THINKING DESIGN: A reflection on the evolution of the concept of design in our society
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS Graduação em Design Gráfico
Sabrina Dias Piancastelli
PENSANDO O DESIGN: Uma reflexão sobre a evolução do pensamento de design
BELO HORIZONTE 2011
Sabrina Dias Piancastelli
PENSANDO O DESIGN: Uma reflexão sobre a evolução do pensamento de design
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Design, pelo curso de Design Gráfico da Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG. Orientador: Prof. MSc. Breno Pessoa dos Santos.
BELO HORIZONTE 2011
AGRADECIMENTOS
Durante o nosso percurso aqui na Terra, convivemos e encontramos pessoas
que nos ensinam, nos fazem crescer, nos abrem caminhos. Pessoas que acreditam
em nós, que nos dão oportunidades e muitas vezes nos confortam.
Como, durante todo esse tempo, elas nunca faltaram em meu caminho,
gostaria de agradecê-las escrevendo, um a um, cada um de seus nomes.
Entretanto, para não me tornar injusta, o que sentiria se esquecesse apenas um
nome, venho neste momento, agradecer à todos aqueles que de alguma forma
contribuíram para o meu processo constante de vir a ser.
Por fim, agradeço à Ele, por ter sempre me confortado nos momentos de
angústia, por nunca ter me deixado perder a fé e as esperanças e por ter sempre
colocado em meu caminho pessoas tão especiais.
A imaginação é mais importante que o conhecimento. O conhecimento é limitado. A imaginação envolve o mundo, estimulando o progresso, dando vida à evolução.
Albert Einstein
RESUMO
Este trabalho de cunho monográfico trata de um projeto teórico sobre a evolução do
pensamento de design. Ele propõe uma revisão bibliográfica que busca levantar
aspectos da trajetória do design, desde a sua atividade projetual tradicional até seu
novo e importante papel na sociedade contemporânea. Ele tem por objetivo principal
identificar os aspectos que compõem este novo aspecto do design, antes apenas
técnico e operacional e, agora, também estratégico e sistêmico. Para isso, foram
abordadas teorias, conceitos e metodologias do design que surgem neste contexto,
como o Pensamento Sistêmico, o modelo Cradle to Cradle, o Design Emocional, o
Pensamento Integrado, o Design Thinking, dentre outros.
Palavras-chave: design, pensamento de design, metodologia, posicionamento
estratégico e sistêmico, transformação e inovação.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Ciclo Técnico.............................................................................................25
Figura 2 - Ciclo Biológico...........................................................................................25
Figura 3 - Metodologia de Design - Frascara.............................................................45
Figura 4 - Metodologia de Design - IBM.....................................................................52
Figura 5 - O Método das Três Engrenagens do Design de Negócios........................54
Figura 6 - Cultos Organizacionais Tradicionais versus Cultura do Design na
Organização..............................................................................................57
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 07 2. DEFINIÇÕES GENÉRICAS DO TERMO DESIGN .............................................. 08 3. O DESIGN NO CENÁRIO ESTÁTICO DA ERA INDUSTRIAL ........................... 11 4. TEORIAS ESSENCIAIS PARA O DESIGN DA ATUALIDADE .......................... 15 4.1. O Pensamento Sistêmico .................................................................................. 15 4.2. Sustentabilidade ................................................................................................ 21 4.3. O Modelo Cradle to Cradle …………..…………………………...............………. 22 4.4. O Design Emocional .......................................................................................... 28 4.5. O Pensamento Integrado .................................................................................. 32 4.6. Inovação e Lógica Abdutiva .............................................................................. 35 5. O DESIGN NO CENÁRIO DINÂMICO E COMPLEXO DA CONTEMPORANEIDADE ................................................................................... 38 6. MUDANÇA DE PARADIGMA: DO ANTAGONISMO PARA A TRANSFORMAÇÃO E INTEGRAÇÃO ............................................................... 42 6.1. Metodologia ....................................................................................................... 44 6.2. Design Thinking ................................................................................................. 46
6.2.1. Conceito ................................................................................................... 47 6.2.2. Métodos e Princípios ............................................................................... 50 6.2.3. Estratégia de Negócios ............................................................................ 52 6.2.4. D-School .................................................................................................. 56 6.2.5. A Cultura do Design nas Organizações ................................................... 56
6.3. Metaprojeto ....................................................................................................... 57 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 60 REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 62 BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ........................................................................ 67
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1. INTRODUÇÃO
Em um momento de rápidas transformações tecnológicas, econômicas,
culturais, sociais e ambientais, um cenário complexo se configura, trazendo novas
possibilidades de atuação no âmbito do design.
Este trabalho teórico propõe uma revisão bibliográfica que busca levantar
aspectos da trajetória do design, desde a sua atividade projetual tradicional,
estabelecida em uma sociedade voltada para a produção de bens manufaturados,
até seu novo e importante papel na sociedade contemporânea. Desta maneira, ele
busca refletir sobre a evolução do pensamento do design.
Embora o processo de implantação do design nas organizações ainda careça
de maior investimento e incentivo, cada vez mais, esta disciplina amplia seu poder
de atuação, posicionando-se dentro do mundo corporativo e sendo vista como um
caminho eficiente para a resolução de problemas complexos e para a geração de
inovações sustentáveis.
No cenário complexo da contemporaneidade, o design também passa a
assumir, com mais vigor, sua responsabilidade ética e moral perante problemas, não
só de ordem econômica, mas, também, social, cultural e ambiental.
Visando identificar os fatores que compõem o novo aspecto do design, antes
apenas técnico e operacional e, agora, também estratégico e sistêmico, o trabalho
busca abordar novas teorias, conceitos e metodologias que surgem no intuito de
auxiliar esta disciplina na ampliação do seu foco de atuação, como, por exemplo, o
Design Emocional, o modelo Cradle to Cradle e o Design Thinking.
O trabalho objetiva, ainda, fornecer conceitos, fundamentos e material teórico
que sirvam de apoio, ou até mesmo incentivo, para futuros estudos e pesquisas na
área e, direta ou indiretamente, para a divulgação do design em outras áreas do
conhecimento.
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2. DEFINIÇÕES GENÉRICAS DO TERMO DESIGN
A tarefa de definir design é complexa, pois estabelecer um único e verossímil
valor/significado para ele seria quase impossível, pois exigiria, por estar
intrinsicamente relacionado ao desenvolvimento de uma sociedade, o entendimento
de todo um contexto, de toda uma época.
Registram-se a seguir algumas definições genéricas do termo que,
posteriormente, em outros capítulos, será tratado de maneira mais específica,
aprofundada e contextualizada.
Etimologicamente, o termo design na língua inglesa significa conce-
ber/projetar, configurar/formar e em latim - designare, significa designar/desenhar
(SANTOS, 2008).
Não existe tradução do termo para o português, sendo o seu sentido mais
próximo à palavra “desígnio”, que significa intenção, plano, projeto, propósito
(FERREIRA, 1986).
Ferreira (1986) definiu design como: “1. Concepção de um projeto ou modelo;
planejamento. 2. O produto desse planejamento. 3. Restr. Desenho industrial. 4.
Restr. Desenho-de-produto. 5. Restr. Programação visual.”
Segundo Houaiss (2009) design é:
Rubrica: desenho industrial. 1. A concepção de um produto (máquina, utensílio, mobiliário, embalagem, publicação etc.), esp. no que se refere à sua forma física e funcionalidade. 2. Derivação: por metonímia. O produto desta concepção. 3. Derivação: por extensão de sentido (da acp. 1). m.q. desenho industrial. 4. Derivação: por extensão de sentido. m.q. desenho de produto. 5. Derivação: por extensão de sentido. m.q. programação visual. 6. Derivação: por extensão de sentido. m.q. desenho ('forma do ponto de vista estético e utilitário' e 'representação de objetos executada para fins científicos, técnicos, industriais, ornamentais') (HOUAISS, 2009).
A definição da Wikipédia (2011) fornece uma visão mais tradicional, popular e
difundida do termo design:
O design, desenho industrial [...] é a configuração, concepção, elaboração e especificação de um artefato. Essa é uma atividade técnica e criativa, normalmente orientada por uma intenção ou objetivo, ou para a solução de um problema. Simplificando, pode-se dizer que design é projeto. [...] O design é também uma profissão, cujo profissional é o designer. Os designers normalmente se especializam em projetar um determinado tipo de
9
coisa. Atualmente as especializações mais comuns são o design de produto, design visual, design de moda e o design de interiores [...] (WIKIPÉDIA, 2011).
A definição proposta pelo “Conselho Internacional das Sociedades de Design
Industrial” (ICSID 1 , 2011) é aqui considerada mais adequada por sua maior
abrangência e também por melhor se aproximar dos significados de design na
atualidade. De acordo com esta organização, design é uma atividade criativa que
tem como objetivo estabelecer as qualidades multifacetadas dos objetos, processos,
serviços e seus sistemas em todo seu ciclo de vida. Ele é também, o principal fator
de humanização inovadora das tecnologias e o fator crucial de intercâmbio cultural e
econômico.
Ainda segundo o ICSID (2011), o design tem a importante tarefa de identificar
e avaliar as relações estruturais, organizacionais, funcionais, expressivas e
econômicas, objetivando uma ética global (melhorar a sustentabilidade global e a
proteção ambiental), social (gerar benefícios para toda a comunidade humana,
usuário final, produtores e protagonistas do mercado) e cultural (apoiar a diversidade
cultural apesar da globalização do mundo) doando aos produtos, serviços e
sistemas, formas que tenham estética expressiva e significados coerentes com suas
próprias complexidades.
Assim, o ICSID (2011) afirma que o design é uma atividade que envolve um
espectro amplo de atividades, nas quais produtos, serviços, artes gráficas, interiores
e arquitetura fazem parte. Juntos, essas atividades devem reforçar o valor da vida,
de forma integrada com outras atividades relacionadas. Portanto, o designer é um
indivíduo que não simplesmente presta serviço de ordem comercial para empresas,
mas exerce uma profissão intelectual.
Para finalizar este item, convém citar que Richard Buchanan2 (1995 apud
LOCKWOOD, 2010, p. 82) estabeleceu quatro ordens para o design:
01- Comunicação: referente à criação de sinais e símbolos para serem
usados na comunicação de massa;
1ICSID: International Council of Societies of Industrial Design 2BUCHANAN, R. Rhetoric, humanism, and design. In: BUCHANAN, R.; MARGOLIN, V. (Orgs.). Discovering design. Chicago: Ill.:University of Chicago Press, 1995.
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02- Construção: referente à criação de objetos através do tradicional design
industrial;
03- Interação: referente às ações e comportamento das pessoas que são
afetados e influenciados pelo design;
04- Organização: referente às considerações de design no contexto das
organizações, ambientes, sistemas e culturas.
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3. O DESIGN NO CENÁRIO ESTÁTICO DA ERA INDUSTRIAL
O “cenário estático” foi definido por vários autores (MAURI3, 1996; KLEIN4,
2001; FINIZIO5, 2002 apud DE MORAES, 2008, p. 9), como sendo a época que
antecedeu a globalização, ou seja, antes do ano de 1990, quando, praticamente,
toda a produção industrial era comercializada facilmente, uma vez que, em um
mercado de abrangência regional, a demanda era superior à oferta.
Foi neste cenário que a sociedade industrial e capitalista do século XX se
estabeleceu, instituindo no mundo ocidental o “modelo moderno” que pregava o
progresso através de uma lógica objetiva e racional, que, embasada no sonho de um
desenvolvimento contínuo e linear, determinava um melhor ordenamento da
organização social e almejava o alcance da felicidade para todas as pessoas.
Acreditava-se que, inserida neste modelo linear e racional, a humanidade seria
guiada com segurança rumo à felicidade (DE MORAES, 2008).
Segundo Moraes (2008), este modelo também propunha o incentivo ao
consumo dos bens materiais disponibilizados pela crescente indústria moderna em
expansão. Para ele, nesta época, os produtores e designers se amparavam no
comportamento conformista e linear dos consumidores, que assumiam, então, uma
postura passiva, fazendo prevalecer mensagens de fácil entendimento e de
previsível decodificação.
Desta forma, o modelo moderno, com suas fórmulas pré-estabelecidas e seus
conceitos bem estruturados, norteou a evolução industrial e tecnológica, bem como
parte da ética e da estética de grande parte do pensamento do século XX (DE
MORAES, 2008).
No cenário estático do pensamento moderno, a industrialização promoveu
uma economia que converte matéria prima em bens de consumo esteticamente
massificados, criando então, a chamada “cultura material”, que para Reis (2008),
deve ser entendida como o universo das coisas, objetos e artefatos.
Uma vez inserido neste contexto, o design assumiu a principal tarefa de criar
objetos/artefatos/produtos que fossem funcionais e de estética agradável, capazes
3MAURI, F. Progettare progettando strategia. Milano: Ed. Dunob, 1996. 4KLEIN, N. No logo: economia globale e nuova contestazione. Milano: Baldini & Castoldi, 2001. 5FINIZIO, G. Design e management: gestire l’idea. Ginevra/Milano: Ed. Skira, 2002.
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de incentivar o consumo e auxiliar a indústria na sua principal meta: a geração de
lucro. Em 1986, no seu livro “Objetos de Desejo”, Adrian Forty (2007) constata que a
principal função do design industrial é a de tornar os produtos vendáveis e lucrativos.
Contemporaneamente à Forty, Roger Martin (2010a) denomina este processo
centrado principalmente na geração de lucro para os produtores, empresários e
acionistas de “capitalismo dos acionistas”. Nele, não é considerado qualquer aspecto
especificamente relacionado ao consumidor, o que se opõem ao que Martin (2010a)
chama de “capitalismo do cliente”, aquele que tem como foco o consumidor/usuário,
que orienta sua produção e design para a satisfação e experiência do cliente, o que
consequentemente levará, em um segundo nível, à geração de lucro para a empresa
e acionistas.
Assim, focado no produto físico (objeto) e em seus aspectos objetivos, Reis
(2008) acredita que o design foi fundamental na formação desta cultura material,
contribuindo para o abastecimento do planeta com objetos e artefatos. Forty (2007,
p. 11) ainda acrescenta que ele “desempenhou papel vital na criação da riqueza
industrial”.
Ainda em 1986, Forty (2007, p. 11) afirma que a maior parte da literatura da
segunda metade do século XX, “nos faria supor que o principal objetivo do design é
tornar os objetos belos” e que apenas alguns poucos estudos sugerem o design
como um método especial de resolver problemas e ainda muitos poucos apontam
sua preocupação com a transformação de ideias.
Naquela época então, Forty (2007) apontou a definição de design como
sendo:
Na linguagem cotidiana, ela tem dois significados comuns quando aplicada a artefatos. Em um sentido, refere-se à aparência das coisas [...] O segundo e mais exato uso da palavra design refere-se à preparação de instruções para a produção de bens manufaturados [...] (FORTY, 2007, p. 12).
O filósofo Vilém Flusser (2007) confirmou estas constatações, quando afirmou
que a principal meta do designer era a produção de objetos úteis e bonitos. Na sua
perspectiva, o designer é todo aquele que produz o mundo artificial: “Esse é o
design que está na base de toda cultura: enganar a natureza por meio da técnica,
substituir o natural pelo artificial [...]” (FLUSSER, 2007, p. 184).
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Portanto, pode-se concluir que no cenário estático da era industrial e no
sistema moderno de produção, a posição do design era orientada para o âmbito
tecnicista e linear - operacional, focada no objeto/produto, ou seja, na produção
industrial de bens de consumo. Mas é importante realçar que, conforme Moraes
(2011, p. 37) afirma, na verdade “esse projeto moderno de previsível controle sobre
o destino da humanidade em busca de uma vida melhor parece mesmo ter-se
deteriorado”.
Segundo Flusser (2007), quando um objeto é criado, por consequência, cria-
se também um obstáculo, pressupondo a geração de um problema. Assim, o design
focado na produção de objetos torna-se um obstáculo para a remoção de outros
obstáculos, ou seja, ele visa solucionar um problema, mas acaba criando novos
problemas, novos obstáculos: “[...] designs de que necessito para progredir e que,
ao mesmo tempo, obstruem meu progresso” (FLUSSER, 2007, p. 195).
Flusser (2007) chama a atenção para a real responsabilidade do design, no
que diz respeito às ações que procedem da produção industrial e do processo de
criação dos objetos. Para ele, um simples olhar na situação atual da cultura revela
que “ela está caracterizada por objetos de uso cujos designs foram criados
irresponsavelmente, com a atenção voltada apenas para o objeto” (FLUSSER, 2007,
p. 196). Ele ainda acrescenta que, de fato, o então desempenho do designer mostra
que ele foi ofuscado por sua responsabilidade estética e funcional e talvez, também
por alguns preconceitos e conceitos da própria indústria, que fez com que ele se
esquecesse que existe uma responsabilidade ética e moral tão importante a cumprir.
O mesmo filósofo afirma:
O progresso científico e técnico é tão atrativo que qualquer ato criativo ou design concebido com responsabilidade é visto praticamente como retrocesso. A situação da cultura está como está justamente porque o design responsável é entendido como algo retrógado (FLUSSER, 2007, p. 197).
Mas a visão de Flusser (2007) também aponta para a esperança e
possibilidade de uma mudança de cenário e atuação do design:
Começamos de fato a separar o conceito objeto do conceito matéria, e a projetar objetos de uso imateriais, como programas de computador e redes de comunicação. Isso não significa que o surgimento de uma ‘cultura imaterial’ venha a ser menos obstrutiva [...] Mas o olhar do designer, ao desenvolver esses designs imateriais, dirige-se espontaneamente, digamos,
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para os outros homens. A própria coisa imaterial o leva a criar de um modo responsável (FLUSSER, 2007, p. 197). A questão da responsabilidade e da liberdade (inerente ao ato de criar) surge não apenas quando se projetam os objetos, mas também quando eles são jogados fora. Pode ser que esta tomada de consciência da efemeridade de toda criação (inclusive a criação de designs imateriais) contribua para que futuramente se crie de maneira mais responsável, o que resultaria numa cultura em que os objetos de uso significariam cada vez menos obstáculos e cada vez mais veículos de comunicação entre os homens (FLUSSER, 2007, p. 198).
O questionamento proposto por Flusser (2007) é de grande importância para
o entendimento do design e seu percurso rumo à configuração de outros e novos
significados e à ampliação de seu foco de atuação: “Como devo configurar esses
projetos para que ajudem os meus sucessores a prosseguir e, ao mesmo tempo,
minimizem as obstruções em seu caminho?” (FLUSSER, 2007, p. 195).
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4. TEORIAS ESSENCIAIS PARA O DESIGN DA ATUALIDADE
4.1. O Pensamento Sistêmico
O físico austríaco Fritjof Capra é um dos mais importantes teóricos do
Pensamento Sistêmico na atualidade e um dos seus livros que se tornou referência
para o estudo deste assunto: “A Teia a Vida” (1996), serviu de base para a
compilação desta seção.
O processo de pensar e de perceber o mundo em que a vida acontece está
diretamente relacionado com o futuro, ou seja, com a forma como a vida no planeta
tenderia a evoluir, e por isso, o estudo das teorias do pensamento é de extrema
importância, já que o futuro da humanidade dependerá, de certa forma, do
conhecimento e aplicação destas teorias.
A teoria do Pensamento Sistêmico, também chamado de Pensamento
Holista, foi um paradigma que emergiu no final do século XX e que contrapôs o
pensamento cartesiano reducionista (que serviu de modelo para o tradicional
método científico) com o modelo que considera o “todo” como indissociável, de
modo que o estudo isolado das partes não permite conhecer o funcionamento do
organismo vivo.
Segundo Capra (1996), durante muito tempo, o modelo cartesiano
predominou no mundo ocidental, configurando assim, uma “realidade científica”, na
qual o cientista posiciona-se “fora da natureza” e crê que é possível conhecer
objetivamente o mundo tal como ele é na realidade, obscurecendo uma “realidade
maior”, a “sistêmica”, altamente complexa. Para ele, o modelo cartesiano também
trouxe uma “concepção mecanicista” da vida, que se caracteriza pela visão do
mundo como uma máquina, um modelo simplista e fragmentário de organismo.
Portanto, o pensamento reducionista e analítico do modelo cartesiano propõe
chegar à verdade através da dúvida sistemática e da decomposição do problema em
pequenas partes - a metodologia científica (LANA, 2011), ou seja, através do
isolamento de algo no intuito de entendê-lo, desconsiderando completamente a
interconectividade dos fenômenos e o contexto em que eles ocorrem.
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Capra (1996) acredita que o maior problema do mundo, aquele que também é
foco de outros problemas (problemas sistêmicos: que estão interligados e são
interdependentes, como o aquecimento global), gira em torno da percepção, questão
central de que trata o seu livro “A Teia da Vida”. Nele, a partir da teoria do
Pensamento Sistêmico, também denominada "Nova Ciência", Capra propõe uma
reflexão sobre a vida, indo além dos limites dos "muros artificiais" de uma
perspectiva obsoleta, de uma percepção inadequada da realidade que, segundo ele,
impedem nossa percepção do todo maior.
Ele afirma que a sociedade ocidental está, na realidade, ainda muito presa ao
arcabouço e ao “enquadramento” do pensamento criado pela ciência do início do
século XX, aquela que se limita ao estudo dos fenômenos que podem ser medidos e
quantificados pelas leis da física e pela matemática. Sendo assim, o surgimento da
teoria do pensamento sistêmico faz gerar reflexão sobre como a sociedade, como
um todo, pode atualizar sua forma de pensar e enxergar o mundo em que vive com
base no que o início do século XXI está anunciando e trazendo à tona.
Para Capra (2008), a adoção do modelo cartesiano foi responsável pela
turbulência no sistema global que está afetando o mundo e, principalmente, pela
falta de regulamentação ética do mercado financeiro e da economia global. As ideias
de Capra (1996) podem ser entendidas como uma constatação de que os atos
gerados à partir dessa perspectiva "especializada" e fragmentada têm
consequências na realidade maior. Consequências estas que poderão afetar a vida
de todo o planeta e até de futuras gerações, alertando, assim, para a necessidade
do estabelecimento de prioridades e responsabilidades para os profissionais desta
época, sobretudo os líderes das corporações e instituições de ensino.
Segundo Capra (1996), existem sim soluções para os principais problemas da
era atual, mas o único meio de chegar até elas é através de uma mudança radical
de percepção, de pensamento e de valores - uma mudança de paradigma.
A partir do ponto de vista sistêmico, as únicas soluções viáveis são as
soluções "sustentáveis". O conceito de sustentabilidade adquiriu grande importância
no contexto atual, e para Brown6 (1981 apud CAPRA, 1996, p. 18), "Uma sociedade
sustentável é aquela que satisfaz suas necessidades sem diminuir as perspectivas
das gerações futuras." Capra (1996) define o grande desafio deste tempo como o de
6BROWN, L. R. Building a sustainable society. Nova York: Norton, 1981.
17
mudar a maneira de pensar da sociedade, para então criar comunidades
sustentáveis.
A “Nova Ciência” traz uma nova compreensão da vida, que reconhece seus
sistemas como altamente integrativos e complexos, tendo sido a ela dados
diferentes nomes: "teoria dos sistemas dinâmicos", "teoria da complexidade",
"dinâmica não-linear", "dinâmica de rede". Esta ciência abriu espaço para uma visão
de mundo ecológica, organísmica, holística e sistêmica, abandonando-se, assim, a
visão de mundo mecanicista e reducionista que, até então, havia dominado a
sociedade moderna ocidental, enxergando o corpo humano como máquina, a
sociedade como uma luta competitiva pela existência e acreditando no progresso
material ilimitado, a ser obtido por intermédio de crescimento econômico e
tecnológico (CAPRA, 1996).
Os pioneiros do pensamento sistêmico foram os biólogos organísmicos, que
durante a primeira metade do século XX, enfatizaram a concepção dos organismos
vivos como totalidades integradas, em termos de conexidade, de relações e de
contexto - as células combinam-se para formar tecidos, os tecidos para formar
órgãos e os órgãos para formar organismos. Estes organismos, por sua vez, vivem
dentro de sistemas sociais e de ecossistemas. Segundo Capra (1996):
[...] um sistema passou a significar um todo integrado cujas propriedades essenciais surgem das relações entre suas partes, e "pensamento sistêmico", a compreensão de um fenômeno dentro do contexto de um todo maior. Esse é, de fato, o significado raiz da palavra "sistema", que deriva do grego synhistanai ("colocar junto"). Entender as coisas sistemicamente significa, literalmente, colocá-las dentro de um contexto, estabelecer a natureza de suas relações (CAPRA, 1996, p. 41).
A palavra ecologia se origina do grego oikos - "lar", e assim, significa o estudo
do Lar Terra. Mais precisamente, é o estudo das relações que interligam todos os
membros deste lar, contexto ou meio ambiente. Já o termo "ecossistema",
caracteriza comunidades animais e vegetais.
Este novo paradigma está alicerçado no conceito de “ecologia profunda” ou
“visão ecológica profunda”, que surgiu no início da década de 70, com a teoria do
filósofo norueguês Arne Naess, que distinguia dois tipos de ecologia: "ecologia rasa"
e "ecologia profunda".
A ecologia rasa é antropocêntrica, ou seja, centralizada no ser humano. Ela
vê os seres humanos como situados acima ou fora da natureza, atribuindo à esta
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última apenas um valor instrumental - o de "uso".
A ecologia profunda não separa seres humanos ou qualquer outra coisa do
seu meio ambiente natural. Ela concebe o mundo como um todo integrado, e não
como uma coleção de partes dissociadas, isoladas. A percepção ecológica profunda
reconhece a interdependência fundamental de todos os fenômenos, e o fato de que,
enquanto indivíduos e sociedades, estamos todos encaixados nos processos
cíclicos da natureza, sendo o ser-humano apenas um dos fios desta rede universal
que o autor chama de “teia da vida”. Segundo Lana (2011, p. 54), “Cada um de nós
está relacionado, afeta e é afetado pelas ações e pelas ideias de todos os demais”.
Pode-se dizer então, que a ecologia profunda é “ecocêntrica”, ou seja, centralizada
no planeta Terra.
Segundo Herbert Simon7 (1996 apud VOGEL, 2010, p. 13), prêmio Nobel em
1978, existem duas ciências: a ciência do artificial – que diz respeito ao mundo
produzido pelos seres humanos; e a ciência do natural - que se refere ao mundo no
qual os humanos estão envolvidos.
Portanto, pode-se dizer que a metáfora central da ecologia é a rede e não a
linearidade pregada pelo pensamento cartesiano. Esta ideia provocou e provoca
verdadeiras mudanças na maneira de pensar a organização social que, antes
organizada em hierarquias lineares, passou a ser organizada em redes. Capra
(1996, p. 51) diz que “na natureza, não há ‘acima’ ou ‘abaixo’, e não há hierarquias.
Há somente redes aninhadas dentro de outras redes”. Sendo assim, a “teia da vida”
consiste em redes dentro de redes, ou seja, sistemas dentro de sistemas.
Capra (1996, p. 43) afirma que “a emergência do pensamento sistêmico
representou uma profunda revolução na história do pensamento científico ocidental”.
Para ele, o grande impacto adveio com a percepção de que os sistemas não podem
ser entendidos pela análise, mas apenas quando vistos dentro do contexto do todo
mais amplo. O pensamento sistêmico é "contextual", o que é o oposto ao pensa-
mento analítico, já que, análise implica em isolar alguma coisa a fim de entendê-la.
Segundo Capra (1996), no paradigma científico cartesiano com sua
concepção tradicional de objetividade científica, acredita-se que as descrições dos
fenômenos são objetivas, isto é, independentes do observador humano e do
processo de conhecimento. Já o novo paradigma, implica na mudança para um
7SIMON, H. The sciences of the artificial. 3rd ed. Boston: MIT Press, 1996.
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plano no qual a epistemologia - a compreensão do processo de conhecimento ou
método de questionamento, torna-se parte integral das teorias científicas e assim,
deve ser incluída na descrição dos fenômenos naturais. Nas palavras de
Heisenberg8 (1971 apud CAPRA, 1996, p. 57): "O que observamos não é a natureza
em si, mas a natureza exposta ao nosso método de questionamento". Método este
que questiona à partir da perspectiva dos relacionamentos existente entre as partes.
A mudança de paradigma “das partes para o todo”, também pode ser
entendida como uma mudança dos objetos para as relações. Na visão mecanicista,
o mundo é uma coleção de objetos e as relações estabelecidas por eles são
secundárias. Na visão sistêmica, os próprios objetos são redes de relações
embutidas em redes maiores. Quando a realidade é percebida como uma rede de
relações, o universo material é percebido como uma teia dinâmica de eventos inter-
relacionados. Para o pensador sistêmico, as relações são fundamentais.
Capra (1996) acredita que esta nova percepção da realidade tem profundas
implicações não apenas para a ciência e para a filosofia, mas também para todas as
atividades humanas no mundo - as comerciais, as políticas, as educacionais etc. No
caso do design, esta nova ciência implica na possibilidade de uma atuação mais
sistêmica e proativa perante às organizações e à sociedade. Sendo assim, o design
deixa de ser somente uma ferramenta técnica nas mãos dos empresários e passa
do plano apenas operacional para o, também, sistêmico.
As implicações do pensamento sistêmico na vida empresarial estão
intimamente relacionadas à visão da organização/corporação como um
sistema/organismo vivo. Segundo Capra (1996), toda a máquina do mundo está
deixando de funcionar, e finalmente acabará parando. Já os organismos vivos, têm
poderes de fazer coisas que as máquinas nunca poderiam fazer, como, por
exemplo, regenerar-se, aperfeiçoar-se e adaptar-se.
Peter Senge 9 (1994 apud SMITH, 2001) também aborda o uso do
pensamento sistêmico nas organizações, através do conceito de “organizações de
aprendizagem” – learning organizations. Em seu livro “The Fifth Discipline” (“A
Quinta Disciplina”), ele definiu estas organizações como aquelas capazes de
aprender e de aprimorar-se continuamente. Organizações nas quais as pessoas
8HEISENBERG, W. Physics and beyond. Nova York: Harper & Row,1971. 9SENGE, P. et. al. (1994) The fifth discipline fieldbook: strategies and tools for building a learning organization.
20
estão sempre expandindo sua capacidade de criar resultados verdadeiramente
desejados (como por exemplo um modelo de futuro que elas realmente gostariam de
gerar), e onde novos e expansivos padrões de pensamento são nutridos.
Organizações nas quais também existe a aspiração coletiva e onde as pessoas
estão continuamente aprendendo a enxergar, juntas, o “todo”.
Segundo Senge10 (1994 apud SMITH, 2001), a principal vantagem deste tipo
de organização é a sua capacidade de adaptação e de regeneração. Assim, a
capacidade de aprendizagem de uma organização é vista como uma vantagem
competitiva, principalmente, tratando-se de situações e cenários de rápidas
mudanças e transformações. Sendo assim, as organizações são capazes de
responder melhor às oportunidades, atendendo às novas necessidades e criando
novos valores. Ele defende a ideia de que o verdadeiro aprendizado é aquele capaz
de recriar tanto indivíduos quanto organizações.
Concordando com Capra (1996), Senge (1994 apud SMITH, 2001) afirma que
a mudança de paradigmas ultrapassa a ideia da parte para o todo, indo das pessoas
como agentes passivos para as pessoas como agentes participativos - no que diz
respeito à remodelagem da realidade, da reação ao presente para a criação do
futuro.
Por fim, Senge (1994 apud SMITH, 2001) argumenta que as “organizações de
aprendizagem” precisarão de um novo modelo de liderança, um modelo que seja
responsável pela construção de uma organização, na qual pessoas estão
constantemente expandindo suas capacidades de entender a “complexidade”. Para
ele, um destes possíveis líderes é o designer, por sua capacidade de influenciar e
governar ideias sobre o futuro, e sua principal tarefa como líder será projetar o
processo de aprendizagem.
10SENGE, P. et. al. (1994) The fifth discipline fieldbook: strategies and tools for building a learning organization.
21
4.2. Sustentabilidade
Sustentabilidade é um conceito muito difundido atualmente e que pode ser
usado em diversos contextos. O problema é que, muitas vezes, ele é aplicado de
maneira incorreta. Segue abaixo, algumas definições relacionadas à este termo.
Houaiss (2009) define, genericamente, sustentabilidade como:
Sustentabilidade: característica ou condição do que é sustentável. Sustentável: que pode ser sustentado; passível de sustentação. Sustentação: ato ou efeito de sustentar(-se). 1. abastecimento renovado do conjunto das substâncias necessárias à conservação da vida; nutrição, alimentação, sustento. Ex.: o solo pobre não fornece suficiente s. às plantas. 2. ato ou efeito de dar apoio. Ex.: hoje poucos partidos estão dando s. ao governo. 3. aquilo que sustenta; sustentáculo, apoio. Ex.: a s. do telhado não aguentou e ruiu. 4. ato ou efeito de conservar; conservação, manutenção. Ex.: um projeto de difícil s. 5. ato ou efeito de defender (algo); defesa Exs.: s. de tese. s. de um ponto estratégico. 6. ato, processo ou efeito de validar, confirmar (algo); confirmação, ratificação 7. ação ou resultado de suster, adiar; dilação, demora, adiamento 8. Rubrica: publicidade. numa campanha publicitária, a fase subsequente ao lançamento (HOUAISS, 2009).
Segundo Capra (apud TRIGUEIRO, 2005, p. 19), o conceito de
sustentabilidade “foi introduzido no início da década de 1980 por Lester Brown [...]
que definiu comunidade sustentável como a que é capaz de satisfazer às próprias
necessidades sem reduzir as oportunidades das gerações futuras”. Capra11 (2002
apud FACHINETTO; MACEDO; NASCIMENTO, 2006) acrescenta que uma
comunidade sustentável é construída de maneira que sua economia, seus negócios,
suas tecnologias e suas estruturas físicas não entrem em conflito com a capacidade
da natureza de sustentar a vida. Diferentemente da forma atual de capitalismo global
que é insustentável dos pontos de vista social e ecológico, e por isso torna-se
inviável a longo prazo.
Para Silva (2006) desenvolvimento sustentável é:
O processo político, participativo que integra a sustentabilidade econômica, ambiental, espacial, social e cultural, sejam elas coletivas ou individuais, tendo em vista o alcance e a manutenção da qualidade de vida, seja nos momentos de disponibilização de recursos, seja nos períodos de escassez,
11CAPRA F. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. São Paulo: Cultrix, 2002.
22
tendo como perspectivas a cooperação e a solidariedade entre os povos e as gerações (DA SILVA, 2006, p. 132).
Manzini e Vezzoli (2008) tratam da sustentabilidade ambiental, e referem-se à
ela como sendo as condições sistêmicas segundo as quais as atividades humanas
não devem interferir nos ciclos naturais em que se baseia todo o planeta e, ao
mesmo tempo, não devem empobrecer seu capital natural, que será transmitido às
gerações futuras.
John Elkington12 (1998 apud DOWNS; LOVLIE; REASON, 2010, p. 177),
sobre o conceito “tripé da sustentabilidade” – “triple bottom line”, afirmou que ele traz
a ideia de que o sucesso de uma organização deve ser medido pelo efeito de suas
atividades nos níveis econômico, ambiental e social. Assim, mais recentemente, o
empreendimento humano sustentável é considerado ecologicamente correto,
socialmente justo, culturalmente diverso e economicamente viável.
Sendo assim, nesta perspectiva e dentro de sua potencialidade e
competência o design tem um papel ético a cumprir, que segundo Moraes (2008)
está ligado à trilogia: produção, ambiente e consumo. Portanto, a atuação do design
deve estar relacionada à desenvolver e conceber novas e sustentáveis soluções.
Manzini (2008) traz a expressão “design para a sustentabilidade” que, segundo ele,
deve ser interpretada como atividade de design que objetiva encorajar a inovação
radical orientada para a sustentabilidade. Este autor conclui que:
[...] os designers podem ser parte da solução, justamente por serem os atores sociais que, mais do que quaisquer outros, lidam com as interações cotidianas dos seres humanos com seus artefatos. São precisamente tais interações, junto com as expectativas de bem-estar a elas associadas, que devem necessariamente mudar durante a transição rumo à sustentabilidade (MANZINI, 2008, p. 16).
4.3. O Modelo Cradle to Cradle
Neste item, é apresentada a teoria que inspirou o modelo Cradle to Cradle
desenvolvida por William McDonough e Michael Braungart no livro: “Cradle to
12ELKINGTON J. Cannibals with forks: the triple bottom line of 21st century business. British Columbia: New Society Publishers, 1998.
23
Cradle: remaking the way we make things” (2002). Os autores acreditam que é
possível construir uma sociedade de consumo responsável e argumentam em prol
de uma abordagem mais proativa do design. Eles criaram um método para analisar
materiais e processos, desenvolvendo novos métodos e materiais para minimizar o
impacto ambiental.
No século XIX os recursos naturais pareciam incomensuravelmente vastos.
Hoje, apesar da natureza estar sendo compreendida de uma maneira diferente,
algumas indústrias ainda operam de acordo com os paradigmas antigos, certificam
os autores. Se antes abundância era sempre vista com uma conotação positiva,
atualmente, ela precisa ser melhor avaliada pela possibilidade de poder significar
desperdício ou degradação.
Para McDonough e Braungart (2002) a revolução industrial não foi planejada,
mas obviamente, teve propósito. No fundo, a mecanização que levou à produção em
massa foi uma revolução econômica dirigida pelo desejo de aquisição de capital,
mas que trouxe consequências catastróficas para todo o planeta. Os atuais e
maiores problemas relativos ao meio ambiente - aquecimento global, desflores-
tamento, poluição, lixo - decorrem do decadente modelo ocidental de estilo de vida.
A indústria e o meio ambiente, o comércio e a natureza parecem não poder
conviver no mesmo mundo, pois os convencionais métodos de extração, fabricação
e venda são destrutivos para com a natureza. Para ajudar a solucionar seus
problemas, a cultura pós-industrial, extremamente consumista, converte recursos
naturais em bens de consumo e em lixo, num modelo: tira-faz-vende-usa-descarta,
que foi chamado pelos autores de cradle to grave, na tradução literal “do berço para
a cova”.
Este modelo de manufatura, típico do projeto moderno, estabelece uma
infraestrutura industrial linear que tem apenas um caminho e direção: o descarte, o
lixo. Esta infraestrutura objetiva produzir um produto e levá-lo até o consumidor o
mais rápido e barato possível, sem considerar qualquer outro aspecto. Assim, os
recursos são extraídos, transformados em produtos, vendidos e, eventualmente,
depositados em algum tipo de “cova”, “sepultura”, provavelmente em um aterro ou
incinerador. É importante notar que apenas alguns produtos são realmente consumi-
dos, como por exemplo comidas e líquidos, o resto, sacolas, caixas, embalagens,
objetos velhos são condenados ao descarte após o término de seu uso.
24
Projetos cradle-to-grave resultam em produtos com ciclo de vida rela-
tivamente curto, dentro da lógica: uso-descarte, produto-lixo, nascer-morrer, berço-
cova. O pensamento de velho, ultrapassado e obsoleto foi enraizado na cultura
ocidental desde os primórdios da industrialização e o hábito de se consertar foi
sendo perdido ao longo do tempo, já que, atualmente, muitas vezes acaba saindo
mais barato comprar uma versão nova do produto que trocar uma peça ou mandar
consertá-lo. De fato, muitos produtos foram e ainda vêm sendo projetados de acordo
com a lógica da “obsolescência programada”, que impõe um tempo limitado de uso
para o produto, ou seja, projetando-o para durar apenas um certo período de tempo.
Esta duração muitas vezes, não tem relação com o estado de conservação do
produto, mas sim, com as imposições de estilos temporais - a moda. Sendo assim, o
consumidor é encorajado a se desfazer de um produto que ainda está em condições
de uso, para comprar um novo modelo, literalmente, mais “moderno” e da moda.
McDonough e Braungart (2002) afirmam que o hábito de jogar as coisas fora
está ultrapassado e que qualquer coisa deve ser continuamente reutilizada ou
reciclada. Sendo assim, é possível ter uma sociedade de consumo responsável que
substitua o modelo cradle to grave pelo: cradle to cradle, traduzindo: “do berço para
o berço”.
O modelo cradle to cradle, segundo os autores, estabelece uma infraestrutura
industrial cíclica, na qual os materiais que compõe os produtos possuem ciclos de
vida fechados e contínuos – uso-reuso, produto-matéria prima, nascer-nascer,
berço-berço, ou seja, o final de um ciclo é o início de um outro ciclo, evitando, assim,
a existência de um fim de linha e aproximando-se ao máximo do estado “eterno”. Os
autores apontam dois diferentes tipos de ciclos “fechados”: o ciclo técnico e o ciclo
biológico. O primeiro ciclo (Figura 1) consiste num sistema de manufatura que
permite o retorno do produto, após o seu uso, para a desmontagem e a reutilização
das peças em uma nova manufatura. Já o ciclo biológico (Figura 2) foca-se em
produtos confeccionados com matérias prima que possam sofrer uma decomposição
segura, capazes de gerar nutrientes biológicos que atuam na fertilização da terra,
preparando-a para o crescimento e a geração de mais matéria prima.
25
Figura 1: Ciclo Técnico (Tradução nossa)
Fonte: Vídeo “Cradle to Cradle” www.reggs.com
Figura 2: Ciclo Biológico (Tradução nossa)
Fonte: Vídeo “Cradle to Cradle” www.reggs.com
Projetos cradle-to-cradle são projetos inteligentes, focados na reciclagem, no
“reuso” e/ou na decomposição segura dos materiais - biodegradação. São projetos
que elaboram produtos com design “durável”, isto é, que evitam e/ou diminuem
significativamente o descarte, projetos que considerem o reemprego do uso - o
26
reuso, evitando assim, a extração excessiva de recursos e a produção
descontrolada de lixo.
Os autores pregam o que eles chamam de “4 R’s”: reduzir, reutilizar, reciclar e
regularizar/regulamentar. Assim, eles apontaram algumas estratégias de redução e
eliminação do descarte, bem como os problemas que as vem acompanhando:
● Reciclagem: ela nem sempre tem uma conotação positiva, ou seja, só
porque um material é reciclado, não significa que ele seja ecologicamente
correto, especialmente se ele não foi projetado especificamente para o
reciclo. O processo de reciclagem pode introduzir até mais aditivos nocivos
que um produto convencional contém, pois às vezes, algumas substâncias
químicas devem ser adicionadas para se obter a performance e a qualidade
desejada para o material, podendo desta forma, vir a aumentar a
contaminação da biosfera e a produzir um material de qualidade inferior -
processo chamado de downcycling. No downcycling, o material reciclado não
apresenta a mesma qualidade do material que lhe deu origem, ele apresenta
uma qualidade inferior, devido à presença de outras substâncias na sua
composição, como tintas presentes em metais e polímeros a serem
reciclados. A maioria das reciclagens é na realidade downcycling. O
downcycling tem mais uma desvantagem, ele pode custar mais caro para o
negócio;
● Incineração: pode ser usada como fonte de energia, convertendo lixo em
energia, porém, geralmente, a maioria dos materiais não foram projetados
para serem incinerados, isto é, queimados com segurança;
● Aterros sanitários: o problema dos aterros é que grande parte dos materiais
neles depositados, não é biodegradável, isto é, não têm uma decomposição
segura e de fácil absorção pela natureza;
● Mercados de reuso: achar mercados para o reuso dos descartes não é a
solução, mas pode ajudar. Projetar produtos que considerem a
desmontagem, também pode ajudar.
27
Quando os autores se referem ao modelo cradle to cradle, eles fazem
menção à “Nova Revolução Industrial”, que abandonará a “estratégia da tragédia”
até então vigente, para adotar uma “estratégia de mudança”.
Mesmo que os industriais, engenheiros e designers do passado e de hoje não
pretendiam causar tão devastadores efeitos, causando tanta destruição e
danificando o planeta, eles acabam envolvidos numa estratégia da tragédia. Para
McDonough e Braungart, continuar engajados nesta estratégia ou projetar e
implementar uma estratégia de mudança, não é mais uma questão de escolha, mas
sim de necessidade e obrigação.
Muitas vezes, os industriais veem as iniciativas de proteção ao meio ambiente
como não econômicas, ficando a contribuição dada por eles, para uma indústria
menos destrutiva, tão somente numa abordagem menos ruim. Contudo os criadores
desta nova “filosofia” argumentam que ser “menos ruim” é uma falha de imaginação.
Eles defendem a ideia de que é preciso desenvolver um real processo de mudança,
que pregue por completas intenções positivas, por uma forma de “fazer”
completamente diferente, 100% boa. Braungart constata que não é a natureza que
tem problema de design, mas sim as pessoas, a sociedade e a cultura. É preciso,
então, desenvolver estratégias que permitam evitar as piores consequências do
industrialismo.
Assim sendo, neste contexto de pós-industrialização e hiperconsumo que
clama por mudanças, vem à tona a responsabilidade social e ambiental do designer.
Os autores acreditam que no mundo em que o design não é inteligente, ele é
destrutivo, e por isso, é preciso seguir com uma abordagem de design radicalmente
diferente, que ajude, de fato, a configurar a estratégia de mudança.
Segundo McDonough, design é o primeiro sinal das intenções humanas, e a
intenção de design por trás da vigente infraestrutura industrial é fazer um produto
atrativo, que seja acessível economicamente, que atenda às normas de boa
performance e que dure o suficiente para atender as expectativas de mercado.
Ficando claro então, que para colaborar com a estratégia de mudança é necessário
que o designer reflita sobre suas intenções: o que ele almeja construir? Prospe-
ridade, saúde, segurança, paz, comunidade? Projetar a própria transformação da
indústria passa a ser um dos maiores desafios para o designer, fazendo assim
surgir, novos domínios do design.
Como eliminar o problema do descarte? E como fazer um design/projeto
28
durável? Estas são questões complexas, mas de grande relevância no mundo atual.
Para respondê-las, primeiramente, é preciso entender que o lixo é um grande
problema de design e sua solução dependerá da criação de novos métodos de
descarte. Assim, os pioneiros desta nova metodologia, os autores do livro “Cradle to
Cradle”, criaram um método para analisar materiais e processos, que os avaliam
tanto do ponto de vista humano quanto do ecológico, isto é, os novos materiais e
processos devem ser configurados de maneira que respeitem a saúde humana e
também a ecológica.
Braungart (2002) relata que a inspiração desta filosofia e nova metodologia foi
imaginar um mundo industrial onde as crianças servissem como o critério ou padrão
de segurança, no qual, os “designs” (projetos) amassem todas as crianças de todas
as espécies por todo o tempo.
Segundo os autores, é muito importante também, que o designer pense em
termos regionais, que ele respeite a diversidade natural e cultural de um
determinado lugar, e que a use a seu favor, opondo-se assim, à abordagem do
design universal. Para eles, o designer tem que pensar em fazer bom uso de
materiais locais, já que existem dificuldades em aplicar um modelo de soluções
padrões em determinada circunstância e local.
McDonough e Braungart aplicam também o conceito de inteligência
ecológica, ou eco-eficiência, que, segundo eles, transformaria a indústria humana de
um sistema que tira, faz, usa e descarta em um que integre economia, meio-
ambiente e preocupações éticas. Basicamente, o termo eco-eficiência significa
“fazer mais com menos”. Os autores afirmam que muitas industrias ao redor do
globo, já estariam aplicando este conceito como a escolha certa para a estratégia de
mudança.
4.4. O Design Emocional
Esta seção foi estruturada à partir do conceito de Design Emocional proposto
por Donald Norman em seu livro “Emotional Design: why we love (or hate) everyday
things” (2005) [“Design emocional: porque adoramos (ou detestamos) os objetos do
dia-a-dia”].
29
No livro, o autor trata da conexão emocional existente entre os seres
humanos e as coisas, e de como as emoções exercem um papel crucial no processo
de compreensão de mundo e de aprendizagem dos humanos. Assim, unindo
componentes cognitivos e afetivos, qualidades físicas e simbólicas dos objetos,
Norman apresenta um sistema composto por três níveis de processamento cerebral
que classificam o prazer e que se aplicam ao design: o visceral, o comportamental e
o reflexivo. Ele chamou este sistema de Design Emocional.
O autor argumenta que as interações entre homem e objetos não se dão
apenas pela satisfação das necessidades funcionais, e que os objetos apresentam
características tanto da ordem prática – objetivas e tangíveis, como a usabilidade, o
desempenho e a qualidade - quanto da ordem simbólica – como os significados e
valores associados às coisas, que são abstratos e subjetivos. Moraes (2011)
acrescenta que, até a pouco tempo, os valores subjetivos, as relações afetivas,
psicológicas e emocionais eram considerados atributos secundários para a
concepção dos produtos industriais.
Antigamente, a ciência era sinônimo de razão e pensamento lógico, e no
campo da neurociência, acreditava-se que as decisões eram tomadas de maneira
racional, seguindo apenas o pensamento lógico. Segundo Norman (2005), novas
pesquisas, entretanto, mostraram que o sistema afetivo interfere neste processo. Foi
descoberto que a maior parte das ações humanas são subconscientes, e pela forma
que o cérebro processa a informação, geralmente, a reação emocional a uma
situação vem antes mesmo do nível cognitivo (da consciência) ser acessado. Assim,
a ciência do afeto e da emoção foi descoberta. A cognição é responsável pela
interpretação e entendimento do mundo, enquanto a emoção auxilia nas rápidas
tomadas de decisão em relação a ele. Desta forma, o sistema afetivo faz
julgamentos que rapidamente ajudam na determinação de quais coisas e ambientes
são perigosos ou seguros, bons ou maus (NORMAN, 2005).
A mente humana, no cotidiano da sobrevivência, apresenta atributos que a
distinguem das mentes de outras espécies. Estes atributos estão relacionados com
a capacidade humana de lidar com o abstrato e o subjetivo. Os seres humanos
vivem em civilizações baseadas em relações simbólicas. Assim sendo, os objetos
para os humanos são mais que possessões materiais devido aos significados que
eles trazem para suas vidas (símbolos, lembranças, emoções que evocam ou
histórias que carregam).
30
As emoções estão presentes no dia-a-dia das pessoas. Elas se divertem,
sentem prazer, alegria, excitação, e claro, também ansiedade, raiva e medo. Estas
emoções interferem e afetam a maneira como elas agem e pensam. A emoção é a
experiência consciente do afeto.
Norman explica que o cérebro processa a informação de maneira que
julgamentos objetivos e subjetivos são feitos à respeito do que está sendo
considerado, sendo assim, os produtos e sua utilização são capazes de produzir
reações emocionais no indivíduo, sejam elas positivas ou negativas.
As emoções e afetos positivos, como a alegria, geram prazer, promovem o
relaxamento do corpo, fazem a atividade cerebral ser melhorada, aumentam a
disposição e o entusiasmo para a execução de tarefas. Assim, o processo de
pensamento se expande propiciando a criatividade e a imaginação. Já foi
comprovado que as pessoas satisfeitas produzem mais, cometem menos erros,
adoecem menos, sofrem menos acidentes e são mais colaborativas, assim como os
afetos positivos podem auxiliar a aprendizagem, encorajar a continuação do uso de
dispositivos e facilitar os processos de criação e de resolução de problemas.
Por outro lado, as emoções e afetos negativos podem causar frustração,
ansiedade, tensão e foco excessivo, que estreitam o pensamento, assim como o
medo que imobiliza o corpo, preparando-o para fugir ou lutar.
Portanto, as emoções interferem no modo de tomada de decisões e no modo
como a mente funciona para resolver problemas. De acordo com Norman (2005), os
cientistas agora têm evidencias de que coisas atrativas, capazes de gerar prazer
estético, funcionam melhor, pois provocam emoções positivas que expandem o
processo cerebral, gerando maior criatividade.
O autor afirma que as pessoas interpretam as experiências com os produtos
em três diferentes níveis, nos quais o Design Emocional é baseado:
01- Nível Visceral: relacionado ao instinto do ser-humano e aos seus cinco
sentidos. Tem haver com como o indivíduo reage à aparência e ao aspecto
físico das coisas, ou seja, de como elas se apresentam e são percebidas por
ele. Neste nível, reações imediatas, automáticas, instantâneas, instintivas e
pré-conscientes do que é bom/mau ou seguro/inseguro são provocadas. É o
nível onde a primeira impressão é formada. Este nível é muito usado pela
sabedoria da natureza para incentivar a procriação e a perpetuação das
31
espécies. Na natureza, geralmente os machos são mais bonitos, o leão
possui uma juba vistosa e o pavão macho uma calda colorida e encantadora,
pois assim, as chances de conquista das fêmeas são maiores. As flores e os
frutos também seguem a mesma regra, sendo coloridos, cheirosos e doces,
para melhor atraírem os insetos da polinização e os animais que espalham
suas sementes. O nível visceral, por sua simplicidade, também é muito usado
nos produtos infantis, como artifício para atrair as crianças que têm um
processo de percepção mais simples e direto.
02- Nível Comportamental: relacionado ao comportamento, desempenho,
performance e funcionamento dos objetos e dos produtos. Ele decorre do
resultado de uma ação, e do prazer e eficácia no uso de um produto. Um
cortador de legumes foi feito para cortar legumes, e caso não cumpra sua
função, gera frustração e decepção. A melhor maneira de se descobrir as
reais e possíveis necessidades dos usuários é observando-o enquanto o
produto ou protótipo está sendo naturalmente usado.
03- Nível Reflexivo: relacionado à reflexão, ao pensamento, à interpretação,
aos aspectos simbólicos do design, aos significados interpessoais, à
autoimagem, bem como à representação junto à sociedade (status e estilo de
vida). Este nível é complexo e subjetivo, pois ele depende do nível cultural e
de instrução do indivíduo. Nele ocorre a satisfação pessoal, ou seja, é nele
que as necessidades emocionais das pessoas são preenchidas. As relações
duradouras, como as memórias e as experiências pessoais, habitam este
nível. No nível reflexivo, um relógio pode dizer muito mais que as horas, como
por exemplo os relógios da marca Swatch, que não são simplesmente
relógios que cumprem sua função de marcar o tempo, mas, além disso, são
carregados de estilo, significados e valores.
No nível visceral as pessoas são mais ou menos iguais, enquanto que nos
níveis comportamental e reflexivo tudo depende das experiências, da cultura e do
nível de educação de cada indivíduo.
Assim, estes três níveis - visceral, comportamental e reflexivo - correspondem
respectivamente aos três aspectos presentes nos produtos: forma, função e
32
conteúdo simbólico. O design, mesmo sem pretender, faz uso desses níveis, sendo
que os melhores produtos determinam um bom uso dos três níveis, e equívocos no
propósito de uso destes, podem provocar emoções negativas e frustrações no
usuário
Norman (2005) explica que algumas vezes, o caráter reflexivo pode
sobrepujar o caráter comportamental de um produto, pois os desafios de usabilidade
de alguns produtos, mesmo que aumentem as dificuldades do caráter
comportamental, aumentam seu caráter reflexivo – a questão do desafio – que faz
surgir e crescer um apego dos usuários para com aquele produto.
Deste modo, com a descoberta do que Norman (2005) chamou de “ciência
emocional”, foi definitivamente comprovado que a emoção e o sistema afetivo
exercem uma forte influência na decisão de compra das pessoas e que este fator
pode ser até mais forte que outros fatores tradicionais, como por exemplo a
funcionalidade e o preço. Assim, o design é também responsável pela conexão
emocional existente entre usuários e produtos, doando aos produtos, serviços,
marcas e empresas a “personalidade” que os diferenciam no mercado e que os
identificam com os usuários.
O autor ressalta a importância do design reflexivo como ferramenta de
atribuição de significados e geração de valores, aproximando empresa e
consumidor, de maneira a consolidar relações duradouras e sólidas. Norman (2005)
acredita que a vida das companhias está nas mãos do design reflexivo, pois ele tem
o alto poder de determinar o sucesso ou fracasso de uma marca, produto ou serviço.
Pode-se dizer, portanto, que a sistematização desenvolvida por Norman
(2005) permitiu a introdução do Design Emocional no processo metodológico do
design, ampliando, assim, o entendimento dos usuários e, consequentemente, seu
poder de atuação frente à eles e ao mercado.
4.5. O Pensamento Integrado
O conceito de Pensamento Integrado - Integrative Thinking - está relacionado
com a transformação econômica e a reformulação do modelo tradicional de gestão
33
de negócios. Este conceito serviu de base inspiradora para o Design Thinking, que
será abordado posteriormente.
Roger Martin (2009a), professor e reitor da Rotman School of Business -
University of Toronto, definiu o Pensamento Integrado como sendo a capacidade de
abranger modelos opostos como inspiração para a criação de um novo e melhor
modelo. Sendo assim, o objetivo desta teoria é, quando lidando com modelos
opostos, em vez de escolher um ou outro, integrar os dois para criar um modelo
melhor que contenha elementos de cada um, mas que seja superior a eles.
Segundo Martin (2005a), o modelo tradicional de gestão de negócios é
exclusivamente estruturado no pensamento lógico e analítico, aquele que busca
provar algo e que se baseia em resultados consistentes. Neste modelo, a empresa
foca-se principalmente na administração dos números e na confiabilidade dos
dados, esquecendo-se de um aspecto primordial - o subjetivo, o humano - ligado ao
usuário/consumidor. Martin (2009b) argumenta que as empresas precisam centrar-
se em design, pelo simples fato deste centrar-se nos seres humanos e não em
lógica e números. Para Martin (2005a, 2011), o foco excessivo dos administradores
de empresa nos algoritmos acaba por restringir seus pensamentos, incapacitando-
os, assim, de lidar com problemas complexos - wicked problems, ou seja, problemas
sem formulação ou solução definitiva, cuja definição está aberta a múltiplas
interpretações. Wicked problems é uma denominação também usada por Neumeier
(2010), que, de acordo com Martin, refere-se aos problemas complexos vividos
pelas empresas no mercado global atual.
Martin (2009b) acredita que o design, com sua perspectiva heurística,
criatividade, habilidade, abordagem na solução de problemas e, principalmente,
pensamento intuitivo - aquele que explora o novo, que usa a imaginação e a
criatividade, que não é limitado - é capaz de ajudar os tradicionais gestores a
combater estes problemas complexos. Tal auxílio criaria a possibilidade do negócio
ser guiado através de soluções inovadoras, capazes de gerar conhecimento e de
criar valor, tanto para o usuário, quanto para a empresa, movendo assim, as
companhias e o mercado rumo a uma nova era - a da economia responsável.
Em um período de tantas mudanças, Martin (2005b) ressalta que apenas
administrar os negócios não é mais o bastante, sendo necessário também re-
projetar, ou melhor, projetar o mundo dos negócios para o futuro – o design dos
negócios. O professor Martin constata que a solução mais adequada para mudar o
34
atual modelo de negócio é a aplicação da teoria do Pensamento Integrado, que,
neste caso, tem como objetivo implantar o design na gestão das empresas, bem
como aplicá-lo nas escolas de negócios.
Na sua forma de pensar, Martin (2005b) prevê que os gestores corporativos
terão que, cada vez mais, tornar-se “mestres em heurística” e menos “gerentes de
algoritmos”, ou seja, terão que se tornar mais flexíveis e abertos se desejarem ser
mais criativos e bem sucedidos nos mercados competitivos atuais.
Neumeier (2006), afirma que é preciso eliminar a lacuna que vem separando
a gestão e a estratégia da criatividade, possibilitando assim a união do pensamento
analítico com o pensamento intuitivo. Se antes profissionais, como os de
administração e os de marketing, que geralmente pensam e atuam de forma
analítica, lógica, linear, concreta e numérica, trabalhavam de maneira totalmente
diferente da maneira de profissionais como os designers, que pensam de forma
intuitiva, emocional, visual e espacial, agora, precisam fazer a integração desses
dois opostos, para que seja então possível juntos definirem o sucesso de uma
organização.
Martin (2005a, 2009b) acredita que o desafio da integração existe
principalmente porque para os pensadores analíticos é difícil entender o processo
intuitivo de pensar, já que, nele, não é possível a comprovação explícita e imediata
da ideia. O pensamento intuitivo é guiado pela imaginação sendo capaz de levar a
novas maneiras de pensar e fazer, capaz de gerar inovação e valor. O grande
inimigo da inovação é o pensamento analítico, pois não é possível provar e
mensurar algo que ainda não existe. Em vez de reconhecer que, muitas vezes,
problemas/mistérios representam grandes oportunidades de criação de novos
valores, as empresas tradicionais geralmente impõem barreiras que limitam a
imaginação e a criatividade, tão somente baseadas na necessidade de provas
consistentes, o que impede que soluções inovadoras e novos valores sejam
encontrados. Neste cenário, muitas vezes, as soluções aplicadas pelas empresas
baseiam-se em dados comprobatórios, ou seja, remetem-se ao passado já
desvendado, por ser ele capaz de mensurar a solução. Para o design, portanto, não
existe limitação capaz de determinar que nada pode ser feito para solucionar um
problema/mistério. Para cada um destes, existe, é claro, um desafio, mas que não
impede, de forma alguma, encontrar a solução, pelo contrário, estimula a sua
procura.
35
Martin (2009a) afirma que um líder brilhante é alguém que entende o mundo e
que enxerga como sendo o seu papel criar novos modelos e novas alternativas, não
se entregando às soluções existentes e nem se conformando com o modo com que
algo tem sido feito. Ele vê oportunidades onde outros só enxergam opções pobres,
medíocres e mais cômodas. O líder brilhante é, portanto, aquele que acredita poder
criar um mundo melhor.
Do mesmo modo que Martin, Capra (1996) acredita na mudança para um
sistema de valores mais equilibrados, que coloca essas tendências opostas lado a
lado: racional/intuitivo, auto-afirmativo/integrativo, conservação/expansão, competi-
ção/cooperação, reducionista/holístico, quantidade/qualidade, linear/não-linear,
dominação/parceria.
Concluindo, de acordo com Martin (2010c), o Pensamento Integrado é a
combinação do melhor do pensamento analítico com o melhor do pensamento
intuitivo, que é capaz de conduzir as organizações rumo à inovação, à geração de
valores, à vantagem competitiva e à criação de um modelo de mundo melhor.
4.6. Inovação e Lógica Abdutiva
Capra (1996) fala sobre como a percepção é interrompida pelo processo de
"reconhecimento", o que impede o descobrimento do inédito – a inovação:
Muitas vezes, quando estamos tentando perceber algo à nossa frente, o processo é interrompido por um "enquadramento" daquilo em relação a alguma coisa que já está armazenada em nosso atual arcabouço mental. Nesse momento, nosso processo "neutro" de percepção é interrompido e "rotulamos" a coisa como algo já conhecido, poupando-nos o trabalho de desvendar o inédito... (CAPRA, 1996, p. 08).
Ele afirma que, desta maneira, este processo de “reconhecimento” exclui a
realidade invisível, inaudível, intocável, não passível de percepção pelos sentidos
normais do indivíduo. Assim sendo, por não ser possível demonstrar o intangível em
"balanços" e relatórios ele é, geralmente, desconsiderado pelas empresas.
Para Martin (2010b), é equivocada a percepção de que uma boa gestão de
negócios está, necessariamente, atrelada apenas àquilo que é provado, mensurável
36
e, portanto confiável. O modelo tradicional de gestão, baseado no pensamento
analítico, adotou a regra: o que não é mensurável não pode ser, então, considerado.
A ação de “medir” e de “provar” fornece dados confiáveis, que geram certo conforto
e alguma ilusão de controle para os gestores e investidores. Assim sendo, as
organizações acomodaram-se, simplesmente, no que é passível de medir e provar,
num pequeno e constrangido mundo, no qual a “realidade” aprisiona os indivíduos
num edifício que, sem saberem, foi construído em torno deles (MARTIN, 2010b).
Roger Martin (2009b) constata que a inovação é algo que promove o
conhecimento e o projeta para frente - para o futuro. Ele acrescenta que ela é o
caminho para a resolução de problemas e mistérios e para a geração de valores.
Segundo Martin (2009b), o pensamento analítico privilegia o passado e não o futuro,
sendo, portanto, incapaz de gerar inovação. O pensamento analítico tem como
propósito provar algo através da lógica indutiva ou dedutiva, estas, descritas a seguir
de acordo com Jeanne Liedtka (apud LOCKWOOD, 2010, p. 84), professora da
Darden School of Business - University of Virginia: a lógica indutiva é fornecida
através da observação que prova que alguma coisa realmente funciona, já a lógica
dedutiva é fornecida pelo raciocínio e princípios que alguma coisa deva ser.
Portanto, o pensamento analítico busca explorar o conhecimento já existente.
Ele se baseia na confiabilidade promovida por dados do passado, que geram
resultados consistentes, mas limitados. Este pensamento suprime o julgamento, ou
seja, tudo que é subjetivo e que não pode ser mensurado – o pensamento intuitivo.
Segundo Martin (2009b), o pensamento analítico explora o futuro através do
passado, baseando-se em dados já conhecidos e, por isso, não permitindo que um
futuro diferente do passado seja criado, o que aprisiona os humanos numa
“realidade” do já conhecido e explorado.
Para inovar é preciso que o futuro esteja desvinculado das limitações do
passado, para que seja, assim, diferente e novo. Se o futuro repete o passado, as
organizações e suas soluções se tornam anacrônicas (MARTIN, 2010b). Assim
sendo, Martin (2009b) argumenta que é preciso se libertar do conceito que prende a
gestão à ideia de mensurar e provar, pois não é possível criar novos conhecimentos
e valores usando a lógica indutiva ou dedutiva. Martin (2010b) propõe, com sua tese,
uma nova regra: o que não pode ser imaginado, não poderá ser também criado. O
futuro está ligado à imaginação, e para imaginá-lo, é preciso enxergar além das
variáveis mensuráveis, além do que pode ser provado com dados antigos.
37
O modelo tradicional predominante na maioria das organizações, tem,
portanto, dificuldades de lidar com o pensamento intuitivo, que é baseado na lógica
abdutiva, e que por sua vez, é caracterizada pela exploração do novo conhecimento,
sem fundamentar-se em qualquer raciocínio explícito. Esta lógica liberta-se das
algemas do passado e suprime a análise, objetivando a invenção do futuro e,
consequentemente, buscando sua validação (MARTIN, 2009b). Segundo a
professora Jeanne Liedtka (apud LOCKWOOD, 2010, p. 84), pensamento abdutivo é
a lógica do que poderá ser.
Martin (2010b) afirma que a lógica abdutiva, introduzida por Charles Sanders
Peirce13, é a única capaz de gerar novas ideias, inovação e transformação. Segundo
Peirce (apud MARTIN, 2009b), nenhuma ideia nova, em todo o mundo, foi passível
de ser provada pelas lógicas indutiva e dedutiva.
O professor Roger Martin (2010b) afirma que o aparelho “BlackBerry”,
imaginado e criado por Mike Lazaridis, só se tornou real, graças à lógica abdutiva.
Lazaridis imaginou como a vida dos executivos seria no futuro. Ele imaginou a
possibilidade deles acessarem seus e-mails num dispositivo manual e portátil, como
o telefone, não sendo necessário, assim, esperar estar no escritório para ler seus e-
mails. Não era possível provar que esta ideia daria certo, pois ainda não existia
dados sobre os “smartphones”, já que eles existiam apenas na imaginação. Na
época, Lazaridis não tinha como provar que os executivos se tornariam tão viciados
em sua invenção, mas observando o comportamento dos executivos em suas
rotinas diárias de trabalho, ele supôs que existia uma boa chance de que estes
executivos valorizassem um acesso imediato aos seus e-mails, estivessem eles a
caminho do escritório ou de casa. Na situação imaginada por Lazaridis, não existia
nada para ser medido ou provado, o que contou foram inferências e muitos insights14
qualitativos, chamados por Peirce de "a logical leap of the mind", que, em tradução
literal, significa “um salto lógico da mente” (Tradução nossa).
Portanto, segundo Martin (2010b), para o pensamento intuitivo da lógica
abdutiva, o mundo se expande em possibilidades sem fim. Por outro lado, para o
pensamento analítico, o mundo é restrito e limitado, um lugar brutal, cheio de
surpresas desagradáveis.
13Charles Sanders Peirce foi um dos principais estudiosos e teóricos da Semiótica. 14Insights: termo em inglês relacionado à geração e à criação de novas ideias.
38
5. O DESIGN NO CENÁRIO DINÂMICO E COMPLEXO DA CONTEMPORANEIDADE
O modelo objetivo e linear do mundo moderno ocidental acabou por mostrar-
se não tão estável e sólido quanto se acreditava que fosse. Segundo Mauri15 (1996
apud DE MORAES, 2008, p. 11), a crença em um desenvolvimento contínuo rumo
ao progresso e à felicidade foi afetada por emergências não previstas pelo modelo
moderno, mas que, na era pós-moderna, se manifestaram, como, por exemplo, a
crise ambiental e o risco de exaustão dos recursos naturais, ou mesmo a crise
econômica e o aumento da distância entre riqueza e pobreza.
A constatação de Branzi 16 , relativa ao mundo atual, bem diferente do
imaginado no modelo objetivo e linear, descreve uma mudança de cenário:
O mundo material que nos circunda é muito diferente daquele que o Movimento Moderno tinha imaginado; no lugar da ordem industrial e racional, as metrópoles atuais apresentam um cenário altamente complexo e diversificado (BRANZI, 2006 apud DE MORAES, 2011, p. 37).
Uma nova realidade, portanto, se configura, em cenário bem diferente - o
cenário dinâmico e complexo da contemporaneidade. Da sociedade moderna e
industrial do século XX até a sociedade do início do novo século - pós-moderna ou
pós-industrial - aconteceram significativas mudanças no rumo da cultura material.
Santos (2008) afirma que estas mudanças, antes de mais nada, apontam na direção
da crise da cultura, falando, até mesmo, na morte da civilização.
A teoria da complexidade, a do pensamento sistêmico, abordada
anteriormente por Capra (1996), trouxe uma nova compreensão da vida e
estabeleceu uma “realidade maior” - a realidade chamada por ele de “sistêmica”.
Esta realidade estabeleceu a visão do mundo como uma rede de sistemas
integrados em relações altamente complexas, em oposição à linearidade
característica do cenário estático. Segundo Munné17 (1995 apud LANA, 2011, p. 53),
15MAURI, F. Progettare progettando strategia. Milano: Ed. Dunob, 1996. 16BRANZI, A. Modernità debole e difusa: il mondo del progetto all’inizio del XXI secolo. Milano: Ed. Skira, 2006. 17MUNNÉ, F. Las teorías de la complexidad y sus implicaciones en las ciencias del comportamento. Revista Interamericana de Psicologia/Interamerican Journal of Psychology, v. 29, n. 1, p.1-12, 1995.
39
a teoria da complexidade mostra que a realidade não é linear, mas sim, difusa,
fractal, caótica e catastrófica.
O mundo contemporâneo pós-industrial foi moldado, principalmente, pelas
relações complexas do mercado global (globalização), nas quais, a fácil
disseminação da informação, a comunicação global, o rápido desenvolvimento
tecnológico, a facilitada circulação das matérias-primas e o nivelamento da
capacidade produtiva entre países ajudaram a configurar um cenário dinâmico (DE
MORAES, 2011).
Com relação à mudança de cenário, Branzi18 (2006 apud DE MORAES, 2011,
p. 42) ainda afirmou que “da época das grandes esperanças passamos à época da
incerteza permanente [...] Uma época de crise que não é um intervalo entre duas
estações de certezas, aquela passada e outra futura”.
De acordo com Moraes (2008), é neste contexto dinâmico - global e ao
mesmo tempo culturalmente heterogêneo – de mudanças constantes e velozes, que
um novo design começou a se estabelecer. As transformações ocorridas desde
então possibilitaram a ampliação do campo de atuação do design, assim como,
aumentaram a sua complexidade. Desta forma, segundo Santos (2008, p.64), o
design se insere “indo muito além da criação de objetos funcionais e da mera
capacidade de instrumentar a competitividade entre produtos industriais, para
colocar-se em outro patamar”.
Assim, complementando as palavras de Santos (2008), Moraes (2011)
constata que o desafio dos produtores e designers na atualidade, ao atuarem em
cenários mutantes, dinâmicos e complexos, deixa de ser o âmbito tecnicista e linear
e passa à arena ainda pouco conhecida e decodificada dos atributos intangíveis e
imateriais dos bens de produção industrial. Lana (2011) concorda com essa ideia
quando afirma que a posição do design no clássico e tradicional sistema de
produção era orientada principalmente para a função, enquanto que, no cenário pós-
moderno, ele busca concentrar-se mais nos significados dos produtos. Assim sendo,
o foco do design volta-se para os valores subjetivos relacionados ao comportamento
e às relações afetivas e emocionais dos seres humanos.
18BRANZI, A. Modernità debole e difusa: il mondo del progetto all’inizio del XXI secolo. Milano: Ed. Skira, 2006.
40
Sobre o mesmo tema, Celaschi19 afirmou:
O designer tornou-se um operador-chave no mundo da produção e do consumo, cujo saber empregado é tipicamente multidisciplinar pelo seu modo de raciocinar sobre o próprio produto, por estar no centro da relação entre consumo e produção, pela necessidade de entender as preferências e as dinâmicas da rede de valor e, sobretudo, porque as suas ações devem conseguir modificar ou conferir novos valores aos produtos através de suas intervenções projetuais. Os designers, de igual forma, tendem a promover a síntese dos conceitos teóricos e transferi-los como resposta formal de satisfação, desejo ou necessidade (CELASCHI, 2000 apud DE MORAES, 2008, p. 13).
Portanto, neste contexto de rápidas transformações e seguindo a direção da
perspectiva sistêmica, a nova habilidade do designer concentra-se na gestão de
sistemas complexos. Segundo Moraes (2011), esta nova habilidade está relacionada
com a capacidade de promover o equilíbrio das relações entre a empresa, o usuário
e o ambiente, ou seja, de ser capaz de atuar, simultaneamente, nas esferas
econômica, social/cultural e ambiental.
A abordagem sistêmica, assumida então pelo design, não apenas considera o
objeto isoladamente, mas também todo o sistema no qual ele está envolvido. Neste
sentido, Moraes (2011) afirma que a estética passa a estar diretamente relacionada
à ética. Afirma também que o papel do consumidor passa a ter uma extrema
relevância neste contexto, cabendo à ele ajudar o designer a legitimar ideias mais
proativas, de acordo com a nova “estética” que visa um planeta permeado por
atividades sustentáveis. O papel do designer está, também, em assegurar a
responsabilidade ética dos produtos e serviços, bem como educar o consumidor
sobre estas responsabilidades, dando à ele o direito de conhecer a origem do
produto que adquire (necessidade da rastreabilidade de produtos desde a sua
origem até seu consumo e/ou descarte). Segundo Kazazian20 (2005 apud GONTIJO;
MERINO, E.; MERINO, G., 2011, p. 77) isso pode levar o usuário a incorporar, nos
seus valores mais profundos, a sua responsabilidade como agente de proteção do
futuro. De acordo com Neumeier (2010), os produtos e serviços devem ser, então,
confiáveis, ou seja, eles devem corresponder a expectativas emocionais e cumprir
sua responsabilidade ética, sendo capazes de doar significados para o consumidor.
19CELASCHI, F. Il design dela forma merce: valori, bisogni e merceologia contemporanea. Milano: Il Sole 24 Ore / POLIdesign, 2000. 20KAZAZIAN, T. (Org.). Design e desenvolvimento sustentável: haverá a idade das coisas leves. São Paulo: Senac São Paulo, 2005, 194p.
41
Dentro da lógica de gestão da complexidade, é importante destacar o grande
desafio para a nova atuação do designer: a sua atuação como agente de
transformação e impulsionador de inovações sustentáveis. Segundo Santos (2008),
esta atuação está estreitamente relacionada com a reponsabilidade de gerar
mudanças que promovam novos estilos de vida, frente à alarmante crise ambiental.
Desta maneira, Oliver King (apud GONCALVES; SACO, 2010, p. 170) refere-se à
missão do design como sendo relacionada ao processo de “desmaterialização” do
mundo, dizendo que já existem muitas coisas para serem consumidas e jogadas
fora. Para ele, cada vez mais, os designers têm a obrigação de ajudar as pessoas a
navegarem neste mundo complexo. Ele acredita que o designer deve focar-se em
fazer algo de melhor para as pessoas e para o mundo.
Assim sendo, a disciplina do design, por seu caráter holístico e multidisciplinar
na abordagem de problemas, por sua habilidade visionária, criatividade e
capacidade de gestão da complexidade, é considerada por Moraes (2011) a
alternativa mais adequada para a aproximação correta na decodificação da
realidade contemporânea. Nesta realidade, continua Moraes (2008), o design deve
ser visto como uma ferramenta estratégica, capaz de prever novas e melhores
maneiras de fazer, não só produtos, mas também negócios, com a habilidade de
antecipar as necessidades dos usuários/consumidores - tanto aquelas que já fazem
parte do consciente das pessoas, como aquelas que ainda não foram articuladas.
Portanto, no cenário dinâmico e complexo da contemporaneidade, produtos,
serviços e informações combinam-se para gerar sistemas inéditos de projetar,
produzir e consumir/usar. O designer torna-se, então, um projetista dos sistemas do
futuro, especializado na estratégia de inovação, que trabalha para antecipar e
prospectar novos e melhores cenários. Em 1986, Adrian Forty (2007, p. 12) já havia
percebido que “o design, por sua própria natureza, provoca efeitos muito mais
duradouros do que os produtos efêmeros da mídia porque pode dar formas tangíveis
e permanentes às ideias sobre quem somos e como devemos nos comportar”.
42
6. MUDANÇA DE PARADIGMA: DO ANTAGONISMO PARA A TRANSFORMAÇÃO E INTEGRAÇÃO
Na década de 1960, a pesquisa do biólogo e doutor em zoologia, Roger W.
Sperry, comprovou a teoria da dicotomia do cérebro humano, que foi popularizada,
no ano de 1980, pela artista e autora do livro “Drawing on the Right Side of the
Brain” (“Desenhando com o Lado Direito do Cérebro”), Betty Edwards. Sperry
descobriu que o cérebro é dividido em dois diferentes hemisférios, o esquerdo e o
direito, e que cada um deles é responsável por desempenhar papéis diferentes na
cognição. O hemisfério esquerdo abriga o centro da linguagem humana e o
raciocínio analítico, lógico, linear, concreto, numérico e verbal do pensamento
racional. Já o hemisfério direito é o centro da percepção espacial e dos conceitos
não verbais, não lineares, fonte da imaginação e do prazer, onde habita o
pensamento intuitivo, criativo, emocional, espacial, visual e físico (RAE-DUPREE,
2008).
Percebeu-se, em função da nova descoberta, a existência de dois modos de
pensamento no mundo, o intelecto esquerdo - racional e o direito – intuitivo e
criativo. Desde muito tempo, o intelecto esquerdo tem sido supervalorizado pela
cultura, enquanto o direito, tradicionalmente, marginalizado, principalmente no
âmbito corporativo. Em 1973, Sperry afirmou que o sistema educacional, assim
como, a ciência em geral, tendiam a negligenciar a forma não verbal do intelecto,
constatando, na sociedade moderna, a existência de preconceitos contra o
hemisfério direito (RAE-DUPREE, 2008).
A imposta incompatibilidade entre os dois tipos de intelecto definiu um mundo
antagônico, onde tendências opostas se contrapõem: pensamento racional/lógico vs.
pensamento intuitivo/criativo; linear vs. não-linear; pensamento mecanicista vs.
pensamento sistêmico; perspectiva reducionista vs. perspectiva holística;
conhecimento (lógica indutiva e dedutiva) vs. imaginação (lógica abdutiva); análise
vs. julgamento subjetivo; quantidade vs. qualidade; mensurável vs. não mensurável;
ciências exatas vs. ciências naturais e humanas; design vs. gestão de negócios;
criatividade vs. estratégia; competição vs. cooperação; dominação vs. parceria;
capitalismo dos acionistas vs. capitalismo do cliente; metodologia científica vs.
metodologia de design.
43
A era atual passa por um período de transição e transformação na qual é
percebida a necessidade de se equilibrar valores e promover a integração de
conceitos fundamentados em bases divergentes. Tal necessidade é apoiada pela
teoria do pensamento integrado, sobre a qual Roger Martin afirma que coisas
opostas podem se complementar e gerar um misto de sucesso.
Em um mundo em que, segundo Lavelle e Merritt (2005), a condição de
competitividade depende da criatividade, o meio corporativo começa a reconhecer o
“lado direito” do cérebro - o da criatividade, imaginação e, sobretudo, inovação -
como um novo núcleo de competência capaz de gerar valor para o consumidor e,
consequentemente, também para a empresa. Daniel Pink 21 (2005 apud
LOCKWOOD, 2010, p. 83) defende a implantação do design no mundo dos
negócios, afirmando ser crucial que as organizações se tornem mais inclinadas a
esta área. Para Pink22 (2005 apud RAE-DUPREE, 2008) o lado esquerdo do cérebro
é a parte que enxerga individualmente cada árvore de uma floresta, enquanto o lado
direito é capaz de enxergar a floresta por inteiro (pensamento sistêmico). Assim, o
design tem o papel de fazer as organizações enxergarem de forma diferente,
“desencaixotando” o pensamento corporativo.
Portanto, acredita-se haver uma evolução da economia em direção à
criatividade, que a faz transitar da chamada economia do conhecimento, baseada no
trabalho analítico que é embasado no conhecimento já existente, para o próximo
nível da atividade econômica: a “economia criativa” (BERNER; BRADY;
NUSSBAUM, 2005). Segundo Berner, Brady e Nussbaum (2005), pesquisas revela-
ram que empresas que investem em design, e, consequentemente, em inovação,
aumentam suas chances de sucesso, sendo exemplo atual a Apple de Steve Jobs,
que se tornou uma corporação criativa de notório sucesso, graças aos seus
investimentos em design e inovação. Neumeier (2010) observou que a criatividade
em suas várias formas tem se transformado no motor do crescimento econômico.
A nova abordagem do design está, também, no desafio de ensinar as
companhias a serem mais criativas, apontando oportunidades para a inovação e
incentivando-as a se conectarem emocionalmente com os seus clientes, gerando-
lhes experiências prazerosas. O design passa, então, a servir como ferramenta de
21PINK, D. H. A whole new mind: moving from the Information Age to the Conceptual Age. New York: Riverhead Books, 2005. 22Ibid.
44
transformação e integração, capaz de alinhar estratégia de negócio, experiência do
cliente, eco-sustentabilidade e responsabilidade social. Moraes (2011) ressalta a
importância do design atual desenvolver novos instrumentos e metodologias que o
auxiliem na compreensão e gestão da complexidade contemporânea.
6.1. Metodologia
De uma maneira geral, o termo “metodologia” é definido por Houaiss (2009)
como: “1. ramo da lógica que se ocupa dos métodos das diferentes ciências; 1.1.
parte de uma ciência que estuda os métodos aos quais ela própria recorre; 2. corpo
de regras e diligências estabelecidas para realizar uma pesquisa”.
Bonfim23 traz uma definição mais específica para o termo:
Metodologia é o estudo dos métodos ligados à solução de problemas teóricos e práticos. O conceito método deriva etimologicamente do greco-latino e significa caminho para alguma coisa, seguir ou andar ao longo de um caminho. Métodos e técnicas podem auxiliar na organização de tarefas, tornando-as mais claras e precisas, ou seja, oferecem suporte lógico ao desenvolvimento de projetos (BONFIM,1995 apud GONTIJO; MERINO, E.; MERINO, G., 2011, p. 70).
No design, a metodologia deve ter por objetivo aumentar o conhecimento
sobre as coisas e dar maior sustentação ao ato criativo, permitindo, assim, ampliar
perspectivas de enfoque sobre um determinado problema para chegar até a sua
resolução. É importante ressaltar a diferença entre métodos e técnicas: os métodos
servem para a estratégia de pensar e planejar, enquanto as técnicas servem para
“fazer” (FUENTES, 2006).
Convém ressaltar ainda que, sobre o ato criativo, existe a errônea ideia dele
ocorrer como um passe de mágica. Apesar de algumas soluções realmente
parecerem mágicas, todas elas dependem de dedicação e métodos do designer:
As boas ideias surgem quando o designer se concentra no problema que tem de resolver; não somente compreendendo os dados e o contexto, mas também o sentido e vivenciando-o. É isso que alimenta o espírito criativo e move os mecanismos combinatórios da mente (FUENTES, 2006, p. 14).
23BONFIM, G. A. (Org.). Metodologia para desenvolvimento de projetos. João Pessoa: Editora Universitária UFPB, 1995, 69p.
45
Fuentes (2006) constata a existência, não apenas de um processo ou de um
método de design, mas, sim, de um leque de possibilidades. Em seu livro “A Prática
do Design Gráfico: uma metodologia criativa”, ele, com intuito ilustrativo, cita
sistemas de processo de design desenvolvidos por três autores e profissionais da
área. Um dos autores é Jorge Frascara24, que buscou sintetizar os passos mais
frequentes do processo do design conforme esquema mostrado na Figura 3.
Figura 3: Metodologia de Design – Frascara
Fonte: A Prática do Design Gráfico: uma metodologia criativa (FUENTES, 2006, p. 29)
Entretanto, Fuentes (2006) defende a posição de ser da competência de cada
designer procurar adequar, e, até mesmo, criar uma base teórica que fundamente a
metodologia que lhe seja própria. Sobre a questão, o autor afirma:
[...] o fato de admitir a existência de múltiplas possibilidades, o respeito e até a valoração positiva da dúvida e do erro (“as falhas fazem parte da cultura da inovação. Aceitá-las nos faz mais fortes”)25, junto com todas as
24FRASCARA, J. Diseño y comunicación visual. Buenos Aires: Infinito, 1988. In:______. Diseño gráfico para la gente. Buenos Aires: Infinito, 1997. 25RIDDERSTRALE, J.; NORDSTRÖM, K. Funky Business. Madrid: Prentice Hall, 2000.
46
certezas que somos capazes de reunir, são simplesmente ferramentas na bagagem multidisciplinar dos designers (FUENTES, 2006, p. 27).
Fuentes (2006) ainda acrescenta:
A teoria do design é como uma teoria invertida do conhecimento. Enquanto a teoria do conhecimento é uma teoria de como é percebida e entendida a realidade e de como se adequam nossas ideias com a realidade externa, a teoria do design trata de como a realidade é produzida e como as ideias e a experiência podem dar forma a uma realidade externa (RAMIREZ26, 1997 apud FUENTES, 2006, p. 31).
Segundo Moraes (2011, p. 43), “a metodologia até então aplicada para o
desenvolvimento de produtos na maioria dos cursos de design trazia, na sua
essência, as referências do cenário estático presente no modelo moderno.” Ele
explica que esta antiga metodologia projetual é um modelo racional e objetivo, que
tem como base fatores exatos, lógicos e precisos. Ela segue uma sequencia linear,
um briefing que delimitará com precisão o mercado, o consumidor, o custo, o preço
do produto, os possíveis materiais a serem utilizados, as referências da ergonomia
antropométrica, a viabilidade fabril, dentre outros. Moraes (2011) acredita ser
necessário que este modelo de metodologia, convencional e operacional, passe por
um processo de revisão que o adeque para a complexidade contemporânea,
transformando-o em um modelo estratégico e sistêmico, de caráter abrangente e
holístico que integre aspectos analíticos e reflexivos.
6.2. Design Thinking
Da necessidade de novos instrumentos e metodologias que auxiliassem o
design na contemporaneidade, surgiu uma nova proposta: o Design Thinking (DT).
26RAMIREZ, J. L. A Teoria do design e o design da teoria. In: Astrágalo. No 6. Barcelona. Abr. 1997.
47
6.2.1. Conceito
O termo Design Thinking (DT) refere-se à aplicação do pensamento, da
sensibilidade e dos métodos do designer para a solução de problemas, seja qual for
o nível de complexidade deles (LOCKWOOD, 2010). A IDEO, empresa norte-
americana de consultoria em design, foi uma das pioneiras na nova disciplina e a
responsável pela difusão do termo em âmbito global (DE BOER; BONINI, 2011).
Segundo Lockwood (2010), DT é essencialmente um processo centrado no
ser humano capaz de gerar inovação, ou seja, um processo que permite descobrir
os desejos, preferências e reais necessidades das pessoas; estas últimas muitas
vezes ainda não detectadas e ou não articuladas. Dessa forma, a metodologia do
Design Thinking permite o vislumbre de oportunidades para a criação de novas
soluções que gerem experiência para as pessoas e que visem um melhor futuro
para todos. O processo baseia-se na observação, colaboração, rápido aprendizado,
prototipagem rápida de conceitos, visualização de ideias e análise de negócio. O DT
é um processo integrativo, que busca envolver consumidores, designers, gestores e
empresários podendo ser aplicado num contexto de planejamento de produto,
serviço e até mesmo estratégia de negócio. Lockwood (2010) ressalta que o DT não
substitui o design tradicional, sendo, basicamente, uma nova metodologia de design,
que busca inovação.
Assim sendo, “inovação” é a palavra chave do Design Thinking, e que, neste
caso, não deve ser entendida simplesmente como sendo referente à tecnologia ou à
novidade, mas sim, relacionada ao sentido mais amplo de transformação. Neumeier
(2010) afirma que, para se chegar a soluções de longa duração, é preciso começar
com design e não com tecnologia. Lockwood (2010) acrescenta que concentrar-se
apenas no que é novo não é garantia de sustentabilidade e viabilidade de longa
duração para o negócio. Ele constata ser preciso um tipo de inovação capaz de levar
à transformação. De acordo com Jeneanne Rae (2005), muito pouco ainda é feito à
respeito de inovação. Para ela, as empresas pegam as novidades e simplesmente
as lançam sobre os consumidores, não entendendo que inovação deve buscar, em
primeiro lugar, a observação e a interação com os clientes, para depois lhes
proporcionar grandes experiências.
O Design Thinking tem como base teórica o pensamento integrado, tendo
48
Roger Martin (2009b) afirmado que a metodologia do DT lida com o que ainda não
existe - a inovação. Segundo Martin (2009b), o DT busca o equilíbrio entre o
pensamento analítico e o pensamento intuitivo, combinando análise com julgamento
qualitativo e integrando passado e futuro (explorar possibilidades olhando para o
futuro enquanto ainda se analisa oportunidades voltando-se para o passado). Martin
(2009b) explica que, baseado em como o conhecimento avança no mundo
(processo de conhecimento: do mistério, para a heurística, para o algoritmo e para o
valor), o DT busca transformar os problemas em soluções, o complexo em simples,
o mistério em algoritmo e valor, permitindo às organizações gerar “real” inovação, o
que, como uma de suas consequências, aumenta a eficiência e a competitividade da
empresa.
David Kelley (2005), co-fundador da IDEO e o responsável pela criação da
nova escola de design - a D-School da Stanford University, afirma que o Design
Thinking é um dos caminhos “sistemáticos” através do qual é possível se chegar à
inovação. Entretanto, ele afirma existirem outros possíveis caminhos (metodologias),
como, por exemplo, simplesmente forçar o desenvolvimento tecnológico, ou então,
contratar uma mente brilhante como a de Steve Jobs.
Portanto, Design Thinking é uma nova maneira de empregar o design, na qual
a ênfase do “pensar” sobrepõe-se à do “fazer”, transformando os designers de
fazedores em pensadores, de manipuladores da forma em agentes transformadores.
Segundo Cooper, Junginger e Lockwood (2010), o DT aplica o design de uma
maneira mais ampla e abrangente, libertando-o dos objetos e permitindo que ele
seja aplicado, fora de seus reinos tradicionais, para solucionar diferentes tipos de
problemas (muitas vezes bastante complexos), e não somente aqueles clássicos do
design. Assim, o DT vem se apresentando como uma valiosa ferramenta de resolu-
ção de problemas e questões que não necessariamente envolve a manufatura de
um produto para venda. Ele propicia aos gestores uma nova maneira de ver, pensar
e projetar novos produtos e serviços (COOPER; JUNGINGER; LOCKWOOD, 2010).
A seguir, é apresentado um relato de Tim Brown (2011), CEO27 e presidente
da empresa IDEO, referente à sua definição de design e ao valor desta disciplina na
sociedade contemporânea:
27CEO: do inglês chief executive officer ou diretor executivo.
49
As a designer I ply my craft in the turbulent waters between the complex things we create and the human beings they are intended to serve. Often I define design as getting the interface right between technology and people. If you accept Kevin Kelly’s definition of technology in his recent and excellent book, “What Technology Wants”, then technology means all manmade things including business and political systems. Therefore design can be about getting the interface right between businesses and people, politics and people or gadgets and people. We are surrounded by instances where these interfaces do not work. Places where they confuse, confound, annoy, frustrate or miss serving altogether the users (us) for which they were intended. Whether it is navigating our on-line bank account, programming our digital alarm clock or managing cancer treatment, the experiences we have of our systems too often degrade rather than enhance the human condition (BROWN, 2011). Como designer, exerço o meu ofício navegando nas águas turbulentas, entre as coisas complexas que criamos e os seres-humanos a quem elas pretendem servir. Geralmente, eu defino design como a adequação e o ajuste da interface existente entre tecnologia e pessoas. Se considerarmos a definição de Kevin Kelly para tecnologia, em seu recente e excelente livro: “What Technology Wants” (“O que a tecnologia quer”), então, tecnologia refere-se à todas as coisas criadas e feitas pelo homem, o que inclui, também, os negócios e os sistemas políticos. Desta maneira, design pode ser considerado o ajuste da interface existente entre negócios e pessoas, entre política e pessoas ou entre dispositivos e pessoas. Estamos rodeados de casos em que estas interfaces não funcionam. Ambientes onde elas confundem, irritam, frustram e/ou não servem os usuários (nós) para os quais elas foram criadas. Seja navegando por nossa conta on-line de banco, programando o alarme do nosso relógio digital, ou lidando com o tratamento do câncer, as experiências que vivemos em nossos sistemas, muitas vezes, “degradam” a condição humana ao invés de melhorá-la (Tradução nossa).
Segundo Brown (2011), para que o design alcance um correto ajuste da
interface entre “tecnologia” e pessoas, é preciso entender, realmente, os valores e
princípios pelos quais as pessoas navegam neste mundo complexo. Brown (2008)
acrescenta que combinações integradas de produtos, serviços, espaços e
informações determinarão os caminhos pelos quais as pessoas serão educadas, se
divertirão, resguardarão a saúde, dividirão experiências e se comunicarão. Para o
presidente da IDEO, o Design Thinking é uma ferramenta para a imaginação dessas
futuras experiências e, também, um meio de dar vida e forma a elas.
50
6.2.2. Métodos e Princípios
O Design Thinking, como processo e metodologia de design, apoia-se em
alguns princípios e métodos. Tim Brown28 (2009 apud DE BOER; BONINI, 2011)
afirma que o caminho para se chegar a uma solução ideal e inovadora começa pelo
desvendamento das necessidades e desejos das pessoas/clientes, passando pela
avaliação das possíveis tecnologias e da viabilidade das estratégias de negócio, o
que resulta na geração de valor para o cliente e, simultaneamente, oportunidade de
mercado para a empresa. O DT, portanto, se baseia no tripé: pessoas
(desejabilidade), tecnologia (factibilidade) e negócio (viabilidade).
Brown (2008) define três importantes etapas do DT: Inspiração, Ideação e
Implementação. Cada fase pode ser descrita da seguinte maneira:
1a Fase - Inspiração: inspirar-se, envolver-se, entusiasmar-se pelas
circunstancias (problemas) que motivaram a busca por soluções. Esta é a
etapa da observação, que busca ir à campo para desenvolver um profundo
entendimento sobre as pessoas envolvidas no processo (usuários). Nela é
que acontecem os estudos comportamentais dos usuários, assim como, a
identificação de suas características e necessidades, com especial atenção
para o que está abaixo da superfície, para o ainda não articulado e o não
explicito. Ir à campo significa acompanhar e observar as pessoas, em seus
“habitats” naturais, no seu dia-a-dia, na execução de suas tarefas rotineiras,
interagindo com elas e fazendo-lhes perguntas. Esta é a fase da empatia e
dos métodos etnográficos29. Neste processo holístico que visa elaborar um
diagnóstico, a pesquisa qualitativa tem maiores benefícios que as tradicionais
pesquisas de mercado, pois elas vão além dos simples dados, sendo capazes
de perceber e compreender valores, isto é, discriminar o que é significativo
para as pessoas. Portanto, entender o que as pessoas valorizam pode trazer,
28BROWN, T. Change by design: how design thinking transforms organizations and inspires innovation. New York: Harper Collings, 2009. 29Os métodos etnográficos pertencem ao campo da Antropologia e permitem a execução de um tipo especifico de pesquisa, caracterizada por um processo não invasivo (sem interferência) de busca sobre o “objeto” a ser estudado.
51
e geralmente trazem, mais benefícios do que simplesmente ouvir-lhes a
resposta ao serem perguntadas sobre o que querem ou desejam.
2a Fase - Ideação: imaginar, gerar, desenvolver e testar ideias que podem
levar a soluções inovadoras. Esta é a etapa da criação, na qual os aspectos
observados são transformados em oportunidades e possíveis soluções, num
processo de divergir e expandir (o pensamento), para depois convergir para a
escolha das soluções que merecerão ser desenvolvidas e testadas. Nesta
fase, é essencial o uso da intuição e da imaginação, ou seja, do pensamento
abdutivo, que permite o fácil trânsito entre o que já é conhecido e sabido (o
passado) e a exploração do desconhecido, ou do que se pretende conhecer
(o futuro), na busca da inovação. A fase da Ideação tem, como importante
aliado, a prototipagem rápida, a qual possibilita que, rapidamente, as
hipóteses e conceitos possam ser trabalhados num segundo formato – o dos
protótipos. Tais protótipos não precisam ser sofisticados, complexos ou caros,
podendo ser sketches, maquetes, storyboards, dentre outros. Os protótipos
são excelente ferramenta para a visualização e experimentação de conceitos,
pois eles possibilitam a transformação do intangível (a ideia) no tangível. Eles
possibilitam testes monitorados com os usuários, que levam a um melhor
esclarecimento dos conceitos, permitindo aprimorá-los, o que facilita o
aprendizado dos pontos fortes e fracos. Os protótipos permitem, a baixos
custos, a obtenção de rápidos e precoces feedbacks de cada solução
analisada. Falhas e imperfeições podem ser avaliadas e corrigidas de
maneira ágil, contínua e segura, conduzindo a melhores e bem mais precoces
soluções. Assim, a experiência com protótipos rápidos pode validar, reprovar,
aperfeiçoar ou gerar novas ideias, num espírito colaborativo entre usuários e
equipe multidisciplinar, dando sentido à ideia de ser melhor criar “com”
alguém do que criar “para” alguém.
3a Fase - Implementação: desenvolver e planejar estratégias para
implementar a solução inovadora no mercado. Nesta fase, acontece o
planejamento das etapas de produção e introdução do produto ou serviço no
mercado. Nela, é desenvolvida a estratégia de comunicação que ajudará a
multiplicar os resultados da inovação.
52
Phil Best (2010), numa definição similar à de Brown, relaciona o DT com
cinco passos para o processo de inovação:
01- Imersão e entendimento;
02- Descobertas de oportunidades;
03- Criação de visão;
04- Validação com usuários;
05- Integração e ativação.
Como exemplo prático da linha de pensamento do DT, é mostrado, na Figura 4, o esquema do método de design utilizado pela empresa IBM para analisar
soluções de problemas de negócios. Pode-se observar que o método da IBM está
de acordo com as etapas propostas por Brown.
Figura 4: Metodologia de Design – IBM (Tradução nossa)
Fonte: Unleashing the Power of Design Thinking (CLARK; SMITH, 2010, p. 50)
6.2.3. Estratégia de Negócios
O Design Thinking promete ter um profundo impacto no modo como os
negócios vem sendo conduzidos. Ele integra design e mundo coorporativo,
planejando estratégias de negócios baseadas nos métodos de pesquisa em design
(COOPER; JUNGINGER; LOCKWOOD, 2010). Segundo Lockwood (2010), esta
metodologia vem sendo adotada para ajudar a reinventar os negócios, que precisam
de novas e transformativas estratégias coorporativas, que sejam baseadas nas
necessidades humanas e não somente nas análises financeiras. Lockwood (2010)
acredita que implantar o design nas organizações implica em criar significativas
53
experiências para o cliente, resolver problemas complexos e adicionar valor nos
níveis social, econômico e ambiental, indo além do trivial projeto de produtos.
Em um cenário que está em constante e veloz mudança, é preciso que as
empresas sejam ágeis se quiserem sobreviver. Neste sentido, Neumeier (2010)
afirma que elas precisam desenvolver uma designful mind, ou seja, uma mente
voltada para o design, tendo em vista ter ele a habilidade de inventar uma ampla
gama de soluções para problemas complexos, a que estão expostas. Para ele, as
limitadas ferramentas do passado já não são mais suficientes para combater tais
problemas, tornando o design um poderoso artifício. Assim, Neumeier (2010)
defende a ideia de que para sobreviver às mudanças, as empresas terão que
pensar, sentir e trabalhar como designers.
A inovação é vista como principal fonte de diferenciação e assim, o design é
uma vantagem competitiva. Gerir inovação é o papel do design thinker, pois o design
gera inovação, inovação fortalece marcas, marcas constroem lealdade e lealdade
sustenta lucros (NEUMEIER, 2010).
Portanto, o Design Thinking é uma ferramenta estratégica que auxilia na
gestão e gerenciamento dos negócios. Gillespie30 (2002 apud GONTIJO; MERINO,
E.; MERINO, G., 2011, p. 77) diferencia o design estratégico do design operacional.
O primeiro está relacionado ao modelo de negócios e o segundo às atividades de
execução de projetos. Observa-se que o design estratégico e o design operacional
são categorias complementares do design.
O DT, como design estratégico, contribui com a prática e a teoria da gestão
de design ou design management (COOPER; JUNGINGER; LOCKWOOD, 2010).
Porém, Lockwood (2010) ressalta a diferença entre DT e design management. Ele
explica que o design management acontece em âmbito mais abrangente, envol-
vendo, também, o gerenciamento contínuo dos processos operacionais de design.
De acordo com o Design Management Institute - DMI (2011), a gestão de design ou
design management é a arte e a ciência do design que buscam aperfeiçoar a
colaboração e a sinergia entre design e negócios. O âmbito do design management
abrange, tanto o gerenciamento tático de funções do design dentro das empresas e
agências - que inclui operações de design, métodos e processos -, quanto o design
estratégico nas organizações - que inclui o uso do Design Thinking, ou seja, o uso
30GILLESPIE, B. Strategic design management and the role of consulting. 2002.
54
dos processos de design para solucionar problemas gerais de negócios.
Fraser (2010) acredita no design de negócios - business design -, e diz que
ele se dá pela combinação de três engrenagens, como ilustra a Figura 5.
Figura 5: O Método das Três Engrenagens do Design de Negócios (Tradução nossa)
Fonte: Designing Business: new models for success (FRASER, 2010, p. 36)
O método das três engrenagens, apontado por Fraser, aproxima-se muito das
etapas do DT apresentadas por Brown (Inspiração, Ideação e Implementação) e
pode ser descrito como:
● Engrenagem 01: empatia e compreensão aprofundada do usuário - um
mergulho profundo com uma grande lente. Esta fase consiste, basicamente,
no entendimento do cliente/usuário numa perspectiva ampla e aprofundada,
assim como num contexto humano, onde o usuário, bem como seu
comportamento, seus sentimentos e suas necessidades são colocados em
foco. Este profundo entendimento do usuário pode revelar importantes
oportunidades de negócio. Assim sendo, este mergulho ajuda a reestabelecer
os desafios, definir o critério de inovação e se abrir para oportunidades com o
intuito de criar valores.
55
● Engrenagem 02: visualização do conceito - ideação, prototipagem e
avaliação pelo usuário. Inspirar-se por um profundo entendimento das
necessidades humanas é o primeiro passo no processo do plano estratégico.
Uma ampla gama de soluções deve ser abertamente explorada para que se
possa atender às necessidades dos usuários. Em função disso, nesta etapa
não deve existir restrições, apenas possibilidades. A ideação e a proto-
tipagem capturam a criatividade e ajudam a gerar possibilidades promissoras
de valor para o usuário, de um modo mais imaginativo e concreto. Fotos e
adereços, neste caso, são mais poderosos do que palavras. Para que o
processo seja ainda mais frutífero, é imprescindível contar com a participação
do usuário neste momento do projeto, pois a interação usuário-protótipo serve
como ferramenta de comunicação que possibilita explorar grandes ideias,
sem desperdiçar tempo com ideias incrementais ou medíocres.
● Engrenagem 03: concepção estratégica de negócios - concepção e
avaliação das atividades do sistema. Nesta fase, são analisados tanto a
adequação da solução encontrada às necessidades do usuário, quanto o
significado disto para o negócio. Assim, é necessário uma avaliação do que é
preciso ser feito para dar vida à “grande ideia”, tanto em termos da
capacidade e atividade da organização, quanto do que é comercialmente
viável. É preciso pensar a respeito das atividades necessárias para que a
organização empreenda as estratégias determinadas, definindo as relações
estrategicamente, operacionalmente e economicamente, para que elas sejam
sustentáveis entre si. Um exemplo disso é o I-Pod, que não seria nada sem a
experiência digital do I-Tunes.
Concluindo, Mozota (2010) define o design como diferenciador, integrador,
transformador e também como um bom negócio.
56
6.2.4. D-School
Ensinar o valor da abordagem do design na resolução de problemas de
negócios para futuros empreendedores, gestores, engenheiros e designers é a
proposta da “D-School”, o “D” refere-se, então, a design.
David Kelley tornou-se o precursor da aplicação do Design Thinking no
universo acadêmico quando decidiu dar forma à nova D-School na Universidade de
Stanford. Kelley acredita que a construção desta escola é uma maneira de formalizar
o ensino e a prática do Design Thinking (KELLEY, 2005).
Roger Martin (2011), também um dos principais proponentes da D-School, diz
que, levando em consideração o futuro da humanidade, é preciso forçar os educa-
dores a repensar como estão sendo “treinados” os prováveis líderes de amanhã.
Kelley e Martin concordam, portanto, que as “B-Schools” - “B” de business
(negócios) - devem se adaptar às constantes mudanças do mundo, ensinando a
seus estudantes o que é um dos maiores desafios de gestão: como ser mais criativo.
6.2.5. A Cultura do Design nas Organizações
O real desafio para os líderes em design é reformar a organização moderna
para criar um ambiente que seja convidativo ao design e não antagônico a ele.
Assim, o papel dos líderes em design não é apenas o de criar uma nova e funcional
área de design ou, mesmo, novas abordagens para promover inovação na
organização, mas também o de atuar no todo, tomando a organização como “objeto”
de design e promovendo, nela, uma transformação cultural (JENKINS, 2010).
No quadro a seguir (Figura 6), Jenkins (2010) apresenta as divergências de
valores existentes entre a cultura tradicional e a cultura de design na organização.
Jenkins afirma que a cultura tradicional coorporativa é disfuncional e atua através da
imposição de cultos e dogmas.
57
Cultos Organizacionais Tradicionais
Cultura do Design na Organização
Culto do controle e da hierarquia
Cultura da capacitação e autorização
Culto da performance e do sucesso a curto prazo
Cultura do aprendizado através das falhas, que busca resultados de longa duração
Culto da eficiência e redução de
custos
Cultura da eficácia e criação de valores
Culto da produtividade e ocupação
Cultura da reflexão e ação focada
Culto da competitividade e da construção
de império
Cultura da colaboração e do propósito
compartilhado
Culto da conformidade e da garantia
Cultura do julgamento e da confiança
Culto da prevenção de riscos
Cultura das possibilidades e
experimentações
Culto da culpa (acobertar erros)
Cultura da verdade e da crítica honesta
Culto do rigoroso processo de salvação
Cultura do processo heurístico e da
agilidade
Figura 6: Cultos Organizacionais Tradicionais versus Cultura do Design na Organização (Tradução nossa)
Fonte: Creating the Right Environment for Design (JENKINS, 2010, p. 24)
Lockwood (2010) concluiu, portanto, que o caminho a ser seguido, ao
contrário de situar o design na cultura corporativa, deve implantar a cultura
corporativa dentro do design.
6.3. Metaprojeto
Conforme dito anteriormente, a metodologia antiga e convencional do design
está ligada ao modelo moderno (racional, linear, objetivo e sequencial), que tem
58
como base fatores exatos, lógicos e precisos, não se adequando, por isso, à
complexidade da época atual. A percepção de Moraes (2011), de ser necessário que
o processo e a metodologia do design passem por uma revisão que estabeleça uma
ótica mais alargada, ou seja, não apenas voltada para o produto, mas também para
o contexto no qual ele se insere, trouxe uma nova metodologia de caráter mais
abrangente e holístico: o Metaprojeto - o “projeto do projeto” ou o “design do design”.
Segundo Moraes (2011), o metaprojeto pertence ao campo do conhecimento
estratégico e busca explorar toda a potencialidade do design, mas, não
necessariamente, produz output, isto é, produto físico e material, como modelo
projetual único, usando soluções técnicas preestabelecidas, mas sim, é um
articulado e complexo sistema de conhecimentos prévios que servem de guia antes
e durante o processo projetual. Por meio do metaprojeto é estabelecido um “mapa”
projetual de cenários possíveis, no qual verificam-se, através de análises
previamente aplicadas, o ciclo de vida do produto no mercado, a tecnologia
produtiva, as matérias-primas utilizadas, os fatores sociais e mercadológicos
correlacionados, bem como a coerência estético-formal e os fatores de usabilidade
intrínsecos ao produto.
Desta maneira, o design deve ser entendido como uma disciplina projetual de
ampla abrangência, que cuida dos produtos industriais e serviços, bem como serve
de agente transformador nos âmbitos tecnológico, social e humano.
De acordo com Moraes (2011, p. 47) “o metaprojeto, pelo seu caráter
analítico e reflexivo, afirma-se como disciplina que se propõe a unir os aspectos
objetivos e subjetivos, primários e secundários, principais e derivados, materiais e
imateriais de produtos e serviços”. Moraes ainda explica que esta metodologia deva
ser aplicada, principalmente, nas fases iniciais do projeto de design, precedendo a
fase operacional dele, por isso o nome metaprojeto, o projeto antes do projeto de
fato.
O conceito de Metaprojeto, explorado por Morais (2011), assemelha-se, em
vários aspectos, com o Design Thinking. Assim como o DT, o Metaprojeto funciona
além do projeto operacional, como uma ferramenta que permite “passar do modelo
estático – no qual são percorridas somente uma vez as fases do projeto – para o
dinâmico – no qual as verificações são contínuas” (DE MORAES, 2011, p. 48), com
frequentes feedbacks desde o inicio do processo.
59
Pizzocaro31 (2004 apud DE MORAES, 2008, p. 18) conclui afirmando que a
ação metaprojetual está relacionada com uma forma de reflexão teórica, que
assume um saber estratégico e interpretativo, não diretamente prescritivo para a
práxis do projeto, ou seja, para sua atividade prática, mas que, é destinado à
decodificação do projetável frente à realidade complexa.
31PIZZOCARO, Silvia. Design e complessità. In: BERTOLA, Paola e MANZINI, Enzio. Design multiverso: appunti di fenomenologia del design. Milano: POLIDesign Edizioni, 2004, 71p.
60
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Refletindo sobre o “sistema design”; analisando a evolução de seu processo
de pensar e atuar no mundo; examinando suas conexões e contextos; bem como
buscando entender as relações por ele estabelecidas, no passado, com o cenário
estático, e no presente, com sua complexidade e dinamismo, foi possível perceber a
importância da ampliação do foco de atuação dessa disciplina, rumo à configuração
de novos significados e domínios.
Em um mundo complexo, de constantes e rápidas mudanças, permeado pelo
desenvolvimento tecnológico, assim como por crises econômicas, desequilíbrios
ambientais e escassez de recursos naturais, o designer, com sua sensibilidade
cultural, perspectiva holística, tendência multidisciplinar, conhecimento intuitivo,
habilidade visionária, imaginação e criatividade, surge como o profissional mais
efetivamente capaz de auxiliar organizações e pessoas a cumprirem um papel
proativo na construção de um futuro melhor para todos. Tudo isto, é claro, desde
que inserido de modo estratégico e sistêmico.
Dentro da abordagem sistêmica, o design assume o dever de aproximar o
mundo artificial do natural e de buscar a integração e o equilíbrio entre eles. Desta
forma, o designer, por sua capacidade de influenciar e governar ideias sobre o
futuro, bem como por sua habilidade de resolver problemas, tem à sua frente a
oportunidade de atuar como líder. Nesta posição, ele deve gerenciar o processo de
reflexão na busca pelo estabelecimento de prioridades, instigar a busca por ideias
sobre quem somos e como devemos nos comportar e assumir a responsabilidade de
incitar mudanças que promovam novos estilos de vida.
Assim sendo, o designer deve assumir, como principal tarefa, o projeto do
processo de aprendizagem, visando transformação, regeneração, aperfeiçoamento e
adaptação, focando-se no estar, constantemente, expandindo a capacidade das
organizações e das pessoas de entender a “complexidade”. Fica, pois, claro, o papel
do profissional de design como líder na gestão da complexidade, bem como na
remodelagem da realidade - da reação ao presente até a criação do futuro -,
ajudando agentes passivos a se transformarem em agentes participativos.
Acrescenta-se que o designer dispõe de habilidade suficiente para reforçar o
valor da vida, criando valores, gerando significados integrados e coerentes com a
61
complexidade do sistema. Portanto, na sociedade atual, servindo como um agente
transformador e impulsionador de inovações sustentáveis, focado na humanidade e
no planeta, ou seja, no todo integrado, o designer, cumprindo sua responsabilidade
ética e moral perante problemas de ordem econômica, social, cultural e ambiental,
poderá propor novos paradigmas, passando, assim, o “futuro” a ser o seu grande
desafio na contemporaneidade.
O potencial do design de atuar em outras áreas, diferentes das tradicionais e
clássicas, ainda não foi totalmente utilizado, nem expandido ou consolidado.
Orientado por este pensamento, o presente trabalho, devido à amplitude do tema, se
propôs a estabelecer, mesmo que de forma modesta, uma visão introdutória que
servisse de incentivo, ou até mesmo apoio, para futuros estudos e pesquisas,
necessários e fundamentais para a expansão do foco de atuação do design. Dentro
do proposto, sentiu-se ser necessário tratar da história desta disciplina que, assim
como outras, se vê, cada vez mais, cercada por campos adjacentes, de facetas
diversas e complexas (multidisciplinariedade).
Enquanto as D-Schools começam a se expandir por outras áreas do
conhecimento, trazendo novas possibilidades de aplicação do design, este percebe
a necessidade de migração, ou melhor, de integração entre o modelo de ensino
“especialista” e o “generalista”, que traz uma visão geral do todo, onde o ensino de
fórmulas específicas abre espaço para o ensino do “caminho” para se chegar até
elas, ou seja, o ensino de métodos e o incentivo pela busca de metodologias mais
adequadas à complexidade vivida nos dias atuais.
Finalmente, é importante ressaltar que este trabalho não teve a intenção de
negar ou criar qualquer paradigma, nem mesmo a de esgotar o assunto ou de ser
sua única abordagem possível. Teve, entretanto, através de uma pesquisa
exploratória, o simples objetivo de apresentar o assunto e alguns pensamentos que
o envolvem, apontando novas direções no que diz respeito ao ensino, à prática e ao
percurso do design. O trabalho, dentro de seu limite, pretendeu servir como fonte
inspiradora de comentários, análises ou estudos, tanto para o meio acadêmico e
profissional do design, quanto também para outras áreas do conhecimento.
62
REFERÊNCIAS
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