Trajetorias Socioespaciais_solange Rodrigues

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 1 TRAJETÓRIAS SOCIOESPACIAIS NA RESERVA INDÍGENA DE DOURADOS (MS): REFLEXÕES A PARTIR DE DESENHOS ELABORADOS POR ALUNOS INDÍGENAS Solange Rodrigues da Silva Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Bolsista CAPES. E-mail:  [email protected]  Flaviana Gasparotti Nunes Doutora em Geografia. Professora do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). E-mail:  [email protected]  Introdução Este texto é um desdobramento da pesquisa que estamos desenvolvendo em nível de mestrado junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). A pesquisa em questão tem como objetivo central analisar como a Geografia trabalhada nas escolas indígenas de Dourados (MS) tem contribuído para a efetivação da proposta de uma educação intercultural.  No decorrer de noss a pesquisa de campo nas esc olas indígenas de Dourados, especificamente aquelas localizadas na Reserva Indígena, levantamos uma série de informações, documentos e materiais e realizamos entrevistas com professores de Geografia e coordenadores pedagógicos dessas escolas. Dentre os materiais levantados, chamou-nos atenção alguns elaborados em aulas de Geografia por alunos do Ensino Fundamental da Escola Municipal Indígena Araporã, sob a orientação da Professora Alice. Esses materiais são compostos por desenhos e textos escritos em português e traduzidos para o guarani. De acordo com a  professora, esse s materiais produzidos são utilizados em suas aula s, como complemento ao livro didático para trabalhar os conteúdos curricula res da escola. Sendo assim, neste texto, procuraremos analisar o referido material, com destaque aos desenhos elaborados pel os alunos indígenas no intuito de refletirmos sobre as relações entre imagem e pensamento espacial a partir dos elementos e  potencialid ades presentes n os mesm os 1 . 1  As questões e reflexões presentes neste texto integram o Projeto Imagens, Geografias e Educação - Processo CNPq 477376/2011-8.

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    TRAJETRIAS SOCIOESPACIAIS NA RESERVA INDGENA DE

    DOURADOS (MS): REFLEXES A PARTIR DE DESENHOS ELABORADOS

    POR ALUNOS INDGENAS

    Solange Rodrigues da Silva

    Mestranda do Programa de Ps-Graduao em Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados

    (UFGD). Bolsista CAPES.

    E-mail: [email protected]

    Flaviana Gasparotti Nunes Doutora em Geografia. Professora do Programa de Ps-Graduao em Geografia da Universidade Federal

    da Grande Dourados (UFGD).

    E-mail: [email protected]

    Introduo

    Este texto um desdobramento da pesquisa que estamos desenvolvendo em

    nvel de mestrado junto ao Programa de Ps-Graduao em Geografia da Universidade

    Federal da Grande Dourados (UFGD). A pesquisa em questo tem como objetivo

    central analisar como a Geografia trabalhada nas escolas indgenas de Dourados (MS)

    tem contribudo para a efetivao da proposta de uma educao intercultural.

    No decorrer de nossa pesquisa de campo nas escolas indgenas de Dourados,

    especificamente aquelas localizadas na Reserva Indgena, levantamos uma srie de

    informaes, documentos e materiais e realizamos entrevistas com professores de

    Geografia e coordenadores pedaggicos dessas escolas.

    Dentre os materiais levantados, chamou-nos ateno alguns elaborados em

    aulas de Geografia por alunos do Ensino Fundamental da Escola Municipal Indgena

    Arapor, sob a orientao da Professora Alice. Esses materiais so compostos por

    desenhos e textos escritos em portugus e traduzidos para o guarani. De acordo com a

    professora, esses materiais produzidos so utilizados em suas aulas, como complemento

    ao livro didtico para trabalhar os contedos curriculares da escola.

    Sendo assim, neste texto, procuraremos analisar o referido material, com

    destaque aos desenhos elaborados pelos alunos indgenas no intuito de refletirmos sobre

    as relaes entre imagem e pensamento espacial a partir dos elementos e

    potencialidades presentes nos mesmos1.

    1 As questes e reflexes presentes neste texto integram o Projeto Imagens, Geografias e Educao -

    Processo CNPq 477376/2011-8.

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    Inicialmente, faremos uma breve caracterizao da Reserva Indgena de

    Dourados (RID) visando contextualizar a Escola Indgena onde os materiais em anlise

    foram produzidos, bem como as condies em que vivem os alunos que os elaboraram.

    Na sequncia do texto, procuramos analisar os desenhos a partir de

    elementos que identificamos como significativos para a compreenso das espacialidades

    presentes no cotidiano dos alunos indgenas.

    A Reserva Indgena de Dourados (MS): breve contextualizao

    A Reserva Indgena de Dourados (RID) localiza-se a norte da cidade, entre

    os municpios de Dourados e Itapor, conforme podemos visualizar na figura a seguir:

    Figura 1

    Localizao da Reserva Indgena de Dourados

    Fonte: Lima (2011)

    A reserva formada pelas aldeias Boror e Jaguapiru. Estima-se que no ano

    de 2011 viviam na RID, cerca de 11.525 pessoas, dentre as etnias Caius (Kaiow),

    Guaranis (andeva) e os Terenas, alm dos no indgenas que ali so integrados

    (SEMED/NEEI, 2011).

    Apesar da presena indgena no estado de Mato Grosso do Sul ser bem

    anterior ao processo de conquista europeia, a Reserva Indgena de Dourados foi criada

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    no contexto de expanso capitalista que ocorreu no final do sculo XIX e incio do

    sculo XX. De acordo com Santana Junior (2007, p.23) inmeras foram as

    consequncias desse processo para as populaes indgenas, em especial no que se

    refere aos conflitos fundirios, resultantes dos processos de colonizao em diversas

    partes do territrio brasileiro.

    Para Troquez (2006) as demarcaes das Reservas no consideraram a

    pluralidade tnica existente no Brasil, com culturas diversas, acarretando consequncias

    que se refletem nos espaos das Reservas at os dias atuais.

    [...] as reservas indgenas foram resultado de um projeto claro de

    colonizao e civilizao que desconsiderou as especificidades (tnicas, culturais e histricas) dos indgenas e negou-lhe o direito a

    posse das terras que tradicionalmente ocuparam (TROQUEZ, 2006, p.

    32).

    De acordo com Santana Junior (2010, p.211):

    Com a criao das reservas, o Estado pde liberar o restante do

    territrio para os colonos desenvolverem de forma mais intensa o processo de colonizao e ocupao dessa regio, alm de concentrar

    as populaes indgenas em locais especficos, facilitando assim o

    acesso a essa mo-de-obra, que se tornava farta e barata, ou seja, as polticas de criao de reservas, iniciadas a partir de 1915, visavam

    tambm inviabilizar o modo de ser tradicional dos povos indgenas, de

    forma a desarticular e controlar o ande reko (modo de ser) dos Guarani, na tentativa de transform-los em reserva de mo-de-obra,

    que s seria possvel com o enfraquecimento do seu modo de ser

    tradicional.

    Nesse contexto, foi criada a RID com uma rea de 3.539 hectares, a qual

    atualmente caracteriza-se por uma expressiva concentrao demogrfica tendo em vista

    a relao entre sua populao e sua rea.

    Alm das problemticas aqui destacadas, tais como o confinamento, a

    escassez de recursos naturais, a numerosa populao, a existncia de diferentes etnias e

    a presena dos no ndios, soma-se a proximidade com o permetro urbano e o elevado

    quadro de misria, o que faz com que a populao indgena da RID busque alternativas

    de reproduo e existncia, superando dificuldades na busca pelo alimento, pela

    sobrevivncia diria, a partir da relao no interior da reserva, ou fora dela. (SANTANA

    JR., 2010)

    neste quadro que devemos entender a presena da escola na RID, na

    medida em que, grande parte dos problemas vivenciados pelos indgenas na Reserva

    influencia as relaes cotidianas e o trabalho na escola. Alm disso, devemos considerar

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    tambm toda a problemtica em torno da educao escolar indgena no que diz respeito

    sua concepo, objetivos e funo nas comunidades indgenas atualmente.

    Troquez (2006, p.19) utiliza o termo Educao Escolar Indgena para se

    referir ao processo de educao formal, com escolas, professores, materiais didticos,

    dentre outros. A autora utiliza o termo Educao Indgena para se referir aos processos

    pedaggicos exercidos pela famlia e pela comunidade.

    Na anlise de Ferreira (2008):

    educao escolar e educao indgena so completamente diferentes,

    ou seja, a segunda no se encerra na escola. A escola foi forjada para transmitir alguns conhecimentos, e o faz a partir de preceitos e

    condies que esto longe de serem universais. A ideia de que deva

    haver um modelo de ensino especializado para as crianas, material especfico e profissionais especializados e um espao e tempo para

    esse aprendizado so construes histricas, que dizem respeito a uma

    histria particular, a ocidental.

    A partir destas referncias, bem como com base nos pressupostos da

    interculturalidade que temos investigado a prtica pedaggica da Geografia nas

    escolas indgenas da RID.

    Na sequncia, passaremos a analisar algumas dessas prticas a partir de

    materiais elaborados por alunos indgenas nas aulas da professora Alice, na Escola

    Municipal Indgena Arapor. Mesmo com todos os problemas anteriormente

    destacados, a referida professora busca alternativas para trabalhar a Geografia no

    contexto da educao escolar indgena, respeitando as especificidades das escolas do

    municpio.

    Para alm da proposta contida no Referencial Curricular, a professora

    elabora juntamente com os alunos, materiais didticos que buscam aproximar e respeitar

    a realidade existente na RID, conforme procuraremos destacar na sequncia deste texto.

    As trajetrias socioespacias na RID a partir do olhar dos alunos da Escola

    Municipal Indgena Arapor: o que dizem os desenhos

    A escola Arapor est localizada na aldeia Boror, conforme pode ser

    visualizado na figura 2. Essa escola foi criada atravs do Decreto n 3395 de 22 de

    dezembro de 2004. No ano de 2011, a escola tinha regularmente matriculados 573

    alunos, das etnias Guarani, Kaiow e Terena.

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    Figura 2

    Localizao das escolas indgenas do municpio de Dourados (MS)

    Para a anlise dos desenhos elaborados pelos alunos indgenas, nos

    apoiamos nas ideias de Oliveira Jr. (2011, p. 17), para o qual aos desenhos no cabem

    regras que estabeleam relaes explcitas entre a obra e a realidade que ela apresenta.

    Como salienta o autor:

    [...] As regras do desenho so as estabelecidas pela cultura na qual cada desenhista est inserido e elas mergulham-nos na histria desta

    linguagem do desenho. Uma histria e uma cultura que ligam o ato de desenhar muito mais s subjetividades que as objetividades, franqueando a apario nos desenhos ao inverso dos mapas de invisibilidades e imaterialidades...

    Nos desenhos apresentados nas figuras 3 e 4, podemos perceber o quanto as

    imaterialidades e invisibilidades esto presentes na representao que os alunos

    elaboraram do mapa da Reserva Indgena onde vivem.

    Figuras 3 e 4

    Cartograma das aldeias e etnias existentes na Reserva Indgena de Dourados

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    Autoria: Trabalho elaborado pelos alunos da Escola Arapor, sob orientao da professora Alice.

    Fonte: Trabalho de campo, 2011.

    Verificamos, nos desenhos elaborados pelos alunos, que para alm da

    utilizao da cartografia do no ndio, com representaes de demarcao de limites, h

    ressignificaes simblicas prprias das culturas indgenas, para demonstrar a

    diversidade tnica e cultural existente na RID. Ou seja, para alm da delimitao fsica e

    territorial da RID, na viso dos alunos, existem, nesse espao, diferentes etnias, com

    culturas e modos de vidas diferentes e tais questes foram destacadas como elemento

    fundamental na elaborao do mapa da RID.

    Nos desenhos das figuras 3 e 4, a representao cartogrfica das aldeias na

    rea da RID, em branco na parte superior dos desenhos, se inter-relaciona com

    elementos simblicos de suas culturas prprias, tanto a maraca, com seu colorido na

    figura 3, quanto o arco, flechas, cores e outras representaes eleitas como

    significadoras de seu existir cotidiano. De um lado a potncia mstica e transcendental

    de um instrumento fundamental para seus rituais, principalmente xamnicos, de outro os

    elementos articuladores de suas tradies para a sobrevivncia fsica de seus corpos e

    relaes grupais.

    Um mapa assim elaborado no fica fixo e restrito aos ditames de uma

    cartografia de base matemtica, mas fora ao movimento e subverte o sentido de

    representao, instaura uma necessria leitura dinmica do que ali acontece enquanto

    imagens desenhadas.

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    Outra questo observada nos desenhos elaborados refere-se ao destaque

    dado ao processo de apropriao forada das terras indgenas, desde os primeiros

    contatos com os colonizadores (Figura 5), mas tambm no contexto poltico de

    expanso das fronteiras para o interior do pas2 (Figura 6).

    Figura 5

    Os primeiros contatos com os colonizadores

    Autoria: Trabalho elaborado pelos alunos da Escola Arapor, sob orientao da professora Alice.

    Fonte: Trabalho de campo, 2011.

    2 Em entrevista, a professora Alice nos informou que para elaborao do material aqui analisado, realizou

    debates e anlise de textos com os alunos sobre a Reserva Indgena de Dourados, destacando o contexto e

    processo histrico que culminou com sua criao, bem como suas caractersticas atuais.

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    Figura 6

    Modo de vida e Resistncia

    Criao da Reserva Indgena Francisco Horta Barbosa

    Autoria: Trabalho elaborado pelos alunos da Escola Arapor, sob orientao da professora Alice.

    Fonte: Trabalho de campo, 2011.

    Ao analisarmos os desenhos das figuras 5 e 6, percebemos o destaque dado

    pelos alunos ao conflito ocorrido entre indgenas e colonizadores, principalmente

    simbolizado pelas armas de fogo utilizadas por esses ltimos, as quais se encontram

    presentes tanto na figura 5 quanto no segundo desenho da figura 6. interessante

    destacar que na figura 5 o enquadramento dado a cena se encontra no interior de numa

    moldura desenhada, toda trabalhada com tipos geomtricos em tons escuros, colocando

    os personagens centrais da trama, um indgena com uma indumentria que atende nossa

    expectativa do como um ndio deve se trajar, com cala de couro e cocar de penas, e um

    caador branco portanto suas armas.

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    O desenho reala o sentido de fronteira, tanto fsica quanto cultural, pois

    temos um rio passando da esquerda par direita, de cima para baixo, separando as duas

    culturas. O sol e o cu azul com nuvens calmas na parte superior do desenho se

    articulam com o gesto ocidentalizante de estender a mo em sinal de amizade praticado

    pelo indgena; tal gestual tensiona e amplia o sentido de injustia da cena por realar a

    atitude hostil do branco empunhando e atirando em direo ao indgena no armado.

    Como numa histria em quadrinhos, no primeiro desenho presente na figura

    6 o aluno destaca a rotina do modo de vida indgena, com seus afazeres cotidianos e o

    sentido de festa e fartura expresso pelo movimento dos corpos e nos sorrisos nas faces

    dos personagens. Essa situao torna-se dramtica quando comparada com a imagem de

    agresso sofrida pelos indgenas, como apontado na figura 5, justificando a cena

    presente no segundo desenho da mesma figura 5. A imagem a representada toma

    sentido nesse movimento que explica os motivos que levaram os indgenas reagirem

    com os meios que tinham a sua disposio. Os indgenas lutaram por suas terras e sua

    cultura da nica forma que concebiam e, diante dessa resistncia, tem-se a criao da

    reserva indgena que atualmente habitam. Mas na reserva, a vida no fcil.

    Nos desenhos presentes nas figuras 7, 8, 9 e 10 possvel identificarmos as

    consequncias que os contatos com o no ndio, a partir da dinmica socioeconmica

    desenvolvida desde a colonizao, trouxeram para as comunidades indgenas, com

    grandes transformaes ao longo da histria, que se refletem atualmente no cotidiano da

    RID.

    No desenho da Figura 7, por exemplo, percebemos que a aluna procurou

    destacar aquilo que tambm enfatizou no texto escrito: a roa do ndio bem cuidada,

    bonita e importante para seu sustento. As formas, as cores, o cuidado com a disposio

    linear da roa, o capricho para com a pintura do desenho revelam que a aluna, muito

    provavelmente, quis desconstruir a ideia de que os indgenas no cuidam das suas

    plantaes3. Ao mesmo tempo, no texto escrito, a aluna no deixou de destacar que

    depois que veio a cesta bsica, algum ndio no quer planta mais roa, mostrando um

    dos grandes dilemas vivenciados pelos indgenas na reserva atualmente.

    Como buscar sobreviver diante das dificuldades econmicas para sustentar

    seu modo prprio de vida, sua roa e suas tradies? De um lado tem o processo em que

    3 Um dos argumentos utilizados por grande parte da sociedade no indgena, principalmente em

    Dourados, para desqualificar os indgenas, classificando-os como vagabundos, bbados e no afeitos ao

    trabalho a concepo de que suas roas so sujas, largadas se comparadas s reas produtivas dos no ndios, sempre organizadas, limpas e bem cuidadas.

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    se articulam expropriao e preconceito, e de outro ocorre o assistencialismo praticado

    pelo Estado e por algumas entidades filantrpicas; ambas as formas acabam por

    subverter os valores culturais prprios em prol de uma atitude marginal, em que revolta

    e passividade se confundem em atitudes comuns a muitos indgenas na reserva.

    Figura 7

    Roa Indgena

    Autoria: Trabalho elaborado pelos alunos da Escola Arapor, sob orientao da professora Alice.

    Fonte: Trabalho de campo, 2011.

    Os desenhos das Figuras 8, 9 e 10, por sua vez, mostram os ndios no corte

    da cana, que a principal atividade desenvolvida pelos mesmos como alternativa para

    sustentar a famlia, j que a rea restrita para plantao na reserva no permite que

    obtenham o sustento somente a partir dela. O interessante jogo escalar apontado pela

    sequncia das imagens a desenhadas instiga um olhar para o sentido paradoxal de como

    as crianas indgenas podem estar intuindo o ser ndio em meio as foras dos processos

    econmicos modernos a envolverem suas formas usuais de sobrevivncia e resistncia.

    Como o sentido de ser ndio se localiza perante aos fenmenos de

    sobrevivncia que se agenciam em outros referenciais de sociabilidade, em outros

    processos de relaes de trabalho e de valores ticos e ideolgicos?

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    Figura 8

    O ndio no corte de cana

    Autoria: Trabalho elaborado pelos alunos da Escola Arapor, sob orientao da professora Alice.

    Fonte: Trabalho de campo, 2011.

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    Figura 9

    O ndio e o trabalho na Usina

    Autoria: Trabalho elaborado pelos alunos da Escola Arapor, sob orientao da professora Alice.

    Fonte: Trabalho de campo, 2011.

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    Figura 10

    O ndio no corte de cana

    Autoria: Trabalho elaborado pelos alunos da Escola Arapor, sob orientao da professora Alice.

    Fonte: Trabalho de campo, 2011.

    interessante observar que, diferentemente do desenho da Figura 7, no qual

    o indgena aparece em destaque ao lado de sua roa, nas situaes em que est

    trabalhando no corte da cana, seu tamanho vai sendo diminudo, paulatinamente sendo

    suplantado pela presena cada vez maior da plantao de cana-de-acar.

    Na figura 8 e no desenho superior da figura 9, ainda vemos em primeiro

    plano os indgenas como personagens principais da trama ali narradas, contudo, se no

    fosse pelos textos que acompanham as imagens, nosso olhar estereotipado do que vem a

    ser indgena no conseguiria identifica-los como tal nessas cenas.

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    No desenho inferior da figura 9 e na Figura 10, as imagens dos indgenas

    vo se perdendo em meio a enormidade do canavial. Eles continuam trabalhando, d

    para ver pelos seus movimentos, sempre por uma perspectiva inclinada e panormica,

    colocando os personagens percebidos pela primeira vez de cima para baixo. Todos os

    demais desenhos os indgenas sempre eram vistos num plano horizontal, sempre

    ocupando o mesmo volume fsico do branco, mas agora eles esto diminutos. Na figura

    10 ficam quase desapercebidos, escondidos em meio ao canavial, no s pela extenso

    dessa plantao, como tambm pelo destaque dado, pelo aluno, aos veculos

    automotores (o trator, o nibus que transporta os trabalhadores para as plantaes e o

    carro) na cena desenhada.

    Poderamos questionar: ser que, de alguma maneira, a diminuio do

    tamanho dos indgenas nos desenhos no reflete o prprio sentimento de inferioridade

    dos mesmos perante os no ndios e o mundo em que vivem, majoritariamente

    dominado pelos valores destes?

    Outra questo que nos chamou ateno no conjunto dos desenhos foi o fato

    de haver uma mudana na forma dos indgenas representarem a si prprios conforme o

    tempo retratado. Enquanto nos desenhos das Figuras 5 e 6, os quais tratam do momento

    dos primeiros contatos e incio da colonizao, os indgenas aparecem com suas

    roupagens tradicionais e utilizando adornos como cocares; j nos desenhos apresentados

    da Figura 7 em diante, os indgenas aparecem vestidos com roupas ocidentalizadas, dos

    no ndios, o que no permite, do ponto de vista visual imediato, distingui-los ou

    identific-los como indgenas a partir dos esteretipos construdos sobre sua aparncia.

    Estariam os alunos indgenas procurando dizer que, embora o contato com o

    no ndio tenha provocado mudanas em seus modos de vida, como por exemplo, a

    forma de se vestirem, para eles isso no significa a perda de identidade? Ou estariam

    eles querendo expressar o desejo de no serem mais diferenciados, se integrarem aos

    valores majoritrios e hegemnicos dessa sociedade que os marginaliza?

    Todas essas questes permitem que possamos refletir sobre a construo de

    uma geografia vivenciada pelos indgenas nas suas relaes espaciais cotidianas,

    possibilitando identificarmos uma espcie de trajetria socioespacial construda ao

    longo do tempo a partir do olhar que os mesmos possuem sobre sua prpria vivncia.

    Consideraes Finais

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    Nosso objetivo neste texto foi analisar alguns desenhos elaborados por

    alunos indgenas em aulas de Geografia visando a reflexo sobre as relaes entre

    imagem e pensamento espacial a partir dos elementos e potencialidades presentes nos

    mesmos.

    A partir da breve anlise aqui realizada, foi possvel identificarmos

    elementos que permeiam as mltiplas trajetrias constituintes das diversas

    espacialidades presentes no cotidiano dos alunos da Escola Indgena Arapor, localizada

    na Reserva Indgena de Dourados.

    As relaes de poder, de encontros e desencontros entre ndios e no ndios

    e entre as diferentes etnias que compem essa reserva, esto presentes nos desenhos

    elaborados pelos alunos e expressam um pouco de suas geografias.

    importante salientar, no entanto, que a expresso dessas geografias s foi

    possvel devido abertura realizada pela professora no desenvolvimento de sua

    prtica pedaggica. Ao desenvolver contedos e temas de uma geografia maior, foram

    expressas possveis geografias menores (OLIVEIRA JR, 2009). Acreditamos que

    neste sentido, portanto, que devemos pensar a formao de professores de geografia.

    Referncias Bibliogrficas

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    Losandro A. et al. (Orgs.) Abordagens Interculturais. Porto Alegre: Martins Livreiro-

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