servirem os grandes
interesses, que iam na contramão de suas escolhas, em troca de financiamento e
proteção da classe dominante.
A comunicação da Publicidade desperta diferentes reações ao espectador
dependendo de sua intencionalidade. De certo modo as pessoas são afetadas pelos
conteúdos transmitidos quando estes são pensados e direcionados para tais funções
previamente planejadas. Segundo Maria Claudia Simões Moderno em sua pesquisa
“Mecanismos Psicológicos da Publicidade e do Marketing”5, este tipo de comunicação
publicitária tem duas componentes principais: por um lado está a componente de caráter
informativo, que trata de informar, de dar a conhecer algo sobre o objeto do anúncio;
por outro lado, está a componente persuasiva que, de uma forma mais clara, trata
deliberadamente de exercer influências nas pessoas. Ambos os aspetos, o informativo e
o persuasivo, estão estreitamente unidos na intencionalidade da própria publicidade.
4 FRANCASTEL, Pierre, “Sociologia da Arte: A Realidade Figurativa”. São Paulo, Perspetiva, 2011
5 MODERNO, Maria Claudia Simões, “Mecanismo Psicológicos da Publicidade. Viseu, outubro/2000.
http://www.ipv.pt/millenium/20_pers11.htm
19
Fig. 07. Eduardo Fonseca. “Mass Media”. 2012. Acrílico e óleo sobre tela. 125x228 cm
3.1 RELAÇÕES INTERTEXTUAIS
Assistimos hoje a uma explosão da comunicação como fator hegemônico
das práticas sociais. A própria definição de cultura passa a ser dimensionada pela
perspetiva semiótica de que as atividades sociais e os padrões de comportamento só
podem ser entendidos segundo sistemas de significação. Uma ampla rede de referências
que está em constante reorganização e compondo os diversos campos comunicacionais
que existem em nossa sociedade.
O advento da hipermídia, a tela do computador, com suas infinitas
janelas, a Internet, o zapping da televisão, a fragmentação da vida pós-moderna, são
tudo indicadores da intertextualidade, acentuando a nossa vivência numa rede
intertextual, onde um texto entra dentro de outro texto, apropriando-se de elementos
alheios a ele, criando uma espécie de colcha de retalhos fragmentada, tecida a partir de
vários elementos, mas que possui uma unidade conseguida através de elaboração e
ajuste das partes ao todo. Assim sendo, as artes atuais são marcadas pelo cruzamento de
vários textos e pela fragmentação, em outras palavras, uma combinação de peças a
recriar sentidos múltiplos originando sempre novos paradigmas.
20
Essa questão da intertextualidade percorre, também, todo este estudo, já
que a arte do século XX pode ser analisada como progressiva explicitação do processo
intertextual de reescrita de outros textos. A ideia da intertextualidade está implícita nos
procedimentos dos poetas e artistas que se apropriam de fragmentos de jornal, bilhetes
de trem, rótulos, etc. Também a apropriação de textos literários, textos veiculados pelos
meios de comunicação de massa, signos e símbolos e diferentes alfabetos passa a ser
uma presença constante na arte do séuclo XX, estando relacionada à introdução de
novas mídias. E o surgimento recente dessas, tem colaborado para a quebra de limites
até mesmo entre artes plásticas, música, teatro, literatura, cinema, vído, fotografia, etc.
Uma análise da arte atual tem, necessariamente que levar em consideração essa
interação entre as linguagens e, consequentemente, o artista como um indivíduo em
permanente crise e permanente mutação, um indivíduo em processo. Desse modo a
intertextualidade deixa de ser uma possibilidade somente da escrita e passa a compor o
universo plástico, matérico.
Segundo alguns estudos sugerem, a invenção da palavra escrita deu-se
pela necessidade do registro do que já era falado, ou pelo menos sonorizado, como
refere o Professor Luiz Carlos Cagliari (1945), da Universidade de Campinas, Brasil.
Cagliari diz também no seu livro “A Origem do Alfabeto”6 que as coisas começaram a
ser representadas por desenhos, os chamados pictogramas, mas com o passar do tempo
esses símbolos ficaram bastante numerosos o que dificultava a comprensão dos “textos”
e para complicar o processo de comunicação, o surgimento da escrita, pelo menos no
que diz respeito ao nosso alfabeto, teve início com vários povos ao longo do
Mediterrâneo, indo desde ao Norte da África, passando pelo Oriente Médio e
abrangindo as regiões dos países do sul do continente europeu. Com vários dialetos já
existentes a necessidade de comunicação dos comerciantes fenícios, principalmente,
com os povos mediterrâneos, disseminou um alfabeto que influenciaria posteriormente
o surgimento de várias outras linguas, como o alfabeto grego e por conseguinte, o
romano.
Enfim, não é nosso foco debatermos a história da escrita, mas apontar
que sua origem possivelmente teve início com a imagem gravada em superfícies, logo o
agrupamento de várias imagens davam o sentido da frase que se pretendia. Como uma
6 CAGLIARI, Luis Carlos, “ A Origem do Alfabeto”. São Paulo, Editora Paulistana, 2009
21
espécie de Colagem onde a leitura tinha a função de ser prática e objetiva, entendida por
todos que familiarizassem de determinado contexto proferido. Entretanto, por muito
tempo (do século XV ao século XX), vigorou na sociedade ocidental um princípio que
afirmava a separação entre signos linguísticos e elementos plásticos. Esse princípio
estabelece a separação entre representação plástica e referência linguística. Desse modo,
segundo a Artista e Professora Maria do Carmo Freitas Veneroso, no livro “Conceções
Contemporâneas da Arte”, sugere que “mesmo quando esse encontro se dava, ele era
regido por alguma forma de subordinação, de hierarquia entre imagem e texto, indo da
forma ao discurso ou do discurso à forma: a legenda, o título, a lustração , a crítica de
arte e todo discurso que gira em torno da Pintura”7. Esse período estendeu-se até o
começo do século XX quando artistas passaram a incorporar a literatura no campo das
artes plásticas sem o pudor ou receio de manter a “integridade” que até então era zelada
por uma separação.
A idéia de progresso e modernidade que é estampada em folhetos,
prédios, jornais e revistas, rótulos e embalagens, letreiros e tomam conta das grandes
capitais substitui a visão impressionista que era cultivada pelos artistas naquela época.
Os Cubistas então começam a introduzir esses elementos em suas Colagens e
posteriormente deixariam de utiliza-los de uma maneira direta passando a vê-los apenas
como referências para produção dos trabalhos.
“A aparição da letra no espaço do quadro e a exploração da letra como
imagem na poesia estão ligadas, portanto, à questão da dissolução dos limites
precisos entre as linguagens artísticas e à mistura cada vez maior entre as
categorias artísticas, com a aproximação entre as artes. Essa desconstrução
das categorias tradicionais tem feito com que escrita e desenho se encontrem
num lugar fronteiriço; ao mesmo tempo em que a escrita explora sua estreita
relação com a imagem, a arte restituiu à escrita sua materialidade, sua
qualidade de “coisa desenhada”. Também a questão do movimento pendular
na arte tem levado os artistas a buscar a visualidade da letra, reafirmando a
origem imagética da escrita. Palavras, letras, grafismos, caligrafias, escrituras,
manuscritos, poemas, graffiti, desenhos, design, ...”8
7 VENEROSO, Maria do Carmo Freitas. Conceções Contemporâneas da Arte. “A Letra como imagem, a
Imagem da Letra”, Belo Horizonte, Brasil. Editora UFMG. p. 50 8 VENEROSO, Maria do Carmo Freitas. Conceções Contemporâneas da Arte. “A Letra como imagem, a
Imagem da Letra”, Belo Horizonte, Brasil. Editora UFMG. p. 63
22
Com o passar do tempo, além da diluição da fronteira entre os tipos de
linguagens houve também a unificação de algumas formas de comunicação no que diz
respeito às inúmeras sociedades pelo mundo. A quebra dessas fronteiras se deu pela
necessidade de um entendimento universal devido à demanda de lugares também
universais. Quer dizer, ao fim do século XX, o conceito de território já havia sido
completamente revisto. Antes mesmo da popularização da rede Internet, fala-se na idéia
de uma Aldeia Global9, num patamar comum, vizinhos cada vez mais próximos. Uma
realidade que se apresentou por motivos de necessidade de comunicação, troca. Essa
homogeneização global irá ser ainda mais visível naqueles espaços que o etnólogo
francês Marc Augé (1935) irá classificar como não-lugares, tais como supermercados,
aeroportos, centros comerciais, hotéis, rodovias e outros espaços de passagem nos quais
existe a impressão de serem idênticos, independentemente do lugar do mundo onde
estão situados.
Se o processo de globalização vem criando homogeneidades, estas por
sua vez, estabelecem um repertório comum para qualquer indivíduo que se encontre em
um conglomerado urbano. Seja um logotipo de uma famosa rede de comida rápida,
sejam as placas de localização e indicação em aeroportos ou mesmo as indicações de
trajeto numa rodovia, constrói-se pouco a pouco, um gigantesco repositório visual onde
significado independe da origem do indivíduo. Neste processo, ainda, a informação
passa a ter um valor crescente, tanto para o indivíduo quanto para as instituições. O peso
da informação para a sociedade globalizada estará diretamente ligado a um código
comum: o digital, o universo computacional, interfaces, sistemas operacionais.
Assim, muitos artistas irão produzir trabalhos com dois ou mais idiomas
disponíveis ou que não necessitem de um entendimento mais complexo de uma língua
que não seja o inglês. Bem como partirão para elementos visuais difundidos
internacionalmente ou intrínsecos à vida moderna, convenções da informática ou da
Internet que sob o aspeto semântico, aproximarão visitante e trabalho visitado,
independente da origem de ambos. Dessa maneira continuamos a criar elementos cada
vez mais compreensiveis para que haja sempre uma maior e melhor troca de informação
entre os diversos povos pelo mundo.
9 O conceito de "Aldeia Global” foi criado pelo filósofo e educador canadense Marshall McLuhan (1911-
1980). Foi o primeiro interessados sobre o tema das transformações sociais provocadas pela revolução
tecnológica do computador e das telecomunicações.
23
“Se a perceção é sempre uma interpretação, a história da arte será uma rica
multiplicidade e todos os modos de interpretar são válidos: assim caímos de
novo no caos anárquico, não há referencial de valor estético”.10
Talvez seja provável que o poder e a ploriferação da imagem sobre uma
determinada sociedade da-se de maneira importante mas autoritária, uma vez que quem
detém o domínio de transmissão de imagens e informações para um maior número de
pessoas pode manipular esse material em benefício próprio para passar apenas seu modo
de pensar. Podemos imaginar facilmente a aplicação contemporânea quando os grandes
veículos de comunicação são grandes empresas que visam unicamente o lucro como
objetivo, uma prática atual que nos remete para o Mito da Caverna de Platão11
.
3.2 MESTIÇAGEM DAS IMAGENS - 1+1+1=1
A história sugere que a Pintura do século XIX transformou-se devido a
várias mudanças de consciência na sociedade da época e o mais importante, o advento
da fotografia ter conseguido firmar uma representação fidedigna do mundo real.
Provavelmente este é um dos fatores marcantes que levou grande maioria dos pintores a
modificar seu modo de trabalhar, já que poderiam usar a Pintura para ir além da mera
representação. Nasce neste contexto o Impressionismo, que, de acordo com Lévi-
Strauss (1908-2009)12
seria a primeira revolução artística moderna, ressaltando que a
julga de fora e sob um ponto de vista sociológico, tratando as revoluções pictóricas
como transformações que não afetam apenas as obras de arte, mas geram repercussões
na sociedade como um todo. Lévi-Strauss se refere ao Impressionismo como uma
“revolução”, pois todos os alicerces em que a arte Ocidental estava assentada até então
foram amplamente abalados.
A partir do Impressionismo, a representação passa a ser transmitida
também pelo sentimento que cada pincelada carrega para dentro do quadro, somando à
10
HENRIQUES, Antônio Renato. “O Olhar E A Arte - A Estética Da Receção E As Artes Plásticas”,
1994 (http://www.antoniohenriques.net/artigo_olhar.html) 11
O Mito de Platão, Alegoria da Caverna, Mito da Caverna, Prisioneiros da Caverna ou Parábola da
Caverna foi escrito pelo filósofo grego Platão. Trata-se da exemplificação de como podemos nos libertar
da condição de escuridão que nos aprisiona através da luz da verdade. 12
LÉVI-STRAUSS, C. & CHARBONNIER, G. Arte, Linguagem, Etnologia: entrevistas com Claude Lévi-Strauss. Campinas, Papirus, 1989.
24
isso um conhecimento profundo sobre tratamento da cor e da luz. Como, por exemplo, a
apreciação das telas de Van Gogh (1853-1890) não se da somente pelas paisagens
representadas, mas sim por cada pincelada, as cores que as compõe e todo o movimento
que elas juntas propõem. Ou até mesmo quando essas pinceladas não seguem um ritmo
mais marcado como nas pinturas de Claude Monet (1840-1926). Alguns outros artistas
vão ainda mais fundo no que diz respeito à estruturação da imagem através de pequenos
fragmentos como os Pontilhistas13
.
Quase um século depois, a noção de construção estabelecida pelo
pontilhismo seria experimentado com máquinas em uma outra conceção da mescla entre
forma e conteúdo. A junção da Literatura e da Arte através de meios mecânicos. Quase
como uma alusão ao ser individual que quando colocado em conjunto pode criar
diversas possibilidades de manifestações, nos anos de 1960, no Brasil, mais
especificamente em Salvador (Bahia), surgia uma importante revista que contribuiu na
divulgação de grandes nomes da literatura experimental da época, como Augusto de
Campos (1931), Haroldo de Campos (1929-2003), Décio Pignatari (1927), Caetano
Veloso entre outros nomes. Na revista “Código”, fazia parte também o engenheiro
Erthos Albino de Souza (1932-2000) que atuava ativamente no projeto, inclusive
financiando as edições, e foi um dos precursores da chamada “poesia digital”, dos
“poesignos” – logotipos poéticos – aos poemas-objeto e colagens fotográficas. Erthos,
como engenheiro da Petrobrás, utilizava a tecnologia dos computadores à sua volta para
desenvolver alguns trabalhos a mesclar letras e simbolos formando imagens e formas. A
Poesia concreta já era desenvolvida por outros artistas da época, porém Erthos passa a
produzir poesias computacionais ou poesias digitais que poderíamos exemplificá-las
também como colagens organizadas compostas de carateres em função de uma imagem
pré-determinada.
Foi nesta mesma época que alguns mesmos artistas – o principal deles,
Caetano Veloso – pertencentes ao grupo dos concretistas poéticos utilizaram o
movimento como uma das inspirações para a construção de uma identidade do
movimento Tropicalista, citado anteriormente, tratando a poesia nas canções como
elemento plástico, criando jogos lingüísticos e brincadeiras com as palavras. Em umas
13
Movimento pós-impressionita surgido após a segunda metade do século XIX. Tem a característica da
construção de imagens pela ploriferação de pontos de cor. Tem como principais representantes George
Seraut e Paul Signac.
25
das canções que compõe o álbum “Tropicalia ou Panis et Circencis”, a disposição de
canção “Batmacumba” impressa no encarte sugere uma forma geométrica. Veloso
continua a utilizar essa ferramenta algum tempo depois quando grava “O Pulsar”,
poema do mesmo com Augusto de Campos para o ábum Velô (1984), incluindo uma
reprodução do poema anexa ao encarte.
Fig. 08. Erthos Albino de Souza. “Sousândrade”, 1972. Impressão computador mainframe. Coleção
Augusto de Campos
Fig. 09. Caetano Veloso e Augusto de Campos. “O Pulsar”. 1975. Encarte do LP vinil Velô,1984
26
Alguns pintores partiram da utilização deste conceito como o
estadunidense Chuck Close (1940), que em alguns trabalhos cria retratos em grandes
proporções a utilizar o resultado da soma do que poderíamos considerar várias pinturas
abstratas. Ou o brasileiro Vik Muniz (1961) que, apesar de não utilizar a tinta, constrói
suas imagens com diversos tipo de materiais agrupados, como soldados de plástico de
brinquedo, comida, poeira, lixo, etc. Entretanto, podemos comprovar uma certa
influência no trabalho deste último com os retratos de Giuseppe Arcimboldo (1527-
1593) feitos, em sua maioria com a colagem representada de forma pictórica, de frutas,
vegetais e objetos de seu cotidiano a formar rostos. Agrupados de tal modo, além dos
elementos transmitirem as características de cada um enquanto unidade, eles
representam partes específicas da face humana, que organizados de acordo com o
artista, constroem a imagem pretendida.
Na figura (10) abaixo foram retiradas algumas áreas específicas da
pintura em um processo digital de seleção das mesmas. Podemos perceber que a
formação da imagem como todo deve-se ao conjunto pensado e ordenado que segue um
cálculo somatório de aglomeração para a construção desta imagem. Cada parte
representa um elemento fundamental para o entendimento do todo. A técnica utilizada
na execução da representação de tons de pele pode ser considerada também uma espécie
de colagem enquanto fator aglomerativo de diversas partes distintas a formar um só
corpo.
Fig. 10. Eduardo Fonseca. Pintura da série “Discursos” alterada digitalmente
27
4 – COLAGEM COMO COLECIONISMO DE REFERÊNCIAS
Como mencionado no primeiro capítulo desta dissertação, a pesquisa
desenvolvida primeiramente sobre o processo apontou para o caminho da discussão
sobre a Colagem. Portanto seria possível falarmos de Colagem sem mencionar o
processo pelo qual todo trabalho atravessa? Talvez sim, mas como sugerido ao longo do
texto, em uma Colagem a ordem dos fatores pode alterar drasticamente o resultado. É
como se aplicássemos a pintura sobre o verniz ao invés do contrário. Ou a ciência de um
cheff de cozinha em utilizar os mesmos ingredientes e construir várias receitas
diferentes.
As etapas que compõem um processo de construção de uma determinada
imagem passam por niveis de reflexão em cada prática aplicada. Temos a partir daí uma
sequência de passagens que são abordadas para a continuidade do que seria a pesquisa
em si. As preocupações quanto ao assunto a ser tratado, o tipo de mensagem que
pretende-se enviar através do trabalho, as tentativas para encontrar um potencial que
mova a construção de determinada imagem e todas as referências que provavelmente
servirão ao longo processo, embora o próprio pode conduzir os rumos de sua feição.
São os assuntos e questionamentos que alimentam e impulsionam o fazer artístico. Há
nesta fase, um colecionismo de referências literais misturando-se a imagens marcantes a
dialogarem e fundindo-se e alimentando o poder de criação da imaginação.
4.1 COLAGEM ENQUANTO RESGATE – CRÍTICA GENÉTICA
Todo e qualquer trabalho artístico que busca uma consolidação e a
afirmação de sua representabilidade no meio para qual foi proposto, dá-se em um
processo, geralmente, composto de etapas, e essas por suas vez são construídas de
anotações, experimentações e reflexões em uma pesquisa ininterrupta. Para o artista que
a produz, a obra é a materialização de uma ideia em desenvolvimento ao longo de sua
carreira. As conclusões quase nunca são sólidas o suficiente para que haja um
fechamento da pesquisa proposta pelo artista, pois os caminhos que vão se descobrindo
ramificam-se para outros ainda não percorridos levando-o a ampliar o horizonte de
possibilidades para se autotransformar. E quando alguma pesquisa afirma-se concluída e
fechada geralmente encontra outra paralela que a defronte e desse embate, por vezes,
28
ocasiona-se outras vertentes que delas dão continuidade à diferentes pontos de vista. Ao
atingir um grau de conhecimento, uma determinada pesquisa pode esbarrar em outros
conceitos já formados em campos diferentes e somar com outros géneros, isto é, as
influências nascem da disseminação das idéias e interagem com outras que, não
necessariamente estão inseridos num mesmo universo conceitual.
Como já dito antes, as etapas pelas quais a obra de arte passa para se chegar
à sua configuração final representam a evolução do pensamento do artista (elaboração e
prática constante), porém quando essas etapas precisam ser descobertas, e
principalmente exploradas, para se conhecer a trajetória deste artista, sua biografia, sua
técnica e seus métodos de criação, sem o mesmo estar vivo para poder revelar os factos,
entram em cena os “Críticos Genéticos”.
A crítica genética nasce na França, no fim dos anos de 1960, quando, por
iniciativa de Louis Hay, o Centre National de Recherche Scientifique (CNRS) reuniu
uma equipe de pesquisadores encarregados de organizar os manuscritos do poeta
alemão Heinrich Heine (1797-1856), que tinham sido recebidos pela Bibliothèque
Nationale de France. A função desses pesquisadores era decifrar as inúmeras páginas
de manuscritos rasurados, alguns escritos sobre outros, passagens marcadas por várias
tentativas de escrita, quando o ritmo da mão do poeta muitas vezes dizia algo sobre seu
processo criativa, etc.
No livro “Gesto incabado: processo de criação artística”14
, a autora Cecília
Almeida Salles cita Pablo Picasso, quando este disse que seria interessante conservar
fotograficamente, não as etapas, mas a metamorfose de uma Pintura, pois ofereceria a
possibilidade de descobrir o caminho seguido pelo cérebro na materialização do sonho.
Segundo Salles, o processo de construção de uma obra consegue manter
duas constantes presentes dos registros ao longo do percurso: armazenamento e
experimentação. Os meios de armazenamento que o artista utiliza geralmente sempre
são diferentes entre si. Um artista pode criar várias formas de armazenar informações
importantes catalogadas ao longo da construção e variam quase sempre de artista para
artista. A outra função desempenhada pelos documentos de processo é a do registro de
experimentação, que deixa transparecer a natureza indutiva da criação. No momento de
14
Salles, Cecília Almeida, “Gesto Inacabado: Processo de criação artística”, São Paulo, FAPESP,
Annablume, 2004
29
concretização da obra, hipóteses de naturezas diversas são levantadas e vão sendo
testadas, assim como o armazenamento, de várias maneiras.
Para se conhecer o processo de determinada obra é preciso saber encaixar
todos esses elementos deixados pelo artista, uma espécie de quebra-cabeças, um
Enigma. Uma vez que o expectador é confrontado por uma obra, ele também parte de
um processo pessoal de leitura para buscar um entendimento, ou fruição do que se busca
como conceito.
Ainda, segundo Salles, o cineasta Federico Fellini (1920-1993) afirmava
que “nem tudo é sempre passível de se reduzir a fórmulas de alquimia, à combinação
aritmética de ingredientes que asseguram a receita justa, a posologia eficaz. Mesmo se
lembrasse de tudo aquilo que se reuniu para compor uma simples tomada, não
conseguiria corporificar o momento de agregação magnética que no fim mistura tudo.”15
Assim como é a crescente caminhada no desenvolvimento de um
determidado pensamento, a sua materialização quando fixação de um ponto importante
é a construção desse mesmo. A ideia para se tornar objeto acompanha uma ascensão
paralela que depende e influencia reciprocamente.
Fig. 11. Eduardo Fonseca. Série “Discursos”. 2012. Óleo sobre tela. 24x18 cm por tela.
15
Salles, Cecília Almeida, “Gesto Inacabado: Processo de criação artística”, São Paulo, FAPESP,
Annablume, 2004. P. 31
30
Fig. 12. Eduardo Fonseca. “A decisão persiste na memória”. 2012. Acrílico, grafite e óleo sobre tela
31
5 - COLAGEM PARA EXPANDIR TERRITÓRIOS
O título deste capítulo sugere uma análise diferente de algumas situações
que não necessariamente têm haver com o conceito de colagem à primeira vista, como
apresentado em alguns momentos ao longo dos capítulos anteriores. Para essa parte
escolheu-se alguns exemplos que dialogam diretamente com o trabalho prático
executado ao longo de dois anos de pesquisa. Entre política, música, tendências Pop,
arte e experiências pessoais os trabalhos foram se desenvolvendo sob uma ótica
específica da Colagem interpretada com outros olhos.
5.1 STORYTELLING KATE MOSS
O trabalho de Chuck Close (1940) sempre foi permeado pelo impacto dos
detalhes que dá aos seus retratos. Caracterizado pelo fidedigno aspeto realista de suas
pinturas, embora de perto vê-se inúmeras abstrações dos elementos que as formam,
quase como pixels de ecrãs, o resultado é sempre marcado pela grandeza dimensional de
suas peças. Uma demonstração da plena consciência do espaço e material com que
trabalha em função do que poderíamos nomear como experiências visuais.
A partir de 2003, Chuck Close fez uma série de fotografias que
posteriormente reuniu-as em uma publicação chamada: “A Couple of Ways of Doing
Something”, 2006. Para este trabalho ele utilizou um Daguerreótipo e capturou retratos e
nus de alguns amigos e personalidades como Cindy Scherman (1954), Lorna Simpson
(1960), Philip Glass (1937), Brad Pitt (1963), Kate Moss (1974) entre outros. Nesta
série o artista ampliou as fotografias em grandes dimensões a fim de causar o impacto
que suas pinturas de outrora transmitem, porém utilizando a fotografia em alta resolução
e escolhendo figuras do meio artístico bastante atuantes nos universos que circulam.
Para a modelo britânica Kate Moss, uma de suas escolhas, discorramos.
Ainda a carregar as marcas de quem acabara de ser mãe, sem
maquiagem, cabelos despenteados e ou reparações digitais que geralmente a mídia para
a qual Kate trabalha, através de todos esses detalhes fica evidente a “humanização” da
personagem perante a visão do artista. Não houve preocupação quanto à representação
de uma beleza midiática ou Pop. Não nesse ponto de vista, pois ao retratar um ícone
32
como a modelo, carregada de valores e conceitos, reconhecida em todo o mundo, é
quase impossível desvincular do mundo ao qual pertence, mesmo que a representação
for mais natural possível, como aconteceu, transparecendo cicatrizes e marcas do tempo
no corpo de uma mulher “normal”. A partir do momento em que um indivíduo passa a
participar do mundo do Mass Media começa a fazer parte, inclusive, do universo de
referências pessoais de uma quantidade enorme de cidadãos, e cada um deles carrega
sua interpretação desse indivíduo “colecionando” o que de marcante foi transmitido por
tal personagem.
Pouco tempo antes da participação nas fotografias de Chuck Close, já no
início da gravidez, Kate foi convidada pelo artista, também britânico, Lucian Freud
(1922-2011) à posar para uma de suas Pinturas. A notícia deste trabalho gera grande
divulgação e expectativa em torno do resultado, pois Freud, um dos pintores, até então
vivo, mais valiosos no mundo da arte, através da modelo, esbarra no mundo fashion e
Kate, por fim, torna-se eternizada pelas pinceladas do pintor. O retrato nu da modelo da-
se com a naturalidade previsível de Freud, mas também despreocupado em retratar uma
beleza que estampe capas de revistas de moda e outdoor’s. Em outra análise, podemos
dizer que o artista força uma possível desconstrução ou cria uma certa deformação no
rosto e no corpo da modelo como fez com o retrato da Rainha Elisabeth II do Reino
Unido (1926) ao posar para o mesmo em 2001. Desta experiência o resultado é
destoante e contraditório à representação que se poderia realizar da realeza britânica,
pois Freud pinta um pequeno retrato de 23X15 cm, menor até mesmo que uma revista
semanal banal sobre a vida de popstar’s.
Dois anos mais tarde de retratar Kate Moss, em 2005 a essa Pintura vai à
leilão e é arrematada, segundo a famosa casa de leilões de Arte, Christie’s, por quase
seis milhões de Euros para um colecionador particular.
Em 2006 é a vez do também britânico artista Marc Quinn (1964) explorar
o tema “Kate Moss” em seu trabalho, chegando a produzir alguns estudos da modelo em
esculturas feitas de bronze pintado. Quando em 2008 produz uma peça da modelo com
50 kg de ouro maciço, batizando-a de “Microcosmos (Siren)” e sendo considerada a
escultura em ouro a representar uma figura humana mais pesada desde a era egípcia.
Segundo Quinn, para o jornal inglês The Guardian, sua atração pela modelo deve-se à
sua ambiguidade em nossa cultura, pois além de ser admirada e observada
obcessivamente temos pouco conhecimento sobre sua realidade. "She is a contemporary
33
version of the Sphinx. A mystery. There must be something about her that has clicked
with the collective unconscious to make her so ubiquitous, so spirit of the age …"16
Em 2010, Christian Salmon (1951) publica o livro “Kate Moss
Machine”, e através do ícone da modelo, o autor vai conduzindo o desenvolvimento da
sociedade contemporânea de acordo com o crescimento de sua carreira. O fim da
bipolarização política do mundo com o fim da União Soviética coincide com os
primeiros trabalhos de Kate, que aparece com novas características que até então as
modelos de sua época não possuíam, como a baixa estatura, origem humilde e uma
aparente rebeldia. O autor compara o surgimento da carreira da modelo com a teoria
sobre a “Geração X” descrita pelo escritor Douglas Coupland (1961) no livro
homónimo. Segundo Coupland a “Geração X” denomina as pessoas nascidas após a
geração anterior “Baby Boomers”, aproximadamente entre os anos de 1960 e finais de
1970. Estariam sempre em busca de liberdade e voltados a quebra de regras impostas
pelas gerações anteriores, vivendo com um ritmo de vida mais acelerado e passando a
crescer em um mundo mais tecnológico e digital.17
Com o passar dos anos de 1990 e 2000, Salmon cita algumas
características da personalidade da modelo que se misturam com o comportamento dos
jovens da época confundindo o leitor na compreensão se a juventude era um reflexo das
referências Pop, se a modelo era a incitadora das tendências comportamentais ou se
ambos caminhavam se complementado mutuamente. O uso de drogas, os
relacionamentos caóticos e os constantes atritos com o próprio meio que Kate é inserida
torna-a uma figura bastante controversa e isso, por fim, acaba sendo alimento para o
Mass Media que cria ou alimenta uma demanda de polêmicas. Essas, por sua vez,
acabam servindo de referências e influências para o grande público que as consome.
Salmon cita uma das experiências de Marc Quinn ao construir retratos
através de células retiradas do interior da bochecha de pessoas e vistas somente por
microscópios. Kate também participa desse projeto que, embora o seu “retrato” não foi
divulgado, mas que segundo Salmon “é o retrato mais fiel de uma pessoa e o único que
não se pode reconhecer instantaneamente”. 18
16
http://www.guardian.co.uk/music/2006/apr/12/2 17
COUPLAND, Dougras, “Génération X”, Ediciones B, Barcelona, 1998 18
SALMON, Christian, Storyteling, la maquina de fabricar historias y formatearlas mentes. Barcelona,
Editiones Peninsula, Quinteto, 2010, p 124
34
Kate Moss, assim como tantos outros ícones que compõe o universo de
referências iconográficas Pop, ou do Mass Media, sempre esteve e está alheia aos
interesses de uma sociedade repleta de demandas. Na maioria das vezes a depender de
fatores específicos da sua construção para se tornarem o que são. E o que são para esta
determinada “realidade” quase nunca corresponde à sua verdadeira essência enquanto
cidadão comum que faz o que qualquer outro cidadão comum faria. Logo, essa pessoa
passa a ser uma superfície de aglomeração de peças, um corpo carregado por
fragmentos de interesses. Uma possível sugestão de Colagem.
Fig. 13. Lucian Freud. “Kate” – 2003. Óleo sobre tela. 160x120 cm. Coleção particular
Fig. 14. Marc Quinn. “Microcosmos (Siren) “, 2006. Ouro. British Museum
35
Fig. 15. Chuck Close, “A Couple of Ways of Doing Something” 2003. Daguerreótipo.
Fig. 16. Eduardo Fonseca. “-What is this?” – 2011. Óleo sobre tela. 100x190 cm
36
5.2 IMPLOSÃO EM TEMPO REAL
Em 2005 os Estados Unidos viu sua economia fragilizar-se e
vulnerabilizar-se com o rompimento de um mecanismo fundamental (pelo menos para
os investidores e economistas) de crescimento que se chama financiamento ou
empréstimo. A população deixou de cumprir sua obrigação com as dívidas imobiliárias
acumuladas ao longo do tempo, logo faltou dinheiro para as empresas recetoras destas
dívidas pagarem as suas mesmas ao Bancos que, por sua vez, também acumulavam
cobranças da própria população quando emprestava diretamente aos mesmos. Como
consequência, o Governo estadunidense interviu sobre a situação para tentar conter o
avanço da crise, passando por carregar por completo a culpa pela falta de controle sobre
as finanças do Estado. O impacto deste acontecimento repercutiu rapidamente e fez
grande parte dos países do mundo passar a adotar políticas de redução de investimentos
e contenção de gastos públicos, uma vez que um dos países mais poderosos do mundo
sofrera com tal problema, seria muito mais fácil os demais entrarem também em
colapso.
Quando há uma dívida a ser paga, o meio de resolução mais rápido para
quita-la seria vender o patrimônio e/ou conseguir um empréstimo ou financiamento.
Não há maneira mais viável e legal de arranjar este dinheiro se não for em uma
instituição própria para oferecer este financiamento como um grande Banco altamente
confiável. E que por sua vez, também, financia as compras das empresas estatais à
outras empresas privadas. Logo, quando não só um, mas vários países necessitam de
ajuda financeira torna-se um setor extremamente lucrativo para quem detém de muito
capital. Chega-se então à um conclusão deste processo: a crise econômica rende muito
lucro à uma minúscula parcela da população que detém de grande poder econômico.
De 2005 para 2012, em consequência da crise gerada pelo sistema
financeiro imobiliário dos Estado Unidos criou-se uma grande especulação em torno das
economias em outras partes do mundo de quando essas precisariam, enfim, pedir um
grande empréstimo em dinheiro para pagar suas dívidas e tentar controlar uma situação
exposta e prejudicial aos próprios países.
Apenas a fragilização das economias ter-se tornado pública não provocou
uma crise financeira mundial, mas a superexposição do assunto pelas mídias de massa,
37
o terrorismo exacerbado de um eminente caos e o interesse do beneficiamento que um
grupo restrito de pessoas têm com esta situação fez do acontecimento um assunto
delicado a ser tratado com a mais rápida reação. Tão rápida que torna-se maléfica e
ineficiente a longo prazo.
Enfim, a situação criada composta por vários elementos convergentes à
construção de um só corpo poderia também associar a crise financeira mundial a uma
Colagem? Seria possível haver um fator aglomerativo para compor um cenário propício
para o andamento do processo? Até que ponto esse processo é manipulado e
estabelecido?
Fig. 17. Eduardo Fonseca. “Os Inocentes”, 2011. Óleo sobre tela. 120x90 cm
39
Fig. 18. Eduardo Fonseca. “O Alquimista”, 2012. Impressão, folha de ouro e óleo sobre tela
5.3 COLAGEM COMUNICACIONAL
Como uma linha de montagem em uma fábrica de carros, as várias peças
que são anexadas ao corpo do veículo que segue em crescimento até o posterior da
última etapa a formarem um exemplar fiel de uma Colagem. Dessa mesma maneira
podemos analisar uma conversa, mesmo que seja composta de um simples: “Olá, bom
dia!” e o outro responde: “Bom dia!” Mas os diálogos são marcados também pela
intensionalidade da palavra proferida e todos os elementos a volta que compõe o
diálogo, como: gestos, tipo de ambiente em que se dá o diálogo, etc. Um “Bom dia”
pode transmitir um leveza para quem o recebe ou frieza ou falsidade, de acordo com
quem o envia. Um bom exemplo dessa situação é mostrado no filme “Lola
Rennt”(1998) de Tom Tykwer (1965), quando é apresentado um enredo que vai se
modificando de acordo com passagens diferentes que os personagens vão criando de um
mesmo instante. Essas mesmas passagens são repetidas mas se modificam devido à
pequenos detalhes que se apresentam de modos diversos, por sua vez, desencadeiam,
também, reações diferentes de acordo com o que foi feito em um passado próximo.
Resumidamente o filme apresenta a ideia de que toda reação primeiramente depende de
uma ação, e se esta for proferida em maneiras dissemelhantes os reflexos também serão.
- Salve!
- Como é que vai?
- Amigo, há quanto tempo!
- Um ano ou mais...
- Posso sentar um pouco?
- Faça o favor
- A vida é um dilema
- Nem sempre vale a pena...
- Pô...
- O que é que há?
- Rosa acabou comigo
- Meu Deus, por quê?
- Nem Deus sabe o motivo.
- Deus é bom
- Mas não foi bom pra mim
- Todo amor um dia chega ao fim
- Triste
- É sempre assim
40
- Eu desejava um trago
- Garçom, mais dois
- Não sei quando eu lhe pago
- Se vê depois
- Estou desempregado
- Você está mais velho
- É
- Vida ruim
- Você está bem disposto
- Também sofri
- Mas não se vê no rosto
- Pode ser...
- Você foi mais feliz
- Dei mais sorte com a Beatriz
- Pois é
- Pra frente é que se anda
- Você se lembra dela?
- Não
- Lhe apresentei
- Minha memória é fogo!
- E o l´argent?
- Defendo algum no jogo
- E amanhã?
- Que bom se eu morresse!
- Prá quê, rapaz?
- Talvez Rosa sofresse
- Vá atrás!
- Na morte a gente esquece
- Mas no amor agente fica em paz
- Adeus
- Toma mais um
- Já amolei bastante
- De jeito algum!
- Muito obrigado, amigo
- Não tem de quê
- Por você ter me ouvido
- Amigo é prá essas coisas
- Tá...
- Tome um cabral
- Sua amizade basta
- Pode faltar
- O apreço não tem preço, eu vivo ao Deus dará
(Sílvio da Silva Junior e Aldir Blanc. “Amigo é prá essas coisas”)
41
5.4 “COLAGEM CONTEMPORÂNEA”, UMA IMAGEM PICTÓRICA
O nome do intertítulo escolhido para este capítulo corresponde ao nome do
último trabalho prático antes do desfecho da pesquisa teórica. Houve a necessidade de
construir uma pintura que entrelaçasse com essa dissertação, uma vez que a última
buscou ao longo se sua execução sempre uma maneira de defender o conteúdo plástico
produzido.
Tomou-se como referência uma série de anotações, leituras e imagens que
coletou-se ao longo do período de produção, mas o principal ponto de partida foi um
objeto representado em uma das últimas pinturas produzidas para a experimentação do
tema proposto para esta pesquisa, “Destino” (figura 19). O objeto discutido seria uma
corda. Antes de descrever o processo de contrução para este trabalho façamos uma
análise da colagem de significâncias que o objeto corda adquiriu desde sua invenção.
Um artigo publicado pela revista italiana FOCUS (2001)19
, sugere que a
corda foi um dos instrumentos mais importantes inventados pelo homem, pois através
dela pode-se criar ferramentas, armas, transportar objetos, domesticar animais entre
outras inúmeras funções. Foi com sua participação que os egípcios conseguiram
construir as Pirâmides e os navegadores conquistaram o mundo. Porém através dos
tempos, sua representação foi tomando outros sentidos e adquirindo novos significados
quando incluída em determinados contextos deixando de ser apenas um objeto
específico para um único fim. Segundo “O Livro dos Símbolos”20
, a corda é
representada em algumas imagens religiosas como uma ligação entre o sagrado e o
profano. No Japão, a shimenawa, a corda de palha sagrada japonesa, é um ornamento
tradicional da festa de Ano Novo e serve para preparar um assento para a divindade que
traz as bênçãos. Na iconografia Maia, as cordas penduradas no céu significam sêmen
divino a cair do Céu para dar vida à terra. Para os equilibristas a corda é o vosso palco;
uma passagem que liga o início do espetáculo ao glorioso final. Podem remeter também
à prisão quando amarradas ou representar a união ou problemas a resolver quando
atadas á nó. Carrega, ainda mais, a representação da punição e morte de um condenado
19
FOCUS Italia n.109 - 11/2001 - pags.76-82 20
RONNBERG, Ami. “O Livro dos Simbolos, Reflexões sobre Imagens arquetípicas”,Colonia-Alemanha, Taschen, 2012, p. 516-517
42
quando feita em forca. Enfim, um corpo que sustenta duas forças opostas brigando entre
si.
Fig. 19. Eduardo Fonseca. “Destino”, 2012. Óleo sobre tela, 57x252 cm
Assim como na Pintura “Destino” (acima), a corda teria o mesmo
significado para a “Colagem Contemporânea”, porém sua representação não seria um
destino único coletivo, mas sim o fado que cada um cria ou se propõe para se manter
influente e influenciado por outros vários destinos vizinhos ao seu. Sem início ou fim, a
princípio, várias cordas passariam pela área pintada a remeter uma realidade que se
concentra focada neste tempo e espaço representados, composta de atitudes diversas.
Essa realidade mencionada não é algo obrigatoriamente verídico, apenas incita a
discussão a respeito das cenas que serão apresentadas fazendo o espectador senti-las e
significa-las. Como a formação dos sonhos sugerida por Sigmund Freud (1835-1930)21
,
onde esses são compostos por restos de vivência diurna, coletados sem uma lógica
aparente, esses fragmentos de realidade aparecem como uma colagem formando uma
imagem fictícia com um significado subjacente.
A partir da escolha do objeto corda como protagonista do enredo, inicia-se
uma nova fase de escolhas das personagens e suas atitudes que serão representadas a
partir do movimento, disposição do espaço pictórico, interação com outros personagens,
ou não, interação com possíveis objetos que os representam e criam significados ocultos
para o “mundo externo” que os desconhecem, gama cromática e, por fim, a preocupação
com todo o conjunto montado e distribuído na área destinada para representação.
21
FREUD, Sigmund. “A Interpretação dos Sonhos”. Editora Record.
43
Embora esta última não seja de todo controlável, dado que o artista pode criar um
roteiro e cronogramas mas na maior parte das vezes o resultado final de seu trabalho
não sai como o planejado.
A produção das imagens a serem utilizadas como referência ao longo do
processo da-se com uma preocupação habitual no que diz respeito a detalhes como a
luz incidente nas personagens a influenciar diretamente quando transpostas para o
campo pictórico. Embora não fora possível coletar todas as imagens em um mesmo
momento, teve-se a preocupação em utilizar sempre o mesmo local e o período do dia
onde podía-se aproveitar, também, a mesma luz natural incidente.
Fig. 20. Fotografias produzidas para produção da Pintura “Colagem Contemporânea”
44
Ao longo da execução do trabalho vão surgindo situações que influenciam
os conceitos iniciais planejados confrontando os respetivos papéis de autor e obra e por
vezes intervindo e invertindo essa relação. O que seria um mecanismo que converge
todos os fluxos de pensamento e movimento para um só sentido acaba recebendo de
volta o resultado daquilo produzido. As fases surgem e misturam-se umas com as outras
transparecendo sempre um novo trabalho em cada intervenção, e logo, essas etapas são
influenciadas pela construção anterior e a sua própria. A figura 21 ilustra uma passagem
dessas quando a figura que está a ser construída seduz o olhar do autor e o convida a
espreita-la pedindo uma chance de se mostrar enquanto processo e ser apreciada como
resultado final. Ela poderia querer permancer em eterna forma de processo, mas caímos
em uma questão fundamental: Se determinamos um trabalho como acabado o processo
também tranforma-se em resultado final? Existiria, então, a representação do processo
enquanto produto final de um trabalho prático? Em alguns trabalhos do escultor francês
Alguste Rodin, pode-se percerber “feridas” deixadas pelo artista em algumas de suas
peças. Poderíamos interpretar esses gestos como uma espécie de tentativa de
perpetuação do processo na obra de arte. Mesmo se estivermos alinhados neste
pensamento não conseguimos fugir da configuração de finalização da obra quando
terminada pelo artista. E não só acabada, mas reproduzida várias vezes, tendo em conta
o ofício de Rodin quando multiplicava suas peças por meio de fôrmas.
Fig. 21. Detalhe da pintura “Colagem Contemporânea” em processo
45
Ainda na figura 21, as formas criadas pela inserção de um corpo em uma
calça sugere movimento e uma certa humanização do tecido, mas quando a ausência do
corpo fica explícita na extremidade da roupa cria-nos uma ligeira instabilidade da
possível veracidade daquela representação. Uma questão que acaba por ampliar
algumas reflexões sobre possíveis rumos do trabalho, não apenas para o término da
obra, mas para os trabalhos futuros em geral. Nos dias de hoje estamos sempre em
contato com a possibilidade de primir um Ctrl+C e depois um Ctrl+V para termos uma
cópia de determinado elemento que foi selecionado e quando o pintor, também de hoje,
depara-se com situações como essa ele encontra-se vulnerável ao próprio trabalho.
Fig. 22. Detalhe da pintura “Colagem Contemporânea” em processo
Fig 23. Detalhe da pintura “Colagem Contemporânea” em processo
46
Fig. 24. Eduardo Fonseca. “Colagem Contemporânea”, 2012. Óleo sobre tela. 380x100 cm. Em processo
47
7 – CONCLUSÃO
É difícil concluirmos algo que estamos sempre a pesquisar, é um processo
que se encontra permanentemente em aberto, mesmo que esteja em constante
circunscrição e que aparentemente se feche em determinados momentos. Porém, após
uma pesquisa intensa e constante sobre determinado tema as inúmeras perguntas que
nasceram ao longo do processo permanecem e geram novas indagações, projetam
descobertas insuspeitáveis.
A reflexão sobre a problemática da Colagem afirmou-se nas diferentes
propostas de pinturas por nós realizadas. Notou-se algumas apostas diferentes para
caminhos que não eram necessariamente na mesma direção que o habitual, uma espécie
de experimentação natural de uma pesquisa como essa. O trabalho prático deu-se, por
vezes, tentando se comunicar através de outras formas e aprendendo novas linguagens
nas tentativas de transmissão e construção de imagens cuja subtileza nos surpreendeu.
A pretendida discussão sobre novas interpretações e leituras sob a ótica da
Colagem foi realizada, contrubuindo para novas perspetivas e interrogações, alterando
equilíbrios anteriormente estabilizados. Não se criaram certezas, antes pelo contrário,
incertezas que podem gerar novas territorialidades no trabalho em desenvolvimento.
Fizeram-se múltiplas tentativas teóricas e plásticas sobre o assunto “Colagem” e
buscou-se intensamente novos horizontes, que confirmaram a permanência deste
conceito. Parece-nos que a Colagem continuará sendo vista com os olhos de quem a lê e
a interpreta, logo implica estratégias culturais que podem expandir o seu próprio
território.
48
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moderno”, Revista Historiador Especial, Nº 01. Ano 03, julho de 2010
(http://www.historialivre.com/revistahistoriador/espum/rivadavia.pdf)
ÍNDICE DE FILMES
Tom Tykwer. “Lola Rennt”. 81 min. Alemanha, 1998
ÍNDICE DE MÚSICAS
JUNIOR, Silvio da Silva e BLANC, Aldir. “Amigo é prá essas coisas”. 1970
52
ÍNDICE DE IMAGENS
01. Richard Hamilton. “Just What Is It That Makes Today’s Homes So Different, So
Appealing?” 1956. Colagem sobre papel, 24 x 26 cm. Kunsthalle Tübingen. Pág. 08
02. Andy Warhol – “32 Campbell’s Soup Cans”. 1961/62. 32 Serigrafias. MoMA. Pág.
10
03. Peter Blake – Capa do álbum “Sargent Peppers Lonely Hearts Club Band” dos
Beatles. 1967. Pág. 11
04. Álbum “Tropicalia ou Panis et Circencis”, 1967. Pág. 14
05. Nelson Leirner. “Adoração”, 1966. Instalação. MASP. Pág. 14
06. Geoffrey Farmer . “Leaves of Grass”, 2012. Instalação. 13º Documenta de Kassel.
Pág. 16
07. Eduardo Fonseca. “Mass Media”. 2012. Acrílico e óleo sobre tela. 125x228 cm.
Pág. 19
08. Erthos Albino de Souza. “Sousândrade”, 1972. Impressão computador mainframe.
Coleção Augusto de Campos. Pág. 25
09. Caetano Veloso e Augusto de Campos. “O Pulsar”. 1975. Encarte do LP vinil
Velô,1984. Pág. 25
10. Eduardo Fonseca. Pintura da série “Discursos” alterada digitalmente. Pág. 26
11. Eduardo Fonseca. Série “Discursos”. 2012. Óleo sobre tela. 24x18 cm por tela. Pág.
29
12. Eduardo Fonseca. “A decisão persiste na memória”. 2012. Acrílico, grafite e óleo
sobre tela. Pág. 30
13. Lucian Freud. “Kate” – 2003. Óleo sobre tela. 160x120 cm. Coleção particular.
Pág. 34
14. Marc Quinn. “Microcosmos (Siren) “, 2006. Ouro. British Museum. Pág. 34
15. Close, “A Couple of Ways of Doing Something” 2003. Daguerreótipo. Pág. 35
16. Eduardo Fonseca. “-What is this?” – 2011. Óleo sobre tela. 100x190 cm. Pág. 35
17. Eduardo Fonseca. “Os Inocentes”, 2011. Óleo sobre tela. 120x90 cm. Pág. 37
18. Eduardo Fonseca. “O Alquimista”, 2012. Impressão, folha de ouro e óleo sobre
tela. Pág. 38
19. Eduardo Fonseca. “Destino”, 2012. Óleo sobre tela, 57x252 cm. Pág. 42
53
20. Fotografias produzidas para produção da Pintura “Colagem Contemporânea”. Pág.
43
21. Detalhe da pintura “Colagem Contemporânea” em processo. Pág. 44
22. Detalhe da pintura “Colagem Contemporânea” em processo. Pág. 45
23. Detalhe da pintura “Colagem Contemporânea” em processo. Pág. 45
24. Eduardo Fonseca. “Colagem Contemporânea”, 2012. Óleo sobre tela. 380x100 cm.
Em processo. Pág. 46