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FAPESP FCNDA<;:.:\O [ E AMPARO Á PESQL:ISA DO Esn.oo DE SÁO PACLO MANUELA CARNEIRO DA CUNHA (ORG.) FRANCISCO M. SALZANO NIÉDE GUIDON ANNA CURTENIUS ROOSEVELT GREG URBAN BERTA G. RIBEIRO LUCIA H. VAN VELTHEM BEATRIZ PERRONE-MOISÉS A '.TÓNIO CARLOS D E SOUZA LIMA ANTÓNIO PORRO FRANCE-MARIE RENARD-CASEVITZ ANNE CHRISTINE TAYLOR PHILIPPE ERIKSON ROBIN M. WRIGHT NÁDIA FARAGE PAÚLO SANTILLI MIGUEL A MENÉNDEZ MARTA ROSA AMOROSO TERENCE TURNER BRUNA FRANCHETID ARACY LOPES DA SILVA CARLOS FAUSTO MARY KARASCH MARIA HILDA B. PARAÍSO BEATRIZ G DANTAS JOSÉ AUGUSTO L. SAMPAIO MARIA ROSÁRIO G DE CARVALHO SILVIA M. SCHMUZIGER CARVALHO JOHN MANUEL MONTEIRO SONIA FERRARO DORTA HISTORI O S IN IOS N O BR SIL 2 edir iio 1 reimpressiio OMPANHIA DAS LETRAS SMC ECRET RI LJJ,ICIPALDE LLTLRA , . , , . U o l ~ O .. uN1C ºº''l uu10

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FAPESP

FCNDA<;:.:\O[ E AMPARO Á PESQL:ISADO Esn.oo DE SÁO PACLO

MANUELA CARNEIRO DA CUNHA (ORG.)FRANCISCO M. SALZANO

NIÉDE GUIDONANNA CURTENIUS ROOSEVELT

GREG URBANBERTA G. RIBEIRO

LUCIA H. VAN VELTHEMBEATRIZ PERRONE-MOISÉS

A '.TÓNIO CARLOS D E SOUZA LIMAANTÓNIO PORRO

FRANCE-MARIE RENARD-CASEVITZ

ANNE CHRISTINE TAYLORPHILIPPE ERIKSONROBIN M. WRIGHT

NÁDIA FARAGEPAÚLO SANTILLI

MIGUEL A MENÉNDEZMARTA ROSA AMOROSO

TERENCE TURNERBRUNA FRANCHETID

ARACY LOPES DA SILVA

CARLOS FAUSTOMARY KARASCH

MARIA HILDA B. PARAÍSOBEATRIZ G DANTAS

JOSÉ AUGUSTO L. SAMPAIOMARIA ROSÁRIO G D E CARVALHO

SILVIA M. SCHMUZIGER CARVALHOJOHN MANUEL MONTEIRO

SONIA FERRARO DORTA

HISTORI

OSIN IOSNO BR SIL

2 edir iio

1 reimpressiio

OMPANHIA DAS LETRAS

SMCECRET RI

LJJ,ICIPALDE LLTLRA, . , , . U o l ~ O.. uN1C ºº''l uu10

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Copyright 1992 byos Autores

Projeto editorial:NÚCLEODE HISTÓRIAINDÍGENAE DO INDIGENISMO

Capa e projeto gráfico:Moema{',avalcanti

Assistencia editorial:MartaRosa Amoroso

Edio;;áo de texto:OtacílioFernando NunesJr

Mapas:AlíciaRolla

TucaCapelossi

Mapa das etnias:ClariceCohn/mundoPeggion

Índices:BeatrizPerrone-Moisés

ClariceCohnlgar Theodoroda Cunha

/mundoPeggionSandraCristinada Silva

Pesquisa iconográfica:ManuelaCameiro da Cunha

MartaRosa AmorosoOsearCaláviaSaéz

BeatrizCalderaride Miranda

Revisii o:CarmenSimiiesda Costa

ElianaAntonioli

Dados lnternacionaisde Catalogac;ao na Publicac;áo uP)Ca.mara Brasileirado Livro, SP, Brasil)

92-1393

História dos índios no Brasilorganizac;ao Manuela Carneirod Cunha. - Sao Paulo : Companhia das Letras : Secretaria Municipal de Cultura : FAPESP, 1992

Bibliografia.ISBN 85-7164-260-5

l Índios da Américado Su l - Brasil - H is tór ial.Cunha, Manuela Carneiro da.

Índice para catálogo sistemático:l Brasil : Índios : História 980.41

2002

coo-980.41

Todosos direitos desta edi9ao reservadosaEDITOR SCHWARCZ LTDA.

Rua Bandeira Paulista, 702,ej 3204532-002 - Sao Paulo -SP

Telefone: 11) 3167-0801Fax: 11) 3167-0814www.companhiadasletras.com.br

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HISTÓRIA PÓS COLOMBIANADA ALTAAMAZÓNIA

nne Christine TaylorTradu9íio: Beatriz Perrone Moisés

Tanto do ponto de vista historiográficocomo do ponto de vista etnológico, associedades indígenas da Alta Amazonia padecem de urna tríplice margina

idade. Situadas no limite entre dois univeros - o andino e o amazónico - radicalmene separados nas tradic;:óes academicas que ali

mentam o americanismo, foram por muitoempo vistas como versóes bastardas dos mo

delos paradigmáticos construídos para cadaurna dessas tradic;:óes: desprovidas dos aparehos rituais e sociais que se acreditava serem

caracter ísticos das Tropical Fores t Cultures ,ambém lhes faltava o aparato material e políico das sociedades andinas· e assim, nao se

percebia nenhum interesse teórico em consagrar-lhes pesquisas. As margens dos dois impérios que moldaram os destinos da Américado Sul ocidental - o inca e o espanhol -

sempre foram profundamente afetadas pelahistória desses dois grandes focos sem, no e n

anto, deles participarem, a nao ser de modomuito indireto. Os historiadores nao tinham,portanto, nenhuma razao para dedicar-se aelas. Além disso, por estarem situadas numazona de fronteira entre Estados, nac;:óes e ordens religiosas, pagaram o prec;:o na carne eenquanto objeto de estudo, das aberrac;:óes induzidas por urna perspect iva agressivamentenacionalista ou apologética. Finalmente, a própri natureza conspira para esvaziar a densidade sociológica e histórica das sociedades da_\ ta Amazonia; tudo o que a geografia tem de

espetacular, diversificada e rica de sentido, apaisagem humana tem de sóbria, monocromá-

tica, desencorajadora por sua uniformidadecultural e sua proliferac;:ao étn ica incompreensível. A tentac;:ao de explicar urna pela outraou até substituir insidiosamente a sociologiapela topografia explica a impor tancia desmedida por muito tempo atribuída as determinac;:óes naturais na apreensao antropológicados grupos do oeste amazónico.

Contudo, o acúmulo de marginalidades quetanto pesou sobre a percepc;:ao científica dessas populac;:óes também lhes valeu algumasvantagens historiográficas inesperadas: fronteira significa conflito e conseqüentemente, registros. O litígio de fronteiras entre o Equa-dor e o Peru alimentou de modo especial importantes compilac;:óes de arquivos; 3 emmenor escala, as incursóes portuguesas, cadavez mais freqüente s e ousadas ao longo do século XVIII, suscitaram, nas pegadas das reformas bourbonianas, dezenas de projetos e relatórios militares, administrativos e eclesiásti

cos relativos a regiao.4

Paradoxalmente, adistancia entre o piemonte amazónico e oscentros do império espanhol garante-lhe urnapresenc;:a documental de qualidade excepcional, na medida em que, como todas as regióesmarginais de domínio espanhol, essa regiao fo¡entregue aos cuidados das missóes religiosas.Os jesuítas construíram ali urna grande missao, a de Maynas, cuja história foi várias vezescontada pelos cronistas da ordem. 5 Essas várias tradic;:óes historiográficas estao, ev identemente, centradas em épocas e regióes diferen

tes e orientadas por interesses contraditórios,o que torna difícil organizá-las dentro de urna

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214 IIJSTÓR A DOSÍl\DIOS 1 0 Bl\ASJL

visáo unificada e coerente.Em suma, os quadros de análise sáo mutiladores e truncados,mas a matéria-prima é relativamente abundante e variada.

Tal contexto científico exige algumas me

didas elementaresde higiene metodológica.Antesde mais nada, é precisoprocurar "desnaturalizar" a históriada Alta Amazónia e fugircomo da peste das falsas evidencias fornecidas pela geografia, a comeQar pelas diferenQas de altitude: a civilizaQáo náo flui necessariamentede cima para baixo, como se acreditou durante muito tempo, eum desnívelde2 mil metrosem si náo quer dizer nada. Namesma ordem de idéias, deveria ser evidenteque urna paisagem segmentada, difícilde percorrer para um ocidental, náo acarreta automaticamente a atomizaQáo sociológicaque táocomumente se atribui aos gruposda monta-ña. Em resumo, é precisoaprender a considerar o espaQO mais comoum resultado doque comoum dado, aindaque apenas a títuloheurístico,em vez de sempre reduzir a história a urna geografia achatada.Em segundolu-gar, convémabandonar os recortes espaciaise cronológicos provenientesde urna perspectiva centrada no Estado, naNaQáo, na lgrejaou nas terras altas dos Andes, e reconstituir

os conjuntos e redes de troca fragmentados pela historiografia antiga,de modo a ressaltarosobjetos e os ritmosde evoluQáO própriosdaárea considerada.6 Finalmente, é preciso buscar a unidadede perspectiva indispensável para urna abordagem histórica conseqüente, isto é, parcialem todos os sentidos;em outraspalavras, adatar um pontode vistafixo, que sirva para medir as variaQóes. Neste trabalho, obloco jivaro constituirá o foco implícito. Náoque este lhe seja consagradode modo exclusivo ou mesmo prioritário; mas é com referencia as suas características etnográficas e a suatrajetória históricaque avaliaremos a das outras populaQóesda regiáo. Issotambém explica a escolha dos limites geográficos atribuídosa Alta Amazónia aqui tratada,ou seja, a regiáoda montaña orientalcompreendida entre ali-nha do Equador e o 6 graude latitude sul,e do oeste ao leste,da vertente orientalda cordilheira afoz do rio Tigre; essa regiáo corresponde,grosso modo ao que era chamado de"missáo alta"de Maynase, portanto, a urna boaparte da Presidenciade Quito talcomo se encontravaem 1800.

A PAISAGEM CONTEMPORÁNEA

A metade setentrional dessa zona é hojeemdia muito menos "desenvolvida" doque a regiáo ao sul do Marañan. Alguns números bastam para avaliar a distancia: Puyo, a cidademais importante do piemonte equatoriano, nátem mais de 18 mil habitantes e a populaQáOnáo indígena da R E (Region AmazonicaEcuatoriana, território com urna superfíciede130 mil km2) náo passavade 270 mil pessoasno recenseamento de 1982 A. Colin Delavaud, 1982:38). Opiemonte ao sul do4' graude latitude sul, ao contrário, inclui,de Tarapoto a quitos, pelo menos cinco cidades commais de 20 mil habitantes ( quitostem maisde 230 mil habitantes) e a populaQáo totalda

área aqui considerada - onorte das províncias peruanas de San Martin ede Loreto, e odepartamento de Amazonas - ultrapassademuito o milháoH. Martinez, 1988:166).Demodo esquemático, nossa Alta Amazónia é demarcadapor dois pólosde desenvolvimento:ao norte, a principal zona petrolífera equatoriana, centrada em Lago Agrio, urnaboom-town trepidante e excepcionalmente sórdida,centrode urna áreade intensa colonizaQáo;aosul, a regiáode Moyobamba, cujo desenvolvimento,bem mais antigo masatualmente maislento do que o das cidades do Ucayali e doHuallaga, acelerou-se após aabertura da estrada Olmos-Bagua-Jumbilla, vetorde um flu-xo de imigrantesda sierra. Na regiáoentre oNapo e o Marañan, a frentede colonizaQáOaindaestá praticamente limitada a franja subandina,embora comece a penetrar na planície, entre Tena e Macas, graQas a urna infraestrutura viária longitudinal mais ou menos estável. Toda a regiáo compreendidaentre ajun-Qáo do Zamora e do Upano e do Marañan, acidentada e de difícil acesso, aindaestá bastante isolada;só se encontram ali alguns povoadosde urnacentena de famílias mestiQas. Mais perta do Marañan, as margens do baixo Cenepado Santiago inferior, a densidade populacional aumenta brutalmente, e entra-senuma outra escalade fenómenos: urna densa malha viária liga a cordilheira as terras baixas,por todos os ladoshá cidadesde milharesde habitantes e colonos - camponeses pobresda s r-

ra ou de outra parte da Amazónia - instalados nas margens dos rios ena poeira de lu-garejosque marcam os principais rios.Tudo

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comprova a violencia das mudan9as ocorridasnessaparte da Amazoniaperuana durante asúltimas décadas; as aberturasde estradas, a intensidade dos intercambios eda produ9áo comercial, a presen9a do exército eda polícia, odinheiroda cocaína e a violenciada guerrilha,ambos se expandindo inexoravelmentepara onorte do Marañon. Se a frente pioneira equatoriana ainda constituiem amplamedida urnaextensáoda economia bastante arcaicada sier-ra a Amazoniaperuana, ao contrário, constitui claramente urna zonade dinamismo sociológico e económico autónomo.

O PANORAMA ETNOGRÁFICOO Oriente equatoriano e onorte do Marañon,

com exce9áo das provínciasde Napo ede Sucumbios, aindapertencem aos índiosem suamaior parte, especialmente aos gruposde língua Jivaro. Estes totalizam quase 80 mil pessoas, repartidaspor quatro blocos dialetais:osAchuar (aproximadamente 6 mil), na divisa doEquador com o Peru,principalmente nos vales do Pastaza e do Huasaga (Descola, 1986;Taylor, 1985-9; Ross, 1980; Uriarte, 1990); osShuar propriamente ditos (30 mil) (Harner,1972; FCS, 1974; Hendricks, 1988),que ocupam amontaña entre o Zamora e o Palora;os

Aguaruna (35 mil) (Brown, 1984; Guallart,1981),que se estendem da hacia doCenepaaté o curso superior do rio Mayo; os Huambisa do Santiago e do Morona (Lenar, 1986); eos Shiwiar do Tigre e do Corrientes (SeymourSmith, 1988),um grupo de origem mista cujodialeto é, no entanto, muito próximo doAchuar. Além deles,há doispequenos gruposde aproximadamente mil pessoas cada um, osShapra (localizados nos afluentes do baixo Morona) e os Muratoou Kandoshi (Amadio,1985), situados no baixo Huasaga e nos afluentes da margem direita do baixo Pastaza,pertencentes a urna família lingüística, o Candoa,cuja filia9áo jivaro é bastante controvertida(Payne, 1981).Em termos culturais e sociológicos, contudo, é evidenteque esses grupospertencem ao conjunto jivaro.7 O grande conjunto jivaro-candoa faz fronteira ao norte comgruposda florestade línguaQuechua, conhecidos comoQuíchua Canelos e Napo Runa.Os primeiros vivem nos vales do Bobonaza edo Curaray e sáo vários milhares;entre outroscomponentes, abrigam Achuar transculturadose os remanescentes das tribos Zapara antiga-

IllSTÓRIA PÓS-COLOMBIANADA A L n AMAZÓJ\L\

mente numerosas nessa zona 8 Whitten,1976, 1986; Reeve, 1984). Os últimos,tambémconhecidos, erroneamente, como Quijos9constituemum grupo importanteem termosnuméricos e territoriais: sáo aproximadamente 20 mil pessoasque ocupam, ao lado dos colonos, o alto vale do Napo e seus afluentes eas nascentes do Curaray, do Tigre e do Corrientes (Oberem,1971; Hudelson, 1987, 1988;Muratorio, 1987). Os Huaorani (antigamentechamadosde Aucas), localizados a leste dosNapo Runa, nas colinasentre o Curaray e oNapo, constituem urna família lingüística isolada; sáo aproximadamente 2 mil, mas muitosdeles se casam com Runas e adotam urna identidadeQuechua Yost, 1981; L. Rival, 1990). O

cinturáoquíchua

continua a leste - qualquerque seja suaidentidade originalou subjacente, a maiorparte dos grupos do Tigre-Corrientes e do Napo falaQu ech u a - , mas urnaspoucas comunidades zapara (especialmente osArabela e os quitos) ainda existiriam nas colinas entre o Pastaza e o Napo.As fronteirasmeridionais do conjunto jivaro seencontram

21.5

Índios bravos :urna família shuarum homem e suasduas mulheres),fotografada emCuenca, Equador,no inicio do século.

o t o -

evidentementeposada - exibetodos os tra<;:osconsideradoscaracterísticosdesta categoria deindios: ferocidade,insubmissao eorgulho, poliginia,ro upas,ornamentos eobjetos tradicionaisque contrastamcom o bricolagena roupa e nacultura dos indiosdomésticos''.

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216 llISTÓJUA DOSÍl\DIOS \O BRASIL

com grupospertencentes ao conjunto Cahuapana (Chayavitas e Xeberos, totalizando aproximadamente 15 mil pessoas;Fuentes, 1988),ou gruposde línguaQuechua como os Lamistas (totalde aproximadamente 20 mil pessoas;Scazzochio, 1979; Wise, 1985)e, finalmenteduas etnias profundamente aculturadasde origem tupi, os Cocamas e os Cocamillas, localizados respectivamente no baixo U cayali e nobaixo Huallaga,com urna populagáode aproximadamente 25 mil pessoas (Stocks,1981; verMapa, p.227).

Quando se consideram os tragos culturaisgeralmente invocados nas tipologias etnológicas, essas sociedadesda Alta Amazóniatemum perfil bastante uniforme. Todas se carac

terizavam,até recentemente, por um padráode hábitat disperso,economia de caga, coletae agriculturade coivara abase de mandioca,urna organizagáo política acéfala, ou mais precisamenteum alto grau de autonomia local -das casas oumicrocomunidades - na gestáodos recursos económicos, dopoder político edas relagóescom o sobrenatural; todas partilham urnacultura material sóbria mas tecnicamente refinada, sistemas simbólicospoucoexteriorizadosou formalizados, sem cánonex-plícitonem exegetas,nenhum grande ritual coletivo e, finalmente,um complexo xamánicomuito desenvolvidoque se estendede urna etnia a outra. No seio desse conglomerado sociológico, é preciso contudo distinguir, noquese refere as instituigóes políticas e aos sistemas de parentesco, dois conjuntos claramente distintos: o dos falantesde Quechua dafloresta 10 de um lado, cuja organizag:iopolítico-ritual éprofundamente marcada pormodelos coloniais (civis ou eclesiásticos) e cujoparentesco se caracterizapor urna terminologia híbridade tipo mais ou menos andino, mascom tragos dravidianos, urna grande importancia do pseudoparentescocompadrazgo e com-padrinazgo) e um casamento relativamenteafastado no plano genealógico; do outro, o dosgrupos "tradicionais" (isto é, os Jivaro, osHuaorani, os Zaparo .., que tem todos sistemas de parentesco dravidianos clássicos (terminologias ditas"de duas segóes , casamentosimétricoem graus maisou menos próximosde primos cruzados bilaterais) e chefiasde

guerra (real ou imaginária, isto é, xamánica)fluidas e efemeras.Tal distingáo<leve ser relativizada, contudo, pois asidentidades que re-

metem a esses dois conjuntosde sociedadesestáo longede ser exclusivas; estáo, ao contrário, profundamente imbricadas urnas nas outras, na medida em que grupos falantesdeQuechua ou cristianizados servemde frentede transculturagáopara as tribos mais selvagens , enquanto eles mesmos alimentam suaetnogenese - e a capacidade xamánicaquea fundamenta em parte - com suas relagóescom o mundo dos índios bravos aparentemente menos aculturados.

O PASSADO PRÉ-COLOMBIANOO passado pré-colombianoda Alta Amazóniaaindaestá mergulhado em trevas,por falta detrabalhos arqueológicos adequados, oque

torna impossível ligarcom seguranga o passado pré e pós-colombianonuma mesma tramanarrativa. A antiguidade será, assim, evocadde modo retrospectivo, apartir da história colonial, enum nível temático mais doque cronológico.

Isso posto, sabe-se noentanto o suficientepara afirmarque no momento da conquista espanhola essa regiáo tinha urna configuragáo énica e cultural sensivelmente diferenteda quetem hoje. O bloco jivarostricto sensu ainda seestendia por boa parte da alta encosta oriental ao sul do Pautee, no inícioda época incaica, chegava aocupar urna parte considerávelda sierra sul-equatorial (Taylor, inédito, a); ovale do Upano,ocupado pelos Shuar duranteo séculoXVIII - e do qual foram expulsos noséculoXX - em compensagáo,era habitadopor grupos cañar de cultura andina (Taylor,1986). Oconjunto Candoa era, em termos deterritório e populagáo, muito mais vasto do quatualmente,já que incluía grupos ribeirinhosimportantes no baixo Pastaza,no Marañon eno Morona,entre os quais a populagáo conhecidana época com onome de Maynas.Ao norte e a leste do Pastaza se encontravaum grande conjunto cultural,de grande diversidade interna, o dos Zaparo,que reunia várias tribosdo interflúviopor muitotempo conhecidasporsua belicosidade e seu primitivismo , tais como os Caes e os Semigaes ou Shimigayes. Nasbordas setentrionais e orientais desse blocoencontravam-se aindaum grupo de línguaTu-pi, os Omáguas,que em seguida se retraíram

para o sul e para o leste (Chaumeil,1981;Myers, 1988), grupos possivelmentechibchachamados Quijos,parte na montaña e parte na

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sierra os Aushiri ou Awishira, sociedade opulenta instalada no valemédio do Napo e provável origem dosHuaorani contemporaneose finalmente, vários grupos tukano ocidentaiscomo os Encabellados e osOrejones (ver Mapa, p. 231). Ao sul, os Jivarotinham como vizinhosas sociedadesde língua Cahuapana, como os Xeberos eos Chayavitase mais a oeste,um conglomeradode grupos muito mal identificados conhecidos pelonome de Motilones,cujos sobreviventes iriam constituir o núcleodos Lamistas coloniais. O Marañon e o Huallaga eram habitadospor outros núcleos tupi,como osCocama e na montaña beirando asterras altas, encontrava-se urna infinidadedemicroetnias provavelmentedescendentes demítímaes incaicos.12 De resto, redesde trocasde grande escala cortavam esse espa90, carregando machados de pedra, conchas deSpondylus (objeto muito valorizado e substituído, no séculoXVII, pelas mi9angas importadas pelos jesuítas) eos machados-moeda decobre tao difundidospor toda a sierra equatorial (Oberem, 1966;Holm,1978).Essas redes, baseadasem sistemasde companheirismo económico-ritual diádicos intra ou interétnicos mais doque em gruposde especialistasem viagensde longa distancia (como ocorre

rá mais tarde), articulavam-se, no sul, ao macrossistema arawak andinoe a leste, ao grande circuitoque uniaas sociedades do Solimoesas da costa atlantica (Santos Granero,1988;Sweet, 1974; Whitehead).

Essa descri9ao breve e sumáriapretende salientar duas características importantes da paisagem sociológica pré-colombiana.Em primeiro lugar, urna diversidade culturalbemmaior doque atualmente existente,já que agamade formas sociais ia das sociedades interfluviais simples como osCaes até gruposribeirinhos vivendoem grandes aldeias, estratificados e dotadosde chefias poderosas, osdois pólosas vezes coexistindo no seioda mesma "etnia" ou da mesma família lingüística.Em segundo lugar, urna fragmenta9iioétnicamenospronunciada do que hoje em dia eummaiornúmero de grandes blocos lingüísticos.Em outras palavras, a evolu9ao ocorreu no sentido de urna maci9a homogeneiza9iio culturale ao mesmo tempo, urna dissolu9ao dos macrossistemas e dasredes regionaisem benefício de níveisde organiza9aointermediária oupuramente local.

llJSTÓ UA P Ó S C O L O M B I A ~ ADA ALTA AMAZÓ1'IA

O SÉCULO XVI:UMA FRONTEIRA NATIMORTA

Nessa regiiio,como em todo o restoda colonia, a pr imeira leva de implanta9ao no piemon

te amazónico -que

ocorreu, cronologicamente, seguindo o eixo noroeste-sudeste,entre1540e 162013 - baseava-sena busca e explora9ao dos recursos auríferos, inicialmente através do garimpo, e logo depois atravésda opera9iiode minas no piemonte meridional, essencialmenteem Zamora. A penetra9iio hispanicafoi acompanhada pelo estabelecimentode urnamalhaurbana relativamentedensa - em compara9aocom a sierra e o litoral - eum afluxode imigrantes,nem todos espanhóis, evidentemente, impossívelde calcularprecisamente

mascertamente considerável.De fato, a organiza9ao administrativa doOriente foi bem maisdesenvolvida,entre 1550e 1580,do que a dolitoral ou a das terras altas equatoriais14 (verMapa,p. 232).Isso posto, nao se deve superestimar a importancia material dessas cidadesamazónicas. A expressiiociudades que se utilizavapara qualificar tais povoados deixabemclaro opeso cultural domodelo urbano entreos espanhóis, mastraduz mal a realidade física desses vilarejos sórdidos e efemeros. Alémdisso, o fenómenode urbaniza9aointensa eprecoce na Amazonia nao deve fazerperder devista ocaráter extraordinariamente móveldapopula9iio colonizadora que,apesar da hostilidade do meio, vagavapor toda a regiiio deixando suamarca de devasta9iio, tantoparaprocurar novos locaisde garimpoquanto paracapturar escravos.15 Por isso tais vilas e seusocupantes tiveramum efeito desproporcionalem rela9iio ao seu papel económico e a sua importancia demográfica.

Na virada do século - entre 1580e 1625,dependendo da datade funda9iio dasaldeiasessa fronteiracome9ou a periclitar. A derrocada da primeira frente de coloniza9aopodeser explicadapor um conjunto de fatores: o caráter apressado e anárquicoda implanta9ao,aliado a relativa fraqueza dos meiosde controle ede recrutamento das popula96es indígenas locais, o esgotamento dos recursosquemotivavam a coloniza9aoe principalmente, odesaparecimentoda mao-de-obra indígena, -

gida, massacradaou extinta pelas epidemias.Os espanhóis tentaram, é verdade, urna re

conversiioem dire9ao a produ9iio textil, prin-

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218 IIJSTÓRIA DOS Íl'\DIOS '\O BRASIL

cipalmenteem Moyobamba, Quijos e Macas;de fato, a principal riqueza dessa zona, depoisdo ouro,era o algodao,que aliás constituía abase do tributo exigido dos índiosem enco-mienda, tanto em Baeza quanto no vale doUpano. Mas o algodao, como o ouro, nao bastou para garantir o florescimento económicodessas povoa9óes e a produ9ao téxtilnunca setornou urna produ9aode exporta9ao.Em compensa9ao, desempenhouum papel essencial naeconomia regional,na medida em que a varade algodao rusticamente tecida tocuyo) tornou-se rapidamente, ede modo duradouro, aunidade de moeda corrente com a qual se pagava o trabalho dos índios.

De qualquer modo, a partirde 1580 o gros

soda

popula9ao imigrada come9a a refluirem

dire9ao asierra, os encomenderos desaparecemou se retirame no final do século, resta apenas um punhado de habitantes nasciudadesque nao desaparecerampura e simplesmente, como Logroño, Sevillade Oro e até Zamora, temporariamente abandonada. A frentepioneira se fecha sobresi mesma e vai-sefos-silizando progressivamente.Enquanto isso, asvias de acesso aoOriente se degradam e serarefazem: ao longode todo o piemonte equatorial austral, restam abertas apenas trés estradas, aque passapor Chachapoyas e pelo alto Marañan, aque passapor Valladolid e peloChinchipe e a que passapor Baeza e pelo Napo que, ao longo dos séculasXVII e XVIII, será considerada a mais "fácil"para ir da sierrade Quito a hacia do alto Marañan.

A veiaépica própria da tradi9ao históricadas regióesde fronteiraencobre a incómodarealidadede os espanhóisterem sido recebidos pacificamentepor quasetoda parte, principalmente ao sul do Pastaza e especialmentepelos grupos jivaro. Naturalmente, essa situa-9ao nao resistiu a rapacidade dos espanhóis,as expedi9óesde escraviza9ao e a fon;a letalarrasadora das epidemias importadas. A partir de 1570, urna sériede revoltas e rebelióespontuou a históriada frente aurífera:as maisfamosas sao a dos chamados Pendays (xamas),na zona Quijos,em 1573, e a "revolta jivaro"de 1590,16 instigada na realidade, como amaior parte dessas rebelióes locais,por umgrupode mesti9os aliados a índios andinos enviadosem corvéiade garimpo as terras baixas

(Taylor, 1986). Essas primeiras tentativasderesisténcia armada, todas rapidamente sufoca-

das, ilustram alguns tra9os característicos dasrela9óesque os índios dessa regiao manteriamdurante muitotempo comos brancas. Inicialmente, a ausénciade rea96es coordenadasemgrande escala, oude confedera9óes semelhantes asque existiam nopiemonte arawak do Peru central (Casevitz, 1991; Roman e Zarzar,1983). Auséncia igualmentede grandes movimentos messiil.nicos pan-étnicos;os levantamentos indígenas peruanos do séculoXVIIInaoafetaram nemum pouco as popula9óes do norte da Alta Amazonia. Além disso, quase todasas rebelióes documentadas dessa regiao foramdesencadeadaspor mesti9os ligadosas missóes(os viracochas) ou aos povoados civis e naopor"índios bravos",como sempre se queria fazercrer. Finalmente, mesmo osinsurretos maisintratáveis, especialmente os Jivaro, geralmentepreferiam desaparecer na floresta e esperarqueseus agressores esgotassem suas for9as e suasreservas,em vez de enfrentar militarmenteastropas hispil.nicas - e nissotambém diferemdos Campa-Piro dopiemonte central e dosChiriguanotupi do sul da Bolívia (Saignes,1990; Combes e Saignes, 1991). Nao é certamente por acasoque essa reticéncia em combater invasores estrangeirostinha por corolário um belicismointerno muito desenvolvido- particularmente no seio do macrogrupo-varo- ao passoque o que distingue a rede arawak é, como se sabe,um "endopacifismo" rigoroso.De fato, o únicogrupo na Alta Amazonia do norte a atacar sistematicamente osbrancos durante algum tempo,os Caes, pertencia aum conjunto, o dos Zapara,que parecetersido igualmente "exoguerreiro''.17

As expedi9óes escravagistas - organizadassob pretextode recuperar índiosde encomien-da fugitivosou "apóstatas" das missóes - eprincipalmente as epidemias18 provocaram apartir de 1580-90 urna deser9ao generalizadadas margens dos grandes rios e urna fugaemmassa dos índiosem dire9ao as colinas do n-

terland, além de urna dissolu9ao das redesdetraca e de comunica9ao intertribais e interétnicas. O piemontede cey também se esvaziou.já que seus habitantes se retiraram para asier-ra ou para as zonas doOriente de difícil acesso. O resultado dissofoi urna profunda acentua9ao da separa9aoentre terras altas e i-

xas entre andinos e habitantesda floresta.

separa9aode que os próprios colonos m z ~nicos, cada vez mais marginalizados económi-

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ca e socialmente, foram as primeiras vítimas..\lém disso, os mecanismosde identificac;aocomec;aram a se modificarde acordo com asrelac;óes deforc;a entre índios e brancos; assim, grupos das terras altas fugindo daenco-mienda ou da mita se "selvagizam" definitivamente (por exemploentre os grupos jivaro doZamora,onde se refugiam numerososoyari- os palta e cañar), enquanto alguns grupos dasterras baixas se "andinizam" adotando oQue-chua e se organizandoem func;iio de sua vizinhanc;a com os colonos (por exemplo os "Quijos"ou NapuRuna e osCañar do alto vale dolipano, simbioticamente ligados ao povoadomestic;ode Macas. Tais fenómenos - apari<;iio de urna no man s land esvaziadade seushabitantes, polarizac;iio das identidades étnicas (andinos falantesde Quechua racionais ecristianizados, habitantesda floresta selvagens,obtusos, infléis e insubmissos) -traduzem ametamorfoseem fronteira,em todos os sentidos do termo,de urna regiiioanteriormentemuito povoadaem alguns lugarese principalmente,profundamente associada,por múltiplosla<;os económicos, políticos, sociais e culturais, as populac,;6esda sierra.19

ORDEM MISSIONÁRIA

Foijustamente a questaoda obtern;iio e adapta<;iio da miio-de-obra indígenaque forneceuaos missionários a ocasiiiode se implantaremnuma regiiioaté entiio entregue aos interesses dosencomenderos, que nao tinham meiosde controlarde maneira eficaz urna popula<;iio - aindaque bastante desfalcada - rebelde ou fugitiva.De qualquer modo, o desenvolvimento localde urna frente missionária seinscreve, evidentemente,numa dinamica comum a todas as zonas marginaisda colonia.Sabe-seque um processo identico ocorre pela mesma época no baixo Marañon,em Mojos, no Paraguai e nosllanos da Venezuela. Naregiiioque nos interessa, a missao jesuítade~ a y n a sfoi de longe a mais importante, tantopor suas dimensóes geográficas (ver mapa,p.234) - quantopor seus efeitos sobre o mundo indígena e o peso político dos modelosderecrutamentoque desenvolveu. Esquematicamente, pode-se distinguirtres fases na história da missiio:de 1633 (datada chegada dosjesuítas a Borja) a 1660,um período de explorac;ao intensiva,de colaborac;iiocom os co-

JllSTÓRIA P Ó S - C O L 0 ~ 1 B J A \ ADA ALTA AMAZÓ \IA

lta mazonia e a área jivaro

Fonte: Whitten 1976

lonos locais ede desenvolvimentode técnicasde reduc ;iio; de 1660 a 1700, urnagrande onda de expansiiona regiiio Pastazo-CurarayTigre, acompanhada pela fundac;iiode váriasreduc,;6es; e finalmente, apartir de 1720, conforme essa frente despencava devido as rebelióes e a mortalidadeque assolava as missóes,urna segunda leva deentradas e fundac,;6es,bem mais a leste,pela bacia do N apo e o médio Amazonas, expansiio contidapela expulsiio da ordem em 1767.

Aparentemente, o desenvolvimentoda missiio jesuíticafoi espetacular: no espac;ode cemanos, aCompanhia conseguiu fundar maisdequarenta reduc,;6esque reuniram, ao longo dosanos, várias dezenasde milharesde índios. Naverdade, o edifícioera frágil e agrande maioria das reduc,;6es criadas teve urna existenciafugaz.Tal fragilidade se explicaem primeirolugar pela faltade missionários - nunca erammais de vinte no total,para controlar, teorica

mente, maisde 100 mil pessoas (por voltade1660) (Golob, 1982) - e mais aindapela ausenciade urna infra-estrutura administrativae militar coerente e organizada.Em outras palavras, a frentede colonizac;aoera suficientepara garantir aos jesuítas urna "clientela" permanente, fugindoda explorac;ao dosencomen-deros, mas nao suficientepara que os religiosos pudessem consolidar suas conquistas e seupoder sobre os índios.

O apelo aos jesuítas lanc;adoem 1664 pelogovernadorde Borja marcou o nascimentodessa relac;iio ambígua, ao mesmotempo conflituosa e simbiótica,que até recentemente

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220 IIISTÓRJA DOS ÍNDIOS NO BRASIL

ainda caracterizava as relac;óesentre missionários e colonos nopiemonte equatorial. Relac;ao conflituosaporque os dois grupos competiam freqüentemente pela captura dos índios (destinados aosencomenderos ou as

reduc;óes), assim como pela obtenc;ao das parcas riquezasque eles podiam fornecer.De resto, os arquivos estao repletosde denúnciasacusandoos religiososde escravizac;ao clandestina,de tráfico ilegal,de quebrar os prec;os dos produtos manufaturados,em suma,deminar com suas práticas criptocomerciaisumdos mecanismos essenciaisde extrac;aode riqueza pelos colonos, a saber, a imposic;aodeurna troca com taxas exorbitantes (Jouanen,1941). Ladainhaque se podia ouvir ainda hápouco em várias vendasde Puyo ede Macas..Mas também urna relac;ao simbiótica,já queuns dependiam dos outrospara sobreviver.Porque foram a cobic;a e a pressaoconstantedos colonosque empurraram para os brac;osdos missionários índiosde outro modo muitoreticentes a se deixarem reduzir, massem osmissionários e o auxílioda mao-de-obra indígena suplementar recrutada nas reduc;óes econtrolada pelos religiosos, os colonos nao teriam conseguidoobter dos índios l ibres oude encomienda o trabalhoque garantiasua so-

brevivéncia. Uns nao podiam sereproduzirsem os outros, e todos se sentiam constantemente ameac;ados pelos interesses do vizinho.E a mesma história serepete em relac;ao aosabades dominicanos ou franciscanos do século XIX - muito solicitados pelospatrones eregatones para garantir a cobranc;ade urna dívidajunto aos índios - eem relac;ao aos salesianos do séculoXX, inicialmente incentivadores ativosda colonizac;ao eem seguida defensores dos Shuar, cujas terras sao ameac;adasporesses mesmos colonos e seusdescendentes.

Apesarde sua implantac;ao superficial edaquantidade de fracassosque acumulou, a missao jesuítica de Maynas deixou marcas muitoduradouras nas sociedades indígenasda regiao.Em primeiro lugar, urna cicatriz demográficaindelével: as terríveis cac;as aos neófitos organizadas várias vezespor ano com aajuda dedezenasou até centenas de indígenas (Golob,1982), a obstinac;ao dos jesuítasem mantersuas vítimasem aldeias abeira dos grandesrios, expando-os assim nao apenas a sofrer oataque direto das epidemiasque se abatiamsobre as missóes pelo menos urna vezpor ge-

rac;ao mas também a urna mortalidade endémica de proporc;óes consideráveis ligada ainsalubridade e a malária. Tudo isso explicpor que a populac;aoda regiao coberta pelamissao baixoude aproximadamente200 milem 1550 para 20 ou 30 mil em 1730 (Golob,op. cit.; Taylor, 1989), oque significa urna diminuic;ao globalda ordem de 80% a 90%.Além disso, nos gruposque sobreviveram, vários trac;os culturais se devem a presenc;a jesuíta: em várias sociedades, a organizac;ao espacial e residencial (especialmente a alternancia regularentre hábitat agrupado e dispersoem purina 2 ou ainda a disposic;ao das aldeiasem barrios como em Andoas ouentre os Lamistas - cf. Scazzochio, op. cit), asestrutu-ras familiares e demográficas (abandonoda poliginia, casamento masculinoprecoce típicodas sociedadesde línguaQuechua da floresta) e aestrutura político-ritual (híbrido variável de um modelo simplificado do sistema andino doscargos e das organizac;óes aldeas paraeclesiásticas;cf. por exemplo Reeves, op. cit.,e Whitten, 1976) sao urna heranc;adireta damissao. Sem mencionar as modificac;óesda indumentária - já nao existem índiosnus naAlta Amazonia,desde o séculoXVIII - a introduc;aode novos génerosde cultivo - arroz, mandioca brava - e as especializac;óeseconómicas (a fabricac;ao docurare para a troca ou o mercado pelos Tikuna e Lamistas, ocarregamento do sal proveniente do HuallagapelosQuíchua do Napo e do Bobonaza, a produc;aode farinhade mandioca,de redes, tecidos etc.).

Contudo, aconseqüéncia mais importanteda implantac;ao missionáriafoi sem dúvida aseparac;ao radicalque contribuiu para institucionalizarentre os colaboradores e os refra

tários,entre

os cristianizados -em

geralfa-

lantes deQuechua e habitantes sedentários dealdeias - e os infléis nómades ,em suma,entre os mansos e os bravos ,os Runa eos Auca. Os primeiros se articulam diretamente aos estabelecimentos coloniais,como tributários ou clientes,na forma de tribos neocoloniais forjadas nas reduc;óes eencomiendas apartir de resíduosde culturas laminadas pelapresenc;a espanhola. Os outros, abrigados nazonas refúgio do interflúvio,cada vez menosexpostos apartir de 1700as expedic;óes escravagistas e asentradas evangélicas (na regiaoque aqui nos interessa), terao,desde o início

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o séculoXVIIIaté o séculoXX, contatoscoma frentede coloniza¡;ao mediados e filtradospelas tribos-tampao instaladas nas vizinhan¡;asdos estabelecimentos coloniais e nos grandeseixos de comunica¡;áo:o ~ Napo Runa,por

exemplo, articulados as popula¡;óes Tukano eaos Huaorani, os Canelos aos Zaparo e aos Jivaro setentrionais,os Andoa aos Jivaro-Candoae aos Zaparo orientais (Shimigare e Zaparopropriamente ditos),os Lamistas e Chayavitasaos Aguaruna, e assimpor diante.

A FORMA< ÁO O NOVO~ I U N OAMAZÓNICO

Esse panorama sumário da implanta¡;aodafronteira de coloniza¡;áono piemonte sul

equatorialdesde o seu início até meados doséculoXVIII nos leva aabordar um problemaao mesmo tempo evidente e muito complexo:por que os índios se deixaramreduzir pelosjesuítas, aindaque apenas durante algunsanos?De modo mais geral,como a presen¡;ade táo poucos indivíduos -um punhado dereligiosos, algumas centenasde colonos - pode ter tais efeitos sobre urna popula¡;ao inicialmente numerosa,espalhada por urna regiáotao vasta? Nao existe resposta simples para essapergunta, mas se fosse precisofornecer urna,seria a seguinte:em geral, os índios simplesmente náo tinham escolha. Estavam sujeitosa a¡;áocombinada de vários fatores, dos quaiscitaremos apenas os mais importantes.

Em primeiro lugar, como pano de fundo, ochoque epidemiológico e suas conseqüenciasindiretas, urna profunda desestrutura¡;áo sociológica e psicológicaque multiplicava e prolongava o efeito das doen¡;as.Em seguida, os ataques escravagistas e asentradas evangélicas,opera¡;óes cuja freqüencia, dimensóes e extensao geográfica náo devem ser subestimadas.Além disso, a introdu¡;áode ferramentas, poderoso agentede atra¡;aohabilmente manipulado pelos missionários. Nesse particular, deve também ser mencionada a transforma¡;áodos circuitosde troca tradicionais, muitas vezes interrompidos devidoas migra¡;óes for¡;adas e aomedo das epidemias,as vezes desviados e recuperados pelos brancas - comono caso do tráficode sal e de curare - e sempre profundamente afetados pela presen¡;a colonial. Finalmente, o papel importante desempenhado por certos grupos - os Cocamas, osXeveros, os Andoas,por algumtempo os Caes

TllSTÓIUA PÓS-COLOMBJAr\A DALT AMAZÓr\IA

- cujas estratégiasde sobrevivencia implicavam urna estreita colabora¡;aocom os colonizadores, eque forneciam o grosso das tropasutifizadas pelos colonos e pelos missionáriospara seguir e capturar seus escravos e seusneófitos.Em resumo, a aceita¡;áoda redu¡;áo- em todos os sentidos dotermo - era geralmente a últimaetapa num processode degrada¡;áo fisiológica, sociológica e psicológicaao final do qua aos índios só restava a escolhaentre a destrui¡;áoimediata de seu tecido social e familiar e urnamorte rápida nas maosdos encomenderos ou urna morte lenta (no melhor dos casos), masem família ecom ferramentas, nas máos dos jesuítas ..

Tentemos agora avaliar os efeitos mais im

portantes dessas agressóes combinadas sobreos modosde territorialidade ede hábitat dosgruposda Alta Amazonia. A deser¡;áo das zonas ribeirinhas eda encosta orientalda Cordilheirajá fo¡ mencionada;ela está ligada aado¡;áode um modelode hábitat dispersoporquase todosos gruposda regiao. O hábitat dispersojá existía nessaparte da Amazonia muito antesda conquista espanhola, mas ao ladode hábitatsde tipo aldeáo oude grandes -

locas multifamiliares. Todas essas formas desaparecem ao longo do séculoXVII, sendosubstituídaspor urna implanta¡;áode unidades domésticas isoladas amoda jivaro. A atomiza¡;áo residencial e social acarreta, assim,urna autonomíacada vez maior das unidadesno nívelde sua reprodu¡;ao material e simbólica, e aomesmo tempo um aumento da mobilidade dos grupos locais, devido aos novossolos, espéciesde ca¡;a e epidemias aos quaistiveramde se adaptar. Se examinarmosas forma¡;óes ou arranjos sociaisenquanto tais, emvez dospadróes de povoamentoque lhes sáosubjacentes, notaremos a transforma¡;ao radical, quando nao o desaparecimento total, decertas formas sociológicasparticularmentevulneráveis a essas novas pressóesde atomiza¡;áo: por exemplo,as sociedades aldeas sedentárias,económica e politicamente estratificadas,que existiam nas margens do N apo noinício do séculoXVI, assim como os conjuntos pluritribaisaltamente integrados nos planos económico, político e ritual,do tipo quecaracterizaatualmente o Vaupés colombiano.

Mas esseperíodo náo se define exclusivamente pelo desaparecimentode formas sociológicas oude popula¡;óes inteiras. Nele tam-

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A provínciajesuítica de Quito.

Percebe-se pelodetalhe toponímiconeste mapa que a

Alta Amazonia erano século XVIIIurna das regióes

mais bemconhecidas e

supostamente maisbem dominadas do

Amazonas.

HISTÓRIA DOS ÍNDIOS NO BRASIL

bém acorre o desenvolvimentode comportamentos coletivosem respostaas novas ameac ;as do meio,entre os quais aadoc,;áo, por parte de todas as sociedades,de urna estratégiade crise ·caracterizadapela suspensáo das tro

cas, dispersáo e fugapara as zonas-refúgio eurna atomizac,;áo social máxima.Tais comportamentosde crise seráo, aliás, reativadosemtoda a sua extensáo no momento dooom daborracha. Mas o fato mais importante dessesanos sombriosfoi a emergencia de novas formas sociais geradas pelo confrontoentre índios e instituic,;óes coloniais.

De modo bastante esquemático, os índios,<liante da colonizac,;áo, adotaram urna das tressoluc,;óes seguintes. A primeirafoi o isolamentoabsoluto emanutenc,;áoda independencia aqualquer custo, aoprec,;o de um empobrecimento cultural e de urna arcaizac,;áo deliberada. Sáo exemplos notáveis dessaopc,;áo osHuaorani contemporáneos, descendentes deurna faustosa sociedade ribeirinha,os Abijiras.É verdadeque muito poucos grupos - os Jivaro em particular - conseguiram preservarsua autonomia semter de suportar os inconvenientesde um falso arcaísmo . A excepcional sobrevivencia históricada etnia Jivaro seexplica, contudo,por um conjuntode circunstáncias muito particulares. Por um lado, tinhaa sorte de estarpré-adaptada as transformac,;óes de seu meio,já que suaorganizac,;áosócioterritorialjá apresentava todosos trac,;os necessários - dispersáo, atomizac,;áo, mobilidadedos crivosde diferenciac,;áo tribal interna, autonomia económica e simbólica ou ritual dosgrupos locais - para resistir nas melhorescondic,;óesas agressóes coloniais. Além disso,o hábito - provavelmente adquirido desde aépoca incaica - de constituir aoredor de sifrentes de transculturac,;áo sob a formade

grupos-tampáo (como o dos Canelos)edema-nipular urna dupla identidade étnica (verTay-lor, inédito,a e, finalmente,um acesso alternativo aosbens manufaturados,por intermédio das redesque uniam os grupos shuar doalto piemonte a certas populac,;óes andinasmuito isoladas do alto vale do Paute no Azuay añar (Taylor, 1986, 2).

A segundasoluc,;áo é a da dissoluc,;áoétnicapor fuga e transculturac,;áo individual, casodamaioria dos grupos escravizados e deportados,como os Maynas, ou reduzidos pelos jesuítas.

Esses fugitivos buscavam refúgio junto aosgru-

pos aindaindependentes ou se reuniam naszonas vaziasem pequenas células instáveis; alongo prazo, esse processo acarretou a cristalizac,;áo de agregados sociais sem identidadetribalbem definida, especialmentena regiáo

situadaentre o Tigre e o Napo. Náo se tratade sociedades tribais coloniais propriamente,nem de urna populac,;áode índios genéricosou caboclosde tipo brasileiro,já que falta aquio elemento constitutivo essencial dessas formas sociais, isto é, urna presenc,;abranca permanente capaz de homogeneizar apartir defora esses índios destribalizados. Estes náofo-ram, portanto, organizados económica e politicamente ou socialmentepor urnarelac,;áo comum de explorac,;áo nas máos dos colonizadores, como seriam mais tarde, no rastro dooom

da borracha. Estaríamos aqui <liante de formac,;óes caracterizadaspor urna espéciede suspensáo oude conserva dasfiliac,;óes tribaisespecíficasem prolde urna identidade fluidae instável,baseada na inclusáoem redes so-ciológicas frouxas -no seio das quaisum sistema xamánicocomum desempenhava indu-

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bitavelmenteum papel central- e no fatodecompartilharem urnacultura indígena sincrética veiculada peloQuéchua de missiio. Por debaixo dessa língua geral, os idiomas vernacularesem geral se mantiveram, alimentados pela chegada constantede novos refugiados. Essefenómenodo multilingüismo - que se podeobservar ainda hojeno vale do Tigre - talvezconstitua a chaveda manutern;iiode identidades submersas. Finalmente, é essamanuten-c;iio de urnaindianidade específica, aindaqueoculta, que distingue esse tipode formac;iio(igualmentecomum, aparentemente, no Uca~ a l i ;cf. Gow, 1988) das populac;óesde mestic;os ribereño que se encontram ao longode todo o Amazonas.

Contudo, os arranjos sociológicos mais originais e maisimportantes que surgiram nessaépoca foramas tribos coloniais forjadas nas reduc;óesou em torno de estabelecimentos espanhóis. Essas tribos - os Lamistas, os Canelos, os Andoas, os Quijos a partir do século XVIII - apresentam certas afinidadescom os conjuntos de que falamos acima -

R

P T N T RIO,_. .mií ' ' l41:

HJSTÓl\IA PÓS-COLOMBIANADA ALTA AMAZÓNIA

pluritribalismo, cultura sincrética, usodo Quéchua - masum conjuntode fatores conferiulhes desde a origem urna estrutura muito maisclara, urna coesao e urnahomogeneidade quefaltam aos agregadosdo Tigre-Napo e urnaidentidade específicaclaramente perceptíveltanto de dentro quanto de fora. Independen-temente da diversidade dos ambientesem quesurgiram essas formac;óes sociais - zonasrefúgio sob atutela longínqua dos dominicanos, reduc;óes jesuíticas ou povoados coloniais- apresentam um conjunto de características comunsque justificam sua inclusiionumacategoría única. Todas se baseiamnum agrupamentode sociedades culturalmente heteróclitas; nesses agregados, as especificidades tribais sao ora veladas, oracompletamente submergidas, masde qualquer modo subordinadas a urnaidentidade coletiva gerada do exterior. Essas identidades "globais"siio por suavez, atravessadaspor um corte fundamentalque em largamedida apaga apertinéncia dasfiliac;óes tribais originais: a oposic;aoentre a"face índia" e a "face branca''. Pois todas siioconstruídas sobre urnadualidade estruturalentre,de um lado, oscomportamentos e instituic;óes ligados aos colonos e aos missionários(e impostospor eles), a "esfera aberta''na qual

se movem osallí runa os mansos cristianizados, talcomo se apresentam nos espac;os -cidades, missóes, reduc;óes -em que se inscreve a articulac;iioentre índios e mestic;os oubrancos (Scazzochio, 1979)e do outro, os aspectos nao aparentesde sua cultura, a "esfera fechada'', omundo dos sacha runa senhores de um meio natural e simbólico impermeável aos brancos, ao qual se articulam, no espac;o floresta daspurina as sociedades "auca'' que os cercam (Whitten, 1976).Daí decorre o papel de intermediário desempenha-

do por essas tribosentre as populac;óesda floresta ainda autónomas e a sociedade colonialdominante: as primeiras, fornecembens manufaturados aos quais possuemum acesso privilegiado, modelosde comportamento em relac;iio aos brancos (e principalmente de manipulac;ao destes), e finalmente urna formidávelfonte de poder xamil.nico,alimentada justamente por essa proximidadecom o mundobranco; a segunda, oferecemdocilmente suamiio-de-obra e os frutosde seu trabalho,ummeiode regular sua relac;iio difícilcom os "aucas" ecom os recursosque poderiam contro-

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224 IIISTÓRIA DOS ÍNDIOS NO BRASIL

lar e finalmente, em particular no séculoXIXum mecanismo de expansáo territorial e económica por intermédio do ciclo purina-caserio-aldeiamestic;a purina. Nesse processo os acampamentos na floresta oupurina

estabelecidospor famílias indígenas longedesua aldeiade origem tornam-se progressivamente, no ritmo dos reagrupamentos residenciais que acompanham a criac;áo de novasrela96es de parentesco, locaisde habitac;áopermanente gravitando em tornode um líder\:amá. Essas novas aldeias sáoentáo invadidas pelos mesti9os e seu comércio,que váopouco a pouco empurrando os índios paraa periferia, e cuja presenc;a (combinada a pressáo demográfica dos próprios índios) desencadeia um novo ciclode anexac;áode zonasde purina e assim por diante. Mecanismosdesse tipo - relacionados aum dinamismodemográfico excepcionalem relac;áo as sociedades indígenas tradicionais do piemonte - podem ser considerados como a origem de quase todos os estabelecimentos mestic;os no Oriente equatoriano a partir demeados do século passado.

DA EXPULSÁO DOS JESUÍTASÁ EXPANSÁO

DOS COMERCIANTESQualquer que seja a versáoda lenda jesuítica, a partida dos missionáriosem 1768 náoprecipitou de urnahora para outra a ruína daAlta Amazonia.Na verdade, a missáojá estavamoribunda e os estabelecimentos civisem quese apoiava, mais ainda. O final do séculoXVIIIse caracterizapela decadencia da frente pioneira colonial e urna quase interrupc;áo dos fluxos comerciaisque a atravessavam ou dela provinham. Os portugueses ocupam sem resistencia os territórios dos religiosos controladospela Audiencia, o clero secular encarregadodeassumir as missóes acabade arruiná-lascomsua imperícia e seu absenteísmo, e as guerrasde independencia concentram a atenc;áo daspopula96es crioulas.Entre 1760e 1850,os povoados amazónicosperdem, em média, doisterc;osde sua populac;áo e ao longode todo opiemonte equatorial, das margens do Napo atéo Mayo a populac;áo náo indígena náo passade quinhentas pessoas até1850,segundo a estimativa mais otimista (Taylor, inédito, b).

A medida que os brancosabandonam a regiáo e opeso de sua presenc;a diminui, os ín-

dios sáo beneficiadospor urna certa retomada demográfica. Náo se dispóe dos númerosevidentemente, mas oaparecimento de novasaldeias,principalmente no território dos grupos falantesde Quechua, revela claramente

urna inversáoda curva que até entáo regia aevolu9áode sua populac;áo. Um dos sinais maiseloqüentes do recuo colonial é o retorno parcial dos índiospara as margens dosgrandesrios (no Marañon a montantede Barrancas, noPastaza,no Morona e no Santiago) e a chegada aos povoados mestic;osde delega96esde

índios bravos em busca de bens ocidentaisque os intermediários tradicionais náo conseguem mais lhes fornecer; tentativasde contato direto que, aliás, daráo lugar a trágicos malentendidos.21É precisodizer que o recuo dafrente pioneira náo beneficia a todosos índios:os índios de pueblo mais próximos das cidades, especialmente os Lamistas, os Cocamillas e os Chayavitas, passam aser até mais explorados doque antes,quando as autoridadescivis recuperam em seu próprio benefício osistemade trabalho forc;ado devido aos missionários, tornando-o ainda mais pesado. A mita imposta aos índiospara a defesacontra osportugueses e depois para a constru9áode barcos dará inclusive origem a seguidas rebelióeslocais (Fuentes,1989; Stocks, 1981).

O imobilismodo piemonte equatoriano esua baixa populac;áo mestic;a iráo manter-spraticamente até o limiardo séculoXX e depois disso. A zona ao suldo Marañon eas terras baixas a lestedo Pastaza, ao contrário, conheceráo ao longode todo o séculoXIX umdesenvolvimento contínuo, inicialmente lento mas que se acelera sensivelmente apartirde 1860.O iníciodo séculoXIX é marcadoporurna modificac;áo decisiva nos eixosde controle e pólosde desenvolvimentoda Alta Amazonia.o deslocamento do norte para o sul seconcretiza inicialmenteem decisóes administrativas, que entregam as autoridades limenhas, civis e eclesiásticas, a gestáode urna província de Maynas bastante aumentada. Oimpulso económico veio principalmenteda jusanteperuana, a partir de 1820,grac;as ao florescimentode Moyobamba,que passa a se beneficiarda demanda do mercado brasileiro._\melhoria nas comunicac;óes e a intensifica9áolocal dos intercambiosentre sierra e selva apartir desse centro inicia a expansáode todaa regiáo a partirde 1850,ao mesmo tempoque

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se consolida a implantac;iio militar, administrativa e política peruana.Entre 1850 e 1880,todos os grandes riossiio explorados e abertos a navegac;iio e a populac;iiode quitos passa de 277 pessoasem 1850 para 15 mil em1876,as vésperas doboom da borracha (Ross,1984). O frenesi económicoque comec;a ase propagarpara todo o piemonte peruanonesses anos traduz-se inicialmentepor umaumento da explorac;iio dos recursos florestais tradicionais eum crescimento correlatodo volumede trocas entre índios e colonos.Cm comércioem pequena escala se desen-olve nas primeiras décadas do século a parr da coletade goma e resina,de pita (fibra),

cacau, baunilha e do cultivo do tabaco. O

garimpo também é retomado. Além disso, urnasérie de minibooms marca o períodoentre1850 e 1870: salsaparrilha principalmente,ta-gua (pau-marfim) no vale do Chinchipe,cin-chona novamente (nopiemonte sul-equatoriano). A detonac;iio doboom da borracha éportantopreparada e previamente orientadapelas transformac;óesque ocorrem na regiiioa partir de 1820.

O deslocamento dos eixosde penetrac;iio,pólosde desenvolvimento e ondasde urbanizac;iio para o sul do Marañon niiopodia deixarde modificar a geografiada implantac;iio indígena. A expansiioperuana afeta especialmente o baixo Huallaga, o vale do Marañon a jusante do Pastaza, o rio Tigre e o curso inferiordo Pastazae a montante, opiemonte de Jaenque gozade um acesso fácil para asierra e paraLambayeque.Em compensac;iio, toda a regiiioentre Barrancas e o Pongode Retema é deixada para os índios, assim como o Santiago,barradopara a navegac;iio pelo obstáculo doPongode Manserche. Assim, os vales do Pas

taza,do Tigree em menor escala, do Moronaseriio novamente abandonados pelos índios apartirde 1860, enquanto no Santiago e noMa-rañon a montantede Barrancas - zona essencialmente jivaro - os índios manteriio o controle das zonas ribeirinhas mesmo no auge doboom da borracha, e niio deixariio a regiiioatéa chegadaem massade colonos no final dosanos 50.

O BOOMDA BORRACHA~ ALTA AMAZONIA

O boom da borracha provoca transformac;óesradicaisem toda a Alta Amazonia, inicialmen-

IIISTÓl\I PÓS-COLOMBTANA DAALTA AMAZÓNIA

te na regiiiode influenciaperuana - queconsolidaráde modo decisivo - eem seguida, mais a longo prazo epor tabela, em todaa regiiio equatoriana do piemonte. Oboomcomec;apor volta de 1875, atinge o augeem1890-1900 eentra em decadencia pouco depois; em 1914, tinha acabado. Esse fenómenopassageiro, cataclísmicona escala amazónica,coloca problemas históricos complexos e ainda é, paradoxalmente, mal conhecido. Deveria ser considerado comoum marco essencialna história económica e socialda regiiio ouconstitui apenas urna forma ampliada, intensa mas temporária, das formasde explorac;iiodos recursos e doshomens de longa tradic;iiona Amazonia? A questiio setorna ainda mais

complicadana medida em que a indústriadaborracha assumiu formas bastante diversas. Oexemplo fitzcarraldiano e o modeloda CasaAranade triste memória niio siio típicos, longe disso,da atividade dos baróesda borrachaem toda a Amazonia.Dependendo do setor eda época, os sistemasde produc;iiomudamconsideravelmente.23 O látex mais procurado,a Hevea brasiliensis cresce principalmente nasregióesde hiléia, e é nessas regióes, especialmente no Putumayo,que se implantam asgrandes companhias monopolistas como a Casa Arana, capazesde armar consideráveis milícias escravagistas.As zonasde interflúvio,porsua vez,siio ricas em vários tiposde balata -Castilloa elastíca - menos valorizadas masabundantemente exploradas; tais terrenossiiogeralmente ocupadospor pequenas empresasque mobilizam urnaforc;a de trabalho reduzida a algumas dezenasde trabalhadores. A intensa competic;iioentre os exploradorespelaapropriac;iio das árvores eda miio-de-obraapresenta nesse caso urnacerta margem de

manobra para os índios. Os sistemasde recrutamentotambém variamem func;iio dos estereótipos associados aos vários gruposde índios; os Zaparo, vitimadosdesde cedo pela fa-ma de docilidade,siio os primeiros alvos dascorrerías escravagistas organizadas para trazerbrac;ospara os campos do Brasil, do Peru edaBolívia; os índios do Napotambém foram deportadosem massa (Oberem,1971; Muratorio,1987). Os grupos jivaro, situados nas zonasdebalata ao contrário, foram no conjunto menosduramente afetados; empregadosem sua própria regiiio, sob o controlede pequenos patróes num sistemade enganche2 4 e niio nurn

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226 IIISTÓRIA DOS ÍNDIOS NO BRASIL

escravagismo direto, alguns conseguiram inclusive manter o controle sobre sua fon;ade trabalho e forneciambalata livremente a intermediários índios,de sua própria etnia ou deoutros grupos (Ross,E. B., 1984; Ross,J B.,

1980; Taylor, no prelo, b).Além disso, o cicloda Hevea atraiu urnahorda de estrangeirospara toda a Alta Amazonia, cujos indígenasaté entiio só tinhamsi-do atingidos indiretamente pela expansiio económica doOriente peruano. O baixo Pastaza,o Morona, o baixo Huasaga, o Tigre e o Curaray sáo todos invadidospor multidóesde brancos e aventureirosde todo tipo.De resto, osnúmeros relativos a exporta9iiode borracha apartir de quitos atestam as dimensóes dofe-nómeno: 2 mil kgem 1862, 540 529 kgem

1874, 714100 kg em 1884.. (Ross,E B., 1984).Mas apartir de 1914 quase toda essa popula-9áo flutuante se retira e o tráfego fluvial alimentado pela indústriada borracha praticamente se interrompe. Oque náo significaumretorno aostatu qua ante, ou coisa parecida.Em primeiro lugar, omapa étnico da regiáoé profundamente transformado,certamentetanto quantodurante as últimas décadas doséculoXVI. Os grupos zaparo poupados pelasredu9óes jesuíticas sáo liquidados, imensosterritórios tornam-se desahitados; outras popula9óes, como os Bora e os Huitoto, sáo desarticuladas e seus restos espalhados pelosquatro cantos da Amazonia oriental; certas regióes recebem, ao contrário, novos imigrantesindígenas: no Tigre, no Napo e no Curaray, ostrabalhadores náo deslocados sejuntam a popula9áo indígena destribalizada característicadesse valedesde o séculoXVIII. A borrachatambém deixa atrásde si váriaspequenas al-deias concentradasem torno deum punhadode comerciantesque permaneceram operando urna modesta readapta9áo, passando a comprar dos índiosbalata, ouro, fibras vegetais,ish-pingu (falsa canela:Nectandra cinam.), principalmente peles e madeira,carne e peixedefumadopara suprir os mercadosde quitose Nauta. Esses núcleosde popula9áo serviráode base para a expansáo dos grupos falantesde Quechua e, ao mesmo tempo,para os mesti9os que os parasitam.Dessa época data, especialmente, a implanta9áoda maiorparte dasaldeiasquíchua de jusante no Oriente perua-no e oscaseríos Canelos no Curaray e o baixoBobonaza.

A ER DO PATRONAZGO

O boom da borracha acarretou, portanto, urnsúbita expansáo do sistema simbióticoque liga os brancos e os índios "mansos", mas também introduziuum fator novo. Nas redesde

troca criadasem torno doscaseríos implantouse um novo modode utiliza9áoda máo-de-obraindígena, o patronazgo, que exercerá até1960-70 urna profunda influencia sobre o mudo indígenaem toda a Alta Amazonia. Naturalmente,as estruturas através das quais sefa-

ria a explora9áo dos índios náo eram totalmete inéditas: tinham suas raízes no tipo drela9áo estabelecidadesde o início do séculoXIX entre mesti9os comerciantes eíndios depueblo - Cocamillasde Lagunas, Lamistas..Quijos - os primeirosretomando a herarn;acolonial e assumindo o mesmopapel que osmissionários e os funcionários do antigo regme. Esse tipode rela9áo, fundadoem la9ospessoaisde fidelidade (por meiode compa-drazgo ou as vezesde alian9a) enuma fic9aode troca "social" mais doque mercantil, se generalizouentáo na Amazonia, favorecendo anova geografia sociológicadesenhada peloboom da borracha, e envolveu,pela primeiravez desde o séculoXVII, os grupos "aucas" atéentáo preservados pelo jogo das etnias-tamp

de urna articula9áo imediata com a sociedaddominante.As formas específicas dopatronazgo variam

em fun9áo do tipode produto exigido dosíndios eda rela9áode for9a entre as partes empresen9a. Nos grandes rios, o Napo, o Hualga e o Marañon, implantam-se verdadeiras-ciendas, baseadasem grupos indígenasem regime de semi-servidáo ocupados no cultivodeprodutos comercializáveis, especialmente barbasco no Perue, no Equador, anaranjJlaSolanum quitensis). O patráo reside geralmen

te no local e exerceum rígido controle sobreas questóes económicas, políticas e matrimniais de seus dependentes que no entantocontinuam vivendoem seus territórios eal-

deias tradicionais.25 Em contrapartida opatráo-compadre fornecebens manufaturadose servi9os administrativos e espirituais, em nme de urna missáode educa9áo ede civiliza-9áo que as vezes leva a sério: batiza ele memo os filhosde seus trabalhadores, legislaso

bre suas alian9aso casamentoentre primoscruzados costuma ser proibido, celebraos ca-

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samentos erecebe entáo um "prec;oda noiva" em caso de uniáo exógamae, finalmente,herda pelo jogoda <lívida várias crianc;asqueregistracomo seus filhos e utiliza como empregados domésticosaté a sua maioridade. 6

.\ as regióes mais isoladas e principalmente entre os "infieles", oslac;os entre patróes e índios sáo mais frouxos e precários. Os poucosperuanosque se instalaramentre os Achuar,por exemplo, só conseguiram consolidarseupoder sobre determinados grupos locaiscasando-se e inserindo-se nas relac;óesdealianc;a, mais arriscadas,em todos os aspectos,do que a de compadrazgo. 7 Além disso,emvários casos esses patróes náo passamde habilitados e até delegadosde sub-habilitados

situados no finalde urna longa cadeiade dependencias económicas cuja cabec;a se encontra em Nauta ou quitos. Es ses intermediáriosm s t i ~ · o spratieam geralnwnte o r 11ga11che. 11

Mapa étnico da lta mazonia contemporanea

ceano Pacífico

IIISTÓRIA PÓS-COLOMBIANADA ALTA AMAZONIA

pagamento antecipadoem bens manufaturados (grosseiramente superestimados,nem épreciso dizer) e sua atividadeestá sempre li-gada ao estabelecimentode urna relac;áodecompadrio oude afinidade, aindaque só visitem seus "clientes" esporadicamente.

o patronazgo quer praticadoadistancia oupor inserc;áo localentre os "mansos", assemelha-seem alguns aspectosa encomiendatal qual se desenvolveuna Amazonia: sempre envolveum grupo local inteiro (ummuntun como se dizia no Napo) ouum conjuntode grupos locais gravitandoem torno de um"great-man" oude um xamá,que se torna entáo o intermediário obrigatórioentre o patráoe o restoda populac;ao. Issoterá conseqüen

cias importantes sobre a evoluc;áo das relac;óespolíticas no seio das tribos. Até entáo, as relac;óes de troca nos grupos "auca'' eram difusase q11alq11er um poclia iniC'iú-las ele <·omnm

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acordo com umhabilitado de passagem oucom um parceiro de urna etnia-tampáo. Ora,o acesso a part ir de entáo privilegiado dos "capitanes" a fontesde bens cobi<;ados e especialmenteas muni<;óes e armasde fago largamente difundidas durante oboom da Hevea eque se tornaram indispensáveis, acarretou modificac;óes náo apenas nas estruturasde poderindígenas, como também no sistemade relac;óes entre grupos locais,que perderam emfluidez e abertura. Mudar de grupo émudarde patráo e vice-versa,de modo que o graude fechamento ede atomizac;áo dessas unidades políticas fica reforc;ado, a pontode as identidades étnicas abrangentes ficaremas vezesquase dissolvidas. Essa é urna dasexplicac;óespara a importancia, na Amazonia peruana,dacomunidad - por oposic;áo a entidade étnicaou lingüística - e, conseqüentemente, a extrema fragmentac;áo das organizac;óes indígenas contemporaneas.

OS ESTADOS ANDINOSE SUAS MARCAS AMAZÓNICAS:ESTRATÉGIASDE INTEGRA<,;ÁOPelo final do séculoXIX, o piemonte equatorial comec;a finalmente a mover-se, sob o efeito de crises internas aomundo andino e em

seguida no ambito da dinamica suscitada pela expansáo comercialperuana na floresta. Odespertar doOriente equatoriano se manifesta inicialmente atravésde algumas tentativasde explorac;áoda vertente amazónica a partirdas terras altas,por exemplo no interior deCuenca ou de Cayambe, orientadas basicamente para a extrac;áode cascarilla e debala-ta Taylor, no prelo, b; Yanez del Pozo, 1988;Salazar, 1986). Os proprietários de terras dasierra assim como seus camponeses, sáo abrigados pelas circunstancias a diversificar suaproduc;áo. Os primeiros procuram comercializar produtos de prec;ode custo muito baixoe os outros comec;am a migrar em direc;áo aopiemonte de modo temporário ou sazona . Apartir de1910, esses fluxos migratórios aumentaram eos colonos, encorajados ativamente pelos missionários, comec;am a se fixar em tornode certos povoados como Mendez ou Mera(Shell), vivendo de sua posic;áo de intermediários entre a sierra equatoriana e a frente peruana,que de facto atingia, naquele momen

to, os cursos superiores do Bobonaza, do Tigre e do Curaray.Em 1928, já havia 250

colonos em Mera, algumas dezenas em Pue Arapicos. Esses imigrantes vinham das dondezasde Baños-Ambato e conseguiram sempregar nashaciendas ou nas empresas extrativistas de capital estrangeiro (plantac;óeschá em torno de Puyo, prospecc;áo de petrleo no norte).Ao sul do Pastaza, a frente dcolonizac;áofoi reativada no início dos anos30grac;as a umboom do ouroque atraiu milhares de garimpeiros a regiáo;18 mildentre elesainda estavam noOriente em 1938,em partegrac;as ao apoioda missáo salesiana.As duasprovíncias meridionais do piemonte equariano - o Morona-Santiago e o ZamorChinchipe - se distinguiam das do norte lo papel nelas desempenhado pelos apareladministrativos provinciais; ali, a atividade juntas regionais (principalmente oCentro deReconversión Economica del zuay - CREA

atesta urna intenc;áode integrac;áo localbemanterior ao impulso unificador do Estado. Stentativasde colonizac;áo planejada fracassram, mas aabertura de estradas cuja construc;áo foi financiadapor esses órgáos e o acessoque permitiam aos mercadosda sierra viabilizaram urna colonizac;áo espontanea, inflpelo fatode as províncias austrais dos Andeequatorianosterem sidoduramente atingidaspela crise agrária. Até 1980, a grande maiodos imigrantes amazónicos equatorianos pvinha dessa regiáo. Aguerra entre o Peru e oEquador em 1941 interrompeu esse desenvovimento ainda hesitante e oOriente principalmente ao su do Pastaza, voltou a cair emrelativo isolamento e esquecimento durante ddécadas. Masas estradas,que ficaram, continuavam trazendo para a Amazonia um peqno fluxode colonos expulsosda sierra pelmiséria.

Até 1940, o Estado equatoriano tevep o u a

presenc;a no processo de integrac;áo do Orite Comode hábito, delegouas missóes o cuidado de gerenciar a regiáo e suas populac;óA efemera restaurac;áoda ordem das redu<;óesjesuíticaspor Garcia Moreno em 1869 atesbem a persistencia, nesse particular, da hera< a colonial. Mas a Companhiajá náo tinhafor-c;a suficientepara arrancaros índios dasm ados comerciantes mestic;os, e abandonou1 2

pidamente a partidaem favor dos dominicanos, bem mais conciliadores em relac;áoaim

patróes. Assim, apartir de 1880 desenvoh-ewse urna nova frente missionáriaque favo

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os movimentos comerciais e as migrac;óes suscitadas peloboom da borracha. Os dominicanos, cujas missóesde Shell ede Puyo prosperavam grac;as presenc;a dos colonos, também

se beneficiaramda

expansao dos índios falantes de Quechua. Assim,estenderam seu domínio para o norte e a jusante, retomandoigualmente,durante alguns anos, as missóescriadas pelos jesuítasentre os Shuar do Upano e do Palora. Os salesianostambém se instalam em território shuar apartir de 1890, novale do Zamora, e incentivaram ativamente acolonizac;ao dessa regiao.Ao mesmo tempo,multiplicaramas escolas e internatos na regiaoindígena, até cobrir,em 1950, toda a zona jivaro do Morona-Santiago e do ZamoraChinchipe. Proporcionalmente, o desenvolvimentoda rede missionária é mais fraco no Peru. Os jesuítas conseguiram se implantar entre os Aguaruna e os Huambisa no final do séculoXIX, apesarda hostilidade dos índios, massofreram, apartir de 1921, aconcorrencia dospassionistasque se encarregaram do vicariatode San Gabriel del Marañon. Mas os passionistas se contentavamem visitar esporadicamente suas ovelhas, e até 1940 nao fizeram nenhum esforc;ode sedentarizac;iio, educac;ao oucolonizac;ao. Entretanto,as ordens católicas tiveram de enfrentar,desde o início do séculoXX, a difusiio das missóes evangélicas norteamericanas. A Cospel Missionary Union se instalou na Amazoniaequatoriana em 1903 (emMacas) e se espalhou rapidamente grac;as aosmeios técnicosde que dispunha: multiplica<;iio das pistasde pouso, criac;iiode urna rádioem língua Shuar, introduc;iiode novos fatoresde produc;ao (especialmente o gado) e comercializac;aode recursos locaisem benefício dosíndios. A chegada dos fundamentalistas ame

ricanos (basicamentena forma do Summerlnstitute of Linguistics)foi mais tardia no Peru 194 7), mas a Wycliffe, aproveitando-se doarcaísmo e do conservantismo do clero católico, comec;ou rapidamente a exercer urna certa influencia sobreos grupos indígenas.

A relativa fraquezada rede missionária noPeru - em comparac;iio com a doquador -está certamente ligada aopapel mais ativo alidesempenhado pelo Estado:parte ativa noprocessode incorporac;ao das marcas orientais,estava menos disposto aceder seus poderesas

missóes, semmencionar a resistencia dospa-trones cujo controle sobre os índiosera de tal

Il STÓRIA PÓS-COLOMBJANADA ALTA AMAZÓNIA

porteque tornava redundante -ao menos aosolhos dos funcionários e comerciantes - apresenc;a dos religiosos.Ao contrário do Equador, o Perutinha também urna política volun

taristaem matéria de

colonizac;iio,que

se traduziaem concessóes gigantescas a associac;óesde imigrantes estrangeiros. Por faltade meiosde comunicac;ao, essas colonias planejadas acabaram todas fracassando, masum movimentoespontáneode ocupac;ao das vertentes orientais se desenvolveu rapidamente, principalmente a partirde Cajamarca. Como no Equador, esse tipode colonizac;iiofoi inicialmentetemporário ou sazonae, nesse estágio, aindaconstituía urna extensaoda economiaserranae de seus problemas, mais doque urna ver

dadeira fronteira com urna dinamica própria.A partir dos anos 60, o sistema dopatro-nazgo e a configurac;ao das relac;óes interétnicas e intertribaisque he eram associadas entraram em declínio. Vários fatores contribuíram para o seu desaparecimento: urna baixainexorável dos prec;os dos produtos cultivadosou coletados pelos índios, especialmente dobarbasco das pelese, em menor medida,damadeira; a penetrac;iio macic;a das companhiaspetrolíferas e a criac;iio concomitantede ummercado de trabalhoque oferecia aos índiospossibilidades alternativasde acessoao dinheiro; paralelamente, a expansao das missóesevangélicas e dos programasde desenvolvimento comunitárioque elas organizavam, logo copiados pelos setores progressistas das ordens católicas.28 m tal conjuntura, os patróes mais afortunados abandonaram suashaciendas na floresta, migrarampara as cidades, reinvestiramem outros setores mais rentáveis (imobiliário, cocaína) eem geral conseguiam, na posic;iiode figuróes locais, conser

var ou até aumentar seu poder político.Tipicamente, formavam oque foi chamadode"lúmpen-burguesia" (Haring, 1986) das cidades amazónicas. Os menos ricos se transformavam emregatones em geral a servic;ode expatróes que se tornaramhabilitadores numagrande cidade. Naturalmente, opatronazgo naodesapareceude um dia para o outro; mantevese durante muito tempo nas regióes isoladas,especialmente ao norte do Marañonem território achuar e aguaruna,onde regatones controlavam grupos locais até meados dos anos 80e pagavam o trabalho dos lenhadores índios embens manufaturados (Ross,J B., op. cit.).

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A presenc;a das companhias petrolíferase/ou das missóes sem dúvidacontribuiu paraliberar os índiosdo controle dospatróes oudos regatones mas também apresentava osseus perigos. Sem falar das agressóes ao meioe aos territórios indígenas, a monetarizac;iioprogressivada economia local - no ámbitode um boom petrolífero, aindapor cima - gerou aomesmo tempo um aumento das necessidades e dos prec;os, e os índios se viram obrigados a seausentar por mais tempo de seuslarespara obter meiosde suprir suas necessidades.Em certas regióes,principalmente onde as missóes niio ofereciam alternativasparao trabalho assalariado paraas companhias, esseprocessoacarretou urna quase-dissoluc;iiodecertas comunidades,como as dos Cocamillas,trancafiadas até entiionuma indianidade aparentemente tradicionalpela relac;iiocom opa-triio, e a adoc;iiopor parte de seus membrosde urna identidade ribereño urbana ou rural(Fuentes, op. cit.; Stocks,op. cit.). Em compensac;iio, nas regióesonde as missóeserammais fortes e participavam ativamentede programasde desenvolvimento - comoentre osShuar - os grupos locaisgeralmente mantinham sua coesiioenquanto se voltavamparanovas formasde hábitat e de organizac;iio co

munitária.29

A expansiio do t rabalho assalariado eda penetrac;iio missionáriatambém contribuiu para apagar oque restavada divisiio auca/mansos . A difusiio, apartir de 1920,das relac;óesde patronazgo para o conjunto dos grupos indígenasda Alta Amazoniajá tinha, evidentemente, enfraquecido muito essa divisiio; masna épocaos modosde articulac;iio das duas categoriasde índioscom a sociedade dominante aindaeram bastante diferentes.Os civilizados costumavamtrabalhar em verdadeirashaciendas ao passoque os aucas forneciamlivremente, urna ou duas vezespor ano, os produtos devidos aum habilitado. Além disso,osíndios cristianizadosmantinham sua posic;iiode intermediários culturais edetinham os instrumentos mais poderososde manipulac;iioxa-mánica das relac;óes interétnicas. Apartir dosanos60, esse monopólio comec;ou a enfraquecer, na medida em que selvagens como osAchuarou os Huaoran i deixavam seus grupospara trabalhar temporariamente como assalariadosna Kumpania - urna entidade abstrata que engloba todas as variedadesde em-

presas multinacionaisque oferecem pagamento em espécie - viajavam econheciam outras populac;óese muitas vezes, outras fontesde poderes xamánicos, urbanas ou andinas.As-sim, o cosmopolitismo, o statusde fronteiric;osimbólico, a mobilidade intercultural, privilégios anteriormente exclusivosde certas tribosespecializadas, tornaram-secada vez mais características individuais passíveisde serem adquiridaspor qualquer índio de qualquer origem étnica.

As transformac;óesque ocorreram apartirde 1960na Alta Amazonia foram acompanhadas por um envolvimentocrescente dos Estados andinosna gestiiode seu espac;ode floresta e de suas populac;óes. Seu interesse estava ligado, evidentemente, as jazidasdepetróleo, mastambém a esperanc;ade que essas florestas supostamente vazias pudessem aliviar a pressiiopor terrasna sierra. Também este caso o Perutomou a dianteira: o presidente Belaunde manifestoujá em 1963urna claravontadede ocupar e anexar, ideológica e socialmente, o espac;o piemontes, como atestamo projetodesmedido da carretera marginalambiciosos planosde colonizac;iio dirigida (queredundaram, novamente,em fracassoretum-bante) e a promulgac;iiode um Plan Nacional

de Integración de la Población Aborigen agressivamen e assimilacionista (Chaumeil,1990).O desenvolvimento paralelode um foco deguerrilha no piemonte central3° mostrabem,aliás, que o controle do território amazónicotornou-seum alvo político importante. O governo militar progressistade Velasco prosseguiupor outros meios a política integracionistainauguradapor Belaunde, especialmente através da elaborac;iiode um dispositivo legislativo a Ley de Comunidades Nativas de conseqüencias consideráveis sobre omundo indígena na floresta, ao mesmotempo porque essalei influencioude forma decisivaas formasdeorganizac;iio adotadas pelas federac;óes indígenas nos anos posterio res eporque contribuiu,apesarde tudo, para frear o desmantelamento das comunidades ameac;adasde ribere-ñizac;iio , fornecendo aos gruposem vias dedesindianizac;iiorápida o espac;o mínimo e otempo de respirar necessáriopara se reorganizarem.31Desse ponto de vista, sua promulgac;iio teve, portanto, efeitos análogos aosdacriac;iiode centros pelas missóes do Equador.O regime militar equatoriano - seguido nes

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se particular pelos governosc1v1s que osucederam32 - também multiplicouas medidas legislativas e os projetosde desenvolvimento, ao mesmotempo estratégicos e económicos, destinadosa RAE;33 em geral, porfalta de meios e principalmentepor falta deplanejamento coerente,os efeitos concretosdessas decisóes demoraram a se fazer sentir.

e fato, a integrac;áo doriente equatoriano,que se acelerou consideravelmente a partir dofinal dos anos70 deveu-se essencialmenteaatividade das companhias petrolíferas,a nfraestrutura que instalaram, aos empregosquecriaram eacolonizac;áoespontanea que provocaram, mais do quea ntervenc;áo do Estado.

O NASCIMENTODAS

FEDERA<;ÓES INDÍGENASÉ nesse contextode expansáo acelerada dafrente de coloniza<;'ao, de mohilizac:;üo intensa

IIISTÓRIA PÓS-COLOMB ANADA ALTA AMAZÓNIA

das missóes religiosas concorrentes, de monetarizac;áo crescenteda economia indígena,deabandono do recurso a intermediários culturais tradicionais, enfim, de ameac;aacentuadade desagregac;áo étnica e tribal, apesardama-nutenc;áode alguns aspectos comunitários pelo Estado oupela Igreja,que deve ser analisado o fato mais importante acorrido nesses últimos quinze anos nomundo indígenadaAmazonia: a emergencia e florescimento defe-derac;óes indígenas muitobem estruturadas edecididas a participar da vida política nacional.

A primeira grandeorganizac;áo, a Federación de Centros Shuar(FCS),nasceu no Equador em 1964 incentivada pelos salesianos. Náoé certamente por acasoque surgiuentre um

grupo profundamente - e brutalmente - escolarizado da missáo. AFCS seria durante muito tempo a ponta-de-lanc;a e o modelo dominante do movimento indígena amazfmico.Já

• i s t r i b u i ~ á odas etnias na Alta Amaz6nla por volta de 535

i ASTO ....... \

· ceano Pacífico

MALACATO(Jiv.)

Fronteira Tahuantinsuyo

- confirmadaincert

CARA

zonas e penetrac;Ao incaica (adaptado e Casevitz, Renard,Saignes, Taylor 1986)

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232 IIISTÓRIADOS ÍKDIOS NO BHASIL

nasceu forte, gra<;as as organiza<;óes naogovernamentais(ONG)mobilizadaspela Igreja, e colocouem prática urna política bastante desarrollista , realizando projetos inovadores em matéria de educa<;ao bilíngüe radiofónica (FCS, 1972). O sucessoda federa<;aoshuar levou as missóes evangélicas a criarsuas próprias organiza<;óes indígenas, aparentemente mais tímidas e conciliadorasemrela<;ao aos aparelhos estatais, e mais orientadaspela forma<;ao e acumula<;ao individual.Contudo, alguns dos dirigentescontempora-neos mais radicais, tanto nos Andes quantonafloresta, sao originários dessas federa<;óesapolíticas de inspira<;ao protestante. Os gru

pos falantesde Quechua também se organizaram em federa<;ao apartir de meados dos70 e maistarde todosos movimentos indíge-

ceano Pacífico

/

··:· · ·

º ~ i

tert as altas andinas(acima de 2:000 m)

• centros com mais de 300 hab.o • centros com menos de 300 hab.

audiéncia de Quito• • • bispado de Quito

distrito municipal de Quito

gobiernozonas de explora<;:áo de ouro

A minas de ouroá cajas reales

~ ~ n t ~ i ~ ~ J > ~ ~ d ~ ~ ~ á o

adaptado de J. P. Deler 1981)

nasda floresta se uniramnuma organiza<;ao nacional, aCONFENIAE(Confederaciónde Nacionalidades Indigenasde la AmazoniaEcua-toriana), inicialmentedominada pela federa<;ao shuar, mas atualmente cada vez maisinfluenciada pelosQuechua. A rede amazónica constitui hojeem diaum dos principais componentes daCONAIE(Confederación de Nacionalidades Indigenas del Ecuador), órgaoquerepresenta o conjuntoda popula<;aoindígenado país e transformou profundamente a linguagem política e a natureza das reivindica<;óesavan<;adas pelo movimento. O desaparecimento da no<;ao de classe, substituídapela de na-cionalidad ou indianidade, a idéiade territorialidade como fundamentode identidades coletivas, a importancia atribuída as questóes

culturais e especialmente a educa<;ao bilíngüe, todos sao temas elaborados originariamente pelos grupos amazónicosque atualmente saocomuns ao movimento indígena equatorianocomo um todo (Taylor, no prelo, c).

O Peru também presenciou urna explosaoformidávelde movimentos indígenas, principalmente a partir de 1974, gra<;as ao quadrojurídico oferecidopela Leyde Comunidades.Como no Equador,as federa<;óes jivaro assumiram rapidamente urna posi<;ao determinante no seioda dinamica indigenista.Entre elas

destaca-se o Consejo Aguaruna, do qual umdirigente,E. Nunguak,foi até muito recentemente o presidente da AIDESEP(AsociaciónInteretnica para el Desarrollode la Selva Peruana), equivalenteperuana da CONFENIAE.Um dos aspectosque maischamam a aten<;aono movimento indígena peruano,em compara<;ao com o do Equador, é seucaráter extremamente fragmentado no plano institucional:há mais de quarenta organiza<;óespara aproximadamente setenta grupos étnicos ou tribaisna Amazoniaperuana (Chaumeil, 1990). Alémdisso, as federa<;óesdo Oriente equatorianotem praticamente todasum perfil mono-étnicobem marcado, ao menos nominalmente, aopassoque no Peru as organiza<;óes sao muitasvezes pluritribais e invocam urnaidentidademais regional doque étnica. A atomiza<;aoda

frente indigenistaperuana está certamente -

gada a focaliza<;ao localherdada do patrona -go e a Leyde Comunidades; mas além disso.existem divisóes profundasentre as instanciasconfederativas nacionaisou macrorregionais.especialmente entre a AIDESEP,o CISA(Con-

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sejo Índiode Sudamerica), filiado ao WorldCouncil of Indigenous Peoples, e aCONAP(Confederaciónde Nacionalidades Amazonicas del Peru),que representam ideologías epolíticas indigenistas diferentes.

Tanto no Peru como no Equador, o aparecimento desses movimentos políticospareceestar ligado a existenciade urna camada de índios destribalizados ,as vezes urbanizados,geralmente educados nas escolas das missóes,e que se encontraram num dado momentodianteda escolhaentre um status inferiordemesti<;;o ri ereño ou a cria<;;i.io de urna novaidentidade indígena. No Equador, esse processo de inven<;;i.io de formas inéditasde indianidadefoi mais longe, alimentadopela evolu<;;iio

sociológica do paíscomo um todo (Taylor,noprelo c). No Peru, o movimento ficou prensado entre os traficantesde drogas,bandos armados rivais (Sendero Luminoso eMRTA -~ o v i m i e n t oRevolucionario Tupac Amaru) eas fon;:as da ordem, todosprocurando controlar as popula<;;óes indígenas, etem menos importáncia política e ideológica no ámbito nacional doque no Equador.De qualquer modo, transformou radicalmente os dados do

problema índio nas terras baixas.O surgimentode um movimento político

dotado de formas institucionaismodernasde tipo ocidental levou amuta<;;óes sociológicas consideráveis nomundo indígena. Antesde mais nada, evidentemente, no plano dosmecanismosde constru<;;iio de identidades coletivas. A superposi<;;iiode filia<;;óes distintas característica dos grupos dessa regiiiotende a desaparecer,cedendo lugar a urnadefini<;;iio cada vez mais unívoca das identidades,segundoo modelo dasfilia<;;óes políticas próprioda sociedade dominante. Seantigamente era pos

sível ser ao mesmo tempo Achuar, Canelos,Cocama e mesti<;;o dependendo do contexto,hoje só sepode ser shuar , ou entiio indígena , como seera antigamente proletário oucampones. Esseencolhimento - ou endure-cimento - do campo de referenciasde identidadeas vezes acabaenfraquecendo a coesiioétnicade certas popula<;;óes, como ocorre como conjunto jivaro, divididoem federa<;;óes tribais pouco solidárias. Mas aomesmo tempofavoreceum processode retribaliza<;;iiono seiode gruposde origemheterogenea, ou desarticuladospela explora<;;iiopatronal - especialmente entre os Shiwiar doCorrientes (Sey-

IIISTÓRJA PÓS-COLOMBIANADA ALTA AMAZÓl\JA

mour-Smith, 1988) e os Cocamillas do Huallaga (Stocks, 1981)- e até mesmo de indianiza<;;iio ou neo-etniciza<;;iiode comunidades há muito identificadascomo mesti<;;as oupelo menos como nao-indígenas. Assim, camponesesda ilha de Puna, no golfo de Guayaquil (filiadosrecentemente a CONAIE)e certas aldeiasde negros do Manabi ede Esmeraldas (costa pacíficado Equador) identifi-

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Índio manso damissao de Maynas,dan9andona lgreja.

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234 llTSTÓRTA DOSÍl\D OS 1\0 BHASIL

ceano

l / / / , zona de influencia da missáo dominicanazon de influenci d missáo fr ncisc n

limites da Missáo Jesuita e Maynas

cam-seatualmente como indígenas . Todosesses elementos contribuempara refon;ar a dinil.mica do movimento indígena e difundir a linguagem políticaque desenvolveu, náo sem provocaras vezes graves tensóes internas no mundo indígena amazónico. Os dirigentes equadros das federa9óes sáo geralmente homens

jovens, parcialmente desenraizados, alienadostanto domundo indígena"tradicional" quanto da sociedade dominante, tragadospela bu-rocracia das federa9óes e freqüentemente afastadosde suas bases locais, cujaspreocupa9óesignoram. o mesmo tempo, as figuras políticastribais - guerreiros ou xamásde renome -já náo tém meiosde exercerseu poder, e náopossuemum domínio suficiente das novas linguagens,redes e meiosde comunica<;áo próprios dos movimentos organizadospara dirigiras comunidades indígenascada vez mais integradas a vida económica e política regionalou

MAYNAS /

//

limites das Intendenciaslimite da Audiencia

-- vías de penetra9áo

/

até mesmo nacional. Essa criseda lideran<;a local e a tensáoentre as comunidades oucentros

e as instancias das federa9óes explicam emparte a oscila9áo das filia9óes as várias organiza9óes e a instabilidadede seus quadros.

Quanto ao futuro do novo movimento indígena, presoentre urna crisede representati

vidade no p lano local e a dificuldadede criarum pro eto político no plano nacional (ou internacional), ao mesmotempo portador das esperan9asde setores importantesda sociedadedominante - sem falar domundo indigenaamazónicode que se originou- , é evidentemente impossível prever.Enquanto esperamospara ver que caminhosirá seguir,meditemosacerca do animador paradoxo históricoquenos apresenta: a verdadeira integra9ao nacional da Amazonia andina, no p lano político eideológico e náo mais apenas económico, está sendo feita justamentepor aquel esque sem-

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pre foram considerados como seu principalobstáculo, os índios niio-assimiladosdafloresta.

BREVE ORIENTA< ÁOBIBLIOGRÁFICAHá poucas obrasde sínteseda história daAlta _\mazónia e menos ainda sobre o panoram etnográficoda regiiio. Para urna visiio deconjunto, pode-se consultar, além do volume3 do Handbook o South American Indians

.\ OfAS

:1) Certos trechos <leste artigo - especialmente a segunda, aterceira e a quarta partes - sao trechos re\istos de um artigo intitulado El Otro Litoral: elOriente ecuatorianoen el siglo XIX'', pertencente aurnaobra coletiva sobre oEquador no séculoXIX dirigidopor J. Maiguaschca (Corporacion Editora Nacional, Quito, aser publicado em 1992).'2) A imagem apresentadapor Steward e Métraux dassociedades damontaña no capítuloque hes é dedicado doHandhook o South American Indians sintetiza bem o conjunto dessas determina96es negativas:embora perten9am inegavelmenteas tropical forestcultures",por seus tra9os constitutivos sao apenasum

pálido esbo90 de tais culturas; aomesmo tempo, como o meioos condena a baixas taxas demográficas demodo crónico, naopuderam inspirar-se no exemploandino,por falta de popula9ao. A coloniza9ao espanhola ter-lhes-ia inclusive trazido algum progresso, incentivando, atravésda introdu9ao das tracasde bensmanufaturados, o desenvolvimentode rela96es supralocais e interétnicas inéditas. Os trabalhos dos doisautores - B. Meggers eD. Lathrap - que dominaram até os anos80 a percep9ao científica corrente da.-\Ita Amazoniamantem-se em muitos aspectos próximos dessa visao. Assim,para B. Meggers 1971), fo¡justamente a adapta9aobem-sucedida dos grupos demontaña ao meiode tierra firme o que os impediuipso facto de atingir formas elaboradasde organiza-9ao social;por isso as popula96es, assim comoas influencias culturais, deslocam-sesempre para o leste,em busca da várzea. D. Lathrap,por sua vez,postulaum movimento geral inverso, de lestepara oeste, embora invoquedeterminantes geográficas identicas: odeslocamento para o sopé dos Andes de grandesfamílias culturais originárias do leste amazónico e a di' isao lingüística eétnica da regiao seriam explicados,entao,pela competi9aointertribal pela apropria9aodas ricas terras aluviais,de modo que os grupos vencidos relegadospara as colinas teriam sido levados,como os Pano do interflúvio, aum processode involu9ao ede adapta9ao especializada aum hábitat infinitamente menos favorávelao desenvolvimento de for

mas sociológicas complexas e variadas, tendo sido reduzidos,conseqüentemente, ªºatomismo, a pobrezatecnológica, sociológica e ritualque se observa hoje

IIISTÓRIA PÓS-COLOMBIANADA ALTA AMAZÓNIA

D'Ans, 1982;para a arqueologia, consultarLathrap, 1970 e Myers, 1988;para a históriaincaica e pós-colombiana, a melhor obra é ade Santos Granero,Historia de l Alta Amazonia siglos XV-XVII a ser publicada em1991pela editoraAbya-Yala de Quito. Para o período imediatamentepré e pós-colombiano,pode-se também consultar Renard-Casevitz,Saygnes eTaylor, 1986. Nas notas do artigoencontram-se abundantes indica¡;óes bibliográficas sobre questóes mais específicas.

em dia. Em todos esses trabalhos, os grupos da AltaAmazoniaaparecem como protagonistasde urna pe-9a cuja a9ao principal estaríaocorrendo nos bastidores, ou noandar de cima.Lathrap (1970, 1981)inova,entretanto, ao mostrar, baseadoem pravas arqueológicas,que a altamontaña e até aceja propriamentedita tinham sido habitadas nos tempos pré-colombianos, contrariamente a urna opiniao largamente difundida ecoada em Steward e Métraux.3) As mais importantes sao: Cornejo y Osma,1905-6;Rumazo-Gonzalez,1948;Vacas Galindo,1902; Larrabure y Correa,1905; Eloy y Morales,1946.(4) Citaremos apenasP de Cevallos em 1775-6(Rumazo-Gonzalez,1948),J. Diguja eRequena em1777e 1780,no ambito dacomisión de limites ANH/QOriente 2, 3-5-1785-90;AGOFE, Requena,1785,mise.

doc. 13-174, II f 20-44), Diego Calvoem 1798(.rnII/QOriente 3, 4-x-1798;AIIBC,fondo Jijon,I, vol.30, doc. 92 e 267; Rangel,1808 in Cornejo y Osma,IV); o franciscano J. Prieto em1815 (in Compte,1885);ver M. E Porras,1987;Deler, 1981;Costales,1977 e 1978.5) A bibliografia acerca da missao de Mainas é abundante; citaremos aquí apenas as fontes mais importantes: Jouanen,1941-3;Chantre y Herrera,1901; Maroni,1889-92;Figneroaet al., 1986;Uriarte,1988;paraurnaboa síntese etno-histórica, ver Grohs,1974;paraurna descri9ao do funcionamentointerno de missaoe urna sociología dos missionários, ver a excelente tesede A. Golob, 1982; para a história política e institucional, ver Porras,1987.6) Durante a última década, pesquisadorespreocu

pados em graus diversos com taiscaveat contribuíram com seus trabalhospara transformar a visao estereotipada que se tinha das sociedades do alto Marañan. O trabalho pioneiro deW. Grohs (1974), aomesmotempo que revelava a riqueza do material jesuítico, mostrava oquanto a presen9a da missao tinha transformado opanorama étnico da regiao, destruindo assim o postulado primitivista aque os etnógrafos da Alta Amazonia aderiampor hábito.Outrosespecialistas,especialmente U. Obrerem (1966)e T.Myers(1981),dedicaram-se a revelar a existenciadevastas redes regionais nos tempospré e pós-colombianos; outros,abordando a compartimenta9iio dis

ciplinarentre os Andes e a Amazonia, procuraram reconstituir a história das rela96esentre Alto e Baixo,ou seja, a historicidadede urna fronteira anteriormen-

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236 IIISTÓIUA DOS ÍNDIOS'10 BRASIL

te considerada natural (Renard-Casevitz, Saignes eTaylor, 1986;F. Santos Granero, 1988). Finalmente,as pesquisas sobre os grupos de língua quíchua da florestacontribuíram bastante para o declínio da antigaabordagem monográf ica e aistórica: os trabalhos inovadoresde U. Oberem sobre os Quijos1971), de N.Whitten sobre os Quíchua Canelos 1976 e 1986),deF. Scazocchio sobre os Lamistas (1979)e, mais recen-temente,de M. E Reeve (1984) sobre os QuíchuaCanelos do Cururay, de J. Hudelson (1987) sobre azonade Loreto, todos enfatizam ocaráter ao mesmotempo de bricolagem" e processual dessas sociedades,tra9os que se encontram também entre os Chayavitas (Fuentes, 1988) e Cocamillas (Stocks, 1981),muito semelhantes aos Quíchuapor sua trajetória histórica epela natureza de sua rela9ao com a sociedade dominante. Mostrando como esses grupos, nascidos após a conquista, tinham sido forjadospela história, em vez deterem sido inexoravelmente minadospor ela, tais trabalhos abriram os olhos dos antropó

logos especialistasem sociedades tradicionais para a historicidade das popula96esque estudavam.7) A questao da filia9ao dos Candoa se resume ao se

guinte: esses grupos só diferem dos outros Jivaroemdois pontos, a terminologíae, aparentemente, o sistema de parentesco e a língua (Amadio, 1982 e 1985;Payne, 1981; Tuggy, 1986).Enumerei noutros trabalhos as raz6es que, naminha opiniao, justificam suainclusao num único conjunto macrojivaro (Taylor,1985; 1986, vol. 2).8) Restamcertamente alguns falantes deum dos dia

letos zaparoentre os Canelos do Bobonaza e doCuraray (Whitten, 1976 e 1986; Reeve, 1984).9) A popula9aoconhecida até recentemente sob o

nome de Quijos(entre outros) naotem certamentenenhuma rela9ao com o grupo pré-colombiano, possivelmente de origem chibcha,que ocupava a regiaodo alto Napo e estava associado a chefia andina da regiao de Latacunga; ver sobre esseponto Oberem,1972; Tludelson, 1987; Muratorio, 1987.10) Na verdade,as sociedadespertencentes a essaclasse nao sao todas de língua quechua (especialmenteos Xeberos eos Chayavitas) mas todas compartilhamas mesmas características sociológicas;por comodidade, utilizo aetiqueta "quíchuada floresta"para designar, metonimicamente, o conjuntopor elas formado.11) Embora todos concordem em reconhecer a urgenciade se estudar essa regiao - o su doEquador

em geral, aliás - para melhor compreender a história do subcontinente, poneos arqueólogos nela se aventuram, preferindo os sítios costeiros ou andinos maisacessíveis ou prestigiosos. Os vestígios sao, no entanto, muito abundantes no piemonte, assim como nosvales altos no limiarda cordilheira e nas terras negras abeira dos grandes rios,especialmente do Pastaza. Existe, aliás,um grande sítio cerimonial (Sangay) próximo a Macas,já conhecidohá muito tempo.12) Esse resumo dopanorama étnico da Alta Amazonia no séculoXVI baseia-senum minucioso trabalho documental e bibliográfico cujos detalhes e referencias seencontram em Renard-Casevitz, Saignes eTaylor, 1986, vol.2.

13) As primeiras entradas foram asde Alvarado (1535)e de Mercadillo (1538)em dire9iio ao alto Marañonvía Chachapoyas, seguidas pelas deP de Vergara

(1542-43?) no vale do Zamora e de Diego Palominna bacía do Chinchipe (1549);pela mesma época, D.de Piñeda abriu através da zona quijos a víade acesso maisimportante para a Amazonia apartir da sier-r norte, pelas nascentes do rio Coca, rotaque seriaseguidapor G. Pizarro eOrellana em 1541, durantesua devastadora conquista donorte do Oriente equa-torial. O vale do Upano fui explorado apartir da sierra em 1550 por Benavente, o do Santiagopor Perezde Viveroem 1558. Aconquista mais importante -pela for9aque mobilizou, pelonúmero de cidadese encomiendas que criou epela quantidade de informa9aoque nos legou - fui, no entanto, a deJuan deSalinas, iniciadaem 1556 e retomada em 1654; a pacifica9ao final da por9ao meridionalda gobiernacionde Salinas fui realizadapor Vaca de Vega en 1616, ados "Motillones" do Huallaga e da regiaoentre Moyobamba e o Marañanpor Riva Herrera em 1653.14) Enquanto só a gobernacion de Quito englobava

praticamente todasas terras altas e o litoral entre barra e Tumbez, comexce9ao da costa de Atacames, opiemonte oriental estava dividido,em 1560, em cinco gobiernaciones (de fronteiras aliás muito fluidas),cada urna com váriasciudades e villas e muitasenco-miendas quase todaspuramente nominais (cf Rumazo-Gonzalez, 1946; Deler, 1981:46-8; Taylor1986:2/253ss).15) A escravidao dos índios,proibida em princípio,

florescia na Alta Amazoniadurante os séculosXVI eXVII disfar9adade encomienda; quanto aos índios queescapavam dosrepartimientos bastava dizerque eramcimarones e apóstatas, ouentao que abrigavam fugitivos dasencomiendas para justificarsua captura; osrebeldes mais obstinados eram passíveis de urna guera a fuego y sangre" e escravizáveis sem problemasOs jesuítas participavam, aliás, desse tráfico,entre-gando as autoridades civis, eportanto aos encomen-deros grupos ou indivíduos apóstatas (como os Caesou que resistiam armadosas entradas evangélicas (como os Jivaro) ou, ainda, confiando aos "civis" índioreduzidos alegandoque a missao naotinha meios desustentá-los; sem falarde sua cumplicidade tácita -é verdade que nao podiam fazer grande coisa - notráfico de prisioneirosentre índios e portugueses nasfronteiras do Pará (cf. M. E. Porras, cap. 3; J ouanen.2:428-41; Taylor, 1991).16) Devemos aogrande historiadorquítense Juan de

Velasco a inclusaona historiorafia canónica andina domito fronteiri90 relativo ao levantamento jivaro. Sobre a natureza e verdaderias propor96es dessa reheliao, ver Taylor, 1986).17) Vários autores,entre os quaisA. Golob, susten

tam há alguns anos a tese deque o belicismo dos u-

pos da floresta éde origem colonial eque está específicamente ligado, no contexto da Alta Amazonia, amodo de funcionamento das missóes jesuíticas.De-

ve ficar claroque se por um lado é evidenteque certas formasde agressaointerétnica se desenvolveramou se acirraramcom a coloniza9ao e ademanda deescravos, e queas estratégiasde sobrevivencia de certos grupos (os Xeberos, osCaes por algum tempo, osOmáguas..) passavapela ado9aode urna variedadede

ethnic soldiering"(Whitehead, 1988 e 1990), naoé

menos evidenteque outras formasde guerra'' intertribal existiam antesda chegada dos espanhóis, especialmente as guerrasde reprodu9ao simbólica como

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o canibalismo tupi ou aca<;a as cabe<;as jivaro.Ao contrário, tudo leva acrer que esses tiposde violenciainstitucionalizada se tornarammenos freqüentesoudesapareceram com o contato com os brancas. Issotudo para dizer que nao há razóespara reunir sob omesmo termo,unicamente em razao deum ar de família , comportamentos a que dao origem práticas tiiodisparatadas quanto a sua lógica sociológica e simbólica quanto aca<;a as cabe<;as e aca<;a aos escravos._\ssim,as teses que atribuem a presen<;a colonial oaparecimentode urna agressividadeinédita no seiode um mundo indígenaessencialmente voltadoparaos valores pacifistas (caricaturamospara real<;ar o argumento) siio tao grosseirasquanto aquelasque antigamente imputavam aos índios urna ferocidade intrínseca. Além disso, dizer quea guerra é urna falsa categoría antropológica naoquer evidentemente dizerque nao existanenhuma rela<;ao ou influenciaentreformas autóctones e coloniaisde preda<;aointertri-bal; se nao se tiverum espírito demasiado literal, nada impede,em princípio,que se coma o inimigo aomesmo tempo em que se o vende ..118) Sobre essa questao, ver Sweet,1974; T. Myers,1988; Santos Granero,1987.119 A história dessa fronteirana época incaica enoinício da coloniza<;ao espanhola éestudada em detalhes in Renard-Casevitz,et alii, 1986,vol. 2.¡20) Purina designapara os Quíchua da florestaaomesmo tempoum período depermanencia e urna forma de hábitat secundário,numa casa isolada, geralmente situada as margens do território doayllu oudo untun (grupo mínimo de residencia ede paren-tesco).(21) Várias casasde mesti<;os foram atacadas pelos índios, principalmente Aguaruna e Huambisa, nesse período,geralmente em retalia<;aopor matan<;as cometidas pelosbrancas em panico, desorientados <lianteda ausenciade intermediários habituados a tratar comos bravos - os missionários - erepentinamentecolocados cara a cara com índiosque nao estavam habituados a ver. Sobre esse episódio, ver Taylor, inédito, b.(22)A regiao de Mainas, inicialmentena forma deumgrande bispadoque incluía Mainaspropriamente dita além de Quijos e Macas, foi confiada as autoridades limenhas apartir de 1802.Para urnaboa síntesedos problemas causados pelas redivisóes do território amazónico equatorial, ver Deler, op. cit.:90-5.

(23) Sobre aindústria da borracha no oeste da Amazonia, ver antesde mais nada Casement (1912) e o li\TO de Hardenburg, The Devil s Paradise, 1912;Taussig, 1988;B. Weigstein,1983,II. Bonilla,1974;Muratorio, 1987.Urna interessante descri<;i'ioda indústriada balata, típica do vale do Tigre, e domundo dospequenos brancos que ali se desenvolvía se encontra

em Woodroffe,1914.(24)O termo enganche denota na América espanholaum sistemaem que o patrao fornece em adiantamentobens manufaturados eespera em traca urna quantidade determinada de produtos da coleta, de modo quecabe aos endividados organizar comoquiserem seutempo e seu trabalho.(25) a principal diferen<;aentre essashaciendas dafloresta e urnaplantation propriamente dita. Neste último caso, a mao-de-obra étransportada e instaladanos locais da planta<;i'io, ao passoque no primeiro

IIISTÓl\IA PÓS-COLOMBIANADA ALTA AMAZÓNIA

é a fazendaque vem se implantar sobre ogrupo indígena.(26) Para boas descri<;óes das variantes locais dopa-tronazgo, ver Osculati,1850 e Muratorio,1987parao Napo; Villavicencio,1858 para o Oriente equato

rianoem geral; Stocks,1981 e Fuentes,1988para osíndios de pueblo; P Gow, 1988 para o alto Ucayali;Seymour-Smith,1988Ross, 1980e Colin-Delavaud,1977para o Pastaza-Tigre.(27)Paraum bom exemplo do funcionamento dopa-tronazgo entre os índios bravos e os riscos envolvidos, verHoss, 1980:entre os Achuar do Huasaga, quatro tranqueros, que tinham-se aliado localmente e alegavam,entre outras coisas,competencia xamanica,foram condenados amorte entre 1970 e 1976.(28) No Equador, a introdu<;aode gado noscentrosindígenas pelas missóes -medida ecológica desastrosa a médio prazo - serviu de apoiopara reivindica<;óes territoriaisjunto ao Instituto de Reforma Agrá

ria (IERAC),fornecendo, ainda, urnaimportante fonte de renda.(29) Sobre a organiza<;ao das cooperativas e doscen-tros e sobre as transforma<;óesda economía indígena, verespecialmente Macdonald,1979; Federacionde Centros Shua r 1972;Descola,1981;e Taylor,1981.(30) nesse contexto, também,que se deve situar apublica<;i'io do livrode S. Varese,La sal de los cerros,para compreender o papel que desempenhou na elabora<;ao de urnatradi<;i io científicaperuana de estudos sobre a Amazonia (Santos Granero,1988).(31) Além disso, essa leífoi freqüentemente acusada,com justeza, deperpetuar o atomismo sociológico instaurado pelopatronazgo, de nao levar em conta as for

mas indígenasde territorialidade e os níveisde organiza<;iio supralocais (verpor exemplo Santos e Barclay, 198.5).(32)A ditadura militar noEquador acabouem 1979;o binomio Roldos-Hurtado (tecnocrata-progressista)governouaté 1981,tendo Hurtado assumido opoderapós amorte de Holdos.Febres Cordero (direita populista, representando essencialmente os interessesda burguesía mercantil do litoral) governaentre 1984e 1988; desde entiio, oEquador é governadopor R.Borja (Esquerda Democrática). No Peru, o governomilitar progressistade Velasco assumiu opoder em1968 e permanecen até 1975; MoralesBermudez emilitaresmenos esquerdistas substituíram-no en

tre 1975e 1980,até o retornode Belaunde,que governoupela segunda vez até aelei<;i io de A. García,em 1985.(33) Em 1920, a promulga<;aoda Ley del Orienteestabeleceu a primeira subdivisiio territorialda RAEem províncias, baseada, aliás,na antiga divisao colonial (a títulode compara<;ao,lembramos que o Perucriou odepartamento de Loretojá em 1853);essa leié acompanhada pela cria<;iio de urnaDireccion General del Oriente, órgiioque nao deixounenhumamarca de sua atividade.Em 1964,um decreto instituiu a famosa Ley de Tierras Baldías que, na prática, abriuas terras indígenas a coloniza<;ao; revisúesposteriores - Ley de Heforma Agraria y Colonizacionde 1964,Leyde Colonizacion de la Region Amazonica em 1978 - tentaram, sem muito sucesso, organizar o movimentode coloniza<;ao, até hoje fundamentalmente espontaneo e descontrolado. Aimpotencia

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8/14/2019 Tylor Anne Chritine _historia Pos Colombiana Da Alta Amazonia_Historia Dos Indios No Brasil_pp_213-238_p

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