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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO MESTRE ECOPEDAGOGIA “UMA EDUCAÇÃO SUSTENTÁVEL” AUTOR: NEWTON BLEY JACQUES ORIENTADOR: Nelsom José Veiga de Magalhães Rio de Janeiro Março de 2004

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PROJETO A VEZ DO MESTRE

ECOPEDAGOGIA

“UMA EDUCAÇÃO SUSTENTÁVEL”

AUTOR: NEWTON BLEY JACQUES

ORIENTADOR: Nelsom José Veiga de Magalhães

Rio de Janeiro – Março de 2004

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

Projeto a Vez do Mestre

ECOPEDAGOGIA – “Uma Educação Sustentável”

Objetivo: - Refletir e trazer para a prática a consciência de que o homem

está no mundo e com o mundo. Isso o torna um ser capaz de

relacionar-se, de sair de si, de projetar-se nos outros, de

transcender. Devemos dar oportunidade para que os

educandos sejam eles mesmos. Estimulando a criação

permitimos a liberdade nata da natureza humana.

Atingiremos, sem medo das mudanças, com essas novas

escalas de valores uma democratização educacional. A

“ecopedagogia” é uma proposta emergente para esse período

de transição da sociedade.

Sabemos que a educação não é um processo de adaptação do

indivíduo à sociedade e sim um processo de mudança social.

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RESUMO

Com as descobertas das novas interpretações do Universo, um

novo paradigma científico provocou uma profunda mudança em nossa visão

de mundo.

Com a globalização, a super população, a escassez dos

recursos naturais, desmatamentos e poluição em todos os aspectos,

iniciamos uma verdadeira revolução pedagógica e curricular. Se

pertencemos a um único território, a Terra. Se somos cidadãos do mundo,

não podem existir fronteiras. As diferenças culturais, geográficas, raciais e

outras enfraquecem diante do sentimento de pertencer à humanidade.

Nasce a “cidadania planetária” que supõe o reconhecimento e a

prática da planetaridade, isto é , tratar o planeta como um ser vivo e

inteligente. A terra é “Gaia”, um superorganismo vivo e em evolução, o que

for feito a ela repercutirá em todos os seus filhos.

As exigências da sociedade planetária devem ser trabalhadas

pedagogicamente a partir da vida cotidiana, a partir das necessidades e

interesses das pessoas. Para Francisco Gutiérrez, educar para a cidania

planetária supõe o desenvolvimento de novas capacidades, tais como:

“vibrar emocionalmente”, “inter-conectar-se” e “pensar em totalidade”.

Uma educação para a cidadania planetária deveria nos levar à

construção de uma cultura de sustentabilidade, isto é, uma biocultura, uma

cultura da vida, da convivência harmônica entre os seres humanos e entre

estes e a natureza (equilíbrio dinâmico). Paulo Freire nos falava de uma

“racionalidade molhada de emoção”.

É nesse contexto que se pode falar da “ecopedagogia” como

uma pedagogia que promove a aprendizagem do sentido das coisas a

partirda vida cotidiana. Encontramos o sentido ao caminhar, vivenciando o

processo de abrir novos caminhos, e não apenas observando o caminho.

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METODOLOGIA

Por pesquisas feitas na internet, leituras de alguns livros, citados na

bibliografia anexa, reflexões e conversas com professores e sobretudo

observando os caminhos que as autoridades governamentais conduzem as

questões ambientais. Sempre atendendo a interesses capitalistas sem

nenhuma preocupação com as gerações futuras. Partí para a pesquisa de

campo.

Foi lendo o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e

Responsabilidade Global. E, ainda, tomando conhecimento da Carta da

Terra, um documento que deverá se constituir no equivalente à Declaração

Universal dos Direitos Humanos, que pude elaborar essa monografia

sentindo a urgência dessa mudança pedagógica.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 5

CAPÍTULO I 8

O QUE É ECOPEDAGOGIA E EDUCAÇÃO SUSTENTÁVEL 9

CAPÍTULO II 12

A ESCOLA ENSINA UM MUNDO COMO ELE NÃO É 13

CAPÍTULO III 18

UMA PEDAGOGIA PARA A GLOBALIZAÇÃO 19

CONCLUSÃO 25

BIBLIOGRAFIA 30

ÍNDICE 32

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INTRODUÇÃO

“Ecopedagogia” – Uma Educação sustentável

“A consciência de que a Terra é um sistema vivo, noção que

desempenhou um importante papel em nosso passado cultural, foi revivida

dramaticamente quando, pela primeira vez na História da humanidade, os

astronautas puderam observar a Terra a partir do espaço. A vista do planeta

em toda a sua radiante beleza – um balão azul e branco suspenso na

profunda escuridão do espaço – comoveu-os profundamente e, como muitos

deles declararam, foi uma experiência mística que modificou para sempre

sua relação com a Terra. As esplêndidas fotografias do globo terrestre que

esses astronautas trouxeram de suas viagens transformaram-se num

potente novo símbolo do movimento ecológico e bem poderia ser o resultado

mais importante de todo o programa espacial.” (Fritjof Capra)

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Com as novas interpretações do Universo científico, as

mudanças tecnológicas e organizacionais do trabalho e a crescente perda

das riquezas naturais nos levaram a uma encruzilhada onde continuar

segurando os conceitos mecanicistas cartesianos só estancaria a evolução,

e como evolução é uma ordem natural, podemos imaginar que logo

estaríamos num “beco sem saída”.

Estamos diante de um momento crítico na história da Terra,

numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida

que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro

enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para

seguir adiante, devemos reconhecer que no meio de uma diversidade de

culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade

terrestre com um destino comum. (Carta da Terra, 2000, p.1)

A outra via da encruzilhada é institucionalizar novas formas de

educar/formar e reordenar conceitualmente a compreensão da relação

educação/trabalho. Preparar o aluno para um novo mercado onde competir

sede para participar, individualismo para grupo. A qualidade está no ser e

não no ter. O propósito é salvar o planeta, de nada adianta salvar sua pele

se o planeta está morrendo.

Os padrões dominantes de produção e consumo estão

causando devastação ambiental, redução dos recursos e uma massiva

extinção de espécies. Os benefícios do desenvolvimento não estão sendo

divididos eqüitativamente e o fosso entre ricos e pobres está aumentando. O

crescimento sem precedentes da população humana tem sobrecarregado os

sistemas ecológicos e social.

Como é possível viver se a água está poluida e excassa se a

terra de onde brotam os alimentos está ácida e o ar poluído sob o buraco de

oxônio. O homem deixou de ser um e passou a ser uma consciencia. È a

globalização que equaliza a humanidade e exíge um só idioma, um

comportamento semelhante para todos os povos e seus costumes

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7 tradicionais passam a ser folclore. A explosão demográfica e a excassez dos

recursos obrigam novos rumos para os jovens, que são o futuro do planeta.

O conceito de qualificação consolidou-se com o modelo

taylorista-fordista de produção, em torno do qual se inscreveram tanto os

padrões de formação quanto o de emprego, carreira e remuneração.

Compreendida inicialmente numa perspectiva essencialista (Friedmann,

1992), que a identifica como propriedade dos postos de trabalho, a

qualificação também tem sido analisada sob uma perspectiva historicista ou

relativista (Naville, 1956), que centra a análise no homem, não como

fenômeno técnico individualizado, mas como valor social e diferencial dos

trabalhadores. Em outras palavras, a qualificação passou a ser

compreendida muita mais como uma relação social complexa entre as

operações técnicas, a estimativa de seu valor social e as implicações

ecnômico-políticas que advêm dessa relação, do que como estoque de

saberes.

A qualificação está relacionada ao conteúdo real do trabalho,

em que se inscrevem não somente os conceitos, mas o conjunto de saberes

postos em jogo quando da realização do trabalho (Schwartz, 1995).

Diante desta nova realidade, em 1996, a Comissão de

Organização das Nações Unidas para o Meio Ambiente criou um programa

denominado Cidadania Ambiental Global. Seu ponto de partida foi a

necessidadde de contar com o cidadão comprometido com uma mudança

profunda de mentalidade, conceitos e valores com respeito ao meio

ambiente. Seu objetivo central é promover a compreensão dos direitos e

responsabilidades cidadãs referentes ao meio ambiente e mobilizar ações

voluntárias em todos os níveis da sociedade.

Espera-se com a ecopedagogia uma transição menos

traumática para o futuro do mundo. Falaremos dos conceitos básicos de

organização, processos educacionais e os princípios da ecologia, mudanças

de comportamento enfim, uma grande mudança planetária.

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CAPÍTULO I

O que é Ecopedagogia e educação sustentável ?

“O equilíbrio ecológico exige mudanças profundas do papel

que o ser humano deve desempenhar no ecossistema

planetário. O desafio da sociedade sustentável de hoje é

criar novas formas de ser e de estar neste mundo”.

(F. Gutiérrez)

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A ecopedagogia não se dirije apenas aos educadores, mas a

todos os cidadãos do planeta. Ela está ligada ao projeto utópico de mudança

nas relações humanas , sociais e ambientais, promovendo a educação

sustentável (ecoeducação) e ambiental com base no pensamento crítico

inovador, em seus modos formal, não formal e informal, tendo como

propósito a formação de cidadãos com consciência local e planetária que

valorizem a autodeterminação dos povos e a soberania das nações.

Somente por meio de uma prática diária sustentada por uma

ética que nos conduza a ações e reflexões críticas e inovadoras tendo como

finalidade a formação de novos cidadãos planetários, lograremos

transformar local e globalmente o mundo e os saberes que lhe garantem

essa tão necessária sustentabilidade que respeite e se harmonize com

autodeterminação de todos os povos e a soberania de cada uma das nações

com equidade. Convivendo com a pluralidade de possibilidades que as suas

diferenças nos possam oferecer.

E um dos pilares da Ecopedagogia é a “sustentabilidade”,

palavra difícil de decifrar sob a influência da ideologia capitalista que nos

envolve e que permeia todos os campos de nossa intelectualidade.

Sustentar significa segurar por baixo, servir de ancora; suportar, suster.

Mas de quê sustentabilidade estamos falando?

Ao se buscar caminhos para a construção de uma nova ordem

social que inclua, ao invés de excluir; que some ao invés de dividir; que

respeite as diferenças, enxergando nelas uma fonte de riqueza para o

crescimento e engrandecimento de todos; não podemos de nos lembrar que

“a diversidade é uma pluralidade de possibilidades.” (Morin, E. 2000, p.54)

As diferentes culturas, línguas, etnias, religiões, filosofias,

etcetera; significam em sua própria diferença a possibilidade do sustentáculo

que buscamos ao caminhar.

Na busca da formulação de uma possibilidade de prática

pedagógica para nosso labor de educadores, precisamos encontrar

maneiras de reaprendermos a relacionar a parte com o todo; de modo que

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10 nossas relações mais locais não percam de vista jamais sua importância na

construção planetária de uma convivência harmoniosa com o todo. E

reaprender é muito mais difícil que aprender. Reaprender é mudar as

estruturas do pensamento. Por isso é uma tarefa difícil. Implica em que o

educador consiga descobrir uma forma de também educar a sí mesmo,

assumindo o papel bipolar de educador-educando.

Em nossa relação cotidiana com o mundo que nos cerca,

vamos nos transformando a cada momento em novos homens, em outros

seres humanos que já não são mais aqueles que éramos momentos atrás. E

é assim, “mediatizados pelo mundo que – nas palavras de Paulo Freire –

vamos nos educando uns aos outros”. (Freire, P. 1999, p.32)

A sustentabilidades que procuramos entender, então, ao

pensarmos na Carta da Terra, ao refletirmos no paradigma que desejamos

construir a partir de uma nova visão do mundo em que o cidadão local

assuma também a identidade indispensável de cidadão planetário, se traduz

muito mais eficazmente na idéia de sustentáculo ético para a formação de

uma nova consciência humana. Uma consciência voltada para o cuidado do

próprio corpo, sem o esquecimento do espírito. Do cuidado da própria casa,

sem o esquecimento da comunidade. Enfim, o cuidado de si mesmo sem o

esquecimento do outro; seja o outro quem for, esteja onde estiver.

O educador, que é profissional com função de transmitir

conhecimentos a seus educandos, não pode deixar de assumir para si o

conceito de conhecimento como algo que não se expressa enquanto um

espelho, uma fotografia da realidade; mas como a tradução e reconstrução

do mundo esterior que permite um ponto de vista crítico do próprio

conhecimento.

Morin lança à humanidade um grande desafio. E diz: “Não

basta eliminar, digamos, aqueles que têm o poder político, capitalista ou

outro. O problema está em como fazer uma nova sociedade”.

(Morin,2000,p.37)

A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da

Terra e uns dos outros, ou arriscar a nossa destruição e a diversidade da

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11 vida. São necessárias mudanças fundamentais dos nossos valores,

instituições e modos de vida. Devemos entender que quando as

necessidades básicas forem atingidas, o desenvolvimento humano é

primariamente ser mais, não, ter mais. Temos o conhecimento e a tecnologia

necessários para abastecer a todos e reduzir nossos impactos ao meio

ambiente. O surgimento de uma sociedade civil global está criando novas

oportunidades para construir um mundo democrático e humano. Nossos

desafios, ambientais, econômicos, políticos, sociais e espirituais estão

interligados, e juntos podemos forjar soluções includentes.

E, a Carta da Terra continua sugerindo que para realizar estas

aspirações devemos decidir viver com um sentido de responsabilidade

universal, identificando-nos com toda a comunidade terrestre bem como com

nossa comunidade local. Somos ao mesmo tempo cidadãos de nações

diferentes e de um mundo no qual, a dimensão local e global estão ligadas.

Cada um comparte responsabilidade pelo presente e pelo futuro, pelo bem

estar da família humana e do grande mundo dos seres vivos. O espírito de

solidariedade humana e de parentesco com toda a vida é fortalecido quando

vivemos com reverência o mistério da existência, com gratidão pelo presente

da vida, e com humildade considerando o lugar que ocupa o ser humano na

natureza.

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CAPÍTULO II

A escola ensina um mundo como ele não é

“Por que me impões

o que sabes

se eu quero aprender

o desconhecido

ser fonte

em minha própria descoberta?...”

(Humberto Maturana, Oração do estudante)

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13 Para planejarmos o futuro das práticas educacionais em plena

evolução tecnológica e genética é, antes, necessário entendermos a história

e identificar quais concepções tanto nos aprisionam.

Olhar para trás e perceber os manejos ideológicos intrínsecos é

mais que ousadia; é um desafio. Mas para tanto, há uma verdade que aqui

podemos constatar: “A educação só pode ser entendida no contexto

histórico em que foi produzida” (GUERRA,2000). Afinal,(...) se consultarmos

os livros de histórias, veremos que a educação das crianças e dos jovens

tem atendido às expectativas dos grupos que detém o poder em cada

sociedade (...)” (ARANHA, 1996, p.120). Compreendendo então o contexto

histórico desde a época medieval, veremos que o pensamento pedagógico e

o conhecimento científico mantiveram-se submetidos a um grande crivo

ideológico: A Igreja Cristã.

Universalizando o Cristianismo, Clemente de Alexandria (por

volta de 211 a 215 d.C.), tornou-se um dos “Pais da Igreja” e defendia Cristo

como um grande pedagogo. O homem verdadeiro deveria ter um corpo

santo e celeste, devoto às palavras de Jesus e com eternos “votos” de

obediência. Neste envolto, a educação para o povo era catequética e

dogmática. Já, para o clérigo, era esta humanista e filosófico-teológica, daí o

sucesso de Cristo como um grande educador: dominava a linguagem erudita

e sabia comunicar-se com o povo mais humilde.

A partir destes pensamentos pedagógicos, o sistema de ensino

compreendia na ” (...) finalidade destas escolas que não era instruir, mas

doutrinar as massas camponesas, mantendo-as ao mesmo tempo dóceis e

conformadas (...)” (Gadotti, 1999, p.52). Assim, Santo Agostinho (334-430 d.

C.), também considerado um dos “Pais da Igreja”, comtemplava que só

Cristo tinha a explicação e bastávamos ver nas escrituras, poderíamos obter

uma sobrevivência plena mediante juramentos de fidelidade à fé cristã,

“votos” de obediência, castidade e pobreza. Tudo era feito em nome de

Deus, pois Ele justificava tudo, com isso o alto clero tinha o pleno respaldo

para agir e deter o poder.

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14 Nesta ideologia cravada “assegura-se a coesão entre os

homens e a aceitação sem críticas das tarefas mais penosas e pouco

recompensadoras, em nome da “Vontade de Deus” e do “dever moral”. “

(ARANHA, 1996,p.32), podemos então, afirmar que nesta maneira o primeiro

milênio segui na “Santa Paz de Deus”.

Com as navegações e as expansões ultramarinas, a Igreja, ao

tomar conhecimentos dos outros povos (até então desconhecidos) definiu

com clareza e eficiência uma política de catequeze. Logo, não se procurava

nenhuma razão observável empiricamente para que se pudesse explicar, por

exemplo, os contágios, a proliferação de doenças em escravos, nas cidades

e, aliás, não se buscavam argumentos racionais para explicar as relações

entre os fatos ocorridos. O destino era imutável; era tudo como Deus queria.

A ciência, portanto, não tinha força e a fé imperava em absoluto.

Nesta época, Lutero (1483-1546 d.C.) foi o líder da Reforma

Protestante, possibilitando a todos a leitura e a interpretação da Bíblia, mas

quando percebeu que as massas iam mais longe do que isto, ele pôs-se a

unir com os príncipes alemães, foi onde novos precursores lutavam para

uma educação realmente, para tanto o povo como Munzer e outros.

Inicia-se o movimento Humanista; um desacato à Igreja

Católica. Juntamente com a Reforma, impunham-se à estrutura econômica

do feudalismo. Enquanto o Protestantismo pretendia educar a burquesia

abandonada e não abandonar as classes desfavorecidas, os jesuítas se

esforçavam para controlar a educação dos nobres e dos burqueses

abandonados e usavam os recursos pedagógicos como um instrumento de

domínio. Ninguém, porém “(...) se atreveu a disputar à Companhia de Jesus

a hegemonia pedagógica que a Igreja havia reconquistado”. (PONCE, 1987,

p.121). Essa época, no entanto, corresponde aos tempos áureos da

monarquia absoluta. Pode-se provar isto com um texto da Constituição

Jesuítica.

“(...) seria uma obra de caridade ensinar os ignorantes a ler e a

escrever...Nenhuma das pessoas empregadas em serviços domésticos pela

Companhia deverá saber ler e escrever, e elas não deverão ser instruídas

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15 nesses assuntos, a não ser com o consentimento do Geral da Ordem,

porque para servir a Jesus basta simplicidade e a humildade. “ (PONCE;

1987, p. 122-123)

Neste enveredar das lutas de classes, Montaigne diz que “não

basta fortalecer a alma, é preciso também desenvolver os músculos” e

completa: “quem quiser fazer do menino um homem, não deve poupar da

juventude nem deixar de infligir amiúde os preceitos dos médicos: que vive

ao ar livre e no meio do perigo.” (GADOTTI, 1999, p.67) .

Ele defendia ainda, a idéia de que a alma e o corpo devem se

desenvolver juntos, pois queria que a delicadeza, a civilidade, as boas

maneiras se modelassem ao mesmo tempo que o espírito, pois não é uma

alma somente que se educa, nem um corpo, é um homem. Acreditava ele

que Platão tinha razão ao declarar que “é preciso não educar uma sem a

outra e sim conduzi-las de par.” (GADOTTI, 1999, p.67). Michel Montaigne

(1953-1592), visava a educação como um sinal de protesto ao Estado e à

Igreja, dizendo: “vislumbrar-se a educação como sinal de protesto, o que

contém em germe a educação moderna e leiga.” (GADOTTI, 1997, p. 69).

Fundador da Pedagogia da Idade Moderna, dizia que os professores

deveriam ter a cabeça antes melhor que provida de ciências. Era, portanto,

contrário ao pensamento teocrático da Idade Média.

Viajar para Montaigne era preciso, mais “( ...) para observar os

costumes e o espírito dessas nações e para limar e polir nosso cérebro ao

contato dos outros (...) “ do que apenas nos informar dos fidalgos. Nota-se,

então, a necessidade da troca de cultura e conhecimentos, daí vem a força

do Humanismo, “(...) assim, buscava-se a igualdade entre Deus e o homem”

(THEODORO, 1996, p.58).

No século XVII, Comênio (1592-1690), maior percursor da

Educação Popular, pregava que o ideal era uma educação democrática, a

que todos deveriam ter acesso, fossem homens ou mulheres, ricos ou

pobres, inteligentes ou ineptos. É nesse sentido que se dirige o esforço de

Comênio, quando afirmava que o ponto de partida da aprendizagem deveria

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16 ser sempre o conhecido. Partir das próprias coisas, valorizar a experiência.

Educar os sentidos são passos de uma educação que se faz pela ação e

voltada para ação, “(...) portanto, também nas escolas, deve aprender-se a

escrever escrevendo, a falar falando, a cantar cantando, a raciocinar

raciocinando.”, concluímos ainda com o seu maior lema: “Só fazendo

aprendemos a fazer.” (ARANHA, 1996: p.159).

O iluminismo, aliás, exaltava justamente o poder da razão

humana de traçar os seus próprios caminhos, longe da tirania dos reis e das

superstições religiosas. Nesse sentido, a escola deveria ser leiga (não-

religiosa), livre (independente de privilégios de classes) e universal

(acessível a todos).

Portanto, levando em consideração todo o contexto histórico

envolvendo os pensamentos pedagógicos desde a época medieval ao início

da época moderna, vê-se no decorrer da Educação Popular que sempre

houve um educar para a submissão, mantendo o quadro senhores X servos,

nobre X clero, burguesia X proletário, dominantes X dominados, até os

nossos tempos de Pós- Modernidade, com a opulência X excluídos.

Apesar da máscara de uma educação igual para todos e da

iniciativa de uma “educação popular”, ela é na realidade, uma base

pedagógica, cuja escola pode ensinar um mundo como ele não é.

Em contrapartida sabemos que as culturas dos povos

indígenas, conforme a sua cosmo visão, são testemunhos de fé de “como

esses povos viviam e vivem em harmonia simbiótica com a Terra viva. O

historiador de religião Donald Hughes escreveu que a natureza era para eles

uma grande comunidade inter-relacionada, que incluía animais, plantas,

seres humanos e objetos físicos, por um lado, e, por outro, espíritos.

Nehnuma pessoa, tribo ou espécie enquadrada na unidade viva pode ser

considerada auto-suficiente e é provável que os seres humanos fossem os

menos auto-suficientes. O índio ou a índia não se definiam principalmente

como indivíduos autônomos, mas como parte de um conjunto e tinham uma

relação de reciprocidade mutuamente benéfica com todos os tipos de seres”.

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17 A vida dos indígenas, dos maias, assim como a de muitos

outros povos antigos, é um claro testemunho da consciência planetária: sua

vida cotidiana, seu trabalho, suas celebrações, sua visão da divindade e da

morte, e sua produção artística e científica assim demonstram. Desde

tempos ancestrais, vivem a dimensão cósmica que nós ansiamos. (Devereux

P., 1991, p.25-6)

Concluímos, pois, que só a partir de um estudo histórico e

contextualizado sobre as ideologias dominantes que tanto trava os

progressos educacionais. Se, assim pensarmos, poderemos com rigoroso

critério definir a reconstrução (senão a construção) de uma educação

realmente humana libertadora e completa para este nosso futuro tão incerto.

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CAPÍTULO III

Uma pedagogia para a globalização

“Uma nova nova consciência, uma nova visão

do ser humano no Cosmos e de suas práticas

em relação com ele.” (L. Boff)

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Da mesma forma como hoje se fala da necessidade de uma

cidadania planetária. Se a Terra, como afirma Lovelock, é um organismo

vivo, um sistema de vida tão integrado e dinâmico e inteligente, requer de

nossa parte uma compreensão igualmente viva, dinâmica e planetária. “Se

quisermos pôr fim à destruição de nosso planeta, nós – a geração atual –

necessitamos investigar logo se a comunicação entre a consciência humana

e a planetária é verdadeiramente uma possibilidade.”

Não basta termos uma nova cosmologia. Como socializá-la e

internalizá-la nas pessoas de forma que inspirem novos comportamentos,

alimentem novos sonhos e reforcem uma nova benevolência para com a

Terra? Trata-se indiscutivelmente de um desafio pedagógico. (Boff L. 1995,

p.185).

Como o velho paradigma que atomizava, contrapunha e isolava

o ser humano do universo e da comunidade dos vivos, penetra por todos os

poros em nossa vida e criara uma subjetividade coletiva adequada a suas

intuições, assim o novo paradigma deve também formar novas

subjetividades e se introduzir em todas as instâncias da existência, da

sociedade, da família, dos meios de comunicação e das instituições

educativas para gerar um novo homem e uma nova mulher planetários,

solidários cosmicamente e sintonizados com a direção global do processo

evolucionário.

Em primeiro lugar, continua Boff, importa fazer a grande

revolução da perspectiva que funda a nova cosmologia: não podemos nos

entender como seres separados da Terra; nem podemos permanecer na

visão clássica que entende a Terra como um planeta inerte, um amontoado

de solo e de água penetrados pelos 100 elementos que compõem todos os

seres. Nós somos muito mais que isso. Somos filhos e filhas da Terra,

somos a própria Terra que se torna autoconsciente, a Terra que caminha,

como dizia o grande poeta mestiço argentino Atahualpa Yupanqui, a Terra

que pensa, a Terra que ama e a Terra que celebra o mistério do universo.

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20 Portanto, a Terra não é um planeta sobre o qual existe vida. A

Terra se apresenta com tal dosagem de elementos, de temperatura, de

composição química da atmosfera e do mar que somente um organismo vivo

pode fazer o que ela faz. A Terra não contém vida. Ela é vida, um

superorganismovivente,”Gaia”.

A espécie humana representa a capacidade de Gaia ter um

pensamento reflexo, uma consciência sintetizadora e uma subjetividade

amorosa. Nós humanos, homens e mulheres, possibilitamos à Terra apreciar

a sua luxuriante beleza, contemplar a sua intrincada complexidade e

descobrir espiritualmente o Mistério que a penetra.

O que os seres humanos são em relação à Terra é a Terra em

relação ao cosmo por nós conhecido. O cosmos não é um objeto sobre o

qual descobrimos a vida. O cosmos é um sujeito vivente. E se encontra num

processo de gênese. Caminhou 15 bilhões de anos, se enovelou sobre si

mesmo e madurou de tal forma que num canto dele, na Via Láctea, no

sistema solar, no planeta Terra emergiu a consciência reflexa de si mesmo,

de onde veio, para onde vai e de quem é símbolo e imagem. Quando um

ecoagrônomo estuda a composição química de um solo, é o próprio cosmo

que estuda a si mesmo. Quando um astrônomo dirige o telescópio para as

estrelas, é o próprio universo que olha para si mesmo.

A mudança que esta leitura deve produzir nas mentalidades e

nas instituições só é comparável com aquela que se realizou no século XVI

ao se comprovar que a Terra era redonda e girava ao redor do Sol.

Especialmente o fato da transformação, de que as coisas ainda não estão

prontas, que estão continuamente nascendo, abertas a novas formas de

auto-realização. Conseqüentemente a verdade se dá numa referência aberta

e não num código fechado e estabelecido. Só está na verdade quem

caminha com o processo de manifestação da verdade.

Em segundo lugar, importa realizar a globalização do tempo.

Nós não temos a idade que se conta a partir do dia do nosso nascimento.

Nós temos a idade do cosmos. Começamos a nascer há quinze bilhões de

anos quando principiaram a se organizar todas aquelas energias e materiais

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21 que entram na constituição de nosso corpo e de nossa psique. Quando isso

madurou, então acabamos de nascer e nascemos abertos a outros

aperfeiçoamentosfuturos.

Se sintetizarmos o relógio cósmico de 15 bilhões de anos no

espaço de um ano solar, como o fez engenhosamente Carl Sagan, e

querendo apenas realçar algumas datas que nos interessam, teríamos o

seguintequadro:

- A primeiro de janeiro ocorreu o big-bang. - A primeiro de maio

o surgimento da Via Láctea. - A nove de setembro, a origem do sistema

solar. - A 14 de setembro, a formação da Terra. - A 25 de setembro, a

origem da vida. - A 30 de dezembro, o aparecimento dos primeiros

hominídeos, avós ancestrais dos humanos. - A 31 de dezembro, irromperam

os primeiros homens e mulheres. Os últimos 10 segundos de 31 de

dezembro cobririam a história do homo sapiens/demens do qual

descendemos diretamente. O nascimento de Cristo ter-se-ia dado

precisamente às 23 horas, 59 minutos e 56 segundos do último dia do ano.

O mundo moderno teria surgido no 58º segundo do último minuto do ano. E

nós individualmente? - Na última fração de segundo antes de completar

meia-noite.

Em outras palavras, somente há 24 horas que o universo e a

terra têm consciência reflexa de si mesmos. Se Deus dissesse a um anjo:

“procure no espaço e identifique no tempo Pedro, João ou Maria”,

certamente não o conseguiria porque eles são menos que um pó de areia

vagando no vácuo interestelar e começaram a existir há menos de um

segundo atrás. Mas Deus sim, porque Ele escuta o coração de cada filho e

filha Seus, porque neles o universo converge em autoconsciência, em

amorização e celebração. Sem arrogância antropocêntrica, cada ser

humano é um milagre do universo (Leloup. 1997).

Uma pedagogia adequada à nova cosmologia nos deveria

introduzir nestas dimensões que nos evocam o sagrado do universo e o

maravilhoso de nossa própria existência.

Em terceiro lugar, faz-se mister globalizar o espaço dentro do

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22 qual nos encontramos. Vendo a Terra de fora da Terra, nos descobrimos elo

de uma imensa cadeia de seres celestes. Estamos numa galáxia dos 100

bilhões de galáxias, a Via Láctea. A 28 mil anos-luz de seu centro,

pertencemos ao sistema solar, que é um entre bilhões e bilhões de outras

estrelas, num planeta pequeno mas extremamente aquinhoado de fatores

favoráveis à evolução de formas cada vez mais complexas e

conscientizadas de vida, a Terra. Na Terra nos encontramos num continente

que se independentizou há cerca de 210 milhões de anos quando a Pangéia

(o continente único da Terra) se fraturou e ganhou a configuração atual a

partir de 150 milhões de anos. Estamos nesta cidade, nesta rua, nesta casa,

neste quarto e nesta mesa a partir donde me relaciono e me sinto ligado à

totalidade de todos os espaços do universo que podemos imaginar.

Em quarto lugar, é urgente cada um dar-se conta do

surpreendente que é sua própria existência. O universo, desde seu início, foi

criando interioridade e tecendo a intrincada teia de relações que o constitui

como realidade que se auto-organiza e que avança direcionado. Assim como

a noosfera é fruto da biosfera, da mesma forma a biosfera é resultado da

atmosfera e a atmosfera da hidrosfera e a hidrosfera da geosfera até

alcançarmos o Sol, a galáxia, as supernovas, o gás primordial, a grande

explosão/inflação e por fim o núcleo originário de energia inimaginavelmente

condensada. Cada pessoa humana está re-ligada a toda esta imensa

cadeia. O universo culmina em cada um na forma de consciência,

capacidade de compreensão, de solidariedade e de auto-entrega gratuita na

amizade e no amor. Desta consciência nasce o sentimento de auto-estima e

de descoberta do próprio sagrado como fascinante e tremendo que nos

produz intimidade e ao mesmo tempo estranheza. Todas as energias e

campos formogenéticos atuaram sinergeticamente para que cada um

nascesse e fosse aquela pessoa singular e única que é: Ecce mulier, ecce

homo!

Em quinto lugar, cada ser humano deve se descobrir como

membro da espécie homo sapiens/demens em comunhão e em

solidariedade com as demais espécies que formam a comunidade dos

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23 viventes (biocenose). Descobre-se membro da família humana distribuída

por todos os quadrantes da Terra. Mas o sentimento de família humana

ainda não se formou completamente. Como escreveu um dos maiores

formuladores da consciência global do planeta, Robert Muller, “quando se

trata do cosmo humano, quase tudo ainda está por ser feito. Nossa catedral

planetária ainda não está ocupada por uma família unida, reverente,

agradecida e plenamente desenvolvida, mas, sim, por grupos rebeldes de

crianças imaturas e contraditórias, inocentes brincando de viver.

Em sexto lugar, é necessário que tenhamos sempre presente

nossa singularidade como espécie. Somos seres condenados a ser seres

culturais. Explico-me: por não dispormos de nenhum órgão

especializado, somos compelidos a intervir na natureza, a prolongarmos

nossos braços, nossas mãos, nossos olhos, nossos ouvidos pelos

instrumentos técnicos e a criarmos cultura. O desenvolvimento biológico de

nosso cérebro, capacitando nosso pensamento e nossa criatividade

imaginária, produz num instante aquilo que a evolução demoraria milhões e

milhões de anos para produzir. Junto com os princípios diretivos do universo

co-pilotamos a atual fase do processo evolucionário. Isso nos confere uma

imensa responsabilidade, pois podemos ser o anjo bom que ausculta a

mensagem da natureza e trabalha junto e em consonância com ela, como

podemos ser o satã devastador e explorador que somente escuta seu desejo

excludente e submete o planeta Terra a uma dizimadora agressão.

Por fim, em sétimo lugar, é de fundamental importância que o

ser humano conscientize a sua funcionalidade dentro da orientação global

do universo que se formulou ao longo dos 15 bilhões de anos. Tudo

caminhou de tal maneira e dentro de formas tão complexas e altamente

auto-organizadas que surgiu a capacidade de sentir, de ver, de ouvir, de se

comunicar, de pensar reflexamente e de amar a alteridade. É o universo e a

própria Terra que através do ser humano se sente a si mesma, vê a sua

indizível beleza, escuta sua musicalidade, comunica seu mistério, pensa

reflexamente sua interioridade e ama apaixonadamente a todos.

Para criar esta possibilidade é que emergiu o ser humano. Até

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24 o presente não desempenhou bem esta sua funcionalidade. Isso se deve

menos ao fato de ser bom ou ruim, mas ao fato de ser imaturo e ainda

inconsciente de sua verdadeira missão cósmica. Como bem disse Miriam

Therese MacGillis num impressionante videoteipe de 5 horas The Fate of the

Earth: “Parece que a Terra está saindo de sua fixação juvenil consigo

mesma e com os seus poderes na direção de um nível novo e mais

complexo de maturidade, rumo ao degrau a partir do qual eu e você fizemos

o salto de qualidade, quer dizer, a Terra por nós fez esse salto”.

Todo o processo pedagógico deve culminar nesta conscientização que

confere ao ser humano, homem e mulher, um alto significado universal. A

partir desta conscientização fica claro que o valor supremo e global é

salvaguardar o planeta Terra e com ele o universo e garantir aquelas

condições que o cosmos construiu em 15 bilhões de anos de trabalho para

que toda a vida possa manter sua tendência interna que é se realizar, se

reproduzir e progredir, especialmente no que entendemos como a vida

humana.

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CONCLUSÃO

Vamos alimentar nossas esperanças!

“Fluem unidas uma consciência ecológica e uma

consciência espiritual profunda.” (F. Capra)

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Tanto o cientista como o artista dão fé de nosso

desconhecimento do planeta Terra e, por conseguinte, da pobre dimensão

planetária que temos.

Os tempos apresentam-se trevosos. A Globalização capitalista

que acentua a dominação, exploração e manipulação por parte dos

poderosos. Xenofobia explícita em algumas regiões do Globo e dissimulada

em outras aparentemente mais democráticas. Desequilíbrio econômico

generalizado, gerado pelas especulações de investidores que visam

enriquecer a qualquer custo. Guerras localizadas levando sofrimento e

crueldade a vários pontos de todos os continentes. Reações terroristas

gerando medo e insegurança em toda parte. Domínio generalizado de um

ideal consumista que, descontroladamente, gera a destruição progressiva

dos recursos naturais. Exclusão social das minorias com desprezo a seus

ideais e às suas necessidades e dignidade.

São tantos problemas vivos no mundo que, muitas vezes, não

conseguimos vislumbrar uma pontinha de luz no fim do túnel sem

pensarmos num trem vindo na contramão! Assumir uma postura de esperança diante disso tudo é vital!

Não podemos nos esquecer de que a postura de educador não pode de

forma alguma ser pessimista. O educador deve ser alguém que ame a sua

condição humana e, por conseguinte, as novas gerações e por extensão,

toda a humanidade.

Cumpre buscarmos formas de reverter essa situação, de

inverter esses valores, de construirmos a re-humanização da espécie

humana.

Para tanto, urge a valorização de questões e paradigmas

voltados para o estabelecimento de uma sustentabilidade mundial da Terra e

de cada um dos entes que a habitam, pautada no equilíbrio, na inserção

social, na paz e na liberdade para todos e para o todo.

É preciso iniciar-se uma reflexão acerca de nossas próprias

atitudes em nosso cotidiano familiar, em nossa prática profissional e em

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27 nossa concepção de um conceito tão desgastado e ao mesmo tempo tão

atual e necessário que o da cidadania. Mas não uma cidadania regionalista

ou nacionalista, e sim uma cidadania comprometida com cada ser humano

vivente – e por viver – em nosso Planeta. Uma cidadania planetária.

A Carta da Ecopedagogia se refere a Terra como um

organismo vivo, que age e interage em consonância com estímulos que

recebe de todo seu entorno universal – estímulos que vêm de fora – e

estímulos que recebe de sua própria superfície, como conseqüência das

ações levadas a cabo por seus habitantes. Se não há muito o que fazer

quanto aos estímulos externos, grande é a quantidade de ações que se

pode implementar desde já no que diz respeito aos estímulos que os

homens têm aplicado ao nosso Planeta.

Parece senso comum que ao falar-se em sustentabilidade e

preservação ambiental, remete-se o pensamento às ações que os governos,

as grandes empresas, grandes organizações não governamentais; podem e

devem implementar como formas de combate à poluição, à destruição e

degradação do mundo. De fato essas ações são importantes e necessárias,

mas não bastam em si mesmas.

“A consciência planetária deve supor o respeito pelo

semelhante, independentemente de quem ele seja e de onde ele esteja”.

Uma postura consciente deve permear todas as ações de

nosso dia-a-dia, desde as mais simples até as mais complexas. Ações que

vão do banho mais rápido como forma de não disperdiçar água, até o

engajamento em projetos de luta pela igualdade e a inclusão social das

minorias de nossa sociedade próxima e/ou global.

Experiências cotidianas simples como um sopro de respiração,

a água da manhã no rosto ou uma corrente de ar fresco, fundamentam as

relações consigo mesmo e com o mundo. A tomada de consciência dessa

realidade é profundamente formadora. O meio ambiente forma tanto quanto

ele é formado ou deformado. Precisamos de uma ecoformação para

recuperarmos a consciência dessas experiências cotidianas. Na ânsia de

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28 dominar o mundo, elas correm o risco de desaparecer do nosso campo de

consciência, se a relação que nos liga a ele for apenas uma relação de uso.

Para quem é educador, principalmente, a formação de

cidadãos planetários deve ser uma preocupação constante, meio que

natural, em cada atividade de sala de aula. Uma formação que transcenda a

teoria, o discurso do professor, e se materialize nos seus exemplos diante

dos educandos.

Se o trabalho do educador for pautado no interesse universal

da humanidade, já estar-se-á iniciando um trabalho fundamentado naquela

Pedagogia comprometida com a “esperança” que tanto buscamos de um

mundo melhor. Uma Pedagogia preocupada, voltada para o equilíbrio do

homem no ambiente onde vive, com seu semelhante, com a Terra e todas

as espécies que a habitam; comprometida com um bem estar sócio-cósmico.

Uma Ecopedagogia.

“A Ecopedagogia oferece ao homem a possibilidade de uma

mudança radical de mentalidade em relação à qualidade de vida e ao meio

ambiente”. Uma formação de cidadãos com consciência local e planetária

que valorizem a autodeterminação dos povos e a soberania das nações.

Se a escola é a instituição social responsável pela socialização

das novas gerações e pela produção dos saberes necessários a esse

processo socializador, em seu seio devem-se sedimentar as bases de um

conhecimento comprometido com a qualidade de vida dos sujeitos sociais,

pautados na convivência harmoniosa de todas as diferenças que propôem

aquilo a que estamos nos referindo como cidadania planetária.

A aplicação universalista que se deseja atribuir a esse conceito

de cidadania planetária busca a igualdade entre todos os homens e não

aceita que apenas alguns sejam cidadãos. Todos são naturais da grande

“mãe” Terra e são inaceitáveis a escravidão e a subserviência em qualquer

circunstância.

A Ecopedagogia não objetiva massificar e mundializar uma

determinada cultura, um determinado molde onde todos devam se encaixar

para viver. Antes pretende oferecer subsídios para ações educativas que

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29 respeitem a cultura local ao mesmo tempo em que não exclua, enquanto

valor, a cultura de todos aqueles que sejam “diferentes”; que respeitem,

tolerem e se harmonizem com o diverso. A sustentabilidade da vida no

planeta clama por atitudes dessa monta: atitudes que militem efetivamente

em direção, em defesa, da inclusão social e nas lutas contra a exclusão.

Trabalhando-se consciente de que se pode semear na

atividade educativa a construção de uma nova ordem mundial, aprendendo-

se e apreendendo-se uma visão planetária do mundo, assumindo-se para a

própria vida uma filosofia voltada para essa consciência holística e

mundializadora da cidadania; estar-se-á implementando valores básicos no

desempenho das funções docentes que se dêem em consonância com a

Ecopedagogia.

A boa vontade como condição de humanidade diante da lida

com os conflitos, a vontade de prosseguir vivendo harmonicamente apesar

de toda e qualquer diferença, buscando a convergência dos interesses de

todos é o caminho esperançoso a se trilhar.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO 5

CAPÍTULO I 8

O QUE É ECOPEDAGOGIA E EDUCAÇÃO SUSTENTÁVEL 9

CAPÍTULO II 12

A ESCOLA ENSINA UM MUNDO COMO ELE NÃO É 13

CAPÍTULO III 18

UMA PEDAGOGIA PARA A GLOBALIZAÇÃO 19

CONCLUSÃO 25

BIBLIOGRAFIA 30

ÍNDICE 32