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“THE LOVE SCHOOL” - (ESCOLA DO AMOR):
MIX DE ARTEFATOS PEDAGÓGICOS CULTURAIS EM DEFESA
DO CASAMENTO TRADICIONAL1
Paulo Fernando Zanardini Bueno2 - UFRGS
Considerações iniciais
Neste texto analiso um artefato pedagógico cultural televisivo endereçado ao
público jovem e adulto, o programa The love school (a Escola do Amor). Exibido todos
os sábados ao meio-dia pela Rede Record - desde o mês de novembro do ano de 2011- é
reprisado pela Record News, às 17h. Também está na programação da Record
Internacional (em closed captions) para mais de 150 países nos cinco continentes.
A “Escola do Amor” é apresentada pelo bispo Renato Cardoso e por Cristiane
Cardoso, casados na vida real desde os anos 90. Cristiane é filha do fundador da Igreja
Universal do Reino de Deus (IURD), empresário e bispo Edir Macedo, concessionário
dos canais de televisão citados.
A pauta da “Escola do Amor” aborda a partir de diferentes situações uma
questão recorrente: o casamento. O programa faz uma defesa contínua de um modelo de
matrimônio, o do casamento tradicional, cristão e formado por um casal heterossexual.
Reiteram a cada edição o quanto as relações humanas, os costumes, e outras produções
culturais do entretenimento comercial influenciam negativamente os relacionamentos.
Contrapondo-se a isso, seus apresentadores “ensinam” a audiência a evitar essas
influências e a corrigir seus efeitos.
Essa pauta inclui uma constante orientação para casais e para solteiros
conquistarem uma vida amorosa plena, e a partir da ideia de “educação matrimonial”
sugerem o casamento como a melhor solução para todos os problemas. O elenco é
composto por celebridades, artistas, atletas, empresários e por pessoas do cotidiano que
1 Este texto é parte inicial das reflexões da minha pesquisa para a Dissertação de Mestrado em
desenvolvimento na Faculdade de Educação, FACED/UFRGS.
2 Mestrando do PPG em Educação da UFRGS na linha de pesquisa Estudos Culturais em Educação
orientado pelo Professor Doutor Luiz Henrique Sacchi dos Santos.
são convidadas a relatarem as suas experiências, podendo estar ou não vinculados a
IURD (igreja neopentecostal), mas em geral, são pessoas convertidas.
A divulgação do programa se utiliza de uma ampla rede polivalente tecnológica
organizando-se em diferentes meios de comunicação, como em canais de televisão pelo
sistema de sinal aberto e a cabo, em alguns canais de TV com cobertura regional de
empresas afiliadas a Record, em redes sociais digitais (específica do programa e por
extensão nas contas individuais dos apresentadores), em uma cadeia nacional de rádios,
em uma coluna semanal na Folha Universal (Jornal impresso da IURD) com
distribuição em todos os templos da Igreja, em livros de autoajuda (que são sucessos
editoriais), em revistas de extensa tiragem, em diferentes sites compondo o que
chamamos de mix de artefatos pedagógicos culturais.
Esse mix de artefatos opera em conjunto com um mix de pedagogias culturais
(desdobrando-se em pedagogia religiosa, pedagogia do matrimônio, pedagogia da
heteronormatividade, e pedagogia de consumo). Para compreender esse mix pedagógico
cultural e a conexão com as falas dos apresentadores recorro a Viviane Camazzoto e
Marisa Vorraber Costa (2013):
“Em cada sociedade há interesses muito díspares competindo para tentar dar uma
ou outras direções às pessoas, estabelecendo relações de domínio. Identificamos nessa
especificidade uma das condições de possibilidade para a emergência de uma
pluralização no conceito de pedagogia” (p.28).
O artefato parece ser bastante singular enquanto produto midiático somado a seu
formato de pedagogia cultural multifacetada e pelo uso dos mais variados meios de
comunicar essa pedagogia. A resposta da audiência junto as mídias do The love school
pode ser visto como um fenômeno de comunicação.
Guio-me pela hipótese de que esse artefato cultural é a continuidade na televisão
de uma pedagogia cultural que compreendemos master (como pedagogia principal)
iniciada na doutrina religiosa elaborada pelo bispo Edir Macedo para seu projeto de
evangelização que inclui entre seus fundamentos a “felicidade sentimental” das pessoas
consagrando o casamento como um bem sagrado, opera em cultos temáticos como na
“Terapia do Amor”, elementos estes que permeiam o editorial e a pedagogia do The
love school com circulação nas demais mídias e continuidade nas pedagogias dos
demais artefatos de apoio.
A questão que proponho para este ensaio é a de analisar como o programa The
love school agencia com seu mix de pedagogias culturais uma pedagogia conservadora e
em retrocesso para os relacionamentos amorosos contemporâneos entre mulheres e
homens?
Estas primeiras reflexões podem possibilitar que eu entenda como essa
pedagogia master aparece no roteiro do The love school (compondo a fala dos
apresentadores, o formato do programa, e suas ações extensivas a outros meios de
veiculação que chamamos de artefatos de apoio) e se articula a um processo cultural
conservador sugerindo o seu consumo como “verdade”, reflexões que podem ser
“problematizadas e constituídas como objetos de estudo sob uma ótica cultural,
oportunizando seu esquadrinhamento e análise como produtoras de significados”,
(COSTA, 2005, p. 114-115).
Douglas Kellner (2001) considera a cultura da mídia como um espaço que
possibilita diferentes pesquisas no campo dos Estudos Culturais. Nesse contexto,
compreendendo os artefatos da mídia TV como importantes lócus para estudos com o
auxílio de outros campos do conhecimento.
Para essa análise escolho fazer um estudo interdisciplinar, e as reflexões
presentes neste ensaio comporão o texto da minha dissertação situando a confluência
das áreas da educação, da comunicação e da antropologia.
1. TV Record e Rede Record
Conforme Edgard Amorim (2008) a TV Record foi fundada no ano de 1953
compondo o complexo de comunicação do empresário Paulo Machado de Carvalho,
proprietário também de um grupo de rádios no estado de São Paulo. Com o sinal de
canal 7 passou a fazer concorrência para as TVs Tupi e Paulista que já estavam em
operação, e suas dificuldades iniciais não impediram que a marca Record registrasse
uma longa biografia no campo das comunicações do Brasil.
“O início da nova emissora televisiva foi bastante árduo por diversas razões:
falta de profissionais especializados, conhecimento ainda incipiente das técnicas do
veículo e desvantajosa concorrência com as TVs existentes, Tupi e Paulista,
inauguradas antes e, portanto, com maior prática de como se fazer televisão”
(AMORIM, 2008, p. 1).
Apostando em programas de gêneros diversificados como os musicais, fez
história na televisão brasileira com as primeiras transmissões realizadas fora da capital
paulista (como a transmissão de uma partida de futebol direto de Campinas, interior de
São Paulo, entre Santos e Palmeiras), e pela primeira externa interestadual (do Rio de
Janeiro para São Paulo) mostrando o páreo do Grande Prêmio Brasil de turfe em 1956.
Os anos sessenta marcaram o auge da emissora, e entre os muitos programas
bem sucedidos, constam os festivais da canção ocupando naquele período a liderança
dos índices de audiência. A emissora passou por dois momentos trágicos nos anos 1966
e 1968, dois incêndios que comprometeram a lucratividade dessa fase áurea passando
por um processo de derrocada (AMORIM, 2008).
Fato relevante é a participação do apresentador Silvio Santos como um dos
investidores até os anos 1980 tendo compartilhado a administração com o empresário
Paulo Machado de Carvalho.
A TV Record foi comprada em 1992 pelo bispo Edir Macedo como parte da
expansão do projeto evangelizador da IURD iniciado nos anos 70 como descrito por
Ricardo Mariano (1999), na terceira onda do pentecostalismo no Brasil, o
neopentecostalismo. Esse processo de compra da Record incomodou políticos influentes
e empresários da grande mídia nacional (MAFRA et al, 2012).
A compra da Record ocorreu em um período conturbado na vida de Edir
Macedo, coincidentemente quando ele foi preso, “o ato de prisão ocorreu em momento
crucial dessa transação, quando parte do valor já tinha sido pago aos proprietários
anteriores, mas a concessão federal ainda não tinha sido expedida”, (MAFRA et al,
2012, p. 83).
Já como Rede Record de Televisão investiu em uma programação popular sendo
na atualidade a segunda emissora em audiência e em arrecadação do Brasil.
2. Ancorando a pesquisa
Os primeiros conceitos que apresento como ferramentas de análise para este
texto (e para a dissertação) são os de artefatos culturais, de representação, de pedagogia
cultural, de backlash, de cultura, de heteronormatividade, e de gênero.
Descrevendo cada um dos conceitos, iniciamos pelos artefatos culturais,
(especifico que trato de diferentes artefatos midiáticos ou não midiáticos) podendo ser
compreendidos como produtos pelos quais discursos são difundidos, pedagogias são
ensinadas, e práticas culturais são sensibilizadas para que suas inúmeras representações
de como compreender a realidade social sejam vividas.
Para Tomaz Tadeu da Silva (1999a), os artefatos culturais são também produtos
da cultura que veiculam determinadas representações, estariam implicados na produção
e circulação de significados, bem como nas disputas em torno desses mesmos
significados, e nas lutas por representação.
Conforme Stuart Hall (1997b) a representação também ocupa uma lugar de
centralidade. Observa que essas representações produzem significados por meio da
linguagem que por sua vez unem-se a cultura. O autor compreende esse conceito como
formas que inscrevem e assim, representam “o outro”.
A posição de sujeito central e de definição das identidades está ligada a noção
de que o poder inscreve na representação o poder de representar esse “outro”, e assim,
de controla-lo. Tomaz Tadeu da Silva (1999b) salienta também que:
“A representação é um sistema de significação [...] na representação está
envolvida uma relação entre um significado (conceito, ideia) e um significante (uma
inscrição, uma marca material: som, letra imagem, sinais manuais) [...] as coisas só
entram num sistema de significação no momento em que lhes atribuímos um
significado” (p.35).
O conceito de pedagogia cultural refere-se às práticas pedagógicas que ocorrem
em muitos espaços além do ambiente da escola ou do currículo escolar. Nessa dinâmica,
a mídia incorpora práticas discursivas compreendidas como pedagógicas e também é
produtora de identidades e de sujeitos. Para Viviane Camozzato e Marisa Vorraber
Costa (2013):
“A pedagogia vai corresponder ao conjunto de saberes e práticas postas em
funcionamento para produzir determinadas formas de ser sujeito. A pedagogia
relaciona-se, assim, com o modo de conduzir os sujeitos, de operar sobre eles para obter
determinadas ações, incitando a um governo de si e dos outros” (p.26).
A série de atributos que compõe a noção de pedagogia vai além da ideia única de
“pedagogia cultural” como esclarecedora de múltiplas práticas, sem haver
incompatibilidade de noções, e, em meio a outras formas de pedagogia surgem
múltiplas formas de interpretar essas práticas, possibilitando que a análise realizada por
estudos com cunho cultural seja expandida compondo múltiplas expressões para esse
campo de saber.
O significado de backlash é literalmente traduzido do inglês como “retrocesso”.
Segundo Susan Faludi (2001), como conceito, consiste em ser uma política cultural
conservadora a circular no âmbito da cultura (em todas as mídias) que enfatiza a
“destruição da família, do casamento harmônico e promove a idealização da mulher
tradicional cujo trono cativo ainda é o lar” (p. 8).
O conceito de cultura pela perspectiva de Tomaz Tadeu da Silva (1999a) incide
também o viés pedagógico, e deste modo o autor o descreve:
“[...] cultura em geral é vista como uma pedagogia, a pedagogia é vista como uma
forma cultural: o cultural torna-se pedagógico e a pedagogia torna-se cultural. É dessa
perspectiva que os processos escolares se tornam comparáveis aos processos de sistemas
culturais extraescolares, como os programas de televisão” (p. 139).
Para Stuart Hall (1997a) “cultura não é nada mais do que a soma de diferentes
sistemas de classificação e diferentes formações discursivas aos quais a língua recorre a
fim de dar significado às coisas” (p.10). Assim, a cultura revela-se não mais como
centro ou como uma instância epistemologicamente superior a outras instâncias sociais,
mas como algo que perpassa a economia, a política, e a educação, aos fatos que
acontecem na vida cotidiana e as representações que percebemos nos acontecimentos.
A noção descrita por Stuart Hall (1997a) é uma noção de cultura ampliada. Para
Douglas Kellner (2001) “a cultura, em seu sentido mais amplo, é uma forma de
atividade que implica alto grau de participação, na qual as pessoas criam sociedades e
identidades” (p.11).
De acordo com Deborah Britzman (1996), “heteronormatividade é uma
obsessão com a sexualidade normalizante, através de discursos que descrevem a
situação homossexual como desviante” (p.79). Essa norma heterossexual é tida como a
única orientação sexual normal. Desse modo, a heterossexualidade promove uma
hierarquia entre os sujeitos e é vista como “natural”, é uma sexualidade que não precisa
dizer de si, conduzindo a uma única forma de desejo, a uma única composição humana
aceitável constituída por um homem e uma mulher.
Penso no conceito de gênero a partir da perspectiva teórica pós-estruturalista e
encontro em Joan Scott (1995) referência a todas as formas de construção social,
cultural e linguística que diferenciam mulheres de homens e produzem os corpos como
corpos dotados de sexo, gênero e sexualidade, e se divide em duas partes: a primeira
como elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças percebidas
entre os sexos; e a segunda, como uma forma de dar significado (representação) às
relações de poder. Para a autora, gênero é um conjunto de marcas que identificam
sujeitos como masculinos ou femininos.
3. The love scholl como pedagogia cultural
The love school era exibido exclusivamente na internet (pelo site da TV
Universal) até tornar-se um produto especial nas várias grades de programação das
emissoras do grupo Record de comunicação. A ascensão do The love school de artefato
cultural da web para a televisão não diminuiu a presença como mídia da internet
continuando a ser exibido pela TV da igreja, mas pelo contrário, houve uma ampliação
no uso de recursos multimídias das tecnologias digitais da informação e comunicação
em diferentes artefatos.
A família Cardoso (Renato e Cristiane) ministra palestras presenciais da
“Terapia do Amor”3 (às quintas-feiras) no majestoso templo e nova sede mundial da
3 “Homens e mulheres sonham em ter ao seu lado uma pessoa atenciosa, gentil, educada, amorosa, entre
outras qualidades. Mas nem sempre esse “sonho de amor” condiz com a realidade. Muitas vezes, nos
espelhamos em nós mesmos para idealizar o parceiro adequado. Mas o fato é que as pessoas são
IURD, o “Templo de Salomão” (construído por Edir Macedo na cidade de São Paulo e
inaugurado em 2014 como réplica do templo de mesmo nome existente em Jerusalém,
no estado de Israel) sugerindo operar, por extensão, como “mais uma mídia” da Rede
Record4. O tema das pregações ensina evangelizando formas de restaurar o modelo de
casal cristão clássico (modelo questionado pelo movimento feminista) -, e é o mesmo
do The love school, o casamento.
Na TV, The love school inicia com a seguinte fala: “Olá alunos e alunas, na aula
de hoje...” (entra o tema a ser discutido). Essa educação matrimonial tem continuidade
em forma de “aulas extras” e “lições de casa” como no caso do “Minuto do casamento”
(artefato de apoio). A inserção do “Minuto” ocorre durante a semana, no intervalo do
almoço, de segunda a sexta-feira, numa espécie de drops com dicas de como os
relacionamentos podem ser conduzidos, com explicações didáticas de ideias presentes
no livro de autoajuda “Casamento blindado” de coautoria dos Cardoso como na edição
de 14/04/2015 com o título “Por que se casar?” em que Cristiane ensina:
“Casar deve ser um ato inteligente, fruto de um compromisso assumido por toda
vida.”5
Na sequencia do “Minuto” surgem outros casais e solteiros que participaram das
palestras no Templo de Salomão testemunhando o bem que o aprendizado do culto
diferentes umas das outras, e é preciso investir na vida amorosa, saber construir um bom relacionamento.
Parece complicado? Seria mais fácil encontrar alguém que tivesse tudo o que você procura? Mas e você,
tem tudo o que o outro procura em alguém? Para entender como é possível ser feliz no amor, superando
as diferenças e contratempos comuns numa relação, participe, nesta quinta-feira, da Terapia do Amor,
um encontro em que você receberá orientações importantes para a vida amorosa”.
Disponível em: < http://sites.universal.org/terapiadoamor/ > - Acesso em 10/11/2014.
4 Em todos os templos da IURD acontece o encontro “Terapia do Amor” com palestras de outros pastores
da Igreja.
5 “Minuto do Casamento” - “Por que se casar?”. Programa exibido em 14/04/2015. Disponível em:
<http://entretenimento.r7.com/love-school-escola-amor/video/minuto-do-casamento-porque-se-casar--
552d34090cf2cee23502c1f1> - Acesso em 16/04/2015.
temático realizou na vida de cada um, encontros esses que funcionam como “aulas
presenciais” do programa The love school.
Outro artefato de apoio, o “Escola do Amor Responde”6 (tem inserção diária
pelo canal 21 do grupo bandeirantes e é reprisado pela Record News, às 15h) reforçando
o aprendizado presente nos demais produtos com a proposta de tirar dúvidas sobre
relacionamento e vida de solteiro com perguntas enviadas por e-mail pela audiência e
respondidas pela família Cardoso.
Em um dos episódios uma mensagem enviada por uma “aluna” (telespectadora)
descrevia a exigência do pai dela para que ela deixasse o namorado e se concentrasse
nos estudos, em ter uma profissão e uma carreira, para que posteriormente pensasse em
casamento.
Os “professores do amor” (apresentadores) criticaram a interferência desse pai
que fez a filha escolher a faculdade ao invés do namoro. Argumentaram usando a
própria experiência de terem casado ainda bem jovens7 para emitirem o conselho, de
que essa escolha pessoal deles “blindou” muitas coisas ruins na vida de cada um, já que
casados, tornaram-se adultos e responsáveis, e que a escolha pelo casamento não deve
ser adiada podendo concorrer com outras realizações pessoais. Criticaram os “pais de
hoje” por prepararem os filhos apenas para trabalharem e não para casarem. Transcrevo
a seguir parte do comentário feito pelo bispo Renato Cardoso a favor do casamento
naquela edição:
“Não bebam no ‘suco da cultura’ que está aí sendo servido através dos
filmes e das novelas; tenham sua própria cultura, o casamento é uma maneira
rápida de a pessoa alcançar a maturidade, de as pessoas criarem um alicerce
para sua vida e depois é que os estudos vêm fortalecer esse alicerce.”
6 “Escola do Amor Responde”, programa exibido em 04/04/2015 pela Record News, 59min17s.
Disponível em: <http://entretenimento.r7.com/love-school-escola-amor/video/escola-do-amor-responde-
assista-na-integra-ao-programa-do-dia-04-04-2015-552178d50cf239a0c6fe315f/> - Acesso em
16/04/2015.
7 Segundo Cristiane Cardoso, ela casou com o bispo Renato com a graça do pai, bispo Edir Macedo, aos
dezessete anos, em 1991.
Antes de refletirmos sobre essa resposta e para compreendermos a circunstância
que a envolve, Clara Mafra et al (2012) percebe que o valor cristão da família para a
IURD é um elemento que se sobrepõe ao valor do dinheiro.
A fala do bispo Renato é representativa de uma complexidade do The love
school, de um lado é uma pedagogia cultural continuada, mas ao mesmo tempo age com
uma contrapedagogia às pedagogias culturais presentes nos demais artefatos tal como
filmes, novelas, e músicas populares, entre outros.
A essa contrapedagogia se liga uma pedagogia do matrimônio que moraliza os
contratempos dos relacionamentos incentivando o desejo de casamento nas pessoas o
mais jovem possível, porque defendem que essa ação surge como uma “blindagem” das
condutas individuais para presumíveis deslizes morais na “solteirice”. Para Clara Mafra
et al (2012) “a igreja propõe-se a administrar a liberdade de seus membros,
considerando-os capazes apenas parcialmente de uma vida social plena” (p. 82).
As representações do The love school sugerem disputar com os enunciados da
cultura contemporânea, em meio a sua pluralidade, uma forma de tencionar a
diversidade social e cultural que envolve as possíveis formatações das uniões entre as
pessoas, e que culturalmente se contrapõe ao modelo neopentecostal da IURD por
concentrar uma representação única e tradicional para o casamento. Esse modelo da
IURD pode ser compreendido como a defesa e a reorganização de normas com o uso de
uma extensa produção discursiva conservadora.
Este artefato televisivo se articula a uma política cultural retrógrada, indicando o
seu consumo como “verdade” fundamentada na religião neopentecostal e a seus valores
morais. Opera com uma visão peculiar de mundo (olhar a partir da religião) para tratar
de questões particulares (de relacionamentos amorosos) em meio a formas plurais de
amor e de diferentes arranjos familiares.
Para Albuquerque Junior (2010) “em nossos dias a mídia, as novelas de
televisão, os meios de comunicação de massa são importantes e onipresentes
pedagogos, a distribuir regras para orientar nossas vidas e até nossas mortes”, (p. 22),
observação que cabe também para a pedagogia cultural do The love school.
Nessa direção, “a questão das identidades – um dos pilares dos Estudos
Culturais” (COSTA, 2005, p. 115), compreendida como histórica e discursivamente
construídas, vai ao encontro do objeto da presente análise, visto que o modelo de sujeito
apresentado pela pedagogia inscrita no programa The love school combina uma
identidade indivisível e unificada indicando que uma das estratégias presente no artefato
atua como uma posição de “sujeito central” com o poder de definir e representar a
identidade de um sujeito específico.
Na televisão o casal de apresentadores do The love school representam o
evangelismo neopentecostal, e assumem uma posição de sujeitos centrais (e penso em
uma versão de “sujeitos centrais eletrônicos”) e que assume nova configuração quando
se corporificam como sujeitos humanos na Igreja (quando das palestras semanais que
aproxima a pedagogia e os “pedagogos” da audiência),e ainda exemplificam o casal a
ser seguido com esta soma de atributos: são jovens, simpáticos, didáticos,
comunicativos e o mais fundamental, realizados como marido e mulher há mais de vinte
anos.
Considerações Finais
A pedagogia do matrimônio parece ser a condutora da conjugação das demais
pedagogias do mix de pedagogias culturais que percebo nesse artefato. Molda-se nesse
mix outra versão de pedagogia, a “pedagogia corretiva” por meio das respostas e
conselhos dos apresentadores para suas “alunas” (a maioria são mulheres), e na proposta
de “reeducação de casados e solteiros” quando a audiência participa de alguma ou de
muitas das mais variadas atividades do The love school na igreja.
Renato e Cristiane Cardoso sentem-se professores da arte de resolver questões
amorosas com dicas em sequencias numéricas, uma dica para cada situação, de forma
prescritiva como um receituário com forte sustentação na doutrina religiosa
neopentecostal. A bíblia fundamenta o livro de autoajuda “Casamento blindado – o seu
casamento à prova de divórcio” que influencia o The love school e está presente na fala
e nos conselhos que ambos fazem circular pelo mix de artefatos pedagógicos culturais
que se utilizam em uma intensa defesa para a durabilidade do casamento de casais
constituídos e pela formação de novos casais. A intencionalidade da pedagogia do The
love school é a de manter e organizar casais heterossexuais em arranjos familiares fixos
e duradouros
The love school não é um artefato fictício, é uma pedagogia cultural
conservadora que faz uma transição entre os espaços virtual e real. Inicia na doutrina da
IURD, se conecta a vários artefatos em uma rede polivalente tecnológica e circula como
“verdade” definitiva (e inflexível) em diferentes mídias.
As representações dessa realidade estão na frequencia à Igreja para as palestras
semanais e na participação, por exemplo, na Caminhada do Amor (evento anual ao ar
livre em parques que reúne casais e solteiros para conversarem sobre qualquer
problema), momentos estes que possibilitam o contato da audiência das mídias com os
apresentadores. Nesses encontros, as pessoas que seguem o pacote pedagógico do The
love school alcançam a pedagogia cultural e a exercem sem mediações tecnológicas.
Aqueles que ensinam ficam face a face de muitas daquelas que aprendem.
O aspecto fictício do artefato é o de representar de forma figurativa uma escola
com alunas/os e professores, aulas, aulas-extras, lições, e um inusitado toque de sirene
escolar ao fim do programa “Escola do Amor Responde”, onde até a identidade visual
desse artefato de apoio estiliza a sigla EdA como de uma escola de ensino a distância.
As muitas janelas comunicacionais que compõem o aparato midiático do
programa, com sua rede tecnológica, possibilita a audiência assistir reprises em
diferentes horários e cenários. Esse recurso assemelha-se a ação da IURD de ter muitos
templos físicos em lugares diferentes, acessíveis aos fieis a qualquer hora,
possibilitando uma reiteração constante da sua pedagogia religiosa.
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