Uma Visão Sistêmica Do Processo Criador

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  m  a  n  u  s  c r í   t i   c  a Célia Nunes Silva / Universidade Federal da Bahia Sílvia Maria Guerra Anastácio /Universidade Feder al da Bahia No man is an island, intire of it self; every man is a peece of  the continent, a part of the maine (...). any mans death diminishes me, because I am involved in the mankinde... 1 No poet, no artist of any art, has his complete meaning alone. His significance, his appreciation is the appreciation of his relation to the dead poets and artists. The necessity that he shall conform, that he shall cohere, is not one sided (...). The existing monuments form an ideal order among themselves,  whi ch i s mo dif ied by the int rod uct ion o f th e ne w (t he r eal ly new) work of art among them. The existing order is complete before the new work arrives; for order to persist (...) the whole existing order must be (...) altered; and so the relations, proportions, values of each work of art toward the whole are readjusted; and this is conformity between the old and the new (...). The past should be altered by the present as much as the present is directed by the past... 2 Uma visão sistêmica do  p r o c e s s o c ri ador 1. DONNE, John apud POORE, Charles (ed.). The Hemingway reader.  Ne w  York: Ch arle s S crib ner ’s So ns, 196 8, p. 5 19. 2. BRADLEY , Sculley et alii. The American t radition in Literature .  New York: Norton Book, 1990, pp. 1270-1. 03 Ateliê.pmd 7/5/2010, 13:25 10

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crítica genética; processos de criação

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  • manuscrtica

    Clia Nunes Silva / Universidade Federal da BahiaSlvia Maria Guerra Anastcio /Universidade Federal da Bahia

    No man is an island, intire of it self; every man is a peece of

    the continent, a part of the maine (...). any mans death

    diminishes me, because I am involved in the mankinde...1

    No poet, no artist of any art, has his complete meaning alone.

    His significance, his appreciation is the appreciation of his

    relation to the dead poets and artists. The necessity that he

    shall conform, that he shall cohere, is not one sided (...). The

    existing monuments form an ideal order among themselves,

    which is modified by the introduction of the new (the really

    new) work of art among them. The existing order is complete

    before the new work arrives; for order to persist (...) the whole

    existing order must be (...) altered; and so the relations,

    proportions, values of each work of art toward the whole are

    readjusted; and this is conformity between the old and the

    new (...). The past should be altered by the present as much

    as the present is directed by the past...2

    Uma viso sistmica doprocesso criador

    1. DONNE, John apud POORE, Charles (ed.). The Hemingway reader. NewYork: Charles Scribners Sons, 1968, p. 519.

    2. BRADLEY, Sculley et alii. The American tradition in Literature. New York:Norton Book, 1990, pp. 1270-1.

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    INTRODUZINDO A ABORDAGEM SISTMICA E O MODELOCIBERNTICO

    A VISO sistmica parte do pressuposto de que existeuma inter-relao e interdependncia em todos os fe-nmenos fsicos, biolgicos, psicolgicos, sociais ouculturais , e que as propriedades essenciais de um or-ganismo ou sistema vivo so propriedades de um todo,de um conjunto. Elas surgem das interaes e das rela-es entre as partes. Essas propriedades so destrudasquando o sistema dissecado em elementos isolados,quer fsico ou teoricamente3.

    Segundo uma concepo predominantemente me-canicista da vida, o funcionamento dos organismos vi-vos comparado ao das mquinas. A comparaojustifica-se, at certo ponto, pelo fato de os organis-mos vivos agirem, em parte, como mquinas (compos-tas de ossos, msculos, circulao sangunea) e,provavelmente, porque entender o funcionamento me-cnico deve ter parecido importante para a evoluo dacincia. Na verdade, a descrio mecanicista pode sertil e necessria, mas torna-se perigosa se for tomadacomo uma explicao completa e suficiente para se en-tender os fenmenos em geral. Isto porque no se podereduzir o organismo vivo apenas s suas propriedadesmecnicas. H de se considerar, tambm, a sua natu-reza sistmica. Assim, evidentemente que o organismo um sistema vivo e no uma mera mquina.

    A abordagem sistmica enfatiza princpios bsicosde organizao, v o mundo em termos de relaes e

    3. Capra, F. A teia da vida. Uma nova compreenso cientfica dos sistemasvivos. So Paulo: Cultrix, 1999, p. 40.

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    de integrao, enfim, como uma teia complexa deinterconexes constituindo totalidades integradas, cujasestruturas resultam das interaes e interdependnciade suas respectivas partes. As propriedades sistmicasdesaparecem quando um sistema observado em seuselementos isolados e a cincia sistmica mostra que ossistemas vivos no podem ser compreendidos por meiode uma anlise mecanicista redutora. Em realidade, aspropriedades das partes no so propriedades intrnse-cas, mas s podem ser entendidas dentro do contextode um todo maior, sendo que uma caracterstica im-portante dos sistemas a sua natureza dinmica4. Suasformas no so estruturas rgidas, mas manifestaesflexveis. Enfatiza-se, portanto, o processo e no as en-tidades isoladas como costumava ocorrer na abordagemtradicional, predominantemente mecanicista.

    ANALOGIAS TEIS PARA CLAREAR CONCEITOS

    Deve-se recordar que o mecanismo de um relgioserviu de modelo para a filosofia mecanicista descritapor Descartes e Newton, no sculo XVII. Mas h di-ferenas fundamentais entre as mquinas e os orga-nismos vivos, tais como:

    a mquina construda permanece tal como fora conce-bida, enquanto os organismos vivos crescem e se mo-dificam, o que significa que necessrio compreender oprocesso que reflete a organizao e a evoluo de umsistema vivo;

    4. Ibidem, p. 46.

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    o funcionamento das mquinas ditado por sua es-trutura, enquanto, no caso dos organismos, a estruturaorgnica aparece determinada por seu respectivo pro-cesso de funcionamento; a mquina pode ser construda reunindo-se e mon-tando-se um nmero definido de peas de um modopreciso, previamente estabelecido, enquanto os orga-nismos tm flexibilidade e plasticidade interna; o formato dos elementos que compem os organismospode variar dentro de certos limites e no h dois orga-nismos com peas rigorosamente iguais; embora oorganismo como um todo exiba regularidades e com-portamentos definidos, as relaes entre as partes noso rigidamente determinadas, como no caso das m-quinas, mas h uma ordem nos organismos resultantede atividades coordenadas que no constrangem as par-tes, permitindo uma margem para variao, paraflexibilidade, habilitando esses organismos vivos a seadaptarem s novas circunstncias;

    as mquinas funcionam de acordo com cadeias linea-res de causa e efeito, de modo que, quando sofrem umaavaria, o dano pode geralmente ser identificado comouma causa nica para tal defeito, enquanto os organis-mos so guiados por modelos cclicos de fluxo de infor-mao, conhecidos como laos de realimentao, equando um sistema sofre avaria, esta , com frequncia,causada por mltiplos fatores que podem ampliar-se re-ciprocamente atravs de laos interdependentes de rea-limentao; irrelevante, pois, saber qual desses fatoresfoi a causa inicial do colapso e problemtico, at mesmofrustrante, observar as tentativas de a cincia associarcausas nicas a fenmenos especficos, como tambm

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    parece falacioso defender-se o determinismo genticoadvogando que as vrias caractersticas fsicas ou men-tais de um organismo individual so controladas ou di-tadas por sua constituio gentica.

    Para a viso sistmica no h, portanto, causas ni-cas que determinam os fenmenos, mas diversos fato-res so partes integrantes de um todo ordenado e seadaptam sua organizao sistmica. O que se podeconcluir desse cotejo entre os organismos vivos e asmquinas que os sistemas vivos so auto-organiza-dos. Sua estrutura e seu funcionamento so reguladospelo prprio sistema, apesar de este interagir continu-amente com o meio, mas tal interao no determina asua organizao. Assim, a autodeterminao do orga-nismo vivo regulada especialmente por duas caracte-rsticas: a autorrenovao, que a capacidade do sistemavivo de renovar e reciclar continuamente seus compo-nentes, sem deixar de manter a integridade da prpriaestrutura global; e a autotranscendncia, que a capa-cidade de se dirigir criativamente para alm das fron-teiras fsicas e mentais dos processos de aprendizagem,conhecimento, desenvolvimento e evoluo.

    A relativa autonomia dos sistemas auto-organiza-dores projeta uma nova luz sobre a questo do livre-arbtrio. Do ponto de vista sistmico, o determinismoe a liberdade so conceitos relativos. Na medida emque um sistema autnomo em relao ao seu meioambiente, ele livre; na medida em que depender dele,atravs de uma interao contnua, sua atividade sermodelada por influncias ambientais. A relativa auto-nomia dos organismos geralmente aumenta com suacomplexidade e atinge o auge nos seres humanos.

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    As tradies msticas exortam seus adeptos a trans-cenderem a noo de um eu isolado e a tomarem cons-cincia de que somos partes inseparveis do cosmo emque estamos inseridos. Para elas, o objetivo o com-pleto desprendimento de todas as sensaes do ego e aexperincia mstica busca uma fuso com a totalidadedo cosmo. Uma vez alcanado esse estado, a questodo livrearbtrio parece perder todo o seu significado.Para o mstico, se cada indivduo o prprio universono pode haver influncias exteriores e todas as aesso espontneas, so livres. Portanto, para o mstico, anoo de livrearbtrio relativa, limitada e ilusria,como todos os outros conceitos que se usam para des-crever os fenmenos.

    Tambm importante registrar que os organismosso sistemas abertos, ou seja, mantm uma troca cont-nua de energia e matria com o seu meio ambiente a fimde permanecerem vivos. Essa troca envolve a assimila-o de estruturas ordenadas, como o alimento, decom-pondo-as e usando alguns de seus componentes paramanter ou mesmo aumentar a ordem do organismo. Esseprocesso conhecido como metabolismo. Permite que osistema permanea num estado distante do equilbriotermodinmico, estando sempre em atividade5.

    Por outro lado, os sistemas vivos no esto em equi-lbrio esttico, pois possuem um alto grau de estabili-dade dinmica. Consiste em manter a mesma estruturaglobal apesar de mudanas e substituies contnuasde seus componentes. Ilya Prigogine, prmio Nobel de

    5. CAPRA, F. As conexes ocultas. Cincia para uma vida sustentvel. So Paulo:Cultrix, 2002, p. 48.

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    Qumica, desenvolveu uma teoria dinmica para des-crever o comportamento desses sistemas. Prigoginechamou a esses sistemas de estruturas dissipativas paraexpressar o fato de que elas mantm e desenvolvem umaestrutura mediante a decomposio de outras estrutu-ras no seu processo de metabolismo, criando assim aentropia (desordem) subsequentemente dissipada naforma de produtos residuais degradados6.

    A autorrenovao um aspecto essencial do orga-nismo vivo. As clulas dividem-se e geram estruturas,tecidos e rgos em ciclos contnuos. Esses processosde renovao so regulados de modo que o padro ge-ral do organismo se preserve e tal capacidade de auto-manuteno persiste em uma grande variedade decircunstncias, incluindo a mudana de condies am-bientais, bem como outras interferncias7. Uma m-quina enguiar se suas peas no funcionarem damaneira rigorosamente predeterminada, mas um orga-nismo manter seu funcionamento num ambiente va-rivel, permanecendo em condio operacional eregenerando-se atravs da cura. O poder de regeneraodas estruturas orgnicas diminui com a crescente com-plexidade do organismo e apesar da sua capacidade derenovao, o organismo no funciona indefinidamen-te. Ele envelhece e, finalmente, sucumbe, morre.

    Qualquer sistema vivo pode ser descrito em termosde variveis interdependentes, cada uma das quais sealtera dentro de uma ampla faixa. Assim, o sistema

    6. PESSIS-PARTERNAK et al. Do caos inteligncia artificial. Entrevistas comIlya Prigogine e outros cientistas. So Paulo: UNESP, 1993, p. 35.

    7. CAPRA, F. Op. cit., p. 50.

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    funciona em estado de contnua flutuao, at mesmoquando no existe grande perturbao, ou seja, ele temuma grande flexibilidade que lhe permite um maior n-mero de opes para interagir com seu meio ambiente.Quando ocorre alguma perturbao, o organismo ten-de a regressar ao seu estado original atravs de meca-nismos de realimentao que entram em funcionamentoe tendem a reduzir qualquer desvio do estado de equi-lbrio. Trata-se da realimentao negativa. Mas existetambm a realimentao positiva, que amplia certosdesvios em vez de amortec-los. A realimentao posi-tiva importante nos processos de desenvolvimento,aprendizagem e evoluo8.

    A capacidade de adaptao a um meio ambiente va-rivel uma caracterstica essencial dos organismosvivos. H trs modos de adaptao que crescem em fle-xibilidade e decrescem em reversibilidade. So eles:1. mudanas rapidamente reversveis ao estresse; 2. mu-danas somticas para enfrentar estresse contnuo;3. mudanas genotpicas, que levam adaptao dasespcies ao processo de evoluo. A capacidade de adap-tao evolutiva s mudanas ambientais pode ocorreratravs de mutaes genticas e tambm pelo poten-cial de autotranscendncia inerente a todos os orga-nismos vivos, independente de qualquer presso am-biental.

    Por sua vez, os organismos esto inseridos em ecos-sistemas, mas so eles prprios ecossistemas comple-xos, contendo uma infinidade de organismos menores

    8. CAPRA, F. O ponto de mutao. A cincia, a sociedade e a cultura emergente.So Paulo: Cultrix, 1982, p. 268.

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    que possuem uma considervel autonomia9. No entan-to, integram-se harmoniosamente no funcionamentode um todo. Artur Koesler cunhou o termo holon, dogrego holos, que significa todo; este aqui acrescidodo sufixo on, que sugere uma partcula ou parte10. As-sim, a palavra holon contm, ao mesmo tempo, a partee o todo.

    Nem sempre fcil determinar a fronteira entre oorganismo vivo e o seu meio ambiente, apesar de osorganismos vivos serem relativamente autnomos doecossistema em que esto inseridos. Alguns organis-mos podem ser considerados vivos somente quandoesto num certo meio ambiente; outros pertencem asistemas maiores e se comportam mais como um orga-nismo autnomo; ainda outros colaboram para a cons-truo de grandes estruturas que se convertem em ecos-sistemas que, por sua vez, sustentam centenas deespcies. O vrus, por exemplo, autossuficiente so-mente em parte, estando vivo apenas em uma acepolimitada, j que se mostra incapaz de funcionar e mul-tiplicar-se fora das clulas vivas. Fora delas, o vrus nomostra sinais aparentes de vida, mas quando penetraem uma clula viva capaz de usar a maquinaria bio-qumica da clula para construir novas partculas vir-ticas, de acordo com as instrues codificadas em seuADN ou ARN num ritmo frentico, levando inclusive destruio da prpria clula durante este processo,provocando, consequentemente, a doena.

    9. CAPRA, F. As conexes ocultas. Cincia para uma vida sustentvel. So Paulo:Cultrix, 2002, p. 46.

    10. MINUCHIN, S. Sistemas familiares. Funcionamento e tratamento. PortoAlegre: Artes Mdicas, 1998, p. 23.

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    s vezes, os animais se coordenam em compactassociedades de maior complexidade. o caso dos inse-tos sociais abelhas, vespas, formigas que formamcolnias, cujos membros so to interdependentes eesto em contato to estreito uns com os outros, quetodo o sistema parece ser um grande organismo demuitas criaturas. Abelhas e formigas so incapazes desobreviver em isolamento, mas, em grande nmero,atuam quase como as clulas de um organismo com-plexo dotado de inteligncia coletiva e capacidade deadaptao superior quela de seus membros individuais.Essa estreita coordenao de atividades existe no sentre indivduos da mesma espcie, mas tambm entreseres diferentes, e os sistemas de vida resultantes pos-suem as caractersticas de organismos singulares. Essefenmeno conhecido como simbiose e est difundidopor todo o mundo vivo. No mundo vivo frequente estaassociao dos organismos para estabelecer de vnculose haver cooperao. Tal como os organismos individuais,os ecossistemas so sistemas auto-organizadores e autor-reguladores nos quais determinadas populaes de orga-nismos sofrem flutuaes peridicas. Num ecossistemaequilibrado, animais e plantas convivem numa combina-o de competio e mtua dependncia. A maioria dasrelaes entre organismos vivos essencialmente coope-rativa, caracterizada pela coexistncia e pela a interdepen-dncia. Embora haja competio, esta geralmente ocorrenum contexto mais amplo de cooperao, de modo que osistema maior mantido em equilbrio.

    Outra tendncia do princpio de auto-organizao queocorre nos sistemas vivos formar estruturas de mlti-plos nveis, que diferem em sua complexidade. Em cada

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    nvel de complexidade, as partes menores formam siste-mas integrados e atuam ao mesmo tempo como partesde totalidades maiores. Os sistemas estratificados, doponto de vista evolutivo, tm uma probabilidade maiorde sobrevivncia do que os sistemas no-estratificadosporque, em casos de graves perturbaes, podem sedecompor em vrios subsistemas e no serem comple-tamente destrudos. J os sistemas no-estratificados,se sofressem uma avaria, desapareceriam totalmente eteriam que comear a evoluir de novo, a partir da esta-ca zero. Em cada nvel existe um equilbrio dinmicoentre as tendncias autoafirmativas e integrativas,atuando todos os holons como interfaces e postos derevezamento entre os vrios nveis sistmicos.

    Estudos detalhados do modo como a biosfera pare-ce regular a composio qumica do ar, a temperaturana superfcie da Terra e muitos outros aspectos do meioambiente planetrio levaram o qumico James Lovelocke a microbiloga Lynn Margulis a sugerir que taisfenmenos s podem ser entendidos se o planeta, comoum todo, for considerado um nico organismo vivo.Esses dois cientistas chamaram a essa hiptese de Gaia,o nome dado deusa grega da Terra11.

    A auto-organizao pode apresentar-se por duas ou-tras caractersticas: a autoconservao, que inclui os pro-cessos de autorrenovao, cura, homeostase e adaptao;e o outro o processo de autotransformao e auto-transcendncia, um fenmeno que se expressa nos pro-cessos de aprendizagem, desenvolvimento e evoluo.Os organismos vivos tm um potencial inerente para

    11. CAPRA, F. A teia da vida. Uma nova compreenso cientfica dos sistemasvivos. So Paulo: Cultrix, 1999, p. 90.

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    se superar a si mesmos a fim de criarem novas estrutu-ras e novos tipos de comportamentos.

    Os sistemas vivem em homeostase, um estado deequilbrio dinmico caracterizado por flutuaesmltiplas e interdependentes. Quando o sistema per-turbado, tende a voltar estabilidade por meio demecanismos de realimentao negativa, que tendem areduzir o desvio. Outra possibilidade que os desviospossam ser internamente reforados atravs da reali-mentao positiva, em resposta a mudanas ambientaisou espontaneamente sem qualquer influnciaexterna. A estabilidade dos sistemas vivos nunca ab-soluta. Ela persistir enquanto as flutuaes semantiverem abaixo de um nvel crtico, mas qualquersistema est sempre pronto a transformar-se e semprepronto a evoluir. E dentro dessa dana de homeostasee transformao, que o modelo ciberntico se associa viso sistmica dos fenmenos para enriquec-la12.

    A VINCULAO DO MODELO SISTMICO-CIBERNTICO DINMICA DO PROCESSO CRIADOR

    O termo ciberntica tem a sua origem no gregoKybernetike, que significa arte depilotar e no latim, Sibu,que quer dizer pequena quantidade de alimento. Pos-teriormente, passou a significar governo13. Em 1940, oestudioso Norbert Wiener usou o termo para identifi-car o modelo cientfico que encampava diversas reas do

    12. Ibidem, p. 61.13. VASCONCELLOS, M. J. E. Terapia familiar sistmica. Bases cibernticas. Rio

    de Janeiro: Editorial PSY II, s.d., p. 75.

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    saber humano (especialmente conceitos de informaoe de organizao), adotando uma viso sistmica da rea-lidade e contestando, consequentemente, a perspectivareducionista da poca. A viso tradicional buscavaexplicar os fenmenos observados com uma perspecti-va linear, dentro de uma lgica de causa e efeito,privilegiando uma abordagem objetivista (doutrina queafirma existirem normas objetivas de validade geral).Coincidia, naturalmente, com os estudos cientficos queenfatizavam uma viso mecanicista da realidade, acredi-tando serem as disciplinas saberes estanques, e noadotando, portanto, uma perspectiva que inclusse umainterao entre os diversos campos do saber. Estas seopunham, ento, viso do movimento ciberntico comosistmico, cujo funcionamento s pode ser compreendidoem termos de relaes e integraes de seus elementos,uma perspectiva que serviu tambm, para que se compre-endesse melhor as cincias humanas. Dentro de umsistema, portanto, os elementos devem ser tomados noseu fluxo dinmico e numa viso de conjunto, no isola-damente. Assim, o pensamento sistmico processual edinmico.

    O antroplogo Gregory Bateson, que deu contribui-es relevantes no campo da ciberntica, a encarava comouma nova cincia da forma, do padro e da ordem14.Definiu o ser humano como um sistema em busca dahomeostase, do equilbrio, viso mais adequada paradescrever a ciberntica de primeira ordem, que data dadcada de 1940 ao final dos anos 1960 a 1970. Privile-giava o estudo dos mecanismos e processos homeostti-

    14. Ibidem, p. 99.

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    cos, pregando que os sistemas estariam sempre em buscade tal homeostase; sempre procurando um equilbrio est-tico e temendo qualquer desestabilizao, crise ou desor-dem. Acreditava, tambm, que o fenmeno observadoera independente do seu observador.

    Mas dentro desse espao, onde ficaria o criador, se opapel do artista , frequentemente, o de desequilibrar osistema observado para que este recupere um novo equi-lbrio? Na sua maneira alternativa, questionadora e diver-gente das expectativas sociais, no estaria o artista, comfrequncia, propondo novas metas que acabariam geran-do, em ltima anlise, a automanuteno de todo um equi-lbrio sistmico? Um equilbrio que seria tambmpropiciado pela incluso de um signo esttico privilegia-do ou uma nova obra de arte no sistema com o qual ocriador interage, na medida em que vai fazendo as suasmltiplas escolhas no caminho da criao. E onde fica oobservador, o fruidor dessa nova obra de arte? No fariaela parte do sistema observado? O fruidor compe essesistema ou permanece de fora? Ou, ainda, permanece defora e, ao mesmo tempo, compe o sistema observado, aopropor ajustes e releituras para tal sistema? Ou seralgum que tem uma viso distorcida do sistema, algumde fora que sustenta uma pseudoneutralidade, j que sesabe ser a neutralidade algo impossvel de se atingir?

    A ciberntica de segunda ordem, que marcou osestudos sistmicos mais recentes, desenvolve uma vi-so de sistemas que se situa distante do equilbrio, combase nas pesquisas do fsico Prigogine. Este concebe osorganismos dentro de um estado de complexidade queequivale a um caos fecundo, no qual a desordem ape-nas aparente, visto que h sempre uma ordem subja-

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    cente. Dentro dessa ciberntica de 2 ordem, os siste-mas podem funcionar sem equilbrio e no vivem embusca constante de homeostase.

    Tal abordagem inclui o observador como parte do sis-tema observado, que afeta e afetado por ele; o observa-dor se insere dentro de um equilbrio dinmico, vendo osigno esttico como algo em constante mutao e capazde se auto-organizar, de se autorregular, dentro de umpadro sistmico com leis prprias. H nesta cibernti-ca de 2 ordem, uma maior abertura, uma tolernciamaior em relao ao desvio, que no mais consideradocomo um perigo a ser evitado, mas como uma forma demudana, capaz de levar a um salto qualitativo e consa-grando uma nova arrumao do sistema.

    Afinal, quais seriam as ideologias subjacentes a cadauma dessas vises? A perspectiva da ciberntica deprimeira ordem estaria embutida de uma viso modernade observao do fenmeno, em que prevalece a buscade estabilidade, de homeostase e repdio ao desvio por-que a ideologia subjacente a de que h uma nicaverdade a ser buscada; logo, qualquer desvio, qualquercaminho alternativo deve ser evitado dentro de umaviso em que o observador e o fenmeno observado soelementos tomados separadamente. Um no se articulacom o outro, pois o observador est fora da realidadeque observa. Existiria, ento, uma nica realidade, umuni-verso que o cientista buscaria descrever.

    Ao contrrio, a viso ps-moderna defendida pelofilsofo contemporneo Michel Foucault a de que noh uma nica verdade, mas mltiplas verdades, ummulti-verso, mltiplos olhares possveis do mesmofenmeno. H, pois, maior flexibilidade, maior tole-

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    rncia ao desvio, complexidade, ao caos; dentro destalinha, os caminhos alternativos no so apenas aceitos, masbem-vindos e at encorajados. Dentro da abordagemfenomenolgica na contemporaneidade, a viso didicaobservador-fenmeno observado cai por terra, dandolugar a uma mnada. A um fluxo interativo contnuo, emque o observador est dentro do sistema, faz parte dele, eno s atinge o fenmeno, como por ele atingido;ambos se articulam, de fato, numa teia de relaes.

    Logo, de acordo com a viso sistmica da segundaciberntica, a evoluo acontece longe do equilbrio edesenrola-se atravs de uma interao de adaptao ecriao. Alm disso, a teoria dos sistemas considera que omeio ambiente , em si mesmo, um sistema vivo capaz deadaptao e evoluo, e consequentemente, o foco trans-fere-se da evoluo de um organismo para a coevoluode um organismo com o meio ambiente. Ademais, a coe-voluo de uma viso microcsmica e de uma visomacrocsmica do problema de especial importncia, poisa partir de uma perspectiva microscpica, a vida cria ascondies macroscpicas para sua evoluo subsequente;e a partir de uma outra perspectiva, a biosfera macrosc-pica cria sua prpria vida microscpica.

    Quando um sistema se torna instvel, ele pode evoluirpara novas estruturas e quanto mais o sistema se distanciardo equilbrio, mais opes existiro. impossvel preverqual dessas opes ser escolhida. Assim, a autonomia dossistemas acarreta que este complexo processo evolutivoseja basicamente aberto e indeterminado. Essa viso comungada pelo terico Bertalanffy15, que afirmava que

    15. BERTALANFFY, L. The meaning of general system theory. New York:Braziller, 1968, p. 33.

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    16. WATZLAWICK, P. et al. Pragmtica da comunicao humana. So Paulo:1967, p. 110.

    os sistemas seriam complexos de elementos colocadosem interao, que conduziriam a nmero aberto de es-colhas e caminhos criativos apontando para os mais di-versos ramos do saber. Parte-se do pressuposto de que emtoda organizao, em todo o comportamento social hu-mano existem leis ou padres subjacentes, segundo os quaisos fenmenos estudados devem ser vistos dentro de umarede de interconexes. No caso de os elementos analisa-dos serem indivduos humanos e seus respectivos dossisgenticos, o que importa considerar so os comporta-mentos comunicativos dos criadores e as operaes re-correntes indiciadas em um determinado processogentico. Os elementos desse sistema sgnico abertoque constitui a grande aventura criativa, ou melhor, dossistemas interacionais a implicados seriam descritoscomo pessoas-comunicando-com-outras pessoas e com-manuscritos-comunicando-com-outros-documentos-de-processo inter-relacionados numa trajetria gentica.Neste caso, o que importante no seria to somente ocontedo da comunicao per se, mas, o aspecto relacionalda comunicao, da construo gentica em apreo16.

    Numa sequncia comunicacional, toda e qualquertroca de mensagens restringe o nmero de possveismovimentos subsequentes. Nas comunicaes e oprocesso de criao um processo comunicativo oselementos analisados so vistos numa cadeia sgnica emque cada um reage de certa forma dentro daquela rela-o de operaes genticas, podendo cada signo con-firmar, rejeitar ou modificar outros signos da cadeiasemitica em que esteja inserido. Nesse jogo de relaes,

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    h uma tendncia dos elementos a se estabilizarem atra-vs do que se chamou de regras das relaes.

    Pode-se observar que existem dois tipos de sistema:um aberto, no qual h trocas com o ambiente; e outrofechado, em que no h fluxo contnuo de material com-ponente com o meio que o circunda. H certas pro-priedades comungadas pelo sistema criativo como umsistema aberto , a serem destacadas no estudo dos sis-temas artificiais, biolgicos e sociais, tais como: a glo-balidade, a retroalimentao e a equifinalidade.

    A globalidade refere-se ao fato de, num sistema, aspartes no serem independentes, mas sim, interdepen-dentes, de modo que havendo uma mudana em umadas partes esta modificar todas as partes do sistemacomo um todo. Isto ocorre porque em um sistema, to-das as partes esto em interao; sem interao noexiste sistema, mas simplesmente a soma de entidadesseparadas. No sistema, faz-se necessrio negligenciaras partes pela gestalt e cuidar da sua organizao, dasua complexidade. O princpio da globalidade con-trrio ao de relaes unilaterais entre elementos, isto ,que o fenmeno A pode afetar B mas no o inverso.Assim, afirmar que o fenmeno A causa o comporta-mento do B ignorar o efeito do comportamento de Bsobre a reao subsequente de A.

    A teoria da comunicao chama de pontuao o darmais nfase a certos comportamentos ou a certas relaessgnicas em detrimento de outras to vlidas e relevantes. fcil perder-se de vista a globalidade da interao, de-compondo-a em unidades independentes e linearmentecausais, quando, em realidade, numa rede sgnica criativa,os elementos encaixam-se mutuamente.

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    A retroalimentao a propriedade do sistema que en-fatiza as relaes entre os elementos como sendo circularese no-lineares. O padro de circularidade sistmica leva correo do prprio funcionamento do sistema e deve-seconsiderar toda uma cadeia de eventos, no estes tomadosseparadamente. Privilegia-se, pois, no apenas uma visolinear, mas tambm dever-se- considerar uma perspectivamais complexa, segundo a qual toda a perturbao sobre osistema atingir a sua totalidade. Esta propriedade traz com-plexidade ao sistema e mostra que sua lgica e epistemologiaso descontnuas. Assim, os sistemas interpessoais docriador, bem como os elementos que compem a sua cria-o, o seu dossi gentico podem ser encarados comocircuitos de retroalimentao, dado que o comportamentode cada elemento afeta e afetado pelos demais.

    A retroalimentao refere-se s conexes entre aspartes, e tambm s estruturas bsicas dos elementos, forma como elas se relacionam. A retroalimentaopode ser positiva e negativa. A negativa caracteriza ahomeostase (estado de constncia) e, portanto, desem-penha um papel importante na realizao e manutenoda estabilidade da relao sgnica, quando vista sob atica da ciberntica de primeira ordem. A retroalimen-tao positiva, por outro lado, conduz s mudanas, isto, perda da estabilidade ou equilbrio. Em ambos oscasos, parte do produto de um sistema reintroduzidano interior do prprio sistema como informao, sen-do que esta nova informao interfere no sistema comoum todo. A diferena est em que, no caso da retroali-mentao negativa, tal informao usada paradiminuir o desvio do sistema, de um conjunto de nor-mas ou tendncias da o adjetivo negativo

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    enquanto no caso de retroalimentao positiva, a mesmainformao atua como medida para ampliar o desviodo produto, e, por conseguinte, positiva em relao tendncia j existente para um ponto de transformao oudisrupo, forando o sistema a uma mudana.

    A equifinalidade permite afirmar que, num sistemacircular, os resultados no sejam necessariamente deter-minados por suas condies iniciais, mas pela prprianatureza do processo ou por parmetros do prprio sis-tema. Von Bertalanffyafirma que esta a razo pela qualo mesmo estado final pode ser alcanado a partir decondies iniciais diferentes e por diferentes maneiras17.Assim, no s muitas condies iniciais diferentes ge-ram o mesmo resultado final, mas diferentes resultadospodem ser produzidos pelas mesmas causas. Por outrolado, esse corolrio se assenta na premissa de que os pa-rmetros do sistema predominaro sobre as suas condi-es iniciais e, na anlise de como os fenmenos se afetammutuamente em sua interao, mais importante ob-servar o padro atual do sistema sgnico estudado.

    Esse axioma tem grande relevncia no estudo do pro-cesso de criao, uma vez aplicado descrio de um dossigentico. O mais importante registrar o padro domi-nante daquele processo em particular para que se possaentender as leis que regem tal processo e, portanto, o estilodo criador. Uma vez obtido o padro, o estilo ser da facil-mente inferido. O pesquisador precisa, ainda, entender asoperaes e interconexes que compem uma determina-da relao sgnica para compreender como ela se relacionaa outras reas. Por outro lado, um sistema fechado no pos-

    17. Ibidem.

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    sui essa propriedade da equifinalidade, uma vez que seuestado final determinado pelas condies iniciais.

    Assim, os manuscritos de um determinado projetopotico compem um sistema e so governados por re-gras ou por leis que regulam aquele sistema criativo emparticular e que denunciam o estilo do criador. Oserros e rasuras dos manuscritos, que levam o criador atrilhar outros caminhos, funcionam como mecanismoshomeostticos operando para restabelecer o delicadoequilbrio do sistema18. De modo que a abordagem co-municativa do processo de criao obedece aos princ-pios de um sistema aberto, sendo cada campanhagentica o fruto de flutuaes na sua prpria estruturainterna que, por sua vez, conduzem uma obra em statusnascendi a um outro nvel organizacional. Ou levam ocriador a passar de uma a outra etapa no seu cicloevolutivo, o que ir gerar o aparecimento de flutuaestambm no seu estilo comunicacional.

    O universo constitudo por sistemas que depen-dem de outros sistemas e variam de tamanho. O apare-lho circulatrio um sistema contido dentro de outromaior, o homem. Esse sistema menor denominadode subsistema. Por sua vez, ao se falar em processo decriao, pode tambm haver subsistemas e suprasiste-mas. Tomando-se por base o artista, pode-se conside-r-lo em relao a subsistemas, como: outros criadores,inclusive aqueles que o antecederam e que de algummodo, tenham influenciado o seu processo potico; ouum grupo de amigos com quem se relacione; enfim,grupos de pessoas, at na prpria famlia, que compar-

    18. Ibidem, p. 122.

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    tilhem do seu cotidiano e influenciem a sua criao. Jcomo suprasistema, ter-se-ia o meio em que vive o ar-tista, seu contexto sociocultural ou uma determinadacomunidade a que pertena. Por outro lado, caso se tomecomo ponto de vista um outro nvel de observao, oda obra de arte em si, o subsistema pode ser compostode: grupos de rasuras de diferentes tipos, fragmentosmanuscritos, lotes de cartas escritas pelo artista a umamigo com quem fale de sua criao, ou seus dirios,seu conjunto de anotaes... E o que comporia o su-prasistema correspondente? Poderia ser toda a obra deum determinado criador, incluindo o conjunto de seusdossis genticos; ou um determinado projeto potico,que a depender do ponto de vista adotado, poderia serao mesmo tomado como um suprasistema, se conside-rado em relao s respectivas verses e manuscritosdaquele mesmo projeto, ou ento, um subsistema, seconsiderado em relao a outros subsistemas, comooutros projetos poticos do mesmo autor.

    Koesler, como j mencionado, usou o termo holonpara designar a relao das partes e do todo. Assim, oconceito de holon poderia abrigar, a um s tempo, ocriador, o seu meio, a comunidade em que est inseri-do e toda uma comunidade de criadores das maisdiversas pocas; ou um fragmento manuscrtico, umaverso de um determinado projeto potico, a obra deum criador. De modo que, integrar-se-iam a um s tem-po, um todo e suas respectivas partes. No um maisque o outro e sem que um rejeite ou entre em conflitocom o outro. Logo, o conceito de holon tanto enfatiza aautonomia e autopreservao do todo, como sugere umaenergia integradora s partes. Isto porque cada todo

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    contm a parte e cada parte contm o programa dotodo. Parte e todo contm um ao outro num processocontnuo, atual e corrente de comunicao, de inter-relao19.

    Assim, os sistemas vivos esto contidos uns dentrodos outros, mas no se misturampois so separados pormeio de fronteiras que garantem a identidade indivi-dual do sistema e os delimitam do meio ambiente aoseu redor. As fronteiras tm como funes: 1. delimitaro sistema contendo as partes em seu interior; 2. prote-ger o interior do sistema da ao desordenada doambiente; 3. estabelecer trocas entre o sistema e o meioambiente. A fronteira serve para: nutrir, defender, eordenar as trocas do sistema. Mas ao mesmo tempo, imprescindvel que a fronteira tenha certo grau de per-meabilidade e possa ento filtrar e permitir ou impedira entrada e sada de alguns subsdios. Quando as tro-cas so insuficientes o sistema entra em colapso. Asfronteiras de um subsistema so as regras que defineme protegem a diferenciao dos elementos que o com-pem e a negociao entre os subsistemas que podeser responsvel pelo desenvolvimento daquele deter-minado subsistema.

    A nitidez das fronteiras de um subsistema maisimportante do que a composio do subsistema. A ni-tidez das fronteiras pode variar entre dois extremos:fronteiras rgidas e difusas. Quando a fronteira rgi-da, a comunicao torna-se difcil e dever ocorrer umprejuzo para todo o sistema. Quando isso ocorre, oprocesso criativo cresce em autonomia e individuali-

    19. MINUCHIN, S. Sistemas familiares. Funcionamento e tratamento. PortoAlegre: Artes Mdicas, 1998, p. 23.

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    dade mas, perde em pertencimento, interdependnciae interconexo. quando o artista se isola de outroscriadores, das outras pessoas do seu convvio, duranteo processo criativo, o que acaba se refletindo na suaobra.

    Por outro lado, quando as fronteiras so difusas, osistema ganha em pertencimento e perde em autono-mia ou individualidade. A falta de diferenciao dosubsistema desencoraja a explorao autnoma, e quan-to s habilidades cognitivo-afetivas do criador, elas ten-dem a ficar inibidas. No caso da criao, a falta deindividualidade, quando tomada ao extremo, pode le-var a obras pouco diferenciadas, como o caso dos pl-gios (exemplo radical de falta de diferenciao).

    Em realidade, todos os sistemas sgnicos transitamao longo de um continuum, cujos polos so esses doisextremos, quer de fronteiras mais difusas ou aquelasexcessivamente rgidas. O emaranhamento ou desliga-mento representa uma preferncia por um tipo deinterao e pode essa preferncia variar ao longo dociclo evolutivo de cada criador. Assim, um determina-do subsistema pode tender para o emaranhamento, emum determinado momento, mas para uma posio maisdesligada a outro, em um outro momento20. No entan-to, os extremos dessa escala de interao (emara-nhamento x desligamento) podem indicar reas dedificuldades comunicacionais no processo de criao,deixando o criador com sentimentos de isolamento eabandono num dado momento difcil de sua vida.

    20. MINUCHIN, S. Sistemas familiares. Funcionamento e tratamento. PortoAlegre: Artes Mdicas, 1998, p. 60.

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    REFLEXES FINAIS

    A rede sgnica que constitui o processo de criao umsistema que opera atravs de padres transacionais. Tran-saes repetidas estabelecem padres de como, quando ecom quem os elementos do sistema se relacionam uns comos outros, entendendo-se que a recorrncia de certos pa-dres reforam o sistema e, consequentemente, apontampara o estilo do criador. Os padres transacionais marcame regulam, pois, a estrutura de determinado sistema.

    Pode-se perceber que, de um modo geral, o sistema ofe-rece resistncia mudana e busca manter os padres pre-feridos. Quando surgem situaes de desequilbrio dosistema, comum haver mudanas no estilo do criador enovas reivindicaes, novos traos sgnicos passam a serprivilegiados dentro daquele determinado sistema. Mas osistema deve ser capaz de se adaptar sempre s novas situa-es, quando acontece de as circunstncias mudarem.Nessa situao, faz-se necessrio mobilizar com flexibili-dade padres transacionais alternativos para que o criadorpossa responder adequadamente s mudanas emergentes,quer de natureza interna ou externa. O sistema deve ento,ser capaz de transformar-se para atender s solicitaesrequeridas e, ao mesmo tempo, manter a sua continuidade.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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