TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES,...

44
Logic, Language, and Knowledge. Essays on Chateaubriand’s Logical Forms Walter A. Carnielli and Jairo J. da Silva (eds. Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p. 5-48, jan.-jun. 2013. CDD: 185 TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA NA LÓGICA DE ARISTÓTELES WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Departamento de Filosofia Universidade Estadual de Campinas Cidade Universitária Zeferino Vaz 13083-896 CAMPINAS, SP BRASIL [email protected] Received: 27.03.2012; Revised: 15.09.2012; Accepted: 22.11.2012 Resumo: Quais termos são suscetíveis de operações silogísticas? Para importantes intérpretes da lógica aristotélica – especialmente Ross, Patzig e Lukasiewicz – a resposta tende a introduzir um único e homogêneo grupo de termos, aqueles de generalidade intermediária (τὰ μεταξὺ). Fundamentada basicamente na classificação tripartite de entes que aparece no capítulo 27 de Primeiros Analíticos I, essa opinião atribui à silogística a exclusão de (i) termos singulares (como “Sócrates” e “este homem”), (ii) transcategoriais (como “ente” e “um”), bem como dos chamados (iii) summa genera (“substância”, “qualidade”, “quantidade”, etc.). Em nossa opinião, esses resultados não derivam dos textos de Aristóteles, mas de leituras, traduções e interpretações impróprias das passagens centrais da discussão. Neste artigo, faremos um novo exame desses textos, a fim de mostrar que Aristóteles jamais afastou de sua lógica os tipos de termos que os intérpretes não hesitam em excluir da silogística. Assim, esperamos reintroduzir termos singulares, transcategoriais e summa genera, no domínio da silogística aristotélica. Palavras chave: Aristóteles. Silogística. Termos Singulares. Transcategoriais. Summa Genera. Abstract: What terms are susceptible of syllogistic operations? For important interpreters of Aristotelian logic – especially Ross, Lukasiewicz and Patzig – the answer tends to introduce a single and homogeneous group of terms, those of intermediate generality (τὰ μεταξὺ). Mostly based on the tripartite classification of beings which appears in Chapter 27 of Prior Analytics I, this view attributes to syllogistic the exclusion of proper names and singular designations (such as “Socrates” and “this man”), transcategoricals (such as “being” and “one”), as well as of the so-called summa genera (“substance”, “quality”, “quantity”, etc.). In our opinion, these results are not derived from the writings of Aristotle, but from improper readings, translations and interpretations of

Transcript of TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES,...

Page 1: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.

Logic Language and Knowledge Essays on Chateaubriandrsquos Logical Forms Walter A Carnielli and Jairo J da Silva (eds

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

CDD 185

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA NA LOacuteGICA DE ARISTOacuteTELES WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas Departamento de Filosofia Universidade Estadual de Campinas Cidade Universitaacuteria Zeferino Vaz 13083-896 CAMPINAS SP BRASIL

wellingtondamascenogmailcom

Received 27032012 Revised 15092012 Accepted 22112012 Resumo Quais termos satildeo suscetiacuteveis de operaccedilotildees silogiacutesticas Para importantes inteacuterpretes da loacutegica aristoteacutelica ndash especialmente Ross Patzig e Lukasiewicz ndash a resposta tende a introduzir um uacutenico e homogecircneo grupo de termos aqueles de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) Fundamentada basicamente na classificaccedilatildeo tripartite de entes que aparece no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I essa opiniatildeo atribui agrave silogiacutestica a exclusatildeo de (i) termos singulares (como ldquoSoacutecratesrdquo e ldquoeste homemrdquo) (ii) transcategoriais (como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) bem como dos chamados (iii) summa genera (ldquosubstacircnciardquo ldquoqualidaderdquo ldquoquantidaderdquo etc) Em nossa opiniatildeo esses resultados natildeo derivam dos textos de Aristoacuteteles mas de leituras traduccedilotildees e interpretaccedilotildees improacuteprias das passagens centrais da discussatildeo Neste artigo faremos um novo exame desses textos a fim de mostrar que Aristoacuteteles jamais afastou de sua loacutegica os tipos de termos que os inteacuterpretes natildeo hesitam em excluir da silogiacutestica Assim esperamos reintroduzir termos singulares transcategoriais e summa genera no domiacutenio da silogiacutestica aristoteacutelica Palavras chave Aristoacuteteles Silogiacutestica Termos Singulares Transcategoriais Summa Genera Abstract What terms are susceptible of syllogistic operations For important interpreters of Aristotelian logic ndash especially Ross Lukasiewicz and Patzig ndash the answer tends to introduce a single and homogeneous group of terms those of intermediate generality (τὰ μεταξὺ) Mostly based on the tripartite classification of beings which appears in Chapter 27 of Prior Analytics I this view attributes to syllogistic the exclusion of proper names and singular designations (such as ldquoSocratesrdquo and ldquothis manrdquo) transcategoricals (such as ldquobeingrdquo and ldquoonerdquo) as well as of the so-called summa genera (ldquosubstancerdquo ldquoqualityrdquo ldquoquantityrdquo etc) In our opinion these results are not derived from the writings of Aristotle but from improper readings translations and interpretations of

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

6

the central passages for the discussion In this paper we will make a further examination of these texts in order to show that Aristotle has never departed from his logic the types of terms that interpreters do not hesitate to exclude from syllogistic Thereby we hope to bring back singular terms transcategoricals and summa genera to the operation domain of the Aristotelian syllogistic Keywords Aristotle Syllogistic Singular Terms Transcategoricals Summa Genera

I OPINIOtildeES TRADICIONAIS

Jaacute faz algum tempo que a silogiacutestica aristoteacutelica vem sendo pensada como um sistema loacutegico marcado pela exclusatildeo de certos termos De acordo com importantes estudiosos ela natildeo reserva lugar para nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares como ldquoCaacuteliasrdquo e ldquoeste homemrdquo tampouco para termos transcategoriais como ldquoenterdquo (to on) e ldquoumrdquo (to hen) Haacute quem diga que nem mesmo os chamados gecircneros supremos (summa genera) ndash ldquosubstacircnciardquo ldquoqualidaderdquo ldquoquantidaderdquo e assim por diante ndash estatildeo aptos a figurar em silogismos rigorosamente aristoteacutelicos

Essa linha de opiniotildees parece ter sido inaugurada por W D Ross em 1949 com a publicaccedilatildeo de sua famosa ediccedilatildeo comentada do texto grego de Primeiros e Segundos Analiacuteticos Em seu comentaacuterio ao primeiro capiacutetulo do Livro I dos Primeiros Analiacuteticos Ross natildeo hesita em dizer que Aristoacuteteles teria ignorado completamente os termos singulares Aleacutem disso ainda observa que o argumento considerado como modelo paradigmaacutetico de um silogismo tipicamente aristoteacutelico ndash argumento amplamente difundido pelos manuais de loacutegica formulado em primeira figura com ambas as premissas afirmativas no qual um termo singular aparece como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo1 ndash passa longe dos silogismos encontrados nos Primeiros Analiacuteticos De acordo com Ross todos os silogismos apresentados nos Primeiros Analiacuteticos versam sobre universais (termos conceituais) e mais do que isso todos possuem

1 O silogismo eacute o seguinte ldquotodo homem eacute mortal Soacutecrates eacute homem logo Soacutecrates eacute mortalrdquo

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

7

um termo-espeacutecie na posiccedilatildeo de extremo menor Por fim sem fazer cerimocircnia Ross assume que Aristoacuteteles teria restringido a silogiacutestica a argumentos que articulam exclusivamente termos universais (conceituais) e aponta que as razotildees para fazecirc-lo repousariam (ldquoprobablyrdquo) no argumento exposto no capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos (em especial no trecho 43a 42ndash43) Mais tarde esse capiacutetulo se consolidaria como manifesta evidecircncia de que a silogiacutestica de Aristoacuteteles envolve uma severa restriccedilatildeo de termos2

No capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos Aristoacuteteles propotildee entre outras coisas uma classificaccedilatildeo de entes ndash compreendidos como fatores de atribuiccedilatildeo ou simplesmente como termos minus fundada no comportamento atributivo e no grau de generalidade dos itens classificados Como resultado Aristoacuteteles alcanccedila trecircs tipos de termos (1) aqueles desprovidos de generalidade que natildeo podem ser atribuiacutedos como legiacutetimos predicados de outros termos mas aos quais outros termos podem ser atribuiacutedos ndash eacute o caso dos nomes proacuteprios ldquoCleonrdquo e ldquoCaacuteliasrdquo (2) aqueles de mais alta generalidade que podem ser atribuiacutedos a outros termos e para os quais natildeo existe termo anterior (πρότερον) que lhes possa ser atribuiacutedo3 e (3) aqueles cujo grau de

2 Ross (1949 p 289) Lukasiewicz (1951 p 4minus5) G Patzig (1959 p 5) 3 Aristoacuteteles natildeo oferece nenhum exemplo para termos do segundo tipo Na opiniatildeo de Ross (1949 p 384) ldquothese are the highest universals the categoriesrdquo Jaacute para Lukasiewicz (1951 p 5) ldquoit is clear that Aristotle means what is most universal like being to onrdquo Embora seja difiacutecil decidir por uma dessas opiniotildees ndash sobretudo porque natildeo sabemos o que significa πρότερον em 43a 30 ndash a alternativa de Lukasiewicz ainda nos parece menos sujeita a objeccedilotildees De fato se Ross tem razatildeo em compreender os termos do segundo tipo como summa genera (ldquosubstacircnciardquo ldquoqualidaderdquo ldquoquantidaderdquo etc) a impossibilidade de lhes atribuir predicados anteriores (πρότερον) apontada nas linhas 43a 29-30 deveraacute ser muito bem especificada de modo a evitar uma objeccedilatildeo bem natural a de que nem mesmo summa genera podem satisfazer a exigecircncia das referidas linhas jaacute que a princiacutepio nada impede que termos transcategoriais como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo sejam concebidos como predicados anteriores dos chamados summa genera Certamente a indefiniccedilatildeo do sentido de

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

8

generalidade eacute intermediaacuterio que podem ser atribuiacutedos a outros termos e aos quais outros termos podem ser atribuiacutedos ndash eacute o caso do termo ldquohomemrdquo4

Depois de expor os trecircs tipos de termos alcanccedilados pela classificaccedilatildeo referida acima Aristoacuteteles conclui o trecho 43a 25ndash43 com a frase que deu igniccedilatildeo agraves interpretaccedilotildees que atribuem ao sistema loacutegico aristoteacutelico a jaacute mencionada restriccedilatildeo de termos Eis a frase

καὶ σχεδὸν οἱ λόγοι καὶ αἱ σκέψεις εἰσὶ μάλιστα περὶ τούτων 5 Grosso modo os argumentos e as investigaccedilotildees satildeo sobretudo acerca dessas coisas (43a 42ndash43)

πρότερον na linha 30 ainda deixa espaccedilo para associar agrave noccedilatildeo de predicado anterior um significado que seja incompatiacutevel com os termos transcategoriais mencionados acima Essa alternativa poderia encontrar alguma inspiraccedilatildeo em Metafiacutesica XII 4 em que Aristoacuteteles nos diz que ldquoagrave parte das substacircncias e das demais categorias natildeo haacute nada comumrdquo (1070b 1minus2) A impossibilidade de algo comum agrave parte das categorias poderia ser interpretada como uma impossibilidade de conceitos transcategoriais o que favoreceria a proposta de Ross Tal leitura no entanto conflita com passagens nas quais Aristoacuteteles trabalha com predicados de todas as coisas ndash o que se confirma pelo uso da expressatildeo τὰ πᾶσιν ἑπόμενα (ldquoos itens que acompanham todas as coisasrdquo) no capiacutetulo 28 de Primeiros Analiacuteticos I Afinal o que seriam τὰ πᾶσιν ἑπόμενα senatildeo conceitos transcategoriais E por que tais predicados natildeo seriam candidatos mais promissores que os summa genera para figurar na lista de termos do segundo tipo Diante desse quadro a proposta de Lukasiewicz nos parece preferiacutevel na medida em que evita as dificuldades aludidas acima Aleacutem disso no que diz respeito aos propoacutesitos deste artigo faz pouca ou nenhuma diferenccedila se tais termos satildeo (i) summa genera ou (ii) τὰ πᾶσιν ἑπόμενα (embora tenhamos maior estima pela segunda opccedilatildeo) uma vez que a nossa posiccedilatildeo antecede agrave decisatildeo entre essas duas alternativas e procura responder uma questatildeo mais elementar a saber Aristoacuteteles de fato excluiu da silogiacutestica os termos de alta generalidade (quer sejam summa genera quer sejam τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) Para essa questatildeo mais baacutesica defenderemos uma resposta negativa 4 An Pr I 27 43a 37ndash43 5 Adotamos o texto grego de W D Ross em todas as citaccedilotildees

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

9

O pronome τούτων retoma os termos qualificados sob o terceiro tipo anunciados nas linhas 40-42 Conforme jaacute vimos esses termos nem satildeo de natureza singular como nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares nem satildeo os de mais alta generalidade como summa genera eou transcategoriais Na verdade quanto ao grau de generalidade tais fatores se posicionam entre os demais tipos de termos e por isso mesmo satildeo descritos por Aristoacuteteles como intermediaacuterios (τὰ μεταξὺ) Para ilustrar a natureza desse tipo de termo Aristoacuteteles apresenta ldquohomemrdquo que se predica de ldquoCaacuteliasrdquo e do qual ldquoanimalrdquo se predica irrestritamente6

Ao comentar o trecho 43a 37ndash43 que encerra com a frase que inspirou a exclusatildeo dos mencionados termos Ross acaba sendo mais cauteloso do que fora no comentaacuterio ao primeiro capiacutetulo do Livro I de Primeiros Analiacuteticos Ele entende que no referido trecho do capiacutetulo 27 Aristoacuteteles esteja de fato comprometido com uma restriccedilatildeo associada aos termos mas assume que essa restriccedilatildeo diz respeito agrave suscetibilidade de desempenhar irrestritamente as funccedilotildees de maior (τὸ μεῖζον) menor (τὸ ἐλάττον) ou mediador7 (τὸ μέσον) em um silogismo Nesse caso Aristoacuteteles natildeo estaria restringindo o domiacutenio de fatores sobre os quais a silogiacutestica pode operar mas o domiacutenio de fatores que podem exercer irrestritamente cada uma das trecircs funccedilotildees que um termo pode desempenhar em um silogismo

6 Ibidem 43a 31ndash32 7 A proposta de traduzir meson como ldquomediadorrdquo (Angioni 2007 nota 6) ndash e natildeo ldquotermo meacutediordquo como de costume ou ldquotermo intermediaacuteriordquo ndash nos parece bastante acertada Em nossa opiniatildeo ela capta com precisatildeo a funccedilatildeo mais baacutesica do meson qual seja a de articular ou correlacionar os termos da conclusatildeo Por isso decidimos adotaacute-la Aos poucos essa alternativa de traduccedilatildeo vem ganhando espaccedilo Em 2010 durante o Iordm Ciclo de Seminaacuterios lsquoO Organon de Aristoacutetelesrsquo realizado na Universidade de Campinas Ricardo Santos (Universidade de Eacutevora minus Portugal) se mostrou de pleno acordo com a opccedilatildeo por ldquomediadorrdquo embora natildeo a tenha adotado na traduccedilatildeo que vem preparando

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

10

Na primeira figura por exemplo apenas os termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) satildeo capazes de desempenhar irrestritamente a funccedilatildeo de mediador De fato os demais termos soacute podem atuar de modo irrestrito nos silogismos de primeira figura quando ocupam as posiccedilotildees ou de sujeito ou de predicado ao passo que o mediador eacute sujeito e predicado sujeito na premissa maior e predicado na menor Ross tambeacutem observa que os gecircneros supremos (ldquothe highest termsrdquo) podem desempenhar irrestritamente a funccedilatildeo de extremo maior bem como os termos desprovidos de generalidade (ldquothe lowest termsrdquo) a funccedilatildeo de extremo menor Ademais continua Ross os gecircneros supremos ainda podem atuar de modo irrestrito na funccedilatildeo de mediador na segunda figura assim como os termos singulares na terceira figura

Ateacute esse ponto o comentaacuterio de Ross ao capiacutetulo 27 natildeo introduz nenhuma severa restriccedilatildeo de termos sobretudo porque o trecho 43a 37ndash43 assim como o iniacutecio do capiacutetulo natildeo lhe permitem ir muito longe Tudo o que esses textos nos impotildeem eacute que nas demonstraccedilotildees certos termos natildeo podem ocupar irrestritamente a posiccedilatildeo de sujeito ao passo que outros natildeo podem ocupar irrestritamente a posiccedilatildeo de predicado Assim Aristoacuteteles abre espaccedilo para a possibilidade de que os termos singulares tenham o seu lugar ao sol na silogiacutestica desde que sejam alocados em posiccedilotildees e funccedilotildees que possam desempenhar sem as restriccedilotildees mencionadas ao longo do capiacutetulo 27 Ross parece ter se dado conta disso e ao que tudo indica natildeo gostou do que viu pois encerra as suas consideraccedilotildees sobre o trecho 43a 37ndash43 tentando recuperar aquela restriccedilatildeo de termos que jaacute havia sido apresentada no comentaacuterio ao capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I alegando que Aristoacuteteles nunca usa nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos mas apenas termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) ndash ldquouniversals that are not highest universalsrdquo8

8 Ross (1949 p 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

11

Podemos dizer que Ross nos deixou o seguinte legado por um lado eacute responsaacutevel pela tradicional opiniatildeo de que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares ou gecircneros supremos em seus silogismos mas sempre trabalha com termos de generalidade intermediaacuteria por outro lado transformou o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I em peccedila central para a delimitaccedilatildeo da lista de termos silogiacutesticos

Em 1951 Jan Lukasiewicz publicou o seu famoso livro intitulado Aristotlersquos Syllogistic ndash From The Standpoint of Modern Formal Logic e se mostrou bastante influenciado pelo legado de Ross Jaacute no primeiro capiacutetulo desse livro Lukasiewicz se recusa a considerar como rigorosamente aristoteacutelico aquele argumento concebido pela tradiccedilatildeo como exemplo paradigmaacutetico de silogismo ndash ldquotodo homem eacute mortal Soacutecrates eacute homem logo Soacutecrates eacute mortalrdquo minus levando a cabo algo que Ross jaacute havia sugerido em seu comentaacuterio ao capiacutetulo 1 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos a saber que tal argumento natildeo pertence agrave loacutegica de Aristoacuteteles9 Lukasiewicz qualifica esse silogismo por meio do adjetivo ldquoperipateacuteticordquo pelo fato de Sexto Empiacuterico descrevecirc-lo como usual entre os Peripateacuteticos Quanto agrave rejeiccedilatildeo desse silogismo provisoriamente Lukasiewicz alega apenas que Aristoacuteteles natildeo introduz termos e proposiccedilotildees singulares em seu sistema loacutegico10 A completa ausecircncia de referecircncia a proposiccedilotildees singulares no capiacutetulo 1 do Livro I dos Primeiros Analiacuteticos ndash capiacutetulo em que as formas proposicionais silogiacutesticas satildeo introduzidas e no qual seria natural esperar por proposiccedilotildees singulares ndash eacute mencionada por Lukasiewicz como sinal de que Aristoacuteteles natildeo teria considerado termos singulares em sua loacutegica11 No entanto o argumento determinante para corroborar essa tese eacute

9 Ross (1949 p 289) e Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect1 p 1) 10 Lukasiewicz menciona trecircs publicaccedilotildees que tratavam o silogismo peripateacutetico como modelo paradigmaacutetico de silogismo aristoteacutelico Greek Foundations of Tradicional Logic (1942) de Ernest Kapp A History of Philosophy vol i Greece and Rome (1946) de S J Frederick Copleston e History of Western Philosophy (1946) de Bertrand Russell 11 Idem chapter 1 sect2 p 4

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

12

elaborado a partir do capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos capiacutetulo jaacute evocado por Ross como evidecircncia manifesta da restriccedilatildeo de termos

Conforme jaacute pudemos ver eacute no capiacutetulo 27 que Aristoacuteteles apresenta sua famosa triparticcedilatildeo de entes assumidos como termos de proposiccedilotildees silogiacutesticas nas linhas 43a 25ndash36 os trecircs tipos de termos satildeo introduzidos nas linhas 37ndash42 os efeitos que essa triparticcedilatildeo tem sobre as demonstraccedilotildees satildeo rapidamente considerados em seguida nas linhas 42ndash43 entra em cena a frase que inspirou a restriccedilatildeo de termos jaacute nos comentaacuterios de Ross e ainda mais na proposta de Lukasiewicz Interpretando Aristoacuteteles Lukasiewicz conclui que a silogiacutestica opera exclusivamente com termos do uacuteltimo tipo isto eacute com termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) excluindo da loacutegica aristoteacutelica tanto os termos singulares quanto os de alta generalidade ndash os uacuteltimos assumidos como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo12 Julgando ter encontrado a ldquoverdadeira razatildeordquo que teria levado Aristoacuteteles a se comprometer com tal restriccedilatildeo de termos Lukasiewicz alega que todo silogismo deve conter um termo capaz de desempenhar irrestritamente tanto a funccedilatildeo de sujeito quanto a funccedilatildeo de predicado ndash na primeira figura eacute o que ocorre com o mediador na segunda com o maior na terceira com o menor ndash e essas funccedilotildees soacute podem ser desempenhadas irrestritamente por termos de generalidade intermediaacuteria13 Ao que tudo indica Lukasiewicz entende os adveacuterbios σχεδὸν e μάλιστα nas linhas 42ndash43 como marcas que qualificam o restante da frase como uma regra absoluta e universal afastando a possibilidade de que Aristoacuteteles esteja apenas se pronunciando em linhas gerais sem qualquer pretensatildeo de

12 Idem sect3 p 5 Conveacutem lembrar que Lukasiewicz e Ross natildeo tecircm a mesma opiniatildeo sobre o que seriam os termos de alta generalidade aos quais Aristoacuteteles alude em 43a 29minus30 e 37minus39 para Lukasiewicz os termos de alta generalidade satildeo precisamente os transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo ao passo que Ross prefere concebecirc-los como summa genera (cf nota 3) 13 Ibidem p 7

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

13

estabelecer uma norma riacutegida vaacutelida para todo e qualquer silogismo mas apenas uma descriccedilatildeo que pudesse dar conta da maior parte dos argumentos silogiacutesticos Essa atitude o levou a fazer duras criacuteticas agrave loacutegica aristoteacutelica

De acordo com Lukasiewicz eacute questatildeo paciacutefica a opiniatildeo de que os termos singulares satildeo tatildeo importantes na atividade cientiacutefica quanto o satildeo os termos universais e portanto eacute falso que os argumentos e as investigaccedilotildees ldquoas a rulerdquo lidam com termos de universalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) o que tornaria o pronunciamento de Aristoacuteteles nas linhas 42ndash43 digno de reprovaccedilatildeo Com esse teor Lukasiewicz atribui a Aristoacuteteles a rejeiccedilatildeo dos termos singulares e descreve a ausecircncia desses fatores como ldquoo maior defeitordquo do sistema loacutegico aristoteacutelico14

Assim inspirado pelo legado de Ross Lukasiewicz consolida a opiniatildeo de que a silogiacutestica aristoteacutelica envolve uma severa restriccedilatildeo de termos constituindo um sistema loacutegico que atua exclusivamente sobre termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) Sob a descoberta da ldquoverdadeira razatildeordquo que teria levado Aristoacuteteles a se comprometer com essa restriccedilatildeo de termos Lukasiewicz estabelece a tese de que a silogiacutestica prescinde de termos singulares bem como de termos de alta generalidade (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo)

Essa proposta foi muito bem recebida por alguns estudiosos da loacutegica aristoteacutelica Em 1959 Guumlnther Patzig publicou um novo estudo sobre o Livro I dos Primeiros Analiacuteticos e fez questatildeo de dedicaacute-lo a Lukasiewicz de quem eacute seguidor Em obra intitulada Aristotlersquos Theory of the Syllogism ndash a logico-philological study of book A of the Prior Analytics Patzig corrige vaacuterios equiacutevocos herdados de Ross e de Lukasiewicz Para ilustrar considere-se a alegaccedilatildeo ndash feita tanto por Ross quanto por Lukasiewicz ndash de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos Primeiros Analiacuteticos Essa alegaccedilatildeo eacute desmentida por Patzig que aponta

14 Ibidem p 6

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

14

as seguintes ocorrecircncias de nomes proacuteprios no capiacutetulo 33 do Livro I ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II ldquoPitacosrdquo Mesmo diante dessas ocorrecircncias Patzig recusou a possibilidade de a silogiacutestica reservar lugar para termos singulares justificando tal posiccedilatildeo ao apontar que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo aparecem em premissas das quais nada se segue ao passo que ldquoPitacosrdquo ocorre em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido Em presenccedila desse quadro e a exemplo de Lukasiewicz Patzig considera que deve prevalecer o fato indubitaacutevel de Aristoacuteteles natildeo ter feito menccedilatildeo a proposiccedilotildees singulares no capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I o que fatalmente sugere a exclusatildeo dos termos singulares15 Assim Patzig eacute levado a endossar diversos resultados alcanccedilados por seus antecessores reiterando a restriccedilatildeo de fatores silogiacutesticos a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) e por conseguinte expulsando termos singulares transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) e summa genera do sistema loacutegico aristoteacutelico

No entanto sob a consideraccedilatildeo de Patzig essa restriccedilatildeo ganhou razotildees complementares Patzig natildeo apenas endossou os resultados sensivelmente sugeridos por Ross e consolidados por Lukasiewicz (resultados fundados no capiacutetulo 27 do Livro I dos Primeiros Analiacuteticos) mas tambeacutem lhes conferiu novos contornos oriundos de razotildees que julgou encontrar no capiacutetulo 28 do qual o capiacutetulo 27 seria discussatildeo preparatoacuteria

No capiacutetulo 28 Aristoacuteteles apresenta alguns procedimentos de prova para as formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Em linhas gerais esses procedimentos satildeo caracterizados pela tarefa de identificar um termo comum (que seraacute o mediador) em duas listas de termos Essas listas satildeo determinadas pela relaccedilatildeo que os seus membros possuem com os extremos (τά ἄκρα) que encerram a conclusatildeo pretendida

15 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

15

Ainda natildeo precisamos entrar em detalhes a respeito desses procedimentos Faremos isso na proacutexima seccedilatildeo em momento mais oportuno Por ora basta saber que a partir dos procedimentos recomendados por Aristoacuteteles como estrateacutegia de prova para cada uma das formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Patzig propotildee trecircs axiomas demarcadores de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica16

(1) todo termo silogiacutestico possui ao menos um termo subordinado proacuteprio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe um termo subordinado X tal que XaT eacute o caso ao passo que TaX natildeo (2) todo termo silogiacutestico possui ao menos um termo superordenado proacuteprio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe um termo superordenado Y tal que TaY eacute o caso ao passo que YaT natildeo (3) todo termo silogiacutestico possui um termo contraacuterio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe ao menos um termo contraacuterio Z tal que ZeT17

Ao formular os dois primeiros axiomas Patzig se vale de algumas noccedilotildees oriundas da teoria dos conjuntos as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias Em teoria dos conjuntos se Q eacute um termo subordinado proacuteprio de R (e natildeo apenas um termo subordinado) Q e R natildeo podem ser coextensivos ndash em outras palavras todo Q eacute R mas nem todo R eacute Q o mesmo ocorre com termos que frequumlentam uma mesma relaccedilatildeo de superordenaccedilatildeo proacutepria dado que toda relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo proacutepria pode ser reformulada como uma relaccedilatildeo de superordenaccedilatildeo proacutepria e vice-versa Patzig presume que essas relaccedilotildees traduzem pressupostos assumidos pelo proacuteprio Aristoacuteteles no capiacutetulo

16 Ibidem p 7 17 A notaccedilatildeo AxB adotada na exposiccedilatildeo dos axiomas descreve uma relaccedilatildeo categoacuterica x entre o termo-sujeito A e o termo-predicado B Assim AaB eacute a notaccedilatildeo para a relaccedilatildeo universal afirmativa (ldquotodo A eacute Brdquo) AeB para a relaccedilatildeo universal negativa (ldquonenhum A eacute Brdquo) AiB para a particular afirmativa (ldquoalgum A eacute Brdquo) e por fim AoB para a particular negativa (ldquoalgum A natildeo eacute Brdquo) Manteremos essa notaccedilatildeo ao longo de todo o texto

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

16

28 de Primeiros Analiacuteticos I Mais adiante veremos que essa conjetura eacute equivocada

Por ora eacute importante notar que essa distinccedilatildeo entre de um lado subordinaccedilatildeosuperordenaccedilatildeo proacutepria e de outro lado mera subordinaccedilatildeosuperordenaccedilatildeo faz alguma diferenccedila no que diz respeito agrave exclusatildeo da chamada classe universal Para excluiacute-la Patzig assume que a classe universal pertence ao domiacutenio de termos da silogiacutestica a articula com os axiomas (1) e (3) e obteacutem um resultado contraditoacuterio o terceiro axioma requer que todo termo silogiacutestico possua ao menos um termo que lhe seja contraacuterio ndash tratando-se da classe universal esse termo contraacuterio eacute a classe nula por sua vez o primeiro axioma requer que todo termo silogiacutestico possua ao menos um termo subordinado proacuteprio exigecircncia que a classe nula eacute incapaz de satisfazer ndash por definiccedilatildeo a classe nula natildeo possui termos subordinados proacuteprios Assim a impossibilidade da classe nula acarreta a impossibilidade da classe universal18

Patzig ainda aponta o trecho 998b 22ndash27 do capiacutetulo 3 de Metafiacutesica Beta como evidecircncia complementar de que Aristoacuteteles teria rejeitado a classe universal fazendo alusatildeo a um texto que embora trate de termos dessa natureza tem com a silogiacutestica uma relaccedilatildeo muito distante19

Por sua vez nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares como ldquoSoacutecratesrdquo e ldquoeste triacircngulordquo natildeo possuem termos subordinados proacuteprios e portanto natildeo satisfazem ao primeiro axioma Por fim gecircneros supremos como ldquosubstacircnciardquo ldquoqualidaderdquo ldquoquantidaderdquo etc natildeo podem contar com termos superordenados proacuteprios e por conseguinte ficam impossibilitados de satisfazer ao segundo axioma (impossibilidade que natildeo nos parece ter sido bem estabelecida20)

18 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 19 Ibidem 20 A exemplo de Ross (cf nota 3) Patzig ignora os transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo que a princiacutepio poderiam figurar como superordenados proacuteprios dos gecircneros supremos de modo que o axioma (2) fosse entatildeo satisfeito pelos gecircneros

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

17

Assim Patzig reitera as restriccedilotildees introduzidas por Ross e consolidadas por Lukasiewicz desenhando um quadro em que uma vez mais a silogiacutestica eacute pensada como um sistema loacutegico que opera exclusivamente sobre termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) sem atuaccedilatildeo sobre nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares gecircneros supremos (summa genera) e termos transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) Na proacutexima seccedilatildeo mostraremos que as leituras propostas por tais inteacuterpretes seguramente natildeo encontram respaldo nos textos de Aristoacuteteles II CRIacuteTICA AgraveS OPINIOtildeES TRADICIONAIS

1 Uma Releitura de Primeiros Analiacuteticos I 27 43a 25minus43

Certamente nem todo o legado de Ross Lukasiewicz e Patzig deve ser abandonado Parece razoavelmente acertada por exemplo a escolha do capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos como promissora resposta agrave questatildeo de saber quais tipos de termos podem figurar em silogismos rigorosamente aristoteacutelicos ndash muito embora nem todo tipo de silogismo reconhecido por Aristoacuteteles esteja no escopo desse capiacutetulo21 No primeiro capiacutetulo do Livro I de Primeiros Analiacuteticos em que seria natural esperar alguma descriccedilatildeo mais detalhada a respeito dos termos Aristoacuteteles eacute muito sucinto limitando-se a dizer o seguinte

Ὅρον δὲ καλῶ εἰς ὃν διαλύεται ἡ πρότασις οἷον τό τε κατηγορούμενον καὶ τὸ καθrsquo οὗ κατηγορεῖται προστιθεμένου τοῦ εἶναι ἢ μὴ εἶναι

supremos Para excluir tais termos Patzig se pronuncia de modo muito breve e pouco esclarecedor ldquocategories (on Aristotlersquos definition) do not satisfy axiom (2)rdquo Aleacutem disso as ocorrecircncias de ldquosubstacircnciardquo e ldquounidaderdquo em Pr An I 5 27a 19minus20 e 27b 6minus8 tambeacutem satildeo ignoradas talvez em decorrecircncia de estarem associadas a pares de premissas inconcludentes 21 Ver por exemplo os silogismos formulados em Pr An II 15

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

18

Chamo lsquotermorsquo aquilo no que a proposiccedilatildeo se dissolve ou seja o item que se predica e o de que se predica acrescentando lsquoeacutersquo ou lsquonatildeo eacutersquo (24b 16minus18)

Esse pronunciamento eacute muito vago e em decorrecircncia pouco revelador Por isso em relaccedilatildeo agrave presente investigaccedilatildeo tal capiacutetulo quase natildeo oferece material que possa ser aproveitado Eacute claro que natildeo eacute bem essa a opiniatildeo de nossos interlocutores Ross Lukasiewicz e Patzig conceberam o mero fato de Aristoacuteteles natildeo ter feito menccedilatildeo a termos singulares no capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I como forte evidecircncia de que tais termos natildeo teriam lugar na silogiacutestica22

Essa atitude nos parece incorreta O fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a termos singulares revela apenas que o capiacutetulo natildeo tem aptidatildeo para contribuir com a investigaccedilatildeo Poder-se-ia alegar talvez que a exposiccedilatildeo das proposiccedilotildees silogiacutesticas no trecho 24a 16minus22 eacute exaustiva de modo que a exclusatildeo dos termos singulares fosse assegurada pelo simples fato de natildeo haver alusatildeo expliacutecita agraves proposiccedilotildees que lhes satildeo correlatas Poreacutem o referido trecho cai em certo descreacutedito por envolver certas imprecisotildees das quais o silecircncio sobre as proposiccedilotildees singulares seria apenas mais uma A diferenccedila entre proposiccedilotildees particulares e indefinidas por exemplo eacute bem precaacuteria Com efeito a proposiccedilatildeo particular ldquoalgum prazer natildeo eacute bemrdquo natildeo eacute mais informativa que a proposiccedilatildeo indefinida ldquoprazer natildeo eacute bemrdquo Tanto em um caso quanto em outro a relaccedilatildeo que os termos possuem entre si eacute igualmente indeterminada ou seja natildeo sabemos se (i) todo prazer natildeo eacute bem ou se (ii) algum prazer natildeo eacute bem e algum prazer eacute bem23

22 Ross (1949 p 384) Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect1 p 1 sect2 p 4) Patzig (1959 chapter 1 sect3 p 5) 23 Entre os comentadores Ross (1949 p 314) parece assumir que no trecho 29a 27minus29 Aristoacuteteles teria feito uma declaraccedilatildeo expliacutecita de que tais proposiccedilotildees seriam de fato equivalentes Bochenski (1951 p 43) por sua vez reconhece a referida passagem como evidecircncia incontestaacutevel de que Aristoacuteteles concebia tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis o que torna a distinccedilatildeo

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

19

Imprecisotildees como essa revelam o caraacuteter provisoacuterio do trecho 24a 16minus22 Por isso essa passagem natildeo pode ser considerada como resposta definitiva ao problema de saber se a silogiacutestica reserva lugar para termos singulares sobretudo se a razatildeo alegada para assim consideraacute-la for o mero fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a proposiccedilotildees singulares Em certa medida os comentadores perceberam que natildeo poderiam recorrer apenas ao primeiro capiacutetulo de Primeiros Analiacuteticos I para decidir a questatildeo e estenderam a discussatildeo ao capiacutetulo 27 tomando uma decisatildeo bastante acertada porque eacute nesse capiacutetulo que Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes e os compreende claramente como fatores de atribuiccedilatildeo suscetiacuteveis de articulaccedilatildeo silogiacutestica O trecho 43a 25minus43 oferece trecircs tipos de termos e como bem observaram os proponentes das opiniotildees tradicionais impotildee certas restriccedilotildees ao uso de termos de natureza singular bem como ao uso de termos de alto grau de generalidade ndash quer sejam summa genera como prefere Ross ou transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como entende Lukasiewicz O que escapou a nossos interlocutores eacute que essas restriccedilotildees estatildeo longe de expulsar da silogiacutestica qualquer dos trecircs tipos de termos ali apresentados Por isso em defesa de nossa posiccedilatildeo propomos reexaminar o trecho 43a 25minus43 pois entendemos que o texto por si soacute natildeo deixa duacutevidas de que nenhum dos trecircs tipos de termos introduzidos na referida passagem tenha sido excluiacutedo da silogiacutestica

Assim examinemos o famoso texto que tem alimentado a discussatildeo sobre termos silogiacutesticos

[1] ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστι τοιαῦτα ὥστε κατὰ μηδενὸς ἄλλου κατηγορεῖσθαι ἀληθῶς καθόλου (οἷον Κλέων καὶ

proposta no primeiro capiacutetulo um tanto despropositada Lukasiewicz (1951 sect2 p 5) tambeacutem reconhece que Aristoacuteteles trata tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis mas natildeo admite que Aristoacuteteles tenha se pronunciado de modo expliacutecito a respeito dessa equivalecircncia preferindo delegar esse feito a Alexandre

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

20

Καλλίας καὶ τὸ καθrsquo ἕκαστον καὶ αἰσθητόν) κατὰ δὲ τούτων ἄλλα (καὶ γὰρ ἄνθρωπος καὶ ζῷον ἑκάτερος τούτων ἐστί) τὰ δrsquo αὐτὰ μὲν κατrsquo ἄλλων κατηγορεῖται κατὰ δὲ τούτων ἄλλα πρότερον οὐ κατηγορεῖται τὰ δὲ καὶ αὐτὰ ἄλλων καὶ αὐτῶν ἕτερα οἷον ἄνθρωπος Καλλίου καὶ ἀνθρώπου ζῷον ὅτι μὲν οὖν ἔνια τῶν ὄντων κατrsquo οὐδενὸς πέφυκε λέγεσθαι δῆλον τῶν γὰρ αἰσθητῶν σχεδὸν ἕκαστόν ἐστι τοιοῦτον ὥστε μὴ κατηγορεῖσθαι κατὰ μηδενὸς πλὴν ὡς κατὰ συμβεβηκός φαμὲν γάρ ποτε τὸ λευκὸν ἐκεῖνο Σωκράτην εἶναι καὶ τὸ προσιὸν Καλλίαν ὅτι δὲ καὶ ἐπὶ τὸ ἄνω πορευομένοις ἵσταταί ποτε πάλιν ἐροῦμεν νῦν δrsquo ἔστω τοῦτο κείμενον [2] κατὰ μέν οὖν τούτων οὐκ ἔστιν ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον ἕτερον πλὴν εἰ μὴ κατὰ δόξαν ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων οὐδὲ τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται (καὶ γὰρ αὐτὰ κατrsquo ἄλλων καὶ ἄλλα κατὰ τούτων λεχθήσεται) καὶ σχεδὸν οἱ λόγοι καὶ αἱ σκέψεις εἰσὶ μάλιστα περὶ τούτων [1] Entre todos os entes alguns satildeo tais que natildeo se afirmam de nenhum outro verdadeiramente como universais (por exemplo Cleon e Caacutelias ou seja o particular e o sensiacutevel) mas outros se afirmam deles de fato cada um desses eacute tanto homem quanto animal Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros mas nenhum outro anterior se afirma deles Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros e outros satildeo afirmados deles por exemplo homem que se afirma de Caacutelias e do qual animal se afirma Assim eacute evidente que certas coisas por natureza natildeo se dizem de nenhuma outra de fato em geral entre as coisas sensiacuteveis cada uma eacute tal que natildeo se afirma de nenhuma outra a natildeo ser por acidente com efeito agraves vezes dizemos que aquele branco eacute Soacutecrates e que aquele que se aproxima eacute Caacutelias (Ainda diremos por que tambeacutem para cima em algum momento a seacuterie se interrompe Mas por ora seja assumido isso) [2] Assim acerca dessas coisas natildeo eacute possiacutevel demonstrar outra sendo afirmada (a natildeo ser segundo opiniatildeo) mas eacute possiacutevel demonstrar elas proacuteprias sendo afirmadas de outras Tampouco eacute possiacutevel demonstrar as coisas particulares sendo afirmadas de outras mas eacute possiacutevel demonstrar outras sendo afirmadas delas Jaacute das coisas que ficam entre essas eacute evidente que eacute possiacutevel demonstrar afirmando de ambos os modos pois tanto elas seratildeo ditas de outras quanto outras seratildeo ditas delas Grosso modo os argumentos e as investigaccedilotildees satildeo sobretudo acerca dessas coisas (43a 25minus43)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

21

A mais natural divisatildeo que podemos impor agrave passagem acima exige duas seccedilotildees

[1] Na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes compreendidos como fatores de atribuiccedilatildeo e classificados segundo as funccedilotildees que cada classe de termos pode desempenhar em proposiccedilotildees destinadas a operaccedilotildees silogiacutesticas A passagem eacute inaugurada com um pronunciamento a respeito de todos os entes ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων Por isso ao que tudo indica essa divisatildeo tripartite eacute exaustiva e natildeo deixa de fora nenhuma classe de termos Os resultados provenientes dessa classificaccedilatildeo trazem certas restriccedilotildees agrave atuaccedilatildeo de alguns termos na silogiacutestica nas linhas 25minus29 Aristoacuteteles nega que os termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) possam desempenhar o papel de legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nas linhas 29minus30 rejeita a possibilidade de atribuir aos termos de alta generalidade um termo que lhes seja anterior (πρότερον) Conforme jaacute o dissemos essas restriccedilotildees passam longe da exclusatildeo de qualquer das classes de termos apresentadas no referido trecho do capiacutetulo 27 A principal evidecircncia disso aparece na imediata sequumlecircncia do texto em que Aristoacuteteles avalia os efeitos dessas restriccedilotildees sobre as demonstraccedilotildees Isso nos leva agrave segunda seccedilatildeo

[2] Na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) satildeo explicitadas as consequumlecircncias que as restriccedilotildees apresentadas na seccedilatildeo anterior (43a 25minus37) produziratildeo nas demonstraccedilotildees24 Nas linhas 37minus39 Aristoacuteteles se pronuncia a respeito dos termos de alta generalidade (summa genera

24 Eacute bem verdade que em relaccedilatildeo ao cenaacuterio que temos em Segundos Analiacuteticos I 2 a noccedilatildeo de apodeixis que aparece no capiacutetulo 27 ainda exige muitos aperfeiccediloamentos mas natildeo nos parece justo entendecirc-la meramente como prova silogiacutestica jaacute que ela envolve exigecircncias de ordem atributiva que restringem as provas denotadas pela noccedilatildeo de apodeixis assumida no capiacutetulo a um subgrupo da noccedilatildeo mais geral de silogismo As provas silogiacutesticas formuladas em Primeiros Analiacuteticos II 15 por exemplo ficam de fora do grupo de silogismos dos quais o capiacutetulo 27 pretende dar conta Assim sendo optamos por manter a traduccedilatildeo de apodeixis por ldquodemonstraccedilatildeordquo e natildeo por ldquoprovardquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

22

eou transcategoriais) a possibilidade de demonstrar qualquer outro termo a respeito deles eacute recusada25 mas a de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute afirmada textualmente Nas linhas 39minus40 o pronunciamento se faz a respeito dos termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) a possibilidade de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute recusada mas a de demonstrar outros termos a respeito deles tambeacutem eacute afirmada Nas linhas 40minus42 Aristoacuteteles trata dos termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) e natildeo lhes impotildee nenhuma restriccedilatildeo eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles26

Por fim nas linhas 42minus43 Aristoacuteteles encerra a passagem com um pronunciamento de caraacuteter geral e conclusivo pronunciamento que ao contraacuterio do que Ross sugeriu e mais tarde Lukasiewicz endossou natildeo nega absolutamente nada do que fora dito ateacute entatildeo

Eacute claro que o leitor ainda pode levar em conta que Aristoacuteteles soacute faz uso da expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 ao se pronunciar a respeito dos termos de alta generalidade e que por isso a pressuposiccedilatildeo de tal expressatildeo nos demais pronunciamentos seria artificiosa e desqualificaria a traduccedilatildeo e a leitura que propomos De fato essa expressatildeo causou incocircmodo a alguns tradutores de liacutengua inglesa influenciados provavelmente pelos legados de Ross e Lukasiewicz A J Jenkinson e Robin Smith por exemplo traduzem a

25 Na verdade Aristoacuteteles reconhece uma exceccedilatildeo aludindo agrave possibilidade de ldquodemonstrarrdquo segundo opiniatildeo (κατὰ δόξαν) mas essa exceccedilatildeo eacute uma alternativa a ser evitada 26 No manuscrito n temos δειχθήσεται ao inveacutes de λεχθήσεται na linha 42 As duas alternativas favorecem a nossa leitura Optamos pela manutenccedilatildeo de λεχθήσεται para natildeo perder a relaccedilatildeo explicativa que haacute entre os pronunciamentos das linhas 40minus41 de um lado e 30minus32 de outro De fato com λεχθήσεται a linha 42 apenas repete o que fora dito nas linhas 30minus32 Essa opccedilatildeo revela que as linhas 30minus32 explicam a linha 42 e sugere que a mesma relaccedilatildeo explicativa ocorra entre as linhas 25minus29 e 39minus40 bem como entre as linhas 29minus30 e 37minus39

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

23

expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 como ldquodemonstraterdquo e ldquodemonstrate to be predicatedrdquo respectivamente No entanto ambos evitam tal traduccedilatildeo nas linhas subsequumlentes nas quais a expressatildeo natildeo aparece de modo expliacutecito e substituem ldquodemonstraterdquo por ldquopredicaterdquo27

Haacute pelo menos uma boa razatildeo para rejeitar tais traduccedilotildees elas assumem que na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) precisamente no que diz respeito agraves consequumlecircncias que as restriccedilotildees introduzidas na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) tecircm sobre as demonstraccedilotildees Aristoacuteteles estaria interessado apenas nos termos de alta generalidade dado que recorre agrave expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον exclusivamente ao tratar deles Assim no que diz respeito agrave atuaccedilatildeo dos demais termos (τὰ καθrsquo ἕκαστα e τὰ μεταξὺ) nas demonstraccedilotildees Aristoacuteteles jaacute natildeo teria a pretensatildeo de avaliar as consequumlecircncias dessas restriccedilotildees limitando-se apenas a repetir o que fora dito na primeira seccedilatildeo Essa leitura impotildee ao texto uma interrupccedilatildeo natildeo muito natural em seu desenvolvimento e ainda o torna redundante sem apresentar uma razatildeo satisfatoacuteria que justifique essa leitura

27 Na linha 39 por exemplo A J Jenkinson (in Barnes 1984) traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquobut these may be predicated of other thingsrdquo Robin Smith vai na mesma direccedilatildeo e traduz como ldquobut they are predicated of othersrdquo embora reconheccedila em seu comentaacuterio ao trecho 43a 40ss na paacutegina 50 (comentaacuterio que na verdade trata da linha 39) que a frase pode ser traduzida como ldquoother things are demonstrated to be predicated of themrdquo nas linhas 39-40 Jenkinson traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNeither can individuals be predicated of other things although other things can be predicated of themrdquo Robin Smith natildeo destoa disso e traduz como ldquoNeither can individuals be predicated of other things but instead other things are predicated of themrdquo por fim nas linhas 40-41 Jenkinson traduz τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται como ldquoWhatever lies between these limits can be spoken of in both waysrdquo ao passo que Robin Smith traduz como ldquoBut it is clear that for those in between predication is possible in both waysrdquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

24

Na contramatildeo de A J Jenkinson e Robin Smith temos Mario Mignucci e Gisela Striker que traduzem a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον como ldquodimostrare che essi si predicanordquo e ldquodemonstrate to be said ofrdquo respectivamente e entendem as linhas 39minus41 como pronunciamentos nos quais embora natildeo apareccedila de modo expliacutecito a expressatildeo ainda estaacute em jogo28 Essas traduccedilotildees certamente satildeo as mais fieacuteis ao texto grego e corroboram a traduccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo que propomos justificando o abandono da leitura tradicional sugerida por Ross e cristalizada nos estudos de Lukasiewicz A essa altura jaacute podemos fazer um balanccedilo dos resultados que o capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos de fato nos impotildee O cenaacuterio que se desenha eacute o seguinte (i) termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) natildeo eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου)29 de outros termos por isso tampouco eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos no entanto eacute possiacutevel lhes atribuir outros termos como legiacutetimos

28 Na linha 39 por exemplo Mignucci traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquomentre egrave possibile dimostrare che essi si predicano di altrirdquo Striker por sua vez traduz como ldquobut [sc one can demonstrate] only that they themselves are predicated of other thingsrdquo na linha 40 ambos fazem questatildeo de recuperar a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον Mignucci traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNon egrave neanche possibile dimostrare che i singolari si predicano di altre cose ma soltanto che altre cose si predicano di essirdquo Striker segue a mesma linha e traduz como ldquonor can one demonstrate that individuals are said of other things but only that other things are said of themrdquo Na linha 41 por sua vez a expressatildeo eacute recuperada novamente e o trecho τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται eacute traduzido por Mignucci como ldquoEgrave chiaro invece che le cose intermedie egrave possibile dimostrarle nei due modirdquo ao passo que por Striker como ldquoBut clearly the intermediate things admit [sc to be demonstrated] of bothrdquo 29 Tais termos natildeo se predicam de nenhum outro a natildeo ser κατὰ συμβεβηκός (43a 33minus35)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

25

predicados por conseguinte tambeacutem eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 25minus29 e 39minus40) (ii) termos de alta generalidade (summa genera eou τὰ πᾶσιν ἑπόμενα)30 natildeo lhes eacute possiacutevel atribuir outros termos como legiacutetimos predicados ndash de fato natildeo haacute termo anterior (πρότερον) que lhes possa ser atribuiacutedo por isso tampouco eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles no entanto eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos logo tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos (conferir 43a 29minus30 e 37minus39) (iii) termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos bem como lhes atribuir outros termos como legiacutetimos predicados em razatildeo disso tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 30minus32 e 40minus42)

Assim o que prevalece eacute que Aristoacuteteles jamais afastou de sua loacutegica qualquer das trecircs classes de termos apresentadas em Primeiros Analiacuteticos I 27 muito embora tenha endereccedilado certas restriccedilotildees atributivas a algumas delas 2 Primeiros Analiacuteticos I 28 e os Axiomas de Patzig

Patzig parece entender que o capiacutetulo 27 natildeo eacute merecedor de toda a atenccedilatildeo que lhe foi concedida por Ross e Lukasiewicz O capiacutetulo 28 em sua opiniatildeo eacute bem mais promissor no que diz respeito agrave questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera31 enquanto o capiacutetulo 27

30 Como Aristoacuteteles natildeo oferece exemplos de termos desse tipo deixamos indeterminado se satildeo summa genera como propotildee Ross ou transcategoriais de generalidade total (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como prefere Lukasiewicz (cf nota 3) 31 Patzig (1959 sect3 p 6)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

26

serviria mais como discussatildeo preparatoacuteria para os assuntos tratados no capiacutetulo seguinte

De fato haacute forte unidade entre esses textos O objetivo predominante que os vincula e orienta eacute anunciado no iniacutecio do capiacutetulo 27 e consiste em mostrar ldquode que modo sempre estaremos providos de silogismos em relaccedilatildeo ao que for proposto e por qual via alcanccedilamos os princiacutepios de cada coisardquo32 O capiacutetulo 27 contribui com esse objetivo na medida em que faz recomendaccedilotildees sobre como selecionar termos e premissas e classifica os fatores silogiacutesticos segundo as funccedilotildees (sujeito e predicado) que podem desempenhar de modo irrestrito em proposiccedilotildees silogiacutesticas A contribuiccedilatildeo do capiacutetulo 28 por sua vez estaacute associada aos procedimentos de prova de cada uma das quatro formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Esses procedimentos satildeo caracterizados basicamente pela descriccedilatildeo dos paracircmetros de localizaccedilatildeo do fator capaz de mediar os extremos (τά ἄκρα) na relaccedilatildeo categoacuterica acarretada na conclusatildeo Trata-se portanto de procedimentos de busca e localizaccedilatildeo do termo mediador (τὸ μέσον)

Assim para provar por exemplo a relaccedilatildeo universal afirmativa EaA prescreve Aristoacuteteles devemos encontrar um fator comum a duas listas (i) aquela de termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e (ii) aquela de termos que se atribuem universalmente ao extremo menor E33 O resultado seraacute o mediador M tal que MaA e EaM o que perfaz um silogismo em Barbara Semelhantemente para provar a relaccedilatildeo particular afirmativa EiA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um elemento comum agraves listas de (i) termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente ou seja agraves listas de termos que cada um dos extremos E e A ldquoacompanhardquo (ἕπεσθαι ou ακολουθεῖν) Nesse caso o termo comum M seraacute tal que MaA e MaE o que nos

32 An Pr I 27 43a 20ndash21 33 An Pr I 28 43b 39ndash43

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

27

permite concluir EiA por Darapti (terceira figura)34 Por sua vez a prova da relaccedilatildeo universal negativa EeA tambeacutem se valeraacute da identificaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios a um extremo e de (ii) termos que se atribuem universalmente ao outro extremo se o mediador M comum agraves duas listas for contraacuterio ao extremo maior A e universalmente atribuiacutedo ao extremo menor E o mediador M seraacute tal que MeA e EaM ou AeM e EaM possibilitando a prova de EeA (respectivamente) por Celarent e por Cesare mas se o mediador M for contraacuterio ao extremo menor E e universalmente atribuiacutedo ao extremo maior A M seraacute tal que AaM e EeM restringindo a prova de EeA a Camestres35 Por fim para provar a relaccedilatildeo particular negativa EoA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios ao extremo maior A e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente Assim o mediador M seraacute tal que MeA e MaE o que prova EoA por Felapton36

Em todas as recomendaccedilotildees do capiacutetulo 28 Aristoacuteteles se orienta pelas conclusotildees almejadas propondo a partir delas procedimentos de busca e localizaccedilatildeo dos fatores capazes de acarretar cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas A estrateacutegia de Aristoacuteteles portanto natildeo consiste em partir de premissas e deduzir os resultados que delas se seguem mas fazendo o caminho inverso consiste em partir da conclusatildeo e buscar o termo mediador capaz de articular os extremos na relaccedilatildeo categoacuterica (a e i ou o) da conclusatildeo

Por natildeo captar a natureza invertida dessa estrateacutegia Patzig natildeo compreendeu plenamente o que Aristoacuteteles propusera e julgou que o capiacutetulo 28 muito mais que o capiacutetulo 27 impunha severas restriccedilotildees agrave lista de termos capazes de figurar em silogismos aristoteacutelicos Na verdade o capiacutetulo 28 nem sequer trata da questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera mas limita-se a descrever os paracircmetros de

34 Ibidem 43b 43ndash44a 2 35 An Pr I 44a 2ndash8 36 An Pr I 28 44a 9ndash11

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

28

localizaccedilatildeo do mediador de cada forma categoacuterica Eacute claro que ao descrever esses paracircmetros Aristoacuteteles acaba por assumir certos pressupostos que em uacuteltimo caso podem ter algum efeito sobre a lista de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica Ainda assim eacute preciso observar que as recomendaccedilotildees apresentadas no capiacutetulo 28 satildeo pensadas em relaccedilatildeo agrave prova de cada proposiccedilatildeo categoacuterica em particular Por isso os pressupostos envolvidos nessas recomendaccedilotildees bem como as eventuais restriccedilotildees de termos que lhes sejam correlatas deveratildeo ter aplicaccedilatildeo circunscrita a cada caso isto eacute aos procedimentos de prova de cada conclusatildeo em particular

Patzig parece natildeo ter dado a devida atenccedilatildeo a esse detalhe pois embora compreenda os seus axiomas como pressupostos impliacutecitos das recomendaccedilotildees de Aristoacuteteles ndash recomendaccedilotildees cuja aplicaccedilatildeo estaacute circunscrita a cada caso ndash Patzig os assume como vaacutelidos para termos de todo e qualquer silogismo37 No entanto eacute flagrante que certos silogismos natildeo dependem de alguns de seus axiomas Um arquetiacutepico silogismo em Barbara por exemplo funciona perfeitamente bem sem pressupor para qualquer de seus termos a validade do terceiro axioma isto eacute sem pressupor que exista para qualquer de seus termos (ou mesmo para qualquer de seus extremos para ser fiel ao capiacutetulo 28) um termo que lhe seja ldquocontraacuteriordquo

Ao que tudo indica o que levou Patzig a estender a validade de seus axiomas sobre todos os silogismos eacute o trecho 44a 12minus17 em que Aristoacuteteles estipula letras para as listas de termos com as quais pretende trabalhar na exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova38 Na referida passagem Aristoacuteteles considera basicamente trecircs tipos de termos que se distinguem pelo termo extremo que lhes eacute correlato bem como pela relaccedilatildeo predicativa que cada um manteacutem com esse extremo Para cada extremo Aristoacuteteles estipula (i) termos que lhe satildeo atribuiacutedos universalmente (ii) termos aos quais ele proacuteprio se atribui universalmente e (iii) termos que natildeo lhe

37 Patzig (1959) sect3 p 6ndash7 38 An Pr I 28 44a 12minus17

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

29

podem ser atribuiacutedos Os termos de primeiro tipo devem ter servido de estiacutemulo para a necessidade de termos superordenados proacuteprios que eacute marca do segundo axioma de Patzig os termos de segundo tipo por sua vez para a necessidade de termos subordinados proacuteprios marca do primeiro axioma os de terceiro por fim para a necessidade de termos ldquocontraacuteriosrdquo marca do terceiro axioma

Eacute bem verdade que os termos estipulados por Aristoacuteteles envolvem certa analogia com os axiomas propostos por Patzig Mas eacute preciso notar em primeiro lugar que nenhum dos procedimentos de prova descritos por Aristoacuteteles depende da estipulaccedilatildeo dos trecircs tipos de termos39 A recomendaccedilatildeo de prova da proposiccedilatildeo particular afirmativa por exemplo requer apenas (ii) termos aos quais os extremos se atribuem universalmente40 O fato de Aristoacuteteles jaacute estipular de antematildeo trecircs tipos de termos para cada extremo natildeo torna obrigatoacuterio que todo e qualquer extremo (e muito menos que todo e qualquer termo silogiacutestico como prefere Patzig) independentemente do silogismo a que pertenccedila dependa dos trecircs tipos de termos estipulados precisamente porque a estipulaccedilatildeo desses termos estaacute ancorada em um par de extremos que eacute muito peculiar Esse par de extremos eacute pensado com propoacutesitos didaacuteticos orientados agrave exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova de cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas (a e i e o) Trata-se de um par de extremos que em benefiacutecio da exposiccedilatildeo eacute assumido como articulaacutevel em qualquer das relaccedilotildees categoacutericas Poreacutem essa assunccedilatildeo soacute faz sentido no contexto preciso dessa exposiccedilatildeo de procedimentos de prova afinal algumas dessas relaccedilotildees categoacutericas satildeo incompatiacuteveis entre si ndash por exemplo as relaccedilotildees universal afirmativa e particular negativa Por isso devemos presumir que as estipulaccedilotildees de termos que lhes datildeo suporte tambeacutem o satildeo e portanto natildeo podem valer em conjunto e para todos os casos

39 Idem 44a 17minus30 40 Ibidem 44a 19minus21

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

30

Para esclarecer esse ponto retomemos rapidamente os procedimentos de prova das proposiccedilotildees universal afirmativa e particular negativa41 Assumindo um mesmo par de extremos como faz Aristoacuteteles estaremos diante de proposiccedilotildees contraditoacuterias (EaA e EoA) Dado que tais proposiccedilotildees satildeo incompatiacuteveis as condiccedilotildees das quais elas satildeo provenientes tambeacutem o seratildeo Dizendo de outro modo a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (i) termos aos quais o extremo maior se atribui universalmente e (ii) termos que se atribuem universalmente ao extremo menor eacute incompatiacutevel com a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (irsquo) termos aos quais o extremo maior natildeo pode ser atribuiacutedo e (iirsquo) termos aos quais o extremo menor se atribui universalmente Assim em presenccedila das condiccedilotildees de prova de uma das proposiccedilotildees incompatiacuteveis as condiccedilotildees da outra poderatildeo ser dispensadas jaacute que satildeo condiccedilotildees requeridas para uma prova cuja possibilidade jaacute natildeo existe E natildeo haacute razatildeo para manter os termos estipulados e dispensar apenas a possibilidade de um termo comum entre as listas pois ambos os pressupostos satildeo requisitados para servir um uacutenico e mesmo propoacutesito o de estabelecer condiccedilotildees para a prova da relaccedilatildeo categoacuterica que se pretende obter Natildeo haacute uma razatildeo que justifique a manutenccedilatildeo das listas de termos estipulados em detrimento da possibilidade de um termo comum entre as listas pois o propoacutesito que introduz uma exigecircncia tambeacutem introduz a outra Sob essa perspectiva fica claro que os termos estipulados no trecho 44a 12minus17 natildeo podem ser pressupostos indispensaacuteveis de quaisquer termos silogiacutesticos tampouco pressupostos que devem ser satisfeitos em conjunto por termos de todo e qualquer silogismo Afinal Aristoacuteteles estipula cada uma das listas supondo que seus termos seratildeo candidatos agrave funccedilatildeo de mediador (e natildeo agrave funccedilatildeo de termos silogiacutesticos) e o faz segundo as exigecircncias especiacuteficas envolvidas na prova de cada relaccedilatildeo categoacuterica em particular (a e i ou o) Compreender tais listas como pressupostos

41 An Pr I 28 43b 39minus43 e 44a 9minus11

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

31

que devem ser satisfeitos por todo e qualquer termo silogiacutestico eacute um equiacutevoco

Em segundo lugar o capiacutetulo 28 natildeo parece estar orientado propriamente agrave prova silogiacutestica das formas categoacutericas mas em algum sentido agrave demonstraccedilatildeo de tais relaccedilotildees Haacute indiacutecios que sugerem essa leitura O principal deles talvez seja o fato de Aristoacuteteles se mostrar interessado em localizar um meson que fica no meio do caminho entre um mediador que satisfaz requisitos meramente dedutivos e um mediador que supera tais requisitos e se configura como um fator explanatoacuterio em uma legiacutetima demonstraccedilatildeo cientiacutefica42 Retomemos por exemplo as recomendaccedilotildees de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) Em 43b 43ndash44a 2 Aristoacuteteles recomenda a prova de EiA por premissas universais conduzindo a prova a um silogismo em Darapti embora admita a possibilidade de concluir proposiccedilotildees particulares a partir de um par de premissas em que apenas uma eacute universal (41b 22minus27) Em 44a 9ndash11 a exemplo do que ocorre com a prova de EiA Aristoacuteteles recomenda a prova de EoA novamente por premissas universais desta vez conduzindo a prova a um silogismo em Felapton Essas duas recomendaccedilotildees de prova pressupotildeem que o meson requisitado para a prova natildeo eacute um mediador meramente dedutivo mas um mediador que se articula com os extremos exclusivamente por relaccedilotildees universais Eacute claro que esse cenaacuterio ainda estaacute muito distante daquele que temos por exemplo no capiacutetulo 2 do Livro II de Segundos

42 Em uma demonstraccedilatildeo cientiacutefica natildeo basta que o mediador se relacione com os extremos de tal modo que a deduccedilatildeo da conclusatildeo esteja formalmente assegurada Aristoacuteteles ainda exige que o mediador satisfaccedila certos requisitos natildeo formais O principal deles eacute o de explicar adequadamente por que o extremo maior se atribui ao extremo menor (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 por exemplo essa diferenccedila (entre um mediador que satisfaz exigecircncias meramente dedutivas e um mediador que funciona como explicaccedilatildeo do fato relatado na conclusatildeo) eacute utilizada como criteacuterio baacutesico para distinguir o conhecimento de que C eacute A (conhecimento do fato) e o conhecimento de por que C eacute A (conhecimento da causa)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

32

Analiacuteticos (90a 6minus7) em que o meson eacute pensado como a causa que explica por que a relaccedilatildeo dada entre os extremos explicitada na conclusatildeo da demonstraccedilatildeo eacute o caso Mesmo assim temos o suficiente para mostrar que Aristoacuteteles natildeo estaacute levando em conta todos os silogismos de seu sistema loacutegico mas apenas aqueles nos quais ambas as premissas satildeo universais Por que razatildeo exatamente Aristoacuteteles faz essa escolha eacute algo a se investigar O que nos importa eacute que essa escolha restringe o escopo do capiacutetulo a um grupo especiacutefico de silogismos o que natildeo eacute compatiacutevel com a validade irrestrita dos axiomas propostos por Patzig

Em terceiro lugar Aristoacuteteles natildeo lida com as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo proacutepria superordenaccedilatildeo proacutepria e contrariedade mas prefere (i) termos que acompanham o extremo (τὰ ἑπόμενα) (ii) termos aos quais o extremo acompanha (οἷς αὐτὸ ἕπεται) e (iii) termos que natildeo podem ser atribuiacutedos ao extremo (ἃ μὴ ἐνδέχεται αὐτῷ ὑπάρχειν) Essa diferenccedila natildeo eacute apenas terminoloacutegica mas conceitual As relaccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias pressupotildeem termos que natildeo satildeo coextensivos se X eacute um termo subordinado proacuteprio de Y XaY eacute o caso mas YaX natildeo se Z eacute um termo superordenado proacuteprio de Y YaZ eacute o caso mas ZaY natildeo O proacuteprio Patzig reconhece essas consequumlecircncias ao formular os seus dois primeiros axiomas43 Aristoacuteteles no entanto ao se valer das relaccedilotildees de ldquoacompanhamentordquo entre os termos natildeo hesita em rejeitaacute-las No capiacutetulo 29 por exemplo Aristoacuteteles menciona a possibilidade de provar por hipoacutetese (συλλογίσασθαι ἐξ ὑποθέσεως) os problemas universais (a e e) assumindo precisamente a possibilidade de coextensatildeo entre os termos envolvidos possibilidade da qual Patzig parece prescindir ao formular seus axiomas A passagem agrave qual nos referimos eacute a seguinte

εἰ γὰρ τὸ Γ καὶ τὸ Η ταὐτὰ εἴη μόνοις δὲ ληφθείη τοῖς Η τὸ Ε ὑπάρχειν παντὶ ἂν τῷ Ε τὸ Α ὑπάρχοι καὶ πάλιν εἰ τὸ Δ καὶ Η ταὐτὰ μόνων δὲ τῶν Η τὸ Ε κατηγοροῖτο ὅτι οὐδενὶ τῷ Ε τὸ Α ὑπάρξει

43 Patzig (1959 sect3 p 6ndash7)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

33

Com efeito se C e G fossem o mesmo mas se assumisse que E se atribui apenas aos Grsquos A se atribuiria a todo E Novamente se D e G fossem o mesmo mas E se afirmasse apenas dos Grsquos A se atribuiraacute a nenhum E (45b 24minus27)

Em 44a 12minus17 Aristoacuteteles jaacute havia estipulado que a letra C representaria um termo ao qual o extremo maior A acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente tambeacutem foi estipulado que a letra G representaria um termo ao qual o extremo menor E acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente por fim ainda ficou decidido que a letra D representaria um termo que natildeo pode ser atribuiacutedo ao extremo maior A Assim a identidade entre C e G a exemplo do que ocorre em 44a 19minus21 conduz a prova de EiA a um silogismo em Darapti ao passo que a identidade entre D e G a exemplo do que ocorre em 44a 28minus30 conduz a prova de EoA a um silogismo em Felapton44 No entanto nessa passagem embora os procedimentos de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) sejam acionados aquilo que se quer mostrar eacute de que modo podemos provar por hipoacutetese (ἐξ ὑποθέσεως) as proposiccedilotildees universais Para alcanccedilar esse resultado Aristoacuteteles assume que o extremo menor E se atribui apenas (μόνον) a G o que pode ser interpretado como uma maneira diferente de dizer que E e G satildeo termos coextensivos Sinal disso eacute o seguinte ao assumir que E se atribui apenas a G Aristoacuteteles se vecirc autorizado a concluir as proposiccedilotildees universais EaA e EeA o que soacute faz sentido sob o pressuposto de que G e E satildeo termos coextensivos De fato sob tal pressuposto a premissa menor GaE pode ser ldquoconvertidardquo em EaG o que transforma Darapti em Barbara bem como Felapton em Celarent Mas se os termos aos quais o extremo menor E acompanha forem pensados como termos subordinados proacuteprios de E GaE seraacute o caso mas EaG natildeo Por conseguinte tampouco as conclusotildees EaA e EeA se seguiriam Assim se quisermos conferir sentido agrave passagem temos que assumir que Aristoacuteteles recorreu agrave possibilidade de construir silogismos com termos

44 Darapti CaA GaE rarr EiA (C=G) Felapton DeA GaE rarr EoA (D=G)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

34

que satildeo coextensivos e se assim for podemos dizer que para Aristoacuteteles a presenccedila de silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos em sua loacutegica natildeo causava qualquer inconveniente45

Segundo nos parece as razotildees alegadas ateacute aqui jaacute satildeo suficientes para mostrar que os axiomas de Patzig natildeo podem servir como criteacuterios delimitadores de termos silogiacutesticos Ainda assim vale a pena examinar duas passagens que eventualmente poderiam ser invocadas contra a interpretaccedilatildeo que propomos Embora natildeo sejam citadas pelos proponentes das opiniotildees tradicionais natildeo eacute difiacutecil imaginar que elas tenham servido de inspiraccedilatildeo para aqueles que defendem a exclusatildeo dos termos transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo De fato agrave primeira vista tais passagens podem nos levar a pensar que Aristoacuteteles natildeo guardou lugar para tais termos na silogiacutestica No entanto como veremos isso soacute eacute verdade agrave primeira vista

45 O capiacutetulo 29 natildeo eacute a uacutenica evidecircncia de silogismos com termos coextensivos na silogiacutestica No capiacutetulo 5 do Livro II de Primeiros Analiacuteticos precisamente em 57b 35minus58a 12 Aristoacuteteles trabalha com silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos Por sua vez no capiacutetulo 22 em 67b 27minus32 Aristoacuteteles inicia o texto dizendo que a coextensatildeo entre os termos extremos de um silogismo requer um mediador tambeacutem coextensivo o que revela por parte de Aristoacuteteles plena consciecircncia a respeito da existecircncia de silogismos com triacuteades coextensivas Nos Segundos Analiacuteticos o interesse de Aristoacuteteles por demonstraccedilotildees que envolvem termos coextensivos pode ser classificado como uma obsessatildeo Basta notar que a proacutepria demonstraccedilatildeo universal ndash aquela que eacute considerada por Aristoacuteteles como cientiacutefica no mais alto grau ndash tem como uma de suas principais caracteriacutesticas a coextensatildeo entre os trecircs termos do silogismo (cf Seg An I 4 73b 32minus74a 3) o que revela o papel central das triacuteades coextensivas no projeto aristoteacutelico que eacute inaugurado com a silogiacutestica e culmina nas demonstraccedilotildees cientiacuteficas (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 e II 16 Aristoacuteteles novamente recorre a termos coextensivos na formulaccedilatildeo de silogismos A nossa preferecircncia pela passagem 45b 24minus27 do capiacutetulo 29 de Primeiros Analiacuteticos se daacute apenas com base em sua conexatildeo indiscutiacutevel com o capiacutetulo 28 no qual Patzig julga encontrar seus axiomas

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

35

Uma das passagens agraves quais nos referimos eacute aquela com a qual Aristoacuteteles encerra o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I Vejamos o que diz Aristoacuteteles

ἔτι τὰ πᾶσιν ἑπόμενα οὐκ ἐκλεκτέον οὐ γὰρ ἔσται συλλογισμὸς ἐξ αὐτων διrsquo ἣν δrsquo αἰτίαν ἐν τοῖς ἑπομένοις ἔσται δῆλον Aleacutem disso natildeo eacute preciso selecionar os itens que acompanham todas as coisas pois natildeo haacute silogismo a partir deles A razatildeo disso ficaraacute evidente a seguir (43b 36minus38)

Essa passagem trata dos termos transcategoriais de generalidade total (τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) e delega a justificativa de seu proacuteprio pronunciamento ao capiacutetulo seguinte no qual Patzig encontrou inspiraccedilatildeo para seus axiomas No capiacutetulo 28 cumprindo o prometido Aristoacuteteles retoma esse assunto e reitera a impossibilidade de construir silogismos a partir de termos de generalidade total

φανερὸν οὖν ὅτι διὰ τῶν προειρημένων σχημάτων οἱ συλλογισμοὶ πάντες καὶ ὅτι οὐκ ἐκλεκτέον ὅσα πᾶσιν ἕπεται διὰ τὸ μηδένα γίγνεσθαι συλλογισμὸν ἐξ αὐτῶν κατασκευάζειν μὲν γὰρ ὅλως οὐκ ἦν ἐκ τῶν ἑπομένων ἀποστερεῖν δrsquo οὐκ ἐνδέχεται διὰ τοῦ πᾶσιν ἑπομένου δεῖ γὰρ τῷ μὲν ὑπάρχειν τῷ δὲ μὴ ὑπάρχειν Eacute evidente entatildeo que todos os silogismos vecircm a ser atraveacutes das figuras previamente mencionadas e que natildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisas porque nenhum silogismo vem a ser a partir deles De fato de modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanham e natildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outro (44b 19minus24)

Fora de contexto e em uma leitura mais apressada essas duas passagens podem nos levar a crer que a opiniatildeo tradicional que afasta da silogiacutestica os termos de generalidade total (como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) de fato encontra respaldo nos textos de Aristoacuteteles No entanto mais uma vez eacute preciso levar em conta que o capiacutetulo 28 eacute marcado pela

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

36

descriccedilatildeo de estrateacutegias de localizaccedilatildeo de termos mediadores e natildeo de termos em geral Dizendo de outro modo Aristoacuteteles natildeo estaacute interessado em localizar os termos que deveratildeo encerrar a conclusatildeo de um silogismo pelo contraacuterio tais termos jaacute estatildeo plenamente determinados bem como a relaccedilatildeo proposicional (a e i e o) que haacute entre eles dado que a conclusatildeo na qual interagem funciona como ponto de partida da investigaccedilatildeo empreendida no capiacutetulo O que interessa para Aristoacuteteles eacute a localizaccedilatildeo de termos mediadores e eacute nesse horizonte que tais passagens devem ser lidas Assim ao negar a possibilidade de construir silogismos a partir de termos transcategoriais de generalidade total (ἐξ αὐτῶν) o que Aristoacuteteles quer dizer eacute que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos46 nos quais a funccedilatildeo de mediador seja desempenhada por um termo desse tipo razatildeo pela qual na busca pelo mediador recomenda Aristoacuteteles ldquonatildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisasrdquo (44b 20minus21) Para justificar essa recomendaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta duas razotildees (i) ldquode modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanhamrdquo (44b 22minus23) (ii) ldquonatildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outrordquo (44b 23minus24) Na primeira razatildeo Aristoacuteteles parece reconsiderar as listas de termos estipuladas no trecho 44a 11minus17 pressupondo ao que tudo indica que os transcategoriais de generalidade total soacute podem figurar em listas de termos que acompanham os extremos Isso se justificaria pela natureza inapta de tais termos para o papel de sujeito em proposiccedilotildees silogiacutesticas conforme se constata no capiacutetulo I 27 Assim na medida em que nas provas afirmativas a busca pelo mediador natildeo envolve

46 Na verdade como o escopo do capiacutetulo 28 natildeo abarca todo e qualquer silogismo seria mais correto dizer que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos (nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas) assumindo um termo de generalidade total na funccedilatildeo de mediador

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

37

apenas a lista de termos que acompanham um dos extremos mas tambeacutem a lista de termos aos quais um dos extremos acompanha (ver 43b 39minus44a 2) os transcategoriais de generalidade total perdem a candidatura agrave funccedilatildeo de mediador e jaacute de saiacuteda nem sequer precisam ser considerados47 Na segunda razatildeo por sua vez Aristoacuteteles leva em conta o fato de que as provas negativas dependem de um mediador capaz de figurar em proposiccedilotildees universais negativas verdadeiras exigecircncia que natildeo estaacute no alcance dos termos de generalidade total Afinal se estamos diante de um transcategorial desse tipo de antematildeo jaacute assumimos a inexistecircncia de um termo do qual ele natildeo seja predicado Assim os termos de generalidade total ficam impedidos de serem atribuiacutedos a um extremo e natildeo atribuiacutedos ao outro (44b 24) como deve ser o mediador de um silogismo negativo

O que eacute verdade portanto eacute que Aristoacuteteles dispensa os termos de generalidade total da funccedilatildeo de mediador De fato quando se pretende construir silogismos nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas tal como ocorre no capiacutetulo 28 a busca do mediador entre transcategoriais de generalidade total eacute sempre infrutiacutefera porque soacute poderaacute devolver como resposta pretensos fatores de mediaccedilatildeo marcados por duas deficiecircncias principais a

47 Supomos que em tais passagens Aristoacuteteles de fato tem em mente as recomendaccedilotildees de prova apresentadas no iniacutecio do capiacutetulo 28 de modo que apenas os silogismos em Barbara e Darapti sejam considerados como silogismos afirmativos (cf 43b 39minus44a 2) Assim entendemos que o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 se justificaria porque os termos de generalidade total na prova de a natildeo podem integrar a lista de termos aos quais o extremo maior acompanha bem como na prova de i a lista de termos aos quais ambos os extremos acompanham No entanto ainda que os demais silogismos afirmativos sejam levados em conta o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 continua verdadeiro jaacute que Darii Disamis e Datisi tambeacutem exigem que o mediador esteja entre os termos aos quais o(s) extremo(s) acompanha(m)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

38

impossibilidade de desempenhar a funccedilatildeo de sujeito de modo legiacutetimo e a incapacidade de compor proposiccedilotildees negativas verdadeiras

Nenhuma das passagens mencionadas acima (43b 36minus38 e 44b 19minus24) eacute citada ndash nem por Lukasiewicz nem por Patzig ndash como evidecircncia de que Aristoacuteteles teria rejeitado os termos de generalidade total em seu sistema loacutegico Poreacutem diante da escassez de evidecircncias em favor da suposta exclusatildeo de tais termos natildeo eacute insensato presumir que os proponentes dessa exclusatildeo tenham encontrado inspiraccedilatildeo nelas

Na proacutexima seccedilatildeo examinaremos textos nos quais Aristoacuteteles constroacutei silogismos com termos de natureza singular Veremos que o incocircmodo com a presenccedila de tais termos na silogiacutestica eacute menos de Aristoacuteteles e mais de seus inteacuterpretes 3 Termos Singulares e o Silogismo Peripateacutetico

Jaacute comentamos o fato de Lukasiewicz ter feito pesadas criacuteticas agrave silogiacutestica em especial ao suposto fato de Aristoacuteteles ter afastado os termos de natureza singular de seu sistema loacutegico o que seria segundo Lukasiewicz ldquoo maior defeitordquo da loacutegica aristoteacutelica48 Ao que parece o responsaacutevel por levaacute-lo por esse caminho foi Ross que tomou nota do tambeacutem suposto fato de Aristoacuteteles nunca se valer de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos49 Lukasiewicz reiterou a constataccedilatildeo de Ross (embora natildeo o cite) e nela encontrou razatildeo para natildeo reconhecer como rigorosamente aristoteacutelico o silogismo que qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo silogismo formulado em primeira figura com um nome proacuteprio como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo

De acordo com a triparticcedilatildeo de termos que pudemos conhecer no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I (Seccedilatildeo II Parte 1) natildeo temos qualquer razatildeo para expulsar da silogiacutestica os termos de natureza singular Eacute

48 Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect3 p 6) 49 Ross (1949 p 289 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

39

claro que Aristoacuteteles natildeo deixa de lhes endereccedilar certas restriccedilotildees poreacutem vale a pena repetir nenhuma das restriccedilotildees introduzidas por Aristoacuteteles no referido capiacutetulo tem forccedila suficiente para expulsar os termos singulares da loacutegica aristoteacutelica De fato embora tais termos natildeo possam figurar em proposiccedilotildees como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nada impede que outros termos lhes sejam atribuiacutedos por conseguinte embora natildeo possam ser demonstrados como legiacutetimos predicados de outros termos nada impede que outros termos sejam demonstrados como predicados deles50

Fora dos Analiacuteticos jaacute esbarramos em indiacutecios que vatildeo nessa direccedilatildeo No capiacutetulo 10 de Metafiacutesica XIII (My) por exemplo haacute uma breve passagem que sugere esse resultado Enquanto argumenta em favor da tese de que ldquoo conhecimento eacute de universaisrdquo (ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου) Aristoacuteteles parece supor que os termos singulares ldquoeste triacircngulordquo e ldquoeste homemrdquo tambeacutem satildeo suscetiacuteveis de operaccedilotildees silogiacutesticas

[] ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου δῆλον δrsquo ἐκ τῶν ἀποδείξεων καὶ τῶν ὁρισμῶν οὐ γὰρ γίγνεται συλλογισμὸς ὅτι τόδε τὸ τρίγωνον δύο ὀρθαῖς εἰ μὴ πᾶν τρίγωνον δύο ὀρθαί οὐδrsquo ὅτι ὁδὶ ὁ ἄνθρωπος ζῷον εἰ μὴ πᾶς ἄνθρωπος ζῷον [] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos a natildeo ser que todo triacircngulo possua dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal a natildeo ser que todo homem seja animal (1086b 34minus37)

Poreacutem essa passagem natildeo eacute tatildeo simples quanto pode parecer agrave primeira vista51 Paul Shorey por exemplo reprovaria jaacute a traduccedilatildeo que

50 An Pr I 27 43a 25minus29 e 39minus40 Ao comentar o capiacutetulo 27 Mignucci (1969 p 443) tambeacutem reconhece a possibilidade ldquodi costruire dimostrazioni e sillogismi anche relativamente a singolarirdquo citando Alexandre que tambeacutem jaacute a observa em seus comentaacuterios (An Pr p 293 13minus23) 51 Shorey (1913)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

40

propomos porque ela faz crer que Aristoacuteteles estabelece uma relaccedilatildeo de dependecircncia dedutiva (silogiacutestica) entre proposiccedilotildees dependecircncia que de fato existe mas da qual para Shorey a passagem em questatildeo natildeo trataria De acordo com Shorey as ocorrecircncias de εἰ μὴ nas linhas 33 e 36 natildeo significam ldquo[] lsquounlessrsquo but is to be taken in its idiomatic sense as a virtual equivalent of ἀλλάrdquo Nesse caso uma traduccedilatildeo mais fiel agrave posiccedilatildeo de Shorey seria a seguinte

[] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos mas de que todo triacircngulo tem dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal mas de que todo homem eacute animal (1086b 34minus37)

Assim o texto estabeleceria natildeo que as proposiccedilotildees singulares no papel de conclusotildees silogiacutesticas satildeo (dedutivamente) dependentes das proposiccedilotildees universais mas que as conclusotildees propriamente silogiacutesticas satildeo universais (universalmente quantificadas) e natildeo singulares

Ross52 ao tratar dessa passagem natildeo deixa de comentar a posiccedilatildeo de Shorey

He [Shorey] argues that in l 33 knowledge is said to be lsquoofrsquo universals ie to have universal conclusions as well as universal premises [hellip] and that singular propositions never occur as conclusions in Aristotlersquos logical writings

Na verdade Shorey53 natildeo chega a dizer que proposiccedilotildees singulares nunca ocorrem como conclusotildees silogiacutesticas nos escritos loacutegicos de Aristoacuteteles embora passe perto disso

The syllogism with a particular54 conclusion is an inferior type (Analyt Post 79a 25ff) [hellip] Aristotle does not recognize singular proposition in his classification (Analyt Priora A1 Grote Aristotle I 205) and the

52 Ross (1953 p 464) 53 Shorey (1913 p 91) 54 Nesse contexto Shorey assume ldquoparticularrdquo e ldquosingularrdquo como equivalentes

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

41

conclusion to an individual case interests him very little and is practically ignored

Shorey tem alguma razatildeo em alegar que os silogismos que concluem proposiccedilotildees singulares (tambeacutem conhecidos como ldquoperipateacuteticosrdquo) satildeo de um tipo inferior especialmente quando se leva em conta o horizonte das demonstraccedilotildees cientiacuteficas55 mas erra quando recorre ao trecho 79a 25ss para dar base textual a tal alegaccedilatildeo ndash o referido trecho nem mesmo trata desse assunto Por sua vez e contra Shorey Ross56 surpreende ao alegar o seguinte

There are however occasional references in Aristotle to the occurrence of singular propositions as the minor premise or conclusion of syllogisms (eg An Pr 43a 37minus40) []

55 Para Aristoacuteteles o silogismo dito cientiacutefico no mais alto grau eacute a chamada demonstraccedilatildeo universal Eacute importante notar que aqui o adjetivo ldquouniversalrdquo tem um sentido muito preciso e natildeo se justifica pela mera ocorrecircncia de uma conclusatildeo universalmente quantificada Em Segundos Analiacuteticos I 4 73b 32minus74a 3 por exemplo Aristoacuteteles argumenta que a demonstraccedilatildeo universal natildeo conclui que todo isoacutesceles tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos mas que todo triacircngulo tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos revelando um requisito que envolve o ajuste preciso do extremo menor a partir de condiccedilotildees estabelecidas pelo extremo maior (cf Seg An I 5 74a 4minus6 13minus17 25minus32 74b 21minus26 I 24 85b 4minus15) Para Aristoacuteteles o predicado ldquoter a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retosrdquo ndash daqui para frente apenas ldquo2Rrdquo ndash se atribui a ldquoisoacutescelesrdquo de um modo que em algum sentido eacute parasitaacuterio da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo dado que isoacutesceles tem 2R na exata medida em que eacute triacircngulo Em outras palavras a atribuiccedilatildeo de ldquo2Rrdquo a ldquoisoacutescelesrdquo eacute entendida como indireta e dependente da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo Nesse contexto eacute natural presumir que um silogismo peripateacutetico seja concebido como inferior em relaccedilatildeo aos demais minus especialmente no que diz respeito ao grau de cientificidade minus jaacute que sua conclusatildeo natildeo poderaacute satisfazer as exigecircncias de uma legiacutetima conclusatildeo cientiacutefica tal como ocorre em uma demonstraccedilatildeo universal Jaacute quanto agraves propriedades dedutivas envolvidas em tal silogismo natildeo haacute razatildeo para consideraacute-lo inferior Para apreciaccedilatildeo detalhada da noccedilatildeo de demonstraccedilatildeo universal ver Angioni (2007) 56 Ross (1953 p 464)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

42

Ross supotildee que o argumento de Shorey pretende estabelecer a exclusatildeo dos termos singulares do domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica e aponta a passagem 43a 37minus40 como evidecircncia textual incompatiacutevel com essa exclusatildeo Temos aqui uma mudanccedila de opiniatildeo De fato conforme pudemos ver na primeira seccedilatildeo deste artigo ao tratar do trecho 43a 37minus43 na ediccedilatildeo comentada do texto grego de Primeiros e Segundos Analiacuteticos Ross chega a dizer que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares em seus exemplos de silogismos e argumenta em favor de uma silogiacutestica restrita a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ)57 Agora ao comentar a passagem 1086a 34minus37 de Metafiacutesica XIII (My) 10 Ross reconhece no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I uma evidecircncia em favor da inclusatildeo dos termos singulares na silogiacutestica Aparentemente o proacuteprio Ross natildeo tinha muita convicccedilatildeo a respeito da inclusatildeo ou exclusatildeo dos termos de natureza singular

De nossa parte admitimos que a passagem 1086a 34minus37 eacute digna da controveacutersia introduzida por Shorey ndash embora tenhamos mais apreccedilo pela interpretaccedilatildeo de Ross No entanto mesmo que Shorey tenha razatildeo a respeito do referido trecho de Metafiacutesica XIII (My) 10 a presenccedila de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares na silogiacutestica natildeo estaraacute ameaccedilada porque ainda podemos nos valer de passagens muito mais promissoras para decidir essa questatildeo passagens nas quais o proacuteprio Aristoacuteteles elabora cocircmputos silogiacutesticos com termos singulares como se a presenccedila deles na silogiacutestica natildeo lhe figurasse como uma anomalia

Patzig tinha conhecimento dessas passagens e fez questatildeo de citaacute-las no primeiro capiacutetulo de seu livro corrigindo o suposto fato alegado por Ross e Lukasiewicz de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos exemplos de silogismos que aparecem em Primeiros Analiacuteticos No entanto Patzig natildeo recorre a tais passagens a fim de reintroduzir os termos singulares na silogiacutestica mas procura

57 Idem 1949 p 384

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

43

desqualificaacute-las e assim reiterar os resultados de seus antecessores De fato embora reconheccedila as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 do Livro I bem como de ldquoPitacosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II Patzig manteacutem a posiccedilatildeo tradicional que afasta os termos de natureza singular da loacutegica aristoteacutelica alegando apenas que a ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo (70a 16minus20) se daacute em um silogismo invaacutelido ao passo que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo (47b 15ss) aparecem em premissas das quais nada se segue58

Eacute bem verdade que as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 de Primeiros Analiacuteticos I estatildeo associadas a pares de premissas dos quais nenhuma conclusatildeo se segue coisa que o proacuteprio Aristoacuteteles natildeo hesita em admitir No entanto embora sejam inconcludentes esses pares de premissas acomodam seus termos em disposiccedilotildees muito similares agravequelas de um silogismo vaacutelido (Barbara)59 o que lhes confere as feiccedilotildees de que satildeo concludentes quando na verdade natildeo o satildeo De acordo com Aristoacuteteles o que os impede de serem concludentes eacute o fato de que a premissa maior natildeo eacute universal60 Em 47b 26minus28 essa justificativa eacute apresentada por meio de um pronunciamento que merece alguma atenccedilatildeo Aristoacuteteles anuncia o fato de a premissa maior natildeo ser universal como quem supotildee que fosse ela universal o problema estaria resolvido e assim o par de premissas seria concludente61 Ora na medida em que Aristoacuteteles atribui o caraacuteter inconcludente dos pares de premissas precisamente agraves premissas maiores (e natildeo agraves premissas menores nas quais ocorrem os termos singulares) presume-se que esses termos natildeo introduzem qualquer caracteriacutestica censuraacutevel nos silogismos ali formulados Assim o fato de que natildeo estamos diante de pares de premissas concludentes por si soacute natildeo eacute

58 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 59 An Pr I 33 47b 21minus37 60 Idem 47b 26minus29 34minus37 e 38minus39 61 O uso contrafactual de ἔδει na linha 27 sugere essa leitura

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

44

suficiente para recusar ao capiacutetulo 33 o papel de evidecircncia em favor de tais termos na silogiacutestica62

Quanto agrave ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo em Primeiros Analiacuteticos II 27 (70a 16minus20) Patzig tem alguma razatildeo em alegar que ela se daacute em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido No entanto eacute preciso ajustar essa alegaccedilatildeo porque Aristoacuteteles natildeo descreve o argumento em questatildeo propriamente como um silogismo mas como um sinal (σημεῖον) e ao que parece um sinal e um silogismo ndash um legiacutetimo silogismo e natildeo um mero entimema ndash estatildeo longe de ser a mesma coisa63 Aleacutem disso temos uma ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo no mesmo capiacutetulo que eacute bem mais relevante para a discussatildeo mas que foi completamente ignorada pelos comentadores

Em 70a 26minus28 Aristoacuteteles formula dois silogismos nos quais aparece o termo singular ldquoPitacosrdquo Um deles eacute descrito como refutaacutevel (λύσιμος)64 basicamente porque a conclusatildeo natildeo se segue das premissas65 Natildeo precisamos nos deter nele Por ora o silogismo que fora introduzido algumas linhas antes e que foi descrito por Aristoacuteteles como irrefutaacutevel (ἄλυτος)66 eacute muito mais interessante Esse silogismo tem exatamente a formulaccedilatildeo paradigmaacutetica que Lukasiewicz qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo e agrave qual negou lugar na loacutegica aristoteacutelica Vale a pena citar essa passagem para marcar bem a presenccedila desse tipo de silogismo na loacutegica de Aristoacuteteles

62 M Malink (2009 p 119) por exemplo contrariando Patzig aponta o capiacutetulo I 33 minus bem como II 27 do qual trataremos a seguir minus como evidecircncia em favor de termos singulares na silogiacutestica Ver tambeacutem Mignucci ldquoAristotlersquos Theory of Predicationrdquo p 10 ldquoParts Quantification and Aristotelian Predicationrdquo p 11 e Barnes ldquoTruth etcrdquo p 158-166 63 An Pr II 27 70a 24minus25 64 Ibidem 30minus31 e 34minus35 65 Ibidem 27minus28 e 30minus32 66 Ibidem 29

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

45

Ἐὰν μὲν οὖν ἡ μία λεχθῇ πρότασις σημεῖον γίνεται μόνον ἐὰν δὲ καὶ ἡ ἑτέρα προσληφθῇ συλλογισμός οἷον ὅτι Πιττακὸς ἐλευθέριος οἱ γὰρ φιλότιμοι ἐλευθέριοι Πιττακὸς δὲ φιλότιμος Assim se somente uma premissa for assumida haacute apenas um sinal ao passo que se a outra premissa tambeacutem for assumida entatildeo haacute um silogismo por exemplo lsquoPitacos eacute destemido pois os homens de brio satildeo destemidos e Pitacos eacute homem de briorsquo (70a 24minus27)67

A descriccedilatildeo eacute inusitada porque Aristoacuteteles comeccedila pela conclusatildeo Mas isso natildeo prejudica o resultado a que queremos chegar O nome proacuteprio ldquoPitacosrdquo eacute sem duacutevida o extremo menor que aparece como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo ldquodestemidordquo eacute o extremo maior predicado da premissa maior e da conclusatildeo por fim a funccedilatildeo de mediador fica por conta de ldquohomem de briordquo Em uma reconstituiccedilatildeo um pouco mais formalizada temos o seguinte silogismo todo homem de brio eacute destemido Pitacos eacute (um) homem de brio logo Pitacos eacute destemido

O leitor mais desconfiado talvez hesite em aceitar que a premissa maior ldquoos homens de brio satildeo destemidosrdquo possa ser formalizada com um quantificador universal mas haacute sinais claros de que eacute assim que devemos concebecirc-la Em primeiro lugar Aristoacuteteles reconhece a legitimidade desse silogismo e supotildee que a conclusatildeo decorre das premissas o que por si soacute jaacute pressupotildee a universalidade da premissa maior Caso contraacuterio a conclusatildeo natildeo se impotildee Em segundo lugar haacute um pequeno detalhe que causa surpresa nesse capiacutetulo e que merece atenccedilatildeo de nossa parte Aristoacuteteles justifica o caraacuteter irrefutaacutevel do mencionado silogismo alegando que se trata de um silogismo universal (καθόλου γὰρ ἐστιν cf 70a 30) Ora como se sabe Aristoacuteteles descreve como universais precisamente aqueles silogismos nos quais a conclusatildeo eacute universal quais sejam Barbara Celarent Cesare e Camestres Por isso ao caracterizar o ldquosilogismo peripateacuteticordquo como um silogismo universal

67 As traduccedilotildees de φιλότιμος e ἐλευθέριος certamente satildeo discutiacuteveis mas em nada afetam os nossos objetivos

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

46

Aristoacuteteles pode querer sinalizar que em algum sentido a conclusatildeo ldquoPitacos eacute destemidordquo deva ser compreendida como uma proposiccedilatildeo fundada em uma atribuiccedilatildeo universal68 como se o referido ldquosilogismo peripateacuteticordquo precisamente em razatildeo disso fosse digno do mesmo status concedido aos demais silogismos universais (Barbara Celarente Cesare e Camestres) Essa leitura sugere que a concepccedilatildeo aristoteacutelica de atribuiccedilatildeo universal talvez deva ser repensada jaacute que ela daacute sinais de se estender sobre casos para os quais natildeo cabe falar em quantificadores (universais) ndash eacute o que parece ocorrer no ldquosilogismo peripateacuteticordquo acima mencionado

O aprofundamento desse ponto no entanto eacute algo que ultrapassa o escopo da presente investigaccedilatildeo e seu exame deve ser deixado para outra ocasiatildeo A essa altura o objetivo principal desta seccedilatildeo jaacute nos parece ter sido alcanccedilado pois consiste apenas em mostrar o que os leitores menos versados nos Analiacuteticos jaacute perceberam haacute muito tempo a saber que o chamado ldquosilogismo peripateacuteticordquo natildeo soacute faz parte da loacutegica aristoteacutelica mas mais do que isso ainda pode desfrutar de um lugar privilegiado no interior da silogiacutestica entre os chamados ldquosilogismos universaisrdquo Diante desse quadro natildeo haacute duacutevida de que os termos de natureza singular tecircm lugar garantido na loacutegica de Aristoacuteteles69

68 Provavelmente foi inspirado em passagens como essa que J N Keynes (1906 p 102) sugeriu conceber as proposiccedilotildees singulares como uma subclasse de proposiccedilotildees universais Lukasiewicz tomou nota dessa possibilidade e a considerou totalmente equivocada Mas para isso ignorou completamente o trecho 70a 24minus30 69 Agradeccedilo ao professor Lucas Angioni (Unicamp) pela prontidatildeo na leitura de versotildees preacutevias deste artigo pelas indicaccedilotildees de passagens para reforccedilar o argumento e pelas alteraccedilotildees de texto sugeridas as quais certamente contribuiacuteram para melhorar o resultado final aqui apresentado Agradeccedilo tambeacutem aos professores Raphael Zillig (UFRGS) e Inara Zanuzzi (UFRGS) pela oportunidade de discutir alguns resultados provisoacuterios deste artigo no Seminaacuterio sobre Primeiros Analiacuteticos I 27 organizado pelo professor Raphael e realizado na UFRGS no ano de 2011 Por fim tambeacutem agradeccedilo aos

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

47

REFEREcircNCIAS

ANGIONI L ldquoO Conhecimento Cientiacutefico no Livro I dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesrdquo Revista de Filosofia Antiga (online) vol 1 n 1 2007 (httpwwwfilosofiaantigacomdocuments23html)

BARNES J (ed) Aristotle Prior Analytics (trans by A J Jenkinson in Barnes 1984 vol 1 p 39minus113)

mdashmdashmdashmdash Truth etc Six Lectures on Ancient Logic Oxford Clarendon Press 2007

BOCHENSKI J Ancient Formal Logic Amsterdam North-Holland Publishing 1951

CORCORAN J ldquoCompleteness of an Ancient Logicrdquo Journal of Symbolic Logic 37 696minus702 1972

KEYNES J N Studies and Exercises in Formal Logic (fourth edition rewritten and enlarged) New York The Macmillan Company 1906

LUKASIEWICZ J Aristotlersquos Syllogistic from the Standpoint of Modern Formal Logic Oxford Clarendon Press 1951

MALINK M ldquoA Non-Extensional Notion of Conversion in the Organonrdquo Oxford Studies in Ancient Philosophy Vol XXXVII p 106minus141 Oxford University Press 2009

MIGNUCCI M Aristotele Gli analitici primi ndash Traduzione introduzione e commento Naples Loffredo 1969

companheiros de pesquisa Francine Maria Ribeiro e Mateus Ricardo Fernandes Ferreira (UEMminusPR) pela leitura das primeiras versotildees desse texto e pelas proveitosas sugestotildees que me fizeram

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

48

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Theory of Predication in I Angelilli and M Cerezo (eds) Studies in the History of Logic 1minus20 Berlin 1996

mdashmdashmdashmdash Parts Quantification and Aristotelian Predication Monist 83 3minus21 2000

PATZIG G Aristotlersquos Theory of the Syllogism A Logico-Philosophical Study of Book A of the Prior Analytics Translated by Jonathan Barnes Dordrecht Reidel 1959

ROSS W D Aristotlersquos Prior and Posterior Analytics Oxford Clarendon Press 1949

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Metaphysics Oxford Clarendon Press 1953 (1924)

SHOREY P ldquoA Note on Aristotlersquos Metaphysics 1086b 32minus37rdquo Classical Philology Vol 8 n 1 pp 90minus92 1913

SMITH R Aristotle Prior Analytics Indianapolis Hackett Publishing Company 1989

STRIKER G Aristotle Prior Analytics Book I Oxford Clarendon Press 2009

Page 2: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

6

the central passages for the discussion In this paper we will make a further examination of these texts in order to show that Aristotle has never departed from his logic the types of terms that interpreters do not hesitate to exclude from syllogistic Thereby we hope to bring back singular terms transcategoricals and summa genera to the operation domain of the Aristotelian syllogistic Keywords Aristotle Syllogistic Singular Terms Transcategoricals Summa Genera

I OPINIOtildeES TRADICIONAIS

Jaacute faz algum tempo que a silogiacutestica aristoteacutelica vem sendo pensada como um sistema loacutegico marcado pela exclusatildeo de certos termos De acordo com importantes estudiosos ela natildeo reserva lugar para nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares como ldquoCaacuteliasrdquo e ldquoeste homemrdquo tampouco para termos transcategoriais como ldquoenterdquo (to on) e ldquoumrdquo (to hen) Haacute quem diga que nem mesmo os chamados gecircneros supremos (summa genera) ndash ldquosubstacircnciardquo ldquoqualidaderdquo ldquoquantidaderdquo e assim por diante ndash estatildeo aptos a figurar em silogismos rigorosamente aristoteacutelicos

Essa linha de opiniotildees parece ter sido inaugurada por W D Ross em 1949 com a publicaccedilatildeo de sua famosa ediccedilatildeo comentada do texto grego de Primeiros e Segundos Analiacuteticos Em seu comentaacuterio ao primeiro capiacutetulo do Livro I dos Primeiros Analiacuteticos Ross natildeo hesita em dizer que Aristoacuteteles teria ignorado completamente os termos singulares Aleacutem disso ainda observa que o argumento considerado como modelo paradigmaacutetico de um silogismo tipicamente aristoteacutelico ndash argumento amplamente difundido pelos manuais de loacutegica formulado em primeira figura com ambas as premissas afirmativas no qual um termo singular aparece como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo1 ndash passa longe dos silogismos encontrados nos Primeiros Analiacuteticos De acordo com Ross todos os silogismos apresentados nos Primeiros Analiacuteticos versam sobre universais (termos conceituais) e mais do que isso todos possuem

1 O silogismo eacute o seguinte ldquotodo homem eacute mortal Soacutecrates eacute homem logo Soacutecrates eacute mortalrdquo

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

7

um termo-espeacutecie na posiccedilatildeo de extremo menor Por fim sem fazer cerimocircnia Ross assume que Aristoacuteteles teria restringido a silogiacutestica a argumentos que articulam exclusivamente termos universais (conceituais) e aponta que as razotildees para fazecirc-lo repousariam (ldquoprobablyrdquo) no argumento exposto no capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos (em especial no trecho 43a 42ndash43) Mais tarde esse capiacutetulo se consolidaria como manifesta evidecircncia de que a silogiacutestica de Aristoacuteteles envolve uma severa restriccedilatildeo de termos2

No capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos Aristoacuteteles propotildee entre outras coisas uma classificaccedilatildeo de entes ndash compreendidos como fatores de atribuiccedilatildeo ou simplesmente como termos minus fundada no comportamento atributivo e no grau de generalidade dos itens classificados Como resultado Aristoacuteteles alcanccedila trecircs tipos de termos (1) aqueles desprovidos de generalidade que natildeo podem ser atribuiacutedos como legiacutetimos predicados de outros termos mas aos quais outros termos podem ser atribuiacutedos ndash eacute o caso dos nomes proacuteprios ldquoCleonrdquo e ldquoCaacuteliasrdquo (2) aqueles de mais alta generalidade que podem ser atribuiacutedos a outros termos e para os quais natildeo existe termo anterior (πρότερον) que lhes possa ser atribuiacutedo3 e (3) aqueles cujo grau de

2 Ross (1949 p 289) Lukasiewicz (1951 p 4minus5) G Patzig (1959 p 5) 3 Aristoacuteteles natildeo oferece nenhum exemplo para termos do segundo tipo Na opiniatildeo de Ross (1949 p 384) ldquothese are the highest universals the categoriesrdquo Jaacute para Lukasiewicz (1951 p 5) ldquoit is clear that Aristotle means what is most universal like being to onrdquo Embora seja difiacutecil decidir por uma dessas opiniotildees ndash sobretudo porque natildeo sabemos o que significa πρότερον em 43a 30 ndash a alternativa de Lukasiewicz ainda nos parece menos sujeita a objeccedilotildees De fato se Ross tem razatildeo em compreender os termos do segundo tipo como summa genera (ldquosubstacircnciardquo ldquoqualidaderdquo ldquoquantidaderdquo etc) a impossibilidade de lhes atribuir predicados anteriores (πρότερον) apontada nas linhas 43a 29-30 deveraacute ser muito bem especificada de modo a evitar uma objeccedilatildeo bem natural a de que nem mesmo summa genera podem satisfazer a exigecircncia das referidas linhas jaacute que a princiacutepio nada impede que termos transcategoriais como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo sejam concebidos como predicados anteriores dos chamados summa genera Certamente a indefiniccedilatildeo do sentido de

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

8

generalidade eacute intermediaacuterio que podem ser atribuiacutedos a outros termos e aos quais outros termos podem ser atribuiacutedos ndash eacute o caso do termo ldquohomemrdquo4

Depois de expor os trecircs tipos de termos alcanccedilados pela classificaccedilatildeo referida acima Aristoacuteteles conclui o trecho 43a 25ndash43 com a frase que deu igniccedilatildeo agraves interpretaccedilotildees que atribuem ao sistema loacutegico aristoteacutelico a jaacute mencionada restriccedilatildeo de termos Eis a frase

καὶ σχεδὸν οἱ λόγοι καὶ αἱ σκέψεις εἰσὶ μάλιστα περὶ τούτων 5 Grosso modo os argumentos e as investigaccedilotildees satildeo sobretudo acerca dessas coisas (43a 42ndash43)

πρότερον na linha 30 ainda deixa espaccedilo para associar agrave noccedilatildeo de predicado anterior um significado que seja incompatiacutevel com os termos transcategoriais mencionados acima Essa alternativa poderia encontrar alguma inspiraccedilatildeo em Metafiacutesica XII 4 em que Aristoacuteteles nos diz que ldquoagrave parte das substacircncias e das demais categorias natildeo haacute nada comumrdquo (1070b 1minus2) A impossibilidade de algo comum agrave parte das categorias poderia ser interpretada como uma impossibilidade de conceitos transcategoriais o que favoreceria a proposta de Ross Tal leitura no entanto conflita com passagens nas quais Aristoacuteteles trabalha com predicados de todas as coisas ndash o que se confirma pelo uso da expressatildeo τὰ πᾶσιν ἑπόμενα (ldquoos itens que acompanham todas as coisasrdquo) no capiacutetulo 28 de Primeiros Analiacuteticos I Afinal o que seriam τὰ πᾶσιν ἑπόμενα senatildeo conceitos transcategoriais E por que tais predicados natildeo seriam candidatos mais promissores que os summa genera para figurar na lista de termos do segundo tipo Diante desse quadro a proposta de Lukasiewicz nos parece preferiacutevel na medida em que evita as dificuldades aludidas acima Aleacutem disso no que diz respeito aos propoacutesitos deste artigo faz pouca ou nenhuma diferenccedila se tais termos satildeo (i) summa genera ou (ii) τὰ πᾶσιν ἑπόμενα (embora tenhamos maior estima pela segunda opccedilatildeo) uma vez que a nossa posiccedilatildeo antecede agrave decisatildeo entre essas duas alternativas e procura responder uma questatildeo mais elementar a saber Aristoacuteteles de fato excluiu da silogiacutestica os termos de alta generalidade (quer sejam summa genera quer sejam τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) Para essa questatildeo mais baacutesica defenderemos uma resposta negativa 4 An Pr I 27 43a 37ndash43 5 Adotamos o texto grego de W D Ross em todas as citaccedilotildees

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

9

O pronome τούτων retoma os termos qualificados sob o terceiro tipo anunciados nas linhas 40-42 Conforme jaacute vimos esses termos nem satildeo de natureza singular como nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares nem satildeo os de mais alta generalidade como summa genera eou transcategoriais Na verdade quanto ao grau de generalidade tais fatores se posicionam entre os demais tipos de termos e por isso mesmo satildeo descritos por Aristoacuteteles como intermediaacuterios (τὰ μεταξὺ) Para ilustrar a natureza desse tipo de termo Aristoacuteteles apresenta ldquohomemrdquo que se predica de ldquoCaacuteliasrdquo e do qual ldquoanimalrdquo se predica irrestritamente6

Ao comentar o trecho 43a 37ndash43 que encerra com a frase que inspirou a exclusatildeo dos mencionados termos Ross acaba sendo mais cauteloso do que fora no comentaacuterio ao primeiro capiacutetulo do Livro I de Primeiros Analiacuteticos Ele entende que no referido trecho do capiacutetulo 27 Aristoacuteteles esteja de fato comprometido com uma restriccedilatildeo associada aos termos mas assume que essa restriccedilatildeo diz respeito agrave suscetibilidade de desempenhar irrestritamente as funccedilotildees de maior (τὸ μεῖζον) menor (τὸ ἐλάττον) ou mediador7 (τὸ μέσον) em um silogismo Nesse caso Aristoacuteteles natildeo estaria restringindo o domiacutenio de fatores sobre os quais a silogiacutestica pode operar mas o domiacutenio de fatores que podem exercer irrestritamente cada uma das trecircs funccedilotildees que um termo pode desempenhar em um silogismo

6 Ibidem 43a 31ndash32 7 A proposta de traduzir meson como ldquomediadorrdquo (Angioni 2007 nota 6) ndash e natildeo ldquotermo meacutediordquo como de costume ou ldquotermo intermediaacuteriordquo ndash nos parece bastante acertada Em nossa opiniatildeo ela capta com precisatildeo a funccedilatildeo mais baacutesica do meson qual seja a de articular ou correlacionar os termos da conclusatildeo Por isso decidimos adotaacute-la Aos poucos essa alternativa de traduccedilatildeo vem ganhando espaccedilo Em 2010 durante o Iordm Ciclo de Seminaacuterios lsquoO Organon de Aristoacutetelesrsquo realizado na Universidade de Campinas Ricardo Santos (Universidade de Eacutevora minus Portugal) se mostrou de pleno acordo com a opccedilatildeo por ldquomediadorrdquo embora natildeo a tenha adotado na traduccedilatildeo que vem preparando

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

10

Na primeira figura por exemplo apenas os termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) satildeo capazes de desempenhar irrestritamente a funccedilatildeo de mediador De fato os demais termos soacute podem atuar de modo irrestrito nos silogismos de primeira figura quando ocupam as posiccedilotildees ou de sujeito ou de predicado ao passo que o mediador eacute sujeito e predicado sujeito na premissa maior e predicado na menor Ross tambeacutem observa que os gecircneros supremos (ldquothe highest termsrdquo) podem desempenhar irrestritamente a funccedilatildeo de extremo maior bem como os termos desprovidos de generalidade (ldquothe lowest termsrdquo) a funccedilatildeo de extremo menor Ademais continua Ross os gecircneros supremos ainda podem atuar de modo irrestrito na funccedilatildeo de mediador na segunda figura assim como os termos singulares na terceira figura

Ateacute esse ponto o comentaacuterio de Ross ao capiacutetulo 27 natildeo introduz nenhuma severa restriccedilatildeo de termos sobretudo porque o trecho 43a 37ndash43 assim como o iniacutecio do capiacutetulo natildeo lhe permitem ir muito longe Tudo o que esses textos nos impotildeem eacute que nas demonstraccedilotildees certos termos natildeo podem ocupar irrestritamente a posiccedilatildeo de sujeito ao passo que outros natildeo podem ocupar irrestritamente a posiccedilatildeo de predicado Assim Aristoacuteteles abre espaccedilo para a possibilidade de que os termos singulares tenham o seu lugar ao sol na silogiacutestica desde que sejam alocados em posiccedilotildees e funccedilotildees que possam desempenhar sem as restriccedilotildees mencionadas ao longo do capiacutetulo 27 Ross parece ter se dado conta disso e ao que tudo indica natildeo gostou do que viu pois encerra as suas consideraccedilotildees sobre o trecho 43a 37ndash43 tentando recuperar aquela restriccedilatildeo de termos que jaacute havia sido apresentada no comentaacuterio ao capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I alegando que Aristoacuteteles nunca usa nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos mas apenas termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) ndash ldquouniversals that are not highest universalsrdquo8

8 Ross (1949 p 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

11

Podemos dizer que Ross nos deixou o seguinte legado por um lado eacute responsaacutevel pela tradicional opiniatildeo de que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares ou gecircneros supremos em seus silogismos mas sempre trabalha com termos de generalidade intermediaacuteria por outro lado transformou o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I em peccedila central para a delimitaccedilatildeo da lista de termos silogiacutesticos

Em 1951 Jan Lukasiewicz publicou o seu famoso livro intitulado Aristotlersquos Syllogistic ndash From The Standpoint of Modern Formal Logic e se mostrou bastante influenciado pelo legado de Ross Jaacute no primeiro capiacutetulo desse livro Lukasiewicz se recusa a considerar como rigorosamente aristoteacutelico aquele argumento concebido pela tradiccedilatildeo como exemplo paradigmaacutetico de silogismo ndash ldquotodo homem eacute mortal Soacutecrates eacute homem logo Soacutecrates eacute mortalrdquo minus levando a cabo algo que Ross jaacute havia sugerido em seu comentaacuterio ao capiacutetulo 1 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos a saber que tal argumento natildeo pertence agrave loacutegica de Aristoacuteteles9 Lukasiewicz qualifica esse silogismo por meio do adjetivo ldquoperipateacuteticordquo pelo fato de Sexto Empiacuterico descrevecirc-lo como usual entre os Peripateacuteticos Quanto agrave rejeiccedilatildeo desse silogismo provisoriamente Lukasiewicz alega apenas que Aristoacuteteles natildeo introduz termos e proposiccedilotildees singulares em seu sistema loacutegico10 A completa ausecircncia de referecircncia a proposiccedilotildees singulares no capiacutetulo 1 do Livro I dos Primeiros Analiacuteticos ndash capiacutetulo em que as formas proposicionais silogiacutesticas satildeo introduzidas e no qual seria natural esperar por proposiccedilotildees singulares ndash eacute mencionada por Lukasiewicz como sinal de que Aristoacuteteles natildeo teria considerado termos singulares em sua loacutegica11 No entanto o argumento determinante para corroborar essa tese eacute

9 Ross (1949 p 289) e Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect1 p 1) 10 Lukasiewicz menciona trecircs publicaccedilotildees que tratavam o silogismo peripateacutetico como modelo paradigmaacutetico de silogismo aristoteacutelico Greek Foundations of Tradicional Logic (1942) de Ernest Kapp A History of Philosophy vol i Greece and Rome (1946) de S J Frederick Copleston e History of Western Philosophy (1946) de Bertrand Russell 11 Idem chapter 1 sect2 p 4

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

12

elaborado a partir do capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos capiacutetulo jaacute evocado por Ross como evidecircncia manifesta da restriccedilatildeo de termos

Conforme jaacute pudemos ver eacute no capiacutetulo 27 que Aristoacuteteles apresenta sua famosa triparticcedilatildeo de entes assumidos como termos de proposiccedilotildees silogiacutesticas nas linhas 43a 25ndash36 os trecircs tipos de termos satildeo introduzidos nas linhas 37ndash42 os efeitos que essa triparticcedilatildeo tem sobre as demonstraccedilotildees satildeo rapidamente considerados em seguida nas linhas 42ndash43 entra em cena a frase que inspirou a restriccedilatildeo de termos jaacute nos comentaacuterios de Ross e ainda mais na proposta de Lukasiewicz Interpretando Aristoacuteteles Lukasiewicz conclui que a silogiacutestica opera exclusivamente com termos do uacuteltimo tipo isto eacute com termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) excluindo da loacutegica aristoteacutelica tanto os termos singulares quanto os de alta generalidade ndash os uacuteltimos assumidos como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo12 Julgando ter encontrado a ldquoverdadeira razatildeordquo que teria levado Aristoacuteteles a se comprometer com tal restriccedilatildeo de termos Lukasiewicz alega que todo silogismo deve conter um termo capaz de desempenhar irrestritamente tanto a funccedilatildeo de sujeito quanto a funccedilatildeo de predicado ndash na primeira figura eacute o que ocorre com o mediador na segunda com o maior na terceira com o menor ndash e essas funccedilotildees soacute podem ser desempenhadas irrestritamente por termos de generalidade intermediaacuteria13 Ao que tudo indica Lukasiewicz entende os adveacuterbios σχεδὸν e μάλιστα nas linhas 42ndash43 como marcas que qualificam o restante da frase como uma regra absoluta e universal afastando a possibilidade de que Aristoacuteteles esteja apenas se pronunciando em linhas gerais sem qualquer pretensatildeo de

12 Idem sect3 p 5 Conveacutem lembrar que Lukasiewicz e Ross natildeo tecircm a mesma opiniatildeo sobre o que seriam os termos de alta generalidade aos quais Aristoacuteteles alude em 43a 29minus30 e 37minus39 para Lukasiewicz os termos de alta generalidade satildeo precisamente os transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo ao passo que Ross prefere concebecirc-los como summa genera (cf nota 3) 13 Ibidem p 7

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

13

estabelecer uma norma riacutegida vaacutelida para todo e qualquer silogismo mas apenas uma descriccedilatildeo que pudesse dar conta da maior parte dos argumentos silogiacutesticos Essa atitude o levou a fazer duras criacuteticas agrave loacutegica aristoteacutelica

De acordo com Lukasiewicz eacute questatildeo paciacutefica a opiniatildeo de que os termos singulares satildeo tatildeo importantes na atividade cientiacutefica quanto o satildeo os termos universais e portanto eacute falso que os argumentos e as investigaccedilotildees ldquoas a rulerdquo lidam com termos de universalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) o que tornaria o pronunciamento de Aristoacuteteles nas linhas 42ndash43 digno de reprovaccedilatildeo Com esse teor Lukasiewicz atribui a Aristoacuteteles a rejeiccedilatildeo dos termos singulares e descreve a ausecircncia desses fatores como ldquoo maior defeitordquo do sistema loacutegico aristoteacutelico14

Assim inspirado pelo legado de Ross Lukasiewicz consolida a opiniatildeo de que a silogiacutestica aristoteacutelica envolve uma severa restriccedilatildeo de termos constituindo um sistema loacutegico que atua exclusivamente sobre termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) Sob a descoberta da ldquoverdadeira razatildeordquo que teria levado Aristoacuteteles a se comprometer com essa restriccedilatildeo de termos Lukasiewicz estabelece a tese de que a silogiacutestica prescinde de termos singulares bem como de termos de alta generalidade (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo)

Essa proposta foi muito bem recebida por alguns estudiosos da loacutegica aristoteacutelica Em 1959 Guumlnther Patzig publicou um novo estudo sobre o Livro I dos Primeiros Analiacuteticos e fez questatildeo de dedicaacute-lo a Lukasiewicz de quem eacute seguidor Em obra intitulada Aristotlersquos Theory of the Syllogism ndash a logico-philological study of book A of the Prior Analytics Patzig corrige vaacuterios equiacutevocos herdados de Ross e de Lukasiewicz Para ilustrar considere-se a alegaccedilatildeo ndash feita tanto por Ross quanto por Lukasiewicz ndash de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos Primeiros Analiacuteticos Essa alegaccedilatildeo eacute desmentida por Patzig que aponta

14 Ibidem p 6

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

14

as seguintes ocorrecircncias de nomes proacuteprios no capiacutetulo 33 do Livro I ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II ldquoPitacosrdquo Mesmo diante dessas ocorrecircncias Patzig recusou a possibilidade de a silogiacutestica reservar lugar para termos singulares justificando tal posiccedilatildeo ao apontar que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo aparecem em premissas das quais nada se segue ao passo que ldquoPitacosrdquo ocorre em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido Em presenccedila desse quadro e a exemplo de Lukasiewicz Patzig considera que deve prevalecer o fato indubitaacutevel de Aristoacuteteles natildeo ter feito menccedilatildeo a proposiccedilotildees singulares no capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I o que fatalmente sugere a exclusatildeo dos termos singulares15 Assim Patzig eacute levado a endossar diversos resultados alcanccedilados por seus antecessores reiterando a restriccedilatildeo de fatores silogiacutesticos a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) e por conseguinte expulsando termos singulares transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) e summa genera do sistema loacutegico aristoteacutelico

No entanto sob a consideraccedilatildeo de Patzig essa restriccedilatildeo ganhou razotildees complementares Patzig natildeo apenas endossou os resultados sensivelmente sugeridos por Ross e consolidados por Lukasiewicz (resultados fundados no capiacutetulo 27 do Livro I dos Primeiros Analiacuteticos) mas tambeacutem lhes conferiu novos contornos oriundos de razotildees que julgou encontrar no capiacutetulo 28 do qual o capiacutetulo 27 seria discussatildeo preparatoacuteria

No capiacutetulo 28 Aristoacuteteles apresenta alguns procedimentos de prova para as formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Em linhas gerais esses procedimentos satildeo caracterizados pela tarefa de identificar um termo comum (que seraacute o mediador) em duas listas de termos Essas listas satildeo determinadas pela relaccedilatildeo que os seus membros possuem com os extremos (τά ἄκρα) que encerram a conclusatildeo pretendida

15 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

15

Ainda natildeo precisamos entrar em detalhes a respeito desses procedimentos Faremos isso na proacutexima seccedilatildeo em momento mais oportuno Por ora basta saber que a partir dos procedimentos recomendados por Aristoacuteteles como estrateacutegia de prova para cada uma das formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Patzig propotildee trecircs axiomas demarcadores de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica16

(1) todo termo silogiacutestico possui ao menos um termo subordinado proacuteprio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe um termo subordinado X tal que XaT eacute o caso ao passo que TaX natildeo (2) todo termo silogiacutestico possui ao menos um termo superordenado proacuteprio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe um termo superordenado Y tal que TaY eacute o caso ao passo que YaT natildeo (3) todo termo silogiacutestico possui um termo contraacuterio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe ao menos um termo contraacuterio Z tal que ZeT17

Ao formular os dois primeiros axiomas Patzig se vale de algumas noccedilotildees oriundas da teoria dos conjuntos as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias Em teoria dos conjuntos se Q eacute um termo subordinado proacuteprio de R (e natildeo apenas um termo subordinado) Q e R natildeo podem ser coextensivos ndash em outras palavras todo Q eacute R mas nem todo R eacute Q o mesmo ocorre com termos que frequumlentam uma mesma relaccedilatildeo de superordenaccedilatildeo proacutepria dado que toda relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo proacutepria pode ser reformulada como uma relaccedilatildeo de superordenaccedilatildeo proacutepria e vice-versa Patzig presume que essas relaccedilotildees traduzem pressupostos assumidos pelo proacuteprio Aristoacuteteles no capiacutetulo

16 Ibidem p 7 17 A notaccedilatildeo AxB adotada na exposiccedilatildeo dos axiomas descreve uma relaccedilatildeo categoacuterica x entre o termo-sujeito A e o termo-predicado B Assim AaB eacute a notaccedilatildeo para a relaccedilatildeo universal afirmativa (ldquotodo A eacute Brdquo) AeB para a relaccedilatildeo universal negativa (ldquonenhum A eacute Brdquo) AiB para a particular afirmativa (ldquoalgum A eacute Brdquo) e por fim AoB para a particular negativa (ldquoalgum A natildeo eacute Brdquo) Manteremos essa notaccedilatildeo ao longo de todo o texto

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

16

28 de Primeiros Analiacuteticos I Mais adiante veremos que essa conjetura eacute equivocada

Por ora eacute importante notar que essa distinccedilatildeo entre de um lado subordinaccedilatildeosuperordenaccedilatildeo proacutepria e de outro lado mera subordinaccedilatildeosuperordenaccedilatildeo faz alguma diferenccedila no que diz respeito agrave exclusatildeo da chamada classe universal Para excluiacute-la Patzig assume que a classe universal pertence ao domiacutenio de termos da silogiacutestica a articula com os axiomas (1) e (3) e obteacutem um resultado contraditoacuterio o terceiro axioma requer que todo termo silogiacutestico possua ao menos um termo que lhe seja contraacuterio ndash tratando-se da classe universal esse termo contraacuterio eacute a classe nula por sua vez o primeiro axioma requer que todo termo silogiacutestico possua ao menos um termo subordinado proacuteprio exigecircncia que a classe nula eacute incapaz de satisfazer ndash por definiccedilatildeo a classe nula natildeo possui termos subordinados proacuteprios Assim a impossibilidade da classe nula acarreta a impossibilidade da classe universal18

Patzig ainda aponta o trecho 998b 22ndash27 do capiacutetulo 3 de Metafiacutesica Beta como evidecircncia complementar de que Aristoacuteteles teria rejeitado a classe universal fazendo alusatildeo a um texto que embora trate de termos dessa natureza tem com a silogiacutestica uma relaccedilatildeo muito distante19

Por sua vez nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares como ldquoSoacutecratesrdquo e ldquoeste triacircngulordquo natildeo possuem termos subordinados proacuteprios e portanto natildeo satisfazem ao primeiro axioma Por fim gecircneros supremos como ldquosubstacircnciardquo ldquoqualidaderdquo ldquoquantidaderdquo etc natildeo podem contar com termos superordenados proacuteprios e por conseguinte ficam impossibilitados de satisfazer ao segundo axioma (impossibilidade que natildeo nos parece ter sido bem estabelecida20)

18 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 19 Ibidem 20 A exemplo de Ross (cf nota 3) Patzig ignora os transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo que a princiacutepio poderiam figurar como superordenados proacuteprios dos gecircneros supremos de modo que o axioma (2) fosse entatildeo satisfeito pelos gecircneros

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

17

Assim Patzig reitera as restriccedilotildees introduzidas por Ross e consolidadas por Lukasiewicz desenhando um quadro em que uma vez mais a silogiacutestica eacute pensada como um sistema loacutegico que opera exclusivamente sobre termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) sem atuaccedilatildeo sobre nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares gecircneros supremos (summa genera) e termos transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) Na proacutexima seccedilatildeo mostraremos que as leituras propostas por tais inteacuterpretes seguramente natildeo encontram respaldo nos textos de Aristoacuteteles II CRIacuteTICA AgraveS OPINIOtildeES TRADICIONAIS

1 Uma Releitura de Primeiros Analiacuteticos I 27 43a 25minus43

Certamente nem todo o legado de Ross Lukasiewicz e Patzig deve ser abandonado Parece razoavelmente acertada por exemplo a escolha do capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos como promissora resposta agrave questatildeo de saber quais tipos de termos podem figurar em silogismos rigorosamente aristoteacutelicos ndash muito embora nem todo tipo de silogismo reconhecido por Aristoacuteteles esteja no escopo desse capiacutetulo21 No primeiro capiacutetulo do Livro I de Primeiros Analiacuteticos em que seria natural esperar alguma descriccedilatildeo mais detalhada a respeito dos termos Aristoacuteteles eacute muito sucinto limitando-se a dizer o seguinte

Ὅρον δὲ καλῶ εἰς ὃν διαλύεται ἡ πρότασις οἷον τό τε κατηγορούμενον καὶ τὸ καθrsquo οὗ κατηγορεῖται προστιθεμένου τοῦ εἶναι ἢ μὴ εἶναι

supremos Para excluir tais termos Patzig se pronuncia de modo muito breve e pouco esclarecedor ldquocategories (on Aristotlersquos definition) do not satisfy axiom (2)rdquo Aleacutem disso as ocorrecircncias de ldquosubstacircnciardquo e ldquounidaderdquo em Pr An I 5 27a 19minus20 e 27b 6minus8 tambeacutem satildeo ignoradas talvez em decorrecircncia de estarem associadas a pares de premissas inconcludentes 21 Ver por exemplo os silogismos formulados em Pr An II 15

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

18

Chamo lsquotermorsquo aquilo no que a proposiccedilatildeo se dissolve ou seja o item que se predica e o de que se predica acrescentando lsquoeacutersquo ou lsquonatildeo eacutersquo (24b 16minus18)

Esse pronunciamento eacute muito vago e em decorrecircncia pouco revelador Por isso em relaccedilatildeo agrave presente investigaccedilatildeo tal capiacutetulo quase natildeo oferece material que possa ser aproveitado Eacute claro que natildeo eacute bem essa a opiniatildeo de nossos interlocutores Ross Lukasiewicz e Patzig conceberam o mero fato de Aristoacuteteles natildeo ter feito menccedilatildeo a termos singulares no capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I como forte evidecircncia de que tais termos natildeo teriam lugar na silogiacutestica22

Essa atitude nos parece incorreta O fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a termos singulares revela apenas que o capiacutetulo natildeo tem aptidatildeo para contribuir com a investigaccedilatildeo Poder-se-ia alegar talvez que a exposiccedilatildeo das proposiccedilotildees silogiacutesticas no trecho 24a 16minus22 eacute exaustiva de modo que a exclusatildeo dos termos singulares fosse assegurada pelo simples fato de natildeo haver alusatildeo expliacutecita agraves proposiccedilotildees que lhes satildeo correlatas Poreacutem o referido trecho cai em certo descreacutedito por envolver certas imprecisotildees das quais o silecircncio sobre as proposiccedilotildees singulares seria apenas mais uma A diferenccedila entre proposiccedilotildees particulares e indefinidas por exemplo eacute bem precaacuteria Com efeito a proposiccedilatildeo particular ldquoalgum prazer natildeo eacute bemrdquo natildeo eacute mais informativa que a proposiccedilatildeo indefinida ldquoprazer natildeo eacute bemrdquo Tanto em um caso quanto em outro a relaccedilatildeo que os termos possuem entre si eacute igualmente indeterminada ou seja natildeo sabemos se (i) todo prazer natildeo eacute bem ou se (ii) algum prazer natildeo eacute bem e algum prazer eacute bem23

22 Ross (1949 p 384) Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect1 p 1 sect2 p 4) Patzig (1959 chapter 1 sect3 p 5) 23 Entre os comentadores Ross (1949 p 314) parece assumir que no trecho 29a 27minus29 Aristoacuteteles teria feito uma declaraccedilatildeo expliacutecita de que tais proposiccedilotildees seriam de fato equivalentes Bochenski (1951 p 43) por sua vez reconhece a referida passagem como evidecircncia incontestaacutevel de que Aristoacuteteles concebia tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis o que torna a distinccedilatildeo

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

19

Imprecisotildees como essa revelam o caraacuteter provisoacuterio do trecho 24a 16minus22 Por isso essa passagem natildeo pode ser considerada como resposta definitiva ao problema de saber se a silogiacutestica reserva lugar para termos singulares sobretudo se a razatildeo alegada para assim consideraacute-la for o mero fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a proposiccedilotildees singulares Em certa medida os comentadores perceberam que natildeo poderiam recorrer apenas ao primeiro capiacutetulo de Primeiros Analiacuteticos I para decidir a questatildeo e estenderam a discussatildeo ao capiacutetulo 27 tomando uma decisatildeo bastante acertada porque eacute nesse capiacutetulo que Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes e os compreende claramente como fatores de atribuiccedilatildeo suscetiacuteveis de articulaccedilatildeo silogiacutestica O trecho 43a 25minus43 oferece trecircs tipos de termos e como bem observaram os proponentes das opiniotildees tradicionais impotildee certas restriccedilotildees ao uso de termos de natureza singular bem como ao uso de termos de alto grau de generalidade ndash quer sejam summa genera como prefere Ross ou transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como entende Lukasiewicz O que escapou a nossos interlocutores eacute que essas restriccedilotildees estatildeo longe de expulsar da silogiacutestica qualquer dos trecircs tipos de termos ali apresentados Por isso em defesa de nossa posiccedilatildeo propomos reexaminar o trecho 43a 25minus43 pois entendemos que o texto por si soacute natildeo deixa duacutevidas de que nenhum dos trecircs tipos de termos introduzidos na referida passagem tenha sido excluiacutedo da silogiacutestica

Assim examinemos o famoso texto que tem alimentado a discussatildeo sobre termos silogiacutesticos

[1] ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστι τοιαῦτα ὥστε κατὰ μηδενὸς ἄλλου κατηγορεῖσθαι ἀληθῶς καθόλου (οἷον Κλέων καὶ

proposta no primeiro capiacutetulo um tanto despropositada Lukasiewicz (1951 sect2 p 5) tambeacutem reconhece que Aristoacuteteles trata tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis mas natildeo admite que Aristoacuteteles tenha se pronunciado de modo expliacutecito a respeito dessa equivalecircncia preferindo delegar esse feito a Alexandre

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

20

Καλλίας καὶ τὸ καθrsquo ἕκαστον καὶ αἰσθητόν) κατὰ δὲ τούτων ἄλλα (καὶ γὰρ ἄνθρωπος καὶ ζῷον ἑκάτερος τούτων ἐστί) τὰ δrsquo αὐτὰ μὲν κατrsquo ἄλλων κατηγορεῖται κατὰ δὲ τούτων ἄλλα πρότερον οὐ κατηγορεῖται τὰ δὲ καὶ αὐτὰ ἄλλων καὶ αὐτῶν ἕτερα οἷον ἄνθρωπος Καλλίου καὶ ἀνθρώπου ζῷον ὅτι μὲν οὖν ἔνια τῶν ὄντων κατrsquo οὐδενὸς πέφυκε λέγεσθαι δῆλον τῶν γὰρ αἰσθητῶν σχεδὸν ἕκαστόν ἐστι τοιοῦτον ὥστε μὴ κατηγορεῖσθαι κατὰ μηδενὸς πλὴν ὡς κατὰ συμβεβηκός φαμὲν γάρ ποτε τὸ λευκὸν ἐκεῖνο Σωκράτην εἶναι καὶ τὸ προσιὸν Καλλίαν ὅτι δὲ καὶ ἐπὶ τὸ ἄνω πορευομένοις ἵσταταί ποτε πάλιν ἐροῦμεν νῦν δrsquo ἔστω τοῦτο κείμενον [2] κατὰ μέν οὖν τούτων οὐκ ἔστιν ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον ἕτερον πλὴν εἰ μὴ κατὰ δόξαν ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων οὐδὲ τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται (καὶ γὰρ αὐτὰ κατrsquo ἄλλων καὶ ἄλλα κατὰ τούτων λεχθήσεται) καὶ σχεδὸν οἱ λόγοι καὶ αἱ σκέψεις εἰσὶ μάλιστα περὶ τούτων [1] Entre todos os entes alguns satildeo tais que natildeo se afirmam de nenhum outro verdadeiramente como universais (por exemplo Cleon e Caacutelias ou seja o particular e o sensiacutevel) mas outros se afirmam deles de fato cada um desses eacute tanto homem quanto animal Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros mas nenhum outro anterior se afirma deles Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros e outros satildeo afirmados deles por exemplo homem que se afirma de Caacutelias e do qual animal se afirma Assim eacute evidente que certas coisas por natureza natildeo se dizem de nenhuma outra de fato em geral entre as coisas sensiacuteveis cada uma eacute tal que natildeo se afirma de nenhuma outra a natildeo ser por acidente com efeito agraves vezes dizemos que aquele branco eacute Soacutecrates e que aquele que se aproxima eacute Caacutelias (Ainda diremos por que tambeacutem para cima em algum momento a seacuterie se interrompe Mas por ora seja assumido isso) [2] Assim acerca dessas coisas natildeo eacute possiacutevel demonstrar outra sendo afirmada (a natildeo ser segundo opiniatildeo) mas eacute possiacutevel demonstrar elas proacuteprias sendo afirmadas de outras Tampouco eacute possiacutevel demonstrar as coisas particulares sendo afirmadas de outras mas eacute possiacutevel demonstrar outras sendo afirmadas delas Jaacute das coisas que ficam entre essas eacute evidente que eacute possiacutevel demonstrar afirmando de ambos os modos pois tanto elas seratildeo ditas de outras quanto outras seratildeo ditas delas Grosso modo os argumentos e as investigaccedilotildees satildeo sobretudo acerca dessas coisas (43a 25minus43)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

21

A mais natural divisatildeo que podemos impor agrave passagem acima exige duas seccedilotildees

[1] Na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes compreendidos como fatores de atribuiccedilatildeo e classificados segundo as funccedilotildees que cada classe de termos pode desempenhar em proposiccedilotildees destinadas a operaccedilotildees silogiacutesticas A passagem eacute inaugurada com um pronunciamento a respeito de todos os entes ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων Por isso ao que tudo indica essa divisatildeo tripartite eacute exaustiva e natildeo deixa de fora nenhuma classe de termos Os resultados provenientes dessa classificaccedilatildeo trazem certas restriccedilotildees agrave atuaccedilatildeo de alguns termos na silogiacutestica nas linhas 25minus29 Aristoacuteteles nega que os termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) possam desempenhar o papel de legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nas linhas 29minus30 rejeita a possibilidade de atribuir aos termos de alta generalidade um termo que lhes seja anterior (πρότερον) Conforme jaacute o dissemos essas restriccedilotildees passam longe da exclusatildeo de qualquer das classes de termos apresentadas no referido trecho do capiacutetulo 27 A principal evidecircncia disso aparece na imediata sequumlecircncia do texto em que Aristoacuteteles avalia os efeitos dessas restriccedilotildees sobre as demonstraccedilotildees Isso nos leva agrave segunda seccedilatildeo

[2] Na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) satildeo explicitadas as consequumlecircncias que as restriccedilotildees apresentadas na seccedilatildeo anterior (43a 25minus37) produziratildeo nas demonstraccedilotildees24 Nas linhas 37minus39 Aristoacuteteles se pronuncia a respeito dos termos de alta generalidade (summa genera

24 Eacute bem verdade que em relaccedilatildeo ao cenaacuterio que temos em Segundos Analiacuteticos I 2 a noccedilatildeo de apodeixis que aparece no capiacutetulo 27 ainda exige muitos aperfeiccediloamentos mas natildeo nos parece justo entendecirc-la meramente como prova silogiacutestica jaacute que ela envolve exigecircncias de ordem atributiva que restringem as provas denotadas pela noccedilatildeo de apodeixis assumida no capiacutetulo a um subgrupo da noccedilatildeo mais geral de silogismo As provas silogiacutesticas formuladas em Primeiros Analiacuteticos II 15 por exemplo ficam de fora do grupo de silogismos dos quais o capiacutetulo 27 pretende dar conta Assim sendo optamos por manter a traduccedilatildeo de apodeixis por ldquodemonstraccedilatildeordquo e natildeo por ldquoprovardquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

22

eou transcategoriais) a possibilidade de demonstrar qualquer outro termo a respeito deles eacute recusada25 mas a de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute afirmada textualmente Nas linhas 39minus40 o pronunciamento se faz a respeito dos termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) a possibilidade de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute recusada mas a de demonstrar outros termos a respeito deles tambeacutem eacute afirmada Nas linhas 40minus42 Aristoacuteteles trata dos termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) e natildeo lhes impotildee nenhuma restriccedilatildeo eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles26

Por fim nas linhas 42minus43 Aristoacuteteles encerra a passagem com um pronunciamento de caraacuteter geral e conclusivo pronunciamento que ao contraacuterio do que Ross sugeriu e mais tarde Lukasiewicz endossou natildeo nega absolutamente nada do que fora dito ateacute entatildeo

Eacute claro que o leitor ainda pode levar em conta que Aristoacuteteles soacute faz uso da expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 ao se pronunciar a respeito dos termos de alta generalidade e que por isso a pressuposiccedilatildeo de tal expressatildeo nos demais pronunciamentos seria artificiosa e desqualificaria a traduccedilatildeo e a leitura que propomos De fato essa expressatildeo causou incocircmodo a alguns tradutores de liacutengua inglesa influenciados provavelmente pelos legados de Ross e Lukasiewicz A J Jenkinson e Robin Smith por exemplo traduzem a

25 Na verdade Aristoacuteteles reconhece uma exceccedilatildeo aludindo agrave possibilidade de ldquodemonstrarrdquo segundo opiniatildeo (κατὰ δόξαν) mas essa exceccedilatildeo eacute uma alternativa a ser evitada 26 No manuscrito n temos δειχθήσεται ao inveacutes de λεχθήσεται na linha 42 As duas alternativas favorecem a nossa leitura Optamos pela manutenccedilatildeo de λεχθήσεται para natildeo perder a relaccedilatildeo explicativa que haacute entre os pronunciamentos das linhas 40minus41 de um lado e 30minus32 de outro De fato com λεχθήσεται a linha 42 apenas repete o que fora dito nas linhas 30minus32 Essa opccedilatildeo revela que as linhas 30minus32 explicam a linha 42 e sugere que a mesma relaccedilatildeo explicativa ocorra entre as linhas 25minus29 e 39minus40 bem como entre as linhas 29minus30 e 37minus39

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

23

expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 como ldquodemonstraterdquo e ldquodemonstrate to be predicatedrdquo respectivamente No entanto ambos evitam tal traduccedilatildeo nas linhas subsequumlentes nas quais a expressatildeo natildeo aparece de modo expliacutecito e substituem ldquodemonstraterdquo por ldquopredicaterdquo27

Haacute pelo menos uma boa razatildeo para rejeitar tais traduccedilotildees elas assumem que na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) precisamente no que diz respeito agraves consequumlecircncias que as restriccedilotildees introduzidas na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) tecircm sobre as demonstraccedilotildees Aristoacuteteles estaria interessado apenas nos termos de alta generalidade dado que recorre agrave expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον exclusivamente ao tratar deles Assim no que diz respeito agrave atuaccedilatildeo dos demais termos (τὰ καθrsquo ἕκαστα e τὰ μεταξὺ) nas demonstraccedilotildees Aristoacuteteles jaacute natildeo teria a pretensatildeo de avaliar as consequumlecircncias dessas restriccedilotildees limitando-se apenas a repetir o que fora dito na primeira seccedilatildeo Essa leitura impotildee ao texto uma interrupccedilatildeo natildeo muito natural em seu desenvolvimento e ainda o torna redundante sem apresentar uma razatildeo satisfatoacuteria que justifique essa leitura

27 Na linha 39 por exemplo A J Jenkinson (in Barnes 1984) traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquobut these may be predicated of other thingsrdquo Robin Smith vai na mesma direccedilatildeo e traduz como ldquobut they are predicated of othersrdquo embora reconheccedila em seu comentaacuterio ao trecho 43a 40ss na paacutegina 50 (comentaacuterio que na verdade trata da linha 39) que a frase pode ser traduzida como ldquoother things are demonstrated to be predicated of themrdquo nas linhas 39-40 Jenkinson traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNeither can individuals be predicated of other things although other things can be predicated of themrdquo Robin Smith natildeo destoa disso e traduz como ldquoNeither can individuals be predicated of other things but instead other things are predicated of themrdquo por fim nas linhas 40-41 Jenkinson traduz τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται como ldquoWhatever lies between these limits can be spoken of in both waysrdquo ao passo que Robin Smith traduz como ldquoBut it is clear that for those in between predication is possible in both waysrdquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

24

Na contramatildeo de A J Jenkinson e Robin Smith temos Mario Mignucci e Gisela Striker que traduzem a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον como ldquodimostrare che essi si predicanordquo e ldquodemonstrate to be said ofrdquo respectivamente e entendem as linhas 39minus41 como pronunciamentos nos quais embora natildeo apareccedila de modo expliacutecito a expressatildeo ainda estaacute em jogo28 Essas traduccedilotildees certamente satildeo as mais fieacuteis ao texto grego e corroboram a traduccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo que propomos justificando o abandono da leitura tradicional sugerida por Ross e cristalizada nos estudos de Lukasiewicz A essa altura jaacute podemos fazer um balanccedilo dos resultados que o capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos de fato nos impotildee O cenaacuterio que se desenha eacute o seguinte (i) termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) natildeo eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου)29 de outros termos por isso tampouco eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos no entanto eacute possiacutevel lhes atribuir outros termos como legiacutetimos

28 Na linha 39 por exemplo Mignucci traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquomentre egrave possibile dimostrare che essi si predicano di altrirdquo Striker por sua vez traduz como ldquobut [sc one can demonstrate] only that they themselves are predicated of other thingsrdquo na linha 40 ambos fazem questatildeo de recuperar a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον Mignucci traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNon egrave neanche possibile dimostrare che i singolari si predicano di altre cose ma soltanto che altre cose si predicano di essirdquo Striker segue a mesma linha e traduz como ldquonor can one demonstrate that individuals are said of other things but only that other things are said of themrdquo Na linha 41 por sua vez a expressatildeo eacute recuperada novamente e o trecho τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται eacute traduzido por Mignucci como ldquoEgrave chiaro invece che le cose intermedie egrave possibile dimostrarle nei due modirdquo ao passo que por Striker como ldquoBut clearly the intermediate things admit [sc to be demonstrated] of bothrdquo 29 Tais termos natildeo se predicam de nenhum outro a natildeo ser κατὰ συμβεβηκός (43a 33minus35)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

25

predicados por conseguinte tambeacutem eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 25minus29 e 39minus40) (ii) termos de alta generalidade (summa genera eou τὰ πᾶσιν ἑπόμενα)30 natildeo lhes eacute possiacutevel atribuir outros termos como legiacutetimos predicados ndash de fato natildeo haacute termo anterior (πρότερον) que lhes possa ser atribuiacutedo por isso tampouco eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles no entanto eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos logo tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos (conferir 43a 29minus30 e 37minus39) (iii) termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos bem como lhes atribuir outros termos como legiacutetimos predicados em razatildeo disso tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 30minus32 e 40minus42)

Assim o que prevalece eacute que Aristoacuteteles jamais afastou de sua loacutegica qualquer das trecircs classes de termos apresentadas em Primeiros Analiacuteticos I 27 muito embora tenha endereccedilado certas restriccedilotildees atributivas a algumas delas 2 Primeiros Analiacuteticos I 28 e os Axiomas de Patzig

Patzig parece entender que o capiacutetulo 27 natildeo eacute merecedor de toda a atenccedilatildeo que lhe foi concedida por Ross e Lukasiewicz O capiacutetulo 28 em sua opiniatildeo eacute bem mais promissor no que diz respeito agrave questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera31 enquanto o capiacutetulo 27

30 Como Aristoacuteteles natildeo oferece exemplos de termos desse tipo deixamos indeterminado se satildeo summa genera como propotildee Ross ou transcategoriais de generalidade total (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como prefere Lukasiewicz (cf nota 3) 31 Patzig (1959 sect3 p 6)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

26

serviria mais como discussatildeo preparatoacuteria para os assuntos tratados no capiacutetulo seguinte

De fato haacute forte unidade entre esses textos O objetivo predominante que os vincula e orienta eacute anunciado no iniacutecio do capiacutetulo 27 e consiste em mostrar ldquode que modo sempre estaremos providos de silogismos em relaccedilatildeo ao que for proposto e por qual via alcanccedilamos os princiacutepios de cada coisardquo32 O capiacutetulo 27 contribui com esse objetivo na medida em que faz recomendaccedilotildees sobre como selecionar termos e premissas e classifica os fatores silogiacutesticos segundo as funccedilotildees (sujeito e predicado) que podem desempenhar de modo irrestrito em proposiccedilotildees silogiacutesticas A contribuiccedilatildeo do capiacutetulo 28 por sua vez estaacute associada aos procedimentos de prova de cada uma das quatro formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Esses procedimentos satildeo caracterizados basicamente pela descriccedilatildeo dos paracircmetros de localizaccedilatildeo do fator capaz de mediar os extremos (τά ἄκρα) na relaccedilatildeo categoacuterica acarretada na conclusatildeo Trata-se portanto de procedimentos de busca e localizaccedilatildeo do termo mediador (τὸ μέσον)

Assim para provar por exemplo a relaccedilatildeo universal afirmativa EaA prescreve Aristoacuteteles devemos encontrar um fator comum a duas listas (i) aquela de termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e (ii) aquela de termos que se atribuem universalmente ao extremo menor E33 O resultado seraacute o mediador M tal que MaA e EaM o que perfaz um silogismo em Barbara Semelhantemente para provar a relaccedilatildeo particular afirmativa EiA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um elemento comum agraves listas de (i) termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente ou seja agraves listas de termos que cada um dos extremos E e A ldquoacompanhardquo (ἕπεσθαι ou ακολουθεῖν) Nesse caso o termo comum M seraacute tal que MaA e MaE o que nos

32 An Pr I 27 43a 20ndash21 33 An Pr I 28 43b 39ndash43

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

27

permite concluir EiA por Darapti (terceira figura)34 Por sua vez a prova da relaccedilatildeo universal negativa EeA tambeacutem se valeraacute da identificaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios a um extremo e de (ii) termos que se atribuem universalmente ao outro extremo se o mediador M comum agraves duas listas for contraacuterio ao extremo maior A e universalmente atribuiacutedo ao extremo menor E o mediador M seraacute tal que MeA e EaM ou AeM e EaM possibilitando a prova de EeA (respectivamente) por Celarent e por Cesare mas se o mediador M for contraacuterio ao extremo menor E e universalmente atribuiacutedo ao extremo maior A M seraacute tal que AaM e EeM restringindo a prova de EeA a Camestres35 Por fim para provar a relaccedilatildeo particular negativa EoA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios ao extremo maior A e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente Assim o mediador M seraacute tal que MeA e MaE o que prova EoA por Felapton36

Em todas as recomendaccedilotildees do capiacutetulo 28 Aristoacuteteles se orienta pelas conclusotildees almejadas propondo a partir delas procedimentos de busca e localizaccedilatildeo dos fatores capazes de acarretar cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas A estrateacutegia de Aristoacuteteles portanto natildeo consiste em partir de premissas e deduzir os resultados que delas se seguem mas fazendo o caminho inverso consiste em partir da conclusatildeo e buscar o termo mediador capaz de articular os extremos na relaccedilatildeo categoacuterica (a e i ou o) da conclusatildeo

Por natildeo captar a natureza invertida dessa estrateacutegia Patzig natildeo compreendeu plenamente o que Aristoacuteteles propusera e julgou que o capiacutetulo 28 muito mais que o capiacutetulo 27 impunha severas restriccedilotildees agrave lista de termos capazes de figurar em silogismos aristoteacutelicos Na verdade o capiacutetulo 28 nem sequer trata da questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera mas limita-se a descrever os paracircmetros de

34 Ibidem 43b 43ndash44a 2 35 An Pr I 44a 2ndash8 36 An Pr I 28 44a 9ndash11

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

28

localizaccedilatildeo do mediador de cada forma categoacuterica Eacute claro que ao descrever esses paracircmetros Aristoacuteteles acaba por assumir certos pressupostos que em uacuteltimo caso podem ter algum efeito sobre a lista de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica Ainda assim eacute preciso observar que as recomendaccedilotildees apresentadas no capiacutetulo 28 satildeo pensadas em relaccedilatildeo agrave prova de cada proposiccedilatildeo categoacuterica em particular Por isso os pressupostos envolvidos nessas recomendaccedilotildees bem como as eventuais restriccedilotildees de termos que lhes sejam correlatas deveratildeo ter aplicaccedilatildeo circunscrita a cada caso isto eacute aos procedimentos de prova de cada conclusatildeo em particular

Patzig parece natildeo ter dado a devida atenccedilatildeo a esse detalhe pois embora compreenda os seus axiomas como pressupostos impliacutecitos das recomendaccedilotildees de Aristoacuteteles ndash recomendaccedilotildees cuja aplicaccedilatildeo estaacute circunscrita a cada caso ndash Patzig os assume como vaacutelidos para termos de todo e qualquer silogismo37 No entanto eacute flagrante que certos silogismos natildeo dependem de alguns de seus axiomas Um arquetiacutepico silogismo em Barbara por exemplo funciona perfeitamente bem sem pressupor para qualquer de seus termos a validade do terceiro axioma isto eacute sem pressupor que exista para qualquer de seus termos (ou mesmo para qualquer de seus extremos para ser fiel ao capiacutetulo 28) um termo que lhe seja ldquocontraacuteriordquo

Ao que tudo indica o que levou Patzig a estender a validade de seus axiomas sobre todos os silogismos eacute o trecho 44a 12minus17 em que Aristoacuteteles estipula letras para as listas de termos com as quais pretende trabalhar na exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova38 Na referida passagem Aristoacuteteles considera basicamente trecircs tipos de termos que se distinguem pelo termo extremo que lhes eacute correlato bem como pela relaccedilatildeo predicativa que cada um manteacutem com esse extremo Para cada extremo Aristoacuteteles estipula (i) termos que lhe satildeo atribuiacutedos universalmente (ii) termos aos quais ele proacuteprio se atribui universalmente e (iii) termos que natildeo lhe

37 Patzig (1959) sect3 p 6ndash7 38 An Pr I 28 44a 12minus17

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

29

podem ser atribuiacutedos Os termos de primeiro tipo devem ter servido de estiacutemulo para a necessidade de termos superordenados proacuteprios que eacute marca do segundo axioma de Patzig os termos de segundo tipo por sua vez para a necessidade de termos subordinados proacuteprios marca do primeiro axioma os de terceiro por fim para a necessidade de termos ldquocontraacuteriosrdquo marca do terceiro axioma

Eacute bem verdade que os termos estipulados por Aristoacuteteles envolvem certa analogia com os axiomas propostos por Patzig Mas eacute preciso notar em primeiro lugar que nenhum dos procedimentos de prova descritos por Aristoacuteteles depende da estipulaccedilatildeo dos trecircs tipos de termos39 A recomendaccedilatildeo de prova da proposiccedilatildeo particular afirmativa por exemplo requer apenas (ii) termos aos quais os extremos se atribuem universalmente40 O fato de Aristoacuteteles jaacute estipular de antematildeo trecircs tipos de termos para cada extremo natildeo torna obrigatoacuterio que todo e qualquer extremo (e muito menos que todo e qualquer termo silogiacutestico como prefere Patzig) independentemente do silogismo a que pertenccedila dependa dos trecircs tipos de termos estipulados precisamente porque a estipulaccedilatildeo desses termos estaacute ancorada em um par de extremos que eacute muito peculiar Esse par de extremos eacute pensado com propoacutesitos didaacuteticos orientados agrave exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova de cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas (a e i e o) Trata-se de um par de extremos que em benefiacutecio da exposiccedilatildeo eacute assumido como articulaacutevel em qualquer das relaccedilotildees categoacutericas Poreacutem essa assunccedilatildeo soacute faz sentido no contexto preciso dessa exposiccedilatildeo de procedimentos de prova afinal algumas dessas relaccedilotildees categoacutericas satildeo incompatiacuteveis entre si ndash por exemplo as relaccedilotildees universal afirmativa e particular negativa Por isso devemos presumir que as estipulaccedilotildees de termos que lhes datildeo suporte tambeacutem o satildeo e portanto natildeo podem valer em conjunto e para todos os casos

39 Idem 44a 17minus30 40 Ibidem 44a 19minus21

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

30

Para esclarecer esse ponto retomemos rapidamente os procedimentos de prova das proposiccedilotildees universal afirmativa e particular negativa41 Assumindo um mesmo par de extremos como faz Aristoacuteteles estaremos diante de proposiccedilotildees contraditoacuterias (EaA e EoA) Dado que tais proposiccedilotildees satildeo incompatiacuteveis as condiccedilotildees das quais elas satildeo provenientes tambeacutem o seratildeo Dizendo de outro modo a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (i) termos aos quais o extremo maior se atribui universalmente e (ii) termos que se atribuem universalmente ao extremo menor eacute incompatiacutevel com a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (irsquo) termos aos quais o extremo maior natildeo pode ser atribuiacutedo e (iirsquo) termos aos quais o extremo menor se atribui universalmente Assim em presenccedila das condiccedilotildees de prova de uma das proposiccedilotildees incompatiacuteveis as condiccedilotildees da outra poderatildeo ser dispensadas jaacute que satildeo condiccedilotildees requeridas para uma prova cuja possibilidade jaacute natildeo existe E natildeo haacute razatildeo para manter os termos estipulados e dispensar apenas a possibilidade de um termo comum entre as listas pois ambos os pressupostos satildeo requisitados para servir um uacutenico e mesmo propoacutesito o de estabelecer condiccedilotildees para a prova da relaccedilatildeo categoacuterica que se pretende obter Natildeo haacute uma razatildeo que justifique a manutenccedilatildeo das listas de termos estipulados em detrimento da possibilidade de um termo comum entre as listas pois o propoacutesito que introduz uma exigecircncia tambeacutem introduz a outra Sob essa perspectiva fica claro que os termos estipulados no trecho 44a 12minus17 natildeo podem ser pressupostos indispensaacuteveis de quaisquer termos silogiacutesticos tampouco pressupostos que devem ser satisfeitos em conjunto por termos de todo e qualquer silogismo Afinal Aristoacuteteles estipula cada uma das listas supondo que seus termos seratildeo candidatos agrave funccedilatildeo de mediador (e natildeo agrave funccedilatildeo de termos silogiacutesticos) e o faz segundo as exigecircncias especiacuteficas envolvidas na prova de cada relaccedilatildeo categoacuterica em particular (a e i ou o) Compreender tais listas como pressupostos

41 An Pr I 28 43b 39minus43 e 44a 9minus11

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

31

que devem ser satisfeitos por todo e qualquer termo silogiacutestico eacute um equiacutevoco

Em segundo lugar o capiacutetulo 28 natildeo parece estar orientado propriamente agrave prova silogiacutestica das formas categoacutericas mas em algum sentido agrave demonstraccedilatildeo de tais relaccedilotildees Haacute indiacutecios que sugerem essa leitura O principal deles talvez seja o fato de Aristoacuteteles se mostrar interessado em localizar um meson que fica no meio do caminho entre um mediador que satisfaz requisitos meramente dedutivos e um mediador que supera tais requisitos e se configura como um fator explanatoacuterio em uma legiacutetima demonstraccedilatildeo cientiacutefica42 Retomemos por exemplo as recomendaccedilotildees de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) Em 43b 43ndash44a 2 Aristoacuteteles recomenda a prova de EiA por premissas universais conduzindo a prova a um silogismo em Darapti embora admita a possibilidade de concluir proposiccedilotildees particulares a partir de um par de premissas em que apenas uma eacute universal (41b 22minus27) Em 44a 9ndash11 a exemplo do que ocorre com a prova de EiA Aristoacuteteles recomenda a prova de EoA novamente por premissas universais desta vez conduzindo a prova a um silogismo em Felapton Essas duas recomendaccedilotildees de prova pressupotildeem que o meson requisitado para a prova natildeo eacute um mediador meramente dedutivo mas um mediador que se articula com os extremos exclusivamente por relaccedilotildees universais Eacute claro que esse cenaacuterio ainda estaacute muito distante daquele que temos por exemplo no capiacutetulo 2 do Livro II de Segundos

42 Em uma demonstraccedilatildeo cientiacutefica natildeo basta que o mediador se relacione com os extremos de tal modo que a deduccedilatildeo da conclusatildeo esteja formalmente assegurada Aristoacuteteles ainda exige que o mediador satisfaccedila certos requisitos natildeo formais O principal deles eacute o de explicar adequadamente por que o extremo maior se atribui ao extremo menor (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 por exemplo essa diferenccedila (entre um mediador que satisfaz exigecircncias meramente dedutivas e um mediador que funciona como explicaccedilatildeo do fato relatado na conclusatildeo) eacute utilizada como criteacuterio baacutesico para distinguir o conhecimento de que C eacute A (conhecimento do fato) e o conhecimento de por que C eacute A (conhecimento da causa)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

32

Analiacuteticos (90a 6minus7) em que o meson eacute pensado como a causa que explica por que a relaccedilatildeo dada entre os extremos explicitada na conclusatildeo da demonstraccedilatildeo eacute o caso Mesmo assim temos o suficiente para mostrar que Aristoacuteteles natildeo estaacute levando em conta todos os silogismos de seu sistema loacutegico mas apenas aqueles nos quais ambas as premissas satildeo universais Por que razatildeo exatamente Aristoacuteteles faz essa escolha eacute algo a se investigar O que nos importa eacute que essa escolha restringe o escopo do capiacutetulo a um grupo especiacutefico de silogismos o que natildeo eacute compatiacutevel com a validade irrestrita dos axiomas propostos por Patzig

Em terceiro lugar Aristoacuteteles natildeo lida com as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo proacutepria superordenaccedilatildeo proacutepria e contrariedade mas prefere (i) termos que acompanham o extremo (τὰ ἑπόμενα) (ii) termos aos quais o extremo acompanha (οἷς αὐτὸ ἕπεται) e (iii) termos que natildeo podem ser atribuiacutedos ao extremo (ἃ μὴ ἐνδέχεται αὐτῷ ὑπάρχειν) Essa diferenccedila natildeo eacute apenas terminoloacutegica mas conceitual As relaccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias pressupotildeem termos que natildeo satildeo coextensivos se X eacute um termo subordinado proacuteprio de Y XaY eacute o caso mas YaX natildeo se Z eacute um termo superordenado proacuteprio de Y YaZ eacute o caso mas ZaY natildeo O proacuteprio Patzig reconhece essas consequumlecircncias ao formular os seus dois primeiros axiomas43 Aristoacuteteles no entanto ao se valer das relaccedilotildees de ldquoacompanhamentordquo entre os termos natildeo hesita em rejeitaacute-las No capiacutetulo 29 por exemplo Aristoacuteteles menciona a possibilidade de provar por hipoacutetese (συλλογίσασθαι ἐξ ὑποθέσεως) os problemas universais (a e e) assumindo precisamente a possibilidade de coextensatildeo entre os termos envolvidos possibilidade da qual Patzig parece prescindir ao formular seus axiomas A passagem agrave qual nos referimos eacute a seguinte

εἰ γὰρ τὸ Γ καὶ τὸ Η ταὐτὰ εἴη μόνοις δὲ ληφθείη τοῖς Η τὸ Ε ὑπάρχειν παντὶ ἂν τῷ Ε τὸ Α ὑπάρχοι καὶ πάλιν εἰ τὸ Δ καὶ Η ταὐτὰ μόνων δὲ τῶν Η τὸ Ε κατηγοροῖτο ὅτι οὐδενὶ τῷ Ε τὸ Α ὑπάρξει

43 Patzig (1959 sect3 p 6ndash7)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

33

Com efeito se C e G fossem o mesmo mas se assumisse que E se atribui apenas aos Grsquos A se atribuiria a todo E Novamente se D e G fossem o mesmo mas E se afirmasse apenas dos Grsquos A se atribuiraacute a nenhum E (45b 24minus27)

Em 44a 12minus17 Aristoacuteteles jaacute havia estipulado que a letra C representaria um termo ao qual o extremo maior A acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente tambeacutem foi estipulado que a letra G representaria um termo ao qual o extremo menor E acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente por fim ainda ficou decidido que a letra D representaria um termo que natildeo pode ser atribuiacutedo ao extremo maior A Assim a identidade entre C e G a exemplo do que ocorre em 44a 19minus21 conduz a prova de EiA a um silogismo em Darapti ao passo que a identidade entre D e G a exemplo do que ocorre em 44a 28minus30 conduz a prova de EoA a um silogismo em Felapton44 No entanto nessa passagem embora os procedimentos de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) sejam acionados aquilo que se quer mostrar eacute de que modo podemos provar por hipoacutetese (ἐξ ὑποθέσεως) as proposiccedilotildees universais Para alcanccedilar esse resultado Aristoacuteteles assume que o extremo menor E se atribui apenas (μόνον) a G o que pode ser interpretado como uma maneira diferente de dizer que E e G satildeo termos coextensivos Sinal disso eacute o seguinte ao assumir que E se atribui apenas a G Aristoacuteteles se vecirc autorizado a concluir as proposiccedilotildees universais EaA e EeA o que soacute faz sentido sob o pressuposto de que G e E satildeo termos coextensivos De fato sob tal pressuposto a premissa menor GaE pode ser ldquoconvertidardquo em EaG o que transforma Darapti em Barbara bem como Felapton em Celarent Mas se os termos aos quais o extremo menor E acompanha forem pensados como termos subordinados proacuteprios de E GaE seraacute o caso mas EaG natildeo Por conseguinte tampouco as conclusotildees EaA e EeA se seguiriam Assim se quisermos conferir sentido agrave passagem temos que assumir que Aristoacuteteles recorreu agrave possibilidade de construir silogismos com termos

44 Darapti CaA GaE rarr EiA (C=G) Felapton DeA GaE rarr EoA (D=G)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

34

que satildeo coextensivos e se assim for podemos dizer que para Aristoacuteteles a presenccedila de silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos em sua loacutegica natildeo causava qualquer inconveniente45

Segundo nos parece as razotildees alegadas ateacute aqui jaacute satildeo suficientes para mostrar que os axiomas de Patzig natildeo podem servir como criteacuterios delimitadores de termos silogiacutesticos Ainda assim vale a pena examinar duas passagens que eventualmente poderiam ser invocadas contra a interpretaccedilatildeo que propomos Embora natildeo sejam citadas pelos proponentes das opiniotildees tradicionais natildeo eacute difiacutecil imaginar que elas tenham servido de inspiraccedilatildeo para aqueles que defendem a exclusatildeo dos termos transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo De fato agrave primeira vista tais passagens podem nos levar a pensar que Aristoacuteteles natildeo guardou lugar para tais termos na silogiacutestica No entanto como veremos isso soacute eacute verdade agrave primeira vista

45 O capiacutetulo 29 natildeo eacute a uacutenica evidecircncia de silogismos com termos coextensivos na silogiacutestica No capiacutetulo 5 do Livro II de Primeiros Analiacuteticos precisamente em 57b 35minus58a 12 Aristoacuteteles trabalha com silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos Por sua vez no capiacutetulo 22 em 67b 27minus32 Aristoacuteteles inicia o texto dizendo que a coextensatildeo entre os termos extremos de um silogismo requer um mediador tambeacutem coextensivo o que revela por parte de Aristoacuteteles plena consciecircncia a respeito da existecircncia de silogismos com triacuteades coextensivas Nos Segundos Analiacuteticos o interesse de Aristoacuteteles por demonstraccedilotildees que envolvem termos coextensivos pode ser classificado como uma obsessatildeo Basta notar que a proacutepria demonstraccedilatildeo universal ndash aquela que eacute considerada por Aristoacuteteles como cientiacutefica no mais alto grau ndash tem como uma de suas principais caracteriacutesticas a coextensatildeo entre os trecircs termos do silogismo (cf Seg An I 4 73b 32minus74a 3) o que revela o papel central das triacuteades coextensivas no projeto aristoteacutelico que eacute inaugurado com a silogiacutestica e culmina nas demonstraccedilotildees cientiacuteficas (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 e II 16 Aristoacuteteles novamente recorre a termos coextensivos na formulaccedilatildeo de silogismos A nossa preferecircncia pela passagem 45b 24minus27 do capiacutetulo 29 de Primeiros Analiacuteticos se daacute apenas com base em sua conexatildeo indiscutiacutevel com o capiacutetulo 28 no qual Patzig julga encontrar seus axiomas

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

35

Uma das passagens agraves quais nos referimos eacute aquela com a qual Aristoacuteteles encerra o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I Vejamos o que diz Aristoacuteteles

ἔτι τὰ πᾶσιν ἑπόμενα οὐκ ἐκλεκτέον οὐ γὰρ ἔσται συλλογισμὸς ἐξ αὐτων διrsquo ἣν δrsquo αἰτίαν ἐν τοῖς ἑπομένοις ἔσται δῆλον Aleacutem disso natildeo eacute preciso selecionar os itens que acompanham todas as coisas pois natildeo haacute silogismo a partir deles A razatildeo disso ficaraacute evidente a seguir (43b 36minus38)

Essa passagem trata dos termos transcategoriais de generalidade total (τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) e delega a justificativa de seu proacuteprio pronunciamento ao capiacutetulo seguinte no qual Patzig encontrou inspiraccedilatildeo para seus axiomas No capiacutetulo 28 cumprindo o prometido Aristoacuteteles retoma esse assunto e reitera a impossibilidade de construir silogismos a partir de termos de generalidade total

φανερὸν οὖν ὅτι διὰ τῶν προειρημένων σχημάτων οἱ συλλογισμοὶ πάντες καὶ ὅτι οὐκ ἐκλεκτέον ὅσα πᾶσιν ἕπεται διὰ τὸ μηδένα γίγνεσθαι συλλογισμὸν ἐξ αὐτῶν κατασκευάζειν μὲν γὰρ ὅλως οὐκ ἦν ἐκ τῶν ἑπομένων ἀποστερεῖν δrsquo οὐκ ἐνδέχεται διὰ τοῦ πᾶσιν ἑπομένου δεῖ γὰρ τῷ μὲν ὑπάρχειν τῷ δὲ μὴ ὑπάρχειν Eacute evidente entatildeo que todos os silogismos vecircm a ser atraveacutes das figuras previamente mencionadas e que natildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisas porque nenhum silogismo vem a ser a partir deles De fato de modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanham e natildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outro (44b 19minus24)

Fora de contexto e em uma leitura mais apressada essas duas passagens podem nos levar a crer que a opiniatildeo tradicional que afasta da silogiacutestica os termos de generalidade total (como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) de fato encontra respaldo nos textos de Aristoacuteteles No entanto mais uma vez eacute preciso levar em conta que o capiacutetulo 28 eacute marcado pela

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

36

descriccedilatildeo de estrateacutegias de localizaccedilatildeo de termos mediadores e natildeo de termos em geral Dizendo de outro modo Aristoacuteteles natildeo estaacute interessado em localizar os termos que deveratildeo encerrar a conclusatildeo de um silogismo pelo contraacuterio tais termos jaacute estatildeo plenamente determinados bem como a relaccedilatildeo proposicional (a e i e o) que haacute entre eles dado que a conclusatildeo na qual interagem funciona como ponto de partida da investigaccedilatildeo empreendida no capiacutetulo O que interessa para Aristoacuteteles eacute a localizaccedilatildeo de termos mediadores e eacute nesse horizonte que tais passagens devem ser lidas Assim ao negar a possibilidade de construir silogismos a partir de termos transcategoriais de generalidade total (ἐξ αὐτῶν) o que Aristoacuteteles quer dizer eacute que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos46 nos quais a funccedilatildeo de mediador seja desempenhada por um termo desse tipo razatildeo pela qual na busca pelo mediador recomenda Aristoacuteteles ldquonatildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisasrdquo (44b 20minus21) Para justificar essa recomendaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta duas razotildees (i) ldquode modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanhamrdquo (44b 22minus23) (ii) ldquonatildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outrordquo (44b 23minus24) Na primeira razatildeo Aristoacuteteles parece reconsiderar as listas de termos estipuladas no trecho 44a 11minus17 pressupondo ao que tudo indica que os transcategoriais de generalidade total soacute podem figurar em listas de termos que acompanham os extremos Isso se justificaria pela natureza inapta de tais termos para o papel de sujeito em proposiccedilotildees silogiacutesticas conforme se constata no capiacutetulo I 27 Assim na medida em que nas provas afirmativas a busca pelo mediador natildeo envolve

46 Na verdade como o escopo do capiacutetulo 28 natildeo abarca todo e qualquer silogismo seria mais correto dizer que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos (nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas) assumindo um termo de generalidade total na funccedilatildeo de mediador

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

37

apenas a lista de termos que acompanham um dos extremos mas tambeacutem a lista de termos aos quais um dos extremos acompanha (ver 43b 39minus44a 2) os transcategoriais de generalidade total perdem a candidatura agrave funccedilatildeo de mediador e jaacute de saiacuteda nem sequer precisam ser considerados47 Na segunda razatildeo por sua vez Aristoacuteteles leva em conta o fato de que as provas negativas dependem de um mediador capaz de figurar em proposiccedilotildees universais negativas verdadeiras exigecircncia que natildeo estaacute no alcance dos termos de generalidade total Afinal se estamos diante de um transcategorial desse tipo de antematildeo jaacute assumimos a inexistecircncia de um termo do qual ele natildeo seja predicado Assim os termos de generalidade total ficam impedidos de serem atribuiacutedos a um extremo e natildeo atribuiacutedos ao outro (44b 24) como deve ser o mediador de um silogismo negativo

O que eacute verdade portanto eacute que Aristoacuteteles dispensa os termos de generalidade total da funccedilatildeo de mediador De fato quando se pretende construir silogismos nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas tal como ocorre no capiacutetulo 28 a busca do mediador entre transcategoriais de generalidade total eacute sempre infrutiacutefera porque soacute poderaacute devolver como resposta pretensos fatores de mediaccedilatildeo marcados por duas deficiecircncias principais a

47 Supomos que em tais passagens Aristoacuteteles de fato tem em mente as recomendaccedilotildees de prova apresentadas no iniacutecio do capiacutetulo 28 de modo que apenas os silogismos em Barbara e Darapti sejam considerados como silogismos afirmativos (cf 43b 39minus44a 2) Assim entendemos que o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 se justificaria porque os termos de generalidade total na prova de a natildeo podem integrar a lista de termos aos quais o extremo maior acompanha bem como na prova de i a lista de termos aos quais ambos os extremos acompanham No entanto ainda que os demais silogismos afirmativos sejam levados em conta o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 continua verdadeiro jaacute que Darii Disamis e Datisi tambeacutem exigem que o mediador esteja entre os termos aos quais o(s) extremo(s) acompanha(m)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

38

impossibilidade de desempenhar a funccedilatildeo de sujeito de modo legiacutetimo e a incapacidade de compor proposiccedilotildees negativas verdadeiras

Nenhuma das passagens mencionadas acima (43b 36minus38 e 44b 19minus24) eacute citada ndash nem por Lukasiewicz nem por Patzig ndash como evidecircncia de que Aristoacuteteles teria rejeitado os termos de generalidade total em seu sistema loacutegico Poreacutem diante da escassez de evidecircncias em favor da suposta exclusatildeo de tais termos natildeo eacute insensato presumir que os proponentes dessa exclusatildeo tenham encontrado inspiraccedilatildeo nelas

Na proacutexima seccedilatildeo examinaremos textos nos quais Aristoacuteteles constroacutei silogismos com termos de natureza singular Veremos que o incocircmodo com a presenccedila de tais termos na silogiacutestica eacute menos de Aristoacuteteles e mais de seus inteacuterpretes 3 Termos Singulares e o Silogismo Peripateacutetico

Jaacute comentamos o fato de Lukasiewicz ter feito pesadas criacuteticas agrave silogiacutestica em especial ao suposto fato de Aristoacuteteles ter afastado os termos de natureza singular de seu sistema loacutegico o que seria segundo Lukasiewicz ldquoo maior defeitordquo da loacutegica aristoteacutelica48 Ao que parece o responsaacutevel por levaacute-lo por esse caminho foi Ross que tomou nota do tambeacutem suposto fato de Aristoacuteteles nunca se valer de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos49 Lukasiewicz reiterou a constataccedilatildeo de Ross (embora natildeo o cite) e nela encontrou razatildeo para natildeo reconhecer como rigorosamente aristoteacutelico o silogismo que qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo silogismo formulado em primeira figura com um nome proacuteprio como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo

De acordo com a triparticcedilatildeo de termos que pudemos conhecer no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I (Seccedilatildeo II Parte 1) natildeo temos qualquer razatildeo para expulsar da silogiacutestica os termos de natureza singular Eacute

48 Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect3 p 6) 49 Ross (1949 p 289 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

39

claro que Aristoacuteteles natildeo deixa de lhes endereccedilar certas restriccedilotildees poreacutem vale a pena repetir nenhuma das restriccedilotildees introduzidas por Aristoacuteteles no referido capiacutetulo tem forccedila suficiente para expulsar os termos singulares da loacutegica aristoteacutelica De fato embora tais termos natildeo possam figurar em proposiccedilotildees como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nada impede que outros termos lhes sejam atribuiacutedos por conseguinte embora natildeo possam ser demonstrados como legiacutetimos predicados de outros termos nada impede que outros termos sejam demonstrados como predicados deles50

Fora dos Analiacuteticos jaacute esbarramos em indiacutecios que vatildeo nessa direccedilatildeo No capiacutetulo 10 de Metafiacutesica XIII (My) por exemplo haacute uma breve passagem que sugere esse resultado Enquanto argumenta em favor da tese de que ldquoo conhecimento eacute de universaisrdquo (ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου) Aristoacuteteles parece supor que os termos singulares ldquoeste triacircngulordquo e ldquoeste homemrdquo tambeacutem satildeo suscetiacuteveis de operaccedilotildees silogiacutesticas

[] ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου δῆλον δrsquo ἐκ τῶν ἀποδείξεων καὶ τῶν ὁρισμῶν οὐ γὰρ γίγνεται συλλογισμὸς ὅτι τόδε τὸ τρίγωνον δύο ὀρθαῖς εἰ μὴ πᾶν τρίγωνον δύο ὀρθαί οὐδrsquo ὅτι ὁδὶ ὁ ἄνθρωπος ζῷον εἰ μὴ πᾶς ἄνθρωπος ζῷον [] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos a natildeo ser que todo triacircngulo possua dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal a natildeo ser que todo homem seja animal (1086b 34minus37)

Poreacutem essa passagem natildeo eacute tatildeo simples quanto pode parecer agrave primeira vista51 Paul Shorey por exemplo reprovaria jaacute a traduccedilatildeo que

50 An Pr I 27 43a 25minus29 e 39minus40 Ao comentar o capiacutetulo 27 Mignucci (1969 p 443) tambeacutem reconhece a possibilidade ldquodi costruire dimostrazioni e sillogismi anche relativamente a singolarirdquo citando Alexandre que tambeacutem jaacute a observa em seus comentaacuterios (An Pr p 293 13minus23) 51 Shorey (1913)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

40

propomos porque ela faz crer que Aristoacuteteles estabelece uma relaccedilatildeo de dependecircncia dedutiva (silogiacutestica) entre proposiccedilotildees dependecircncia que de fato existe mas da qual para Shorey a passagem em questatildeo natildeo trataria De acordo com Shorey as ocorrecircncias de εἰ μὴ nas linhas 33 e 36 natildeo significam ldquo[] lsquounlessrsquo but is to be taken in its idiomatic sense as a virtual equivalent of ἀλλάrdquo Nesse caso uma traduccedilatildeo mais fiel agrave posiccedilatildeo de Shorey seria a seguinte

[] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos mas de que todo triacircngulo tem dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal mas de que todo homem eacute animal (1086b 34minus37)

Assim o texto estabeleceria natildeo que as proposiccedilotildees singulares no papel de conclusotildees silogiacutesticas satildeo (dedutivamente) dependentes das proposiccedilotildees universais mas que as conclusotildees propriamente silogiacutesticas satildeo universais (universalmente quantificadas) e natildeo singulares

Ross52 ao tratar dessa passagem natildeo deixa de comentar a posiccedilatildeo de Shorey

He [Shorey] argues that in l 33 knowledge is said to be lsquoofrsquo universals ie to have universal conclusions as well as universal premises [hellip] and that singular propositions never occur as conclusions in Aristotlersquos logical writings

Na verdade Shorey53 natildeo chega a dizer que proposiccedilotildees singulares nunca ocorrem como conclusotildees silogiacutesticas nos escritos loacutegicos de Aristoacuteteles embora passe perto disso

The syllogism with a particular54 conclusion is an inferior type (Analyt Post 79a 25ff) [hellip] Aristotle does not recognize singular proposition in his classification (Analyt Priora A1 Grote Aristotle I 205) and the

52 Ross (1953 p 464) 53 Shorey (1913 p 91) 54 Nesse contexto Shorey assume ldquoparticularrdquo e ldquosingularrdquo como equivalentes

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

41

conclusion to an individual case interests him very little and is practically ignored

Shorey tem alguma razatildeo em alegar que os silogismos que concluem proposiccedilotildees singulares (tambeacutem conhecidos como ldquoperipateacuteticosrdquo) satildeo de um tipo inferior especialmente quando se leva em conta o horizonte das demonstraccedilotildees cientiacuteficas55 mas erra quando recorre ao trecho 79a 25ss para dar base textual a tal alegaccedilatildeo ndash o referido trecho nem mesmo trata desse assunto Por sua vez e contra Shorey Ross56 surpreende ao alegar o seguinte

There are however occasional references in Aristotle to the occurrence of singular propositions as the minor premise or conclusion of syllogisms (eg An Pr 43a 37minus40) []

55 Para Aristoacuteteles o silogismo dito cientiacutefico no mais alto grau eacute a chamada demonstraccedilatildeo universal Eacute importante notar que aqui o adjetivo ldquouniversalrdquo tem um sentido muito preciso e natildeo se justifica pela mera ocorrecircncia de uma conclusatildeo universalmente quantificada Em Segundos Analiacuteticos I 4 73b 32minus74a 3 por exemplo Aristoacuteteles argumenta que a demonstraccedilatildeo universal natildeo conclui que todo isoacutesceles tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos mas que todo triacircngulo tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos revelando um requisito que envolve o ajuste preciso do extremo menor a partir de condiccedilotildees estabelecidas pelo extremo maior (cf Seg An I 5 74a 4minus6 13minus17 25minus32 74b 21minus26 I 24 85b 4minus15) Para Aristoacuteteles o predicado ldquoter a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retosrdquo ndash daqui para frente apenas ldquo2Rrdquo ndash se atribui a ldquoisoacutescelesrdquo de um modo que em algum sentido eacute parasitaacuterio da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo dado que isoacutesceles tem 2R na exata medida em que eacute triacircngulo Em outras palavras a atribuiccedilatildeo de ldquo2Rrdquo a ldquoisoacutescelesrdquo eacute entendida como indireta e dependente da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo Nesse contexto eacute natural presumir que um silogismo peripateacutetico seja concebido como inferior em relaccedilatildeo aos demais minus especialmente no que diz respeito ao grau de cientificidade minus jaacute que sua conclusatildeo natildeo poderaacute satisfazer as exigecircncias de uma legiacutetima conclusatildeo cientiacutefica tal como ocorre em uma demonstraccedilatildeo universal Jaacute quanto agraves propriedades dedutivas envolvidas em tal silogismo natildeo haacute razatildeo para consideraacute-lo inferior Para apreciaccedilatildeo detalhada da noccedilatildeo de demonstraccedilatildeo universal ver Angioni (2007) 56 Ross (1953 p 464)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

42

Ross supotildee que o argumento de Shorey pretende estabelecer a exclusatildeo dos termos singulares do domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica e aponta a passagem 43a 37minus40 como evidecircncia textual incompatiacutevel com essa exclusatildeo Temos aqui uma mudanccedila de opiniatildeo De fato conforme pudemos ver na primeira seccedilatildeo deste artigo ao tratar do trecho 43a 37minus43 na ediccedilatildeo comentada do texto grego de Primeiros e Segundos Analiacuteticos Ross chega a dizer que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares em seus exemplos de silogismos e argumenta em favor de uma silogiacutestica restrita a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ)57 Agora ao comentar a passagem 1086a 34minus37 de Metafiacutesica XIII (My) 10 Ross reconhece no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I uma evidecircncia em favor da inclusatildeo dos termos singulares na silogiacutestica Aparentemente o proacuteprio Ross natildeo tinha muita convicccedilatildeo a respeito da inclusatildeo ou exclusatildeo dos termos de natureza singular

De nossa parte admitimos que a passagem 1086a 34minus37 eacute digna da controveacutersia introduzida por Shorey ndash embora tenhamos mais apreccedilo pela interpretaccedilatildeo de Ross No entanto mesmo que Shorey tenha razatildeo a respeito do referido trecho de Metafiacutesica XIII (My) 10 a presenccedila de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares na silogiacutestica natildeo estaraacute ameaccedilada porque ainda podemos nos valer de passagens muito mais promissoras para decidir essa questatildeo passagens nas quais o proacuteprio Aristoacuteteles elabora cocircmputos silogiacutesticos com termos singulares como se a presenccedila deles na silogiacutestica natildeo lhe figurasse como uma anomalia

Patzig tinha conhecimento dessas passagens e fez questatildeo de citaacute-las no primeiro capiacutetulo de seu livro corrigindo o suposto fato alegado por Ross e Lukasiewicz de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos exemplos de silogismos que aparecem em Primeiros Analiacuteticos No entanto Patzig natildeo recorre a tais passagens a fim de reintroduzir os termos singulares na silogiacutestica mas procura

57 Idem 1949 p 384

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

43

desqualificaacute-las e assim reiterar os resultados de seus antecessores De fato embora reconheccedila as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 do Livro I bem como de ldquoPitacosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II Patzig manteacutem a posiccedilatildeo tradicional que afasta os termos de natureza singular da loacutegica aristoteacutelica alegando apenas que a ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo (70a 16minus20) se daacute em um silogismo invaacutelido ao passo que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo (47b 15ss) aparecem em premissas das quais nada se segue58

Eacute bem verdade que as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 de Primeiros Analiacuteticos I estatildeo associadas a pares de premissas dos quais nenhuma conclusatildeo se segue coisa que o proacuteprio Aristoacuteteles natildeo hesita em admitir No entanto embora sejam inconcludentes esses pares de premissas acomodam seus termos em disposiccedilotildees muito similares agravequelas de um silogismo vaacutelido (Barbara)59 o que lhes confere as feiccedilotildees de que satildeo concludentes quando na verdade natildeo o satildeo De acordo com Aristoacuteteles o que os impede de serem concludentes eacute o fato de que a premissa maior natildeo eacute universal60 Em 47b 26minus28 essa justificativa eacute apresentada por meio de um pronunciamento que merece alguma atenccedilatildeo Aristoacuteteles anuncia o fato de a premissa maior natildeo ser universal como quem supotildee que fosse ela universal o problema estaria resolvido e assim o par de premissas seria concludente61 Ora na medida em que Aristoacuteteles atribui o caraacuteter inconcludente dos pares de premissas precisamente agraves premissas maiores (e natildeo agraves premissas menores nas quais ocorrem os termos singulares) presume-se que esses termos natildeo introduzem qualquer caracteriacutestica censuraacutevel nos silogismos ali formulados Assim o fato de que natildeo estamos diante de pares de premissas concludentes por si soacute natildeo eacute

58 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 59 An Pr I 33 47b 21minus37 60 Idem 47b 26minus29 34minus37 e 38minus39 61 O uso contrafactual de ἔδει na linha 27 sugere essa leitura

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

44

suficiente para recusar ao capiacutetulo 33 o papel de evidecircncia em favor de tais termos na silogiacutestica62

Quanto agrave ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo em Primeiros Analiacuteticos II 27 (70a 16minus20) Patzig tem alguma razatildeo em alegar que ela se daacute em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido No entanto eacute preciso ajustar essa alegaccedilatildeo porque Aristoacuteteles natildeo descreve o argumento em questatildeo propriamente como um silogismo mas como um sinal (σημεῖον) e ao que parece um sinal e um silogismo ndash um legiacutetimo silogismo e natildeo um mero entimema ndash estatildeo longe de ser a mesma coisa63 Aleacutem disso temos uma ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo no mesmo capiacutetulo que eacute bem mais relevante para a discussatildeo mas que foi completamente ignorada pelos comentadores

Em 70a 26minus28 Aristoacuteteles formula dois silogismos nos quais aparece o termo singular ldquoPitacosrdquo Um deles eacute descrito como refutaacutevel (λύσιμος)64 basicamente porque a conclusatildeo natildeo se segue das premissas65 Natildeo precisamos nos deter nele Por ora o silogismo que fora introduzido algumas linhas antes e que foi descrito por Aristoacuteteles como irrefutaacutevel (ἄλυτος)66 eacute muito mais interessante Esse silogismo tem exatamente a formulaccedilatildeo paradigmaacutetica que Lukasiewicz qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo e agrave qual negou lugar na loacutegica aristoteacutelica Vale a pena citar essa passagem para marcar bem a presenccedila desse tipo de silogismo na loacutegica de Aristoacuteteles

62 M Malink (2009 p 119) por exemplo contrariando Patzig aponta o capiacutetulo I 33 minus bem como II 27 do qual trataremos a seguir minus como evidecircncia em favor de termos singulares na silogiacutestica Ver tambeacutem Mignucci ldquoAristotlersquos Theory of Predicationrdquo p 10 ldquoParts Quantification and Aristotelian Predicationrdquo p 11 e Barnes ldquoTruth etcrdquo p 158-166 63 An Pr II 27 70a 24minus25 64 Ibidem 30minus31 e 34minus35 65 Ibidem 27minus28 e 30minus32 66 Ibidem 29

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

45

Ἐὰν μὲν οὖν ἡ μία λεχθῇ πρότασις σημεῖον γίνεται μόνον ἐὰν δὲ καὶ ἡ ἑτέρα προσληφθῇ συλλογισμός οἷον ὅτι Πιττακὸς ἐλευθέριος οἱ γὰρ φιλότιμοι ἐλευθέριοι Πιττακὸς δὲ φιλότιμος Assim se somente uma premissa for assumida haacute apenas um sinal ao passo que se a outra premissa tambeacutem for assumida entatildeo haacute um silogismo por exemplo lsquoPitacos eacute destemido pois os homens de brio satildeo destemidos e Pitacos eacute homem de briorsquo (70a 24minus27)67

A descriccedilatildeo eacute inusitada porque Aristoacuteteles comeccedila pela conclusatildeo Mas isso natildeo prejudica o resultado a que queremos chegar O nome proacuteprio ldquoPitacosrdquo eacute sem duacutevida o extremo menor que aparece como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo ldquodestemidordquo eacute o extremo maior predicado da premissa maior e da conclusatildeo por fim a funccedilatildeo de mediador fica por conta de ldquohomem de briordquo Em uma reconstituiccedilatildeo um pouco mais formalizada temos o seguinte silogismo todo homem de brio eacute destemido Pitacos eacute (um) homem de brio logo Pitacos eacute destemido

O leitor mais desconfiado talvez hesite em aceitar que a premissa maior ldquoos homens de brio satildeo destemidosrdquo possa ser formalizada com um quantificador universal mas haacute sinais claros de que eacute assim que devemos concebecirc-la Em primeiro lugar Aristoacuteteles reconhece a legitimidade desse silogismo e supotildee que a conclusatildeo decorre das premissas o que por si soacute jaacute pressupotildee a universalidade da premissa maior Caso contraacuterio a conclusatildeo natildeo se impotildee Em segundo lugar haacute um pequeno detalhe que causa surpresa nesse capiacutetulo e que merece atenccedilatildeo de nossa parte Aristoacuteteles justifica o caraacuteter irrefutaacutevel do mencionado silogismo alegando que se trata de um silogismo universal (καθόλου γὰρ ἐστιν cf 70a 30) Ora como se sabe Aristoacuteteles descreve como universais precisamente aqueles silogismos nos quais a conclusatildeo eacute universal quais sejam Barbara Celarent Cesare e Camestres Por isso ao caracterizar o ldquosilogismo peripateacuteticordquo como um silogismo universal

67 As traduccedilotildees de φιλότιμος e ἐλευθέριος certamente satildeo discutiacuteveis mas em nada afetam os nossos objetivos

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

46

Aristoacuteteles pode querer sinalizar que em algum sentido a conclusatildeo ldquoPitacos eacute destemidordquo deva ser compreendida como uma proposiccedilatildeo fundada em uma atribuiccedilatildeo universal68 como se o referido ldquosilogismo peripateacuteticordquo precisamente em razatildeo disso fosse digno do mesmo status concedido aos demais silogismos universais (Barbara Celarente Cesare e Camestres) Essa leitura sugere que a concepccedilatildeo aristoteacutelica de atribuiccedilatildeo universal talvez deva ser repensada jaacute que ela daacute sinais de se estender sobre casos para os quais natildeo cabe falar em quantificadores (universais) ndash eacute o que parece ocorrer no ldquosilogismo peripateacuteticordquo acima mencionado

O aprofundamento desse ponto no entanto eacute algo que ultrapassa o escopo da presente investigaccedilatildeo e seu exame deve ser deixado para outra ocasiatildeo A essa altura o objetivo principal desta seccedilatildeo jaacute nos parece ter sido alcanccedilado pois consiste apenas em mostrar o que os leitores menos versados nos Analiacuteticos jaacute perceberam haacute muito tempo a saber que o chamado ldquosilogismo peripateacuteticordquo natildeo soacute faz parte da loacutegica aristoteacutelica mas mais do que isso ainda pode desfrutar de um lugar privilegiado no interior da silogiacutestica entre os chamados ldquosilogismos universaisrdquo Diante desse quadro natildeo haacute duacutevida de que os termos de natureza singular tecircm lugar garantido na loacutegica de Aristoacuteteles69

68 Provavelmente foi inspirado em passagens como essa que J N Keynes (1906 p 102) sugeriu conceber as proposiccedilotildees singulares como uma subclasse de proposiccedilotildees universais Lukasiewicz tomou nota dessa possibilidade e a considerou totalmente equivocada Mas para isso ignorou completamente o trecho 70a 24minus30 69 Agradeccedilo ao professor Lucas Angioni (Unicamp) pela prontidatildeo na leitura de versotildees preacutevias deste artigo pelas indicaccedilotildees de passagens para reforccedilar o argumento e pelas alteraccedilotildees de texto sugeridas as quais certamente contribuiacuteram para melhorar o resultado final aqui apresentado Agradeccedilo tambeacutem aos professores Raphael Zillig (UFRGS) e Inara Zanuzzi (UFRGS) pela oportunidade de discutir alguns resultados provisoacuterios deste artigo no Seminaacuterio sobre Primeiros Analiacuteticos I 27 organizado pelo professor Raphael e realizado na UFRGS no ano de 2011 Por fim tambeacutem agradeccedilo aos

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

47

REFEREcircNCIAS

ANGIONI L ldquoO Conhecimento Cientiacutefico no Livro I dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesrdquo Revista de Filosofia Antiga (online) vol 1 n 1 2007 (httpwwwfilosofiaantigacomdocuments23html)

BARNES J (ed) Aristotle Prior Analytics (trans by A J Jenkinson in Barnes 1984 vol 1 p 39minus113)

mdashmdashmdashmdash Truth etc Six Lectures on Ancient Logic Oxford Clarendon Press 2007

BOCHENSKI J Ancient Formal Logic Amsterdam North-Holland Publishing 1951

CORCORAN J ldquoCompleteness of an Ancient Logicrdquo Journal of Symbolic Logic 37 696minus702 1972

KEYNES J N Studies and Exercises in Formal Logic (fourth edition rewritten and enlarged) New York The Macmillan Company 1906

LUKASIEWICZ J Aristotlersquos Syllogistic from the Standpoint of Modern Formal Logic Oxford Clarendon Press 1951

MALINK M ldquoA Non-Extensional Notion of Conversion in the Organonrdquo Oxford Studies in Ancient Philosophy Vol XXXVII p 106minus141 Oxford University Press 2009

MIGNUCCI M Aristotele Gli analitici primi ndash Traduzione introduzione e commento Naples Loffredo 1969

companheiros de pesquisa Francine Maria Ribeiro e Mateus Ricardo Fernandes Ferreira (UEMminusPR) pela leitura das primeiras versotildees desse texto e pelas proveitosas sugestotildees que me fizeram

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

48

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Theory of Predication in I Angelilli and M Cerezo (eds) Studies in the History of Logic 1minus20 Berlin 1996

mdashmdashmdashmdash Parts Quantification and Aristotelian Predication Monist 83 3minus21 2000

PATZIG G Aristotlersquos Theory of the Syllogism A Logico-Philosophical Study of Book A of the Prior Analytics Translated by Jonathan Barnes Dordrecht Reidel 1959

ROSS W D Aristotlersquos Prior and Posterior Analytics Oxford Clarendon Press 1949

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Metaphysics Oxford Clarendon Press 1953 (1924)

SHOREY P ldquoA Note on Aristotlersquos Metaphysics 1086b 32minus37rdquo Classical Philology Vol 8 n 1 pp 90minus92 1913

SMITH R Aristotle Prior Analytics Indianapolis Hackett Publishing Company 1989

STRIKER G Aristotle Prior Analytics Book I Oxford Clarendon Press 2009

Page 3: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

7

um termo-espeacutecie na posiccedilatildeo de extremo menor Por fim sem fazer cerimocircnia Ross assume que Aristoacuteteles teria restringido a silogiacutestica a argumentos que articulam exclusivamente termos universais (conceituais) e aponta que as razotildees para fazecirc-lo repousariam (ldquoprobablyrdquo) no argumento exposto no capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos (em especial no trecho 43a 42ndash43) Mais tarde esse capiacutetulo se consolidaria como manifesta evidecircncia de que a silogiacutestica de Aristoacuteteles envolve uma severa restriccedilatildeo de termos2

No capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos Aristoacuteteles propotildee entre outras coisas uma classificaccedilatildeo de entes ndash compreendidos como fatores de atribuiccedilatildeo ou simplesmente como termos minus fundada no comportamento atributivo e no grau de generalidade dos itens classificados Como resultado Aristoacuteteles alcanccedila trecircs tipos de termos (1) aqueles desprovidos de generalidade que natildeo podem ser atribuiacutedos como legiacutetimos predicados de outros termos mas aos quais outros termos podem ser atribuiacutedos ndash eacute o caso dos nomes proacuteprios ldquoCleonrdquo e ldquoCaacuteliasrdquo (2) aqueles de mais alta generalidade que podem ser atribuiacutedos a outros termos e para os quais natildeo existe termo anterior (πρότερον) que lhes possa ser atribuiacutedo3 e (3) aqueles cujo grau de

2 Ross (1949 p 289) Lukasiewicz (1951 p 4minus5) G Patzig (1959 p 5) 3 Aristoacuteteles natildeo oferece nenhum exemplo para termos do segundo tipo Na opiniatildeo de Ross (1949 p 384) ldquothese are the highest universals the categoriesrdquo Jaacute para Lukasiewicz (1951 p 5) ldquoit is clear that Aristotle means what is most universal like being to onrdquo Embora seja difiacutecil decidir por uma dessas opiniotildees ndash sobretudo porque natildeo sabemos o que significa πρότερον em 43a 30 ndash a alternativa de Lukasiewicz ainda nos parece menos sujeita a objeccedilotildees De fato se Ross tem razatildeo em compreender os termos do segundo tipo como summa genera (ldquosubstacircnciardquo ldquoqualidaderdquo ldquoquantidaderdquo etc) a impossibilidade de lhes atribuir predicados anteriores (πρότερον) apontada nas linhas 43a 29-30 deveraacute ser muito bem especificada de modo a evitar uma objeccedilatildeo bem natural a de que nem mesmo summa genera podem satisfazer a exigecircncia das referidas linhas jaacute que a princiacutepio nada impede que termos transcategoriais como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo sejam concebidos como predicados anteriores dos chamados summa genera Certamente a indefiniccedilatildeo do sentido de

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

8

generalidade eacute intermediaacuterio que podem ser atribuiacutedos a outros termos e aos quais outros termos podem ser atribuiacutedos ndash eacute o caso do termo ldquohomemrdquo4

Depois de expor os trecircs tipos de termos alcanccedilados pela classificaccedilatildeo referida acima Aristoacuteteles conclui o trecho 43a 25ndash43 com a frase que deu igniccedilatildeo agraves interpretaccedilotildees que atribuem ao sistema loacutegico aristoteacutelico a jaacute mencionada restriccedilatildeo de termos Eis a frase

καὶ σχεδὸν οἱ λόγοι καὶ αἱ σκέψεις εἰσὶ μάλιστα περὶ τούτων 5 Grosso modo os argumentos e as investigaccedilotildees satildeo sobretudo acerca dessas coisas (43a 42ndash43)

πρότερον na linha 30 ainda deixa espaccedilo para associar agrave noccedilatildeo de predicado anterior um significado que seja incompatiacutevel com os termos transcategoriais mencionados acima Essa alternativa poderia encontrar alguma inspiraccedilatildeo em Metafiacutesica XII 4 em que Aristoacuteteles nos diz que ldquoagrave parte das substacircncias e das demais categorias natildeo haacute nada comumrdquo (1070b 1minus2) A impossibilidade de algo comum agrave parte das categorias poderia ser interpretada como uma impossibilidade de conceitos transcategoriais o que favoreceria a proposta de Ross Tal leitura no entanto conflita com passagens nas quais Aristoacuteteles trabalha com predicados de todas as coisas ndash o que se confirma pelo uso da expressatildeo τὰ πᾶσιν ἑπόμενα (ldquoos itens que acompanham todas as coisasrdquo) no capiacutetulo 28 de Primeiros Analiacuteticos I Afinal o que seriam τὰ πᾶσιν ἑπόμενα senatildeo conceitos transcategoriais E por que tais predicados natildeo seriam candidatos mais promissores que os summa genera para figurar na lista de termos do segundo tipo Diante desse quadro a proposta de Lukasiewicz nos parece preferiacutevel na medida em que evita as dificuldades aludidas acima Aleacutem disso no que diz respeito aos propoacutesitos deste artigo faz pouca ou nenhuma diferenccedila se tais termos satildeo (i) summa genera ou (ii) τὰ πᾶσιν ἑπόμενα (embora tenhamos maior estima pela segunda opccedilatildeo) uma vez que a nossa posiccedilatildeo antecede agrave decisatildeo entre essas duas alternativas e procura responder uma questatildeo mais elementar a saber Aristoacuteteles de fato excluiu da silogiacutestica os termos de alta generalidade (quer sejam summa genera quer sejam τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) Para essa questatildeo mais baacutesica defenderemos uma resposta negativa 4 An Pr I 27 43a 37ndash43 5 Adotamos o texto grego de W D Ross em todas as citaccedilotildees

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

9

O pronome τούτων retoma os termos qualificados sob o terceiro tipo anunciados nas linhas 40-42 Conforme jaacute vimos esses termos nem satildeo de natureza singular como nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares nem satildeo os de mais alta generalidade como summa genera eou transcategoriais Na verdade quanto ao grau de generalidade tais fatores se posicionam entre os demais tipos de termos e por isso mesmo satildeo descritos por Aristoacuteteles como intermediaacuterios (τὰ μεταξὺ) Para ilustrar a natureza desse tipo de termo Aristoacuteteles apresenta ldquohomemrdquo que se predica de ldquoCaacuteliasrdquo e do qual ldquoanimalrdquo se predica irrestritamente6

Ao comentar o trecho 43a 37ndash43 que encerra com a frase que inspirou a exclusatildeo dos mencionados termos Ross acaba sendo mais cauteloso do que fora no comentaacuterio ao primeiro capiacutetulo do Livro I de Primeiros Analiacuteticos Ele entende que no referido trecho do capiacutetulo 27 Aristoacuteteles esteja de fato comprometido com uma restriccedilatildeo associada aos termos mas assume que essa restriccedilatildeo diz respeito agrave suscetibilidade de desempenhar irrestritamente as funccedilotildees de maior (τὸ μεῖζον) menor (τὸ ἐλάττον) ou mediador7 (τὸ μέσον) em um silogismo Nesse caso Aristoacuteteles natildeo estaria restringindo o domiacutenio de fatores sobre os quais a silogiacutestica pode operar mas o domiacutenio de fatores que podem exercer irrestritamente cada uma das trecircs funccedilotildees que um termo pode desempenhar em um silogismo

6 Ibidem 43a 31ndash32 7 A proposta de traduzir meson como ldquomediadorrdquo (Angioni 2007 nota 6) ndash e natildeo ldquotermo meacutediordquo como de costume ou ldquotermo intermediaacuteriordquo ndash nos parece bastante acertada Em nossa opiniatildeo ela capta com precisatildeo a funccedilatildeo mais baacutesica do meson qual seja a de articular ou correlacionar os termos da conclusatildeo Por isso decidimos adotaacute-la Aos poucos essa alternativa de traduccedilatildeo vem ganhando espaccedilo Em 2010 durante o Iordm Ciclo de Seminaacuterios lsquoO Organon de Aristoacutetelesrsquo realizado na Universidade de Campinas Ricardo Santos (Universidade de Eacutevora minus Portugal) se mostrou de pleno acordo com a opccedilatildeo por ldquomediadorrdquo embora natildeo a tenha adotado na traduccedilatildeo que vem preparando

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

10

Na primeira figura por exemplo apenas os termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) satildeo capazes de desempenhar irrestritamente a funccedilatildeo de mediador De fato os demais termos soacute podem atuar de modo irrestrito nos silogismos de primeira figura quando ocupam as posiccedilotildees ou de sujeito ou de predicado ao passo que o mediador eacute sujeito e predicado sujeito na premissa maior e predicado na menor Ross tambeacutem observa que os gecircneros supremos (ldquothe highest termsrdquo) podem desempenhar irrestritamente a funccedilatildeo de extremo maior bem como os termos desprovidos de generalidade (ldquothe lowest termsrdquo) a funccedilatildeo de extremo menor Ademais continua Ross os gecircneros supremos ainda podem atuar de modo irrestrito na funccedilatildeo de mediador na segunda figura assim como os termos singulares na terceira figura

Ateacute esse ponto o comentaacuterio de Ross ao capiacutetulo 27 natildeo introduz nenhuma severa restriccedilatildeo de termos sobretudo porque o trecho 43a 37ndash43 assim como o iniacutecio do capiacutetulo natildeo lhe permitem ir muito longe Tudo o que esses textos nos impotildeem eacute que nas demonstraccedilotildees certos termos natildeo podem ocupar irrestritamente a posiccedilatildeo de sujeito ao passo que outros natildeo podem ocupar irrestritamente a posiccedilatildeo de predicado Assim Aristoacuteteles abre espaccedilo para a possibilidade de que os termos singulares tenham o seu lugar ao sol na silogiacutestica desde que sejam alocados em posiccedilotildees e funccedilotildees que possam desempenhar sem as restriccedilotildees mencionadas ao longo do capiacutetulo 27 Ross parece ter se dado conta disso e ao que tudo indica natildeo gostou do que viu pois encerra as suas consideraccedilotildees sobre o trecho 43a 37ndash43 tentando recuperar aquela restriccedilatildeo de termos que jaacute havia sido apresentada no comentaacuterio ao capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I alegando que Aristoacuteteles nunca usa nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos mas apenas termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) ndash ldquouniversals that are not highest universalsrdquo8

8 Ross (1949 p 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

11

Podemos dizer que Ross nos deixou o seguinte legado por um lado eacute responsaacutevel pela tradicional opiniatildeo de que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares ou gecircneros supremos em seus silogismos mas sempre trabalha com termos de generalidade intermediaacuteria por outro lado transformou o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I em peccedila central para a delimitaccedilatildeo da lista de termos silogiacutesticos

Em 1951 Jan Lukasiewicz publicou o seu famoso livro intitulado Aristotlersquos Syllogistic ndash From The Standpoint of Modern Formal Logic e se mostrou bastante influenciado pelo legado de Ross Jaacute no primeiro capiacutetulo desse livro Lukasiewicz se recusa a considerar como rigorosamente aristoteacutelico aquele argumento concebido pela tradiccedilatildeo como exemplo paradigmaacutetico de silogismo ndash ldquotodo homem eacute mortal Soacutecrates eacute homem logo Soacutecrates eacute mortalrdquo minus levando a cabo algo que Ross jaacute havia sugerido em seu comentaacuterio ao capiacutetulo 1 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos a saber que tal argumento natildeo pertence agrave loacutegica de Aristoacuteteles9 Lukasiewicz qualifica esse silogismo por meio do adjetivo ldquoperipateacuteticordquo pelo fato de Sexto Empiacuterico descrevecirc-lo como usual entre os Peripateacuteticos Quanto agrave rejeiccedilatildeo desse silogismo provisoriamente Lukasiewicz alega apenas que Aristoacuteteles natildeo introduz termos e proposiccedilotildees singulares em seu sistema loacutegico10 A completa ausecircncia de referecircncia a proposiccedilotildees singulares no capiacutetulo 1 do Livro I dos Primeiros Analiacuteticos ndash capiacutetulo em que as formas proposicionais silogiacutesticas satildeo introduzidas e no qual seria natural esperar por proposiccedilotildees singulares ndash eacute mencionada por Lukasiewicz como sinal de que Aristoacuteteles natildeo teria considerado termos singulares em sua loacutegica11 No entanto o argumento determinante para corroborar essa tese eacute

9 Ross (1949 p 289) e Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect1 p 1) 10 Lukasiewicz menciona trecircs publicaccedilotildees que tratavam o silogismo peripateacutetico como modelo paradigmaacutetico de silogismo aristoteacutelico Greek Foundations of Tradicional Logic (1942) de Ernest Kapp A History of Philosophy vol i Greece and Rome (1946) de S J Frederick Copleston e History of Western Philosophy (1946) de Bertrand Russell 11 Idem chapter 1 sect2 p 4

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

12

elaborado a partir do capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos capiacutetulo jaacute evocado por Ross como evidecircncia manifesta da restriccedilatildeo de termos

Conforme jaacute pudemos ver eacute no capiacutetulo 27 que Aristoacuteteles apresenta sua famosa triparticcedilatildeo de entes assumidos como termos de proposiccedilotildees silogiacutesticas nas linhas 43a 25ndash36 os trecircs tipos de termos satildeo introduzidos nas linhas 37ndash42 os efeitos que essa triparticcedilatildeo tem sobre as demonstraccedilotildees satildeo rapidamente considerados em seguida nas linhas 42ndash43 entra em cena a frase que inspirou a restriccedilatildeo de termos jaacute nos comentaacuterios de Ross e ainda mais na proposta de Lukasiewicz Interpretando Aristoacuteteles Lukasiewicz conclui que a silogiacutestica opera exclusivamente com termos do uacuteltimo tipo isto eacute com termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) excluindo da loacutegica aristoteacutelica tanto os termos singulares quanto os de alta generalidade ndash os uacuteltimos assumidos como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo12 Julgando ter encontrado a ldquoverdadeira razatildeordquo que teria levado Aristoacuteteles a se comprometer com tal restriccedilatildeo de termos Lukasiewicz alega que todo silogismo deve conter um termo capaz de desempenhar irrestritamente tanto a funccedilatildeo de sujeito quanto a funccedilatildeo de predicado ndash na primeira figura eacute o que ocorre com o mediador na segunda com o maior na terceira com o menor ndash e essas funccedilotildees soacute podem ser desempenhadas irrestritamente por termos de generalidade intermediaacuteria13 Ao que tudo indica Lukasiewicz entende os adveacuterbios σχεδὸν e μάλιστα nas linhas 42ndash43 como marcas que qualificam o restante da frase como uma regra absoluta e universal afastando a possibilidade de que Aristoacuteteles esteja apenas se pronunciando em linhas gerais sem qualquer pretensatildeo de

12 Idem sect3 p 5 Conveacutem lembrar que Lukasiewicz e Ross natildeo tecircm a mesma opiniatildeo sobre o que seriam os termos de alta generalidade aos quais Aristoacuteteles alude em 43a 29minus30 e 37minus39 para Lukasiewicz os termos de alta generalidade satildeo precisamente os transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo ao passo que Ross prefere concebecirc-los como summa genera (cf nota 3) 13 Ibidem p 7

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

13

estabelecer uma norma riacutegida vaacutelida para todo e qualquer silogismo mas apenas uma descriccedilatildeo que pudesse dar conta da maior parte dos argumentos silogiacutesticos Essa atitude o levou a fazer duras criacuteticas agrave loacutegica aristoteacutelica

De acordo com Lukasiewicz eacute questatildeo paciacutefica a opiniatildeo de que os termos singulares satildeo tatildeo importantes na atividade cientiacutefica quanto o satildeo os termos universais e portanto eacute falso que os argumentos e as investigaccedilotildees ldquoas a rulerdquo lidam com termos de universalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) o que tornaria o pronunciamento de Aristoacuteteles nas linhas 42ndash43 digno de reprovaccedilatildeo Com esse teor Lukasiewicz atribui a Aristoacuteteles a rejeiccedilatildeo dos termos singulares e descreve a ausecircncia desses fatores como ldquoo maior defeitordquo do sistema loacutegico aristoteacutelico14

Assim inspirado pelo legado de Ross Lukasiewicz consolida a opiniatildeo de que a silogiacutestica aristoteacutelica envolve uma severa restriccedilatildeo de termos constituindo um sistema loacutegico que atua exclusivamente sobre termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) Sob a descoberta da ldquoverdadeira razatildeordquo que teria levado Aristoacuteteles a se comprometer com essa restriccedilatildeo de termos Lukasiewicz estabelece a tese de que a silogiacutestica prescinde de termos singulares bem como de termos de alta generalidade (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo)

Essa proposta foi muito bem recebida por alguns estudiosos da loacutegica aristoteacutelica Em 1959 Guumlnther Patzig publicou um novo estudo sobre o Livro I dos Primeiros Analiacuteticos e fez questatildeo de dedicaacute-lo a Lukasiewicz de quem eacute seguidor Em obra intitulada Aristotlersquos Theory of the Syllogism ndash a logico-philological study of book A of the Prior Analytics Patzig corrige vaacuterios equiacutevocos herdados de Ross e de Lukasiewicz Para ilustrar considere-se a alegaccedilatildeo ndash feita tanto por Ross quanto por Lukasiewicz ndash de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos Primeiros Analiacuteticos Essa alegaccedilatildeo eacute desmentida por Patzig que aponta

14 Ibidem p 6

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

14

as seguintes ocorrecircncias de nomes proacuteprios no capiacutetulo 33 do Livro I ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II ldquoPitacosrdquo Mesmo diante dessas ocorrecircncias Patzig recusou a possibilidade de a silogiacutestica reservar lugar para termos singulares justificando tal posiccedilatildeo ao apontar que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo aparecem em premissas das quais nada se segue ao passo que ldquoPitacosrdquo ocorre em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido Em presenccedila desse quadro e a exemplo de Lukasiewicz Patzig considera que deve prevalecer o fato indubitaacutevel de Aristoacuteteles natildeo ter feito menccedilatildeo a proposiccedilotildees singulares no capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I o que fatalmente sugere a exclusatildeo dos termos singulares15 Assim Patzig eacute levado a endossar diversos resultados alcanccedilados por seus antecessores reiterando a restriccedilatildeo de fatores silogiacutesticos a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) e por conseguinte expulsando termos singulares transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) e summa genera do sistema loacutegico aristoteacutelico

No entanto sob a consideraccedilatildeo de Patzig essa restriccedilatildeo ganhou razotildees complementares Patzig natildeo apenas endossou os resultados sensivelmente sugeridos por Ross e consolidados por Lukasiewicz (resultados fundados no capiacutetulo 27 do Livro I dos Primeiros Analiacuteticos) mas tambeacutem lhes conferiu novos contornos oriundos de razotildees que julgou encontrar no capiacutetulo 28 do qual o capiacutetulo 27 seria discussatildeo preparatoacuteria

No capiacutetulo 28 Aristoacuteteles apresenta alguns procedimentos de prova para as formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Em linhas gerais esses procedimentos satildeo caracterizados pela tarefa de identificar um termo comum (que seraacute o mediador) em duas listas de termos Essas listas satildeo determinadas pela relaccedilatildeo que os seus membros possuem com os extremos (τά ἄκρα) que encerram a conclusatildeo pretendida

15 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

15

Ainda natildeo precisamos entrar em detalhes a respeito desses procedimentos Faremos isso na proacutexima seccedilatildeo em momento mais oportuno Por ora basta saber que a partir dos procedimentos recomendados por Aristoacuteteles como estrateacutegia de prova para cada uma das formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Patzig propotildee trecircs axiomas demarcadores de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica16

(1) todo termo silogiacutestico possui ao menos um termo subordinado proacuteprio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe um termo subordinado X tal que XaT eacute o caso ao passo que TaX natildeo (2) todo termo silogiacutestico possui ao menos um termo superordenado proacuteprio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe um termo superordenado Y tal que TaY eacute o caso ao passo que YaT natildeo (3) todo termo silogiacutestico possui um termo contraacuterio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe ao menos um termo contraacuterio Z tal que ZeT17

Ao formular os dois primeiros axiomas Patzig se vale de algumas noccedilotildees oriundas da teoria dos conjuntos as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias Em teoria dos conjuntos se Q eacute um termo subordinado proacuteprio de R (e natildeo apenas um termo subordinado) Q e R natildeo podem ser coextensivos ndash em outras palavras todo Q eacute R mas nem todo R eacute Q o mesmo ocorre com termos que frequumlentam uma mesma relaccedilatildeo de superordenaccedilatildeo proacutepria dado que toda relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo proacutepria pode ser reformulada como uma relaccedilatildeo de superordenaccedilatildeo proacutepria e vice-versa Patzig presume que essas relaccedilotildees traduzem pressupostos assumidos pelo proacuteprio Aristoacuteteles no capiacutetulo

16 Ibidem p 7 17 A notaccedilatildeo AxB adotada na exposiccedilatildeo dos axiomas descreve uma relaccedilatildeo categoacuterica x entre o termo-sujeito A e o termo-predicado B Assim AaB eacute a notaccedilatildeo para a relaccedilatildeo universal afirmativa (ldquotodo A eacute Brdquo) AeB para a relaccedilatildeo universal negativa (ldquonenhum A eacute Brdquo) AiB para a particular afirmativa (ldquoalgum A eacute Brdquo) e por fim AoB para a particular negativa (ldquoalgum A natildeo eacute Brdquo) Manteremos essa notaccedilatildeo ao longo de todo o texto

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

16

28 de Primeiros Analiacuteticos I Mais adiante veremos que essa conjetura eacute equivocada

Por ora eacute importante notar que essa distinccedilatildeo entre de um lado subordinaccedilatildeosuperordenaccedilatildeo proacutepria e de outro lado mera subordinaccedilatildeosuperordenaccedilatildeo faz alguma diferenccedila no que diz respeito agrave exclusatildeo da chamada classe universal Para excluiacute-la Patzig assume que a classe universal pertence ao domiacutenio de termos da silogiacutestica a articula com os axiomas (1) e (3) e obteacutem um resultado contraditoacuterio o terceiro axioma requer que todo termo silogiacutestico possua ao menos um termo que lhe seja contraacuterio ndash tratando-se da classe universal esse termo contraacuterio eacute a classe nula por sua vez o primeiro axioma requer que todo termo silogiacutestico possua ao menos um termo subordinado proacuteprio exigecircncia que a classe nula eacute incapaz de satisfazer ndash por definiccedilatildeo a classe nula natildeo possui termos subordinados proacuteprios Assim a impossibilidade da classe nula acarreta a impossibilidade da classe universal18

Patzig ainda aponta o trecho 998b 22ndash27 do capiacutetulo 3 de Metafiacutesica Beta como evidecircncia complementar de que Aristoacuteteles teria rejeitado a classe universal fazendo alusatildeo a um texto que embora trate de termos dessa natureza tem com a silogiacutestica uma relaccedilatildeo muito distante19

Por sua vez nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares como ldquoSoacutecratesrdquo e ldquoeste triacircngulordquo natildeo possuem termos subordinados proacuteprios e portanto natildeo satisfazem ao primeiro axioma Por fim gecircneros supremos como ldquosubstacircnciardquo ldquoqualidaderdquo ldquoquantidaderdquo etc natildeo podem contar com termos superordenados proacuteprios e por conseguinte ficam impossibilitados de satisfazer ao segundo axioma (impossibilidade que natildeo nos parece ter sido bem estabelecida20)

18 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 19 Ibidem 20 A exemplo de Ross (cf nota 3) Patzig ignora os transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo que a princiacutepio poderiam figurar como superordenados proacuteprios dos gecircneros supremos de modo que o axioma (2) fosse entatildeo satisfeito pelos gecircneros

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

17

Assim Patzig reitera as restriccedilotildees introduzidas por Ross e consolidadas por Lukasiewicz desenhando um quadro em que uma vez mais a silogiacutestica eacute pensada como um sistema loacutegico que opera exclusivamente sobre termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) sem atuaccedilatildeo sobre nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares gecircneros supremos (summa genera) e termos transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) Na proacutexima seccedilatildeo mostraremos que as leituras propostas por tais inteacuterpretes seguramente natildeo encontram respaldo nos textos de Aristoacuteteles II CRIacuteTICA AgraveS OPINIOtildeES TRADICIONAIS

1 Uma Releitura de Primeiros Analiacuteticos I 27 43a 25minus43

Certamente nem todo o legado de Ross Lukasiewicz e Patzig deve ser abandonado Parece razoavelmente acertada por exemplo a escolha do capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos como promissora resposta agrave questatildeo de saber quais tipos de termos podem figurar em silogismos rigorosamente aristoteacutelicos ndash muito embora nem todo tipo de silogismo reconhecido por Aristoacuteteles esteja no escopo desse capiacutetulo21 No primeiro capiacutetulo do Livro I de Primeiros Analiacuteticos em que seria natural esperar alguma descriccedilatildeo mais detalhada a respeito dos termos Aristoacuteteles eacute muito sucinto limitando-se a dizer o seguinte

Ὅρον δὲ καλῶ εἰς ὃν διαλύεται ἡ πρότασις οἷον τό τε κατηγορούμενον καὶ τὸ καθrsquo οὗ κατηγορεῖται προστιθεμένου τοῦ εἶναι ἢ μὴ εἶναι

supremos Para excluir tais termos Patzig se pronuncia de modo muito breve e pouco esclarecedor ldquocategories (on Aristotlersquos definition) do not satisfy axiom (2)rdquo Aleacutem disso as ocorrecircncias de ldquosubstacircnciardquo e ldquounidaderdquo em Pr An I 5 27a 19minus20 e 27b 6minus8 tambeacutem satildeo ignoradas talvez em decorrecircncia de estarem associadas a pares de premissas inconcludentes 21 Ver por exemplo os silogismos formulados em Pr An II 15

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

18

Chamo lsquotermorsquo aquilo no que a proposiccedilatildeo se dissolve ou seja o item que se predica e o de que se predica acrescentando lsquoeacutersquo ou lsquonatildeo eacutersquo (24b 16minus18)

Esse pronunciamento eacute muito vago e em decorrecircncia pouco revelador Por isso em relaccedilatildeo agrave presente investigaccedilatildeo tal capiacutetulo quase natildeo oferece material que possa ser aproveitado Eacute claro que natildeo eacute bem essa a opiniatildeo de nossos interlocutores Ross Lukasiewicz e Patzig conceberam o mero fato de Aristoacuteteles natildeo ter feito menccedilatildeo a termos singulares no capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I como forte evidecircncia de que tais termos natildeo teriam lugar na silogiacutestica22

Essa atitude nos parece incorreta O fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a termos singulares revela apenas que o capiacutetulo natildeo tem aptidatildeo para contribuir com a investigaccedilatildeo Poder-se-ia alegar talvez que a exposiccedilatildeo das proposiccedilotildees silogiacutesticas no trecho 24a 16minus22 eacute exaustiva de modo que a exclusatildeo dos termos singulares fosse assegurada pelo simples fato de natildeo haver alusatildeo expliacutecita agraves proposiccedilotildees que lhes satildeo correlatas Poreacutem o referido trecho cai em certo descreacutedito por envolver certas imprecisotildees das quais o silecircncio sobre as proposiccedilotildees singulares seria apenas mais uma A diferenccedila entre proposiccedilotildees particulares e indefinidas por exemplo eacute bem precaacuteria Com efeito a proposiccedilatildeo particular ldquoalgum prazer natildeo eacute bemrdquo natildeo eacute mais informativa que a proposiccedilatildeo indefinida ldquoprazer natildeo eacute bemrdquo Tanto em um caso quanto em outro a relaccedilatildeo que os termos possuem entre si eacute igualmente indeterminada ou seja natildeo sabemos se (i) todo prazer natildeo eacute bem ou se (ii) algum prazer natildeo eacute bem e algum prazer eacute bem23

22 Ross (1949 p 384) Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect1 p 1 sect2 p 4) Patzig (1959 chapter 1 sect3 p 5) 23 Entre os comentadores Ross (1949 p 314) parece assumir que no trecho 29a 27minus29 Aristoacuteteles teria feito uma declaraccedilatildeo expliacutecita de que tais proposiccedilotildees seriam de fato equivalentes Bochenski (1951 p 43) por sua vez reconhece a referida passagem como evidecircncia incontestaacutevel de que Aristoacuteteles concebia tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis o que torna a distinccedilatildeo

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

19

Imprecisotildees como essa revelam o caraacuteter provisoacuterio do trecho 24a 16minus22 Por isso essa passagem natildeo pode ser considerada como resposta definitiva ao problema de saber se a silogiacutestica reserva lugar para termos singulares sobretudo se a razatildeo alegada para assim consideraacute-la for o mero fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a proposiccedilotildees singulares Em certa medida os comentadores perceberam que natildeo poderiam recorrer apenas ao primeiro capiacutetulo de Primeiros Analiacuteticos I para decidir a questatildeo e estenderam a discussatildeo ao capiacutetulo 27 tomando uma decisatildeo bastante acertada porque eacute nesse capiacutetulo que Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes e os compreende claramente como fatores de atribuiccedilatildeo suscetiacuteveis de articulaccedilatildeo silogiacutestica O trecho 43a 25minus43 oferece trecircs tipos de termos e como bem observaram os proponentes das opiniotildees tradicionais impotildee certas restriccedilotildees ao uso de termos de natureza singular bem como ao uso de termos de alto grau de generalidade ndash quer sejam summa genera como prefere Ross ou transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como entende Lukasiewicz O que escapou a nossos interlocutores eacute que essas restriccedilotildees estatildeo longe de expulsar da silogiacutestica qualquer dos trecircs tipos de termos ali apresentados Por isso em defesa de nossa posiccedilatildeo propomos reexaminar o trecho 43a 25minus43 pois entendemos que o texto por si soacute natildeo deixa duacutevidas de que nenhum dos trecircs tipos de termos introduzidos na referida passagem tenha sido excluiacutedo da silogiacutestica

Assim examinemos o famoso texto que tem alimentado a discussatildeo sobre termos silogiacutesticos

[1] ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστι τοιαῦτα ὥστε κατὰ μηδενὸς ἄλλου κατηγορεῖσθαι ἀληθῶς καθόλου (οἷον Κλέων καὶ

proposta no primeiro capiacutetulo um tanto despropositada Lukasiewicz (1951 sect2 p 5) tambeacutem reconhece que Aristoacuteteles trata tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis mas natildeo admite que Aristoacuteteles tenha se pronunciado de modo expliacutecito a respeito dessa equivalecircncia preferindo delegar esse feito a Alexandre

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

20

Καλλίας καὶ τὸ καθrsquo ἕκαστον καὶ αἰσθητόν) κατὰ δὲ τούτων ἄλλα (καὶ γὰρ ἄνθρωπος καὶ ζῷον ἑκάτερος τούτων ἐστί) τὰ δrsquo αὐτὰ μὲν κατrsquo ἄλλων κατηγορεῖται κατὰ δὲ τούτων ἄλλα πρότερον οὐ κατηγορεῖται τὰ δὲ καὶ αὐτὰ ἄλλων καὶ αὐτῶν ἕτερα οἷον ἄνθρωπος Καλλίου καὶ ἀνθρώπου ζῷον ὅτι μὲν οὖν ἔνια τῶν ὄντων κατrsquo οὐδενὸς πέφυκε λέγεσθαι δῆλον τῶν γὰρ αἰσθητῶν σχεδὸν ἕκαστόν ἐστι τοιοῦτον ὥστε μὴ κατηγορεῖσθαι κατὰ μηδενὸς πλὴν ὡς κατὰ συμβεβηκός φαμὲν γάρ ποτε τὸ λευκὸν ἐκεῖνο Σωκράτην εἶναι καὶ τὸ προσιὸν Καλλίαν ὅτι δὲ καὶ ἐπὶ τὸ ἄνω πορευομένοις ἵσταταί ποτε πάλιν ἐροῦμεν νῦν δrsquo ἔστω τοῦτο κείμενον [2] κατὰ μέν οὖν τούτων οὐκ ἔστιν ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον ἕτερον πλὴν εἰ μὴ κατὰ δόξαν ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων οὐδὲ τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται (καὶ γὰρ αὐτὰ κατrsquo ἄλλων καὶ ἄλλα κατὰ τούτων λεχθήσεται) καὶ σχεδὸν οἱ λόγοι καὶ αἱ σκέψεις εἰσὶ μάλιστα περὶ τούτων [1] Entre todos os entes alguns satildeo tais que natildeo se afirmam de nenhum outro verdadeiramente como universais (por exemplo Cleon e Caacutelias ou seja o particular e o sensiacutevel) mas outros se afirmam deles de fato cada um desses eacute tanto homem quanto animal Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros mas nenhum outro anterior se afirma deles Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros e outros satildeo afirmados deles por exemplo homem que se afirma de Caacutelias e do qual animal se afirma Assim eacute evidente que certas coisas por natureza natildeo se dizem de nenhuma outra de fato em geral entre as coisas sensiacuteveis cada uma eacute tal que natildeo se afirma de nenhuma outra a natildeo ser por acidente com efeito agraves vezes dizemos que aquele branco eacute Soacutecrates e que aquele que se aproxima eacute Caacutelias (Ainda diremos por que tambeacutem para cima em algum momento a seacuterie se interrompe Mas por ora seja assumido isso) [2] Assim acerca dessas coisas natildeo eacute possiacutevel demonstrar outra sendo afirmada (a natildeo ser segundo opiniatildeo) mas eacute possiacutevel demonstrar elas proacuteprias sendo afirmadas de outras Tampouco eacute possiacutevel demonstrar as coisas particulares sendo afirmadas de outras mas eacute possiacutevel demonstrar outras sendo afirmadas delas Jaacute das coisas que ficam entre essas eacute evidente que eacute possiacutevel demonstrar afirmando de ambos os modos pois tanto elas seratildeo ditas de outras quanto outras seratildeo ditas delas Grosso modo os argumentos e as investigaccedilotildees satildeo sobretudo acerca dessas coisas (43a 25minus43)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

21

A mais natural divisatildeo que podemos impor agrave passagem acima exige duas seccedilotildees

[1] Na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes compreendidos como fatores de atribuiccedilatildeo e classificados segundo as funccedilotildees que cada classe de termos pode desempenhar em proposiccedilotildees destinadas a operaccedilotildees silogiacutesticas A passagem eacute inaugurada com um pronunciamento a respeito de todos os entes ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων Por isso ao que tudo indica essa divisatildeo tripartite eacute exaustiva e natildeo deixa de fora nenhuma classe de termos Os resultados provenientes dessa classificaccedilatildeo trazem certas restriccedilotildees agrave atuaccedilatildeo de alguns termos na silogiacutestica nas linhas 25minus29 Aristoacuteteles nega que os termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) possam desempenhar o papel de legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nas linhas 29minus30 rejeita a possibilidade de atribuir aos termos de alta generalidade um termo que lhes seja anterior (πρότερον) Conforme jaacute o dissemos essas restriccedilotildees passam longe da exclusatildeo de qualquer das classes de termos apresentadas no referido trecho do capiacutetulo 27 A principal evidecircncia disso aparece na imediata sequumlecircncia do texto em que Aristoacuteteles avalia os efeitos dessas restriccedilotildees sobre as demonstraccedilotildees Isso nos leva agrave segunda seccedilatildeo

[2] Na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) satildeo explicitadas as consequumlecircncias que as restriccedilotildees apresentadas na seccedilatildeo anterior (43a 25minus37) produziratildeo nas demonstraccedilotildees24 Nas linhas 37minus39 Aristoacuteteles se pronuncia a respeito dos termos de alta generalidade (summa genera

24 Eacute bem verdade que em relaccedilatildeo ao cenaacuterio que temos em Segundos Analiacuteticos I 2 a noccedilatildeo de apodeixis que aparece no capiacutetulo 27 ainda exige muitos aperfeiccediloamentos mas natildeo nos parece justo entendecirc-la meramente como prova silogiacutestica jaacute que ela envolve exigecircncias de ordem atributiva que restringem as provas denotadas pela noccedilatildeo de apodeixis assumida no capiacutetulo a um subgrupo da noccedilatildeo mais geral de silogismo As provas silogiacutesticas formuladas em Primeiros Analiacuteticos II 15 por exemplo ficam de fora do grupo de silogismos dos quais o capiacutetulo 27 pretende dar conta Assim sendo optamos por manter a traduccedilatildeo de apodeixis por ldquodemonstraccedilatildeordquo e natildeo por ldquoprovardquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

22

eou transcategoriais) a possibilidade de demonstrar qualquer outro termo a respeito deles eacute recusada25 mas a de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute afirmada textualmente Nas linhas 39minus40 o pronunciamento se faz a respeito dos termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) a possibilidade de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute recusada mas a de demonstrar outros termos a respeito deles tambeacutem eacute afirmada Nas linhas 40minus42 Aristoacuteteles trata dos termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) e natildeo lhes impotildee nenhuma restriccedilatildeo eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles26

Por fim nas linhas 42minus43 Aristoacuteteles encerra a passagem com um pronunciamento de caraacuteter geral e conclusivo pronunciamento que ao contraacuterio do que Ross sugeriu e mais tarde Lukasiewicz endossou natildeo nega absolutamente nada do que fora dito ateacute entatildeo

Eacute claro que o leitor ainda pode levar em conta que Aristoacuteteles soacute faz uso da expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 ao se pronunciar a respeito dos termos de alta generalidade e que por isso a pressuposiccedilatildeo de tal expressatildeo nos demais pronunciamentos seria artificiosa e desqualificaria a traduccedilatildeo e a leitura que propomos De fato essa expressatildeo causou incocircmodo a alguns tradutores de liacutengua inglesa influenciados provavelmente pelos legados de Ross e Lukasiewicz A J Jenkinson e Robin Smith por exemplo traduzem a

25 Na verdade Aristoacuteteles reconhece uma exceccedilatildeo aludindo agrave possibilidade de ldquodemonstrarrdquo segundo opiniatildeo (κατὰ δόξαν) mas essa exceccedilatildeo eacute uma alternativa a ser evitada 26 No manuscrito n temos δειχθήσεται ao inveacutes de λεχθήσεται na linha 42 As duas alternativas favorecem a nossa leitura Optamos pela manutenccedilatildeo de λεχθήσεται para natildeo perder a relaccedilatildeo explicativa que haacute entre os pronunciamentos das linhas 40minus41 de um lado e 30minus32 de outro De fato com λεχθήσεται a linha 42 apenas repete o que fora dito nas linhas 30minus32 Essa opccedilatildeo revela que as linhas 30minus32 explicam a linha 42 e sugere que a mesma relaccedilatildeo explicativa ocorra entre as linhas 25minus29 e 39minus40 bem como entre as linhas 29minus30 e 37minus39

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

23

expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 como ldquodemonstraterdquo e ldquodemonstrate to be predicatedrdquo respectivamente No entanto ambos evitam tal traduccedilatildeo nas linhas subsequumlentes nas quais a expressatildeo natildeo aparece de modo expliacutecito e substituem ldquodemonstraterdquo por ldquopredicaterdquo27

Haacute pelo menos uma boa razatildeo para rejeitar tais traduccedilotildees elas assumem que na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) precisamente no que diz respeito agraves consequumlecircncias que as restriccedilotildees introduzidas na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) tecircm sobre as demonstraccedilotildees Aristoacuteteles estaria interessado apenas nos termos de alta generalidade dado que recorre agrave expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον exclusivamente ao tratar deles Assim no que diz respeito agrave atuaccedilatildeo dos demais termos (τὰ καθrsquo ἕκαστα e τὰ μεταξὺ) nas demonstraccedilotildees Aristoacuteteles jaacute natildeo teria a pretensatildeo de avaliar as consequumlecircncias dessas restriccedilotildees limitando-se apenas a repetir o que fora dito na primeira seccedilatildeo Essa leitura impotildee ao texto uma interrupccedilatildeo natildeo muito natural em seu desenvolvimento e ainda o torna redundante sem apresentar uma razatildeo satisfatoacuteria que justifique essa leitura

27 Na linha 39 por exemplo A J Jenkinson (in Barnes 1984) traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquobut these may be predicated of other thingsrdquo Robin Smith vai na mesma direccedilatildeo e traduz como ldquobut they are predicated of othersrdquo embora reconheccedila em seu comentaacuterio ao trecho 43a 40ss na paacutegina 50 (comentaacuterio que na verdade trata da linha 39) que a frase pode ser traduzida como ldquoother things are demonstrated to be predicated of themrdquo nas linhas 39-40 Jenkinson traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNeither can individuals be predicated of other things although other things can be predicated of themrdquo Robin Smith natildeo destoa disso e traduz como ldquoNeither can individuals be predicated of other things but instead other things are predicated of themrdquo por fim nas linhas 40-41 Jenkinson traduz τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται como ldquoWhatever lies between these limits can be spoken of in both waysrdquo ao passo que Robin Smith traduz como ldquoBut it is clear that for those in between predication is possible in both waysrdquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

24

Na contramatildeo de A J Jenkinson e Robin Smith temos Mario Mignucci e Gisela Striker que traduzem a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον como ldquodimostrare che essi si predicanordquo e ldquodemonstrate to be said ofrdquo respectivamente e entendem as linhas 39minus41 como pronunciamentos nos quais embora natildeo apareccedila de modo expliacutecito a expressatildeo ainda estaacute em jogo28 Essas traduccedilotildees certamente satildeo as mais fieacuteis ao texto grego e corroboram a traduccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo que propomos justificando o abandono da leitura tradicional sugerida por Ross e cristalizada nos estudos de Lukasiewicz A essa altura jaacute podemos fazer um balanccedilo dos resultados que o capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos de fato nos impotildee O cenaacuterio que se desenha eacute o seguinte (i) termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) natildeo eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου)29 de outros termos por isso tampouco eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos no entanto eacute possiacutevel lhes atribuir outros termos como legiacutetimos

28 Na linha 39 por exemplo Mignucci traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquomentre egrave possibile dimostrare che essi si predicano di altrirdquo Striker por sua vez traduz como ldquobut [sc one can demonstrate] only that they themselves are predicated of other thingsrdquo na linha 40 ambos fazem questatildeo de recuperar a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον Mignucci traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNon egrave neanche possibile dimostrare che i singolari si predicano di altre cose ma soltanto che altre cose si predicano di essirdquo Striker segue a mesma linha e traduz como ldquonor can one demonstrate that individuals are said of other things but only that other things are said of themrdquo Na linha 41 por sua vez a expressatildeo eacute recuperada novamente e o trecho τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται eacute traduzido por Mignucci como ldquoEgrave chiaro invece che le cose intermedie egrave possibile dimostrarle nei due modirdquo ao passo que por Striker como ldquoBut clearly the intermediate things admit [sc to be demonstrated] of bothrdquo 29 Tais termos natildeo se predicam de nenhum outro a natildeo ser κατὰ συμβεβηκός (43a 33minus35)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

25

predicados por conseguinte tambeacutem eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 25minus29 e 39minus40) (ii) termos de alta generalidade (summa genera eou τὰ πᾶσιν ἑπόμενα)30 natildeo lhes eacute possiacutevel atribuir outros termos como legiacutetimos predicados ndash de fato natildeo haacute termo anterior (πρότερον) que lhes possa ser atribuiacutedo por isso tampouco eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles no entanto eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos logo tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos (conferir 43a 29minus30 e 37minus39) (iii) termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos bem como lhes atribuir outros termos como legiacutetimos predicados em razatildeo disso tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 30minus32 e 40minus42)

Assim o que prevalece eacute que Aristoacuteteles jamais afastou de sua loacutegica qualquer das trecircs classes de termos apresentadas em Primeiros Analiacuteticos I 27 muito embora tenha endereccedilado certas restriccedilotildees atributivas a algumas delas 2 Primeiros Analiacuteticos I 28 e os Axiomas de Patzig

Patzig parece entender que o capiacutetulo 27 natildeo eacute merecedor de toda a atenccedilatildeo que lhe foi concedida por Ross e Lukasiewicz O capiacutetulo 28 em sua opiniatildeo eacute bem mais promissor no que diz respeito agrave questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera31 enquanto o capiacutetulo 27

30 Como Aristoacuteteles natildeo oferece exemplos de termos desse tipo deixamos indeterminado se satildeo summa genera como propotildee Ross ou transcategoriais de generalidade total (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como prefere Lukasiewicz (cf nota 3) 31 Patzig (1959 sect3 p 6)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

26

serviria mais como discussatildeo preparatoacuteria para os assuntos tratados no capiacutetulo seguinte

De fato haacute forte unidade entre esses textos O objetivo predominante que os vincula e orienta eacute anunciado no iniacutecio do capiacutetulo 27 e consiste em mostrar ldquode que modo sempre estaremos providos de silogismos em relaccedilatildeo ao que for proposto e por qual via alcanccedilamos os princiacutepios de cada coisardquo32 O capiacutetulo 27 contribui com esse objetivo na medida em que faz recomendaccedilotildees sobre como selecionar termos e premissas e classifica os fatores silogiacutesticos segundo as funccedilotildees (sujeito e predicado) que podem desempenhar de modo irrestrito em proposiccedilotildees silogiacutesticas A contribuiccedilatildeo do capiacutetulo 28 por sua vez estaacute associada aos procedimentos de prova de cada uma das quatro formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Esses procedimentos satildeo caracterizados basicamente pela descriccedilatildeo dos paracircmetros de localizaccedilatildeo do fator capaz de mediar os extremos (τά ἄκρα) na relaccedilatildeo categoacuterica acarretada na conclusatildeo Trata-se portanto de procedimentos de busca e localizaccedilatildeo do termo mediador (τὸ μέσον)

Assim para provar por exemplo a relaccedilatildeo universal afirmativa EaA prescreve Aristoacuteteles devemos encontrar um fator comum a duas listas (i) aquela de termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e (ii) aquela de termos que se atribuem universalmente ao extremo menor E33 O resultado seraacute o mediador M tal que MaA e EaM o que perfaz um silogismo em Barbara Semelhantemente para provar a relaccedilatildeo particular afirmativa EiA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um elemento comum agraves listas de (i) termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente ou seja agraves listas de termos que cada um dos extremos E e A ldquoacompanhardquo (ἕπεσθαι ou ακολουθεῖν) Nesse caso o termo comum M seraacute tal que MaA e MaE o que nos

32 An Pr I 27 43a 20ndash21 33 An Pr I 28 43b 39ndash43

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

27

permite concluir EiA por Darapti (terceira figura)34 Por sua vez a prova da relaccedilatildeo universal negativa EeA tambeacutem se valeraacute da identificaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios a um extremo e de (ii) termos que se atribuem universalmente ao outro extremo se o mediador M comum agraves duas listas for contraacuterio ao extremo maior A e universalmente atribuiacutedo ao extremo menor E o mediador M seraacute tal que MeA e EaM ou AeM e EaM possibilitando a prova de EeA (respectivamente) por Celarent e por Cesare mas se o mediador M for contraacuterio ao extremo menor E e universalmente atribuiacutedo ao extremo maior A M seraacute tal que AaM e EeM restringindo a prova de EeA a Camestres35 Por fim para provar a relaccedilatildeo particular negativa EoA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios ao extremo maior A e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente Assim o mediador M seraacute tal que MeA e MaE o que prova EoA por Felapton36

Em todas as recomendaccedilotildees do capiacutetulo 28 Aristoacuteteles se orienta pelas conclusotildees almejadas propondo a partir delas procedimentos de busca e localizaccedilatildeo dos fatores capazes de acarretar cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas A estrateacutegia de Aristoacuteteles portanto natildeo consiste em partir de premissas e deduzir os resultados que delas se seguem mas fazendo o caminho inverso consiste em partir da conclusatildeo e buscar o termo mediador capaz de articular os extremos na relaccedilatildeo categoacuterica (a e i ou o) da conclusatildeo

Por natildeo captar a natureza invertida dessa estrateacutegia Patzig natildeo compreendeu plenamente o que Aristoacuteteles propusera e julgou que o capiacutetulo 28 muito mais que o capiacutetulo 27 impunha severas restriccedilotildees agrave lista de termos capazes de figurar em silogismos aristoteacutelicos Na verdade o capiacutetulo 28 nem sequer trata da questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera mas limita-se a descrever os paracircmetros de

34 Ibidem 43b 43ndash44a 2 35 An Pr I 44a 2ndash8 36 An Pr I 28 44a 9ndash11

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

28

localizaccedilatildeo do mediador de cada forma categoacuterica Eacute claro que ao descrever esses paracircmetros Aristoacuteteles acaba por assumir certos pressupostos que em uacuteltimo caso podem ter algum efeito sobre a lista de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica Ainda assim eacute preciso observar que as recomendaccedilotildees apresentadas no capiacutetulo 28 satildeo pensadas em relaccedilatildeo agrave prova de cada proposiccedilatildeo categoacuterica em particular Por isso os pressupostos envolvidos nessas recomendaccedilotildees bem como as eventuais restriccedilotildees de termos que lhes sejam correlatas deveratildeo ter aplicaccedilatildeo circunscrita a cada caso isto eacute aos procedimentos de prova de cada conclusatildeo em particular

Patzig parece natildeo ter dado a devida atenccedilatildeo a esse detalhe pois embora compreenda os seus axiomas como pressupostos impliacutecitos das recomendaccedilotildees de Aristoacuteteles ndash recomendaccedilotildees cuja aplicaccedilatildeo estaacute circunscrita a cada caso ndash Patzig os assume como vaacutelidos para termos de todo e qualquer silogismo37 No entanto eacute flagrante que certos silogismos natildeo dependem de alguns de seus axiomas Um arquetiacutepico silogismo em Barbara por exemplo funciona perfeitamente bem sem pressupor para qualquer de seus termos a validade do terceiro axioma isto eacute sem pressupor que exista para qualquer de seus termos (ou mesmo para qualquer de seus extremos para ser fiel ao capiacutetulo 28) um termo que lhe seja ldquocontraacuteriordquo

Ao que tudo indica o que levou Patzig a estender a validade de seus axiomas sobre todos os silogismos eacute o trecho 44a 12minus17 em que Aristoacuteteles estipula letras para as listas de termos com as quais pretende trabalhar na exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova38 Na referida passagem Aristoacuteteles considera basicamente trecircs tipos de termos que se distinguem pelo termo extremo que lhes eacute correlato bem como pela relaccedilatildeo predicativa que cada um manteacutem com esse extremo Para cada extremo Aristoacuteteles estipula (i) termos que lhe satildeo atribuiacutedos universalmente (ii) termos aos quais ele proacuteprio se atribui universalmente e (iii) termos que natildeo lhe

37 Patzig (1959) sect3 p 6ndash7 38 An Pr I 28 44a 12minus17

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

29

podem ser atribuiacutedos Os termos de primeiro tipo devem ter servido de estiacutemulo para a necessidade de termos superordenados proacuteprios que eacute marca do segundo axioma de Patzig os termos de segundo tipo por sua vez para a necessidade de termos subordinados proacuteprios marca do primeiro axioma os de terceiro por fim para a necessidade de termos ldquocontraacuteriosrdquo marca do terceiro axioma

Eacute bem verdade que os termos estipulados por Aristoacuteteles envolvem certa analogia com os axiomas propostos por Patzig Mas eacute preciso notar em primeiro lugar que nenhum dos procedimentos de prova descritos por Aristoacuteteles depende da estipulaccedilatildeo dos trecircs tipos de termos39 A recomendaccedilatildeo de prova da proposiccedilatildeo particular afirmativa por exemplo requer apenas (ii) termos aos quais os extremos se atribuem universalmente40 O fato de Aristoacuteteles jaacute estipular de antematildeo trecircs tipos de termos para cada extremo natildeo torna obrigatoacuterio que todo e qualquer extremo (e muito menos que todo e qualquer termo silogiacutestico como prefere Patzig) independentemente do silogismo a que pertenccedila dependa dos trecircs tipos de termos estipulados precisamente porque a estipulaccedilatildeo desses termos estaacute ancorada em um par de extremos que eacute muito peculiar Esse par de extremos eacute pensado com propoacutesitos didaacuteticos orientados agrave exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova de cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas (a e i e o) Trata-se de um par de extremos que em benefiacutecio da exposiccedilatildeo eacute assumido como articulaacutevel em qualquer das relaccedilotildees categoacutericas Poreacutem essa assunccedilatildeo soacute faz sentido no contexto preciso dessa exposiccedilatildeo de procedimentos de prova afinal algumas dessas relaccedilotildees categoacutericas satildeo incompatiacuteveis entre si ndash por exemplo as relaccedilotildees universal afirmativa e particular negativa Por isso devemos presumir que as estipulaccedilotildees de termos que lhes datildeo suporte tambeacutem o satildeo e portanto natildeo podem valer em conjunto e para todos os casos

39 Idem 44a 17minus30 40 Ibidem 44a 19minus21

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

30

Para esclarecer esse ponto retomemos rapidamente os procedimentos de prova das proposiccedilotildees universal afirmativa e particular negativa41 Assumindo um mesmo par de extremos como faz Aristoacuteteles estaremos diante de proposiccedilotildees contraditoacuterias (EaA e EoA) Dado que tais proposiccedilotildees satildeo incompatiacuteveis as condiccedilotildees das quais elas satildeo provenientes tambeacutem o seratildeo Dizendo de outro modo a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (i) termos aos quais o extremo maior se atribui universalmente e (ii) termos que se atribuem universalmente ao extremo menor eacute incompatiacutevel com a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (irsquo) termos aos quais o extremo maior natildeo pode ser atribuiacutedo e (iirsquo) termos aos quais o extremo menor se atribui universalmente Assim em presenccedila das condiccedilotildees de prova de uma das proposiccedilotildees incompatiacuteveis as condiccedilotildees da outra poderatildeo ser dispensadas jaacute que satildeo condiccedilotildees requeridas para uma prova cuja possibilidade jaacute natildeo existe E natildeo haacute razatildeo para manter os termos estipulados e dispensar apenas a possibilidade de um termo comum entre as listas pois ambos os pressupostos satildeo requisitados para servir um uacutenico e mesmo propoacutesito o de estabelecer condiccedilotildees para a prova da relaccedilatildeo categoacuterica que se pretende obter Natildeo haacute uma razatildeo que justifique a manutenccedilatildeo das listas de termos estipulados em detrimento da possibilidade de um termo comum entre as listas pois o propoacutesito que introduz uma exigecircncia tambeacutem introduz a outra Sob essa perspectiva fica claro que os termos estipulados no trecho 44a 12minus17 natildeo podem ser pressupostos indispensaacuteveis de quaisquer termos silogiacutesticos tampouco pressupostos que devem ser satisfeitos em conjunto por termos de todo e qualquer silogismo Afinal Aristoacuteteles estipula cada uma das listas supondo que seus termos seratildeo candidatos agrave funccedilatildeo de mediador (e natildeo agrave funccedilatildeo de termos silogiacutesticos) e o faz segundo as exigecircncias especiacuteficas envolvidas na prova de cada relaccedilatildeo categoacuterica em particular (a e i ou o) Compreender tais listas como pressupostos

41 An Pr I 28 43b 39minus43 e 44a 9minus11

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

31

que devem ser satisfeitos por todo e qualquer termo silogiacutestico eacute um equiacutevoco

Em segundo lugar o capiacutetulo 28 natildeo parece estar orientado propriamente agrave prova silogiacutestica das formas categoacutericas mas em algum sentido agrave demonstraccedilatildeo de tais relaccedilotildees Haacute indiacutecios que sugerem essa leitura O principal deles talvez seja o fato de Aristoacuteteles se mostrar interessado em localizar um meson que fica no meio do caminho entre um mediador que satisfaz requisitos meramente dedutivos e um mediador que supera tais requisitos e se configura como um fator explanatoacuterio em uma legiacutetima demonstraccedilatildeo cientiacutefica42 Retomemos por exemplo as recomendaccedilotildees de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) Em 43b 43ndash44a 2 Aristoacuteteles recomenda a prova de EiA por premissas universais conduzindo a prova a um silogismo em Darapti embora admita a possibilidade de concluir proposiccedilotildees particulares a partir de um par de premissas em que apenas uma eacute universal (41b 22minus27) Em 44a 9ndash11 a exemplo do que ocorre com a prova de EiA Aristoacuteteles recomenda a prova de EoA novamente por premissas universais desta vez conduzindo a prova a um silogismo em Felapton Essas duas recomendaccedilotildees de prova pressupotildeem que o meson requisitado para a prova natildeo eacute um mediador meramente dedutivo mas um mediador que se articula com os extremos exclusivamente por relaccedilotildees universais Eacute claro que esse cenaacuterio ainda estaacute muito distante daquele que temos por exemplo no capiacutetulo 2 do Livro II de Segundos

42 Em uma demonstraccedilatildeo cientiacutefica natildeo basta que o mediador se relacione com os extremos de tal modo que a deduccedilatildeo da conclusatildeo esteja formalmente assegurada Aristoacuteteles ainda exige que o mediador satisfaccedila certos requisitos natildeo formais O principal deles eacute o de explicar adequadamente por que o extremo maior se atribui ao extremo menor (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 por exemplo essa diferenccedila (entre um mediador que satisfaz exigecircncias meramente dedutivas e um mediador que funciona como explicaccedilatildeo do fato relatado na conclusatildeo) eacute utilizada como criteacuterio baacutesico para distinguir o conhecimento de que C eacute A (conhecimento do fato) e o conhecimento de por que C eacute A (conhecimento da causa)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

32

Analiacuteticos (90a 6minus7) em que o meson eacute pensado como a causa que explica por que a relaccedilatildeo dada entre os extremos explicitada na conclusatildeo da demonstraccedilatildeo eacute o caso Mesmo assim temos o suficiente para mostrar que Aristoacuteteles natildeo estaacute levando em conta todos os silogismos de seu sistema loacutegico mas apenas aqueles nos quais ambas as premissas satildeo universais Por que razatildeo exatamente Aristoacuteteles faz essa escolha eacute algo a se investigar O que nos importa eacute que essa escolha restringe o escopo do capiacutetulo a um grupo especiacutefico de silogismos o que natildeo eacute compatiacutevel com a validade irrestrita dos axiomas propostos por Patzig

Em terceiro lugar Aristoacuteteles natildeo lida com as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo proacutepria superordenaccedilatildeo proacutepria e contrariedade mas prefere (i) termos que acompanham o extremo (τὰ ἑπόμενα) (ii) termos aos quais o extremo acompanha (οἷς αὐτὸ ἕπεται) e (iii) termos que natildeo podem ser atribuiacutedos ao extremo (ἃ μὴ ἐνδέχεται αὐτῷ ὑπάρχειν) Essa diferenccedila natildeo eacute apenas terminoloacutegica mas conceitual As relaccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias pressupotildeem termos que natildeo satildeo coextensivos se X eacute um termo subordinado proacuteprio de Y XaY eacute o caso mas YaX natildeo se Z eacute um termo superordenado proacuteprio de Y YaZ eacute o caso mas ZaY natildeo O proacuteprio Patzig reconhece essas consequumlecircncias ao formular os seus dois primeiros axiomas43 Aristoacuteteles no entanto ao se valer das relaccedilotildees de ldquoacompanhamentordquo entre os termos natildeo hesita em rejeitaacute-las No capiacutetulo 29 por exemplo Aristoacuteteles menciona a possibilidade de provar por hipoacutetese (συλλογίσασθαι ἐξ ὑποθέσεως) os problemas universais (a e e) assumindo precisamente a possibilidade de coextensatildeo entre os termos envolvidos possibilidade da qual Patzig parece prescindir ao formular seus axiomas A passagem agrave qual nos referimos eacute a seguinte

εἰ γὰρ τὸ Γ καὶ τὸ Η ταὐτὰ εἴη μόνοις δὲ ληφθείη τοῖς Η τὸ Ε ὑπάρχειν παντὶ ἂν τῷ Ε τὸ Α ὑπάρχοι καὶ πάλιν εἰ τὸ Δ καὶ Η ταὐτὰ μόνων δὲ τῶν Η τὸ Ε κατηγοροῖτο ὅτι οὐδενὶ τῷ Ε τὸ Α ὑπάρξει

43 Patzig (1959 sect3 p 6ndash7)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

33

Com efeito se C e G fossem o mesmo mas se assumisse que E se atribui apenas aos Grsquos A se atribuiria a todo E Novamente se D e G fossem o mesmo mas E se afirmasse apenas dos Grsquos A se atribuiraacute a nenhum E (45b 24minus27)

Em 44a 12minus17 Aristoacuteteles jaacute havia estipulado que a letra C representaria um termo ao qual o extremo maior A acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente tambeacutem foi estipulado que a letra G representaria um termo ao qual o extremo menor E acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente por fim ainda ficou decidido que a letra D representaria um termo que natildeo pode ser atribuiacutedo ao extremo maior A Assim a identidade entre C e G a exemplo do que ocorre em 44a 19minus21 conduz a prova de EiA a um silogismo em Darapti ao passo que a identidade entre D e G a exemplo do que ocorre em 44a 28minus30 conduz a prova de EoA a um silogismo em Felapton44 No entanto nessa passagem embora os procedimentos de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) sejam acionados aquilo que se quer mostrar eacute de que modo podemos provar por hipoacutetese (ἐξ ὑποθέσεως) as proposiccedilotildees universais Para alcanccedilar esse resultado Aristoacuteteles assume que o extremo menor E se atribui apenas (μόνον) a G o que pode ser interpretado como uma maneira diferente de dizer que E e G satildeo termos coextensivos Sinal disso eacute o seguinte ao assumir que E se atribui apenas a G Aristoacuteteles se vecirc autorizado a concluir as proposiccedilotildees universais EaA e EeA o que soacute faz sentido sob o pressuposto de que G e E satildeo termos coextensivos De fato sob tal pressuposto a premissa menor GaE pode ser ldquoconvertidardquo em EaG o que transforma Darapti em Barbara bem como Felapton em Celarent Mas se os termos aos quais o extremo menor E acompanha forem pensados como termos subordinados proacuteprios de E GaE seraacute o caso mas EaG natildeo Por conseguinte tampouco as conclusotildees EaA e EeA se seguiriam Assim se quisermos conferir sentido agrave passagem temos que assumir que Aristoacuteteles recorreu agrave possibilidade de construir silogismos com termos

44 Darapti CaA GaE rarr EiA (C=G) Felapton DeA GaE rarr EoA (D=G)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

34

que satildeo coextensivos e se assim for podemos dizer que para Aristoacuteteles a presenccedila de silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos em sua loacutegica natildeo causava qualquer inconveniente45

Segundo nos parece as razotildees alegadas ateacute aqui jaacute satildeo suficientes para mostrar que os axiomas de Patzig natildeo podem servir como criteacuterios delimitadores de termos silogiacutesticos Ainda assim vale a pena examinar duas passagens que eventualmente poderiam ser invocadas contra a interpretaccedilatildeo que propomos Embora natildeo sejam citadas pelos proponentes das opiniotildees tradicionais natildeo eacute difiacutecil imaginar que elas tenham servido de inspiraccedilatildeo para aqueles que defendem a exclusatildeo dos termos transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo De fato agrave primeira vista tais passagens podem nos levar a pensar que Aristoacuteteles natildeo guardou lugar para tais termos na silogiacutestica No entanto como veremos isso soacute eacute verdade agrave primeira vista

45 O capiacutetulo 29 natildeo eacute a uacutenica evidecircncia de silogismos com termos coextensivos na silogiacutestica No capiacutetulo 5 do Livro II de Primeiros Analiacuteticos precisamente em 57b 35minus58a 12 Aristoacuteteles trabalha com silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos Por sua vez no capiacutetulo 22 em 67b 27minus32 Aristoacuteteles inicia o texto dizendo que a coextensatildeo entre os termos extremos de um silogismo requer um mediador tambeacutem coextensivo o que revela por parte de Aristoacuteteles plena consciecircncia a respeito da existecircncia de silogismos com triacuteades coextensivas Nos Segundos Analiacuteticos o interesse de Aristoacuteteles por demonstraccedilotildees que envolvem termos coextensivos pode ser classificado como uma obsessatildeo Basta notar que a proacutepria demonstraccedilatildeo universal ndash aquela que eacute considerada por Aristoacuteteles como cientiacutefica no mais alto grau ndash tem como uma de suas principais caracteriacutesticas a coextensatildeo entre os trecircs termos do silogismo (cf Seg An I 4 73b 32minus74a 3) o que revela o papel central das triacuteades coextensivas no projeto aristoteacutelico que eacute inaugurado com a silogiacutestica e culmina nas demonstraccedilotildees cientiacuteficas (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 e II 16 Aristoacuteteles novamente recorre a termos coextensivos na formulaccedilatildeo de silogismos A nossa preferecircncia pela passagem 45b 24minus27 do capiacutetulo 29 de Primeiros Analiacuteticos se daacute apenas com base em sua conexatildeo indiscutiacutevel com o capiacutetulo 28 no qual Patzig julga encontrar seus axiomas

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

35

Uma das passagens agraves quais nos referimos eacute aquela com a qual Aristoacuteteles encerra o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I Vejamos o que diz Aristoacuteteles

ἔτι τὰ πᾶσιν ἑπόμενα οὐκ ἐκλεκτέον οὐ γὰρ ἔσται συλλογισμὸς ἐξ αὐτων διrsquo ἣν δrsquo αἰτίαν ἐν τοῖς ἑπομένοις ἔσται δῆλον Aleacutem disso natildeo eacute preciso selecionar os itens que acompanham todas as coisas pois natildeo haacute silogismo a partir deles A razatildeo disso ficaraacute evidente a seguir (43b 36minus38)

Essa passagem trata dos termos transcategoriais de generalidade total (τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) e delega a justificativa de seu proacuteprio pronunciamento ao capiacutetulo seguinte no qual Patzig encontrou inspiraccedilatildeo para seus axiomas No capiacutetulo 28 cumprindo o prometido Aristoacuteteles retoma esse assunto e reitera a impossibilidade de construir silogismos a partir de termos de generalidade total

φανερὸν οὖν ὅτι διὰ τῶν προειρημένων σχημάτων οἱ συλλογισμοὶ πάντες καὶ ὅτι οὐκ ἐκλεκτέον ὅσα πᾶσιν ἕπεται διὰ τὸ μηδένα γίγνεσθαι συλλογισμὸν ἐξ αὐτῶν κατασκευάζειν μὲν γὰρ ὅλως οὐκ ἦν ἐκ τῶν ἑπομένων ἀποστερεῖν δrsquo οὐκ ἐνδέχεται διὰ τοῦ πᾶσιν ἑπομένου δεῖ γὰρ τῷ μὲν ὑπάρχειν τῷ δὲ μὴ ὑπάρχειν Eacute evidente entatildeo que todos os silogismos vecircm a ser atraveacutes das figuras previamente mencionadas e que natildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisas porque nenhum silogismo vem a ser a partir deles De fato de modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanham e natildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outro (44b 19minus24)

Fora de contexto e em uma leitura mais apressada essas duas passagens podem nos levar a crer que a opiniatildeo tradicional que afasta da silogiacutestica os termos de generalidade total (como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) de fato encontra respaldo nos textos de Aristoacuteteles No entanto mais uma vez eacute preciso levar em conta que o capiacutetulo 28 eacute marcado pela

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

36

descriccedilatildeo de estrateacutegias de localizaccedilatildeo de termos mediadores e natildeo de termos em geral Dizendo de outro modo Aristoacuteteles natildeo estaacute interessado em localizar os termos que deveratildeo encerrar a conclusatildeo de um silogismo pelo contraacuterio tais termos jaacute estatildeo plenamente determinados bem como a relaccedilatildeo proposicional (a e i e o) que haacute entre eles dado que a conclusatildeo na qual interagem funciona como ponto de partida da investigaccedilatildeo empreendida no capiacutetulo O que interessa para Aristoacuteteles eacute a localizaccedilatildeo de termos mediadores e eacute nesse horizonte que tais passagens devem ser lidas Assim ao negar a possibilidade de construir silogismos a partir de termos transcategoriais de generalidade total (ἐξ αὐτῶν) o que Aristoacuteteles quer dizer eacute que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos46 nos quais a funccedilatildeo de mediador seja desempenhada por um termo desse tipo razatildeo pela qual na busca pelo mediador recomenda Aristoacuteteles ldquonatildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisasrdquo (44b 20minus21) Para justificar essa recomendaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta duas razotildees (i) ldquode modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanhamrdquo (44b 22minus23) (ii) ldquonatildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outrordquo (44b 23minus24) Na primeira razatildeo Aristoacuteteles parece reconsiderar as listas de termos estipuladas no trecho 44a 11minus17 pressupondo ao que tudo indica que os transcategoriais de generalidade total soacute podem figurar em listas de termos que acompanham os extremos Isso se justificaria pela natureza inapta de tais termos para o papel de sujeito em proposiccedilotildees silogiacutesticas conforme se constata no capiacutetulo I 27 Assim na medida em que nas provas afirmativas a busca pelo mediador natildeo envolve

46 Na verdade como o escopo do capiacutetulo 28 natildeo abarca todo e qualquer silogismo seria mais correto dizer que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos (nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas) assumindo um termo de generalidade total na funccedilatildeo de mediador

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

37

apenas a lista de termos que acompanham um dos extremos mas tambeacutem a lista de termos aos quais um dos extremos acompanha (ver 43b 39minus44a 2) os transcategoriais de generalidade total perdem a candidatura agrave funccedilatildeo de mediador e jaacute de saiacuteda nem sequer precisam ser considerados47 Na segunda razatildeo por sua vez Aristoacuteteles leva em conta o fato de que as provas negativas dependem de um mediador capaz de figurar em proposiccedilotildees universais negativas verdadeiras exigecircncia que natildeo estaacute no alcance dos termos de generalidade total Afinal se estamos diante de um transcategorial desse tipo de antematildeo jaacute assumimos a inexistecircncia de um termo do qual ele natildeo seja predicado Assim os termos de generalidade total ficam impedidos de serem atribuiacutedos a um extremo e natildeo atribuiacutedos ao outro (44b 24) como deve ser o mediador de um silogismo negativo

O que eacute verdade portanto eacute que Aristoacuteteles dispensa os termos de generalidade total da funccedilatildeo de mediador De fato quando se pretende construir silogismos nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas tal como ocorre no capiacutetulo 28 a busca do mediador entre transcategoriais de generalidade total eacute sempre infrutiacutefera porque soacute poderaacute devolver como resposta pretensos fatores de mediaccedilatildeo marcados por duas deficiecircncias principais a

47 Supomos que em tais passagens Aristoacuteteles de fato tem em mente as recomendaccedilotildees de prova apresentadas no iniacutecio do capiacutetulo 28 de modo que apenas os silogismos em Barbara e Darapti sejam considerados como silogismos afirmativos (cf 43b 39minus44a 2) Assim entendemos que o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 se justificaria porque os termos de generalidade total na prova de a natildeo podem integrar a lista de termos aos quais o extremo maior acompanha bem como na prova de i a lista de termos aos quais ambos os extremos acompanham No entanto ainda que os demais silogismos afirmativos sejam levados em conta o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 continua verdadeiro jaacute que Darii Disamis e Datisi tambeacutem exigem que o mediador esteja entre os termos aos quais o(s) extremo(s) acompanha(m)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

38

impossibilidade de desempenhar a funccedilatildeo de sujeito de modo legiacutetimo e a incapacidade de compor proposiccedilotildees negativas verdadeiras

Nenhuma das passagens mencionadas acima (43b 36minus38 e 44b 19minus24) eacute citada ndash nem por Lukasiewicz nem por Patzig ndash como evidecircncia de que Aristoacuteteles teria rejeitado os termos de generalidade total em seu sistema loacutegico Poreacutem diante da escassez de evidecircncias em favor da suposta exclusatildeo de tais termos natildeo eacute insensato presumir que os proponentes dessa exclusatildeo tenham encontrado inspiraccedilatildeo nelas

Na proacutexima seccedilatildeo examinaremos textos nos quais Aristoacuteteles constroacutei silogismos com termos de natureza singular Veremos que o incocircmodo com a presenccedila de tais termos na silogiacutestica eacute menos de Aristoacuteteles e mais de seus inteacuterpretes 3 Termos Singulares e o Silogismo Peripateacutetico

Jaacute comentamos o fato de Lukasiewicz ter feito pesadas criacuteticas agrave silogiacutestica em especial ao suposto fato de Aristoacuteteles ter afastado os termos de natureza singular de seu sistema loacutegico o que seria segundo Lukasiewicz ldquoo maior defeitordquo da loacutegica aristoteacutelica48 Ao que parece o responsaacutevel por levaacute-lo por esse caminho foi Ross que tomou nota do tambeacutem suposto fato de Aristoacuteteles nunca se valer de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos49 Lukasiewicz reiterou a constataccedilatildeo de Ross (embora natildeo o cite) e nela encontrou razatildeo para natildeo reconhecer como rigorosamente aristoteacutelico o silogismo que qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo silogismo formulado em primeira figura com um nome proacuteprio como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo

De acordo com a triparticcedilatildeo de termos que pudemos conhecer no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I (Seccedilatildeo II Parte 1) natildeo temos qualquer razatildeo para expulsar da silogiacutestica os termos de natureza singular Eacute

48 Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect3 p 6) 49 Ross (1949 p 289 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

39

claro que Aristoacuteteles natildeo deixa de lhes endereccedilar certas restriccedilotildees poreacutem vale a pena repetir nenhuma das restriccedilotildees introduzidas por Aristoacuteteles no referido capiacutetulo tem forccedila suficiente para expulsar os termos singulares da loacutegica aristoteacutelica De fato embora tais termos natildeo possam figurar em proposiccedilotildees como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nada impede que outros termos lhes sejam atribuiacutedos por conseguinte embora natildeo possam ser demonstrados como legiacutetimos predicados de outros termos nada impede que outros termos sejam demonstrados como predicados deles50

Fora dos Analiacuteticos jaacute esbarramos em indiacutecios que vatildeo nessa direccedilatildeo No capiacutetulo 10 de Metafiacutesica XIII (My) por exemplo haacute uma breve passagem que sugere esse resultado Enquanto argumenta em favor da tese de que ldquoo conhecimento eacute de universaisrdquo (ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου) Aristoacuteteles parece supor que os termos singulares ldquoeste triacircngulordquo e ldquoeste homemrdquo tambeacutem satildeo suscetiacuteveis de operaccedilotildees silogiacutesticas

[] ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου δῆλον δrsquo ἐκ τῶν ἀποδείξεων καὶ τῶν ὁρισμῶν οὐ γὰρ γίγνεται συλλογισμὸς ὅτι τόδε τὸ τρίγωνον δύο ὀρθαῖς εἰ μὴ πᾶν τρίγωνον δύο ὀρθαί οὐδrsquo ὅτι ὁδὶ ὁ ἄνθρωπος ζῷον εἰ μὴ πᾶς ἄνθρωπος ζῷον [] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos a natildeo ser que todo triacircngulo possua dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal a natildeo ser que todo homem seja animal (1086b 34minus37)

Poreacutem essa passagem natildeo eacute tatildeo simples quanto pode parecer agrave primeira vista51 Paul Shorey por exemplo reprovaria jaacute a traduccedilatildeo que

50 An Pr I 27 43a 25minus29 e 39minus40 Ao comentar o capiacutetulo 27 Mignucci (1969 p 443) tambeacutem reconhece a possibilidade ldquodi costruire dimostrazioni e sillogismi anche relativamente a singolarirdquo citando Alexandre que tambeacutem jaacute a observa em seus comentaacuterios (An Pr p 293 13minus23) 51 Shorey (1913)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

40

propomos porque ela faz crer que Aristoacuteteles estabelece uma relaccedilatildeo de dependecircncia dedutiva (silogiacutestica) entre proposiccedilotildees dependecircncia que de fato existe mas da qual para Shorey a passagem em questatildeo natildeo trataria De acordo com Shorey as ocorrecircncias de εἰ μὴ nas linhas 33 e 36 natildeo significam ldquo[] lsquounlessrsquo but is to be taken in its idiomatic sense as a virtual equivalent of ἀλλάrdquo Nesse caso uma traduccedilatildeo mais fiel agrave posiccedilatildeo de Shorey seria a seguinte

[] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos mas de que todo triacircngulo tem dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal mas de que todo homem eacute animal (1086b 34minus37)

Assim o texto estabeleceria natildeo que as proposiccedilotildees singulares no papel de conclusotildees silogiacutesticas satildeo (dedutivamente) dependentes das proposiccedilotildees universais mas que as conclusotildees propriamente silogiacutesticas satildeo universais (universalmente quantificadas) e natildeo singulares

Ross52 ao tratar dessa passagem natildeo deixa de comentar a posiccedilatildeo de Shorey

He [Shorey] argues that in l 33 knowledge is said to be lsquoofrsquo universals ie to have universal conclusions as well as universal premises [hellip] and that singular propositions never occur as conclusions in Aristotlersquos logical writings

Na verdade Shorey53 natildeo chega a dizer que proposiccedilotildees singulares nunca ocorrem como conclusotildees silogiacutesticas nos escritos loacutegicos de Aristoacuteteles embora passe perto disso

The syllogism with a particular54 conclusion is an inferior type (Analyt Post 79a 25ff) [hellip] Aristotle does not recognize singular proposition in his classification (Analyt Priora A1 Grote Aristotle I 205) and the

52 Ross (1953 p 464) 53 Shorey (1913 p 91) 54 Nesse contexto Shorey assume ldquoparticularrdquo e ldquosingularrdquo como equivalentes

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

41

conclusion to an individual case interests him very little and is practically ignored

Shorey tem alguma razatildeo em alegar que os silogismos que concluem proposiccedilotildees singulares (tambeacutem conhecidos como ldquoperipateacuteticosrdquo) satildeo de um tipo inferior especialmente quando se leva em conta o horizonte das demonstraccedilotildees cientiacuteficas55 mas erra quando recorre ao trecho 79a 25ss para dar base textual a tal alegaccedilatildeo ndash o referido trecho nem mesmo trata desse assunto Por sua vez e contra Shorey Ross56 surpreende ao alegar o seguinte

There are however occasional references in Aristotle to the occurrence of singular propositions as the minor premise or conclusion of syllogisms (eg An Pr 43a 37minus40) []

55 Para Aristoacuteteles o silogismo dito cientiacutefico no mais alto grau eacute a chamada demonstraccedilatildeo universal Eacute importante notar que aqui o adjetivo ldquouniversalrdquo tem um sentido muito preciso e natildeo se justifica pela mera ocorrecircncia de uma conclusatildeo universalmente quantificada Em Segundos Analiacuteticos I 4 73b 32minus74a 3 por exemplo Aristoacuteteles argumenta que a demonstraccedilatildeo universal natildeo conclui que todo isoacutesceles tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos mas que todo triacircngulo tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos revelando um requisito que envolve o ajuste preciso do extremo menor a partir de condiccedilotildees estabelecidas pelo extremo maior (cf Seg An I 5 74a 4minus6 13minus17 25minus32 74b 21minus26 I 24 85b 4minus15) Para Aristoacuteteles o predicado ldquoter a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retosrdquo ndash daqui para frente apenas ldquo2Rrdquo ndash se atribui a ldquoisoacutescelesrdquo de um modo que em algum sentido eacute parasitaacuterio da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo dado que isoacutesceles tem 2R na exata medida em que eacute triacircngulo Em outras palavras a atribuiccedilatildeo de ldquo2Rrdquo a ldquoisoacutescelesrdquo eacute entendida como indireta e dependente da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo Nesse contexto eacute natural presumir que um silogismo peripateacutetico seja concebido como inferior em relaccedilatildeo aos demais minus especialmente no que diz respeito ao grau de cientificidade minus jaacute que sua conclusatildeo natildeo poderaacute satisfazer as exigecircncias de uma legiacutetima conclusatildeo cientiacutefica tal como ocorre em uma demonstraccedilatildeo universal Jaacute quanto agraves propriedades dedutivas envolvidas em tal silogismo natildeo haacute razatildeo para consideraacute-lo inferior Para apreciaccedilatildeo detalhada da noccedilatildeo de demonstraccedilatildeo universal ver Angioni (2007) 56 Ross (1953 p 464)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

42

Ross supotildee que o argumento de Shorey pretende estabelecer a exclusatildeo dos termos singulares do domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica e aponta a passagem 43a 37minus40 como evidecircncia textual incompatiacutevel com essa exclusatildeo Temos aqui uma mudanccedila de opiniatildeo De fato conforme pudemos ver na primeira seccedilatildeo deste artigo ao tratar do trecho 43a 37minus43 na ediccedilatildeo comentada do texto grego de Primeiros e Segundos Analiacuteticos Ross chega a dizer que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares em seus exemplos de silogismos e argumenta em favor de uma silogiacutestica restrita a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ)57 Agora ao comentar a passagem 1086a 34minus37 de Metafiacutesica XIII (My) 10 Ross reconhece no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I uma evidecircncia em favor da inclusatildeo dos termos singulares na silogiacutestica Aparentemente o proacuteprio Ross natildeo tinha muita convicccedilatildeo a respeito da inclusatildeo ou exclusatildeo dos termos de natureza singular

De nossa parte admitimos que a passagem 1086a 34minus37 eacute digna da controveacutersia introduzida por Shorey ndash embora tenhamos mais apreccedilo pela interpretaccedilatildeo de Ross No entanto mesmo que Shorey tenha razatildeo a respeito do referido trecho de Metafiacutesica XIII (My) 10 a presenccedila de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares na silogiacutestica natildeo estaraacute ameaccedilada porque ainda podemos nos valer de passagens muito mais promissoras para decidir essa questatildeo passagens nas quais o proacuteprio Aristoacuteteles elabora cocircmputos silogiacutesticos com termos singulares como se a presenccedila deles na silogiacutestica natildeo lhe figurasse como uma anomalia

Patzig tinha conhecimento dessas passagens e fez questatildeo de citaacute-las no primeiro capiacutetulo de seu livro corrigindo o suposto fato alegado por Ross e Lukasiewicz de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos exemplos de silogismos que aparecem em Primeiros Analiacuteticos No entanto Patzig natildeo recorre a tais passagens a fim de reintroduzir os termos singulares na silogiacutestica mas procura

57 Idem 1949 p 384

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

43

desqualificaacute-las e assim reiterar os resultados de seus antecessores De fato embora reconheccedila as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 do Livro I bem como de ldquoPitacosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II Patzig manteacutem a posiccedilatildeo tradicional que afasta os termos de natureza singular da loacutegica aristoteacutelica alegando apenas que a ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo (70a 16minus20) se daacute em um silogismo invaacutelido ao passo que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo (47b 15ss) aparecem em premissas das quais nada se segue58

Eacute bem verdade que as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 de Primeiros Analiacuteticos I estatildeo associadas a pares de premissas dos quais nenhuma conclusatildeo se segue coisa que o proacuteprio Aristoacuteteles natildeo hesita em admitir No entanto embora sejam inconcludentes esses pares de premissas acomodam seus termos em disposiccedilotildees muito similares agravequelas de um silogismo vaacutelido (Barbara)59 o que lhes confere as feiccedilotildees de que satildeo concludentes quando na verdade natildeo o satildeo De acordo com Aristoacuteteles o que os impede de serem concludentes eacute o fato de que a premissa maior natildeo eacute universal60 Em 47b 26minus28 essa justificativa eacute apresentada por meio de um pronunciamento que merece alguma atenccedilatildeo Aristoacuteteles anuncia o fato de a premissa maior natildeo ser universal como quem supotildee que fosse ela universal o problema estaria resolvido e assim o par de premissas seria concludente61 Ora na medida em que Aristoacuteteles atribui o caraacuteter inconcludente dos pares de premissas precisamente agraves premissas maiores (e natildeo agraves premissas menores nas quais ocorrem os termos singulares) presume-se que esses termos natildeo introduzem qualquer caracteriacutestica censuraacutevel nos silogismos ali formulados Assim o fato de que natildeo estamos diante de pares de premissas concludentes por si soacute natildeo eacute

58 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 59 An Pr I 33 47b 21minus37 60 Idem 47b 26minus29 34minus37 e 38minus39 61 O uso contrafactual de ἔδει na linha 27 sugere essa leitura

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

44

suficiente para recusar ao capiacutetulo 33 o papel de evidecircncia em favor de tais termos na silogiacutestica62

Quanto agrave ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo em Primeiros Analiacuteticos II 27 (70a 16minus20) Patzig tem alguma razatildeo em alegar que ela se daacute em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido No entanto eacute preciso ajustar essa alegaccedilatildeo porque Aristoacuteteles natildeo descreve o argumento em questatildeo propriamente como um silogismo mas como um sinal (σημεῖον) e ao que parece um sinal e um silogismo ndash um legiacutetimo silogismo e natildeo um mero entimema ndash estatildeo longe de ser a mesma coisa63 Aleacutem disso temos uma ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo no mesmo capiacutetulo que eacute bem mais relevante para a discussatildeo mas que foi completamente ignorada pelos comentadores

Em 70a 26minus28 Aristoacuteteles formula dois silogismos nos quais aparece o termo singular ldquoPitacosrdquo Um deles eacute descrito como refutaacutevel (λύσιμος)64 basicamente porque a conclusatildeo natildeo se segue das premissas65 Natildeo precisamos nos deter nele Por ora o silogismo que fora introduzido algumas linhas antes e que foi descrito por Aristoacuteteles como irrefutaacutevel (ἄλυτος)66 eacute muito mais interessante Esse silogismo tem exatamente a formulaccedilatildeo paradigmaacutetica que Lukasiewicz qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo e agrave qual negou lugar na loacutegica aristoteacutelica Vale a pena citar essa passagem para marcar bem a presenccedila desse tipo de silogismo na loacutegica de Aristoacuteteles

62 M Malink (2009 p 119) por exemplo contrariando Patzig aponta o capiacutetulo I 33 minus bem como II 27 do qual trataremos a seguir minus como evidecircncia em favor de termos singulares na silogiacutestica Ver tambeacutem Mignucci ldquoAristotlersquos Theory of Predicationrdquo p 10 ldquoParts Quantification and Aristotelian Predicationrdquo p 11 e Barnes ldquoTruth etcrdquo p 158-166 63 An Pr II 27 70a 24minus25 64 Ibidem 30minus31 e 34minus35 65 Ibidem 27minus28 e 30minus32 66 Ibidem 29

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

45

Ἐὰν μὲν οὖν ἡ μία λεχθῇ πρότασις σημεῖον γίνεται μόνον ἐὰν δὲ καὶ ἡ ἑτέρα προσληφθῇ συλλογισμός οἷον ὅτι Πιττακὸς ἐλευθέριος οἱ γὰρ φιλότιμοι ἐλευθέριοι Πιττακὸς δὲ φιλότιμος Assim se somente uma premissa for assumida haacute apenas um sinal ao passo que se a outra premissa tambeacutem for assumida entatildeo haacute um silogismo por exemplo lsquoPitacos eacute destemido pois os homens de brio satildeo destemidos e Pitacos eacute homem de briorsquo (70a 24minus27)67

A descriccedilatildeo eacute inusitada porque Aristoacuteteles comeccedila pela conclusatildeo Mas isso natildeo prejudica o resultado a que queremos chegar O nome proacuteprio ldquoPitacosrdquo eacute sem duacutevida o extremo menor que aparece como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo ldquodestemidordquo eacute o extremo maior predicado da premissa maior e da conclusatildeo por fim a funccedilatildeo de mediador fica por conta de ldquohomem de briordquo Em uma reconstituiccedilatildeo um pouco mais formalizada temos o seguinte silogismo todo homem de brio eacute destemido Pitacos eacute (um) homem de brio logo Pitacos eacute destemido

O leitor mais desconfiado talvez hesite em aceitar que a premissa maior ldquoos homens de brio satildeo destemidosrdquo possa ser formalizada com um quantificador universal mas haacute sinais claros de que eacute assim que devemos concebecirc-la Em primeiro lugar Aristoacuteteles reconhece a legitimidade desse silogismo e supotildee que a conclusatildeo decorre das premissas o que por si soacute jaacute pressupotildee a universalidade da premissa maior Caso contraacuterio a conclusatildeo natildeo se impotildee Em segundo lugar haacute um pequeno detalhe que causa surpresa nesse capiacutetulo e que merece atenccedilatildeo de nossa parte Aristoacuteteles justifica o caraacuteter irrefutaacutevel do mencionado silogismo alegando que se trata de um silogismo universal (καθόλου γὰρ ἐστιν cf 70a 30) Ora como se sabe Aristoacuteteles descreve como universais precisamente aqueles silogismos nos quais a conclusatildeo eacute universal quais sejam Barbara Celarent Cesare e Camestres Por isso ao caracterizar o ldquosilogismo peripateacuteticordquo como um silogismo universal

67 As traduccedilotildees de φιλότιμος e ἐλευθέριος certamente satildeo discutiacuteveis mas em nada afetam os nossos objetivos

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

46

Aristoacuteteles pode querer sinalizar que em algum sentido a conclusatildeo ldquoPitacos eacute destemidordquo deva ser compreendida como uma proposiccedilatildeo fundada em uma atribuiccedilatildeo universal68 como se o referido ldquosilogismo peripateacuteticordquo precisamente em razatildeo disso fosse digno do mesmo status concedido aos demais silogismos universais (Barbara Celarente Cesare e Camestres) Essa leitura sugere que a concepccedilatildeo aristoteacutelica de atribuiccedilatildeo universal talvez deva ser repensada jaacute que ela daacute sinais de se estender sobre casos para os quais natildeo cabe falar em quantificadores (universais) ndash eacute o que parece ocorrer no ldquosilogismo peripateacuteticordquo acima mencionado

O aprofundamento desse ponto no entanto eacute algo que ultrapassa o escopo da presente investigaccedilatildeo e seu exame deve ser deixado para outra ocasiatildeo A essa altura o objetivo principal desta seccedilatildeo jaacute nos parece ter sido alcanccedilado pois consiste apenas em mostrar o que os leitores menos versados nos Analiacuteticos jaacute perceberam haacute muito tempo a saber que o chamado ldquosilogismo peripateacuteticordquo natildeo soacute faz parte da loacutegica aristoteacutelica mas mais do que isso ainda pode desfrutar de um lugar privilegiado no interior da silogiacutestica entre os chamados ldquosilogismos universaisrdquo Diante desse quadro natildeo haacute duacutevida de que os termos de natureza singular tecircm lugar garantido na loacutegica de Aristoacuteteles69

68 Provavelmente foi inspirado em passagens como essa que J N Keynes (1906 p 102) sugeriu conceber as proposiccedilotildees singulares como uma subclasse de proposiccedilotildees universais Lukasiewicz tomou nota dessa possibilidade e a considerou totalmente equivocada Mas para isso ignorou completamente o trecho 70a 24minus30 69 Agradeccedilo ao professor Lucas Angioni (Unicamp) pela prontidatildeo na leitura de versotildees preacutevias deste artigo pelas indicaccedilotildees de passagens para reforccedilar o argumento e pelas alteraccedilotildees de texto sugeridas as quais certamente contribuiacuteram para melhorar o resultado final aqui apresentado Agradeccedilo tambeacutem aos professores Raphael Zillig (UFRGS) e Inara Zanuzzi (UFRGS) pela oportunidade de discutir alguns resultados provisoacuterios deste artigo no Seminaacuterio sobre Primeiros Analiacuteticos I 27 organizado pelo professor Raphael e realizado na UFRGS no ano de 2011 Por fim tambeacutem agradeccedilo aos

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

47

REFEREcircNCIAS

ANGIONI L ldquoO Conhecimento Cientiacutefico no Livro I dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesrdquo Revista de Filosofia Antiga (online) vol 1 n 1 2007 (httpwwwfilosofiaantigacomdocuments23html)

BARNES J (ed) Aristotle Prior Analytics (trans by A J Jenkinson in Barnes 1984 vol 1 p 39minus113)

mdashmdashmdashmdash Truth etc Six Lectures on Ancient Logic Oxford Clarendon Press 2007

BOCHENSKI J Ancient Formal Logic Amsterdam North-Holland Publishing 1951

CORCORAN J ldquoCompleteness of an Ancient Logicrdquo Journal of Symbolic Logic 37 696minus702 1972

KEYNES J N Studies and Exercises in Formal Logic (fourth edition rewritten and enlarged) New York The Macmillan Company 1906

LUKASIEWICZ J Aristotlersquos Syllogistic from the Standpoint of Modern Formal Logic Oxford Clarendon Press 1951

MALINK M ldquoA Non-Extensional Notion of Conversion in the Organonrdquo Oxford Studies in Ancient Philosophy Vol XXXVII p 106minus141 Oxford University Press 2009

MIGNUCCI M Aristotele Gli analitici primi ndash Traduzione introduzione e commento Naples Loffredo 1969

companheiros de pesquisa Francine Maria Ribeiro e Mateus Ricardo Fernandes Ferreira (UEMminusPR) pela leitura das primeiras versotildees desse texto e pelas proveitosas sugestotildees que me fizeram

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

48

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Theory of Predication in I Angelilli and M Cerezo (eds) Studies in the History of Logic 1minus20 Berlin 1996

mdashmdashmdashmdash Parts Quantification and Aristotelian Predication Monist 83 3minus21 2000

PATZIG G Aristotlersquos Theory of the Syllogism A Logico-Philosophical Study of Book A of the Prior Analytics Translated by Jonathan Barnes Dordrecht Reidel 1959

ROSS W D Aristotlersquos Prior and Posterior Analytics Oxford Clarendon Press 1949

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Metaphysics Oxford Clarendon Press 1953 (1924)

SHOREY P ldquoA Note on Aristotlersquos Metaphysics 1086b 32minus37rdquo Classical Philology Vol 8 n 1 pp 90minus92 1913

SMITH R Aristotle Prior Analytics Indianapolis Hackett Publishing Company 1989

STRIKER G Aristotle Prior Analytics Book I Oxford Clarendon Press 2009

Page 4: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

8

generalidade eacute intermediaacuterio que podem ser atribuiacutedos a outros termos e aos quais outros termos podem ser atribuiacutedos ndash eacute o caso do termo ldquohomemrdquo4

Depois de expor os trecircs tipos de termos alcanccedilados pela classificaccedilatildeo referida acima Aristoacuteteles conclui o trecho 43a 25ndash43 com a frase que deu igniccedilatildeo agraves interpretaccedilotildees que atribuem ao sistema loacutegico aristoteacutelico a jaacute mencionada restriccedilatildeo de termos Eis a frase

καὶ σχεδὸν οἱ λόγοι καὶ αἱ σκέψεις εἰσὶ μάλιστα περὶ τούτων 5 Grosso modo os argumentos e as investigaccedilotildees satildeo sobretudo acerca dessas coisas (43a 42ndash43)

πρότερον na linha 30 ainda deixa espaccedilo para associar agrave noccedilatildeo de predicado anterior um significado que seja incompatiacutevel com os termos transcategoriais mencionados acima Essa alternativa poderia encontrar alguma inspiraccedilatildeo em Metafiacutesica XII 4 em que Aristoacuteteles nos diz que ldquoagrave parte das substacircncias e das demais categorias natildeo haacute nada comumrdquo (1070b 1minus2) A impossibilidade de algo comum agrave parte das categorias poderia ser interpretada como uma impossibilidade de conceitos transcategoriais o que favoreceria a proposta de Ross Tal leitura no entanto conflita com passagens nas quais Aristoacuteteles trabalha com predicados de todas as coisas ndash o que se confirma pelo uso da expressatildeo τὰ πᾶσιν ἑπόμενα (ldquoos itens que acompanham todas as coisasrdquo) no capiacutetulo 28 de Primeiros Analiacuteticos I Afinal o que seriam τὰ πᾶσιν ἑπόμενα senatildeo conceitos transcategoriais E por que tais predicados natildeo seriam candidatos mais promissores que os summa genera para figurar na lista de termos do segundo tipo Diante desse quadro a proposta de Lukasiewicz nos parece preferiacutevel na medida em que evita as dificuldades aludidas acima Aleacutem disso no que diz respeito aos propoacutesitos deste artigo faz pouca ou nenhuma diferenccedila se tais termos satildeo (i) summa genera ou (ii) τὰ πᾶσιν ἑπόμενα (embora tenhamos maior estima pela segunda opccedilatildeo) uma vez que a nossa posiccedilatildeo antecede agrave decisatildeo entre essas duas alternativas e procura responder uma questatildeo mais elementar a saber Aristoacuteteles de fato excluiu da silogiacutestica os termos de alta generalidade (quer sejam summa genera quer sejam τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) Para essa questatildeo mais baacutesica defenderemos uma resposta negativa 4 An Pr I 27 43a 37ndash43 5 Adotamos o texto grego de W D Ross em todas as citaccedilotildees

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

9

O pronome τούτων retoma os termos qualificados sob o terceiro tipo anunciados nas linhas 40-42 Conforme jaacute vimos esses termos nem satildeo de natureza singular como nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares nem satildeo os de mais alta generalidade como summa genera eou transcategoriais Na verdade quanto ao grau de generalidade tais fatores se posicionam entre os demais tipos de termos e por isso mesmo satildeo descritos por Aristoacuteteles como intermediaacuterios (τὰ μεταξὺ) Para ilustrar a natureza desse tipo de termo Aristoacuteteles apresenta ldquohomemrdquo que se predica de ldquoCaacuteliasrdquo e do qual ldquoanimalrdquo se predica irrestritamente6

Ao comentar o trecho 43a 37ndash43 que encerra com a frase que inspirou a exclusatildeo dos mencionados termos Ross acaba sendo mais cauteloso do que fora no comentaacuterio ao primeiro capiacutetulo do Livro I de Primeiros Analiacuteticos Ele entende que no referido trecho do capiacutetulo 27 Aristoacuteteles esteja de fato comprometido com uma restriccedilatildeo associada aos termos mas assume que essa restriccedilatildeo diz respeito agrave suscetibilidade de desempenhar irrestritamente as funccedilotildees de maior (τὸ μεῖζον) menor (τὸ ἐλάττον) ou mediador7 (τὸ μέσον) em um silogismo Nesse caso Aristoacuteteles natildeo estaria restringindo o domiacutenio de fatores sobre os quais a silogiacutestica pode operar mas o domiacutenio de fatores que podem exercer irrestritamente cada uma das trecircs funccedilotildees que um termo pode desempenhar em um silogismo

6 Ibidem 43a 31ndash32 7 A proposta de traduzir meson como ldquomediadorrdquo (Angioni 2007 nota 6) ndash e natildeo ldquotermo meacutediordquo como de costume ou ldquotermo intermediaacuteriordquo ndash nos parece bastante acertada Em nossa opiniatildeo ela capta com precisatildeo a funccedilatildeo mais baacutesica do meson qual seja a de articular ou correlacionar os termos da conclusatildeo Por isso decidimos adotaacute-la Aos poucos essa alternativa de traduccedilatildeo vem ganhando espaccedilo Em 2010 durante o Iordm Ciclo de Seminaacuterios lsquoO Organon de Aristoacutetelesrsquo realizado na Universidade de Campinas Ricardo Santos (Universidade de Eacutevora minus Portugal) se mostrou de pleno acordo com a opccedilatildeo por ldquomediadorrdquo embora natildeo a tenha adotado na traduccedilatildeo que vem preparando

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

10

Na primeira figura por exemplo apenas os termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) satildeo capazes de desempenhar irrestritamente a funccedilatildeo de mediador De fato os demais termos soacute podem atuar de modo irrestrito nos silogismos de primeira figura quando ocupam as posiccedilotildees ou de sujeito ou de predicado ao passo que o mediador eacute sujeito e predicado sujeito na premissa maior e predicado na menor Ross tambeacutem observa que os gecircneros supremos (ldquothe highest termsrdquo) podem desempenhar irrestritamente a funccedilatildeo de extremo maior bem como os termos desprovidos de generalidade (ldquothe lowest termsrdquo) a funccedilatildeo de extremo menor Ademais continua Ross os gecircneros supremos ainda podem atuar de modo irrestrito na funccedilatildeo de mediador na segunda figura assim como os termos singulares na terceira figura

Ateacute esse ponto o comentaacuterio de Ross ao capiacutetulo 27 natildeo introduz nenhuma severa restriccedilatildeo de termos sobretudo porque o trecho 43a 37ndash43 assim como o iniacutecio do capiacutetulo natildeo lhe permitem ir muito longe Tudo o que esses textos nos impotildeem eacute que nas demonstraccedilotildees certos termos natildeo podem ocupar irrestritamente a posiccedilatildeo de sujeito ao passo que outros natildeo podem ocupar irrestritamente a posiccedilatildeo de predicado Assim Aristoacuteteles abre espaccedilo para a possibilidade de que os termos singulares tenham o seu lugar ao sol na silogiacutestica desde que sejam alocados em posiccedilotildees e funccedilotildees que possam desempenhar sem as restriccedilotildees mencionadas ao longo do capiacutetulo 27 Ross parece ter se dado conta disso e ao que tudo indica natildeo gostou do que viu pois encerra as suas consideraccedilotildees sobre o trecho 43a 37ndash43 tentando recuperar aquela restriccedilatildeo de termos que jaacute havia sido apresentada no comentaacuterio ao capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I alegando que Aristoacuteteles nunca usa nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos mas apenas termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) ndash ldquouniversals that are not highest universalsrdquo8

8 Ross (1949 p 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

11

Podemos dizer que Ross nos deixou o seguinte legado por um lado eacute responsaacutevel pela tradicional opiniatildeo de que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares ou gecircneros supremos em seus silogismos mas sempre trabalha com termos de generalidade intermediaacuteria por outro lado transformou o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I em peccedila central para a delimitaccedilatildeo da lista de termos silogiacutesticos

Em 1951 Jan Lukasiewicz publicou o seu famoso livro intitulado Aristotlersquos Syllogistic ndash From The Standpoint of Modern Formal Logic e se mostrou bastante influenciado pelo legado de Ross Jaacute no primeiro capiacutetulo desse livro Lukasiewicz se recusa a considerar como rigorosamente aristoteacutelico aquele argumento concebido pela tradiccedilatildeo como exemplo paradigmaacutetico de silogismo ndash ldquotodo homem eacute mortal Soacutecrates eacute homem logo Soacutecrates eacute mortalrdquo minus levando a cabo algo que Ross jaacute havia sugerido em seu comentaacuterio ao capiacutetulo 1 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos a saber que tal argumento natildeo pertence agrave loacutegica de Aristoacuteteles9 Lukasiewicz qualifica esse silogismo por meio do adjetivo ldquoperipateacuteticordquo pelo fato de Sexto Empiacuterico descrevecirc-lo como usual entre os Peripateacuteticos Quanto agrave rejeiccedilatildeo desse silogismo provisoriamente Lukasiewicz alega apenas que Aristoacuteteles natildeo introduz termos e proposiccedilotildees singulares em seu sistema loacutegico10 A completa ausecircncia de referecircncia a proposiccedilotildees singulares no capiacutetulo 1 do Livro I dos Primeiros Analiacuteticos ndash capiacutetulo em que as formas proposicionais silogiacutesticas satildeo introduzidas e no qual seria natural esperar por proposiccedilotildees singulares ndash eacute mencionada por Lukasiewicz como sinal de que Aristoacuteteles natildeo teria considerado termos singulares em sua loacutegica11 No entanto o argumento determinante para corroborar essa tese eacute

9 Ross (1949 p 289) e Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect1 p 1) 10 Lukasiewicz menciona trecircs publicaccedilotildees que tratavam o silogismo peripateacutetico como modelo paradigmaacutetico de silogismo aristoteacutelico Greek Foundations of Tradicional Logic (1942) de Ernest Kapp A History of Philosophy vol i Greece and Rome (1946) de S J Frederick Copleston e History of Western Philosophy (1946) de Bertrand Russell 11 Idem chapter 1 sect2 p 4

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

12

elaborado a partir do capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos capiacutetulo jaacute evocado por Ross como evidecircncia manifesta da restriccedilatildeo de termos

Conforme jaacute pudemos ver eacute no capiacutetulo 27 que Aristoacuteteles apresenta sua famosa triparticcedilatildeo de entes assumidos como termos de proposiccedilotildees silogiacutesticas nas linhas 43a 25ndash36 os trecircs tipos de termos satildeo introduzidos nas linhas 37ndash42 os efeitos que essa triparticcedilatildeo tem sobre as demonstraccedilotildees satildeo rapidamente considerados em seguida nas linhas 42ndash43 entra em cena a frase que inspirou a restriccedilatildeo de termos jaacute nos comentaacuterios de Ross e ainda mais na proposta de Lukasiewicz Interpretando Aristoacuteteles Lukasiewicz conclui que a silogiacutestica opera exclusivamente com termos do uacuteltimo tipo isto eacute com termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) excluindo da loacutegica aristoteacutelica tanto os termos singulares quanto os de alta generalidade ndash os uacuteltimos assumidos como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo12 Julgando ter encontrado a ldquoverdadeira razatildeordquo que teria levado Aristoacuteteles a se comprometer com tal restriccedilatildeo de termos Lukasiewicz alega que todo silogismo deve conter um termo capaz de desempenhar irrestritamente tanto a funccedilatildeo de sujeito quanto a funccedilatildeo de predicado ndash na primeira figura eacute o que ocorre com o mediador na segunda com o maior na terceira com o menor ndash e essas funccedilotildees soacute podem ser desempenhadas irrestritamente por termos de generalidade intermediaacuteria13 Ao que tudo indica Lukasiewicz entende os adveacuterbios σχεδὸν e μάλιστα nas linhas 42ndash43 como marcas que qualificam o restante da frase como uma regra absoluta e universal afastando a possibilidade de que Aristoacuteteles esteja apenas se pronunciando em linhas gerais sem qualquer pretensatildeo de

12 Idem sect3 p 5 Conveacutem lembrar que Lukasiewicz e Ross natildeo tecircm a mesma opiniatildeo sobre o que seriam os termos de alta generalidade aos quais Aristoacuteteles alude em 43a 29minus30 e 37minus39 para Lukasiewicz os termos de alta generalidade satildeo precisamente os transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo ao passo que Ross prefere concebecirc-los como summa genera (cf nota 3) 13 Ibidem p 7

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

13

estabelecer uma norma riacutegida vaacutelida para todo e qualquer silogismo mas apenas uma descriccedilatildeo que pudesse dar conta da maior parte dos argumentos silogiacutesticos Essa atitude o levou a fazer duras criacuteticas agrave loacutegica aristoteacutelica

De acordo com Lukasiewicz eacute questatildeo paciacutefica a opiniatildeo de que os termos singulares satildeo tatildeo importantes na atividade cientiacutefica quanto o satildeo os termos universais e portanto eacute falso que os argumentos e as investigaccedilotildees ldquoas a rulerdquo lidam com termos de universalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) o que tornaria o pronunciamento de Aristoacuteteles nas linhas 42ndash43 digno de reprovaccedilatildeo Com esse teor Lukasiewicz atribui a Aristoacuteteles a rejeiccedilatildeo dos termos singulares e descreve a ausecircncia desses fatores como ldquoo maior defeitordquo do sistema loacutegico aristoteacutelico14

Assim inspirado pelo legado de Ross Lukasiewicz consolida a opiniatildeo de que a silogiacutestica aristoteacutelica envolve uma severa restriccedilatildeo de termos constituindo um sistema loacutegico que atua exclusivamente sobre termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) Sob a descoberta da ldquoverdadeira razatildeordquo que teria levado Aristoacuteteles a se comprometer com essa restriccedilatildeo de termos Lukasiewicz estabelece a tese de que a silogiacutestica prescinde de termos singulares bem como de termos de alta generalidade (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo)

Essa proposta foi muito bem recebida por alguns estudiosos da loacutegica aristoteacutelica Em 1959 Guumlnther Patzig publicou um novo estudo sobre o Livro I dos Primeiros Analiacuteticos e fez questatildeo de dedicaacute-lo a Lukasiewicz de quem eacute seguidor Em obra intitulada Aristotlersquos Theory of the Syllogism ndash a logico-philological study of book A of the Prior Analytics Patzig corrige vaacuterios equiacutevocos herdados de Ross e de Lukasiewicz Para ilustrar considere-se a alegaccedilatildeo ndash feita tanto por Ross quanto por Lukasiewicz ndash de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos Primeiros Analiacuteticos Essa alegaccedilatildeo eacute desmentida por Patzig que aponta

14 Ibidem p 6

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

14

as seguintes ocorrecircncias de nomes proacuteprios no capiacutetulo 33 do Livro I ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II ldquoPitacosrdquo Mesmo diante dessas ocorrecircncias Patzig recusou a possibilidade de a silogiacutestica reservar lugar para termos singulares justificando tal posiccedilatildeo ao apontar que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo aparecem em premissas das quais nada se segue ao passo que ldquoPitacosrdquo ocorre em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido Em presenccedila desse quadro e a exemplo de Lukasiewicz Patzig considera que deve prevalecer o fato indubitaacutevel de Aristoacuteteles natildeo ter feito menccedilatildeo a proposiccedilotildees singulares no capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I o que fatalmente sugere a exclusatildeo dos termos singulares15 Assim Patzig eacute levado a endossar diversos resultados alcanccedilados por seus antecessores reiterando a restriccedilatildeo de fatores silogiacutesticos a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) e por conseguinte expulsando termos singulares transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) e summa genera do sistema loacutegico aristoteacutelico

No entanto sob a consideraccedilatildeo de Patzig essa restriccedilatildeo ganhou razotildees complementares Patzig natildeo apenas endossou os resultados sensivelmente sugeridos por Ross e consolidados por Lukasiewicz (resultados fundados no capiacutetulo 27 do Livro I dos Primeiros Analiacuteticos) mas tambeacutem lhes conferiu novos contornos oriundos de razotildees que julgou encontrar no capiacutetulo 28 do qual o capiacutetulo 27 seria discussatildeo preparatoacuteria

No capiacutetulo 28 Aristoacuteteles apresenta alguns procedimentos de prova para as formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Em linhas gerais esses procedimentos satildeo caracterizados pela tarefa de identificar um termo comum (que seraacute o mediador) em duas listas de termos Essas listas satildeo determinadas pela relaccedilatildeo que os seus membros possuem com os extremos (τά ἄκρα) que encerram a conclusatildeo pretendida

15 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

15

Ainda natildeo precisamos entrar em detalhes a respeito desses procedimentos Faremos isso na proacutexima seccedilatildeo em momento mais oportuno Por ora basta saber que a partir dos procedimentos recomendados por Aristoacuteteles como estrateacutegia de prova para cada uma das formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Patzig propotildee trecircs axiomas demarcadores de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica16

(1) todo termo silogiacutestico possui ao menos um termo subordinado proacuteprio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe um termo subordinado X tal que XaT eacute o caso ao passo que TaX natildeo (2) todo termo silogiacutestico possui ao menos um termo superordenado proacuteprio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe um termo superordenado Y tal que TaY eacute o caso ao passo que YaT natildeo (3) todo termo silogiacutestico possui um termo contraacuterio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe ao menos um termo contraacuterio Z tal que ZeT17

Ao formular os dois primeiros axiomas Patzig se vale de algumas noccedilotildees oriundas da teoria dos conjuntos as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias Em teoria dos conjuntos se Q eacute um termo subordinado proacuteprio de R (e natildeo apenas um termo subordinado) Q e R natildeo podem ser coextensivos ndash em outras palavras todo Q eacute R mas nem todo R eacute Q o mesmo ocorre com termos que frequumlentam uma mesma relaccedilatildeo de superordenaccedilatildeo proacutepria dado que toda relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo proacutepria pode ser reformulada como uma relaccedilatildeo de superordenaccedilatildeo proacutepria e vice-versa Patzig presume que essas relaccedilotildees traduzem pressupostos assumidos pelo proacuteprio Aristoacuteteles no capiacutetulo

16 Ibidem p 7 17 A notaccedilatildeo AxB adotada na exposiccedilatildeo dos axiomas descreve uma relaccedilatildeo categoacuterica x entre o termo-sujeito A e o termo-predicado B Assim AaB eacute a notaccedilatildeo para a relaccedilatildeo universal afirmativa (ldquotodo A eacute Brdquo) AeB para a relaccedilatildeo universal negativa (ldquonenhum A eacute Brdquo) AiB para a particular afirmativa (ldquoalgum A eacute Brdquo) e por fim AoB para a particular negativa (ldquoalgum A natildeo eacute Brdquo) Manteremos essa notaccedilatildeo ao longo de todo o texto

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

16

28 de Primeiros Analiacuteticos I Mais adiante veremos que essa conjetura eacute equivocada

Por ora eacute importante notar que essa distinccedilatildeo entre de um lado subordinaccedilatildeosuperordenaccedilatildeo proacutepria e de outro lado mera subordinaccedilatildeosuperordenaccedilatildeo faz alguma diferenccedila no que diz respeito agrave exclusatildeo da chamada classe universal Para excluiacute-la Patzig assume que a classe universal pertence ao domiacutenio de termos da silogiacutestica a articula com os axiomas (1) e (3) e obteacutem um resultado contraditoacuterio o terceiro axioma requer que todo termo silogiacutestico possua ao menos um termo que lhe seja contraacuterio ndash tratando-se da classe universal esse termo contraacuterio eacute a classe nula por sua vez o primeiro axioma requer que todo termo silogiacutestico possua ao menos um termo subordinado proacuteprio exigecircncia que a classe nula eacute incapaz de satisfazer ndash por definiccedilatildeo a classe nula natildeo possui termos subordinados proacuteprios Assim a impossibilidade da classe nula acarreta a impossibilidade da classe universal18

Patzig ainda aponta o trecho 998b 22ndash27 do capiacutetulo 3 de Metafiacutesica Beta como evidecircncia complementar de que Aristoacuteteles teria rejeitado a classe universal fazendo alusatildeo a um texto que embora trate de termos dessa natureza tem com a silogiacutestica uma relaccedilatildeo muito distante19

Por sua vez nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares como ldquoSoacutecratesrdquo e ldquoeste triacircngulordquo natildeo possuem termos subordinados proacuteprios e portanto natildeo satisfazem ao primeiro axioma Por fim gecircneros supremos como ldquosubstacircnciardquo ldquoqualidaderdquo ldquoquantidaderdquo etc natildeo podem contar com termos superordenados proacuteprios e por conseguinte ficam impossibilitados de satisfazer ao segundo axioma (impossibilidade que natildeo nos parece ter sido bem estabelecida20)

18 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 19 Ibidem 20 A exemplo de Ross (cf nota 3) Patzig ignora os transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo que a princiacutepio poderiam figurar como superordenados proacuteprios dos gecircneros supremos de modo que o axioma (2) fosse entatildeo satisfeito pelos gecircneros

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

17

Assim Patzig reitera as restriccedilotildees introduzidas por Ross e consolidadas por Lukasiewicz desenhando um quadro em que uma vez mais a silogiacutestica eacute pensada como um sistema loacutegico que opera exclusivamente sobre termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) sem atuaccedilatildeo sobre nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares gecircneros supremos (summa genera) e termos transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) Na proacutexima seccedilatildeo mostraremos que as leituras propostas por tais inteacuterpretes seguramente natildeo encontram respaldo nos textos de Aristoacuteteles II CRIacuteTICA AgraveS OPINIOtildeES TRADICIONAIS

1 Uma Releitura de Primeiros Analiacuteticos I 27 43a 25minus43

Certamente nem todo o legado de Ross Lukasiewicz e Patzig deve ser abandonado Parece razoavelmente acertada por exemplo a escolha do capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos como promissora resposta agrave questatildeo de saber quais tipos de termos podem figurar em silogismos rigorosamente aristoteacutelicos ndash muito embora nem todo tipo de silogismo reconhecido por Aristoacuteteles esteja no escopo desse capiacutetulo21 No primeiro capiacutetulo do Livro I de Primeiros Analiacuteticos em que seria natural esperar alguma descriccedilatildeo mais detalhada a respeito dos termos Aristoacuteteles eacute muito sucinto limitando-se a dizer o seguinte

Ὅρον δὲ καλῶ εἰς ὃν διαλύεται ἡ πρότασις οἷον τό τε κατηγορούμενον καὶ τὸ καθrsquo οὗ κατηγορεῖται προστιθεμένου τοῦ εἶναι ἢ μὴ εἶναι

supremos Para excluir tais termos Patzig se pronuncia de modo muito breve e pouco esclarecedor ldquocategories (on Aristotlersquos definition) do not satisfy axiom (2)rdquo Aleacutem disso as ocorrecircncias de ldquosubstacircnciardquo e ldquounidaderdquo em Pr An I 5 27a 19minus20 e 27b 6minus8 tambeacutem satildeo ignoradas talvez em decorrecircncia de estarem associadas a pares de premissas inconcludentes 21 Ver por exemplo os silogismos formulados em Pr An II 15

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

18

Chamo lsquotermorsquo aquilo no que a proposiccedilatildeo se dissolve ou seja o item que se predica e o de que se predica acrescentando lsquoeacutersquo ou lsquonatildeo eacutersquo (24b 16minus18)

Esse pronunciamento eacute muito vago e em decorrecircncia pouco revelador Por isso em relaccedilatildeo agrave presente investigaccedilatildeo tal capiacutetulo quase natildeo oferece material que possa ser aproveitado Eacute claro que natildeo eacute bem essa a opiniatildeo de nossos interlocutores Ross Lukasiewicz e Patzig conceberam o mero fato de Aristoacuteteles natildeo ter feito menccedilatildeo a termos singulares no capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I como forte evidecircncia de que tais termos natildeo teriam lugar na silogiacutestica22

Essa atitude nos parece incorreta O fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a termos singulares revela apenas que o capiacutetulo natildeo tem aptidatildeo para contribuir com a investigaccedilatildeo Poder-se-ia alegar talvez que a exposiccedilatildeo das proposiccedilotildees silogiacutesticas no trecho 24a 16minus22 eacute exaustiva de modo que a exclusatildeo dos termos singulares fosse assegurada pelo simples fato de natildeo haver alusatildeo expliacutecita agraves proposiccedilotildees que lhes satildeo correlatas Poreacutem o referido trecho cai em certo descreacutedito por envolver certas imprecisotildees das quais o silecircncio sobre as proposiccedilotildees singulares seria apenas mais uma A diferenccedila entre proposiccedilotildees particulares e indefinidas por exemplo eacute bem precaacuteria Com efeito a proposiccedilatildeo particular ldquoalgum prazer natildeo eacute bemrdquo natildeo eacute mais informativa que a proposiccedilatildeo indefinida ldquoprazer natildeo eacute bemrdquo Tanto em um caso quanto em outro a relaccedilatildeo que os termos possuem entre si eacute igualmente indeterminada ou seja natildeo sabemos se (i) todo prazer natildeo eacute bem ou se (ii) algum prazer natildeo eacute bem e algum prazer eacute bem23

22 Ross (1949 p 384) Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect1 p 1 sect2 p 4) Patzig (1959 chapter 1 sect3 p 5) 23 Entre os comentadores Ross (1949 p 314) parece assumir que no trecho 29a 27minus29 Aristoacuteteles teria feito uma declaraccedilatildeo expliacutecita de que tais proposiccedilotildees seriam de fato equivalentes Bochenski (1951 p 43) por sua vez reconhece a referida passagem como evidecircncia incontestaacutevel de que Aristoacuteteles concebia tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis o que torna a distinccedilatildeo

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

19

Imprecisotildees como essa revelam o caraacuteter provisoacuterio do trecho 24a 16minus22 Por isso essa passagem natildeo pode ser considerada como resposta definitiva ao problema de saber se a silogiacutestica reserva lugar para termos singulares sobretudo se a razatildeo alegada para assim consideraacute-la for o mero fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a proposiccedilotildees singulares Em certa medida os comentadores perceberam que natildeo poderiam recorrer apenas ao primeiro capiacutetulo de Primeiros Analiacuteticos I para decidir a questatildeo e estenderam a discussatildeo ao capiacutetulo 27 tomando uma decisatildeo bastante acertada porque eacute nesse capiacutetulo que Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes e os compreende claramente como fatores de atribuiccedilatildeo suscetiacuteveis de articulaccedilatildeo silogiacutestica O trecho 43a 25minus43 oferece trecircs tipos de termos e como bem observaram os proponentes das opiniotildees tradicionais impotildee certas restriccedilotildees ao uso de termos de natureza singular bem como ao uso de termos de alto grau de generalidade ndash quer sejam summa genera como prefere Ross ou transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como entende Lukasiewicz O que escapou a nossos interlocutores eacute que essas restriccedilotildees estatildeo longe de expulsar da silogiacutestica qualquer dos trecircs tipos de termos ali apresentados Por isso em defesa de nossa posiccedilatildeo propomos reexaminar o trecho 43a 25minus43 pois entendemos que o texto por si soacute natildeo deixa duacutevidas de que nenhum dos trecircs tipos de termos introduzidos na referida passagem tenha sido excluiacutedo da silogiacutestica

Assim examinemos o famoso texto que tem alimentado a discussatildeo sobre termos silogiacutesticos

[1] ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστι τοιαῦτα ὥστε κατὰ μηδενὸς ἄλλου κατηγορεῖσθαι ἀληθῶς καθόλου (οἷον Κλέων καὶ

proposta no primeiro capiacutetulo um tanto despropositada Lukasiewicz (1951 sect2 p 5) tambeacutem reconhece que Aristoacuteteles trata tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis mas natildeo admite que Aristoacuteteles tenha se pronunciado de modo expliacutecito a respeito dessa equivalecircncia preferindo delegar esse feito a Alexandre

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

20

Καλλίας καὶ τὸ καθrsquo ἕκαστον καὶ αἰσθητόν) κατὰ δὲ τούτων ἄλλα (καὶ γὰρ ἄνθρωπος καὶ ζῷον ἑκάτερος τούτων ἐστί) τὰ δrsquo αὐτὰ μὲν κατrsquo ἄλλων κατηγορεῖται κατὰ δὲ τούτων ἄλλα πρότερον οὐ κατηγορεῖται τὰ δὲ καὶ αὐτὰ ἄλλων καὶ αὐτῶν ἕτερα οἷον ἄνθρωπος Καλλίου καὶ ἀνθρώπου ζῷον ὅτι μὲν οὖν ἔνια τῶν ὄντων κατrsquo οὐδενὸς πέφυκε λέγεσθαι δῆλον τῶν γὰρ αἰσθητῶν σχεδὸν ἕκαστόν ἐστι τοιοῦτον ὥστε μὴ κατηγορεῖσθαι κατὰ μηδενὸς πλὴν ὡς κατὰ συμβεβηκός φαμὲν γάρ ποτε τὸ λευκὸν ἐκεῖνο Σωκράτην εἶναι καὶ τὸ προσιὸν Καλλίαν ὅτι δὲ καὶ ἐπὶ τὸ ἄνω πορευομένοις ἵσταταί ποτε πάλιν ἐροῦμεν νῦν δrsquo ἔστω τοῦτο κείμενον [2] κατὰ μέν οὖν τούτων οὐκ ἔστιν ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον ἕτερον πλὴν εἰ μὴ κατὰ δόξαν ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων οὐδὲ τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται (καὶ γὰρ αὐτὰ κατrsquo ἄλλων καὶ ἄλλα κατὰ τούτων λεχθήσεται) καὶ σχεδὸν οἱ λόγοι καὶ αἱ σκέψεις εἰσὶ μάλιστα περὶ τούτων [1] Entre todos os entes alguns satildeo tais que natildeo se afirmam de nenhum outro verdadeiramente como universais (por exemplo Cleon e Caacutelias ou seja o particular e o sensiacutevel) mas outros se afirmam deles de fato cada um desses eacute tanto homem quanto animal Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros mas nenhum outro anterior se afirma deles Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros e outros satildeo afirmados deles por exemplo homem que se afirma de Caacutelias e do qual animal se afirma Assim eacute evidente que certas coisas por natureza natildeo se dizem de nenhuma outra de fato em geral entre as coisas sensiacuteveis cada uma eacute tal que natildeo se afirma de nenhuma outra a natildeo ser por acidente com efeito agraves vezes dizemos que aquele branco eacute Soacutecrates e que aquele que se aproxima eacute Caacutelias (Ainda diremos por que tambeacutem para cima em algum momento a seacuterie se interrompe Mas por ora seja assumido isso) [2] Assim acerca dessas coisas natildeo eacute possiacutevel demonstrar outra sendo afirmada (a natildeo ser segundo opiniatildeo) mas eacute possiacutevel demonstrar elas proacuteprias sendo afirmadas de outras Tampouco eacute possiacutevel demonstrar as coisas particulares sendo afirmadas de outras mas eacute possiacutevel demonstrar outras sendo afirmadas delas Jaacute das coisas que ficam entre essas eacute evidente que eacute possiacutevel demonstrar afirmando de ambos os modos pois tanto elas seratildeo ditas de outras quanto outras seratildeo ditas delas Grosso modo os argumentos e as investigaccedilotildees satildeo sobretudo acerca dessas coisas (43a 25minus43)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

21

A mais natural divisatildeo que podemos impor agrave passagem acima exige duas seccedilotildees

[1] Na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes compreendidos como fatores de atribuiccedilatildeo e classificados segundo as funccedilotildees que cada classe de termos pode desempenhar em proposiccedilotildees destinadas a operaccedilotildees silogiacutesticas A passagem eacute inaugurada com um pronunciamento a respeito de todos os entes ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων Por isso ao que tudo indica essa divisatildeo tripartite eacute exaustiva e natildeo deixa de fora nenhuma classe de termos Os resultados provenientes dessa classificaccedilatildeo trazem certas restriccedilotildees agrave atuaccedilatildeo de alguns termos na silogiacutestica nas linhas 25minus29 Aristoacuteteles nega que os termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) possam desempenhar o papel de legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nas linhas 29minus30 rejeita a possibilidade de atribuir aos termos de alta generalidade um termo que lhes seja anterior (πρότερον) Conforme jaacute o dissemos essas restriccedilotildees passam longe da exclusatildeo de qualquer das classes de termos apresentadas no referido trecho do capiacutetulo 27 A principal evidecircncia disso aparece na imediata sequumlecircncia do texto em que Aristoacuteteles avalia os efeitos dessas restriccedilotildees sobre as demonstraccedilotildees Isso nos leva agrave segunda seccedilatildeo

[2] Na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) satildeo explicitadas as consequumlecircncias que as restriccedilotildees apresentadas na seccedilatildeo anterior (43a 25minus37) produziratildeo nas demonstraccedilotildees24 Nas linhas 37minus39 Aristoacuteteles se pronuncia a respeito dos termos de alta generalidade (summa genera

24 Eacute bem verdade que em relaccedilatildeo ao cenaacuterio que temos em Segundos Analiacuteticos I 2 a noccedilatildeo de apodeixis que aparece no capiacutetulo 27 ainda exige muitos aperfeiccediloamentos mas natildeo nos parece justo entendecirc-la meramente como prova silogiacutestica jaacute que ela envolve exigecircncias de ordem atributiva que restringem as provas denotadas pela noccedilatildeo de apodeixis assumida no capiacutetulo a um subgrupo da noccedilatildeo mais geral de silogismo As provas silogiacutesticas formuladas em Primeiros Analiacuteticos II 15 por exemplo ficam de fora do grupo de silogismos dos quais o capiacutetulo 27 pretende dar conta Assim sendo optamos por manter a traduccedilatildeo de apodeixis por ldquodemonstraccedilatildeordquo e natildeo por ldquoprovardquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

22

eou transcategoriais) a possibilidade de demonstrar qualquer outro termo a respeito deles eacute recusada25 mas a de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute afirmada textualmente Nas linhas 39minus40 o pronunciamento se faz a respeito dos termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) a possibilidade de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute recusada mas a de demonstrar outros termos a respeito deles tambeacutem eacute afirmada Nas linhas 40minus42 Aristoacuteteles trata dos termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) e natildeo lhes impotildee nenhuma restriccedilatildeo eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles26

Por fim nas linhas 42minus43 Aristoacuteteles encerra a passagem com um pronunciamento de caraacuteter geral e conclusivo pronunciamento que ao contraacuterio do que Ross sugeriu e mais tarde Lukasiewicz endossou natildeo nega absolutamente nada do que fora dito ateacute entatildeo

Eacute claro que o leitor ainda pode levar em conta que Aristoacuteteles soacute faz uso da expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 ao se pronunciar a respeito dos termos de alta generalidade e que por isso a pressuposiccedilatildeo de tal expressatildeo nos demais pronunciamentos seria artificiosa e desqualificaria a traduccedilatildeo e a leitura que propomos De fato essa expressatildeo causou incocircmodo a alguns tradutores de liacutengua inglesa influenciados provavelmente pelos legados de Ross e Lukasiewicz A J Jenkinson e Robin Smith por exemplo traduzem a

25 Na verdade Aristoacuteteles reconhece uma exceccedilatildeo aludindo agrave possibilidade de ldquodemonstrarrdquo segundo opiniatildeo (κατὰ δόξαν) mas essa exceccedilatildeo eacute uma alternativa a ser evitada 26 No manuscrito n temos δειχθήσεται ao inveacutes de λεχθήσεται na linha 42 As duas alternativas favorecem a nossa leitura Optamos pela manutenccedilatildeo de λεχθήσεται para natildeo perder a relaccedilatildeo explicativa que haacute entre os pronunciamentos das linhas 40minus41 de um lado e 30minus32 de outro De fato com λεχθήσεται a linha 42 apenas repete o que fora dito nas linhas 30minus32 Essa opccedilatildeo revela que as linhas 30minus32 explicam a linha 42 e sugere que a mesma relaccedilatildeo explicativa ocorra entre as linhas 25minus29 e 39minus40 bem como entre as linhas 29minus30 e 37minus39

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

23

expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 como ldquodemonstraterdquo e ldquodemonstrate to be predicatedrdquo respectivamente No entanto ambos evitam tal traduccedilatildeo nas linhas subsequumlentes nas quais a expressatildeo natildeo aparece de modo expliacutecito e substituem ldquodemonstraterdquo por ldquopredicaterdquo27

Haacute pelo menos uma boa razatildeo para rejeitar tais traduccedilotildees elas assumem que na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) precisamente no que diz respeito agraves consequumlecircncias que as restriccedilotildees introduzidas na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) tecircm sobre as demonstraccedilotildees Aristoacuteteles estaria interessado apenas nos termos de alta generalidade dado que recorre agrave expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον exclusivamente ao tratar deles Assim no que diz respeito agrave atuaccedilatildeo dos demais termos (τὰ καθrsquo ἕκαστα e τὰ μεταξὺ) nas demonstraccedilotildees Aristoacuteteles jaacute natildeo teria a pretensatildeo de avaliar as consequumlecircncias dessas restriccedilotildees limitando-se apenas a repetir o que fora dito na primeira seccedilatildeo Essa leitura impotildee ao texto uma interrupccedilatildeo natildeo muito natural em seu desenvolvimento e ainda o torna redundante sem apresentar uma razatildeo satisfatoacuteria que justifique essa leitura

27 Na linha 39 por exemplo A J Jenkinson (in Barnes 1984) traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquobut these may be predicated of other thingsrdquo Robin Smith vai na mesma direccedilatildeo e traduz como ldquobut they are predicated of othersrdquo embora reconheccedila em seu comentaacuterio ao trecho 43a 40ss na paacutegina 50 (comentaacuterio que na verdade trata da linha 39) que a frase pode ser traduzida como ldquoother things are demonstrated to be predicated of themrdquo nas linhas 39-40 Jenkinson traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNeither can individuals be predicated of other things although other things can be predicated of themrdquo Robin Smith natildeo destoa disso e traduz como ldquoNeither can individuals be predicated of other things but instead other things are predicated of themrdquo por fim nas linhas 40-41 Jenkinson traduz τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται como ldquoWhatever lies between these limits can be spoken of in both waysrdquo ao passo que Robin Smith traduz como ldquoBut it is clear that for those in between predication is possible in both waysrdquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

24

Na contramatildeo de A J Jenkinson e Robin Smith temos Mario Mignucci e Gisela Striker que traduzem a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον como ldquodimostrare che essi si predicanordquo e ldquodemonstrate to be said ofrdquo respectivamente e entendem as linhas 39minus41 como pronunciamentos nos quais embora natildeo apareccedila de modo expliacutecito a expressatildeo ainda estaacute em jogo28 Essas traduccedilotildees certamente satildeo as mais fieacuteis ao texto grego e corroboram a traduccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo que propomos justificando o abandono da leitura tradicional sugerida por Ross e cristalizada nos estudos de Lukasiewicz A essa altura jaacute podemos fazer um balanccedilo dos resultados que o capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos de fato nos impotildee O cenaacuterio que se desenha eacute o seguinte (i) termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) natildeo eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου)29 de outros termos por isso tampouco eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos no entanto eacute possiacutevel lhes atribuir outros termos como legiacutetimos

28 Na linha 39 por exemplo Mignucci traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquomentre egrave possibile dimostrare che essi si predicano di altrirdquo Striker por sua vez traduz como ldquobut [sc one can demonstrate] only that they themselves are predicated of other thingsrdquo na linha 40 ambos fazem questatildeo de recuperar a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον Mignucci traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNon egrave neanche possibile dimostrare che i singolari si predicano di altre cose ma soltanto che altre cose si predicano di essirdquo Striker segue a mesma linha e traduz como ldquonor can one demonstrate that individuals are said of other things but only that other things are said of themrdquo Na linha 41 por sua vez a expressatildeo eacute recuperada novamente e o trecho τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται eacute traduzido por Mignucci como ldquoEgrave chiaro invece che le cose intermedie egrave possibile dimostrarle nei due modirdquo ao passo que por Striker como ldquoBut clearly the intermediate things admit [sc to be demonstrated] of bothrdquo 29 Tais termos natildeo se predicam de nenhum outro a natildeo ser κατὰ συμβεβηκός (43a 33minus35)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

25

predicados por conseguinte tambeacutem eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 25minus29 e 39minus40) (ii) termos de alta generalidade (summa genera eou τὰ πᾶσιν ἑπόμενα)30 natildeo lhes eacute possiacutevel atribuir outros termos como legiacutetimos predicados ndash de fato natildeo haacute termo anterior (πρότερον) que lhes possa ser atribuiacutedo por isso tampouco eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles no entanto eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos logo tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos (conferir 43a 29minus30 e 37minus39) (iii) termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos bem como lhes atribuir outros termos como legiacutetimos predicados em razatildeo disso tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 30minus32 e 40minus42)

Assim o que prevalece eacute que Aristoacuteteles jamais afastou de sua loacutegica qualquer das trecircs classes de termos apresentadas em Primeiros Analiacuteticos I 27 muito embora tenha endereccedilado certas restriccedilotildees atributivas a algumas delas 2 Primeiros Analiacuteticos I 28 e os Axiomas de Patzig

Patzig parece entender que o capiacutetulo 27 natildeo eacute merecedor de toda a atenccedilatildeo que lhe foi concedida por Ross e Lukasiewicz O capiacutetulo 28 em sua opiniatildeo eacute bem mais promissor no que diz respeito agrave questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera31 enquanto o capiacutetulo 27

30 Como Aristoacuteteles natildeo oferece exemplos de termos desse tipo deixamos indeterminado se satildeo summa genera como propotildee Ross ou transcategoriais de generalidade total (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como prefere Lukasiewicz (cf nota 3) 31 Patzig (1959 sect3 p 6)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

26

serviria mais como discussatildeo preparatoacuteria para os assuntos tratados no capiacutetulo seguinte

De fato haacute forte unidade entre esses textos O objetivo predominante que os vincula e orienta eacute anunciado no iniacutecio do capiacutetulo 27 e consiste em mostrar ldquode que modo sempre estaremos providos de silogismos em relaccedilatildeo ao que for proposto e por qual via alcanccedilamos os princiacutepios de cada coisardquo32 O capiacutetulo 27 contribui com esse objetivo na medida em que faz recomendaccedilotildees sobre como selecionar termos e premissas e classifica os fatores silogiacutesticos segundo as funccedilotildees (sujeito e predicado) que podem desempenhar de modo irrestrito em proposiccedilotildees silogiacutesticas A contribuiccedilatildeo do capiacutetulo 28 por sua vez estaacute associada aos procedimentos de prova de cada uma das quatro formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Esses procedimentos satildeo caracterizados basicamente pela descriccedilatildeo dos paracircmetros de localizaccedilatildeo do fator capaz de mediar os extremos (τά ἄκρα) na relaccedilatildeo categoacuterica acarretada na conclusatildeo Trata-se portanto de procedimentos de busca e localizaccedilatildeo do termo mediador (τὸ μέσον)

Assim para provar por exemplo a relaccedilatildeo universal afirmativa EaA prescreve Aristoacuteteles devemos encontrar um fator comum a duas listas (i) aquela de termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e (ii) aquela de termos que se atribuem universalmente ao extremo menor E33 O resultado seraacute o mediador M tal que MaA e EaM o que perfaz um silogismo em Barbara Semelhantemente para provar a relaccedilatildeo particular afirmativa EiA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um elemento comum agraves listas de (i) termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente ou seja agraves listas de termos que cada um dos extremos E e A ldquoacompanhardquo (ἕπεσθαι ou ακολουθεῖν) Nesse caso o termo comum M seraacute tal que MaA e MaE o que nos

32 An Pr I 27 43a 20ndash21 33 An Pr I 28 43b 39ndash43

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

27

permite concluir EiA por Darapti (terceira figura)34 Por sua vez a prova da relaccedilatildeo universal negativa EeA tambeacutem se valeraacute da identificaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios a um extremo e de (ii) termos que se atribuem universalmente ao outro extremo se o mediador M comum agraves duas listas for contraacuterio ao extremo maior A e universalmente atribuiacutedo ao extremo menor E o mediador M seraacute tal que MeA e EaM ou AeM e EaM possibilitando a prova de EeA (respectivamente) por Celarent e por Cesare mas se o mediador M for contraacuterio ao extremo menor E e universalmente atribuiacutedo ao extremo maior A M seraacute tal que AaM e EeM restringindo a prova de EeA a Camestres35 Por fim para provar a relaccedilatildeo particular negativa EoA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios ao extremo maior A e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente Assim o mediador M seraacute tal que MeA e MaE o que prova EoA por Felapton36

Em todas as recomendaccedilotildees do capiacutetulo 28 Aristoacuteteles se orienta pelas conclusotildees almejadas propondo a partir delas procedimentos de busca e localizaccedilatildeo dos fatores capazes de acarretar cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas A estrateacutegia de Aristoacuteteles portanto natildeo consiste em partir de premissas e deduzir os resultados que delas se seguem mas fazendo o caminho inverso consiste em partir da conclusatildeo e buscar o termo mediador capaz de articular os extremos na relaccedilatildeo categoacuterica (a e i ou o) da conclusatildeo

Por natildeo captar a natureza invertida dessa estrateacutegia Patzig natildeo compreendeu plenamente o que Aristoacuteteles propusera e julgou que o capiacutetulo 28 muito mais que o capiacutetulo 27 impunha severas restriccedilotildees agrave lista de termos capazes de figurar em silogismos aristoteacutelicos Na verdade o capiacutetulo 28 nem sequer trata da questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera mas limita-se a descrever os paracircmetros de

34 Ibidem 43b 43ndash44a 2 35 An Pr I 44a 2ndash8 36 An Pr I 28 44a 9ndash11

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

28

localizaccedilatildeo do mediador de cada forma categoacuterica Eacute claro que ao descrever esses paracircmetros Aristoacuteteles acaba por assumir certos pressupostos que em uacuteltimo caso podem ter algum efeito sobre a lista de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica Ainda assim eacute preciso observar que as recomendaccedilotildees apresentadas no capiacutetulo 28 satildeo pensadas em relaccedilatildeo agrave prova de cada proposiccedilatildeo categoacuterica em particular Por isso os pressupostos envolvidos nessas recomendaccedilotildees bem como as eventuais restriccedilotildees de termos que lhes sejam correlatas deveratildeo ter aplicaccedilatildeo circunscrita a cada caso isto eacute aos procedimentos de prova de cada conclusatildeo em particular

Patzig parece natildeo ter dado a devida atenccedilatildeo a esse detalhe pois embora compreenda os seus axiomas como pressupostos impliacutecitos das recomendaccedilotildees de Aristoacuteteles ndash recomendaccedilotildees cuja aplicaccedilatildeo estaacute circunscrita a cada caso ndash Patzig os assume como vaacutelidos para termos de todo e qualquer silogismo37 No entanto eacute flagrante que certos silogismos natildeo dependem de alguns de seus axiomas Um arquetiacutepico silogismo em Barbara por exemplo funciona perfeitamente bem sem pressupor para qualquer de seus termos a validade do terceiro axioma isto eacute sem pressupor que exista para qualquer de seus termos (ou mesmo para qualquer de seus extremos para ser fiel ao capiacutetulo 28) um termo que lhe seja ldquocontraacuteriordquo

Ao que tudo indica o que levou Patzig a estender a validade de seus axiomas sobre todos os silogismos eacute o trecho 44a 12minus17 em que Aristoacuteteles estipula letras para as listas de termos com as quais pretende trabalhar na exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova38 Na referida passagem Aristoacuteteles considera basicamente trecircs tipos de termos que se distinguem pelo termo extremo que lhes eacute correlato bem como pela relaccedilatildeo predicativa que cada um manteacutem com esse extremo Para cada extremo Aristoacuteteles estipula (i) termos que lhe satildeo atribuiacutedos universalmente (ii) termos aos quais ele proacuteprio se atribui universalmente e (iii) termos que natildeo lhe

37 Patzig (1959) sect3 p 6ndash7 38 An Pr I 28 44a 12minus17

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

29

podem ser atribuiacutedos Os termos de primeiro tipo devem ter servido de estiacutemulo para a necessidade de termos superordenados proacuteprios que eacute marca do segundo axioma de Patzig os termos de segundo tipo por sua vez para a necessidade de termos subordinados proacuteprios marca do primeiro axioma os de terceiro por fim para a necessidade de termos ldquocontraacuteriosrdquo marca do terceiro axioma

Eacute bem verdade que os termos estipulados por Aristoacuteteles envolvem certa analogia com os axiomas propostos por Patzig Mas eacute preciso notar em primeiro lugar que nenhum dos procedimentos de prova descritos por Aristoacuteteles depende da estipulaccedilatildeo dos trecircs tipos de termos39 A recomendaccedilatildeo de prova da proposiccedilatildeo particular afirmativa por exemplo requer apenas (ii) termos aos quais os extremos se atribuem universalmente40 O fato de Aristoacuteteles jaacute estipular de antematildeo trecircs tipos de termos para cada extremo natildeo torna obrigatoacuterio que todo e qualquer extremo (e muito menos que todo e qualquer termo silogiacutestico como prefere Patzig) independentemente do silogismo a que pertenccedila dependa dos trecircs tipos de termos estipulados precisamente porque a estipulaccedilatildeo desses termos estaacute ancorada em um par de extremos que eacute muito peculiar Esse par de extremos eacute pensado com propoacutesitos didaacuteticos orientados agrave exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova de cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas (a e i e o) Trata-se de um par de extremos que em benefiacutecio da exposiccedilatildeo eacute assumido como articulaacutevel em qualquer das relaccedilotildees categoacutericas Poreacutem essa assunccedilatildeo soacute faz sentido no contexto preciso dessa exposiccedilatildeo de procedimentos de prova afinal algumas dessas relaccedilotildees categoacutericas satildeo incompatiacuteveis entre si ndash por exemplo as relaccedilotildees universal afirmativa e particular negativa Por isso devemos presumir que as estipulaccedilotildees de termos que lhes datildeo suporte tambeacutem o satildeo e portanto natildeo podem valer em conjunto e para todos os casos

39 Idem 44a 17minus30 40 Ibidem 44a 19minus21

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

30

Para esclarecer esse ponto retomemos rapidamente os procedimentos de prova das proposiccedilotildees universal afirmativa e particular negativa41 Assumindo um mesmo par de extremos como faz Aristoacuteteles estaremos diante de proposiccedilotildees contraditoacuterias (EaA e EoA) Dado que tais proposiccedilotildees satildeo incompatiacuteveis as condiccedilotildees das quais elas satildeo provenientes tambeacutem o seratildeo Dizendo de outro modo a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (i) termos aos quais o extremo maior se atribui universalmente e (ii) termos que se atribuem universalmente ao extremo menor eacute incompatiacutevel com a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (irsquo) termos aos quais o extremo maior natildeo pode ser atribuiacutedo e (iirsquo) termos aos quais o extremo menor se atribui universalmente Assim em presenccedila das condiccedilotildees de prova de uma das proposiccedilotildees incompatiacuteveis as condiccedilotildees da outra poderatildeo ser dispensadas jaacute que satildeo condiccedilotildees requeridas para uma prova cuja possibilidade jaacute natildeo existe E natildeo haacute razatildeo para manter os termos estipulados e dispensar apenas a possibilidade de um termo comum entre as listas pois ambos os pressupostos satildeo requisitados para servir um uacutenico e mesmo propoacutesito o de estabelecer condiccedilotildees para a prova da relaccedilatildeo categoacuterica que se pretende obter Natildeo haacute uma razatildeo que justifique a manutenccedilatildeo das listas de termos estipulados em detrimento da possibilidade de um termo comum entre as listas pois o propoacutesito que introduz uma exigecircncia tambeacutem introduz a outra Sob essa perspectiva fica claro que os termos estipulados no trecho 44a 12minus17 natildeo podem ser pressupostos indispensaacuteveis de quaisquer termos silogiacutesticos tampouco pressupostos que devem ser satisfeitos em conjunto por termos de todo e qualquer silogismo Afinal Aristoacuteteles estipula cada uma das listas supondo que seus termos seratildeo candidatos agrave funccedilatildeo de mediador (e natildeo agrave funccedilatildeo de termos silogiacutesticos) e o faz segundo as exigecircncias especiacuteficas envolvidas na prova de cada relaccedilatildeo categoacuterica em particular (a e i ou o) Compreender tais listas como pressupostos

41 An Pr I 28 43b 39minus43 e 44a 9minus11

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

31

que devem ser satisfeitos por todo e qualquer termo silogiacutestico eacute um equiacutevoco

Em segundo lugar o capiacutetulo 28 natildeo parece estar orientado propriamente agrave prova silogiacutestica das formas categoacutericas mas em algum sentido agrave demonstraccedilatildeo de tais relaccedilotildees Haacute indiacutecios que sugerem essa leitura O principal deles talvez seja o fato de Aristoacuteteles se mostrar interessado em localizar um meson que fica no meio do caminho entre um mediador que satisfaz requisitos meramente dedutivos e um mediador que supera tais requisitos e se configura como um fator explanatoacuterio em uma legiacutetima demonstraccedilatildeo cientiacutefica42 Retomemos por exemplo as recomendaccedilotildees de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) Em 43b 43ndash44a 2 Aristoacuteteles recomenda a prova de EiA por premissas universais conduzindo a prova a um silogismo em Darapti embora admita a possibilidade de concluir proposiccedilotildees particulares a partir de um par de premissas em que apenas uma eacute universal (41b 22minus27) Em 44a 9ndash11 a exemplo do que ocorre com a prova de EiA Aristoacuteteles recomenda a prova de EoA novamente por premissas universais desta vez conduzindo a prova a um silogismo em Felapton Essas duas recomendaccedilotildees de prova pressupotildeem que o meson requisitado para a prova natildeo eacute um mediador meramente dedutivo mas um mediador que se articula com os extremos exclusivamente por relaccedilotildees universais Eacute claro que esse cenaacuterio ainda estaacute muito distante daquele que temos por exemplo no capiacutetulo 2 do Livro II de Segundos

42 Em uma demonstraccedilatildeo cientiacutefica natildeo basta que o mediador se relacione com os extremos de tal modo que a deduccedilatildeo da conclusatildeo esteja formalmente assegurada Aristoacuteteles ainda exige que o mediador satisfaccedila certos requisitos natildeo formais O principal deles eacute o de explicar adequadamente por que o extremo maior se atribui ao extremo menor (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 por exemplo essa diferenccedila (entre um mediador que satisfaz exigecircncias meramente dedutivas e um mediador que funciona como explicaccedilatildeo do fato relatado na conclusatildeo) eacute utilizada como criteacuterio baacutesico para distinguir o conhecimento de que C eacute A (conhecimento do fato) e o conhecimento de por que C eacute A (conhecimento da causa)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

32

Analiacuteticos (90a 6minus7) em que o meson eacute pensado como a causa que explica por que a relaccedilatildeo dada entre os extremos explicitada na conclusatildeo da demonstraccedilatildeo eacute o caso Mesmo assim temos o suficiente para mostrar que Aristoacuteteles natildeo estaacute levando em conta todos os silogismos de seu sistema loacutegico mas apenas aqueles nos quais ambas as premissas satildeo universais Por que razatildeo exatamente Aristoacuteteles faz essa escolha eacute algo a se investigar O que nos importa eacute que essa escolha restringe o escopo do capiacutetulo a um grupo especiacutefico de silogismos o que natildeo eacute compatiacutevel com a validade irrestrita dos axiomas propostos por Patzig

Em terceiro lugar Aristoacuteteles natildeo lida com as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo proacutepria superordenaccedilatildeo proacutepria e contrariedade mas prefere (i) termos que acompanham o extremo (τὰ ἑπόμενα) (ii) termos aos quais o extremo acompanha (οἷς αὐτὸ ἕπεται) e (iii) termos que natildeo podem ser atribuiacutedos ao extremo (ἃ μὴ ἐνδέχεται αὐτῷ ὑπάρχειν) Essa diferenccedila natildeo eacute apenas terminoloacutegica mas conceitual As relaccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias pressupotildeem termos que natildeo satildeo coextensivos se X eacute um termo subordinado proacuteprio de Y XaY eacute o caso mas YaX natildeo se Z eacute um termo superordenado proacuteprio de Y YaZ eacute o caso mas ZaY natildeo O proacuteprio Patzig reconhece essas consequumlecircncias ao formular os seus dois primeiros axiomas43 Aristoacuteteles no entanto ao se valer das relaccedilotildees de ldquoacompanhamentordquo entre os termos natildeo hesita em rejeitaacute-las No capiacutetulo 29 por exemplo Aristoacuteteles menciona a possibilidade de provar por hipoacutetese (συλλογίσασθαι ἐξ ὑποθέσεως) os problemas universais (a e e) assumindo precisamente a possibilidade de coextensatildeo entre os termos envolvidos possibilidade da qual Patzig parece prescindir ao formular seus axiomas A passagem agrave qual nos referimos eacute a seguinte

εἰ γὰρ τὸ Γ καὶ τὸ Η ταὐτὰ εἴη μόνοις δὲ ληφθείη τοῖς Η τὸ Ε ὑπάρχειν παντὶ ἂν τῷ Ε τὸ Α ὑπάρχοι καὶ πάλιν εἰ τὸ Δ καὶ Η ταὐτὰ μόνων δὲ τῶν Η τὸ Ε κατηγοροῖτο ὅτι οὐδενὶ τῷ Ε τὸ Α ὑπάρξει

43 Patzig (1959 sect3 p 6ndash7)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

33

Com efeito se C e G fossem o mesmo mas se assumisse que E se atribui apenas aos Grsquos A se atribuiria a todo E Novamente se D e G fossem o mesmo mas E se afirmasse apenas dos Grsquos A se atribuiraacute a nenhum E (45b 24minus27)

Em 44a 12minus17 Aristoacuteteles jaacute havia estipulado que a letra C representaria um termo ao qual o extremo maior A acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente tambeacutem foi estipulado que a letra G representaria um termo ao qual o extremo menor E acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente por fim ainda ficou decidido que a letra D representaria um termo que natildeo pode ser atribuiacutedo ao extremo maior A Assim a identidade entre C e G a exemplo do que ocorre em 44a 19minus21 conduz a prova de EiA a um silogismo em Darapti ao passo que a identidade entre D e G a exemplo do que ocorre em 44a 28minus30 conduz a prova de EoA a um silogismo em Felapton44 No entanto nessa passagem embora os procedimentos de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) sejam acionados aquilo que se quer mostrar eacute de que modo podemos provar por hipoacutetese (ἐξ ὑποθέσεως) as proposiccedilotildees universais Para alcanccedilar esse resultado Aristoacuteteles assume que o extremo menor E se atribui apenas (μόνον) a G o que pode ser interpretado como uma maneira diferente de dizer que E e G satildeo termos coextensivos Sinal disso eacute o seguinte ao assumir que E se atribui apenas a G Aristoacuteteles se vecirc autorizado a concluir as proposiccedilotildees universais EaA e EeA o que soacute faz sentido sob o pressuposto de que G e E satildeo termos coextensivos De fato sob tal pressuposto a premissa menor GaE pode ser ldquoconvertidardquo em EaG o que transforma Darapti em Barbara bem como Felapton em Celarent Mas se os termos aos quais o extremo menor E acompanha forem pensados como termos subordinados proacuteprios de E GaE seraacute o caso mas EaG natildeo Por conseguinte tampouco as conclusotildees EaA e EeA se seguiriam Assim se quisermos conferir sentido agrave passagem temos que assumir que Aristoacuteteles recorreu agrave possibilidade de construir silogismos com termos

44 Darapti CaA GaE rarr EiA (C=G) Felapton DeA GaE rarr EoA (D=G)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

34

que satildeo coextensivos e se assim for podemos dizer que para Aristoacuteteles a presenccedila de silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos em sua loacutegica natildeo causava qualquer inconveniente45

Segundo nos parece as razotildees alegadas ateacute aqui jaacute satildeo suficientes para mostrar que os axiomas de Patzig natildeo podem servir como criteacuterios delimitadores de termos silogiacutesticos Ainda assim vale a pena examinar duas passagens que eventualmente poderiam ser invocadas contra a interpretaccedilatildeo que propomos Embora natildeo sejam citadas pelos proponentes das opiniotildees tradicionais natildeo eacute difiacutecil imaginar que elas tenham servido de inspiraccedilatildeo para aqueles que defendem a exclusatildeo dos termos transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo De fato agrave primeira vista tais passagens podem nos levar a pensar que Aristoacuteteles natildeo guardou lugar para tais termos na silogiacutestica No entanto como veremos isso soacute eacute verdade agrave primeira vista

45 O capiacutetulo 29 natildeo eacute a uacutenica evidecircncia de silogismos com termos coextensivos na silogiacutestica No capiacutetulo 5 do Livro II de Primeiros Analiacuteticos precisamente em 57b 35minus58a 12 Aristoacuteteles trabalha com silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos Por sua vez no capiacutetulo 22 em 67b 27minus32 Aristoacuteteles inicia o texto dizendo que a coextensatildeo entre os termos extremos de um silogismo requer um mediador tambeacutem coextensivo o que revela por parte de Aristoacuteteles plena consciecircncia a respeito da existecircncia de silogismos com triacuteades coextensivas Nos Segundos Analiacuteticos o interesse de Aristoacuteteles por demonstraccedilotildees que envolvem termos coextensivos pode ser classificado como uma obsessatildeo Basta notar que a proacutepria demonstraccedilatildeo universal ndash aquela que eacute considerada por Aristoacuteteles como cientiacutefica no mais alto grau ndash tem como uma de suas principais caracteriacutesticas a coextensatildeo entre os trecircs termos do silogismo (cf Seg An I 4 73b 32minus74a 3) o que revela o papel central das triacuteades coextensivas no projeto aristoteacutelico que eacute inaugurado com a silogiacutestica e culmina nas demonstraccedilotildees cientiacuteficas (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 e II 16 Aristoacuteteles novamente recorre a termos coextensivos na formulaccedilatildeo de silogismos A nossa preferecircncia pela passagem 45b 24minus27 do capiacutetulo 29 de Primeiros Analiacuteticos se daacute apenas com base em sua conexatildeo indiscutiacutevel com o capiacutetulo 28 no qual Patzig julga encontrar seus axiomas

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

35

Uma das passagens agraves quais nos referimos eacute aquela com a qual Aristoacuteteles encerra o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I Vejamos o que diz Aristoacuteteles

ἔτι τὰ πᾶσιν ἑπόμενα οὐκ ἐκλεκτέον οὐ γὰρ ἔσται συλλογισμὸς ἐξ αὐτων διrsquo ἣν δrsquo αἰτίαν ἐν τοῖς ἑπομένοις ἔσται δῆλον Aleacutem disso natildeo eacute preciso selecionar os itens que acompanham todas as coisas pois natildeo haacute silogismo a partir deles A razatildeo disso ficaraacute evidente a seguir (43b 36minus38)

Essa passagem trata dos termos transcategoriais de generalidade total (τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) e delega a justificativa de seu proacuteprio pronunciamento ao capiacutetulo seguinte no qual Patzig encontrou inspiraccedilatildeo para seus axiomas No capiacutetulo 28 cumprindo o prometido Aristoacuteteles retoma esse assunto e reitera a impossibilidade de construir silogismos a partir de termos de generalidade total

φανερὸν οὖν ὅτι διὰ τῶν προειρημένων σχημάτων οἱ συλλογισμοὶ πάντες καὶ ὅτι οὐκ ἐκλεκτέον ὅσα πᾶσιν ἕπεται διὰ τὸ μηδένα γίγνεσθαι συλλογισμὸν ἐξ αὐτῶν κατασκευάζειν μὲν γὰρ ὅλως οὐκ ἦν ἐκ τῶν ἑπομένων ἀποστερεῖν δrsquo οὐκ ἐνδέχεται διὰ τοῦ πᾶσιν ἑπομένου δεῖ γὰρ τῷ μὲν ὑπάρχειν τῷ δὲ μὴ ὑπάρχειν Eacute evidente entatildeo que todos os silogismos vecircm a ser atraveacutes das figuras previamente mencionadas e que natildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisas porque nenhum silogismo vem a ser a partir deles De fato de modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanham e natildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outro (44b 19minus24)

Fora de contexto e em uma leitura mais apressada essas duas passagens podem nos levar a crer que a opiniatildeo tradicional que afasta da silogiacutestica os termos de generalidade total (como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) de fato encontra respaldo nos textos de Aristoacuteteles No entanto mais uma vez eacute preciso levar em conta que o capiacutetulo 28 eacute marcado pela

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

36

descriccedilatildeo de estrateacutegias de localizaccedilatildeo de termos mediadores e natildeo de termos em geral Dizendo de outro modo Aristoacuteteles natildeo estaacute interessado em localizar os termos que deveratildeo encerrar a conclusatildeo de um silogismo pelo contraacuterio tais termos jaacute estatildeo plenamente determinados bem como a relaccedilatildeo proposicional (a e i e o) que haacute entre eles dado que a conclusatildeo na qual interagem funciona como ponto de partida da investigaccedilatildeo empreendida no capiacutetulo O que interessa para Aristoacuteteles eacute a localizaccedilatildeo de termos mediadores e eacute nesse horizonte que tais passagens devem ser lidas Assim ao negar a possibilidade de construir silogismos a partir de termos transcategoriais de generalidade total (ἐξ αὐτῶν) o que Aristoacuteteles quer dizer eacute que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos46 nos quais a funccedilatildeo de mediador seja desempenhada por um termo desse tipo razatildeo pela qual na busca pelo mediador recomenda Aristoacuteteles ldquonatildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisasrdquo (44b 20minus21) Para justificar essa recomendaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta duas razotildees (i) ldquode modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanhamrdquo (44b 22minus23) (ii) ldquonatildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outrordquo (44b 23minus24) Na primeira razatildeo Aristoacuteteles parece reconsiderar as listas de termos estipuladas no trecho 44a 11minus17 pressupondo ao que tudo indica que os transcategoriais de generalidade total soacute podem figurar em listas de termos que acompanham os extremos Isso se justificaria pela natureza inapta de tais termos para o papel de sujeito em proposiccedilotildees silogiacutesticas conforme se constata no capiacutetulo I 27 Assim na medida em que nas provas afirmativas a busca pelo mediador natildeo envolve

46 Na verdade como o escopo do capiacutetulo 28 natildeo abarca todo e qualquer silogismo seria mais correto dizer que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos (nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas) assumindo um termo de generalidade total na funccedilatildeo de mediador

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

37

apenas a lista de termos que acompanham um dos extremos mas tambeacutem a lista de termos aos quais um dos extremos acompanha (ver 43b 39minus44a 2) os transcategoriais de generalidade total perdem a candidatura agrave funccedilatildeo de mediador e jaacute de saiacuteda nem sequer precisam ser considerados47 Na segunda razatildeo por sua vez Aristoacuteteles leva em conta o fato de que as provas negativas dependem de um mediador capaz de figurar em proposiccedilotildees universais negativas verdadeiras exigecircncia que natildeo estaacute no alcance dos termos de generalidade total Afinal se estamos diante de um transcategorial desse tipo de antematildeo jaacute assumimos a inexistecircncia de um termo do qual ele natildeo seja predicado Assim os termos de generalidade total ficam impedidos de serem atribuiacutedos a um extremo e natildeo atribuiacutedos ao outro (44b 24) como deve ser o mediador de um silogismo negativo

O que eacute verdade portanto eacute que Aristoacuteteles dispensa os termos de generalidade total da funccedilatildeo de mediador De fato quando se pretende construir silogismos nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas tal como ocorre no capiacutetulo 28 a busca do mediador entre transcategoriais de generalidade total eacute sempre infrutiacutefera porque soacute poderaacute devolver como resposta pretensos fatores de mediaccedilatildeo marcados por duas deficiecircncias principais a

47 Supomos que em tais passagens Aristoacuteteles de fato tem em mente as recomendaccedilotildees de prova apresentadas no iniacutecio do capiacutetulo 28 de modo que apenas os silogismos em Barbara e Darapti sejam considerados como silogismos afirmativos (cf 43b 39minus44a 2) Assim entendemos que o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 se justificaria porque os termos de generalidade total na prova de a natildeo podem integrar a lista de termos aos quais o extremo maior acompanha bem como na prova de i a lista de termos aos quais ambos os extremos acompanham No entanto ainda que os demais silogismos afirmativos sejam levados em conta o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 continua verdadeiro jaacute que Darii Disamis e Datisi tambeacutem exigem que o mediador esteja entre os termos aos quais o(s) extremo(s) acompanha(m)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

38

impossibilidade de desempenhar a funccedilatildeo de sujeito de modo legiacutetimo e a incapacidade de compor proposiccedilotildees negativas verdadeiras

Nenhuma das passagens mencionadas acima (43b 36minus38 e 44b 19minus24) eacute citada ndash nem por Lukasiewicz nem por Patzig ndash como evidecircncia de que Aristoacuteteles teria rejeitado os termos de generalidade total em seu sistema loacutegico Poreacutem diante da escassez de evidecircncias em favor da suposta exclusatildeo de tais termos natildeo eacute insensato presumir que os proponentes dessa exclusatildeo tenham encontrado inspiraccedilatildeo nelas

Na proacutexima seccedilatildeo examinaremos textos nos quais Aristoacuteteles constroacutei silogismos com termos de natureza singular Veremos que o incocircmodo com a presenccedila de tais termos na silogiacutestica eacute menos de Aristoacuteteles e mais de seus inteacuterpretes 3 Termos Singulares e o Silogismo Peripateacutetico

Jaacute comentamos o fato de Lukasiewicz ter feito pesadas criacuteticas agrave silogiacutestica em especial ao suposto fato de Aristoacuteteles ter afastado os termos de natureza singular de seu sistema loacutegico o que seria segundo Lukasiewicz ldquoo maior defeitordquo da loacutegica aristoteacutelica48 Ao que parece o responsaacutevel por levaacute-lo por esse caminho foi Ross que tomou nota do tambeacutem suposto fato de Aristoacuteteles nunca se valer de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos49 Lukasiewicz reiterou a constataccedilatildeo de Ross (embora natildeo o cite) e nela encontrou razatildeo para natildeo reconhecer como rigorosamente aristoteacutelico o silogismo que qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo silogismo formulado em primeira figura com um nome proacuteprio como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo

De acordo com a triparticcedilatildeo de termos que pudemos conhecer no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I (Seccedilatildeo II Parte 1) natildeo temos qualquer razatildeo para expulsar da silogiacutestica os termos de natureza singular Eacute

48 Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect3 p 6) 49 Ross (1949 p 289 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

39

claro que Aristoacuteteles natildeo deixa de lhes endereccedilar certas restriccedilotildees poreacutem vale a pena repetir nenhuma das restriccedilotildees introduzidas por Aristoacuteteles no referido capiacutetulo tem forccedila suficiente para expulsar os termos singulares da loacutegica aristoteacutelica De fato embora tais termos natildeo possam figurar em proposiccedilotildees como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nada impede que outros termos lhes sejam atribuiacutedos por conseguinte embora natildeo possam ser demonstrados como legiacutetimos predicados de outros termos nada impede que outros termos sejam demonstrados como predicados deles50

Fora dos Analiacuteticos jaacute esbarramos em indiacutecios que vatildeo nessa direccedilatildeo No capiacutetulo 10 de Metafiacutesica XIII (My) por exemplo haacute uma breve passagem que sugere esse resultado Enquanto argumenta em favor da tese de que ldquoo conhecimento eacute de universaisrdquo (ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου) Aristoacuteteles parece supor que os termos singulares ldquoeste triacircngulordquo e ldquoeste homemrdquo tambeacutem satildeo suscetiacuteveis de operaccedilotildees silogiacutesticas

[] ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου δῆλον δrsquo ἐκ τῶν ἀποδείξεων καὶ τῶν ὁρισμῶν οὐ γὰρ γίγνεται συλλογισμὸς ὅτι τόδε τὸ τρίγωνον δύο ὀρθαῖς εἰ μὴ πᾶν τρίγωνον δύο ὀρθαί οὐδrsquo ὅτι ὁδὶ ὁ ἄνθρωπος ζῷον εἰ μὴ πᾶς ἄνθρωπος ζῷον [] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos a natildeo ser que todo triacircngulo possua dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal a natildeo ser que todo homem seja animal (1086b 34minus37)

Poreacutem essa passagem natildeo eacute tatildeo simples quanto pode parecer agrave primeira vista51 Paul Shorey por exemplo reprovaria jaacute a traduccedilatildeo que

50 An Pr I 27 43a 25minus29 e 39minus40 Ao comentar o capiacutetulo 27 Mignucci (1969 p 443) tambeacutem reconhece a possibilidade ldquodi costruire dimostrazioni e sillogismi anche relativamente a singolarirdquo citando Alexandre que tambeacutem jaacute a observa em seus comentaacuterios (An Pr p 293 13minus23) 51 Shorey (1913)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

40

propomos porque ela faz crer que Aristoacuteteles estabelece uma relaccedilatildeo de dependecircncia dedutiva (silogiacutestica) entre proposiccedilotildees dependecircncia que de fato existe mas da qual para Shorey a passagem em questatildeo natildeo trataria De acordo com Shorey as ocorrecircncias de εἰ μὴ nas linhas 33 e 36 natildeo significam ldquo[] lsquounlessrsquo but is to be taken in its idiomatic sense as a virtual equivalent of ἀλλάrdquo Nesse caso uma traduccedilatildeo mais fiel agrave posiccedilatildeo de Shorey seria a seguinte

[] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos mas de que todo triacircngulo tem dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal mas de que todo homem eacute animal (1086b 34minus37)

Assim o texto estabeleceria natildeo que as proposiccedilotildees singulares no papel de conclusotildees silogiacutesticas satildeo (dedutivamente) dependentes das proposiccedilotildees universais mas que as conclusotildees propriamente silogiacutesticas satildeo universais (universalmente quantificadas) e natildeo singulares

Ross52 ao tratar dessa passagem natildeo deixa de comentar a posiccedilatildeo de Shorey

He [Shorey] argues that in l 33 knowledge is said to be lsquoofrsquo universals ie to have universal conclusions as well as universal premises [hellip] and that singular propositions never occur as conclusions in Aristotlersquos logical writings

Na verdade Shorey53 natildeo chega a dizer que proposiccedilotildees singulares nunca ocorrem como conclusotildees silogiacutesticas nos escritos loacutegicos de Aristoacuteteles embora passe perto disso

The syllogism with a particular54 conclusion is an inferior type (Analyt Post 79a 25ff) [hellip] Aristotle does not recognize singular proposition in his classification (Analyt Priora A1 Grote Aristotle I 205) and the

52 Ross (1953 p 464) 53 Shorey (1913 p 91) 54 Nesse contexto Shorey assume ldquoparticularrdquo e ldquosingularrdquo como equivalentes

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

41

conclusion to an individual case interests him very little and is practically ignored

Shorey tem alguma razatildeo em alegar que os silogismos que concluem proposiccedilotildees singulares (tambeacutem conhecidos como ldquoperipateacuteticosrdquo) satildeo de um tipo inferior especialmente quando se leva em conta o horizonte das demonstraccedilotildees cientiacuteficas55 mas erra quando recorre ao trecho 79a 25ss para dar base textual a tal alegaccedilatildeo ndash o referido trecho nem mesmo trata desse assunto Por sua vez e contra Shorey Ross56 surpreende ao alegar o seguinte

There are however occasional references in Aristotle to the occurrence of singular propositions as the minor premise or conclusion of syllogisms (eg An Pr 43a 37minus40) []

55 Para Aristoacuteteles o silogismo dito cientiacutefico no mais alto grau eacute a chamada demonstraccedilatildeo universal Eacute importante notar que aqui o adjetivo ldquouniversalrdquo tem um sentido muito preciso e natildeo se justifica pela mera ocorrecircncia de uma conclusatildeo universalmente quantificada Em Segundos Analiacuteticos I 4 73b 32minus74a 3 por exemplo Aristoacuteteles argumenta que a demonstraccedilatildeo universal natildeo conclui que todo isoacutesceles tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos mas que todo triacircngulo tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos revelando um requisito que envolve o ajuste preciso do extremo menor a partir de condiccedilotildees estabelecidas pelo extremo maior (cf Seg An I 5 74a 4minus6 13minus17 25minus32 74b 21minus26 I 24 85b 4minus15) Para Aristoacuteteles o predicado ldquoter a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retosrdquo ndash daqui para frente apenas ldquo2Rrdquo ndash se atribui a ldquoisoacutescelesrdquo de um modo que em algum sentido eacute parasitaacuterio da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo dado que isoacutesceles tem 2R na exata medida em que eacute triacircngulo Em outras palavras a atribuiccedilatildeo de ldquo2Rrdquo a ldquoisoacutescelesrdquo eacute entendida como indireta e dependente da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo Nesse contexto eacute natural presumir que um silogismo peripateacutetico seja concebido como inferior em relaccedilatildeo aos demais minus especialmente no que diz respeito ao grau de cientificidade minus jaacute que sua conclusatildeo natildeo poderaacute satisfazer as exigecircncias de uma legiacutetima conclusatildeo cientiacutefica tal como ocorre em uma demonstraccedilatildeo universal Jaacute quanto agraves propriedades dedutivas envolvidas em tal silogismo natildeo haacute razatildeo para consideraacute-lo inferior Para apreciaccedilatildeo detalhada da noccedilatildeo de demonstraccedilatildeo universal ver Angioni (2007) 56 Ross (1953 p 464)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

42

Ross supotildee que o argumento de Shorey pretende estabelecer a exclusatildeo dos termos singulares do domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica e aponta a passagem 43a 37minus40 como evidecircncia textual incompatiacutevel com essa exclusatildeo Temos aqui uma mudanccedila de opiniatildeo De fato conforme pudemos ver na primeira seccedilatildeo deste artigo ao tratar do trecho 43a 37minus43 na ediccedilatildeo comentada do texto grego de Primeiros e Segundos Analiacuteticos Ross chega a dizer que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares em seus exemplos de silogismos e argumenta em favor de uma silogiacutestica restrita a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ)57 Agora ao comentar a passagem 1086a 34minus37 de Metafiacutesica XIII (My) 10 Ross reconhece no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I uma evidecircncia em favor da inclusatildeo dos termos singulares na silogiacutestica Aparentemente o proacuteprio Ross natildeo tinha muita convicccedilatildeo a respeito da inclusatildeo ou exclusatildeo dos termos de natureza singular

De nossa parte admitimos que a passagem 1086a 34minus37 eacute digna da controveacutersia introduzida por Shorey ndash embora tenhamos mais apreccedilo pela interpretaccedilatildeo de Ross No entanto mesmo que Shorey tenha razatildeo a respeito do referido trecho de Metafiacutesica XIII (My) 10 a presenccedila de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares na silogiacutestica natildeo estaraacute ameaccedilada porque ainda podemos nos valer de passagens muito mais promissoras para decidir essa questatildeo passagens nas quais o proacuteprio Aristoacuteteles elabora cocircmputos silogiacutesticos com termos singulares como se a presenccedila deles na silogiacutestica natildeo lhe figurasse como uma anomalia

Patzig tinha conhecimento dessas passagens e fez questatildeo de citaacute-las no primeiro capiacutetulo de seu livro corrigindo o suposto fato alegado por Ross e Lukasiewicz de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos exemplos de silogismos que aparecem em Primeiros Analiacuteticos No entanto Patzig natildeo recorre a tais passagens a fim de reintroduzir os termos singulares na silogiacutestica mas procura

57 Idem 1949 p 384

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

43

desqualificaacute-las e assim reiterar os resultados de seus antecessores De fato embora reconheccedila as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 do Livro I bem como de ldquoPitacosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II Patzig manteacutem a posiccedilatildeo tradicional que afasta os termos de natureza singular da loacutegica aristoteacutelica alegando apenas que a ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo (70a 16minus20) se daacute em um silogismo invaacutelido ao passo que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo (47b 15ss) aparecem em premissas das quais nada se segue58

Eacute bem verdade que as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 de Primeiros Analiacuteticos I estatildeo associadas a pares de premissas dos quais nenhuma conclusatildeo se segue coisa que o proacuteprio Aristoacuteteles natildeo hesita em admitir No entanto embora sejam inconcludentes esses pares de premissas acomodam seus termos em disposiccedilotildees muito similares agravequelas de um silogismo vaacutelido (Barbara)59 o que lhes confere as feiccedilotildees de que satildeo concludentes quando na verdade natildeo o satildeo De acordo com Aristoacuteteles o que os impede de serem concludentes eacute o fato de que a premissa maior natildeo eacute universal60 Em 47b 26minus28 essa justificativa eacute apresentada por meio de um pronunciamento que merece alguma atenccedilatildeo Aristoacuteteles anuncia o fato de a premissa maior natildeo ser universal como quem supotildee que fosse ela universal o problema estaria resolvido e assim o par de premissas seria concludente61 Ora na medida em que Aristoacuteteles atribui o caraacuteter inconcludente dos pares de premissas precisamente agraves premissas maiores (e natildeo agraves premissas menores nas quais ocorrem os termos singulares) presume-se que esses termos natildeo introduzem qualquer caracteriacutestica censuraacutevel nos silogismos ali formulados Assim o fato de que natildeo estamos diante de pares de premissas concludentes por si soacute natildeo eacute

58 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 59 An Pr I 33 47b 21minus37 60 Idem 47b 26minus29 34minus37 e 38minus39 61 O uso contrafactual de ἔδει na linha 27 sugere essa leitura

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

44

suficiente para recusar ao capiacutetulo 33 o papel de evidecircncia em favor de tais termos na silogiacutestica62

Quanto agrave ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo em Primeiros Analiacuteticos II 27 (70a 16minus20) Patzig tem alguma razatildeo em alegar que ela se daacute em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido No entanto eacute preciso ajustar essa alegaccedilatildeo porque Aristoacuteteles natildeo descreve o argumento em questatildeo propriamente como um silogismo mas como um sinal (σημεῖον) e ao que parece um sinal e um silogismo ndash um legiacutetimo silogismo e natildeo um mero entimema ndash estatildeo longe de ser a mesma coisa63 Aleacutem disso temos uma ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo no mesmo capiacutetulo que eacute bem mais relevante para a discussatildeo mas que foi completamente ignorada pelos comentadores

Em 70a 26minus28 Aristoacuteteles formula dois silogismos nos quais aparece o termo singular ldquoPitacosrdquo Um deles eacute descrito como refutaacutevel (λύσιμος)64 basicamente porque a conclusatildeo natildeo se segue das premissas65 Natildeo precisamos nos deter nele Por ora o silogismo que fora introduzido algumas linhas antes e que foi descrito por Aristoacuteteles como irrefutaacutevel (ἄλυτος)66 eacute muito mais interessante Esse silogismo tem exatamente a formulaccedilatildeo paradigmaacutetica que Lukasiewicz qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo e agrave qual negou lugar na loacutegica aristoteacutelica Vale a pena citar essa passagem para marcar bem a presenccedila desse tipo de silogismo na loacutegica de Aristoacuteteles

62 M Malink (2009 p 119) por exemplo contrariando Patzig aponta o capiacutetulo I 33 minus bem como II 27 do qual trataremos a seguir minus como evidecircncia em favor de termos singulares na silogiacutestica Ver tambeacutem Mignucci ldquoAristotlersquos Theory of Predicationrdquo p 10 ldquoParts Quantification and Aristotelian Predicationrdquo p 11 e Barnes ldquoTruth etcrdquo p 158-166 63 An Pr II 27 70a 24minus25 64 Ibidem 30minus31 e 34minus35 65 Ibidem 27minus28 e 30minus32 66 Ibidem 29

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

45

Ἐὰν μὲν οὖν ἡ μία λεχθῇ πρότασις σημεῖον γίνεται μόνον ἐὰν δὲ καὶ ἡ ἑτέρα προσληφθῇ συλλογισμός οἷον ὅτι Πιττακὸς ἐλευθέριος οἱ γὰρ φιλότιμοι ἐλευθέριοι Πιττακὸς δὲ φιλότιμος Assim se somente uma premissa for assumida haacute apenas um sinal ao passo que se a outra premissa tambeacutem for assumida entatildeo haacute um silogismo por exemplo lsquoPitacos eacute destemido pois os homens de brio satildeo destemidos e Pitacos eacute homem de briorsquo (70a 24minus27)67

A descriccedilatildeo eacute inusitada porque Aristoacuteteles comeccedila pela conclusatildeo Mas isso natildeo prejudica o resultado a que queremos chegar O nome proacuteprio ldquoPitacosrdquo eacute sem duacutevida o extremo menor que aparece como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo ldquodestemidordquo eacute o extremo maior predicado da premissa maior e da conclusatildeo por fim a funccedilatildeo de mediador fica por conta de ldquohomem de briordquo Em uma reconstituiccedilatildeo um pouco mais formalizada temos o seguinte silogismo todo homem de brio eacute destemido Pitacos eacute (um) homem de brio logo Pitacos eacute destemido

O leitor mais desconfiado talvez hesite em aceitar que a premissa maior ldquoos homens de brio satildeo destemidosrdquo possa ser formalizada com um quantificador universal mas haacute sinais claros de que eacute assim que devemos concebecirc-la Em primeiro lugar Aristoacuteteles reconhece a legitimidade desse silogismo e supotildee que a conclusatildeo decorre das premissas o que por si soacute jaacute pressupotildee a universalidade da premissa maior Caso contraacuterio a conclusatildeo natildeo se impotildee Em segundo lugar haacute um pequeno detalhe que causa surpresa nesse capiacutetulo e que merece atenccedilatildeo de nossa parte Aristoacuteteles justifica o caraacuteter irrefutaacutevel do mencionado silogismo alegando que se trata de um silogismo universal (καθόλου γὰρ ἐστιν cf 70a 30) Ora como se sabe Aristoacuteteles descreve como universais precisamente aqueles silogismos nos quais a conclusatildeo eacute universal quais sejam Barbara Celarent Cesare e Camestres Por isso ao caracterizar o ldquosilogismo peripateacuteticordquo como um silogismo universal

67 As traduccedilotildees de φιλότιμος e ἐλευθέριος certamente satildeo discutiacuteveis mas em nada afetam os nossos objetivos

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

46

Aristoacuteteles pode querer sinalizar que em algum sentido a conclusatildeo ldquoPitacos eacute destemidordquo deva ser compreendida como uma proposiccedilatildeo fundada em uma atribuiccedilatildeo universal68 como se o referido ldquosilogismo peripateacuteticordquo precisamente em razatildeo disso fosse digno do mesmo status concedido aos demais silogismos universais (Barbara Celarente Cesare e Camestres) Essa leitura sugere que a concepccedilatildeo aristoteacutelica de atribuiccedilatildeo universal talvez deva ser repensada jaacute que ela daacute sinais de se estender sobre casos para os quais natildeo cabe falar em quantificadores (universais) ndash eacute o que parece ocorrer no ldquosilogismo peripateacuteticordquo acima mencionado

O aprofundamento desse ponto no entanto eacute algo que ultrapassa o escopo da presente investigaccedilatildeo e seu exame deve ser deixado para outra ocasiatildeo A essa altura o objetivo principal desta seccedilatildeo jaacute nos parece ter sido alcanccedilado pois consiste apenas em mostrar o que os leitores menos versados nos Analiacuteticos jaacute perceberam haacute muito tempo a saber que o chamado ldquosilogismo peripateacuteticordquo natildeo soacute faz parte da loacutegica aristoteacutelica mas mais do que isso ainda pode desfrutar de um lugar privilegiado no interior da silogiacutestica entre os chamados ldquosilogismos universaisrdquo Diante desse quadro natildeo haacute duacutevida de que os termos de natureza singular tecircm lugar garantido na loacutegica de Aristoacuteteles69

68 Provavelmente foi inspirado em passagens como essa que J N Keynes (1906 p 102) sugeriu conceber as proposiccedilotildees singulares como uma subclasse de proposiccedilotildees universais Lukasiewicz tomou nota dessa possibilidade e a considerou totalmente equivocada Mas para isso ignorou completamente o trecho 70a 24minus30 69 Agradeccedilo ao professor Lucas Angioni (Unicamp) pela prontidatildeo na leitura de versotildees preacutevias deste artigo pelas indicaccedilotildees de passagens para reforccedilar o argumento e pelas alteraccedilotildees de texto sugeridas as quais certamente contribuiacuteram para melhorar o resultado final aqui apresentado Agradeccedilo tambeacutem aos professores Raphael Zillig (UFRGS) e Inara Zanuzzi (UFRGS) pela oportunidade de discutir alguns resultados provisoacuterios deste artigo no Seminaacuterio sobre Primeiros Analiacuteticos I 27 organizado pelo professor Raphael e realizado na UFRGS no ano de 2011 Por fim tambeacutem agradeccedilo aos

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

47

REFEREcircNCIAS

ANGIONI L ldquoO Conhecimento Cientiacutefico no Livro I dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesrdquo Revista de Filosofia Antiga (online) vol 1 n 1 2007 (httpwwwfilosofiaantigacomdocuments23html)

BARNES J (ed) Aristotle Prior Analytics (trans by A J Jenkinson in Barnes 1984 vol 1 p 39minus113)

mdashmdashmdashmdash Truth etc Six Lectures on Ancient Logic Oxford Clarendon Press 2007

BOCHENSKI J Ancient Formal Logic Amsterdam North-Holland Publishing 1951

CORCORAN J ldquoCompleteness of an Ancient Logicrdquo Journal of Symbolic Logic 37 696minus702 1972

KEYNES J N Studies and Exercises in Formal Logic (fourth edition rewritten and enlarged) New York The Macmillan Company 1906

LUKASIEWICZ J Aristotlersquos Syllogistic from the Standpoint of Modern Formal Logic Oxford Clarendon Press 1951

MALINK M ldquoA Non-Extensional Notion of Conversion in the Organonrdquo Oxford Studies in Ancient Philosophy Vol XXXVII p 106minus141 Oxford University Press 2009

MIGNUCCI M Aristotele Gli analitici primi ndash Traduzione introduzione e commento Naples Loffredo 1969

companheiros de pesquisa Francine Maria Ribeiro e Mateus Ricardo Fernandes Ferreira (UEMminusPR) pela leitura das primeiras versotildees desse texto e pelas proveitosas sugestotildees que me fizeram

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

48

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Theory of Predication in I Angelilli and M Cerezo (eds) Studies in the History of Logic 1minus20 Berlin 1996

mdashmdashmdashmdash Parts Quantification and Aristotelian Predication Monist 83 3minus21 2000

PATZIG G Aristotlersquos Theory of the Syllogism A Logico-Philosophical Study of Book A of the Prior Analytics Translated by Jonathan Barnes Dordrecht Reidel 1959

ROSS W D Aristotlersquos Prior and Posterior Analytics Oxford Clarendon Press 1949

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Metaphysics Oxford Clarendon Press 1953 (1924)

SHOREY P ldquoA Note on Aristotlersquos Metaphysics 1086b 32minus37rdquo Classical Philology Vol 8 n 1 pp 90minus92 1913

SMITH R Aristotle Prior Analytics Indianapolis Hackett Publishing Company 1989

STRIKER G Aristotle Prior Analytics Book I Oxford Clarendon Press 2009

Page 5: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

9

O pronome τούτων retoma os termos qualificados sob o terceiro tipo anunciados nas linhas 40-42 Conforme jaacute vimos esses termos nem satildeo de natureza singular como nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares nem satildeo os de mais alta generalidade como summa genera eou transcategoriais Na verdade quanto ao grau de generalidade tais fatores se posicionam entre os demais tipos de termos e por isso mesmo satildeo descritos por Aristoacuteteles como intermediaacuterios (τὰ μεταξὺ) Para ilustrar a natureza desse tipo de termo Aristoacuteteles apresenta ldquohomemrdquo que se predica de ldquoCaacuteliasrdquo e do qual ldquoanimalrdquo se predica irrestritamente6

Ao comentar o trecho 43a 37ndash43 que encerra com a frase que inspirou a exclusatildeo dos mencionados termos Ross acaba sendo mais cauteloso do que fora no comentaacuterio ao primeiro capiacutetulo do Livro I de Primeiros Analiacuteticos Ele entende que no referido trecho do capiacutetulo 27 Aristoacuteteles esteja de fato comprometido com uma restriccedilatildeo associada aos termos mas assume que essa restriccedilatildeo diz respeito agrave suscetibilidade de desempenhar irrestritamente as funccedilotildees de maior (τὸ μεῖζον) menor (τὸ ἐλάττον) ou mediador7 (τὸ μέσον) em um silogismo Nesse caso Aristoacuteteles natildeo estaria restringindo o domiacutenio de fatores sobre os quais a silogiacutestica pode operar mas o domiacutenio de fatores que podem exercer irrestritamente cada uma das trecircs funccedilotildees que um termo pode desempenhar em um silogismo

6 Ibidem 43a 31ndash32 7 A proposta de traduzir meson como ldquomediadorrdquo (Angioni 2007 nota 6) ndash e natildeo ldquotermo meacutediordquo como de costume ou ldquotermo intermediaacuteriordquo ndash nos parece bastante acertada Em nossa opiniatildeo ela capta com precisatildeo a funccedilatildeo mais baacutesica do meson qual seja a de articular ou correlacionar os termos da conclusatildeo Por isso decidimos adotaacute-la Aos poucos essa alternativa de traduccedilatildeo vem ganhando espaccedilo Em 2010 durante o Iordm Ciclo de Seminaacuterios lsquoO Organon de Aristoacutetelesrsquo realizado na Universidade de Campinas Ricardo Santos (Universidade de Eacutevora minus Portugal) se mostrou de pleno acordo com a opccedilatildeo por ldquomediadorrdquo embora natildeo a tenha adotado na traduccedilatildeo que vem preparando

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

10

Na primeira figura por exemplo apenas os termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) satildeo capazes de desempenhar irrestritamente a funccedilatildeo de mediador De fato os demais termos soacute podem atuar de modo irrestrito nos silogismos de primeira figura quando ocupam as posiccedilotildees ou de sujeito ou de predicado ao passo que o mediador eacute sujeito e predicado sujeito na premissa maior e predicado na menor Ross tambeacutem observa que os gecircneros supremos (ldquothe highest termsrdquo) podem desempenhar irrestritamente a funccedilatildeo de extremo maior bem como os termos desprovidos de generalidade (ldquothe lowest termsrdquo) a funccedilatildeo de extremo menor Ademais continua Ross os gecircneros supremos ainda podem atuar de modo irrestrito na funccedilatildeo de mediador na segunda figura assim como os termos singulares na terceira figura

Ateacute esse ponto o comentaacuterio de Ross ao capiacutetulo 27 natildeo introduz nenhuma severa restriccedilatildeo de termos sobretudo porque o trecho 43a 37ndash43 assim como o iniacutecio do capiacutetulo natildeo lhe permitem ir muito longe Tudo o que esses textos nos impotildeem eacute que nas demonstraccedilotildees certos termos natildeo podem ocupar irrestritamente a posiccedilatildeo de sujeito ao passo que outros natildeo podem ocupar irrestritamente a posiccedilatildeo de predicado Assim Aristoacuteteles abre espaccedilo para a possibilidade de que os termos singulares tenham o seu lugar ao sol na silogiacutestica desde que sejam alocados em posiccedilotildees e funccedilotildees que possam desempenhar sem as restriccedilotildees mencionadas ao longo do capiacutetulo 27 Ross parece ter se dado conta disso e ao que tudo indica natildeo gostou do que viu pois encerra as suas consideraccedilotildees sobre o trecho 43a 37ndash43 tentando recuperar aquela restriccedilatildeo de termos que jaacute havia sido apresentada no comentaacuterio ao capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I alegando que Aristoacuteteles nunca usa nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos mas apenas termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) ndash ldquouniversals that are not highest universalsrdquo8

8 Ross (1949 p 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

11

Podemos dizer que Ross nos deixou o seguinte legado por um lado eacute responsaacutevel pela tradicional opiniatildeo de que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares ou gecircneros supremos em seus silogismos mas sempre trabalha com termos de generalidade intermediaacuteria por outro lado transformou o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I em peccedila central para a delimitaccedilatildeo da lista de termos silogiacutesticos

Em 1951 Jan Lukasiewicz publicou o seu famoso livro intitulado Aristotlersquos Syllogistic ndash From The Standpoint of Modern Formal Logic e se mostrou bastante influenciado pelo legado de Ross Jaacute no primeiro capiacutetulo desse livro Lukasiewicz se recusa a considerar como rigorosamente aristoteacutelico aquele argumento concebido pela tradiccedilatildeo como exemplo paradigmaacutetico de silogismo ndash ldquotodo homem eacute mortal Soacutecrates eacute homem logo Soacutecrates eacute mortalrdquo minus levando a cabo algo que Ross jaacute havia sugerido em seu comentaacuterio ao capiacutetulo 1 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos a saber que tal argumento natildeo pertence agrave loacutegica de Aristoacuteteles9 Lukasiewicz qualifica esse silogismo por meio do adjetivo ldquoperipateacuteticordquo pelo fato de Sexto Empiacuterico descrevecirc-lo como usual entre os Peripateacuteticos Quanto agrave rejeiccedilatildeo desse silogismo provisoriamente Lukasiewicz alega apenas que Aristoacuteteles natildeo introduz termos e proposiccedilotildees singulares em seu sistema loacutegico10 A completa ausecircncia de referecircncia a proposiccedilotildees singulares no capiacutetulo 1 do Livro I dos Primeiros Analiacuteticos ndash capiacutetulo em que as formas proposicionais silogiacutesticas satildeo introduzidas e no qual seria natural esperar por proposiccedilotildees singulares ndash eacute mencionada por Lukasiewicz como sinal de que Aristoacuteteles natildeo teria considerado termos singulares em sua loacutegica11 No entanto o argumento determinante para corroborar essa tese eacute

9 Ross (1949 p 289) e Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect1 p 1) 10 Lukasiewicz menciona trecircs publicaccedilotildees que tratavam o silogismo peripateacutetico como modelo paradigmaacutetico de silogismo aristoteacutelico Greek Foundations of Tradicional Logic (1942) de Ernest Kapp A History of Philosophy vol i Greece and Rome (1946) de S J Frederick Copleston e History of Western Philosophy (1946) de Bertrand Russell 11 Idem chapter 1 sect2 p 4

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

12

elaborado a partir do capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos capiacutetulo jaacute evocado por Ross como evidecircncia manifesta da restriccedilatildeo de termos

Conforme jaacute pudemos ver eacute no capiacutetulo 27 que Aristoacuteteles apresenta sua famosa triparticcedilatildeo de entes assumidos como termos de proposiccedilotildees silogiacutesticas nas linhas 43a 25ndash36 os trecircs tipos de termos satildeo introduzidos nas linhas 37ndash42 os efeitos que essa triparticcedilatildeo tem sobre as demonstraccedilotildees satildeo rapidamente considerados em seguida nas linhas 42ndash43 entra em cena a frase que inspirou a restriccedilatildeo de termos jaacute nos comentaacuterios de Ross e ainda mais na proposta de Lukasiewicz Interpretando Aristoacuteteles Lukasiewicz conclui que a silogiacutestica opera exclusivamente com termos do uacuteltimo tipo isto eacute com termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) excluindo da loacutegica aristoteacutelica tanto os termos singulares quanto os de alta generalidade ndash os uacuteltimos assumidos como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo12 Julgando ter encontrado a ldquoverdadeira razatildeordquo que teria levado Aristoacuteteles a se comprometer com tal restriccedilatildeo de termos Lukasiewicz alega que todo silogismo deve conter um termo capaz de desempenhar irrestritamente tanto a funccedilatildeo de sujeito quanto a funccedilatildeo de predicado ndash na primeira figura eacute o que ocorre com o mediador na segunda com o maior na terceira com o menor ndash e essas funccedilotildees soacute podem ser desempenhadas irrestritamente por termos de generalidade intermediaacuteria13 Ao que tudo indica Lukasiewicz entende os adveacuterbios σχεδὸν e μάλιστα nas linhas 42ndash43 como marcas que qualificam o restante da frase como uma regra absoluta e universal afastando a possibilidade de que Aristoacuteteles esteja apenas se pronunciando em linhas gerais sem qualquer pretensatildeo de

12 Idem sect3 p 5 Conveacutem lembrar que Lukasiewicz e Ross natildeo tecircm a mesma opiniatildeo sobre o que seriam os termos de alta generalidade aos quais Aristoacuteteles alude em 43a 29minus30 e 37minus39 para Lukasiewicz os termos de alta generalidade satildeo precisamente os transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo ao passo que Ross prefere concebecirc-los como summa genera (cf nota 3) 13 Ibidem p 7

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

13

estabelecer uma norma riacutegida vaacutelida para todo e qualquer silogismo mas apenas uma descriccedilatildeo que pudesse dar conta da maior parte dos argumentos silogiacutesticos Essa atitude o levou a fazer duras criacuteticas agrave loacutegica aristoteacutelica

De acordo com Lukasiewicz eacute questatildeo paciacutefica a opiniatildeo de que os termos singulares satildeo tatildeo importantes na atividade cientiacutefica quanto o satildeo os termos universais e portanto eacute falso que os argumentos e as investigaccedilotildees ldquoas a rulerdquo lidam com termos de universalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) o que tornaria o pronunciamento de Aristoacuteteles nas linhas 42ndash43 digno de reprovaccedilatildeo Com esse teor Lukasiewicz atribui a Aristoacuteteles a rejeiccedilatildeo dos termos singulares e descreve a ausecircncia desses fatores como ldquoo maior defeitordquo do sistema loacutegico aristoteacutelico14

Assim inspirado pelo legado de Ross Lukasiewicz consolida a opiniatildeo de que a silogiacutestica aristoteacutelica envolve uma severa restriccedilatildeo de termos constituindo um sistema loacutegico que atua exclusivamente sobre termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) Sob a descoberta da ldquoverdadeira razatildeordquo que teria levado Aristoacuteteles a se comprometer com essa restriccedilatildeo de termos Lukasiewicz estabelece a tese de que a silogiacutestica prescinde de termos singulares bem como de termos de alta generalidade (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo)

Essa proposta foi muito bem recebida por alguns estudiosos da loacutegica aristoteacutelica Em 1959 Guumlnther Patzig publicou um novo estudo sobre o Livro I dos Primeiros Analiacuteticos e fez questatildeo de dedicaacute-lo a Lukasiewicz de quem eacute seguidor Em obra intitulada Aristotlersquos Theory of the Syllogism ndash a logico-philological study of book A of the Prior Analytics Patzig corrige vaacuterios equiacutevocos herdados de Ross e de Lukasiewicz Para ilustrar considere-se a alegaccedilatildeo ndash feita tanto por Ross quanto por Lukasiewicz ndash de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos Primeiros Analiacuteticos Essa alegaccedilatildeo eacute desmentida por Patzig que aponta

14 Ibidem p 6

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

14

as seguintes ocorrecircncias de nomes proacuteprios no capiacutetulo 33 do Livro I ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II ldquoPitacosrdquo Mesmo diante dessas ocorrecircncias Patzig recusou a possibilidade de a silogiacutestica reservar lugar para termos singulares justificando tal posiccedilatildeo ao apontar que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo aparecem em premissas das quais nada se segue ao passo que ldquoPitacosrdquo ocorre em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido Em presenccedila desse quadro e a exemplo de Lukasiewicz Patzig considera que deve prevalecer o fato indubitaacutevel de Aristoacuteteles natildeo ter feito menccedilatildeo a proposiccedilotildees singulares no capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I o que fatalmente sugere a exclusatildeo dos termos singulares15 Assim Patzig eacute levado a endossar diversos resultados alcanccedilados por seus antecessores reiterando a restriccedilatildeo de fatores silogiacutesticos a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) e por conseguinte expulsando termos singulares transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) e summa genera do sistema loacutegico aristoteacutelico

No entanto sob a consideraccedilatildeo de Patzig essa restriccedilatildeo ganhou razotildees complementares Patzig natildeo apenas endossou os resultados sensivelmente sugeridos por Ross e consolidados por Lukasiewicz (resultados fundados no capiacutetulo 27 do Livro I dos Primeiros Analiacuteticos) mas tambeacutem lhes conferiu novos contornos oriundos de razotildees que julgou encontrar no capiacutetulo 28 do qual o capiacutetulo 27 seria discussatildeo preparatoacuteria

No capiacutetulo 28 Aristoacuteteles apresenta alguns procedimentos de prova para as formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Em linhas gerais esses procedimentos satildeo caracterizados pela tarefa de identificar um termo comum (que seraacute o mediador) em duas listas de termos Essas listas satildeo determinadas pela relaccedilatildeo que os seus membros possuem com os extremos (τά ἄκρα) que encerram a conclusatildeo pretendida

15 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

15

Ainda natildeo precisamos entrar em detalhes a respeito desses procedimentos Faremos isso na proacutexima seccedilatildeo em momento mais oportuno Por ora basta saber que a partir dos procedimentos recomendados por Aristoacuteteles como estrateacutegia de prova para cada uma das formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Patzig propotildee trecircs axiomas demarcadores de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica16

(1) todo termo silogiacutestico possui ao menos um termo subordinado proacuteprio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe um termo subordinado X tal que XaT eacute o caso ao passo que TaX natildeo (2) todo termo silogiacutestico possui ao menos um termo superordenado proacuteprio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe um termo superordenado Y tal que TaY eacute o caso ao passo que YaT natildeo (3) todo termo silogiacutestico possui um termo contraacuterio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe ao menos um termo contraacuterio Z tal que ZeT17

Ao formular os dois primeiros axiomas Patzig se vale de algumas noccedilotildees oriundas da teoria dos conjuntos as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias Em teoria dos conjuntos se Q eacute um termo subordinado proacuteprio de R (e natildeo apenas um termo subordinado) Q e R natildeo podem ser coextensivos ndash em outras palavras todo Q eacute R mas nem todo R eacute Q o mesmo ocorre com termos que frequumlentam uma mesma relaccedilatildeo de superordenaccedilatildeo proacutepria dado que toda relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo proacutepria pode ser reformulada como uma relaccedilatildeo de superordenaccedilatildeo proacutepria e vice-versa Patzig presume que essas relaccedilotildees traduzem pressupostos assumidos pelo proacuteprio Aristoacuteteles no capiacutetulo

16 Ibidem p 7 17 A notaccedilatildeo AxB adotada na exposiccedilatildeo dos axiomas descreve uma relaccedilatildeo categoacuterica x entre o termo-sujeito A e o termo-predicado B Assim AaB eacute a notaccedilatildeo para a relaccedilatildeo universal afirmativa (ldquotodo A eacute Brdquo) AeB para a relaccedilatildeo universal negativa (ldquonenhum A eacute Brdquo) AiB para a particular afirmativa (ldquoalgum A eacute Brdquo) e por fim AoB para a particular negativa (ldquoalgum A natildeo eacute Brdquo) Manteremos essa notaccedilatildeo ao longo de todo o texto

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

16

28 de Primeiros Analiacuteticos I Mais adiante veremos que essa conjetura eacute equivocada

Por ora eacute importante notar que essa distinccedilatildeo entre de um lado subordinaccedilatildeosuperordenaccedilatildeo proacutepria e de outro lado mera subordinaccedilatildeosuperordenaccedilatildeo faz alguma diferenccedila no que diz respeito agrave exclusatildeo da chamada classe universal Para excluiacute-la Patzig assume que a classe universal pertence ao domiacutenio de termos da silogiacutestica a articula com os axiomas (1) e (3) e obteacutem um resultado contraditoacuterio o terceiro axioma requer que todo termo silogiacutestico possua ao menos um termo que lhe seja contraacuterio ndash tratando-se da classe universal esse termo contraacuterio eacute a classe nula por sua vez o primeiro axioma requer que todo termo silogiacutestico possua ao menos um termo subordinado proacuteprio exigecircncia que a classe nula eacute incapaz de satisfazer ndash por definiccedilatildeo a classe nula natildeo possui termos subordinados proacuteprios Assim a impossibilidade da classe nula acarreta a impossibilidade da classe universal18

Patzig ainda aponta o trecho 998b 22ndash27 do capiacutetulo 3 de Metafiacutesica Beta como evidecircncia complementar de que Aristoacuteteles teria rejeitado a classe universal fazendo alusatildeo a um texto que embora trate de termos dessa natureza tem com a silogiacutestica uma relaccedilatildeo muito distante19

Por sua vez nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares como ldquoSoacutecratesrdquo e ldquoeste triacircngulordquo natildeo possuem termos subordinados proacuteprios e portanto natildeo satisfazem ao primeiro axioma Por fim gecircneros supremos como ldquosubstacircnciardquo ldquoqualidaderdquo ldquoquantidaderdquo etc natildeo podem contar com termos superordenados proacuteprios e por conseguinte ficam impossibilitados de satisfazer ao segundo axioma (impossibilidade que natildeo nos parece ter sido bem estabelecida20)

18 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 19 Ibidem 20 A exemplo de Ross (cf nota 3) Patzig ignora os transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo que a princiacutepio poderiam figurar como superordenados proacuteprios dos gecircneros supremos de modo que o axioma (2) fosse entatildeo satisfeito pelos gecircneros

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

17

Assim Patzig reitera as restriccedilotildees introduzidas por Ross e consolidadas por Lukasiewicz desenhando um quadro em que uma vez mais a silogiacutestica eacute pensada como um sistema loacutegico que opera exclusivamente sobre termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) sem atuaccedilatildeo sobre nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares gecircneros supremos (summa genera) e termos transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) Na proacutexima seccedilatildeo mostraremos que as leituras propostas por tais inteacuterpretes seguramente natildeo encontram respaldo nos textos de Aristoacuteteles II CRIacuteTICA AgraveS OPINIOtildeES TRADICIONAIS

1 Uma Releitura de Primeiros Analiacuteticos I 27 43a 25minus43

Certamente nem todo o legado de Ross Lukasiewicz e Patzig deve ser abandonado Parece razoavelmente acertada por exemplo a escolha do capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos como promissora resposta agrave questatildeo de saber quais tipos de termos podem figurar em silogismos rigorosamente aristoteacutelicos ndash muito embora nem todo tipo de silogismo reconhecido por Aristoacuteteles esteja no escopo desse capiacutetulo21 No primeiro capiacutetulo do Livro I de Primeiros Analiacuteticos em que seria natural esperar alguma descriccedilatildeo mais detalhada a respeito dos termos Aristoacuteteles eacute muito sucinto limitando-se a dizer o seguinte

Ὅρον δὲ καλῶ εἰς ὃν διαλύεται ἡ πρότασις οἷον τό τε κατηγορούμενον καὶ τὸ καθrsquo οὗ κατηγορεῖται προστιθεμένου τοῦ εἶναι ἢ μὴ εἶναι

supremos Para excluir tais termos Patzig se pronuncia de modo muito breve e pouco esclarecedor ldquocategories (on Aristotlersquos definition) do not satisfy axiom (2)rdquo Aleacutem disso as ocorrecircncias de ldquosubstacircnciardquo e ldquounidaderdquo em Pr An I 5 27a 19minus20 e 27b 6minus8 tambeacutem satildeo ignoradas talvez em decorrecircncia de estarem associadas a pares de premissas inconcludentes 21 Ver por exemplo os silogismos formulados em Pr An II 15

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

18

Chamo lsquotermorsquo aquilo no que a proposiccedilatildeo se dissolve ou seja o item que se predica e o de que se predica acrescentando lsquoeacutersquo ou lsquonatildeo eacutersquo (24b 16minus18)

Esse pronunciamento eacute muito vago e em decorrecircncia pouco revelador Por isso em relaccedilatildeo agrave presente investigaccedilatildeo tal capiacutetulo quase natildeo oferece material que possa ser aproveitado Eacute claro que natildeo eacute bem essa a opiniatildeo de nossos interlocutores Ross Lukasiewicz e Patzig conceberam o mero fato de Aristoacuteteles natildeo ter feito menccedilatildeo a termos singulares no capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I como forte evidecircncia de que tais termos natildeo teriam lugar na silogiacutestica22

Essa atitude nos parece incorreta O fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a termos singulares revela apenas que o capiacutetulo natildeo tem aptidatildeo para contribuir com a investigaccedilatildeo Poder-se-ia alegar talvez que a exposiccedilatildeo das proposiccedilotildees silogiacutesticas no trecho 24a 16minus22 eacute exaustiva de modo que a exclusatildeo dos termos singulares fosse assegurada pelo simples fato de natildeo haver alusatildeo expliacutecita agraves proposiccedilotildees que lhes satildeo correlatas Poreacutem o referido trecho cai em certo descreacutedito por envolver certas imprecisotildees das quais o silecircncio sobre as proposiccedilotildees singulares seria apenas mais uma A diferenccedila entre proposiccedilotildees particulares e indefinidas por exemplo eacute bem precaacuteria Com efeito a proposiccedilatildeo particular ldquoalgum prazer natildeo eacute bemrdquo natildeo eacute mais informativa que a proposiccedilatildeo indefinida ldquoprazer natildeo eacute bemrdquo Tanto em um caso quanto em outro a relaccedilatildeo que os termos possuem entre si eacute igualmente indeterminada ou seja natildeo sabemos se (i) todo prazer natildeo eacute bem ou se (ii) algum prazer natildeo eacute bem e algum prazer eacute bem23

22 Ross (1949 p 384) Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect1 p 1 sect2 p 4) Patzig (1959 chapter 1 sect3 p 5) 23 Entre os comentadores Ross (1949 p 314) parece assumir que no trecho 29a 27minus29 Aristoacuteteles teria feito uma declaraccedilatildeo expliacutecita de que tais proposiccedilotildees seriam de fato equivalentes Bochenski (1951 p 43) por sua vez reconhece a referida passagem como evidecircncia incontestaacutevel de que Aristoacuteteles concebia tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis o que torna a distinccedilatildeo

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

19

Imprecisotildees como essa revelam o caraacuteter provisoacuterio do trecho 24a 16minus22 Por isso essa passagem natildeo pode ser considerada como resposta definitiva ao problema de saber se a silogiacutestica reserva lugar para termos singulares sobretudo se a razatildeo alegada para assim consideraacute-la for o mero fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a proposiccedilotildees singulares Em certa medida os comentadores perceberam que natildeo poderiam recorrer apenas ao primeiro capiacutetulo de Primeiros Analiacuteticos I para decidir a questatildeo e estenderam a discussatildeo ao capiacutetulo 27 tomando uma decisatildeo bastante acertada porque eacute nesse capiacutetulo que Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes e os compreende claramente como fatores de atribuiccedilatildeo suscetiacuteveis de articulaccedilatildeo silogiacutestica O trecho 43a 25minus43 oferece trecircs tipos de termos e como bem observaram os proponentes das opiniotildees tradicionais impotildee certas restriccedilotildees ao uso de termos de natureza singular bem como ao uso de termos de alto grau de generalidade ndash quer sejam summa genera como prefere Ross ou transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como entende Lukasiewicz O que escapou a nossos interlocutores eacute que essas restriccedilotildees estatildeo longe de expulsar da silogiacutestica qualquer dos trecircs tipos de termos ali apresentados Por isso em defesa de nossa posiccedilatildeo propomos reexaminar o trecho 43a 25minus43 pois entendemos que o texto por si soacute natildeo deixa duacutevidas de que nenhum dos trecircs tipos de termos introduzidos na referida passagem tenha sido excluiacutedo da silogiacutestica

Assim examinemos o famoso texto que tem alimentado a discussatildeo sobre termos silogiacutesticos

[1] ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστι τοιαῦτα ὥστε κατὰ μηδενὸς ἄλλου κατηγορεῖσθαι ἀληθῶς καθόλου (οἷον Κλέων καὶ

proposta no primeiro capiacutetulo um tanto despropositada Lukasiewicz (1951 sect2 p 5) tambeacutem reconhece que Aristoacuteteles trata tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis mas natildeo admite que Aristoacuteteles tenha se pronunciado de modo expliacutecito a respeito dessa equivalecircncia preferindo delegar esse feito a Alexandre

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

20

Καλλίας καὶ τὸ καθrsquo ἕκαστον καὶ αἰσθητόν) κατὰ δὲ τούτων ἄλλα (καὶ γὰρ ἄνθρωπος καὶ ζῷον ἑκάτερος τούτων ἐστί) τὰ δrsquo αὐτὰ μὲν κατrsquo ἄλλων κατηγορεῖται κατὰ δὲ τούτων ἄλλα πρότερον οὐ κατηγορεῖται τὰ δὲ καὶ αὐτὰ ἄλλων καὶ αὐτῶν ἕτερα οἷον ἄνθρωπος Καλλίου καὶ ἀνθρώπου ζῷον ὅτι μὲν οὖν ἔνια τῶν ὄντων κατrsquo οὐδενὸς πέφυκε λέγεσθαι δῆλον τῶν γὰρ αἰσθητῶν σχεδὸν ἕκαστόν ἐστι τοιοῦτον ὥστε μὴ κατηγορεῖσθαι κατὰ μηδενὸς πλὴν ὡς κατὰ συμβεβηκός φαμὲν γάρ ποτε τὸ λευκὸν ἐκεῖνο Σωκράτην εἶναι καὶ τὸ προσιὸν Καλλίαν ὅτι δὲ καὶ ἐπὶ τὸ ἄνω πορευομένοις ἵσταταί ποτε πάλιν ἐροῦμεν νῦν δrsquo ἔστω τοῦτο κείμενον [2] κατὰ μέν οὖν τούτων οὐκ ἔστιν ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον ἕτερον πλὴν εἰ μὴ κατὰ δόξαν ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων οὐδὲ τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται (καὶ γὰρ αὐτὰ κατrsquo ἄλλων καὶ ἄλλα κατὰ τούτων λεχθήσεται) καὶ σχεδὸν οἱ λόγοι καὶ αἱ σκέψεις εἰσὶ μάλιστα περὶ τούτων [1] Entre todos os entes alguns satildeo tais que natildeo se afirmam de nenhum outro verdadeiramente como universais (por exemplo Cleon e Caacutelias ou seja o particular e o sensiacutevel) mas outros se afirmam deles de fato cada um desses eacute tanto homem quanto animal Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros mas nenhum outro anterior se afirma deles Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros e outros satildeo afirmados deles por exemplo homem que se afirma de Caacutelias e do qual animal se afirma Assim eacute evidente que certas coisas por natureza natildeo se dizem de nenhuma outra de fato em geral entre as coisas sensiacuteveis cada uma eacute tal que natildeo se afirma de nenhuma outra a natildeo ser por acidente com efeito agraves vezes dizemos que aquele branco eacute Soacutecrates e que aquele que se aproxima eacute Caacutelias (Ainda diremos por que tambeacutem para cima em algum momento a seacuterie se interrompe Mas por ora seja assumido isso) [2] Assim acerca dessas coisas natildeo eacute possiacutevel demonstrar outra sendo afirmada (a natildeo ser segundo opiniatildeo) mas eacute possiacutevel demonstrar elas proacuteprias sendo afirmadas de outras Tampouco eacute possiacutevel demonstrar as coisas particulares sendo afirmadas de outras mas eacute possiacutevel demonstrar outras sendo afirmadas delas Jaacute das coisas que ficam entre essas eacute evidente que eacute possiacutevel demonstrar afirmando de ambos os modos pois tanto elas seratildeo ditas de outras quanto outras seratildeo ditas delas Grosso modo os argumentos e as investigaccedilotildees satildeo sobretudo acerca dessas coisas (43a 25minus43)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

21

A mais natural divisatildeo que podemos impor agrave passagem acima exige duas seccedilotildees

[1] Na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes compreendidos como fatores de atribuiccedilatildeo e classificados segundo as funccedilotildees que cada classe de termos pode desempenhar em proposiccedilotildees destinadas a operaccedilotildees silogiacutesticas A passagem eacute inaugurada com um pronunciamento a respeito de todos os entes ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων Por isso ao que tudo indica essa divisatildeo tripartite eacute exaustiva e natildeo deixa de fora nenhuma classe de termos Os resultados provenientes dessa classificaccedilatildeo trazem certas restriccedilotildees agrave atuaccedilatildeo de alguns termos na silogiacutestica nas linhas 25minus29 Aristoacuteteles nega que os termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) possam desempenhar o papel de legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nas linhas 29minus30 rejeita a possibilidade de atribuir aos termos de alta generalidade um termo que lhes seja anterior (πρότερον) Conforme jaacute o dissemos essas restriccedilotildees passam longe da exclusatildeo de qualquer das classes de termos apresentadas no referido trecho do capiacutetulo 27 A principal evidecircncia disso aparece na imediata sequumlecircncia do texto em que Aristoacuteteles avalia os efeitos dessas restriccedilotildees sobre as demonstraccedilotildees Isso nos leva agrave segunda seccedilatildeo

[2] Na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) satildeo explicitadas as consequumlecircncias que as restriccedilotildees apresentadas na seccedilatildeo anterior (43a 25minus37) produziratildeo nas demonstraccedilotildees24 Nas linhas 37minus39 Aristoacuteteles se pronuncia a respeito dos termos de alta generalidade (summa genera

24 Eacute bem verdade que em relaccedilatildeo ao cenaacuterio que temos em Segundos Analiacuteticos I 2 a noccedilatildeo de apodeixis que aparece no capiacutetulo 27 ainda exige muitos aperfeiccediloamentos mas natildeo nos parece justo entendecirc-la meramente como prova silogiacutestica jaacute que ela envolve exigecircncias de ordem atributiva que restringem as provas denotadas pela noccedilatildeo de apodeixis assumida no capiacutetulo a um subgrupo da noccedilatildeo mais geral de silogismo As provas silogiacutesticas formuladas em Primeiros Analiacuteticos II 15 por exemplo ficam de fora do grupo de silogismos dos quais o capiacutetulo 27 pretende dar conta Assim sendo optamos por manter a traduccedilatildeo de apodeixis por ldquodemonstraccedilatildeordquo e natildeo por ldquoprovardquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

22

eou transcategoriais) a possibilidade de demonstrar qualquer outro termo a respeito deles eacute recusada25 mas a de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute afirmada textualmente Nas linhas 39minus40 o pronunciamento se faz a respeito dos termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) a possibilidade de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute recusada mas a de demonstrar outros termos a respeito deles tambeacutem eacute afirmada Nas linhas 40minus42 Aristoacuteteles trata dos termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) e natildeo lhes impotildee nenhuma restriccedilatildeo eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles26

Por fim nas linhas 42minus43 Aristoacuteteles encerra a passagem com um pronunciamento de caraacuteter geral e conclusivo pronunciamento que ao contraacuterio do que Ross sugeriu e mais tarde Lukasiewicz endossou natildeo nega absolutamente nada do que fora dito ateacute entatildeo

Eacute claro que o leitor ainda pode levar em conta que Aristoacuteteles soacute faz uso da expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 ao se pronunciar a respeito dos termos de alta generalidade e que por isso a pressuposiccedilatildeo de tal expressatildeo nos demais pronunciamentos seria artificiosa e desqualificaria a traduccedilatildeo e a leitura que propomos De fato essa expressatildeo causou incocircmodo a alguns tradutores de liacutengua inglesa influenciados provavelmente pelos legados de Ross e Lukasiewicz A J Jenkinson e Robin Smith por exemplo traduzem a

25 Na verdade Aristoacuteteles reconhece uma exceccedilatildeo aludindo agrave possibilidade de ldquodemonstrarrdquo segundo opiniatildeo (κατὰ δόξαν) mas essa exceccedilatildeo eacute uma alternativa a ser evitada 26 No manuscrito n temos δειχθήσεται ao inveacutes de λεχθήσεται na linha 42 As duas alternativas favorecem a nossa leitura Optamos pela manutenccedilatildeo de λεχθήσεται para natildeo perder a relaccedilatildeo explicativa que haacute entre os pronunciamentos das linhas 40minus41 de um lado e 30minus32 de outro De fato com λεχθήσεται a linha 42 apenas repete o que fora dito nas linhas 30minus32 Essa opccedilatildeo revela que as linhas 30minus32 explicam a linha 42 e sugere que a mesma relaccedilatildeo explicativa ocorra entre as linhas 25minus29 e 39minus40 bem como entre as linhas 29minus30 e 37minus39

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

23

expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 como ldquodemonstraterdquo e ldquodemonstrate to be predicatedrdquo respectivamente No entanto ambos evitam tal traduccedilatildeo nas linhas subsequumlentes nas quais a expressatildeo natildeo aparece de modo expliacutecito e substituem ldquodemonstraterdquo por ldquopredicaterdquo27

Haacute pelo menos uma boa razatildeo para rejeitar tais traduccedilotildees elas assumem que na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) precisamente no que diz respeito agraves consequumlecircncias que as restriccedilotildees introduzidas na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) tecircm sobre as demonstraccedilotildees Aristoacuteteles estaria interessado apenas nos termos de alta generalidade dado que recorre agrave expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον exclusivamente ao tratar deles Assim no que diz respeito agrave atuaccedilatildeo dos demais termos (τὰ καθrsquo ἕκαστα e τὰ μεταξὺ) nas demonstraccedilotildees Aristoacuteteles jaacute natildeo teria a pretensatildeo de avaliar as consequumlecircncias dessas restriccedilotildees limitando-se apenas a repetir o que fora dito na primeira seccedilatildeo Essa leitura impotildee ao texto uma interrupccedilatildeo natildeo muito natural em seu desenvolvimento e ainda o torna redundante sem apresentar uma razatildeo satisfatoacuteria que justifique essa leitura

27 Na linha 39 por exemplo A J Jenkinson (in Barnes 1984) traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquobut these may be predicated of other thingsrdquo Robin Smith vai na mesma direccedilatildeo e traduz como ldquobut they are predicated of othersrdquo embora reconheccedila em seu comentaacuterio ao trecho 43a 40ss na paacutegina 50 (comentaacuterio que na verdade trata da linha 39) que a frase pode ser traduzida como ldquoother things are demonstrated to be predicated of themrdquo nas linhas 39-40 Jenkinson traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNeither can individuals be predicated of other things although other things can be predicated of themrdquo Robin Smith natildeo destoa disso e traduz como ldquoNeither can individuals be predicated of other things but instead other things are predicated of themrdquo por fim nas linhas 40-41 Jenkinson traduz τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται como ldquoWhatever lies between these limits can be spoken of in both waysrdquo ao passo que Robin Smith traduz como ldquoBut it is clear that for those in between predication is possible in both waysrdquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

24

Na contramatildeo de A J Jenkinson e Robin Smith temos Mario Mignucci e Gisela Striker que traduzem a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον como ldquodimostrare che essi si predicanordquo e ldquodemonstrate to be said ofrdquo respectivamente e entendem as linhas 39minus41 como pronunciamentos nos quais embora natildeo apareccedila de modo expliacutecito a expressatildeo ainda estaacute em jogo28 Essas traduccedilotildees certamente satildeo as mais fieacuteis ao texto grego e corroboram a traduccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo que propomos justificando o abandono da leitura tradicional sugerida por Ross e cristalizada nos estudos de Lukasiewicz A essa altura jaacute podemos fazer um balanccedilo dos resultados que o capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos de fato nos impotildee O cenaacuterio que se desenha eacute o seguinte (i) termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) natildeo eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου)29 de outros termos por isso tampouco eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos no entanto eacute possiacutevel lhes atribuir outros termos como legiacutetimos

28 Na linha 39 por exemplo Mignucci traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquomentre egrave possibile dimostrare che essi si predicano di altrirdquo Striker por sua vez traduz como ldquobut [sc one can demonstrate] only that they themselves are predicated of other thingsrdquo na linha 40 ambos fazem questatildeo de recuperar a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον Mignucci traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNon egrave neanche possibile dimostrare che i singolari si predicano di altre cose ma soltanto che altre cose si predicano di essirdquo Striker segue a mesma linha e traduz como ldquonor can one demonstrate that individuals are said of other things but only that other things are said of themrdquo Na linha 41 por sua vez a expressatildeo eacute recuperada novamente e o trecho τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται eacute traduzido por Mignucci como ldquoEgrave chiaro invece che le cose intermedie egrave possibile dimostrarle nei due modirdquo ao passo que por Striker como ldquoBut clearly the intermediate things admit [sc to be demonstrated] of bothrdquo 29 Tais termos natildeo se predicam de nenhum outro a natildeo ser κατὰ συμβεβηκός (43a 33minus35)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

25

predicados por conseguinte tambeacutem eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 25minus29 e 39minus40) (ii) termos de alta generalidade (summa genera eou τὰ πᾶσιν ἑπόμενα)30 natildeo lhes eacute possiacutevel atribuir outros termos como legiacutetimos predicados ndash de fato natildeo haacute termo anterior (πρότερον) que lhes possa ser atribuiacutedo por isso tampouco eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles no entanto eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos logo tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos (conferir 43a 29minus30 e 37minus39) (iii) termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos bem como lhes atribuir outros termos como legiacutetimos predicados em razatildeo disso tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 30minus32 e 40minus42)

Assim o que prevalece eacute que Aristoacuteteles jamais afastou de sua loacutegica qualquer das trecircs classes de termos apresentadas em Primeiros Analiacuteticos I 27 muito embora tenha endereccedilado certas restriccedilotildees atributivas a algumas delas 2 Primeiros Analiacuteticos I 28 e os Axiomas de Patzig

Patzig parece entender que o capiacutetulo 27 natildeo eacute merecedor de toda a atenccedilatildeo que lhe foi concedida por Ross e Lukasiewicz O capiacutetulo 28 em sua opiniatildeo eacute bem mais promissor no que diz respeito agrave questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera31 enquanto o capiacutetulo 27

30 Como Aristoacuteteles natildeo oferece exemplos de termos desse tipo deixamos indeterminado se satildeo summa genera como propotildee Ross ou transcategoriais de generalidade total (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como prefere Lukasiewicz (cf nota 3) 31 Patzig (1959 sect3 p 6)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

26

serviria mais como discussatildeo preparatoacuteria para os assuntos tratados no capiacutetulo seguinte

De fato haacute forte unidade entre esses textos O objetivo predominante que os vincula e orienta eacute anunciado no iniacutecio do capiacutetulo 27 e consiste em mostrar ldquode que modo sempre estaremos providos de silogismos em relaccedilatildeo ao que for proposto e por qual via alcanccedilamos os princiacutepios de cada coisardquo32 O capiacutetulo 27 contribui com esse objetivo na medida em que faz recomendaccedilotildees sobre como selecionar termos e premissas e classifica os fatores silogiacutesticos segundo as funccedilotildees (sujeito e predicado) que podem desempenhar de modo irrestrito em proposiccedilotildees silogiacutesticas A contribuiccedilatildeo do capiacutetulo 28 por sua vez estaacute associada aos procedimentos de prova de cada uma das quatro formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Esses procedimentos satildeo caracterizados basicamente pela descriccedilatildeo dos paracircmetros de localizaccedilatildeo do fator capaz de mediar os extremos (τά ἄκρα) na relaccedilatildeo categoacuterica acarretada na conclusatildeo Trata-se portanto de procedimentos de busca e localizaccedilatildeo do termo mediador (τὸ μέσον)

Assim para provar por exemplo a relaccedilatildeo universal afirmativa EaA prescreve Aristoacuteteles devemos encontrar um fator comum a duas listas (i) aquela de termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e (ii) aquela de termos que se atribuem universalmente ao extremo menor E33 O resultado seraacute o mediador M tal que MaA e EaM o que perfaz um silogismo em Barbara Semelhantemente para provar a relaccedilatildeo particular afirmativa EiA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um elemento comum agraves listas de (i) termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente ou seja agraves listas de termos que cada um dos extremos E e A ldquoacompanhardquo (ἕπεσθαι ou ακολουθεῖν) Nesse caso o termo comum M seraacute tal que MaA e MaE o que nos

32 An Pr I 27 43a 20ndash21 33 An Pr I 28 43b 39ndash43

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

27

permite concluir EiA por Darapti (terceira figura)34 Por sua vez a prova da relaccedilatildeo universal negativa EeA tambeacutem se valeraacute da identificaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios a um extremo e de (ii) termos que se atribuem universalmente ao outro extremo se o mediador M comum agraves duas listas for contraacuterio ao extremo maior A e universalmente atribuiacutedo ao extremo menor E o mediador M seraacute tal que MeA e EaM ou AeM e EaM possibilitando a prova de EeA (respectivamente) por Celarent e por Cesare mas se o mediador M for contraacuterio ao extremo menor E e universalmente atribuiacutedo ao extremo maior A M seraacute tal que AaM e EeM restringindo a prova de EeA a Camestres35 Por fim para provar a relaccedilatildeo particular negativa EoA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios ao extremo maior A e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente Assim o mediador M seraacute tal que MeA e MaE o que prova EoA por Felapton36

Em todas as recomendaccedilotildees do capiacutetulo 28 Aristoacuteteles se orienta pelas conclusotildees almejadas propondo a partir delas procedimentos de busca e localizaccedilatildeo dos fatores capazes de acarretar cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas A estrateacutegia de Aristoacuteteles portanto natildeo consiste em partir de premissas e deduzir os resultados que delas se seguem mas fazendo o caminho inverso consiste em partir da conclusatildeo e buscar o termo mediador capaz de articular os extremos na relaccedilatildeo categoacuterica (a e i ou o) da conclusatildeo

Por natildeo captar a natureza invertida dessa estrateacutegia Patzig natildeo compreendeu plenamente o que Aristoacuteteles propusera e julgou que o capiacutetulo 28 muito mais que o capiacutetulo 27 impunha severas restriccedilotildees agrave lista de termos capazes de figurar em silogismos aristoteacutelicos Na verdade o capiacutetulo 28 nem sequer trata da questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera mas limita-se a descrever os paracircmetros de

34 Ibidem 43b 43ndash44a 2 35 An Pr I 44a 2ndash8 36 An Pr I 28 44a 9ndash11

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

28

localizaccedilatildeo do mediador de cada forma categoacuterica Eacute claro que ao descrever esses paracircmetros Aristoacuteteles acaba por assumir certos pressupostos que em uacuteltimo caso podem ter algum efeito sobre a lista de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica Ainda assim eacute preciso observar que as recomendaccedilotildees apresentadas no capiacutetulo 28 satildeo pensadas em relaccedilatildeo agrave prova de cada proposiccedilatildeo categoacuterica em particular Por isso os pressupostos envolvidos nessas recomendaccedilotildees bem como as eventuais restriccedilotildees de termos que lhes sejam correlatas deveratildeo ter aplicaccedilatildeo circunscrita a cada caso isto eacute aos procedimentos de prova de cada conclusatildeo em particular

Patzig parece natildeo ter dado a devida atenccedilatildeo a esse detalhe pois embora compreenda os seus axiomas como pressupostos impliacutecitos das recomendaccedilotildees de Aristoacuteteles ndash recomendaccedilotildees cuja aplicaccedilatildeo estaacute circunscrita a cada caso ndash Patzig os assume como vaacutelidos para termos de todo e qualquer silogismo37 No entanto eacute flagrante que certos silogismos natildeo dependem de alguns de seus axiomas Um arquetiacutepico silogismo em Barbara por exemplo funciona perfeitamente bem sem pressupor para qualquer de seus termos a validade do terceiro axioma isto eacute sem pressupor que exista para qualquer de seus termos (ou mesmo para qualquer de seus extremos para ser fiel ao capiacutetulo 28) um termo que lhe seja ldquocontraacuteriordquo

Ao que tudo indica o que levou Patzig a estender a validade de seus axiomas sobre todos os silogismos eacute o trecho 44a 12minus17 em que Aristoacuteteles estipula letras para as listas de termos com as quais pretende trabalhar na exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova38 Na referida passagem Aristoacuteteles considera basicamente trecircs tipos de termos que se distinguem pelo termo extremo que lhes eacute correlato bem como pela relaccedilatildeo predicativa que cada um manteacutem com esse extremo Para cada extremo Aristoacuteteles estipula (i) termos que lhe satildeo atribuiacutedos universalmente (ii) termos aos quais ele proacuteprio se atribui universalmente e (iii) termos que natildeo lhe

37 Patzig (1959) sect3 p 6ndash7 38 An Pr I 28 44a 12minus17

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

29

podem ser atribuiacutedos Os termos de primeiro tipo devem ter servido de estiacutemulo para a necessidade de termos superordenados proacuteprios que eacute marca do segundo axioma de Patzig os termos de segundo tipo por sua vez para a necessidade de termos subordinados proacuteprios marca do primeiro axioma os de terceiro por fim para a necessidade de termos ldquocontraacuteriosrdquo marca do terceiro axioma

Eacute bem verdade que os termos estipulados por Aristoacuteteles envolvem certa analogia com os axiomas propostos por Patzig Mas eacute preciso notar em primeiro lugar que nenhum dos procedimentos de prova descritos por Aristoacuteteles depende da estipulaccedilatildeo dos trecircs tipos de termos39 A recomendaccedilatildeo de prova da proposiccedilatildeo particular afirmativa por exemplo requer apenas (ii) termos aos quais os extremos se atribuem universalmente40 O fato de Aristoacuteteles jaacute estipular de antematildeo trecircs tipos de termos para cada extremo natildeo torna obrigatoacuterio que todo e qualquer extremo (e muito menos que todo e qualquer termo silogiacutestico como prefere Patzig) independentemente do silogismo a que pertenccedila dependa dos trecircs tipos de termos estipulados precisamente porque a estipulaccedilatildeo desses termos estaacute ancorada em um par de extremos que eacute muito peculiar Esse par de extremos eacute pensado com propoacutesitos didaacuteticos orientados agrave exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova de cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas (a e i e o) Trata-se de um par de extremos que em benefiacutecio da exposiccedilatildeo eacute assumido como articulaacutevel em qualquer das relaccedilotildees categoacutericas Poreacutem essa assunccedilatildeo soacute faz sentido no contexto preciso dessa exposiccedilatildeo de procedimentos de prova afinal algumas dessas relaccedilotildees categoacutericas satildeo incompatiacuteveis entre si ndash por exemplo as relaccedilotildees universal afirmativa e particular negativa Por isso devemos presumir que as estipulaccedilotildees de termos que lhes datildeo suporte tambeacutem o satildeo e portanto natildeo podem valer em conjunto e para todos os casos

39 Idem 44a 17minus30 40 Ibidem 44a 19minus21

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

30

Para esclarecer esse ponto retomemos rapidamente os procedimentos de prova das proposiccedilotildees universal afirmativa e particular negativa41 Assumindo um mesmo par de extremos como faz Aristoacuteteles estaremos diante de proposiccedilotildees contraditoacuterias (EaA e EoA) Dado que tais proposiccedilotildees satildeo incompatiacuteveis as condiccedilotildees das quais elas satildeo provenientes tambeacutem o seratildeo Dizendo de outro modo a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (i) termos aos quais o extremo maior se atribui universalmente e (ii) termos que se atribuem universalmente ao extremo menor eacute incompatiacutevel com a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (irsquo) termos aos quais o extremo maior natildeo pode ser atribuiacutedo e (iirsquo) termos aos quais o extremo menor se atribui universalmente Assim em presenccedila das condiccedilotildees de prova de uma das proposiccedilotildees incompatiacuteveis as condiccedilotildees da outra poderatildeo ser dispensadas jaacute que satildeo condiccedilotildees requeridas para uma prova cuja possibilidade jaacute natildeo existe E natildeo haacute razatildeo para manter os termos estipulados e dispensar apenas a possibilidade de um termo comum entre as listas pois ambos os pressupostos satildeo requisitados para servir um uacutenico e mesmo propoacutesito o de estabelecer condiccedilotildees para a prova da relaccedilatildeo categoacuterica que se pretende obter Natildeo haacute uma razatildeo que justifique a manutenccedilatildeo das listas de termos estipulados em detrimento da possibilidade de um termo comum entre as listas pois o propoacutesito que introduz uma exigecircncia tambeacutem introduz a outra Sob essa perspectiva fica claro que os termos estipulados no trecho 44a 12minus17 natildeo podem ser pressupostos indispensaacuteveis de quaisquer termos silogiacutesticos tampouco pressupostos que devem ser satisfeitos em conjunto por termos de todo e qualquer silogismo Afinal Aristoacuteteles estipula cada uma das listas supondo que seus termos seratildeo candidatos agrave funccedilatildeo de mediador (e natildeo agrave funccedilatildeo de termos silogiacutesticos) e o faz segundo as exigecircncias especiacuteficas envolvidas na prova de cada relaccedilatildeo categoacuterica em particular (a e i ou o) Compreender tais listas como pressupostos

41 An Pr I 28 43b 39minus43 e 44a 9minus11

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

31

que devem ser satisfeitos por todo e qualquer termo silogiacutestico eacute um equiacutevoco

Em segundo lugar o capiacutetulo 28 natildeo parece estar orientado propriamente agrave prova silogiacutestica das formas categoacutericas mas em algum sentido agrave demonstraccedilatildeo de tais relaccedilotildees Haacute indiacutecios que sugerem essa leitura O principal deles talvez seja o fato de Aristoacuteteles se mostrar interessado em localizar um meson que fica no meio do caminho entre um mediador que satisfaz requisitos meramente dedutivos e um mediador que supera tais requisitos e se configura como um fator explanatoacuterio em uma legiacutetima demonstraccedilatildeo cientiacutefica42 Retomemos por exemplo as recomendaccedilotildees de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) Em 43b 43ndash44a 2 Aristoacuteteles recomenda a prova de EiA por premissas universais conduzindo a prova a um silogismo em Darapti embora admita a possibilidade de concluir proposiccedilotildees particulares a partir de um par de premissas em que apenas uma eacute universal (41b 22minus27) Em 44a 9ndash11 a exemplo do que ocorre com a prova de EiA Aristoacuteteles recomenda a prova de EoA novamente por premissas universais desta vez conduzindo a prova a um silogismo em Felapton Essas duas recomendaccedilotildees de prova pressupotildeem que o meson requisitado para a prova natildeo eacute um mediador meramente dedutivo mas um mediador que se articula com os extremos exclusivamente por relaccedilotildees universais Eacute claro que esse cenaacuterio ainda estaacute muito distante daquele que temos por exemplo no capiacutetulo 2 do Livro II de Segundos

42 Em uma demonstraccedilatildeo cientiacutefica natildeo basta que o mediador se relacione com os extremos de tal modo que a deduccedilatildeo da conclusatildeo esteja formalmente assegurada Aristoacuteteles ainda exige que o mediador satisfaccedila certos requisitos natildeo formais O principal deles eacute o de explicar adequadamente por que o extremo maior se atribui ao extremo menor (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 por exemplo essa diferenccedila (entre um mediador que satisfaz exigecircncias meramente dedutivas e um mediador que funciona como explicaccedilatildeo do fato relatado na conclusatildeo) eacute utilizada como criteacuterio baacutesico para distinguir o conhecimento de que C eacute A (conhecimento do fato) e o conhecimento de por que C eacute A (conhecimento da causa)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

32

Analiacuteticos (90a 6minus7) em que o meson eacute pensado como a causa que explica por que a relaccedilatildeo dada entre os extremos explicitada na conclusatildeo da demonstraccedilatildeo eacute o caso Mesmo assim temos o suficiente para mostrar que Aristoacuteteles natildeo estaacute levando em conta todos os silogismos de seu sistema loacutegico mas apenas aqueles nos quais ambas as premissas satildeo universais Por que razatildeo exatamente Aristoacuteteles faz essa escolha eacute algo a se investigar O que nos importa eacute que essa escolha restringe o escopo do capiacutetulo a um grupo especiacutefico de silogismos o que natildeo eacute compatiacutevel com a validade irrestrita dos axiomas propostos por Patzig

Em terceiro lugar Aristoacuteteles natildeo lida com as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo proacutepria superordenaccedilatildeo proacutepria e contrariedade mas prefere (i) termos que acompanham o extremo (τὰ ἑπόμενα) (ii) termos aos quais o extremo acompanha (οἷς αὐτὸ ἕπεται) e (iii) termos que natildeo podem ser atribuiacutedos ao extremo (ἃ μὴ ἐνδέχεται αὐτῷ ὑπάρχειν) Essa diferenccedila natildeo eacute apenas terminoloacutegica mas conceitual As relaccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias pressupotildeem termos que natildeo satildeo coextensivos se X eacute um termo subordinado proacuteprio de Y XaY eacute o caso mas YaX natildeo se Z eacute um termo superordenado proacuteprio de Y YaZ eacute o caso mas ZaY natildeo O proacuteprio Patzig reconhece essas consequumlecircncias ao formular os seus dois primeiros axiomas43 Aristoacuteteles no entanto ao se valer das relaccedilotildees de ldquoacompanhamentordquo entre os termos natildeo hesita em rejeitaacute-las No capiacutetulo 29 por exemplo Aristoacuteteles menciona a possibilidade de provar por hipoacutetese (συλλογίσασθαι ἐξ ὑποθέσεως) os problemas universais (a e e) assumindo precisamente a possibilidade de coextensatildeo entre os termos envolvidos possibilidade da qual Patzig parece prescindir ao formular seus axiomas A passagem agrave qual nos referimos eacute a seguinte

εἰ γὰρ τὸ Γ καὶ τὸ Η ταὐτὰ εἴη μόνοις δὲ ληφθείη τοῖς Η τὸ Ε ὑπάρχειν παντὶ ἂν τῷ Ε τὸ Α ὑπάρχοι καὶ πάλιν εἰ τὸ Δ καὶ Η ταὐτὰ μόνων δὲ τῶν Η τὸ Ε κατηγοροῖτο ὅτι οὐδενὶ τῷ Ε τὸ Α ὑπάρξει

43 Patzig (1959 sect3 p 6ndash7)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

33

Com efeito se C e G fossem o mesmo mas se assumisse que E se atribui apenas aos Grsquos A se atribuiria a todo E Novamente se D e G fossem o mesmo mas E se afirmasse apenas dos Grsquos A se atribuiraacute a nenhum E (45b 24minus27)

Em 44a 12minus17 Aristoacuteteles jaacute havia estipulado que a letra C representaria um termo ao qual o extremo maior A acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente tambeacutem foi estipulado que a letra G representaria um termo ao qual o extremo menor E acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente por fim ainda ficou decidido que a letra D representaria um termo que natildeo pode ser atribuiacutedo ao extremo maior A Assim a identidade entre C e G a exemplo do que ocorre em 44a 19minus21 conduz a prova de EiA a um silogismo em Darapti ao passo que a identidade entre D e G a exemplo do que ocorre em 44a 28minus30 conduz a prova de EoA a um silogismo em Felapton44 No entanto nessa passagem embora os procedimentos de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) sejam acionados aquilo que se quer mostrar eacute de que modo podemos provar por hipoacutetese (ἐξ ὑποθέσεως) as proposiccedilotildees universais Para alcanccedilar esse resultado Aristoacuteteles assume que o extremo menor E se atribui apenas (μόνον) a G o que pode ser interpretado como uma maneira diferente de dizer que E e G satildeo termos coextensivos Sinal disso eacute o seguinte ao assumir que E se atribui apenas a G Aristoacuteteles se vecirc autorizado a concluir as proposiccedilotildees universais EaA e EeA o que soacute faz sentido sob o pressuposto de que G e E satildeo termos coextensivos De fato sob tal pressuposto a premissa menor GaE pode ser ldquoconvertidardquo em EaG o que transforma Darapti em Barbara bem como Felapton em Celarent Mas se os termos aos quais o extremo menor E acompanha forem pensados como termos subordinados proacuteprios de E GaE seraacute o caso mas EaG natildeo Por conseguinte tampouco as conclusotildees EaA e EeA se seguiriam Assim se quisermos conferir sentido agrave passagem temos que assumir que Aristoacuteteles recorreu agrave possibilidade de construir silogismos com termos

44 Darapti CaA GaE rarr EiA (C=G) Felapton DeA GaE rarr EoA (D=G)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

34

que satildeo coextensivos e se assim for podemos dizer que para Aristoacuteteles a presenccedila de silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos em sua loacutegica natildeo causava qualquer inconveniente45

Segundo nos parece as razotildees alegadas ateacute aqui jaacute satildeo suficientes para mostrar que os axiomas de Patzig natildeo podem servir como criteacuterios delimitadores de termos silogiacutesticos Ainda assim vale a pena examinar duas passagens que eventualmente poderiam ser invocadas contra a interpretaccedilatildeo que propomos Embora natildeo sejam citadas pelos proponentes das opiniotildees tradicionais natildeo eacute difiacutecil imaginar que elas tenham servido de inspiraccedilatildeo para aqueles que defendem a exclusatildeo dos termos transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo De fato agrave primeira vista tais passagens podem nos levar a pensar que Aristoacuteteles natildeo guardou lugar para tais termos na silogiacutestica No entanto como veremos isso soacute eacute verdade agrave primeira vista

45 O capiacutetulo 29 natildeo eacute a uacutenica evidecircncia de silogismos com termos coextensivos na silogiacutestica No capiacutetulo 5 do Livro II de Primeiros Analiacuteticos precisamente em 57b 35minus58a 12 Aristoacuteteles trabalha com silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos Por sua vez no capiacutetulo 22 em 67b 27minus32 Aristoacuteteles inicia o texto dizendo que a coextensatildeo entre os termos extremos de um silogismo requer um mediador tambeacutem coextensivo o que revela por parte de Aristoacuteteles plena consciecircncia a respeito da existecircncia de silogismos com triacuteades coextensivas Nos Segundos Analiacuteticos o interesse de Aristoacuteteles por demonstraccedilotildees que envolvem termos coextensivos pode ser classificado como uma obsessatildeo Basta notar que a proacutepria demonstraccedilatildeo universal ndash aquela que eacute considerada por Aristoacuteteles como cientiacutefica no mais alto grau ndash tem como uma de suas principais caracteriacutesticas a coextensatildeo entre os trecircs termos do silogismo (cf Seg An I 4 73b 32minus74a 3) o que revela o papel central das triacuteades coextensivas no projeto aristoteacutelico que eacute inaugurado com a silogiacutestica e culmina nas demonstraccedilotildees cientiacuteficas (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 e II 16 Aristoacuteteles novamente recorre a termos coextensivos na formulaccedilatildeo de silogismos A nossa preferecircncia pela passagem 45b 24minus27 do capiacutetulo 29 de Primeiros Analiacuteticos se daacute apenas com base em sua conexatildeo indiscutiacutevel com o capiacutetulo 28 no qual Patzig julga encontrar seus axiomas

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

35

Uma das passagens agraves quais nos referimos eacute aquela com a qual Aristoacuteteles encerra o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I Vejamos o que diz Aristoacuteteles

ἔτι τὰ πᾶσιν ἑπόμενα οὐκ ἐκλεκτέον οὐ γὰρ ἔσται συλλογισμὸς ἐξ αὐτων διrsquo ἣν δrsquo αἰτίαν ἐν τοῖς ἑπομένοις ἔσται δῆλον Aleacutem disso natildeo eacute preciso selecionar os itens que acompanham todas as coisas pois natildeo haacute silogismo a partir deles A razatildeo disso ficaraacute evidente a seguir (43b 36minus38)

Essa passagem trata dos termos transcategoriais de generalidade total (τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) e delega a justificativa de seu proacuteprio pronunciamento ao capiacutetulo seguinte no qual Patzig encontrou inspiraccedilatildeo para seus axiomas No capiacutetulo 28 cumprindo o prometido Aristoacuteteles retoma esse assunto e reitera a impossibilidade de construir silogismos a partir de termos de generalidade total

φανερὸν οὖν ὅτι διὰ τῶν προειρημένων σχημάτων οἱ συλλογισμοὶ πάντες καὶ ὅτι οὐκ ἐκλεκτέον ὅσα πᾶσιν ἕπεται διὰ τὸ μηδένα γίγνεσθαι συλλογισμὸν ἐξ αὐτῶν κατασκευάζειν μὲν γὰρ ὅλως οὐκ ἦν ἐκ τῶν ἑπομένων ἀποστερεῖν δrsquo οὐκ ἐνδέχεται διὰ τοῦ πᾶσιν ἑπομένου δεῖ γὰρ τῷ μὲν ὑπάρχειν τῷ δὲ μὴ ὑπάρχειν Eacute evidente entatildeo que todos os silogismos vecircm a ser atraveacutes das figuras previamente mencionadas e que natildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisas porque nenhum silogismo vem a ser a partir deles De fato de modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanham e natildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outro (44b 19minus24)

Fora de contexto e em uma leitura mais apressada essas duas passagens podem nos levar a crer que a opiniatildeo tradicional que afasta da silogiacutestica os termos de generalidade total (como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) de fato encontra respaldo nos textos de Aristoacuteteles No entanto mais uma vez eacute preciso levar em conta que o capiacutetulo 28 eacute marcado pela

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

36

descriccedilatildeo de estrateacutegias de localizaccedilatildeo de termos mediadores e natildeo de termos em geral Dizendo de outro modo Aristoacuteteles natildeo estaacute interessado em localizar os termos que deveratildeo encerrar a conclusatildeo de um silogismo pelo contraacuterio tais termos jaacute estatildeo plenamente determinados bem como a relaccedilatildeo proposicional (a e i e o) que haacute entre eles dado que a conclusatildeo na qual interagem funciona como ponto de partida da investigaccedilatildeo empreendida no capiacutetulo O que interessa para Aristoacuteteles eacute a localizaccedilatildeo de termos mediadores e eacute nesse horizonte que tais passagens devem ser lidas Assim ao negar a possibilidade de construir silogismos a partir de termos transcategoriais de generalidade total (ἐξ αὐτῶν) o que Aristoacuteteles quer dizer eacute que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos46 nos quais a funccedilatildeo de mediador seja desempenhada por um termo desse tipo razatildeo pela qual na busca pelo mediador recomenda Aristoacuteteles ldquonatildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisasrdquo (44b 20minus21) Para justificar essa recomendaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta duas razotildees (i) ldquode modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanhamrdquo (44b 22minus23) (ii) ldquonatildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outrordquo (44b 23minus24) Na primeira razatildeo Aristoacuteteles parece reconsiderar as listas de termos estipuladas no trecho 44a 11minus17 pressupondo ao que tudo indica que os transcategoriais de generalidade total soacute podem figurar em listas de termos que acompanham os extremos Isso se justificaria pela natureza inapta de tais termos para o papel de sujeito em proposiccedilotildees silogiacutesticas conforme se constata no capiacutetulo I 27 Assim na medida em que nas provas afirmativas a busca pelo mediador natildeo envolve

46 Na verdade como o escopo do capiacutetulo 28 natildeo abarca todo e qualquer silogismo seria mais correto dizer que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos (nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas) assumindo um termo de generalidade total na funccedilatildeo de mediador

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

37

apenas a lista de termos que acompanham um dos extremos mas tambeacutem a lista de termos aos quais um dos extremos acompanha (ver 43b 39minus44a 2) os transcategoriais de generalidade total perdem a candidatura agrave funccedilatildeo de mediador e jaacute de saiacuteda nem sequer precisam ser considerados47 Na segunda razatildeo por sua vez Aristoacuteteles leva em conta o fato de que as provas negativas dependem de um mediador capaz de figurar em proposiccedilotildees universais negativas verdadeiras exigecircncia que natildeo estaacute no alcance dos termos de generalidade total Afinal se estamos diante de um transcategorial desse tipo de antematildeo jaacute assumimos a inexistecircncia de um termo do qual ele natildeo seja predicado Assim os termos de generalidade total ficam impedidos de serem atribuiacutedos a um extremo e natildeo atribuiacutedos ao outro (44b 24) como deve ser o mediador de um silogismo negativo

O que eacute verdade portanto eacute que Aristoacuteteles dispensa os termos de generalidade total da funccedilatildeo de mediador De fato quando se pretende construir silogismos nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas tal como ocorre no capiacutetulo 28 a busca do mediador entre transcategoriais de generalidade total eacute sempre infrutiacutefera porque soacute poderaacute devolver como resposta pretensos fatores de mediaccedilatildeo marcados por duas deficiecircncias principais a

47 Supomos que em tais passagens Aristoacuteteles de fato tem em mente as recomendaccedilotildees de prova apresentadas no iniacutecio do capiacutetulo 28 de modo que apenas os silogismos em Barbara e Darapti sejam considerados como silogismos afirmativos (cf 43b 39minus44a 2) Assim entendemos que o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 se justificaria porque os termos de generalidade total na prova de a natildeo podem integrar a lista de termos aos quais o extremo maior acompanha bem como na prova de i a lista de termos aos quais ambos os extremos acompanham No entanto ainda que os demais silogismos afirmativos sejam levados em conta o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 continua verdadeiro jaacute que Darii Disamis e Datisi tambeacutem exigem que o mediador esteja entre os termos aos quais o(s) extremo(s) acompanha(m)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

38

impossibilidade de desempenhar a funccedilatildeo de sujeito de modo legiacutetimo e a incapacidade de compor proposiccedilotildees negativas verdadeiras

Nenhuma das passagens mencionadas acima (43b 36minus38 e 44b 19minus24) eacute citada ndash nem por Lukasiewicz nem por Patzig ndash como evidecircncia de que Aristoacuteteles teria rejeitado os termos de generalidade total em seu sistema loacutegico Poreacutem diante da escassez de evidecircncias em favor da suposta exclusatildeo de tais termos natildeo eacute insensato presumir que os proponentes dessa exclusatildeo tenham encontrado inspiraccedilatildeo nelas

Na proacutexima seccedilatildeo examinaremos textos nos quais Aristoacuteteles constroacutei silogismos com termos de natureza singular Veremos que o incocircmodo com a presenccedila de tais termos na silogiacutestica eacute menos de Aristoacuteteles e mais de seus inteacuterpretes 3 Termos Singulares e o Silogismo Peripateacutetico

Jaacute comentamos o fato de Lukasiewicz ter feito pesadas criacuteticas agrave silogiacutestica em especial ao suposto fato de Aristoacuteteles ter afastado os termos de natureza singular de seu sistema loacutegico o que seria segundo Lukasiewicz ldquoo maior defeitordquo da loacutegica aristoteacutelica48 Ao que parece o responsaacutevel por levaacute-lo por esse caminho foi Ross que tomou nota do tambeacutem suposto fato de Aristoacuteteles nunca se valer de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos49 Lukasiewicz reiterou a constataccedilatildeo de Ross (embora natildeo o cite) e nela encontrou razatildeo para natildeo reconhecer como rigorosamente aristoteacutelico o silogismo que qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo silogismo formulado em primeira figura com um nome proacuteprio como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo

De acordo com a triparticcedilatildeo de termos que pudemos conhecer no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I (Seccedilatildeo II Parte 1) natildeo temos qualquer razatildeo para expulsar da silogiacutestica os termos de natureza singular Eacute

48 Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect3 p 6) 49 Ross (1949 p 289 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

39

claro que Aristoacuteteles natildeo deixa de lhes endereccedilar certas restriccedilotildees poreacutem vale a pena repetir nenhuma das restriccedilotildees introduzidas por Aristoacuteteles no referido capiacutetulo tem forccedila suficiente para expulsar os termos singulares da loacutegica aristoteacutelica De fato embora tais termos natildeo possam figurar em proposiccedilotildees como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nada impede que outros termos lhes sejam atribuiacutedos por conseguinte embora natildeo possam ser demonstrados como legiacutetimos predicados de outros termos nada impede que outros termos sejam demonstrados como predicados deles50

Fora dos Analiacuteticos jaacute esbarramos em indiacutecios que vatildeo nessa direccedilatildeo No capiacutetulo 10 de Metafiacutesica XIII (My) por exemplo haacute uma breve passagem que sugere esse resultado Enquanto argumenta em favor da tese de que ldquoo conhecimento eacute de universaisrdquo (ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου) Aristoacuteteles parece supor que os termos singulares ldquoeste triacircngulordquo e ldquoeste homemrdquo tambeacutem satildeo suscetiacuteveis de operaccedilotildees silogiacutesticas

[] ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου δῆλον δrsquo ἐκ τῶν ἀποδείξεων καὶ τῶν ὁρισμῶν οὐ γὰρ γίγνεται συλλογισμὸς ὅτι τόδε τὸ τρίγωνον δύο ὀρθαῖς εἰ μὴ πᾶν τρίγωνον δύο ὀρθαί οὐδrsquo ὅτι ὁδὶ ὁ ἄνθρωπος ζῷον εἰ μὴ πᾶς ἄνθρωπος ζῷον [] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos a natildeo ser que todo triacircngulo possua dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal a natildeo ser que todo homem seja animal (1086b 34minus37)

Poreacutem essa passagem natildeo eacute tatildeo simples quanto pode parecer agrave primeira vista51 Paul Shorey por exemplo reprovaria jaacute a traduccedilatildeo que

50 An Pr I 27 43a 25minus29 e 39minus40 Ao comentar o capiacutetulo 27 Mignucci (1969 p 443) tambeacutem reconhece a possibilidade ldquodi costruire dimostrazioni e sillogismi anche relativamente a singolarirdquo citando Alexandre que tambeacutem jaacute a observa em seus comentaacuterios (An Pr p 293 13minus23) 51 Shorey (1913)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

40

propomos porque ela faz crer que Aristoacuteteles estabelece uma relaccedilatildeo de dependecircncia dedutiva (silogiacutestica) entre proposiccedilotildees dependecircncia que de fato existe mas da qual para Shorey a passagem em questatildeo natildeo trataria De acordo com Shorey as ocorrecircncias de εἰ μὴ nas linhas 33 e 36 natildeo significam ldquo[] lsquounlessrsquo but is to be taken in its idiomatic sense as a virtual equivalent of ἀλλάrdquo Nesse caso uma traduccedilatildeo mais fiel agrave posiccedilatildeo de Shorey seria a seguinte

[] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos mas de que todo triacircngulo tem dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal mas de que todo homem eacute animal (1086b 34minus37)

Assim o texto estabeleceria natildeo que as proposiccedilotildees singulares no papel de conclusotildees silogiacutesticas satildeo (dedutivamente) dependentes das proposiccedilotildees universais mas que as conclusotildees propriamente silogiacutesticas satildeo universais (universalmente quantificadas) e natildeo singulares

Ross52 ao tratar dessa passagem natildeo deixa de comentar a posiccedilatildeo de Shorey

He [Shorey] argues that in l 33 knowledge is said to be lsquoofrsquo universals ie to have universal conclusions as well as universal premises [hellip] and that singular propositions never occur as conclusions in Aristotlersquos logical writings

Na verdade Shorey53 natildeo chega a dizer que proposiccedilotildees singulares nunca ocorrem como conclusotildees silogiacutesticas nos escritos loacutegicos de Aristoacuteteles embora passe perto disso

The syllogism with a particular54 conclusion is an inferior type (Analyt Post 79a 25ff) [hellip] Aristotle does not recognize singular proposition in his classification (Analyt Priora A1 Grote Aristotle I 205) and the

52 Ross (1953 p 464) 53 Shorey (1913 p 91) 54 Nesse contexto Shorey assume ldquoparticularrdquo e ldquosingularrdquo como equivalentes

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

41

conclusion to an individual case interests him very little and is practically ignored

Shorey tem alguma razatildeo em alegar que os silogismos que concluem proposiccedilotildees singulares (tambeacutem conhecidos como ldquoperipateacuteticosrdquo) satildeo de um tipo inferior especialmente quando se leva em conta o horizonte das demonstraccedilotildees cientiacuteficas55 mas erra quando recorre ao trecho 79a 25ss para dar base textual a tal alegaccedilatildeo ndash o referido trecho nem mesmo trata desse assunto Por sua vez e contra Shorey Ross56 surpreende ao alegar o seguinte

There are however occasional references in Aristotle to the occurrence of singular propositions as the minor premise or conclusion of syllogisms (eg An Pr 43a 37minus40) []

55 Para Aristoacuteteles o silogismo dito cientiacutefico no mais alto grau eacute a chamada demonstraccedilatildeo universal Eacute importante notar que aqui o adjetivo ldquouniversalrdquo tem um sentido muito preciso e natildeo se justifica pela mera ocorrecircncia de uma conclusatildeo universalmente quantificada Em Segundos Analiacuteticos I 4 73b 32minus74a 3 por exemplo Aristoacuteteles argumenta que a demonstraccedilatildeo universal natildeo conclui que todo isoacutesceles tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos mas que todo triacircngulo tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos revelando um requisito que envolve o ajuste preciso do extremo menor a partir de condiccedilotildees estabelecidas pelo extremo maior (cf Seg An I 5 74a 4minus6 13minus17 25minus32 74b 21minus26 I 24 85b 4minus15) Para Aristoacuteteles o predicado ldquoter a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retosrdquo ndash daqui para frente apenas ldquo2Rrdquo ndash se atribui a ldquoisoacutescelesrdquo de um modo que em algum sentido eacute parasitaacuterio da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo dado que isoacutesceles tem 2R na exata medida em que eacute triacircngulo Em outras palavras a atribuiccedilatildeo de ldquo2Rrdquo a ldquoisoacutescelesrdquo eacute entendida como indireta e dependente da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo Nesse contexto eacute natural presumir que um silogismo peripateacutetico seja concebido como inferior em relaccedilatildeo aos demais minus especialmente no que diz respeito ao grau de cientificidade minus jaacute que sua conclusatildeo natildeo poderaacute satisfazer as exigecircncias de uma legiacutetima conclusatildeo cientiacutefica tal como ocorre em uma demonstraccedilatildeo universal Jaacute quanto agraves propriedades dedutivas envolvidas em tal silogismo natildeo haacute razatildeo para consideraacute-lo inferior Para apreciaccedilatildeo detalhada da noccedilatildeo de demonstraccedilatildeo universal ver Angioni (2007) 56 Ross (1953 p 464)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

42

Ross supotildee que o argumento de Shorey pretende estabelecer a exclusatildeo dos termos singulares do domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica e aponta a passagem 43a 37minus40 como evidecircncia textual incompatiacutevel com essa exclusatildeo Temos aqui uma mudanccedila de opiniatildeo De fato conforme pudemos ver na primeira seccedilatildeo deste artigo ao tratar do trecho 43a 37minus43 na ediccedilatildeo comentada do texto grego de Primeiros e Segundos Analiacuteticos Ross chega a dizer que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares em seus exemplos de silogismos e argumenta em favor de uma silogiacutestica restrita a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ)57 Agora ao comentar a passagem 1086a 34minus37 de Metafiacutesica XIII (My) 10 Ross reconhece no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I uma evidecircncia em favor da inclusatildeo dos termos singulares na silogiacutestica Aparentemente o proacuteprio Ross natildeo tinha muita convicccedilatildeo a respeito da inclusatildeo ou exclusatildeo dos termos de natureza singular

De nossa parte admitimos que a passagem 1086a 34minus37 eacute digna da controveacutersia introduzida por Shorey ndash embora tenhamos mais apreccedilo pela interpretaccedilatildeo de Ross No entanto mesmo que Shorey tenha razatildeo a respeito do referido trecho de Metafiacutesica XIII (My) 10 a presenccedila de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares na silogiacutestica natildeo estaraacute ameaccedilada porque ainda podemos nos valer de passagens muito mais promissoras para decidir essa questatildeo passagens nas quais o proacuteprio Aristoacuteteles elabora cocircmputos silogiacutesticos com termos singulares como se a presenccedila deles na silogiacutestica natildeo lhe figurasse como uma anomalia

Patzig tinha conhecimento dessas passagens e fez questatildeo de citaacute-las no primeiro capiacutetulo de seu livro corrigindo o suposto fato alegado por Ross e Lukasiewicz de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos exemplos de silogismos que aparecem em Primeiros Analiacuteticos No entanto Patzig natildeo recorre a tais passagens a fim de reintroduzir os termos singulares na silogiacutestica mas procura

57 Idem 1949 p 384

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

43

desqualificaacute-las e assim reiterar os resultados de seus antecessores De fato embora reconheccedila as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 do Livro I bem como de ldquoPitacosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II Patzig manteacutem a posiccedilatildeo tradicional que afasta os termos de natureza singular da loacutegica aristoteacutelica alegando apenas que a ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo (70a 16minus20) se daacute em um silogismo invaacutelido ao passo que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo (47b 15ss) aparecem em premissas das quais nada se segue58

Eacute bem verdade que as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 de Primeiros Analiacuteticos I estatildeo associadas a pares de premissas dos quais nenhuma conclusatildeo se segue coisa que o proacuteprio Aristoacuteteles natildeo hesita em admitir No entanto embora sejam inconcludentes esses pares de premissas acomodam seus termos em disposiccedilotildees muito similares agravequelas de um silogismo vaacutelido (Barbara)59 o que lhes confere as feiccedilotildees de que satildeo concludentes quando na verdade natildeo o satildeo De acordo com Aristoacuteteles o que os impede de serem concludentes eacute o fato de que a premissa maior natildeo eacute universal60 Em 47b 26minus28 essa justificativa eacute apresentada por meio de um pronunciamento que merece alguma atenccedilatildeo Aristoacuteteles anuncia o fato de a premissa maior natildeo ser universal como quem supotildee que fosse ela universal o problema estaria resolvido e assim o par de premissas seria concludente61 Ora na medida em que Aristoacuteteles atribui o caraacuteter inconcludente dos pares de premissas precisamente agraves premissas maiores (e natildeo agraves premissas menores nas quais ocorrem os termos singulares) presume-se que esses termos natildeo introduzem qualquer caracteriacutestica censuraacutevel nos silogismos ali formulados Assim o fato de que natildeo estamos diante de pares de premissas concludentes por si soacute natildeo eacute

58 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 59 An Pr I 33 47b 21minus37 60 Idem 47b 26minus29 34minus37 e 38minus39 61 O uso contrafactual de ἔδει na linha 27 sugere essa leitura

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

44

suficiente para recusar ao capiacutetulo 33 o papel de evidecircncia em favor de tais termos na silogiacutestica62

Quanto agrave ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo em Primeiros Analiacuteticos II 27 (70a 16minus20) Patzig tem alguma razatildeo em alegar que ela se daacute em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido No entanto eacute preciso ajustar essa alegaccedilatildeo porque Aristoacuteteles natildeo descreve o argumento em questatildeo propriamente como um silogismo mas como um sinal (σημεῖον) e ao que parece um sinal e um silogismo ndash um legiacutetimo silogismo e natildeo um mero entimema ndash estatildeo longe de ser a mesma coisa63 Aleacutem disso temos uma ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo no mesmo capiacutetulo que eacute bem mais relevante para a discussatildeo mas que foi completamente ignorada pelos comentadores

Em 70a 26minus28 Aristoacuteteles formula dois silogismos nos quais aparece o termo singular ldquoPitacosrdquo Um deles eacute descrito como refutaacutevel (λύσιμος)64 basicamente porque a conclusatildeo natildeo se segue das premissas65 Natildeo precisamos nos deter nele Por ora o silogismo que fora introduzido algumas linhas antes e que foi descrito por Aristoacuteteles como irrefutaacutevel (ἄλυτος)66 eacute muito mais interessante Esse silogismo tem exatamente a formulaccedilatildeo paradigmaacutetica que Lukasiewicz qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo e agrave qual negou lugar na loacutegica aristoteacutelica Vale a pena citar essa passagem para marcar bem a presenccedila desse tipo de silogismo na loacutegica de Aristoacuteteles

62 M Malink (2009 p 119) por exemplo contrariando Patzig aponta o capiacutetulo I 33 minus bem como II 27 do qual trataremos a seguir minus como evidecircncia em favor de termos singulares na silogiacutestica Ver tambeacutem Mignucci ldquoAristotlersquos Theory of Predicationrdquo p 10 ldquoParts Quantification and Aristotelian Predicationrdquo p 11 e Barnes ldquoTruth etcrdquo p 158-166 63 An Pr II 27 70a 24minus25 64 Ibidem 30minus31 e 34minus35 65 Ibidem 27minus28 e 30minus32 66 Ibidem 29

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

45

Ἐὰν μὲν οὖν ἡ μία λεχθῇ πρότασις σημεῖον γίνεται μόνον ἐὰν δὲ καὶ ἡ ἑτέρα προσληφθῇ συλλογισμός οἷον ὅτι Πιττακὸς ἐλευθέριος οἱ γὰρ φιλότιμοι ἐλευθέριοι Πιττακὸς δὲ φιλότιμος Assim se somente uma premissa for assumida haacute apenas um sinal ao passo que se a outra premissa tambeacutem for assumida entatildeo haacute um silogismo por exemplo lsquoPitacos eacute destemido pois os homens de brio satildeo destemidos e Pitacos eacute homem de briorsquo (70a 24minus27)67

A descriccedilatildeo eacute inusitada porque Aristoacuteteles comeccedila pela conclusatildeo Mas isso natildeo prejudica o resultado a que queremos chegar O nome proacuteprio ldquoPitacosrdquo eacute sem duacutevida o extremo menor que aparece como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo ldquodestemidordquo eacute o extremo maior predicado da premissa maior e da conclusatildeo por fim a funccedilatildeo de mediador fica por conta de ldquohomem de briordquo Em uma reconstituiccedilatildeo um pouco mais formalizada temos o seguinte silogismo todo homem de brio eacute destemido Pitacos eacute (um) homem de brio logo Pitacos eacute destemido

O leitor mais desconfiado talvez hesite em aceitar que a premissa maior ldquoos homens de brio satildeo destemidosrdquo possa ser formalizada com um quantificador universal mas haacute sinais claros de que eacute assim que devemos concebecirc-la Em primeiro lugar Aristoacuteteles reconhece a legitimidade desse silogismo e supotildee que a conclusatildeo decorre das premissas o que por si soacute jaacute pressupotildee a universalidade da premissa maior Caso contraacuterio a conclusatildeo natildeo se impotildee Em segundo lugar haacute um pequeno detalhe que causa surpresa nesse capiacutetulo e que merece atenccedilatildeo de nossa parte Aristoacuteteles justifica o caraacuteter irrefutaacutevel do mencionado silogismo alegando que se trata de um silogismo universal (καθόλου γὰρ ἐστιν cf 70a 30) Ora como se sabe Aristoacuteteles descreve como universais precisamente aqueles silogismos nos quais a conclusatildeo eacute universal quais sejam Barbara Celarent Cesare e Camestres Por isso ao caracterizar o ldquosilogismo peripateacuteticordquo como um silogismo universal

67 As traduccedilotildees de φιλότιμος e ἐλευθέριος certamente satildeo discutiacuteveis mas em nada afetam os nossos objetivos

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

46

Aristoacuteteles pode querer sinalizar que em algum sentido a conclusatildeo ldquoPitacos eacute destemidordquo deva ser compreendida como uma proposiccedilatildeo fundada em uma atribuiccedilatildeo universal68 como se o referido ldquosilogismo peripateacuteticordquo precisamente em razatildeo disso fosse digno do mesmo status concedido aos demais silogismos universais (Barbara Celarente Cesare e Camestres) Essa leitura sugere que a concepccedilatildeo aristoteacutelica de atribuiccedilatildeo universal talvez deva ser repensada jaacute que ela daacute sinais de se estender sobre casos para os quais natildeo cabe falar em quantificadores (universais) ndash eacute o que parece ocorrer no ldquosilogismo peripateacuteticordquo acima mencionado

O aprofundamento desse ponto no entanto eacute algo que ultrapassa o escopo da presente investigaccedilatildeo e seu exame deve ser deixado para outra ocasiatildeo A essa altura o objetivo principal desta seccedilatildeo jaacute nos parece ter sido alcanccedilado pois consiste apenas em mostrar o que os leitores menos versados nos Analiacuteticos jaacute perceberam haacute muito tempo a saber que o chamado ldquosilogismo peripateacuteticordquo natildeo soacute faz parte da loacutegica aristoteacutelica mas mais do que isso ainda pode desfrutar de um lugar privilegiado no interior da silogiacutestica entre os chamados ldquosilogismos universaisrdquo Diante desse quadro natildeo haacute duacutevida de que os termos de natureza singular tecircm lugar garantido na loacutegica de Aristoacuteteles69

68 Provavelmente foi inspirado em passagens como essa que J N Keynes (1906 p 102) sugeriu conceber as proposiccedilotildees singulares como uma subclasse de proposiccedilotildees universais Lukasiewicz tomou nota dessa possibilidade e a considerou totalmente equivocada Mas para isso ignorou completamente o trecho 70a 24minus30 69 Agradeccedilo ao professor Lucas Angioni (Unicamp) pela prontidatildeo na leitura de versotildees preacutevias deste artigo pelas indicaccedilotildees de passagens para reforccedilar o argumento e pelas alteraccedilotildees de texto sugeridas as quais certamente contribuiacuteram para melhorar o resultado final aqui apresentado Agradeccedilo tambeacutem aos professores Raphael Zillig (UFRGS) e Inara Zanuzzi (UFRGS) pela oportunidade de discutir alguns resultados provisoacuterios deste artigo no Seminaacuterio sobre Primeiros Analiacuteticos I 27 organizado pelo professor Raphael e realizado na UFRGS no ano de 2011 Por fim tambeacutem agradeccedilo aos

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

47

REFEREcircNCIAS

ANGIONI L ldquoO Conhecimento Cientiacutefico no Livro I dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesrdquo Revista de Filosofia Antiga (online) vol 1 n 1 2007 (httpwwwfilosofiaantigacomdocuments23html)

BARNES J (ed) Aristotle Prior Analytics (trans by A J Jenkinson in Barnes 1984 vol 1 p 39minus113)

mdashmdashmdashmdash Truth etc Six Lectures on Ancient Logic Oxford Clarendon Press 2007

BOCHENSKI J Ancient Formal Logic Amsterdam North-Holland Publishing 1951

CORCORAN J ldquoCompleteness of an Ancient Logicrdquo Journal of Symbolic Logic 37 696minus702 1972

KEYNES J N Studies and Exercises in Formal Logic (fourth edition rewritten and enlarged) New York The Macmillan Company 1906

LUKASIEWICZ J Aristotlersquos Syllogistic from the Standpoint of Modern Formal Logic Oxford Clarendon Press 1951

MALINK M ldquoA Non-Extensional Notion of Conversion in the Organonrdquo Oxford Studies in Ancient Philosophy Vol XXXVII p 106minus141 Oxford University Press 2009

MIGNUCCI M Aristotele Gli analitici primi ndash Traduzione introduzione e commento Naples Loffredo 1969

companheiros de pesquisa Francine Maria Ribeiro e Mateus Ricardo Fernandes Ferreira (UEMminusPR) pela leitura das primeiras versotildees desse texto e pelas proveitosas sugestotildees que me fizeram

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

48

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Theory of Predication in I Angelilli and M Cerezo (eds) Studies in the History of Logic 1minus20 Berlin 1996

mdashmdashmdashmdash Parts Quantification and Aristotelian Predication Monist 83 3minus21 2000

PATZIG G Aristotlersquos Theory of the Syllogism A Logico-Philosophical Study of Book A of the Prior Analytics Translated by Jonathan Barnes Dordrecht Reidel 1959

ROSS W D Aristotlersquos Prior and Posterior Analytics Oxford Clarendon Press 1949

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Metaphysics Oxford Clarendon Press 1953 (1924)

SHOREY P ldquoA Note on Aristotlersquos Metaphysics 1086b 32minus37rdquo Classical Philology Vol 8 n 1 pp 90minus92 1913

SMITH R Aristotle Prior Analytics Indianapolis Hackett Publishing Company 1989

STRIKER G Aristotle Prior Analytics Book I Oxford Clarendon Press 2009

Page 6: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

10

Na primeira figura por exemplo apenas os termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) satildeo capazes de desempenhar irrestritamente a funccedilatildeo de mediador De fato os demais termos soacute podem atuar de modo irrestrito nos silogismos de primeira figura quando ocupam as posiccedilotildees ou de sujeito ou de predicado ao passo que o mediador eacute sujeito e predicado sujeito na premissa maior e predicado na menor Ross tambeacutem observa que os gecircneros supremos (ldquothe highest termsrdquo) podem desempenhar irrestritamente a funccedilatildeo de extremo maior bem como os termos desprovidos de generalidade (ldquothe lowest termsrdquo) a funccedilatildeo de extremo menor Ademais continua Ross os gecircneros supremos ainda podem atuar de modo irrestrito na funccedilatildeo de mediador na segunda figura assim como os termos singulares na terceira figura

Ateacute esse ponto o comentaacuterio de Ross ao capiacutetulo 27 natildeo introduz nenhuma severa restriccedilatildeo de termos sobretudo porque o trecho 43a 37ndash43 assim como o iniacutecio do capiacutetulo natildeo lhe permitem ir muito longe Tudo o que esses textos nos impotildeem eacute que nas demonstraccedilotildees certos termos natildeo podem ocupar irrestritamente a posiccedilatildeo de sujeito ao passo que outros natildeo podem ocupar irrestritamente a posiccedilatildeo de predicado Assim Aristoacuteteles abre espaccedilo para a possibilidade de que os termos singulares tenham o seu lugar ao sol na silogiacutestica desde que sejam alocados em posiccedilotildees e funccedilotildees que possam desempenhar sem as restriccedilotildees mencionadas ao longo do capiacutetulo 27 Ross parece ter se dado conta disso e ao que tudo indica natildeo gostou do que viu pois encerra as suas consideraccedilotildees sobre o trecho 43a 37ndash43 tentando recuperar aquela restriccedilatildeo de termos que jaacute havia sido apresentada no comentaacuterio ao capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I alegando que Aristoacuteteles nunca usa nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos mas apenas termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) ndash ldquouniversals that are not highest universalsrdquo8

8 Ross (1949 p 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

11

Podemos dizer que Ross nos deixou o seguinte legado por um lado eacute responsaacutevel pela tradicional opiniatildeo de que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares ou gecircneros supremos em seus silogismos mas sempre trabalha com termos de generalidade intermediaacuteria por outro lado transformou o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I em peccedila central para a delimitaccedilatildeo da lista de termos silogiacutesticos

Em 1951 Jan Lukasiewicz publicou o seu famoso livro intitulado Aristotlersquos Syllogistic ndash From The Standpoint of Modern Formal Logic e se mostrou bastante influenciado pelo legado de Ross Jaacute no primeiro capiacutetulo desse livro Lukasiewicz se recusa a considerar como rigorosamente aristoteacutelico aquele argumento concebido pela tradiccedilatildeo como exemplo paradigmaacutetico de silogismo ndash ldquotodo homem eacute mortal Soacutecrates eacute homem logo Soacutecrates eacute mortalrdquo minus levando a cabo algo que Ross jaacute havia sugerido em seu comentaacuterio ao capiacutetulo 1 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos a saber que tal argumento natildeo pertence agrave loacutegica de Aristoacuteteles9 Lukasiewicz qualifica esse silogismo por meio do adjetivo ldquoperipateacuteticordquo pelo fato de Sexto Empiacuterico descrevecirc-lo como usual entre os Peripateacuteticos Quanto agrave rejeiccedilatildeo desse silogismo provisoriamente Lukasiewicz alega apenas que Aristoacuteteles natildeo introduz termos e proposiccedilotildees singulares em seu sistema loacutegico10 A completa ausecircncia de referecircncia a proposiccedilotildees singulares no capiacutetulo 1 do Livro I dos Primeiros Analiacuteticos ndash capiacutetulo em que as formas proposicionais silogiacutesticas satildeo introduzidas e no qual seria natural esperar por proposiccedilotildees singulares ndash eacute mencionada por Lukasiewicz como sinal de que Aristoacuteteles natildeo teria considerado termos singulares em sua loacutegica11 No entanto o argumento determinante para corroborar essa tese eacute

9 Ross (1949 p 289) e Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect1 p 1) 10 Lukasiewicz menciona trecircs publicaccedilotildees que tratavam o silogismo peripateacutetico como modelo paradigmaacutetico de silogismo aristoteacutelico Greek Foundations of Tradicional Logic (1942) de Ernest Kapp A History of Philosophy vol i Greece and Rome (1946) de S J Frederick Copleston e History of Western Philosophy (1946) de Bertrand Russell 11 Idem chapter 1 sect2 p 4

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

12

elaborado a partir do capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos capiacutetulo jaacute evocado por Ross como evidecircncia manifesta da restriccedilatildeo de termos

Conforme jaacute pudemos ver eacute no capiacutetulo 27 que Aristoacuteteles apresenta sua famosa triparticcedilatildeo de entes assumidos como termos de proposiccedilotildees silogiacutesticas nas linhas 43a 25ndash36 os trecircs tipos de termos satildeo introduzidos nas linhas 37ndash42 os efeitos que essa triparticcedilatildeo tem sobre as demonstraccedilotildees satildeo rapidamente considerados em seguida nas linhas 42ndash43 entra em cena a frase que inspirou a restriccedilatildeo de termos jaacute nos comentaacuterios de Ross e ainda mais na proposta de Lukasiewicz Interpretando Aristoacuteteles Lukasiewicz conclui que a silogiacutestica opera exclusivamente com termos do uacuteltimo tipo isto eacute com termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) excluindo da loacutegica aristoteacutelica tanto os termos singulares quanto os de alta generalidade ndash os uacuteltimos assumidos como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo12 Julgando ter encontrado a ldquoverdadeira razatildeordquo que teria levado Aristoacuteteles a se comprometer com tal restriccedilatildeo de termos Lukasiewicz alega que todo silogismo deve conter um termo capaz de desempenhar irrestritamente tanto a funccedilatildeo de sujeito quanto a funccedilatildeo de predicado ndash na primeira figura eacute o que ocorre com o mediador na segunda com o maior na terceira com o menor ndash e essas funccedilotildees soacute podem ser desempenhadas irrestritamente por termos de generalidade intermediaacuteria13 Ao que tudo indica Lukasiewicz entende os adveacuterbios σχεδὸν e μάλιστα nas linhas 42ndash43 como marcas que qualificam o restante da frase como uma regra absoluta e universal afastando a possibilidade de que Aristoacuteteles esteja apenas se pronunciando em linhas gerais sem qualquer pretensatildeo de

12 Idem sect3 p 5 Conveacutem lembrar que Lukasiewicz e Ross natildeo tecircm a mesma opiniatildeo sobre o que seriam os termos de alta generalidade aos quais Aristoacuteteles alude em 43a 29minus30 e 37minus39 para Lukasiewicz os termos de alta generalidade satildeo precisamente os transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo ao passo que Ross prefere concebecirc-los como summa genera (cf nota 3) 13 Ibidem p 7

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

13

estabelecer uma norma riacutegida vaacutelida para todo e qualquer silogismo mas apenas uma descriccedilatildeo que pudesse dar conta da maior parte dos argumentos silogiacutesticos Essa atitude o levou a fazer duras criacuteticas agrave loacutegica aristoteacutelica

De acordo com Lukasiewicz eacute questatildeo paciacutefica a opiniatildeo de que os termos singulares satildeo tatildeo importantes na atividade cientiacutefica quanto o satildeo os termos universais e portanto eacute falso que os argumentos e as investigaccedilotildees ldquoas a rulerdquo lidam com termos de universalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) o que tornaria o pronunciamento de Aristoacuteteles nas linhas 42ndash43 digno de reprovaccedilatildeo Com esse teor Lukasiewicz atribui a Aristoacuteteles a rejeiccedilatildeo dos termos singulares e descreve a ausecircncia desses fatores como ldquoo maior defeitordquo do sistema loacutegico aristoteacutelico14

Assim inspirado pelo legado de Ross Lukasiewicz consolida a opiniatildeo de que a silogiacutestica aristoteacutelica envolve uma severa restriccedilatildeo de termos constituindo um sistema loacutegico que atua exclusivamente sobre termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) Sob a descoberta da ldquoverdadeira razatildeordquo que teria levado Aristoacuteteles a se comprometer com essa restriccedilatildeo de termos Lukasiewicz estabelece a tese de que a silogiacutestica prescinde de termos singulares bem como de termos de alta generalidade (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo)

Essa proposta foi muito bem recebida por alguns estudiosos da loacutegica aristoteacutelica Em 1959 Guumlnther Patzig publicou um novo estudo sobre o Livro I dos Primeiros Analiacuteticos e fez questatildeo de dedicaacute-lo a Lukasiewicz de quem eacute seguidor Em obra intitulada Aristotlersquos Theory of the Syllogism ndash a logico-philological study of book A of the Prior Analytics Patzig corrige vaacuterios equiacutevocos herdados de Ross e de Lukasiewicz Para ilustrar considere-se a alegaccedilatildeo ndash feita tanto por Ross quanto por Lukasiewicz ndash de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos Primeiros Analiacuteticos Essa alegaccedilatildeo eacute desmentida por Patzig que aponta

14 Ibidem p 6

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

14

as seguintes ocorrecircncias de nomes proacuteprios no capiacutetulo 33 do Livro I ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II ldquoPitacosrdquo Mesmo diante dessas ocorrecircncias Patzig recusou a possibilidade de a silogiacutestica reservar lugar para termos singulares justificando tal posiccedilatildeo ao apontar que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo aparecem em premissas das quais nada se segue ao passo que ldquoPitacosrdquo ocorre em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido Em presenccedila desse quadro e a exemplo de Lukasiewicz Patzig considera que deve prevalecer o fato indubitaacutevel de Aristoacuteteles natildeo ter feito menccedilatildeo a proposiccedilotildees singulares no capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I o que fatalmente sugere a exclusatildeo dos termos singulares15 Assim Patzig eacute levado a endossar diversos resultados alcanccedilados por seus antecessores reiterando a restriccedilatildeo de fatores silogiacutesticos a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) e por conseguinte expulsando termos singulares transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) e summa genera do sistema loacutegico aristoteacutelico

No entanto sob a consideraccedilatildeo de Patzig essa restriccedilatildeo ganhou razotildees complementares Patzig natildeo apenas endossou os resultados sensivelmente sugeridos por Ross e consolidados por Lukasiewicz (resultados fundados no capiacutetulo 27 do Livro I dos Primeiros Analiacuteticos) mas tambeacutem lhes conferiu novos contornos oriundos de razotildees que julgou encontrar no capiacutetulo 28 do qual o capiacutetulo 27 seria discussatildeo preparatoacuteria

No capiacutetulo 28 Aristoacuteteles apresenta alguns procedimentos de prova para as formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Em linhas gerais esses procedimentos satildeo caracterizados pela tarefa de identificar um termo comum (que seraacute o mediador) em duas listas de termos Essas listas satildeo determinadas pela relaccedilatildeo que os seus membros possuem com os extremos (τά ἄκρα) que encerram a conclusatildeo pretendida

15 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

15

Ainda natildeo precisamos entrar em detalhes a respeito desses procedimentos Faremos isso na proacutexima seccedilatildeo em momento mais oportuno Por ora basta saber que a partir dos procedimentos recomendados por Aristoacuteteles como estrateacutegia de prova para cada uma das formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Patzig propotildee trecircs axiomas demarcadores de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica16

(1) todo termo silogiacutestico possui ao menos um termo subordinado proacuteprio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe um termo subordinado X tal que XaT eacute o caso ao passo que TaX natildeo (2) todo termo silogiacutestico possui ao menos um termo superordenado proacuteprio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe um termo superordenado Y tal que TaY eacute o caso ao passo que YaT natildeo (3) todo termo silogiacutestico possui um termo contraacuterio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe ao menos um termo contraacuterio Z tal que ZeT17

Ao formular os dois primeiros axiomas Patzig se vale de algumas noccedilotildees oriundas da teoria dos conjuntos as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias Em teoria dos conjuntos se Q eacute um termo subordinado proacuteprio de R (e natildeo apenas um termo subordinado) Q e R natildeo podem ser coextensivos ndash em outras palavras todo Q eacute R mas nem todo R eacute Q o mesmo ocorre com termos que frequumlentam uma mesma relaccedilatildeo de superordenaccedilatildeo proacutepria dado que toda relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo proacutepria pode ser reformulada como uma relaccedilatildeo de superordenaccedilatildeo proacutepria e vice-versa Patzig presume que essas relaccedilotildees traduzem pressupostos assumidos pelo proacuteprio Aristoacuteteles no capiacutetulo

16 Ibidem p 7 17 A notaccedilatildeo AxB adotada na exposiccedilatildeo dos axiomas descreve uma relaccedilatildeo categoacuterica x entre o termo-sujeito A e o termo-predicado B Assim AaB eacute a notaccedilatildeo para a relaccedilatildeo universal afirmativa (ldquotodo A eacute Brdquo) AeB para a relaccedilatildeo universal negativa (ldquonenhum A eacute Brdquo) AiB para a particular afirmativa (ldquoalgum A eacute Brdquo) e por fim AoB para a particular negativa (ldquoalgum A natildeo eacute Brdquo) Manteremos essa notaccedilatildeo ao longo de todo o texto

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

16

28 de Primeiros Analiacuteticos I Mais adiante veremos que essa conjetura eacute equivocada

Por ora eacute importante notar que essa distinccedilatildeo entre de um lado subordinaccedilatildeosuperordenaccedilatildeo proacutepria e de outro lado mera subordinaccedilatildeosuperordenaccedilatildeo faz alguma diferenccedila no que diz respeito agrave exclusatildeo da chamada classe universal Para excluiacute-la Patzig assume que a classe universal pertence ao domiacutenio de termos da silogiacutestica a articula com os axiomas (1) e (3) e obteacutem um resultado contraditoacuterio o terceiro axioma requer que todo termo silogiacutestico possua ao menos um termo que lhe seja contraacuterio ndash tratando-se da classe universal esse termo contraacuterio eacute a classe nula por sua vez o primeiro axioma requer que todo termo silogiacutestico possua ao menos um termo subordinado proacuteprio exigecircncia que a classe nula eacute incapaz de satisfazer ndash por definiccedilatildeo a classe nula natildeo possui termos subordinados proacuteprios Assim a impossibilidade da classe nula acarreta a impossibilidade da classe universal18

Patzig ainda aponta o trecho 998b 22ndash27 do capiacutetulo 3 de Metafiacutesica Beta como evidecircncia complementar de que Aristoacuteteles teria rejeitado a classe universal fazendo alusatildeo a um texto que embora trate de termos dessa natureza tem com a silogiacutestica uma relaccedilatildeo muito distante19

Por sua vez nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares como ldquoSoacutecratesrdquo e ldquoeste triacircngulordquo natildeo possuem termos subordinados proacuteprios e portanto natildeo satisfazem ao primeiro axioma Por fim gecircneros supremos como ldquosubstacircnciardquo ldquoqualidaderdquo ldquoquantidaderdquo etc natildeo podem contar com termos superordenados proacuteprios e por conseguinte ficam impossibilitados de satisfazer ao segundo axioma (impossibilidade que natildeo nos parece ter sido bem estabelecida20)

18 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 19 Ibidem 20 A exemplo de Ross (cf nota 3) Patzig ignora os transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo que a princiacutepio poderiam figurar como superordenados proacuteprios dos gecircneros supremos de modo que o axioma (2) fosse entatildeo satisfeito pelos gecircneros

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

17

Assim Patzig reitera as restriccedilotildees introduzidas por Ross e consolidadas por Lukasiewicz desenhando um quadro em que uma vez mais a silogiacutestica eacute pensada como um sistema loacutegico que opera exclusivamente sobre termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) sem atuaccedilatildeo sobre nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares gecircneros supremos (summa genera) e termos transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) Na proacutexima seccedilatildeo mostraremos que as leituras propostas por tais inteacuterpretes seguramente natildeo encontram respaldo nos textos de Aristoacuteteles II CRIacuteTICA AgraveS OPINIOtildeES TRADICIONAIS

1 Uma Releitura de Primeiros Analiacuteticos I 27 43a 25minus43

Certamente nem todo o legado de Ross Lukasiewicz e Patzig deve ser abandonado Parece razoavelmente acertada por exemplo a escolha do capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos como promissora resposta agrave questatildeo de saber quais tipos de termos podem figurar em silogismos rigorosamente aristoteacutelicos ndash muito embora nem todo tipo de silogismo reconhecido por Aristoacuteteles esteja no escopo desse capiacutetulo21 No primeiro capiacutetulo do Livro I de Primeiros Analiacuteticos em que seria natural esperar alguma descriccedilatildeo mais detalhada a respeito dos termos Aristoacuteteles eacute muito sucinto limitando-se a dizer o seguinte

Ὅρον δὲ καλῶ εἰς ὃν διαλύεται ἡ πρότασις οἷον τό τε κατηγορούμενον καὶ τὸ καθrsquo οὗ κατηγορεῖται προστιθεμένου τοῦ εἶναι ἢ μὴ εἶναι

supremos Para excluir tais termos Patzig se pronuncia de modo muito breve e pouco esclarecedor ldquocategories (on Aristotlersquos definition) do not satisfy axiom (2)rdquo Aleacutem disso as ocorrecircncias de ldquosubstacircnciardquo e ldquounidaderdquo em Pr An I 5 27a 19minus20 e 27b 6minus8 tambeacutem satildeo ignoradas talvez em decorrecircncia de estarem associadas a pares de premissas inconcludentes 21 Ver por exemplo os silogismos formulados em Pr An II 15

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

18

Chamo lsquotermorsquo aquilo no que a proposiccedilatildeo se dissolve ou seja o item que se predica e o de que se predica acrescentando lsquoeacutersquo ou lsquonatildeo eacutersquo (24b 16minus18)

Esse pronunciamento eacute muito vago e em decorrecircncia pouco revelador Por isso em relaccedilatildeo agrave presente investigaccedilatildeo tal capiacutetulo quase natildeo oferece material que possa ser aproveitado Eacute claro que natildeo eacute bem essa a opiniatildeo de nossos interlocutores Ross Lukasiewicz e Patzig conceberam o mero fato de Aristoacuteteles natildeo ter feito menccedilatildeo a termos singulares no capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I como forte evidecircncia de que tais termos natildeo teriam lugar na silogiacutestica22

Essa atitude nos parece incorreta O fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a termos singulares revela apenas que o capiacutetulo natildeo tem aptidatildeo para contribuir com a investigaccedilatildeo Poder-se-ia alegar talvez que a exposiccedilatildeo das proposiccedilotildees silogiacutesticas no trecho 24a 16minus22 eacute exaustiva de modo que a exclusatildeo dos termos singulares fosse assegurada pelo simples fato de natildeo haver alusatildeo expliacutecita agraves proposiccedilotildees que lhes satildeo correlatas Poreacutem o referido trecho cai em certo descreacutedito por envolver certas imprecisotildees das quais o silecircncio sobre as proposiccedilotildees singulares seria apenas mais uma A diferenccedila entre proposiccedilotildees particulares e indefinidas por exemplo eacute bem precaacuteria Com efeito a proposiccedilatildeo particular ldquoalgum prazer natildeo eacute bemrdquo natildeo eacute mais informativa que a proposiccedilatildeo indefinida ldquoprazer natildeo eacute bemrdquo Tanto em um caso quanto em outro a relaccedilatildeo que os termos possuem entre si eacute igualmente indeterminada ou seja natildeo sabemos se (i) todo prazer natildeo eacute bem ou se (ii) algum prazer natildeo eacute bem e algum prazer eacute bem23

22 Ross (1949 p 384) Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect1 p 1 sect2 p 4) Patzig (1959 chapter 1 sect3 p 5) 23 Entre os comentadores Ross (1949 p 314) parece assumir que no trecho 29a 27minus29 Aristoacuteteles teria feito uma declaraccedilatildeo expliacutecita de que tais proposiccedilotildees seriam de fato equivalentes Bochenski (1951 p 43) por sua vez reconhece a referida passagem como evidecircncia incontestaacutevel de que Aristoacuteteles concebia tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis o que torna a distinccedilatildeo

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

19

Imprecisotildees como essa revelam o caraacuteter provisoacuterio do trecho 24a 16minus22 Por isso essa passagem natildeo pode ser considerada como resposta definitiva ao problema de saber se a silogiacutestica reserva lugar para termos singulares sobretudo se a razatildeo alegada para assim consideraacute-la for o mero fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a proposiccedilotildees singulares Em certa medida os comentadores perceberam que natildeo poderiam recorrer apenas ao primeiro capiacutetulo de Primeiros Analiacuteticos I para decidir a questatildeo e estenderam a discussatildeo ao capiacutetulo 27 tomando uma decisatildeo bastante acertada porque eacute nesse capiacutetulo que Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes e os compreende claramente como fatores de atribuiccedilatildeo suscetiacuteveis de articulaccedilatildeo silogiacutestica O trecho 43a 25minus43 oferece trecircs tipos de termos e como bem observaram os proponentes das opiniotildees tradicionais impotildee certas restriccedilotildees ao uso de termos de natureza singular bem como ao uso de termos de alto grau de generalidade ndash quer sejam summa genera como prefere Ross ou transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como entende Lukasiewicz O que escapou a nossos interlocutores eacute que essas restriccedilotildees estatildeo longe de expulsar da silogiacutestica qualquer dos trecircs tipos de termos ali apresentados Por isso em defesa de nossa posiccedilatildeo propomos reexaminar o trecho 43a 25minus43 pois entendemos que o texto por si soacute natildeo deixa duacutevidas de que nenhum dos trecircs tipos de termos introduzidos na referida passagem tenha sido excluiacutedo da silogiacutestica

Assim examinemos o famoso texto que tem alimentado a discussatildeo sobre termos silogiacutesticos

[1] ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστι τοιαῦτα ὥστε κατὰ μηδενὸς ἄλλου κατηγορεῖσθαι ἀληθῶς καθόλου (οἷον Κλέων καὶ

proposta no primeiro capiacutetulo um tanto despropositada Lukasiewicz (1951 sect2 p 5) tambeacutem reconhece que Aristoacuteteles trata tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis mas natildeo admite que Aristoacuteteles tenha se pronunciado de modo expliacutecito a respeito dessa equivalecircncia preferindo delegar esse feito a Alexandre

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

20

Καλλίας καὶ τὸ καθrsquo ἕκαστον καὶ αἰσθητόν) κατὰ δὲ τούτων ἄλλα (καὶ γὰρ ἄνθρωπος καὶ ζῷον ἑκάτερος τούτων ἐστί) τὰ δrsquo αὐτὰ μὲν κατrsquo ἄλλων κατηγορεῖται κατὰ δὲ τούτων ἄλλα πρότερον οὐ κατηγορεῖται τὰ δὲ καὶ αὐτὰ ἄλλων καὶ αὐτῶν ἕτερα οἷον ἄνθρωπος Καλλίου καὶ ἀνθρώπου ζῷον ὅτι μὲν οὖν ἔνια τῶν ὄντων κατrsquo οὐδενὸς πέφυκε λέγεσθαι δῆλον τῶν γὰρ αἰσθητῶν σχεδὸν ἕκαστόν ἐστι τοιοῦτον ὥστε μὴ κατηγορεῖσθαι κατὰ μηδενὸς πλὴν ὡς κατὰ συμβεβηκός φαμὲν γάρ ποτε τὸ λευκὸν ἐκεῖνο Σωκράτην εἶναι καὶ τὸ προσιὸν Καλλίαν ὅτι δὲ καὶ ἐπὶ τὸ ἄνω πορευομένοις ἵσταταί ποτε πάλιν ἐροῦμεν νῦν δrsquo ἔστω τοῦτο κείμενον [2] κατὰ μέν οὖν τούτων οὐκ ἔστιν ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον ἕτερον πλὴν εἰ μὴ κατὰ δόξαν ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων οὐδὲ τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται (καὶ γὰρ αὐτὰ κατrsquo ἄλλων καὶ ἄλλα κατὰ τούτων λεχθήσεται) καὶ σχεδὸν οἱ λόγοι καὶ αἱ σκέψεις εἰσὶ μάλιστα περὶ τούτων [1] Entre todos os entes alguns satildeo tais que natildeo se afirmam de nenhum outro verdadeiramente como universais (por exemplo Cleon e Caacutelias ou seja o particular e o sensiacutevel) mas outros se afirmam deles de fato cada um desses eacute tanto homem quanto animal Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros mas nenhum outro anterior se afirma deles Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros e outros satildeo afirmados deles por exemplo homem que se afirma de Caacutelias e do qual animal se afirma Assim eacute evidente que certas coisas por natureza natildeo se dizem de nenhuma outra de fato em geral entre as coisas sensiacuteveis cada uma eacute tal que natildeo se afirma de nenhuma outra a natildeo ser por acidente com efeito agraves vezes dizemos que aquele branco eacute Soacutecrates e que aquele que se aproxima eacute Caacutelias (Ainda diremos por que tambeacutem para cima em algum momento a seacuterie se interrompe Mas por ora seja assumido isso) [2] Assim acerca dessas coisas natildeo eacute possiacutevel demonstrar outra sendo afirmada (a natildeo ser segundo opiniatildeo) mas eacute possiacutevel demonstrar elas proacuteprias sendo afirmadas de outras Tampouco eacute possiacutevel demonstrar as coisas particulares sendo afirmadas de outras mas eacute possiacutevel demonstrar outras sendo afirmadas delas Jaacute das coisas que ficam entre essas eacute evidente que eacute possiacutevel demonstrar afirmando de ambos os modos pois tanto elas seratildeo ditas de outras quanto outras seratildeo ditas delas Grosso modo os argumentos e as investigaccedilotildees satildeo sobretudo acerca dessas coisas (43a 25minus43)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

21

A mais natural divisatildeo que podemos impor agrave passagem acima exige duas seccedilotildees

[1] Na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes compreendidos como fatores de atribuiccedilatildeo e classificados segundo as funccedilotildees que cada classe de termos pode desempenhar em proposiccedilotildees destinadas a operaccedilotildees silogiacutesticas A passagem eacute inaugurada com um pronunciamento a respeito de todos os entes ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων Por isso ao que tudo indica essa divisatildeo tripartite eacute exaustiva e natildeo deixa de fora nenhuma classe de termos Os resultados provenientes dessa classificaccedilatildeo trazem certas restriccedilotildees agrave atuaccedilatildeo de alguns termos na silogiacutestica nas linhas 25minus29 Aristoacuteteles nega que os termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) possam desempenhar o papel de legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nas linhas 29minus30 rejeita a possibilidade de atribuir aos termos de alta generalidade um termo que lhes seja anterior (πρότερον) Conforme jaacute o dissemos essas restriccedilotildees passam longe da exclusatildeo de qualquer das classes de termos apresentadas no referido trecho do capiacutetulo 27 A principal evidecircncia disso aparece na imediata sequumlecircncia do texto em que Aristoacuteteles avalia os efeitos dessas restriccedilotildees sobre as demonstraccedilotildees Isso nos leva agrave segunda seccedilatildeo

[2] Na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) satildeo explicitadas as consequumlecircncias que as restriccedilotildees apresentadas na seccedilatildeo anterior (43a 25minus37) produziratildeo nas demonstraccedilotildees24 Nas linhas 37minus39 Aristoacuteteles se pronuncia a respeito dos termos de alta generalidade (summa genera

24 Eacute bem verdade que em relaccedilatildeo ao cenaacuterio que temos em Segundos Analiacuteticos I 2 a noccedilatildeo de apodeixis que aparece no capiacutetulo 27 ainda exige muitos aperfeiccediloamentos mas natildeo nos parece justo entendecirc-la meramente como prova silogiacutestica jaacute que ela envolve exigecircncias de ordem atributiva que restringem as provas denotadas pela noccedilatildeo de apodeixis assumida no capiacutetulo a um subgrupo da noccedilatildeo mais geral de silogismo As provas silogiacutesticas formuladas em Primeiros Analiacuteticos II 15 por exemplo ficam de fora do grupo de silogismos dos quais o capiacutetulo 27 pretende dar conta Assim sendo optamos por manter a traduccedilatildeo de apodeixis por ldquodemonstraccedilatildeordquo e natildeo por ldquoprovardquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

22

eou transcategoriais) a possibilidade de demonstrar qualquer outro termo a respeito deles eacute recusada25 mas a de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute afirmada textualmente Nas linhas 39minus40 o pronunciamento se faz a respeito dos termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) a possibilidade de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute recusada mas a de demonstrar outros termos a respeito deles tambeacutem eacute afirmada Nas linhas 40minus42 Aristoacuteteles trata dos termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) e natildeo lhes impotildee nenhuma restriccedilatildeo eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles26

Por fim nas linhas 42minus43 Aristoacuteteles encerra a passagem com um pronunciamento de caraacuteter geral e conclusivo pronunciamento que ao contraacuterio do que Ross sugeriu e mais tarde Lukasiewicz endossou natildeo nega absolutamente nada do que fora dito ateacute entatildeo

Eacute claro que o leitor ainda pode levar em conta que Aristoacuteteles soacute faz uso da expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 ao se pronunciar a respeito dos termos de alta generalidade e que por isso a pressuposiccedilatildeo de tal expressatildeo nos demais pronunciamentos seria artificiosa e desqualificaria a traduccedilatildeo e a leitura que propomos De fato essa expressatildeo causou incocircmodo a alguns tradutores de liacutengua inglesa influenciados provavelmente pelos legados de Ross e Lukasiewicz A J Jenkinson e Robin Smith por exemplo traduzem a

25 Na verdade Aristoacuteteles reconhece uma exceccedilatildeo aludindo agrave possibilidade de ldquodemonstrarrdquo segundo opiniatildeo (κατὰ δόξαν) mas essa exceccedilatildeo eacute uma alternativa a ser evitada 26 No manuscrito n temos δειχθήσεται ao inveacutes de λεχθήσεται na linha 42 As duas alternativas favorecem a nossa leitura Optamos pela manutenccedilatildeo de λεχθήσεται para natildeo perder a relaccedilatildeo explicativa que haacute entre os pronunciamentos das linhas 40minus41 de um lado e 30minus32 de outro De fato com λεχθήσεται a linha 42 apenas repete o que fora dito nas linhas 30minus32 Essa opccedilatildeo revela que as linhas 30minus32 explicam a linha 42 e sugere que a mesma relaccedilatildeo explicativa ocorra entre as linhas 25minus29 e 39minus40 bem como entre as linhas 29minus30 e 37minus39

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

23

expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 como ldquodemonstraterdquo e ldquodemonstrate to be predicatedrdquo respectivamente No entanto ambos evitam tal traduccedilatildeo nas linhas subsequumlentes nas quais a expressatildeo natildeo aparece de modo expliacutecito e substituem ldquodemonstraterdquo por ldquopredicaterdquo27

Haacute pelo menos uma boa razatildeo para rejeitar tais traduccedilotildees elas assumem que na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) precisamente no que diz respeito agraves consequumlecircncias que as restriccedilotildees introduzidas na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) tecircm sobre as demonstraccedilotildees Aristoacuteteles estaria interessado apenas nos termos de alta generalidade dado que recorre agrave expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον exclusivamente ao tratar deles Assim no que diz respeito agrave atuaccedilatildeo dos demais termos (τὰ καθrsquo ἕκαστα e τὰ μεταξὺ) nas demonstraccedilotildees Aristoacuteteles jaacute natildeo teria a pretensatildeo de avaliar as consequumlecircncias dessas restriccedilotildees limitando-se apenas a repetir o que fora dito na primeira seccedilatildeo Essa leitura impotildee ao texto uma interrupccedilatildeo natildeo muito natural em seu desenvolvimento e ainda o torna redundante sem apresentar uma razatildeo satisfatoacuteria que justifique essa leitura

27 Na linha 39 por exemplo A J Jenkinson (in Barnes 1984) traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquobut these may be predicated of other thingsrdquo Robin Smith vai na mesma direccedilatildeo e traduz como ldquobut they are predicated of othersrdquo embora reconheccedila em seu comentaacuterio ao trecho 43a 40ss na paacutegina 50 (comentaacuterio que na verdade trata da linha 39) que a frase pode ser traduzida como ldquoother things are demonstrated to be predicated of themrdquo nas linhas 39-40 Jenkinson traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNeither can individuals be predicated of other things although other things can be predicated of themrdquo Robin Smith natildeo destoa disso e traduz como ldquoNeither can individuals be predicated of other things but instead other things are predicated of themrdquo por fim nas linhas 40-41 Jenkinson traduz τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται como ldquoWhatever lies between these limits can be spoken of in both waysrdquo ao passo que Robin Smith traduz como ldquoBut it is clear that for those in between predication is possible in both waysrdquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

24

Na contramatildeo de A J Jenkinson e Robin Smith temos Mario Mignucci e Gisela Striker que traduzem a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον como ldquodimostrare che essi si predicanordquo e ldquodemonstrate to be said ofrdquo respectivamente e entendem as linhas 39minus41 como pronunciamentos nos quais embora natildeo apareccedila de modo expliacutecito a expressatildeo ainda estaacute em jogo28 Essas traduccedilotildees certamente satildeo as mais fieacuteis ao texto grego e corroboram a traduccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo que propomos justificando o abandono da leitura tradicional sugerida por Ross e cristalizada nos estudos de Lukasiewicz A essa altura jaacute podemos fazer um balanccedilo dos resultados que o capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos de fato nos impotildee O cenaacuterio que se desenha eacute o seguinte (i) termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) natildeo eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου)29 de outros termos por isso tampouco eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos no entanto eacute possiacutevel lhes atribuir outros termos como legiacutetimos

28 Na linha 39 por exemplo Mignucci traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquomentre egrave possibile dimostrare che essi si predicano di altrirdquo Striker por sua vez traduz como ldquobut [sc one can demonstrate] only that they themselves are predicated of other thingsrdquo na linha 40 ambos fazem questatildeo de recuperar a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον Mignucci traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNon egrave neanche possibile dimostrare che i singolari si predicano di altre cose ma soltanto che altre cose si predicano di essirdquo Striker segue a mesma linha e traduz como ldquonor can one demonstrate that individuals are said of other things but only that other things are said of themrdquo Na linha 41 por sua vez a expressatildeo eacute recuperada novamente e o trecho τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται eacute traduzido por Mignucci como ldquoEgrave chiaro invece che le cose intermedie egrave possibile dimostrarle nei due modirdquo ao passo que por Striker como ldquoBut clearly the intermediate things admit [sc to be demonstrated] of bothrdquo 29 Tais termos natildeo se predicam de nenhum outro a natildeo ser κατὰ συμβεβηκός (43a 33minus35)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

25

predicados por conseguinte tambeacutem eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 25minus29 e 39minus40) (ii) termos de alta generalidade (summa genera eou τὰ πᾶσιν ἑπόμενα)30 natildeo lhes eacute possiacutevel atribuir outros termos como legiacutetimos predicados ndash de fato natildeo haacute termo anterior (πρότερον) que lhes possa ser atribuiacutedo por isso tampouco eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles no entanto eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos logo tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos (conferir 43a 29minus30 e 37minus39) (iii) termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos bem como lhes atribuir outros termos como legiacutetimos predicados em razatildeo disso tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 30minus32 e 40minus42)

Assim o que prevalece eacute que Aristoacuteteles jamais afastou de sua loacutegica qualquer das trecircs classes de termos apresentadas em Primeiros Analiacuteticos I 27 muito embora tenha endereccedilado certas restriccedilotildees atributivas a algumas delas 2 Primeiros Analiacuteticos I 28 e os Axiomas de Patzig

Patzig parece entender que o capiacutetulo 27 natildeo eacute merecedor de toda a atenccedilatildeo que lhe foi concedida por Ross e Lukasiewicz O capiacutetulo 28 em sua opiniatildeo eacute bem mais promissor no que diz respeito agrave questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera31 enquanto o capiacutetulo 27

30 Como Aristoacuteteles natildeo oferece exemplos de termos desse tipo deixamos indeterminado se satildeo summa genera como propotildee Ross ou transcategoriais de generalidade total (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como prefere Lukasiewicz (cf nota 3) 31 Patzig (1959 sect3 p 6)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

26

serviria mais como discussatildeo preparatoacuteria para os assuntos tratados no capiacutetulo seguinte

De fato haacute forte unidade entre esses textos O objetivo predominante que os vincula e orienta eacute anunciado no iniacutecio do capiacutetulo 27 e consiste em mostrar ldquode que modo sempre estaremos providos de silogismos em relaccedilatildeo ao que for proposto e por qual via alcanccedilamos os princiacutepios de cada coisardquo32 O capiacutetulo 27 contribui com esse objetivo na medida em que faz recomendaccedilotildees sobre como selecionar termos e premissas e classifica os fatores silogiacutesticos segundo as funccedilotildees (sujeito e predicado) que podem desempenhar de modo irrestrito em proposiccedilotildees silogiacutesticas A contribuiccedilatildeo do capiacutetulo 28 por sua vez estaacute associada aos procedimentos de prova de cada uma das quatro formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Esses procedimentos satildeo caracterizados basicamente pela descriccedilatildeo dos paracircmetros de localizaccedilatildeo do fator capaz de mediar os extremos (τά ἄκρα) na relaccedilatildeo categoacuterica acarretada na conclusatildeo Trata-se portanto de procedimentos de busca e localizaccedilatildeo do termo mediador (τὸ μέσον)

Assim para provar por exemplo a relaccedilatildeo universal afirmativa EaA prescreve Aristoacuteteles devemos encontrar um fator comum a duas listas (i) aquela de termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e (ii) aquela de termos que se atribuem universalmente ao extremo menor E33 O resultado seraacute o mediador M tal que MaA e EaM o que perfaz um silogismo em Barbara Semelhantemente para provar a relaccedilatildeo particular afirmativa EiA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um elemento comum agraves listas de (i) termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente ou seja agraves listas de termos que cada um dos extremos E e A ldquoacompanhardquo (ἕπεσθαι ou ακολουθεῖν) Nesse caso o termo comum M seraacute tal que MaA e MaE o que nos

32 An Pr I 27 43a 20ndash21 33 An Pr I 28 43b 39ndash43

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

27

permite concluir EiA por Darapti (terceira figura)34 Por sua vez a prova da relaccedilatildeo universal negativa EeA tambeacutem se valeraacute da identificaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios a um extremo e de (ii) termos que se atribuem universalmente ao outro extremo se o mediador M comum agraves duas listas for contraacuterio ao extremo maior A e universalmente atribuiacutedo ao extremo menor E o mediador M seraacute tal que MeA e EaM ou AeM e EaM possibilitando a prova de EeA (respectivamente) por Celarent e por Cesare mas se o mediador M for contraacuterio ao extremo menor E e universalmente atribuiacutedo ao extremo maior A M seraacute tal que AaM e EeM restringindo a prova de EeA a Camestres35 Por fim para provar a relaccedilatildeo particular negativa EoA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios ao extremo maior A e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente Assim o mediador M seraacute tal que MeA e MaE o que prova EoA por Felapton36

Em todas as recomendaccedilotildees do capiacutetulo 28 Aristoacuteteles se orienta pelas conclusotildees almejadas propondo a partir delas procedimentos de busca e localizaccedilatildeo dos fatores capazes de acarretar cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas A estrateacutegia de Aristoacuteteles portanto natildeo consiste em partir de premissas e deduzir os resultados que delas se seguem mas fazendo o caminho inverso consiste em partir da conclusatildeo e buscar o termo mediador capaz de articular os extremos na relaccedilatildeo categoacuterica (a e i ou o) da conclusatildeo

Por natildeo captar a natureza invertida dessa estrateacutegia Patzig natildeo compreendeu plenamente o que Aristoacuteteles propusera e julgou que o capiacutetulo 28 muito mais que o capiacutetulo 27 impunha severas restriccedilotildees agrave lista de termos capazes de figurar em silogismos aristoteacutelicos Na verdade o capiacutetulo 28 nem sequer trata da questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera mas limita-se a descrever os paracircmetros de

34 Ibidem 43b 43ndash44a 2 35 An Pr I 44a 2ndash8 36 An Pr I 28 44a 9ndash11

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

28

localizaccedilatildeo do mediador de cada forma categoacuterica Eacute claro que ao descrever esses paracircmetros Aristoacuteteles acaba por assumir certos pressupostos que em uacuteltimo caso podem ter algum efeito sobre a lista de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica Ainda assim eacute preciso observar que as recomendaccedilotildees apresentadas no capiacutetulo 28 satildeo pensadas em relaccedilatildeo agrave prova de cada proposiccedilatildeo categoacuterica em particular Por isso os pressupostos envolvidos nessas recomendaccedilotildees bem como as eventuais restriccedilotildees de termos que lhes sejam correlatas deveratildeo ter aplicaccedilatildeo circunscrita a cada caso isto eacute aos procedimentos de prova de cada conclusatildeo em particular

Patzig parece natildeo ter dado a devida atenccedilatildeo a esse detalhe pois embora compreenda os seus axiomas como pressupostos impliacutecitos das recomendaccedilotildees de Aristoacuteteles ndash recomendaccedilotildees cuja aplicaccedilatildeo estaacute circunscrita a cada caso ndash Patzig os assume como vaacutelidos para termos de todo e qualquer silogismo37 No entanto eacute flagrante que certos silogismos natildeo dependem de alguns de seus axiomas Um arquetiacutepico silogismo em Barbara por exemplo funciona perfeitamente bem sem pressupor para qualquer de seus termos a validade do terceiro axioma isto eacute sem pressupor que exista para qualquer de seus termos (ou mesmo para qualquer de seus extremos para ser fiel ao capiacutetulo 28) um termo que lhe seja ldquocontraacuteriordquo

Ao que tudo indica o que levou Patzig a estender a validade de seus axiomas sobre todos os silogismos eacute o trecho 44a 12minus17 em que Aristoacuteteles estipula letras para as listas de termos com as quais pretende trabalhar na exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova38 Na referida passagem Aristoacuteteles considera basicamente trecircs tipos de termos que se distinguem pelo termo extremo que lhes eacute correlato bem como pela relaccedilatildeo predicativa que cada um manteacutem com esse extremo Para cada extremo Aristoacuteteles estipula (i) termos que lhe satildeo atribuiacutedos universalmente (ii) termos aos quais ele proacuteprio se atribui universalmente e (iii) termos que natildeo lhe

37 Patzig (1959) sect3 p 6ndash7 38 An Pr I 28 44a 12minus17

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

29

podem ser atribuiacutedos Os termos de primeiro tipo devem ter servido de estiacutemulo para a necessidade de termos superordenados proacuteprios que eacute marca do segundo axioma de Patzig os termos de segundo tipo por sua vez para a necessidade de termos subordinados proacuteprios marca do primeiro axioma os de terceiro por fim para a necessidade de termos ldquocontraacuteriosrdquo marca do terceiro axioma

Eacute bem verdade que os termos estipulados por Aristoacuteteles envolvem certa analogia com os axiomas propostos por Patzig Mas eacute preciso notar em primeiro lugar que nenhum dos procedimentos de prova descritos por Aristoacuteteles depende da estipulaccedilatildeo dos trecircs tipos de termos39 A recomendaccedilatildeo de prova da proposiccedilatildeo particular afirmativa por exemplo requer apenas (ii) termos aos quais os extremos se atribuem universalmente40 O fato de Aristoacuteteles jaacute estipular de antematildeo trecircs tipos de termos para cada extremo natildeo torna obrigatoacuterio que todo e qualquer extremo (e muito menos que todo e qualquer termo silogiacutestico como prefere Patzig) independentemente do silogismo a que pertenccedila dependa dos trecircs tipos de termos estipulados precisamente porque a estipulaccedilatildeo desses termos estaacute ancorada em um par de extremos que eacute muito peculiar Esse par de extremos eacute pensado com propoacutesitos didaacuteticos orientados agrave exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova de cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas (a e i e o) Trata-se de um par de extremos que em benefiacutecio da exposiccedilatildeo eacute assumido como articulaacutevel em qualquer das relaccedilotildees categoacutericas Poreacutem essa assunccedilatildeo soacute faz sentido no contexto preciso dessa exposiccedilatildeo de procedimentos de prova afinal algumas dessas relaccedilotildees categoacutericas satildeo incompatiacuteveis entre si ndash por exemplo as relaccedilotildees universal afirmativa e particular negativa Por isso devemos presumir que as estipulaccedilotildees de termos que lhes datildeo suporte tambeacutem o satildeo e portanto natildeo podem valer em conjunto e para todos os casos

39 Idem 44a 17minus30 40 Ibidem 44a 19minus21

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

30

Para esclarecer esse ponto retomemos rapidamente os procedimentos de prova das proposiccedilotildees universal afirmativa e particular negativa41 Assumindo um mesmo par de extremos como faz Aristoacuteteles estaremos diante de proposiccedilotildees contraditoacuterias (EaA e EoA) Dado que tais proposiccedilotildees satildeo incompatiacuteveis as condiccedilotildees das quais elas satildeo provenientes tambeacutem o seratildeo Dizendo de outro modo a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (i) termos aos quais o extremo maior se atribui universalmente e (ii) termos que se atribuem universalmente ao extremo menor eacute incompatiacutevel com a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (irsquo) termos aos quais o extremo maior natildeo pode ser atribuiacutedo e (iirsquo) termos aos quais o extremo menor se atribui universalmente Assim em presenccedila das condiccedilotildees de prova de uma das proposiccedilotildees incompatiacuteveis as condiccedilotildees da outra poderatildeo ser dispensadas jaacute que satildeo condiccedilotildees requeridas para uma prova cuja possibilidade jaacute natildeo existe E natildeo haacute razatildeo para manter os termos estipulados e dispensar apenas a possibilidade de um termo comum entre as listas pois ambos os pressupostos satildeo requisitados para servir um uacutenico e mesmo propoacutesito o de estabelecer condiccedilotildees para a prova da relaccedilatildeo categoacuterica que se pretende obter Natildeo haacute uma razatildeo que justifique a manutenccedilatildeo das listas de termos estipulados em detrimento da possibilidade de um termo comum entre as listas pois o propoacutesito que introduz uma exigecircncia tambeacutem introduz a outra Sob essa perspectiva fica claro que os termos estipulados no trecho 44a 12minus17 natildeo podem ser pressupostos indispensaacuteveis de quaisquer termos silogiacutesticos tampouco pressupostos que devem ser satisfeitos em conjunto por termos de todo e qualquer silogismo Afinal Aristoacuteteles estipula cada uma das listas supondo que seus termos seratildeo candidatos agrave funccedilatildeo de mediador (e natildeo agrave funccedilatildeo de termos silogiacutesticos) e o faz segundo as exigecircncias especiacuteficas envolvidas na prova de cada relaccedilatildeo categoacuterica em particular (a e i ou o) Compreender tais listas como pressupostos

41 An Pr I 28 43b 39minus43 e 44a 9minus11

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

31

que devem ser satisfeitos por todo e qualquer termo silogiacutestico eacute um equiacutevoco

Em segundo lugar o capiacutetulo 28 natildeo parece estar orientado propriamente agrave prova silogiacutestica das formas categoacutericas mas em algum sentido agrave demonstraccedilatildeo de tais relaccedilotildees Haacute indiacutecios que sugerem essa leitura O principal deles talvez seja o fato de Aristoacuteteles se mostrar interessado em localizar um meson que fica no meio do caminho entre um mediador que satisfaz requisitos meramente dedutivos e um mediador que supera tais requisitos e se configura como um fator explanatoacuterio em uma legiacutetima demonstraccedilatildeo cientiacutefica42 Retomemos por exemplo as recomendaccedilotildees de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) Em 43b 43ndash44a 2 Aristoacuteteles recomenda a prova de EiA por premissas universais conduzindo a prova a um silogismo em Darapti embora admita a possibilidade de concluir proposiccedilotildees particulares a partir de um par de premissas em que apenas uma eacute universal (41b 22minus27) Em 44a 9ndash11 a exemplo do que ocorre com a prova de EiA Aristoacuteteles recomenda a prova de EoA novamente por premissas universais desta vez conduzindo a prova a um silogismo em Felapton Essas duas recomendaccedilotildees de prova pressupotildeem que o meson requisitado para a prova natildeo eacute um mediador meramente dedutivo mas um mediador que se articula com os extremos exclusivamente por relaccedilotildees universais Eacute claro que esse cenaacuterio ainda estaacute muito distante daquele que temos por exemplo no capiacutetulo 2 do Livro II de Segundos

42 Em uma demonstraccedilatildeo cientiacutefica natildeo basta que o mediador se relacione com os extremos de tal modo que a deduccedilatildeo da conclusatildeo esteja formalmente assegurada Aristoacuteteles ainda exige que o mediador satisfaccedila certos requisitos natildeo formais O principal deles eacute o de explicar adequadamente por que o extremo maior se atribui ao extremo menor (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 por exemplo essa diferenccedila (entre um mediador que satisfaz exigecircncias meramente dedutivas e um mediador que funciona como explicaccedilatildeo do fato relatado na conclusatildeo) eacute utilizada como criteacuterio baacutesico para distinguir o conhecimento de que C eacute A (conhecimento do fato) e o conhecimento de por que C eacute A (conhecimento da causa)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

32

Analiacuteticos (90a 6minus7) em que o meson eacute pensado como a causa que explica por que a relaccedilatildeo dada entre os extremos explicitada na conclusatildeo da demonstraccedilatildeo eacute o caso Mesmo assim temos o suficiente para mostrar que Aristoacuteteles natildeo estaacute levando em conta todos os silogismos de seu sistema loacutegico mas apenas aqueles nos quais ambas as premissas satildeo universais Por que razatildeo exatamente Aristoacuteteles faz essa escolha eacute algo a se investigar O que nos importa eacute que essa escolha restringe o escopo do capiacutetulo a um grupo especiacutefico de silogismos o que natildeo eacute compatiacutevel com a validade irrestrita dos axiomas propostos por Patzig

Em terceiro lugar Aristoacuteteles natildeo lida com as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo proacutepria superordenaccedilatildeo proacutepria e contrariedade mas prefere (i) termos que acompanham o extremo (τὰ ἑπόμενα) (ii) termos aos quais o extremo acompanha (οἷς αὐτὸ ἕπεται) e (iii) termos que natildeo podem ser atribuiacutedos ao extremo (ἃ μὴ ἐνδέχεται αὐτῷ ὑπάρχειν) Essa diferenccedila natildeo eacute apenas terminoloacutegica mas conceitual As relaccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias pressupotildeem termos que natildeo satildeo coextensivos se X eacute um termo subordinado proacuteprio de Y XaY eacute o caso mas YaX natildeo se Z eacute um termo superordenado proacuteprio de Y YaZ eacute o caso mas ZaY natildeo O proacuteprio Patzig reconhece essas consequumlecircncias ao formular os seus dois primeiros axiomas43 Aristoacuteteles no entanto ao se valer das relaccedilotildees de ldquoacompanhamentordquo entre os termos natildeo hesita em rejeitaacute-las No capiacutetulo 29 por exemplo Aristoacuteteles menciona a possibilidade de provar por hipoacutetese (συλλογίσασθαι ἐξ ὑποθέσεως) os problemas universais (a e e) assumindo precisamente a possibilidade de coextensatildeo entre os termos envolvidos possibilidade da qual Patzig parece prescindir ao formular seus axiomas A passagem agrave qual nos referimos eacute a seguinte

εἰ γὰρ τὸ Γ καὶ τὸ Η ταὐτὰ εἴη μόνοις δὲ ληφθείη τοῖς Η τὸ Ε ὑπάρχειν παντὶ ἂν τῷ Ε τὸ Α ὑπάρχοι καὶ πάλιν εἰ τὸ Δ καὶ Η ταὐτὰ μόνων δὲ τῶν Η τὸ Ε κατηγοροῖτο ὅτι οὐδενὶ τῷ Ε τὸ Α ὑπάρξει

43 Patzig (1959 sect3 p 6ndash7)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

33

Com efeito se C e G fossem o mesmo mas se assumisse que E se atribui apenas aos Grsquos A se atribuiria a todo E Novamente se D e G fossem o mesmo mas E se afirmasse apenas dos Grsquos A se atribuiraacute a nenhum E (45b 24minus27)

Em 44a 12minus17 Aristoacuteteles jaacute havia estipulado que a letra C representaria um termo ao qual o extremo maior A acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente tambeacutem foi estipulado que a letra G representaria um termo ao qual o extremo menor E acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente por fim ainda ficou decidido que a letra D representaria um termo que natildeo pode ser atribuiacutedo ao extremo maior A Assim a identidade entre C e G a exemplo do que ocorre em 44a 19minus21 conduz a prova de EiA a um silogismo em Darapti ao passo que a identidade entre D e G a exemplo do que ocorre em 44a 28minus30 conduz a prova de EoA a um silogismo em Felapton44 No entanto nessa passagem embora os procedimentos de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) sejam acionados aquilo que se quer mostrar eacute de que modo podemos provar por hipoacutetese (ἐξ ὑποθέσεως) as proposiccedilotildees universais Para alcanccedilar esse resultado Aristoacuteteles assume que o extremo menor E se atribui apenas (μόνον) a G o que pode ser interpretado como uma maneira diferente de dizer que E e G satildeo termos coextensivos Sinal disso eacute o seguinte ao assumir que E se atribui apenas a G Aristoacuteteles se vecirc autorizado a concluir as proposiccedilotildees universais EaA e EeA o que soacute faz sentido sob o pressuposto de que G e E satildeo termos coextensivos De fato sob tal pressuposto a premissa menor GaE pode ser ldquoconvertidardquo em EaG o que transforma Darapti em Barbara bem como Felapton em Celarent Mas se os termos aos quais o extremo menor E acompanha forem pensados como termos subordinados proacuteprios de E GaE seraacute o caso mas EaG natildeo Por conseguinte tampouco as conclusotildees EaA e EeA se seguiriam Assim se quisermos conferir sentido agrave passagem temos que assumir que Aristoacuteteles recorreu agrave possibilidade de construir silogismos com termos

44 Darapti CaA GaE rarr EiA (C=G) Felapton DeA GaE rarr EoA (D=G)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

34

que satildeo coextensivos e se assim for podemos dizer que para Aristoacuteteles a presenccedila de silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos em sua loacutegica natildeo causava qualquer inconveniente45

Segundo nos parece as razotildees alegadas ateacute aqui jaacute satildeo suficientes para mostrar que os axiomas de Patzig natildeo podem servir como criteacuterios delimitadores de termos silogiacutesticos Ainda assim vale a pena examinar duas passagens que eventualmente poderiam ser invocadas contra a interpretaccedilatildeo que propomos Embora natildeo sejam citadas pelos proponentes das opiniotildees tradicionais natildeo eacute difiacutecil imaginar que elas tenham servido de inspiraccedilatildeo para aqueles que defendem a exclusatildeo dos termos transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo De fato agrave primeira vista tais passagens podem nos levar a pensar que Aristoacuteteles natildeo guardou lugar para tais termos na silogiacutestica No entanto como veremos isso soacute eacute verdade agrave primeira vista

45 O capiacutetulo 29 natildeo eacute a uacutenica evidecircncia de silogismos com termos coextensivos na silogiacutestica No capiacutetulo 5 do Livro II de Primeiros Analiacuteticos precisamente em 57b 35minus58a 12 Aristoacuteteles trabalha com silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos Por sua vez no capiacutetulo 22 em 67b 27minus32 Aristoacuteteles inicia o texto dizendo que a coextensatildeo entre os termos extremos de um silogismo requer um mediador tambeacutem coextensivo o que revela por parte de Aristoacuteteles plena consciecircncia a respeito da existecircncia de silogismos com triacuteades coextensivas Nos Segundos Analiacuteticos o interesse de Aristoacuteteles por demonstraccedilotildees que envolvem termos coextensivos pode ser classificado como uma obsessatildeo Basta notar que a proacutepria demonstraccedilatildeo universal ndash aquela que eacute considerada por Aristoacuteteles como cientiacutefica no mais alto grau ndash tem como uma de suas principais caracteriacutesticas a coextensatildeo entre os trecircs termos do silogismo (cf Seg An I 4 73b 32minus74a 3) o que revela o papel central das triacuteades coextensivas no projeto aristoteacutelico que eacute inaugurado com a silogiacutestica e culmina nas demonstraccedilotildees cientiacuteficas (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 e II 16 Aristoacuteteles novamente recorre a termos coextensivos na formulaccedilatildeo de silogismos A nossa preferecircncia pela passagem 45b 24minus27 do capiacutetulo 29 de Primeiros Analiacuteticos se daacute apenas com base em sua conexatildeo indiscutiacutevel com o capiacutetulo 28 no qual Patzig julga encontrar seus axiomas

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

35

Uma das passagens agraves quais nos referimos eacute aquela com a qual Aristoacuteteles encerra o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I Vejamos o que diz Aristoacuteteles

ἔτι τὰ πᾶσιν ἑπόμενα οὐκ ἐκλεκτέον οὐ γὰρ ἔσται συλλογισμὸς ἐξ αὐτων διrsquo ἣν δrsquo αἰτίαν ἐν τοῖς ἑπομένοις ἔσται δῆλον Aleacutem disso natildeo eacute preciso selecionar os itens que acompanham todas as coisas pois natildeo haacute silogismo a partir deles A razatildeo disso ficaraacute evidente a seguir (43b 36minus38)

Essa passagem trata dos termos transcategoriais de generalidade total (τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) e delega a justificativa de seu proacuteprio pronunciamento ao capiacutetulo seguinte no qual Patzig encontrou inspiraccedilatildeo para seus axiomas No capiacutetulo 28 cumprindo o prometido Aristoacuteteles retoma esse assunto e reitera a impossibilidade de construir silogismos a partir de termos de generalidade total

φανερὸν οὖν ὅτι διὰ τῶν προειρημένων σχημάτων οἱ συλλογισμοὶ πάντες καὶ ὅτι οὐκ ἐκλεκτέον ὅσα πᾶσιν ἕπεται διὰ τὸ μηδένα γίγνεσθαι συλλογισμὸν ἐξ αὐτῶν κατασκευάζειν μὲν γὰρ ὅλως οὐκ ἦν ἐκ τῶν ἑπομένων ἀποστερεῖν δrsquo οὐκ ἐνδέχεται διὰ τοῦ πᾶσιν ἑπομένου δεῖ γὰρ τῷ μὲν ὑπάρχειν τῷ δὲ μὴ ὑπάρχειν Eacute evidente entatildeo que todos os silogismos vecircm a ser atraveacutes das figuras previamente mencionadas e que natildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisas porque nenhum silogismo vem a ser a partir deles De fato de modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanham e natildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outro (44b 19minus24)

Fora de contexto e em uma leitura mais apressada essas duas passagens podem nos levar a crer que a opiniatildeo tradicional que afasta da silogiacutestica os termos de generalidade total (como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) de fato encontra respaldo nos textos de Aristoacuteteles No entanto mais uma vez eacute preciso levar em conta que o capiacutetulo 28 eacute marcado pela

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

36

descriccedilatildeo de estrateacutegias de localizaccedilatildeo de termos mediadores e natildeo de termos em geral Dizendo de outro modo Aristoacuteteles natildeo estaacute interessado em localizar os termos que deveratildeo encerrar a conclusatildeo de um silogismo pelo contraacuterio tais termos jaacute estatildeo plenamente determinados bem como a relaccedilatildeo proposicional (a e i e o) que haacute entre eles dado que a conclusatildeo na qual interagem funciona como ponto de partida da investigaccedilatildeo empreendida no capiacutetulo O que interessa para Aristoacuteteles eacute a localizaccedilatildeo de termos mediadores e eacute nesse horizonte que tais passagens devem ser lidas Assim ao negar a possibilidade de construir silogismos a partir de termos transcategoriais de generalidade total (ἐξ αὐτῶν) o que Aristoacuteteles quer dizer eacute que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos46 nos quais a funccedilatildeo de mediador seja desempenhada por um termo desse tipo razatildeo pela qual na busca pelo mediador recomenda Aristoacuteteles ldquonatildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisasrdquo (44b 20minus21) Para justificar essa recomendaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta duas razotildees (i) ldquode modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanhamrdquo (44b 22minus23) (ii) ldquonatildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outrordquo (44b 23minus24) Na primeira razatildeo Aristoacuteteles parece reconsiderar as listas de termos estipuladas no trecho 44a 11minus17 pressupondo ao que tudo indica que os transcategoriais de generalidade total soacute podem figurar em listas de termos que acompanham os extremos Isso se justificaria pela natureza inapta de tais termos para o papel de sujeito em proposiccedilotildees silogiacutesticas conforme se constata no capiacutetulo I 27 Assim na medida em que nas provas afirmativas a busca pelo mediador natildeo envolve

46 Na verdade como o escopo do capiacutetulo 28 natildeo abarca todo e qualquer silogismo seria mais correto dizer que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos (nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas) assumindo um termo de generalidade total na funccedilatildeo de mediador

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

37

apenas a lista de termos que acompanham um dos extremos mas tambeacutem a lista de termos aos quais um dos extremos acompanha (ver 43b 39minus44a 2) os transcategoriais de generalidade total perdem a candidatura agrave funccedilatildeo de mediador e jaacute de saiacuteda nem sequer precisam ser considerados47 Na segunda razatildeo por sua vez Aristoacuteteles leva em conta o fato de que as provas negativas dependem de um mediador capaz de figurar em proposiccedilotildees universais negativas verdadeiras exigecircncia que natildeo estaacute no alcance dos termos de generalidade total Afinal se estamos diante de um transcategorial desse tipo de antematildeo jaacute assumimos a inexistecircncia de um termo do qual ele natildeo seja predicado Assim os termos de generalidade total ficam impedidos de serem atribuiacutedos a um extremo e natildeo atribuiacutedos ao outro (44b 24) como deve ser o mediador de um silogismo negativo

O que eacute verdade portanto eacute que Aristoacuteteles dispensa os termos de generalidade total da funccedilatildeo de mediador De fato quando se pretende construir silogismos nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas tal como ocorre no capiacutetulo 28 a busca do mediador entre transcategoriais de generalidade total eacute sempre infrutiacutefera porque soacute poderaacute devolver como resposta pretensos fatores de mediaccedilatildeo marcados por duas deficiecircncias principais a

47 Supomos que em tais passagens Aristoacuteteles de fato tem em mente as recomendaccedilotildees de prova apresentadas no iniacutecio do capiacutetulo 28 de modo que apenas os silogismos em Barbara e Darapti sejam considerados como silogismos afirmativos (cf 43b 39minus44a 2) Assim entendemos que o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 se justificaria porque os termos de generalidade total na prova de a natildeo podem integrar a lista de termos aos quais o extremo maior acompanha bem como na prova de i a lista de termos aos quais ambos os extremos acompanham No entanto ainda que os demais silogismos afirmativos sejam levados em conta o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 continua verdadeiro jaacute que Darii Disamis e Datisi tambeacutem exigem que o mediador esteja entre os termos aos quais o(s) extremo(s) acompanha(m)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

38

impossibilidade de desempenhar a funccedilatildeo de sujeito de modo legiacutetimo e a incapacidade de compor proposiccedilotildees negativas verdadeiras

Nenhuma das passagens mencionadas acima (43b 36minus38 e 44b 19minus24) eacute citada ndash nem por Lukasiewicz nem por Patzig ndash como evidecircncia de que Aristoacuteteles teria rejeitado os termos de generalidade total em seu sistema loacutegico Poreacutem diante da escassez de evidecircncias em favor da suposta exclusatildeo de tais termos natildeo eacute insensato presumir que os proponentes dessa exclusatildeo tenham encontrado inspiraccedilatildeo nelas

Na proacutexima seccedilatildeo examinaremos textos nos quais Aristoacuteteles constroacutei silogismos com termos de natureza singular Veremos que o incocircmodo com a presenccedila de tais termos na silogiacutestica eacute menos de Aristoacuteteles e mais de seus inteacuterpretes 3 Termos Singulares e o Silogismo Peripateacutetico

Jaacute comentamos o fato de Lukasiewicz ter feito pesadas criacuteticas agrave silogiacutestica em especial ao suposto fato de Aristoacuteteles ter afastado os termos de natureza singular de seu sistema loacutegico o que seria segundo Lukasiewicz ldquoo maior defeitordquo da loacutegica aristoteacutelica48 Ao que parece o responsaacutevel por levaacute-lo por esse caminho foi Ross que tomou nota do tambeacutem suposto fato de Aristoacuteteles nunca se valer de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos49 Lukasiewicz reiterou a constataccedilatildeo de Ross (embora natildeo o cite) e nela encontrou razatildeo para natildeo reconhecer como rigorosamente aristoteacutelico o silogismo que qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo silogismo formulado em primeira figura com um nome proacuteprio como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo

De acordo com a triparticcedilatildeo de termos que pudemos conhecer no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I (Seccedilatildeo II Parte 1) natildeo temos qualquer razatildeo para expulsar da silogiacutestica os termos de natureza singular Eacute

48 Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect3 p 6) 49 Ross (1949 p 289 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

39

claro que Aristoacuteteles natildeo deixa de lhes endereccedilar certas restriccedilotildees poreacutem vale a pena repetir nenhuma das restriccedilotildees introduzidas por Aristoacuteteles no referido capiacutetulo tem forccedila suficiente para expulsar os termos singulares da loacutegica aristoteacutelica De fato embora tais termos natildeo possam figurar em proposiccedilotildees como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nada impede que outros termos lhes sejam atribuiacutedos por conseguinte embora natildeo possam ser demonstrados como legiacutetimos predicados de outros termos nada impede que outros termos sejam demonstrados como predicados deles50

Fora dos Analiacuteticos jaacute esbarramos em indiacutecios que vatildeo nessa direccedilatildeo No capiacutetulo 10 de Metafiacutesica XIII (My) por exemplo haacute uma breve passagem que sugere esse resultado Enquanto argumenta em favor da tese de que ldquoo conhecimento eacute de universaisrdquo (ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου) Aristoacuteteles parece supor que os termos singulares ldquoeste triacircngulordquo e ldquoeste homemrdquo tambeacutem satildeo suscetiacuteveis de operaccedilotildees silogiacutesticas

[] ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου δῆλον δrsquo ἐκ τῶν ἀποδείξεων καὶ τῶν ὁρισμῶν οὐ γὰρ γίγνεται συλλογισμὸς ὅτι τόδε τὸ τρίγωνον δύο ὀρθαῖς εἰ μὴ πᾶν τρίγωνον δύο ὀρθαί οὐδrsquo ὅτι ὁδὶ ὁ ἄνθρωπος ζῷον εἰ μὴ πᾶς ἄνθρωπος ζῷον [] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos a natildeo ser que todo triacircngulo possua dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal a natildeo ser que todo homem seja animal (1086b 34minus37)

Poreacutem essa passagem natildeo eacute tatildeo simples quanto pode parecer agrave primeira vista51 Paul Shorey por exemplo reprovaria jaacute a traduccedilatildeo que

50 An Pr I 27 43a 25minus29 e 39minus40 Ao comentar o capiacutetulo 27 Mignucci (1969 p 443) tambeacutem reconhece a possibilidade ldquodi costruire dimostrazioni e sillogismi anche relativamente a singolarirdquo citando Alexandre que tambeacutem jaacute a observa em seus comentaacuterios (An Pr p 293 13minus23) 51 Shorey (1913)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

40

propomos porque ela faz crer que Aristoacuteteles estabelece uma relaccedilatildeo de dependecircncia dedutiva (silogiacutestica) entre proposiccedilotildees dependecircncia que de fato existe mas da qual para Shorey a passagem em questatildeo natildeo trataria De acordo com Shorey as ocorrecircncias de εἰ μὴ nas linhas 33 e 36 natildeo significam ldquo[] lsquounlessrsquo but is to be taken in its idiomatic sense as a virtual equivalent of ἀλλάrdquo Nesse caso uma traduccedilatildeo mais fiel agrave posiccedilatildeo de Shorey seria a seguinte

[] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos mas de que todo triacircngulo tem dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal mas de que todo homem eacute animal (1086b 34minus37)

Assim o texto estabeleceria natildeo que as proposiccedilotildees singulares no papel de conclusotildees silogiacutesticas satildeo (dedutivamente) dependentes das proposiccedilotildees universais mas que as conclusotildees propriamente silogiacutesticas satildeo universais (universalmente quantificadas) e natildeo singulares

Ross52 ao tratar dessa passagem natildeo deixa de comentar a posiccedilatildeo de Shorey

He [Shorey] argues that in l 33 knowledge is said to be lsquoofrsquo universals ie to have universal conclusions as well as universal premises [hellip] and that singular propositions never occur as conclusions in Aristotlersquos logical writings

Na verdade Shorey53 natildeo chega a dizer que proposiccedilotildees singulares nunca ocorrem como conclusotildees silogiacutesticas nos escritos loacutegicos de Aristoacuteteles embora passe perto disso

The syllogism with a particular54 conclusion is an inferior type (Analyt Post 79a 25ff) [hellip] Aristotle does not recognize singular proposition in his classification (Analyt Priora A1 Grote Aristotle I 205) and the

52 Ross (1953 p 464) 53 Shorey (1913 p 91) 54 Nesse contexto Shorey assume ldquoparticularrdquo e ldquosingularrdquo como equivalentes

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

41

conclusion to an individual case interests him very little and is practically ignored

Shorey tem alguma razatildeo em alegar que os silogismos que concluem proposiccedilotildees singulares (tambeacutem conhecidos como ldquoperipateacuteticosrdquo) satildeo de um tipo inferior especialmente quando se leva em conta o horizonte das demonstraccedilotildees cientiacuteficas55 mas erra quando recorre ao trecho 79a 25ss para dar base textual a tal alegaccedilatildeo ndash o referido trecho nem mesmo trata desse assunto Por sua vez e contra Shorey Ross56 surpreende ao alegar o seguinte

There are however occasional references in Aristotle to the occurrence of singular propositions as the minor premise or conclusion of syllogisms (eg An Pr 43a 37minus40) []

55 Para Aristoacuteteles o silogismo dito cientiacutefico no mais alto grau eacute a chamada demonstraccedilatildeo universal Eacute importante notar que aqui o adjetivo ldquouniversalrdquo tem um sentido muito preciso e natildeo se justifica pela mera ocorrecircncia de uma conclusatildeo universalmente quantificada Em Segundos Analiacuteticos I 4 73b 32minus74a 3 por exemplo Aristoacuteteles argumenta que a demonstraccedilatildeo universal natildeo conclui que todo isoacutesceles tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos mas que todo triacircngulo tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos revelando um requisito que envolve o ajuste preciso do extremo menor a partir de condiccedilotildees estabelecidas pelo extremo maior (cf Seg An I 5 74a 4minus6 13minus17 25minus32 74b 21minus26 I 24 85b 4minus15) Para Aristoacuteteles o predicado ldquoter a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retosrdquo ndash daqui para frente apenas ldquo2Rrdquo ndash se atribui a ldquoisoacutescelesrdquo de um modo que em algum sentido eacute parasitaacuterio da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo dado que isoacutesceles tem 2R na exata medida em que eacute triacircngulo Em outras palavras a atribuiccedilatildeo de ldquo2Rrdquo a ldquoisoacutescelesrdquo eacute entendida como indireta e dependente da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo Nesse contexto eacute natural presumir que um silogismo peripateacutetico seja concebido como inferior em relaccedilatildeo aos demais minus especialmente no que diz respeito ao grau de cientificidade minus jaacute que sua conclusatildeo natildeo poderaacute satisfazer as exigecircncias de uma legiacutetima conclusatildeo cientiacutefica tal como ocorre em uma demonstraccedilatildeo universal Jaacute quanto agraves propriedades dedutivas envolvidas em tal silogismo natildeo haacute razatildeo para consideraacute-lo inferior Para apreciaccedilatildeo detalhada da noccedilatildeo de demonstraccedilatildeo universal ver Angioni (2007) 56 Ross (1953 p 464)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

42

Ross supotildee que o argumento de Shorey pretende estabelecer a exclusatildeo dos termos singulares do domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica e aponta a passagem 43a 37minus40 como evidecircncia textual incompatiacutevel com essa exclusatildeo Temos aqui uma mudanccedila de opiniatildeo De fato conforme pudemos ver na primeira seccedilatildeo deste artigo ao tratar do trecho 43a 37minus43 na ediccedilatildeo comentada do texto grego de Primeiros e Segundos Analiacuteticos Ross chega a dizer que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares em seus exemplos de silogismos e argumenta em favor de uma silogiacutestica restrita a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ)57 Agora ao comentar a passagem 1086a 34minus37 de Metafiacutesica XIII (My) 10 Ross reconhece no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I uma evidecircncia em favor da inclusatildeo dos termos singulares na silogiacutestica Aparentemente o proacuteprio Ross natildeo tinha muita convicccedilatildeo a respeito da inclusatildeo ou exclusatildeo dos termos de natureza singular

De nossa parte admitimos que a passagem 1086a 34minus37 eacute digna da controveacutersia introduzida por Shorey ndash embora tenhamos mais apreccedilo pela interpretaccedilatildeo de Ross No entanto mesmo que Shorey tenha razatildeo a respeito do referido trecho de Metafiacutesica XIII (My) 10 a presenccedila de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares na silogiacutestica natildeo estaraacute ameaccedilada porque ainda podemos nos valer de passagens muito mais promissoras para decidir essa questatildeo passagens nas quais o proacuteprio Aristoacuteteles elabora cocircmputos silogiacutesticos com termos singulares como se a presenccedila deles na silogiacutestica natildeo lhe figurasse como uma anomalia

Patzig tinha conhecimento dessas passagens e fez questatildeo de citaacute-las no primeiro capiacutetulo de seu livro corrigindo o suposto fato alegado por Ross e Lukasiewicz de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos exemplos de silogismos que aparecem em Primeiros Analiacuteticos No entanto Patzig natildeo recorre a tais passagens a fim de reintroduzir os termos singulares na silogiacutestica mas procura

57 Idem 1949 p 384

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

43

desqualificaacute-las e assim reiterar os resultados de seus antecessores De fato embora reconheccedila as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 do Livro I bem como de ldquoPitacosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II Patzig manteacutem a posiccedilatildeo tradicional que afasta os termos de natureza singular da loacutegica aristoteacutelica alegando apenas que a ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo (70a 16minus20) se daacute em um silogismo invaacutelido ao passo que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo (47b 15ss) aparecem em premissas das quais nada se segue58

Eacute bem verdade que as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 de Primeiros Analiacuteticos I estatildeo associadas a pares de premissas dos quais nenhuma conclusatildeo se segue coisa que o proacuteprio Aristoacuteteles natildeo hesita em admitir No entanto embora sejam inconcludentes esses pares de premissas acomodam seus termos em disposiccedilotildees muito similares agravequelas de um silogismo vaacutelido (Barbara)59 o que lhes confere as feiccedilotildees de que satildeo concludentes quando na verdade natildeo o satildeo De acordo com Aristoacuteteles o que os impede de serem concludentes eacute o fato de que a premissa maior natildeo eacute universal60 Em 47b 26minus28 essa justificativa eacute apresentada por meio de um pronunciamento que merece alguma atenccedilatildeo Aristoacuteteles anuncia o fato de a premissa maior natildeo ser universal como quem supotildee que fosse ela universal o problema estaria resolvido e assim o par de premissas seria concludente61 Ora na medida em que Aristoacuteteles atribui o caraacuteter inconcludente dos pares de premissas precisamente agraves premissas maiores (e natildeo agraves premissas menores nas quais ocorrem os termos singulares) presume-se que esses termos natildeo introduzem qualquer caracteriacutestica censuraacutevel nos silogismos ali formulados Assim o fato de que natildeo estamos diante de pares de premissas concludentes por si soacute natildeo eacute

58 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 59 An Pr I 33 47b 21minus37 60 Idem 47b 26minus29 34minus37 e 38minus39 61 O uso contrafactual de ἔδει na linha 27 sugere essa leitura

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

44

suficiente para recusar ao capiacutetulo 33 o papel de evidecircncia em favor de tais termos na silogiacutestica62

Quanto agrave ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo em Primeiros Analiacuteticos II 27 (70a 16minus20) Patzig tem alguma razatildeo em alegar que ela se daacute em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido No entanto eacute preciso ajustar essa alegaccedilatildeo porque Aristoacuteteles natildeo descreve o argumento em questatildeo propriamente como um silogismo mas como um sinal (σημεῖον) e ao que parece um sinal e um silogismo ndash um legiacutetimo silogismo e natildeo um mero entimema ndash estatildeo longe de ser a mesma coisa63 Aleacutem disso temos uma ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo no mesmo capiacutetulo que eacute bem mais relevante para a discussatildeo mas que foi completamente ignorada pelos comentadores

Em 70a 26minus28 Aristoacuteteles formula dois silogismos nos quais aparece o termo singular ldquoPitacosrdquo Um deles eacute descrito como refutaacutevel (λύσιμος)64 basicamente porque a conclusatildeo natildeo se segue das premissas65 Natildeo precisamos nos deter nele Por ora o silogismo que fora introduzido algumas linhas antes e que foi descrito por Aristoacuteteles como irrefutaacutevel (ἄλυτος)66 eacute muito mais interessante Esse silogismo tem exatamente a formulaccedilatildeo paradigmaacutetica que Lukasiewicz qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo e agrave qual negou lugar na loacutegica aristoteacutelica Vale a pena citar essa passagem para marcar bem a presenccedila desse tipo de silogismo na loacutegica de Aristoacuteteles

62 M Malink (2009 p 119) por exemplo contrariando Patzig aponta o capiacutetulo I 33 minus bem como II 27 do qual trataremos a seguir minus como evidecircncia em favor de termos singulares na silogiacutestica Ver tambeacutem Mignucci ldquoAristotlersquos Theory of Predicationrdquo p 10 ldquoParts Quantification and Aristotelian Predicationrdquo p 11 e Barnes ldquoTruth etcrdquo p 158-166 63 An Pr II 27 70a 24minus25 64 Ibidem 30minus31 e 34minus35 65 Ibidem 27minus28 e 30minus32 66 Ibidem 29

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

45

Ἐὰν μὲν οὖν ἡ μία λεχθῇ πρότασις σημεῖον γίνεται μόνον ἐὰν δὲ καὶ ἡ ἑτέρα προσληφθῇ συλλογισμός οἷον ὅτι Πιττακὸς ἐλευθέριος οἱ γὰρ φιλότιμοι ἐλευθέριοι Πιττακὸς δὲ φιλότιμος Assim se somente uma premissa for assumida haacute apenas um sinal ao passo que se a outra premissa tambeacutem for assumida entatildeo haacute um silogismo por exemplo lsquoPitacos eacute destemido pois os homens de brio satildeo destemidos e Pitacos eacute homem de briorsquo (70a 24minus27)67

A descriccedilatildeo eacute inusitada porque Aristoacuteteles comeccedila pela conclusatildeo Mas isso natildeo prejudica o resultado a que queremos chegar O nome proacuteprio ldquoPitacosrdquo eacute sem duacutevida o extremo menor que aparece como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo ldquodestemidordquo eacute o extremo maior predicado da premissa maior e da conclusatildeo por fim a funccedilatildeo de mediador fica por conta de ldquohomem de briordquo Em uma reconstituiccedilatildeo um pouco mais formalizada temos o seguinte silogismo todo homem de brio eacute destemido Pitacos eacute (um) homem de brio logo Pitacos eacute destemido

O leitor mais desconfiado talvez hesite em aceitar que a premissa maior ldquoos homens de brio satildeo destemidosrdquo possa ser formalizada com um quantificador universal mas haacute sinais claros de que eacute assim que devemos concebecirc-la Em primeiro lugar Aristoacuteteles reconhece a legitimidade desse silogismo e supotildee que a conclusatildeo decorre das premissas o que por si soacute jaacute pressupotildee a universalidade da premissa maior Caso contraacuterio a conclusatildeo natildeo se impotildee Em segundo lugar haacute um pequeno detalhe que causa surpresa nesse capiacutetulo e que merece atenccedilatildeo de nossa parte Aristoacuteteles justifica o caraacuteter irrefutaacutevel do mencionado silogismo alegando que se trata de um silogismo universal (καθόλου γὰρ ἐστιν cf 70a 30) Ora como se sabe Aristoacuteteles descreve como universais precisamente aqueles silogismos nos quais a conclusatildeo eacute universal quais sejam Barbara Celarent Cesare e Camestres Por isso ao caracterizar o ldquosilogismo peripateacuteticordquo como um silogismo universal

67 As traduccedilotildees de φιλότιμος e ἐλευθέριος certamente satildeo discutiacuteveis mas em nada afetam os nossos objetivos

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

46

Aristoacuteteles pode querer sinalizar que em algum sentido a conclusatildeo ldquoPitacos eacute destemidordquo deva ser compreendida como uma proposiccedilatildeo fundada em uma atribuiccedilatildeo universal68 como se o referido ldquosilogismo peripateacuteticordquo precisamente em razatildeo disso fosse digno do mesmo status concedido aos demais silogismos universais (Barbara Celarente Cesare e Camestres) Essa leitura sugere que a concepccedilatildeo aristoteacutelica de atribuiccedilatildeo universal talvez deva ser repensada jaacute que ela daacute sinais de se estender sobre casos para os quais natildeo cabe falar em quantificadores (universais) ndash eacute o que parece ocorrer no ldquosilogismo peripateacuteticordquo acima mencionado

O aprofundamento desse ponto no entanto eacute algo que ultrapassa o escopo da presente investigaccedilatildeo e seu exame deve ser deixado para outra ocasiatildeo A essa altura o objetivo principal desta seccedilatildeo jaacute nos parece ter sido alcanccedilado pois consiste apenas em mostrar o que os leitores menos versados nos Analiacuteticos jaacute perceberam haacute muito tempo a saber que o chamado ldquosilogismo peripateacuteticordquo natildeo soacute faz parte da loacutegica aristoteacutelica mas mais do que isso ainda pode desfrutar de um lugar privilegiado no interior da silogiacutestica entre os chamados ldquosilogismos universaisrdquo Diante desse quadro natildeo haacute duacutevida de que os termos de natureza singular tecircm lugar garantido na loacutegica de Aristoacuteteles69

68 Provavelmente foi inspirado em passagens como essa que J N Keynes (1906 p 102) sugeriu conceber as proposiccedilotildees singulares como uma subclasse de proposiccedilotildees universais Lukasiewicz tomou nota dessa possibilidade e a considerou totalmente equivocada Mas para isso ignorou completamente o trecho 70a 24minus30 69 Agradeccedilo ao professor Lucas Angioni (Unicamp) pela prontidatildeo na leitura de versotildees preacutevias deste artigo pelas indicaccedilotildees de passagens para reforccedilar o argumento e pelas alteraccedilotildees de texto sugeridas as quais certamente contribuiacuteram para melhorar o resultado final aqui apresentado Agradeccedilo tambeacutem aos professores Raphael Zillig (UFRGS) e Inara Zanuzzi (UFRGS) pela oportunidade de discutir alguns resultados provisoacuterios deste artigo no Seminaacuterio sobre Primeiros Analiacuteticos I 27 organizado pelo professor Raphael e realizado na UFRGS no ano de 2011 Por fim tambeacutem agradeccedilo aos

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

47

REFEREcircNCIAS

ANGIONI L ldquoO Conhecimento Cientiacutefico no Livro I dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesrdquo Revista de Filosofia Antiga (online) vol 1 n 1 2007 (httpwwwfilosofiaantigacomdocuments23html)

BARNES J (ed) Aristotle Prior Analytics (trans by A J Jenkinson in Barnes 1984 vol 1 p 39minus113)

mdashmdashmdashmdash Truth etc Six Lectures on Ancient Logic Oxford Clarendon Press 2007

BOCHENSKI J Ancient Formal Logic Amsterdam North-Holland Publishing 1951

CORCORAN J ldquoCompleteness of an Ancient Logicrdquo Journal of Symbolic Logic 37 696minus702 1972

KEYNES J N Studies and Exercises in Formal Logic (fourth edition rewritten and enlarged) New York The Macmillan Company 1906

LUKASIEWICZ J Aristotlersquos Syllogistic from the Standpoint of Modern Formal Logic Oxford Clarendon Press 1951

MALINK M ldquoA Non-Extensional Notion of Conversion in the Organonrdquo Oxford Studies in Ancient Philosophy Vol XXXVII p 106minus141 Oxford University Press 2009

MIGNUCCI M Aristotele Gli analitici primi ndash Traduzione introduzione e commento Naples Loffredo 1969

companheiros de pesquisa Francine Maria Ribeiro e Mateus Ricardo Fernandes Ferreira (UEMminusPR) pela leitura das primeiras versotildees desse texto e pelas proveitosas sugestotildees que me fizeram

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

48

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Theory of Predication in I Angelilli and M Cerezo (eds) Studies in the History of Logic 1minus20 Berlin 1996

mdashmdashmdashmdash Parts Quantification and Aristotelian Predication Monist 83 3minus21 2000

PATZIG G Aristotlersquos Theory of the Syllogism A Logico-Philosophical Study of Book A of the Prior Analytics Translated by Jonathan Barnes Dordrecht Reidel 1959

ROSS W D Aristotlersquos Prior and Posterior Analytics Oxford Clarendon Press 1949

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Metaphysics Oxford Clarendon Press 1953 (1924)

SHOREY P ldquoA Note on Aristotlersquos Metaphysics 1086b 32minus37rdquo Classical Philology Vol 8 n 1 pp 90minus92 1913

SMITH R Aristotle Prior Analytics Indianapolis Hackett Publishing Company 1989

STRIKER G Aristotle Prior Analytics Book I Oxford Clarendon Press 2009

Page 7: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

11

Podemos dizer que Ross nos deixou o seguinte legado por um lado eacute responsaacutevel pela tradicional opiniatildeo de que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares ou gecircneros supremos em seus silogismos mas sempre trabalha com termos de generalidade intermediaacuteria por outro lado transformou o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I em peccedila central para a delimitaccedilatildeo da lista de termos silogiacutesticos

Em 1951 Jan Lukasiewicz publicou o seu famoso livro intitulado Aristotlersquos Syllogistic ndash From The Standpoint of Modern Formal Logic e se mostrou bastante influenciado pelo legado de Ross Jaacute no primeiro capiacutetulo desse livro Lukasiewicz se recusa a considerar como rigorosamente aristoteacutelico aquele argumento concebido pela tradiccedilatildeo como exemplo paradigmaacutetico de silogismo ndash ldquotodo homem eacute mortal Soacutecrates eacute homem logo Soacutecrates eacute mortalrdquo minus levando a cabo algo que Ross jaacute havia sugerido em seu comentaacuterio ao capiacutetulo 1 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos a saber que tal argumento natildeo pertence agrave loacutegica de Aristoacuteteles9 Lukasiewicz qualifica esse silogismo por meio do adjetivo ldquoperipateacuteticordquo pelo fato de Sexto Empiacuterico descrevecirc-lo como usual entre os Peripateacuteticos Quanto agrave rejeiccedilatildeo desse silogismo provisoriamente Lukasiewicz alega apenas que Aristoacuteteles natildeo introduz termos e proposiccedilotildees singulares em seu sistema loacutegico10 A completa ausecircncia de referecircncia a proposiccedilotildees singulares no capiacutetulo 1 do Livro I dos Primeiros Analiacuteticos ndash capiacutetulo em que as formas proposicionais silogiacutesticas satildeo introduzidas e no qual seria natural esperar por proposiccedilotildees singulares ndash eacute mencionada por Lukasiewicz como sinal de que Aristoacuteteles natildeo teria considerado termos singulares em sua loacutegica11 No entanto o argumento determinante para corroborar essa tese eacute

9 Ross (1949 p 289) e Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect1 p 1) 10 Lukasiewicz menciona trecircs publicaccedilotildees que tratavam o silogismo peripateacutetico como modelo paradigmaacutetico de silogismo aristoteacutelico Greek Foundations of Tradicional Logic (1942) de Ernest Kapp A History of Philosophy vol i Greece and Rome (1946) de S J Frederick Copleston e History of Western Philosophy (1946) de Bertrand Russell 11 Idem chapter 1 sect2 p 4

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

12

elaborado a partir do capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos capiacutetulo jaacute evocado por Ross como evidecircncia manifesta da restriccedilatildeo de termos

Conforme jaacute pudemos ver eacute no capiacutetulo 27 que Aristoacuteteles apresenta sua famosa triparticcedilatildeo de entes assumidos como termos de proposiccedilotildees silogiacutesticas nas linhas 43a 25ndash36 os trecircs tipos de termos satildeo introduzidos nas linhas 37ndash42 os efeitos que essa triparticcedilatildeo tem sobre as demonstraccedilotildees satildeo rapidamente considerados em seguida nas linhas 42ndash43 entra em cena a frase que inspirou a restriccedilatildeo de termos jaacute nos comentaacuterios de Ross e ainda mais na proposta de Lukasiewicz Interpretando Aristoacuteteles Lukasiewicz conclui que a silogiacutestica opera exclusivamente com termos do uacuteltimo tipo isto eacute com termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) excluindo da loacutegica aristoteacutelica tanto os termos singulares quanto os de alta generalidade ndash os uacuteltimos assumidos como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo12 Julgando ter encontrado a ldquoverdadeira razatildeordquo que teria levado Aristoacuteteles a se comprometer com tal restriccedilatildeo de termos Lukasiewicz alega que todo silogismo deve conter um termo capaz de desempenhar irrestritamente tanto a funccedilatildeo de sujeito quanto a funccedilatildeo de predicado ndash na primeira figura eacute o que ocorre com o mediador na segunda com o maior na terceira com o menor ndash e essas funccedilotildees soacute podem ser desempenhadas irrestritamente por termos de generalidade intermediaacuteria13 Ao que tudo indica Lukasiewicz entende os adveacuterbios σχεδὸν e μάλιστα nas linhas 42ndash43 como marcas que qualificam o restante da frase como uma regra absoluta e universal afastando a possibilidade de que Aristoacuteteles esteja apenas se pronunciando em linhas gerais sem qualquer pretensatildeo de

12 Idem sect3 p 5 Conveacutem lembrar que Lukasiewicz e Ross natildeo tecircm a mesma opiniatildeo sobre o que seriam os termos de alta generalidade aos quais Aristoacuteteles alude em 43a 29minus30 e 37minus39 para Lukasiewicz os termos de alta generalidade satildeo precisamente os transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo ao passo que Ross prefere concebecirc-los como summa genera (cf nota 3) 13 Ibidem p 7

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

13

estabelecer uma norma riacutegida vaacutelida para todo e qualquer silogismo mas apenas uma descriccedilatildeo que pudesse dar conta da maior parte dos argumentos silogiacutesticos Essa atitude o levou a fazer duras criacuteticas agrave loacutegica aristoteacutelica

De acordo com Lukasiewicz eacute questatildeo paciacutefica a opiniatildeo de que os termos singulares satildeo tatildeo importantes na atividade cientiacutefica quanto o satildeo os termos universais e portanto eacute falso que os argumentos e as investigaccedilotildees ldquoas a rulerdquo lidam com termos de universalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) o que tornaria o pronunciamento de Aristoacuteteles nas linhas 42ndash43 digno de reprovaccedilatildeo Com esse teor Lukasiewicz atribui a Aristoacuteteles a rejeiccedilatildeo dos termos singulares e descreve a ausecircncia desses fatores como ldquoo maior defeitordquo do sistema loacutegico aristoteacutelico14

Assim inspirado pelo legado de Ross Lukasiewicz consolida a opiniatildeo de que a silogiacutestica aristoteacutelica envolve uma severa restriccedilatildeo de termos constituindo um sistema loacutegico que atua exclusivamente sobre termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) Sob a descoberta da ldquoverdadeira razatildeordquo que teria levado Aristoacuteteles a se comprometer com essa restriccedilatildeo de termos Lukasiewicz estabelece a tese de que a silogiacutestica prescinde de termos singulares bem como de termos de alta generalidade (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo)

Essa proposta foi muito bem recebida por alguns estudiosos da loacutegica aristoteacutelica Em 1959 Guumlnther Patzig publicou um novo estudo sobre o Livro I dos Primeiros Analiacuteticos e fez questatildeo de dedicaacute-lo a Lukasiewicz de quem eacute seguidor Em obra intitulada Aristotlersquos Theory of the Syllogism ndash a logico-philological study of book A of the Prior Analytics Patzig corrige vaacuterios equiacutevocos herdados de Ross e de Lukasiewicz Para ilustrar considere-se a alegaccedilatildeo ndash feita tanto por Ross quanto por Lukasiewicz ndash de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos Primeiros Analiacuteticos Essa alegaccedilatildeo eacute desmentida por Patzig que aponta

14 Ibidem p 6

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

14

as seguintes ocorrecircncias de nomes proacuteprios no capiacutetulo 33 do Livro I ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II ldquoPitacosrdquo Mesmo diante dessas ocorrecircncias Patzig recusou a possibilidade de a silogiacutestica reservar lugar para termos singulares justificando tal posiccedilatildeo ao apontar que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo aparecem em premissas das quais nada se segue ao passo que ldquoPitacosrdquo ocorre em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido Em presenccedila desse quadro e a exemplo de Lukasiewicz Patzig considera que deve prevalecer o fato indubitaacutevel de Aristoacuteteles natildeo ter feito menccedilatildeo a proposiccedilotildees singulares no capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I o que fatalmente sugere a exclusatildeo dos termos singulares15 Assim Patzig eacute levado a endossar diversos resultados alcanccedilados por seus antecessores reiterando a restriccedilatildeo de fatores silogiacutesticos a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) e por conseguinte expulsando termos singulares transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) e summa genera do sistema loacutegico aristoteacutelico

No entanto sob a consideraccedilatildeo de Patzig essa restriccedilatildeo ganhou razotildees complementares Patzig natildeo apenas endossou os resultados sensivelmente sugeridos por Ross e consolidados por Lukasiewicz (resultados fundados no capiacutetulo 27 do Livro I dos Primeiros Analiacuteticos) mas tambeacutem lhes conferiu novos contornos oriundos de razotildees que julgou encontrar no capiacutetulo 28 do qual o capiacutetulo 27 seria discussatildeo preparatoacuteria

No capiacutetulo 28 Aristoacuteteles apresenta alguns procedimentos de prova para as formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Em linhas gerais esses procedimentos satildeo caracterizados pela tarefa de identificar um termo comum (que seraacute o mediador) em duas listas de termos Essas listas satildeo determinadas pela relaccedilatildeo que os seus membros possuem com os extremos (τά ἄκρα) que encerram a conclusatildeo pretendida

15 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

15

Ainda natildeo precisamos entrar em detalhes a respeito desses procedimentos Faremos isso na proacutexima seccedilatildeo em momento mais oportuno Por ora basta saber que a partir dos procedimentos recomendados por Aristoacuteteles como estrateacutegia de prova para cada uma das formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Patzig propotildee trecircs axiomas demarcadores de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica16

(1) todo termo silogiacutestico possui ao menos um termo subordinado proacuteprio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe um termo subordinado X tal que XaT eacute o caso ao passo que TaX natildeo (2) todo termo silogiacutestico possui ao menos um termo superordenado proacuteprio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe um termo superordenado Y tal que TaY eacute o caso ao passo que YaT natildeo (3) todo termo silogiacutestico possui um termo contraacuterio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe ao menos um termo contraacuterio Z tal que ZeT17

Ao formular os dois primeiros axiomas Patzig se vale de algumas noccedilotildees oriundas da teoria dos conjuntos as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias Em teoria dos conjuntos se Q eacute um termo subordinado proacuteprio de R (e natildeo apenas um termo subordinado) Q e R natildeo podem ser coextensivos ndash em outras palavras todo Q eacute R mas nem todo R eacute Q o mesmo ocorre com termos que frequumlentam uma mesma relaccedilatildeo de superordenaccedilatildeo proacutepria dado que toda relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo proacutepria pode ser reformulada como uma relaccedilatildeo de superordenaccedilatildeo proacutepria e vice-versa Patzig presume que essas relaccedilotildees traduzem pressupostos assumidos pelo proacuteprio Aristoacuteteles no capiacutetulo

16 Ibidem p 7 17 A notaccedilatildeo AxB adotada na exposiccedilatildeo dos axiomas descreve uma relaccedilatildeo categoacuterica x entre o termo-sujeito A e o termo-predicado B Assim AaB eacute a notaccedilatildeo para a relaccedilatildeo universal afirmativa (ldquotodo A eacute Brdquo) AeB para a relaccedilatildeo universal negativa (ldquonenhum A eacute Brdquo) AiB para a particular afirmativa (ldquoalgum A eacute Brdquo) e por fim AoB para a particular negativa (ldquoalgum A natildeo eacute Brdquo) Manteremos essa notaccedilatildeo ao longo de todo o texto

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

16

28 de Primeiros Analiacuteticos I Mais adiante veremos que essa conjetura eacute equivocada

Por ora eacute importante notar que essa distinccedilatildeo entre de um lado subordinaccedilatildeosuperordenaccedilatildeo proacutepria e de outro lado mera subordinaccedilatildeosuperordenaccedilatildeo faz alguma diferenccedila no que diz respeito agrave exclusatildeo da chamada classe universal Para excluiacute-la Patzig assume que a classe universal pertence ao domiacutenio de termos da silogiacutestica a articula com os axiomas (1) e (3) e obteacutem um resultado contraditoacuterio o terceiro axioma requer que todo termo silogiacutestico possua ao menos um termo que lhe seja contraacuterio ndash tratando-se da classe universal esse termo contraacuterio eacute a classe nula por sua vez o primeiro axioma requer que todo termo silogiacutestico possua ao menos um termo subordinado proacuteprio exigecircncia que a classe nula eacute incapaz de satisfazer ndash por definiccedilatildeo a classe nula natildeo possui termos subordinados proacuteprios Assim a impossibilidade da classe nula acarreta a impossibilidade da classe universal18

Patzig ainda aponta o trecho 998b 22ndash27 do capiacutetulo 3 de Metafiacutesica Beta como evidecircncia complementar de que Aristoacuteteles teria rejeitado a classe universal fazendo alusatildeo a um texto que embora trate de termos dessa natureza tem com a silogiacutestica uma relaccedilatildeo muito distante19

Por sua vez nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares como ldquoSoacutecratesrdquo e ldquoeste triacircngulordquo natildeo possuem termos subordinados proacuteprios e portanto natildeo satisfazem ao primeiro axioma Por fim gecircneros supremos como ldquosubstacircnciardquo ldquoqualidaderdquo ldquoquantidaderdquo etc natildeo podem contar com termos superordenados proacuteprios e por conseguinte ficam impossibilitados de satisfazer ao segundo axioma (impossibilidade que natildeo nos parece ter sido bem estabelecida20)

18 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 19 Ibidem 20 A exemplo de Ross (cf nota 3) Patzig ignora os transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo que a princiacutepio poderiam figurar como superordenados proacuteprios dos gecircneros supremos de modo que o axioma (2) fosse entatildeo satisfeito pelos gecircneros

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

17

Assim Patzig reitera as restriccedilotildees introduzidas por Ross e consolidadas por Lukasiewicz desenhando um quadro em que uma vez mais a silogiacutestica eacute pensada como um sistema loacutegico que opera exclusivamente sobre termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) sem atuaccedilatildeo sobre nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares gecircneros supremos (summa genera) e termos transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) Na proacutexima seccedilatildeo mostraremos que as leituras propostas por tais inteacuterpretes seguramente natildeo encontram respaldo nos textos de Aristoacuteteles II CRIacuteTICA AgraveS OPINIOtildeES TRADICIONAIS

1 Uma Releitura de Primeiros Analiacuteticos I 27 43a 25minus43

Certamente nem todo o legado de Ross Lukasiewicz e Patzig deve ser abandonado Parece razoavelmente acertada por exemplo a escolha do capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos como promissora resposta agrave questatildeo de saber quais tipos de termos podem figurar em silogismos rigorosamente aristoteacutelicos ndash muito embora nem todo tipo de silogismo reconhecido por Aristoacuteteles esteja no escopo desse capiacutetulo21 No primeiro capiacutetulo do Livro I de Primeiros Analiacuteticos em que seria natural esperar alguma descriccedilatildeo mais detalhada a respeito dos termos Aristoacuteteles eacute muito sucinto limitando-se a dizer o seguinte

Ὅρον δὲ καλῶ εἰς ὃν διαλύεται ἡ πρότασις οἷον τό τε κατηγορούμενον καὶ τὸ καθrsquo οὗ κατηγορεῖται προστιθεμένου τοῦ εἶναι ἢ μὴ εἶναι

supremos Para excluir tais termos Patzig se pronuncia de modo muito breve e pouco esclarecedor ldquocategories (on Aristotlersquos definition) do not satisfy axiom (2)rdquo Aleacutem disso as ocorrecircncias de ldquosubstacircnciardquo e ldquounidaderdquo em Pr An I 5 27a 19minus20 e 27b 6minus8 tambeacutem satildeo ignoradas talvez em decorrecircncia de estarem associadas a pares de premissas inconcludentes 21 Ver por exemplo os silogismos formulados em Pr An II 15

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

18

Chamo lsquotermorsquo aquilo no que a proposiccedilatildeo se dissolve ou seja o item que se predica e o de que se predica acrescentando lsquoeacutersquo ou lsquonatildeo eacutersquo (24b 16minus18)

Esse pronunciamento eacute muito vago e em decorrecircncia pouco revelador Por isso em relaccedilatildeo agrave presente investigaccedilatildeo tal capiacutetulo quase natildeo oferece material que possa ser aproveitado Eacute claro que natildeo eacute bem essa a opiniatildeo de nossos interlocutores Ross Lukasiewicz e Patzig conceberam o mero fato de Aristoacuteteles natildeo ter feito menccedilatildeo a termos singulares no capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I como forte evidecircncia de que tais termos natildeo teriam lugar na silogiacutestica22

Essa atitude nos parece incorreta O fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a termos singulares revela apenas que o capiacutetulo natildeo tem aptidatildeo para contribuir com a investigaccedilatildeo Poder-se-ia alegar talvez que a exposiccedilatildeo das proposiccedilotildees silogiacutesticas no trecho 24a 16minus22 eacute exaustiva de modo que a exclusatildeo dos termos singulares fosse assegurada pelo simples fato de natildeo haver alusatildeo expliacutecita agraves proposiccedilotildees que lhes satildeo correlatas Poreacutem o referido trecho cai em certo descreacutedito por envolver certas imprecisotildees das quais o silecircncio sobre as proposiccedilotildees singulares seria apenas mais uma A diferenccedila entre proposiccedilotildees particulares e indefinidas por exemplo eacute bem precaacuteria Com efeito a proposiccedilatildeo particular ldquoalgum prazer natildeo eacute bemrdquo natildeo eacute mais informativa que a proposiccedilatildeo indefinida ldquoprazer natildeo eacute bemrdquo Tanto em um caso quanto em outro a relaccedilatildeo que os termos possuem entre si eacute igualmente indeterminada ou seja natildeo sabemos se (i) todo prazer natildeo eacute bem ou se (ii) algum prazer natildeo eacute bem e algum prazer eacute bem23

22 Ross (1949 p 384) Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect1 p 1 sect2 p 4) Patzig (1959 chapter 1 sect3 p 5) 23 Entre os comentadores Ross (1949 p 314) parece assumir que no trecho 29a 27minus29 Aristoacuteteles teria feito uma declaraccedilatildeo expliacutecita de que tais proposiccedilotildees seriam de fato equivalentes Bochenski (1951 p 43) por sua vez reconhece a referida passagem como evidecircncia incontestaacutevel de que Aristoacuteteles concebia tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis o que torna a distinccedilatildeo

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

19

Imprecisotildees como essa revelam o caraacuteter provisoacuterio do trecho 24a 16minus22 Por isso essa passagem natildeo pode ser considerada como resposta definitiva ao problema de saber se a silogiacutestica reserva lugar para termos singulares sobretudo se a razatildeo alegada para assim consideraacute-la for o mero fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a proposiccedilotildees singulares Em certa medida os comentadores perceberam que natildeo poderiam recorrer apenas ao primeiro capiacutetulo de Primeiros Analiacuteticos I para decidir a questatildeo e estenderam a discussatildeo ao capiacutetulo 27 tomando uma decisatildeo bastante acertada porque eacute nesse capiacutetulo que Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes e os compreende claramente como fatores de atribuiccedilatildeo suscetiacuteveis de articulaccedilatildeo silogiacutestica O trecho 43a 25minus43 oferece trecircs tipos de termos e como bem observaram os proponentes das opiniotildees tradicionais impotildee certas restriccedilotildees ao uso de termos de natureza singular bem como ao uso de termos de alto grau de generalidade ndash quer sejam summa genera como prefere Ross ou transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como entende Lukasiewicz O que escapou a nossos interlocutores eacute que essas restriccedilotildees estatildeo longe de expulsar da silogiacutestica qualquer dos trecircs tipos de termos ali apresentados Por isso em defesa de nossa posiccedilatildeo propomos reexaminar o trecho 43a 25minus43 pois entendemos que o texto por si soacute natildeo deixa duacutevidas de que nenhum dos trecircs tipos de termos introduzidos na referida passagem tenha sido excluiacutedo da silogiacutestica

Assim examinemos o famoso texto que tem alimentado a discussatildeo sobre termos silogiacutesticos

[1] ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστι τοιαῦτα ὥστε κατὰ μηδενὸς ἄλλου κατηγορεῖσθαι ἀληθῶς καθόλου (οἷον Κλέων καὶ

proposta no primeiro capiacutetulo um tanto despropositada Lukasiewicz (1951 sect2 p 5) tambeacutem reconhece que Aristoacuteteles trata tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis mas natildeo admite que Aristoacuteteles tenha se pronunciado de modo expliacutecito a respeito dessa equivalecircncia preferindo delegar esse feito a Alexandre

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

20

Καλλίας καὶ τὸ καθrsquo ἕκαστον καὶ αἰσθητόν) κατὰ δὲ τούτων ἄλλα (καὶ γὰρ ἄνθρωπος καὶ ζῷον ἑκάτερος τούτων ἐστί) τὰ δrsquo αὐτὰ μὲν κατrsquo ἄλλων κατηγορεῖται κατὰ δὲ τούτων ἄλλα πρότερον οὐ κατηγορεῖται τὰ δὲ καὶ αὐτὰ ἄλλων καὶ αὐτῶν ἕτερα οἷον ἄνθρωπος Καλλίου καὶ ἀνθρώπου ζῷον ὅτι μὲν οὖν ἔνια τῶν ὄντων κατrsquo οὐδενὸς πέφυκε λέγεσθαι δῆλον τῶν γὰρ αἰσθητῶν σχεδὸν ἕκαστόν ἐστι τοιοῦτον ὥστε μὴ κατηγορεῖσθαι κατὰ μηδενὸς πλὴν ὡς κατὰ συμβεβηκός φαμὲν γάρ ποτε τὸ λευκὸν ἐκεῖνο Σωκράτην εἶναι καὶ τὸ προσιὸν Καλλίαν ὅτι δὲ καὶ ἐπὶ τὸ ἄνω πορευομένοις ἵσταταί ποτε πάλιν ἐροῦμεν νῦν δrsquo ἔστω τοῦτο κείμενον [2] κατὰ μέν οὖν τούτων οὐκ ἔστιν ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον ἕτερον πλὴν εἰ μὴ κατὰ δόξαν ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων οὐδὲ τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται (καὶ γὰρ αὐτὰ κατrsquo ἄλλων καὶ ἄλλα κατὰ τούτων λεχθήσεται) καὶ σχεδὸν οἱ λόγοι καὶ αἱ σκέψεις εἰσὶ μάλιστα περὶ τούτων [1] Entre todos os entes alguns satildeo tais que natildeo se afirmam de nenhum outro verdadeiramente como universais (por exemplo Cleon e Caacutelias ou seja o particular e o sensiacutevel) mas outros se afirmam deles de fato cada um desses eacute tanto homem quanto animal Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros mas nenhum outro anterior se afirma deles Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros e outros satildeo afirmados deles por exemplo homem que se afirma de Caacutelias e do qual animal se afirma Assim eacute evidente que certas coisas por natureza natildeo se dizem de nenhuma outra de fato em geral entre as coisas sensiacuteveis cada uma eacute tal que natildeo se afirma de nenhuma outra a natildeo ser por acidente com efeito agraves vezes dizemos que aquele branco eacute Soacutecrates e que aquele que se aproxima eacute Caacutelias (Ainda diremos por que tambeacutem para cima em algum momento a seacuterie se interrompe Mas por ora seja assumido isso) [2] Assim acerca dessas coisas natildeo eacute possiacutevel demonstrar outra sendo afirmada (a natildeo ser segundo opiniatildeo) mas eacute possiacutevel demonstrar elas proacuteprias sendo afirmadas de outras Tampouco eacute possiacutevel demonstrar as coisas particulares sendo afirmadas de outras mas eacute possiacutevel demonstrar outras sendo afirmadas delas Jaacute das coisas que ficam entre essas eacute evidente que eacute possiacutevel demonstrar afirmando de ambos os modos pois tanto elas seratildeo ditas de outras quanto outras seratildeo ditas delas Grosso modo os argumentos e as investigaccedilotildees satildeo sobretudo acerca dessas coisas (43a 25minus43)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

21

A mais natural divisatildeo que podemos impor agrave passagem acima exige duas seccedilotildees

[1] Na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes compreendidos como fatores de atribuiccedilatildeo e classificados segundo as funccedilotildees que cada classe de termos pode desempenhar em proposiccedilotildees destinadas a operaccedilotildees silogiacutesticas A passagem eacute inaugurada com um pronunciamento a respeito de todos os entes ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων Por isso ao que tudo indica essa divisatildeo tripartite eacute exaustiva e natildeo deixa de fora nenhuma classe de termos Os resultados provenientes dessa classificaccedilatildeo trazem certas restriccedilotildees agrave atuaccedilatildeo de alguns termos na silogiacutestica nas linhas 25minus29 Aristoacuteteles nega que os termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) possam desempenhar o papel de legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nas linhas 29minus30 rejeita a possibilidade de atribuir aos termos de alta generalidade um termo que lhes seja anterior (πρότερον) Conforme jaacute o dissemos essas restriccedilotildees passam longe da exclusatildeo de qualquer das classes de termos apresentadas no referido trecho do capiacutetulo 27 A principal evidecircncia disso aparece na imediata sequumlecircncia do texto em que Aristoacuteteles avalia os efeitos dessas restriccedilotildees sobre as demonstraccedilotildees Isso nos leva agrave segunda seccedilatildeo

[2] Na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) satildeo explicitadas as consequumlecircncias que as restriccedilotildees apresentadas na seccedilatildeo anterior (43a 25minus37) produziratildeo nas demonstraccedilotildees24 Nas linhas 37minus39 Aristoacuteteles se pronuncia a respeito dos termos de alta generalidade (summa genera

24 Eacute bem verdade que em relaccedilatildeo ao cenaacuterio que temos em Segundos Analiacuteticos I 2 a noccedilatildeo de apodeixis que aparece no capiacutetulo 27 ainda exige muitos aperfeiccediloamentos mas natildeo nos parece justo entendecirc-la meramente como prova silogiacutestica jaacute que ela envolve exigecircncias de ordem atributiva que restringem as provas denotadas pela noccedilatildeo de apodeixis assumida no capiacutetulo a um subgrupo da noccedilatildeo mais geral de silogismo As provas silogiacutesticas formuladas em Primeiros Analiacuteticos II 15 por exemplo ficam de fora do grupo de silogismos dos quais o capiacutetulo 27 pretende dar conta Assim sendo optamos por manter a traduccedilatildeo de apodeixis por ldquodemonstraccedilatildeordquo e natildeo por ldquoprovardquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

22

eou transcategoriais) a possibilidade de demonstrar qualquer outro termo a respeito deles eacute recusada25 mas a de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute afirmada textualmente Nas linhas 39minus40 o pronunciamento se faz a respeito dos termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) a possibilidade de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute recusada mas a de demonstrar outros termos a respeito deles tambeacutem eacute afirmada Nas linhas 40minus42 Aristoacuteteles trata dos termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) e natildeo lhes impotildee nenhuma restriccedilatildeo eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles26

Por fim nas linhas 42minus43 Aristoacuteteles encerra a passagem com um pronunciamento de caraacuteter geral e conclusivo pronunciamento que ao contraacuterio do que Ross sugeriu e mais tarde Lukasiewicz endossou natildeo nega absolutamente nada do que fora dito ateacute entatildeo

Eacute claro que o leitor ainda pode levar em conta que Aristoacuteteles soacute faz uso da expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 ao se pronunciar a respeito dos termos de alta generalidade e que por isso a pressuposiccedilatildeo de tal expressatildeo nos demais pronunciamentos seria artificiosa e desqualificaria a traduccedilatildeo e a leitura que propomos De fato essa expressatildeo causou incocircmodo a alguns tradutores de liacutengua inglesa influenciados provavelmente pelos legados de Ross e Lukasiewicz A J Jenkinson e Robin Smith por exemplo traduzem a

25 Na verdade Aristoacuteteles reconhece uma exceccedilatildeo aludindo agrave possibilidade de ldquodemonstrarrdquo segundo opiniatildeo (κατὰ δόξαν) mas essa exceccedilatildeo eacute uma alternativa a ser evitada 26 No manuscrito n temos δειχθήσεται ao inveacutes de λεχθήσεται na linha 42 As duas alternativas favorecem a nossa leitura Optamos pela manutenccedilatildeo de λεχθήσεται para natildeo perder a relaccedilatildeo explicativa que haacute entre os pronunciamentos das linhas 40minus41 de um lado e 30minus32 de outro De fato com λεχθήσεται a linha 42 apenas repete o que fora dito nas linhas 30minus32 Essa opccedilatildeo revela que as linhas 30minus32 explicam a linha 42 e sugere que a mesma relaccedilatildeo explicativa ocorra entre as linhas 25minus29 e 39minus40 bem como entre as linhas 29minus30 e 37minus39

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

23

expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 como ldquodemonstraterdquo e ldquodemonstrate to be predicatedrdquo respectivamente No entanto ambos evitam tal traduccedilatildeo nas linhas subsequumlentes nas quais a expressatildeo natildeo aparece de modo expliacutecito e substituem ldquodemonstraterdquo por ldquopredicaterdquo27

Haacute pelo menos uma boa razatildeo para rejeitar tais traduccedilotildees elas assumem que na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) precisamente no que diz respeito agraves consequumlecircncias que as restriccedilotildees introduzidas na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) tecircm sobre as demonstraccedilotildees Aristoacuteteles estaria interessado apenas nos termos de alta generalidade dado que recorre agrave expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον exclusivamente ao tratar deles Assim no que diz respeito agrave atuaccedilatildeo dos demais termos (τὰ καθrsquo ἕκαστα e τὰ μεταξὺ) nas demonstraccedilotildees Aristoacuteteles jaacute natildeo teria a pretensatildeo de avaliar as consequumlecircncias dessas restriccedilotildees limitando-se apenas a repetir o que fora dito na primeira seccedilatildeo Essa leitura impotildee ao texto uma interrupccedilatildeo natildeo muito natural em seu desenvolvimento e ainda o torna redundante sem apresentar uma razatildeo satisfatoacuteria que justifique essa leitura

27 Na linha 39 por exemplo A J Jenkinson (in Barnes 1984) traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquobut these may be predicated of other thingsrdquo Robin Smith vai na mesma direccedilatildeo e traduz como ldquobut they are predicated of othersrdquo embora reconheccedila em seu comentaacuterio ao trecho 43a 40ss na paacutegina 50 (comentaacuterio que na verdade trata da linha 39) que a frase pode ser traduzida como ldquoother things are demonstrated to be predicated of themrdquo nas linhas 39-40 Jenkinson traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNeither can individuals be predicated of other things although other things can be predicated of themrdquo Robin Smith natildeo destoa disso e traduz como ldquoNeither can individuals be predicated of other things but instead other things are predicated of themrdquo por fim nas linhas 40-41 Jenkinson traduz τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται como ldquoWhatever lies between these limits can be spoken of in both waysrdquo ao passo que Robin Smith traduz como ldquoBut it is clear that for those in between predication is possible in both waysrdquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

24

Na contramatildeo de A J Jenkinson e Robin Smith temos Mario Mignucci e Gisela Striker que traduzem a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον como ldquodimostrare che essi si predicanordquo e ldquodemonstrate to be said ofrdquo respectivamente e entendem as linhas 39minus41 como pronunciamentos nos quais embora natildeo apareccedila de modo expliacutecito a expressatildeo ainda estaacute em jogo28 Essas traduccedilotildees certamente satildeo as mais fieacuteis ao texto grego e corroboram a traduccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo que propomos justificando o abandono da leitura tradicional sugerida por Ross e cristalizada nos estudos de Lukasiewicz A essa altura jaacute podemos fazer um balanccedilo dos resultados que o capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos de fato nos impotildee O cenaacuterio que se desenha eacute o seguinte (i) termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) natildeo eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου)29 de outros termos por isso tampouco eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos no entanto eacute possiacutevel lhes atribuir outros termos como legiacutetimos

28 Na linha 39 por exemplo Mignucci traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquomentre egrave possibile dimostrare che essi si predicano di altrirdquo Striker por sua vez traduz como ldquobut [sc one can demonstrate] only that they themselves are predicated of other thingsrdquo na linha 40 ambos fazem questatildeo de recuperar a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον Mignucci traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNon egrave neanche possibile dimostrare che i singolari si predicano di altre cose ma soltanto che altre cose si predicano di essirdquo Striker segue a mesma linha e traduz como ldquonor can one demonstrate that individuals are said of other things but only that other things are said of themrdquo Na linha 41 por sua vez a expressatildeo eacute recuperada novamente e o trecho τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται eacute traduzido por Mignucci como ldquoEgrave chiaro invece che le cose intermedie egrave possibile dimostrarle nei due modirdquo ao passo que por Striker como ldquoBut clearly the intermediate things admit [sc to be demonstrated] of bothrdquo 29 Tais termos natildeo se predicam de nenhum outro a natildeo ser κατὰ συμβεβηκός (43a 33minus35)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

25

predicados por conseguinte tambeacutem eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 25minus29 e 39minus40) (ii) termos de alta generalidade (summa genera eou τὰ πᾶσιν ἑπόμενα)30 natildeo lhes eacute possiacutevel atribuir outros termos como legiacutetimos predicados ndash de fato natildeo haacute termo anterior (πρότερον) que lhes possa ser atribuiacutedo por isso tampouco eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles no entanto eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos logo tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos (conferir 43a 29minus30 e 37minus39) (iii) termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos bem como lhes atribuir outros termos como legiacutetimos predicados em razatildeo disso tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 30minus32 e 40minus42)

Assim o que prevalece eacute que Aristoacuteteles jamais afastou de sua loacutegica qualquer das trecircs classes de termos apresentadas em Primeiros Analiacuteticos I 27 muito embora tenha endereccedilado certas restriccedilotildees atributivas a algumas delas 2 Primeiros Analiacuteticos I 28 e os Axiomas de Patzig

Patzig parece entender que o capiacutetulo 27 natildeo eacute merecedor de toda a atenccedilatildeo que lhe foi concedida por Ross e Lukasiewicz O capiacutetulo 28 em sua opiniatildeo eacute bem mais promissor no que diz respeito agrave questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera31 enquanto o capiacutetulo 27

30 Como Aristoacuteteles natildeo oferece exemplos de termos desse tipo deixamos indeterminado se satildeo summa genera como propotildee Ross ou transcategoriais de generalidade total (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como prefere Lukasiewicz (cf nota 3) 31 Patzig (1959 sect3 p 6)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

26

serviria mais como discussatildeo preparatoacuteria para os assuntos tratados no capiacutetulo seguinte

De fato haacute forte unidade entre esses textos O objetivo predominante que os vincula e orienta eacute anunciado no iniacutecio do capiacutetulo 27 e consiste em mostrar ldquode que modo sempre estaremos providos de silogismos em relaccedilatildeo ao que for proposto e por qual via alcanccedilamos os princiacutepios de cada coisardquo32 O capiacutetulo 27 contribui com esse objetivo na medida em que faz recomendaccedilotildees sobre como selecionar termos e premissas e classifica os fatores silogiacutesticos segundo as funccedilotildees (sujeito e predicado) que podem desempenhar de modo irrestrito em proposiccedilotildees silogiacutesticas A contribuiccedilatildeo do capiacutetulo 28 por sua vez estaacute associada aos procedimentos de prova de cada uma das quatro formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Esses procedimentos satildeo caracterizados basicamente pela descriccedilatildeo dos paracircmetros de localizaccedilatildeo do fator capaz de mediar os extremos (τά ἄκρα) na relaccedilatildeo categoacuterica acarretada na conclusatildeo Trata-se portanto de procedimentos de busca e localizaccedilatildeo do termo mediador (τὸ μέσον)

Assim para provar por exemplo a relaccedilatildeo universal afirmativa EaA prescreve Aristoacuteteles devemos encontrar um fator comum a duas listas (i) aquela de termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e (ii) aquela de termos que se atribuem universalmente ao extremo menor E33 O resultado seraacute o mediador M tal que MaA e EaM o que perfaz um silogismo em Barbara Semelhantemente para provar a relaccedilatildeo particular afirmativa EiA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um elemento comum agraves listas de (i) termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente ou seja agraves listas de termos que cada um dos extremos E e A ldquoacompanhardquo (ἕπεσθαι ou ακολουθεῖν) Nesse caso o termo comum M seraacute tal que MaA e MaE o que nos

32 An Pr I 27 43a 20ndash21 33 An Pr I 28 43b 39ndash43

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

27

permite concluir EiA por Darapti (terceira figura)34 Por sua vez a prova da relaccedilatildeo universal negativa EeA tambeacutem se valeraacute da identificaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios a um extremo e de (ii) termos que se atribuem universalmente ao outro extremo se o mediador M comum agraves duas listas for contraacuterio ao extremo maior A e universalmente atribuiacutedo ao extremo menor E o mediador M seraacute tal que MeA e EaM ou AeM e EaM possibilitando a prova de EeA (respectivamente) por Celarent e por Cesare mas se o mediador M for contraacuterio ao extremo menor E e universalmente atribuiacutedo ao extremo maior A M seraacute tal que AaM e EeM restringindo a prova de EeA a Camestres35 Por fim para provar a relaccedilatildeo particular negativa EoA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios ao extremo maior A e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente Assim o mediador M seraacute tal que MeA e MaE o que prova EoA por Felapton36

Em todas as recomendaccedilotildees do capiacutetulo 28 Aristoacuteteles se orienta pelas conclusotildees almejadas propondo a partir delas procedimentos de busca e localizaccedilatildeo dos fatores capazes de acarretar cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas A estrateacutegia de Aristoacuteteles portanto natildeo consiste em partir de premissas e deduzir os resultados que delas se seguem mas fazendo o caminho inverso consiste em partir da conclusatildeo e buscar o termo mediador capaz de articular os extremos na relaccedilatildeo categoacuterica (a e i ou o) da conclusatildeo

Por natildeo captar a natureza invertida dessa estrateacutegia Patzig natildeo compreendeu plenamente o que Aristoacuteteles propusera e julgou que o capiacutetulo 28 muito mais que o capiacutetulo 27 impunha severas restriccedilotildees agrave lista de termos capazes de figurar em silogismos aristoteacutelicos Na verdade o capiacutetulo 28 nem sequer trata da questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera mas limita-se a descrever os paracircmetros de

34 Ibidem 43b 43ndash44a 2 35 An Pr I 44a 2ndash8 36 An Pr I 28 44a 9ndash11

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

28

localizaccedilatildeo do mediador de cada forma categoacuterica Eacute claro que ao descrever esses paracircmetros Aristoacuteteles acaba por assumir certos pressupostos que em uacuteltimo caso podem ter algum efeito sobre a lista de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica Ainda assim eacute preciso observar que as recomendaccedilotildees apresentadas no capiacutetulo 28 satildeo pensadas em relaccedilatildeo agrave prova de cada proposiccedilatildeo categoacuterica em particular Por isso os pressupostos envolvidos nessas recomendaccedilotildees bem como as eventuais restriccedilotildees de termos que lhes sejam correlatas deveratildeo ter aplicaccedilatildeo circunscrita a cada caso isto eacute aos procedimentos de prova de cada conclusatildeo em particular

Patzig parece natildeo ter dado a devida atenccedilatildeo a esse detalhe pois embora compreenda os seus axiomas como pressupostos impliacutecitos das recomendaccedilotildees de Aristoacuteteles ndash recomendaccedilotildees cuja aplicaccedilatildeo estaacute circunscrita a cada caso ndash Patzig os assume como vaacutelidos para termos de todo e qualquer silogismo37 No entanto eacute flagrante que certos silogismos natildeo dependem de alguns de seus axiomas Um arquetiacutepico silogismo em Barbara por exemplo funciona perfeitamente bem sem pressupor para qualquer de seus termos a validade do terceiro axioma isto eacute sem pressupor que exista para qualquer de seus termos (ou mesmo para qualquer de seus extremos para ser fiel ao capiacutetulo 28) um termo que lhe seja ldquocontraacuteriordquo

Ao que tudo indica o que levou Patzig a estender a validade de seus axiomas sobre todos os silogismos eacute o trecho 44a 12minus17 em que Aristoacuteteles estipula letras para as listas de termos com as quais pretende trabalhar na exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova38 Na referida passagem Aristoacuteteles considera basicamente trecircs tipos de termos que se distinguem pelo termo extremo que lhes eacute correlato bem como pela relaccedilatildeo predicativa que cada um manteacutem com esse extremo Para cada extremo Aristoacuteteles estipula (i) termos que lhe satildeo atribuiacutedos universalmente (ii) termos aos quais ele proacuteprio se atribui universalmente e (iii) termos que natildeo lhe

37 Patzig (1959) sect3 p 6ndash7 38 An Pr I 28 44a 12minus17

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

29

podem ser atribuiacutedos Os termos de primeiro tipo devem ter servido de estiacutemulo para a necessidade de termos superordenados proacuteprios que eacute marca do segundo axioma de Patzig os termos de segundo tipo por sua vez para a necessidade de termos subordinados proacuteprios marca do primeiro axioma os de terceiro por fim para a necessidade de termos ldquocontraacuteriosrdquo marca do terceiro axioma

Eacute bem verdade que os termos estipulados por Aristoacuteteles envolvem certa analogia com os axiomas propostos por Patzig Mas eacute preciso notar em primeiro lugar que nenhum dos procedimentos de prova descritos por Aristoacuteteles depende da estipulaccedilatildeo dos trecircs tipos de termos39 A recomendaccedilatildeo de prova da proposiccedilatildeo particular afirmativa por exemplo requer apenas (ii) termos aos quais os extremos se atribuem universalmente40 O fato de Aristoacuteteles jaacute estipular de antematildeo trecircs tipos de termos para cada extremo natildeo torna obrigatoacuterio que todo e qualquer extremo (e muito menos que todo e qualquer termo silogiacutestico como prefere Patzig) independentemente do silogismo a que pertenccedila dependa dos trecircs tipos de termos estipulados precisamente porque a estipulaccedilatildeo desses termos estaacute ancorada em um par de extremos que eacute muito peculiar Esse par de extremos eacute pensado com propoacutesitos didaacuteticos orientados agrave exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova de cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas (a e i e o) Trata-se de um par de extremos que em benefiacutecio da exposiccedilatildeo eacute assumido como articulaacutevel em qualquer das relaccedilotildees categoacutericas Poreacutem essa assunccedilatildeo soacute faz sentido no contexto preciso dessa exposiccedilatildeo de procedimentos de prova afinal algumas dessas relaccedilotildees categoacutericas satildeo incompatiacuteveis entre si ndash por exemplo as relaccedilotildees universal afirmativa e particular negativa Por isso devemos presumir que as estipulaccedilotildees de termos que lhes datildeo suporte tambeacutem o satildeo e portanto natildeo podem valer em conjunto e para todos os casos

39 Idem 44a 17minus30 40 Ibidem 44a 19minus21

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

30

Para esclarecer esse ponto retomemos rapidamente os procedimentos de prova das proposiccedilotildees universal afirmativa e particular negativa41 Assumindo um mesmo par de extremos como faz Aristoacuteteles estaremos diante de proposiccedilotildees contraditoacuterias (EaA e EoA) Dado que tais proposiccedilotildees satildeo incompatiacuteveis as condiccedilotildees das quais elas satildeo provenientes tambeacutem o seratildeo Dizendo de outro modo a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (i) termos aos quais o extremo maior se atribui universalmente e (ii) termos que se atribuem universalmente ao extremo menor eacute incompatiacutevel com a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (irsquo) termos aos quais o extremo maior natildeo pode ser atribuiacutedo e (iirsquo) termos aos quais o extremo menor se atribui universalmente Assim em presenccedila das condiccedilotildees de prova de uma das proposiccedilotildees incompatiacuteveis as condiccedilotildees da outra poderatildeo ser dispensadas jaacute que satildeo condiccedilotildees requeridas para uma prova cuja possibilidade jaacute natildeo existe E natildeo haacute razatildeo para manter os termos estipulados e dispensar apenas a possibilidade de um termo comum entre as listas pois ambos os pressupostos satildeo requisitados para servir um uacutenico e mesmo propoacutesito o de estabelecer condiccedilotildees para a prova da relaccedilatildeo categoacuterica que se pretende obter Natildeo haacute uma razatildeo que justifique a manutenccedilatildeo das listas de termos estipulados em detrimento da possibilidade de um termo comum entre as listas pois o propoacutesito que introduz uma exigecircncia tambeacutem introduz a outra Sob essa perspectiva fica claro que os termos estipulados no trecho 44a 12minus17 natildeo podem ser pressupostos indispensaacuteveis de quaisquer termos silogiacutesticos tampouco pressupostos que devem ser satisfeitos em conjunto por termos de todo e qualquer silogismo Afinal Aristoacuteteles estipula cada uma das listas supondo que seus termos seratildeo candidatos agrave funccedilatildeo de mediador (e natildeo agrave funccedilatildeo de termos silogiacutesticos) e o faz segundo as exigecircncias especiacuteficas envolvidas na prova de cada relaccedilatildeo categoacuterica em particular (a e i ou o) Compreender tais listas como pressupostos

41 An Pr I 28 43b 39minus43 e 44a 9minus11

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

31

que devem ser satisfeitos por todo e qualquer termo silogiacutestico eacute um equiacutevoco

Em segundo lugar o capiacutetulo 28 natildeo parece estar orientado propriamente agrave prova silogiacutestica das formas categoacutericas mas em algum sentido agrave demonstraccedilatildeo de tais relaccedilotildees Haacute indiacutecios que sugerem essa leitura O principal deles talvez seja o fato de Aristoacuteteles se mostrar interessado em localizar um meson que fica no meio do caminho entre um mediador que satisfaz requisitos meramente dedutivos e um mediador que supera tais requisitos e se configura como um fator explanatoacuterio em uma legiacutetima demonstraccedilatildeo cientiacutefica42 Retomemos por exemplo as recomendaccedilotildees de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) Em 43b 43ndash44a 2 Aristoacuteteles recomenda a prova de EiA por premissas universais conduzindo a prova a um silogismo em Darapti embora admita a possibilidade de concluir proposiccedilotildees particulares a partir de um par de premissas em que apenas uma eacute universal (41b 22minus27) Em 44a 9ndash11 a exemplo do que ocorre com a prova de EiA Aristoacuteteles recomenda a prova de EoA novamente por premissas universais desta vez conduzindo a prova a um silogismo em Felapton Essas duas recomendaccedilotildees de prova pressupotildeem que o meson requisitado para a prova natildeo eacute um mediador meramente dedutivo mas um mediador que se articula com os extremos exclusivamente por relaccedilotildees universais Eacute claro que esse cenaacuterio ainda estaacute muito distante daquele que temos por exemplo no capiacutetulo 2 do Livro II de Segundos

42 Em uma demonstraccedilatildeo cientiacutefica natildeo basta que o mediador se relacione com os extremos de tal modo que a deduccedilatildeo da conclusatildeo esteja formalmente assegurada Aristoacuteteles ainda exige que o mediador satisfaccedila certos requisitos natildeo formais O principal deles eacute o de explicar adequadamente por que o extremo maior se atribui ao extremo menor (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 por exemplo essa diferenccedila (entre um mediador que satisfaz exigecircncias meramente dedutivas e um mediador que funciona como explicaccedilatildeo do fato relatado na conclusatildeo) eacute utilizada como criteacuterio baacutesico para distinguir o conhecimento de que C eacute A (conhecimento do fato) e o conhecimento de por que C eacute A (conhecimento da causa)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

32

Analiacuteticos (90a 6minus7) em que o meson eacute pensado como a causa que explica por que a relaccedilatildeo dada entre os extremos explicitada na conclusatildeo da demonstraccedilatildeo eacute o caso Mesmo assim temos o suficiente para mostrar que Aristoacuteteles natildeo estaacute levando em conta todos os silogismos de seu sistema loacutegico mas apenas aqueles nos quais ambas as premissas satildeo universais Por que razatildeo exatamente Aristoacuteteles faz essa escolha eacute algo a se investigar O que nos importa eacute que essa escolha restringe o escopo do capiacutetulo a um grupo especiacutefico de silogismos o que natildeo eacute compatiacutevel com a validade irrestrita dos axiomas propostos por Patzig

Em terceiro lugar Aristoacuteteles natildeo lida com as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo proacutepria superordenaccedilatildeo proacutepria e contrariedade mas prefere (i) termos que acompanham o extremo (τὰ ἑπόμενα) (ii) termos aos quais o extremo acompanha (οἷς αὐτὸ ἕπεται) e (iii) termos que natildeo podem ser atribuiacutedos ao extremo (ἃ μὴ ἐνδέχεται αὐτῷ ὑπάρχειν) Essa diferenccedila natildeo eacute apenas terminoloacutegica mas conceitual As relaccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias pressupotildeem termos que natildeo satildeo coextensivos se X eacute um termo subordinado proacuteprio de Y XaY eacute o caso mas YaX natildeo se Z eacute um termo superordenado proacuteprio de Y YaZ eacute o caso mas ZaY natildeo O proacuteprio Patzig reconhece essas consequumlecircncias ao formular os seus dois primeiros axiomas43 Aristoacuteteles no entanto ao se valer das relaccedilotildees de ldquoacompanhamentordquo entre os termos natildeo hesita em rejeitaacute-las No capiacutetulo 29 por exemplo Aristoacuteteles menciona a possibilidade de provar por hipoacutetese (συλλογίσασθαι ἐξ ὑποθέσεως) os problemas universais (a e e) assumindo precisamente a possibilidade de coextensatildeo entre os termos envolvidos possibilidade da qual Patzig parece prescindir ao formular seus axiomas A passagem agrave qual nos referimos eacute a seguinte

εἰ γὰρ τὸ Γ καὶ τὸ Η ταὐτὰ εἴη μόνοις δὲ ληφθείη τοῖς Η τὸ Ε ὑπάρχειν παντὶ ἂν τῷ Ε τὸ Α ὑπάρχοι καὶ πάλιν εἰ τὸ Δ καὶ Η ταὐτὰ μόνων δὲ τῶν Η τὸ Ε κατηγοροῖτο ὅτι οὐδενὶ τῷ Ε τὸ Α ὑπάρξει

43 Patzig (1959 sect3 p 6ndash7)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

33

Com efeito se C e G fossem o mesmo mas se assumisse que E se atribui apenas aos Grsquos A se atribuiria a todo E Novamente se D e G fossem o mesmo mas E se afirmasse apenas dos Grsquos A se atribuiraacute a nenhum E (45b 24minus27)

Em 44a 12minus17 Aristoacuteteles jaacute havia estipulado que a letra C representaria um termo ao qual o extremo maior A acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente tambeacutem foi estipulado que a letra G representaria um termo ao qual o extremo menor E acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente por fim ainda ficou decidido que a letra D representaria um termo que natildeo pode ser atribuiacutedo ao extremo maior A Assim a identidade entre C e G a exemplo do que ocorre em 44a 19minus21 conduz a prova de EiA a um silogismo em Darapti ao passo que a identidade entre D e G a exemplo do que ocorre em 44a 28minus30 conduz a prova de EoA a um silogismo em Felapton44 No entanto nessa passagem embora os procedimentos de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) sejam acionados aquilo que se quer mostrar eacute de que modo podemos provar por hipoacutetese (ἐξ ὑποθέσεως) as proposiccedilotildees universais Para alcanccedilar esse resultado Aristoacuteteles assume que o extremo menor E se atribui apenas (μόνον) a G o que pode ser interpretado como uma maneira diferente de dizer que E e G satildeo termos coextensivos Sinal disso eacute o seguinte ao assumir que E se atribui apenas a G Aristoacuteteles se vecirc autorizado a concluir as proposiccedilotildees universais EaA e EeA o que soacute faz sentido sob o pressuposto de que G e E satildeo termos coextensivos De fato sob tal pressuposto a premissa menor GaE pode ser ldquoconvertidardquo em EaG o que transforma Darapti em Barbara bem como Felapton em Celarent Mas se os termos aos quais o extremo menor E acompanha forem pensados como termos subordinados proacuteprios de E GaE seraacute o caso mas EaG natildeo Por conseguinte tampouco as conclusotildees EaA e EeA se seguiriam Assim se quisermos conferir sentido agrave passagem temos que assumir que Aristoacuteteles recorreu agrave possibilidade de construir silogismos com termos

44 Darapti CaA GaE rarr EiA (C=G) Felapton DeA GaE rarr EoA (D=G)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

34

que satildeo coextensivos e se assim for podemos dizer que para Aristoacuteteles a presenccedila de silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos em sua loacutegica natildeo causava qualquer inconveniente45

Segundo nos parece as razotildees alegadas ateacute aqui jaacute satildeo suficientes para mostrar que os axiomas de Patzig natildeo podem servir como criteacuterios delimitadores de termos silogiacutesticos Ainda assim vale a pena examinar duas passagens que eventualmente poderiam ser invocadas contra a interpretaccedilatildeo que propomos Embora natildeo sejam citadas pelos proponentes das opiniotildees tradicionais natildeo eacute difiacutecil imaginar que elas tenham servido de inspiraccedilatildeo para aqueles que defendem a exclusatildeo dos termos transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo De fato agrave primeira vista tais passagens podem nos levar a pensar que Aristoacuteteles natildeo guardou lugar para tais termos na silogiacutestica No entanto como veremos isso soacute eacute verdade agrave primeira vista

45 O capiacutetulo 29 natildeo eacute a uacutenica evidecircncia de silogismos com termos coextensivos na silogiacutestica No capiacutetulo 5 do Livro II de Primeiros Analiacuteticos precisamente em 57b 35minus58a 12 Aristoacuteteles trabalha com silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos Por sua vez no capiacutetulo 22 em 67b 27minus32 Aristoacuteteles inicia o texto dizendo que a coextensatildeo entre os termos extremos de um silogismo requer um mediador tambeacutem coextensivo o que revela por parte de Aristoacuteteles plena consciecircncia a respeito da existecircncia de silogismos com triacuteades coextensivas Nos Segundos Analiacuteticos o interesse de Aristoacuteteles por demonstraccedilotildees que envolvem termos coextensivos pode ser classificado como uma obsessatildeo Basta notar que a proacutepria demonstraccedilatildeo universal ndash aquela que eacute considerada por Aristoacuteteles como cientiacutefica no mais alto grau ndash tem como uma de suas principais caracteriacutesticas a coextensatildeo entre os trecircs termos do silogismo (cf Seg An I 4 73b 32minus74a 3) o que revela o papel central das triacuteades coextensivas no projeto aristoteacutelico que eacute inaugurado com a silogiacutestica e culmina nas demonstraccedilotildees cientiacuteficas (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 e II 16 Aristoacuteteles novamente recorre a termos coextensivos na formulaccedilatildeo de silogismos A nossa preferecircncia pela passagem 45b 24minus27 do capiacutetulo 29 de Primeiros Analiacuteticos se daacute apenas com base em sua conexatildeo indiscutiacutevel com o capiacutetulo 28 no qual Patzig julga encontrar seus axiomas

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

35

Uma das passagens agraves quais nos referimos eacute aquela com a qual Aristoacuteteles encerra o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I Vejamos o que diz Aristoacuteteles

ἔτι τὰ πᾶσιν ἑπόμενα οὐκ ἐκλεκτέον οὐ γὰρ ἔσται συλλογισμὸς ἐξ αὐτων διrsquo ἣν δrsquo αἰτίαν ἐν τοῖς ἑπομένοις ἔσται δῆλον Aleacutem disso natildeo eacute preciso selecionar os itens que acompanham todas as coisas pois natildeo haacute silogismo a partir deles A razatildeo disso ficaraacute evidente a seguir (43b 36minus38)

Essa passagem trata dos termos transcategoriais de generalidade total (τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) e delega a justificativa de seu proacuteprio pronunciamento ao capiacutetulo seguinte no qual Patzig encontrou inspiraccedilatildeo para seus axiomas No capiacutetulo 28 cumprindo o prometido Aristoacuteteles retoma esse assunto e reitera a impossibilidade de construir silogismos a partir de termos de generalidade total

φανερὸν οὖν ὅτι διὰ τῶν προειρημένων σχημάτων οἱ συλλογισμοὶ πάντες καὶ ὅτι οὐκ ἐκλεκτέον ὅσα πᾶσιν ἕπεται διὰ τὸ μηδένα γίγνεσθαι συλλογισμὸν ἐξ αὐτῶν κατασκευάζειν μὲν γὰρ ὅλως οὐκ ἦν ἐκ τῶν ἑπομένων ἀποστερεῖν δrsquo οὐκ ἐνδέχεται διὰ τοῦ πᾶσιν ἑπομένου δεῖ γὰρ τῷ μὲν ὑπάρχειν τῷ δὲ μὴ ὑπάρχειν Eacute evidente entatildeo que todos os silogismos vecircm a ser atraveacutes das figuras previamente mencionadas e que natildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisas porque nenhum silogismo vem a ser a partir deles De fato de modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanham e natildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outro (44b 19minus24)

Fora de contexto e em uma leitura mais apressada essas duas passagens podem nos levar a crer que a opiniatildeo tradicional que afasta da silogiacutestica os termos de generalidade total (como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) de fato encontra respaldo nos textos de Aristoacuteteles No entanto mais uma vez eacute preciso levar em conta que o capiacutetulo 28 eacute marcado pela

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

36

descriccedilatildeo de estrateacutegias de localizaccedilatildeo de termos mediadores e natildeo de termos em geral Dizendo de outro modo Aristoacuteteles natildeo estaacute interessado em localizar os termos que deveratildeo encerrar a conclusatildeo de um silogismo pelo contraacuterio tais termos jaacute estatildeo plenamente determinados bem como a relaccedilatildeo proposicional (a e i e o) que haacute entre eles dado que a conclusatildeo na qual interagem funciona como ponto de partida da investigaccedilatildeo empreendida no capiacutetulo O que interessa para Aristoacuteteles eacute a localizaccedilatildeo de termos mediadores e eacute nesse horizonte que tais passagens devem ser lidas Assim ao negar a possibilidade de construir silogismos a partir de termos transcategoriais de generalidade total (ἐξ αὐτῶν) o que Aristoacuteteles quer dizer eacute que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos46 nos quais a funccedilatildeo de mediador seja desempenhada por um termo desse tipo razatildeo pela qual na busca pelo mediador recomenda Aristoacuteteles ldquonatildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisasrdquo (44b 20minus21) Para justificar essa recomendaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta duas razotildees (i) ldquode modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanhamrdquo (44b 22minus23) (ii) ldquonatildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outrordquo (44b 23minus24) Na primeira razatildeo Aristoacuteteles parece reconsiderar as listas de termos estipuladas no trecho 44a 11minus17 pressupondo ao que tudo indica que os transcategoriais de generalidade total soacute podem figurar em listas de termos que acompanham os extremos Isso se justificaria pela natureza inapta de tais termos para o papel de sujeito em proposiccedilotildees silogiacutesticas conforme se constata no capiacutetulo I 27 Assim na medida em que nas provas afirmativas a busca pelo mediador natildeo envolve

46 Na verdade como o escopo do capiacutetulo 28 natildeo abarca todo e qualquer silogismo seria mais correto dizer que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos (nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas) assumindo um termo de generalidade total na funccedilatildeo de mediador

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

37

apenas a lista de termos que acompanham um dos extremos mas tambeacutem a lista de termos aos quais um dos extremos acompanha (ver 43b 39minus44a 2) os transcategoriais de generalidade total perdem a candidatura agrave funccedilatildeo de mediador e jaacute de saiacuteda nem sequer precisam ser considerados47 Na segunda razatildeo por sua vez Aristoacuteteles leva em conta o fato de que as provas negativas dependem de um mediador capaz de figurar em proposiccedilotildees universais negativas verdadeiras exigecircncia que natildeo estaacute no alcance dos termos de generalidade total Afinal se estamos diante de um transcategorial desse tipo de antematildeo jaacute assumimos a inexistecircncia de um termo do qual ele natildeo seja predicado Assim os termos de generalidade total ficam impedidos de serem atribuiacutedos a um extremo e natildeo atribuiacutedos ao outro (44b 24) como deve ser o mediador de um silogismo negativo

O que eacute verdade portanto eacute que Aristoacuteteles dispensa os termos de generalidade total da funccedilatildeo de mediador De fato quando se pretende construir silogismos nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas tal como ocorre no capiacutetulo 28 a busca do mediador entre transcategoriais de generalidade total eacute sempre infrutiacutefera porque soacute poderaacute devolver como resposta pretensos fatores de mediaccedilatildeo marcados por duas deficiecircncias principais a

47 Supomos que em tais passagens Aristoacuteteles de fato tem em mente as recomendaccedilotildees de prova apresentadas no iniacutecio do capiacutetulo 28 de modo que apenas os silogismos em Barbara e Darapti sejam considerados como silogismos afirmativos (cf 43b 39minus44a 2) Assim entendemos que o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 se justificaria porque os termos de generalidade total na prova de a natildeo podem integrar a lista de termos aos quais o extremo maior acompanha bem como na prova de i a lista de termos aos quais ambos os extremos acompanham No entanto ainda que os demais silogismos afirmativos sejam levados em conta o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 continua verdadeiro jaacute que Darii Disamis e Datisi tambeacutem exigem que o mediador esteja entre os termos aos quais o(s) extremo(s) acompanha(m)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

38

impossibilidade de desempenhar a funccedilatildeo de sujeito de modo legiacutetimo e a incapacidade de compor proposiccedilotildees negativas verdadeiras

Nenhuma das passagens mencionadas acima (43b 36minus38 e 44b 19minus24) eacute citada ndash nem por Lukasiewicz nem por Patzig ndash como evidecircncia de que Aristoacuteteles teria rejeitado os termos de generalidade total em seu sistema loacutegico Poreacutem diante da escassez de evidecircncias em favor da suposta exclusatildeo de tais termos natildeo eacute insensato presumir que os proponentes dessa exclusatildeo tenham encontrado inspiraccedilatildeo nelas

Na proacutexima seccedilatildeo examinaremos textos nos quais Aristoacuteteles constroacutei silogismos com termos de natureza singular Veremos que o incocircmodo com a presenccedila de tais termos na silogiacutestica eacute menos de Aristoacuteteles e mais de seus inteacuterpretes 3 Termos Singulares e o Silogismo Peripateacutetico

Jaacute comentamos o fato de Lukasiewicz ter feito pesadas criacuteticas agrave silogiacutestica em especial ao suposto fato de Aristoacuteteles ter afastado os termos de natureza singular de seu sistema loacutegico o que seria segundo Lukasiewicz ldquoo maior defeitordquo da loacutegica aristoteacutelica48 Ao que parece o responsaacutevel por levaacute-lo por esse caminho foi Ross que tomou nota do tambeacutem suposto fato de Aristoacuteteles nunca se valer de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos49 Lukasiewicz reiterou a constataccedilatildeo de Ross (embora natildeo o cite) e nela encontrou razatildeo para natildeo reconhecer como rigorosamente aristoteacutelico o silogismo que qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo silogismo formulado em primeira figura com um nome proacuteprio como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo

De acordo com a triparticcedilatildeo de termos que pudemos conhecer no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I (Seccedilatildeo II Parte 1) natildeo temos qualquer razatildeo para expulsar da silogiacutestica os termos de natureza singular Eacute

48 Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect3 p 6) 49 Ross (1949 p 289 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

39

claro que Aristoacuteteles natildeo deixa de lhes endereccedilar certas restriccedilotildees poreacutem vale a pena repetir nenhuma das restriccedilotildees introduzidas por Aristoacuteteles no referido capiacutetulo tem forccedila suficiente para expulsar os termos singulares da loacutegica aristoteacutelica De fato embora tais termos natildeo possam figurar em proposiccedilotildees como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nada impede que outros termos lhes sejam atribuiacutedos por conseguinte embora natildeo possam ser demonstrados como legiacutetimos predicados de outros termos nada impede que outros termos sejam demonstrados como predicados deles50

Fora dos Analiacuteticos jaacute esbarramos em indiacutecios que vatildeo nessa direccedilatildeo No capiacutetulo 10 de Metafiacutesica XIII (My) por exemplo haacute uma breve passagem que sugere esse resultado Enquanto argumenta em favor da tese de que ldquoo conhecimento eacute de universaisrdquo (ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου) Aristoacuteteles parece supor que os termos singulares ldquoeste triacircngulordquo e ldquoeste homemrdquo tambeacutem satildeo suscetiacuteveis de operaccedilotildees silogiacutesticas

[] ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου δῆλον δrsquo ἐκ τῶν ἀποδείξεων καὶ τῶν ὁρισμῶν οὐ γὰρ γίγνεται συλλογισμὸς ὅτι τόδε τὸ τρίγωνον δύο ὀρθαῖς εἰ μὴ πᾶν τρίγωνον δύο ὀρθαί οὐδrsquo ὅτι ὁδὶ ὁ ἄνθρωπος ζῷον εἰ μὴ πᾶς ἄνθρωπος ζῷον [] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos a natildeo ser que todo triacircngulo possua dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal a natildeo ser que todo homem seja animal (1086b 34minus37)

Poreacutem essa passagem natildeo eacute tatildeo simples quanto pode parecer agrave primeira vista51 Paul Shorey por exemplo reprovaria jaacute a traduccedilatildeo que

50 An Pr I 27 43a 25minus29 e 39minus40 Ao comentar o capiacutetulo 27 Mignucci (1969 p 443) tambeacutem reconhece a possibilidade ldquodi costruire dimostrazioni e sillogismi anche relativamente a singolarirdquo citando Alexandre que tambeacutem jaacute a observa em seus comentaacuterios (An Pr p 293 13minus23) 51 Shorey (1913)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

40

propomos porque ela faz crer que Aristoacuteteles estabelece uma relaccedilatildeo de dependecircncia dedutiva (silogiacutestica) entre proposiccedilotildees dependecircncia que de fato existe mas da qual para Shorey a passagem em questatildeo natildeo trataria De acordo com Shorey as ocorrecircncias de εἰ μὴ nas linhas 33 e 36 natildeo significam ldquo[] lsquounlessrsquo but is to be taken in its idiomatic sense as a virtual equivalent of ἀλλάrdquo Nesse caso uma traduccedilatildeo mais fiel agrave posiccedilatildeo de Shorey seria a seguinte

[] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos mas de que todo triacircngulo tem dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal mas de que todo homem eacute animal (1086b 34minus37)

Assim o texto estabeleceria natildeo que as proposiccedilotildees singulares no papel de conclusotildees silogiacutesticas satildeo (dedutivamente) dependentes das proposiccedilotildees universais mas que as conclusotildees propriamente silogiacutesticas satildeo universais (universalmente quantificadas) e natildeo singulares

Ross52 ao tratar dessa passagem natildeo deixa de comentar a posiccedilatildeo de Shorey

He [Shorey] argues that in l 33 knowledge is said to be lsquoofrsquo universals ie to have universal conclusions as well as universal premises [hellip] and that singular propositions never occur as conclusions in Aristotlersquos logical writings

Na verdade Shorey53 natildeo chega a dizer que proposiccedilotildees singulares nunca ocorrem como conclusotildees silogiacutesticas nos escritos loacutegicos de Aristoacuteteles embora passe perto disso

The syllogism with a particular54 conclusion is an inferior type (Analyt Post 79a 25ff) [hellip] Aristotle does not recognize singular proposition in his classification (Analyt Priora A1 Grote Aristotle I 205) and the

52 Ross (1953 p 464) 53 Shorey (1913 p 91) 54 Nesse contexto Shorey assume ldquoparticularrdquo e ldquosingularrdquo como equivalentes

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

41

conclusion to an individual case interests him very little and is practically ignored

Shorey tem alguma razatildeo em alegar que os silogismos que concluem proposiccedilotildees singulares (tambeacutem conhecidos como ldquoperipateacuteticosrdquo) satildeo de um tipo inferior especialmente quando se leva em conta o horizonte das demonstraccedilotildees cientiacuteficas55 mas erra quando recorre ao trecho 79a 25ss para dar base textual a tal alegaccedilatildeo ndash o referido trecho nem mesmo trata desse assunto Por sua vez e contra Shorey Ross56 surpreende ao alegar o seguinte

There are however occasional references in Aristotle to the occurrence of singular propositions as the minor premise or conclusion of syllogisms (eg An Pr 43a 37minus40) []

55 Para Aristoacuteteles o silogismo dito cientiacutefico no mais alto grau eacute a chamada demonstraccedilatildeo universal Eacute importante notar que aqui o adjetivo ldquouniversalrdquo tem um sentido muito preciso e natildeo se justifica pela mera ocorrecircncia de uma conclusatildeo universalmente quantificada Em Segundos Analiacuteticos I 4 73b 32minus74a 3 por exemplo Aristoacuteteles argumenta que a demonstraccedilatildeo universal natildeo conclui que todo isoacutesceles tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos mas que todo triacircngulo tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos revelando um requisito que envolve o ajuste preciso do extremo menor a partir de condiccedilotildees estabelecidas pelo extremo maior (cf Seg An I 5 74a 4minus6 13minus17 25minus32 74b 21minus26 I 24 85b 4minus15) Para Aristoacuteteles o predicado ldquoter a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retosrdquo ndash daqui para frente apenas ldquo2Rrdquo ndash se atribui a ldquoisoacutescelesrdquo de um modo que em algum sentido eacute parasitaacuterio da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo dado que isoacutesceles tem 2R na exata medida em que eacute triacircngulo Em outras palavras a atribuiccedilatildeo de ldquo2Rrdquo a ldquoisoacutescelesrdquo eacute entendida como indireta e dependente da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo Nesse contexto eacute natural presumir que um silogismo peripateacutetico seja concebido como inferior em relaccedilatildeo aos demais minus especialmente no que diz respeito ao grau de cientificidade minus jaacute que sua conclusatildeo natildeo poderaacute satisfazer as exigecircncias de uma legiacutetima conclusatildeo cientiacutefica tal como ocorre em uma demonstraccedilatildeo universal Jaacute quanto agraves propriedades dedutivas envolvidas em tal silogismo natildeo haacute razatildeo para consideraacute-lo inferior Para apreciaccedilatildeo detalhada da noccedilatildeo de demonstraccedilatildeo universal ver Angioni (2007) 56 Ross (1953 p 464)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

42

Ross supotildee que o argumento de Shorey pretende estabelecer a exclusatildeo dos termos singulares do domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica e aponta a passagem 43a 37minus40 como evidecircncia textual incompatiacutevel com essa exclusatildeo Temos aqui uma mudanccedila de opiniatildeo De fato conforme pudemos ver na primeira seccedilatildeo deste artigo ao tratar do trecho 43a 37minus43 na ediccedilatildeo comentada do texto grego de Primeiros e Segundos Analiacuteticos Ross chega a dizer que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares em seus exemplos de silogismos e argumenta em favor de uma silogiacutestica restrita a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ)57 Agora ao comentar a passagem 1086a 34minus37 de Metafiacutesica XIII (My) 10 Ross reconhece no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I uma evidecircncia em favor da inclusatildeo dos termos singulares na silogiacutestica Aparentemente o proacuteprio Ross natildeo tinha muita convicccedilatildeo a respeito da inclusatildeo ou exclusatildeo dos termos de natureza singular

De nossa parte admitimos que a passagem 1086a 34minus37 eacute digna da controveacutersia introduzida por Shorey ndash embora tenhamos mais apreccedilo pela interpretaccedilatildeo de Ross No entanto mesmo que Shorey tenha razatildeo a respeito do referido trecho de Metafiacutesica XIII (My) 10 a presenccedila de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares na silogiacutestica natildeo estaraacute ameaccedilada porque ainda podemos nos valer de passagens muito mais promissoras para decidir essa questatildeo passagens nas quais o proacuteprio Aristoacuteteles elabora cocircmputos silogiacutesticos com termos singulares como se a presenccedila deles na silogiacutestica natildeo lhe figurasse como uma anomalia

Patzig tinha conhecimento dessas passagens e fez questatildeo de citaacute-las no primeiro capiacutetulo de seu livro corrigindo o suposto fato alegado por Ross e Lukasiewicz de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos exemplos de silogismos que aparecem em Primeiros Analiacuteticos No entanto Patzig natildeo recorre a tais passagens a fim de reintroduzir os termos singulares na silogiacutestica mas procura

57 Idem 1949 p 384

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

43

desqualificaacute-las e assim reiterar os resultados de seus antecessores De fato embora reconheccedila as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 do Livro I bem como de ldquoPitacosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II Patzig manteacutem a posiccedilatildeo tradicional que afasta os termos de natureza singular da loacutegica aristoteacutelica alegando apenas que a ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo (70a 16minus20) se daacute em um silogismo invaacutelido ao passo que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo (47b 15ss) aparecem em premissas das quais nada se segue58

Eacute bem verdade que as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 de Primeiros Analiacuteticos I estatildeo associadas a pares de premissas dos quais nenhuma conclusatildeo se segue coisa que o proacuteprio Aristoacuteteles natildeo hesita em admitir No entanto embora sejam inconcludentes esses pares de premissas acomodam seus termos em disposiccedilotildees muito similares agravequelas de um silogismo vaacutelido (Barbara)59 o que lhes confere as feiccedilotildees de que satildeo concludentes quando na verdade natildeo o satildeo De acordo com Aristoacuteteles o que os impede de serem concludentes eacute o fato de que a premissa maior natildeo eacute universal60 Em 47b 26minus28 essa justificativa eacute apresentada por meio de um pronunciamento que merece alguma atenccedilatildeo Aristoacuteteles anuncia o fato de a premissa maior natildeo ser universal como quem supotildee que fosse ela universal o problema estaria resolvido e assim o par de premissas seria concludente61 Ora na medida em que Aristoacuteteles atribui o caraacuteter inconcludente dos pares de premissas precisamente agraves premissas maiores (e natildeo agraves premissas menores nas quais ocorrem os termos singulares) presume-se que esses termos natildeo introduzem qualquer caracteriacutestica censuraacutevel nos silogismos ali formulados Assim o fato de que natildeo estamos diante de pares de premissas concludentes por si soacute natildeo eacute

58 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 59 An Pr I 33 47b 21minus37 60 Idem 47b 26minus29 34minus37 e 38minus39 61 O uso contrafactual de ἔδει na linha 27 sugere essa leitura

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

44

suficiente para recusar ao capiacutetulo 33 o papel de evidecircncia em favor de tais termos na silogiacutestica62

Quanto agrave ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo em Primeiros Analiacuteticos II 27 (70a 16minus20) Patzig tem alguma razatildeo em alegar que ela se daacute em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido No entanto eacute preciso ajustar essa alegaccedilatildeo porque Aristoacuteteles natildeo descreve o argumento em questatildeo propriamente como um silogismo mas como um sinal (σημεῖον) e ao que parece um sinal e um silogismo ndash um legiacutetimo silogismo e natildeo um mero entimema ndash estatildeo longe de ser a mesma coisa63 Aleacutem disso temos uma ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo no mesmo capiacutetulo que eacute bem mais relevante para a discussatildeo mas que foi completamente ignorada pelos comentadores

Em 70a 26minus28 Aristoacuteteles formula dois silogismos nos quais aparece o termo singular ldquoPitacosrdquo Um deles eacute descrito como refutaacutevel (λύσιμος)64 basicamente porque a conclusatildeo natildeo se segue das premissas65 Natildeo precisamos nos deter nele Por ora o silogismo que fora introduzido algumas linhas antes e que foi descrito por Aristoacuteteles como irrefutaacutevel (ἄλυτος)66 eacute muito mais interessante Esse silogismo tem exatamente a formulaccedilatildeo paradigmaacutetica que Lukasiewicz qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo e agrave qual negou lugar na loacutegica aristoteacutelica Vale a pena citar essa passagem para marcar bem a presenccedila desse tipo de silogismo na loacutegica de Aristoacuteteles

62 M Malink (2009 p 119) por exemplo contrariando Patzig aponta o capiacutetulo I 33 minus bem como II 27 do qual trataremos a seguir minus como evidecircncia em favor de termos singulares na silogiacutestica Ver tambeacutem Mignucci ldquoAristotlersquos Theory of Predicationrdquo p 10 ldquoParts Quantification and Aristotelian Predicationrdquo p 11 e Barnes ldquoTruth etcrdquo p 158-166 63 An Pr II 27 70a 24minus25 64 Ibidem 30minus31 e 34minus35 65 Ibidem 27minus28 e 30minus32 66 Ibidem 29

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

45

Ἐὰν μὲν οὖν ἡ μία λεχθῇ πρότασις σημεῖον γίνεται μόνον ἐὰν δὲ καὶ ἡ ἑτέρα προσληφθῇ συλλογισμός οἷον ὅτι Πιττακὸς ἐλευθέριος οἱ γὰρ φιλότιμοι ἐλευθέριοι Πιττακὸς δὲ φιλότιμος Assim se somente uma premissa for assumida haacute apenas um sinal ao passo que se a outra premissa tambeacutem for assumida entatildeo haacute um silogismo por exemplo lsquoPitacos eacute destemido pois os homens de brio satildeo destemidos e Pitacos eacute homem de briorsquo (70a 24minus27)67

A descriccedilatildeo eacute inusitada porque Aristoacuteteles comeccedila pela conclusatildeo Mas isso natildeo prejudica o resultado a que queremos chegar O nome proacuteprio ldquoPitacosrdquo eacute sem duacutevida o extremo menor que aparece como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo ldquodestemidordquo eacute o extremo maior predicado da premissa maior e da conclusatildeo por fim a funccedilatildeo de mediador fica por conta de ldquohomem de briordquo Em uma reconstituiccedilatildeo um pouco mais formalizada temos o seguinte silogismo todo homem de brio eacute destemido Pitacos eacute (um) homem de brio logo Pitacos eacute destemido

O leitor mais desconfiado talvez hesite em aceitar que a premissa maior ldquoos homens de brio satildeo destemidosrdquo possa ser formalizada com um quantificador universal mas haacute sinais claros de que eacute assim que devemos concebecirc-la Em primeiro lugar Aristoacuteteles reconhece a legitimidade desse silogismo e supotildee que a conclusatildeo decorre das premissas o que por si soacute jaacute pressupotildee a universalidade da premissa maior Caso contraacuterio a conclusatildeo natildeo se impotildee Em segundo lugar haacute um pequeno detalhe que causa surpresa nesse capiacutetulo e que merece atenccedilatildeo de nossa parte Aristoacuteteles justifica o caraacuteter irrefutaacutevel do mencionado silogismo alegando que se trata de um silogismo universal (καθόλου γὰρ ἐστιν cf 70a 30) Ora como se sabe Aristoacuteteles descreve como universais precisamente aqueles silogismos nos quais a conclusatildeo eacute universal quais sejam Barbara Celarent Cesare e Camestres Por isso ao caracterizar o ldquosilogismo peripateacuteticordquo como um silogismo universal

67 As traduccedilotildees de φιλότιμος e ἐλευθέριος certamente satildeo discutiacuteveis mas em nada afetam os nossos objetivos

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

46

Aristoacuteteles pode querer sinalizar que em algum sentido a conclusatildeo ldquoPitacos eacute destemidordquo deva ser compreendida como uma proposiccedilatildeo fundada em uma atribuiccedilatildeo universal68 como se o referido ldquosilogismo peripateacuteticordquo precisamente em razatildeo disso fosse digno do mesmo status concedido aos demais silogismos universais (Barbara Celarente Cesare e Camestres) Essa leitura sugere que a concepccedilatildeo aristoteacutelica de atribuiccedilatildeo universal talvez deva ser repensada jaacute que ela daacute sinais de se estender sobre casos para os quais natildeo cabe falar em quantificadores (universais) ndash eacute o que parece ocorrer no ldquosilogismo peripateacuteticordquo acima mencionado

O aprofundamento desse ponto no entanto eacute algo que ultrapassa o escopo da presente investigaccedilatildeo e seu exame deve ser deixado para outra ocasiatildeo A essa altura o objetivo principal desta seccedilatildeo jaacute nos parece ter sido alcanccedilado pois consiste apenas em mostrar o que os leitores menos versados nos Analiacuteticos jaacute perceberam haacute muito tempo a saber que o chamado ldquosilogismo peripateacuteticordquo natildeo soacute faz parte da loacutegica aristoteacutelica mas mais do que isso ainda pode desfrutar de um lugar privilegiado no interior da silogiacutestica entre os chamados ldquosilogismos universaisrdquo Diante desse quadro natildeo haacute duacutevida de que os termos de natureza singular tecircm lugar garantido na loacutegica de Aristoacuteteles69

68 Provavelmente foi inspirado em passagens como essa que J N Keynes (1906 p 102) sugeriu conceber as proposiccedilotildees singulares como uma subclasse de proposiccedilotildees universais Lukasiewicz tomou nota dessa possibilidade e a considerou totalmente equivocada Mas para isso ignorou completamente o trecho 70a 24minus30 69 Agradeccedilo ao professor Lucas Angioni (Unicamp) pela prontidatildeo na leitura de versotildees preacutevias deste artigo pelas indicaccedilotildees de passagens para reforccedilar o argumento e pelas alteraccedilotildees de texto sugeridas as quais certamente contribuiacuteram para melhorar o resultado final aqui apresentado Agradeccedilo tambeacutem aos professores Raphael Zillig (UFRGS) e Inara Zanuzzi (UFRGS) pela oportunidade de discutir alguns resultados provisoacuterios deste artigo no Seminaacuterio sobre Primeiros Analiacuteticos I 27 organizado pelo professor Raphael e realizado na UFRGS no ano de 2011 Por fim tambeacutem agradeccedilo aos

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

47

REFEREcircNCIAS

ANGIONI L ldquoO Conhecimento Cientiacutefico no Livro I dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesrdquo Revista de Filosofia Antiga (online) vol 1 n 1 2007 (httpwwwfilosofiaantigacomdocuments23html)

BARNES J (ed) Aristotle Prior Analytics (trans by A J Jenkinson in Barnes 1984 vol 1 p 39minus113)

mdashmdashmdashmdash Truth etc Six Lectures on Ancient Logic Oxford Clarendon Press 2007

BOCHENSKI J Ancient Formal Logic Amsterdam North-Holland Publishing 1951

CORCORAN J ldquoCompleteness of an Ancient Logicrdquo Journal of Symbolic Logic 37 696minus702 1972

KEYNES J N Studies and Exercises in Formal Logic (fourth edition rewritten and enlarged) New York The Macmillan Company 1906

LUKASIEWICZ J Aristotlersquos Syllogistic from the Standpoint of Modern Formal Logic Oxford Clarendon Press 1951

MALINK M ldquoA Non-Extensional Notion of Conversion in the Organonrdquo Oxford Studies in Ancient Philosophy Vol XXXVII p 106minus141 Oxford University Press 2009

MIGNUCCI M Aristotele Gli analitici primi ndash Traduzione introduzione e commento Naples Loffredo 1969

companheiros de pesquisa Francine Maria Ribeiro e Mateus Ricardo Fernandes Ferreira (UEMminusPR) pela leitura das primeiras versotildees desse texto e pelas proveitosas sugestotildees que me fizeram

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

48

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Theory of Predication in I Angelilli and M Cerezo (eds) Studies in the History of Logic 1minus20 Berlin 1996

mdashmdashmdashmdash Parts Quantification and Aristotelian Predication Monist 83 3minus21 2000

PATZIG G Aristotlersquos Theory of the Syllogism A Logico-Philosophical Study of Book A of the Prior Analytics Translated by Jonathan Barnes Dordrecht Reidel 1959

ROSS W D Aristotlersquos Prior and Posterior Analytics Oxford Clarendon Press 1949

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Metaphysics Oxford Clarendon Press 1953 (1924)

SHOREY P ldquoA Note on Aristotlersquos Metaphysics 1086b 32minus37rdquo Classical Philology Vol 8 n 1 pp 90minus92 1913

SMITH R Aristotle Prior Analytics Indianapolis Hackett Publishing Company 1989

STRIKER G Aristotle Prior Analytics Book I Oxford Clarendon Press 2009

Page 8: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

12

elaborado a partir do capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos capiacutetulo jaacute evocado por Ross como evidecircncia manifesta da restriccedilatildeo de termos

Conforme jaacute pudemos ver eacute no capiacutetulo 27 que Aristoacuteteles apresenta sua famosa triparticcedilatildeo de entes assumidos como termos de proposiccedilotildees silogiacutesticas nas linhas 43a 25ndash36 os trecircs tipos de termos satildeo introduzidos nas linhas 37ndash42 os efeitos que essa triparticcedilatildeo tem sobre as demonstraccedilotildees satildeo rapidamente considerados em seguida nas linhas 42ndash43 entra em cena a frase que inspirou a restriccedilatildeo de termos jaacute nos comentaacuterios de Ross e ainda mais na proposta de Lukasiewicz Interpretando Aristoacuteteles Lukasiewicz conclui que a silogiacutestica opera exclusivamente com termos do uacuteltimo tipo isto eacute com termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) excluindo da loacutegica aristoteacutelica tanto os termos singulares quanto os de alta generalidade ndash os uacuteltimos assumidos como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo12 Julgando ter encontrado a ldquoverdadeira razatildeordquo que teria levado Aristoacuteteles a se comprometer com tal restriccedilatildeo de termos Lukasiewicz alega que todo silogismo deve conter um termo capaz de desempenhar irrestritamente tanto a funccedilatildeo de sujeito quanto a funccedilatildeo de predicado ndash na primeira figura eacute o que ocorre com o mediador na segunda com o maior na terceira com o menor ndash e essas funccedilotildees soacute podem ser desempenhadas irrestritamente por termos de generalidade intermediaacuteria13 Ao que tudo indica Lukasiewicz entende os adveacuterbios σχεδὸν e μάλιστα nas linhas 42ndash43 como marcas que qualificam o restante da frase como uma regra absoluta e universal afastando a possibilidade de que Aristoacuteteles esteja apenas se pronunciando em linhas gerais sem qualquer pretensatildeo de

12 Idem sect3 p 5 Conveacutem lembrar que Lukasiewicz e Ross natildeo tecircm a mesma opiniatildeo sobre o que seriam os termos de alta generalidade aos quais Aristoacuteteles alude em 43a 29minus30 e 37minus39 para Lukasiewicz os termos de alta generalidade satildeo precisamente os transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo ao passo que Ross prefere concebecirc-los como summa genera (cf nota 3) 13 Ibidem p 7

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

13

estabelecer uma norma riacutegida vaacutelida para todo e qualquer silogismo mas apenas uma descriccedilatildeo que pudesse dar conta da maior parte dos argumentos silogiacutesticos Essa atitude o levou a fazer duras criacuteticas agrave loacutegica aristoteacutelica

De acordo com Lukasiewicz eacute questatildeo paciacutefica a opiniatildeo de que os termos singulares satildeo tatildeo importantes na atividade cientiacutefica quanto o satildeo os termos universais e portanto eacute falso que os argumentos e as investigaccedilotildees ldquoas a rulerdquo lidam com termos de universalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) o que tornaria o pronunciamento de Aristoacuteteles nas linhas 42ndash43 digno de reprovaccedilatildeo Com esse teor Lukasiewicz atribui a Aristoacuteteles a rejeiccedilatildeo dos termos singulares e descreve a ausecircncia desses fatores como ldquoo maior defeitordquo do sistema loacutegico aristoteacutelico14

Assim inspirado pelo legado de Ross Lukasiewicz consolida a opiniatildeo de que a silogiacutestica aristoteacutelica envolve uma severa restriccedilatildeo de termos constituindo um sistema loacutegico que atua exclusivamente sobre termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) Sob a descoberta da ldquoverdadeira razatildeordquo que teria levado Aristoacuteteles a se comprometer com essa restriccedilatildeo de termos Lukasiewicz estabelece a tese de que a silogiacutestica prescinde de termos singulares bem como de termos de alta generalidade (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo)

Essa proposta foi muito bem recebida por alguns estudiosos da loacutegica aristoteacutelica Em 1959 Guumlnther Patzig publicou um novo estudo sobre o Livro I dos Primeiros Analiacuteticos e fez questatildeo de dedicaacute-lo a Lukasiewicz de quem eacute seguidor Em obra intitulada Aristotlersquos Theory of the Syllogism ndash a logico-philological study of book A of the Prior Analytics Patzig corrige vaacuterios equiacutevocos herdados de Ross e de Lukasiewicz Para ilustrar considere-se a alegaccedilatildeo ndash feita tanto por Ross quanto por Lukasiewicz ndash de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos Primeiros Analiacuteticos Essa alegaccedilatildeo eacute desmentida por Patzig que aponta

14 Ibidem p 6

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

14

as seguintes ocorrecircncias de nomes proacuteprios no capiacutetulo 33 do Livro I ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II ldquoPitacosrdquo Mesmo diante dessas ocorrecircncias Patzig recusou a possibilidade de a silogiacutestica reservar lugar para termos singulares justificando tal posiccedilatildeo ao apontar que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo aparecem em premissas das quais nada se segue ao passo que ldquoPitacosrdquo ocorre em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido Em presenccedila desse quadro e a exemplo de Lukasiewicz Patzig considera que deve prevalecer o fato indubitaacutevel de Aristoacuteteles natildeo ter feito menccedilatildeo a proposiccedilotildees singulares no capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I o que fatalmente sugere a exclusatildeo dos termos singulares15 Assim Patzig eacute levado a endossar diversos resultados alcanccedilados por seus antecessores reiterando a restriccedilatildeo de fatores silogiacutesticos a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) e por conseguinte expulsando termos singulares transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) e summa genera do sistema loacutegico aristoteacutelico

No entanto sob a consideraccedilatildeo de Patzig essa restriccedilatildeo ganhou razotildees complementares Patzig natildeo apenas endossou os resultados sensivelmente sugeridos por Ross e consolidados por Lukasiewicz (resultados fundados no capiacutetulo 27 do Livro I dos Primeiros Analiacuteticos) mas tambeacutem lhes conferiu novos contornos oriundos de razotildees que julgou encontrar no capiacutetulo 28 do qual o capiacutetulo 27 seria discussatildeo preparatoacuteria

No capiacutetulo 28 Aristoacuteteles apresenta alguns procedimentos de prova para as formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Em linhas gerais esses procedimentos satildeo caracterizados pela tarefa de identificar um termo comum (que seraacute o mediador) em duas listas de termos Essas listas satildeo determinadas pela relaccedilatildeo que os seus membros possuem com os extremos (τά ἄκρα) que encerram a conclusatildeo pretendida

15 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

15

Ainda natildeo precisamos entrar em detalhes a respeito desses procedimentos Faremos isso na proacutexima seccedilatildeo em momento mais oportuno Por ora basta saber que a partir dos procedimentos recomendados por Aristoacuteteles como estrateacutegia de prova para cada uma das formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Patzig propotildee trecircs axiomas demarcadores de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica16

(1) todo termo silogiacutestico possui ao menos um termo subordinado proacuteprio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe um termo subordinado X tal que XaT eacute o caso ao passo que TaX natildeo (2) todo termo silogiacutestico possui ao menos um termo superordenado proacuteprio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe um termo superordenado Y tal que TaY eacute o caso ao passo que YaT natildeo (3) todo termo silogiacutestico possui um termo contraacuterio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe ao menos um termo contraacuterio Z tal que ZeT17

Ao formular os dois primeiros axiomas Patzig se vale de algumas noccedilotildees oriundas da teoria dos conjuntos as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias Em teoria dos conjuntos se Q eacute um termo subordinado proacuteprio de R (e natildeo apenas um termo subordinado) Q e R natildeo podem ser coextensivos ndash em outras palavras todo Q eacute R mas nem todo R eacute Q o mesmo ocorre com termos que frequumlentam uma mesma relaccedilatildeo de superordenaccedilatildeo proacutepria dado que toda relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo proacutepria pode ser reformulada como uma relaccedilatildeo de superordenaccedilatildeo proacutepria e vice-versa Patzig presume que essas relaccedilotildees traduzem pressupostos assumidos pelo proacuteprio Aristoacuteteles no capiacutetulo

16 Ibidem p 7 17 A notaccedilatildeo AxB adotada na exposiccedilatildeo dos axiomas descreve uma relaccedilatildeo categoacuterica x entre o termo-sujeito A e o termo-predicado B Assim AaB eacute a notaccedilatildeo para a relaccedilatildeo universal afirmativa (ldquotodo A eacute Brdquo) AeB para a relaccedilatildeo universal negativa (ldquonenhum A eacute Brdquo) AiB para a particular afirmativa (ldquoalgum A eacute Brdquo) e por fim AoB para a particular negativa (ldquoalgum A natildeo eacute Brdquo) Manteremos essa notaccedilatildeo ao longo de todo o texto

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

16

28 de Primeiros Analiacuteticos I Mais adiante veremos que essa conjetura eacute equivocada

Por ora eacute importante notar que essa distinccedilatildeo entre de um lado subordinaccedilatildeosuperordenaccedilatildeo proacutepria e de outro lado mera subordinaccedilatildeosuperordenaccedilatildeo faz alguma diferenccedila no que diz respeito agrave exclusatildeo da chamada classe universal Para excluiacute-la Patzig assume que a classe universal pertence ao domiacutenio de termos da silogiacutestica a articula com os axiomas (1) e (3) e obteacutem um resultado contraditoacuterio o terceiro axioma requer que todo termo silogiacutestico possua ao menos um termo que lhe seja contraacuterio ndash tratando-se da classe universal esse termo contraacuterio eacute a classe nula por sua vez o primeiro axioma requer que todo termo silogiacutestico possua ao menos um termo subordinado proacuteprio exigecircncia que a classe nula eacute incapaz de satisfazer ndash por definiccedilatildeo a classe nula natildeo possui termos subordinados proacuteprios Assim a impossibilidade da classe nula acarreta a impossibilidade da classe universal18

Patzig ainda aponta o trecho 998b 22ndash27 do capiacutetulo 3 de Metafiacutesica Beta como evidecircncia complementar de que Aristoacuteteles teria rejeitado a classe universal fazendo alusatildeo a um texto que embora trate de termos dessa natureza tem com a silogiacutestica uma relaccedilatildeo muito distante19

Por sua vez nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares como ldquoSoacutecratesrdquo e ldquoeste triacircngulordquo natildeo possuem termos subordinados proacuteprios e portanto natildeo satisfazem ao primeiro axioma Por fim gecircneros supremos como ldquosubstacircnciardquo ldquoqualidaderdquo ldquoquantidaderdquo etc natildeo podem contar com termos superordenados proacuteprios e por conseguinte ficam impossibilitados de satisfazer ao segundo axioma (impossibilidade que natildeo nos parece ter sido bem estabelecida20)

18 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 19 Ibidem 20 A exemplo de Ross (cf nota 3) Patzig ignora os transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo que a princiacutepio poderiam figurar como superordenados proacuteprios dos gecircneros supremos de modo que o axioma (2) fosse entatildeo satisfeito pelos gecircneros

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

17

Assim Patzig reitera as restriccedilotildees introduzidas por Ross e consolidadas por Lukasiewicz desenhando um quadro em que uma vez mais a silogiacutestica eacute pensada como um sistema loacutegico que opera exclusivamente sobre termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) sem atuaccedilatildeo sobre nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares gecircneros supremos (summa genera) e termos transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) Na proacutexima seccedilatildeo mostraremos que as leituras propostas por tais inteacuterpretes seguramente natildeo encontram respaldo nos textos de Aristoacuteteles II CRIacuteTICA AgraveS OPINIOtildeES TRADICIONAIS

1 Uma Releitura de Primeiros Analiacuteticos I 27 43a 25minus43

Certamente nem todo o legado de Ross Lukasiewicz e Patzig deve ser abandonado Parece razoavelmente acertada por exemplo a escolha do capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos como promissora resposta agrave questatildeo de saber quais tipos de termos podem figurar em silogismos rigorosamente aristoteacutelicos ndash muito embora nem todo tipo de silogismo reconhecido por Aristoacuteteles esteja no escopo desse capiacutetulo21 No primeiro capiacutetulo do Livro I de Primeiros Analiacuteticos em que seria natural esperar alguma descriccedilatildeo mais detalhada a respeito dos termos Aristoacuteteles eacute muito sucinto limitando-se a dizer o seguinte

Ὅρον δὲ καλῶ εἰς ὃν διαλύεται ἡ πρότασις οἷον τό τε κατηγορούμενον καὶ τὸ καθrsquo οὗ κατηγορεῖται προστιθεμένου τοῦ εἶναι ἢ μὴ εἶναι

supremos Para excluir tais termos Patzig se pronuncia de modo muito breve e pouco esclarecedor ldquocategories (on Aristotlersquos definition) do not satisfy axiom (2)rdquo Aleacutem disso as ocorrecircncias de ldquosubstacircnciardquo e ldquounidaderdquo em Pr An I 5 27a 19minus20 e 27b 6minus8 tambeacutem satildeo ignoradas talvez em decorrecircncia de estarem associadas a pares de premissas inconcludentes 21 Ver por exemplo os silogismos formulados em Pr An II 15

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

18

Chamo lsquotermorsquo aquilo no que a proposiccedilatildeo se dissolve ou seja o item que se predica e o de que se predica acrescentando lsquoeacutersquo ou lsquonatildeo eacutersquo (24b 16minus18)

Esse pronunciamento eacute muito vago e em decorrecircncia pouco revelador Por isso em relaccedilatildeo agrave presente investigaccedilatildeo tal capiacutetulo quase natildeo oferece material que possa ser aproveitado Eacute claro que natildeo eacute bem essa a opiniatildeo de nossos interlocutores Ross Lukasiewicz e Patzig conceberam o mero fato de Aristoacuteteles natildeo ter feito menccedilatildeo a termos singulares no capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I como forte evidecircncia de que tais termos natildeo teriam lugar na silogiacutestica22

Essa atitude nos parece incorreta O fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a termos singulares revela apenas que o capiacutetulo natildeo tem aptidatildeo para contribuir com a investigaccedilatildeo Poder-se-ia alegar talvez que a exposiccedilatildeo das proposiccedilotildees silogiacutesticas no trecho 24a 16minus22 eacute exaustiva de modo que a exclusatildeo dos termos singulares fosse assegurada pelo simples fato de natildeo haver alusatildeo expliacutecita agraves proposiccedilotildees que lhes satildeo correlatas Poreacutem o referido trecho cai em certo descreacutedito por envolver certas imprecisotildees das quais o silecircncio sobre as proposiccedilotildees singulares seria apenas mais uma A diferenccedila entre proposiccedilotildees particulares e indefinidas por exemplo eacute bem precaacuteria Com efeito a proposiccedilatildeo particular ldquoalgum prazer natildeo eacute bemrdquo natildeo eacute mais informativa que a proposiccedilatildeo indefinida ldquoprazer natildeo eacute bemrdquo Tanto em um caso quanto em outro a relaccedilatildeo que os termos possuem entre si eacute igualmente indeterminada ou seja natildeo sabemos se (i) todo prazer natildeo eacute bem ou se (ii) algum prazer natildeo eacute bem e algum prazer eacute bem23

22 Ross (1949 p 384) Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect1 p 1 sect2 p 4) Patzig (1959 chapter 1 sect3 p 5) 23 Entre os comentadores Ross (1949 p 314) parece assumir que no trecho 29a 27minus29 Aristoacuteteles teria feito uma declaraccedilatildeo expliacutecita de que tais proposiccedilotildees seriam de fato equivalentes Bochenski (1951 p 43) por sua vez reconhece a referida passagem como evidecircncia incontestaacutevel de que Aristoacuteteles concebia tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis o que torna a distinccedilatildeo

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

19

Imprecisotildees como essa revelam o caraacuteter provisoacuterio do trecho 24a 16minus22 Por isso essa passagem natildeo pode ser considerada como resposta definitiva ao problema de saber se a silogiacutestica reserva lugar para termos singulares sobretudo se a razatildeo alegada para assim consideraacute-la for o mero fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a proposiccedilotildees singulares Em certa medida os comentadores perceberam que natildeo poderiam recorrer apenas ao primeiro capiacutetulo de Primeiros Analiacuteticos I para decidir a questatildeo e estenderam a discussatildeo ao capiacutetulo 27 tomando uma decisatildeo bastante acertada porque eacute nesse capiacutetulo que Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes e os compreende claramente como fatores de atribuiccedilatildeo suscetiacuteveis de articulaccedilatildeo silogiacutestica O trecho 43a 25minus43 oferece trecircs tipos de termos e como bem observaram os proponentes das opiniotildees tradicionais impotildee certas restriccedilotildees ao uso de termos de natureza singular bem como ao uso de termos de alto grau de generalidade ndash quer sejam summa genera como prefere Ross ou transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como entende Lukasiewicz O que escapou a nossos interlocutores eacute que essas restriccedilotildees estatildeo longe de expulsar da silogiacutestica qualquer dos trecircs tipos de termos ali apresentados Por isso em defesa de nossa posiccedilatildeo propomos reexaminar o trecho 43a 25minus43 pois entendemos que o texto por si soacute natildeo deixa duacutevidas de que nenhum dos trecircs tipos de termos introduzidos na referida passagem tenha sido excluiacutedo da silogiacutestica

Assim examinemos o famoso texto que tem alimentado a discussatildeo sobre termos silogiacutesticos

[1] ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστι τοιαῦτα ὥστε κατὰ μηδενὸς ἄλλου κατηγορεῖσθαι ἀληθῶς καθόλου (οἷον Κλέων καὶ

proposta no primeiro capiacutetulo um tanto despropositada Lukasiewicz (1951 sect2 p 5) tambeacutem reconhece que Aristoacuteteles trata tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis mas natildeo admite que Aristoacuteteles tenha se pronunciado de modo expliacutecito a respeito dessa equivalecircncia preferindo delegar esse feito a Alexandre

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

20

Καλλίας καὶ τὸ καθrsquo ἕκαστον καὶ αἰσθητόν) κατὰ δὲ τούτων ἄλλα (καὶ γὰρ ἄνθρωπος καὶ ζῷον ἑκάτερος τούτων ἐστί) τὰ δrsquo αὐτὰ μὲν κατrsquo ἄλλων κατηγορεῖται κατὰ δὲ τούτων ἄλλα πρότερον οὐ κατηγορεῖται τὰ δὲ καὶ αὐτὰ ἄλλων καὶ αὐτῶν ἕτερα οἷον ἄνθρωπος Καλλίου καὶ ἀνθρώπου ζῷον ὅτι μὲν οὖν ἔνια τῶν ὄντων κατrsquo οὐδενὸς πέφυκε λέγεσθαι δῆλον τῶν γὰρ αἰσθητῶν σχεδὸν ἕκαστόν ἐστι τοιοῦτον ὥστε μὴ κατηγορεῖσθαι κατὰ μηδενὸς πλὴν ὡς κατὰ συμβεβηκός φαμὲν γάρ ποτε τὸ λευκὸν ἐκεῖνο Σωκράτην εἶναι καὶ τὸ προσιὸν Καλλίαν ὅτι δὲ καὶ ἐπὶ τὸ ἄνω πορευομένοις ἵσταταί ποτε πάλιν ἐροῦμεν νῦν δrsquo ἔστω τοῦτο κείμενον [2] κατὰ μέν οὖν τούτων οὐκ ἔστιν ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον ἕτερον πλὴν εἰ μὴ κατὰ δόξαν ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων οὐδὲ τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται (καὶ γὰρ αὐτὰ κατrsquo ἄλλων καὶ ἄλλα κατὰ τούτων λεχθήσεται) καὶ σχεδὸν οἱ λόγοι καὶ αἱ σκέψεις εἰσὶ μάλιστα περὶ τούτων [1] Entre todos os entes alguns satildeo tais que natildeo se afirmam de nenhum outro verdadeiramente como universais (por exemplo Cleon e Caacutelias ou seja o particular e o sensiacutevel) mas outros se afirmam deles de fato cada um desses eacute tanto homem quanto animal Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros mas nenhum outro anterior se afirma deles Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros e outros satildeo afirmados deles por exemplo homem que se afirma de Caacutelias e do qual animal se afirma Assim eacute evidente que certas coisas por natureza natildeo se dizem de nenhuma outra de fato em geral entre as coisas sensiacuteveis cada uma eacute tal que natildeo se afirma de nenhuma outra a natildeo ser por acidente com efeito agraves vezes dizemos que aquele branco eacute Soacutecrates e que aquele que se aproxima eacute Caacutelias (Ainda diremos por que tambeacutem para cima em algum momento a seacuterie se interrompe Mas por ora seja assumido isso) [2] Assim acerca dessas coisas natildeo eacute possiacutevel demonstrar outra sendo afirmada (a natildeo ser segundo opiniatildeo) mas eacute possiacutevel demonstrar elas proacuteprias sendo afirmadas de outras Tampouco eacute possiacutevel demonstrar as coisas particulares sendo afirmadas de outras mas eacute possiacutevel demonstrar outras sendo afirmadas delas Jaacute das coisas que ficam entre essas eacute evidente que eacute possiacutevel demonstrar afirmando de ambos os modos pois tanto elas seratildeo ditas de outras quanto outras seratildeo ditas delas Grosso modo os argumentos e as investigaccedilotildees satildeo sobretudo acerca dessas coisas (43a 25minus43)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

21

A mais natural divisatildeo que podemos impor agrave passagem acima exige duas seccedilotildees

[1] Na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes compreendidos como fatores de atribuiccedilatildeo e classificados segundo as funccedilotildees que cada classe de termos pode desempenhar em proposiccedilotildees destinadas a operaccedilotildees silogiacutesticas A passagem eacute inaugurada com um pronunciamento a respeito de todos os entes ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων Por isso ao que tudo indica essa divisatildeo tripartite eacute exaustiva e natildeo deixa de fora nenhuma classe de termos Os resultados provenientes dessa classificaccedilatildeo trazem certas restriccedilotildees agrave atuaccedilatildeo de alguns termos na silogiacutestica nas linhas 25minus29 Aristoacuteteles nega que os termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) possam desempenhar o papel de legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nas linhas 29minus30 rejeita a possibilidade de atribuir aos termos de alta generalidade um termo que lhes seja anterior (πρότερον) Conforme jaacute o dissemos essas restriccedilotildees passam longe da exclusatildeo de qualquer das classes de termos apresentadas no referido trecho do capiacutetulo 27 A principal evidecircncia disso aparece na imediata sequumlecircncia do texto em que Aristoacuteteles avalia os efeitos dessas restriccedilotildees sobre as demonstraccedilotildees Isso nos leva agrave segunda seccedilatildeo

[2] Na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) satildeo explicitadas as consequumlecircncias que as restriccedilotildees apresentadas na seccedilatildeo anterior (43a 25minus37) produziratildeo nas demonstraccedilotildees24 Nas linhas 37minus39 Aristoacuteteles se pronuncia a respeito dos termos de alta generalidade (summa genera

24 Eacute bem verdade que em relaccedilatildeo ao cenaacuterio que temos em Segundos Analiacuteticos I 2 a noccedilatildeo de apodeixis que aparece no capiacutetulo 27 ainda exige muitos aperfeiccediloamentos mas natildeo nos parece justo entendecirc-la meramente como prova silogiacutestica jaacute que ela envolve exigecircncias de ordem atributiva que restringem as provas denotadas pela noccedilatildeo de apodeixis assumida no capiacutetulo a um subgrupo da noccedilatildeo mais geral de silogismo As provas silogiacutesticas formuladas em Primeiros Analiacuteticos II 15 por exemplo ficam de fora do grupo de silogismos dos quais o capiacutetulo 27 pretende dar conta Assim sendo optamos por manter a traduccedilatildeo de apodeixis por ldquodemonstraccedilatildeordquo e natildeo por ldquoprovardquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

22

eou transcategoriais) a possibilidade de demonstrar qualquer outro termo a respeito deles eacute recusada25 mas a de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute afirmada textualmente Nas linhas 39minus40 o pronunciamento se faz a respeito dos termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) a possibilidade de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute recusada mas a de demonstrar outros termos a respeito deles tambeacutem eacute afirmada Nas linhas 40minus42 Aristoacuteteles trata dos termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) e natildeo lhes impotildee nenhuma restriccedilatildeo eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles26

Por fim nas linhas 42minus43 Aristoacuteteles encerra a passagem com um pronunciamento de caraacuteter geral e conclusivo pronunciamento que ao contraacuterio do que Ross sugeriu e mais tarde Lukasiewicz endossou natildeo nega absolutamente nada do que fora dito ateacute entatildeo

Eacute claro que o leitor ainda pode levar em conta que Aristoacuteteles soacute faz uso da expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 ao se pronunciar a respeito dos termos de alta generalidade e que por isso a pressuposiccedilatildeo de tal expressatildeo nos demais pronunciamentos seria artificiosa e desqualificaria a traduccedilatildeo e a leitura que propomos De fato essa expressatildeo causou incocircmodo a alguns tradutores de liacutengua inglesa influenciados provavelmente pelos legados de Ross e Lukasiewicz A J Jenkinson e Robin Smith por exemplo traduzem a

25 Na verdade Aristoacuteteles reconhece uma exceccedilatildeo aludindo agrave possibilidade de ldquodemonstrarrdquo segundo opiniatildeo (κατὰ δόξαν) mas essa exceccedilatildeo eacute uma alternativa a ser evitada 26 No manuscrito n temos δειχθήσεται ao inveacutes de λεχθήσεται na linha 42 As duas alternativas favorecem a nossa leitura Optamos pela manutenccedilatildeo de λεχθήσεται para natildeo perder a relaccedilatildeo explicativa que haacute entre os pronunciamentos das linhas 40minus41 de um lado e 30minus32 de outro De fato com λεχθήσεται a linha 42 apenas repete o que fora dito nas linhas 30minus32 Essa opccedilatildeo revela que as linhas 30minus32 explicam a linha 42 e sugere que a mesma relaccedilatildeo explicativa ocorra entre as linhas 25minus29 e 39minus40 bem como entre as linhas 29minus30 e 37minus39

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

23

expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 como ldquodemonstraterdquo e ldquodemonstrate to be predicatedrdquo respectivamente No entanto ambos evitam tal traduccedilatildeo nas linhas subsequumlentes nas quais a expressatildeo natildeo aparece de modo expliacutecito e substituem ldquodemonstraterdquo por ldquopredicaterdquo27

Haacute pelo menos uma boa razatildeo para rejeitar tais traduccedilotildees elas assumem que na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) precisamente no que diz respeito agraves consequumlecircncias que as restriccedilotildees introduzidas na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) tecircm sobre as demonstraccedilotildees Aristoacuteteles estaria interessado apenas nos termos de alta generalidade dado que recorre agrave expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον exclusivamente ao tratar deles Assim no que diz respeito agrave atuaccedilatildeo dos demais termos (τὰ καθrsquo ἕκαστα e τὰ μεταξὺ) nas demonstraccedilotildees Aristoacuteteles jaacute natildeo teria a pretensatildeo de avaliar as consequumlecircncias dessas restriccedilotildees limitando-se apenas a repetir o que fora dito na primeira seccedilatildeo Essa leitura impotildee ao texto uma interrupccedilatildeo natildeo muito natural em seu desenvolvimento e ainda o torna redundante sem apresentar uma razatildeo satisfatoacuteria que justifique essa leitura

27 Na linha 39 por exemplo A J Jenkinson (in Barnes 1984) traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquobut these may be predicated of other thingsrdquo Robin Smith vai na mesma direccedilatildeo e traduz como ldquobut they are predicated of othersrdquo embora reconheccedila em seu comentaacuterio ao trecho 43a 40ss na paacutegina 50 (comentaacuterio que na verdade trata da linha 39) que a frase pode ser traduzida como ldquoother things are demonstrated to be predicated of themrdquo nas linhas 39-40 Jenkinson traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNeither can individuals be predicated of other things although other things can be predicated of themrdquo Robin Smith natildeo destoa disso e traduz como ldquoNeither can individuals be predicated of other things but instead other things are predicated of themrdquo por fim nas linhas 40-41 Jenkinson traduz τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται como ldquoWhatever lies between these limits can be spoken of in both waysrdquo ao passo que Robin Smith traduz como ldquoBut it is clear that for those in between predication is possible in both waysrdquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

24

Na contramatildeo de A J Jenkinson e Robin Smith temos Mario Mignucci e Gisela Striker que traduzem a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον como ldquodimostrare che essi si predicanordquo e ldquodemonstrate to be said ofrdquo respectivamente e entendem as linhas 39minus41 como pronunciamentos nos quais embora natildeo apareccedila de modo expliacutecito a expressatildeo ainda estaacute em jogo28 Essas traduccedilotildees certamente satildeo as mais fieacuteis ao texto grego e corroboram a traduccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo que propomos justificando o abandono da leitura tradicional sugerida por Ross e cristalizada nos estudos de Lukasiewicz A essa altura jaacute podemos fazer um balanccedilo dos resultados que o capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos de fato nos impotildee O cenaacuterio que se desenha eacute o seguinte (i) termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) natildeo eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου)29 de outros termos por isso tampouco eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos no entanto eacute possiacutevel lhes atribuir outros termos como legiacutetimos

28 Na linha 39 por exemplo Mignucci traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquomentre egrave possibile dimostrare che essi si predicano di altrirdquo Striker por sua vez traduz como ldquobut [sc one can demonstrate] only that they themselves are predicated of other thingsrdquo na linha 40 ambos fazem questatildeo de recuperar a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον Mignucci traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNon egrave neanche possibile dimostrare che i singolari si predicano di altre cose ma soltanto che altre cose si predicano di essirdquo Striker segue a mesma linha e traduz como ldquonor can one demonstrate that individuals are said of other things but only that other things are said of themrdquo Na linha 41 por sua vez a expressatildeo eacute recuperada novamente e o trecho τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται eacute traduzido por Mignucci como ldquoEgrave chiaro invece che le cose intermedie egrave possibile dimostrarle nei due modirdquo ao passo que por Striker como ldquoBut clearly the intermediate things admit [sc to be demonstrated] of bothrdquo 29 Tais termos natildeo se predicam de nenhum outro a natildeo ser κατὰ συμβεβηκός (43a 33minus35)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

25

predicados por conseguinte tambeacutem eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 25minus29 e 39minus40) (ii) termos de alta generalidade (summa genera eou τὰ πᾶσιν ἑπόμενα)30 natildeo lhes eacute possiacutevel atribuir outros termos como legiacutetimos predicados ndash de fato natildeo haacute termo anterior (πρότερον) que lhes possa ser atribuiacutedo por isso tampouco eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles no entanto eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos logo tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos (conferir 43a 29minus30 e 37minus39) (iii) termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos bem como lhes atribuir outros termos como legiacutetimos predicados em razatildeo disso tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 30minus32 e 40minus42)

Assim o que prevalece eacute que Aristoacuteteles jamais afastou de sua loacutegica qualquer das trecircs classes de termos apresentadas em Primeiros Analiacuteticos I 27 muito embora tenha endereccedilado certas restriccedilotildees atributivas a algumas delas 2 Primeiros Analiacuteticos I 28 e os Axiomas de Patzig

Patzig parece entender que o capiacutetulo 27 natildeo eacute merecedor de toda a atenccedilatildeo que lhe foi concedida por Ross e Lukasiewicz O capiacutetulo 28 em sua opiniatildeo eacute bem mais promissor no que diz respeito agrave questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera31 enquanto o capiacutetulo 27

30 Como Aristoacuteteles natildeo oferece exemplos de termos desse tipo deixamos indeterminado se satildeo summa genera como propotildee Ross ou transcategoriais de generalidade total (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como prefere Lukasiewicz (cf nota 3) 31 Patzig (1959 sect3 p 6)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

26

serviria mais como discussatildeo preparatoacuteria para os assuntos tratados no capiacutetulo seguinte

De fato haacute forte unidade entre esses textos O objetivo predominante que os vincula e orienta eacute anunciado no iniacutecio do capiacutetulo 27 e consiste em mostrar ldquode que modo sempre estaremos providos de silogismos em relaccedilatildeo ao que for proposto e por qual via alcanccedilamos os princiacutepios de cada coisardquo32 O capiacutetulo 27 contribui com esse objetivo na medida em que faz recomendaccedilotildees sobre como selecionar termos e premissas e classifica os fatores silogiacutesticos segundo as funccedilotildees (sujeito e predicado) que podem desempenhar de modo irrestrito em proposiccedilotildees silogiacutesticas A contribuiccedilatildeo do capiacutetulo 28 por sua vez estaacute associada aos procedimentos de prova de cada uma das quatro formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Esses procedimentos satildeo caracterizados basicamente pela descriccedilatildeo dos paracircmetros de localizaccedilatildeo do fator capaz de mediar os extremos (τά ἄκρα) na relaccedilatildeo categoacuterica acarretada na conclusatildeo Trata-se portanto de procedimentos de busca e localizaccedilatildeo do termo mediador (τὸ μέσον)

Assim para provar por exemplo a relaccedilatildeo universal afirmativa EaA prescreve Aristoacuteteles devemos encontrar um fator comum a duas listas (i) aquela de termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e (ii) aquela de termos que se atribuem universalmente ao extremo menor E33 O resultado seraacute o mediador M tal que MaA e EaM o que perfaz um silogismo em Barbara Semelhantemente para provar a relaccedilatildeo particular afirmativa EiA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um elemento comum agraves listas de (i) termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente ou seja agraves listas de termos que cada um dos extremos E e A ldquoacompanhardquo (ἕπεσθαι ou ακολουθεῖν) Nesse caso o termo comum M seraacute tal que MaA e MaE o que nos

32 An Pr I 27 43a 20ndash21 33 An Pr I 28 43b 39ndash43

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

27

permite concluir EiA por Darapti (terceira figura)34 Por sua vez a prova da relaccedilatildeo universal negativa EeA tambeacutem se valeraacute da identificaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios a um extremo e de (ii) termos que se atribuem universalmente ao outro extremo se o mediador M comum agraves duas listas for contraacuterio ao extremo maior A e universalmente atribuiacutedo ao extremo menor E o mediador M seraacute tal que MeA e EaM ou AeM e EaM possibilitando a prova de EeA (respectivamente) por Celarent e por Cesare mas se o mediador M for contraacuterio ao extremo menor E e universalmente atribuiacutedo ao extremo maior A M seraacute tal que AaM e EeM restringindo a prova de EeA a Camestres35 Por fim para provar a relaccedilatildeo particular negativa EoA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios ao extremo maior A e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente Assim o mediador M seraacute tal que MeA e MaE o que prova EoA por Felapton36

Em todas as recomendaccedilotildees do capiacutetulo 28 Aristoacuteteles se orienta pelas conclusotildees almejadas propondo a partir delas procedimentos de busca e localizaccedilatildeo dos fatores capazes de acarretar cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas A estrateacutegia de Aristoacuteteles portanto natildeo consiste em partir de premissas e deduzir os resultados que delas se seguem mas fazendo o caminho inverso consiste em partir da conclusatildeo e buscar o termo mediador capaz de articular os extremos na relaccedilatildeo categoacuterica (a e i ou o) da conclusatildeo

Por natildeo captar a natureza invertida dessa estrateacutegia Patzig natildeo compreendeu plenamente o que Aristoacuteteles propusera e julgou que o capiacutetulo 28 muito mais que o capiacutetulo 27 impunha severas restriccedilotildees agrave lista de termos capazes de figurar em silogismos aristoteacutelicos Na verdade o capiacutetulo 28 nem sequer trata da questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera mas limita-se a descrever os paracircmetros de

34 Ibidem 43b 43ndash44a 2 35 An Pr I 44a 2ndash8 36 An Pr I 28 44a 9ndash11

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

28

localizaccedilatildeo do mediador de cada forma categoacuterica Eacute claro que ao descrever esses paracircmetros Aristoacuteteles acaba por assumir certos pressupostos que em uacuteltimo caso podem ter algum efeito sobre a lista de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica Ainda assim eacute preciso observar que as recomendaccedilotildees apresentadas no capiacutetulo 28 satildeo pensadas em relaccedilatildeo agrave prova de cada proposiccedilatildeo categoacuterica em particular Por isso os pressupostos envolvidos nessas recomendaccedilotildees bem como as eventuais restriccedilotildees de termos que lhes sejam correlatas deveratildeo ter aplicaccedilatildeo circunscrita a cada caso isto eacute aos procedimentos de prova de cada conclusatildeo em particular

Patzig parece natildeo ter dado a devida atenccedilatildeo a esse detalhe pois embora compreenda os seus axiomas como pressupostos impliacutecitos das recomendaccedilotildees de Aristoacuteteles ndash recomendaccedilotildees cuja aplicaccedilatildeo estaacute circunscrita a cada caso ndash Patzig os assume como vaacutelidos para termos de todo e qualquer silogismo37 No entanto eacute flagrante que certos silogismos natildeo dependem de alguns de seus axiomas Um arquetiacutepico silogismo em Barbara por exemplo funciona perfeitamente bem sem pressupor para qualquer de seus termos a validade do terceiro axioma isto eacute sem pressupor que exista para qualquer de seus termos (ou mesmo para qualquer de seus extremos para ser fiel ao capiacutetulo 28) um termo que lhe seja ldquocontraacuteriordquo

Ao que tudo indica o que levou Patzig a estender a validade de seus axiomas sobre todos os silogismos eacute o trecho 44a 12minus17 em que Aristoacuteteles estipula letras para as listas de termos com as quais pretende trabalhar na exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova38 Na referida passagem Aristoacuteteles considera basicamente trecircs tipos de termos que se distinguem pelo termo extremo que lhes eacute correlato bem como pela relaccedilatildeo predicativa que cada um manteacutem com esse extremo Para cada extremo Aristoacuteteles estipula (i) termos que lhe satildeo atribuiacutedos universalmente (ii) termos aos quais ele proacuteprio se atribui universalmente e (iii) termos que natildeo lhe

37 Patzig (1959) sect3 p 6ndash7 38 An Pr I 28 44a 12minus17

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

29

podem ser atribuiacutedos Os termos de primeiro tipo devem ter servido de estiacutemulo para a necessidade de termos superordenados proacuteprios que eacute marca do segundo axioma de Patzig os termos de segundo tipo por sua vez para a necessidade de termos subordinados proacuteprios marca do primeiro axioma os de terceiro por fim para a necessidade de termos ldquocontraacuteriosrdquo marca do terceiro axioma

Eacute bem verdade que os termos estipulados por Aristoacuteteles envolvem certa analogia com os axiomas propostos por Patzig Mas eacute preciso notar em primeiro lugar que nenhum dos procedimentos de prova descritos por Aristoacuteteles depende da estipulaccedilatildeo dos trecircs tipos de termos39 A recomendaccedilatildeo de prova da proposiccedilatildeo particular afirmativa por exemplo requer apenas (ii) termos aos quais os extremos se atribuem universalmente40 O fato de Aristoacuteteles jaacute estipular de antematildeo trecircs tipos de termos para cada extremo natildeo torna obrigatoacuterio que todo e qualquer extremo (e muito menos que todo e qualquer termo silogiacutestico como prefere Patzig) independentemente do silogismo a que pertenccedila dependa dos trecircs tipos de termos estipulados precisamente porque a estipulaccedilatildeo desses termos estaacute ancorada em um par de extremos que eacute muito peculiar Esse par de extremos eacute pensado com propoacutesitos didaacuteticos orientados agrave exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova de cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas (a e i e o) Trata-se de um par de extremos que em benefiacutecio da exposiccedilatildeo eacute assumido como articulaacutevel em qualquer das relaccedilotildees categoacutericas Poreacutem essa assunccedilatildeo soacute faz sentido no contexto preciso dessa exposiccedilatildeo de procedimentos de prova afinal algumas dessas relaccedilotildees categoacutericas satildeo incompatiacuteveis entre si ndash por exemplo as relaccedilotildees universal afirmativa e particular negativa Por isso devemos presumir que as estipulaccedilotildees de termos que lhes datildeo suporte tambeacutem o satildeo e portanto natildeo podem valer em conjunto e para todos os casos

39 Idem 44a 17minus30 40 Ibidem 44a 19minus21

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

30

Para esclarecer esse ponto retomemos rapidamente os procedimentos de prova das proposiccedilotildees universal afirmativa e particular negativa41 Assumindo um mesmo par de extremos como faz Aristoacuteteles estaremos diante de proposiccedilotildees contraditoacuterias (EaA e EoA) Dado que tais proposiccedilotildees satildeo incompatiacuteveis as condiccedilotildees das quais elas satildeo provenientes tambeacutem o seratildeo Dizendo de outro modo a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (i) termos aos quais o extremo maior se atribui universalmente e (ii) termos que se atribuem universalmente ao extremo menor eacute incompatiacutevel com a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (irsquo) termos aos quais o extremo maior natildeo pode ser atribuiacutedo e (iirsquo) termos aos quais o extremo menor se atribui universalmente Assim em presenccedila das condiccedilotildees de prova de uma das proposiccedilotildees incompatiacuteveis as condiccedilotildees da outra poderatildeo ser dispensadas jaacute que satildeo condiccedilotildees requeridas para uma prova cuja possibilidade jaacute natildeo existe E natildeo haacute razatildeo para manter os termos estipulados e dispensar apenas a possibilidade de um termo comum entre as listas pois ambos os pressupostos satildeo requisitados para servir um uacutenico e mesmo propoacutesito o de estabelecer condiccedilotildees para a prova da relaccedilatildeo categoacuterica que se pretende obter Natildeo haacute uma razatildeo que justifique a manutenccedilatildeo das listas de termos estipulados em detrimento da possibilidade de um termo comum entre as listas pois o propoacutesito que introduz uma exigecircncia tambeacutem introduz a outra Sob essa perspectiva fica claro que os termos estipulados no trecho 44a 12minus17 natildeo podem ser pressupostos indispensaacuteveis de quaisquer termos silogiacutesticos tampouco pressupostos que devem ser satisfeitos em conjunto por termos de todo e qualquer silogismo Afinal Aristoacuteteles estipula cada uma das listas supondo que seus termos seratildeo candidatos agrave funccedilatildeo de mediador (e natildeo agrave funccedilatildeo de termos silogiacutesticos) e o faz segundo as exigecircncias especiacuteficas envolvidas na prova de cada relaccedilatildeo categoacuterica em particular (a e i ou o) Compreender tais listas como pressupostos

41 An Pr I 28 43b 39minus43 e 44a 9minus11

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

31

que devem ser satisfeitos por todo e qualquer termo silogiacutestico eacute um equiacutevoco

Em segundo lugar o capiacutetulo 28 natildeo parece estar orientado propriamente agrave prova silogiacutestica das formas categoacutericas mas em algum sentido agrave demonstraccedilatildeo de tais relaccedilotildees Haacute indiacutecios que sugerem essa leitura O principal deles talvez seja o fato de Aristoacuteteles se mostrar interessado em localizar um meson que fica no meio do caminho entre um mediador que satisfaz requisitos meramente dedutivos e um mediador que supera tais requisitos e se configura como um fator explanatoacuterio em uma legiacutetima demonstraccedilatildeo cientiacutefica42 Retomemos por exemplo as recomendaccedilotildees de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) Em 43b 43ndash44a 2 Aristoacuteteles recomenda a prova de EiA por premissas universais conduzindo a prova a um silogismo em Darapti embora admita a possibilidade de concluir proposiccedilotildees particulares a partir de um par de premissas em que apenas uma eacute universal (41b 22minus27) Em 44a 9ndash11 a exemplo do que ocorre com a prova de EiA Aristoacuteteles recomenda a prova de EoA novamente por premissas universais desta vez conduzindo a prova a um silogismo em Felapton Essas duas recomendaccedilotildees de prova pressupotildeem que o meson requisitado para a prova natildeo eacute um mediador meramente dedutivo mas um mediador que se articula com os extremos exclusivamente por relaccedilotildees universais Eacute claro que esse cenaacuterio ainda estaacute muito distante daquele que temos por exemplo no capiacutetulo 2 do Livro II de Segundos

42 Em uma demonstraccedilatildeo cientiacutefica natildeo basta que o mediador se relacione com os extremos de tal modo que a deduccedilatildeo da conclusatildeo esteja formalmente assegurada Aristoacuteteles ainda exige que o mediador satisfaccedila certos requisitos natildeo formais O principal deles eacute o de explicar adequadamente por que o extremo maior se atribui ao extremo menor (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 por exemplo essa diferenccedila (entre um mediador que satisfaz exigecircncias meramente dedutivas e um mediador que funciona como explicaccedilatildeo do fato relatado na conclusatildeo) eacute utilizada como criteacuterio baacutesico para distinguir o conhecimento de que C eacute A (conhecimento do fato) e o conhecimento de por que C eacute A (conhecimento da causa)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

32

Analiacuteticos (90a 6minus7) em que o meson eacute pensado como a causa que explica por que a relaccedilatildeo dada entre os extremos explicitada na conclusatildeo da demonstraccedilatildeo eacute o caso Mesmo assim temos o suficiente para mostrar que Aristoacuteteles natildeo estaacute levando em conta todos os silogismos de seu sistema loacutegico mas apenas aqueles nos quais ambas as premissas satildeo universais Por que razatildeo exatamente Aristoacuteteles faz essa escolha eacute algo a se investigar O que nos importa eacute que essa escolha restringe o escopo do capiacutetulo a um grupo especiacutefico de silogismos o que natildeo eacute compatiacutevel com a validade irrestrita dos axiomas propostos por Patzig

Em terceiro lugar Aristoacuteteles natildeo lida com as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo proacutepria superordenaccedilatildeo proacutepria e contrariedade mas prefere (i) termos que acompanham o extremo (τὰ ἑπόμενα) (ii) termos aos quais o extremo acompanha (οἷς αὐτὸ ἕπεται) e (iii) termos que natildeo podem ser atribuiacutedos ao extremo (ἃ μὴ ἐνδέχεται αὐτῷ ὑπάρχειν) Essa diferenccedila natildeo eacute apenas terminoloacutegica mas conceitual As relaccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias pressupotildeem termos que natildeo satildeo coextensivos se X eacute um termo subordinado proacuteprio de Y XaY eacute o caso mas YaX natildeo se Z eacute um termo superordenado proacuteprio de Y YaZ eacute o caso mas ZaY natildeo O proacuteprio Patzig reconhece essas consequumlecircncias ao formular os seus dois primeiros axiomas43 Aristoacuteteles no entanto ao se valer das relaccedilotildees de ldquoacompanhamentordquo entre os termos natildeo hesita em rejeitaacute-las No capiacutetulo 29 por exemplo Aristoacuteteles menciona a possibilidade de provar por hipoacutetese (συλλογίσασθαι ἐξ ὑποθέσεως) os problemas universais (a e e) assumindo precisamente a possibilidade de coextensatildeo entre os termos envolvidos possibilidade da qual Patzig parece prescindir ao formular seus axiomas A passagem agrave qual nos referimos eacute a seguinte

εἰ γὰρ τὸ Γ καὶ τὸ Η ταὐτὰ εἴη μόνοις δὲ ληφθείη τοῖς Η τὸ Ε ὑπάρχειν παντὶ ἂν τῷ Ε τὸ Α ὑπάρχοι καὶ πάλιν εἰ τὸ Δ καὶ Η ταὐτὰ μόνων δὲ τῶν Η τὸ Ε κατηγοροῖτο ὅτι οὐδενὶ τῷ Ε τὸ Α ὑπάρξει

43 Patzig (1959 sect3 p 6ndash7)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

33

Com efeito se C e G fossem o mesmo mas se assumisse que E se atribui apenas aos Grsquos A se atribuiria a todo E Novamente se D e G fossem o mesmo mas E se afirmasse apenas dos Grsquos A se atribuiraacute a nenhum E (45b 24minus27)

Em 44a 12minus17 Aristoacuteteles jaacute havia estipulado que a letra C representaria um termo ao qual o extremo maior A acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente tambeacutem foi estipulado que a letra G representaria um termo ao qual o extremo menor E acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente por fim ainda ficou decidido que a letra D representaria um termo que natildeo pode ser atribuiacutedo ao extremo maior A Assim a identidade entre C e G a exemplo do que ocorre em 44a 19minus21 conduz a prova de EiA a um silogismo em Darapti ao passo que a identidade entre D e G a exemplo do que ocorre em 44a 28minus30 conduz a prova de EoA a um silogismo em Felapton44 No entanto nessa passagem embora os procedimentos de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) sejam acionados aquilo que se quer mostrar eacute de que modo podemos provar por hipoacutetese (ἐξ ὑποθέσεως) as proposiccedilotildees universais Para alcanccedilar esse resultado Aristoacuteteles assume que o extremo menor E se atribui apenas (μόνον) a G o que pode ser interpretado como uma maneira diferente de dizer que E e G satildeo termos coextensivos Sinal disso eacute o seguinte ao assumir que E se atribui apenas a G Aristoacuteteles se vecirc autorizado a concluir as proposiccedilotildees universais EaA e EeA o que soacute faz sentido sob o pressuposto de que G e E satildeo termos coextensivos De fato sob tal pressuposto a premissa menor GaE pode ser ldquoconvertidardquo em EaG o que transforma Darapti em Barbara bem como Felapton em Celarent Mas se os termos aos quais o extremo menor E acompanha forem pensados como termos subordinados proacuteprios de E GaE seraacute o caso mas EaG natildeo Por conseguinte tampouco as conclusotildees EaA e EeA se seguiriam Assim se quisermos conferir sentido agrave passagem temos que assumir que Aristoacuteteles recorreu agrave possibilidade de construir silogismos com termos

44 Darapti CaA GaE rarr EiA (C=G) Felapton DeA GaE rarr EoA (D=G)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

34

que satildeo coextensivos e se assim for podemos dizer que para Aristoacuteteles a presenccedila de silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos em sua loacutegica natildeo causava qualquer inconveniente45

Segundo nos parece as razotildees alegadas ateacute aqui jaacute satildeo suficientes para mostrar que os axiomas de Patzig natildeo podem servir como criteacuterios delimitadores de termos silogiacutesticos Ainda assim vale a pena examinar duas passagens que eventualmente poderiam ser invocadas contra a interpretaccedilatildeo que propomos Embora natildeo sejam citadas pelos proponentes das opiniotildees tradicionais natildeo eacute difiacutecil imaginar que elas tenham servido de inspiraccedilatildeo para aqueles que defendem a exclusatildeo dos termos transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo De fato agrave primeira vista tais passagens podem nos levar a pensar que Aristoacuteteles natildeo guardou lugar para tais termos na silogiacutestica No entanto como veremos isso soacute eacute verdade agrave primeira vista

45 O capiacutetulo 29 natildeo eacute a uacutenica evidecircncia de silogismos com termos coextensivos na silogiacutestica No capiacutetulo 5 do Livro II de Primeiros Analiacuteticos precisamente em 57b 35minus58a 12 Aristoacuteteles trabalha com silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos Por sua vez no capiacutetulo 22 em 67b 27minus32 Aristoacuteteles inicia o texto dizendo que a coextensatildeo entre os termos extremos de um silogismo requer um mediador tambeacutem coextensivo o que revela por parte de Aristoacuteteles plena consciecircncia a respeito da existecircncia de silogismos com triacuteades coextensivas Nos Segundos Analiacuteticos o interesse de Aristoacuteteles por demonstraccedilotildees que envolvem termos coextensivos pode ser classificado como uma obsessatildeo Basta notar que a proacutepria demonstraccedilatildeo universal ndash aquela que eacute considerada por Aristoacuteteles como cientiacutefica no mais alto grau ndash tem como uma de suas principais caracteriacutesticas a coextensatildeo entre os trecircs termos do silogismo (cf Seg An I 4 73b 32minus74a 3) o que revela o papel central das triacuteades coextensivas no projeto aristoteacutelico que eacute inaugurado com a silogiacutestica e culmina nas demonstraccedilotildees cientiacuteficas (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 e II 16 Aristoacuteteles novamente recorre a termos coextensivos na formulaccedilatildeo de silogismos A nossa preferecircncia pela passagem 45b 24minus27 do capiacutetulo 29 de Primeiros Analiacuteticos se daacute apenas com base em sua conexatildeo indiscutiacutevel com o capiacutetulo 28 no qual Patzig julga encontrar seus axiomas

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

35

Uma das passagens agraves quais nos referimos eacute aquela com a qual Aristoacuteteles encerra o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I Vejamos o que diz Aristoacuteteles

ἔτι τὰ πᾶσιν ἑπόμενα οὐκ ἐκλεκτέον οὐ γὰρ ἔσται συλλογισμὸς ἐξ αὐτων διrsquo ἣν δrsquo αἰτίαν ἐν τοῖς ἑπομένοις ἔσται δῆλον Aleacutem disso natildeo eacute preciso selecionar os itens que acompanham todas as coisas pois natildeo haacute silogismo a partir deles A razatildeo disso ficaraacute evidente a seguir (43b 36minus38)

Essa passagem trata dos termos transcategoriais de generalidade total (τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) e delega a justificativa de seu proacuteprio pronunciamento ao capiacutetulo seguinte no qual Patzig encontrou inspiraccedilatildeo para seus axiomas No capiacutetulo 28 cumprindo o prometido Aristoacuteteles retoma esse assunto e reitera a impossibilidade de construir silogismos a partir de termos de generalidade total

φανερὸν οὖν ὅτι διὰ τῶν προειρημένων σχημάτων οἱ συλλογισμοὶ πάντες καὶ ὅτι οὐκ ἐκλεκτέον ὅσα πᾶσιν ἕπεται διὰ τὸ μηδένα γίγνεσθαι συλλογισμὸν ἐξ αὐτῶν κατασκευάζειν μὲν γὰρ ὅλως οὐκ ἦν ἐκ τῶν ἑπομένων ἀποστερεῖν δrsquo οὐκ ἐνδέχεται διὰ τοῦ πᾶσιν ἑπομένου δεῖ γὰρ τῷ μὲν ὑπάρχειν τῷ δὲ μὴ ὑπάρχειν Eacute evidente entatildeo que todos os silogismos vecircm a ser atraveacutes das figuras previamente mencionadas e que natildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisas porque nenhum silogismo vem a ser a partir deles De fato de modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanham e natildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outro (44b 19minus24)

Fora de contexto e em uma leitura mais apressada essas duas passagens podem nos levar a crer que a opiniatildeo tradicional que afasta da silogiacutestica os termos de generalidade total (como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) de fato encontra respaldo nos textos de Aristoacuteteles No entanto mais uma vez eacute preciso levar em conta que o capiacutetulo 28 eacute marcado pela

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

36

descriccedilatildeo de estrateacutegias de localizaccedilatildeo de termos mediadores e natildeo de termos em geral Dizendo de outro modo Aristoacuteteles natildeo estaacute interessado em localizar os termos que deveratildeo encerrar a conclusatildeo de um silogismo pelo contraacuterio tais termos jaacute estatildeo plenamente determinados bem como a relaccedilatildeo proposicional (a e i e o) que haacute entre eles dado que a conclusatildeo na qual interagem funciona como ponto de partida da investigaccedilatildeo empreendida no capiacutetulo O que interessa para Aristoacuteteles eacute a localizaccedilatildeo de termos mediadores e eacute nesse horizonte que tais passagens devem ser lidas Assim ao negar a possibilidade de construir silogismos a partir de termos transcategoriais de generalidade total (ἐξ αὐτῶν) o que Aristoacuteteles quer dizer eacute que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos46 nos quais a funccedilatildeo de mediador seja desempenhada por um termo desse tipo razatildeo pela qual na busca pelo mediador recomenda Aristoacuteteles ldquonatildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisasrdquo (44b 20minus21) Para justificar essa recomendaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta duas razotildees (i) ldquode modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanhamrdquo (44b 22minus23) (ii) ldquonatildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outrordquo (44b 23minus24) Na primeira razatildeo Aristoacuteteles parece reconsiderar as listas de termos estipuladas no trecho 44a 11minus17 pressupondo ao que tudo indica que os transcategoriais de generalidade total soacute podem figurar em listas de termos que acompanham os extremos Isso se justificaria pela natureza inapta de tais termos para o papel de sujeito em proposiccedilotildees silogiacutesticas conforme se constata no capiacutetulo I 27 Assim na medida em que nas provas afirmativas a busca pelo mediador natildeo envolve

46 Na verdade como o escopo do capiacutetulo 28 natildeo abarca todo e qualquer silogismo seria mais correto dizer que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos (nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas) assumindo um termo de generalidade total na funccedilatildeo de mediador

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

37

apenas a lista de termos que acompanham um dos extremos mas tambeacutem a lista de termos aos quais um dos extremos acompanha (ver 43b 39minus44a 2) os transcategoriais de generalidade total perdem a candidatura agrave funccedilatildeo de mediador e jaacute de saiacuteda nem sequer precisam ser considerados47 Na segunda razatildeo por sua vez Aristoacuteteles leva em conta o fato de que as provas negativas dependem de um mediador capaz de figurar em proposiccedilotildees universais negativas verdadeiras exigecircncia que natildeo estaacute no alcance dos termos de generalidade total Afinal se estamos diante de um transcategorial desse tipo de antematildeo jaacute assumimos a inexistecircncia de um termo do qual ele natildeo seja predicado Assim os termos de generalidade total ficam impedidos de serem atribuiacutedos a um extremo e natildeo atribuiacutedos ao outro (44b 24) como deve ser o mediador de um silogismo negativo

O que eacute verdade portanto eacute que Aristoacuteteles dispensa os termos de generalidade total da funccedilatildeo de mediador De fato quando se pretende construir silogismos nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas tal como ocorre no capiacutetulo 28 a busca do mediador entre transcategoriais de generalidade total eacute sempre infrutiacutefera porque soacute poderaacute devolver como resposta pretensos fatores de mediaccedilatildeo marcados por duas deficiecircncias principais a

47 Supomos que em tais passagens Aristoacuteteles de fato tem em mente as recomendaccedilotildees de prova apresentadas no iniacutecio do capiacutetulo 28 de modo que apenas os silogismos em Barbara e Darapti sejam considerados como silogismos afirmativos (cf 43b 39minus44a 2) Assim entendemos que o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 se justificaria porque os termos de generalidade total na prova de a natildeo podem integrar a lista de termos aos quais o extremo maior acompanha bem como na prova de i a lista de termos aos quais ambos os extremos acompanham No entanto ainda que os demais silogismos afirmativos sejam levados em conta o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 continua verdadeiro jaacute que Darii Disamis e Datisi tambeacutem exigem que o mediador esteja entre os termos aos quais o(s) extremo(s) acompanha(m)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

38

impossibilidade de desempenhar a funccedilatildeo de sujeito de modo legiacutetimo e a incapacidade de compor proposiccedilotildees negativas verdadeiras

Nenhuma das passagens mencionadas acima (43b 36minus38 e 44b 19minus24) eacute citada ndash nem por Lukasiewicz nem por Patzig ndash como evidecircncia de que Aristoacuteteles teria rejeitado os termos de generalidade total em seu sistema loacutegico Poreacutem diante da escassez de evidecircncias em favor da suposta exclusatildeo de tais termos natildeo eacute insensato presumir que os proponentes dessa exclusatildeo tenham encontrado inspiraccedilatildeo nelas

Na proacutexima seccedilatildeo examinaremos textos nos quais Aristoacuteteles constroacutei silogismos com termos de natureza singular Veremos que o incocircmodo com a presenccedila de tais termos na silogiacutestica eacute menos de Aristoacuteteles e mais de seus inteacuterpretes 3 Termos Singulares e o Silogismo Peripateacutetico

Jaacute comentamos o fato de Lukasiewicz ter feito pesadas criacuteticas agrave silogiacutestica em especial ao suposto fato de Aristoacuteteles ter afastado os termos de natureza singular de seu sistema loacutegico o que seria segundo Lukasiewicz ldquoo maior defeitordquo da loacutegica aristoteacutelica48 Ao que parece o responsaacutevel por levaacute-lo por esse caminho foi Ross que tomou nota do tambeacutem suposto fato de Aristoacuteteles nunca se valer de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos49 Lukasiewicz reiterou a constataccedilatildeo de Ross (embora natildeo o cite) e nela encontrou razatildeo para natildeo reconhecer como rigorosamente aristoteacutelico o silogismo que qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo silogismo formulado em primeira figura com um nome proacuteprio como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo

De acordo com a triparticcedilatildeo de termos que pudemos conhecer no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I (Seccedilatildeo II Parte 1) natildeo temos qualquer razatildeo para expulsar da silogiacutestica os termos de natureza singular Eacute

48 Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect3 p 6) 49 Ross (1949 p 289 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

39

claro que Aristoacuteteles natildeo deixa de lhes endereccedilar certas restriccedilotildees poreacutem vale a pena repetir nenhuma das restriccedilotildees introduzidas por Aristoacuteteles no referido capiacutetulo tem forccedila suficiente para expulsar os termos singulares da loacutegica aristoteacutelica De fato embora tais termos natildeo possam figurar em proposiccedilotildees como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nada impede que outros termos lhes sejam atribuiacutedos por conseguinte embora natildeo possam ser demonstrados como legiacutetimos predicados de outros termos nada impede que outros termos sejam demonstrados como predicados deles50

Fora dos Analiacuteticos jaacute esbarramos em indiacutecios que vatildeo nessa direccedilatildeo No capiacutetulo 10 de Metafiacutesica XIII (My) por exemplo haacute uma breve passagem que sugere esse resultado Enquanto argumenta em favor da tese de que ldquoo conhecimento eacute de universaisrdquo (ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου) Aristoacuteteles parece supor que os termos singulares ldquoeste triacircngulordquo e ldquoeste homemrdquo tambeacutem satildeo suscetiacuteveis de operaccedilotildees silogiacutesticas

[] ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου δῆλον δrsquo ἐκ τῶν ἀποδείξεων καὶ τῶν ὁρισμῶν οὐ γὰρ γίγνεται συλλογισμὸς ὅτι τόδε τὸ τρίγωνον δύο ὀρθαῖς εἰ μὴ πᾶν τρίγωνον δύο ὀρθαί οὐδrsquo ὅτι ὁδὶ ὁ ἄνθρωπος ζῷον εἰ μὴ πᾶς ἄνθρωπος ζῷον [] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos a natildeo ser que todo triacircngulo possua dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal a natildeo ser que todo homem seja animal (1086b 34minus37)

Poreacutem essa passagem natildeo eacute tatildeo simples quanto pode parecer agrave primeira vista51 Paul Shorey por exemplo reprovaria jaacute a traduccedilatildeo que

50 An Pr I 27 43a 25minus29 e 39minus40 Ao comentar o capiacutetulo 27 Mignucci (1969 p 443) tambeacutem reconhece a possibilidade ldquodi costruire dimostrazioni e sillogismi anche relativamente a singolarirdquo citando Alexandre que tambeacutem jaacute a observa em seus comentaacuterios (An Pr p 293 13minus23) 51 Shorey (1913)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

40

propomos porque ela faz crer que Aristoacuteteles estabelece uma relaccedilatildeo de dependecircncia dedutiva (silogiacutestica) entre proposiccedilotildees dependecircncia que de fato existe mas da qual para Shorey a passagem em questatildeo natildeo trataria De acordo com Shorey as ocorrecircncias de εἰ μὴ nas linhas 33 e 36 natildeo significam ldquo[] lsquounlessrsquo but is to be taken in its idiomatic sense as a virtual equivalent of ἀλλάrdquo Nesse caso uma traduccedilatildeo mais fiel agrave posiccedilatildeo de Shorey seria a seguinte

[] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos mas de que todo triacircngulo tem dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal mas de que todo homem eacute animal (1086b 34minus37)

Assim o texto estabeleceria natildeo que as proposiccedilotildees singulares no papel de conclusotildees silogiacutesticas satildeo (dedutivamente) dependentes das proposiccedilotildees universais mas que as conclusotildees propriamente silogiacutesticas satildeo universais (universalmente quantificadas) e natildeo singulares

Ross52 ao tratar dessa passagem natildeo deixa de comentar a posiccedilatildeo de Shorey

He [Shorey] argues that in l 33 knowledge is said to be lsquoofrsquo universals ie to have universal conclusions as well as universal premises [hellip] and that singular propositions never occur as conclusions in Aristotlersquos logical writings

Na verdade Shorey53 natildeo chega a dizer que proposiccedilotildees singulares nunca ocorrem como conclusotildees silogiacutesticas nos escritos loacutegicos de Aristoacuteteles embora passe perto disso

The syllogism with a particular54 conclusion is an inferior type (Analyt Post 79a 25ff) [hellip] Aristotle does not recognize singular proposition in his classification (Analyt Priora A1 Grote Aristotle I 205) and the

52 Ross (1953 p 464) 53 Shorey (1913 p 91) 54 Nesse contexto Shorey assume ldquoparticularrdquo e ldquosingularrdquo como equivalentes

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

41

conclusion to an individual case interests him very little and is practically ignored

Shorey tem alguma razatildeo em alegar que os silogismos que concluem proposiccedilotildees singulares (tambeacutem conhecidos como ldquoperipateacuteticosrdquo) satildeo de um tipo inferior especialmente quando se leva em conta o horizonte das demonstraccedilotildees cientiacuteficas55 mas erra quando recorre ao trecho 79a 25ss para dar base textual a tal alegaccedilatildeo ndash o referido trecho nem mesmo trata desse assunto Por sua vez e contra Shorey Ross56 surpreende ao alegar o seguinte

There are however occasional references in Aristotle to the occurrence of singular propositions as the minor premise or conclusion of syllogisms (eg An Pr 43a 37minus40) []

55 Para Aristoacuteteles o silogismo dito cientiacutefico no mais alto grau eacute a chamada demonstraccedilatildeo universal Eacute importante notar que aqui o adjetivo ldquouniversalrdquo tem um sentido muito preciso e natildeo se justifica pela mera ocorrecircncia de uma conclusatildeo universalmente quantificada Em Segundos Analiacuteticos I 4 73b 32minus74a 3 por exemplo Aristoacuteteles argumenta que a demonstraccedilatildeo universal natildeo conclui que todo isoacutesceles tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos mas que todo triacircngulo tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos revelando um requisito que envolve o ajuste preciso do extremo menor a partir de condiccedilotildees estabelecidas pelo extremo maior (cf Seg An I 5 74a 4minus6 13minus17 25minus32 74b 21minus26 I 24 85b 4minus15) Para Aristoacuteteles o predicado ldquoter a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retosrdquo ndash daqui para frente apenas ldquo2Rrdquo ndash se atribui a ldquoisoacutescelesrdquo de um modo que em algum sentido eacute parasitaacuterio da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo dado que isoacutesceles tem 2R na exata medida em que eacute triacircngulo Em outras palavras a atribuiccedilatildeo de ldquo2Rrdquo a ldquoisoacutescelesrdquo eacute entendida como indireta e dependente da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo Nesse contexto eacute natural presumir que um silogismo peripateacutetico seja concebido como inferior em relaccedilatildeo aos demais minus especialmente no que diz respeito ao grau de cientificidade minus jaacute que sua conclusatildeo natildeo poderaacute satisfazer as exigecircncias de uma legiacutetima conclusatildeo cientiacutefica tal como ocorre em uma demonstraccedilatildeo universal Jaacute quanto agraves propriedades dedutivas envolvidas em tal silogismo natildeo haacute razatildeo para consideraacute-lo inferior Para apreciaccedilatildeo detalhada da noccedilatildeo de demonstraccedilatildeo universal ver Angioni (2007) 56 Ross (1953 p 464)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

42

Ross supotildee que o argumento de Shorey pretende estabelecer a exclusatildeo dos termos singulares do domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica e aponta a passagem 43a 37minus40 como evidecircncia textual incompatiacutevel com essa exclusatildeo Temos aqui uma mudanccedila de opiniatildeo De fato conforme pudemos ver na primeira seccedilatildeo deste artigo ao tratar do trecho 43a 37minus43 na ediccedilatildeo comentada do texto grego de Primeiros e Segundos Analiacuteticos Ross chega a dizer que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares em seus exemplos de silogismos e argumenta em favor de uma silogiacutestica restrita a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ)57 Agora ao comentar a passagem 1086a 34minus37 de Metafiacutesica XIII (My) 10 Ross reconhece no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I uma evidecircncia em favor da inclusatildeo dos termos singulares na silogiacutestica Aparentemente o proacuteprio Ross natildeo tinha muita convicccedilatildeo a respeito da inclusatildeo ou exclusatildeo dos termos de natureza singular

De nossa parte admitimos que a passagem 1086a 34minus37 eacute digna da controveacutersia introduzida por Shorey ndash embora tenhamos mais apreccedilo pela interpretaccedilatildeo de Ross No entanto mesmo que Shorey tenha razatildeo a respeito do referido trecho de Metafiacutesica XIII (My) 10 a presenccedila de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares na silogiacutestica natildeo estaraacute ameaccedilada porque ainda podemos nos valer de passagens muito mais promissoras para decidir essa questatildeo passagens nas quais o proacuteprio Aristoacuteteles elabora cocircmputos silogiacutesticos com termos singulares como se a presenccedila deles na silogiacutestica natildeo lhe figurasse como uma anomalia

Patzig tinha conhecimento dessas passagens e fez questatildeo de citaacute-las no primeiro capiacutetulo de seu livro corrigindo o suposto fato alegado por Ross e Lukasiewicz de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos exemplos de silogismos que aparecem em Primeiros Analiacuteticos No entanto Patzig natildeo recorre a tais passagens a fim de reintroduzir os termos singulares na silogiacutestica mas procura

57 Idem 1949 p 384

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

43

desqualificaacute-las e assim reiterar os resultados de seus antecessores De fato embora reconheccedila as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 do Livro I bem como de ldquoPitacosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II Patzig manteacutem a posiccedilatildeo tradicional que afasta os termos de natureza singular da loacutegica aristoteacutelica alegando apenas que a ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo (70a 16minus20) se daacute em um silogismo invaacutelido ao passo que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo (47b 15ss) aparecem em premissas das quais nada se segue58

Eacute bem verdade que as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 de Primeiros Analiacuteticos I estatildeo associadas a pares de premissas dos quais nenhuma conclusatildeo se segue coisa que o proacuteprio Aristoacuteteles natildeo hesita em admitir No entanto embora sejam inconcludentes esses pares de premissas acomodam seus termos em disposiccedilotildees muito similares agravequelas de um silogismo vaacutelido (Barbara)59 o que lhes confere as feiccedilotildees de que satildeo concludentes quando na verdade natildeo o satildeo De acordo com Aristoacuteteles o que os impede de serem concludentes eacute o fato de que a premissa maior natildeo eacute universal60 Em 47b 26minus28 essa justificativa eacute apresentada por meio de um pronunciamento que merece alguma atenccedilatildeo Aristoacuteteles anuncia o fato de a premissa maior natildeo ser universal como quem supotildee que fosse ela universal o problema estaria resolvido e assim o par de premissas seria concludente61 Ora na medida em que Aristoacuteteles atribui o caraacuteter inconcludente dos pares de premissas precisamente agraves premissas maiores (e natildeo agraves premissas menores nas quais ocorrem os termos singulares) presume-se que esses termos natildeo introduzem qualquer caracteriacutestica censuraacutevel nos silogismos ali formulados Assim o fato de que natildeo estamos diante de pares de premissas concludentes por si soacute natildeo eacute

58 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 59 An Pr I 33 47b 21minus37 60 Idem 47b 26minus29 34minus37 e 38minus39 61 O uso contrafactual de ἔδει na linha 27 sugere essa leitura

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

44

suficiente para recusar ao capiacutetulo 33 o papel de evidecircncia em favor de tais termos na silogiacutestica62

Quanto agrave ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo em Primeiros Analiacuteticos II 27 (70a 16minus20) Patzig tem alguma razatildeo em alegar que ela se daacute em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido No entanto eacute preciso ajustar essa alegaccedilatildeo porque Aristoacuteteles natildeo descreve o argumento em questatildeo propriamente como um silogismo mas como um sinal (σημεῖον) e ao que parece um sinal e um silogismo ndash um legiacutetimo silogismo e natildeo um mero entimema ndash estatildeo longe de ser a mesma coisa63 Aleacutem disso temos uma ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo no mesmo capiacutetulo que eacute bem mais relevante para a discussatildeo mas que foi completamente ignorada pelos comentadores

Em 70a 26minus28 Aristoacuteteles formula dois silogismos nos quais aparece o termo singular ldquoPitacosrdquo Um deles eacute descrito como refutaacutevel (λύσιμος)64 basicamente porque a conclusatildeo natildeo se segue das premissas65 Natildeo precisamos nos deter nele Por ora o silogismo que fora introduzido algumas linhas antes e que foi descrito por Aristoacuteteles como irrefutaacutevel (ἄλυτος)66 eacute muito mais interessante Esse silogismo tem exatamente a formulaccedilatildeo paradigmaacutetica que Lukasiewicz qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo e agrave qual negou lugar na loacutegica aristoteacutelica Vale a pena citar essa passagem para marcar bem a presenccedila desse tipo de silogismo na loacutegica de Aristoacuteteles

62 M Malink (2009 p 119) por exemplo contrariando Patzig aponta o capiacutetulo I 33 minus bem como II 27 do qual trataremos a seguir minus como evidecircncia em favor de termos singulares na silogiacutestica Ver tambeacutem Mignucci ldquoAristotlersquos Theory of Predicationrdquo p 10 ldquoParts Quantification and Aristotelian Predicationrdquo p 11 e Barnes ldquoTruth etcrdquo p 158-166 63 An Pr II 27 70a 24minus25 64 Ibidem 30minus31 e 34minus35 65 Ibidem 27minus28 e 30minus32 66 Ibidem 29

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

45

Ἐὰν μὲν οὖν ἡ μία λεχθῇ πρότασις σημεῖον γίνεται μόνον ἐὰν δὲ καὶ ἡ ἑτέρα προσληφθῇ συλλογισμός οἷον ὅτι Πιττακὸς ἐλευθέριος οἱ γὰρ φιλότιμοι ἐλευθέριοι Πιττακὸς δὲ φιλότιμος Assim se somente uma premissa for assumida haacute apenas um sinal ao passo que se a outra premissa tambeacutem for assumida entatildeo haacute um silogismo por exemplo lsquoPitacos eacute destemido pois os homens de brio satildeo destemidos e Pitacos eacute homem de briorsquo (70a 24minus27)67

A descriccedilatildeo eacute inusitada porque Aristoacuteteles comeccedila pela conclusatildeo Mas isso natildeo prejudica o resultado a que queremos chegar O nome proacuteprio ldquoPitacosrdquo eacute sem duacutevida o extremo menor que aparece como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo ldquodestemidordquo eacute o extremo maior predicado da premissa maior e da conclusatildeo por fim a funccedilatildeo de mediador fica por conta de ldquohomem de briordquo Em uma reconstituiccedilatildeo um pouco mais formalizada temos o seguinte silogismo todo homem de brio eacute destemido Pitacos eacute (um) homem de brio logo Pitacos eacute destemido

O leitor mais desconfiado talvez hesite em aceitar que a premissa maior ldquoos homens de brio satildeo destemidosrdquo possa ser formalizada com um quantificador universal mas haacute sinais claros de que eacute assim que devemos concebecirc-la Em primeiro lugar Aristoacuteteles reconhece a legitimidade desse silogismo e supotildee que a conclusatildeo decorre das premissas o que por si soacute jaacute pressupotildee a universalidade da premissa maior Caso contraacuterio a conclusatildeo natildeo se impotildee Em segundo lugar haacute um pequeno detalhe que causa surpresa nesse capiacutetulo e que merece atenccedilatildeo de nossa parte Aristoacuteteles justifica o caraacuteter irrefutaacutevel do mencionado silogismo alegando que se trata de um silogismo universal (καθόλου γὰρ ἐστιν cf 70a 30) Ora como se sabe Aristoacuteteles descreve como universais precisamente aqueles silogismos nos quais a conclusatildeo eacute universal quais sejam Barbara Celarent Cesare e Camestres Por isso ao caracterizar o ldquosilogismo peripateacuteticordquo como um silogismo universal

67 As traduccedilotildees de φιλότιμος e ἐλευθέριος certamente satildeo discutiacuteveis mas em nada afetam os nossos objetivos

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

46

Aristoacuteteles pode querer sinalizar que em algum sentido a conclusatildeo ldquoPitacos eacute destemidordquo deva ser compreendida como uma proposiccedilatildeo fundada em uma atribuiccedilatildeo universal68 como se o referido ldquosilogismo peripateacuteticordquo precisamente em razatildeo disso fosse digno do mesmo status concedido aos demais silogismos universais (Barbara Celarente Cesare e Camestres) Essa leitura sugere que a concepccedilatildeo aristoteacutelica de atribuiccedilatildeo universal talvez deva ser repensada jaacute que ela daacute sinais de se estender sobre casos para os quais natildeo cabe falar em quantificadores (universais) ndash eacute o que parece ocorrer no ldquosilogismo peripateacuteticordquo acima mencionado

O aprofundamento desse ponto no entanto eacute algo que ultrapassa o escopo da presente investigaccedilatildeo e seu exame deve ser deixado para outra ocasiatildeo A essa altura o objetivo principal desta seccedilatildeo jaacute nos parece ter sido alcanccedilado pois consiste apenas em mostrar o que os leitores menos versados nos Analiacuteticos jaacute perceberam haacute muito tempo a saber que o chamado ldquosilogismo peripateacuteticordquo natildeo soacute faz parte da loacutegica aristoteacutelica mas mais do que isso ainda pode desfrutar de um lugar privilegiado no interior da silogiacutestica entre os chamados ldquosilogismos universaisrdquo Diante desse quadro natildeo haacute duacutevida de que os termos de natureza singular tecircm lugar garantido na loacutegica de Aristoacuteteles69

68 Provavelmente foi inspirado em passagens como essa que J N Keynes (1906 p 102) sugeriu conceber as proposiccedilotildees singulares como uma subclasse de proposiccedilotildees universais Lukasiewicz tomou nota dessa possibilidade e a considerou totalmente equivocada Mas para isso ignorou completamente o trecho 70a 24minus30 69 Agradeccedilo ao professor Lucas Angioni (Unicamp) pela prontidatildeo na leitura de versotildees preacutevias deste artigo pelas indicaccedilotildees de passagens para reforccedilar o argumento e pelas alteraccedilotildees de texto sugeridas as quais certamente contribuiacuteram para melhorar o resultado final aqui apresentado Agradeccedilo tambeacutem aos professores Raphael Zillig (UFRGS) e Inara Zanuzzi (UFRGS) pela oportunidade de discutir alguns resultados provisoacuterios deste artigo no Seminaacuterio sobre Primeiros Analiacuteticos I 27 organizado pelo professor Raphael e realizado na UFRGS no ano de 2011 Por fim tambeacutem agradeccedilo aos

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

47

REFEREcircNCIAS

ANGIONI L ldquoO Conhecimento Cientiacutefico no Livro I dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesrdquo Revista de Filosofia Antiga (online) vol 1 n 1 2007 (httpwwwfilosofiaantigacomdocuments23html)

BARNES J (ed) Aristotle Prior Analytics (trans by A J Jenkinson in Barnes 1984 vol 1 p 39minus113)

mdashmdashmdashmdash Truth etc Six Lectures on Ancient Logic Oxford Clarendon Press 2007

BOCHENSKI J Ancient Formal Logic Amsterdam North-Holland Publishing 1951

CORCORAN J ldquoCompleteness of an Ancient Logicrdquo Journal of Symbolic Logic 37 696minus702 1972

KEYNES J N Studies and Exercises in Formal Logic (fourth edition rewritten and enlarged) New York The Macmillan Company 1906

LUKASIEWICZ J Aristotlersquos Syllogistic from the Standpoint of Modern Formal Logic Oxford Clarendon Press 1951

MALINK M ldquoA Non-Extensional Notion of Conversion in the Organonrdquo Oxford Studies in Ancient Philosophy Vol XXXVII p 106minus141 Oxford University Press 2009

MIGNUCCI M Aristotele Gli analitici primi ndash Traduzione introduzione e commento Naples Loffredo 1969

companheiros de pesquisa Francine Maria Ribeiro e Mateus Ricardo Fernandes Ferreira (UEMminusPR) pela leitura das primeiras versotildees desse texto e pelas proveitosas sugestotildees que me fizeram

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

48

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Theory of Predication in I Angelilli and M Cerezo (eds) Studies in the History of Logic 1minus20 Berlin 1996

mdashmdashmdashmdash Parts Quantification and Aristotelian Predication Monist 83 3minus21 2000

PATZIG G Aristotlersquos Theory of the Syllogism A Logico-Philosophical Study of Book A of the Prior Analytics Translated by Jonathan Barnes Dordrecht Reidel 1959

ROSS W D Aristotlersquos Prior and Posterior Analytics Oxford Clarendon Press 1949

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Metaphysics Oxford Clarendon Press 1953 (1924)

SHOREY P ldquoA Note on Aristotlersquos Metaphysics 1086b 32minus37rdquo Classical Philology Vol 8 n 1 pp 90minus92 1913

SMITH R Aristotle Prior Analytics Indianapolis Hackett Publishing Company 1989

STRIKER G Aristotle Prior Analytics Book I Oxford Clarendon Press 2009

Page 9: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

13

estabelecer uma norma riacutegida vaacutelida para todo e qualquer silogismo mas apenas uma descriccedilatildeo que pudesse dar conta da maior parte dos argumentos silogiacutesticos Essa atitude o levou a fazer duras criacuteticas agrave loacutegica aristoteacutelica

De acordo com Lukasiewicz eacute questatildeo paciacutefica a opiniatildeo de que os termos singulares satildeo tatildeo importantes na atividade cientiacutefica quanto o satildeo os termos universais e portanto eacute falso que os argumentos e as investigaccedilotildees ldquoas a rulerdquo lidam com termos de universalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) o que tornaria o pronunciamento de Aristoacuteteles nas linhas 42ndash43 digno de reprovaccedilatildeo Com esse teor Lukasiewicz atribui a Aristoacuteteles a rejeiccedilatildeo dos termos singulares e descreve a ausecircncia desses fatores como ldquoo maior defeitordquo do sistema loacutegico aristoteacutelico14

Assim inspirado pelo legado de Ross Lukasiewicz consolida a opiniatildeo de que a silogiacutestica aristoteacutelica envolve uma severa restriccedilatildeo de termos constituindo um sistema loacutegico que atua exclusivamente sobre termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) Sob a descoberta da ldquoverdadeira razatildeordquo que teria levado Aristoacuteteles a se comprometer com essa restriccedilatildeo de termos Lukasiewicz estabelece a tese de que a silogiacutestica prescinde de termos singulares bem como de termos de alta generalidade (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo)

Essa proposta foi muito bem recebida por alguns estudiosos da loacutegica aristoteacutelica Em 1959 Guumlnther Patzig publicou um novo estudo sobre o Livro I dos Primeiros Analiacuteticos e fez questatildeo de dedicaacute-lo a Lukasiewicz de quem eacute seguidor Em obra intitulada Aristotlersquos Theory of the Syllogism ndash a logico-philological study of book A of the Prior Analytics Patzig corrige vaacuterios equiacutevocos herdados de Ross e de Lukasiewicz Para ilustrar considere-se a alegaccedilatildeo ndash feita tanto por Ross quanto por Lukasiewicz ndash de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos Primeiros Analiacuteticos Essa alegaccedilatildeo eacute desmentida por Patzig que aponta

14 Ibidem p 6

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

14

as seguintes ocorrecircncias de nomes proacuteprios no capiacutetulo 33 do Livro I ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II ldquoPitacosrdquo Mesmo diante dessas ocorrecircncias Patzig recusou a possibilidade de a silogiacutestica reservar lugar para termos singulares justificando tal posiccedilatildeo ao apontar que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo aparecem em premissas das quais nada se segue ao passo que ldquoPitacosrdquo ocorre em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido Em presenccedila desse quadro e a exemplo de Lukasiewicz Patzig considera que deve prevalecer o fato indubitaacutevel de Aristoacuteteles natildeo ter feito menccedilatildeo a proposiccedilotildees singulares no capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I o que fatalmente sugere a exclusatildeo dos termos singulares15 Assim Patzig eacute levado a endossar diversos resultados alcanccedilados por seus antecessores reiterando a restriccedilatildeo de fatores silogiacutesticos a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) e por conseguinte expulsando termos singulares transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) e summa genera do sistema loacutegico aristoteacutelico

No entanto sob a consideraccedilatildeo de Patzig essa restriccedilatildeo ganhou razotildees complementares Patzig natildeo apenas endossou os resultados sensivelmente sugeridos por Ross e consolidados por Lukasiewicz (resultados fundados no capiacutetulo 27 do Livro I dos Primeiros Analiacuteticos) mas tambeacutem lhes conferiu novos contornos oriundos de razotildees que julgou encontrar no capiacutetulo 28 do qual o capiacutetulo 27 seria discussatildeo preparatoacuteria

No capiacutetulo 28 Aristoacuteteles apresenta alguns procedimentos de prova para as formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Em linhas gerais esses procedimentos satildeo caracterizados pela tarefa de identificar um termo comum (que seraacute o mediador) em duas listas de termos Essas listas satildeo determinadas pela relaccedilatildeo que os seus membros possuem com os extremos (τά ἄκρα) que encerram a conclusatildeo pretendida

15 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

15

Ainda natildeo precisamos entrar em detalhes a respeito desses procedimentos Faremos isso na proacutexima seccedilatildeo em momento mais oportuno Por ora basta saber que a partir dos procedimentos recomendados por Aristoacuteteles como estrateacutegia de prova para cada uma das formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Patzig propotildee trecircs axiomas demarcadores de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica16

(1) todo termo silogiacutestico possui ao menos um termo subordinado proacuteprio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe um termo subordinado X tal que XaT eacute o caso ao passo que TaX natildeo (2) todo termo silogiacutestico possui ao menos um termo superordenado proacuteprio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe um termo superordenado Y tal que TaY eacute o caso ao passo que YaT natildeo (3) todo termo silogiacutestico possui um termo contraacuterio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe ao menos um termo contraacuterio Z tal que ZeT17

Ao formular os dois primeiros axiomas Patzig se vale de algumas noccedilotildees oriundas da teoria dos conjuntos as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias Em teoria dos conjuntos se Q eacute um termo subordinado proacuteprio de R (e natildeo apenas um termo subordinado) Q e R natildeo podem ser coextensivos ndash em outras palavras todo Q eacute R mas nem todo R eacute Q o mesmo ocorre com termos que frequumlentam uma mesma relaccedilatildeo de superordenaccedilatildeo proacutepria dado que toda relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo proacutepria pode ser reformulada como uma relaccedilatildeo de superordenaccedilatildeo proacutepria e vice-versa Patzig presume que essas relaccedilotildees traduzem pressupostos assumidos pelo proacuteprio Aristoacuteteles no capiacutetulo

16 Ibidem p 7 17 A notaccedilatildeo AxB adotada na exposiccedilatildeo dos axiomas descreve uma relaccedilatildeo categoacuterica x entre o termo-sujeito A e o termo-predicado B Assim AaB eacute a notaccedilatildeo para a relaccedilatildeo universal afirmativa (ldquotodo A eacute Brdquo) AeB para a relaccedilatildeo universal negativa (ldquonenhum A eacute Brdquo) AiB para a particular afirmativa (ldquoalgum A eacute Brdquo) e por fim AoB para a particular negativa (ldquoalgum A natildeo eacute Brdquo) Manteremos essa notaccedilatildeo ao longo de todo o texto

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

16

28 de Primeiros Analiacuteticos I Mais adiante veremos que essa conjetura eacute equivocada

Por ora eacute importante notar que essa distinccedilatildeo entre de um lado subordinaccedilatildeosuperordenaccedilatildeo proacutepria e de outro lado mera subordinaccedilatildeosuperordenaccedilatildeo faz alguma diferenccedila no que diz respeito agrave exclusatildeo da chamada classe universal Para excluiacute-la Patzig assume que a classe universal pertence ao domiacutenio de termos da silogiacutestica a articula com os axiomas (1) e (3) e obteacutem um resultado contraditoacuterio o terceiro axioma requer que todo termo silogiacutestico possua ao menos um termo que lhe seja contraacuterio ndash tratando-se da classe universal esse termo contraacuterio eacute a classe nula por sua vez o primeiro axioma requer que todo termo silogiacutestico possua ao menos um termo subordinado proacuteprio exigecircncia que a classe nula eacute incapaz de satisfazer ndash por definiccedilatildeo a classe nula natildeo possui termos subordinados proacuteprios Assim a impossibilidade da classe nula acarreta a impossibilidade da classe universal18

Patzig ainda aponta o trecho 998b 22ndash27 do capiacutetulo 3 de Metafiacutesica Beta como evidecircncia complementar de que Aristoacuteteles teria rejeitado a classe universal fazendo alusatildeo a um texto que embora trate de termos dessa natureza tem com a silogiacutestica uma relaccedilatildeo muito distante19

Por sua vez nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares como ldquoSoacutecratesrdquo e ldquoeste triacircngulordquo natildeo possuem termos subordinados proacuteprios e portanto natildeo satisfazem ao primeiro axioma Por fim gecircneros supremos como ldquosubstacircnciardquo ldquoqualidaderdquo ldquoquantidaderdquo etc natildeo podem contar com termos superordenados proacuteprios e por conseguinte ficam impossibilitados de satisfazer ao segundo axioma (impossibilidade que natildeo nos parece ter sido bem estabelecida20)

18 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 19 Ibidem 20 A exemplo de Ross (cf nota 3) Patzig ignora os transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo que a princiacutepio poderiam figurar como superordenados proacuteprios dos gecircneros supremos de modo que o axioma (2) fosse entatildeo satisfeito pelos gecircneros

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

17

Assim Patzig reitera as restriccedilotildees introduzidas por Ross e consolidadas por Lukasiewicz desenhando um quadro em que uma vez mais a silogiacutestica eacute pensada como um sistema loacutegico que opera exclusivamente sobre termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) sem atuaccedilatildeo sobre nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares gecircneros supremos (summa genera) e termos transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) Na proacutexima seccedilatildeo mostraremos que as leituras propostas por tais inteacuterpretes seguramente natildeo encontram respaldo nos textos de Aristoacuteteles II CRIacuteTICA AgraveS OPINIOtildeES TRADICIONAIS

1 Uma Releitura de Primeiros Analiacuteticos I 27 43a 25minus43

Certamente nem todo o legado de Ross Lukasiewicz e Patzig deve ser abandonado Parece razoavelmente acertada por exemplo a escolha do capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos como promissora resposta agrave questatildeo de saber quais tipos de termos podem figurar em silogismos rigorosamente aristoteacutelicos ndash muito embora nem todo tipo de silogismo reconhecido por Aristoacuteteles esteja no escopo desse capiacutetulo21 No primeiro capiacutetulo do Livro I de Primeiros Analiacuteticos em que seria natural esperar alguma descriccedilatildeo mais detalhada a respeito dos termos Aristoacuteteles eacute muito sucinto limitando-se a dizer o seguinte

Ὅρον δὲ καλῶ εἰς ὃν διαλύεται ἡ πρότασις οἷον τό τε κατηγορούμενον καὶ τὸ καθrsquo οὗ κατηγορεῖται προστιθεμένου τοῦ εἶναι ἢ μὴ εἶναι

supremos Para excluir tais termos Patzig se pronuncia de modo muito breve e pouco esclarecedor ldquocategories (on Aristotlersquos definition) do not satisfy axiom (2)rdquo Aleacutem disso as ocorrecircncias de ldquosubstacircnciardquo e ldquounidaderdquo em Pr An I 5 27a 19minus20 e 27b 6minus8 tambeacutem satildeo ignoradas talvez em decorrecircncia de estarem associadas a pares de premissas inconcludentes 21 Ver por exemplo os silogismos formulados em Pr An II 15

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

18

Chamo lsquotermorsquo aquilo no que a proposiccedilatildeo se dissolve ou seja o item que se predica e o de que se predica acrescentando lsquoeacutersquo ou lsquonatildeo eacutersquo (24b 16minus18)

Esse pronunciamento eacute muito vago e em decorrecircncia pouco revelador Por isso em relaccedilatildeo agrave presente investigaccedilatildeo tal capiacutetulo quase natildeo oferece material que possa ser aproveitado Eacute claro que natildeo eacute bem essa a opiniatildeo de nossos interlocutores Ross Lukasiewicz e Patzig conceberam o mero fato de Aristoacuteteles natildeo ter feito menccedilatildeo a termos singulares no capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I como forte evidecircncia de que tais termos natildeo teriam lugar na silogiacutestica22

Essa atitude nos parece incorreta O fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a termos singulares revela apenas que o capiacutetulo natildeo tem aptidatildeo para contribuir com a investigaccedilatildeo Poder-se-ia alegar talvez que a exposiccedilatildeo das proposiccedilotildees silogiacutesticas no trecho 24a 16minus22 eacute exaustiva de modo que a exclusatildeo dos termos singulares fosse assegurada pelo simples fato de natildeo haver alusatildeo expliacutecita agraves proposiccedilotildees que lhes satildeo correlatas Poreacutem o referido trecho cai em certo descreacutedito por envolver certas imprecisotildees das quais o silecircncio sobre as proposiccedilotildees singulares seria apenas mais uma A diferenccedila entre proposiccedilotildees particulares e indefinidas por exemplo eacute bem precaacuteria Com efeito a proposiccedilatildeo particular ldquoalgum prazer natildeo eacute bemrdquo natildeo eacute mais informativa que a proposiccedilatildeo indefinida ldquoprazer natildeo eacute bemrdquo Tanto em um caso quanto em outro a relaccedilatildeo que os termos possuem entre si eacute igualmente indeterminada ou seja natildeo sabemos se (i) todo prazer natildeo eacute bem ou se (ii) algum prazer natildeo eacute bem e algum prazer eacute bem23

22 Ross (1949 p 384) Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect1 p 1 sect2 p 4) Patzig (1959 chapter 1 sect3 p 5) 23 Entre os comentadores Ross (1949 p 314) parece assumir que no trecho 29a 27minus29 Aristoacuteteles teria feito uma declaraccedilatildeo expliacutecita de que tais proposiccedilotildees seriam de fato equivalentes Bochenski (1951 p 43) por sua vez reconhece a referida passagem como evidecircncia incontestaacutevel de que Aristoacuteteles concebia tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis o que torna a distinccedilatildeo

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

19

Imprecisotildees como essa revelam o caraacuteter provisoacuterio do trecho 24a 16minus22 Por isso essa passagem natildeo pode ser considerada como resposta definitiva ao problema de saber se a silogiacutestica reserva lugar para termos singulares sobretudo se a razatildeo alegada para assim consideraacute-la for o mero fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a proposiccedilotildees singulares Em certa medida os comentadores perceberam que natildeo poderiam recorrer apenas ao primeiro capiacutetulo de Primeiros Analiacuteticos I para decidir a questatildeo e estenderam a discussatildeo ao capiacutetulo 27 tomando uma decisatildeo bastante acertada porque eacute nesse capiacutetulo que Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes e os compreende claramente como fatores de atribuiccedilatildeo suscetiacuteveis de articulaccedilatildeo silogiacutestica O trecho 43a 25minus43 oferece trecircs tipos de termos e como bem observaram os proponentes das opiniotildees tradicionais impotildee certas restriccedilotildees ao uso de termos de natureza singular bem como ao uso de termos de alto grau de generalidade ndash quer sejam summa genera como prefere Ross ou transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como entende Lukasiewicz O que escapou a nossos interlocutores eacute que essas restriccedilotildees estatildeo longe de expulsar da silogiacutestica qualquer dos trecircs tipos de termos ali apresentados Por isso em defesa de nossa posiccedilatildeo propomos reexaminar o trecho 43a 25minus43 pois entendemos que o texto por si soacute natildeo deixa duacutevidas de que nenhum dos trecircs tipos de termos introduzidos na referida passagem tenha sido excluiacutedo da silogiacutestica

Assim examinemos o famoso texto que tem alimentado a discussatildeo sobre termos silogiacutesticos

[1] ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστι τοιαῦτα ὥστε κατὰ μηδενὸς ἄλλου κατηγορεῖσθαι ἀληθῶς καθόλου (οἷον Κλέων καὶ

proposta no primeiro capiacutetulo um tanto despropositada Lukasiewicz (1951 sect2 p 5) tambeacutem reconhece que Aristoacuteteles trata tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis mas natildeo admite que Aristoacuteteles tenha se pronunciado de modo expliacutecito a respeito dessa equivalecircncia preferindo delegar esse feito a Alexandre

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

20

Καλλίας καὶ τὸ καθrsquo ἕκαστον καὶ αἰσθητόν) κατὰ δὲ τούτων ἄλλα (καὶ γὰρ ἄνθρωπος καὶ ζῷον ἑκάτερος τούτων ἐστί) τὰ δrsquo αὐτὰ μὲν κατrsquo ἄλλων κατηγορεῖται κατὰ δὲ τούτων ἄλλα πρότερον οὐ κατηγορεῖται τὰ δὲ καὶ αὐτὰ ἄλλων καὶ αὐτῶν ἕτερα οἷον ἄνθρωπος Καλλίου καὶ ἀνθρώπου ζῷον ὅτι μὲν οὖν ἔνια τῶν ὄντων κατrsquo οὐδενὸς πέφυκε λέγεσθαι δῆλον τῶν γὰρ αἰσθητῶν σχεδὸν ἕκαστόν ἐστι τοιοῦτον ὥστε μὴ κατηγορεῖσθαι κατὰ μηδενὸς πλὴν ὡς κατὰ συμβεβηκός φαμὲν γάρ ποτε τὸ λευκὸν ἐκεῖνο Σωκράτην εἶναι καὶ τὸ προσιὸν Καλλίαν ὅτι δὲ καὶ ἐπὶ τὸ ἄνω πορευομένοις ἵσταταί ποτε πάλιν ἐροῦμεν νῦν δrsquo ἔστω τοῦτο κείμενον [2] κατὰ μέν οὖν τούτων οὐκ ἔστιν ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον ἕτερον πλὴν εἰ μὴ κατὰ δόξαν ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων οὐδὲ τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται (καὶ γὰρ αὐτὰ κατrsquo ἄλλων καὶ ἄλλα κατὰ τούτων λεχθήσεται) καὶ σχεδὸν οἱ λόγοι καὶ αἱ σκέψεις εἰσὶ μάλιστα περὶ τούτων [1] Entre todos os entes alguns satildeo tais que natildeo se afirmam de nenhum outro verdadeiramente como universais (por exemplo Cleon e Caacutelias ou seja o particular e o sensiacutevel) mas outros se afirmam deles de fato cada um desses eacute tanto homem quanto animal Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros mas nenhum outro anterior se afirma deles Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros e outros satildeo afirmados deles por exemplo homem que se afirma de Caacutelias e do qual animal se afirma Assim eacute evidente que certas coisas por natureza natildeo se dizem de nenhuma outra de fato em geral entre as coisas sensiacuteveis cada uma eacute tal que natildeo se afirma de nenhuma outra a natildeo ser por acidente com efeito agraves vezes dizemos que aquele branco eacute Soacutecrates e que aquele que se aproxima eacute Caacutelias (Ainda diremos por que tambeacutem para cima em algum momento a seacuterie se interrompe Mas por ora seja assumido isso) [2] Assim acerca dessas coisas natildeo eacute possiacutevel demonstrar outra sendo afirmada (a natildeo ser segundo opiniatildeo) mas eacute possiacutevel demonstrar elas proacuteprias sendo afirmadas de outras Tampouco eacute possiacutevel demonstrar as coisas particulares sendo afirmadas de outras mas eacute possiacutevel demonstrar outras sendo afirmadas delas Jaacute das coisas que ficam entre essas eacute evidente que eacute possiacutevel demonstrar afirmando de ambos os modos pois tanto elas seratildeo ditas de outras quanto outras seratildeo ditas delas Grosso modo os argumentos e as investigaccedilotildees satildeo sobretudo acerca dessas coisas (43a 25minus43)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

21

A mais natural divisatildeo que podemos impor agrave passagem acima exige duas seccedilotildees

[1] Na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes compreendidos como fatores de atribuiccedilatildeo e classificados segundo as funccedilotildees que cada classe de termos pode desempenhar em proposiccedilotildees destinadas a operaccedilotildees silogiacutesticas A passagem eacute inaugurada com um pronunciamento a respeito de todos os entes ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων Por isso ao que tudo indica essa divisatildeo tripartite eacute exaustiva e natildeo deixa de fora nenhuma classe de termos Os resultados provenientes dessa classificaccedilatildeo trazem certas restriccedilotildees agrave atuaccedilatildeo de alguns termos na silogiacutestica nas linhas 25minus29 Aristoacuteteles nega que os termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) possam desempenhar o papel de legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nas linhas 29minus30 rejeita a possibilidade de atribuir aos termos de alta generalidade um termo que lhes seja anterior (πρότερον) Conforme jaacute o dissemos essas restriccedilotildees passam longe da exclusatildeo de qualquer das classes de termos apresentadas no referido trecho do capiacutetulo 27 A principal evidecircncia disso aparece na imediata sequumlecircncia do texto em que Aristoacuteteles avalia os efeitos dessas restriccedilotildees sobre as demonstraccedilotildees Isso nos leva agrave segunda seccedilatildeo

[2] Na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) satildeo explicitadas as consequumlecircncias que as restriccedilotildees apresentadas na seccedilatildeo anterior (43a 25minus37) produziratildeo nas demonstraccedilotildees24 Nas linhas 37minus39 Aristoacuteteles se pronuncia a respeito dos termos de alta generalidade (summa genera

24 Eacute bem verdade que em relaccedilatildeo ao cenaacuterio que temos em Segundos Analiacuteticos I 2 a noccedilatildeo de apodeixis que aparece no capiacutetulo 27 ainda exige muitos aperfeiccediloamentos mas natildeo nos parece justo entendecirc-la meramente como prova silogiacutestica jaacute que ela envolve exigecircncias de ordem atributiva que restringem as provas denotadas pela noccedilatildeo de apodeixis assumida no capiacutetulo a um subgrupo da noccedilatildeo mais geral de silogismo As provas silogiacutesticas formuladas em Primeiros Analiacuteticos II 15 por exemplo ficam de fora do grupo de silogismos dos quais o capiacutetulo 27 pretende dar conta Assim sendo optamos por manter a traduccedilatildeo de apodeixis por ldquodemonstraccedilatildeordquo e natildeo por ldquoprovardquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

22

eou transcategoriais) a possibilidade de demonstrar qualquer outro termo a respeito deles eacute recusada25 mas a de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute afirmada textualmente Nas linhas 39minus40 o pronunciamento se faz a respeito dos termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) a possibilidade de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute recusada mas a de demonstrar outros termos a respeito deles tambeacutem eacute afirmada Nas linhas 40minus42 Aristoacuteteles trata dos termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) e natildeo lhes impotildee nenhuma restriccedilatildeo eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles26

Por fim nas linhas 42minus43 Aristoacuteteles encerra a passagem com um pronunciamento de caraacuteter geral e conclusivo pronunciamento que ao contraacuterio do que Ross sugeriu e mais tarde Lukasiewicz endossou natildeo nega absolutamente nada do que fora dito ateacute entatildeo

Eacute claro que o leitor ainda pode levar em conta que Aristoacuteteles soacute faz uso da expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 ao se pronunciar a respeito dos termos de alta generalidade e que por isso a pressuposiccedilatildeo de tal expressatildeo nos demais pronunciamentos seria artificiosa e desqualificaria a traduccedilatildeo e a leitura que propomos De fato essa expressatildeo causou incocircmodo a alguns tradutores de liacutengua inglesa influenciados provavelmente pelos legados de Ross e Lukasiewicz A J Jenkinson e Robin Smith por exemplo traduzem a

25 Na verdade Aristoacuteteles reconhece uma exceccedilatildeo aludindo agrave possibilidade de ldquodemonstrarrdquo segundo opiniatildeo (κατὰ δόξαν) mas essa exceccedilatildeo eacute uma alternativa a ser evitada 26 No manuscrito n temos δειχθήσεται ao inveacutes de λεχθήσεται na linha 42 As duas alternativas favorecem a nossa leitura Optamos pela manutenccedilatildeo de λεχθήσεται para natildeo perder a relaccedilatildeo explicativa que haacute entre os pronunciamentos das linhas 40minus41 de um lado e 30minus32 de outro De fato com λεχθήσεται a linha 42 apenas repete o que fora dito nas linhas 30minus32 Essa opccedilatildeo revela que as linhas 30minus32 explicam a linha 42 e sugere que a mesma relaccedilatildeo explicativa ocorra entre as linhas 25minus29 e 39minus40 bem como entre as linhas 29minus30 e 37minus39

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

23

expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 como ldquodemonstraterdquo e ldquodemonstrate to be predicatedrdquo respectivamente No entanto ambos evitam tal traduccedilatildeo nas linhas subsequumlentes nas quais a expressatildeo natildeo aparece de modo expliacutecito e substituem ldquodemonstraterdquo por ldquopredicaterdquo27

Haacute pelo menos uma boa razatildeo para rejeitar tais traduccedilotildees elas assumem que na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) precisamente no que diz respeito agraves consequumlecircncias que as restriccedilotildees introduzidas na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) tecircm sobre as demonstraccedilotildees Aristoacuteteles estaria interessado apenas nos termos de alta generalidade dado que recorre agrave expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον exclusivamente ao tratar deles Assim no que diz respeito agrave atuaccedilatildeo dos demais termos (τὰ καθrsquo ἕκαστα e τὰ μεταξὺ) nas demonstraccedilotildees Aristoacuteteles jaacute natildeo teria a pretensatildeo de avaliar as consequumlecircncias dessas restriccedilotildees limitando-se apenas a repetir o que fora dito na primeira seccedilatildeo Essa leitura impotildee ao texto uma interrupccedilatildeo natildeo muito natural em seu desenvolvimento e ainda o torna redundante sem apresentar uma razatildeo satisfatoacuteria que justifique essa leitura

27 Na linha 39 por exemplo A J Jenkinson (in Barnes 1984) traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquobut these may be predicated of other thingsrdquo Robin Smith vai na mesma direccedilatildeo e traduz como ldquobut they are predicated of othersrdquo embora reconheccedila em seu comentaacuterio ao trecho 43a 40ss na paacutegina 50 (comentaacuterio que na verdade trata da linha 39) que a frase pode ser traduzida como ldquoother things are demonstrated to be predicated of themrdquo nas linhas 39-40 Jenkinson traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNeither can individuals be predicated of other things although other things can be predicated of themrdquo Robin Smith natildeo destoa disso e traduz como ldquoNeither can individuals be predicated of other things but instead other things are predicated of themrdquo por fim nas linhas 40-41 Jenkinson traduz τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται como ldquoWhatever lies between these limits can be spoken of in both waysrdquo ao passo que Robin Smith traduz como ldquoBut it is clear that for those in between predication is possible in both waysrdquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

24

Na contramatildeo de A J Jenkinson e Robin Smith temos Mario Mignucci e Gisela Striker que traduzem a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον como ldquodimostrare che essi si predicanordquo e ldquodemonstrate to be said ofrdquo respectivamente e entendem as linhas 39minus41 como pronunciamentos nos quais embora natildeo apareccedila de modo expliacutecito a expressatildeo ainda estaacute em jogo28 Essas traduccedilotildees certamente satildeo as mais fieacuteis ao texto grego e corroboram a traduccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo que propomos justificando o abandono da leitura tradicional sugerida por Ross e cristalizada nos estudos de Lukasiewicz A essa altura jaacute podemos fazer um balanccedilo dos resultados que o capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos de fato nos impotildee O cenaacuterio que se desenha eacute o seguinte (i) termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) natildeo eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου)29 de outros termos por isso tampouco eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos no entanto eacute possiacutevel lhes atribuir outros termos como legiacutetimos

28 Na linha 39 por exemplo Mignucci traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquomentre egrave possibile dimostrare che essi si predicano di altrirdquo Striker por sua vez traduz como ldquobut [sc one can demonstrate] only that they themselves are predicated of other thingsrdquo na linha 40 ambos fazem questatildeo de recuperar a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον Mignucci traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNon egrave neanche possibile dimostrare che i singolari si predicano di altre cose ma soltanto che altre cose si predicano di essirdquo Striker segue a mesma linha e traduz como ldquonor can one demonstrate that individuals are said of other things but only that other things are said of themrdquo Na linha 41 por sua vez a expressatildeo eacute recuperada novamente e o trecho τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται eacute traduzido por Mignucci como ldquoEgrave chiaro invece che le cose intermedie egrave possibile dimostrarle nei due modirdquo ao passo que por Striker como ldquoBut clearly the intermediate things admit [sc to be demonstrated] of bothrdquo 29 Tais termos natildeo se predicam de nenhum outro a natildeo ser κατὰ συμβεβηκός (43a 33minus35)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

25

predicados por conseguinte tambeacutem eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 25minus29 e 39minus40) (ii) termos de alta generalidade (summa genera eou τὰ πᾶσιν ἑπόμενα)30 natildeo lhes eacute possiacutevel atribuir outros termos como legiacutetimos predicados ndash de fato natildeo haacute termo anterior (πρότερον) que lhes possa ser atribuiacutedo por isso tampouco eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles no entanto eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos logo tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos (conferir 43a 29minus30 e 37minus39) (iii) termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos bem como lhes atribuir outros termos como legiacutetimos predicados em razatildeo disso tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 30minus32 e 40minus42)

Assim o que prevalece eacute que Aristoacuteteles jamais afastou de sua loacutegica qualquer das trecircs classes de termos apresentadas em Primeiros Analiacuteticos I 27 muito embora tenha endereccedilado certas restriccedilotildees atributivas a algumas delas 2 Primeiros Analiacuteticos I 28 e os Axiomas de Patzig

Patzig parece entender que o capiacutetulo 27 natildeo eacute merecedor de toda a atenccedilatildeo que lhe foi concedida por Ross e Lukasiewicz O capiacutetulo 28 em sua opiniatildeo eacute bem mais promissor no que diz respeito agrave questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera31 enquanto o capiacutetulo 27

30 Como Aristoacuteteles natildeo oferece exemplos de termos desse tipo deixamos indeterminado se satildeo summa genera como propotildee Ross ou transcategoriais de generalidade total (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como prefere Lukasiewicz (cf nota 3) 31 Patzig (1959 sect3 p 6)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

26

serviria mais como discussatildeo preparatoacuteria para os assuntos tratados no capiacutetulo seguinte

De fato haacute forte unidade entre esses textos O objetivo predominante que os vincula e orienta eacute anunciado no iniacutecio do capiacutetulo 27 e consiste em mostrar ldquode que modo sempre estaremos providos de silogismos em relaccedilatildeo ao que for proposto e por qual via alcanccedilamos os princiacutepios de cada coisardquo32 O capiacutetulo 27 contribui com esse objetivo na medida em que faz recomendaccedilotildees sobre como selecionar termos e premissas e classifica os fatores silogiacutesticos segundo as funccedilotildees (sujeito e predicado) que podem desempenhar de modo irrestrito em proposiccedilotildees silogiacutesticas A contribuiccedilatildeo do capiacutetulo 28 por sua vez estaacute associada aos procedimentos de prova de cada uma das quatro formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Esses procedimentos satildeo caracterizados basicamente pela descriccedilatildeo dos paracircmetros de localizaccedilatildeo do fator capaz de mediar os extremos (τά ἄκρα) na relaccedilatildeo categoacuterica acarretada na conclusatildeo Trata-se portanto de procedimentos de busca e localizaccedilatildeo do termo mediador (τὸ μέσον)

Assim para provar por exemplo a relaccedilatildeo universal afirmativa EaA prescreve Aristoacuteteles devemos encontrar um fator comum a duas listas (i) aquela de termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e (ii) aquela de termos que se atribuem universalmente ao extremo menor E33 O resultado seraacute o mediador M tal que MaA e EaM o que perfaz um silogismo em Barbara Semelhantemente para provar a relaccedilatildeo particular afirmativa EiA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um elemento comum agraves listas de (i) termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente ou seja agraves listas de termos que cada um dos extremos E e A ldquoacompanhardquo (ἕπεσθαι ou ακολουθεῖν) Nesse caso o termo comum M seraacute tal que MaA e MaE o que nos

32 An Pr I 27 43a 20ndash21 33 An Pr I 28 43b 39ndash43

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

27

permite concluir EiA por Darapti (terceira figura)34 Por sua vez a prova da relaccedilatildeo universal negativa EeA tambeacutem se valeraacute da identificaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios a um extremo e de (ii) termos que se atribuem universalmente ao outro extremo se o mediador M comum agraves duas listas for contraacuterio ao extremo maior A e universalmente atribuiacutedo ao extremo menor E o mediador M seraacute tal que MeA e EaM ou AeM e EaM possibilitando a prova de EeA (respectivamente) por Celarent e por Cesare mas se o mediador M for contraacuterio ao extremo menor E e universalmente atribuiacutedo ao extremo maior A M seraacute tal que AaM e EeM restringindo a prova de EeA a Camestres35 Por fim para provar a relaccedilatildeo particular negativa EoA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios ao extremo maior A e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente Assim o mediador M seraacute tal que MeA e MaE o que prova EoA por Felapton36

Em todas as recomendaccedilotildees do capiacutetulo 28 Aristoacuteteles se orienta pelas conclusotildees almejadas propondo a partir delas procedimentos de busca e localizaccedilatildeo dos fatores capazes de acarretar cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas A estrateacutegia de Aristoacuteteles portanto natildeo consiste em partir de premissas e deduzir os resultados que delas se seguem mas fazendo o caminho inverso consiste em partir da conclusatildeo e buscar o termo mediador capaz de articular os extremos na relaccedilatildeo categoacuterica (a e i ou o) da conclusatildeo

Por natildeo captar a natureza invertida dessa estrateacutegia Patzig natildeo compreendeu plenamente o que Aristoacuteteles propusera e julgou que o capiacutetulo 28 muito mais que o capiacutetulo 27 impunha severas restriccedilotildees agrave lista de termos capazes de figurar em silogismos aristoteacutelicos Na verdade o capiacutetulo 28 nem sequer trata da questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera mas limita-se a descrever os paracircmetros de

34 Ibidem 43b 43ndash44a 2 35 An Pr I 44a 2ndash8 36 An Pr I 28 44a 9ndash11

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

28

localizaccedilatildeo do mediador de cada forma categoacuterica Eacute claro que ao descrever esses paracircmetros Aristoacuteteles acaba por assumir certos pressupostos que em uacuteltimo caso podem ter algum efeito sobre a lista de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica Ainda assim eacute preciso observar que as recomendaccedilotildees apresentadas no capiacutetulo 28 satildeo pensadas em relaccedilatildeo agrave prova de cada proposiccedilatildeo categoacuterica em particular Por isso os pressupostos envolvidos nessas recomendaccedilotildees bem como as eventuais restriccedilotildees de termos que lhes sejam correlatas deveratildeo ter aplicaccedilatildeo circunscrita a cada caso isto eacute aos procedimentos de prova de cada conclusatildeo em particular

Patzig parece natildeo ter dado a devida atenccedilatildeo a esse detalhe pois embora compreenda os seus axiomas como pressupostos impliacutecitos das recomendaccedilotildees de Aristoacuteteles ndash recomendaccedilotildees cuja aplicaccedilatildeo estaacute circunscrita a cada caso ndash Patzig os assume como vaacutelidos para termos de todo e qualquer silogismo37 No entanto eacute flagrante que certos silogismos natildeo dependem de alguns de seus axiomas Um arquetiacutepico silogismo em Barbara por exemplo funciona perfeitamente bem sem pressupor para qualquer de seus termos a validade do terceiro axioma isto eacute sem pressupor que exista para qualquer de seus termos (ou mesmo para qualquer de seus extremos para ser fiel ao capiacutetulo 28) um termo que lhe seja ldquocontraacuteriordquo

Ao que tudo indica o que levou Patzig a estender a validade de seus axiomas sobre todos os silogismos eacute o trecho 44a 12minus17 em que Aristoacuteteles estipula letras para as listas de termos com as quais pretende trabalhar na exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova38 Na referida passagem Aristoacuteteles considera basicamente trecircs tipos de termos que se distinguem pelo termo extremo que lhes eacute correlato bem como pela relaccedilatildeo predicativa que cada um manteacutem com esse extremo Para cada extremo Aristoacuteteles estipula (i) termos que lhe satildeo atribuiacutedos universalmente (ii) termos aos quais ele proacuteprio se atribui universalmente e (iii) termos que natildeo lhe

37 Patzig (1959) sect3 p 6ndash7 38 An Pr I 28 44a 12minus17

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

29

podem ser atribuiacutedos Os termos de primeiro tipo devem ter servido de estiacutemulo para a necessidade de termos superordenados proacuteprios que eacute marca do segundo axioma de Patzig os termos de segundo tipo por sua vez para a necessidade de termos subordinados proacuteprios marca do primeiro axioma os de terceiro por fim para a necessidade de termos ldquocontraacuteriosrdquo marca do terceiro axioma

Eacute bem verdade que os termos estipulados por Aristoacuteteles envolvem certa analogia com os axiomas propostos por Patzig Mas eacute preciso notar em primeiro lugar que nenhum dos procedimentos de prova descritos por Aristoacuteteles depende da estipulaccedilatildeo dos trecircs tipos de termos39 A recomendaccedilatildeo de prova da proposiccedilatildeo particular afirmativa por exemplo requer apenas (ii) termos aos quais os extremos se atribuem universalmente40 O fato de Aristoacuteteles jaacute estipular de antematildeo trecircs tipos de termos para cada extremo natildeo torna obrigatoacuterio que todo e qualquer extremo (e muito menos que todo e qualquer termo silogiacutestico como prefere Patzig) independentemente do silogismo a que pertenccedila dependa dos trecircs tipos de termos estipulados precisamente porque a estipulaccedilatildeo desses termos estaacute ancorada em um par de extremos que eacute muito peculiar Esse par de extremos eacute pensado com propoacutesitos didaacuteticos orientados agrave exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova de cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas (a e i e o) Trata-se de um par de extremos que em benefiacutecio da exposiccedilatildeo eacute assumido como articulaacutevel em qualquer das relaccedilotildees categoacutericas Poreacutem essa assunccedilatildeo soacute faz sentido no contexto preciso dessa exposiccedilatildeo de procedimentos de prova afinal algumas dessas relaccedilotildees categoacutericas satildeo incompatiacuteveis entre si ndash por exemplo as relaccedilotildees universal afirmativa e particular negativa Por isso devemos presumir que as estipulaccedilotildees de termos que lhes datildeo suporte tambeacutem o satildeo e portanto natildeo podem valer em conjunto e para todos os casos

39 Idem 44a 17minus30 40 Ibidem 44a 19minus21

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

30

Para esclarecer esse ponto retomemos rapidamente os procedimentos de prova das proposiccedilotildees universal afirmativa e particular negativa41 Assumindo um mesmo par de extremos como faz Aristoacuteteles estaremos diante de proposiccedilotildees contraditoacuterias (EaA e EoA) Dado que tais proposiccedilotildees satildeo incompatiacuteveis as condiccedilotildees das quais elas satildeo provenientes tambeacutem o seratildeo Dizendo de outro modo a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (i) termos aos quais o extremo maior se atribui universalmente e (ii) termos que se atribuem universalmente ao extremo menor eacute incompatiacutevel com a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (irsquo) termos aos quais o extremo maior natildeo pode ser atribuiacutedo e (iirsquo) termos aos quais o extremo menor se atribui universalmente Assim em presenccedila das condiccedilotildees de prova de uma das proposiccedilotildees incompatiacuteveis as condiccedilotildees da outra poderatildeo ser dispensadas jaacute que satildeo condiccedilotildees requeridas para uma prova cuja possibilidade jaacute natildeo existe E natildeo haacute razatildeo para manter os termos estipulados e dispensar apenas a possibilidade de um termo comum entre as listas pois ambos os pressupostos satildeo requisitados para servir um uacutenico e mesmo propoacutesito o de estabelecer condiccedilotildees para a prova da relaccedilatildeo categoacuterica que se pretende obter Natildeo haacute uma razatildeo que justifique a manutenccedilatildeo das listas de termos estipulados em detrimento da possibilidade de um termo comum entre as listas pois o propoacutesito que introduz uma exigecircncia tambeacutem introduz a outra Sob essa perspectiva fica claro que os termos estipulados no trecho 44a 12minus17 natildeo podem ser pressupostos indispensaacuteveis de quaisquer termos silogiacutesticos tampouco pressupostos que devem ser satisfeitos em conjunto por termos de todo e qualquer silogismo Afinal Aristoacuteteles estipula cada uma das listas supondo que seus termos seratildeo candidatos agrave funccedilatildeo de mediador (e natildeo agrave funccedilatildeo de termos silogiacutesticos) e o faz segundo as exigecircncias especiacuteficas envolvidas na prova de cada relaccedilatildeo categoacuterica em particular (a e i ou o) Compreender tais listas como pressupostos

41 An Pr I 28 43b 39minus43 e 44a 9minus11

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

31

que devem ser satisfeitos por todo e qualquer termo silogiacutestico eacute um equiacutevoco

Em segundo lugar o capiacutetulo 28 natildeo parece estar orientado propriamente agrave prova silogiacutestica das formas categoacutericas mas em algum sentido agrave demonstraccedilatildeo de tais relaccedilotildees Haacute indiacutecios que sugerem essa leitura O principal deles talvez seja o fato de Aristoacuteteles se mostrar interessado em localizar um meson que fica no meio do caminho entre um mediador que satisfaz requisitos meramente dedutivos e um mediador que supera tais requisitos e se configura como um fator explanatoacuterio em uma legiacutetima demonstraccedilatildeo cientiacutefica42 Retomemos por exemplo as recomendaccedilotildees de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) Em 43b 43ndash44a 2 Aristoacuteteles recomenda a prova de EiA por premissas universais conduzindo a prova a um silogismo em Darapti embora admita a possibilidade de concluir proposiccedilotildees particulares a partir de um par de premissas em que apenas uma eacute universal (41b 22minus27) Em 44a 9ndash11 a exemplo do que ocorre com a prova de EiA Aristoacuteteles recomenda a prova de EoA novamente por premissas universais desta vez conduzindo a prova a um silogismo em Felapton Essas duas recomendaccedilotildees de prova pressupotildeem que o meson requisitado para a prova natildeo eacute um mediador meramente dedutivo mas um mediador que se articula com os extremos exclusivamente por relaccedilotildees universais Eacute claro que esse cenaacuterio ainda estaacute muito distante daquele que temos por exemplo no capiacutetulo 2 do Livro II de Segundos

42 Em uma demonstraccedilatildeo cientiacutefica natildeo basta que o mediador se relacione com os extremos de tal modo que a deduccedilatildeo da conclusatildeo esteja formalmente assegurada Aristoacuteteles ainda exige que o mediador satisfaccedila certos requisitos natildeo formais O principal deles eacute o de explicar adequadamente por que o extremo maior se atribui ao extremo menor (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 por exemplo essa diferenccedila (entre um mediador que satisfaz exigecircncias meramente dedutivas e um mediador que funciona como explicaccedilatildeo do fato relatado na conclusatildeo) eacute utilizada como criteacuterio baacutesico para distinguir o conhecimento de que C eacute A (conhecimento do fato) e o conhecimento de por que C eacute A (conhecimento da causa)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

32

Analiacuteticos (90a 6minus7) em que o meson eacute pensado como a causa que explica por que a relaccedilatildeo dada entre os extremos explicitada na conclusatildeo da demonstraccedilatildeo eacute o caso Mesmo assim temos o suficiente para mostrar que Aristoacuteteles natildeo estaacute levando em conta todos os silogismos de seu sistema loacutegico mas apenas aqueles nos quais ambas as premissas satildeo universais Por que razatildeo exatamente Aristoacuteteles faz essa escolha eacute algo a se investigar O que nos importa eacute que essa escolha restringe o escopo do capiacutetulo a um grupo especiacutefico de silogismos o que natildeo eacute compatiacutevel com a validade irrestrita dos axiomas propostos por Patzig

Em terceiro lugar Aristoacuteteles natildeo lida com as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo proacutepria superordenaccedilatildeo proacutepria e contrariedade mas prefere (i) termos que acompanham o extremo (τὰ ἑπόμενα) (ii) termos aos quais o extremo acompanha (οἷς αὐτὸ ἕπεται) e (iii) termos que natildeo podem ser atribuiacutedos ao extremo (ἃ μὴ ἐνδέχεται αὐτῷ ὑπάρχειν) Essa diferenccedila natildeo eacute apenas terminoloacutegica mas conceitual As relaccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias pressupotildeem termos que natildeo satildeo coextensivos se X eacute um termo subordinado proacuteprio de Y XaY eacute o caso mas YaX natildeo se Z eacute um termo superordenado proacuteprio de Y YaZ eacute o caso mas ZaY natildeo O proacuteprio Patzig reconhece essas consequumlecircncias ao formular os seus dois primeiros axiomas43 Aristoacuteteles no entanto ao se valer das relaccedilotildees de ldquoacompanhamentordquo entre os termos natildeo hesita em rejeitaacute-las No capiacutetulo 29 por exemplo Aristoacuteteles menciona a possibilidade de provar por hipoacutetese (συλλογίσασθαι ἐξ ὑποθέσεως) os problemas universais (a e e) assumindo precisamente a possibilidade de coextensatildeo entre os termos envolvidos possibilidade da qual Patzig parece prescindir ao formular seus axiomas A passagem agrave qual nos referimos eacute a seguinte

εἰ γὰρ τὸ Γ καὶ τὸ Η ταὐτὰ εἴη μόνοις δὲ ληφθείη τοῖς Η τὸ Ε ὑπάρχειν παντὶ ἂν τῷ Ε τὸ Α ὑπάρχοι καὶ πάλιν εἰ τὸ Δ καὶ Η ταὐτὰ μόνων δὲ τῶν Η τὸ Ε κατηγοροῖτο ὅτι οὐδενὶ τῷ Ε τὸ Α ὑπάρξει

43 Patzig (1959 sect3 p 6ndash7)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

33

Com efeito se C e G fossem o mesmo mas se assumisse que E se atribui apenas aos Grsquos A se atribuiria a todo E Novamente se D e G fossem o mesmo mas E se afirmasse apenas dos Grsquos A se atribuiraacute a nenhum E (45b 24minus27)

Em 44a 12minus17 Aristoacuteteles jaacute havia estipulado que a letra C representaria um termo ao qual o extremo maior A acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente tambeacutem foi estipulado que a letra G representaria um termo ao qual o extremo menor E acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente por fim ainda ficou decidido que a letra D representaria um termo que natildeo pode ser atribuiacutedo ao extremo maior A Assim a identidade entre C e G a exemplo do que ocorre em 44a 19minus21 conduz a prova de EiA a um silogismo em Darapti ao passo que a identidade entre D e G a exemplo do que ocorre em 44a 28minus30 conduz a prova de EoA a um silogismo em Felapton44 No entanto nessa passagem embora os procedimentos de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) sejam acionados aquilo que se quer mostrar eacute de que modo podemos provar por hipoacutetese (ἐξ ὑποθέσεως) as proposiccedilotildees universais Para alcanccedilar esse resultado Aristoacuteteles assume que o extremo menor E se atribui apenas (μόνον) a G o que pode ser interpretado como uma maneira diferente de dizer que E e G satildeo termos coextensivos Sinal disso eacute o seguinte ao assumir que E se atribui apenas a G Aristoacuteteles se vecirc autorizado a concluir as proposiccedilotildees universais EaA e EeA o que soacute faz sentido sob o pressuposto de que G e E satildeo termos coextensivos De fato sob tal pressuposto a premissa menor GaE pode ser ldquoconvertidardquo em EaG o que transforma Darapti em Barbara bem como Felapton em Celarent Mas se os termos aos quais o extremo menor E acompanha forem pensados como termos subordinados proacuteprios de E GaE seraacute o caso mas EaG natildeo Por conseguinte tampouco as conclusotildees EaA e EeA se seguiriam Assim se quisermos conferir sentido agrave passagem temos que assumir que Aristoacuteteles recorreu agrave possibilidade de construir silogismos com termos

44 Darapti CaA GaE rarr EiA (C=G) Felapton DeA GaE rarr EoA (D=G)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

34

que satildeo coextensivos e se assim for podemos dizer que para Aristoacuteteles a presenccedila de silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos em sua loacutegica natildeo causava qualquer inconveniente45

Segundo nos parece as razotildees alegadas ateacute aqui jaacute satildeo suficientes para mostrar que os axiomas de Patzig natildeo podem servir como criteacuterios delimitadores de termos silogiacutesticos Ainda assim vale a pena examinar duas passagens que eventualmente poderiam ser invocadas contra a interpretaccedilatildeo que propomos Embora natildeo sejam citadas pelos proponentes das opiniotildees tradicionais natildeo eacute difiacutecil imaginar que elas tenham servido de inspiraccedilatildeo para aqueles que defendem a exclusatildeo dos termos transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo De fato agrave primeira vista tais passagens podem nos levar a pensar que Aristoacuteteles natildeo guardou lugar para tais termos na silogiacutestica No entanto como veremos isso soacute eacute verdade agrave primeira vista

45 O capiacutetulo 29 natildeo eacute a uacutenica evidecircncia de silogismos com termos coextensivos na silogiacutestica No capiacutetulo 5 do Livro II de Primeiros Analiacuteticos precisamente em 57b 35minus58a 12 Aristoacuteteles trabalha com silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos Por sua vez no capiacutetulo 22 em 67b 27minus32 Aristoacuteteles inicia o texto dizendo que a coextensatildeo entre os termos extremos de um silogismo requer um mediador tambeacutem coextensivo o que revela por parte de Aristoacuteteles plena consciecircncia a respeito da existecircncia de silogismos com triacuteades coextensivas Nos Segundos Analiacuteticos o interesse de Aristoacuteteles por demonstraccedilotildees que envolvem termos coextensivos pode ser classificado como uma obsessatildeo Basta notar que a proacutepria demonstraccedilatildeo universal ndash aquela que eacute considerada por Aristoacuteteles como cientiacutefica no mais alto grau ndash tem como uma de suas principais caracteriacutesticas a coextensatildeo entre os trecircs termos do silogismo (cf Seg An I 4 73b 32minus74a 3) o que revela o papel central das triacuteades coextensivas no projeto aristoteacutelico que eacute inaugurado com a silogiacutestica e culmina nas demonstraccedilotildees cientiacuteficas (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 e II 16 Aristoacuteteles novamente recorre a termos coextensivos na formulaccedilatildeo de silogismos A nossa preferecircncia pela passagem 45b 24minus27 do capiacutetulo 29 de Primeiros Analiacuteticos se daacute apenas com base em sua conexatildeo indiscutiacutevel com o capiacutetulo 28 no qual Patzig julga encontrar seus axiomas

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

35

Uma das passagens agraves quais nos referimos eacute aquela com a qual Aristoacuteteles encerra o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I Vejamos o que diz Aristoacuteteles

ἔτι τὰ πᾶσιν ἑπόμενα οὐκ ἐκλεκτέον οὐ γὰρ ἔσται συλλογισμὸς ἐξ αὐτων διrsquo ἣν δrsquo αἰτίαν ἐν τοῖς ἑπομένοις ἔσται δῆλον Aleacutem disso natildeo eacute preciso selecionar os itens que acompanham todas as coisas pois natildeo haacute silogismo a partir deles A razatildeo disso ficaraacute evidente a seguir (43b 36minus38)

Essa passagem trata dos termos transcategoriais de generalidade total (τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) e delega a justificativa de seu proacuteprio pronunciamento ao capiacutetulo seguinte no qual Patzig encontrou inspiraccedilatildeo para seus axiomas No capiacutetulo 28 cumprindo o prometido Aristoacuteteles retoma esse assunto e reitera a impossibilidade de construir silogismos a partir de termos de generalidade total

φανερὸν οὖν ὅτι διὰ τῶν προειρημένων σχημάτων οἱ συλλογισμοὶ πάντες καὶ ὅτι οὐκ ἐκλεκτέον ὅσα πᾶσιν ἕπεται διὰ τὸ μηδένα γίγνεσθαι συλλογισμὸν ἐξ αὐτῶν κατασκευάζειν μὲν γὰρ ὅλως οὐκ ἦν ἐκ τῶν ἑπομένων ἀποστερεῖν δrsquo οὐκ ἐνδέχεται διὰ τοῦ πᾶσιν ἑπομένου δεῖ γὰρ τῷ μὲν ὑπάρχειν τῷ δὲ μὴ ὑπάρχειν Eacute evidente entatildeo que todos os silogismos vecircm a ser atraveacutes das figuras previamente mencionadas e que natildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisas porque nenhum silogismo vem a ser a partir deles De fato de modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanham e natildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outro (44b 19minus24)

Fora de contexto e em uma leitura mais apressada essas duas passagens podem nos levar a crer que a opiniatildeo tradicional que afasta da silogiacutestica os termos de generalidade total (como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) de fato encontra respaldo nos textos de Aristoacuteteles No entanto mais uma vez eacute preciso levar em conta que o capiacutetulo 28 eacute marcado pela

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

36

descriccedilatildeo de estrateacutegias de localizaccedilatildeo de termos mediadores e natildeo de termos em geral Dizendo de outro modo Aristoacuteteles natildeo estaacute interessado em localizar os termos que deveratildeo encerrar a conclusatildeo de um silogismo pelo contraacuterio tais termos jaacute estatildeo plenamente determinados bem como a relaccedilatildeo proposicional (a e i e o) que haacute entre eles dado que a conclusatildeo na qual interagem funciona como ponto de partida da investigaccedilatildeo empreendida no capiacutetulo O que interessa para Aristoacuteteles eacute a localizaccedilatildeo de termos mediadores e eacute nesse horizonte que tais passagens devem ser lidas Assim ao negar a possibilidade de construir silogismos a partir de termos transcategoriais de generalidade total (ἐξ αὐτῶν) o que Aristoacuteteles quer dizer eacute que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos46 nos quais a funccedilatildeo de mediador seja desempenhada por um termo desse tipo razatildeo pela qual na busca pelo mediador recomenda Aristoacuteteles ldquonatildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisasrdquo (44b 20minus21) Para justificar essa recomendaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta duas razotildees (i) ldquode modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanhamrdquo (44b 22minus23) (ii) ldquonatildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outrordquo (44b 23minus24) Na primeira razatildeo Aristoacuteteles parece reconsiderar as listas de termos estipuladas no trecho 44a 11minus17 pressupondo ao que tudo indica que os transcategoriais de generalidade total soacute podem figurar em listas de termos que acompanham os extremos Isso se justificaria pela natureza inapta de tais termos para o papel de sujeito em proposiccedilotildees silogiacutesticas conforme se constata no capiacutetulo I 27 Assim na medida em que nas provas afirmativas a busca pelo mediador natildeo envolve

46 Na verdade como o escopo do capiacutetulo 28 natildeo abarca todo e qualquer silogismo seria mais correto dizer que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos (nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas) assumindo um termo de generalidade total na funccedilatildeo de mediador

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

37

apenas a lista de termos que acompanham um dos extremos mas tambeacutem a lista de termos aos quais um dos extremos acompanha (ver 43b 39minus44a 2) os transcategoriais de generalidade total perdem a candidatura agrave funccedilatildeo de mediador e jaacute de saiacuteda nem sequer precisam ser considerados47 Na segunda razatildeo por sua vez Aristoacuteteles leva em conta o fato de que as provas negativas dependem de um mediador capaz de figurar em proposiccedilotildees universais negativas verdadeiras exigecircncia que natildeo estaacute no alcance dos termos de generalidade total Afinal se estamos diante de um transcategorial desse tipo de antematildeo jaacute assumimos a inexistecircncia de um termo do qual ele natildeo seja predicado Assim os termos de generalidade total ficam impedidos de serem atribuiacutedos a um extremo e natildeo atribuiacutedos ao outro (44b 24) como deve ser o mediador de um silogismo negativo

O que eacute verdade portanto eacute que Aristoacuteteles dispensa os termos de generalidade total da funccedilatildeo de mediador De fato quando se pretende construir silogismos nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas tal como ocorre no capiacutetulo 28 a busca do mediador entre transcategoriais de generalidade total eacute sempre infrutiacutefera porque soacute poderaacute devolver como resposta pretensos fatores de mediaccedilatildeo marcados por duas deficiecircncias principais a

47 Supomos que em tais passagens Aristoacuteteles de fato tem em mente as recomendaccedilotildees de prova apresentadas no iniacutecio do capiacutetulo 28 de modo que apenas os silogismos em Barbara e Darapti sejam considerados como silogismos afirmativos (cf 43b 39minus44a 2) Assim entendemos que o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 se justificaria porque os termos de generalidade total na prova de a natildeo podem integrar a lista de termos aos quais o extremo maior acompanha bem como na prova de i a lista de termos aos quais ambos os extremos acompanham No entanto ainda que os demais silogismos afirmativos sejam levados em conta o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 continua verdadeiro jaacute que Darii Disamis e Datisi tambeacutem exigem que o mediador esteja entre os termos aos quais o(s) extremo(s) acompanha(m)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

38

impossibilidade de desempenhar a funccedilatildeo de sujeito de modo legiacutetimo e a incapacidade de compor proposiccedilotildees negativas verdadeiras

Nenhuma das passagens mencionadas acima (43b 36minus38 e 44b 19minus24) eacute citada ndash nem por Lukasiewicz nem por Patzig ndash como evidecircncia de que Aristoacuteteles teria rejeitado os termos de generalidade total em seu sistema loacutegico Poreacutem diante da escassez de evidecircncias em favor da suposta exclusatildeo de tais termos natildeo eacute insensato presumir que os proponentes dessa exclusatildeo tenham encontrado inspiraccedilatildeo nelas

Na proacutexima seccedilatildeo examinaremos textos nos quais Aristoacuteteles constroacutei silogismos com termos de natureza singular Veremos que o incocircmodo com a presenccedila de tais termos na silogiacutestica eacute menos de Aristoacuteteles e mais de seus inteacuterpretes 3 Termos Singulares e o Silogismo Peripateacutetico

Jaacute comentamos o fato de Lukasiewicz ter feito pesadas criacuteticas agrave silogiacutestica em especial ao suposto fato de Aristoacuteteles ter afastado os termos de natureza singular de seu sistema loacutegico o que seria segundo Lukasiewicz ldquoo maior defeitordquo da loacutegica aristoteacutelica48 Ao que parece o responsaacutevel por levaacute-lo por esse caminho foi Ross que tomou nota do tambeacutem suposto fato de Aristoacuteteles nunca se valer de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos49 Lukasiewicz reiterou a constataccedilatildeo de Ross (embora natildeo o cite) e nela encontrou razatildeo para natildeo reconhecer como rigorosamente aristoteacutelico o silogismo que qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo silogismo formulado em primeira figura com um nome proacuteprio como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo

De acordo com a triparticcedilatildeo de termos que pudemos conhecer no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I (Seccedilatildeo II Parte 1) natildeo temos qualquer razatildeo para expulsar da silogiacutestica os termos de natureza singular Eacute

48 Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect3 p 6) 49 Ross (1949 p 289 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

39

claro que Aristoacuteteles natildeo deixa de lhes endereccedilar certas restriccedilotildees poreacutem vale a pena repetir nenhuma das restriccedilotildees introduzidas por Aristoacuteteles no referido capiacutetulo tem forccedila suficiente para expulsar os termos singulares da loacutegica aristoteacutelica De fato embora tais termos natildeo possam figurar em proposiccedilotildees como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nada impede que outros termos lhes sejam atribuiacutedos por conseguinte embora natildeo possam ser demonstrados como legiacutetimos predicados de outros termos nada impede que outros termos sejam demonstrados como predicados deles50

Fora dos Analiacuteticos jaacute esbarramos em indiacutecios que vatildeo nessa direccedilatildeo No capiacutetulo 10 de Metafiacutesica XIII (My) por exemplo haacute uma breve passagem que sugere esse resultado Enquanto argumenta em favor da tese de que ldquoo conhecimento eacute de universaisrdquo (ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου) Aristoacuteteles parece supor que os termos singulares ldquoeste triacircngulordquo e ldquoeste homemrdquo tambeacutem satildeo suscetiacuteveis de operaccedilotildees silogiacutesticas

[] ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου δῆλον δrsquo ἐκ τῶν ἀποδείξεων καὶ τῶν ὁρισμῶν οὐ γὰρ γίγνεται συλλογισμὸς ὅτι τόδε τὸ τρίγωνον δύο ὀρθαῖς εἰ μὴ πᾶν τρίγωνον δύο ὀρθαί οὐδrsquo ὅτι ὁδὶ ὁ ἄνθρωπος ζῷον εἰ μὴ πᾶς ἄνθρωπος ζῷον [] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos a natildeo ser que todo triacircngulo possua dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal a natildeo ser que todo homem seja animal (1086b 34minus37)

Poreacutem essa passagem natildeo eacute tatildeo simples quanto pode parecer agrave primeira vista51 Paul Shorey por exemplo reprovaria jaacute a traduccedilatildeo que

50 An Pr I 27 43a 25minus29 e 39minus40 Ao comentar o capiacutetulo 27 Mignucci (1969 p 443) tambeacutem reconhece a possibilidade ldquodi costruire dimostrazioni e sillogismi anche relativamente a singolarirdquo citando Alexandre que tambeacutem jaacute a observa em seus comentaacuterios (An Pr p 293 13minus23) 51 Shorey (1913)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

40

propomos porque ela faz crer que Aristoacuteteles estabelece uma relaccedilatildeo de dependecircncia dedutiva (silogiacutestica) entre proposiccedilotildees dependecircncia que de fato existe mas da qual para Shorey a passagem em questatildeo natildeo trataria De acordo com Shorey as ocorrecircncias de εἰ μὴ nas linhas 33 e 36 natildeo significam ldquo[] lsquounlessrsquo but is to be taken in its idiomatic sense as a virtual equivalent of ἀλλάrdquo Nesse caso uma traduccedilatildeo mais fiel agrave posiccedilatildeo de Shorey seria a seguinte

[] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos mas de que todo triacircngulo tem dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal mas de que todo homem eacute animal (1086b 34minus37)

Assim o texto estabeleceria natildeo que as proposiccedilotildees singulares no papel de conclusotildees silogiacutesticas satildeo (dedutivamente) dependentes das proposiccedilotildees universais mas que as conclusotildees propriamente silogiacutesticas satildeo universais (universalmente quantificadas) e natildeo singulares

Ross52 ao tratar dessa passagem natildeo deixa de comentar a posiccedilatildeo de Shorey

He [Shorey] argues that in l 33 knowledge is said to be lsquoofrsquo universals ie to have universal conclusions as well as universal premises [hellip] and that singular propositions never occur as conclusions in Aristotlersquos logical writings

Na verdade Shorey53 natildeo chega a dizer que proposiccedilotildees singulares nunca ocorrem como conclusotildees silogiacutesticas nos escritos loacutegicos de Aristoacuteteles embora passe perto disso

The syllogism with a particular54 conclusion is an inferior type (Analyt Post 79a 25ff) [hellip] Aristotle does not recognize singular proposition in his classification (Analyt Priora A1 Grote Aristotle I 205) and the

52 Ross (1953 p 464) 53 Shorey (1913 p 91) 54 Nesse contexto Shorey assume ldquoparticularrdquo e ldquosingularrdquo como equivalentes

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

41

conclusion to an individual case interests him very little and is practically ignored

Shorey tem alguma razatildeo em alegar que os silogismos que concluem proposiccedilotildees singulares (tambeacutem conhecidos como ldquoperipateacuteticosrdquo) satildeo de um tipo inferior especialmente quando se leva em conta o horizonte das demonstraccedilotildees cientiacuteficas55 mas erra quando recorre ao trecho 79a 25ss para dar base textual a tal alegaccedilatildeo ndash o referido trecho nem mesmo trata desse assunto Por sua vez e contra Shorey Ross56 surpreende ao alegar o seguinte

There are however occasional references in Aristotle to the occurrence of singular propositions as the minor premise or conclusion of syllogisms (eg An Pr 43a 37minus40) []

55 Para Aristoacuteteles o silogismo dito cientiacutefico no mais alto grau eacute a chamada demonstraccedilatildeo universal Eacute importante notar que aqui o adjetivo ldquouniversalrdquo tem um sentido muito preciso e natildeo se justifica pela mera ocorrecircncia de uma conclusatildeo universalmente quantificada Em Segundos Analiacuteticos I 4 73b 32minus74a 3 por exemplo Aristoacuteteles argumenta que a demonstraccedilatildeo universal natildeo conclui que todo isoacutesceles tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos mas que todo triacircngulo tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos revelando um requisito que envolve o ajuste preciso do extremo menor a partir de condiccedilotildees estabelecidas pelo extremo maior (cf Seg An I 5 74a 4minus6 13minus17 25minus32 74b 21minus26 I 24 85b 4minus15) Para Aristoacuteteles o predicado ldquoter a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retosrdquo ndash daqui para frente apenas ldquo2Rrdquo ndash se atribui a ldquoisoacutescelesrdquo de um modo que em algum sentido eacute parasitaacuterio da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo dado que isoacutesceles tem 2R na exata medida em que eacute triacircngulo Em outras palavras a atribuiccedilatildeo de ldquo2Rrdquo a ldquoisoacutescelesrdquo eacute entendida como indireta e dependente da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo Nesse contexto eacute natural presumir que um silogismo peripateacutetico seja concebido como inferior em relaccedilatildeo aos demais minus especialmente no que diz respeito ao grau de cientificidade minus jaacute que sua conclusatildeo natildeo poderaacute satisfazer as exigecircncias de uma legiacutetima conclusatildeo cientiacutefica tal como ocorre em uma demonstraccedilatildeo universal Jaacute quanto agraves propriedades dedutivas envolvidas em tal silogismo natildeo haacute razatildeo para consideraacute-lo inferior Para apreciaccedilatildeo detalhada da noccedilatildeo de demonstraccedilatildeo universal ver Angioni (2007) 56 Ross (1953 p 464)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

42

Ross supotildee que o argumento de Shorey pretende estabelecer a exclusatildeo dos termos singulares do domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica e aponta a passagem 43a 37minus40 como evidecircncia textual incompatiacutevel com essa exclusatildeo Temos aqui uma mudanccedila de opiniatildeo De fato conforme pudemos ver na primeira seccedilatildeo deste artigo ao tratar do trecho 43a 37minus43 na ediccedilatildeo comentada do texto grego de Primeiros e Segundos Analiacuteticos Ross chega a dizer que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares em seus exemplos de silogismos e argumenta em favor de uma silogiacutestica restrita a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ)57 Agora ao comentar a passagem 1086a 34minus37 de Metafiacutesica XIII (My) 10 Ross reconhece no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I uma evidecircncia em favor da inclusatildeo dos termos singulares na silogiacutestica Aparentemente o proacuteprio Ross natildeo tinha muita convicccedilatildeo a respeito da inclusatildeo ou exclusatildeo dos termos de natureza singular

De nossa parte admitimos que a passagem 1086a 34minus37 eacute digna da controveacutersia introduzida por Shorey ndash embora tenhamos mais apreccedilo pela interpretaccedilatildeo de Ross No entanto mesmo que Shorey tenha razatildeo a respeito do referido trecho de Metafiacutesica XIII (My) 10 a presenccedila de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares na silogiacutestica natildeo estaraacute ameaccedilada porque ainda podemos nos valer de passagens muito mais promissoras para decidir essa questatildeo passagens nas quais o proacuteprio Aristoacuteteles elabora cocircmputos silogiacutesticos com termos singulares como se a presenccedila deles na silogiacutestica natildeo lhe figurasse como uma anomalia

Patzig tinha conhecimento dessas passagens e fez questatildeo de citaacute-las no primeiro capiacutetulo de seu livro corrigindo o suposto fato alegado por Ross e Lukasiewicz de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos exemplos de silogismos que aparecem em Primeiros Analiacuteticos No entanto Patzig natildeo recorre a tais passagens a fim de reintroduzir os termos singulares na silogiacutestica mas procura

57 Idem 1949 p 384

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

43

desqualificaacute-las e assim reiterar os resultados de seus antecessores De fato embora reconheccedila as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 do Livro I bem como de ldquoPitacosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II Patzig manteacutem a posiccedilatildeo tradicional que afasta os termos de natureza singular da loacutegica aristoteacutelica alegando apenas que a ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo (70a 16minus20) se daacute em um silogismo invaacutelido ao passo que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo (47b 15ss) aparecem em premissas das quais nada se segue58

Eacute bem verdade que as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 de Primeiros Analiacuteticos I estatildeo associadas a pares de premissas dos quais nenhuma conclusatildeo se segue coisa que o proacuteprio Aristoacuteteles natildeo hesita em admitir No entanto embora sejam inconcludentes esses pares de premissas acomodam seus termos em disposiccedilotildees muito similares agravequelas de um silogismo vaacutelido (Barbara)59 o que lhes confere as feiccedilotildees de que satildeo concludentes quando na verdade natildeo o satildeo De acordo com Aristoacuteteles o que os impede de serem concludentes eacute o fato de que a premissa maior natildeo eacute universal60 Em 47b 26minus28 essa justificativa eacute apresentada por meio de um pronunciamento que merece alguma atenccedilatildeo Aristoacuteteles anuncia o fato de a premissa maior natildeo ser universal como quem supotildee que fosse ela universal o problema estaria resolvido e assim o par de premissas seria concludente61 Ora na medida em que Aristoacuteteles atribui o caraacuteter inconcludente dos pares de premissas precisamente agraves premissas maiores (e natildeo agraves premissas menores nas quais ocorrem os termos singulares) presume-se que esses termos natildeo introduzem qualquer caracteriacutestica censuraacutevel nos silogismos ali formulados Assim o fato de que natildeo estamos diante de pares de premissas concludentes por si soacute natildeo eacute

58 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 59 An Pr I 33 47b 21minus37 60 Idem 47b 26minus29 34minus37 e 38minus39 61 O uso contrafactual de ἔδει na linha 27 sugere essa leitura

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

44

suficiente para recusar ao capiacutetulo 33 o papel de evidecircncia em favor de tais termos na silogiacutestica62

Quanto agrave ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo em Primeiros Analiacuteticos II 27 (70a 16minus20) Patzig tem alguma razatildeo em alegar que ela se daacute em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido No entanto eacute preciso ajustar essa alegaccedilatildeo porque Aristoacuteteles natildeo descreve o argumento em questatildeo propriamente como um silogismo mas como um sinal (σημεῖον) e ao que parece um sinal e um silogismo ndash um legiacutetimo silogismo e natildeo um mero entimema ndash estatildeo longe de ser a mesma coisa63 Aleacutem disso temos uma ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo no mesmo capiacutetulo que eacute bem mais relevante para a discussatildeo mas que foi completamente ignorada pelos comentadores

Em 70a 26minus28 Aristoacuteteles formula dois silogismos nos quais aparece o termo singular ldquoPitacosrdquo Um deles eacute descrito como refutaacutevel (λύσιμος)64 basicamente porque a conclusatildeo natildeo se segue das premissas65 Natildeo precisamos nos deter nele Por ora o silogismo que fora introduzido algumas linhas antes e que foi descrito por Aristoacuteteles como irrefutaacutevel (ἄλυτος)66 eacute muito mais interessante Esse silogismo tem exatamente a formulaccedilatildeo paradigmaacutetica que Lukasiewicz qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo e agrave qual negou lugar na loacutegica aristoteacutelica Vale a pena citar essa passagem para marcar bem a presenccedila desse tipo de silogismo na loacutegica de Aristoacuteteles

62 M Malink (2009 p 119) por exemplo contrariando Patzig aponta o capiacutetulo I 33 minus bem como II 27 do qual trataremos a seguir minus como evidecircncia em favor de termos singulares na silogiacutestica Ver tambeacutem Mignucci ldquoAristotlersquos Theory of Predicationrdquo p 10 ldquoParts Quantification and Aristotelian Predicationrdquo p 11 e Barnes ldquoTruth etcrdquo p 158-166 63 An Pr II 27 70a 24minus25 64 Ibidem 30minus31 e 34minus35 65 Ibidem 27minus28 e 30minus32 66 Ibidem 29

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

45

Ἐὰν μὲν οὖν ἡ μία λεχθῇ πρότασις σημεῖον γίνεται μόνον ἐὰν δὲ καὶ ἡ ἑτέρα προσληφθῇ συλλογισμός οἷον ὅτι Πιττακὸς ἐλευθέριος οἱ γὰρ φιλότιμοι ἐλευθέριοι Πιττακὸς δὲ φιλότιμος Assim se somente uma premissa for assumida haacute apenas um sinal ao passo que se a outra premissa tambeacutem for assumida entatildeo haacute um silogismo por exemplo lsquoPitacos eacute destemido pois os homens de brio satildeo destemidos e Pitacos eacute homem de briorsquo (70a 24minus27)67

A descriccedilatildeo eacute inusitada porque Aristoacuteteles comeccedila pela conclusatildeo Mas isso natildeo prejudica o resultado a que queremos chegar O nome proacuteprio ldquoPitacosrdquo eacute sem duacutevida o extremo menor que aparece como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo ldquodestemidordquo eacute o extremo maior predicado da premissa maior e da conclusatildeo por fim a funccedilatildeo de mediador fica por conta de ldquohomem de briordquo Em uma reconstituiccedilatildeo um pouco mais formalizada temos o seguinte silogismo todo homem de brio eacute destemido Pitacos eacute (um) homem de brio logo Pitacos eacute destemido

O leitor mais desconfiado talvez hesite em aceitar que a premissa maior ldquoos homens de brio satildeo destemidosrdquo possa ser formalizada com um quantificador universal mas haacute sinais claros de que eacute assim que devemos concebecirc-la Em primeiro lugar Aristoacuteteles reconhece a legitimidade desse silogismo e supotildee que a conclusatildeo decorre das premissas o que por si soacute jaacute pressupotildee a universalidade da premissa maior Caso contraacuterio a conclusatildeo natildeo se impotildee Em segundo lugar haacute um pequeno detalhe que causa surpresa nesse capiacutetulo e que merece atenccedilatildeo de nossa parte Aristoacuteteles justifica o caraacuteter irrefutaacutevel do mencionado silogismo alegando que se trata de um silogismo universal (καθόλου γὰρ ἐστιν cf 70a 30) Ora como se sabe Aristoacuteteles descreve como universais precisamente aqueles silogismos nos quais a conclusatildeo eacute universal quais sejam Barbara Celarent Cesare e Camestres Por isso ao caracterizar o ldquosilogismo peripateacuteticordquo como um silogismo universal

67 As traduccedilotildees de φιλότιμος e ἐλευθέριος certamente satildeo discutiacuteveis mas em nada afetam os nossos objetivos

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

46

Aristoacuteteles pode querer sinalizar que em algum sentido a conclusatildeo ldquoPitacos eacute destemidordquo deva ser compreendida como uma proposiccedilatildeo fundada em uma atribuiccedilatildeo universal68 como se o referido ldquosilogismo peripateacuteticordquo precisamente em razatildeo disso fosse digno do mesmo status concedido aos demais silogismos universais (Barbara Celarente Cesare e Camestres) Essa leitura sugere que a concepccedilatildeo aristoteacutelica de atribuiccedilatildeo universal talvez deva ser repensada jaacute que ela daacute sinais de se estender sobre casos para os quais natildeo cabe falar em quantificadores (universais) ndash eacute o que parece ocorrer no ldquosilogismo peripateacuteticordquo acima mencionado

O aprofundamento desse ponto no entanto eacute algo que ultrapassa o escopo da presente investigaccedilatildeo e seu exame deve ser deixado para outra ocasiatildeo A essa altura o objetivo principal desta seccedilatildeo jaacute nos parece ter sido alcanccedilado pois consiste apenas em mostrar o que os leitores menos versados nos Analiacuteticos jaacute perceberam haacute muito tempo a saber que o chamado ldquosilogismo peripateacuteticordquo natildeo soacute faz parte da loacutegica aristoteacutelica mas mais do que isso ainda pode desfrutar de um lugar privilegiado no interior da silogiacutestica entre os chamados ldquosilogismos universaisrdquo Diante desse quadro natildeo haacute duacutevida de que os termos de natureza singular tecircm lugar garantido na loacutegica de Aristoacuteteles69

68 Provavelmente foi inspirado em passagens como essa que J N Keynes (1906 p 102) sugeriu conceber as proposiccedilotildees singulares como uma subclasse de proposiccedilotildees universais Lukasiewicz tomou nota dessa possibilidade e a considerou totalmente equivocada Mas para isso ignorou completamente o trecho 70a 24minus30 69 Agradeccedilo ao professor Lucas Angioni (Unicamp) pela prontidatildeo na leitura de versotildees preacutevias deste artigo pelas indicaccedilotildees de passagens para reforccedilar o argumento e pelas alteraccedilotildees de texto sugeridas as quais certamente contribuiacuteram para melhorar o resultado final aqui apresentado Agradeccedilo tambeacutem aos professores Raphael Zillig (UFRGS) e Inara Zanuzzi (UFRGS) pela oportunidade de discutir alguns resultados provisoacuterios deste artigo no Seminaacuterio sobre Primeiros Analiacuteticos I 27 organizado pelo professor Raphael e realizado na UFRGS no ano de 2011 Por fim tambeacutem agradeccedilo aos

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

47

REFEREcircNCIAS

ANGIONI L ldquoO Conhecimento Cientiacutefico no Livro I dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesrdquo Revista de Filosofia Antiga (online) vol 1 n 1 2007 (httpwwwfilosofiaantigacomdocuments23html)

BARNES J (ed) Aristotle Prior Analytics (trans by A J Jenkinson in Barnes 1984 vol 1 p 39minus113)

mdashmdashmdashmdash Truth etc Six Lectures on Ancient Logic Oxford Clarendon Press 2007

BOCHENSKI J Ancient Formal Logic Amsterdam North-Holland Publishing 1951

CORCORAN J ldquoCompleteness of an Ancient Logicrdquo Journal of Symbolic Logic 37 696minus702 1972

KEYNES J N Studies and Exercises in Formal Logic (fourth edition rewritten and enlarged) New York The Macmillan Company 1906

LUKASIEWICZ J Aristotlersquos Syllogistic from the Standpoint of Modern Formal Logic Oxford Clarendon Press 1951

MALINK M ldquoA Non-Extensional Notion of Conversion in the Organonrdquo Oxford Studies in Ancient Philosophy Vol XXXVII p 106minus141 Oxford University Press 2009

MIGNUCCI M Aristotele Gli analitici primi ndash Traduzione introduzione e commento Naples Loffredo 1969

companheiros de pesquisa Francine Maria Ribeiro e Mateus Ricardo Fernandes Ferreira (UEMminusPR) pela leitura das primeiras versotildees desse texto e pelas proveitosas sugestotildees que me fizeram

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

48

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Theory of Predication in I Angelilli and M Cerezo (eds) Studies in the History of Logic 1minus20 Berlin 1996

mdashmdashmdashmdash Parts Quantification and Aristotelian Predication Monist 83 3minus21 2000

PATZIG G Aristotlersquos Theory of the Syllogism A Logico-Philosophical Study of Book A of the Prior Analytics Translated by Jonathan Barnes Dordrecht Reidel 1959

ROSS W D Aristotlersquos Prior and Posterior Analytics Oxford Clarendon Press 1949

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Metaphysics Oxford Clarendon Press 1953 (1924)

SHOREY P ldquoA Note on Aristotlersquos Metaphysics 1086b 32minus37rdquo Classical Philology Vol 8 n 1 pp 90minus92 1913

SMITH R Aristotle Prior Analytics Indianapolis Hackett Publishing Company 1989

STRIKER G Aristotle Prior Analytics Book I Oxford Clarendon Press 2009

Page 10: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

14

as seguintes ocorrecircncias de nomes proacuteprios no capiacutetulo 33 do Livro I ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II ldquoPitacosrdquo Mesmo diante dessas ocorrecircncias Patzig recusou a possibilidade de a silogiacutestica reservar lugar para termos singulares justificando tal posiccedilatildeo ao apontar que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo aparecem em premissas das quais nada se segue ao passo que ldquoPitacosrdquo ocorre em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido Em presenccedila desse quadro e a exemplo de Lukasiewicz Patzig considera que deve prevalecer o fato indubitaacutevel de Aristoacuteteles natildeo ter feito menccedilatildeo a proposiccedilotildees singulares no capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I o que fatalmente sugere a exclusatildeo dos termos singulares15 Assim Patzig eacute levado a endossar diversos resultados alcanccedilados por seus antecessores reiterando a restriccedilatildeo de fatores silogiacutesticos a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) e por conseguinte expulsando termos singulares transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) e summa genera do sistema loacutegico aristoteacutelico

No entanto sob a consideraccedilatildeo de Patzig essa restriccedilatildeo ganhou razotildees complementares Patzig natildeo apenas endossou os resultados sensivelmente sugeridos por Ross e consolidados por Lukasiewicz (resultados fundados no capiacutetulo 27 do Livro I dos Primeiros Analiacuteticos) mas tambeacutem lhes conferiu novos contornos oriundos de razotildees que julgou encontrar no capiacutetulo 28 do qual o capiacutetulo 27 seria discussatildeo preparatoacuteria

No capiacutetulo 28 Aristoacuteteles apresenta alguns procedimentos de prova para as formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Em linhas gerais esses procedimentos satildeo caracterizados pela tarefa de identificar um termo comum (que seraacute o mediador) em duas listas de termos Essas listas satildeo determinadas pela relaccedilatildeo que os seus membros possuem com os extremos (τά ἄκρα) que encerram a conclusatildeo pretendida

15 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

15

Ainda natildeo precisamos entrar em detalhes a respeito desses procedimentos Faremos isso na proacutexima seccedilatildeo em momento mais oportuno Por ora basta saber que a partir dos procedimentos recomendados por Aristoacuteteles como estrateacutegia de prova para cada uma das formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Patzig propotildee trecircs axiomas demarcadores de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica16

(1) todo termo silogiacutestico possui ao menos um termo subordinado proacuteprio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe um termo subordinado X tal que XaT eacute o caso ao passo que TaX natildeo (2) todo termo silogiacutestico possui ao menos um termo superordenado proacuteprio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe um termo superordenado Y tal que TaY eacute o caso ao passo que YaT natildeo (3) todo termo silogiacutestico possui um termo contraacuterio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe ao menos um termo contraacuterio Z tal que ZeT17

Ao formular os dois primeiros axiomas Patzig se vale de algumas noccedilotildees oriundas da teoria dos conjuntos as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias Em teoria dos conjuntos se Q eacute um termo subordinado proacuteprio de R (e natildeo apenas um termo subordinado) Q e R natildeo podem ser coextensivos ndash em outras palavras todo Q eacute R mas nem todo R eacute Q o mesmo ocorre com termos que frequumlentam uma mesma relaccedilatildeo de superordenaccedilatildeo proacutepria dado que toda relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo proacutepria pode ser reformulada como uma relaccedilatildeo de superordenaccedilatildeo proacutepria e vice-versa Patzig presume que essas relaccedilotildees traduzem pressupostos assumidos pelo proacuteprio Aristoacuteteles no capiacutetulo

16 Ibidem p 7 17 A notaccedilatildeo AxB adotada na exposiccedilatildeo dos axiomas descreve uma relaccedilatildeo categoacuterica x entre o termo-sujeito A e o termo-predicado B Assim AaB eacute a notaccedilatildeo para a relaccedilatildeo universal afirmativa (ldquotodo A eacute Brdquo) AeB para a relaccedilatildeo universal negativa (ldquonenhum A eacute Brdquo) AiB para a particular afirmativa (ldquoalgum A eacute Brdquo) e por fim AoB para a particular negativa (ldquoalgum A natildeo eacute Brdquo) Manteremos essa notaccedilatildeo ao longo de todo o texto

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

16

28 de Primeiros Analiacuteticos I Mais adiante veremos que essa conjetura eacute equivocada

Por ora eacute importante notar que essa distinccedilatildeo entre de um lado subordinaccedilatildeosuperordenaccedilatildeo proacutepria e de outro lado mera subordinaccedilatildeosuperordenaccedilatildeo faz alguma diferenccedila no que diz respeito agrave exclusatildeo da chamada classe universal Para excluiacute-la Patzig assume que a classe universal pertence ao domiacutenio de termos da silogiacutestica a articula com os axiomas (1) e (3) e obteacutem um resultado contraditoacuterio o terceiro axioma requer que todo termo silogiacutestico possua ao menos um termo que lhe seja contraacuterio ndash tratando-se da classe universal esse termo contraacuterio eacute a classe nula por sua vez o primeiro axioma requer que todo termo silogiacutestico possua ao menos um termo subordinado proacuteprio exigecircncia que a classe nula eacute incapaz de satisfazer ndash por definiccedilatildeo a classe nula natildeo possui termos subordinados proacuteprios Assim a impossibilidade da classe nula acarreta a impossibilidade da classe universal18

Patzig ainda aponta o trecho 998b 22ndash27 do capiacutetulo 3 de Metafiacutesica Beta como evidecircncia complementar de que Aristoacuteteles teria rejeitado a classe universal fazendo alusatildeo a um texto que embora trate de termos dessa natureza tem com a silogiacutestica uma relaccedilatildeo muito distante19

Por sua vez nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares como ldquoSoacutecratesrdquo e ldquoeste triacircngulordquo natildeo possuem termos subordinados proacuteprios e portanto natildeo satisfazem ao primeiro axioma Por fim gecircneros supremos como ldquosubstacircnciardquo ldquoqualidaderdquo ldquoquantidaderdquo etc natildeo podem contar com termos superordenados proacuteprios e por conseguinte ficam impossibilitados de satisfazer ao segundo axioma (impossibilidade que natildeo nos parece ter sido bem estabelecida20)

18 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 19 Ibidem 20 A exemplo de Ross (cf nota 3) Patzig ignora os transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo que a princiacutepio poderiam figurar como superordenados proacuteprios dos gecircneros supremos de modo que o axioma (2) fosse entatildeo satisfeito pelos gecircneros

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

17

Assim Patzig reitera as restriccedilotildees introduzidas por Ross e consolidadas por Lukasiewicz desenhando um quadro em que uma vez mais a silogiacutestica eacute pensada como um sistema loacutegico que opera exclusivamente sobre termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) sem atuaccedilatildeo sobre nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares gecircneros supremos (summa genera) e termos transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) Na proacutexima seccedilatildeo mostraremos que as leituras propostas por tais inteacuterpretes seguramente natildeo encontram respaldo nos textos de Aristoacuteteles II CRIacuteTICA AgraveS OPINIOtildeES TRADICIONAIS

1 Uma Releitura de Primeiros Analiacuteticos I 27 43a 25minus43

Certamente nem todo o legado de Ross Lukasiewicz e Patzig deve ser abandonado Parece razoavelmente acertada por exemplo a escolha do capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos como promissora resposta agrave questatildeo de saber quais tipos de termos podem figurar em silogismos rigorosamente aristoteacutelicos ndash muito embora nem todo tipo de silogismo reconhecido por Aristoacuteteles esteja no escopo desse capiacutetulo21 No primeiro capiacutetulo do Livro I de Primeiros Analiacuteticos em que seria natural esperar alguma descriccedilatildeo mais detalhada a respeito dos termos Aristoacuteteles eacute muito sucinto limitando-se a dizer o seguinte

Ὅρον δὲ καλῶ εἰς ὃν διαλύεται ἡ πρότασις οἷον τό τε κατηγορούμενον καὶ τὸ καθrsquo οὗ κατηγορεῖται προστιθεμένου τοῦ εἶναι ἢ μὴ εἶναι

supremos Para excluir tais termos Patzig se pronuncia de modo muito breve e pouco esclarecedor ldquocategories (on Aristotlersquos definition) do not satisfy axiom (2)rdquo Aleacutem disso as ocorrecircncias de ldquosubstacircnciardquo e ldquounidaderdquo em Pr An I 5 27a 19minus20 e 27b 6minus8 tambeacutem satildeo ignoradas talvez em decorrecircncia de estarem associadas a pares de premissas inconcludentes 21 Ver por exemplo os silogismos formulados em Pr An II 15

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

18

Chamo lsquotermorsquo aquilo no que a proposiccedilatildeo se dissolve ou seja o item que se predica e o de que se predica acrescentando lsquoeacutersquo ou lsquonatildeo eacutersquo (24b 16minus18)

Esse pronunciamento eacute muito vago e em decorrecircncia pouco revelador Por isso em relaccedilatildeo agrave presente investigaccedilatildeo tal capiacutetulo quase natildeo oferece material que possa ser aproveitado Eacute claro que natildeo eacute bem essa a opiniatildeo de nossos interlocutores Ross Lukasiewicz e Patzig conceberam o mero fato de Aristoacuteteles natildeo ter feito menccedilatildeo a termos singulares no capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I como forte evidecircncia de que tais termos natildeo teriam lugar na silogiacutestica22

Essa atitude nos parece incorreta O fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a termos singulares revela apenas que o capiacutetulo natildeo tem aptidatildeo para contribuir com a investigaccedilatildeo Poder-se-ia alegar talvez que a exposiccedilatildeo das proposiccedilotildees silogiacutesticas no trecho 24a 16minus22 eacute exaustiva de modo que a exclusatildeo dos termos singulares fosse assegurada pelo simples fato de natildeo haver alusatildeo expliacutecita agraves proposiccedilotildees que lhes satildeo correlatas Poreacutem o referido trecho cai em certo descreacutedito por envolver certas imprecisotildees das quais o silecircncio sobre as proposiccedilotildees singulares seria apenas mais uma A diferenccedila entre proposiccedilotildees particulares e indefinidas por exemplo eacute bem precaacuteria Com efeito a proposiccedilatildeo particular ldquoalgum prazer natildeo eacute bemrdquo natildeo eacute mais informativa que a proposiccedilatildeo indefinida ldquoprazer natildeo eacute bemrdquo Tanto em um caso quanto em outro a relaccedilatildeo que os termos possuem entre si eacute igualmente indeterminada ou seja natildeo sabemos se (i) todo prazer natildeo eacute bem ou se (ii) algum prazer natildeo eacute bem e algum prazer eacute bem23

22 Ross (1949 p 384) Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect1 p 1 sect2 p 4) Patzig (1959 chapter 1 sect3 p 5) 23 Entre os comentadores Ross (1949 p 314) parece assumir que no trecho 29a 27minus29 Aristoacuteteles teria feito uma declaraccedilatildeo expliacutecita de que tais proposiccedilotildees seriam de fato equivalentes Bochenski (1951 p 43) por sua vez reconhece a referida passagem como evidecircncia incontestaacutevel de que Aristoacuteteles concebia tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis o que torna a distinccedilatildeo

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

19

Imprecisotildees como essa revelam o caraacuteter provisoacuterio do trecho 24a 16minus22 Por isso essa passagem natildeo pode ser considerada como resposta definitiva ao problema de saber se a silogiacutestica reserva lugar para termos singulares sobretudo se a razatildeo alegada para assim consideraacute-la for o mero fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a proposiccedilotildees singulares Em certa medida os comentadores perceberam que natildeo poderiam recorrer apenas ao primeiro capiacutetulo de Primeiros Analiacuteticos I para decidir a questatildeo e estenderam a discussatildeo ao capiacutetulo 27 tomando uma decisatildeo bastante acertada porque eacute nesse capiacutetulo que Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes e os compreende claramente como fatores de atribuiccedilatildeo suscetiacuteveis de articulaccedilatildeo silogiacutestica O trecho 43a 25minus43 oferece trecircs tipos de termos e como bem observaram os proponentes das opiniotildees tradicionais impotildee certas restriccedilotildees ao uso de termos de natureza singular bem como ao uso de termos de alto grau de generalidade ndash quer sejam summa genera como prefere Ross ou transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como entende Lukasiewicz O que escapou a nossos interlocutores eacute que essas restriccedilotildees estatildeo longe de expulsar da silogiacutestica qualquer dos trecircs tipos de termos ali apresentados Por isso em defesa de nossa posiccedilatildeo propomos reexaminar o trecho 43a 25minus43 pois entendemos que o texto por si soacute natildeo deixa duacutevidas de que nenhum dos trecircs tipos de termos introduzidos na referida passagem tenha sido excluiacutedo da silogiacutestica

Assim examinemos o famoso texto que tem alimentado a discussatildeo sobre termos silogiacutesticos

[1] ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστι τοιαῦτα ὥστε κατὰ μηδενὸς ἄλλου κατηγορεῖσθαι ἀληθῶς καθόλου (οἷον Κλέων καὶ

proposta no primeiro capiacutetulo um tanto despropositada Lukasiewicz (1951 sect2 p 5) tambeacutem reconhece que Aristoacuteteles trata tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis mas natildeo admite que Aristoacuteteles tenha se pronunciado de modo expliacutecito a respeito dessa equivalecircncia preferindo delegar esse feito a Alexandre

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

20

Καλλίας καὶ τὸ καθrsquo ἕκαστον καὶ αἰσθητόν) κατὰ δὲ τούτων ἄλλα (καὶ γὰρ ἄνθρωπος καὶ ζῷον ἑκάτερος τούτων ἐστί) τὰ δrsquo αὐτὰ μὲν κατrsquo ἄλλων κατηγορεῖται κατὰ δὲ τούτων ἄλλα πρότερον οὐ κατηγορεῖται τὰ δὲ καὶ αὐτὰ ἄλλων καὶ αὐτῶν ἕτερα οἷον ἄνθρωπος Καλλίου καὶ ἀνθρώπου ζῷον ὅτι μὲν οὖν ἔνια τῶν ὄντων κατrsquo οὐδενὸς πέφυκε λέγεσθαι δῆλον τῶν γὰρ αἰσθητῶν σχεδὸν ἕκαστόν ἐστι τοιοῦτον ὥστε μὴ κατηγορεῖσθαι κατὰ μηδενὸς πλὴν ὡς κατὰ συμβεβηκός φαμὲν γάρ ποτε τὸ λευκὸν ἐκεῖνο Σωκράτην εἶναι καὶ τὸ προσιὸν Καλλίαν ὅτι δὲ καὶ ἐπὶ τὸ ἄνω πορευομένοις ἵσταταί ποτε πάλιν ἐροῦμεν νῦν δrsquo ἔστω τοῦτο κείμενον [2] κατὰ μέν οὖν τούτων οὐκ ἔστιν ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον ἕτερον πλὴν εἰ μὴ κατὰ δόξαν ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων οὐδὲ τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται (καὶ γὰρ αὐτὰ κατrsquo ἄλλων καὶ ἄλλα κατὰ τούτων λεχθήσεται) καὶ σχεδὸν οἱ λόγοι καὶ αἱ σκέψεις εἰσὶ μάλιστα περὶ τούτων [1] Entre todos os entes alguns satildeo tais que natildeo se afirmam de nenhum outro verdadeiramente como universais (por exemplo Cleon e Caacutelias ou seja o particular e o sensiacutevel) mas outros se afirmam deles de fato cada um desses eacute tanto homem quanto animal Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros mas nenhum outro anterior se afirma deles Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros e outros satildeo afirmados deles por exemplo homem que se afirma de Caacutelias e do qual animal se afirma Assim eacute evidente que certas coisas por natureza natildeo se dizem de nenhuma outra de fato em geral entre as coisas sensiacuteveis cada uma eacute tal que natildeo se afirma de nenhuma outra a natildeo ser por acidente com efeito agraves vezes dizemos que aquele branco eacute Soacutecrates e que aquele que se aproxima eacute Caacutelias (Ainda diremos por que tambeacutem para cima em algum momento a seacuterie se interrompe Mas por ora seja assumido isso) [2] Assim acerca dessas coisas natildeo eacute possiacutevel demonstrar outra sendo afirmada (a natildeo ser segundo opiniatildeo) mas eacute possiacutevel demonstrar elas proacuteprias sendo afirmadas de outras Tampouco eacute possiacutevel demonstrar as coisas particulares sendo afirmadas de outras mas eacute possiacutevel demonstrar outras sendo afirmadas delas Jaacute das coisas que ficam entre essas eacute evidente que eacute possiacutevel demonstrar afirmando de ambos os modos pois tanto elas seratildeo ditas de outras quanto outras seratildeo ditas delas Grosso modo os argumentos e as investigaccedilotildees satildeo sobretudo acerca dessas coisas (43a 25minus43)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

21

A mais natural divisatildeo que podemos impor agrave passagem acima exige duas seccedilotildees

[1] Na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes compreendidos como fatores de atribuiccedilatildeo e classificados segundo as funccedilotildees que cada classe de termos pode desempenhar em proposiccedilotildees destinadas a operaccedilotildees silogiacutesticas A passagem eacute inaugurada com um pronunciamento a respeito de todos os entes ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων Por isso ao que tudo indica essa divisatildeo tripartite eacute exaustiva e natildeo deixa de fora nenhuma classe de termos Os resultados provenientes dessa classificaccedilatildeo trazem certas restriccedilotildees agrave atuaccedilatildeo de alguns termos na silogiacutestica nas linhas 25minus29 Aristoacuteteles nega que os termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) possam desempenhar o papel de legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nas linhas 29minus30 rejeita a possibilidade de atribuir aos termos de alta generalidade um termo que lhes seja anterior (πρότερον) Conforme jaacute o dissemos essas restriccedilotildees passam longe da exclusatildeo de qualquer das classes de termos apresentadas no referido trecho do capiacutetulo 27 A principal evidecircncia disso aparece na imediata sequumlecircncia do texto em que Aristoacuteteles avalia os efeitos dessas restriccedilotildees sobre as demonstraccedilotildees Isso nos leva agrave segunda seccedilatildeo

[2] Na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) satildeo explicitadas as consequumlecircncias que as restriccedilotildees apresentadas na seccedilatildeo anterior (43a 25minus37) produziratildeo nas demonstraccedilotildees24 Nas linhas 37minus39 Aristoacuteteles se pronuncia a respeito dos termos de alta generalidade (summa genera

24 Eacute bem verdade que em relaccedilatildeo ao cenaacuterio que temos em Segundos Analiacuteticos I 2 a noccedilatildeo de apodeixis que aparece no capiacutetulo 27 ainda exige muitos aperfeiccediloamentos mas natildeo nos parece justo entendecirc-la meramente como prova silogiacutestica jaacute que ela envolve exigecircncias de ordem atributiva que restringem as provas denotadas pela noccedilatildeo de apodeixis assumida no capiacutetulo a um subgrupo da noccedilatildeo mais geral de silogismo As provas silogiacutesticas formuladas em Primeiros Analiacuteticos II 15 por exemplo ficam de fora do grupo de silogismos dos quais o capiacutetulo 27 pretende dar conta Assim sendo optamos por manter a traduccedilatildeo de apodeixis por ldquodemonstraccedilatildeordquo e natildeo por ldquoprovardquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

22

eou transcategoriais) a possibilidade de demonstrar qualquer outro termo a respeito deles eacute recusada25 mas a de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute afirmada textualmente Nas linhas 39minus40 o pronunciamento se faz a respeito dos termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) a possibilidade de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute recusada mas a de demonstrar outros termos a respeito deles tambeacutem eacute afirmada Nas linhas 40minus42 Aristoacuteteles trata dos termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) e natildeo lhes impotildee nenhuma restriccedilatildeo eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles26

Por fim nas linhas 42minus43 Aristoacuteteles encerra a passagem com um pronunciamento de caraacuteter geral e conclusivo pronunciamento que ao contraacuterio do que Ross sugeriu e mais tarde Lukasiewicz endossou natildeo nega absolutamente nada do que fora dito ateacute entatildeo

Eacute claro que o leitor ainda pode levar em conta que Aristoacuteteles soacute faz uso da expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 ao se pronunciar a respeito dos termos de alta generalidade e que por isso a pressuposiccedilatildeo de tal expressatildeo nos demais pronunciamentos seria artificiosa e desqualificaria a traduccedilatildeo e a leitura que propomos De fato essa expressatildeo causou incocircmodo a alguns tradutores de liacutengua inglesa influenciados provavelmente pelos legados de Ross e Lukasiewicz A J Jenkinson e Robin Smith por exemplo traduzem a

25 Na verdade Aristoacuteteles reconhece uma exceccedilatildeo aludindo agrave possibilidade de ldquodemonstrarrdquo segundo opiniatildeo (κατὰ δόξαν) mas essa exceccedilatildeo eacute uma alternativa a ser evitada 26 No manuscrito n temos δειχθήσεται ao inveacutes de λεχθήσεται na linha 42 As duas alternativas favorecem a nossa leitura Optamos pela manutenccedilatildeo de λεχθήσεται para natildeo perder a relaccedilatildeo explicativa que haacute entre os pronunciamentos das linhas 40minus41 de um lado e 30minus32 de outro De fato com λεχθήσεται a linha 42 apenas repete o que fora dito nas linhas 30minus32 Essa opccedilatildeo revela que as linhas 30minus32 explicam a linha 42 e sugere que a mesma relaccedilatildeo explicativa ocorra entre as linhas 25minus29 e 39minus40 bem como entre as linhas 29minus30 e 37minus39

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

23

expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 como ldquodemonstraterdquo e ldquodemonstrate to be predicatedrdquo respectivamente No entanto ambos evitam tal traduccedilatildeo nas linhas subsequumlentes nas quais a expressatildeo natildeo aparece de modo expliacutecito e substituem ldquodemonstraterdquo por ldquopredicaterdquo27

Haacute pelo menos uma boa razatildeo para rejeitar tais traduccedilotildees elas assumem que na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) precisamente no que diz respeito agraves consequumlecircncias que as restriccedilotildees introduzidas na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) tecircm sobre as demonstraccedilotildees Aristoacuteteles estaria interessado apenas nos termos de alta generalidade dado que recorre agrave expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον exclusivamente ao tratar deles Assim no que diz respeito agrave atuaccedilatildeo dos demais termos (τὰ καθrsquo ἕκαστα e τὰ μεταξὺ) nas demonstraccedilotildees Aristoacuteteles jaacute natildeo teria a pretensatildeo de avaliar as consequumlecircncias dessas restriccedilotildees limitando-se apenas a repetir o que fora dito na primeira seccedilatildeo Essa leitura impotildee ao texto uma interrupccedilatildeo natildeo muito natural em seu desenvolvimento e ainda o torna redundante sem apresentar uma razatildeo satisfatoacuteria que justifique essa leitura

27 Na linha 39 por exemplo A J Jenkinson (in Barnes 1984) traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquobut these may be predicated of other thingsrdquo Robin Smith vai na mesma direccedilatildeo e traduz como ldquobut they are predicated of othersrdquo embora reconheccedila em seu comentaacuterio ao trecho 43a 40ss na paacutegina 50 (comentaacuterio que na verdade trata da linha 39) que a frase pode ser traduzida como ldquoother things are demonstrated to be predicated of themrdquo nas linhas 39-40 Jenkinson traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNeither can individuals be predicated of other things although other things can be predicated of themrdquo Robin Smith natildeo destoa disso e traduz como ldquoNeither can individuals be predicated of other things but instead other things are predicated of themrdquo por fim nas linhas 40-41 Jenkinson traduz τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται como ldquoWhatever lies between these limits can be spoken of in both waysrdquo ao passo que Robin Smith traduz como ldquoBut it is clear that for those in between predication is possible in both waysrdquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

24

Na contramatildeo de A J Jenkinson e Robin Smith temos Mario Mignucci e Gisela Striker que traduzem a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον como ldquodimostrare che essi si predicanordquo e ldquodemonstrate to be said ofrdquo respectivamente e entendem as linhas 39minus41 como pronunciamentos nos quais embora natildeo apareccedila de modo expliacutecito a expressatildeo ainda estaacute em jogo28 Essas traduccedilotildees certamente satildeo as mais fieacuteis ao texto grego e corroboram a traduccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo que propomos justificando o abandono da leitura tradicional sugerida por Ross e cristalizada nos estudos de Lukasiewicz A essa altura jaacute podemos fazer um balanccedilo dos resultados que o capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos de fato nos impotildee O cenaacuterio que se desenha eacute o seguinte (i) termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) natildeo eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου)29 de outros termos por isso tampouco eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos no entanto eacute possiacutevel lhes atribuir outros termos como legiacutetimos

28 Na linha 39 por exemplo Mignucci traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquomentre egrave possibile dimostrare che essi si predicano di altrirdquo Striker por sua vez traduz como ldquobut [sc one can demonstrate] only that they themselves are predicated of other thingsrdquo na linha 40 ambos fazem questatildeo de recuperar a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον Mignucci traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNon egrave neanche possibile dimostrare che i singolari si predicano di altre cose ma soltanto che altre cose si predicano di essirdquo Striker segue a mesma linha e traduz como ldquonor can one demonstrate that individuals are said of other things but only that other things are said of themrdquo Na linha 41 por sua vez a expressatildeo eacute recuperada novamente e o trecho τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται eacute traduzido por Mignucci como ldquoEgrave chiaro invece che le cose intermedie egrave possibile dimostrarle nei due modirdquo ao passo que por Striker como ldquoBut clearly the intermediate things admit [sc to be demonstrated] of bothrdquo 29 Tais termos natildeo se predicam de nenhum outro a natildeo ser κατὰ συμβεβηκός (43a 33minus35)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

25

predicados por conseguinte tambeacutem eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 25minus29 e 39minus40) (ii) termos de alta generalidade (summa genera eou τὰ πᾶσιν ἑπόμενα)30 natildeo lhes eacute possiacutevel atribuir outros termos como legiacutetimos predicados ndash de fato natildeo haacute termo anterior (πρότερον) que lhes possa ser atribuiacutedo por isso tampouco eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles no entanto eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos logo tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos (conferir 43a 29minus30 e 37minus39) (iii) termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos bem como lhes atribuir outros termos como legiacutetimos predicados em razatildeo disso tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 30minus32 e 40minus42)

Assim o que prevalece eacute que Aristoacuteteles jamais afastou de sua loacutegica qualquer das trecircs classes de termos apresentadas em Primeiros Analiacuteticos I 27 muito embora tenha endereccedilado certas restriccedilotildees atributivas a algumas delas 2 Primeiros Analiacuteticos I 28 e os Axiomas de Patzig

Patzig parece entender que o capiacutetulo 27 natildeo eacute merecedor de toda a atenccedilatildeo que lhe foi concedida por Ross e Lukasiewicz O capiacutetulo 28 em sua opiniatildeo eacute bem mais promissor no que diz respeito agrave questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera31 enquanto o capiacutetulo 27

30 Como Aristoacuteteles natildeo oferece exemplos de termos desse tipo deixamos indeterminado se satildeo summa genera como propotildee Ross ou transcategoriais de generalidade total (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como prefere Lukasiewicz (cf nota 3) 31 Patzig (1959 sect3 p 6)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

26

serviria mais como discussatildeo preparatoacuteria para os assuntos tratados no capiacutetulo seguinte

De fato haacute forte unidade entre esses textos O objetivo predominante que os vincula e orienta eacute anunciado no iniacutecio do capiacutetulo 27 e consiste em mostrar ldquode que modo sempre estaremos providos de silogismos em relaccedilatildeo ao que for proposto e por qual via alcanccedilamos os princiacutepios de cada coisardquo32 O capiacutetulo 27 contribui com esse objetivo na medida em que faz recomendaccedilotildees sobre como selecionar termos e premissas e classifica os fatores silogiacutesticos segundo as funccedilotildees (sujeito e predicado) que podem desempenhar de modo irrestrito em proposiccedilotildees silogiacutesticas A contribuiccedilatildeo do capiacutetulo 28 por sua vez estaacute associada aos procedimentos de prova de cada uma das quatro formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Esses procedimentos satildeo caracterizados basicamente pela descriccedilatildeo dos paracircmetros de localizaccedilatildeo do fator capaz de mediar os extremos (τά ἄκρα) na relaccedilatildeo categoacuterica acarretada na conclusatildeo Trata-se portanto de procedimentos de busca e localizaccedilatildeo do termo mediador (τὸ μέσον)

Assim para provar por exemplo a relaccedilatildeo universal afirmativa EaA prescreve Aristoacuteteles devemos encontrar um fator comum a duas listas (i) aquela de termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e (ii) aquela de termos que se atribuem universalmente ao extremo menor E33 O resultado seraacute o mediador M tal que MaA e EaM o que perfaz um silogismo em Barbara Semelhantemente para provar a relaccedilatildeo particular afirmativa EiA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um elemento comum agraves listas de (i) termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente ou seja agraves listas de termos que cada um dos extremos E e A ldquoacompanhardquo (ἕπεσθαι ou ακολουθεῖν) Nesse caso o termo comum M seraacute tal que MaA e MaE o que nos

32 An Pr I 27 43a 20ndash21 33 An Pr I 28 43b 39ndash43

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

27

permite concluir EiA por Darapti (terceira figura)34 Por sua vez a prova da relaccedilatildeo universal negativa EeA tambeacutem se valeraacute da identificaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios a um extremo e de (ii) termos que se atribuem universalmente ao outro extremo se o mediador M comum agraves duas listas for contraacuterio ao extremo maior A e universalmente atribuiacutedo ao extremo menor E o mediador M seraacute tal que MeA e EaM ou AeM e EaM possibilitando a prova de EeA (respectivamente) por Celarent e por Cesare mas se o mediador M for contraacuterio ao extremo menor E e universalmente atribuiacutedo ao extremo maior A M seraacute tal que AaM e EeM restringindo a prova de EeA a Camestres35 Por fim para provar a relaccedilatildeo particular negativa EoA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios ao extremo maior A e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente Assim o mediador M seraacute tal que MeA e MaE o que prova EoA por Felapton36

Em todas as recomendaccedilotildees do capiacutetulo 28 Aristoacuteteles se orienta pelas conclusotildees almejadas propondo a partir delas procedimentos de busca e localizaccedilatildeo dos fatores capazes de acarretar cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas A estrateacutegia de Aristoacuteteles portanto natildeo consiste em partir de premissas e deduzir os resultados que delas se seguem mas fazendo o caminho inverso consiste em partir da conclusatildeo e buscar o termo mediador capaz de articular os extremos na relaccedilatildeo categoacuterica (a e i ou o) da conclusatildeo

Por natildeo captar a natureza invertida dessa estrateacutegia Patzig natildeo compreendeu plenamente o que Aristoacuteteles propusera e julgou que o capiacutetulo 28 muito mais que o capiacutetulo 27 impunha severas restriccedilotildees agrave lista de termos capazes de figurar em silogismos aristoteacutelicos Na verdade o capiacutetulo 28 nem sequer trata da questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera mas limita-se a descrever os paracircmetros de

34 Ibidem 43b 43ndash44a 2 35 An Pr I 44a 2ndash8 36 An Pr I 28 44a 9ndash11

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

28

localizaccedilatildeo do mediador de cada forma categoacuterica Eacute claro que ao descrever esses paracircmetros Aristoacuteteles acaba por assumir certos pressupostos que em uacuteltimo caso podem ter algum efeito sobre a lista de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica Ainda assim eacute preciso observar que as recomendaccedilotildees apresentadas no capiacutetulo 28 satildeo pensadas em relaccedilatildeo agrave prova de cada proposiccedilatildeo categoacuterica em particular Por isso os pressupostos envolvidos nessas recomendaccedilotildees bem como as eventuais restriccedilotildees de termos que lhes sejam correlatas deveratildeo ter aplicaccedilatildeo circunscrita a cada caso isto eacute aos procedimentos de prova de cada conclusatildeo em particular

Patzig parece natildeo ter dado a devida atenccedilatildeo a esse detalhe pois embora compreenda os seus axiomas como pressupostos impliacutecitos das recomendaccedilotildees de Aristoacuteteles ndash recomendaccedilotildees cuja aplicaccedilatildeo estaacute circunscrita a cada caso ndash Patzig os assume como vaacutelidos para termos de todo e qualquer silogismo37 No entanto eacute flagrante que certos silogismos natildeo dependem de alguns de seus axiomas Um arquetiacutepico silogismo em Barbara por exemplo funciona perfeitamente bem sem pressupor para qualquer de seus termos a validade do terceiro axioma isto eacute sem pressupor que exista para qualquer de seus termos (ou mesmo para qualquer de seus extremos para ser fiel ao capiacutetulo 28) um termo que lhe seja ldquocontraacuteriordquo

Ao que tudo indica o que levou Patzig a estender a validade de seus axiomas sobre todos os silogismos eacute o trecho 44a 12minus17 em que Aristoacuteteles estipula letras para as listas de termos com as quais pretende trabalhar na exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova38 Na referida passagem Aristoacuteteles considera basicamente trecircs tipos de termos que se distinguem pelo termo extremo que lhes eacute correlato bem como pela relaccedilatildeo predicativa que cada um manteacutem com esse extremo Para cada extremo Aristoacuteteles estipula (i) termos que lhe satildeo atribuiacutedos universalmente (ii) termos aos quais ele proacuteprio se atribui universalmente e (iii) termos que natildeo lhe

37 Patzig (1959) sect3 p 6ndash7 38 An Pr I 28 44a 12minus17

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

29

podem ser atribuiacutedos Os termos de primeiro tipo devem ter servido de estiacutemulo para a necessidade de termos superordenados proacuteprios que eacute marca do segundo axioma de Patzig os termos de segundo tipo por sua vez para a necessidade de termos subordinados proacuteprios marca do primeiro axioma os de terceiro por fim para a necessidade de termos ldquocontraacuteriosrdquo marca do terceiro axioma

Eacute bem verdade que os termos estipulados por Aristoacuteteles envolvem certa analogia com os axiomas propostos por Patzig Mas eacute preciso notar em primeiro lugar que nenhum dos procedimentos de prova descritos por Aristoacuteteles depende da estipulaccedilatildeo dos trecircs tipos de termos39 A recomendaccedilatildeo de prova da proposiccedilatildeo particular afirmativa por exemplo requer apenas (ii) termos aos quais os extremos se atribuem universalmente40 O fato de Aristoacuteteles jaacute estipular de antematildeo trecircs tipos de termos para cada extremo natildeo torna obrigatoacuterio que todo e qualquer extremo (e muito menos que todo e qualquer termo silogiacutestico como prefere Patzig) independentemente do silogismo a que pertenccedila dependa dos trecircs tipos de termos estipulados precisamente porque a estipulaccedilatildeo desses termos estaacute ancorada em um par de extremos que eacute muito peculiar Esse par de extremos eacute pensado com propoacutesitos didaacuteticos orientados agrave exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova de cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas (a e i e o) Trata-se de um par de extremos que em benefiacutecio da exposiccedilatildeo eacute assumido como articulaacutevel em qualquer das relaccedilotildees categoacutericas Poreacutem essa assunccedilatildeo soacute faz sentido no contexto preciso dessa exposiccedilatildeo de procedimentos de prova afinal algumas dessas relaccedilotildees categoacutericas satildeo incompatiacuteveis entre si ndash por exemplo as relaccedilotildees universal afirmativa e particular negativa Por isso devemos presumir que as estipulaccedilotildees de termos que lhes datildeo suporte tambeacutem o satildeo e portanto natildeo podem valer em conjunto e para todos os casos

39 Idem 44a 17minus30 40 Ibidem 44a 19minus21

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

30

Para esclarecer esse ponto retomemos rapidamente os procedimentos de prova das proposiccedilotildees universal afirmativa e particular negativa41 Assumindo um mesmo par de extremos como faz Aristoacuteteles estaremos diante de proposiccedilotildees contraditoacuterias (EaA e EoA) Dado que tais proposiccedilotildees satildeo incompatiacuteveis as condiccedilotildees das quais elas satildeo provenientes tambeacutem o seratildeo Dizendo de outro modo a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (i) termos aos quais o extremo maior se atribui universalmente e (ii) termos que se atribuem universalmente ao extremo menor eacute incompatiacutevel com a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (irsquo) termos aos quais o extremo maior natildeo pode ser atribuiacutedo e (iirsquo) termos aos quais o extremo menor se atribui universalmente Assim em presenccedila das condiccedilotildees de prova de uma das proposiccedilotildees incompatiacuteveis as condiccedilotildees da outra poderatildeo ser dispensadas jaacute que satildeo condiccedilotildees requeridas para uma prova cuja possibilidade jaacute natildeo existe E natildeo haacute razatildeo para manter os termos estipulados e dispensar apenas a possibilidade de um termo comum entre as listas pois ambos os pressupostos satildeo requisitados para servir um uacutenico e mesmo propoacutesito o de estabelecer condiccedilotildees para a prova da relaccedilatildeo categoacuterica que se pretende obter Natildeo haacute uma razatildeo que justifique a manutenccedilatildeo das listas de termos estipulados em detrimento da possibilidade de um termo comum entre as listas pois o propoacutesito que introduz uma exigecircncia tambeacutem introduz a outra Sob essa perspectiva fica claro que os termos estipulados no trecho 44a 12minus17 natildeo podem ser pressupostos indispensaacuteveis de quaisquer termos silogiacutesticos tampouco pressupostos que devem ser satisfeitos em conjunto por termos de todo e qualquer silogismo Afinal Aristoacuteteles estipula cada uma das listas supondo que seus termos seratildeo candidatos agrave funccedilatildeo de mediador (e natildeo agrave funccedilatildeo de termos silogiacutesticos) e o faz segundo as exigecircncias especiacuteficas envolvidas na prova de cada relaccedilatildeo categoacuterica em particular (a e i ou o) Compreender tais listas como pressupostos

41 An Pr I 28 43b 39minus43 e 44a 9minus11

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

31

que devem ser satisfeitos por todo e qualquer termo silogiacutestico eacute um equiacutevoco

Em segundo lugar o capiacutetulo 28 natildeo parece estar orientado propriamente agrave prova silogiacutestica das formas categoacutericas mas em algum sentido agrave demonstraccedilatildeo de tais relaccedilotildees Haacute indiacutecios que sugerem essa leitura O principal deles talvez seja o fato de Aristoacuteteles se mostrar interessado em localizar um meson que fica no meio do caminho entre um mediador que satisfaz requisitos meramente dedutivos e um mediador que supera tais requisitos e se configura como um fator explanatoacuterio em uma legiacutetima demonstraccedilatildeo cientiacutefica42 Retomemos por exemplo as recomendaccedilotildees de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) Em 43b 43ndash44a 2 Aristoacuteteles recomenda a prova de EiA por premissas universais conduzindo a prova a um silogismo em Darapti embora admita a possibilidade de concluir proposiccedilotildees particulares a partir de um par de premissas em que apenas uma eacute universal (41b 22minus27) Em 44a 9ndash11 a exemplo do que ocorre com a prova de EiA Aristoacuteteles recomenda a prova de EoA novamente por premissas universais desta vez conduzindo a prova a um silogismo em Felapton Essas duas recomendaccedilotildees de prova pressupotildeem que o meson requisitado para a prova natildeo eacute um mediador meramente dedutivo mas um mediador que se articula com os extremos exclusivamente por relaccedilotildees universais Eacute claro que esse cenaacuterio ainda estaacute muito distante daquele que temos por exemplo no capiacutetulo 2 do Livro II de Segundos

42 Em uma demonstraccedilatildeo cientiacutefica natildeo basta que o mediador se relacione com os extremos de tal modo que a deduccedilatildeo da conclusatildeo esteja formalmente assegurada Aristoacuteteles ainda exige que o mediador satisfaccedila certos requisitos natildeo formais O principal deles eacute o de explicar adequadamente por que o extremo maior se atribui ao extremo menor (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 por exemplo essa diferenccedila (entre um mediador que satisfaz exigecircncias meramente dedutivas e um mediador que funciona como explicaccedilatildeo do fato relatado na conclusatildeo) eacute utilizada como criteacuterio baacutesico para distinguir o conhecimento de que C eacute A (conhecimento do fato) e o conhecimento de por que C eacute A (conhecimento da causa)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

32

Analiacuteticos (90a 6minus7) em que o meson eacute pensado como a causa que explica por que a relaccedilatildeo dada entre os extremos explicitada na conclusatildeo da demonstraccedilatildeo eacute o caso Mesmo assim temos o suficiente para mostrar que Aristoacuteteles natildeo estaacute levando em conta todos os silogismos de seu sistema loacutegico mas apenas aqueles nos quais ambas as premissas satildeo universais Por que razatildeo exatamente Aristoacuteteles faz essa escolha eacute algo a se investigar O que nos importa eacute que essa escolha restringe o escopo do capiacutetulo a um grupo especiacutefico de silogismos o que natildeo eacute compatiacutevel com a validade irrestrita dos axiomas propostos por Patzig

Em terceiro lugar Aristoacuteteles natildeo lida com as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo proacutepria superordenaccedilatildeo proacutepria e contrariedade mas prefere (i) termos que acompanham o extremo (τὰ ἑπόμενα) (ii) termos aos quais o extremo acompanha (οἷς αὐτὸ ἕπεται) e (iii) termos que natildeo podem ser atribuiacutedos ao extremo (ἃ μὴ ἐνδέχεται αὐτῷ ὑπάρχειν) Essa diferenccedila natildeo eacute apenas terminoloacutegica mas conceitual As relaccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias pressupotildeem termos que natildeo satildeo coextensivos se X eacute um termo subordinado proacuteprio de Y XaY eacute o caso mas YaX natildeo se Z eacute um termo superordenado proacuteprio de Y YaZ eacute o caso mas ZaY natildeo O proacuteprio Patzig reconhece essas consequumlecircncias ao formular os seus dois primeiros axiomas43 Aristoacuteteles no entanto ao se valer das relaccedilotildees de ldquoacompanhamentordquo entre os termos natildeo hesita em rejeitaacute-las No capiacutetulo 29 por exemplo Aristoacuteteles menciona a possibilidade de provar por hipoacutetese (συλλογίσασθαι ἐξ ὑποθέσεως) os problemas universais (a e e) assumindo precisamente a possibilidade de coextensatildeo entre os termos envolvidos possibilidade da qual Patzig parece prescindir ao formular seus axiomas A passagem agrave qual nos referimos eacute a seguinte

εἰ γὰρ τὸ Γ καὶ τὸ Η ταὐτὰ εἴη μόνοις δὲ ληφθείη τοῖς Η τὸ Ε ὑπάρχειν παντὶ ἂν τῷ Ε τὸ Α ὑπάρχοι καὶ πάλιν εἰ τὸ Δ καὶ Η ταὐτὰ μόνων δὲ τῶν Η τὸ Ε κατηγοροῖτο ὅτι οὐδενὶ τῷ Ε τὸ Α ὑπάρξει

43 Patzig (1959 sect3 p 6ndash7)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

33

Com efeito se C e G fossem o mesmo mas se assumisse que E se atribui apenas aos Grsquos A se atribuiria a todo E Novamente se D e G fossem o mesmo mas E se afirmasse apenas dos Grsquos A se atribuiraacute a nenhum E (45b 24minus27)

Em 44a 12minus17 Aristoacuteteles jaacute havia estipulado que a letra C representaria um termo ao qual o extremo maior A acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente tambeacutem foi estipulado que a letra G representaria um termo ao qual o extremo menor E acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente por fim ainda ficou decidido que a letra D representaria um termo que natildeo pode ser atribuiacutedo ao extremo maior A Assim a identidade entre C e G a exemplo do que ocorre em 44a 19minus21 conduz a prova de EiA a um silogismo em Darapti ao passo que a identidade entre D e G a exemplo do que ocorre em 44a 28minus30 conduz a prova de EoA a um silogismo em Felapton44 No entanto nessa passagem embora os procedimentos de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) sejam acionados aquilo que se quer mostrar eacute de que modo podemos provar por hipoacutetese (ἐξ ὑποθέσεως) as proposiccedilotildees universais Para alcanccedilar esse resultado Aristoacuteteles assume que o extremo menor E se atribui apenas (μόνον) a G o que pode ser interpretado como uma maneira diferente de dizer que E e G satildeo termos coextensivos Sinal disso eacute o seguinte ao assumir que E se atribui apenas a G Aristoacuteteles se vecirc autorizado a concluir as proposiccedilotildees universais EaA e EeA o que soacute faz sentido sob o pressuposto de que G e E satildeo termos coextensivos De fato sob tal pressuposto a premissa menor GaE pode ser ldquoconvertidardquo em EaG o que transforma Darapti em Barbara bem como Felapton em Celarent Mas se os termos aos quais o extremo menor E acompanha forem pensados como termos subordinados proacuteprios de E GaE seraacute o caso mas EaG natildeo Por conseguinte tampouco as conclusotildees EaA e EeA se seguiriam Assim se quisermos conferir sentido agrave passagem temos que assumir que Aristoacuteteles recorreu agrave possibilidade de construir silogismos com termos

44 Darapti CaA GaE rarr EiA (C=G) Felapton DeA GaE rarr EoA (D=G)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

34

que satildeo coextensivos e se assim for podemos dizer que para Aristoacuteteles a presenccedila de silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos em sua loacutegica natildeo causava qualquer inconveniente45

Segundo nos parece as razotildees alegadas ateacute aqui jaacute satildeo suficientes para mostrar que os axiomas de Patzig natildeo podem servir como criteacuterios delimitadores de termos silogiacutesticos Ainda assim vale a pena examinar duas passagens que eventualmente poderiam ser invocadas contra a interpretaccedilatildeo que propomos Embora natildeo sejam citadas pelos proponentes das opiniotildees tradicionais natildeo eacute difiacutecil imaginar que elas tenham servido de inspiraccedilatildeo para aqueles que defendem a exclusatildeo dos termos transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo De fato agrave primeira vista tais passagens podem nos levar a pensar que Aristoacuteteles natildeo guardou lugar para tais termos na silogiacutestica No entanto como veremos isso soacute eacute verdade agrave primeira vista

45 O capiacutetulo 29 natildeo eacute a uacutenica evidecircncia de silogismos com termos coextensivos na silogiacutestica No capiacutetulo 5 do Livro II de Primeiros Analiacuteticos precisamente em 57b 35minus58a 12 Aristoacuteteles trabalha com silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos Por sua vez no capiacutetulo 22 em 67b 27minus32 Aristoacuteteles inicia o texto dizendo que a coextensatildeo entre os termos extremos de um silogismo requer um mediador tambeacutem coextensivo o que revela por parte de Aristoacuteteles plena consciecircncia a respeito da existecircncia de silogismos com triacuteades coextensivas Nos Segundos Analiacuteticos o interesse de Aristoacuteteles por demonstraccedilotildees que envolvem termos coextensivos pode ser classificado como uma obsessatildeo Basta notar que a proacutepria demonstraccedilatildeo universal ndash aquela que eacute considerada por Aristoacuteteles como cientiacutefica no mais alto grau ndash tem como uma de suas principais caracteriacutesticas a coextensatildeo entre os trecircs termos do silogismo (cf Seg An I 4 73b 32minus74a 3) o que revela o papel central das triacuteades coextensivas no projeto aristoteacutelico que eacute inaugurado com a silogiacutestica e culmina nas demonstraccedilotildees cientiacuteficas (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 e II 16 Aristoacuteteles novamente recorre a termos coextensivos na formulaccedilatildeo de silogismos A nossa preferecircncia pela passagem 45b 24minus27 do capiacutetulo 29 de Primeiros Analiacuteticos se daacute apenas com base em sua conexatildeo indiscutiacutevel com o capiacutetulo 28 no qual Patzig julga encontrar seus axiomas

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

35

Uma das passagens agraves quais nos referimos eacute aquela com a qual Aristoacuteteles encerra o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I Vejamos o que diz Aristoacuteteles

ἔτι τὰ πᾶσιν ἑπόμενα οὐκ ἐκλεκτέον οὐ γὰρ ἔσται συλλογισμὸς ἐξ αὐτων διrsquo ἣν δrsquo αἰτίαν ἐν τοῖς ἑπομένοις ἔσται δῆλον Aleacutem disso natildeo eacute preciso selecionar os itens que acompanham todas as coisas pois natildeo haacute silogismo a partir deles A razatildeo disso ficaraacute evidente a seguir (43b 36minus38)

Essa passagem trata dos termos transcategoriais de generalidade total (τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) e delega a justificativa de seu proacuteprio pronunciamento ao capiacutetulo seguinte no qual Patzig encontrou inspiraccedilatildeo para seus axiomas No capiacutetulo 28 cumprindo o prometido Aristoacuteteles retoma esse assunto e reitera a impossibilidade de construir silogismos a partir de termos de generalidade total

φανερὸν οὖν ὅτι διὰ τῶν προειρημένων σχημάτων οἱ συλλογισμοὶ πάντες καὶ ὅτι οὐκ ἐκλεκτέον ὅσα πᾶσιν ἕπεται διὰ τὸ μηδένα γίγνεσθαι συλλογισμὸν ἐξ αὐτῶν κατασκευάζειν μὲν γὰρ ὅλως οὐκ ἦν ἐκ τῶν ἑπομένων ἀποστερεῖν δrsquo οὐκ ἐνδέχεται διὰ τοῦ πᾶσιν ἑπομένου δεῖ γὰρ τῷ μὲν ὑπάρχειν τῷ δὲ μὴ ὑπάρχειν Eacute evidente entatildeo que todos os silogismos vecircm a ser atraveacutes das figuras previamente mencionadas e que natildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisas porque nenhum silogismo vem a ser a partir deles De fato de modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanham e natildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outro (44b 19minus24)

Fora de contexto e em uma leitura mais apressada essas duas passagens podem nos levar a crer que a opiniatildeo tradicional que afasta da silogiacutestica os termos de generalidade total (como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) de fato encontra respaldo nos textos de Aristoacuteteles No entanto mais uma vez eacute preciso levar em conta que o capiacutetulo 28 eacute marcado pela

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

36

descriccedilatildeo de estrateacutegias de localizaccedilatildeo de termos mediadores e natildeo de termos em geral Dizendo de outro modo Aristoacuteteles natildeo estaacute interessado em localizar os termos que deveratildeo encerrar a conclusatildeo de um silogismo pelo contraacuterio tais termos jaacute estatildeo plenamente determinados bem como a relaccedilatildeo proposicional (a e i e o) que haacute entre eles dado que a conclusatildeo na qual interagem funciona como ponto de partida da investigaccedilatildeo empreendida no capiacutetulo O que interessa para Aristoacuteteles eacute a localizaccedilatildeo de termos mediadores e eacute nesse horizonte que tais passagens devem ser lidas Assim ao negar a possibilidade de construir silogismos a partir de termos transcategoriais de generalidade total (ἐξ αὐτῶν) o que Aristoacuteteles quer dizer eacute que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos46 nos quais a funccedilatildeo de mediador seja desempenhada por um termo desse tipo razatildeo pela qual na busca pelo mediador recomenda Aristoacuteteles ldquonatildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisasrdquo (44b 20minus21) Para justificar essa recomendaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta duas razotildees (i) ldquode modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanhamrdquo (44b 22minus23) (ii) ldquonatildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outrordquo (44b 23minus24) Na primeira razatildeo Aristoacuteteles parece reconsiderar as listas de termos estipuladas no trecho 44a 11minus17 pressupondo ao que tudo indica que os transcategoriais de generalidade total soacute podem figurar em listas de termos que acompanham os extremos Isso se justificaria pela natureza inapta de tais termos para o papel de sujeito em proposiccedilotildees silogiacutesticas conforme se constata no capiacutetulo I 27 Assim na medida em que nas provas afirmativas a busca pelo mediador natildeo envolve

46 Na verdade como o escopo do capiacutetulo 28 natildeo abarca todo e qualquer silogismo seria mais correto dizer que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos (nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas) assumindo um termo de generalidade total na funccedilatildeo de mediador

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

37

apenas a lista de termos que acompanham um dos extremos mas tambeacutem a lista de termos aos quais um dos extremos acompanha (ver 43b 39minus44a 2) os transcategoriais de generalidade total perdem a candidatura agrave funccedilatildeo de mediador e jaacute de saiacuteda nem sequer precisam ser considerados47 Na segunda razatildeo por sua vez Aristoacuteteles leva em conta o fato de que as provas negativas dependem de um mediador capaz de figurar em proposiccedilotildees universais negativas verdadeiras exigecircncia que natildeo estaacute no alcance dos termos de generalidade total Afinal se estamos diante de um transcategorial desse tipo de antematildeo jaacute assumimos a inexistecircncia de um termo do qual ele natildeo seja predicado Assim os termos de generalidade total ficam impedidos de serem atribuiacutedos a um extremo e natildeo atribuiacutedos ao outro (44b 24) como deve ser o mediador de um silogismo negativo

O que eacute verdade portanto eacute que Aristoacuteteles dispensa os termos de generalidade total da funccedilatildeo de mediador De fato quando se pretende construir silogismos nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas tal como ocorre no capiacutetulo 28 a busca do mediador entre transcategoriais de generalidade total eacute sempre infrutiacutefera porque soacute poderaacute devolver como resposta pretensos fatores de mediaccedilatildeo marcados por duas deficiecircncias principais a

47 Supomos que em tais passagens Aristoacuteteles de fato tem em mente as recomendaccedilotildees de prova apresentadas no iniacutecio do capiacutetulo 28 de modo que apenas os silogismos em Barbara e Darapti sejam considerados como silogismos afirmativos (cf 43b 39minus44a 2) Assim entendemos que o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 se justificaria porque os termos de generalidade total na prova de a natildeo podem integrar a lista de termos aos quais o extremo maior acompanha bem como na prova de i a lista de termos aos quais ambos os extremos acompanham No entanto ainda que os demais silogismos afirmativos sejam levados em conta o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 continua verdadeiro jaacute que Darii Disamis e Datisi tambeacutem exigem que o mediador esteja entre os termos aos quais o(s) extremo(s) acompanha(m)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

38

impossibilidade de desempenhar a funccedilatildeo de sujeito de modo legiacutetimo e a incapacidade de compor proposiccedilotildees negativas verdadeiras

Nenhuma das passagens mencionadas acima (43b 36minus38 e 44b 19minus24) eacute citada ndash nem por Lukasiewicz nem por Patzig ndash como evidecircncia de que Aristoacuteteles teria rejeitado os termos de generalidade total em seu sistema loacutegico Poreacutem diante da escassez de evidecircncias em favor da suposta exclusatildeo de tais termos natildeo eacute insensato presumir que os proponentes dessa exclusatildeo tenham encontrado inspiraccedilatildeo nelas

Na proacutexima seccedilatildeo examinaremos textos nos quais Aristoacuteteles constroacutei silogismos com termos de natureza singular Veremos que o incocircmodo com a presenccedila de tais termos na silogiacutestica eacute menos de Aristoacuteteles e mais de seus inteacuterpretes 3 Termos Singulares e o Silogismo Peripateacutetico

Jaacute comentamos o fato de Lukasiewicz ter feito pesadas criacuteticas agrave silogiacutestica em especial ao suposto fato de Aristoacuteteles ter afastado os termos de natureza singular de seu sistema loacutegico o que seria segundo Lukasiewicz ldquoo maior defeitordquo da loacutegica aristoteacutelica48 Ao que parece o responsaacutevel por levaacute-lo por esse caminho foi Ross que tomou nota do tambeacutem suposto fato de Aristoacuteteles nunca se valer de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos49 Lukasiewicz reiterou a constataccedilatildeo de Ross (embora natildeo o cite) e nela encontrou razatildeo para natildeo reconhecer como rigorosamente aristoteacutelico o silogismo que qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo silogismo formulado em primeira figura com um nome proacuteprio como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo

De acordo com a triparticcedilatildeo de termos que pudemos conhecer no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I (Seccedilatildeo II Parte 1) natildeo temos qualquer razatildeo para expulsar da silogiacutestica os termos de natureza singular Eacute

48 Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect3 p 6) 49 Ross (1949 p 289 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

39

claro que Aristoacuteteles natildeo deixa de lhes endereccedilar certas restriccedilotildees poreacutem vale a pena repetir nenhuma das restriccedilotildees introduzidas por Aristoacuteteles no referido capiacutetulo tem forccedila suficiente para expulsar os termos singulares da loacutegica aristoteacutelica De fato embora tais termos natildeo possam figurar em proposiccedilotildees como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nada impede que outros termos lhes sejam atribuiacutedos por conseguinte embora natildeo possam ser demonstrados como legiacutetimos predicados de outros termos nada impede que outros termos sejam demonstrados como predicados deles50

Fora dos Analiacuteticos jaacute esbarramos em indiacutecios que vatildeo nessa direccedilatildeo No capiacutetulo 10 de Metafiacutesica XIII (My) por exemplo haacute uma breve passagem que sugere esse resultado Enquanto argumenta em favor da tese de que ldquoo conhecimento eacute de universaisrdquo (ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου) Aristoacuteteles parece supor que os termos singulares ldquoeste triacircngulordquo e ldquoeste homemrdquo tambeacutem satildeo suscetiacuteveis de operaccedilotildees silogiacutesticas

[] ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου δῆλον δrsquo ἐκ τῶν ἀποδείξεων καὶ τῶν ὁρισμῶν οὐ γὰρ γίγνεται συλλογισμὸς ὅτι τόδε τὸ τρίγωνον δύο ὀρθαῖς εἰ μὴ πᾶν τρίγωνον δύο ὀρθαί οὐδrsquo ὅτι ὁδὶ ὁ ἄνθρωπος ζῷον εἰ μὴ πᾶς ἄνθρωπος ζῷον [] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos a natildeo ser que todo triacircngulo possua dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal a natildeo ser que todo homem seja animal (1086b 34minus37)

Poreacutem essa passagem natildeo eacute tatildeo simples quanto pode parecer agrave primeira vista51 Paul Shorey por exemplo reprovaria jaacute a traduccedilatildeo que

50 An Pr I 27 43a 25minus29 e 39minus40 Ao comentar o capiacutetulo 27 Mignucci (1969 p 443) tambeacutem reconhece a possibilidade ldquodi costruire dimostrazioni e sillogismi anche relativamente a singolarirdquo citando Alexandre que tambeacutem jaacute a observa em seus comentaacuterios (An Pr p 293 13minus23) 51 Shorey (1913)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

40

propomos porque ela faz crer que Aristoacuteteles estabelece uma relaccedilatildeo de dependecircncia dedutiva (silogiacutestica) entre proposiccedilotildees dependecircncia que de fato existe mas da qual para Shorey a passagem em questatildeo natildeo trataria De acordo com Shorey as ocorrecircncias de εἰ μὴ nas linhas 33 e 36 natildeo significam ldquo[] lsquounlessrsquo but is to be taken in its idiomatic sense as a virtual equivalent of ἀλλάrdquo Nesse caso uma traduccedilatildeo mais fiel agrave posiccedilatildeo de Shorey seria a seguinte

[] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos mas de que todo triacircngulo tem dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal mas de que todo homem eacute animal (1086b 34minus37)

Assim o texto estabeleceria natildeo que as proposiccedilotildees singulares no papel de conclusotildees silogiacutesticas satildeo (dedutivamente) dependentes das proposiccedilotildees universais mas que as conclusotildees propriamente silogiacutesticas satildeo universais (universalmente quantificadas) e natildeo singulares

Ross52 ao tratar dessa passagem natildeo deixa de comentar a posiccedilatildeo de Shorey

He [Shorey] argues that in l 33 knowledge is said to be lsquoofrsquo universals ie to have universal conclusions as well as universal premises [hellip] and that singular propositions never occur as conclusions in Aristotlersquos logical writings

Na verdade Shorey53 natildeo chega a dizer que proposiccedilotildees singulares nunca ocorrem como conclusotildees silogiacutesticas nos escritos loacutegicos de Aristoacuteteles embora passe perto disso

The syllogism with a particular54 conclusion is an inferior type (Analyt Post 79a 25ff) [hellip] Aristotle does not recognize singular proposition in his classification (Analyt Priora A1 Grote Aristotle I 205) and the

52 Ross (1953 p 464) 53 Shorey (1913 p 91) 54 Nesse contexto Shorey assume ldquoparticularrdquo e ldquosingularrdquo como equivalentes

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

41

conclusion to an individual case interests him very little and is practically ignored

Shorey tem alguma razatildeo em alegar que os silogismos que concluem proposiccedilotildees singulares (tambeacutem conhecidos como ldquoperipateacuteticosrdquo) satildeo de um tipo inferior especialmente quando se leva em conta o horizonte das demonstraccedilotildees cientiacuteficas55 mas erra quando recorre ao trecho 79a 25ss para dar base textual a tal alegaccedilatildeo ndash o referido trecho nem mesmo trata desse assunto Por sua vez e contra Shorey Ross56 surpreende ao alegar o seguinte

There are however occasional references in Aristotle to the occurrence of singular propositions as the minor premise or conclusion of syllogisms (eg An Pr 43a 37minus40) []

55 Para Aristoacuteteles o silogismo dito cientiacutefico no mais alto grau eacute a chamada demonstraccedilatildeo universal Eacute importante notar que aqui o adjetivo ldquouniversalrdquo tem um sentido muito preciso e natildeo se justifica pela mera ocorrecircncia de uma conclusatildeo universalmente quantificada Em Segundos Analiacuteticos I 4 73b 32minus74a 3 por exemplo Aristoacuteteles argumenta que a demonstraccedilatildeo universal natildeo conclui que todo isoacutesceles tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos mas que todo triacircngulo tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos revelando um requisito que envolve o ajuste preciso do extremo menor a partir de condiccedilotildees estabelecidas pelo extremo maior (cf Seg An I 5 74a 4minus6 13minus17 25minus32 74b 21minus26 I 24 85b 4minus15) Para Aristoacuteteles o predicado ldquoter a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retosrdquo ndash daqui para frente apenas ldquo2Rrdquo ndash se atribui a ldquoisoacutescelesrdquo de um modo que em algum sentido eacute parasitaacuterio da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo dado que isoacutesceles tem 2R na exata medida em que eacute triacircngulo Em outras palavras a atribuiccedilatildeo de ldquo2Rrdquo a ldquoisoacutescelesrdquo eacute entendida como indireta e dependente da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo Nesse contexto eacute natural presumir que um silogismo peripateacutetico seja concebido como inferior em relaccedilatildeo aos demais minus especialmente no que diz respeito ao grau de cientificidade minus jaacute que sua conclusatildeo natildeo poderaacute satisfazer as exigecircncias de uma legiacutetima conclusatildeo cientiacutefica tal como ocorre em uma demonstraccedilatildeo universal Jaacute quanto agraves propriedades dedutivas envolvidas em tal silogismo natildeo haacute razatildeo para consideraacute-lo inferior Para apreciaccedilatildeo detalhada da noccedilatildeo de demonstraccedilatildeo universal ver Angioni (2007) 56 Ross (1953 p 464)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

42

Ross supotildee que o argumento de Shorey pretende estabelecer a exclusatildeo dos termos singulares do domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica e aponta a passagem 43a 37minus40 como evidecircncia textual incompatiacutevel com essa exclusatildeo Temos aqui uma mudanccedila de opiniatildeo De fato conforme pudemos ver na primeira seccedilatildeo deste artigo ao tratar do trecho 43a 37minus43 na ediccedilatildeo comentada do texto grego de Primeiros e Segundos Analiacuteticos Ross chega a dizer que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares em seus exemplos de silogismos e argumenta em favor de uma silogiacutestica restrita a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ)57 Agora ao comentar a passagem 1086a 34minus37 de Metafiacutesica XIII (My) 10 Ross reconhece no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I uma evidecircncia em favor da inclusatildeo dos termos singulares na silogiacutestica Aparentemente o proacuteprio Ross natildeo tinha muita convicccedilatildeo a respeito da inclusatildeo ou exclusatildeo dos termos de natureza singular

De nossa parte admitimos que a passagem 1086a 34minus37 eacute digna da controveacutersia introduzida por Shorey ndash embora tenhamos mais apreccedilo pela interpretaccedilatildeo de Ross No entanto mesmo que Shorey tenha razatildeo a respeito do referido trecho de Metafiacutesica XIII (My) 10 a presenccedila de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares na silogiacutestica natildeo estaraacute ameaccedilada porque ainda podemos nos valer de passagens muito mais promissoras para decidir essa questatildeo passagens nas quais o proacuteprio Aristoacuteteles elabora cocircmputos silogiacutesticos com termos singulares como se a presenccedila deles na silogiacutestica natildeo lhe figurasse como uma anomalia

Patzig tinha conhecimento dessas passagens e fez questatildeo de citaacute-las no primeiro capiacutetulo de seu livro corrigindo o suposto fato alegado por Ross e Lukasiewicz de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos exemplos de silogismos que aparecem em Primeiros Analiacuteticos No entanto Patzig natildeo recorre a tais passagens a fim de reintroduzir os termos singulares na silogiacutestica mas procura

57 Idem 1949 p 384

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

43

desqualificaacute-las e assim reiterar os resultados de seus antecessores De fato embora reconheccedila as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 do Livro I bem como de ldquoPitacosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II Patzig manteacutem a posiccedilatildeo tradicional que afasta os termos de natureza singular da loacutegica aristoteacutelica alegando apenas que a ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo (70a 16minus20) se daacute em um silogismo invaacutelido ao passo que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo (47b 15ss) aparecem em premissas das quais nada se segue58

Eacute bem verdade que as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 de Primeiros Analiacuteticos I estatildeo associadas a pares de premissas dos quais nenhuma conclusatildeo se segue coisa que o proacuteprio Aristoacuteteles natildeo hesita em admitir No entanto embora sejam inconcludentes esses pares de premissas acomodam seus termos em disposiccedilotildees muito similares agravequelas de um silogismo vaacutelido (Barbara)59 o que lhes confere as feiccedilotildees de que satildeo concludentes quando na verdade natildeo o satildeo De acordo com Aristoacuteteles o que os impede de serem concludentes eacute o fato de que a premissa maior natildeo eacute universal60 Em 47b 26minus28 essa justificativa eacute apresentada por meio de um pronunciamento que merece alguma atenccedilatildeo Aristoacuteteles anuncia o fato de a premissa maior natildeo ser universal como quem supotildee que fosse ela universal o problema estaria resolvido e assim o par de premissas seria concludente61 Ora na medida em que Aristoacuteteles atribui o caraacuteter inconcludente dos pares de premissas precisamente agraves premissas maiores (e natildeo agraves premissas menores nas quais ocorrem os termos singulares) presume-se que esses termos natildeo introduzem qualquer caracteriacutestica censuraacutevel nos silogismos ali formulados Assim o fato de que natildeo estamos diante de pares de premissas concludentes por si soacute natildeo eacute

58 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 59 An Pr I 33 47b 21minus37 60 Idem 47b 26minus29 34minus37 e 38minus39 61 O uso contrafactual de ἔδει na linha 27 sugere essa leitura

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

44

suficiente para recusar ao capiacutetulo 33 o papel de evidecircncia em favor de tais termos na silogiacutestica62

Quanto agrave ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo em Primeiros Analiacuteticos II 27 (70a 16minus20) Patzig tem alguma razatildeo em alegar que ela se daacute em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido No entanto eacute preciso ajustar essa alegaccedilatildeo porque Aristoacuteteles natildeo descreve o argumento em questatildeo propriamente como um silogismo mas como um sinal (σημεῖον) e ao que parece um sinal e um silogismo ndash um legiacutetimo silogismo e natildeo um mero entimema ndash estatildeo longe de ser a mesma coisa63 Aleacutem disso temos uma ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo no mesmo capiacutetulo que eacute bem mais relevante para a discussatildeo mas que foi completamente ignorada pelos comentadores

Em 70a 26minus28 Aristoacuteteles formula dois silogismos nos quais aparece o termo singular ldquoPitacosrdquo Um deles eacute descrito como refutaacutevel (λύσιμος)64 basicamente porque a conclusatildeo natildeo se segue das premissas65 Natildeo precisamos nos deter nele Por ora o silogismo que fora introduzido algumas linhas antes e que foi descrito por Aristoacuteteles como irrefutaacutevel (ἄλυτος)66 eacute muito mais interessante Esse silogismo tem exatamente a formulaccedilatildeo paradigmaacutetica que Lukasiewicz qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo e agrave qual negou lugar na loacutegica aristoteacutelica Vale a pena citar essa passagem para marcar bem a presenccedila desse tipo de silogismo na loacutegica de Aristoacuteteles

62 M Malink (2009 p 119) por exemplo contrariando Patzig aponta o capiacutetulo I 33 minus bem como II 27 do qual trataremos a seguir minus como evidecircncia em favor de termos singulares na silogiacutestica Ver tambeacutem Mignucci ldquoAristotlersquos Theory of Predicationrdquo p 10 ldquoParts Quantification and Aristotelian Predicationrdquo p 11 e Barnes ldquoTruth etcrdquo p 158-166 63 An Pr II 27 70a 24minus25 64 Ibidem 30minus31 e 34minus35 65 Ibidem 27minus28 e 30minus32 66 Ibidem 29

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

45

Ἐὰν μὲν οὖν ἡ μία λεχθῇ πρότασις σημεῖον γίνεται μόνον ἐὰν δὲ καὶ ἡ ἑτέρα προσληφθῇ συλλογισμός οἷον ὅτι Πιττακὸς ἐλευθέριος οἱ γὰρ φιλότιμοι ἐλευθέριοι Πιττακὸς δὲ φιλότιμος Assim se somente uma premissa for assumida haacute apenas um sinal ao passo que se a outra premissa tambeacutem for assumida entatildeo haacute um silogismo por exemplo lsquoPitacos eacute destemido pois os homens de brio satildeo destemidos e Pitacos eacute homem de briorsquo (70a 24minus27)67

A descriccedilatildeo eacute inusitada porque Aristoacuteteles comeccedila pela conclusatildeo Mas isso natildeo prejudica o resultado a que queremos chegar O nome proacuteprio ldquoPitacosrdquo eacute sem duacutevida o extremo menor que aparece como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo ldquodestemidordquo eacute o extremo maior predicado da premissa maior e da conclusatildeo por fim a funccedilatildeo de mediador fica por conta de ldquohomem de briordquo Em uma reconstituiccedilatildeo um pouco mais formalizada temos o seguinte silogismo todo homem de brio eacute destemido Pitacos eacute (um) homem de brio logo Pitacos eacute destemido

O leitor mais desconfiado talvez hesite em aceitar que a premissa maior ldquoos homens de brio satildeo destemidosrdquo possa ser formalizada com um quantificador universal mas haacute sinais claros de que eacute assim que devemos concebecirc-la Em primeiro lugar Aristoacuteteles reconhece a legitimidade desse silogismo e supotildee que a conclusatildeo decorre das premissas o que por si soacute jaacute pressupotildee a universalidade da premissa maior Caso contraacuterio a conclusatildeo natildeo se impotildee Em segundo lugar haacute um pequeno detalhe que causa surpresa nesse capiacutetulo e que merece atenccedilatildeo de nossa parte Aristoacuteteles justifica o caraacuteter irrefutaacutevel do mencionado silogismo alegando que se trata de um silogismo universal (καθόλου γὰρ ἐστιν cf 70a 30) Ora como se sabe Aristoacuteteles descreve como universais precisamente aqueles silogismos nos quais a conclusatildeo eacute universal quais sejam Barbara Celarent Cesare e Camestres Por isso ao caracterizar o ldquosilogismo peripateacuteticordquo como um silogismo universal

67 As traduccedilotildees de φιλότιμος e ἐλευθέριος certamente satildeo discutiacuteveis mas em nada afetam os nossos objetivos

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

46

Aristoacuteteles pode querer sinalizar que em algum sentido a conclusatildeo ldquoPitacos eacute destemidordquo deva ser compreendida como uma proposiccedilatildeo fundada em uma atribuiccedilatildeo universal68 como se o referido ldquosilogismo peripateacuteticordquo precisamente em razatildeo disso fosse digno do mesmo status concedido aos demais silogismos universais (Barbara Celarente Cesare e Camestres) Essa leitura sugere que a concepccedilatildeo aristoteacutelica de atribuiccedilatildeo universal talvez deva ser repensada jaacute que ela daacute sinais de se estender sobre casos para os quais natildeo cabe falar em quantificadores (universais) ndash eacute o que parece ocorrer no ldquosilogismo peripateacuteticordquo acima mencionado

O aprofundamento desse ponto no entanto eacute algo que ultrapassa o escopo da presente investigaccedilatildeo e seu exame deve ser deixado para outra ocasiatildeo A essa altura o objetivo principal desta seccedilatildeo jaacute nos parece ter sido alcanccedilado pois consiste apenas em mostrar o que os leitores menos versados nos Analiacuteticos jaacute perceberam haacute muito tempo a saber que o chamado ldquosilogismo peripateacuteticordquo natildeo soacute faz parte da loacutegica aristoteacutelica mas mais do que isso ainda pode desfrutar de um lugar privilegiado no interior da silogiacutestica entre os chamados ldquosilogismos universaisrdquo Diante desse quadro natildeo haacute duacutevida de que os termos de natureza singular tecircm lugar garantido na loacutegica de Aristoacuteteles69

68 Provavelmente foi inspirado em passagens como essa que J N Keynes (1906 p 102) sugeriu conceber as proposiccedilotildees singulares como uma subclasse de proposiccedilotildees universais Lukasiewicz tomou nota dessa possibilidade e a considerou totalmente equivocada Mas para isso ignorou completamente o trecho 70a 24minus30 69 Agradeccedilo ao professor Lucas Angioni (Unicamp) pela prontidatildeo na leitura de versotildees preacutevias deste artigo pelas indicaccedilotildees de passagens para reforccedilar o argumento e pelas alteraccedilotildees de texto sugeridas as quais certamente contribuiacuteram para melhorar o resultado final aqui apresentado Agradeccedilo tambeacutem aos professores Raphael Zillig (UFRGS) e Inara Zanuzzi (UFRGS) pela oportunidade de discutir alguns resultados provisoacuterios deste artigo no Seminaacuterio sobre Primeiros Analiacuteticos I 27 organizado pelo professor Raphael e realizado na UFRGS no ano de 2011 Por fim tambeacutem agradeccedilo aos

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

47

REFEREcircNCIAS

ANGIONI L ldquoO Conhecimento Cientiacutefico no Livro I dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesrdquo Revista de Filosofia Antiga (online) vol 1 n 1 2007 (httpwwwfilosofiaantigacomdocuments23html)

BARNES J (ed) Aristotle Prior Analytics (trans by A J Jenkinson in Barnes 1984 vol 1 p 39minus113)

mdashmdashmdashmdash Truth etc Six Lectures on Ancient Logic Oxford Clarendon Press 2007

BOCHENSKI J Ancient Formal Logic Amsterdam North-Holland Publishing 1951

CORCORAN J ldquoCompleteness of an Ancient Logicrdquo Journal of Symbolic Logic 37 696minus702 1972

KEYNES J N Studies and Exercises in Formal Logic (fourth edition rewritten and enlarged) New York The Macmillan Company 1906

LUKASIEWICZ J Aristotlersquos Syllogistic from the Standpoint of Modern Formal Logic Oxford Clarendon Press 1951

MALINK M ldquoA Non-Extensional Notion of Conversion in the Organonrdquo Oxford Studies in Ancient Philosophy Vol XXXVII p 106minus141 Oxford University Press 2009

MIGNUCCI M Aristotele Gli analitici primi ndash Traduzione introduzione e commento Naples Loffredo 1969

companheiros de pesquisa Francine Maria Ribeiro e Mateus Ricardo Fernandes Ferreira (UEMminusPR) pela leitura das primeiras versotildees desse texto e pelas proveitosas sugestotildees que me fizeram

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

48

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Theory of Predication in I Angelilli and M Cerezo (eds) Studies in the History of Logic 1minus20 Berlin 1996

mdashmdashmdashmdash Parts Quantification and Aristotelian Predication Monist 83 3minus21 2000

PATZIG G Aristotlersquos Theory of the Syllogism A Logico-Philosophical Study of Book A of the Prior Analytics Translated by Jonathan Barnes Dordrecht Reidel 1959

ROSS W D Aristotlersquos Prior and Posterior Analytics Oxford Clarendon Press 1949

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Metaphysics Oxford Clarendon Press 1953 (1924)

SHOREY P ldquoA Note on Aristotlersquos Metaphysics 1086b 32minus37rdquo Classical Philology Vol 8 n 1 pp 90minus92 1913

SMITH R Aristotle Prior Analytics Indianapolis Hackett Publishing Company 1989

STRIKER G Aristotle Prior Analytics Book I Oxford Clarendon Press 2009

Page 11: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

15

Ainda natildeo precisamos entrar em detalhes a respeito desses procedimentos Faremos isso na proacutexima seccedilatildeo em momento mais oportuno Por ora basta saber que a partir dos procedimentos recomendados por Aristoacuteteles como estrateacutegia de prova para cada uma das formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Patzig propotildee trecircs axiomas demarcadores de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica16

(1) todo termo silogiacutestico possui ao menos um termo subordinado proacuteprio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe um termo subordinado X tal que XaT eacute o caso ao passo que TaX natildeo (2) todo termo silogiacutestico possui ao menos um termo superordenado proacuteprio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe um termo superordenado Y tal que TaY eacute o caso ao passo que YaT natildeo (3) todo termo silogiacutestico possui um termo contraacuterio ou seja para todo termo silogiacutestico T existe ao menos um termo contraacuterio Z tal que ZeT17

Ao formular os dois primeiros axiomas Patzig se vale de algumas noccedilotildees oriundas da teoria dos conjuntos as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias Em teoria dos conjuntos se Q eacute um termo subordinado proacuteprio de R (e natildeo apenas um termo subordinado) Q e R natildeo podem ser coextensivos ndash em outras palavras todo Q eacute R mas nem todo R eacute Q o mesmo ocorre com termos que frequumlentam uma mesma relaccedilatildeo de superordenaccedilatildeo proacutepria dado que toda relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo proacutepria pode ser reformulada como uma relaccedilatildeo de superordenaccedilatildeo proacutepria e vice-versa Patzig presume que essas relaccedilotildees traduzem pressupostos assumidos pelo proacuteprio Aristoacuteteles no capiacutetulo

16 Ibidem p 7 17 A notaccedilatildeo AxB adotada na exposiccedilatildeo dos axiomas descreve uma relaccedilatildeo categoacuterica x entre o termo-sujeito A e o termo-predicado B Assim AaB eacute a notaccedilatildeo para a relaccedilatildeo universal afirmativa (ldquotodo A eacute Brdquo) AeB para a relaccedilatildeo universal negativa (ldquonenhum A eacute Brdquo) AiB para a particular afirmativa (ldquoalgum A eacute Brdquo) e por fim AoB para a particular negativa (ldquoalgum A natildeo eacute Brdquo) Manteremos essa notaccedilatildeo ao longo de todo o texto

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

16

28 de Primeiros Analiacuteticos I Mais adiante veremos que essa conjetura eacute equivocada

Por ora eacute importante notar que essa distinccedilatildeo entre de um lado subordinaccedilatildeosuperordenaccedilatildeo proacutepria e de outro lado mera subordinaccedilatildeosuperordenaccedilatildeo faz alguma diferenccedila no que diz respeito agrave exclusatildeo da chamada classe universal Para excluiacute-la Patzig assume que a classe universal pertence ao domiacutenio de termos da silogiacutestica a articula com os axiomas (1) e (3) e obteacutem um resultado contraditoacuterio o terceiro axioma requer que todo termo silogiacutestico possua ao menos um termo que lhe seja contraacuterio ndash tratando-se da classe universal esse termo contraacuterio eacute a classe nula por sua vez o primeiro axioma requer que todo termo silogiacutestico possua ao menos um termo subordinado proacuteprio exigecircncia que a classe nula eacute incapaz de satisfazer ndash por definiccedilatildeo a classe nula natildeo possui termos subordinados proacuteprios Assim a impossibilidade da classe nula acarreta a impossibilidade da classe universal18

Patzig ainda aponta o trecho 998b 22ndash27 do capiacutetulo 3 de Metafiacutesica Beta como evidecircncia complementar de que Aristoacuteteles teria rejeitado a classe universal fazendo alusatildeo a um texto que embora trate de termos dessa natureza tem com a silogiacutestica uma relaccedilatildeo muito distante19

Por sua vez nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares como ldquoSoacutecratesrdquo e ldquoeste triacircngulordquo natildeo possuem termos subordinados proacuteprios e portanto natildeo satisfazem ao primeiro axioma Por fim gecircneros supremos como ldquosubstacircnciardquo ldquoqualidaderdquo ldquoquantidaderdquo etc natildeo podem contar com termos superordenados proacuteprios e por conseguinte ficam impossibilitados de satisfazer ao segundo axioma (impossibilidade que natildeo nos parece ter sido bem estabelecida20)

18 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 19 Ibidem 20 A exemplo de Ross (cf nota 3) Patzig ignora os transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo que a princiacutepio poderiam figurar como superordenados proacuteprios dos gecircneros supremos de modo que o axioma (2) fosse entatildeo satisfeito pelos gecircneros

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

17

Assim Patzig reitera as restriccedilotildees introduzidas por Ross e consolidadas por Lukasiewicz desenhando um quadro em que uma vez mais a silogiacutestica eacute pensada como um sistema loacutegico que opera exclusivamente sobre termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) sem atuaccedilatildeo sobre nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares gecircneros supremos (summa genera) e termos transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) Na proacutexima seccedilatildeo mostraremos que as leituras propostas por tais inteacuterpretes seguramente natildeo encontram respaldo nos textos de Aristoacuteteles II CRIacuteTICA AgraveS OPINIOtildeES TRADICIONAIS

1 Uma Releitura de Primeiros Analiacuteticos I 27 43a 25minus43

Certamente nem todo o legado de Ross Lukasiewicz e Patzig deve ser abandonado Parece razoavelmente acertada por exemplo a escolha do capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos como promissora resposta agrave questatildeo de saber quais tipos de termos podem figurar em silogismos rigorosamente aristoteacutelicos ndash muito embora nem todo tipo de silogismo reconhecido por Aristoacuteteles esteja no escopo desse capiacutetulo21 No primeiro capiacutetulo do Livro I de Primeiros Analiacuteticos em que seria natural esperar alguma descriccedilatildeo mais detalhada a respeito dos termos Aristoacuteteles eacute muito sucinto limitando-se a dizer o seguinte

Ὅρον δὲ καλῶ εἰς ὃν διαλύεται ἡ πρότασις οἷον τό τε κατηγορούμενον καὶ τὸ καθrsquo οὗ κατηγορεῖται προστιθεμένου τοῦ εἶναι ἢ μὴ εἶναι

supremos Para excluir tais termos Patzig se pronuncia de modo muito breve e pouco esclarecedor ldquocategories (on Aristotlersquos definition) do not satisfy axiom (2)rdquo Aleacutem disso as ocorrecircncias de ldquosubstacircnciardquo e ldquounidaderdquo em Pr An I 5 27a 19minus20 e 27b 6minus8 tambeacutem satildeo ignoradas talvez em decorrecircncia de estarem associadas a pares de premissas inconcludentes 21 Ver por exemplo os silogismos formulados em Pr An II 15

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

18

Chamo lsquotermorsquo aquilo no que a proposiccedilatildeo se dissolve ou seja o item que se predica e o de que se predica acrescentando lsquoeacutersquo ou lsquonatildeo eacutersquo (24b 16minus18)

Esse pronunciamento eacute muito vago e em decorrecircncia pouco revelador Por isso em relaccedilatildeo agrave presente investigaccedilatildeo tal capiacutetulo quase natildeo oferece material que possa ser aproveitado Eacute claro que natildeo eacute bem essa a opiniatildeo de nossos interlocutores Ross Lukasiewicz e Patzig conceberam o mero fato de Aristoacuteteles natildeo ter feito menccedilatildeo a termos singulares no capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I como forte evidecircncia de que tais termos natildeo teriam lugar na silogiacutestica22

Essa atitude nos parece incorreta O fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a termos singulares revela apenas que o capiacutetulo natildeo tem aptidatildeo para contribuir com a investigaccedilatildeo Poder-se-ia alegar talvez que a exposiccedilatildeo das proposiccedilotildees silogiacutesticas no trecho 24a 16minus22 eacute exaustiva de modo que a exclusatildeo dos termos singulares fosse assegurada pelo simples fato de natildeo haver alusatildeo expliacutecita agraves proposiccedilotildees que lhes satildeo correlatas Poreacutem o referido trecho cai em certo descreacutedito por envolver certas imprecisotildees das quais o silecircncio sobre as proposiccedilotildees singulares seria apenas mais uma A diferenccedila entre proposiccedilotildees particulares e indefinidas por exemplo eacute bem precaacuteria Com efeito a proposiccedilatildeo particular ldquoalgum prazer natildeo eacute bemrdquo natildeo eacute mais informativa que a proposiccedilatildeo indefinida ldquoprazer natildeo eacute bemrdquo Tanto em um caso quanto em outro a relaccedilatildeo que os termos possuem entre si eacute igualmente indeterminada ou seja natildeo sabemos se (i) todo prazer natildeo eacute bem ou se (ii) algum prazer natildeo eacute bem e algum prazer eacute bem23

22 Ross (1949 p 384) Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect1 p 1 sect2 p 4) Patzig (1959 chapter 1 sect3 p 5) 23 Entre os comentadores Ross (1949 p 314) parece assumir que no trecho 29a 27minus29 Aristoacuteteles teria feito uma declaraccedilatildeo expliacutecita de que tais proposiccedilotildees seriam de fato equivalentes Bochenski (1951 p 43) por sua vez reconhece a referida passagem como evidecircncia incontestaacutevel de que Aristoacuteteles concebia tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis o que torna a distinccedilatildeo

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

19

Imprecisotildees como essa revelam o caraacuteter provisoacuterio do trecho 24a 16minus22 Por isso essa passagem natildeo pode ser considerada como resposta definitiva ao problema de saber se a silogiacutestica reserva lugar para termos singulares sobretudo se a razatildeo alegada para assim consideraacute-la for o mero fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a proposiccedilotildees singulares Em certa medida os comentadores perceberam que natildeo poderiam recorrer apenas ao primeiro capiacutetulo de Primeiros Analiacuteticos I para decidir a questatildeo e estenderam a discussatildeo ao capiacutetulo 27 tomando uma decisatildeo bastante acertada porque eacute nesse capiacutetulo que Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes e os compreende claramente como fatores de atribuiccedilatildeo suscetiacuteveis de articulaccedilatildeo silogiacutestica O trecho 43a 25minus43 oferece trecircs tipos de termos e como bem observaram os proponentes das opiniotildees tradicionais impotildee certas restriccedilotildees ao uso de termos de natureza singular bem como ao uso de termos de alto grau de generalidade ndash quer sejam summa genera como prefere Ross ou transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como entende Lukasiewicz O que escapou a nossos interlocutores eacute que essas restriccedilotildees estatildeo longe de expulsar da silogiacutestica qualquer dos trecircs tipos de termos ali apresentados Por isso em defesa de nossa posiccedilatildeo propomos reexaminar o trecho 43a 25minus43 pois entendemos que o texto por si soacute natildeo deixa duacutevidas de que nenhum dos trecircs tipos de termos introduzidos na referida passagem tenha sido excluiacutedo da silogiacutestica

Assim examinemos o famoso texto que tem alimentado a discussatildeo sobre termos silogiacutesticos

[1] ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστι τοιαῦτα ὥστε κατὰ μηδενὸς ἄλλου κατηγορεῖσθαι ἀληθῶς καθόλου (οἷον Κλέων καὶ

proposta no primeiro capiacutetulo um tanto despropositada Lukasiewicz (1951 sect2 p 5) tambeacutem reconhece que Aristoacuteteles trata tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis mas natildeo admite que Aristoacuteteles tenha se pronunciado de modo expliacutecito a respeito dessa equivalecircncia preferindo delegar esse feito a Alexandre

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

20

Καλλίας καὶ τὸ καθrsquo ἕκαστον καὶ αἰσθητόν) κατὰ δὲ τούτων ἄλλα (καὶ γὰρ ἄνθρωπος καὶ ζῷον ἑκάτερος τούτων ἐστί) τὰ δrsquo αὐτὰ μὲν κατrsquo ἄλλων κατηγορεῖται κατὰ δὲ τούτων ἄλλα πρότερον οὐ κατηγορεῖται τὰ δὲ καὶ αὐτὰ ἄλλων καὶ αὐτῶν ἕτερα οἷον ἄνθρωπος Καλλίου καὶ ἀνθρώπου ζῷον ὅτι μὲν οὖν ἔνια τῶν ὄντων κατrsquo οὐδενὸς πέφυκε λέγεσθαι δῆλον τῶν γὰρ αἰσθητῶν σχεδὸν ἕκαστόν ἐστι τοιοῦτον ὥστε μὴ κατηγορεῖσθαι κατὰ μηδενὸς πλὴν ὡς κατὰ συμβεβηκός φαμὲν γάρ ποτε τὸ λευκὸν ἐκεῖνο Σωκράτην εἶναι καὶ τὸ προσιὸν Καλλίαν ὅτι δὲ καὶ ἐπὶ τὸ ἄνω πορευομένοις ἵσταταί ποτε πάλιν ἐροῦμεν νῦν δrsquo ἔστω τοῦτο κείμενον [2] κατὰ μέν οὖν τούτων οὐκ ἔστιν ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον ἕτερον πλὴν εἰ μὴ κατὰ δόξαν ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων οὐδὲ τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται (καὶ γὰρ αὐτὰ κατrsquo ἄλλων καὶ ἄλλα κατὰ τούτων λεχθήσεται) καὶ σχεδὸν οἱ λόγοι καὶ αἱ σκέψεις εἰσὶ μάλιστα περὶ τούτων [1] Entre todos os entes alguns satildeo tais que natildeo se afirmam de nenhum outro verdadeiramente como universais (por exemplo Cleon e Caacutelias ou seja o particular e o sensiacutevel) mas outros se afirmam deles de fato cada um desses eacute tanto homem quanto animal Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros mas nenhum outro anterior se afirma deles Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros e outros satildeo afirmados deles por exemplo homem que se afirma de Caacutelias e do qual animal se afirma Assim eacute evidente que certas coisas por natureza natildeo se dizem de nenhuma outra de fato em geral entre as coisas sensiacuteveis cada uma eacute tal que natildeo se afirma de nenhuma outra a natildeo ser por acidente com efeito agraves vezes dizemos que aquele branco eacute Soacutecrates e que aquele que se aproxima eacute Caacutelias (Ainda diremos por que tambeacutem para cima em algum momento a seacuterie se interrompe Mas por ora seja assumido isso) [2] Assim acerca dessas coisas natildeo eacute possiacutevel demonstrar outra sendo afirmada (a natildeo ser segundo opiniatildeo) mas eacute possiacutevel demonstrar elas proacuteprias sendo afirmadas de outras Tampouco eacute possiacutevel demonstrar as coisas particulares sendo afirmadas de outras mas eacute possiacutevel demonstrar outras sendo afirmadas delas Jaacute das coisas que ficam entre essas eacute evidente que eacute possiacutevel demonstrar afirmando de ambos os modos pois tanto elas seratildeo ditas de outras quanto outras seratildeo ditas delas Grosso modo os argumentos e as investigaccedilotildees satildeo sobretudo acerca dessas coisas (43a 25minus43)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

21

A mais natural divisatildeo que podemos impor agrave passagem acima exige duas seccedilotildees

[1] Na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes compreendidos como fatores de atribuiccedilatildeo e classificados segundo as funccedilotildees que cada classe de termos pode desempenhar em proposiccedilotildees destinadas a operaccedilotildees silogiacutesticas A passagem eacute inaugurada com um pronunciamento a respeito de todos os entes ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων Por isso ao que tudo indica essa divisatildeo tripartite eacute exaustiva e natildeo deixa de fora nenhuma classe de termos Os resultados provenientes dessa classificaccedilatildeo trazem certas restriccedilotildees agrave atuaccedilatildeo de alguns termos na silogiacutestica nas linhas 25minus29 Aristoacuteteles nega que os termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) possam desempenhar o papel de legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nas linhas 29minus30 rejeita a possibilidade de atribuir aos termos de alta generalidade um termo que lhes seja anterior (πρότερον) Conforme jaacute o dissemos essas restriccedilotildees passam longe da exclusatildeo de qualquer das classes de termos apresentadas no referido trecho do capiacutetulo 27 A principal evidecircncia disso aparece na imediata sequumlecircncia do texto em que Aristoacuteteles avalia os efeitos dessas restriccedilotildees sobre as demonstraccedilotildees Isso nos leva agrave segunda seccedilatildeo

[2] Na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) satildeo explicitadas as consequumlecircncias que as restriccedilotildees apresentadas na seccedilatildeo anterior (43a 25minus37) produziratildeo nas demonstraccedilotildees24 Nas linhas 37minus39 Aristoacuteteles se pronuncia a respeito dos termos de alta generalidade (summa genera

24 Eacute bem verdade que em relaccedilatildeo ao cenaacuterio que temos em Segundos Analiacuteticos I 2 a noccedilatildeo de apodeixis que aparece no capiacutetulo 27 ainda exige muitos aperfeiccediloamentos mas natildeo nos parece justo entendecirc-la meramente como prova silogiacutestica jaacute que ela envolve exigecircncias de ordem atributiva que restringem as provas denotadas pela noccedilatildeo de apodeixis assumida no capiacutetulo a um subgrupo da noccedilatildeo mais geral de silogismo As provas silogiacutesticas formuladas em Primeiros Analiacuteticos II 15 por exemplo ficam de fora do grupo de silogismos dos quais o capiacutetulo 27 pretende dar conta Assim sendo optamos por manter a traduccedilatildeo de apodeixis por ldquodemonstraccedilatildeordquo e natildeo por ldquoprovardquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

22

eou transcategoriais) a possibilidade de demonstrar qualquer outro termo a respeito deles eacute recusada25 mas a de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute afirmada textualmente Nas linhas 39minus40 o pronunciamento se faz a respeito dos termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) a possibilidade de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute recusada mas a de demonstrar outros termos a respeito deles tambeacutem eacute afirmada Nas linhas 40minus42 Aristoacuteteles trata dos termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) e natildeo lhes impotildee nenhuma restriccedilatildeo eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles26

Por fim nas linhas 42minus43 Aristoacuteteles encerra a passagem com um pronunciamento de caraacuteter geral e conclusivo pronunciamento que ao contraacuterio do que Ross sugeriu e mais tarde Lukasiewicz endossou natildeo nega absolutamente nada do que fora dito ateacute entatildeo

Eacute claro que o leitor ainda pode levar em conta que Aristoacuteteles soacute faz uso da expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 ao se pronunciar a respeito dos termos de alta generalidade e que por isso a pressuposiccedilatildeo de tal expressatildeo nos demais pronunciamentos seria artificiosa e desqualificaria a traduccedilatildeo e a leitura que propomos De fato essa expressatildeo causou incocircmodo a alguns tradutores de liacutengua inglesa influenciados provavelmente pelos legados de Ross e Lukasiewicz A J Jenkinson e Robin Smith por exemplo traduzem a

25 Na verdade Aristoacuteteles reconhece uma exceccedilatildeo aludindo agrave possibilidade de ldquodemonstrarrdquo segundo opiniatildeo (κατὰ δόξαν) mas essa exceccedilatildeo eacute uma alternativa a ser evitada 26 No manuscrito n temos δειχθήσεται ao inveacutes de λεχθήσεται na linha 42 As duas alternativas favorecem a nossa leitura Optamos pela manutenccedilatildeo de λεχθήσεται para natildeo perder a relaccedilatildeo explicativa que haacute entre os pronunciamentos das linhas 40minus41 de um lado e 30minus32 de outro De fato com λεχθήσεται a linha 42 apenas repete o que fora dito nas linhas 30minus32 Essa opccedilatildeo revela que as linhas 30minus32 explicam a linha 42 e sugere que a mesma relaccedilatildeo explicativa ocorra entre as linhas 25minus29 e 39minus40 bem como entre as linhas 29minus30 e 37minus39

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

23

expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 como ldquodemonstraterdquo e ldquodemonstrate to be predicatedrdquo respectivamente No entanto ambos evitam tal traduccedilatildeo nas linhas subsequumlentes nas quais a expressatildeo natildeo aparece de modo expliacutecito e substituem ldquodemonstraterdquo por ldquopredicaterdquo27

Haacute pelo menos uma boa razatildeo para rejeitar tais traduccedilotildees elas assumem que na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) precisamente no que diz respeito agraves consequumlecircncias que as restriccedilotildees introduzidas na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) tecircm sobre as demonstraccedilotildees Aristoacuteteles estaria interessado apenas nos termos de alta generalidade dado que recorre agrave expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον exclusivamente ao tratar deles Assim no que diz respeito agrave atuaccedilatildeo dos demais termos (τὰ καθrsquo ἕκαστα e τὰ μεταξὺ) nas demonstraccedilotildees Aristoacuteteles jaacute natildeo teria a pretensatildeo de avaliar as consequumlecircncias dessas restriccedilotildees limitando-se apenas a repetir o que fora dito na primeira seccedilatildeo Essa leitura impotildee ao texto uma interrupccedilatildeo natildeo muito natural em seu desenvolvimento e ainda o torna redundante sem apresentar uma razatildeo satisfatoacuteria que justifique essa leitura

27 Na linha 39 por exemplo A J Jenkinson (in Barnes 1984) traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquobut these may be predicated of other thingsrdquo Robin Smith vai na mesma direccedilatildeo e traduz como ldquobut they are predicated of othersrdquo embora reconheccedila em seu comentaacuterio ao trecho 43a 40ss na paacutegina 50 (comentaacuterio que na verdade trata da linha 39) que a frase pode ser traduzida como ldquoother things are demonstrated to be predicated of themrdquo nas linhas 39-40 Jenkinson traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNeither can individuals be predicated of other things although other things can be predicated of themrdquo Robin Smith natildeo destoa disso e traduz como ldquoNeither can individuals be predicated of other things but instead other things are predicated of themrdquo por fim nas linhas 40-41 Jenkinson traduz τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται como ldquoWhatever lies between these limits can be spoken of in both waysrdquo ao passo que Robin Smith traduz como ldquoBut it is clear that for those in between predication is possible in both waysrdquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

24

Na contramatildeo de A J Jenkinson e Robin Smith temos Mario Mignucci e Gisela Striker que traduzem a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον como ldquodimostrare che essi si predicanordquo e ldquodemonstrate to be said ofrdquo respectivamente e entendem as linhas 39minus41 como pronunciamentos nos quais embora natildeo apareccedila de modo expliacutecito a expressatildeo ainda estaacute em jogo28 Essas traduccedilotildees certamente satildeo as mais fieacuteis ao texto grego e corroboram a traduccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo que propomos justificando o abandono da leitura tradicional sugerida por Ross e cristalizada nos estudos de Lukasiewicz A essa altura jaacute podemos fazer um balanccedilo dos resultados que o capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos de fato nos impotildee O cenaacuterio que se desenha eacute o seguinte (i) termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) natildeo eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου)29 de outros termos por isso tampouco eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos no entanto eacute possiacutevel lhes atribuir outros termos como legiacutetimos

28 Na linha 39 por exemplo Mignucci traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquomentre egrave possibile dimostrare che essi si predicano di altrirdquo Striker por sua vez traduz como ldquobut [sc one can demonstrate] only that they themselves are predicated of other thingsrdquo na linha 40 ambos fazem questatildeo de recuperar a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον Mignucci traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNon egrave neanche possibile dimostrare che i singolari si predicano di altre cose ma soltanto che altre cose si predicano di essirdquo Striker segue a mesma linha e traduz como ldquonor can one demonstrate that individuals are said of other things but only that other things are said of themrdquo Na linha 41 por sua vez a expressatildeo eacute recuperada novamente e o trecho τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται eacute traduzido por Mignucci como ldquoEgrave chiaro invece che le cose intermedie egrave possibile dimostrarle nei due modirdquo ao passo que por Striker como ldquoBut clearly the intermediate things admit [sc to be demonstrated] of bothrdquo 29 Tais termos natildeo se predicam de nenhum outro a natildeo ser κατὰ συμβεβηκός (43a 33minus35)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

25

predicados por conseguinte tambeacutem eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 25minus29 e 39minus40) (ii) termos de alta generalidade (summa genera eou τὰ πᾶσιν ἑπόμενα)30 natildeo lhes eacute possiacutevel atribuir outros termos como legiacutetimos predicados ndash de fato natildeo haacute termo anterior (πρότερον) que lhes possa ser atribuiacutedo por isso tampouco eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles no entanto eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos logo tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos (conferir 43a 29minus30 e 37minus39) (iii) termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos bem como lhes atribuir outros termos como legiacutetimos predicados em razatildeo disso tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 30minus32 e 40minus42)

Assim o que prevalece eacute que Aristoacuteteles jamais afastou de sua loacutegica qualquer das trecircs classes de termos apresentadas em Primeiros Analiacuteticos I 27 muito embora tenha endereccedilado certas restriccedilotildees atributivas a algumas delas 2 Primeiros Analiacuteticos I 28 e os Axiomas de Patzig

Patzig parece entender que o capiacutetulo 27 natildeo eacute merecedor de toda a atenccedilatildeo que lhe foi concedida por Ross e Lukasiewicz O capiacutetulo 28 em sua opiniatildeo eacute bem mais promissor no que diz respeito agrave questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera31 enquanto o capiacutetulo 27

30 Como Aristoacuteteles natildeo oferece exemplos de termos desse tipo deixamos indeterminado se satildeo summa genera como propotildee Ross ou transcategoriais de generalidade total (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como prefere Lukasiewicz (cf nota 3) 31 Patzig (1959 sect3 p 6)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

26

serviria mais como discussatildeo preparatoacuteria para os assuntos tratados no capiacutetulo seguinte

De fato haacute forte unidade entre esses textos O objetivo predominante que os vincula e orienta eacute anunciado no iniacutecio do capiacutetulo 27 e consiste em mostrar ldquode que modo sempre estaremos providos de silogismos em relaccedilatildeo ao que for proposto e por qual via alcanccedilamos os princiacutepios de cada coisardquo32 O capiacutetulo 27 contribui com esse objetivo na medida em que faz recomendaccedilotildees sobre como selecionar termos e premissas e classifica os fatores silogiacutesticos segundo as funccedilotildees (sujeito e predicado) que podem desempenhar de modo irrestrito em proposiccedilotildees silogiacutesticas A contribuiccedilatildeo do capiacutetulo 28 por sua vez estaacute associada aos procedimentos de prova de cada uma das quatro formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Esses procedimentos satildeo caracterizados basicamente pela descriccedilatildeo dos paracircmetros de localizaccedilatildeo do fator capaz de mediar os extremos (τά ἄκρα) na relaccedilatildeo categoacuterica acarretada na conclusatildeo Trata-se portanto de procedimentos de busca e localizaccedilatildeo do termo mediador (τὸ μέσον)

Assim para provar por exemplo a relaccedilatildeo universal afirmativa EaA prescreve Aristoacuteteles devemos encontrar um fator comum a duas listas (i) aquela de termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e (ii) aquela de termos que se atribuem universalmente ao extremo menor E33 O resultado seraacute o mediador M tal que MaA e EaM o que perfaz um silogismo em Barbara Semelhantemente para provar a relaccedilatildeo particular afirmativa EiA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um elemento comum agraves listas de (i) termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente ou seja agraves listas de termos que cada um dos extremos E e A ldquoacompanhardquo (ἕπεσθαι ou ακολουθεῖν) Nesse caso o termo comum M seraacute tal que MaA e MaE o que nos

32 An Pr I 27 43a 20ndash21 33 An Pr I 28 43b 39ndash43

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

27

permite concluir EiA por Darapti (terceira figura)34 Por sua vez a prova da relaccedilatildeo universal negativa EeA tambeacutem se valeraacute da identificaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios a um extremo e de (ii) termos que se atribuem universalmente ao outro extremo se o mediador M comum agraves duas listas for contraacuterio ao extremo maior A e universalmente atribuiacutedo ao extremo menor E o mediador M seraacute tal que MeA e EaM ou AeM e EaM possibilitando a prova de EeA (respectivamente) por Celarent e por Cesare mas se o mediador M for contraacuterio ao extremo menor E e universalmente atribuiacutedo ao extremo maior A M seraacute tal que AaM e EeM restringindo a prova de EeA a Camestres35 Por fim para provar a relaccedilatildeo particular negativa EoA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios ao extremo maior A e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente Assim o mediador M seraacute tal que MeA e MaE o que prova EoA por Felapton36

Em todas as recomendaccedilotildees do capiacutetulo 28 Aristoacuteteles se orienta pelas conclusotildees almejadas propondo a partir delas procedimentos de busca e localizaccedilatildeo dos fatores capazes de acarretar cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas A estrateacutegia de Aristoacuteteles portanto natildeo consiste em partir de premissas e deduzir os resultados que delas se seguem mas fazendo o caminho inverso consiste em partir da conclusatildeo e buscar o termo mediador capaz de articular os extremos na relaccedilatildeo categoacuterica (a e i ou o) da conclusatildeo

Por natildeo captar a natureza invertida dessa estrateacutegia Patzig natildeo compreendeu plenamente o que Aristoacuteteles propusera e julgou que o capiacutetulo 28 muito mais que o capiacutetulo 27 impunha severas restriccedilotildees agrave lista de termos capazes de figurar em silogismos aristoteacutelicos Na verdade o capiacutetulo 28 nem sequer trata da questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera mas limita-se a descrever os paracircmetros de

34 Ibidem 43b 43ndash44a 2 35 An Pr I 44a 2ndash8 36 An Pr I 28 44a 9ndash11

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

28

localizaccedilatildeo do mediador de cada forma categoacuterica Eacute claro que ao descrever esses paracircmetros Aristoacuteteles acaba por assumir certos pressupostos que em uacuteltimo caso podem ter algum efeito sobre a lista de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica Ainda assim eacute preciso observar que as recomendaccedilotildees apresentadas no capiacutetulo 28 satildeo pensadas em relaccedilatildeo agrave prova de cada proposiccedilatildeo categoacuterica em particular Por isso os pressupostos envolvidos nessas recomendaccedilotildees bem como as eventuais restriccedilotildees de termos que lhes sejam correlatas deveratildeo ter aplicaccedilatildeo circunscrita a cada caso isto eacute aos procedimentos de prova de cada conclusatildeo em particular

Patzig parece natildeo ter dado a devida atenccedilatildeo a esse detalhe pois embora compreenda os seus axiomas como pressupostos impliacutecitos das recomendaccedilotildees de Aristoacuteteles ndash recomendaccedilotildees cuja aplicaccedilatildeo estaacute circunscrita a cada caso ndash Patzig os assume como vaacutelidos para termos de todo e qualquer silogismo37 No entanto eacute flagrante que certos silogismos natildeo dependem de alguns de seus axiomas Um arquetiacutepico silogismo em Barbara por exemplo funciona perfeitamente bem sem pressupor para qualquer de seus termos a validade do terceiro axioma isto eacute sem pressupor que exista para qualquer de seus termos (ou mesmo para qualquer de seus extremos para ser fiel ao capiacutetulo 28) um termo que lhe seja ldquocontraacuteriordquo

Ao que tudo indica o que levou Patzig a estender a validade de seus axiomas sobre todos os silogismos eacute o trecho 44a 12minus17 em que Aristoacuteteles estipula letras para as listas de termos com as quais pretende trabalhar na exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova38 Na referida passagem Aristoacuteteles considera basicamente trecircs tipos de termos que se distinguem pelo termo extremo que lhes eacute correlato bem como pela relaccedilatildeo predicativa que cada um manteacutem com esse extremo Para cada extremo Aristoacuteteles estipula (i) termos que lhe satildeo atribuiacutedos universalmente (ii) termos aos quais ele proacuteprio se atribui universalmente e (iii) termos que natildeo lhe

37 Patzig (1959) sect3 p 6ndash7 38 An Pr I 28 44a 12minus17

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

29

podem ser atribuiacutedos Os termos de primeiro tipo devem ter servido de estiacutemulo para a necessidade de termos superordenados proacuteprios que eacute marca do segundo axioma de Patzig os termos de segundo tipo por sua vez para a necessidade de termos subordinados proacuteprios marca do primeiro axioma os de terceiro por fim para a necessidade de termos ldquocontraacuteriosrdquo marca do terceiro axioma

Eacute bem verdade que os termos estipulados por Aristoacuteteles envolvem certa analogia com os axiomas propostos por Patzig Mas eacute preciso notar em primeiro lugar que nenhum dos procedimentos de prova descritos por Aristoacuteteles depende da estipulaccedilatildeo dos trecircs tipos de termos39 A recomendaccedilatildeo de prova da proposiccedilatildeo particular afirmativa por exemplo requer apenas (ii) termos aos quais os extremos se atribuem universalmente40 O fato de Aristoacuteteles jaacute estipular de antematildeo trecircs tipos de termos para cada extremo natildeo torna obrigatoacuterio que todo e qualquer extremo (e muito menos que todo e qualquer termo silogiacutestico como prefere Patzig) independentemente do silogismo a que pertenccedila dependa dos trecircs tipos de termos estipulados precisamente porque a estipulaccedilatildeo desses termos estaacute ancorada em um par de extremos que eacute muito peculiar Esse par de extremos eacute pensado com propoacutesitos didaacuteticos orientados agrave exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova de cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas (a e i e o) Trata-se de um par de extremos que em benefiacutecio da exposiccedilatildeo eacute assumido como articulaacutevel em qualquer das relaccedilotildees categoacutericas Poreacutem essa assunccedilatildeo soacute faz sentido no contexto preciso dessa exposiccedilatildeo de procedimentos de prova afinal algumas dessas relaccedilotildees categoacutericas satildeo incompatiacuteveis entre si ndash por exemplo as relaccedilotildees universal afirmativa e particular negativa Por isso devemos presumir que as estipulaccedilotildees de termos que lhes datildeo suporte tambeacutem o satildeo e portanto natildeo podem valer em conjunto e para todos os casos

39 Idem 44a 17minus30 40 Ibidem 44a 19minus21

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

30

Para esclarecer esse ponto retomemos rapidamente os procedimentos de prova das proposiccedilotildees universal afirmativa e particular negativa41 Assumindo um mesmo par de extremos como faz Aristoacuteteles estaremos diante de proposiccedilotildees contraditoacuterias (EaA e EoA) Dado que tais proposiccedilotildees satildeo incompatiacuteveis as condiccedilotildees das quais elas satildeo provenientes tambeacutem o seratildeo Dizendo de outro modo a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (i) termos aos quais o extremo maior se atribui universalmente e (ii) termos que se atribuem universalmente ao extremo menor eacute incompatiacutevel com a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (irsquo) termos aos quais o extremo maior natildeo pode ser atribuiacutedo e (iirsquo) termos aos quais o extremo menor se atribui universalmente Assim em presenccedila das condiccedilotildees de prova de uma das proposiccedilotildees incompatiacuteveis as condiccedilotildees da outra poderatildeo ser dispensadas jaacute que satildeo condiccedilotildees requeridas para uma prova cuja possibilidade jaacute natildeo existe E natildeo haacute razatildeo para manter os termos estipulados e dispensar apenas a possibilidade de um termo comum entre as listas pois ambos os pressupostos satildeo requisitados para servir um uacutenico e mesmo propoacutesito o de estabelecer condiccedilotildees para a prova da relaccedilatildeo categoacuterica que se pretende obter Natildeo haacute uma razatildeo que justifique a manutenccedilatildeo das listas de termos estipulados em detrimento da possibilidade de um termo comum entre as listas pois o propoacutesito que introduz uma exigecircncia tambeacutem introduz a outra Sob essa perspectiva fica claro que os termos estipulados no trecho 44a 12minus17 natildeo podem ser pressupostos indispensaacuteveis de quaisquer termos silogiacutesticos tampouco pressupostos que devem ser satisfeitos em conjunto por termos de todo e qualquer silogismo Afinal Aristoacuteteles estipula cada uma das listas supondo que seus termos seratildeo candidatos agrave funccedilatildeo de mediador (e natildeo agrave funccedilatildeo de termos silogiacutesticos) e o faz segundo as exigecircncias especiacuteficas envolvidas na prova de cada relaccedilatildeo categoacuterica em particular (a e i ou o) Compreender tais listas como pressupostos

41 An Pr I 28 43b 39minus43 e 44a 9minus11

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

31

que devem ser satisfeitos por todo e qualquer termo silogiacutestico eacute um equiacutevoco

Em segundo lugar o capiacutetulo 28 natildeo parece estar orientado propriamente agrave prova silogiacutestica das formas categoacutericas mas em algum sentido agrave demonstraccedilatildeo de tais relaccedilotildees Haacute indiacutecios que sugerem essa leitura O principal deles talvez seja o fato de Aristoacuteteles se mostrar interessado em localizar um meson que fica no meio do caminho entre um mediador que satisfaz requisitos meramente dedutivos e um mediador que supera tais requisitos e se configura como um fator explanatoacuterio em uma legiacutetima demonstraccedilatildeo cientiacutefica42 Retomemos por exemplo as recomendaccedilotildees de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) Em 43b 43ndash44a 2 Aristoacuteteles recomenda a prova de EiA por premissas universais conduzindo a prova a um silogismo em Darapti embora admita a possibilidade de concluir proposiccedilotildees particulares a partir de um par de premissas em que apenas uma eacute universal (41b 22minus27) Em 44a 9ndash11 a exemplo do que ocorre com a prova de EiA Aristoacuteteles recomenda a prova de EoA novamente por premissas universais desta vez conduzindo a prova a um silogismo em Felapton Essas duas recomendaccedilotildees de prova pressupotildeem que o meson requisitado para a prova natildeo eacute um mediador meramente dedutivo mas um mediador que se articula com os extremos exclusivamente por relaccedilotildees universais Eacute claro que esse cenaacuterio ainda estaacute muito distante daquele que temos por exemplo no capiacutetulo 2 do Livro II de Segundos

42 Em uma demonstraccedilatildeo cientiacutefica natildeo basta que o mediador se relacione com os extremos de tal modo que a deduccedilatildeo da conclusatildeo esteja formalmente assegurada Aristoacuteteles ainda exige que o mediador satisfaccedila certos requisitos natildeo formais O principal deles eacute o de explicar adequadamente por que o extremo maior se atribui ao extremo menor (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 por exemplo essa diferenccedila (entre um mediador que satisfaz exigecircncias meramente dedutivas e um mediador que funciona como explicaccedilatildeo do fato relatado na conclusatildeo) eacute utilizada como criteacuterio baacutesico para distinguir o conhecimento de que C eacute A (conhecimento do fato) e o conhecimento de por que C eacute A (conhecimento da causa)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

32

Analiacuteticos (90a 6minus7) em que o meson eacute pensado como a causa que explica por que a relaccedilatildeo dada entre os extremos explicitada na conclusatildeo da demonstraccedilatildeo eacute o caso Mesmo assim temos o suficiente para mostrar que Aristoacuteteles natildeo estaacute levando em conta todos os silogismos de seu sistema loacutegico mas apenas aqueles nos quais ambas as premissas satildeo universais Por que razatildeo exatamente Aristoacuteteles faz essa escolha eacute algo a se investigar O que nos importa eacute que essa escolha restringe o escopo do capiacutetulo a um grupo especiacutefico de silogismos o que natildeo eacute compatiacutevel com a validade irrestrita dos axiomas propostos por Patzig

Em terceiro lugar Aristoacuteteles natildeo lida com as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo proacutepria superordenaccedilatildeo proacutepria e contrariedade mas prefere (i) termos que acompanham o extremo (τὰ ἑπόμενα) (ii) termos aos quais o extremo acompanha (οἷς αὐτὸ ἕπεται) e (iii) termos que natildeo podem ser atribuiacutedos ao extremo (ἃ μὴ ἐνδέχεται αὐτῷ ὑπάρχειν) Essa diferenccedila natildeo eacute apenas terminoloacutegica mas conceitual As relaccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias pressupotildeem termos que natildeo satildeo coextensivos se X eacute um termo subordinado proacuteprio de Y XaY eacute o caso mas YaX natildeo se Z eacute um termo superordenado proacuteprio de Y YaZ eacute o caso mas ZaY natildeo O proacuteprio Patzig reconhece essas consequumlecircncias ao formular os seus dois primeiros axiomas43 Aristoacuteteles no entanto ao se valer das relaccedilotildees de ldquoacompanhamentordquo entre os termos natildeo hesita em rejeitaacute-las No capiacutetulo 29 por exemplo Aristoacuteteles menciona a possibilidade de provar por hipoacutetese (συλλογίσασθαι ἐξ ὑποθέσεως) os problemas universais (a e e) assumindo precisamente a possibilidade de coextensatildeo entre os termos envolvidos possibilidade da qual Patzig parece prescindir ao formular seus axiomas A passagem agrave qual nos referimos eacute a seguinte

εἰ γὰρ τὸ Γ καὶ τὸ Η ταὐτὰ εἴη μόνοις δὲ ληφθείη τοῖς Η τὸ Ε ὑπάρχειν παντὶ ἂν τῷ Ε τὸ Α ὑπάρχοι καὶ πάλιν εἰ τὸ Δ καὶ Η ταὐτὰ μόνων δὲ τῶν Η τὸ Ε κατηγοροῖτο ὅτι οὐδενὶ τῷ Ε τὸ Α ὑπάρξει

43 Patzig (1959 sect3 p 6ndash7)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

33

Com efeito se C e G fossem o mesmo mas se assumisse que E se atribui apenas aos Grsquos A se atribuiria a todo E Novamente se D e G fossem o mesmo mas E se afirmasse apenas dos Grsquos A se atribuiraacute a nenhum E (45b 24minus27)

Em 44a 12minus17 Aristoacuteteles jaacute havia estipulado que a letra C representaria um termo ao qual o extremo maior A acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente tambeacutem foi estipulado que a letra G representaria um termo ao qual o extremo menor E acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente por fim ainda ficou decidido que a letra D representaria um termo que natildeo pode ser atribuiacutedo ao extremo maior A Assim a identidade entre C e G a exemplo do que ocorre em 44a 19minus21 conduz a prova de EiA a um silogismo em Darapti ao passo que a identidade entre D e G a exemplo do que ocorre em 44a 28minus30 conduz a prova de EoA a um silogismo em Felapton44 No entanto nessa passagem embora os procedimentos de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) sejam acionados aquilo que se quer mostrar eacute de que modo podemos provar por hipoacutetese (ἐξ ὑποθέσεως) as proposiccedilotildees universais Para alcanccedilar esse resultado Aristoacuteteles assume que o extremo menor E se atribui apenas (μόνον) a G o que pode ser interpretado como uma maneira diferente de dizer que E e G satildeo termos coextensivos Sinal disso eacute o seguinte ao assumir que E se atribui apenas a G Aristoacuteteles se vecirc autorizado a concluir as proposiccedilotildees universais EaA e EeA o que soacute faz sentido sob o pressuposto de que G e E satildeo termos coextensivos De fato sob tal pressuposto a premissa menor GaE pode ser ldquoconvertidardquo em EaG o que transforma Darapti em Barbara bem como Felapton em Celarent Mas se os termos aos quais o extremo menor E acompanha forem pensados como termos subordinados proacuteprios de E GaE seraacute o caso mas EaG natildeo Por conseguinte tampouco as conclusotildees EaA e EeA se seguiriam Assim se quisermos conferir sentido agrave passagem temos que assumir que Aristoacuteteles recorreu agrave possibilidade de construir silogismos com termos

44 Darapti CaA GaE rarr EiA (C=G) Felapton DeA GaE rarr EoA (D=G)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

34

que satildeo coextensivos e se assim for podemos dizer que para Aristoacuteteles a presenccedila de silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos em sua loacutegica natildeo causava qualquer inconveniente45

Segundo nos parece as razotildees alegadas ateacute aqui jaacute satildeo suficientes para mostrar que os axiomas de Patzig natildeo podem servir como criteacuterios delimitadores de termos silogiacutesticos Ainda assim vale a pena examinar duas passagens que eventualmente poderiam ser invocadas contra a interpretaccedilatildeo que propomos Embora natildeo sejam citadas pelos proponentes das opiniotildees tradicionais natildeo eacute difiacutecil imaginar que elas tenham servido de inspiraccedilatildeo para aqueles que defendem a exclusatildeo dos termos transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo De fato agrave primeira vista tais passagens podem nos levar a pensar que Aristoacuteteles natildeo guardou lugar para tais termos na silogiacutestica No entanto como veremos isso soacute eacute verdade agrave primeira vista

45 O capiacutetulo 29 natildeo eacute a uacutenica evidecircncia de silogismos com termos coextensivos na silogiacutestica No capiacutetulo 5 do Livro II de Primeiros Analiacuteticos precisamente em 57b 35minus58a 12 Aristoacuteteles trabalha com silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos Por sua vez no capiacutetulo 22 em 67b 27minus32 Aristoacuteteles inicia o texto dizendo que a coextensatildeo entre os termos extremos de um silogismo requer um mediador tambeacutem coextensivo o que revela por parte de Aristoacuteteles plena consciecircncia a respeito da existecircncia de silogismos com triacuteades coextensivas Nos Segundos Analiacuteticos o interesse de Aristoacuteteles por demonstraccedilotildees que envolvem termos coextensivos pode ser classificado como uma obsessatildeo Basta notar que a proacutepria demonstraccedilatildeo universal ndash aquela que eacute considerada por Aristoacuteteles como cientiacutefica no mais alto grau ndash tem como uma de suas principais caracteriacutesticas a coextensatildeo entre os trecircs termos do silogismo (cf Seg An I 4 73b 32minus74a 3) o que revela o papel central das triacuteades coextensivas no projeto aristoteacutelico que eacute inaugurado com a silogiacutestica e culmina nas demonstraccedilotildees cientiacuteficas (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 e II 16 Aristoacuteteles novamente recorre a termos coextensivos na formulaccedilatildeo de silogismos A nossa preferecircncia pela passagem 45b 24minus27 do capiacutetulo 29 de Primeiros Analiacuteticos se daacute apenas com base em sua conexatildeo indiscutiacutevel com o capiacutetulo 28 no qual Patzig julga encontrar seus axiomas

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

35

Uma das passagens agraves quais nos referimos eacute aquela com a qual Aristoacuteteles encerra o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I Vejamos o que diz Aristoacuteteles

ἔτι τὰ πᾶσιν ἑπόμενα οὐκ ἐκλεκτέον οὐ γὰρ ἔσται συλλογισμὸς ἐξ αὐτων διrsquo ἣν δrsquo αἰτίαν ἐν τοῖς ἑπομένοις ἔσται δῆλον Aleacutem disso natildeo eacute preciso selecionar os itens que acompanham todas as coisas pois natildeo haacute silogismo a partir deles A razatildeo disso ficaraacute evidente a seguir (43b 36minus38)

Essa passagem trata dos termos transcategoriais de generalidade total (τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) e delega a justificativa de seu proacuteprio pronunciamento ao capiacutetulo seguinte no qual Patzig encontrou inspiraccedilatildeo para seus axiomas No capiacutetulo 28 cumprindo o prometido Aristoacuteteles retoma esse assunto e reitera a impossibilidade de construir silogismos a partir de termos de generalidade total

φανερὸν οὖν ὅτι διὰ τῶν προειρημένων σχημάτων οἱ συλλογισμοὶ πάντες καὶ ὅτι οὐκ ἐκλεκτέον ὅσα πᾶσιν ἕπεται διὰ τὸ μηδένα γίγνεσθαι συλλογισμὸν ἐξ αὐτῶν κατασκευάζειν μὲν γὰρ ὅλως οὐκ ἦν ἐκ τῶν ἑπομένων ἀποστερεῖν δrsquo οὐκ ἐνδέχεται διὰ τοῦ πᾶσιν ἑπομένου δεῖ γὰρ τῷ μὲν ὑπάρχειν τῷ δὲ μὴ ὑπάρχειν Eacute evidente entatildeo que todos os silogismos vecircm a ser atraveacutes das figuras previamente mencionadas e que natildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisas porque nenhum silogismo vem a ser a partir deles De fato de modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanham e natildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outro (44b 19minus24)

Fora de contexto e em uma leitura mais apressada essas duas passagens podem nos levar a crer que a opiniatildeo tradicional que afasta da silogiacutestica os termos de generalidade total (como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) de fato encontra respaldo nos textos de Aristoacuteteles No entanto mais uma vez eacute preciso levar em conta que o capiacutetulo 28 eacute marcado pela

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

36

descriccedilatildeo de estrateacutegias de localizaccedilatildeo de termos mediadores e natildeo de termos em geral Dizendo de outro modo Aristoacuteteles natildeo estaacute interessado em localizar os termos que deveratildeo encerrar a conclusatildeo de um silogismo pelo contraacuterio tais termos jaacute estatildeo plenamente determinados bem como a relaccedilatildeo proposicional (a e i e o) que haacute entre eles dado que a conclusatildeo na qual interagem funciona como ponto de partida da investigaccedilatildeo empreendida no capiacutetulo O que interessa para Aristoacuteteles eacute a localizaccedilatildeo de termos mediadores e eacute nesse horizonte que tais passagens devem ser lidas Assim ao negar a possibilidade de construir silogismos a partir de termos transcategoriais de generalidade total (ἐξ αὐτῶν) o que Aristoacuteteles quer dizer eacute que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos46 nos quais a funccedilatildeo de mediador seja desempenhada por um termo desse tipo razatildeo pela qual na busca pelo mediador recomenda Aristoacuteteles ldquonatildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisasrdquo (44b 20minus21) Para justificar essa recomendaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta duas razotildees (i) ldquode modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanhamrdquo (44b 22minus23) (ii) ldquonatildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outrordquo (44b 23minus24) Na primeira razatildeo Aristoacuteteles parece reconsiderar as listas de termos estipuladas no trecho 44a 11minus17 pressupondo ao que tudo indica que os transcategoriais de generalidade total soacute podem figurar em listas de termos que acompanham os extremos Isso se justificaria pela natureza inapta de tais termos para o papel de sujeito em proposiccedilotildees silogiacutesticas conforme se constata no capiacutetulo I 27 Assim na medida em que nas provas afirmativas a busca pelo mediador natildeo envolve

46 Na verdade como o escopo do capiacutetulo 28 natildeo abarca todo e qualquer silogismo seria mais correto dizer que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos (nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas) assumindo um termo de generalidade total na funccedilatildeo de mediador

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

37

apenas a lista de termos que acompanham um dos extremos mas tambeacutem a lista de termos aos quais um dos extremos acompanha (ver 43b 39minus44a 2) os transcategoriais de generalidade total perdem a candidatura agrave funccedilatildeo de mediador e jaacute de saiacuteda nem sequer precisam ser considerados47 Na segunda razatildeo por sua vez Aristoacuteteles leva em conta o fato de que as provas negativas dependem de um mediador capaz de figurar em proposiccedilotildees universais negativas verdadeiras exigecircncia que natildeo estaacute no alcance dos termos de generalidade total Afinal se estamos diante de um transcategorial desse tipo de antematildeo jaacute assumimos a inexistecircncia de um termo do qual ele natildeo seja predicado Assim os termos de generalidade total ficam impedidos de serem atribuiacutedos a um extremo e natildeo atribuiacutedos ao outro (44b 24) como deve ser o mediador de um silogismo negativo

O que eacute verdade portanto eacute que Aristoacuteteles dispensa os termos de generalidade total da funccedilatildeo de mediador De fato quando se pretende construir silogismos nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas tal como ocorre no capiacutetulo 28 a busca do mediador entre transcategoriais de generalidade total eacute sempre infrutiacutefera porque soacute poderaacute devolver como resposta pretensos fatores de mediaccedilatildeo marcados por duas deficiecircncias principais a

47 Supomos que em tais passagens Aristoacuteteles de fato tem em mente as recomendaccedilotildees de prova apresentadas no iniacutecio do capiacutetulo 28 de modo que apenas os silogismos em Barbara e Darapti sejam considerados como silogismos afirmativos (cf 43b 39minus44a 2) Assim entendemos que o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 se justificaria porque os termos de generalidade total na prova de a natildeo podem integrar a lista de termos aos quais o extremo maior acompanha bem como na prova de i a lista de termos aos quais ambos os extremos acompanham No entanto ainda que os demais silogismos afirmativos sejam levados em conta o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 continua verdadeiro jaacute que Darii Disamis e Datisi tambeacutem exigem que o mediador esteja entre os termos aos quais o(s) extremo(s) acompanha(m)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

38

impossibilidade de desempenhar a funccedilatildeo de sujeito de modo legiacutetimo e a incapacidade de compor proposiccedilotildees negativas verdadeiras

Nenhuma das passagens mencionadas acima (43b 36minus38 e 44b 19minus24) eacute citada ndash nem por Lukasiewicz nem por Patzig ndash como evidecircncia de que Aristoacuteteles teria rejeitado os termos de generalidade total em seu sistema loacutegico Poreacutem diante da escassez de evidecircncias em favor da suposta exclusatildeo de tais termos natildeo eacute insensato presumir que os proponentes dessa exclusatildeo tenham encontrado inspiraccedilatildeo nelas

Na proacutexima seccedilatildeo examinaremos textos nos quais Aristoacuteteles constroacutei silogismos com termos de natureza singular Veremos que o incocircmodo com a presenccedila de tais termos na silogiacutestica eacute menos de Aristoacuteteles e mais de seus inteacuterpretes 3 Termos Singulares e o Silogismo Peripateacutetico

Jaacute comentamos o fato de Lukasiewicz ter feito pesadas criacuteticas agrave silogiacutestica em especial ao suposto fato de Aristoacuteteles ter afastado os termos de natureza singular de seu sistema loacutegico o que seria segundo Lukasiewicz ldquoo maior defeitordquo da loacutegica aristoteacutelica48 Ao que parece o responsaacutevel por levaacute-lo por esse caminho foi Ross que tomou nota do tambeacutem suposto fato de Aristoacuteteles nunca se valer de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos49 Lukasiewicz reiterou a constataccedilatildeo de Ross (embora natildeo o cite) e nela encontrou razatildeo para natildeo reconhecer como rigorosamente aristoteacutelico o silogismo que qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo silogismo formulado em primeira figura com um nome proacuteprio como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo

De acordo com a triparticcedilatildeo de termos que pudemos conhecer no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I (Seccedilatildeo II Parte 1) natildeo temos qualquer razatildeo para expulsar da silogiacutestica os termos de natureza singular Eacute

48 Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect3 p 6) 49 Ross (1949 p 289 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

39

claro que Aristoacuteteles natildeo deixa de lhes endereccedilar certas restriccedilotildees poreacutem vale a pena repetir nenhuma das restriccedilotildees introduzidas por Aristoacuteteles no referido capiacutetulo tem forccedila suficiente para expulsar os termos singulares da loacutegica aristoteacutelica De fato embora tais termos natildeo possam figurar em proposiccedilotildees como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nada impede que outros termos lhes sejam atribuiacutedos por conseguinte embora natildeo possam ser demonstrados como legiacutetimos predicados de outros termos nada impede que outros termos sejam demonstrados como predicados deles50

Fora dos Analiacuteticos jaacute esbarramos em indiacutecios que vatildeo nessa direccedilatildeo No capiacutetulo 10 de Metafiacutesica XIII (My) por exemplo haacute uma breve passagem que sugere esse resultado Enquanto argumenta em favor da tese de que ldquoo conhecimento eacute de universaisrdquo (ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου) Aristoacuteteles parece supor que os termos singulares ldquoeste triacircngulordquo e ldquoeste homemrdquo tambeacutem satildeo suscetiacuteveis de operaccedilotildees silogiacutesticas

[] ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου δῆλον δrsquo ἐκ τῶν ἀποδείξεων καὶ τῶν ὁρισμῶν οὐ γὰρ γίγνεται συλλογισμὸς ὅτι τόδε τὸ τρίγωνον δύο ὀρθαῖς εἰ μὴ πᾶν τρίγωνον δύο ὀρθαί οὐδrsquo ὅτι ὁδὶ ὁ ἄνθρωπος ζῷον εἰ μὴ πᾶς ἄνθρωπος ζῷον [] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos a natildeo ser que todo triacircngulo possua dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal a natildeo ser que todo homem seja animal (1086b 34minus37)

Poreacutem essa passagem natildeo eacute tatildeo simples quanto pode parecer agrave primeira vista51 Paul Shorey por exemplo reprovaria jaacute a traduccedilatildeo que

50 An Pr I 27 43a 25minus29 e 39minus40 Ao comentar o capiacutetulo 27 Mignucci (1969 p 443) tambeacutem reconhece a possibilidade ldquodi costruire dimostrazioni e sillogismi anche relativamente a singolarirdquo citando Alexandre que tambeacutem jaacute a observa em seus comentaacuterios (An Pr p 293 13minus23) 51 Shorey (1913)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

40

propomos porque ela faz crer que Aristoacuteteles estabelece uma relaccedilatildeo de dependecircncia dedutiva (silogiacutestica) entre proposiccedilotildees dependecircncia que de fato existe mas da qual para Shorey a passagem em questatildeo natildeo trataria De acordo com Shorey as ocorrecircncias de εἰ μὴ nas linhas 33 e 36 natildeo significam ldquo[] lsquounlessrsquo but is to be taken in its idiomatic sense as a virtual equivalent of ἀλλάrdquo Nesse caso uma traduccedilatildeo mais fiel agrave posiccedilatildeo de Shorey seria a seguinte

[] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos mas de que todo triacircngulo tem dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal mas de que todo homem eacute animal (1086b 34minus37)

Assim o texto estabeleceria natildeo que as proposiccedilotildees singulares no papel de conclusotildees silogiacutesticas satildeo (dedutivamente) dependentes das proposiccedilotildees universais mas que as conclusotildees propriamente silogiacutesticas satildeo universais (universalmente quantificadas) e natildeo singulares

Ross52 ao tratar dessa passagem natildeo deixa de comentar a posiccedilatildeo de Shorey

He [Shorey] argues that in l 33 knowledge is said to be lsquoofrsquo universals ie to have universal conclusions as well as universal premises [hellip] and that singular propositions never occur as conclusions in Aristotlersquos logical writings

Na verdade Shorey53 natildeo chega a dizer que proposiccedilotildees singulares nunca ocorrem como conclusotildees silogiacutesticas nos escritos loacutegicos de Aristoacuteteles embora passe perto disso

The syllogism with a particular54 conclusion is an inferior type (Analyt Post 79a 25ff) [hellip] Aristotle does not recognize singular proposition in his classification (Analyt Priora A1 Grote Aristotle I 205) and the

52 Ross (1953 p 464) 53 Shorey (1913 p 91) 54 Nesse contexto Shorey assume ldquoparticularrdquo e ldquosingularrdquo como equivalentes

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

41

conclusion to an individual case interests him very little and is practically ignored

Shorey tem alguma razatildeo em alegar que os silogismos que concluem proposiccedilotildees singulares (tambeacutem conhecidos como ldquoperipateacuteticosrdquo) satildeo de um tipo inferior especialmente quando se leva em conta o horizonte das demonstraccedilotildees cientiacuteficas55 mas erra quando recorre ao trecho 79a 25ss para dar base textual a tal alegaccedilatildeo ndash o referido trecho nem mesmo trata desse assunto Por sua vez e contra Shorey Ross56 surpreende ao alegar o seguinte

There are however occasional references in Aristotle to the occurrence of singular propositions as the minor premise or conclusion of syllogisms (eg An Pr 43a 37minus40) []

55 Para Aristoacuteteles o silogismo dito cientiacutefico no mais alto grau eacute a chamada demonstraccedilatildeo universal Eacute importante notar que aqui o adjetivo ldquouniversalrdquo tem um sentido muito preciso e natildeo se justifica pela mera ocorrecircncia de uma conclusatildeo universalmente quantificada Em Segundos Analiacuteticos I 4 73b 32minus74a 3 por exemplo Aristoacuteteles argumenta que a demonstraccedilatildeo universal natildeo conclui que todo isoacutesceles tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos mas que todo triacircngulo tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos revelando um requisito que envolve o ajuste preciso do extremo menor a partir de condiccedilotildees estabelecidas pelo extremo maior (cf Seg An I 5 74a 4minus6 13minus17 25minus32 74b 21minus26 I 24 85b 4minus15) Para Aristoacuteteles o predicado ldquoter a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retosrdquo ndash daqui para frente apenas ldquo2Rrdquo ndash se atribui a ldquoisoacutescelesrdquo de um modo que em algum sentido eacute parasitaacuterio da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo dado que isoacutesceles tem 2R na exata medida em que eacute triacircngulo Em outras palavras a atribuiccedilatildeo de ldquo2Rrdquo a ldquoisoacutescelesrdquo eacute entendida como indireta e dependente da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo Nesse contexto eacute natural presumir que um silogismo peripateacutetico seja concebido como inferior em relaccedilatildeo aos demais minus especialmente no que diz respeito ao grau de cientificidade minus jaacute que sua conclusatildeo natildeo poderaacute satisfazer as exigecircncias de uma legiacutetima conclusatildeo cientiacutefica tal como ocorre em uma demonstraccedilatildeo universal Jaacute quanto agraves propriedades dedutivas envolvidas em tal silogismo natildeo haacute razatildeo para consideraacute-lo inferior Para apreciaccedilatildeo detalhada da noccedilatildeo de demonstraccedilatildeo universal ver Angioni (2007) 56 Ross (1953 p 464)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

42

Ross supotildee que o argumento de Shorey pretende estabelecer a exclusatildeo dos termos singulares do domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica e aponta a passagem 43a 37minus40 como evidecircncia textual incompatiacutevel com essa exclusatildeo Temos aqui uma mudanccedila de opiniatildeo De fato conforme pudemos ver na primeira seccedilatildeo deste artigo ao tratar do trecho 43a 37minus43 na ediccedilatildeo comentada do texto grego de Primeiros e Segundos Analiacuteticos Ross chega a dizer que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares em seus exemplos de silogismos e argumenta em favor de uma silogiacutestica restrita a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ)57 Agora ao comentar a passagem 1086a 34minus37 de Metafiacutesica XIII (My) 10 Ross reconhece no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I uma evidecircncia em favor da inclusatildeo dos termos singulares na silogiacutestica Aparentemente o proacuteprio Ross natildeo tinha muita convicccedilatildeo a respeito da inclusatildeo ou exclusatildeo dos termos de natureza singular

De nossa parte admitimos que a passagem 1086a 34minus37 eacute digna da controveacutersia introduzida por Shorey ndash embora tenhamos mais apreccedilo pela interpretaccedilatildeo de Ross No entanto mesmo que Shorey tenha razatildeo a respeito do referido trecho de Metafiacutesica XIII (My) 10 a presenccedila de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares na silogiacutestica natildeo estaraacute ameaccedilada porque ainda podemos nos valer de passagens muito mais promissoras para decidir essa questatildeo passagens nas quais o proacuteprio Aristoacuteteles elabora cocircmputos silogiacutesticos com termos singulares como se a presenccedila deles na silogiacutestica natildeo lhe figurasse como uma anomalia

Patzig tinha conhecimento dessas passagens e fez questatildeo de citaacute-las no primeiro capiacutetulo de seu livro corrigindo o suposto fato alegado por Ross e Lukasiewicz de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos exemplos de silogismos que aparecem em Primeiros Analiacuteticos No entanto Patzig natildeo recorre a tais passagens a fim de reintroduzir os termos singulares na silogiacutestica mas procura

57 Idem 1949 p 384

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

43

desqualificaacute-las e assim reiterar os resultados de seus antecessores De fato embora reconheccedila as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 do Livro I bem como de ldquoPitacosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II Patzig manteacutem a posiccedilatildeo tradicional que afasta os termos de natureza singular da loacutegica aristoteacutelica alegando apenas que a ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo (70a 16minus20) se daacute em um silogismo invaacutelido ao passo que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo (47b 15ss) aparecem em premissas das quais nada se segue58

Eacute bem verdade que as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 de Primeiros Analiacuteticos I estatildeo associadas a pares de premissas dos quais nenhuma conclusatildeo se segue coisa que o proacuteprio Aristoacuteteles natildeo hesita em admitir No entanto embora sejam inconcludentes esses pares de premissas acomodam seus termos em disposiccedilotildees muito similares agravequelas de um silogismo vaacutelido (Barbara)59 o que lhes confere as feiccedilotildees de que satildeo concludentes quando na verdade natildeo o satildeo De acordo com Aristoacuteteles o que os impede de serem concludentes eacute o fato de que a premissa maior natildeo eacute universal60 Em 47b 26minus28 essa justificativa eacute apresentada por meio de um pronunciamento que merece alguma atenccedilatildeo Aristoacuteteles anuncia o fato de a premissa maior natildeo ser universal como quem supotildee que fosse ela universal o problema estaria resolvido e assim o par de premissas seria concludente61 Ora na medida em que Aristoacuteteles atribui o caraacuteter inconcludente dos pares de premissas precisamente agraves premissas maiores (e natildeo agraves premissas menores nas quais ocorrem os termos singulares) presume-se que esses termos natildeo introduzem qualquer caracteriacutestica censuraacutevel nos silogismos ali formulados Assim o fato de que natildeo estamos diante de pares de premissas concludentes por si soacute natildeo eacute

58 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 59 An Pr I 33 47b 21minus37 60 Idem 47b 26minus29 34minus37 e 38minus39 61 O uso contrafactual de ἔδει na linha 27 sugere essa leitura

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

44

suficiente para recusar ao capiacutetulo 33 o papel de evidecircncia em favor de tais termos na silogiacutestica62

Quanto agrave ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo em Primeiros Analiacuteticos II 27 (70a 16minus20) Patzig tem alguma razatildeo em alegar que ela se daacute em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido No entanto eacute preciso ajustar essa alegaccedilatildeo porque Aristoacuteteles natildeo descreve o argumento em questatildeo propriamente como um silogismo mas como um sinal (σημεῖον) e ao que parece um sinal e um silogismo ndash um legiacutetimo silogismo e natildeo um mero entimema ndash estatildeo longe de ser a mesma coisa63 Aleacutem disso temos uma ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo no mesmo capiacutetulo que eacute bem mais relevante para a discussatildeo mas que foi completamente ignorada pelos comentadores

Em 70a 26minus28 Aristoacuteteles formula dois silogismos nos quais aparece o termo singular ldquoPitacosrdquo Um deles eacute descrito como refutaacutevel (λύσιμος)64 basicamente porque a conclusatildeo natildeo se segue das premissas65 Natildeo precisamos nos deter nele Por ora o silogismo que fora introduzido algumas linhas antes e que foi descrito por Aristoacuteteles como irrefutaacutevel (ἄλυτος)66 eacute muito mais interessante Esse silogismo tem exatamente a formulaccedilatildeo paradigmaacutetica que Lukasiewicz qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo e agrave qual negou lugar na loacutegica aristoteacutelica Vale a pena citar essa passagem para marcar bem a presenccedila desse tipo de silogismo na loacutegica de Aristoacuteteles

62 M Malink (2009 p 119) por exemplo contrariando Patzig aponta o capiacutetulo I 33 minus bem como II 27 do qual trataremos a seguir minus como evidecircncia em favor de termos singulares na silogiacutestica Ver tambeacutem Mignucci ldquoAristotlersquos Theory of Predicationrdquo p 10 ldquoParts Quantification and Aristotelian Predicationrdquo p 11 e Barnes ldquoTruth etcrdquo p 158-166 63 An Pr II 27 70a 24minus25 64 Ibidem 30minus31 e 34minus35 65 Ibidem 27minus28 e 30minus32 66 Ibidem 29

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

45

Ἐὰν μὲν οὖν ἡ μία λεχθῇ πρότασις σημεῖον γίνεται μόνον ἐὰν δὲ καὶ ἡ ἑτέρα προσληφθῇ συλλογισμός οἷον ὅτι Πιττακὸς ἐλευθέριος οἱ γὰρ φιλότιμοι ἐλευθέριοι Πιττακὸς δὲ φιλότιμος Assim se somente uma premissa for assumida haacute apenas um sinal ao passo que se a outra premissa tambeacutem for assumida entatildeo haacute um silogismo por exemplo lsquoPitacos eacute destemido pois os homens de brio satildeo destemidos e Pitacos eacute homem de briorsquo (70a 24minus27)67

A descriccedilatildeo eacute inusitada porque Aristoacuteteles comeccedila pela conclusatildeo Mas isso natildeo prejudica o resultado a que queremos chegar O nome proacuteprio ldquoPitacosrdquo eacute sem duacutevida o extremo menor que aparece como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo ldquodestemidordquo eacute o extremo maior predicado da premissa maior e da conclusatildeo por fim a funccedilatildeo de mediador fica por conta de ldquohomem de briordquo Em uma reconstituiccedilatildeo um pouco mais formalizada temos o seguinte silogismo todo homem de brio eacute destemido Pitacos eacute (um) homem de brio logo Pitacos eacute destemido

O leitor mais desconfiado talvez hesite em aceitar que a premissa maior ldquoos homens de brio satildeo destemidosrdquo possa ser formalizada com um quantificador universal mas haacute sinais claros de que eacute assim que devemos concebecirc-la Em primeiro lugar Aristoacuteteles reconhece a legitimidade desse silogismo e supotildee que a conclusatildeo decorre das premissas o que por si soacute jaacute pressupotildee a universalidade da premissa maior Caso contraacuterio a conclusatildeo natildeo se impotildee Em segundo lugar haacute um pequeno detalhe que causa surpresa nesse capiacutetulo e que merece atenccedilatildeo de nossa parte Aristoacuteteles justifica o caraacuteter irrefutaacutevel do mencionado silogismo alegando que se trata de um silogismo universal (καθόλου γὰρ ἐστιν cf 70a 30) Ora como se sabe Aristoacuteteles descreve como universais precisamente aqueles silogismos nos quais a conclusatildeo eacute universal quais sejam Barbara Celarent Cesare e Camestres Por isso ao caracterizar o ldquosilogismo peripateacuteticordquo como um silogismo universal

67 As traduccedilotildees de φιλότιμος e ἐλευθέριος certamente satildeo discutiacuteveis mas em nada afetam os nossos objetivos

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

46

Aristoacuteteles pode querer sinalizar que em algum sentido a conclusatildeo ldquoPitacos eacute destemidordquo deva ser compreendida como uma proposiccedilatildeo fundada em uma atribuiccedilatildeo universal68 como se o referido ldquosilogismo peripateacuteticordquo precisamente em razatildeo disso fosse digno do mesmo status concedido aos demais silogismos universais (Barbara Celarente Cesare e Camestres) Essa leitura sugere que a concepccedilatildeo aristoteacutelica de atribuiccedilatildeo universal talvez deva ser repensada jaacute que ela daacute sinais de se estender sobre casos para os quais natildeo cabe falar em quantificadores (universais) ndash eacute o que parece ocorrer no ldquosilogismo peripateacuteticordquo acima mencionado

O aprofundamento desse ponto no entanto eacute algo que ultrapassa o escopo da presente investigaccedilatildeo e seu exame deve ser deixado para outra ocasiatildeo A essa altura o objetivo principal desta seccedilatildeo jaacute nos parece ter sido alcanccedilado pois consiste apenas em mostrar o que os leitores menos versados nos Analiacuteticos jaacute perceberam haacute muito tempo a saber que o chamado ldquosilogismo peripateacuteticordquo natildeo soacute faz parte da loacutegica aristoteacutelica mas mais do que isso ainda pode desfrutar de um lugar privilegiado no interior da silogiacutestica entre os chamados ldquosilogismos universaisrdquo Diante desse quadro natildeo haacute duacutevida de que os termos de natureza singular tecircm lugar garantido na loacutegica de Aristoacuteteles69

68 Provavelmente foi inspirado em passagens como essa que J N Keynes (1906 p 102) sugeriu conceber as proposiccedilotildees singulares como uma subclasse de proposiccedilotildees universais Lukasiewicz tomou nota dessa possibilidade e a considerou totalmente equivocada Mas para isso ignorou completamente o trecho 70a 24minus30 69 Agradeccedilo ao professor Lucas Angioni (Unicamp) pela prontidatildeo na leitura de versotildees preacutevias deste artigo pelas indicaccedilotildees de passagens para reforccedilar o argumento e pelas alteraccedilotildees de texto sugeridas as quais certamente contribuiacuteram para melhorar o resultado final aqui apresentado Agradeccedilo tambeacutem aos professores Raphael Zillig (UFRGS) e Inara Zanuzzi (UFRGS) pela oportunidade de discutir alguns resultados provisoacuterios deste artigo no Seminaacuterio sobre Primeiros Analiacuteticos I 27 organizado pelo professor Raphael e realizado na UFRGS no ano de 2011 Por fim tambeacutem agradeccedilo aos

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

47

REFEREcircNCIAS

ANGIONI L ldquoO Conhecimento Cientiacutefico no Livro I dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesrdquo Revista de Filosofia Antiga (online) vol 1 n 1 2007 (httpwwwfilosofiaantigacomdocuments23html)

BARNES J (ed) Aristotle Prior Analytics (trans by A J Jenkinson in Barnes 1984 vol 1 p 39minus113)

mdashmdashmdashmdash Truth etc Six Lectures on Ancient Logic Oxford Clarendon Press 2007

BOCHENSKI J Ancient Formal Logic Amsterdam North-Holland Publishing 1951

CORCORAN J ldquoCompleteness of an Ancient Logicrdquo Journal of Symbolic Logic 37 696minus702 1972

KEYNES J N Studies and Exercises in Formal Logic (fourth edition rewritten and enlarged) New York The Macmillan Company 1906

LUKASIEWICZ J Aristotlersquos Syllogistic from the Standpoint of Modern Formal Logic Oxford Clarendon Press 1951

MALINK M ldquoA Non-Extensional Notion of Conversion in the Organonrdquo Oxford Studies in Ancient Philosophy Vol XXXVII p 106minus141 Oxford University Press 2009

MIGNUCCI M Aristotele Gli analitici primi ndash Traduzione introduzione e commento Naples Loffredo 1969

companheiros de pesquisa Francine Maria Ribeiro e Mateus Ricardo Fernandes Ferreira (UEMminusPR) pela leitura das primeiras versotildees desse texto e pelas proveitosas sugestotildees que me fizeram

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

48

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Theory of Predication in I Angelilli and M Cerezo (eds) Studies in the History of Logic 1minus20 Berlin 1996

mdashmdashmdashmdash Parts Quantification and Aristotelian Predication Monist 83 3minus21 2000

PATZIG G Aristotlersquos Theory of the Syllogism A Logico-Philosophical Study of Book A of the Prior Analytics Translated by Jonathan Barnes Dordrecht Reidel 1959

ROSS W D Aristotlersquos Prior and Posterior Analytics Oxford Clarendon Press 1949

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Metaphysics Oxford Clarendon Press 1953 (1924)

SHOREY P ldquoA Note on Aristotlersquos Metaphysics 1086b 32minus37rdquo Classical Philology Vol 8 n 1 pp 90minus92 1913

SMITH R Aristotle Prior Analytics Indianapolis Hackett Publishing Company 1989

STRIKER G Aristotle Prior Analytics Book I Oxford Clarendon Press 2009

Page 12: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

16

28 de Primeiros Analiacuteticos I Mais adiante veremos que essa conjetura eacute equivocada

Por ora eacute importante notar que essa distinccedilatildeo entre de um lado subordinaccedilatildeosuperordenaccedilatildeo proacutepria e de outro lado mera subordinaccedilatildeosuperordenaccedilatildeo faz alguma diferenccedila no que diz respeito agrave exclusatildeo da chamada classe universal Para excluiacute-la Patzig assume que a classe universal pertence ao domiacutenio de termos da silogiacutestica a articula com os axiomas (1) e (3) e obteacutem um resultado contraditoacuterio o terceiro axioma requer que todo termo silogiacutestico possua ao menos um termo que lhe seja contraacuterio ndash tratando-se da classe universal esse termo contraacuterio eacute a classe nula por sua vez o primeiro axioma requer que todo termo silogiacutestico possua ao menos um termo subordinado proacuteprio exigecircncia que a classe nula eacute incapaz de satisfazer ndash por definiccedilatildeo a classe nula natildeo possui termos subordinados proacuteprios Assim a impossibilidade da classe nula acarreta a impossibilidade da classe universal18

Patzig ainda aponta o trecho 998b 22ndash27 do capiacutetulo 3 de Metafiacutesica Beta como evidecircncia complementar de que Aristoacuteteles teria rejeitado a classe universal fazendo alusatildeo a um texto que embora trate de termos dessa natureza tem com a silogiacutestica uma relaccedilatildeo muito distante19

Por sua vez nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares como ldquoSoacutecratesrdquo e ldquoeste triacircngulordquo natildeo possuem termos subordinados proacuteprios e portanto natildeo satisfazem ao primeiro axioma Por fim gecircneros supremos como ldquosubstacircnciardquo ldquoqualidaderdquo ldquoquantidaderdquo etc natildeo podem contar com termos superordenados proacuteprios e por conseguinte ficam impossibilitados de satisfazer ao segundo axioma (impossibilidade que natildeo nos parece ter sido bem estabelecida20)

18 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 19 Ibidem 20 A exemplo de Ross (cf nota 3) Patzig ignora os transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo que a princiacutepio poderiam figurar como superordenados proacuteprios dos gecircneros supremos de modo que o axioma (2) fosse entatildeo satisfeito pelos gecircneros

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

17

Assim Patzig reitera as restriccedilotildees introduzidas por Ross e consolidadas por Lukasiewicz desenhando um quadro em que uma vez mais a silogiacutestica eacute pensada como um sistema loacutegico que opera exclusivamente sobre termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) sem atuaccedilatildeo sobre nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares gecircneros supremos (summa genera) e termos transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) Na proacutexima seccedilatildeo mostraremos que as leituras propostas por tais inteacuterpretes seguramente natildeo encontram respaldo nos textos de Aristoacuteteles II CRIacuteTICA AgraveS OPINIOtildeES TRADICIONAIS

1 Uma Releitura de Primeiros Analiacuteticos I 27 43a 25minus43

Certamente nem todo o legado de Ross Lukasiewicz e Patzig deve ser abandonado Parece razoavelmente acertada por exemplo a escolha do capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos como promissora resposta agrave questatildeo de saber quais tipos de termos podem figurar em silogismos rigorosamente aristoteacutelicos ndash muito embora nem todo tipo de silogismo reconhecido por Aristoacuteteles esteja no escopo desse capiacutetulo21 No primeiro capiacutetulo do Livro I de Primeiros Analiacuteticos em que seria natural esperar alguma descriccedilatildeo mais detalhada a respeito dos termos Aristoacuteteles eacute muito sucinto limitando-se a dizer o seguinte

Ὅρον δὲ καλῶ εἰς ὃν διαλύεται ἡ πρότασις οἷον τό τε κατηγορούμενον καὶ τὸ καθrsquo οὗ κατηγορεῖται προστιθεμένου τοῦ εἶναι ἢ μὴ εἶναι

supremos Para excluir tais termos Patzig se pronuncia de modo muito breve e pouco esclarecedor ldquocategories (on Aristotlersquos definition) do not satisfy axiom (2)rdquo Aleacutem disso as ocorrecircncias de ldquosubstacircnciardquo e ldquounidaderdquo em Pr An I 5 27a 19minus20 e 27b 6minus8 tambeacutem satildeo ignoradas talvez em decorrecircncia de estarem associadas a pares de premissas inconcludentes 21 Ver por exemplo os silogismos formulados em Pr An II 15

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

18

Chamo lsquotermorsquo aquilo no que a proposiccedilatildeo se dissolve ou seja o item que se predica e o de que se predica acrescentando lsquoeacutersquo ou lsquonatildeo eacutersquo (24b 16minus18)

Esse pronunciamento eacute muito vago e em decorrecircncia pouco revelador Por isso em relaccedilatildeo agrave presente investigaccedilatildeo tal capiacutetulo quase natildeo oferece material que possa ser aproveitado Eacute claro que natildeo eacute bem essa a opiniatildeo de nossos interlocutores Ross Lukasiewicz e Patzig conceberam o mero fato de Aristoacuteteles natildeo ter feito menccedilatildeo a termos singulares no capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I como forte evidecircncia de que tais termos natildeo teriam lugar na silogiacutestica22

Essa atitude nos parece incorreta O fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a termos singulares revela apenas que o capiacutetulo natildeo tem aptidatildeo para contribuir com a investigaccedilatildeo Poder-se-ia alegar talvez que a exposiccedilatildeo das proposiccedilotildees silogiacutesticas no trecho 24a 16minus22 eacute exaustiva de modo que a exclusatildeo dos termos singulares fosse assegurada pelo simples fato de natildeo haver alusatildeo expliacutecita agraves proposiccedilotildees que lhes satildeo correlatas Poreacutem o referido trecho cai em certo descreacutedito por envolver certas imprecisotildees das quais o silecircncio sobre as proposiccedilotildees singulares seria apenas mais uma A diferenccedila entre proposiccedilotildees particulares e indefinidas por exemplo eacute bem precaacuteria Com efeito a proposiccedilatildeo particular ldquoalgum prazer natildeo eacute bemrdquo natildeo eacute mais informativa que a proposiccedilatildeo indefinida ldquoprazer natildeo eacute bemrdquo Tanto em um caso quanto em outro a relaccedilatildeo que os termos possuem entre si eacute igualmente indeterminada ou seja natildeo sabemos se (i) todo prazer natildeo eacute bem ou se (ii) algum prazer natildeo eacute bem e algum prazer eacute bem23

22 Ross (1949 p 384) Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect1 p 1 sect2 p 4) Patzig (1959 chapter 1 sect3 p 5) 23 Entre os comentadores Ross (1949 p 314) parece assumir que no trecho 29a 27minus29 Aristoacuteteles teria feito uma declaraccedilatildeo expliacutecita de que tais proposiccedilotildees seriam de fato equivalentes Bochenski (1951 p 43) por sua vez reconhece a referida passagem como evidecircncia incontestaacutevel de que Aristoacuteteles concebia tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis o que torna a distinccedilatildeo

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

19

Imprecisotildees como essa revelam o caraacuteter provisoacuterio do trecho 24a 16minus22 Por isso essa passagem natildeo pode ser considerada como resposta definitiva ao problema de saber se a silogiacutestica reserva lugar para termos singulares sobretudo se a razatildeo alegada para assim consideraacute-la for o mero fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a proposiccedilotildees singulares Em certa medida os comentadores perceberam que natildeo poderiam recorrer apenas ao primeiro capiacutetulo de Primeiros Analiacuteticos I para decidir a questatildeo e estenderam a discussatildeo ao capiacutetulo 27 tomando uma decisatildeo bastante acertada porque eacute nesse capiacutetulo que Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes e os compreende claramente como fatores de atribuiccedilatildeo suscetiacuteveis de articulaccedilatildeo silogiacutestica O trecho 43a 25minus43 oferece trecircs tipos de termos e como bem observaram os proponentes das opiniotildees tradicionais impotildee certas restriccedilotildees ao uso de termos de natureza singular bem como ao uso de termos de alto grau de generalidade ndash quer sejam summa genera como prefere Ross ou transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como entende Lukasiewicz O que escapou a nossos interlocutores eacute que essas restriccedilotildees estatildeo longe de expulsar da silogiacutestica qualquer dos trecircs tipos de termos ali apresentados Por isso em defesa de nossa posiccedilatildeo propomos reexaminar o trecho 43a 25minus43 pois entendemos que o texto por si soacute natildeo deixa duacutevidas de que nenhum dos trecircs tipos de termos introduzidos na referida passagem tenha sido excluiacutedo da silogiacutestica

Assim examinemos o famoso texto que tem alimentado a discussatildeo sobre termos silogiacutesticos

[1] ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστι τοιαῦτα ὥστε κατὰ μηδενὸς ἄλλου κατηγορεῖσθαι ἀληθῶς καθόλου (οἷον Κλέων καὶ

proposta no primeiro capiacutetulo um tanto despropositada Lukasiewicz (1951 sect2 p 5) tambeacutem reconhece que Aristoacuteteles trata tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis mas natildeo admite que Aristoacuteteles tenha se pronunciado de modo expliacutecito a respeito dessa equivalecircncia preferindo delegar esse feito a Alexandre

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

20

Καλλίας καὶ τὸ καθrsquo ἕκαστον καὶ αἰσθητόν) κατὰ δὲ τούτων ἄλλα (καὶ γὰρ ἄνθρωπος καὶ ζῷον ἑκάτερος τούτων ἐστί) τὰ δrsquo αὐτὰ μὲν κατrsquo ἄλλων κατηγορεῖται κατὰ δὲ τούτων ἄλλα πρότερον οὐ κατηγορεῖται τὰ δὲ καὶ αὐτὰ ἄλλων καὶ αὐτῶν ἕτερα οἷον ἄνθρωπος Καλλίου καὶ ἀνθρώπου ζῷον ὅτι μὲν οὖν ἔνια τῶν ὄντων κατrsquo οὐδενὸς πέφυκε λέγεσθαι δῆλον τῶν γὰρ αἰσθητῶν σχεδὸν ἕκαστόν ἐστι τοιοῦτον ὥστε μὴ κατηγορεῖσθαι κατὰ μηδενὸς πλὴν ὡς κατὰ συμβεβηκός φαμὲν γάρ ποτε τὸ λευκὸν ἐκεῖνο Σωκράτην εἶναι καὶ τὸ προσιὸν Καλλίαν ὅτι δὲ καὶ ἐπὶ τὸ ἄνω πορευομένοις ἵσταταί ποτε πάλιν ἐροῦμεν νῦν δrsquo ἔστω τοῦτο κείμενον [2] κατὰ μέν οὖν τούτων οὐκ ἔστιν ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον ἕτερον πλὴν εἰ μὴ κατὰ δόξαν ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων οὐδὲ τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται (καὶ γὰρ αὐτὰ κατrsquo ἄλλων καὶ ἄλλα κατὰ τούτων λεχθήσεται) καὶ σχεδὸν οἱ λόγοι καὶ αἱ σκέψεις εἰσὶ μάλιστα περὶ τούτων [1] Entre todos os entes alguns satildeo tais que natildeo se afirmam de nenhum outro verdadeiramente como universais (por exemplo Cleon e Caacutelias ou seja o particular e o sensiacutevel) mas outros se afirmam deles de fato cada um desses eacute tanto homem quanto animal Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros mas nenhum outro anterior se afirma deles Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros e outros satildeo afirmados deles por exemplo homem que se afirma de Caacutelias e do qual animal se afirma Assim eacute evidente que certas coisas por natureza natildeo se dizem de nenhuma outra de fato em geral entre as coisas sensiacuteveis cada uma eacute tal que natildeo se afirma de nenhuma outra a natildeo ser por acidente com efeito agraves vezes dizemos que aquele branco eacute Soacutecrates e que aquele que se aproxima eacute Caacutelias (Ainda diremos por que tambeacutem para cima em algum momento a seacuterie se interrompe Mas por ora seja assumido isso) [2] Assim acerca dessas coisas natildeo eacute possiacutevel demonstrar outra sendo afirmada (a natildeo ser segundo opiniatildeo) mas eacute possiacutevel demonstrar elas proacuteprias sendo afirmadas de outras Tampouco eacute possiacutevel demonstrar as coisas particulares sendo afirmadas de outras mas eacute possiacutevel demonstrar outras sendo afirmadas delas Jaacute das coisas que ficam entre essas eacute evidente que eacute possiacutevel demonstrar afirmando de ambos os modos pois tanto elas seratildeo ditas de outras quanto outras seratildeo ditas delas Grosso modo os argumentos e as investigaccedilotildees satildeo sobretudo acerca dessas coisas (43a 25minus43)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

21

A mais natural divisatildeo que podemos impor agrave passagem acima exige duas seccedilotildees

[1] Na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes compreendidos como fatores de atribuiccedilatildeo e classificados segundo as funccedilotildees que cada classe de termos pode desempenhar em proposiccedilotildees destinadas a operaccedilotildees silogiacutesticas A passagem eacute inaugurada com um pronunciamento a respeito de todos os entes ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων Por isso ao que tudo indica essa divisatildeo tripartite eacute exaustiva e natildeo deixa de fora nenhuma classe de termos Os resultados provenientes dessa classificaccedilatildeo trazem certas restriccedilotildees agrave atuaccedilatildeo de alguns termos na silogiacutestica nas linhas 25minus29 Aristoacuteteles nega que os termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) possam desempenhar o papel de legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nas linhas 29minus30 rejeita a possibilidade de atribuir aos termos de alta generalidade um termo que lhes seja anterior (πρότερον) Conforme jaacute o dissemos essas restriccedilotildees passam longe da exclusatildeo de qualquer das classes de termos apresentadas no referido trecho do capiacutetulo 27 A principal evidecircncia disso aparece na imediata sequumlecircncia do texto em que Aristoacuteteles avalia os efeitos dessas restriccedilotildees sobre as demonstraccedilotildees Isso nos leva agrave segunda seccedilatildeo

[2] Na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) satildeo explicitadas as consequumlecircncias que as restriccedilotildees apresentadas na seccedilatildeo anterior (43a 25minus37) produziratildeo nas demonstraccedilotildees24 Nas linhas 37minus39 Aristoacuteteles se pronuncia a respeito dos termos de alta generalidade (summa genera

24 Eacute bem verdade que em relaccedilatildeo ao cenaacuterio que temos em Segundos Analiacuteticos I 2 a noccedilatildeo de apodeixis que aparece no capiacutetulo 27 ainda exige muitos aperfeiccediloamentos mas natildeo nos parece justo entendecirc-la meramente como prova silogiacutestica jaacute que ela envolve exigecircncias de ordem atributiva que restringem as provas denotadas pela noccedilatildeo de apodeixis assumida no capiacutetulo a um subgrupo da noccedilatildeo mais geral de silogismo As provas silogiacutesticas formuladas em Primeiros Analiacuteticos II 15 por exemplo ficam de fora do grupo de silogismos dos quais o capiacutetulo 27 pretende dar conta Assim sendo optamos por manter a traduccedilatildeo de apodeixis por ldquodemonstraccedilatildeordquo e natildeo por ldquoprovardquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

22

eou transcategoriais) a possibilidade de demonstrar qualquer outro termo a respeito deles eacute recusada25 mas a de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute afirmada textualmente Nas linhas 39minus40 o pronunciamento se faz a respeito dos termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) a possibilidade de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute recusada mas a de demonstrar outros termos a respeito deles tambeacutem eacute afirmada Nas linhas 40minus42 Aristoacuteteles trata dos termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) e natildeo lhes impotildee nenhuma restriccedilatildeo eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles26

Por fim nas linhas 42minus43 Aristoacuteteles encerra a passagem com um pronunciamento de caraacuteter geral e conclusivo pronunciamento que ao contraacuterio do que Ross sugeriu e mais tarde Lukasiewicz endossou natildeo nega absolutamente nada do que fora dito ateacute entatildeo

Eacute claro que o leitor ainda pode levar em conta que Aristoacuteteles soacute faz uso da expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 ao se pronunciar a respeito dos termos de alta generalidade e que por isso a pressuposiccedilatildeo de tal expressatildeo nos demais pronunciamentos seria artificiosa e desqualificaria a traduccedilatildeo e a leitura que propomos De fato essa expressatildeo causou incocircmodo a alguns tradutores de liacutengua inglesa influenciados provavelmente pelos legados de Ross e Lukasiewicz A J Jenkinson e Robin Smith por exemplo traduzem a

25 Na verdade Aristoacuteteles reconhece uma exceccedilatildeo aludindo agrave possibilidade de ldquodemonstrarrdquo segundo opiniatildeo (κατὰ δόξαν) mas essa exceccedilatildeo eacute uma alternativa a ser evitada 26 No manuscrito n temos δειχθήσεται ao inveacutes de λεχθήσεται na linha 42 As duas alternativas favorecem a nossa leitura Optamos pela manutenccedilatildeo de λεχθήσεται para natildeo perder a relaccedilatildeo explicativa que haacute entre os pronunciamentos das linhas 40minus41 de um lado e 30minus32 de outro De fato com λεχθήσεται a linha 42 apenas repete o que fora dito nas linhas 30minus32 Essa opccedilatildeo revela que as linhas 30minus32 explicam a linha 42 e sugere que a mesma relaccedilatildeo explicativa ocorra entre as linhas 25minus29 e 39minus40 bem como entre as linhas 29minus30 e 37minus39

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

23

expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 como ldquodemonstraterdquo e ldquodemonstrate to be predicatedrdquo respectivamente No entanto ambos evitam tal traduccedilatildeo nas linhas subsequumlentes nas quais a expressatildeo natildeo aparece de modo expliacutecito e substituem ldquodemonstraterdquo por ldquopredicaterdquo27

Haacute pelo menos uma boa razatildeo para rejeitar tais traduccedilotildees elas assumem que na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) precisamente no que diz respeito agraves consequumlecircncias que as restriccedilotildees introduzidas na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) tecircm sobre as demonstraccedilotildees Aristoacuteteles estaria interessado apenas nos termos de alta generalidade dado que recorre agrave expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον exclusivamente ao tratar deles Assim no que diz respeito agrave atuaccedilatildeo dos demais termos (τὰ καθrsquo ἕκαστα e τὰ μεταξὺ) nas demonstraccedilotildees Aristoacuteteles jaacute natildeo teria a pretensatildeo de avaliar as consequumlecircncias dessas restriccedilotildees limitando-se apenas a repetir o que fora dito na primeira seccedilatildeo Essa leitura impotildee ao texto uma interrupccedilatildeo natildeo muito natural em seu desenvolvimento e ainda o torna redundante sem apresentar uma razatildeo satisfatoacuteria que justifique essa leitura

27 Na linha 39 por exemplo A J Jenkinson (in Barnes 1984) traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquobut these may be predicated of other thingsrdquo Robin Smith vai na mesma direccedilatildeo e traduz como ldquobut they are predicated of othersrdquo embora reconheccedila em seu comentaacuterio ao trecho 43a 40ss na paacutegina 50 (comentaacuterio que na verdade trata da linha 39) que a frase pode ser traduzida como ldquoother things are demonstrated to be predicated of themrdquo nas linhas 39-40 Jenkinson traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNeither can individuals be predicated of other things although other things can be predicated of themrdquo Robin Smith natildeo destoa disso e traduz como ldquoNeither can individuals be predicated of other things but instead other things are predicated of themrdquo por fim nas linhas 40-41 Jenkinson traduz τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται como ldquoWhatever lies between these limits can be spoken of in both waysrdquo ao passo que Robin Smith traduz como ldquoBut it is clear that for those in between predication is possible in both waysrdquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

24

Na contramatildeo de A J Jenkinson e Robin Smith temos Mario Mignucci e Gisela Striker que traduzem a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον como ldquodimostrare che essi si predicanordquo e ldquodemonstrate to be said ofrdquo respectivamente e entendem as linhas 39minus41 como pronunciamentos nos quais embora natildeo apareccedila de modo expliacutecito a expressatildeo ainda estaacute em jogo28 Essas traduccedilotildees certamente satildeo as mais fieacuteis ao texto grego e corroboram a traduccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo que propomos justificando o abandono da leitura tradicional sugerida por Ross e cristalizada nos estudos de Lukasiewicz A essa altura jaacute podemos fazer um balanccedilo dos resultados que o capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos de fato nos impotildee O cenaacuterio que se desenha eacute o seguinte (i) termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) natildeo eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου)29 de outros termos por isso tampouco eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos no entanto eacute possiacutevel lhes atribuir outros termos como legiacutetimos

28 Na linha 39 por exemplo Mignucci traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquomentre egrave possibile dimostrare che essi si predicano di altrirdquo Striker por sua vez traduz como ldquobut [sc one can demonstrate] only that they themselves are predicated of other thingsrdquo na linha 40 ambos fazem questatildeo de recuperar a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον Mignucci traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNon egrave neanche possibile dimostrare che i singolari si predicano di altre cose ma soltanto che altre cose si predicano di essirdquo Striker segue a mesma linha e traduz como ldquonor can one demonstrate that individuals are said of other things but only that other things are said of themrdquo Na linha 41 por sua vez a expressatildeo eacute recuperada novamente e o trecho τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται eacute traduzido por Mignucci como ldquoEgrave chiaro invece che le cose intermedie egrave possibile dimostrarle nei due modirdquo ao passo que por Striker como ldquoBut clearly the intermediate things admit [sc to be demonstrated] of bothrdquo 29 Tais termos natildeo se predicam de nenhum outro a natildeo ser κατὰ συμβεβηκός (43a 33minus35)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

25

predicados por conseguinte tambeacutem eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 25minus29 e 39minus40) (ii) termos de alta generalidade (summa genera eou τὰ πᾶσιν ἑπόμενα)30 natildeo lhes eacute possiacutevel atribuir outros termos como legiacutetimos predicados ndash de fato natildeo haacute termo anterior (πρότερον) que lhes possa ser atribuiacutedo por isso tampouco eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles no entanto eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos logo tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos (conferir 43a 29minus30 e 37minus39) (iii) termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos bem como lhes atribuir outros termos como legiacutetimos predicados em razatildeo disso tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 30minus32 e 40minus42)

Assim o que prevalece eacute que Aristoacuteteles jamais afastou de sua loacutegica qualquer das trecircs classes de termos apresentadas em Primeiros Analiacuteticos I 27 muito embora tenha endereccedilado certas restriccedilotildees atributivas a algumas delas 2 Primeiros Analiacuteticos I 28 e os Axiomas de Patzig

Patzig parece entender que o capiacutetulo 27 natildeo eacute merecedor de toda a atenccedilatildeo que lhe foi concedida por Ross e Lukasiewicz O capiacutetulo 28 em sua opiniatildeo eacute bem mais promissor no que diz respeito agrave questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera31 enquanto o capiacutetulo 27

30 Como Aristoacuteteles natildeo oferece exemplos de termos desse tipo deixamos indeterminado se satildeo summa genera como propotildee Ross ou transcategoriais de generalidade total (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como prefere Lukasiewicz (cf nota 3) 31 Patzig (1959 sect3 p 6)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

26

serviria mais como discussatildeo preparatoacuteria para os assuntos tratados no capiacutetulo seguinte

De fato haacute forte unidade entre esses textos O objetivo predominante que os vincula e orienta eacute anunciado no iniacutecio do capiacutetulo 27 e consiste em mostrar ldquode que modo sempre estaremos providos de silogismos em relaccedilatildeo ao que for proposto e por qual via alcanccedilamos os princiacutepios de cada coisardquo32 O capiacutetulo 27 contribui com esse objetivo na medida em que faz recomendaccedilotildees sobre como selecionar termos e premissas e classifica os fatores silogiacutesticos segundo as funccedilotildees (sujeito e predicado) que podem desempenhar de modo irrestrito em proposiccedilotildees silogiacutesticas A contribuiccedilatildeo do capiacutetulo 28 por sua vez estaacute associada aos procedimentos de prova de cada uma das quatro formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Esses procedimentos satildeo caracterizados basicamente pela descriccedilatildeo dos paracircmetros de localizaccedilatildeo do fator capaz de mediar os extremos (τά ἄκρα) na relaccedilatildeo categoacuterica acarretada na conclusatildeo Trata-se portanto de procedimentos de busca e localizaccedilatildeo do termo mediador (τὸ μέσον)

Assim para provar por exemplo a relaccedilatildeo universal afirmativa EaA prescreve Aristoacuteteles devemos encontrar um fator comum a duas listas (i) aquela de termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e (ii) aquela de termos que se atribuem universalmente ao extremo menor E33 O resultado seraacute o mediador M tal que MaA e EaM o que perfaz um silogismo em Barbara Semelhantemente para provar a relaccedilatildeo particular afirmativa EiA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um elemento comum agraves listas de (i) termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente ou seja agraves listas de termos que cada um dos extremos E e A ldquoacompanhardquo (ἕπεσθαι ou ακολουθεῖν) Nesse caso o termo comum M seraacute tal que MaA e MaE o que nos

32 An Pr I 27 43a 20ndash21 33 An Pr I 28 43b 39ndash43

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

27

permite concluir EiA por Darapti (terceira figura)34 Por sua vez a prova da relaccedilatildeo universal negativa EeA tambeacutem se valeraacute da identificaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios a um extremo e de (ii) termos que se atribuem universalmente ao outro extremo se o mediador M comum agraves duas listas for contraacuterio ao extremo maior A e universalmente atribuiacutedo ao extremo menor E o mediador M seraacute tal que MeA e EaM ou AeM e EaM possibilitando a prova de EeA (respectivamente) por Celarent e por Cesare mas se o mediador M for contraacuterio ao extremo menor E e universalmente atribuiacutedo ao extremo maior A M seraacute tal que AaM e EeM restringindo a prova de EeA a Camestres35 Por fim para provar a relaccedilatildeo particular negativa EoA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios ao extremo maior A e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente Assim o mediador M seraacute tal que MeA e MaE o que prova EoA por Felapton36

Em todas as recomendaccedilotildees do capiacutetulo 28 Aristoacuteteles se orienta pelas conclusotildees almejadas propondo a partir delas procedimentos de busca e localizaccedilatildeo dos fatores capazes de acarretar cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas A estrateacutegia de Aristoacuteteles portanto natildeo consiste em partir de premissas e deduzir os resultados que delas se seguem mas fazendo o caminho inverso consiste em partir da conclusatildeo e buscar o termo mediador capaz de articular os extremos na relaccedilatildeo categoacuterica (a e i ou o) da conclusatildeo

Por natildeo captar a natureza invertida dessa estrateacutegia Patzig natildeo compreendeu plenamente o que Aristoacuteteles propusera e julgou que o capiacutetulo 28 muito mais que o capiacutetulo 27 impunha severas restriccedilotildees agrave lista de termos capazes de figurar em silogismos aristoteacutelicos Na verdade o capiacutetulo 28 nem sequer trata da questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera mas limita-se a descrever os paracircmetros de

34 Ibidem 43b 43ndash44a 2 35 An Pr I 44a 2ndash8 36 An Pr I 28 44a 9ndash11

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

28

localizaccedilatildeo do mediador de cada forma categoacuterica Eacute claro que ao descrever esses paracircmetros Aristoacuteteles acaba por assumir certos pressupostos que em uacuteltimo caso podem ter algum efeito sobre a lista de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica Ainda assim eacute preciso observar que as recomendaccedilotildees apresentadas no capiacutetulo 28 satildeo pensadas em relaccedilatildeo agrave prova de cada proposiccedilatildeo categoacuterica em particular Por isso os pressupostos envolvidos nessas recomendaccedilotildees bem como as eventuais restriccedilotildees de termos que lhes sejam correlatas deveratildeo ter aplicaccedilatildeo circunscrita a cada caso isto eacute aos procedimentos de prova de cada conclusatildeo em particular

Patzig parece natildeo ter dado a devida atenccedilatildeo a esse detalhe pois embora compreenda os seus axiomas como pressupostos impliacutecitos das recomendaccedilotildees de Aristoacuteteles ndash recomendaccedilotildees cuja aplicaccedilatildeo estaacute circunscrita a cada caso ndash Patzig os assume como vaacutelidos para termos de todo e qualquer silogismo37 No entanto eacute flagrante que certos silogismos natildeo dependem de alguns de seus axiomas Um arquetiacutepico silogismo em Barbara por exemplo funciona perfeitamente bem sem pressupor para qualquer de seus termos a validade do terceiro axioma isto eacute sem pressupor que exista para qualquer de seus termos (ou mesmo para qualquer de seus extremos para ser fiel ao capiacutetulo 28) um termo que lhe seja ldquocontraacuteriordquo

Ao que tudo indica o que levou Patzig a estender a validade de seus axiomas sobre todos os silogismos eacute o trecho 44a 12minus17 em que Aristoacuteteles estipula letras para as listas de termos com as quais pretende trabalhar na exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova38 Na referida passagem Aristoacuteteles considera basicamente trecircs tipos de termos que se distinguem pelo termo extremo que lhes eacute correlato bem como pela relaccedilatildeo predicativa que cada um manteacutem com esse extremo Para cada extremo Aristoacuteteles estipula (i) termos que lhe satildeo atribuiacutedos universalmente (ii) termos aos quais ele proacuteprio se atribui universalmente e (iii) termos que natildeo lhe

37 Patzig (1959) sect3 p 6ndash7 38 An Pr I 28 44a 12minus17

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

29

podem ser atribuiacutedos Os termos de primeiro tipo devem ter servido de estiacutemulo para a necessidade de termos superordenados proacuteprios que eacute marca do segundo axioma de Patzig os termos de segundo tipo por sua vez para a necessidade de termos subordinados proacuteprios marca do primeiro axioma os de terceiro por fim para a necessidade de termos ldquocontraacuteriosrdquo marca do terceiro axioma

Eacute bem verdade que os termos estipulados por Aristoacuteteles envolvem certa analogia com os axiomas propostos por Patzig Mas eacute preciso notar em primeiro lugar que nenhum dos procedimentos de prova descritos por Aristoacuteteles depende da estipulaccedilatildeo dos trecircs tipos de termos39 A recomendaccedilatildeo de prova da proposiccedilatildeo particular afirmativa por exemplo requer apenas (ii) termos aos quais os extremos se atribuem universalmente40 O fato de Aristoacuteteles jaacute estipular de antematildeo trecircs tipos de termos para cada extremo natildeo torna obrigatoacuterio que todo e qualquer extremo (e muito menos que todo e qualquer termo silogiacutestico como prefere Patzig) independentemente do silogismo a que pertenccedila dependa dos trecircs tipos de termos estipulados precisamente porque a estipulaccedilatildeo desses termos estaacute ancorada em um par de extremos que eacute muito peculiar Esse par de extremos eacute pensado com propoacutesitos didaacuteticos orientados agrave exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova de cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas (a e i e o) Trata-se de um par de extremos que em benefiacutecio da exposiccedilatildeo eacute assumido como articulaacutevel em qualquer das relaccedilotildees categoacutericas Poreacutem essa assunccedilatildeo soacute faz sentido no contexto preciso dessa exposiccedilatildeo de procedimentos de prova afinal algumas dessas relaccedilotildees categoacutericas satildeo incompatiacuteveis entre si ndash por exemplo as relaccedilotildees universal afirmativa e particular negativa Por isso devemos presumir que as estipulaccedilotildees de termos que lhes datildeo suporte tambeacutem o satildeo e portanto natildeo podem valer em conjunto e para todos os casos

39 Idem 44a 17minus30 40 Ibidem 44a 19minus21

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

30

Para esclarecer esse ponto retomemos rapidamente os procedimentos de prova das proposiccedilotildees universal afirmativa e particular negativa41 Assumindo um mesmo par de extremos como faz Aristoacuteteles estaremos diante de proposiccedilotildees contraditoacuterias (EaA e EoA) Dado que tais proposiccedilotildees satildeo incompatiacuteveis as condiccedilotildees das quais elas satildeo provenientes tambeacutem o seratildeo Dizendo de outro modo a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (i) termos aos quais o extremo maior se atribui universalmente e (ii) termos que se atribuem universalmente ao extremo menor eacute incompatiacutevel com a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (irsquo) termos aos quais o extremo maior natildeo pode ser atribuiacutedo e (iirsquo) termos aos quais o extremo menor se atribui universalmente Assim em presenccedila das condiccedilotildees de prova de uma das proposiccedilotildees incompatiacuteveis as condiccedilotildees da outra poderatildeo ser dispensadas jaacute que satildeo condiccedilotildees requeridas para uma prova cuja possibilidade jaacute natildeo existe E natildeo haacute razatildeo para manter os termos estipulados e dispensar apenas a possibilidade de um termo comum entre as listas pois ambos os pressupostos satildeo requisitados para servir um uacutenico e mesmo propoacutesito o de estabelecer condiccedilotildees para a prova da relaccedilatildeo categoacuterica que se pretende obter Natildeo haacute uma razatildeo que justifique a manutenccedilatildeo das listas de termos estipulados em detrimento da possibilidade de um termo comum entre as listas pois o propoacutesito que introduz uma exigecircncia tambeacutem introduz a outra Sob essa perspectiva fica claro que os termos estipulados no trecho 44a 12minus17 natildeo podem ser pressupostos indispensaacuteveis de quaisquer termos silogiacutesticos tampouco pressupostos que devem ser satisfeitos em conjunto por termos de todo e qualquer silogismo Afinal Aristoacuteteles estipula cada uma das listas supondo que seus termos seratildeo candidatos agrave funccedilatildeo de mediador (e natildeo agrave funccedilatildeo de termos silogiacutesticos) e o faz segundo as exigecircncias especiacuteficas envolvidas na prova de cada relaccedilatildeo categoacuterica em particular (a e i ou o) Compreender tais listas como pressupostos

41 An Pr I 28 43b 39minus43 e 44a 9minus11

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

31

que devem ser satisfeitos por todo e qualquer termo silogiacutestico eacute um equiacutevoco

Em segundo lugar o capiacutetulo 28 natildeo parece estar orientado propriamente agrave prova silogiacutestica das formas categoacutericas mas em algum sentido agrave demonstraccedilatildeo de tais relaccedilotildees Haacute indiacutecios que sugerem essa leitura O principal deles talvez seja o fato de Aristoacuteteles se mostrar interessado em localizar um meson que fica no meio do caminho entre um mediador que satisfaz requisitos meramente dedutivos e um mediador que supera tais requisitos e se configura como um fator explanatoacuterio em uma legiacutetima demonstraccedilatildeo cientiacutefica42 Retomemos por exemplo as recomendaccedilotildees de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) Em 43b 43ndash44a 2 Aristoacuteteles recomenda a prova de EiA por premissas universais conduzindo a prova a um silogismo em Darapti embora admita a possibilidade de concluir proposiccedilotildees particulares a partir de um par de premissas em que apenas uma eacute universal (41b 22minus27) Em 44a 9ndash11 a exemplo do que ocorre com a prova de EiA Aristoacuteteles recomenda a prova de EoA novamente por premissas universais desta vez conduzindo a prova a um silogismo em Felapton Essas duas recomendaccedilotildees de prova pressupotildeem que o meson requisitado para a prova natildeo eacute um mediador meramente dedutivo mas um mediador que se articula com os extremos exclusivamente por relaccedilotildees universais Eacute claro que esse cenaacuterio ainda estaacute muito distante daquele que temos por exemplo no capiacutetulo 2 do Livro II de Segundos

42 Em uma demonstraccedilatildeo cientiacutefica natildeo basta que o mediador se relacione com os extremos de tal modo que a deduccedilatildeo da conclusatildeo esteja formalmente assegurada Aristoacuteteles ainda exige que o mediador satisfaccedila certos requisitos natildeo formais O principal deles eacute o de explicar adequadamente por que o extremo maior se atribui ao extremo menor (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 por exemplo essa diferenccedila (entre um mediador que satisfaz exigecircncias meramente dedutivas e um mediador que funciona como explicaccedilatildeo do fato relatado na conclusatildeo) eacute utilizada como criteacuterio baacutesico para distinguir o conhecimento de que C eacute A (conhecimento do fato) e o conhecimento de por que C eacute A (conhecimento da causa)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

32

Analiacuteticos (90a 6minus7) em que o meson eacute pensado como a causa que explica por que a relaccedilatildeo dada entre os extremos explicitada na conclusatildeo da demonstraccedilatildeo eacute o caso Mesmo assim temos o suficiente para mostrar que Aristoacuteteles natildeo estaacute levando em conta todos os silogismos de seu sistema loacutegico mas apenas aqueles nos quais ambas as premissas satildeo universais Por que razatildeo exatamente Aristoacuteteles faz essa escolha eacute algo a se investigar O que nos importa eacute que essa escolha restringe o escopo do capiacutetulo a um grupo especiacutefico de silogismos o que natildeo eacute compatiacutevel com a validade irrestrita dos axiomas propostos por Patzig

Em terceiro lugar Aristoacuteteles natildeo lida com as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo proacutepria superordenaccedilatildeo proacutepria e contrariedade mas prefere (i) termos que acompanham o extremo (τὰ ἑπόμενα) (ii) termos aos quais o extremo acompanha (οἷς αὐτὸ ἕπεται) e (iii) termos que natildeo podem ser atribuiacutedos ao extremo (ἃ μὴ ἐνδέχεται αὐτῷ ὑπάρχειν) Essa diferenccedila natildeo eacute apenas terminoloacutegica mas conceitual As relaccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias pressupotildeem termos que natildeo satildeo coextensivos se X eacute um termo subordinado proacuteprio de Y XaY eacute o caso mas YaX natildeo se Z eacute um termo superordenado proacuteprio de Y YaZ eacute o caso mas ZaY natildeo O proacuteprio Patzig reconhece essas consequumlecircncias ao formular os seus dois primeiros axiomas43 Aristoacuteteles no entanto ao se valer das relaccedilotildees de ldquoacompanhamentordquo entre os termos natildeo hesita em rejeitaacute-las No capiacutetulo 29 por exemplo Aristoacuteteles menciona a possibilidade de provar por hipoacutetese (συλλογίσασθαι ἐξ ὑποθέσεως) os problemas universais (a e e) assumindo precisamente a possibilidade de coextensatildeo entre os termos envolvidos possibilidade da qual Patzig parece prescindir ao formular seus axiomas A passagem agrave qual nos referimos eacute a seguinte

εἰ γὰρ τὸ Γ καὶ τὸ Η ταὐτὰ εἴη μόνοις δὲ ληφθείη τοῖς Η τὸ Ε ὑπάρχειν παντὶ ἂν τῷ Ε τὸ Α ὑπάρχοι καὶ πάλιν εἰ τὸ Δ καὶ Η ταὐτὰ μόνων δὲ τῶν Η τὸ Ε κατηγοροῖτο ὅτι οὐδενὶ τῷ Ε τὸ Α ὑπάρξει

43 Patzig (1959 sect3 p 6ndash7)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

33

Com efeito se C e G fossem o mesmo mas se assumisse que E se atribui apenas aos Grsquos A se atribuiria a todo E Novamente se D e G fossem o mesmo mas E se afirmasse apenas dos Grsquos A se atribuiraacute a nenhum E (45b 24minus27)

Em 44a 12minus17 Aristoacuteteles jaacute havia estipulado que a letra C representaria um termo ao qual o extremo maior A acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente tambeacutem foi estipulado que a letra G representaria um termo ao qual o extremo menor E acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente por fim ainda ficou decidido que a letra D representaria um termo que natildeo pode ser atribuiacutedo ao extremo maior A Assim a identidade entre C e G a exemplo do que ocorre em 44a 19minus21 conduz a prova de EiA a um silogismo em Darapti ao passo que a identidade entre D e G a exemplo do que ocorre em 44a 28minus30 conduz a prova de EoA a um silogismo em Felapton44 No entanto nessa passagem embora os procedimentos de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) sejam acionados aquilo que se quer mostrar eacute de que modo podemos provar por hipoacutetese (ἐξ ὑποθέσεως) as proposiccedilotildees universais Para alcanccedilar esse resultado Aristoacuteteles assume que o extremo menor E se atribui apenas (μόνον) a G o que pode ser interpretado como uma maneira diferente de dizer que E e G satildeo termos coextensivos Sinal disso eacute o seguinte ao assumir que E se atribui apenas a G Aristoacuteteles se vecirc autorizado a concluir as proposiccedilotildees universais EaA e EeA o que soacute faz sentido sob o pressuposto de que G e E satildeo termos coextensivos De fato sob tal pressuposto a premissa menor GaE pode ser ldquoconvertidardquo em EaG o que transforma Darapti em Barbara bem como Felapton em Celarent Mas se os termos aos quais o extremo menor E acompanha forem pensados como termos subordinados proacuteprios de E GaE seraacute o caso mas EaG natildeo Por conseguinte tampouco as conclusotildees EaA e EeA se seguiriam Assim se quisermos conferir sentido agrave passagem temos que assumir que Aristoacuteteles recorreu agrave possibilidade de construir silogismos com termos

44 Darapti CaA GaE rarr EiA (C=G) Felapton DeA GaE rarr EoA (D=G)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

34

que satildeo coextensivos e se assim for podemos dizer que para Aristoacuteteles a presenccedila de silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos em sua loacutegica natildeo causava qualquer inconveniente45

Segundo nos parece as razotildees alegadas ateacute aqui jaacute satildeo suficientes para mostrar que os axiomas de Patzig natildeo podem servir como criteacuterios delimitadores de termos silogiacutesticos Ainda assim vale a pena examinar duas passagens que eventualmente poderiam ser invocadas contra a interpretaccedilatildeo que propomos Embora natildeo sejam citadas pelos proponentes das opiniotildees tradicionais natildeo eacute difiacutecil imaginar que elas tenham servido de inspiraccedilatildeo para aqueles que defendem a exclusatildeo dos termos transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo De fato agrave primeira vista tais passagens podem nos levar a pensar que Aristoacuteteles natildeo guardou lugar para tais termos na silogiacutestica No entanto como veremos isso soacute eacute verdade agrave primeira vista

45 O capiacutetulo 29 natildeo eacute a uacutenica evidecircncia de silogismos com termos coextensivos na silogiacutestica No capiacutetulo 5 do Livro II de Primeiros Analiacuteticos precisamente em 57b 35minus58a 12 Aristoacuteteles trabalha com silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos Por sua vez no capiacutetulo 22 em 67b 27minus32 Aristoacuteteles inicia o texto dizendo que a coextensatildeo entre os termos extremos de um silogismo requer um mediador tambeacutem coextensivo o que revela por parte de Aristoacuteteles plena consciecircncia a respeito da existecircncia de silogismos com triacuteades coextensivas Nos Segundos Analiacuteticos o interesse de Aristoacuteteles por demonstraccedilotildees que envolvem termos coextensivos pode ser classificado como uma obsessatildeo Basta notar que a proacutepria demonstraccedilatildeo universal ndash aquela que eacute considerada por Aristoacuteteles como cientiacutefica no mais alto grau ndash tem como uma de suas principais caracteriacutesticas a coextensatildeo entre os trecircs termos do silogismo (cf Seg An I 4 73b 32minus74a 3) o que revela o papel central das triacuteades coextensivas no projeto aristoteacutelico que eacute inaugurado com a silogiacutestica e culmina nas demonstraccedilotildees cientiacuteficas (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 e II 16 Aristoacuteteles novamente recorre a termos coextensivos na formulaccedilatildeo de silogismos A nossa preferecircncia pela passagem 45b 24minus27 do capiacutetulo 29 de Primeiros Analiacuteticos se daacute apenas com base em sua conexatildeo indiscutiacutevel com o capiacutetulo 28 no qual Patzig julga encontrar seus axiomas

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

35

Uma das passagens agraves quais nos referimos eacute aquela com a qual Aristoacuteteles encerra o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I Vejamos o que diz Aristoacuteteles

ἔτι τὰ πᾶσιν ἑπόμενα οὐκ ἐκλεκτέον οὐ γὰρ ἔσται συλλογισμὸς ἐξ αὐτων διrsquo ἣν δrsquo αἰτίαν ἐν τοῖς ἑπομένοις ἔσται δῆλον Aleacutem disso natildeo eacute preciso selecionar os itens que acompanham todas as coisas pois natildeo haacute silogismo a partir deles A razatildeo disso ficaraacute evidente a seguir (43b 36minus38)

Essa passagem trata dos termos transcategoriais de generalidade total (τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) e delega a justificativa de seu proacuteprio pronunciamento ao capiacutetulo seguinte no qual Patzig encontrou inspiraccedilatildeo para seus axiomas No capiacutetulo 28 cumprindo o prometido Aristoacuteteles retoma esse assunto e reitera a impossibilidade de construir silogismos a partir de termos de generalidade total

φανερὸν οὖν ὅτι διὰ τῶν προειρημένων σχημάτων οἱ συλλογισμοὶ πάντες καὶ ὅτι οὐκ ἐκλεκτέον ὅσα πᾶσιν ἕπεται διὰ τὸ μηδένα γίγνεσθαι συλλογισμὸν ἐξ αὐτῶν κατασκευάζειν μὲν γὰρ ὅλως οὐκ ἦν ἐκ τῶν ἑπομένων ἀποστερεῖν δrsquo οὐκ ἐνδέχεται διὰ τοῦ πᾶσιν ἑπομένου δεῖ γὰρ τῷ μὲν ὑπάρχειν τῷ δὲ μὴ ὑπάρχειν Eacute evidente entatildeo que todos os silogismos vecircm a ser atraveacutes das figuras previamente mencionadas e que natildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisas porque nenhum silogismo vem a ser a partir deles De fato de modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanham e natildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outro (44b 19minus24)

Fora de contexto e em uma leitura mais apressada essas duas passagens podem nos levar a crer que a opiniatildeo tradicional que afasta da silogiacutestica os termos de generalidade total (como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) de fato encontra respaldo nos textos de Aristoacuteteles No entanto mais uma vez eacute preciso levar em conta que o capiacutetulo 28 eacute marcado pela

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

36

descriccedilatildeo de estrateacutegias de localizaccedilatildeo de termos mediadores e natildeo de termos em geral Dizendo de outro modo Aristoacuteteles natildeo estaacute interessado em localizar os termos que deveratildeo encerrar a conclusatildeo de um silogismo pelo contraacuterio tais termos jaacute estatildeo plenamente determinados bem como a relaccedilatildeo proposicional (a e i e o) que haacute entre eles dado que a conclusatildeo na qual interagem funciona como ponto de partida da investigaccedilatildeo empreendida no capiacutetulo O que interessa para Aristoacuteteles eacute a localizaccedilatildeo de termos mediadores e eacute nesse horizonte que tais passagens devem ser lidas Assim ao negar a possibilidade de construir silogismos a partir de termos transcategoriais de generalidade total (ἐξ αὐτῶν) o que Aristoacuteteles quer dizer eacute que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos46 nos quais a funccedilatildeo de mediador seja desempenhada por um termo desse tipo razatildeo pela qual na busca pelo mediador recomenda Aristoacuteteles ldquonatildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisasrdquo (44b 20minus21) Para justificar essa recomendaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta duas razotildees (i) ldquode modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanhamrdquo (44b 22minus23) (ii) ldquonatildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outrordquo (44b 23minus24) Na primeira razatildeo Aristoacuteteles parece reconsiderar as listas de termos estipuladas no trecho 44a 11minus17 pressupondo ao que tudo indica que os transcategoriais de generalidade total soacute podem figurar em listas de termos que acompanham os extremos Isso se justificaria pela natureza inapta de tais termos para o papel de sujeito em proposiccedilotildees silogiacutesticas conforme se constata no capiacutetulo I 27 Assim na medida em que nas provas afirmativas a busca pelo mediador natildeo envolve

46 Na verdade como o escopo do capiacutetulo 28 natildeo abarca todo e qualquer silogismo seria mais correto dizer que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos (nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas) assumindo um termo de generalidade total na funccedilatildeo de mediador

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

37

apenas a lista de termos que acompanham um dos extremos mas tambeacutem a lista de termos aos quais um dos extremos acompanha (ver 43b 39minus44a 2) os transcategoriais de generalidade total perdem a candidatura agrave funccedilatildeo de mediador e jaacute de saiacuteda nem sequer precisam ser considerados47 Na segunda razatildeo por sua vez Aristoacuteteles leva em conta o fato de que as provas negativas dependem de um mediador capaz de figurar em proposiccedilotildees universais negativas verdadeiras exigecircncia que natildeo estaacute no alcance dos termos de generalidade total Afinal se estamos diante de um transcategorial desse tipo de antematildeo jaacute assumimos a inexistecircncia de um termo do qual ele natildeo seja predicado Assim os termos de generalidade total ficam impedidos de serem atribuiacutedos a um extremo e natildeo atribuiacutedos ao outro (44b 24) como deve ser o mediador de um silogismo negativo

O que eacute verdade portanto eacute que Aristoacuteteles dispensa os termos de generalidade total da funccedilatildeo de mediador De fato quando se pretende construir silogismos nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas tal como ocorre no capiacutetulo 28 a busca do mediador entre transcategoriais de generalidade total eacute sempre infrutiacutefera porque soacute poderaacute devolver como resposta pretensos fatores de mediaccedilatildeo marcados por duas deficiecircncias principais a

47 Supomos que em tais passagens Aristoacuteteles de fato tem em mente as recomendaccedilotildees de prova apresentadas no iniacutecio do capiacutetulo 28 de modo que apenas os silogismos em Barbara e Darapti sejam considerados como silogismos afirmativos (cf 43b 39minus44a 2) Assim entendemos que o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 se justificaria porque os termos de generalidade total na prova de a natildeo podem integrar a lista de termos aos quais o extremo maior acompanha bem como na prova de i a lista de termos aos quais ambos os extremos acompanham No entanto ainda que os demais silogismos afirmativos sejam levados em conta o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 continua verdadeiro jaacute que Darii Disamis e Datisi tambeacutem exigem que o mediador esteja entre os termos aos quais o(s) extremo(s) acompanha(m)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

38

impossibilidade de desempenhar a funccedilatildeo de sujeito de modo legiacutetimo e a incapacidade de compor proposiccedilotildees negativas verdadeiras

Nenhuma das passagens mencionadas acima (43b 36minus38 e 44b 19minus24) eacute citada ndash nem por Lukasiewicz nem por Patzig ndash como evidecircncia de que Aristoacuteteles teria rejeitado os termos de generalidade total em seu sistema loacutegico Poreacutem diante da escassez de evidecircncias em favor da suposta exclusatildeo de tais termos natildeo eacute insensato presumir que os proponentes dessa exclusatildeo tenham encontrado inspiraccedilatildeo nelas

Na proacutexima seccedilatildeo examinaremos textos nos quais Aristoacuteteles constroacutei silogismos com termos de natureza singular Veremos que o incocircmodo com a presenccedila de tais termos na silogiacutestica eacute menos de Aristoacuteteles e mais de seus inteacuterpretes 3 Termos Singulares e o Silogismo Peripateacutetico

Jaacute comentamos o fato de Lukasiewicz ter feito pesadas criacuteticas agrave silogiacutestica em especial ao suposto fato de Aristoacuteteles ter afastado os termos de natureza singular de seu sistema loacutegico o que seria segundo Lukasiewicz ldquoo maior defeitordquo da loacutegica aristoteacutelica48 Ao que parece o responsaacutevel por levaacute-lo por esse caminho foi Ross que tomou nota do tambeacutem suposto fato de Aristoacuteteles nunca se valer de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos49 Lukasiewicz reiterou a constataccedilatildeo de Ross (embora natildeo o cite) e nela encontrou razatildeo para natildeo reconhecer como rigorosamente aristoteacutelico o silogismo que qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo silogismo formulado em primeira figura com um nome proacuteprio como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo

De acordo com a triparticcedilatildeo de termos que pudemos conhecer no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I (Seccedilatildeo II Parte 1) natildeo temos qualquer razatildeo para expulsar da silogiacutestica os termos de natureza singular Eacute

48 Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect3 p 6) 49 Ross (1949 p 289 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

39

claro que Aristoacuteteles natildeo deixa de lhes endereccedilar certas restriccedilotildees poreacutem vale a pena repetir nenhuma das restriccedilotildees introduzidas por Aristoacuteteles no referido capiacutetulo tem forccedila suficiente para expulsar os termos singulares da loacutegica aristoteacutelica De fato embora tais termos natildeo possam figurar em proposiccedilotildees como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nada impede que outros termos lhes sejam atribuiacutedos por conseguinte embora natildeo possam ser demonstrados como legiacutetimos predicados de outros termos nada impede que outros termos sejam demonstrados como predicados deles50

Fora dos Analiacuteticos jaacute esbarramos em indiacutecios que vatildeo nessa direccedilatildeo No capiacutetulo 10 de Metafiacutesica XIII (My) por exemplo haacute uma breve passagem que sugere esse resultado Enquanto argumenta em favor da tese de que ldquoo conhecimento eacute de universaisrdquo (ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου) Aristoacuteteles parece supor que os termos singulares ldquoeste triacircngulordquo e ldquoeste homemrdquo tambeacutem satildeo suscetiacuteveis de operaccedilotildees silogiacutesticas

[] ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου δῆλον δrsquo ἐκ τῶν ἀποδείξεων καὶ τῶν ὁρισμῶν οὐ γὰρ γίγνεται συλλογισμὸς ὅτι τόδε τὸ τρίγωνον δύο ὀρθαῖς εἰ μὴ πᾶν τρίγωνον δύο ὀρθαί οὐδrsquo ὅτι ὁδὶ ὁ ἄνθρωπος ζῷον εἰ μὴ πᾶς ἄνθρωπος ζῷον [] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos a natildeo ser que todo triacircngulo possua dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal a natildeo ser que todo homem seja animal (1086b 34minus37)

Poreacutem essa passagem natildeo eacute tatildeo simples quanto pode parecer agrave primeira vista51 Paul Shorey por exemplo reprovaria jaacute a traduccedilatildeo que

50 An Pr I 27 43a 25minus29 e 39minus40 Ao comentar o capiacutetulo 27 Mignucci (1969 p 443) tambeacutem reconhece a possibilidade ldquodi costruire dimostrazioni e sillogismi anche relativamente a singolarirdquo citando Alexandre que tambeacutem jaacute a observa em seus comentaacuterios (An Pr p 293 13minus23) 51 Shorey (1913)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

40

propomos porque ela faz crer que Aristoacuteteles estabelece uma relaccedilatildeo de dependecircncia dedutiva (silogiacutestica) entre proposiccedilotildees dependecircncia que de fato existe mas da qual para Shorey a passagem em questatildeo natildeo trataria De acordo com Shorey as ocorrecircncias de εἰ μὴ nas linhas 33 e 36 natildeo significam ldquo[] lsquounlessrsquo but is to be taken in its idiomatic sense as a virtual equivalent of ἀλλάrdquo Nesse caso uma traduccedilatildeo mais fiel agrave posiccedilatildeo de Shorey seria a seguinte

[] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos mas de que todo triacircngulo tem dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal mas de que todo homem eacute animal (1086b 34minus37)

Assim o texto estabeleceria natildeo que as proposiccedilotildees singulares no papel de conclusotildees silogiacutesticas satildeo (dedutivamente) dependentes das proposiccedilotildees universais mas que as conclusotildees propriamente silogiacutesticas satildeo universais (universalmente quantificadas) e natildeo singulares

Ross52 ao tratar dessa passagem natildeo deixa de comentar a posiccedilatildeo de Shorey

He [Shorey] argues that in l 33 knowledge is said to be lsquoofrsquo universals ie to have universal conclusions as well as universal premises [hellip] and that singular propositions never occur as conclusions in Aristotlersquos logical writings

Na verdade Shorey53 natildeo chega a dizer que proposiccedilotildees singulares nunca ocorrem como conclusotildees silogiacutesticas nos escritos loacutegicos de Aristoacuteteles embora passe perto disso

The syllogism with a particular54 conclusion is an inferior type (Analyt Post 79a 25ff) [hellip] Aristotle does not recognize singular proposition in his classification (Analyt Priora A1 Grote Aristotle I 205) and the

52 Ross (1953 p 464) 53 Shorey (1913 p 91) 54 Nesse contexto Shorey assume ldquoparticularrdquo e ldquosingularrdquo como equivalentes

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

41

conclusion to an individual case interests him very little and is practically ignored

Shorey tem alguma razatildeo em alegar que os silogismos que concluem proposiccedilotildees singulares (tambeacutem conhecidos como ldquoperipateacuteticosrdquo) satildeo de um tipo inferior especialmente quando se leva em conta o horizonte das demonstraccedilotildees cientiacuteficas55 mas erra quando recorre ao trecho 79a 25ss para dar base textual a tal alegaccedilatildeo ndash o referido trecho nem mesmo trata desse assunto Por sua vez e contra Shorey Ross56 surpreende ao alegar o seguinte

There are however occasional references in Aristotle to the occurrence of singular propositions as the minor premise or conclusion of syllogisms (eg An Pr 43a 37minus40) []

55 Para Aristoacuteteles o silogismo dito cientiacutefico no mais alto grau eacute a chamada demonstraccedilatildeo universal Eacute importante notar que aqui o adjetivo ldquouniversalrdquo tem um sentido muito preciso e natildeo se justifica pela mera ocorrecircncia de uma conclusatildeo universalmente quantificada Em Segundos Analiacuteticos I 4 73b 32minus74a 3 por exemplo Aristoacuteteles argumenta que a demonstraccedilatildeo universal natildeo conclui que todo isoacutesceles tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos mas que todo triacircngulo tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos revelando um requisito que envolve o ajuste preciso do extremo menor a partir de condiccedilotildees estabelecidas pelo extremo maior (cf Seg An I 5 74a 4minus6 13minus17 25minus32 74b 21minus26 I 24 85b 4minus15) Para Aristoacuteteles o predicado ldquoter a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retosrdquo ndash daqui para frente apenas ldquo2Rrdquo ndash se atribui a ldquoisoacutescelesrdquo de um modo que em algum sentido eacute parasitaacuterio da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo dado que isoacutesceles tem 2R na exata medida em que eacute triacircngulo Em outras palavras a atribuiccedilatildeo de ldquo2Rrdquo a ldquoisoacutescelesrdquo eacute entendida como indireta e dependente da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo Nesse contexto eacute natural presumir que um silogismo peripateacutetico seja concebido como inferior em relaccedilatildeo aos demais minus especialmente no que diz respeito ao grau de cientificidade minus jaacute que sua conclusatildeo natildeo poderaacute satisfazer as exigecircncias de uma legiacutetima conclusatildeo cientiacutefica tal como ocorre em uma demonstraccedilatildeo universal Jaacute quanto agraves propriedades dedutivas envolvidas em tal silogismo natildeo haacute razatildeo para consideraacute-lo inferior Para apreciaccedilatildeo detalhada da noccedilatildeo de demonstraccedilatildeo universal ver Angioni (2007) 56 Ross (1953 p 464)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

42

Ross supotildee que o argumento de Shorey pretende estabelecer a exclusatildeo dos termos singulares do domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica e aponta a passagem 43a 37minus40 como evidecircncia textual incompatiacutevel com essa exclusatildeo Temos aqui uma mudanccedila de opiniatildeo De fato conforme pudemos ver na primeira seccedilatildeo deste artigo ao tratar do trecho 43a 37minus43 na ediccedilatildeo comentada do texto grego de Primeiros e Segundos Analiacuteticos Ross chega a dizer que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares em seus exemplos de silogismos e argumenta em favor de uma silogiacutestica restrita a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ)57 Agora ao comentar a passagem 1086a 34minus37 de Metafiacutesica XIII (My) 10 Ross reconhece no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I uma evidecircncia em favor da inclusatildeo dos termos singulares na silogiacutestica Aparentemente o proacuteprio Ross natildeo tinha muita convicccedilatildeo a respeito da inclusatildeo ou exclusatildeo dos termos de natureza singular

De nossa parte admitimos que a passagem 1086a 34minus37 eacute digna da controveacutersia introduzida por Shorey ndash embora tenhamos mais apreccedilo pela interpretaccedilatildeo de Ross No entanto mesmo que Shorey tenha razatildeo a respeito do referido trecho de Metafiacutesica XIII (My) 10 a presenccedila de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares na silogiacutestica natildeo estaraacute ameaccedilada porque ainda podemos nos valer de passagens muito mais promissoras para decidir essa questatildeo passagens nas quais o proacuteprio Aristoacuteteles elabora cocircmputos silogiacutesticos com termos singulares como se a presenccedila deles na silogiacutestica natildeo lhe figurasse como uma anomalia

Patzig tinha conhecimento dessas passagens e fez questatildeo de citaacute-las no primeiro capiacutetulo de seu livro corrigindo o suposto fato alegado por Ross e Lukasiewicz de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos exemplos de silogismos que aparecem em Primeiros Analiacuteticos No entanto Patzig natildeo recorre a tais passagens a fim de reintroduzir os termos singulares na silogiacutestica mas procura

57 Idem 1949 p 384

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

43

desqualificaacute-las e assim reiterar os resultados de seus antecessores De fato embora reconheccedila as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 do Livro I bem como de ldquoPitacosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II Patzig manteacutem a posiccedilatildeo tradicional que afasta os termos de natureza singular da loacutegica aristoteacutelica alegando apenas que a ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo (70a 16minus20) se daacute em um silogismo invaacutelido ao passo que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo (47b 15ss) aparecem em premissas das quais nada se segue58

Eacute bem verdade que as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 de Primeiros Analiacuteticos I estatildeo associadas a pares de premissas dos quais nenhuma conclusatildeo se segue coisa que o proacuteprio Aristoacuteteles natildeo hesita em admitir No entanto embora sejam inconcludentes esses pares de premissas acomodam seus termos em disposiccedilotildees muito similares agravequelas de um silogismo vaacutelido (Barbara)59 o que lhes confere as feiccedilotildees de que satildeo concludentes quando na verdade natildeo o satildeo De acordo com Aristoacuteteles o que os impede de serem concludentes eacute o fato de que a premissa maior natildeo eacute universal60 Em 47b 26minus28 essa justificativa eacute apresentada por meio de um pronunciamento que merece alguma atenccedilatildeo Aristoacuteteles anuncia o fato de a premissa maior natildeo ser universal como quem supotildee que fosse ela universal o problema estaria resolvido e assim o par de premissas seria concludente61 Ora na medida em que Aristoacuteteles atribui o caraacuteter inconcludente dos pares de premissas precisamente agraves premissas maiores (e natildeo agraves premissas menores nas quais ocorrem os termos singulares) presume-se que esses termos natildeo introduzem qualquer caracteriacutestica censuraacutevel nos silogismos ali formulados Assim o fato de que natildeo estamos diante de pares de premissas concludentes por si soacute natildeo eacute

58 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 59 An Pr I 33 47b 21minus37 60 Idem 47b 26minus29 34minus37 e 38minus39 61 O uso contrafactual de ἔδει na linha 27 sugere essa leitura

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

44

suficiente para recusar ao capiacutetulo 33 o papel de evidecircncia em favor de tais termos na silogiacutestica62

Quanto agrave ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo em Primeiros Analiacuteticos II 27 (70a 16minus20) Patzig tem alguma razatildeo em alegar que ela se daacute em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido No entanto eacute preciso ajustar essa alegaccedilatildeo porque Aristoacuteteles natildeo descreve o argumento em questatildeo propriamente como um silogismo mas como um sinal (σημεῖον) e ao que parece um sinal e um silogismo ndash um legiacutetimo silogismo e natildeo um mero entimema ndash estatildeo longe de ser a mesma coisa63 Aleacutem disso temos uma ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo no mesmo capiacutetulo que eacute bem mais relevante para a discussatildeo mas que foi completamente ignorada pelos comentadores

Em 70a 26minus28 Aristoacuteteles formula dois silogismos nos quais aparece o termo singular ldquoPitacosrdquo Um deles eacute descrito como refutaacutevel (λύσιμος)64 basicamente porque a conclusatildeo natildeo se segue das premissas65 Natildeo precisamos nos deter nele Por ora o silogismo que fora introduzido algumas linhas antes e que foi descrito por Aristoacuteteles como irrefutaacutevel (ἄλυτος)66 eacute muito mais interessante Esse silogismo tem exatamente a formulaccedilatildeo paradigmaacutetica que Lukasiewicz qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo e agrave qual negou lugar na loacutegica aristoteacutelica Vale a pena citar essa passagem para marcar bem a presenccedila desse tipo de silogismo na loacutegica de Aristoacuteteles

62 M Malink (2009 p 119) por exemplo contrariando Patzig aponta o capiacutetulo I 33 minus bem como II 27 do qual trataremos a seguir minus como evidecircncia em favor de termos singulares na silogiacutestica Ver tambeacutem Mignucci ldquoAristotlersquos Theory of Predicationrdquo p 10 ldquoParts Quantification and Aristotelian Predicationrdquo p 11 e Barnes ldquoTruth etcrdquo p 158-166 63 An Pr II 27 70a 24minus25 64 Ibidem 30minus31 e 34minus35 65 Ibidem 27minus28 e 30minus32 66 Ibidem 29

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

45

Ἐὰν μὲν οὖν ἡ μία λεχθῇ πρότασις σημεῖον γίνεται μόνον ἐὰν δὲ καὶ ἡ ἑτέρα προσληφθῇ συλλογισμός οἷον ὅτι Πιττακὸς ἐλευθέριος οἱ γὰρ φιλότιμοι ἐλευθέριοι Πιττακὸς δὲ φιλότιμος Assim se somente uma premissa for assumida haacute apenas um sinal ao passo que se a outra premissa tambeacutem for assumida entatildeo haacute um silogismo por exemplo lsquoPitacos eacute destemido pois os homens de brio satildeo destemidos e Pitacos eacute homem de briorsquo (70a 24minus27)67

A descriccedilatildeo eacute inusitada porque Aristoacuteteles comeccedila pela conclusatildeo Mas isso natildeo prejudica o resultado a que queremos chegar O nome proacuteprio ldquoPitacosrdquo eacute sem duacutevida o extremo menor que aparece como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo ldquodestemidordquo eacute o extremo maior predicado da premissa maior e da conclusatildeo por fim a funccedilatildeo de mediador fica por conta de ldquohomem de briordquo Em uma reconstituiccedilatildeo um pouco mais formalizada temos o seguinte silogismo todo homem de brio eacute destemido Pitacos eacute (um) homem de brio logo Pitacos eacute destemido

O leitor mais desconfiado talvez hesite em aceitar que a premissa maior ldquoos homens de brio satildeo destemidosrdquo possa ser formalizada com um quantificador universal mas haacute sinais claros de que eacute assim que devemos concebecirc-la Em primeiro lugar Aristoacuteteles reconhece a legitimidade desse silogismo e supotildee que a conclusatildeo decorre das premissas o que por si soacute jaacute pressupotildee a universalidade da premissa maior Caso contraacuterio a conclusatildeo natildeo se impotildee Em segundo lugar haacute um pequeno detalhe que causa surpresa nesse capiacutetulo e que merece atenccedilatildeo de nossa parte Aristoacuteteles justifica o caraacuteter irrefutaacutevel do mencionado silogismo alegando que se trata de um silogismo universal (καθόλου γὰρ ἐστιν cf 70a 30) Ora como se sabe Aristoacuteteles descreve como universais precisamente aqueles silogismos nos quais a conclusatildeo eacute universal quais sejam Barbara Celarent Cesare e Camestres Por isso ao caracterizar o ldquosilogismo peripateacuteticordquo como um silogismo universal

67 As traduccedilotildees de φιλότιμος e ἐλευθέριος certamente satildeo discutiacuteveis mas em nada afetam os nossos objetivos

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

46

Aristoacuteteles pode querer sinalizar que em algum sentido a conclusatildeo ldquoPitacos eacute destemidordquo deva ser compreendida como uma proposiccedilatildeo fundada em uma atribuiccedilatildeo universal68 como se o referido ldquosilogismo peripateacuteticordquo precisamente em razatildeo disso fosse digno do mesmo status concedido aos demais silogismos universais (Barbara Celarente Cesare e Camestres) Essa leitura sugere que a concepccedilatildeo aristoteacutelica de atribuiccedilatildeo universal talvez deva ser repensada jaacute que ela daacute sinais de se estender sobre casos para os quais natildeo cabe falar em quantificadores (universais) ndash eacute o que parece ocorrer no ldquosilogismo peripateacuteticordquo acima mencionado

O aprofundamento desse ponto no entanto eacute algo que ultrapassa o escopo da presente investigaccedilatildeo e seu exame deve ser deixado para outra ocasiatildeo A essa altura o objetivo principal desta seccedilatildeo jaacute nos parece ter sido alcanccedilado pois consiste apenas em mostrar o que os leitores menos versados nos Analiacuteticos jaacute perceberam haacute muito tempo a saber que o chamado ldquosilogismo peripateacuteticordquo natildeo soacute faz parte da loacutegica aristoteacutelica mas mais do que isso ainda pode desfrutar de um lugar privilegiado no interior da silogiacutestica entre os chamados ldquosilogismos universaisrdquo Diante desse quadro natildeo haacute duacutevida de que os termos de natureza singular tecircm lugar garantido na loacutegica de Aristoacuteteles69

68 Provavelmente foi inspirado em passagens como essa que J N Keynes (1906 p 102) sugeriu conceber as proposiccedilotildees singulares como uma subclasse de proposiccedilotildees universais Lukasiewicz tomou nota dessa possibilidade e a considerou totalmente equivocada Mas para isso ignorou completamente o trecho 70a 24minus30 69 Agradeccedilo ao professor Lucas Angioni (Unicamp) pela prontidatildeo na leitura de versotildees preacutevias deste artigo pelas indicaccedilotildees de passagens para reforccedilar o argumento e pelas alteraccedilotildees de texto sugeridas as quais certamente contribuiacuteram para melhorar o resultado final aqui apresentado Agradeccedilo tambeacutem aos professores Raphael Zillig (UFRGS) e Inara Zanuzzi (UFRGS) pela oportunidade de discutir alguns resultados provisoacuterios deste artigo no Seminaacuterio sobre Primeiros Analiacuteticos I 27 organizado pelo professor Raphael e realizado na UFRGS no ano de 2011 Por fim tambeacutem agradeccedilo aos

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

47

REFEREcircNCIAS

ANGIONI L ldquoO Conhecimento Cientiacutefico no Livro I dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesrdquo Revista de Filosofia Antiga (online) vol 1 n 1 2007 (httpwwwfilosofiaantigacomdocuments23html)

BARNES J (ed) Aristotle Prior Analytics (trans by A J Jenkinson in Barnes 1984 vol 1 p 39minus113)

mdashmdashmdashmdash Truth etc Six Lectures on Ancient Logic Oxford Clarendon Press 2007

BOCHENSKI J Ancient Formal Logic Amsterdam North-Holland Publishing 1951

CORCORAN J ldquoCompleteness of an Ancient Logicrdquo Journal of Symbolic Logic 37 696minus702 1972

KEYNES J N Studies and Exercises in Formal Logic (fourth edition rewritten and enlarged) New York The Macmillan Company 1906

LUKASIEWICZ J Aristotlersquos Syllogistic from the Standpoint of Modern Formal Logic Oxford Clarendon Press 1951

MALINK M ldquoA Non-Extensional Notion of Conversion in the Organonrdquo Oxford Studies in Ancient Philosophy Vol XXXVII p 106minus141 Oxford University Press 2009

MIGNUCCI M Aristotele Gli analitici primi ndash Traduzione introduzione e commento Naples Loffredo 1969

companheiros de pesquisa Francine Maria Ribeiro e Mateus Ricardo Fernandes Ferreira (UEMminusPR) pela leitura das primeiras versotildees desse texto e pelas proveitosas sugestotildees que me fizeram

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

48

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Theory of Predication in I Angelilli and M Cerezo (eds) Studies in the History of Logic 1minus20 Berlin 1996

mdashmdashmdashmdash Parts Quantification and Aristotelian Predication Monist 83 3minus21 2000

PATZIG G Aristotlersquos Theory of the Syllogism A Logico-Philosophical Study of Book A of the Prior Analytics Translated by Jonathan Barnes Dordrecht Reidel 1959

ROSS W D Aristotlersquos Prior and Posterior Analytics Oxford Clarendon Press 1949

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Metaphysics Oxford Clarendon Press 1953 (1924)

SHOREY P ldquoA Note on Aristotlersquos Metaphysics 1086b 32minus37rdquo Classical Philology Vol 8 n 1 pp 90minus92 1913

SMITH R Aristotle Prior Analytics Indianapolis Hackett Publishing Company 1989

STRIKER G Aristotle Prior Analytics Book I Oxford Clarendon Press 2009

Page 13: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

17

Assim Patzig reitera as restriccedilotildees introduzidas por Ross e consolidadas por Lukasiewicz desenhando um quadro em que uma vez mais a silogiacutestica eacute pensada como um sistema loacutegico que opera exclusivamente sobre termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) sem atuaccedilatildeo sobre nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares gecircneros supremos (summa genera) e termos transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) Na proacutexima seccedilatildeo mostraremos que as leituras propostas por tais inteacuterpretes seguramente natildeo encontram respaldo nos textos de Aristoacuteteles II CRIacuteTICA AgraveS OPINIOtildeES TRADICIONAIS

1 Uma Releitura de Primeiros Analiacuteticos I 27 43a 25minus43

Certamente nem todo o legado de Ross Lukasiewicz e Patzig deve ser abandonado Parece razoavelmente acertada por exemplo a escolha do capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos como promissora resposta agrave questatildeo de saber quais tipos de termos podem figurar em silogismos rigorosamente aristoteacutelicos ndash muito embora nem todo tipo de silogismo reconhecido por Aristoacuteteles esteja no escopo desse capiacutetulo21 No primeiro capiacutetulo do Livro I de Primeiros Analiacuteticos em que seria natural esperar alguma descriccedilatildeo mais detalhada a respeito dos termos Aristoacuteteles eacute muito sucinto limitando-se a dizer o seguinte

Ὅρον δὲ καλῶ εἰς ὃν διαλύεται ἡ πρότασις οἷον τό τε κατηγορούμενον καὶ τὸ καθrsquo οὗ κατηγορεῖται προστιθεμένου τοῦ εἶναι ἢ μὴ εἶναι

supremos Para excluir tais termos Patzig se pronuncia de modo muito breve e pouco esclarecedor ldquocategories (on Aristotlersquos definition) do not satisfy axiom (2)rdquo Aleacutem disso as ocorrecircncias de ldquosubstacircnciardquo e ldquounidaderdquo em Pr An I 5 27a 19minus20 e 27b 6minus8 tambeacutem satildeo ignoradas talvez em decorrecircncia de estarem associadas a pares de premissas inconcludentes 21 Ver por exemplo os silogismos formulados em Pr An II 15

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

18

Chamo lsquotermorsquo aquilo no que a proposiccedilatildeo se dissolve ou seja o item que se predica e o de que se predica acrescentando lsquoeacutersquo ou lsquonatildeo eacutersquo (24b 16minus18)

Esse pronunciamento eacute muito vago e em decorrecircncia pouco revelador Por isso em relaccedilatildeo agrave presente investigaccedilatildeo tal capiacutetulo quase natildeo oferece material que possa ser aproveitado Eacute claro que natildeo eacute bem essa a opiniatildeo de nossos interlocutores Ross Lukasiewicz e Patzig conceberam o mero fato de Aristoacuteteles natildeo ter feito menccedilatildeo a termos singulares no capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I como forte evidecircncia de que tais termos natildeo teriam lugar na silogiacutestica22

Essa atitude nos parece incorreta O fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a termos singulares revela apenas que o capiacutetulo natildeo tem aptidatildeo para contribuir com a investigaccedilatildeo Poder-se-ia alegar talvez que a exposiccedilatildeo das proposiccedilotildees silogiacutesticas no trecho 24a 16minus22 eacute exaustiva de modo que a exclusatildeo dos termos singulares fosse assegurada pelo simples fato de natildeo haver alusatildeo expliacutecita agraves proposiccedilotildees que lhes satildeo correlatas Poreacutem o referido trecho cai em certo descreacutedito por envolver certas imprecisotildees das quais o silecircncio sobre as proposiccedilotildees singulares seria apenas mais uma A diferenccedila entre proposiccedilotildees particulares e indefinidas por exemplo eacute bem precaacuteria Com efeito a proposiccedilatildeo particular ldquoalgum prazer natildeo eacute bemrdquo natildeo eacute mais informativa que a proposiccedilatildeo indefinida ldquoprazer natildeo eacute bemrdquo Tanto em um caso quanto em outro a relaccedilatildeo que os termos possuem entre si eacute igualmente indeterminada ou seja natildeo sabemos se (i) todo prazer natildeo eacute bem ou se (ii) algum prazer natildeo eacute bem e algum prazer eacute bem23

22 Ross (1949 p 384) Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect1 p 1 sect2 p 4) Patzig (1959 chapter 1 sect3 p 5) 23 Entre os comentadores Ross (1949 p 314) parece assumir que no trecho 29a 27minus29 Aristoacuteteles teria feito uma declaraccedilatildeo expliacutecita de que tais proposiccedilotildees seriam de fato equivalentes Bochenski (1951 p 43) por sua vez reconhece a referida passagem como evidecircncia incontestaacutevel de que Aristoacuteteles concebia tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis o que torna a distinccedilatildeo

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

19

Imprecisotildees como essa revelam o caraacuteter provisoacuterio do trecho 24a 16minus22 Por isso essa passagem natildeo pode ser considerada como resposta definitiva ao problema de saber se a silogiacutestica reserva lugar para termos singulares sobretudo se a razatildeo alegada para assim consideraacute-la for o mero fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a proposiccedilotildees singulares Em certa medida os comentadores perceberam que natildeo poderiam recorrer apenas ao primeiro capiacutetulo de Primeiros Analiacuteticos I para decidir a questatildeo e estenderam a discussatildeo ao capiacutetulo 27 tomando uma decisatildeo bastante acertada porque eacute nesse capiacutetulo que Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes e os compreende claramente como fatores de atribuiccedilatildeo suscetiacuteveis de articulaccedilatildeo silogiacutestica O trecho 43a 25minus43 oferece trecircs tipos de termos e como bem observaram os proponentes das opiniotildees tradicionais impotildee certas restriccedilotildees ao uso de termos de natureza singular bem como ao uso de termos de alto grau de generalidade ndash quer sejam summa genera como prefere Ross ou transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como entende Lukasiewicz O que escapou a nossos interlocutores eacute que essas restriccedilotildees estatildeo longe de expulsar da silogiacutestica qualquer dos trecircs tipos de termos ali apresentados Por isso em defesa de nossa posiccedilatildeo propomos reexaminar o trecho 43a 25minus43 pois entendemos que o texto por si soacute natildeo deixa duacutevidas de que nenhum dos trecircs tipos de termos introduzidos na referida passagem tenha sido excluiacutedo da silogiacutestica

Assim examinemos o famoso texto que tem alimentado a discussatildeo sobre termos silogiacutesticos

[1] ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστι τοιαῦτα ὥστε κατὰ μηδενὸς ἄλλου κατηγορεῖσθαι ἀληθῶς καθόλου (οἷον Κλέων καὶ

proposta no primeiro capiacutetulo um tanto despropositada Lukasiewicz (1951 sect2 p 5) tambeacutem reconhece que Aristoacuteteles trata tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis mas natildeo admite que Aristoacuteteles tenha se pronunciado de modo expliacutecito a respeito dessa equivalecircncia preferindo delegar esse feito a Alexandre

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

20

Καλλίας καὶ τὸ καθrsquo ἕκαστον καὶ αἰσθητόν) κατὰ δὲ τούτων ἄλλα (καὶ γὰρ ἄνθρωπος καὶ ζῷον ἑκάτερος τούτων ἐστί) τὰ δrsquo αὐτὰ μὲν κατrsquo ἄλλων κατηγορεῖται κατὰ δὲ τούτων ἄλλα πρότερον οὐ κατηγορεῖται τὰ δὲ καὶ αὐτὰ ἄλλων καὶ αὐτῶν ἕτερα οἷον ἄνθρωπος Καλλίου καὶ ἀνθρώπου ζῷον ὅτι μὲν οὖν ἔνια τῶν ὄντων κατrsquo οὐδενὸς πέφυκε λέγεσθαι δῆλον τῶν γὰρ αἰσθητῶν σχεδὸν ἕκαστόν ἐστι τοιοῦτον ὥστε μὴ κατηγορεῖσθαι κατὰ μηδενὸς πλὴν ὡς κατὰ συμβεβηκός φαμὲν γάρ ποτε τὸ λευκὸν ἐκεῖνο Σωκράτην εἶναι καὶ τὸ προσιὸν Καλλίαν ὅτι δὲ καὶ ἐπὶ τὸ ἄνω πορευομένοις ἵσταταί ποτε πάλιν ἐροῦμεν νῦν δrsquo ἔστω τοῦτο κείμενον [2] κατὰ μέν οὖν τούτων οὐκ ἔστιν ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον ἕτερον πλὴν εἰ μὴ κατὰ δόξαν ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων οὐδὲ τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται (καὶ γὰρ αὐτὰ κατrsquo ἄλλων καὶ ἄλλα κατὰ τούτων λεχθήσεται) καὶ σχεδὸν οἱ λόγοι καὶ αἱ σκέψεις εἰσὶ μάλιστα περὶ τούτων [1] Entre todos os entes alguns satildeo tais que natildeo se afirmam de nenhum outro verdadeiramente como universais (por exemplo Cleon e Caacutelias ou seja o particular e o sensiacutevel) mas outros se afirmam deles de fato cada um desses eacute tanto homem quanto animal Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros mas nenhum outro anterior se afirma deles Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros e outros satildeo afirmados deles por exemplo homem que se afirma de Caacutelias e do qual animal se afirma Assim eacute evidente que certas coisas por natureza natildeo se dizem de nenhuma outra de fato em geral entre as coisas sensiacuteveis cada uma eacute tal que natildeo se afirma de nenhuma outra a natildeo ser por acidente com efeito agraves vezes dizemos que aquele branco eacute Soacutecrates e que aquele que se aproxima eacute Caacutelias (Ainda diremos por que tambeacutem para cima em algum momento a seacuterie se interrompe Mas por ora seja assumido isso) [2] Assim acerca dessas coisas natildeo eacute possiacutevel demonstrar outra sendo afirmada (a natildeo ser segundo opiniatildeo) mas eacute possiacutevel demonstrar elas proacuteprias sendo afirmadas de outras Tampouco eacute possiacutevel demonstrar as coisas particulares sendo afirmadas de outras mas eacute possiacutevel demonstrar outras sendo afirmadas delas Jaacute das coisas que ficam entre essas eacute evidente que eacute possiacutevel demonstrar afirmando de ambos os modos pois tanto elas seratildeo ditas de outras quanto outras seratildeo ditas delas Grosso modo os argumentos e as investigaccedilotildees satildeo sobretudo acerca dessas coisas (43a 25minus43)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

21

A mais natural divisatildeo que podemos impor agrave passagem acima exige duas seccedilotildees

[1] Na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes compreendidos como fatores de atribuiccedilatildeo e classificados segundo as funccedilotildees que cada classe de termos pode desempenhar em proposiccedilotildees destinadas a operaccedilotildees silogiacutesticas A passagem eacute inaugurada com um pronunciamento a respeito de todos os entes ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων Por isso ao que tudo indica essa divisatildeo tripartite eacute exaustiva e natildeo deixa de fora nenhuma classe de termos Os resultados provenientes dessa classificaccedilatildeo trazem certas restriccedilotildees agrave atuaccedilatildeo de alguns termos na silogiacutestica nas linhas 25minus29 Aristoacuteteles nega que os termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) possam desempenhar o papel de legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nas linhas 29minus30 rejeita a possibilidade de atribuir aos termos de alta generalidade um termo que lhes seja anterior (πρότερον) Conforme jaacute o dissemos essas restriccedilotildees passam longe da exclusatildeo de qualquer das classes de termos apresentadas no referido trecho do capiacutetulo 27 A principal evidecircncia disso aparece na imediata sequumlecircncia do texto em que Aristoacuteteles avalia os efeitos dessas restriccedilotildees sobre as demonstraccedilotildees Isso nos leva agrave segunda seccedilatildeo

[2] Na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) satildeo explicitadas as consequumlecircncias que as restriccedilotildees apresentadas na seccedilatildeo anterior (43a 25minus37) produziratildeo nas demonstraccedilotildees24 Nas linhas 37minus39 Aristoacuteteles se pronuncia a respeito dos termos de alta generalidade (summa genera

24 Eacute bem verdade que em relaccedilatildeo ao cenaacuterio que temos em Segundos Analiacuteticos I 2 a noccedilatildeo de apodeixis que aparece no capiacutetulo 27 ainda exige muitos aperfeiccediloamentos mas natildeo nos parece justo entendecirc-la meramente como prova silogiacutestica jaacute que ela envolve exigecircncias de ordem atributiva que restringem as provas denotadas pela noccedilatildeo de apodeixis assumida no capiacutetulo a um subgrupo da noccedilatildeo mais geral de silogismo As provas silogiacutesticas formuladas em Primeiros Analiacuteticos II 15 por exemplo ficam de fora do grupo de silogismos dos quais o capiacutetulo 27 pretende dar conta Assim sendo optamos por manter a traduccedilatildeo de apodeixis por ldquodemonstraccedilatildeordquo e natildeo por ldquoprovardquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

22

eou transcategoriais) a possibilidade de demonstrar qualquer outro termo a respeito deles eacute recusada25 mas a de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute afirmada textualmente Nas linhas 39minus40 o pronunciamento se faz a respeito dos termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) a possibilidade de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute recusada mas a de demonstrar outros termos a respeito deles tambeacutem eacute afirmada Nas linhas 40minus42 Aristoacuteteles trata dos termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) e natildeo lhes impotildee nenhuma restriccedilatildeo eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles26

Por fim nas linhas 42minus43 Aristoacuteteles encerra a passagem com um pronunciamento de caraacuteter geral e conclusivo pronunciamento que ao contraacuterio do que Ross sugeriu e mais tarde Lukasiewicz endossou natildeo nega absolutamente nada do que fora dito ateacute entatildeo

Eacute claro que o leitor ainda pode levar em conta que Aristoacuteteles soacute faz uso da expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 ao se pronunciar a respeito dos termos de alta generalidade e que por isso a pressuposiccedilatildeo de tal expressatildeo nos demais pronunciamentos seria artificiosa e desqualificaria a traduccedilatildeo e a leitura que propomos De fato essa expressatildeo causou incocircmodo a alguns tradutores de liacutengua inglesa influenciados provavelmente pelos legados de Ross e Lukasiewicz A J Jenkinson e Robin Smith por exemplo traduzem a

25 Na verdade Aristoacuteteles reconhece uma exceccedilatildeo aludindo agrave possibilidade de ldquodemonstrarrdquo segundo opiniatildeo (κατὰ δόξαν) mas essa exceccedilatildeo eacute uma alternativa a ser evitada 26 No manuscrito n temos δειχθήσεται ao inveacutes de λεχθήσεται na linha 42 As duas alternativas favorecem a nossa leitura Optamos pela manutenccedilatildeo de λεχθήσεται para natildeo perder a relaccedilatildeo explicativa que haacute entre os pronunciamentos das linhas 40minus41 de um lado e 30minus32 de outro De fato com λεχθήσεται a linha 42 apenas repete o que fora dito nas linhas 30minus32 Essa opccedilatildeo revela que as linhas 30minus32 explicam a linha 42 e sugere que a mesma relaccedilatildeo explicativa ocorra entre as linhas 25minus29 e 39minus40 bem como entre as linhas 29minus30 e 37minus39

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

23

expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 como ldquodemonstraterdquo e ldquodemonstrate to be predicatedrdquo respectivamente No entanto ambos evitam tal traduccedilatildeo nas linhas subsequumlentes nas quais a expressatildeo natildeo aparece de modo expliacutecito e substituem ldquodemonstraterdquo por ldquopredicaterdquo27

Haacute pelo menos uma boa razatildeo para rejeitar tais traduccedilotildees elas assumem que na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) precisamente no que diz respeito agraves consequumlecircncias que as restriccedilotildees introduzidas na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) tecircm sobre as demonstraccedilotildees Aristoacuteteles estaria interessado apenas nos termos de alta generalidade dado que recorre agrave expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον exclusivamente ao tratar deles Assim no que diz respeito agrave atuaccedilatildeo dos demais termos (τὰ καθrsquo ἕκαστα e τὰ μεταξὺ) nas demonstraccedilotildees Aristoacuteteles jaacute natildeo teria a pretensatildeo de avaliar as consequumlecircncias dessas restriccedilotildees limitando-se apenas a repetir o que fora dito na primeira seccedilatildeo Essa leitura impotildee ao texto uma interrupccedilatildeo natildeo muito natural em seu desenvolvimento e ainda o torna redundante sem apresentar uma razatildeo satisfatoacuteria que justifique essa leitura

27 Na linha 39 por exemplo A J Jenkinson (in Barnes 1984) traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquobut these may be predicated of other thingsrdquo Robin Smith vai na mesma direccedilatildeo e traduz como ldquobut they are predicated of othersrdquo embora reconheccedila em seu comentaacuterio ao trecho 43a 40ss na paacutegina 50 (comentaacuterio que na verdade trata da linha 39) que a frase pode ser traduzida como ldquoother things are demonstrated to be predicated of themrdquo nas linhas 39-40 Jenkinson traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNeither can individuals be predicated of other things although other things can be predicated of themrdquo Robin Smith natildeo destoa disso e traduz como ldquoNeither can individuals be predicated of other things but instead other things are predicated of themrdquo por fim nas linhas 40-41 Jenkinson traduz τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται como ldquoWhatever lies between these limits can be spoken of in both waysrdquo ao passo que Robin Smith traduz como ldquoBut it is clear that for those in between predication is possible in both waysrdquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

24

Na contramatildeo de A J Jenkinson e Robin Smith temos Mario Mignucci e Gisela Striker que traduzem a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον como ldquodimostrare che essi si predicanordquo e ldquodemonstrate to be said ofrdquo respectivamente e entendem as linhas 39minus41 como pronunciamentos nos quais embora natildeo apareccedila de modo expliacutecito a expressatildeo ainda estaacute em jogo28 Essas traduccedilotildees certamente satildeo as mais fieacuteis ao texto grego e corroboram a traduccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo que propomos justificando o abandono da leitura tradicional sugerida por Ross e cristalizada nos estudos de Lukasiewicz A essa altura jaacute podemos fazer um balanccedilo dos resultados que o capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos de fato nos impotildee O cenaacuterio que se desenha eacute o seguinte (i) termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) natildeo eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου)29 de outros termos por isso tampouco eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos no entanto eacute possiacutevel lhes atribuir outros termos como legiacutetimos

28 Na linha 39 por exemplo Mignucci traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquomentre egrave possibile dimostrare che essi si predicano di altrirdquo Striker por sua vez traduz como ldquobut [sc one can demonstrate] only that they themselves are predicated of other thingsrdquo na linha 40 ambos fazem questatildeo de recuperar a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον Mignucci traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNon egrave neanche possibile dimostrare che i singolari si predicano di altre cose ma soltanto che altre cose si predicano di essirdquo Striker segue a mesma linha e traduz como ldquonor can one demonstrate that individuals are said of other things but only that other things are said of themrdquo Na linha 41 por sua vez a expressatildeo eacute recuperada novamente e o trecho τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται eacute traduzido por Mignucci como ldquoEgrave chiaro invece che le cose intermedie egrave possibile dimostrarle nei due modirdquo ao passo que por Striker como ldquoBut clearly the intermediate things admit [sc to be demonstrated] of bothrdquo 29 Tais termos natildeo se predicam de nenhum outro a natildeo ser κατὰ συμβεβηκός (43a 33minus35)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

25

predicados por conseguinte tambeacutem eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 25minus29 e 39minus40) (ii) termos de alta generalidade (summa genera eou τὰ πᾶσιν ἑπόμενα)30 natildeo lhes eacute possiacutevel atribuir outros termos como legiacutetimos predicados ndash de fato natildeo haacute termo anterior (πρότερον) que lhes possa ser atribuiacutedo por isso tampouco eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles no entanto eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos logo tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos (conferir 43a 29minus30 e 37minus39) (iii) termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos bem como lhes atribuir outros termos como legiacutetimos predicados em razatildeo disso tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 30minus32 e 40minus42)

Assim o que prevalece eacute que Aristoacuteteles jamais afastou de sua loacutegica qualquer das trecircs classes de termos apresentadas em Primeiros Analiacuteticos I 27 muito embora tenha endereccedilado certas restriccedilotildees atributivas a algumas delas 2 Primeiros Analiacuteticos I 28 e os Axiomas de Patzig

Patzig parece entender que o capiacutetulo 27 natildeo eacute merecedor de toda a atenccedilatildeo que lhe foi concedida por Ross e Lukasiewicz O capiacutetulo 28 em sua opiniatildeo eacute bem mais promissor no que diz respeito agrave questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera31 enquanto o capiacutetulo 27

30 Como Aristoacuteteles natildeo oferece exemplos de termos desse tipo deixamos indeterminado se satildeo summa genera como propotildee Ross ou transcategoriais de generalidade total (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como prefere Lukasiewicz (cf nota 3) 31 Patzig (1959 sect3 p 6)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

26

serviria mais como discussatildeo preparatoacuteria para os assuntos tratados no capiacutetulo seguinte

De fato haacute forte unidade entre esses textos O objetivo predominante que os vincula e orienta eacute anunciado no iniacutecio do capiacutetulo 27 e consiste em mostrar ldquode que modo sempre estaremos providos de silogismos em relaccedilatildeo ao que for proposto e por qual via alcanccedilamos os princiacutepios de cada coisardquo32 O capiacutetulo 27 contribui com esse objetivo na medida em que faz recomendaccedilotildees sobre como selecionar termos e premissas e classifica os fatores silogiacutesticos segundo as funccedilotildees (sujeito e predicado) que podem desempenhar de modo irrestrito em proposiccedilotildees silogiacutesticas A contribuiccedilatildeo do capiacutetulo 28 por sua vez estaacute associada aos procedimentos de prova de cada uma das quatro formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Esses procedimentos satildeo caracterizados basicamente pela descriccedilatildeo dos paracircmetros de localizaccedilatildeo do fator capaz de mediar os extremos (τά ἄκρα) na relaccedilatildeo categoacuterica acarretada na conclusatildeo Trata-se portanto de procedimentos de busca e localizaccedilatildeo do termo mediador (τὸ μέσον)

Assim para provar por exemplo a relaccedilatildeo universal afirmativa EaA prescreve Aristoacuteteles devemos encontrar um fator comum a duas listas (i) aquela de termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e (ii) aquela de termos que se atribuem universalmente ao extremo menor E33 O resultado seraacute o mediador M tal que MaA e EaM o que perfaz um silogismo em Barbara Semelhantemente para provar a relaccedilatildeo particular afirmativa EiA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um elemento comum agraves listas de (i) termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente ou seja agraves listas de termos que cada um dos extremos E e A ldquoacompanhardquo (ἕπεσθαι ou ακολουθεῖν) Nesse caso o termo comum M seraacute tal que MaA e MaE o que nos

32 An Pr I 27 43a 20ndash21 33 An Pr I 28 43b 39ndash43

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

27

permite concluir EiA por Darapti (terceira figura)34 Por sua vez a prova da relaccedilatildeo universal negativa EeA tambeacutem se valeraacute da identificaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios a um extremo e de (ii) termos que se atribuem universalmente ao outro extremo se o mediador M comum agraves duas listas for contraacuterio ao extremo maior A e universalmente atribuiacutedo ao extremo menor E o mediador M seraacute tal que MeA e EaM ou AeM e EaM possibilitando a prova de EeA (respectivamente) por Celarent e por Cesare mas se o mediador M for contraacuterio ao extremo menor E e universalmente atribuiacutedo ao extremo maior A M seraacute tal que AaM e EeM restringindo a prova de EeA a Camestres35 Por fim para provar a relaccedilatildeo particular negativa EoA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios ao extremo maior A e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente Assim o mediador M seraacute tal que MeA e MaE o que prova EoA por Felapton36

Em todas as recomendaccedilotildees do capiacutetulo 28 Aristoacuteteles se orienta pelas conclusotildees almejadas propondo a partir delas procedimentos de busca e localizaccedilatildeo dos fatores capazes de acarretar cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas A estrateacutegia de Aristoacuteteles portanto natildeo consiste em partir de premissas e deduzir os resultados que delas se seguem mas fazendo o caminho inverso consiste em partir da conclusatildeo e buscar o termo mediador capaz de articular os extremos na relaccedilatildeo categoacuterica (a e i ou o) da conclusatildeo

Por natildeo captar a natureza invertida dessa estrateacutegia Patzig natildeo compreendeu plenamente o que Aristoacuteteles propusera e julgou que o capiacutetulo 28 muito mais que o capiacutetulo 27 impunha severas restriccedilotildees agrave lista de termos capazes de figurar em silogismos aristoteacutelicos Na verdade o capiacutetulo 28 nem sequer trata da questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera mas limita-se a descrever os paracircmetros de

34 Ibidem 43b 43ndash44a 2 35 An Pr I 44a 2ndash8 36 An Pr I 28 44a 9ndash11

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

28

localizaccedilatildeo do mediador de cada forma categoacuterica Eacute claro que ao descrever esses paracircmetros Aristoacuteteles acaba por assumir certos pressupostos que em uacuteltimo caso podem ter algum efeito sobre a lista de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica Ainda assim eacute preciso observar que as recomendaccedilotildees apresentadas no capiacutetulo 28 satildeo pensadas em relaccedilatildeo agrave prova de cada proposiccedilatildeo categoacuterica em particular Por isso os pressupostos envolvidos nessas recomendaccedilotildees bem como as eventuais restriccedilotildees de termos que lhes sejam correlatas deveratildeo ter aplicaccedilatildeo circunscrita a cada caso isto eacute aos procedimentos de prova de cada conclusatildeo em particular

Patzig parece natildeo ter dado a devida atenccedilatildeo a esse detalhe pois embora compreenda os seus axiomas como pressupostos impliacutecitos das recomendaccedilotildees de Aristoacuteteles ndash recomendaccedilotildees cuja aplicaccedilatildeo estaacute circunscrita a cada caso ndash Patzig os assume como vaacutelidos para termos de todo e qualquer silogismo37 No entanto eacute flagrante que certos silogismos natildeo dependem de alguns de seus axiomas Um arquetiacutepico silogismo em Barbara por exemplo funciona perfeitamente bem sem pressupor para qualquer de seus termos a validade do terceiro axioma isto eacute sem pressupor que exista para qualquer de seus termos (ou mesmo para qualquer de seus extremos para ser fiel ao capiacutetulo 28) um termo que lhe seja ldquocontraacuteriordquo

Ao que tudo indica o que levou Patzig a estender a validade de seus axiomas sobre todos os silogismos eacute o trecho 44a 12minus17 em que Aristoacuteteles estipula letras para as listas de termos com as quais pretende trabalhar na exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova38 Na referida passagem Aristoacuteteles considera basicamente trecircs tipos de termos que se distinguem pelo termo extremo que lhes eacute correlato bem como pela relaccedilatildeo predicativa que cada um manteacutem com esse extremo Para cada extremo Aristoacuteteles estipula (i) termos que lhe satildeo atribuiacutedos universalmente (ii) termos aos quais ele proacuteprio se atribui universalmente e (iii) termos que natildeo lhe

37 Patzig (1959) sect3 p 6ndash7 38 An Pr I 28 44a 12minus17

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

29

podem ser atribuiacutedos Os termos de primeiro tipo devem ter servido de estiacutemulo para a necessidade de termos superordenados proacuteprios que eacute marca do segundo axioma de Patzig os termos de segundo tipo por sua vez para a necessidade de termos subordinados proacuteprios marca do primeiro axioma os de terceiro por fim para a necessidade de termos ldquocontraacuteriosrdquo marca do terceiro axioma

Eacute bem verdade que os termos estipulados por Aristoacuteteles envolvem certa analogia com os axiomas propostos por Patzig Mas eacute preciso notar em primeiro lugar que nenhum dos procedimentos de prova descritos por Aristoacuteteles depende da estipulaccedilatildeo dos trecircs tipos de termos39 A recomendaccedilatildeo de prova da proposiccedilatildeo particular afirmativa por exemplo requer apenas (ii) termos aos quais os extremos se atribuem universalmente40 O fato de Aristoacuteteles jaacute estipular de antematildeo trecircs tipos de termos para cada extremo natildeo torna obrigatoacuterio que todo e qualquer extremo (e muito menos que todo e qualquer termo silogiacutestico como prefere Patzig) independentemente do silogismo a que pertenccedila dependa dos trecircs tipos de termos estipulados precisamente porque a estipulaccedilatildeo desses termos estaacute ancorada em um par de extremos que eacute muito peculiar Esse par de extremos eacute pensado com propoacutesitos didaacuteticos orientados agrave exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova de cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas (a e i e o) Trata-se de um par de extremos que em benefiacutecio da exposiccedilatildeo eacute assumido como articulaacutevel em qualquer das relaccedilotildees categoacutericas Poreacutem essa assunccedilatildeo soacute faz sentido no contexto preciso dessa exposiccedilatildeo de procedimentos de prova afinal algumas dessas relaccedilotildees categoacutericas satildeo incompatiacuteveis entre si ndash por exemplo as relaccedilotildees universal afirmativa e particular negativa Por isso devemos presumir que as estipulaccedilotildees de termos que lhes datildeo suporte tambeacutem o satildeo e portanto natildeo podem valer em conjunto e para todos os casos

39 Idem 44a 17minus30 40 Ibidem 44a 19minus21

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

30

Para esclarecer esse ponto retomemos rapidamente os procedimentos de prova das proposiccedilotildees universal afirmativa e particular negativa41 Assumindo um mesmo par de extremos como faz Aristoacuteteles estaremos diante de proposiccedilotildees contraditoacuterias (EaA e EoA) Dado que tais proposiccedilotildees satildeo incompatiacuteveis as condiccedilotildees das quais elas satildeo provenientes tambeacutem o seratildeo Dizendo de outro modo a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (i) termos aos quais o extremo maior se atribui universalmente e (ii) termos que se atribuem universalmente ao extremo menor eacute incompatiacutevel com a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (irsquo) termos aos quais o extremo maior natildeo pode ser atribuiacutedo e (iirsquo) termos aos quais o extremo menor se atribui universalmente Assim em presenccedila das condiccedilotildees de prova de uma das proposiccedilotildees incompatiacuteveis as condiccedilotildees da outra poderatildeo ser dispensadas jaacute que satildeo condiccedilotildees requeridas para uma prova cuja possibilidade jaacute natildeo existe E natildeo haacute razatildeo para manter os termos estipulados e dispensar apenas a possibilidade de um termo comum entre as listas pois ambos os pressupostos satildeo requisitados para servir um uacutenico e mesmo propoacutesito o de estabelecer condiccedilotildees para a prova da relaccedilatildeo categoacuterica que se pretende obter Natildeo haacute uma razatildeo que justifique a manutenccedilatildeo das listas de termos estipulados em detrimento da possibilidade de um termo comum entre as listas pois o propoacutesito que introduz uma exigecircncia tambeacutem introduz a outra Sob essa perspectiva fica claro que os termos estipulados no trecho 44a 12minus17 natildeo podem ser pressupostos indispensaacuteveis de quaisquer termos silogiacutesticos tampouco pressupostos que devem ser satisfeitos em conjunto por termos de todo e qualquer silogismo Afinal Aristoacuteteles estipula cada uma das listas supondo que seus termos seratildeo candidatos agrave funccedilatildeo de mediador (e natildeo agrave funccedilatildeo de termos silogiacutesticos) e o faz segundo as exigecircncias especiacuteficas envolvidas na prova de cada relaccedilatildeo categoacuterica em particular (a e i ou o) Compreender tais listas como pressupostos

41 An Pr I 28 43b 39minus43 e 44a 9minus11

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

31

que devem ser satisfeitos por todo e qualquer termo silogiacutestico eacute um equiacutevoco

Em segundo lugar o capiacutetulo 28 natildeo parece estar orientado propriamente agrave prova silogiacutestica das formas categoacutericas mas em algum sentido agrave demonstraccedilatildeo de tais relaccedilotildees Haacute indiacutecios que sugerem essa leitura O principal deles talvez seja o fato de Aristoacuteteles se mostrar interessado em localizar um meson que fica no meio do caminho entre um mediador que satisfaz requisitos meramente dedutivos e um mediador que supera tais requisitos e se configura como um fator explanatoacuterio em uma legiacutetima demonstraccedilatildeo cientiacutefica42 Retomemos por exemplo as recomendaccedilotildees de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) Em 43b 43ndash44a 2 Aristoacuteteles recomenda a prova de EiA por premissas universais conduzindo a prova a um silogismo em Darapti embora admita a possibilidade de concluir proposiccedilotildees particulares a partir de um par de premissas em que apenas uma eacute universal (41b 22minus27) Em 44a 9ndash11 a exemplo do que ocorre com a prova de EiA Aristoacuteteles recomenda a prova de EoA novamente por premissas universais desta vez conduzindo a prova a um silogismo em Felapton Essas duas recomendaccedilotildees de prova pressupotildeem que o meson requisitado para a prova natildeo eacute um mediador meramente dedutivo mas um mediador que se articula com os extremos exclusivamente por relaccedilotildees universais Eacute claro que esse cenaacuterio ainda estaacute muito distante daquele que temos por exemplo no capiacutetulo 2 do Livro II de Segundos

42 Em uma demonstraccedilatildeo cientiacutefica natildeo basta que o mediador se relacione com os extremos de tal modo que a deduccedilatildeo da conclusatildeo esteja formalmente assegurada Aristoacuteteles ainda exige que o mediador satisfaccedila certos requisitos natildeo formais O principal deles eacute o de explicar adequadamente por que o extremo maior se atribui ao extremo menor (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 por exemplo essa diferenccedila (entre um mediador que satisfaz exigecircncias meramente dedutivas e um mediador que funciona como explicaccedilatildeo do fato relatado na conclusatildeo) eacute utilizada como criteacuterio baacutesico para distinguir o conhecimento de que C eacute A (conhecimento do fato) e o conhecimento de por que C eacute A (conhecimento da causa)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

32

Analiacuteticos (90a 6minus7) em que o meson eacute pensado como a causa que explica por que a relaccedilatildeo dada entre os extremos explicitada na conclusatildeo da demonstraccedilatildeo eacute o caso Mesmo assim temos o suficiente para mostrar que Aristoacuteteles natildeo estaacute levando em conta todos os silogismos de seu sistema loacutegico mas apenas aqueles nos quais ambas as premissas satildeo universais Por que razatildeo exatamente Aristoacuteteles faz essa escolha eacute algo a se investigar O que nos importa eacute que essa escolha restringe o escopo do capiacutetulo a um grupo especiacutefico de silogismos o que natildeo eacute compatiacutevel com a validade irrestrita dos axiomas propostos por Patzig

Em terceiro lugar Aristoacuteteles natildeo lida com as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo proacutepria superordenaccedilatildeo proacutepria e contrariedade mas prefere (i) termos que acompanham o extremo (τὰ ἑπόμενα) (ii) termos aos quais o extremo acompanha (οἷς αὐτὸ ἕπεται) e (iii) termos que natildeo podem ser atribuiacutedos ao extremo (ἃ μὴ ἐνδέχεται αὐτῷ ὑπάρχειν) Essa diferenccedila natildeo eacute apenas terminoloacutegica mas conceitual As relaccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias pressupotildeem termos que natildeo satildeo coextensivos se X eacute um termo subordinado proacuteprio de Y XaY eacute o caso mas YaX natildeo se Z eacute um termo superordenado proacuteprio de Y YaZ eacute o caso mas ZaY natildeo O proacuteprio Patzig reconhece essas consequumlecircncias ao formular os seus dois primeiros axiomas43 Aristoacuteteles no entanto ao se valer das relaccedilotildees de ldquoacompanhamentordquo entre os termos natildeo hesita em rejeitaacute-las No capiacutetulo 29 por exemplo Aristoacuteteles menciona a possibilidade de provar por hipoacutetese (συλλογίσασθαι ἐξ ὑποθέσεως) os problemas universais (a e e) assumindo precisamente a possibilidade de coextensatildeo entre os termos envolvidos possibilidade da qual Patzig parece prescindir ao formular seus axiomas A passagem agrave qual nos referimos eacute a seguinte

εἰ γὰρ τὸ Γ καὶ τὸ Η ταὐτὰ εἴη μόνοις δὲ ληφθείη τοῖς Η τὸ Ε ὑπάρχειν παντὶ ἂν τῷ Ε τὸ Α ὑπάρχοι καὶ πάλιν εἰ τὸ Δ καὶ Η ταὐτὰ μόνων δὲ τῶν Η τὸ Ε κατηγοροῖτο ὅτι οὐδενὶ τῷ Ε τὸ Α ὑπάρξει

43 Patzig (1959 sect3 p 6ndash7)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

33

Com efeito se C e G fossem o mesmo mas se assumisse que E se atribui apenas aos Grsquos A se atribuiria a todo E Novamente se D e G fossem o mesmo mas E se afirmasse apenas dos Grsquos A se atribuiraacute a nenhum E (45b 24minus27)

Em 44a 12minus17 Aristoacuteteles jaacute havia estipulado que a letra C representaria um termo ao qual o extremo maior A acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente tambeacutem foi estipulado que a letra G representaria um termo ao qual o extremo menor E acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente por fim ainda ficou decidido que a letra D representaria um termo que natildeo pode ser atribuiacutedo ao extremo maior A Assim a identidade entre C e G a exemplo do que ocorre em 44a 19minus21 conduz a prova de EiA a um silogismo em Darapti ao passo que a identidade entre D e G a exemplo do que ocorre em 44a 28minus30 conduz a prova de EoA a um silogismo em Felapton44 No entanto nessa passagem embora os procedimentos de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) sejam acionados aquilo que se quer mostrar eacute de que modo podemos provar por hipoacutetese (ἐξ ὑποθέσεως) as proposiccedilotildees universais Para alcanccedilar esse resultado Aristoacuteteles assume que o extremo menor E se atribui apenas (μόνον) a G o que pode ser interpretado como uma maneira diferente de dizer que E e G satildeo termos coextensivos Sinal disso eacute o seguinte ao assumir que E se atribui apenas a G Aristoacuteteles se vecirc autorizado a concluir as proposiccedilotildees universais EaA e EeA o que soacute faz sentido sob o pressuposto de que G e E satildeo termos coextensivos De fato sob tal pressuposto a premissa menor GaE pode ser ldquoconvertidardquo em EaG o que transforma Darapti em Barbara bem como Felapton em Celarent Mas se os termos aos quais o extremo menor E acompanha forem pensados como termos subordinados proacuteprios de E GaE seraacute o caso mas EaG natildeo Por conseguinte tampouco as conclusotildees EaA e EeA se seguiriam Assim se quisermos conferir sentido agrave passagem temos que assumir que Aristoacuteteles recorreu agrave possibilidade de construir silogismos com termos

44 Darapti CaA GaE rarr EiA (C=G) Felapton DeA GaE rarr EoA (D=G)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

34

que satildeo coextensivos e se assim for podemos dizer que para Aristoacuteteles a presenccedila de silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos em sua loacutegica natildeo causava qualquer inconveniente45

Segundo nos parece as razotildees alegadas ateacute aqui jaacute satildeo suficientes para mostrar que os axiomas de Patzig natildeo podem servir como criteacuterios delimitadores de termos silogiacutesticos Ainda assim vale a pena examinar duas passagens que eventualmente poderiam ser invocadas contra a interpretaccedilatildeo que propomos Embora natildeo sejam citadas pelos proponentes das opiniotildees tradicionais natildeo eacute difiacutecil imaginar que elas tenham servido de inspiraccedilatildeo para aqueles que defendem a exclusatildeo dos termos transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo De fato agrave primeira vista tais passagens podem nos levar a pensar que Aristoacuteteles natildeo guardou lugar para tais termos na silogiacutestica No entanto como veremos isso soacute eacute verdade agrave primeira vista

45 O capiacutetulo 29 natildeo eacute a uacutenica evidecircncia de silogismos com termos coextensivos na silogiacutestica No capiacutetulo 5 do Livro II de Primeiros Analiacuteticos precisamente em 57b 35minus58a 12 Aristoacuteteles trabalha com silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos Por sua vez no capiacutetulo 22 em 67b 27minus32 Aristoacuteteles inicia o texto dizendo que a coextensatildeo entre os termos extremos de um silogismo requer um mediador tambeacutem coextensivo o que revela por parte de Aristoacuteteles plena consciecircncia a respeito da existecircncia de silogismos com triacuteades coextensivas Nos Segundos Analiacuteticos o interesse de Aristoacuteteles por demonstraccedilotildees que envolvem termos coextensivos pode ser classificado como uma obsessatildeo Basta notar que a proacutepria demonstraccedilatildeo universal ndash aquela que eacute considerada por Aristoacuteteles como cientiacutefica no mais alto grau ndash tem como uma de suas principais caracteriacutesticas a coextensatildeo entre os trecircs termos do silogismo (cf Seg An I 4 73b 32minus74a 3) o que revela o papel central das triacuteades coextensivas no projeto aristoteacutelico que eacute inaugurado com a silogiacutestica e culmina nas demonstraccedilotildees cientiacuteficas (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 e II 16 Aristoacuteteles novamente recorre a termos coextensivos na formulaccedilatildeo de silogismos A nossa preferecircncia pela passagem 45b 24minus27 do capiacutetulo 29 de Primeiros Analiacuteticos se daacute apenas com base em sua conexatildeo indiscutiacutevel com o capiacutetulo 28 no qual Patzig julga encontrar seus axiomas

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

35

Uma das passagens agraves quais nos referimos eacute aquela com a qual Aristoacuteteles encerra o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I Vejamos o que diz Aristoacuteteles

ἔτι τὰ πᾶσιν ἑπόμενα οὐκ ἐκλεκτέον οὐ γὰρ ἔσται συλλογισμὸς ἐξ αὐτων διrsquo ἣν δrsquo αἰτίαν ἐν τοῖς ἑπομένοις ἔσται δῆλον Aleacutem disso natildeo eacute preciso selecionar os itens que acompanham todas as coisas pois natildeo haacute silogismo a partir deles A razatildeo disso ficaraacute evidente a seguir (43b 36minus38)

Essa passagem trata dos termos transcategoriais de generalidade total (τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) e delega a justificativa de seu proacuteprio pronunciamento ao capiacutetulo seguinte no qual Patzig encontrou inspiraccedilatildeo para seus axiomas No capiacutetulo 28 cumprindo o prometido Aristoacuteteles retoma esse assunto e reitera a impossibilidade de construir silogismos a partir de termos de generalidade total

φανερὸν οὖν ὅτι διὰ τῶν προειρημένων σχημάτων οἱ συλλογισμοὶ πάντες καὶ ὅτι οὐκ ἐκλεκτέον ὅσα πᾶσιν ἕπεται διὰ τὸ μηδένα γίγνεσθαι συλλογισμὸν ἐξ αὐτῶν κατασκευάζειν μὲν γὰρ ὅλως οὐκ ἦν ἐκ τῶν ἑπομένων ἀποστερεῖν δrsquo οὐκ ἐνδέχεται διὰ τοῦ πᾶσιν ἑπομένου δεῖ γὰρ τῷ μὲν ὑπάρχειν τῷ δὲ μὴ ὑπάρχειν Eacute evidente entatildeo que todos os silogismos vecircm a ser atraveacutes das figuras previamente mencionadas e que natildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisas porque nenhum silogismo vem a ser a partir deles De fato de modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanham e natildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outro (44b 19minus24)

Fora de contexto e em uma leitura mais apressada essas duas passagens podem nos levar a crer que a opiniatildeo tradicional que afasta da silogiacutestica os termos de generalidade total (como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) de fato encontra respaldo nos textos de Aristoacuteteles No entanto mais uma vez eacute preciso levar em conta que o capiacutetulo 28 eacute marcado pela

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

36

descriccedilatildeo de estrateacutegias de localizaccedilatildeo de termos mediadores e natildeo de termos em geral Dizendo de outro modo Aristoacuteteles natildeo estaacute interessado em localizar os termos que deveratildeo encerrar a conclusatildeo de um silogismo pelo contraacuterio tais termos jaacute estatildeo plenamente determinados bem como a relaccedilatildeo proposicional (a e i e o) que haacute entre eles dado que a conclusatildeo na qual interagem funciona como ponto de partida da investigaccedilatildeo empreendida no capiacutetulo O que interessa para Aristoacuteteles eacute a localizaccedilatildeo de termos mediadores e eacute nesse horizonte que tais passagens devem ser lidas Assim ao negar a possibilidade de construir silogismos a partir de termos transcategoriais de generalidade total (ἐξ αὐτῶν) o que Aristoacuteteles quer dizer eacute que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos46 nos quais a funccedilatildeo de mediador seja desempenhada por um termo desse tipo razatildeo pela qual na busca pelo mediador recomenda Aristoacuteteles ldquonatildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisasrdquo (44b 20minus21) Para justificar essa recomendaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta duas razotildees (i) ldquode modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanhamrdquo (44b 22minus23) (ii) ldquonatildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outrordquo (44b 23minus24) Na primeira razatildeo Aristoacuteteles parece reconsiderar as listas de termos estipuladas no trecho 44a 11minus17 pressupondo ao que tudo indica que os transcategoriais de generalidade total soacute podem figurar em listas de termos que acompanham os extremos Isso se justificaria pela natureza inapta de tais termos para o papel de sujeito em proposiccedilotildees silogiacutesticas conforme se constata no capiacutetulo I 27 Assim na medida em que nas provas afirmativas a busca pelo mediador natildeo envolve

46 Na verdade como o escopo do capiacutetulo 28 natildeo abarca todo e qualquer silogismo seria mais correto dizer que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos (nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas) assumindo um termo de generalidade total na funccedilatildeo de mediador

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

37

apenas a lista de termos que acompanham um dos extremos mas tambeacutem a lista de termos aos quais um dos extremos acompanha (ver 43b 39minus44a 2) os transcategoriais de generalidade total perdem a candidatura agrave funccedilatildeo de mediador e jaacute de saiacuteda nem sequer precisam ser considerados47 Na segunda razatildeo por sua vez Aristoacuteteles leva em conta o fato de que as provas negativas dependem de um mediador capaz de figurar em proposiccedilotildees universais negativas verdadeiras exigecircncia que natildeo estaacute no alcance dos termos de generalidade total Afinal se estamos diante de um transcategorial desse tipo de antematildeo jaacute assumimos a inexistecircncia de um termo do qual ele natildeo seja predicado Assim os termos de generalidade total ficam impedidos de serem atribuiacutedos a um extremo e natildeo atribuiacutedos ao outro (44b 24) como deve ser o mediador de um silogismo negativo

O que eacute verdade portanto eacute que Aristoacuteteles dispensa os termos de generalidade total da funccedilatildeo de mediador De fato quando se pretende construir silogismos nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas tal como ocorre no capiacutetulo 28 a busca do mediador entre transcategoriais de generalidade total eacute sempre infrutiacutefera porque soacute poderaacute devolver como resposta pretensos fatores de mediaccedilatildeo marcados por duas deficiecircncias principais a

47 Supomos que em tais passagens Aristoacuteteles de fato tem em mente as recomendaccedilotildees de prova apresentadas no iniacutecio do capiacutetulo 28 de modo que apenas os silogismos em Barbara e Darapti sejam considerados como silogismos afirmativos (cf 43b 39minus44a 2) Assim entendemos que o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 se justificaria porque os termos de generalidade total na prova de a natildeo podem integrar a lista de termos aos quais o extremo maior acompanha bem como na prova de i a lista de termos aos quais ambos os extremos acompanham No entanto ainda que os demais silogismos afirmativos sejam levados em conta o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 continua verdadeiro jaacute que Darii Disamis e Datisi tambeacutem exigem que o mediador esteja entre os termos aos quais o(s) extremo(s) acompanha(m)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

38

impossibilidade de desempenhar a funccedilatildeo de sujeito de modo legiacutetimo e a incapacidade de compor proposiccedilotildees negativas verdadeiras

Nenhuma das passagens mencionadas acima (43b 36minus38 e 44b 19minus24) eacute citada ndash nem por Lukasiewicz nem por Patzig ndash como evidecircncia de que Aristoacuteteles teria rejeitado os termos de generalidade total em seu sistema loacutegico Poreacutem diante da escassez de evidecircncias em favor da suposta exclusatildeo de tais termos natildeo eacute insensato presumir que os proponentes dessa exclusatildeo tenham encontrado inspiraccedilatildeo nelas

Na proacutexima seccedilatildeo examinaremos textos nos quais Aristoacuteteles constroacutei silogismos com termos de natureza singular Veremos que o incocircmodo com a presenccedila de tais termos na silogiacutestica eacute menos de Aristoacuteteles e mais de seus inteacuterpretes 3 Termos Singulares e o Silogismo Peripateacutetico

Jaacute comentamos o fato de Lukasiewicz ter feito pesadas criacuteticas agrave silogiacutestica em especial ao suposto fato de Aristoacuteteles ter afastado os termos de natureza singular de seu sistema loacutegico o que seria segundo Lukasiewicz ldquoo maior defeitordquo da loacutegica aristoteacutelica48 Ao que parece o responsaacutevel por levaacute-lo por esse caminho foi Ross que tomou nota do tambeacutem suposto fato de Aristoacuteteles nunca se valer de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos49 Lukasiewicz reiterou a constataccedilatildeo de Ross (embora natildeo o cite) e nela encontrou razatildeo para natildeo reconhecer como rigorosamente aristoteacutelico o silogismo que qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo silogismo formulado em primeira figura com um nome proacuteprio como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo

De acordo com a triparticcedilatildeo de termos que pudemos conhecer no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I (Seccedilatildeo II Parte 1) natildeo temos qualquer razatildeo para expulsar da silogiacutestica os termos de natureza singular Eacute

48 Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect3 p 6) 49 Ross (1949 p 289 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

39

claro que Aristoacuteteles natildeo deixa de lhes endereccedilar certas restriccedilotildees poreacutem vale a pena repetir nenhuma das restriccedilotildees introduzidas por Aristoacuteteles no referido capiacutetulo tem forccedila suficiente para expulsar os termos singulares da loacutegica aristoteacutelica De fato embora tais termos natildeo possam figurar em proposiccedilotildees como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nada impede que outros termos lhes sejam atribuiacutedos por conseguinte embora natildeo possam ser demonstrados como legiacutetimos predicados de outros termos nada impede que outros termos sejam demonstrados como predicados deles50

Fora dos Analiacuteticos jaacute esbarramos em indiacutecios que vatildeo nessa direccedilatildeo No capiacutetulo 10 de Metafiacutesica XIII (My) por exemplo haacute uma breve passagem que sugere esse resultado Enquanto argumenta em favor da tese de que ldquoo conhecimento eacute de universaisrdquo (ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου) Aristoacuteteles parece supor que os termos singulares ldquoeste triacircngulordquo e ldquoeste homemrdquo tambeacutem satildeo suscetiacuteveis de operaccedilotildees silogiacutesticas

[] ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου δῆλον δrsquo ἐκ τῶν ἀποδείξεων καὶ τῶν ὁρισμῶν οὐ γὰρ γίγνεται συλλογισμὸς ὅτι τόδε τὸ τρίγωνον δύο ὀρθαῖς εἰ μὴ πᾶν τρίγωνον δύο ὀρθαί οὐδrsquo ὅτι ὁδὶ ὁ ἄνθρωπος ζῷον εἰ μὴ πᾶς ἄνθρωπος ζῷον [] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos a natildeo ser que todo triacircngulo possua dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal a natildeo ser que todo homem seja animal (1086b 34minus37)

Poreacutem essa passagem natildeo eacute tatildeo simples quanto pode parecer agrave primeira vista51 Paul Shorey por exemplo reprovaria jaacute a traduccedilatildeo que

50 An Pr I 27 43a 25minus29 e 39minus40 Ao comentar o capiacutetulo 27 Mignucci (1969 p 443) tambeacutem reconhece a possibilidade ldquodi costruire dimostrazioni e sillogismi anche relativamente a singolarirdquo citando Alexandre que tambeacutem jaacute a observa em seus comentaacuterios (An Pr p 293 13minus23) 51 Shorey (1913)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

40

propomos porque ela faz crer que Aristoacuteteles estabelece uma relaccedilatildeo de dependecircncia dedutiva (silogiacutestica) entre proposiccedilotildees dependecircncia que de fato existe mas da qual para Shorey a passagem em questatildeo natildeo trataria De acordo com Shorey as ocorrecircncias de εἰ μὴ nas linhas 33 e 36 natildeo significam ldquo[] lsquounlessrsquo but is to be taken in its idiomatic sense as a virtual equivalent of ἀλλάrdquo Nesse caso uma traduccedilatildeo mais fiel agrave posiccedilatildeo de Shorey seria a seguinte

[] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos mas de que todo triacircngulo tem dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal mas de que todo homem eacute animal (1086b 34minus37)

Assim o texto estabeleceria natildeo que as proposiccedilotildees singulares no papel de conclusotildees silogiacutesticas satildeo (dedutivamente) dependentes das proposiccedilotildees universais mas que as conclusotildees propriamente silogiacutesticas satildeo universais (universalmente quantificadas) e natildeo singulares

Ross52 ao tratar dessa passagem natildeo deixa de comentar a posiccedilatildeo de Shorey

He [Shorey] argues that in l 33 knowledge is said to be lsquoofrsquo universals ie to have universal conclusions as well as universal premises [hellip] and that singular propositions never occur as conclusions in Aristotlersquos logical writings

Na verdade Shorey53 natildeo chega a dizer que proposiccedilotildees singulares nunca ocorrem como conclusotildees silogiacutesticas nos escritos loacutegicos de Aristoacuteteles embora passe perto disso

The syllogism with a particular54 conclusion is an inferior type (Analyt Post 79a 25ff) [hellip] Aristotle does not recognize singular proposition in his classification (Analyt Priora A1 Grote Aristotle I 205) and the

52 Ross (1953 p 464) 53 Shorey (1913 p 91) 54 Nesse contexto Shorey assume ldquoparticularrdquo e ldquosingularrdquo como equivalentes

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

41

conclusion to an individual case interests him very little and is practically ignored

Shorey tem alguma razatildeo em alegar que os silogismos que concluem proposiccedilotildees singulares (tambeacutem conhecidos como ldquoperipateacuteticosrdquo) satildeo de um tipo inferior especialmente quando se leva em conta o horizonte das demonstraccedilotildees cientiacuteficas55 mas erra quando recorre ao trecho 79a 25ss para dar base textual a tal alegaccedilatildeo ndash o referido trecho nem mesmo trata desse assunto Por sua vez e contra Shorey Ross56 surpreende ao alegar o seguinte

There are however occasional references in Aristotle to the occurrence of singular propositions as the minor premise or conclusion of syllogisms (eg An Pr 43a 37minus40) []

55 Para Aristoacuteteles o silogismo dito cientiacutefico no mais alto grau eacute a chamada demonstraccedilatildeo universal Eacute importante notar que aqui o adjetivo ldquouniversalrdquo tem um sentido muito preciso e natildeo se justifica pela mera ocorrecircncia de uma conclusatildeo universalmente quantificada Em Segundos Analiacuteticos I 4 73b 32minus74a 3 por exemplo Aristoacuteteles argumenta que a demonstraccedilatildeo universal natildeo conclui que todo isoacutesceles tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos mas que todo triacircngulo tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos revelando um requisito que envolve o ajuste preciso do extremo menor a partir de condiccedilotildees estabelecidas pelo extremo maior (cf Seg An I 5 74a 4minus6 13minus17 25minus32 74b 21minus26 I 24 85b 4minus15) Para Aristoacuteteles o predicado ldquoter a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retosrdquo ndash daqui para frente apenas ldquo2Rrdquo ndash se atribui a ldquoisoacutescelesrdquo de um modo que em algum sentido eacute parasitaacuterio da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo dado que isoacutesceles tem 2R na exata medida em que eacute triacircngulo Em outras palavras a atribuiccedilatildeo de ldquo2Rrdquo a ldquoisoacutescelesrdquo eacute entendida como indireta e dependente da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo Nesse contexto eacute natural presumir que um silogismo peripateacutetico seja concebido como inferior em relaccedilatildeo aos demais minus especialmente no que diz respeito ao grau de cientificidade minus jaacute que sua conclusatildeo natildeo poderaacute satisfazer as exigecircncias de uma legiacutetima conclusatildeo cientiacutefica tal como ocorre em uma demonstraccedilatildeo universal Jaacute quanto agraves propriedades dedutivas envolvidas em tal silogismo natildeo haacute razatildeo para consideraacute-lo inferior Para apreciaccedilatildeo detalhada da noccedilatildeo de demonstraccedilatildeo universal ver Angioni (2007) 56 Ross (1953 p 464)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

42

Ross supotildee que o argumento de Shorey pretende estabelecer a exclusatildeo dos termos singulares do domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica e aponta a passagem 43a 37minus40 como evidecircncia textual incompatiacutevel com essa exclusatildeo Temos aqui uma mudanccedila de opiniatildeo De fato conforme pudemos ver na primeira seccedilatildeo deste artigo ao tratar do trecho 43a 37minus43 na ediccedilatildeo comentada do texto grego de Primeiros e Segundos Analiacuteticos Ross chega a dizer que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares em seus exemplos de silogismos e argumenta em favor de uma silogiacutestica restrita a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ)57 Agora ao comentar a passagem 1086a 34minus37 de Metafiacutesica XIII (My) 10 Ross reconhece no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I uma evidecircncia em favor da inclusatildeo dos termos singulares na silogiacutestica Aparentemente o proacuteprio Ross natildeo tinha muita convicccedilatildeo a respeito da inclusatildeo ou exclusatildeo dos termos de natureza singular

De nossa parte admitimos que a passagem 1086a 34minus37 eacute digna da controveacutersia introduzida por Shorey ndash embora tenhamos mais apreccedilo pela interpretaccedilatildeo de Ross No entanto mesmo que Shorey tenha razatildeo a respeito do referido trecho de Metafiacutesica XIII (My) 10 a presenccedila de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares na silogiacutestica natildeo estaraacute ameaccedilada porque ainda podemos nos valer de passagens muito mais promissoras para decidir essa questatildeo passagens nas quais o proacuteprio Aristoacuteteles elabora cocircmputos silogiacutesticos com termos singulares como se a presenccedila deles na silogiacutestica natildeo lhe figurasse como uma anomalia

Patzig tinha conhecimento dessas passagens e fez questatildeo de citaacute-las no primeiro capiacutetulo de seu livro corrigindo o suposto fato alegado por Ross e Lukasiewicz de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos exemplos de silogismos que aparecem em Primeiros Analiacuteticos No entanto Patzig natildeo recorre a tais passagens a fim de reintroduzir os termos singulares na silogiacutestica mas procura

57 Idem 1949 p 384

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

43

desqualificaacute-las e assim reiterar os resultados de seus antecessores De fato embora reconheccedila as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 do Livro I bem como de ldquoPitacosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II Patzig manteacutem a posiccedilatildeo tradicional que afasta os termos de natureza singular da loacutegica aristoteacutelica alegando apenas que a ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo (70a 16minus20) se daacute em um silogismo invaacutelido ao passo que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo (47b 15ss) aparecem em premissas das quais nada se segue58

Eacute bem verdade que as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 de Primeiros Analiacuteticos I estatildeo associadas a pares de premissas dos quais nenhuma conclusatildeo se segue coisa que o proacuteprio Aristoacuteteles natildeo hesita em admitir No entanto embora sejam inconcludentes esses pares de premissas acomodam seus termos em disposiccedilotildees muito similares agravequelas de um silogismo vaacutelido (Barbara)59 o que lhes confere as feiccedilotildees de que satildeo concludentes quando na verdade natildeo o satildeo De acordo com Aristoacuteteles o que os impede de serem concludentes eacute o fato de que a premissa maior natildeo eacute universal60 Em 47b 26minus28 essa justificativa eacute apresentada por meio de um pronunciamento que merece alguma atenccedilatildeo Aristoacuteteles anuncia o fato de a premissa maior natildeo ser universal como quem supotildee que fosse ela universal o problema estaria resolvido e assim o par de premissas seria concludente61 Ora na medida em que Aristoacuteteles atribui o caraacuteter inconcludente dos pares de premissas precisamente agraves premissas maiores (e natildeo agraves premissas menores nas quais ocorrem os termos singulares) presume-se que esses termos natildeo introduzem qualquer caracteriacutestica censuraacutevel nos silogismos ali formulados Assim o fato de que natildeo estamos diante de pares de premissas concludentes por si soacute natildeo eacute

58 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 59 An Pr I 33 47b 21minus37 60 Idem 47b 26minus29 34minus37 e 38minus39 61 O uso contrafactual de ἔδει na linha 27 sugere essa leitura

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

44

suficiente para recusar ao capiacutetulo 33 o papel de evidecircncia em favor de tais termos na silogiacutestica62

Quanto agrave ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo em Primeiros Analiacuteticos II 27 (70a 16minus20) Patzig tem alguma razatildeo em alegar que ela se daacute em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido No entanto eacute preciso ajustar essa alegaccedilatildeo porque Aristoacuteteles natildeo descreve o argumento em questatildeo propriamente como um silogismo mas como um sinal (σημεῖον) e ao que parece um sinal e um silogismo ndash um legiacutetimo silogismo e natildeo um mero entimema ndash estatildeo longe de ser a mesma coisa63 Aleacutem disso temos uma ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo no mesmo capiacutetulo que eacute bem mais relevante para a discussatildeo mas que foi completamente ignorada pelos comentadores

Em 70a 26minus28 Aristoacuteteles formula dois silogismos nos quais aparece o termo singular ldquoPitacosrdquo Um deles eacute descrito como refutaacutevel (λύσιμος)64 basicamente porque a conclusatildeo natildeo se segue das premissas65 Natildeo precisamos nos deter nele Por ora o silogismo que fora introduzido algumas linhas antes e que foi descrito por Aristoacuteteles como irrefutaacutevel (ἄλυτος)66 eacute muito mais interessante Esse silogismo tem exatamente a formulaccedilatildeo paradigmaacutetica que Lukasiewicz qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo e agrave qual negou lugar na loacutegica aristoteacutelica Vale a pena citar essa passagem para marcar bem a presenccedila desse tipo de silogismo na loacutegica de Aristoacuteteles

62 M Malink (2009 p 119) por exemplo contrariando Patzig aponta o capiacutetulo I 33 minus bem como II 27 do qual trataremos a seguir minus como evidecircncia em favor de termos singulares na silogiacutestica Ver tambeacutem Mignucci ldquoAristotlersquos Theory of Predicationrdquo p 10 ldquoParts Quantification and Aristotelian Predicationrdquo p 11 e Barnes ldquoTruth etcrdquo p 158-166 63 An Pr II 27 70a 24minus25 64 Ibidem 30minus31 e 34minus35 65 Ibidem 27minus28 e 30minus32 66 Ibidem 29

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

45

Ἐὰν μὲν οὖν ἡ μία λεχθῇ πρότασις σημεῖον γίνεται μόνον ἐὰν δὲ καὶ ἡ ἑτέρα προσληφθῇ συλλογισμός οἷον ὅτι Πιττακὸς ἐλευθέριος οἱ γὰρ φιλότιμοι ἐλευθέριοι Πιττακὸς δὲ φιλότιμος Assim se somente uma premissa for assumida haacute apenas um sinal ao passo que se a outra premissa tambeacutem for assumida entatildeo haacute um silogismo por exemplo lsquoPitacos eacute destemido pois os homens de brio satildeo destemidos e Pitacos eacute homem de briorsquo (70a 24minus27)67

A descriccedilatildeo eacute inusitada porque Aristoacuteteles comeccedila pela conclusatildeo Mas isso natildeo prejudica o resultado a que queremos chegar O nome proacuteprio ldquoPitacosrdquo eacute sem duacutevida o extremo menor que aparece como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo ldquodestemidordquo eacute o extremo maior predicado da premissa maior e da conclusatildeo por fim a funccedilatildeo de mediador fica por conta de ldquohomem de briordquo Em uma reconstituiccedilatildeo um pouco mais formalizada temos o seguinte silogismo todo homem de brio eacute destemido Pitacos eacute (um) homem de brio logo Pitacos eacute destemido

O leitor mais desconfiado talvez hesite em aceitar que a premissa maior ldquoos homens de brio satildeo destemidosrdquo possa ser formalizada com um quantificador universal mas haacute sinais claros de que eacute assim que devemos concebecirc-la Em primeiro lugar Aristoacuteteles reconhece a legitimidade desse silogismo e supotildee que a conclusatildeo decorre das premissas o que por si soacute jaacute pressupotildee a universalidade da premissa maior Caso contraacuterio a conclusatildeo natildeo se impotildee Em segundo lugar haacute um pequeno detalhe que causa surpresa nesse capiacutetulo e que merece atenccedilatildeo de nossa parte Aristoacuteteles justifica o caraacuteter irrefutaacutevel do mencionado silogismo alegando que se trata de um silogismo universal (καθόλου γὰρ ἐστιν cf 70a 30) Ora como se sabe Aristoacuteteles descreve como universais precisamente aqueles silogismos nos quais a conclusatildeo eacute universal quais sejam Barbara Celarent Cesare e Camestres Por isso ao caracterizar o ldquosilogismo peripateacuteticordquo como um silogismo universal

67 As traduccedilotildees de φιλότιμος e ἐλευθέριος certamente satildeo discutiacuteveis mas em nada afetam os nossos objetivos

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

46

Aristoacuteteles pode querer sinalizar que em algum sentido a conclusatildeo ldquoPitacos eacute destemidordquo deva ser compreendida como uma proposiccedilatildeo fundada em uma atribuiccedilatildeo universal68 como se o referido ldquosilogismo peripateacuteticordquo precisamente em razatildeo disso fosse digno do mesmo status concedido aos demais silogismos universais (Barbara Celarente Cesare e Camestres) Essa leitura sugere que a concepccedilatildeo aristoteacutelica de atribuiccedilatildeo universal talvez deva ser repensada jaacute que ela daacute sinais de se estender sobre casos para os quais natildeo cabe falar em quantificadores (universais) ndash eacute o que parece ocorrer no ldquosilogismo peripateacuteticordquo acima mencionado

O aprofundamento desse ponto no entanto eacute algo que ultrapassa o escopo da presente investigaccedilatildeo e seu exame deve ser deixado para outra ocasiatildeo A essa altura o objetivo principal desta seccedilatildeo jaacute nos parece ter sido alcanccedilado pois consiste apenas em mostrar o que os leitores menos versados nos Analiacuteticos jaacute perceberam haacute muito tempo a saber que o chamado ldquosilogismo peripateacuteticordquo natildeo soacute faz parte da loacutegica aristoteacutelica mas mais do que isso ainda pode desfrutar de um lugar privilegiado no interior da silogiacutestica entre os chamados ldquosilogismos universaisrdquo Diante desse quadro natildeo haacute duacutevida de que os termos de natureza singular tecircm lugar garantido na loacutegica de Aristoacuteteles69

68 Provavelmente foi inspirado em passagens como essa que J N Keynes (1906 p 102) sugeriu conceber as proposiccedilotildees singulares como uma subclasse de proposiccedilotildees universais Lukasiewicz tomou nota dessa possibilidade e a considerou totalmente equivocada Mas para isso ignorou completamente o trecho 70a 24minus30 69 Agradeccedilo ao professor Lucas Angioni (Unicamp) pela prontidatildeo na leitura de versotildees preacutevias deste artigo pelas indicaccedilotildees de passagens para reforccedilar o argumento e pelas alteraccedilotildees de texto sugeridas as quais certamente contribuiacuteram para melhorar o resultado final aqui apresentado Agradeccedilo tambeacutem aos professores Raphael Zillig (UFRGS) e Inara Zanuzzi (UFRGS) pela oportunidade de discutir alguns resultados provisoacuterios deste artigo no Seminaacuterio sobre Primeiros Analiacuteticos I 27 organizado pelo professor Raphael e realizado na UFRGS no ano de 2011 Por fim tambeacutem agradeccedilo aos

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

47

REFEREcircNCIAS

ANGIONI L ldquoO Conhecimento Cientiacutefico no Livro I dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesrdquo Revista de Filosofia Antiga (online) vol 1 n 1 2007 (httpwwwfilosofiaantigacomdocuments23html)

BARNES J (ed) Aristotle Prior Analytics (trans by A J Jenkinson in Barnes 1984 vol 1 p 39minus113)

mdashmdashmdashmdash Truth etc Six Lectures on Ancient Logic Oxford Clarendon Press 2007

BOCHENSKI J Ancient Formal Logic Amsterdam North-Holland Publishing 1951

CORCORAN J ldquoCompleteness of an Ancient Logicrdquo Journal of Symbolic Logic 37 696minus702 1972

KEYNES J N Studies and Exercises in Formal Logic (fourth edition rewritten and enlarged) New York The Macmillan Company 1906

LUKASIEWICZ J Aristotlersquos Syllogistic from the Standpoint of Modern Formal Logic Oxford Clarendon Press 1951

MALINK M ldquoA Non-Extensional Notion of Conversion in the Organonrdquo Oxford Studies in Ancient Philosophy Vol XXXVII p 106minus141 Oxford University Press 2009

MIGNUCCI M Aristotele Gli analitici primi ndash Traduzione introduzione e commento Naples Loffredo 1969

companheiros de pesquisa Francine Maria Ribeiro e Mateus Ricardo Fernandes Ferreira (UEMminusPR) pela leitura das primeiras versotildees desse texto e pelas proveitosas sugestotildees que me fizeram

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

48

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Theory of Predication in I Angelilli and M Cerezo (eds) Studies in the History of Logic 1minus20 Berlin 1996

mdashmdashmdashmdash Parts Quantification and Aristotelian Predication Monist 83 3minus21 2000

PATZIG G Aristotlersquos Theory of the Syllogism A Logico-Philosophical Study of Book A of the Prior Analytics Translated by Jonathan Barnes Dordrecht Reidel 1959

ROSS W D Aristotlersquos Prior and Posterior Analytics Oxford Clarendon Press 1949

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Metaphysics Oxford Clarendon Press 1953 (1924)

SHOREY P ldquoA Note on Aristotlersquos Metaphysics 1086b 32minus37rdquo Classical Philology Vol 8 n 1 pp 90minus92 1913

SMITH R Aristotle Prior Analytics Indianapolis Hackett Publishing Company 1989

STRIKER G Aristotle Prior Analytics Book I Oxford Clarendon Press 2009

Page 14: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

18

Chamo lsquotermorsquo aquilo no que a proposiccedilatildeo se dissolve ou seja o item que se predica e o de que se predica acrescentando lsquoeacutersquo ou lsquonatildeo eacutersquo (24b 16minus18)

Esse pronunciamento eacute muito vago e em decorrecircncia pouco revelador Por isso em relaccedilatildeo agrave presente investigaccedilatildeo tal capiacutetulo quase natildeo oferece material que possa ser aproveitado Eacute claro que natildeo eacute bem essa a opiniatildeo de nossos interlocutores Ross Lukasiewicz e Patzig conceberam o mero fato de Aristoacuteteles natildeo ter feito menccedilatildeo a termos singulares no capiacutetulo 1 de Primeiros Analiacuteticos I como forte evidecircncia de que tais termos natildeo teriam lugar na silogiacutestica22

Essa atitude nos parece incorreta O fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a termos singulares revela apenas que o capiacutetulo natildeo tem aptidatildeo para contribuir com a investigaccedilatildeo Poder-se-ia alegar talvez que a exposiccedilatildeo das proposiccedilotildees silogiacutesticas no trecho 24a 16minus22 eacute exaustiva de modo que a exclusatildeo dos termos singulares fosse assegurada pelo simples fato de natildeo haver alusatildeo expliacutecita agraves proposiccedilotildees que lhes satildeo correlatas Poreacutem o referido trecho cai em certo descreacutedito por envolver certas imprecisotildees das quais o silecircncio sobre as proposiccedilotildees singulares seria apenas mais uma A diferenccedila entre proposiccedilotildees particulares e indefinidas por exemplo eacute bem precaacuteria Com efeito a proposiccedilatildeo particular ldquoalgum prazer natildeo eacute bemrdquo natildeo eacute mais informativa que a proposiccedilatildeo indefinida ldquoprazer natildeo eacute bemrdquo Tanto em um caso quanto em outro a relaccedilatildeo que os termos possuem entre si eacute igualmente indeterminada ou seja natildeo sabemos se (i) todo prazer natildeo eacute bem ou se (ii) algum prazer natildeo eacute bem e algum prazer eacute bem23

22 Ross (1949 p 384) Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect1 p 1 sect2 p 4) Patzig (1959 chapter 1 sect3 p 5) 23 Entre os comentadores Ross (1949 p 314) parece assumir que no trecho 29a 27minus29 Aristoacuteteles teria feito uma declaraccedilatildeo expliacutecita de que tais proposiccedilotildees seriam de fato equivalentes Bochenski (1951 p 43) por sua vez reconhece a referida passagem como evidecircncia incontestaacutevel de que Aristoacuteteles concebia tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis o que torna a distinccedilatildeo

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

19

Imprecisotildees como essa revelam o caraacuteter provisoacuterio do trecho 24a 16minus22 Por isso essa passagem natildeo pode ser considerada como resposta definitiva ao problema de saber se a silogiacutestica reserva lugar para termos singulares sobretudo se a razatildeo alegada para assim consideraacute-la for o mero fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a proposiccedilotildees singulares Em certa medida os comentadores perceberam que natildeo poderiam recorrer apenas ao primeiro capiacutetulo de Primeiros Analiacuteticos I para decidir a questatildeo e estenderam a discussatildeo ao capiacutetulo 27 tomando uma decisatildeo bastante acertada porque eacute nesse capiacutetulo que Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes e os compreende claramente como fatores de atribuiccedilatildeo suscetiacuteveis de articulaccedilatildeo silogiacutestica O trecho 43a 25minus43 oferece trecircs tipos de termos e como bem observaram os proponentes das opiniotildees tradicionais impotildee certas restriccedilotildees ao uso de termos de natureza singular bem como ao uso de termos de alto grau de generalidade ndash quer sejam summa genera como prefere Ross ou transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como entende Lukasiewicz O que escapou a nossos interlocutores eacute que essas restriccedilotildees estatildeo longe de expulsar da silogiacutestica qualquer dos trecircs tipos de termos ali apresentados Por isso em defesa de nossa posiccedilatildeo propomos reexaminar o trecho 43a 25minus43 pois entendemos que o texto por si soacute natildeo deixa duacutevidas de que nenhum dos trecircs tipos de termos introduzidos na referida passagem tenha sido excluiacutedo da silogiacutestica

Assim examinemos o famoso texto que tem alimentado a discussatildeo sobre termos silogiacutesticos

[1] ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστι τοιαῦτα ὥστε κατὰ μηδενὸς ἄλλου κατηγορεῖσθαι ἀληθῶς καθόλου (οἷον Κλέων καὶ

proposta no primeiro capiacutetulo um tanto despropositada Lukasiewicz (1951 sect2 p 5) tambeacutem reconhece que Aristoacuteteles trata tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis mas natildeo admite que Aristoacuteteles tenha se pronunciado de modo expliacutecito a respeito dessa equivalecircncia preferindo delegar esse feito a Alexandre

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

20

Καλλίας καὶ τὸ καθrsquo ἕκαστον καὶ αἰσθητόν) κατὰ δὲ τούτων ἄλλα (καὶ γὰρ ἄνθρωπος καὶ ζῷον ἑκάτερος τούτων ἐστί) τὰ δrsquo αὐτὰ μὲν κατrsquo ἄλλων κατηγορεῖται κατὰ δὲ τούτων ἄλλα πρότερον οὐ κατηγορεῖται τὰ δὲ καὶ αὐτὰ ἄλλων καὶ αὐτῶν ἕτερα οἷον ἄνθρωπος Καλλίου καὶ ἀνθρώπου ζῷον ὅτι μὲν οὖν ἔνια τῶν ὄντων κατrsquo οὐδενὸς πέφυκε λέγεσθαι δῆλον τῶν γὰρ αἰσθητῶν σχεδὸν ἕκαστόν ἐστι τοιοῦτον ὥστε μὴ κατηγορεῖσθαι κατὰ μηδενὸς πλὴν ὡς κατὰ συμβεβηκός φαμὲν γάρ ποτε τὸ λευκὸν ἐκεῖνο Σωκράτην εἶναι καὶ τὸ προσιὸν Καλλίαν ὅτι δὲ καὶ ἐπὶ τὸ ἄνω πορευομένοις ἵσταταί ποτε πάλιν ἐροῦμεν νῦν δrsquo ἔστω τοῦτο κείμενον [2] κατὰ μέν οὖν τούτων οὐκ ἔστιν ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον ἕτερον πλὴν εἰ μὴ κατὰ δόξαν ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων οὐδὲ τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται (καὶ γὰρ αὐτὰ κατrsquo ἄλλων καὶ ἄλλα κατὰ τούτων λεχθήσεται) καὶ σχεδὸν οἱ λόγοι καὶ αἱ σκέψεις εἰσὶ μάλιστα περὶ τούτων [1] Entre todos os entes alguns satildeo tais que natildeo se afirmam de nenhum outro verdadeiramente como universais (por exemplo Cleon e Caacutelias ou seja o particular e o sensiacutevel) mas outros se afirmam deles de fato cada um desses eacute tanto homem quanto animal Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros mas nenhum outro anterior se afirma deles Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros e outros satildeo afirmados deles por exemplo homem que se afirma de Caacutelias e do qual animal se afirma Assim eacute evidente que certas coisas por natureza natildeo se dizem de nenhuma outra de fato em geral entre as coisas sensiacuteveis cada uma eacute tal que natildeo se afirma de nenhuma outra a natildeo ser por acidente com efeito agraves vezes dizemos que aquele branco eacute Soacutecrates e que aquele que se aproxima eacute Caacutelias (Ainda diremos por que tambeacutem para cima em algum momento a seacuterie se interrompe Mas por ora seja assumido isso) [2] Assim acerca dessas coisas natildeo eacute possiacutevel demonstrar outra sendo afirmada (a natildeo ser segundo opiniatildeo) mas eacute possiacutevel demonstrar elas proacuteprias sendo afirmadas de outras Tampouco eacute possiacutevel demonstrar as coisas particulares sendo afirmadas de outras mas eacute possiacutevel demonstrar outras sendo afirmadas delas Jaacute das coisas que ficam entre essas eacute evidente que eacute possiacutevel demonstrar afirmando de ambos os modos pois tanto elas seratildeo ditas de outras quanto outras seratildeo ditas delas Grosso modo os argumentos e as investigaccedilotildees satildeo sobretudo acerca dessas coisas (43a 25minus43)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

21

A mais natural divisatildeo que podemos impor agrave passagem acima exige duas seccedilotildees

[1] Na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes compreendidos como fatores de atribuiccedilatildeo e classificados segundo as funccedilotildees que cada classe de termos pode desempenhar em proposiccedilotildees destinadas a operaccedilotildees silogiacutesticas A passagem eacute inaugurada com um pronunciamento a respeito de todos os entes ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων Por isso ao que tudo indica essa divisatildeo tripartite eacute exaustiva e natildeo deixa de fora nenhuma classe de termos Os resultados provenientes dessa classificaccedilatildeo trazem certas restriccedilotildees agrave atuaccedilatildeo de alguns termos na silogiacutestica nas linhas 25minus29 Aristoacuteteles nega que os termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) possam desempenhar o papel de legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nas linhas 29minus30 rejeita a possibilidade de atribuir aos termos de alta generalidade um termo que lhes seja anterior (πρότερον) Conforme jaacute o dissemos essas restriccedilotildees passam longe da exclusatildeo de qualquer das classes de termos apresentadas no referido trecho do capiacutetulo 27 A principal evidecircncia disso aparece na imediata sequumlecircncia do texto em que Aristoacuteteles avalia os efeitos dessas restriccedilotildees sobre as demonstraccedilotildees Isso nos leva agrave segunda seccedilatildeo

[2] Na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) satildeo explicitadas as consequumlecircncias que as restriccedilotildees apresentadas na seccedilatildeo anterior (43a 25minus37) produziratildeo nas demonstraccedilotildees24 Nas linhas 37minus39 Aristoacuteteles se pronuncia a respeito dos termos de alta generalidade (summa genera

24 Eacute bem verdade que em relaccedilatildeo ao cenaacuterio que temos em Segundos Analiacuteticos I 2 a noccedilatildeo de apodeixis que aparece no capiacutetulo 27 ainda exige muitos aperfeiccediloamentos mas natildeo nos parece justo entendecirc-la meramente como prova silogiacutestica jaacute que ela envolve exigecircncias de ordem atributiva que restringem as provas denotadas pela noccedilatildeo de apodeixis assumida no capiacutetulo a um subgrupo da noccedilatildeo mais geral de silogismo As provas silogiacutesticas formuladas em Primeiros Analiacuteticos II 15 por exemplo ficam de fora do grupo de silogismos dos quais o capiacutetulo 27 pretende dar conta Assim sendo optamos por manter a traduccedilatildeo de apodeixis por ldquodemonstraccedilatildeordquo e natildeo por ldquoprovardquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

22

eou transcategoriais) a possibilidade de demonstrar qualquer outro termo a respeito deles eacute recusada25 mas a de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute afirmada textualmente Nas linhas 39minus40 o pronunciamento se faz a respeito dos termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) a possibilidade de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute recusada mas a de demonstrar outros termos a respeito deles tambeacutem eacute afirmada Nas linhas 40minus42 Aristoacuteteles trata dos termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) e natildeo lhes impotildee nenhuma restriccedilatildeo eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles26

Por fim nas linhas 42minus43 Aristoacuteteles encerra a passagem com um pronunciamento de caraacuteter geral e conclusivo pronunciamento que ao contraacuterio do que Ross sugeriu e mais tarde Lukasiewicz endossou natildeo nega absolutamente nada do que fora dito ateacute entatildeo

Eacute claro que o leitor ainda pode levar em conta que Aristoacuteteles soacute faz uso da expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 ao se pronunciar a respeito dos termos de alta generalidade e que por isso a pressuposiccedilatildeo de tal expressatildeo nos demais pronunciamentos seria artificiosa e desqualificaria a traduccedilatildeo e a leitura que propomos De fato essa expressatildeo causou incocircmodo a alguns tradutores de liacutengua inglesa influenciados provavelmente pelos legados de Ross e Lukasiewicz A J Jenkinson e Robin Smith por exemplo traduzem a

25 Na verdade Aristoacuteteles reconhece uma exceccedilatildeo aludindo agrave possibilidade de ldquodemonstrarrdquo segundo opiniatildeo (κατὰ δόξαν) mas essa exceccedilatildeo eacute uma alternativa a ser evitada 26 No manuscrito n temos δειχθήσεται ao inveacutes de λεχθήσεται na linha 42 As duas alternativas favorecem a nossa leitura Optamos pela manutenccedilatildeo de λεχθήσεται para natildeo perder a relaccedilatildeo explicativa que haacute entre os pronunciamentos das linhas 40minus41 de um lado e 30minus32 de outro De fato com λεχθήσεται a linha 42 apenas repete o que fora dito nas linhas 30minus32 Essa opccedilatildeo revela que as linhas 30minus32 explicam a linha 42 e sugere que a mesma relaccedilatildeo explicativa ocorra entre as linhas 25minus29 e 39minus40 bem como entre as linhas 29minus30 e 37minus39

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

23

expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 como ldquodemonstraterdquo e ldquodemonstrate to be predicatedrdquo respectivamente No entanto ambos evitam tal traduccedilatildeo nas linhas subsequumlentes nas quais a expressatildeo natildeo aparece de modo expliacutecito e substituem ldquodemonstraterdquo por ldquopredicaterdquo27

Haacute pelo menos uma boa razatildeo para rejeitar tais traduccedilotildees elas assumem que na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) precisamente no que diz respeito agraves consequumlecircncias que as restriccedilotildees introduzidas na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) tecircm sobre as demonstraccedilotildees Aristoacuteteles estaria interessado apenas nos termos de alta generalidade dado que recorre agrave expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον exclusivamente ao tratar deles Assim no que diz respeito agrave atuaccedilatildeo dos demais termos (τὰ καθrsquo ἕκαστα e τὰ μεταξὺ) nas demonstraccedilotildees Aristoacuteteles jaacute natildeo teria a pretensatildeo de avaliar as consequumlecircncias dessas restriccedilotildees limitando-se apenas a repetir o que fora dito na primeira seccedilatildeo Essa leitura impotildee ao texto uma interrupccedilatildeo natildeo muito natural em seu desenvolvimento e ainda o torna redundante sem apresentar uma razatildeo satisfatoacuteria que justifique essa leitura

27 Na linha 39 por exemplo A J Jenkinson (in Barnes 1984) traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquobut these may be predicated of other thingsrdquo Robin Smith vai na mesma direccedilatildeo e traduz como ldquobut they are predicated of othersrdquo embora reconheccedila em seu comentaacuterio ao trecho 43a 40ss na paacutegina 50 (comentaacuterio que na verdade trata da linha 39) que a frase pode ser traduzida como ldquoother things are demonstrated to be predicated of themrdquo nas linhas 39-40 Jenkinson traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNeither can individuals be predicated of other things although other things can be predicated of themrdquo Robin Smith natildeo destoa disso e traduz como ldquoNeither can individuals be predicated of other things but instead other things are predicated of themrdquo por fim nas linhas 40-41 Jenkinson traduz τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται como ldquoWhatever lies between these limits can be spoken of in both waysrdquo ao passo que Robin Smith traduz como ldquoBut it is clear that for those in between predication is possible in both waysrdquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

24

Na contramatildeo de A J Jenkinson e Robin Smith temos Mario Mignucci e Gisela Striker que traduzem a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον como ldquodimostrare che essi si predicanordquo e ldquodemonstrate to be said ofrdquo respectivamente e entendem as linhas 39minus41 como pronunciamentos nos quais embora natildeo apareccedila de modo expliacutecito a expressatildeo ainda estaacute em jogo28 Essas traduccedilotildees certamente satildeo as mais fieacuteis ao texto grego e corroboram a traduccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo que propomos justificando o abandono da leitura tradicional sugerida por Ross e cristalizada nos estudos de Lukasiewicz A essa altura jaacute podemos fazer um balanccedilo dos resultados que o capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos de fato nos impotildee O cenaacuterio que se desenha eacute o seguinte (i) termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) natildeo eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου)29 de outros termos por isso tampouco eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos no entanto eacute possiacutevel lhes atribuir outros termos como legiacutetimos

28 Na linha 39 por exemplo Mignucci traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquomentre egrave possibile dimostrare che essi si predicano di altrirdquo Striker por sua vez traduz como ldquobut [sc one can demonstrate] only that they themselves are predicated of other thingsrdquo na linha 40 ambos fazem questatildeo de recuperar a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον Mignucci traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNon egrave neanche possibile dimostrare che i singolari si predicano di altre cose ma soltanto che altre cose si predicano di essirdquo Striker segue a mesma linha e traduz como ldquonor can one demonstrate that individuals are said of other things but only that other things are said of themrdquo Na linha 41 por sua vez a expressatildeo eacute recuperada novamente e o trecho τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται eacute traduzido por Mignucci como ldquoEgrave chiaro invece che le cose intermedie egrave possibile dimostrarle nei due modirdquo ao passo que por Striker como ldquoBut clearly the intermediate things admit [sc to be demonstrated] of bothrdquo 29 Tais termos natildeo se predicam de nenhum outro a natildeo ser κατὰ συμβεβηκός (43a 33minus35)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

25

predicados por conseguinte tambeacutem eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 25minus29 e 39minus40) (ii) termos de alta generalidade (summa genera eou τὰ πᾶσιν ἑπόμενα)30 natildeo lhes eacute possiacutevel atribuir outros termos como legiacutetimos predicados ndash de fato natildeo haacute termo anterior (πρότερον) que lhes possa ser atribuiacutedo por isso tampouco eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles no entanto eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos logo tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos (conferir 43a 29minus30 e 37minus39) (iii) termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos bem como lhes atribuir outros termos como legiacutetimos predicados em razatildeo disso tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 30minus32 e 40minus42)

Assim o que prevalece eacute que Aristoacuteteles jamais afastou de sua loacutegica qualquer das trecircs classes de termos apresentadas em Primeiros Analiacuteticos I 27 muito embora tenha endereccedilado certas restriccedilotildees atributivas a algumas delas 2 Primeiros Analiacuteticos I 28 e os Axiomas de Patzig

Patzig parece entender que o capiacutetulo 27 natildeo eacute merecedor de toda a atenccedilatildeo que lhe foi concedida por Ross e Lukasiewicz O capiacutetulo 28 em sua opiniatildeo eacute bem mais promissor no que diz respeito agrave questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera31 enquanto o capiacutetulo 27

30 Como Aristoacuteteles natildeo oferece exemplos de termos desse tipo deixamos indeterminado se satildeo summa genera como propotildee Ross ou transcategoriais de generalidade total (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como prefere Lukasiewicz (cf nota 3) 31 Patzig (1959 sect3 p 6)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

26

serviria mais como discussatildeo preparatoacuteria para os assuntos tratados no capiacutetulo seguinte

De fato haacute forte unidade entre esses textos O objetivo predominante que os vincula e orienta eacute anunciado no iniacutecio do capiacutetulo 27 e consiste em mostrar ldquode que modo sempre estaremos providos de silogismos em relaccedilatildeo ao que for proposto e por qual via alcanccedilamos os princiacutepios de cada coisardquo32 O capiacutetulo 27 contribui com esse objetivo na medida em que faz recomendaccedilotildees sobre como selecionar termos e premissas e classifica os fatores silogiacutesticos segundo as funccedilotildees (sujeito e predicado) que podem desempenhar de modo irrestrito em proposiccedilotildees silogiacutesticas A contribuiccedilatildeo do capiacutetulo 28 por sua vez estaacute associada aos procedimentos de prova de cada uma das quatro formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Esses procedimentos satildeo caracterizados basicamente pela descriccedilatildeo dos paracircmetros de localizaccedilatildeo do fator capaz de mediar os extremos (τά ἄκρα) na relaccedilatildeo categoacuterica acarretada na conclusatildeo Trata-se portanto de procedimentos de busca e localizaccedilatildeo do termo mediador (τὸ μέσον)

Assim para provar por exemplo a relaccedilatildeo universal afirmativa EaA prescreve Aristoacuteteles devemos encontrar um fator comum a duas listas (i) aquela de termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e (ii) aquela de termos que se atribuem universalmente ao extremo menor E33 O resultado seraacute o mediador M tal que MaA e EaM o que perfaz um silogismo em Barbara Semelhantemente para provar a relaccedilatildeo particular afirmativa EiA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um elemento comum agraves listas de (i) termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente ou seja agraves listas de termos que cada um dos extremos E e A ldquoacompanhardquo (ἕπεσθαι ou ακολουθεῖν) Nesse caso o termo comum M seraacute tal que MaA e MaE o que nos

32 An Pr I 27 43a 20ndash21 33 An Pr I 28 43b 39ndash43

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

27

permite concluir EiA por Darapti (terceira figura)34 Por sua vez a prova da relaccedilatildeo universal negativa EeA tambeacutem se valeraacute da identificaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios a um extremo e de (ii) termos que se atribuem universalmente ao outro extremo se o mediador M comum agraves duas listas for contraacuterio ao extremo maior A e universalmente atribuiacutedo ao extremo menor E o mediador M seraacute tal que MeA e EaM ou AeM e EaM possibilitando a prova de EeA (respectivamente) por Celarent e por Cesare mas se o mediador M for contraacuterio ao extremo menor E e universalmente atribuiacutedo ao extremo maior A M seraacute tal que AaM e EeM restringindo a prova de EeA a Camestres35 Por fim para provar a relaccedilatildeo particular negativa EoA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios ao extremo maior A e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente Assim o mediador M seraacute tal que MeA e MaE o que prova EoA por Felapton36

Em todas as recomendaccedilotildees do capiacutetulo 28 Aristoacuteteles se orienta pelas conclusotildees almejadas propondo a partir delas procedimentos de busca e localizaccedilatildeo dos fatores capazes de acarretar cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas A estrateacutegia de Aristoacuteteles portanto natildeo consiste em partir de premissas e deduzir os resultados que delas se seguem mas fazendo o caminho inverso consiste em partir da conclusatildeo e buscar o termo mediador capaz de articular os extremos na relaccedilatildeo categoacuterica (a e i ou o) da conclusatildeo

Por natildeo captar a natureza invertida dessa estrateacutegia Patzig natildeo compreendeu plenamente o que Aristoacuteteles propusera e julgou que o capiacutetulo 28 muito mais que o capiacutetulo 27 impunha severas restriccedilotildees agrave lista de termos capazes de figurar em silogismos aristoteacutelicos Na verdade o capiacutetulo 28 nem sequer trata da questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera mas limita-se a descrever os paracircmetros de

34 Ibidem 43b 43ndash44a 2 35 An Pr I 44a 2ndash8 36 An Pr I 28 44a 9ndash11

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

28

localizaccedilatildeo do mediador de cada forma categoacuterica Eacute claro que ao descrever esses paracircmetros Aristoacuteteles acaba por assumir certos pressupostos que em uacuteltimo caso podem ter algum efeito sobre a lista de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica Ainda assim eacute preciso observar que as recomendaccedilotildees apresentadas no capiacutetulo 28 satildeo pensadas em relaccedilatildeo agrave prova de cada proposiccedilatildeo categoacuterica em particular Por isso os pressupostos envolvidos nessas recomendaccedilotildees bem como as eventuais restriccedilotildees de termos que lhes sejam correlatas deveratildeo ter aplicaccedilatildeo circunscrita a cada caso isto eacute aos procedimentos de prova de cada conclusatildeo em particular

Patzig parece natildeo ter dado a devida atenccedilatildeo a esse detalhe pois embora compreenda os seus axiomas como pressupostos impliacutecitos das recomendaccedilotildees de Aristoacuteteles ndash recomendaccedilotildees cuja aplicaccedilatildeo estaacute circunscrita a cada caso ndash Patzig os assume como vaacutelidos para termos de todo e qualquer silogismo37 No entanto eacute flagrante que certos silogismos natildeo dependem de alguns de seus axiomas Um arquetiacutepico silogismo em Barbara por exemplo funciona perfeitamente bem sem pressupor para qualquer de seus termos a validade do terceiro axioma isto eacute sem pressupor que exista para qualquer de seus termos (ou mesmo para qualquer de seus extremos para ser fiel ao capiacutetulo 28) um termo que lhe seja ldquocontraacuteriordquo

Ao que tudo indica o que levou Patzig a estender a validade de seus axiomas sobre todos os silogismos eacute o trecho 44a 12minus17 em que Aristoacuteteles estipula letras para as listas de termos com as quais pretende trabalhar na exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova38 Na referida passagem Aristoacuteteles considera basicamente trecircs tipos de termos que se distinguem pelo termo extremo que lhes eacute correlato bem como pela relaccedilatildeo predicativa que cada um manteacutem com esse extremo Para cada extremo Aristoacuteteles estipula (i) termos que lhe satildeo atribuiacutedos universalmente (ii) termos aos quais ele proacuteprio se atribui universalmente e (iii) termos que natildeo lhe

37 Patzig (1959) sect3 p 6ndash7 38 An Pr I 28 44a 12minus17

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

29

podem ser atribuiacutedos Os termos de primeiro tipo devem ter servido de estiacutemulo para a necessidade de termos superordenados proacuteprios que eacute marca do segundo axioma de Patzig os termos de segundo tipo por sua vez para a necessidade de termos subordinados proacuteprios marca do primeiro axioma os de terceiro por fim para a necessidade de termos ldquocontraacuteriosrdquo marca do terceiro axioma

Eacute bem verdade que os termos estipulados por Aristoacuteteles envolvem certa analogia com os axiomas propostos por Patzig Mas eacute preciso notar em primeiro lugar que nenhum dos procedimentos de prova descritos por Aristoacuteteles depende da estipulaccedilatildeo dos trecircs tipos de termos39 A recomendaccedilatildeo de prova da proposiccedilatildeo particular afirmativa por exemplo requer apenas (ii) termos aos quais os extremos se atribuem universalmente40 O fato de Aristoacuteteles jaacute estipular de antematildeo trecircs tipos de termos para cada extremo natildeo torna obrigatoacuterio que todo e qualquer extremo (e muito menos que todo e qualquer termo silogiacutestico como prefere Patzig) independentemente do silogismo a que pertenccedila dependa dos trecircs tipos de termos estipulados precisamente porque a estipulaccedilatildeo desses termos estaacute ancorada em um par de extremos que eacute muito peculiar Esse par de extremos eacute pensado com propoacutesitos didaacuteticos orientados agrave exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova de cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas (a e i e o) Trata-se de um par de extremos que em benefiacutecio da exposiccedilatildeo eacute assumido como articulaacutevel em qualquer das relaccedilotildees categoacutericas Poreacutem essa assunccedilatildeo soacute faz sentido no contexto preciso dessa exposiccedilatildeo de procedimentos de prova afinal algumas dessas relaccedilotildees categoacutericas satildeo incompatiacuteveis entre si ndash por exemplo as relaccedilotildees universal afirmativa e particular negativa Por isso devemos presumir que as estipulaccedilotildees de termos que lhes datildeo suporte tambeacutem o satildeo e portanto natildeo podem valer em conjunto e para todos os casos

39 Idem 44a 17minus30 40 Ibidem 44a 19minus21

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

30

Para esclarecer esse ponto retomemos rapidamente os procedimentos de prova das proposiccedilotildees universal afirmativa e particular negativa41 Assumindo um mesmo par de extremos como faz Aristoacuteteles estaremos diante de proposiccedilotildees contraditoacuterias (EaA e EoA) Dado que tais proposiccedilotildees satildeo incompatiacuteveis as condiccedilotildees das quais elas satildeo provenientes tambeacutem o seratildeo Dizendo de outro modo a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (i) termos aos quais o extremo maior se atribui universalmente e (ii) termos que se atribuem universalmente ao extremo menor eacute incompatiacutevel com a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (irsquo) termos aos quais o extremo maior natildeo pode ser atribuiacutedo e (iirsquo) termos aos quais o extremo menor se atribui universalmente Assim em presenccedila das condiccedilotildees de prova de uma das proposiccedilotildees incompatiacuteveis as condiccedilotildees da outra poderatildeo ser dispensadas jaacute que satildeo condiccedilotildees requeridas para uma prova cuja possibilidade jaacute natildeo existe E natildeo haacute razatildeo para manter os termos estipulados e dispensar apenas a possibilidade de um termo comum entre as listas pois ambos os pressupostos satildeo requisitados para servir um uacutenico e mesmo propoacutesito o de estabelecer condiccedilotildees para a prova da relaccedilatildeo categoacuterica que se pretende obter Natildeo haacute uma razatildeo que justifique a manutenccedilatildeo das listas de termos estipulados em detrimento da possibilidade de um termo comum entre as listas pois o propoacutesito que introduz uma exigecircncia tambeacutem introduz a outra Sob essa perspectiva fica claro que os termos estipulados no trecho 44a 12minus17 natildeo podem ser pressupostos indispensaacuteveis de quaisquer termos silogiacutesticos tampouco pressupostos que devem ser satisfeitos em conjunto por termos de todo e qualquer silogismo Afinal Aristoacuteteles estipula cada uma das listas supondo que seus termos seratildeo candidatos agrave funccedilatildeo de mediador (e natildeo agrave funccedilatildeo de termos silogiacutesticos) e o faz segundo as exigecircncias especiacuteficas envolvidas na prova de cada relaccedilatildeo categoacuterica em particular (a e i ou o) Compreender tais listas como pressupostos

41 An Pr I 28 43b 39minus43 e 44a 9minus11

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

31

que devem ser satisfeitos por todo e qualquer termo silogiacutestico eacute um equiacutevoco

Em segundo lugar o capiacutetulo 28 natildeo parece estar orientado propriamente agrave prova silogiacutestica das formas categoacutericas mas em algum sentido agrave demonstraccedilatildeo de tais relaccedilotildees Haacute indiacutecios que sugerem essa leitura O principal deles talvez seja o fato de Aristoacuteteles se mostrar interessado em localizar um meson que fica no meio do caminho entre um mediador que satisfaz requisitos meramente dedutivos e um mediador que supera tais requisitos e se configura como um fator explanatoacuterio em uma legiacutetima demonstraccedilatildeo cientiacutefica42 Retomemos por exemplo as recomendaccedilotildees de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) Em 43b 43ndash44a 2 Aristoacuteteles recomenda a prova de EiA por premissas universais conduzindo a prova a um silogismo em Darapti embora admita a possibilidade de concluir proposiccedilotildees particulares a partir de um par de premissas em que apenas uma eacute universal (41b 22minus27) Em 44a 9ndash11 a exemplo do que ocorre com a prova de EiA Aristoacuteteles recomenda a prova de EoA novamente por premissas universais desta vez conduzindo a prova a um silogismo em Felapton Essas duas recomendaccedilotildees de prova pressupotildeem que o meson requisitado para a prova natildeo eacute um mediador meramente dedutivo mas um mediador que se articula com os extremos exclusivamente por relaccedilotildees universais Eacute claro que esse cenaacuterio ainda estaacute muito distante daquele que temos por exemplo no capiacutetulo 2 do Livro II de Segundos

42 Em uma demonstraccedilatildeo cientiacutefica natildeo basta que o mediador se relacione com os extremos de tal modo que a deduccedilatildeo da conclusatildeo esteja formalmente assegurada Aristoacuteteles ainda exige que o mediador satisfaccedila certos requisitos natildeo formais O principal deles eacute o de explicar adequadamente por que o extremo maior se atribui ao extremo menor (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 por exemplo essa diferenccedila (entre um mediador que satisfaz exigecircncias meramente dedutivas e um mediador que funciona como explicaccedilatildeo do fato relatado na conclusatildeo) eacute utilizada como criteacuterio baacutesico para distinguir o conhecimento de que C eacute A (conhecimento do fato) e o conhecimento de por que C eacute A (conhecimento da causa)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

32

Analiacuteticos (90a 6minus7) em que o meson eacute pensado como a causa que explica por que a relaccedilatildeo dada entre os extremos explicitada na conclusatildeo da demonstraccedilatildeo eacute o caso Mesmo assim temos o suficiente para mostrar que Aristoacuteteles natildeo estaacute levando em conta todos os silogismos de seu sistema loacutegico mas apenas aqueles nos quais ambas as premissas satildeo universais Por que razatildeo exatamente Aristoacuteteles faz essa escolha eacute algo a se investigar O que nos importa eacute que essa escolha restringe o escopo do capiacutetulo a um grupo especiacutefico de silogismos o que natildeo eacute compatiacutevel com a validade irrestrita dos axiomas propostos por Patzig

Em terceiro lugar Aristoacuteteles natildeo lida com as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo proacutepria superordenaccedilatildeo proacutepria e contrariedade mas prefere (i) termos que acompanham o extremo (τὰ ἑπόμενα) (ii) termos aos quais o extremo acompanha (οἷς αὐτὸ ἕπεται) e (iii) termos que natildeo podem ser atribuiacutedos ao extremo (ἃ μὴ ἐνδέχεται αὐτῷ ὑπάρχειν) Essa diferenccedila natildeo eacute apenas terminoloacutegica mas conceitual As relaccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias pressupotildeem termos que natildeo satildeo coextensivos se X eacute um termo subordinado proacuteprio de Y XaY eacute o caso mas YaX natildeo se Z eacute um termo superordenado proacuteprio de Y YaZ eacute o caso mas ZaY natildeo O proacuteprio Patzig reconhece essas consequumlecircncias ao formular os seus dois primeiros axiomas43 Aristoacuteteles no entanto ao se valer das relaccedilotildees de ldquoacompanhamentordquo entre os termos natildeo hesita em rejeitaacute-las No capiacutetulo 29 por exemplo Aristoacuteteles menciona a possibilidade de provar por hipoacutetese (συλλογίσασθαι ἐξ ὑποθέσεως) os problemas universais (a e e) assumindo precisamente a possibilidade de coextensatildeo entre os termos envolvidos possibilidade da qual Patzig parece prescindir ao formular seus axiomas A passagem agrave qual nos referimos eacute a seguinte

εἰ γὰρ τὸ Γ καὶ τὸ Η ταὐτὰ εἴη μόνοις δὲ ληφθείη τοῖς Η τὸ Ε ὑπάρχειν παντὶ ἂν τῷ Ε τὸ Α ὑπάρχοι καὶ πάλιν εἰ τὸ Δ καὶ Η ταὐτὰ μόνων δὲ τῶν Η τὸ Ε κατηγοροῖτο ὅτι οὐδενὶ τῷ Ε τὸ Α ὑπάρξει

43 Patzig (1959 sect3 p 6ndash7)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

33

Com efeito se C e G fossem o mesmo mas se assumisse que E se atribui apenas aos Grsquos A se atribuiria a todo E Novamente se D e G fossem o mesmo mas E se afirmasse apenas dos Grsquos A se atribuiraacute a nenhum E (45b 24minus27)

Em 44a 12minus17 Aristoacuteteles jaacute havia estipulado que a letra C representaria um termo ao qual o extremo maior A acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente tambeacutem foi estipulado que a letra G representaria um termo ao qual o extremo menor E acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente por fim ainda ficou decidido que a letra D representaria um termo que natildeo pode ser atribuiacutedo ao extremo maior A Assim a identidade entre C e G a exemplo do que ocorre em 44a 19minus21 conduz a prova de EiA a um silogismo em Darapti ao passo que a identidade entre D e G a exemplo do que ocorre em 44a 28minus30 conduz a prova de EoA a um silogismo em Felapton44 No entanto nessa passagem embora os procedimentos de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) sejam acionados aquilo que se quer mostrar eacute de que modo podemos provar por hipoacutetese (ἐξ ὑποθέσεως) as proposiccedilotildees universais Para alcanccedilar esse resultado Aristoacuteteles assume que o extremo menor E se atribui apenas (μόνον) a G o que pode ser interpretado como uma maneira diferente de dizer que E e G satildeo termos coextensivos Sinal disso eacute o seguinte ao assumir que E se atribui apenas a G Aristoacuteteles se vecirc autorizado a concluir as proposiccedilotildees universais EaA e EeA o que soacute faz sentido sob o pressuposto de que G e E satildeo termos coextensivos De fato sob tal pressuposto a premissa menor GaE pode ser ldquoconvertidardquo em EaG o que transforma Darapti em Barbara bem como Felapton em Celarent Mas se os termos aos quais o extremo menor E acompanha forem pensados como termos subordinados proacuteprios de E GaE seraacute o caso mas EaG natildeo Por conseguinte tampouco as conclusotildees EaA e EeA se seguiriam Assim se quisermos conferir sentido agrave passagem temos que assumir que Aristoacuteteles recorreu agrave possibilidade de construir silogismos com termos

44 Darapti CaA GaE rarr EiA (C=G) Felapton DeA GaE rarr EoA (D=G)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

34

que satildeo coextensivos e se assim for podemos dizer que para Aristoacuteteles a presenccedila de silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos em sua loacutegica natildeo causava qualquer inconveniente45

Segundo nos parece as razotildees alegadas ateacute aqui jaacute satildeo suficientes para mostrar que os axiomas de Patzig natildeo podem servir como criteacuterios delimitadores de termos silogiacutesticos Ainda assim vale a pena examinar duas passagens que eventualmente poderiam ser invocadas contra a interpretaccedilatildeo que propomos Embora natildeo sejam citadas pelos proponentes das opiniotildees tradicionais natildeo eacute difiacutecil imaginar que elas tenham servido de inspiraccedilatildeo para aqueles que defendem a exclusatildeo dos termos transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo De fato agrave primeira vista tais passagens podem nos levar a pensar que Aristoacuteteles natildeo guardou lugar para tais termos na silogiacutestica No entanto como veremos isso soacute eacute verdade agrave primeira vista

45 O capiacutetulo 29 natildeo eacute a uacutenica evidecircncia de silogismos com termos coextensivos na silogiacutestica No capiacutetulo 5 do Livro II de Primeiros Analiacuteticos precisamente em 57b 35minus58a 12 Aristoacuteteles trabalha com silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos Por sua vez no capiacutetulo 22 em 67b 27minus32 Aristoacuteteles inicia o texto dizendo que a coextensatildeo entre os termos extremos de um silogismo requer um mediador tambeacutem coextensivo o que revela por parte de Aristoacuteteles plena consciecircncia a respeito da existecircncia de silogismos com triacuteades coextensivas Nos Segundos Analiacuteticos o interesse de Aristoacuteteles por demonstraccedilotildees que envolvem termos coextensivos pode ser classificado como uma obsessatildeo Basta notar que a proacutepria demonstraccedilatildeo universal ndash aquela que eacute considerada por Aristoacuteteles como cientiacutefica no mais alto grau ndash tem como uma de suas principais caracteriacutesticas a coextensatildeo entre os trecircs termos do silogismo (cf Seg An I 4 73b 32minus74a 3) o que revela o papel central das triacuteades coextensivas no projeto aristoteacutelico que eacute inaugurado com a silogiacutestica e culmina nas demonstraccedilotildees cientiacuteficas (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 e II 16 Aristoacuteteles novamente recorre a termos coextensivos na formulaccedilatildeo de silogismos A nossa preferecircncia pela passagem 45b 24minus27 do capiacutetulo 29 de Primeiros Analiacuteticos se daacute apenas com base em sua conexatildeo indiscutiacutevel com o capiacutetulo 28 no qual Patzig julga encontrar seus axiomas

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

35

Uma das passagens agraves quais nos referimos eacute aquela com a qual Aristoacuteteles encerra o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I Vejamos o que diz Aristoacuteteles

ἔτι τὰ πᾶσιν ἑπόμενα οὐκ ἐκλεκτέον οὐ γὰρ ἔσται συλλογισμὸς ἐξ αὐτων διrsquo ἣν δrsquo αἰτίαν ἐν τοῖς ἑπομένοις ἔσται δῆλον Aleacutem disso natildeo eacute preciso selecionar os itens que acompanham todas as coisas pois natildeo haacute silogismo a partir deles A razatildeo disso ficaraacute evidente a seguir (43b 36minus38)

Essa passagem trata dos termos transcategoriais de generalidade total (τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) e delega a justificativa de seu proacuteprio pronunciamento ao capiacutetulo seguinte no qual Patzig encontrou inspiraccedilatildeo para seus axiomas No capiacutetulo 28 cumprindo o prometido Aristoacuteteles retoma esse assunto e reitera a impossibilidade de construir silogismos a partir de termos de generalidade total

φανερὸν οὖν ὅτι διὰ τῶν προειρημένων σχημάτων οἱ συλλογισμοὶ πάντες καὶ ὅτι οὐκ ἐκλεκτέον ὅσα πᾶσιν ἕπεται διὰ τὸ μηδένα γίγνεσθαι συλλογισμὸν ἐξ αὐτῶν κατασκευάζειν μὲν γὰρ ὅλως οὐκ ἦν ἐκ τῶν ἑπομένων ἀποστερεῖν δrsquo οὐκ ἐνδέχεται διὰ τοῦ πᾶσιν ἑπομένου δεῖ γὰρ τῷ μὲν ὑπάρχειν τῷ δὲ μὴ ὑπάρχειν Eacute evidente entatildeo que todos os silogismos vecircm a ser atraveacutes das figuras previamente mencionadas e que natildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisas porque nenhum silogismo vem a ser a partir deles De fato de modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanham e natildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outro (44b 19minus24)

Fora de contexto e em uma leitura mais apressada essas duas passagens podem nos levar a crer que a opiniatildeo tradicional que afasta da silogiacutestica os termos de generalidade total (como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) de fato encontra respaldo nos textos de Aristoacuteteles No entanto mais uma vez eacute preciso levar em conta que o capiacutetulo 28 eacute marcado pela

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

36

descriccedilatildeo de estrateacutegias de localizaccedilatildeo de termos mediadores e natildeo de termos em geral Dizendo de outro modo Aristoacuteteles natildeo estaacute interessado em localizar os termos que deveratildeo encerrar a conclusatildeo de um silogismo pelo contraacuterio tais termos jaacute estatildeo plenamente determinados bem como a relaccedilatildeo proposicional (a e i e o) que haacute entre eles dado que a conclusatildeo na qual interagem funciona como ponto de partida da investigaccedilatildeo empreendida no capiacutetulo O que interessa para Aristoacuteteles eacute a localizaccedilatildeo de termos mediadores e eacute nesse horizonte que tais passagens devem ser lidas Assim ao negar a possibilidade de construir silogismos a partir de termos transcategoriais de generalidade total (ἐξ αὐτῶν) o que Aristoacuteteles quer dizer eacute que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos46 nos quais a funccedilatildeo de mediador seja desempenhada por um termo desse tipo razatildeo pela qual na busca pelo mediador recomenda Aristoacuteteles ldquonatildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisasrdquo (44b 20minus21) Para justificar essa recomendaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta duas razotildees (i) ldquode modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanhamrdquo (44b 22minus23) (ii) ldquonatildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outrordquo (44b 23minus24) Na primeira razatildeo Aristoacuteteles parece reconsiderar as listas de termos estipuladas no trecho 44a 11minus17 pressupondo ao que tudo indica que os transcategoriais de generalidade total soacute podem figurar em listas de termos que acompanham os extremos Isso se justificaria pela natureza inapta de tais termos para o papel de sujeito em proposiccedilotildees silogiacutesticas conforme se constata no capiacutetulo I 27 Assim na medida em que nas provas afirmativas a busca pelo mediador natildeo envolve

46 Na verdade como o escopo do capiacutetulo 28 natildeo abarca todo e qualquer silogismo seria mais correto dizer que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos (nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas) assumindo um termo de generalidade total na funccedilatildeo de mediador

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

37

apenas a lista de termos que acompanham um dos extremos mas tambeacutem a lista de termos aos quais um dos extremos acompanha (ver 43b 39minus44a 2) os transcategoriais de generalidade total perdem a candidatura agrave funccedilatildeo de mediador e jaacute de saiacuteda nem sequer precisam ser considerados47 Na segunda razatildeo por sua vez Aristoacuteteles leva em conta o fato de que as provas negativas dependem de um mediador capaz de figurar em proposiccedilotildees universais negativas verdadeiras exigecircncia que natildeo estaacute no alcance dos termos de generalidade total Afinal se estamos diante de um transcategorial desse tipo de antematildeo jaacute assumimos a inexistecircncia de um termo do qual ele natildeo seja predicado Assim os termos de generalidade total ficam impedidos de serem atribuiacutedos a um extremo e natildeo atribuiacutedos ao outro (44b 24) como deve ser o mediador de um silogismo negativo

O que eacute verdade portanto eacute que Aristoacuteteles dispensa os termos de generalidade total da funccedilatildeo de mediador De fato quando se pretende construir silogismos nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas tal como ocorre no capiacutetulo 28 a busca do mediador entre transcategoriais de generalidade total eacute sempre infrutiacutefera porque soacute poderaacute devolver como resposta pretensos fatores de mediaccedilatildeo marcados por duas deficiecircncias principais a

47 Supomos que em tais passagens Aristoacuteteles de fato tem em mente as recomendaccedilotildees de prova apresentadas no iniacutecio do capiacutetulo 28 de modo que apenas os silogismos em Barbara e Darapti sejam considerados como silogismos afirmativos (cf 43b 39minus44a 2) Assim entendemos que o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 se justificaria porque os termos de generalidade total na prova de a natildeo podem integrar a lista de termos aos quais o extremo maior acompanha bem como na prova de i a lista de termos aos quais ambos os extremos acompanham No entanto ainda que os demais silogismos afirmativos sejam levados em conta o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 continua verdadeiro jaacute que Darii Disamis e Datisi tambeacutem exigem que o mediador esteja entre os termos aos quais o(s) extremo(s) acompanha(m)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

38

impossibilidade de desempenhar a funccedilatildeo de sujeito de modo legiacutetimo e a incapacidade de compor proposiccedilotildees negativas verdadeiras

Nenhuma das passagens mencionadas acima (43b 36minus38 e 44b 19minus24) eacute citada ndash nem por Lukasiewicz nem por Patzig ndash como evidecircncia de que Aristoacuteteles teria rejeitado os termos de generalidade total em seu sistema loacutegico Poreacutem diante da escassez de evidecircncias em favor da suposta exclusatildeo de tais termos natildeo eacute insensato presumir que os proponentes dessa exclusatildeo tenham encontrado inspiraccedilatildeo nelas

Na proacutexima seccedilatildeo examinaremos textos nos quais Aristoacuteteles constroacutei silogismos com termos de natureza singular Veremos que o incocircmodo com a presenccedila de tais termos na silogiacutestica eacute menos de Aristoacuteteles e mais de seus inteacuterpretes 3 Termos Singulares e o Silogismo Peripateacutetico

Jaacute comentamos o fato de Lukasiewicz ter feito pesadas criacuteticas agrave silogiacutestica em especial ao suposto fato de Aristoacuteteles ter afastado os termos de natureza singular de seu sistema loacutegico o que seria segundo Lukasiewicz ldquoo maior defeitordquo da loacutegica aristoteacutelica48 Ao que parece o responsaacutevel por levaacute-lo por esse caminho foi Ross que tomou nota do tambeacutem suposto fato de Aristoacuteteles nunca se valer de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos49 Lukasiewicz reiterou a constataccedilatildeo de Ross (embora natildeo o cite) e nela encontrou razatildeo para natildeo reconhecer como rigorosamente aristoteacutelico o silogismo que qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo silogismo formulado em primeira figura com um nome proacuteprio como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo

De acordo com a triparticcedilatildeo de termos que pudemos conhecer no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I (Seccedilatildeo II Parte 1) natildeo temos qualquer razatildeo para expulsar da silogiacutestica os termos de natureza singular Eacute

48 Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect3 p 6) 49 Ross (1949 p 289 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

39

claro que Aristoacuteteles natildeo deixa de lhes endereccedilar certas restriccedilotildees poreacutem vale a pena repetir nenhuma das restriccedilotildees introduzidas por Aristoacuteteles no referido capiacutetulo tem forccedila suficiente para expulsar os termos singulares da loacutegica aristoteacutelica De fato embora tais termos natildeo possam figurar em proposiccedilotildees como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nada impede que outros termos lhes sejam atribuiacutedos por conseguinte embora natildeo possam ser demonstrados como legiacutetimos predicados de outros termos nada impede que outros termos sejam demonstrados como predicados deles50

Fora dos Analiacuteticos jaacute esbarramos em indiacutecios que vatildeo nessa direccedilatildeo No capiacutetulo 10 de Metafiacutesica XIII (My) por exemplo haacute uma breve passagem que sugere esse resultado Enquanto argumenta em favor da tese de que ldquoo conhecimento eacute de universaisrdquo (ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου) Aristoacuteteles parece supor que os termos singulares ldquoeste triacircngulordquo e ldquoeste homemrdquo tambeacutem satildeo suscetiacuteveis de operaccedilotildees silogiacutesticas

[] ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου δῆλον δrsquo ἐκ τῶν ἀποδείξεων καὶ τῶν ὁρισμῶν οὐ γὰρ γίγνεται συλλογισμὸς ὅτι τόδε τὸ τρίγωνον δύο ὀρθαῖς εἰ μὴ πᾶν τρίγωνον δύο ὀρθαί οὐδrsquo ὅτι ὁδὶ ὁ ἄνθρωπος ζῷον εἰ μὴ πᾶς ἄνθρωπος ζῷον [] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos a natildeo ser que todo triacircngulo possua dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal a natildeo ser que todo homem seja animal (1086b 34minus37)

Poreacutem essa passagem natildeo eacute tatildeo simples quanto pode parecer agrave primeira vista51 Paul Shorey por exemplo reprovaria jaacute a traduccedilatildeo que

50 An Pr I 27 43a 25minus29 e 39minus40 Ao comentar o capiacutetulo 27 Mignucci (1969 p 443) tambeacutem reconhece a possibilidade ldquodi costruire dimostrazioni e sillogismi anche relativamente a singolarirdquo citando Alexandre que tambeacutem jaacute a observa em seus comentaacuterios (An Pr p 293 13minus23) 51 Shorey (1913)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

40

propomos porque ela faz crer que Aristoacuteteles estabelece uma relaccedilatildeo de dependecircncia dedutiva (silogiacutestica) entre proposiccedilotildees dependecircncia que de fato existe mas da qual para Shorey a passagem em questatildeo natildeo trataria De acordo com Shorey as ocorrecircncias de εἰ μὴ nas linhas 33 e 36 natildeo significam ldquo[] lsquounlessrsquo but is to be taken in its idiomatic sense as a virtual equivalent of ἀλλάrdquo Nesse caso uma traduccedilatildeo mais fiel agrave posiccedilatildeo de Shorey seria a seguinte

[] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos mas de que todo triacircngulo tem dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal mas de que todo homem eacute animal (1086b 34minus37)

Assim o texto estabeleceria natildeo que as proposiccedilotildees singulares no papel de conclusotildees silogiacutesticas satildeo (dedutivamente) dependentes das proposiccedilotildees universais mas que as conclusotildees propriamente silogiacutesticas satildeo universais (universalmente quantificadas) e natildeo singulares

Ross52 ao tratar dessa passagem natildeo deixa de comentar a posiccedilatildeo de Shorey

He [Shorey] argues that in l 33 knowledge is said to be lsquoofrsquo universals ie to have universal conclusions as well as universal premises [hellip] and that singular propositions never occur as conclusions in Aristotlersquos logical writings

Na verdade Shorey53 natildeo chega a dizer que proposiccedilotildees singulares nunca ocorrem como conclusotildees silogiacutesticas nos escritos loacutegicos de Aristoacuteteles embora passe perto disso

The syllogism with a particular54 conclusion is an inferior type (Analyt Post 79a 25ff) [hellip] Aristotle does not recognize singular proposition in his classification (Analyt Priora A1 Grote Aristotle I 205) and the

52 Ross (1953 p 464) 53 Shorey (1913 p 91) 54 Nesse contexto Shorey assume ldquoparticularrdquo e ldquosingularrdquo como equivalentes

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

41

conclusion to an individual case interests him very little and is practically ignored

Shorey tem alguma razatildeo em alegar que os silogismos que concluem proposiccedilotildees singulares (tambeacutem conhecidos como ldquoperipateacuteticosrdquo) satildeo de um tipo inferior especialmente quando se leva em conta o horizonte das demonstraccedilotildees cientiacuteficas55 mas erra quando recorre ao trecho 79a 25ss para dar base textual a tal alegaccedilatildeo ndash o referido trecho nem mesmo trata desse assunto Por sua vez e contra Shorey Ross56 surpreende ao alegar o seguinte

There are however occasional references in Aristotle to the occurrence of singular propositions as the minor premise or conclusion of syllogisms (eg An Pr 43a 37minus40) []

55 Para Aristoacuteteles o silogismo dito cientiacutefico no mais alto grau eacute a chamada demonstraccedilatildeo universal Eacute importante notar que aqui o adjetivo ldquouniversalrdquo tem um sentido muito preciso e natildeo se justifica pela mera ocorrecircncia de uma conclusatildeo universalmente quantificada Em Segundos Analiacuteticos I 4 73b 32minus74a 3 por exemplo Aristoacuteteles argumenta que a demonstraccedilatildeo universal natildeo conclui que todo isoacutesceles tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos mas que todo triacircngulo tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos revelando um requisito que envolve o ajuste preciso do extremo menor a partir de condiccedilotildees estabelecidas pelo extremo maior (cf Seg An I 5 74a 4minus6 13minus17 25minus32 74b 21minus26 I 24 85b 4minus15) Para Aristoacuteteles o predicado ldquoter a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retosrdquo ndash daqui para frente apenas ldquo2Rrdquo ndash se atribui a ldquoisoacutescelesrdquo de um modo que em algum sentido eacute parasitaacuterio da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo dado que isoacutesceles tem 2R na exata medida em que eacute triacircngulo Em outras palavras a atribuiccedilatildeo de ldquo2Rrdquo a ldquoisoacutescelesrdquo eacute entendida como indireta e dependente da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo Nesse contexto eacute natural presumir que um silogismo peripateacutetico seja concebido como inferior em relaccedilatildeo aos demais minus especialmente no que diz respeito ao grau de cientificidade minus jaacute que sua conclusatildeo natildeo poderaacute satisfazer as exigecircncias de uma legiacutetima conclusatildeo cientiacutefica tal como ocorre em uma demonstraccedilatildeo universal Jaacute quanto agraves propriedades dedutivas envolvidas em tal silogismo natildeo haacute razatildeo para consideraacute-lo inferior Para apreciaccedilatildeo detalhada da noccedilatildeo de demonstraccedilatildeo universal ver Angioni (2007) 56 Ross (1953 p 464)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

42

Ross supotildee que o argumento de Shorey pretende estabelecer a exclusatildeo dos termos singulares do domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica e aponta a passagem 43a 37minus40 como evidecircncia textual incompatiacutevel com essa exclusatildeo Temos aqui uma mudanccedila de opiniatildeo De fato conforme pudemos ver na primeira seccedilatildeo deste artigo ao tratar do trecho 43a 37minus43 na ediccedilatildeo comentada do texto grego de Primeiros e Segundos Analiacuteticos Ross chega a dizer que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares em seus exemplos de silogismos e argumenta em favor de uma silogiacutestica restrita a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ)57 Agora ao comentar a passagem 1086a 34minus37 de Metafiacutesica XIII (My) 10 Ross reconhece no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I uma evidecircncia em favor da inclusatildeo dos termos singulares na silogiacutestica Aparentemente o proacuteprio Ross natildeo tinha muita convicccedilatildeo a respeito da inclusatildeo ou exclusatildeo dos termos de natureza singular

De nossa parte admitimos que a passagem 1086a 34minus37 eacute digna da controveacutersia introduzida por Shorey ndash embora tenhamos mais apreccedilo pela interpretaccedilatildeo de Ross No entanto mesmo que Shorey tenha razatildeo a respeito do referido trecho de Metafiacutesica XIII (My) 10 a presenccedila de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares na silogiacutestica natildeo estaraacute ameaccedilada porque ainda podemos nos valer de passagens muito mais promissoras para decidir essa questatildeo passagens nas quais o proacuteprio Aristoacuteteles elabora cocircmputos silogiacutesticos com termos singulares como se a presenccedila deles na silogiacutestica natildeo lhe figurasse como uma anomalia

Patzig tinha conhecimento dessas passagens e fez questatildeo de citaacute-las no primeiro capiacutetulo de seu livro corrigindo o suposto fato alegado por Ross e Lukasiewicz de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos exemplos de silogismos que aparecem em Primeiros Analiacuteticos No entanto Patzig natildeo recorre a tais passagens a fim de reintroduzir os termos singulares na silogiacutestica mas procura

57 Idem 1949 p 384

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

43

desqualificaacute-las e assim reiterar os resultados de seus antecessores De fato embora reconheccedila as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 do Livro I bem como de ldquoPitacosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II Patzig manteacutem a posiccedilatildeo tradicional que afasta os termos de natureza singular da loacutegica aristoteacutelica alegando apenas que a ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo (70a 16minus20) se daacute em um silogismo invaacutelido ao passo que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo (47b 15ss) aparecem em premissas das quais nada se segue58

Eacute bem verdade que as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 de Primeiros Analiacuteticos I estatildeo associadas a pares de premissas dos quais nenhuma conclusatildeo se segue coisa que o proacuteprio Aristoacuteteles natildeo hesita em admitir No entanto embora sejam inconcludentes esses pares de premissas acomodam seus termos em disposiccedilotildees muito similares agravequelas de um silogismo vaacutelido (Barbara)59 o que lhes confere as feiccedilotildees de que satildeo concludentes quando na verdade natildeo o satildeo De acordo com Aristoacuteteles o que os impede de serem concludentes eacute o fato de que a premissa maior natildeo eacute universal60 Em 47b 26minus28 essa justificativa eacute apresentada por meio de um pronunciamento que merece alguma atenccedilatildeo Aristoacuteteles anuncia o fato de a premissa maior natildeo ser universal como quem supotildee que fosse ela universal o problema estaria resolvido e assim o par de premissas seria concludente61 Ora na medida em que Aristoacuteteles atribui o caraacuteter inconcludente dos pares de premissas precisamente agraves premissas maiores (e natildeo agraves premissas menores nas quais ocorrem os termos singulares) presume-se que esses termos natildeo introduzem qualquer caracteriacutestica censuraacutevel nos silogismos ali formulados Assim o fato de que natildeo estamos diante de pares de premissas concludentes por si soacute natildeo eacute

58 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 59 An Pr I 33 47b 21minus37 60 Idem 47b 26minus29 34minus37 e 38minus39 61 O uso contrafactual de ἔδει na linha 27 sugere essa leitura

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

44

suficiente para recusar ao capiacutetulo 33 o papel de evidecircncia em favor de tais termos na silogiacutestica62

Quanto agrave ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo em Primeiros Analiacuteticos II 27 (70a 16minus20) Patzig tem alguma razatildeo em alegar que ela se daacute em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido No entanto eacute preciso ajustar essa alegaccedilatildeo porque Aristoacuteteles natildeo descreve o argumento em questatildeo propriamente como um silogismo mas como um sinal (σημεῖον) e ao que parece um sinal e um silogismo ndash um legiacutetimo silogismo e natildeo um mero entimema ndash estatildeo longe de ser a mesma coisa63 Aleacutem disso temos uma ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo no mesmo capiacutetulo que eacute bem mais relevante para a discussatildeo mas que foi completamente ignorada pelos comentadores

Em 70a 26minus28 Aristoacuteteles formula dois silogismos nos quais aparece o termo singular ldquoPitacosrdquo Um deles eacute descrito como refutaacutevel (λύσιμος)64 basicamente porque a conclusatildeo natildeo se segue das premissas65 Natildeo precisamos nos deter nele Por ora o silogismo que fora introduzido algumas linhas antes e que foi descrito por Aristoacuteteles como irrefutaacutevel (ἄλυτος)66 eacute muito mais interessante Esse silogismo tem exatamente a formulaccedilatildeo paradigmaacutetica que Lukasiewicz qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo e agrave qual negou lugar na loacutegica aristoteacutelica Vale a pena citar essa passagem para marcar bem a presenccedila desse tipo de silogismo na loacutegica de Aristoacuteteles

62 M Malink (2009 p 119) por exemplo contrariando Patzig aponta o capiacutetulo I 33 minus bem como II 27 do qual trataremos a seguir minus como evidecircncia em favor de termos singulares na silogiacutestica Ver tambeacutem Mignucci ldquoAristotlersquos Theory of Predicationrdquo p 10 ldquoParts Quantification and Aristotelian Predicationrdquo p 11 e Barnes ldquoTruth etcrdquo p 158-166 63 An Pr II 27 70a 24minus25 64 Ibidem 30minus31 e 34minus35 65 Ibidem 27minus28 e 30minus32 66 Ibidem 29

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

45

Ἐὰν μὲν οὖν ἡ μία λεχθῇ πρότασις σημεῖον γίνεται μόνον ἐὰν δὲ καὶ ἡ ἑτέρα προσληφθῇ συλλογισμός οἷον ὅτι Πιττακὸς ἐλευθέριος οἱ γὰρ φιλότιμοι ἐλευθέριοι Πιττακὸς δὲ φιλότιμος Assim se somente uma premissa for assumida haacute apenas um sinal ao passo que se a outra premissa tambeacutem for assumida entatildeo haacute um silogismo por exemplo lsquoPitacos eacute destemido pois os homens de brio satildeo destemidos e Pitacos eacute homem de briorsquo (70a 24minus27)67

A descriccedilatildeo eacute inusitada porque Aristoacuteteles comeccedila pela conclusatildeo Mas isso natildeo prejudica o resultado a que queremos chegar O nome proacuteprio ldquoPitacosrdquo eacute sem duacutevida o extremo menor que aparece como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo ldquodestemidordquo eacute o extremo maior predicado da premissa maior e da conclusatildeo por fim a funccedilatildeo de mediador fica por conta de ldquohomem de briordquo Em uma reconstituiccedilatildeo um pouco mais formalizada temos o seguinte silogismo todo homem de brio eacute destemido Pitacos eacute (um) homem de brio logo Pitacos eacute destemido

O leitor mais desconfiado talvez hesite em aceitar que a premissa maior ldquoos homens de brio satildeo destemidosrdquo possa ser formalizada com um quantificador universal mas haacute sinais claros de que eacute assim que devemos concebecirc-la Em primeiro lugar Aristoacuteteles reconhece a legitimidade desse silogismo e supotildee que a conclusatildeo decorre das premissas o que por si soacute jaacute pressupotildee a universalidade da premissa maior Caso contraacuterio a conclusatildeo natildeo se impotildee Em segundo lugar haacute um pequeno detalhe que causa surpresa nesse capiacutetulo e que merece atenccedilatildeo de nossa parte Aristoacuteteles justifica o caraacuteter irrefutaacutevel do mencionado silogismo alegando que se trata de um silogismo universal (καθόλου γὰρ ἐστιν cf 70a 30) Ora como se sabe Aristoacuteteles descreve como universais precisamente aqueles silogismos nos quais a conclusatildeo eacute universal quais sejam Barbara Celarent Cesare e Camestres Por isso ao caracterizar o ldquosilogismo peripateacuteticordquo como um silogismo universal

67 As traduccedilotildees de φιλότιμος e ἐλευθέριος certamente satildeo discutiacuteveis mas em nada afetam os nossos objetivos

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

46

Aristoacuteteles pode querer sinalizar que em algum sentido a conclusatildeo ldquoPitacos eacute destemidordquo deva ser compreendida como uma proposiccedilatildeo fundada em uma atribuiccedilatildeo universal68 como se o referido ldquosilogismo peripateacuteticordquo precisamente em razatildeo disso fosse digno do mesmo status concedido aos demais silogismos universais (Barbara Celarente Cesare e Camestres) Essa leitura sugere que a concepccedilatildeo aristoteacutelica de atribuiccedilatildeo universal talvez deva ser repensada jaacute que ela daacute sinais de se estender sobre casos para os quais natildeo cabe falar em quantificadores (universais) ndash eacute o que parece ocorrer no ldquosilogismo peripateacuteticordquo acima mencionado

O aprofundamento desse ponto no entanto eacute algo que ultrapassa o escopo da presente investigaccedilatildeo e seu exame deve ser deixado para outra ocasiatildeo A essa altura o objetivo principal desta seccedilatildeo jaacute nos parece ter sido alcanccedilado pois consiste apenas em mostrar o que os leitores menos versados nos Analiacuteticos jaacute perceberam haacute muito tempo a saber que o chamado ldquosilogismo peripateacuteticordquo natildeo soacute faz parte da loacutegica aristoteacutelica mas mais do que isso ainda pode desfrutar de um lugar privilegiado no interior da silogiacutestica entre os chamados ldquosilogismos universaisrdquo Diante desse quadro natildeo haacute duacutevida de que os termos de natureza singular tecircm lugar garantido na loacutegica de Aristoacuteteles69

68 Provavelmente foi inspirado em passagens como essa que J N Keynes (1906 p 102) sugeriu conceber as proposiccedilotildees singulares como uma subclasse de proposiccedilotildees universais Lukasiewicz tomou nota dessa possibilidade e a considerou totalmente equivocada Mas para isso ignorou completamente o trecho 70a 24minus30 69 Agradeccedilo ao professor Lucas Angioni (Unicamp) pela prontidatildeo na leitura de versotildees preacutevias deste artigo pelas indicaccedilotildees de passagens para reforccedilar o argumento e pelas alteraccedilotildees de texto sugeridas as quais certamente contribuiacuteram para melhorar o resultado final aqui apresentado Agradeccedilo tambeacutem aos professores Raphael Zillig (UFRGS) e Inara Zanuzzi (UFRGS) pela oportunidade de discutir alguns resultados provisoacuterios deste artigo no Seminaacuterio sobre Primeiros Analiacuteticos I 27 organizado pelo professor Raphael e realizado na UFRGS no ano de 2011 Por fim tambeacutem agradeccedilo aos

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

47

REFEREcircNCIAS

ANGIONI L ldquoO Conhecimento Cientiacutefico no Livro I dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesrdquo Revista de Filosofia Antiga (online) vol 1 n 1 2007 (httpwwwfilosofiaantigacomdocuments23html)

BARNES J (ed) Aristotle Prior Analytics (trans by A J Jenkinson in Barnes 1984 vol 1 p 39minus113)

mdashmdashmdashmdash Truth etc Six Lectures on Ancient Logic Oxford Clarendon Press 2007

BOCHENSKI J Ancient Formal Logic Amsterdam North-Holland Publishing 1951

CORCORAN J ldquoCompleteness of an Ancient Logicrdquo Journal of Symbolic Logic 37 696minus702 1972

KEYNES J N Studies and Exercises in Formal Logic (fourth edition rewritten and enlarged) New York The Macmillan Company 1906

LUKASIEWICZ J Aristotlersquos Syllogistic from the Standpoint of Modern Formal Logic Oxford Clarendon Press 1951

MALINK M ldquoA Non-Extensional Notion of Conversion in the Organonrdquo Oxford Studies in Ancient Philosophy Vol XXXVII p 106minus141 Oxford University Press 2009

MIGNUCCI M Aristotele Gli analitici primi ndash Traduzione introduzione e commento Naples Loffredo 1969

companheiros de pesquisa Francine Maria Ribeiro e Mateus Ricardo Fernandes Ferreira (UEMminusPR) pela leitura das primeiras versotildees desse texto e pelas proveitosas sugestotildees que me fizeram

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

48

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Theory of Predication in I Angelilli and M Cerezo (eds) Studies in the History of Logic 1minus20 Berlin 1996

mdashmdashmdashmdash Parts Quantification and Aristotelian Predication Monist 83 3minus21 2000

PATZIG G Aristotlersquos Theory of the Syllogism A Logico-Philosophical Study of Book A of the Prior Analytics Translated by Jonathan Barnes Dordrecht Reidel 1959

ROSS W D Aristotlersquos Prior and Posterior Analytics Oxford Clarendon Press 1949

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Metaphysics Oxford Clarendon Press 1953 (1924)

SHOREY P ldquoA Note on Aristotlersquos Metaphysics 1086b 32minus37rdquo Classical Philology Vol 8 n 1 pp 90minus92 1913

SMITH R Aristotle Prior Analytics Indianapolis Hackett Publishing Company 1989

STRIKER G Aristotle Prior Analytics Book I Oxford Clarendon Press 2009

Page 15: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

19

Imprecisotildees como essa revelam o caraacuteter provisoacuterio do trecho 24a 16minus22 Por isso essa passagem natildeo pode ser considerada como resposta definitiva ao problema de saber se a silogiacutestica reserva lugar para termos singulares sobretudo se a razatildeo alegada para assim consideraacute-la for o mero fato de natildeo encontrarmos ali qualquer menccedilatildeo a proposiccedilotildees singulares Em certa medida os comentadores perceberam que natildeo poderiam recorrer apenas ao primeiro capiacutetulo de Primeiros Analiacuteticos I para decidir a questatildeo e estenderam a discussatildeo ao capiacutetulo 27 tomando uma decisatildeo bastante acertada porque eacute nesse capiacutetulo que Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes e os compreende claramente como fatores de atribuiccedilatildeo suscetiacuteveis de articulaccedilatildeo silogiacutestica O trecho 43a 25minus43 oferece trecircs tipos de termos e como bem observaram os proponentes das opiniotildees tradicionais impotildee certas restriccedilotildees ao uso de termos de natureza singular bem como ao uso de termos de alto grau de generalidade ndash quer sejam summa genera como prefere Ross ou transcategoriais (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como entende Lukasiewicz O que escapou a nossos interlocutores eacute que essas restriccedilotildees estatildeo longe de expulsar da silogiacutestica qualquer dos trecircs tipos de termos ali apresentados Por isso em defesa de nossa posiccedilatildeo propomos reexaminar o trecho 43a 25minus43 pois entendemos que o texto por si soacute natildeo deixa duacutevidas de que nenhum dos trecircs tipos de termos introduzidos na referida passagem tenha sido excluiacutedo da silogiacutestica

Assim examinemos o famoso texto que tem alimentado a discussatildeo sobre termos silogiacutesticos

[1] ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστι τοιαῦτα ὥστε κατὰ μηδενὸς ἄλλου κατηγορεῖσθαι ἀληθῶς καθόλου (οἷον Κλέων καὶ

proposta no primeiro capiacutetulo um tanto despropositada Lukasiewicz (1951 sect2 p 5) tambeacutem reconhece que Aristoacuteteles trata tais proposiccedilotildees como intercambiaacuteveis mas natildeo admite que Aristoacuteteles tenha se pronunciado de modo expliacutecito a respeito dessa equivalecircncia preferindo delegar esse feito a Alexandre

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

20

Καλλίας καὶ τὸ καθrsquo ἕκαστον καὶ αἰσθητόν) κατὰ δὲ τούτων ἄλλα (καὶ γὰρ ἄνθρωπος καὶ ζῷον ἑκάτερος τούτων ἐστί) τὰ δrsquo αὐτὰ μὲν κατrsquo ἄλλων κατηγορεῖται κατὰ δὲ τούτων ἄλλα πρότερον οὐ κατηγορεῖται τὰ δὲ καὶ αὐτὰ ἄλλων καὶ αὐτῶν ἕτερα οἷον ἄνθρωπος Καλλίου καὶ ἀνθρώπου ζῷον ὅτι μὲν οὖν ἔνια τῶν ὄντων κατrsquo οὐδενὸς πέφυκε λέγεσθαι δῆλον τῶν γὰρ αἰσθητῶν σχεδὸν ἕκαστόν ἐστι τοιοῦτον ὥστε μὴ κατηγορεῖσθαι κατὰ μηδενὸς πλὴν ὡς κατὰ συμβεβηκός φαμὲν γάρ ποτε τὸ λευκὸν ἐκεῖνο Σωκράτην εἶναι καὶ τὸ προσιὸν Καλλίαν ὅτι δὲ καὶ ἐπὶ τὸ ἄνω πορευομένοις ἵσταταί ποτε πάλιν ἐροῦμεν νῦν δrsquo ἔστω τοῦτο κείμενον [2] κατὰ μέν οὖν τούτων οὐκ ἔστιν ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον ἕτερον πλὴν εἰ μὴ κατὰ δόξαν ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων οὐδὲ τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται (καὶ γὰρ αὐτὰ κατrsquo ἄλλων καὶ ἄλλα κατὰ τούτων λεχθήσεται) καὶ σχεδὸν οἱ λόγοι καὶ αἱ σκέψεις εἰσὶ μάλιστα περὶ τούτων [1] Entre todos os entes alguns satildeo tais que natildeo se afirmam de nenhum outro verdadeiramente como universais (por exemplo Cleon e Caacutelias ou seja o particular e o sensiacutevel) mas outros se afirmam deles de fato cada um desses eacute tanto homem quanto animal Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros mas nenhum outro anterior se afirma deles Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros e outros satildeo afirmados deles por exemplo homem que se afirma de Caacutelias e do qual animal se afirma Assim eacute evidente que certas coisas por natureza natildeo se dizem de nenhuma outra de fato em geral entre as coisas sensiacuteveis cada uma eacute tal que natildeo se afirma de nenhuma outra a natildeo ser por acidente com efeito agraves vezes dizemos que aquele branco eacute Soacutecrates e que aquele que se aproxima eacute Caacutelias (Ainda diremos por que tambeacutem para cima em algum momento a seacuterie se interrompe Mas por ora seja assumido isso) [2] Assim acerca dessas coisas natildeo eacute possiacutevel demonstrar outra sendo afirmada (a natildeo ser segundo opiniatildeo) mas eacute possiacutevel demonstrar elas proacuteprias sendo afirmadas de outras Tampouco eacute possiacutevel demonstrar as coisas particulares sendo afirmadas de outras mas eacute possiacutevel demonstrar outras sendo afirmadas delas Jaacute das coisas que ficam entre essas eacute evidente que eacute possiacutevel demonstrar afirmando de ambos os modos pois tanto elas seratildeo ditas de outras quanto outras seratildeo ditas delas Grosso modo os argumentos e as investigaccedilotildees satildeo sobretudo acerca dessas coisas (43a 25minus43)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

21

A mais natural divisatildeo que podemos impor agrave passagem acima exige duas seccedilotildees

[1] Na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes compreendidos como fatores de atribuiccedilatildeo e classificados segundo as funccedilotildees que cada classe de termos pode desempenhar em proposiccedilotildees destinadas a operaccedilotildees silogiacutesticas A passagem eacute inaugurada com um pronunciamento a respeito de todos os entes ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων Por isso ao que tudo indica essa divisatildeo tripartite eacute exaustiva e natildeo deixa de fora nenhuma classe de termos Os resultados provenientes dessa classificaccedilatildeo trazem certas restriccedilotildees agrave atuaccedilatildeo de alguns termos na silogiacutestica nas linhas 25minus29 Aristoacuteteles nega que os termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) possam desempenhar o papel de legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nas linhas 29minus30 rejeita a possibilidade de atribuir aos termos de alta generalidade um termo que lhes seja anterior (πρότερον) Conforme jaacute o dissemos essas restriccedilotildees passam longe da exclusatildeo de qualquer das classes de termos apresentadas no referido trecho do capiacutetulo 27 A principal evidecircncia disso aparece na imediata sequumlecircncia do texto em que Aristoacuteteles avalia os efeitos dessas restriccedilotildees sobre as demonstraccedilotildees Isso nos leva agrave segunda seccedilatildeo

[2] Na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) satildeo explicitadas as consequumlecircncias que as restriccedilotildees apresentadas na seccedilatildeo anterior (43a 25minus37) produziratildeo nas demonstraccedilotildees24 Nas linhas 37minus39 Aristoacuteteles se pronuncia a respeito dos termos de alta generalidade (summa genera

24 Eacute bem verdade que em relaccedilatildeo ao cenaacuterio que temos em Segundos Analiacuteticos I 2 a noccedilatildeo de apodeixis que aparece no capiacutetulo 27 ainda exige muitos aperfeiccediloamentos mas natildeo nos parece justo entendecirc-la meramente como prova silogiacutestica jaacute que ela envolve exigecircncias de ordem atributiva que restringem as provas denotadas pela noccedilatildeo de apodeixis assumida no capiacutetulo a um subgrupo da noccedilatildeo mais geral de silogismo As provas silogiacutesticas formuladas em Primeiros Analiacuteticos II 15 por exemplo ficam de fora do grupo de silogismos dos quais o capiacutetulo 27 pretende dar conta Assim sendo optamos por manter a traduccedilatildeo de apodeixis por ldquodemonstraccedilatildeordquo e natildeo por ldquoprovardquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

22

eou transcategoriais) a possibilidade de demonstrar qualquer outro termo a respeito deles eacute recusada25 mas a de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute afirmada textualmente Nas linhas 39minus40 o pronunciamento se faz a respeito dos termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) a possibilidade de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute recusada mas a de demonstrar outros termos a respeito deles tambeacutem eacute afirmada Nas linhas 40minus42 Aristoacuteteles trata dos termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) e natildeo lhes impotildee nenhuma restriccedilatildeo eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles26

Por fim nas linhas 42minus43 Aristoacuteteles encerra a passagem com um pronunciamento de caraacuteter geral e conclusivo pronunciamento que ao contraacuterio do que Ross sugeriu e mais tarde Lukasiewicz endossou natildeo nega absolutamente nada do que fora dito ateacute entatildeo

Eacute claro que o leitor ainda pode levar em conta que Aristoacuteteles soacute faz uso da expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 ao se pronunciar a respeito dos termos de alta generalidade e que por isso a pressuposiccedilatildeo de tal expressatildeo nos demais pronunciamentos seria artificiosa e desqualificaria a traduccedilatildeo e a leitura que propomos De fato essa expressatildeo causou incocircmodo a alguns tradutores de liacutengua inglesa influenciados provavelmente pelos legados de Ross e Lukasiewicz A J Jenkinson e Robin Smith por exemplo traduzem a

25 Na verdade Aristoacuteteles reconhece uma exceccedilatildeo aludindo agrave possibilidade de ldquodemonstrarrdquo segundo opiniatildeo (κατὰ δόξαν) mas essa exceccedilatildeo eacute uma alternativa a ser evitada 26 No manuscrito n temos δειχθήσεται ao inveacutes de λεχθήσεται na linha 42 As duas alternativas favorecem a nossa leitura Optamos pela manutenccedilatildeo de λεχθήσεται para natildeo perder a relaccedilatildeo explicativa que haacute entre os pronunciamentos das linhas 40minus41 de um lado e 30minus32 de outro De fato com λεχθήσεται a linha 42 apenas repete o que fora dito nas linhas 30minus32 Essa opccedilatildeo revela que as linhas 30minus32 explicam a linha 42 e sugere que a mesma relaccedilatildeo explicativa ocorra entre as linhas 25minus29 e 39minus40 bem como entre as linhas 29minus30 e 37minus39

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

23

expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 como ldquodemonstraterdquo e ldquodemonstrate to be predicatedrdquo respectivamente No entanto ambos evitam tal traduccedilatildeo nas linhas subsequumlentes nas quais a expressatildeo natildeo aparece de modo expliacutecito e substituem ldquodemonstraterdquo por ldquopredicaterdquo27

Haacute pelo menos uma boa razatildeo para rejeitar tais traduccedilotildees elas assumem que na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) precisamente no que diz respeito agraves consequumlecircncias que as restriccedilotildees introduzidas na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) tecircm sobre as demonstraccedilotildees Aristoacuteteles estaria interessado apenas nos termos de alta generalidade dado que recorre agrave expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον exclusivamente ao tratar deles Assim no que diz respeito agrave atuaccedilatildeo dos demais termos (τὰ καθrsquo ἕκαστα e τὰ μεταξὺ) nas demonstraccedilotildees Aristoacuteteles jaacute natildeo teria a pretensatildeo de avaliar as consequumlecircncias dessas restriccedilotildees limitando-se apenas a repetir o que fora dito na primeira seccedilatildeo Essa leitura impotildee ao texto uma interrupccedilatildeo natildeo muito natural em seu desenvolvimento e ainda o torna redundante sem apresentar uma razatildeo satisfatoacuteria que justifique essa leitura

27 Na linha 39 por exemplo A J Jenkinson (in Barnes 1984) traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquobut these may be predicated of other thingsrdquo Robin Smith vai na mesma direccedilatildeo e traduz como ldquobut they are predicated of othersrdquo embora reconheccedila em seu comentaacuterio ao trecho 43a 40ss na paacutegina 50 (comentaacuterio que na verdade trata da linha 39) que a frase pode ser traduzida como ldquoother things are demonstrated to be predicated of themrdquo nas linhas 39-40 Jenkinson traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNeither can individuals be predicated of other things although other things can be predicated of themrdquo Robin Smith natildeo destoa disso e traduz como ldquoNeither can individuals be predicated of other things but instead other things are predicated of themrdquo por fim nas linhas 40-41 Jenkinson traduz τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται como ldquoWhatever lies between these limits can be spoken of in both waysrdquo ao passo que Robin Smith traduz como ldquoBut it is clear that for those in between predication is possible in both waysrdquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

24

Na contramatildeo de A J Jenkinson e Robin Smith temos Mario Mignucci e Gisela Striker que traduzem a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον como ldquodimostrare che essi si predicanordquo e ldquodemonstrate to be said ofrdquo respectivamente e entendem as linhas 39minus41 como pronunciamentos nos quais embora natildeo apareccedila de modo expliacutecito a expressatildeo ainda estaacute em jogo28 Essas traduccedilotildees certamente satildeo as mais fieacuteis ao texto grego e corroboram a traduccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo que propomos justificando o abandono da leitura tradicional sugerida por Ross e cristalizada nos estudos de Lukasiewicz A essa altura jaacute podemos fazer um balanccedilo dos resultados que o capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos de fato nos impotildee O cenaacuterio que se desenha eacute o seguinte (i) termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) natildeo eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου)29 de outros termos por isso tampouco eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos no entanto eacute possiacutevel lhes atribuir outros termos como legiacutetimos

28 Na linha 39 por exemplo Mignucci traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquomentre egrave possibile dimostrare che essi si predicano di altrirdquo Striker por sua vez traduz como ldquobut [sc one can demonstrate] only that they themselves are predicated of other thingsrdquo na linha 40 ambos fazem questatildeo de recuperar a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον Mignucci traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNon egrave neanche possibile dimostrare che i singolari si predicano di altre cose ma soltanto che altre cose si predicano di essirdquo Striker segue a mesma linha e traduz como ldquonor can one demonstrate that individuals are said of other things but only that other things are said of themrdquo Na linha 41 por sua vez a expressatildeo eacute recuperada novamente e o trecho τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται eacute traduzido por Mignucci como ldquoEgrave chiaro invece che le cose intermedie egrave possibile dimostrarle nei due modirdquo ao passo que por Striker como ldquoBut clearly the intermediate things admit [sc to be demonstrated] of bothrdquo 29 Tais termos natildeo se predicam de nenhum outro a natildeo ser κατὰ συμβεβηκός (43a 33minus35)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

25

predicados por conseguinte tambeacutem eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 25minus29 e 39minus40) (ii) termos de alta generalidade (summa genera eou τὰ πᾶσιν ἑπόμενα)30 natildeo lhes eacute possiacutevel atribuir outros termos como legiacutetimos predicados ndash de fato natildeo haacute termo anterior (πρότερον) que lhes possa ser atribuiacutedo por isso tampouco eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles no entanto eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos logo tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos (conferir 43a 29minus30 e 37minus39) (iii) termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos bem como lhes atribuir outros termos como legiacutetimos predicados em razatildeo disso tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 30minus32 e 40minus42)

Assim o que prevalece eacute que Aristoacuteteles jamais afastou de sua loacutegica qualquer das trecircs classes de termos apresentadas em Primeiros Analiacuteticos I 27 muito embora tenha endereccedilado certas restriccedilotildees atributivas a algumas delas 2 Primeiros Analiacuteticos I 28 e os Axiomas de Patzig

Patzig parece entender que o capiacutetulo 27 natildeo eacute merecedor de toda a atenccedilatildeo que lhe foi concedida por Ross e Lukasiewicz O capiacutetulo 28 em sua opiniatildeo eacute bem mais promissor no que diz respeito agrave questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera31 enquanto o capiacutetulo 27

30 Como Aristoacuteteles natildeo oferece exemplos de termos desse tipo deixamos indeterminado se satildeo summa genera como propotildee Ross ou transcategoriais de generalidade total (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como prefere Lukasiewicz (cf nota 3) 31 Patzig (1959 sect3 p 6)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

26

serviria mais como discussatildeo preparatoacuteria para os assuntos tratados no capiacutetulo seguinte

De fato haacute forte unidade entre esses textos O objetivo predominante que os vincula e orienta eacute anunciado no iniacutecio do capiacutetulo 27 e consiste em mostrar ldquode que modo sempre estaremos providos de silogismos em relaccedilatildeo ao que for proposto e por qual via alcanccedilamos os princiacutepios de cada coisardquo32 O capiacutetulo 27 contribui com esse objetivo na medida em que faz recomendaccedilotildees sobre como selecionar termos e premissas e classifica os fatores silogiacutesticos segundo as funccedilotildees (sujeito e predicado) que podem desempenhar de modo irrestrito em proposiccedilotildees silogiacutesticas A contribuiccedilatildeo do capiacutetulo 28 por sua vez estaacute associada aos procedimentos de prova de cada uma das quatro formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Esses procedimentos satildeo caracterizados basicamente pela descriccedilatildeo dos paracircmetros de localizaccedilatildeo do fator capaz de mediar os extremos (τά ἄκρα) na relaccedilatildeo categoacuterica acarretada na conclusatildeo Trata-se portanto de procedimentos de busca e localizaccedilatildeo do termo mediador (τὸ μέσον)

Assim para provar por exemplo a relaccedilatildeo universal afirmativa EaA prescreve Aristoacuteteles devemos encontrar um fator comum a duas listas (i) aquela de termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e (ii) aquela de termos que se atribuem universalmente ao extremo menor E33 O resultado seraacute o mediador M tal que MaA e EaM o que perfaz um silogismo em Barbara Semelhantemente para provar a relaccedilatildeo particular afirmativa EiA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um elemento comum agraves listas de (i) termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente ou seja agraves listas de termos que cada um dos extremos E e A ldquoacompanhardquo (ἕπεσθαι ou ακολουθεῖν) Nesse caso o termo comum M seraacute tal que MaA e MaE o que nos

32 An Pr I 27 43a 20ndash21 33 An Pr I 28 43b 39ndash43

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

27

permite concluir EiA por Darapti (terceira figura)34 Por sua vez a prova da relaccedilatildeo universal negativa EeA tambeacutem se valeraacute da identificaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios a um extremo e de (ii) termos que se atribuem universalmente ao outro extremo se o mediador M comum agraves duas listas for contraacuterio ao extremo maior A e universalmente atribuiacutedo ao extremo menor E o mediador M seraacute tal que MeA e EaM ou AeM e EaM possibilitando a prova de EeA (respectivamente) por Celarent e por Cesare mas se o mediador M for contraacuterio ao extremo menor E e universalmente atribuiacutedo ao extremo maior A M seraacute tal que AaM e EeM restringindo a prova de EeA a Camestres35 Por fim para provar a relaccedilatildeo particular negativa EoA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios ao extremo maior A e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente Assim o mediador M seraacute tal que MeA e MaE o que prova EoA por Felapton36

Em todas as recomendaccedilotildees do capiacutetulo 28 Aristoacuteteles se orienta pelas conclusotildees almejadas propondo a partir delas procedimentos de busca e localizaccedilatildeo dos fatores capazes de acarretar cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas A estrateacutegia de Aristoacuteteles portanto natildeo consiste em partir de premissas e deduzir os resultados que delas se seguem mas fazendo o caminho inverso consiste em partir da conclusatildeo e buscar o termo mediador capaz de articular os extremos na relaccedilatildeo categoacuterica (a e i ou o) da conclusatildeo

Por natildeo captar a natureza invertida dessa estrateacutegia Patzig natildeo compreendeu plenamente o que Aristoacuteteles propusera e julgou que o capiacutetulo 28 muito mais que o capiacutetulo 27 impunha severas restriccedilotildees agrave lista de termos capazes de figurar em silogismos aristoteacutelicos Na verdade o capiacutetulo 28 nem sequer trata da questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera mas limita-se a descrever os paracircmetros de

34 Ibidem 43b 43ndash44a 2 35 An Pr I 44a 2ndash8 36 An Pr I 28 44a 9ndash11

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

28

localizaccedilatildeo do mediador de cada forma categoacuterica Eacute claro que ao descrever esses paracircmetros Aristoacuteteles acaba por assumir certos pressupostos que em uacuteltimo caso podem ter algum efeito sobre a lista de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica Ainda assim eacute preciso observar que as recomendaccedilotildees apresentadas no capiacutetulo 28 satildeo pensadas em relaccedilatildeo agrave prova de cada proposiccedilatildeo categoacuterica em particular Por isso os pressupostos envolvidos nessas recomendaccedilotildees bem como as eventuais restriccedilotildees de termos que lhes sejam correlatas deveratildeo ter aplicaccedilatildeo circunscrita a cada caso isto eacute aos procedimentos de prova de cada conclusatildeo em particular

Patzig parece natildeo ter dado a devida atenccedilatildeo a esse detalhe pois embora compreenda os seus axiomas como pressupostos impliacutecitos das recomendaccedilotildees de Aristoacuteteles ndash recomendaccedilotildees cuja aplicaccedilatildeo estaacute circunscrita a cada caso ndash Patzig os assume como vaacutelidos para termos de todo e qualquer silogismo37 No entanto eacute flagrante que certos silogismos natildeo dependem de alguns de seus axiomas Um arquetiacutepico silogismo em Barbara por exemplo funciona perfeitamente bem sem pressupor para qualquer de seus termos a validade do terceiro axioma isto eacute sem pressupor que exista para qualquer de seus termos (ou mesmo para qualquer de seus extremos para ser fiel ao capiacutetulo 28) um termo que lhe seja ldquocontraacuteriordquo

Ao que tudo indica o que levou Patzig a estender a validade de seus axiomas sobre todos os silogismos eacute o trecho 44a 12minus17 em que Aristoacuteteles estipula letras para as listas de termos com as quais pretende trabalhar na exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova38 Na referida passagem Aristoacuteteles considera basicamente trecircs tipos de termos que se distinguem pelo termo extremo que lhes eacute correlato bem como pela relaccedilatildeo predicativa que cada um manteacutem com esse extremo Para cada extremo Aristoacuteteles estipula (i) termos que lhe satildeo atribuiacutedos universalmente (ii) termos aos quais ele proacuteprio se atribui universalmente e (iii) termos que natildeo lhe

37 Patzig (1959) sect3 p 6ndash7 38 An Pr I 28 44a 12minus17

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

29

podem ser atribuiacutedos Os termos de primeiro tipo devem ter servido de estiacutemulo para a necessidade de termos superordenados proacuteprios que eacute marca do segundo axioma de Patzig os termos de segundo tipo por sua vez para a necessidade de termos subordinados proacuteprios marca do primeiro axioma os de terceiro por fim para a necessidade de termos ldquocontraacuteriosrdquo marca do terceiro axioma

Eacute bem verdade que os termos estipulados por Aristoacuteteles envolvem certa analogia com os axiomas propostos por Patzig Mas eacute preciso notar em primeiro lugar que nenhum dos procedimentos de prova descritos por Aristoacuteteles depende da estipulaccedilatildeo dos trecircs tipos de termos39 A recomendaccedilatildeo de prova da proposiccedilatildeo particular afirmativa por exemplo requer apenas (ii) termos aos quais os extremos se atribuem universalmente40 O fato de Aristoacuteteles jaacute estipular de antematildeo trecircs tipos de termos para cada extremo natildeo torna obrigatoacuterio que todo e qualquer extremo (e muito menos que todo e qualquer termo silogiacutestico como prefere Patzig) independentemente do silogismo a que pertenccedila dependa dos trecircs tipos de termos estipulados precisamente porque a estipulaccedilatildeo desses termos estaacute ancorada em um par de extremos que eacute muito peculiar Esse par de extremos eacute pensado com propoacutesitos didaacuteticos orientados agrave exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova de cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas (a e i e o) Trata-se de um par de extremos que em benefiacutecio da exposiccedilatildeo eacute assumido como articulaacutevel em qualquer das relaccedilotildees categoacutericas Poreacutem essa assunccedilatildeo soacute faz sentido no contexto preciso dessa exposiccedilatildeo de procedimentos de prova afinal algumas dessas relaccedilotildees categoacutericas satildeo incompatiacuteveis entre si ndash por exemplo as relaccedilotildees universal afirmativa e particular negativa Por isso devemos presumir que as estipulaccedilotildees de termos que lhes datildeo suporte tambeacutem o satildeo e portanto natildeo podem valer em conjunto e para todos os casos

39 Idem 44a 17minus30 40 Ibidem 44a 19minus21

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

30

Para esclarecer esse ponto retomemos rapidamente os procedimentos de prova das proposiccedilotildees universal afirmativa e particular negativa41 Assumindo um mesmo par de extremos como faz Aristoacuteteles estaremos diante de proposiccedilotildees contraditoacuterias (EaA e EoA) Dado que tais proposiccedilotildees satildeo incompatiacuteveis as condiccedilotildees das quais elas satildeo provenientes tambeacutem o seratildeo Dizendo de outro modo a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (i) termos aos quais o extremo maior se atribui universalmente e (ii) termos que se atribuem universalmente ao extremo menor eacute incompatiacutevel com a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (irsquo) termos aos quais o extremo maior natildeo pode ser atribuiacutedo e (iirsquo) termos aos quais o extremo menor se atribui universalmente Assim em presenccedila das condiccedilotildees de prova de uma das proposiccedilotildees incompatiacuteveis as condiccedilotildees da outra poderatildeo ser dispensadas jaacute que satildeo condiccedilotildees requeridas para uma prova cuja possibilidade jaacute natildeo existe E natildeo haacute razatildeo para manter os termos estipulados e dispensar apenas a possibilidade de um termo comum entre as listas pois ambos os pressupostos satildeo requisitados para servir um uacutenico e mesmo propoacutesito o de estabelecer condiccedilotildees para a prova da relaccedilatildeo categoacuterica que se pretende obter Natildeo haacute uma razatildeo que justifique a manutenccedilatildeo das listas de termos estipulados em detrimento da possibilidade de um termo comum entre as listas pois o propoacutesito que introduz uma exigecircncia tambeacutem introduz a outra Sob essa perspectiva fica claro que os termos estipulados no trecho 44a 12minus17 natildeo podem ser pressupostos indispensaacuteveis de quaisquer termos silogiacutesticos tampouco pressupostos que devem ser satisfeitos em conjunto por termos de todo e qualquer silogismo Afinal Aristoacuteteles estipula cada uma das listas supondo que seus termos seratildeo candidatos agrave funccedilatildeo de mediador (e natildeo agrave funccedilatildeo de termos silogiacutesticos) e o faz segundo as exigecircncias especiacuteficas envolvidas na prova de cada relaccedilatildeo categoacuterica em particular (a e i ou o) Compreender tais listas como pressupostos

41 An Pr I 28 43b 39minus43 e 44a 9minus11

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

31

que devem ser satisfeitos por todo e qualquer termo silogiacutestico eacute um equiacutevoco

Em segundo lugar o capiacutetulo 28 natildeo parece estar orientado propriamente agrave prova silogiacutestica das formas categoacutericas mas em algum sentido agrave demonstraccedilatildeo de tais relaccedilotildees Haacute indiacutecios que sugerem essa leitura O principal deles talvez seja o fato de Aristoacuteteles se mostrar interessado em localizar um meson que fica no meio do caminho entre um mediador que satisfaz requisitos meramente dedutivos e um mediador que supera tais requisitos e se configura como um fator explanatoacuterio em uma legiacutetima demonstraccedilatildeo cientiacutefica42 Retomemos por exemplo as recomendaccedilotildees de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) Em 43b 43ndash44a 2 Aristoacuteteles recomenda a prova de EiA por premissas universais conduzindo a prova a um silogismo em Darapti embora admita a possibilidade de concluir proposiccedilotildees particulares a partir de um par de premissas em que apenas uma eacute universal (41b 22minus27) Em 44a 9ndash11 a exemplo do que ocorre com a prova de EiA Aristoacuteteles recomenda a prova de EoA novamente por premissas universais desta vez conduzindo a prova a um silogismo em Felapton Essas duas recomendaccedilotildees de prova pressupotildeem que o meson requisitado para a prova natildeo eacute um mediador meramente dedutivo mas um mediador que se articula com os extremos exclusivamente por relaccedilotildees universais Eacute claro que esse cenaacuterio ainda estaacute muito distante daquele que temos por exemplo no capiacutetulo 2 do Livro II de Segundos

42 Em uma demonstraccedilatildeo cientiacutefica natildeo basta que o mediador se relacione com os extremos de tal modo que a deduccedilatildeo da conclusatildeo esteja formalmente assegurada Aristoacuteteles ainda exige que o mediador satisfaccedila certos requisitos natildeo formais O principal deles eacute o de explicar adequadamente por que o extremo maior se atribui ao extremo menor (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 por exemplo essa diferenccedila (entre um mediador que satisfaz exigecircncias meramente dedutivas e um mediador que funciona como explicaccedilatildeo do fato relatado na conclusatildeo) eacute utilizada como criteacuterio baacutesico para distinguir o conhecimento de que C eacute A (conhecimento do fato) e o conhecimento de por que C eacute A (conhecimento da causa)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

32

Analiacuteticos (90a 6minus7) em que o meson eacute pensado como a causa que explica por que a relaccedilatildeo dada entre os extremos explicitada na conclusatildeo da demonstraccedilatildeo eacute o caso Mesmo assim temos o suficiente para mostrar que Aristoacuteteles natildeo estaacute levando em conta todos os silogismos de seu sistema loacutegico mas apenas aqueles nos quais ambas as premissas satildeo universais Por que razatildeo exatamente Aristoacuteteles faz essa escolha eacute algo a se investigar O que nos importa eacute que essa escolha restringe o escopo do capiacutetulo a um grupo especiacutefico de silogismos o que natildeo eacute compatiacutevel com a validade irrestrita dos axiomas propostos por Patzig

Em terceiro lugar Aristoacuteteles natildeo lida com as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo proacutepria superordenaccedilatildeo proacutepria e contrariedade mas prefere (i) termos que acompanham o extremo (τὰ ἑπόμενα) (ii) termos aos quais o extremo acompanha (οἷς αὐτὸ ἕπεται) e (iii) termos que natildeo podem ser atribuiacutedos ao extremo (ἃ μὴ ἐνδέχεται αὐτῷ ὑπάρχειν) Essa diferenccedila natildeo eacute apenas terminoloacutegica mas conceitual As relaccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias pressupotildeem termos que natildeo satildeo coextensivos se X eacute um termo subordinado proacuteprio de Y XaY eacute o caso mas YaX natildeo se Z eacute um termo superordenado proacuteprio de Y YaZ eacute o caso mas ZaY natildeo O proacuteprio Patzig reconhece essas consequumlecircncias ao formular os seus dois primeiros axiomas43 Aristoacuteteles no entanto ao se valer das relaccedilotildees de ldquoacompanhamentordquo entre os termos natildeo hesita em rejeitaacute-las No capiacutetulo 29 por exemplo Aristoacuteteles menciona a possibilidade de provar por hipoacutetese (συλλογίσασθαι ἐξ ὑποθέσεως) os problemas universais (a e e) assumindo precisamente a possibilidade de coextensatildeo entre os termos envolvidos possibilidade da qual Patzig parece prescindir ao formular seus axiomas A passagem agrave qual nos referimos eacute a seguinte

εἰ γὰρ τὸ Γ καὶ τὸ Η ταὐτὰ εἴη μόνοις δὲ ληφθείη τοῖς Η τὸ Ε ὑπάρχειν παντὶ ἂν τῷ Ε τὸ Α ὑπάρχοι καὶ πάλιν εἰ τὸ Δ καὶ Η ταὐτὰ μόνων δὲ τῶν Η τὸ Ε κατηγοροῖτο ὅτι οὐδενὶ τῷ Ε τὸ Α ὑπάρξει

43 Patzig (1959 sect3 p 6ndash7)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

33

Com efeito se C e G fossem o mesmo mas se assumisse que E se atribui apenas aos Grsquos A se atribuiria a todo E Novamente se D e G fossem o mesmo mas E se afirmasse apenas dos Grsquos A se atribuiraacute a nenhum E (45b 24minus27)

Em 44a 12minus17 Aristoacuteteles jaacute havia estipulado que a letra C representaria um termo ao qual o extremo maior A acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente tambeacutem foi estipulado que a letra G representaria um termo ao qual o extremo menor E acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente por fim ainda ficou decidido que a letra D representaria um termo que natildeo pode ser atribuiacutedo ao extremo maior A Assim a identidade entre C e G a exemplo do que ocorre em 44a 19minus21 conduz a prova de EiA a um silogismo em Darapti ao passo que a identidade entre D e G a exemplo do que ocorre em 44a 28minus30 conduz a prova de EoA a um silogismo em Felapton44 No entanto nessa passagem embora os procedimentos de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) sejam acionados aquilo que se quer mostrar eacute de que modo podemos provar por hipoacutetese (ἐξ ὑποθέσεως) as proposiccedilotildees universais Para alcanccedilar esse resultado Aristoacuteteles assume que o extremo menor E se atribui apenas (μόνον) a G o que pode ser interpretado como uma maneira diferente de dizer que E e G satildeo termos coextensivos Sinal disso eacute o seguinte ao assumir que E se atribui apenas a G Aristoacuteteles se vecirc autorizado a concluir as proposiccedilotildees universais EaA e EeA o que soacute faz sentido sob o pressuposto de que G e E satildeo termos coextensivos De fato sob tal pressuposto a premissa menor GaE pode ser ldquoconvertidardquo em EaG o que transforma Darapti em Barbara bem como Felapton em Celarent Mas se os termos aos quais o extremo menor E acompanha forem pensados como termos subordinados proacuteprios de E GaE seraacute o caso mas EaG natildeo Por conseguinte tampouco as conclusotildees EaA e EeA se seguiriam Assim se quisermos conferir sentido agrave passagem temos que assumir que Aristoacuteteles recorreu agrave possibilidade de construir silogismos com termos

44 Darapti CaA GaE rarr EiA (C=G) Felapton DeA GaE rarr EoA (D=G)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

34

que satildeo coextensivos e se assim for podemos dizer que para Aristoacuteteles a presenccedila de silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos em sua loacutegica natildeo causava qualquer inconveniente45

Segundo nos parece as razotildees alegadas ateacute aqui jaacute satildeo suficientes para mostrar que os axiomas de Patzig natildeo podem servir como criteacuterios delimitadores de termos silogiacutesticos Ainda assim vale a pena examinar duas passagens que eventualmente poderiam ser invocadas contra a interpretaccedilatildeo que propomos Embora natildeo sejam citadas pelos proponentes das opiniotildees tradicionais natildeo eacute difiacutecil imaginar que elas tenham servido de inspiraccedilatildeo para aqueles que defendem a exclusatildeo dos termos transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo De fato agrave primeira vista tais passagens podem nos levar a pensar que Aristoacuteteles natildeo guardou lugar para tais termos na silogiacutestica No entanto como veremos isso soacute eacute verdade agrave primeira vista

45 O capiacutetulo 29 natildeo eacute a uacutenica evidecircncia de silogismos com termos coextensivos na silogiacutestica No capiacutetulo 5 do Livro II de Primeiros Analiacuteticos precisamente em 57b 35minus58a 12 Aristoacuteteles trabalha com silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos Por sua vez no capiacutetulo 22 em 67b 27minus32 Aristoacuteteles inicia o texto dizendo que a coextensatildeo entre os termos extremos de um silogismo requer um mediador tambeacutem coextensivo o que revela por parte de Aristoacuteteles plena consciecircncia a respeito da existecircncia de silogismos com triacuteades coextensivas Nos Segundos Analiacuteticos o interesse de Aristoacuteteles por demonstraccedilotildees que envolvem termos coextensivos pode ser classificado como uma obsessatildeo Basta notar que a proacutepria demonstraccedilatildeo universal ndash aquela que eacute considerada por Aristoacuteteles como cientiacutefica no mais alto grau ndash tem como uma de suas principais caracteriacutesticas a coextensatildeo entre os trecircs termos do silogismo (cf Seg An I 4 73b 32minus74a 3) o que revela o papel central das triacuteades coextensivas no projeto aristoteacutelico que eacute inaugurado com a silogiacutestica e culmina nas demonstraccedilotildees cientiacuteficas (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 e II 16 Aristoacuteteles novamente recorre a termos coextensivos na formulaccedilatildeo de silogismos A nossa preferecircncia pela passagem 45b 24minus27 do capiacutetulo 29 de Primeiros Analiacuteticos se daacute apenas com base em sua conexatildeo indiscutiacutevel com o capiacutetulo 28 no qual Patzig julga encontrar seus axiomas

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

35

Uma das passagens agraves quais nos referimos eacute aquela com a qual Aristoacuteteles encerra o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I Vejamos o que diz Aristoacuteteles

ἔτι τὰ πᾶσιν ἑπόμενα οὐκ ἐκλεκτέον οὐ γὰρ ἔσται συλλογισμὸς ἐξ αὐτων διrsquo ἣν δrsquo αἰτίαν ἐν τοῖς ἑπομένοις ἔσται δῆλον Aleacutem disso natildeo eacute preciso selecionar os itens que acompanham todas as coisas pois natildeo haacute silogismo a partir deles A razatildeo disso ficaraacute evidente a seguir (43b 36minus38)

Essa passagem trata dos termos transcategoriais de generalidade total (τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) e delega a justificativa de seu proacuteprio pronunciamento ao capiacutetulo seguinte no qual Patzig encontrou inspiraccedilatildeo para seus axiomas No capiacutetulo 28 cumprindo o prometido Aristoacuteteles retoma esse assunto e reitera a impossibilidade de construir silogismos a partir de termos de generalidade total

φανερὸν οὖν ὅτι διὰ τῶν προειρημένων σχημάτων οἱ συλλογισμοὶ πάντες καὶ ὅτι οὐκ ἐκλεκτέον ὅσα πᾶσιν ἕπεται διὰ τὸ μηδένα γίγνεσθαι συλλογισμὸν ἐξ αὐτῶν κατασκευάζειν μὲν γὰρ ὅλως οὐκ ἦν ἐκ τῶν ἑπομένων ἀποστερεῖν δrsquo οὐκ ἐνδέχεται διὰ τοῦ πᾶσιν ἑπομένου δεῖ γὰρ τῷ μὲν ὑπάρχειν τῷ δὲ μὴ ὑπάρχειν Eacute evidente entatildeo que todos os silogismos vecircm a ser atraveacutes das figuras previamente mencionadas e que natildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisas porque nenhum silogismo vem a ser a partir deles De fato de modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanham e natildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outro (44b 19minus24)

Fora de contexto e em uma leitura mais apressada essas duas passagens podem nos levar a crer que a opiniatildeo tradicional que afasta da silogiacutestica os termos de generalidade total (como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) de fato encontra respaldo nos textos de Aristoacuteteles No entanto mais uma vez eacute preciso levar em conta que o capiacutetulo 28 eacute marcado pela

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

36

descriccedilatildeo de estrateacutegias de localizaccedilatildeo de termos mediadores e natildeo de termos em geral Dizendo de outro modo Aristoacuteteles natildeo estaacute interessado em localizar os termos que deveratildeo encerrar a conclusatildeo de um silogismo pelo contraacuterio tais termos jaacute estatildeo plenamente determinados bem como a relaccedilatildeo proposicional (a e i e o) que haacute entre eles dado que a conclusatildeo na qual interagem funciona como ponto de partida da investigaccedilatildeo empreendida no capiacutetulo O que interessa para Aristoacuteteles eacute a localizaccedilatildeo de termos mediadores e eacute nesse horizonte que tais passagens devem ser lidas Assim ao negar a possibilidade de construir silogismos a partir de termos transcategoriais de generalidade total (ἐξ αὐτῶν) o que Aristoacuteteles quer dizer eacute que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos46 nos quais a funccedilatildeo de mediador seja desempenhada por um termo desse tipo razatildeo pela qual na busca pelo mediador recomenda Aristoacuteteles ldquonatildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisasrdquo (44b 20minus21) Para justificar essa recomendaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta duas razotildees (i) ldquode modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanhamrdquo (44b 22minus23) (ii) ldquonatildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outrordquo (44b 23minus24) Na primeira razatildeo Aristoacuteteles parece reconsiderar as listas de termos estipuladas no trecho 44a 11minus17 pressupondo ao que tudo indica que os transcategoriais de generalidade total soacute podem figurar em listas de termos que acompanham os extremos Isso se justificaria pela natureza inapta de tais termos para o papel de sujeito em proposiccedilotildees silogiacutesticas conforme se constata no capiacutetulo I 27 Assim na medida em que nas provas afirmativas a busca pelo mediador natildeo envolve

46 Na verdade como o escopo do capiacutetulo 28 natildeo abarca todo e qualquer silogismo seria mais correto dizer que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos (nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas) assumindo um termo de generalidade total na funccedilatildeo de mediador

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

37

apenas a lista de termos que acompanham um dos extremos mas tambeacutem a lista de termos aos quais um dos extremos acompanha (ver 43b 39minus44a 2) os transcategoriais de generalidade total perdem a candidatura agrave funccedilatildeo de mediador e jaacute de saiacuteda nem sequer precisam ser considerados47 Na segunda razatildeo por sua vez Aristoacuteteles leva em conta o fato de que as provas negativas dependem de um mediador capaz de figurar em proposiccedilotildees universais negativas verdadeiras exigecircncia que natildeo estaacute no alcance dos termos de generalidade total Afinal se estamos diante de um transcategorial desse tipo de antematildeo jaacute assumimos a inexistecircncia de um termo do qual ele natildeo seja predicado Assim os termos de generalidade total ficam impedidos de serem atribuiacutedos a um extremo e natildeo atribuiacutedos ao outro (44b 24) como deve ser o mediador de um silogismo negativo

O que eacute verdade portanto eacute que Aristoacuteteles dispensa os termos de generalidade total da funccedilatildeo de mediador De fato quando se pretende construir silogismos nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas tal como ocorre no capiacutetulo 28 a busca do mediador entre transcategoriais de generalidade total eacute sempre infrutiacutefera porque soacute poderaacute devolver como resposta pretensos fatores de mediaccedilatildeo marcados por duas deficiecircncias principais a

47 Supomos que em tais passagens Aristoacuteteles de fato tem em mente as recomendaccedilotildees de prova apresentadas no iniacutecio do capiacutetulo 28 de modo que apenas os silogismos em Barbara e Darapti sejam considerados como silogismos afirmativos (cf 43b 39minus44a 2) Assim entendemos que o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 se justificaria porque os termos de generalidade total na prova de a natildeo podem integrar a lista de termos aos quais o extremo maior acompanha bem como na prova de i a lista de termos aos quais ambos os extremos acompanham No entanto ainda que os demais silogismos afirmativos sejam levados em conta o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 continua verdadeiro jaacute que Darii Disamis e Datisi tambeacutem exigem que o mediador esteja entre os termos aos quais o(s) extremo(s) acompanha(m)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

38

impossibilidade de desempenhar a funccedilatildeo de sujeito de modo legiacutetimo e a incapacidade de compor proposiccedilotildees negativas verdadeiras

Nenhuma das passagens mencionadas acima (43b 36minus38 e 44b 19minus24) eacute citada ndash nem por Lukasiewicz nem por Patzig ndash como evidecircncia de que Aristoacuteteles teria rejeitado os termos de generalidade total em seu sistema loacutegico Poreacutem diante da escassez de evidecircncias em favor da suposta exclusatildeo de tais termos natildeo eacute insensato presumir que os proponentes dessa exclusatildeo tenham encontrado inspiraccedilatildeo nelas

Na proacutexima seccedilatildeo examinaremos textos nos quais Aristoacuteteles constroacutei silogismos com termos de natureza singular Veremos que o incocircmodo com a presenccedila de tais termos na silogiacutestica eacute menos de Aristoacuteteles e mais de seus inteacuterpretes 3 Termos Singulares e o Silogismo Peripateacutetico

Jaacute comentamos o fato de Lukasiewicz ter feito pesadas criacuteticas agrave silogiacutestica em especial ao suposto fato de Aristoacuteteles ter afastado os termos de natureza singular de seu sistema loacutegico o que seria segundo Lukasiewicz ldquoo maior defeitordquo da loacutegica aristoteacutelica48 Ao que parece o responsaacutevel por levaacute-lo por esse caminho foi Ross que tomou nota do tambeacutem suposto fato de Aristoacuteteles nunca se valer de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos49 Lukasiewicz reiterou a constataccedilatildeo de Ross (embora natildeo o cite) e nela encontrou razatildeo para natildeo reconhecer como rigorosamente aristoteacutelico o silogismo que qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo silogismo formulado em primeira figura com um nome proacuteprio como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo

De acordo com a triparticcedilatildeo de termos que pudemos conhecer no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I (Seccedilatildeo II Parte 1) natildeo temos qualquer razatildeo para expulsar da silogiacutestica os termos de natureza singular Eacute

48 Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect3 p 6) 49 Ross (1949 p 289 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

39

claro que Aristoacuteteles natildeo deixa de lhes endereccedilar certas restriccedilotildees poreacutem vale a pena repetir nenhuma das restriccedilotildees introduzidas por Aristoacuteteles no referido capiacutetulo tem forccedila suficiente para expulsar os termos singulares da loacutegica aristoteacutelica De fato embora tais termos natildeo possam figurar em proposiccedilotildees como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nada impede que outros termos lhes sejam atribuiacutedos por conseguinte embora natildeo possam ser demonstrados como legiacutetimos predicados de outros termos nada impede que outros termos sejam demonstrados como predicados deles50

Fora dos Analiacuteticos jaacute esbarramos em indiacutecios que vatildeo nessa direccedilatildeo No capiacutetulo 10 de Metafiacutesica XIII (My) por exemplo haacute uma breve passagem que sugere esse resultado Enquanto argumenta em favor da tese de que ldquoo conhecimento eacute de universaisrdquo (ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου) Aristoacuteteles parece supor que os termos singulares ldquoeste triacircngulordquo e ldquoeste homemrdquo tambeacutem satildeo suscetiacuteveis de operaccedilotildees silogiacutesticas

[] ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου δῆλον δrsquo ἐκ τῶν ἀποδείξεων καὶ τῶν ὁρισμῶν οὐ γὰρ γίγνεται συλλογισμὸς ὅτι τόδε τὸ τρίγωνον δύο ὀρθαῖς εἰ μὴ πᾶν τρίγωνον δύο ὀρθαί οὐδrsquo ὅτι ὁδὶ ὁ ἄνθρωπος ζῷον εἰ μὴ πᾶς ἄνθρωπος ζῷον [] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos a natildeo ser que todo triacircngulo possua dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal a natildeo ser que todo homem seja animal (1086b 34minus37)

Poreacutem essa passagem natildeo eacute tatildeo simples quanto pode parecer agrave primeira vista51 Paul Shorey por exemplo reprovaria jaacute a traduccedilatildeo que

50 An Pr I 27 43a 25minus29 e 39minus40 Ao comentar o capiacutetulo 27 Mignucci (1969 p 443) tambeacutem reconhece a possibilidade ldquodi costruire dimostrazioni e sillogismi anche relativamente a singolarirdquo citando Alexandre que tambeacutem jaacute a observa em seus comentaacuterios (An Pr p 293 13minus23) 51 Shorey (1913)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

40

propomos porque ela faz crer que Aristoacuteteles estabelece uma relaccedilatildeo de dependecircncia dedutiva (silogiacutestica) entre proposiccedilotildees dependecircncia que de fato existe mas da qual para Shorey a passagem em questatildeo natildeo trataria De acordo com Shorey as ocorrecircncias de εἰ μὴ nas linhas 33 e 36 natildeo significam ldquo[] lsquounlessrsquo but is to be taken in its idiomatic sense as a virtual equivalent of ἀλλάrdquo Nesse caso uma traduccedilatildeo mais fiel agrave posiccedilatildeo de Shorey seria a seguinte

[] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos mas de que todo triacircngulo tem dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal mas de que todo homem eacute animal (1086b 34minus37)

Assim o texto estabeleceria natildeo que as proposiccedilotildees singulares no papel de conclusotildees silogiacutesticas satildeo (dedutivamente) dependentes das proposiccedilotildees universais mas que as conclusotildees propriamente silogiacutesticas satildeo universais (universalmente quantificadas) e natildeo singulares

Ross52 ao tratar dessa passagem natildeo deixa de comentar a posiccedilatildeo de Shorey

He [Shorey] argues that in l 33 knowledge is said to be lsquoofrsquo universals ie to have universal conclusions as well as universal premises [hellip] and that singular propositions never occur as conclusions in Aristotlersquos logical writings

Na verdade Shorey53 natildeo chega a dizer que proposiccedilotildees singulares nunca ocorrem como conclusotildees silogiacutesticas nos escritos loacutegicos de Aristoacuteteles embora passe perto disso

The syllogism with a particular54 conclusion is an inferior type (Analyt Post 79a 25ff) [hellip] Aristotle does not recognize singular proposition in his classification (Analyt Priora A1 Grote Aristotle I 205) and the

52 Ross (1953 p 464) 53 Shorey (1913 p 91) 54 Nesse contexto Shorey assume ldquoparticularrdquo e ldquosingularrdquo como equivalentes

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

41

conclusion to an individual case interests him very little and is practically ignored

Shorey tem alguma razatildeo em alegar que os silogismos que concluem proposiccedilotildees singulares (tambeacutem conhecidos como ldquoperipateacuteticosrdquo) satildeo de um tipo inferior especialmente quando se leva em conta o horizonte das demonstraccedilotildees cientiacuteficas55 mas erra quando recorre ao trecho 79a 25ss para dar base textual a tal alegaccedilatildeo ndash o referido trecho nem mesmo trata desse assunto Por sua vez e contra Shorey Ross56 surpreende ao alegar o seguinte

There are however occasional references in Aristotle to the occurrence of singular propositions as the minor premise or conclusion of syllogisms (eg An Pr 43a 37minus40) []

55 Para Aristoacuteteles o silogismo dito cientiacutefico no mais alto grau eacute a chamada demonstraccedilatildeo universal Eacute importante notar que aqui o adjetivo ldquouniversalrdquo tem um sentido muito preciso e natildeo se justifica pela mera ocorrecircncia de uma conclusatildeo universalmente quantificada Em Segundos Analiacuteticos I 4 73b 32minus74a 3 por exemplo Aristoacuteteles argumenta que a demonstraccedilatildeo universal natildeo conclui que todo isoacutesceles tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos mas que todo triacircngulo tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos revelando um requisito que envolve o ajuste preciso do extremo menor a partir de condiccedilotildees estabelecidas pelo extremo maior (cf Seg An I 5 74a 4minus6 13minus17 25minus32 74b 21minus26 I 24 85b 4minus15) Para Aristoacuteteles o predicado ldquoter a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retosrdquo ndash daqui para frente apenas ldquo2Rrdquo ndash se atribui a ldquoisoacutescelesrdquo de um modo que em algum sentido eacute parasitaacuterio da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo dado que isoacutesceles tem 2R na exata medida em que eacute triacircngulo Em outras palavras a atribuiccedilatildeo de ldquo2Rrdquo a ldquoisoacutescelesrdquo eacute entendida como indireta e dependente da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo Nesse contexto eacute natural presumir que um silogismo peripateacutetico seja concebido como inferior em relaccedilatildeo aos demais minus especialmente no que diz respeito ao grau de cientificidade minus jaacute que sua conclusatildeo natildeo poderaacute satisfazer as exigecircncias de uma legiacutetima conclusatildeo cientiacutefica tal como ocorre em uma demonstraccedilatildeo universal Jaacute quanto agraves propriedades dedutivas envolvidas em tal silogismo natildeo haacute razatildeo para consideraacute-lo inferior Para apreciaccedilatildeo detalhada da noccedilatildeo de demonstraccedilatildeo universal ver Angioni (2007) 56 Ross (1953 p 464)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

42

Ross supotildee que o argumento de Shorey pretende estabelecer a exclusatildeo dos termos singulares do domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica e aponta a passagem 43a 37minus40 como evidecircncia textual incompatiacutevel com essa exclusatildeo Temos aqui uma mudanccedila de opiniatildeo De fato conforme pudemos ver na primeira seccedilatildeo deste artigo ao tratar do trecho 43a 37minus43 na ediccedilatildeo comentada do texto grego de Primeiros e Segundos Analiacuteticos Ross chega a dizer que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares em seus exemplos de silogismos e argumenta em favor de uma silogiacutestica restrita a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ)57 Agora ao comentar a passagem 1086a 34minus37 de Metafiacutesica XIII (My) 10 Ross reconhece no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I uma evidecircncia em favor da inclusatildeo dos termos singulares na silogiacutestica Aparentemente o proacuteprio Ross natildeo tinha muita convicccedilatildeo a respeito da inclusatildeo ou exclusatildeo dos termos de natureza singular

De nossa parte admitimos que a passagem 1086a 34minus37 eacute digna da controveacutersia introduzida por Shorey ndash embora tenhamos mais apreccedilo pela interpretaccedilatildeo de Ross No entanto mesmo que Shorey tenha razatildeo a respeito do referido trecho de Metafiacutesica XIII (My) 10 a presenccedila de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares na silogiacutestica natildeo estaraacute ameaccedilada porque ainda podemos nos valer de passagens muito mais promissoras para decidir essa questatildeo passagens nas quais o proacuteprio Aristoacuteteles elabora cocircmputos silogiacutesticos com termos singulares como se a presenccedila deles na silogiacutestica natildeo lhe figurasse como uma anomalia

Patzig tinha conhecimento dessas passagens e fez questatildeo de citaacute-las no primeiro capiacutetulo de seu livro corrigindo o suposto fato alegado por Ross e Lukasiewicz de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos exemplos de silogismos que aparecem em Primeiros Analiacuteticos No entanto Patzig natildeo recorre a tais passagens a fim de reintroduzir os termos singulares na silogiacutestica mas procura

57 Idem 1949 p 384

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

43

desqualificaacute-las e assim reiterar os resultados de seus antecessores De fato embora reconheccedila as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 do Livro I bem como de ldquoPitacosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II Patzig manteacutem a posiccedilatildeo tradicional que afasta os termos de natureza singular da loacutegica aristoteacutelica alegando apenas que a ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo (70a 16minus20) se daacute em um silogismo invaacutelido ao passo que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo (47b 15ss) aparecem em premissas das quais nada se segue58

Eacute bem verdade que as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 de Primeiros Analiacuteticos I estatildeo associadas a pares de premissas dos quais nenhuma conclusatildeo se segue coisa que o proacuteprio Aristoacuteteles natildeo hesita em admitir No entanto embora sejam inconcludentes esses pares de premissas acomodam seus termos em disposiccedilotildees muito similares agravequelas de um silogismo vaacutelido (Barbara)59 o que lhes confere as feiccedilotildees de que satildeo concludentes quando na verdade natildeo o satildeo De acordo com Aristoacuteteles o que os impede de serem concludentes eacute o fato de que a premissa maior natildeo eacute universal60 Em 47b 26minus28 essa justificativa eacute apresentada por meio de um pronunciamento que merece alguma atenccedilatildeo Aristoacuteteles anuncia o fato de a premissa maior natildeo ser universal como quem supotildee que fosse ela universal o problema estaria resolvido e assim o par de premissas seria concludente61 Ora na medida em que Aristoacuteteles atribui o caraacuteter inconcludente dos pares de premissas precisamente agraves premissas maiores (e natildeo agraves premissas menores nas quais ocorrem os termos singulares) presume-se que esses termos natildeo introduzem qualquer caracteriacutestica censuraacutevel nos silogismos ali formulados Assim o fato de que natildeo estamos diante de pares de premissas concludentes por si soacute natildeo eacute

58 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 59 An Pr I 33 47b 21minus37 60 Idem 47b 26minus29 34minus37 e 38minus39 61 O uso contrafactual de ἔδει na linha 27 sugere essa leitura

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

44

suficiente para recusar ao capiacutetulo 33 o papel de evidecircncia em favor de tais termos na silogiacutestica62

Quanto agrave ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo em Primeiros Analiacuteticos II 27 (70a 16minus20) Patzig tem alguma razatildeo em alegar que ela se daacute em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido No entanto eacute preciso ajustar essa alegaccedilatildeo porque Aristoacuteteles natildeo descreve o argumento em questatildeo propriamente como um silogismo mas como um sinal (σημεῖον) e ao que parece um sinal e um silogismo ndash um legiacutetimo silogismo e natildeo um mero entimema ndash estatildeo longe de ser a mesma coisa63 Aleacutem disso temos uma ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo no mesmo capiacutetulo que eacute bem mais relevante para a discussatildeo mas que foi completamente ignorada pelos comentadores

Em 70a 26minus28 Aristoacuteteles formula dois silogismos nos quais aparece o termo singular ldquoPitacosrdquo Um deles eacute descrito como refutaacutevel (λύσιμος)64 basicamente porque a conclusatildeo natildeo se segue das premissas65 Natildeo precisamos nos deter nele Por ora o silogismo que fora introduzido algumas linhas antes e que foi descrito por Aristoacuteteles como irrefutaacutevel (ἄλυτος)66 eacute muito mais interessante Esse silogismo tem exatamente a formulaccedilatildeo paradigmaacutetica que Lukasiewicz qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo e agrave qual negou lugar na loacutegica aristoteacutelica Vale a pena citar essa passagem para marcar bem a presenccedila desse tipo de silogismo na loacutegica de Aristoacuteteles

62 M Malink (2009 p 119) por exemplo contrariando Patzig aponta o capiacutetulo I 33 minus bem como II 27 do qual trataremos a seguir minus como evidecircncia em favor de termos singulares na silogiacutestica Ver tambeacutem Mignucci ldquoAristotlersquos Theory of Predicationrdquo p 10 ldquoParts Quantification and Aristotelian Predicationrdquo p 11 e Barnes ldquoTruth etcrdquo p 158-166 63 An Pr II 27 70a 24minus25 64 Ibidem 30minus31 e 34minus35 65 Ibidem 27minus28 e 30minus32 66 Ibidem 29

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

45

Ἐὰν μὲν οὖν ἡ μία λεχθῇ πρότασις σημεῖον γίνεται μόνον ἐὰν δὲ καὶ ἡ ἑτέρα προσληφθῇ συλλογισμός οἷον ὅτι Πιττακὸς ἐλευθέριος οἱ γὰρ φιλότιμοι ἐλευθέριοι Πιττακὸς δὲ φιλότιμος Assim se somente uma premissa for assumida haacute apenas um sinal ao passo que se a outra premissa tambeacutem for assumida entatildeo haacute um silogismo por exemplo lsquoPitacos eacute destemido pois os homens de brio satildeo destemidos e Pitacos eacute homem de briorsquo (70a 24minus27)67

A descriccedilatildeo eacute inusitada porque Aristoacuteteles comeccedila pela conclusatildeo Mas isso natildeo prejudica o resultado a que queremos chegar O nome proacuteprio ldquoPitacosrdquo eacute sem duacutevida o extremo menor que aparece como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo ldquodestemidordquo eacute o extremo maior predicado da premissa maior e da conclusatildeo por fim a funccedilatildeo de mediador fica por conta de ldquohomem de briordquo Em uma reconstituiccedilatildeo um pouco mais formalizada temos o seguinte silogismo todo homem de brio eacute destemido Pitacos eacute (um) homem de brio logo Pitacos eacute destemido

O leitor mais desconfiado talvez hesite em aceitar que a premissa maior ldquoos homens de brio satildeo destemidosrdquo possa ser formalizada com um quantificador universal mas haacute sinais claros de que eacute assim que devemos concebecirc-la Em primeiro lugar Aristoacuteteles reconhece a legitimidade desse silogismo e supotildee que a conclusatildeo decorre das premissas o que por si soacute jaacute pressupotildee a universalidade da premissa maior Caso contraacuterio a conclusatildeo natildeo se impotildee Em segundo lugar haacute um pequeno detalhe que causa surpresa nesse capiacutetulo e que merece atenccedilatildeo de nossa parte Aristoacuteteles justifica o caraacuteter irrefutaacutevel do mencionado silogismo alegando que se trata de um silogismo universal (καθόλου γὰρ ἐστιν cf 70a 30) Ora como se sabe Aristoacuteteles descreve como universais precisamente aqueles silogismos nos quais a conclusatildeo eacute universal quais sejam Barbara Celarent Cesare e Camestres Por isso ao caracterizar o ldquosilogismo peripateacuteticordquo como um silogismo universal

67 As traduccedilotildees de φιλότιμος e ἐλευθέριος certamente satildeo discutiacuteveis mas em nada afetam os nossos objetivos

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

46

Aristoacuteteles pode querer sinalizar que em algum sentido a conclusatildeo ldquoPitacos eacute destemidordquo deva ser compreendida como uma proposiccedilatildeo fundada em uma atribuiccedilatildeo universal68 como se o referido ldquosilogismo peripateacuteticordquo precisamente em razatildeo disso fosse digno do mesmo status concedido aos demais silogismos universais (Barbara Celarente Cesare e Camestres) Essa leitura sugere que a concepccedilatildeo aristoteacutelica de atribuiccedilatildeo universal talvez deva ser repensada jaacute que ela daacute sinais de se estender sobre casos para os quais natildeo cabe falar em quantificadores (universais) ndash eacute o que parece ocorrer no ldquosilogismo peripateacuteticordquo acima mencionado

O aprofundamento desse ponto no entanto eacute algo que ultrapassa o escopo da presente investigaccedilatildeo e seu exame deve ser deixado para outra ocasiatildeo A essa altura o objetivo principal desta seccedilatildeo jaacute nos parece ter sido alcanccedilado pois consiste apenas em mostrar o que os leitores menos versados nos Analiacuteticos jaacute perceberam haacute muito tempo a saber que o chamado ldquosilogismo peripateacuteticordquo natildeo soacute faz parte da loacutegica aristoteacutelica mas mais do que isso ainda pode desfrutar de um lugar privilegiado no interior da silogiacutestica entre os chamados ldquosilogismos universaisrdquo Diante desse quadro natildeo haacute duacutevida de que os termos de natureza singular tecircm lugar garantido na loacutegica de Aristoacuteteles69

68 Provavelmente foi inspirado em passagens como essa que J N Keynes (1906 p 102) sugeriu conceber as proposiccedilotildees singulares como uma subclasse de proposiccedilotildees universais Lukasiewicz tomou nota dessa possibilidade e a considerou totalmente equivocada Mas para isso ignorou completamente o trecho 70a 24minus30 69 Agradeccedilo ao professor Lucas Angioni (Unicamp) pela prontidatildeo na leitura de versotildees preacutevias deste artigo pelas indicaccedilotildees de passagens para reforccedilar o argumento e pelas alteraccedilotildees de texto sugeridas as quais certamente contribuiacuteram para melhorar o resultado final aqui apresentado Agradeccedilo tambeacutem aos professores Raphael Zillig (UFRGS) e Inara Zanuzzi (UFRGS) pela oportunidade de discutir alguns resultados provisoacuterios deste artigo no Seminaacuterio sobre Primeiros Analiacuteticos I 27 organizado pelo professor Raphael e realizado na UFRGS no ano de 2011 Por fim tambeacutem agradeccedilo aos

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

47

REFEREcircNCIAS

ANGIONI L ldquoO Conhecimento Cientiacutefico no Livro I dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesrdquo Revista de Filosofia Antiga (online) vol 1 n 1 2007 (httpwwwfilosofiaantigacomdocuments23html)

BARNES J (ed) Aristotle Prior Analytics (trans by A J Jenkinson in Barnes 1984 vol 1 p 39minus113)

mdashmdashmdashmdash Truth etc Six Lectures on Ancient Logic Oxford Clarendon Press 2007

BOCHENSKI J Ancient Formal Logic Amsterdam North-Holland Publishing 1951

CORCORAN J ldquoCompleteness of an Ancient Logicrdquo Journal of Symbolic Logic 37 696minus702 1972

KEYNES J N Studies and Exercises in Formal Logic (fourth edition rewritten and enlarged) New York The Macmillan Company 1906

LUKASIEWICZ J Aristotlersquos Syllogistic from the Standpoint of Modern Formal Logic Oxford Clarendon Press 1951

MALINK M ldquoA Non-Extensional Notion of Conversion in the Organonrdquo Oxford Studies in Ancient Philosophy Vol XXXVII p 106minus141 Oxford University Press 2009

MIGNUCCI M Aristotele Gli analitici primi ndash Traduzione introduzione e commento Naples Loffredo 1969

companheiros de pesquisa Francine Maria Ribeiro e Mateus Ricardo Fernandes Ferreira (UEMminusPR) pela leitura das primeiras versotildees desse texto e pelas proveitosas sugestotildees que me fizeram

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

48

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Theory of Predication in I Angelilli and M Cerezo (eds) Studies in the History of Logic 1minus20 Berlin 1996

mdashmdashmdashmdash Parts Quantification and Aristotelian Predication Monist 83 3minus21 2000

PATZIG G Aristotlersquos Theory of the Syllogism A Logico-Philosophical Study of Book A of the Prior Analytics Translated by Jonathan Barnes Dordrecht Reidel 1959

ROSS W D Aristotlersquos Prior and Posterior Analytics Oxford Clarendon Press 1949

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Metaphysics Oxford Clarendon Press 1953 (1924)

SHOREY P ldquoA Note on Aristotlersquos Metaphysics 1086b 32minus37rdquo Classical Philology Vol 8 n 1 pp 90minus92 1913

SMITH R Aristotle Prior Analytics Indianapolis Hackett Publishing Company 1989

STRIKER G Aristotle Prior Analytics Book I Oxford Clarendon Press 2009

Page 16: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

20

Καλλίας καὶ τὸ καθrsquo ἕκαστον καὶ αἰσθητόν) κατὰ δὲ τούτων ἄλλα (καὶ γὰρ ἄνθρωπος καὶ ζῷον ἑκάτερος τούτων ἐστί) τὰ δrsquo αὐτὰ μὲν κατrsquo ἄλλων κατηγορεῖται κατὰ δὲ τούτων ἄλλα πρότερον οὐ κατηγορεῖται τὰ δὲ καὶ αὐτὰ ἄλλων καὶ αὐτῶν ἕτερα οἷον ἄνθρωπος Καλλίου καὶ ἀνθρώπου ζῷον ὅτι μὲν οὖν ἔνια τῶν ὄντων κατrsquo οὐδενὸς πέφυκε λέγεσθαι δῆλον τῶν γὰρ αἰσθητῶν σχεδὸν ἕκαστόν ἐστι τοιοῦτον ὥστε μὴ κατηγορεῖσθαι κατὰ μηδενὸς πλὴν ὡς κατὰ συμβεβηκός φαμὲν γάρ ποτε τὸ λευκὸν ἐκεῖνο Σωκράτην εἶναι καὶ τὸ προσιὸν Καλλίαν ὅτι δὲ καὶ ἐπὶ τὸ ἄνω πορευομένοις ἵσταταί ποτε πάλιν ἐροῦμεν νῦν δrsquo ἔστω τοῦτο κείμενον [2] κατὰ μέν οὖν τούτων οὐκ ἔστιν ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον ἕτερον πλὴν εἰ μὴ κατὰ δόξαν ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων οὐδὲ τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται (καὶ γὰρ αὐτὰ κατrsquo ἄλλων καὶ ἄλλα κατὰ τούτων λεχθήσεται) καὶ σχεδὸν οἱ λόγοι καὶ αἱ σκέψεις εἰσὶ μάλιστα περὶ τούτων [1] Entre todos os entes alguns satildeo tais que natildeo se afirmam de nenhum outro verdadeiramente como universais (por exemplo Cleon e Caacutelias ou seja o particular e o sensiacutevel) mas outros se afirmam deles de fato cada um desses eacute tanto homem quanto animal Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros mas nenhum outro anterior se afirma deles Alguns satildeo eles proacuteprios afirmados de outros e outros satildeo afirmados deles por exemplo homem que se afirma de Caacutelias e do qual animal se afirma Assim eacute evidente que certas coisas por natureza natildeo se dizem de nenhuma outra de fato em geral entre as coisas sensiacuteveis cada uma eacute tal que natildeo se afirma de nenhuma outra a natildeo ser por acidente com efeito agraves vezes dizemos que aquele branco eacute Soacutecrates e que aquele que se aproxima eacute Caacutelias (Ainda diremos por que tambeacutem para cima em algum momento a seacuterie se interrompe Mas por ora seja assumido isso) [2] Assim acerca dessas coisas natildeo eacute possiacutevel demonstrar outra sendo afirmada (a natildeo ser segundo opiniatildeo) mas eacute possiacutevel demonstrar elas proacuteprias sendo afirmadas de outras Tampouco eacute possiacutevel demonstrar as coisas particulares sendo afirmadas de outras mas eacute possiacutevel demonstrar outras sendo afirmadas delas Jaacute das coisas que ficam entre essas eacute evidente que eacute possiacutevel demonstrar afirmando de ambos os modos pois tanto elas seratildeo ditas de outras quanto outras seratildeo ditas delas Grosso modo os argumentos e as investigaccedilotildees satildeo sobretudo acerca dessas coisas (43a 25minus43)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

21

A mais natural divisatildeo que podemos impor agrave passagem acima exige duas seccedilotildees

[1] Na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes compreendidos como fatores de atribuiccedilatildeo e classificados segundo as funccedilotildees que cada classe de termos pode desempenhar em proposiccedilotildees destinadas a operaccedilotildees silogiacutesticas A passagem eacute inaugurada com um pronunciamento a respeito de todos os entes ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων Por isso ao que tudo indica essa divisatildeo tripartite eacute exaustiva e natildeo deixa de fora nenhuma classe de termos Os resultados provenientes dessa classificaccedilatildeo trazem certas restriccedilotildees agrave atuaccedilatildeo de alguns termos na silogiacutestica nas linhas 25minus29 Aristoacuteteles nega que os termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) possam desempenhar o papel de legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nas linhas 29minus30 rejeita a possibilidade de atribuir aos termos de alta generalidade um termo que lhes seja anterior (πρότερον) Conforme jaacute o dissemos essas restriccedilotildees passam longe da exclusatildeo de qualquer das classes de termos apresentadas no referido trecho do capiacutetulo 27 A principal evidecircncia disso aparece na imediata sequumlecircncia do texto em que Aristoacuteteles avalia os efeitos dessas restriccedilotildees sobre as demonstraccedilotildees Isso nos leva agrave segunda seccedilatildeo

[2] Na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) satildeo explicitadas as consequumlecircncias que as restriccedilotildees apresentadas na seccedilatildeo anterior (43a 25minus37) produziratildeo nas demonstraccedilotildees24 Nas linhas 37minus39 Aristoacuteteles se pronuncia a respeito dos termos de alta generalidade (summa genera

24 Eacute bem verdade que em relaccedilatildeo ao cenaacuterio que temos em Segundos Analiacuteticos I 2 a noccedilatildeo de apodeixis que aparece no capiacutetulo 27 ainda exige muitos aperfeiccediloamentos mas natildeo nos parece justo entendecirc-la meramente como prova silogiacutestica jaacute que ela envolve exigecircncias de ordem atributiva que restringem as provas denotadas pela noccedilatildeo de apodeixis assumida no capiacutetulo a um subgrupo da noccedilatildeo mais geral de silogismo As provas silogiacutesticas formuladas em Primeiros Analiacuteticos II 15 por exemplo ficam de fora do grupo de silogismos dos quais o capiacutetulo 27 pretende dar conta Assim sendo optamos por manter a traduccedilatildeo de apodeixis por ldquodemonstraccedilatildeordquo e natildeo por ldquoprovardquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

22

eou transcategoriais) a possibilidade de demonstrar qualquer outro termo a respeito deles eacute recusada25 mas a de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute afirmada textualmente Nas linhas 39minus40 o pronunciamento se faz a respeito dos termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) a possibilidade de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute recusada mas a de demonstrar outros termos a respeito deles tambeacutem eacute afirmada Nas linhas 40minus42 Aristoacuteteles trata dos termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) e natildeo lhes impotildee nenhuma restriccedilatildeo eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles26

Por fim nas linhas 42minus43 Aristoacuteteles encerra a passagem com um pronunciamento de caraacuteter geral e conclusivo pronunciamento que ao contraacuterio do que Ross sugeriu e mais tarde Lukasiewicz endossou natildeo nega absolutamente nada do que fora dito ateacute entatildeo

Eacute claro que o leitor ainda pode levar em conta que Aristoacuteteles soacute faz uso da expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 ao se pronunciar a respeito dos termos de alta generalidade e que por isso a pressuposiccedilatildeo de tal expressatildeo nos demais pronunciamentos seria artificiosa e desqualificaria a traduccedilatildeo e a leitura que propomos De fato essa expressatildeo causou incocircmodo a alguns tradutores de liacutengua inglesa influenciados provavelmente pelos legados de Ross e Lukasiewicz A J Jenkinson e Robin Smith por exemplo traduzem a

25 Na verdade Aristoacuteteles reconhece uma exceccedilatildeo aludindo agrave possibilidade de ldquodemonstrarrdquo segundo opiniatildeo (κατὰ δόξαν) mas essa exceccedilatildeo eacute uma alternativa a ser evitada 26 No manuscrito n temos δειχθήσεται ao inveacutes de λεχθήσεται na linha 42 As duas alternativas favorecem a nossa leitura Optamos pela manutenccedilatildeo de λεχθήσεται para natildeo perder a relaccedilatildeo explicativa que haacute entre os pronunciamentos das linhas 40minus41 de um lado e 30minus32 de outro De fato com λεχθήσεται a linha 42 apenas repete o que fora dito nas linhas 30minus32 Essa opccedilatildeo revela que as linhas 30minus32 explicam a linha 42 e sugere que a mesma relaccedilatildeo explicativa ocorra entre as linhas 25minus29 e 39minus40 bem como entre as linhas 29minus30 e 37minus39

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

23

expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 como ldquodemonstraterdquo e ldquodemonstrate to be predicatedrdquo respectivamente No entanto ambos evitam tal traduccedilatildeo nas linhas subsequumlentes nas quais a expressatildeo natildeo aparece de modo expliacutecito e substituem ldquodemonstraterdquo por ldquopredicaterdquo27

Haacute pelo menos uma boa razatildeo para rejeitar tais traduccedilotildees elas assumem que na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) precisamente no que diz respeito agraves consequumlecircncias que as restriccedilotildees introduzidas na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) tecircm sobre as demonstraccedilotildees Aristoacuteteles estaria interessado apenas nos termos de alta generalidade dado que recorre agrave expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον exclusivamente ao tratar deles Assim no que diz respeito agrave atuaccedilatildeo dos demais termos (τὰ καθrsquo ἕκαστα e τὰ μεταξὺ) nas demonstraccedilotildees Aristoacuteteles jaacute natildeo teria a pretensatildeo de avaliar as consequumlecircncias dessas restriccedilotildees limitando-se apenas a repetir o que fora dito na primeira seccedilatildeo Essa leitura impotildee ao texto uma interrupccedilatildeo natildeo muito natural em seu desenvolvimento e ainda o torna redundante sem apresentar uma razatildeo satisfatoacuteria que justifique essa leitura

27 Na linha 39 por exemplo A J Jenkinson (in Barnes 1984) traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquobut these may be predicated of other thingsrdquo Robin Smith vai na mesma direccedilatildeo e traduz como ldquobut they are predicated of othersrdquo embora reconheccedila em seu comentaacuterio ao trecho 43a 40ss na paacutegina 50 (comentaacuterio que na verdade trata da linha 39) que a frase pode ser traduzida como ldquoother things are demonstrated to be predicated of themrdquo nas linhas 39-40 Jenkinson traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNeither can individuals be predicated of other things although other things can be predicated of themrdquo Robin Smith natildeo destoa disso e traduz como ldquoNeither can individuals be predicated of other things but instead other things are predicated of themrdquo por fim nas linhas 40-41 Jenkinson traduz τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται como ldquoWhatever lies between these limits can be spoken of in both waysrdquo ao passo que Robin Smith traduz como ldquoBut it is clear that for those in between predication is possible in both waysrdquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

24

Na contramatildeo de A J Jenkinson e Robin Smith temos Mario Mignucci e Gisela Striker que traduzem a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον como ldquodimostrare che essi si predicanordquo e ldquodemonstrate to be said ofrdquo respectivamente e entendem as linhas 39minus41 como pronunciamentos nos quais embora natildeo apareccedila de modo expliacutecito a expressatildeo ainda estaacute em jogo28 Essas traduccedilotildees certamente satildeo as mais fieacuteis ao texto grego e corroboram a traduccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo que propomos justificando o abandono da leitura tradicional sugerida por Ross e cristalizada nos estudos de Lukasiewicz A essa altura jaacute podemos fazer um balanccedilo dos resultados que o capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos de fato nos impotildee O cenaacuterio que se desenha eacute o seguinte (i) termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) natildeo eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου)29 de outros termos por isso tampouco eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos no entanto eacute possiacutevel lhes atribuir outros termos como legiacutetimos

28 Na linha 39 por exemplo Mignucci traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquomentre egrave possibile dimostrare che essi si predicano di altrirdquo Striker por sua vez traduz como ldquobut [sc one can demonstrate] only that they themselves are predicated of other thingsrdquo na linha 40 ambos fazem questatildeo de recuperar a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον Mignucci traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNon egrave neanche possibile dimostrare che i singolari si predicano di altre cose ma soltanto che altre cose si predicano di essirdquo Striker segue a mesma linha e traduz como ldquonor can one demonstrate that individuals are said of other things but only that other things are said of themrdquo Na linha 41 por sua vez a expressatildeo eacute recuperada novamente e o trecho τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται eacute traduzido por Mignucci como ldquoEgrave chiaro invece che le cose intermedie egrave possibile dimostrarle nei due modirdquo ao passo que por Striker como ldquoBut clearly the intermediate things admit [sc to be demonstrated] of bothrdquo 29 Tais termos natildeo se predicam de nenhum outro a natildeo ser κατὰ συμβεβηκός (43a 33minus35)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

25

predicados por conseguinte tambeacutem eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 25minus29 e 39minus40) (ii) termos de alta generalidade (summa genera eou τὰ πᾶσιν ἑπόμενα)30 natildeo lhes eacute possiacutevel atribuir outros termos como legiacutetimos predicados ndash de fato natildeo haacute termo anterior (πρότερον) que lhes possa ser atribuiacutedo por isso tampouco eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles no entanto eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos logo tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos (conferir 43a 29minus30 e 37minus39) (iii) termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos bem como lhes atribuir outros termos como legiacutetimos predicados em razatildeo disso tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 30minus32 e 40minus42)

Assim o que prevalece eacute que Aristoacuteteles jamais afastou de sua loacutegica qualquer das trecircs classes de termos apresentadas em Primeiros Analiacuteticos I 27 muito embora tenha endereccedilado certas restriccedilotildees atributivas a algumas delas 2 Primeiros Analiacuteticos I 28 e os Axiomas de Patzig

Patzig parece entender que o capiacutetulo 27 natildeo eacute merecedor de toda a atenccedilatildeo que lhe foi concedida por Ross e Lukasiewicz O capiacutetulo 28 em sua opiniatildeo eacute bem mais promissor no que diz respeito agrave questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera31 enquanto o capiacutetulo 27

30 Como Aristoacuteteles natildeo oferece exemplos de termos desse tipo deixamos indeterminado se satildeo summa genera como propotildee Ross ou transcategoriais de generalidade total (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como prefere Lukasiewicz (cf nota 3) 31 Patzig (1959 sect3 p 6)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

26

serviria mais como discussatildeo preparatoacuteria para os assuntos tratados no capiacutetulo seguinte

De fato haacute forte unidade entre esses textos O objetivo predominante que os vincula e orienta eacute anunciado no iniacutecio do capiacutetulo 27 e consiste em mostrar ldquode que modo sempre estaremos providos de silogismos em relaccedilatildeo ao que for proposto e por qual via alcanccedilamos os princiacutepios de cada coisardquo32 O capiacutetulo 27 contribui com esse objetivo na medida em que faz recomendaccedilotildees sobre como selecionar termos e premissas e classifica os fatores silogiacutesticos segundo as funccedilotildees (sujeito e predicado) que podem desempenhar de modo irrestrito em proposiccedilotildees silogiacutesticas A contribuiccedilatildeo do capiacutetulo 28 por sua vez estaacute associada aos procedimentos de prova de cada uma das quatro formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Esses procedimentos satildeo caracterizados basicamente pela descriccedilatildeo dos paracircmetros de localizaccedilatildeo do fator capaz de mediar os extremos (τά ἄκρα) na relaccedilatildeo categoacuterica acarretada na conclusatildeo Trata-se portanto de procedimentos de busca e localizaccedilatildeo do termo mediador (τὸ μέσον)

Assim para provar por exemplo a relaccedilatildeo universal afirmativa EaA prescreve Aristoacuteteles devemos encontrar um fator comum a duas listas (i) aquela de termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e (ii) aquela de termos que se atribuem universalmente ao extremo menor E33 O resultado seraacute o mediador M tal que MaA e EaM o que perfaz um silogismo em Barbara Semelhantemente para provar a relaccedilatildeo particular afirmativa EiA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um elemento comum agraves listas de (i) termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente ou seja agraves listas de termos que cada um dos extremos E e A ldquoacompanhardquo (ἕπεσθαι ou ακολουθεῖν) Nesse caso o termo comum M seraacute tal que MaA e MaE o que nos

32 An Pr I 27 43a 20ndash21 33 An Pr I 28 43b 39ndash43

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

27

permite concluir EiA por Darapti (terceira figura)34 Por sua vez a prova da relaccedilatildeo universal negativa EeA tambeacutem se valeraacute da identificaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios a um extremo e de (ii) termos que se atribuem universalmente ao outro extremo se o mediador M comum agraves duas listas for contraacuterio ao extremo maior A e universalmente atribuiacutedo ao extremo menor E o mediador M seraacute tal que MeA e EaM ou AeM e EaM possibilitando a prova de EeA (respectivamente) por Celarent e por Cesare mas se o mediador M for contraacuterio ao extremo menor E e universalmente atribuiacutedo ao extremo maior A M seraacute tal que AaM e EeM restringindo a prova de EeA a Camestres35 Por fim para provar a relaccedilatildeo particular negativa EoA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios ao extremo maior A e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente Assim o mediador M seraacute tal que MeA e MaE o que prova EoA por Felapton36

Em todas as recomendaccedilotildees do capiacutetulo 28 Aristoacuteteles se orienta pelas conclusotildees almejadas propondo a partir delas procedimentos de busca e localizaccedilatildeo dos fatores capazes de acarretar cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas A estrateacutegia de Aristoacuteteles portanto natildeo consiste em partir de premissas e deduzir os resultados que delas se seguem mas fazendo o caminho inverso consiste em partir da conclusatildeo e buscar o termo mediador capaz de articular os extremos na relaccedilatildeo categoacuterica (a e i ou o) da conclusatildeo

Por natildeo captar a natureza invertida dessa estrateacutegia Patzig natildeo compreendeu plenamente o que Aristoacuteteles propusera e julgou que o capiacutetulo 28 muito mais que o capiacutetulo 27 impunha severas restriccedilotildees agrave lista de termos capazes de figurar em silogismos aristoteacutelicos Na verdade o capiacutetulo 28 nem sequer trata da questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera mas limita-se a descrever os paracircmetros de

34 Ibidem 43b 43ndash44a 2 35 An Pr I 44a 2ndash8 36 An Pr I 28 44a 9ndash11

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

28

localizaccedilatildeo do mediador de cada forma categoacuterica Eacute claro que ao descrever esses paracircmetros Aristoacuteteles acaba por assumir certos pressupostos que em uacuteltimo caso podem ter algum efeito sobre a lista de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica Ainda assim eacute preciso observar que as recomendaccedilotildees apresentadas no capiacutetulo 28 satildeo pensadas em relaccedilatildeo agrave prova de cada proposiccedilatildeo categoacuterica em particular Por isso os pressupostos envolvidos nessas recomendaccedilotildees bem como as eventuais restriccedilotildees de termos que lhes sejam correlatas deveratildeo ter aplicaccedilatildeo circunscrita a cada caso isto eacute aos procedimentos de prova de cada conclusatildeo em particular

Patzig parece natildeo ter dado a devida atenccedilatildeo a esse detalhe pois embora compreenda os seus axiomas como pressupostos impliacutecitos das recomendaccedilotildees de Aristoacuteteles ndash recomendaccedilotildees cuja aplicaccedilatildeo estaacute circunscrita a cada caso ndash Patzig os assume como vaacutelidos para termos de todo e qualquer silogismo37 No entanto eacute flagrante que certos silogismos natildeo dependem de alguns de seus axiomas Um arquetiacutepico silogismo em Barbara por exemplo funciona perfeitamente bem sem pressupor para qualquer de seus termos a validade do terceiro axioma isto eacute sem pressupor que exista para qualquer de seus termos (ou mesmo para qualquer de seus extremos para ser fiel ao capiacutetulo 28) um termo que lhe seja ldquocontraacuteriordquo

Ao que tudo indica o que levou Patzig a estender a validade de seus axiomas sobre todos os silogismos eacute o trecho 44a 12minus17 em que Aristoacuteteles estipula letras para as listas de termos com as quais pretende trabalhar na exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova38 Na referida passagem Aristoacuteteles considera basicamente trecircs tipos de termos que se distinguem pelo termo extremo que lhes eacute correlato bem como pela relaccedilatildeo predicativa que cada um manteacutem com esse extremo Para cada extremo Aristoacuteteles estipula (i) termos que lhe satildeo atribuiacutedos universalmente (ii) termos aos quais ele proacuteprio se atribui universalmente e (iii) termos que natildeo lhe

37 Patzig (1959) sect3 p 6ndash7 38 An Pr I 28 44a 12minus17

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

29

podem ser atribuiacutedos Os termos de primeiro tipo devem ter servido de estiacutemulo para a necessidade de termos superordenados proacuteprios que eacute marca do segundo axioma de Patzig os termos de segundo tipo por sua vez para a necessidade de termos subordinados proacuteprios marca do primeiro axioma os de terceiro por fim para a necessidade de termos ldquocontraacuteriosrdquo marca do terceiro axioma

Eacute bem verdade que os termos estipulados por Aristoacuteteles envolvem certa analogia com os axiomas propostos por Patzig Mas eacute preciso notar em primeiro lugar que nenhum dos procedimentos de prova descritos por Aristoacuteteles depende da estipulaccedilatildeo dos trecircs tipos de termos39 A recomendaccedilatildeo de prova da proposiccedilatildeo particular afirmativa por exemplo requer apenas (ii) termos aos quais os extremos se atribuem universalmente40 O fato de Aristoacuteteles jaacute estipular de antematildeo trecircs tipos de termos para cada extremo natildeo torna obrigatoacuterio que todo e qualquer extremo (e muito menos que todo e qualquer termo silogiacutestico como prefere Patzig) independentemente do silogismo a que pertenccedila dependa dos trecircs tipos de termos estipulados precisamente porque a estipulaccedilatildeo desses termos estaacute ancorada em um par de extremos que eacute muito peculiar Esse par de extremos eacute pensado com propoacutesitos didaacuteticos orientados agrave exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova de cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas (a e i e o) Trata-se de um par de extremos que em benefiacutecio da exposiccedilatildeo eacute assumido como articulaacutevel em qualquer das relaccedilotildees categoacutericas Poreacutem essa assunccedilatildeo soacute faz sentido no contexto preciso dessa exposiccedilatildeo de procedimentos de prova afinal algumas dessas relaccedilotildees categoacutericas satildeo incompatiacuteveis entre si ndash por exemplo as relaccedilotildees universal afirmativa e particular negativa Por isso devemos presumir que as estipulaccedilotildees de termos que lhes datildeo suporte tambeacutem o satildeo e portanto natildeo podem valer em conjunto e para todos os casos

39 Idem 44a 17minus30 40 Ibidem 44a 19minus21

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

30

Para esclarecer esse ponto retomemos rapidamente os procedimentos de prova das proposiccedilotildees universal afirmativa e particular negativa41 Assumindo um mesmo par de extremos como faz Aristoacuteteles estaremos diante de proposiccedilotildees contraditoacuterias (EaA e EoA) Dado que tais proposiccedilotildees satildeo incompatiacuteveis as condiccedilotildees das quais elas satildeo provenientes tambeacutem o seratildeo Dizendo de outro modo a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (i) termos aos quais o extremo maior se atribui universalmente e (ii) termos que se atribuem universalmente ao extremo menor eacute incompatiacutevel com a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (irsquo) termos aos quais o extremo maior natildeo pode ser atribuiacutedo e (iirsquo) termos aos quais o extremo menor se atribui universalmente Assim em presenccedila das condiccedilotildees de prova de uma das proposiccedilotildees incompatiacuteveis as condiccedilotildees da outra poderatildeo ser dispensadas jaacute que satildeo condiccedilotildees requeridas para uma prova cuja possibilidade jaacute natildeo existe E natildeo haacute razatildeo para manter os termos estipulados e dispensar apenas a possibilidade de um termo comum entre as listas pois ambos os pressupostos satildeo requisitados para servir um uacutenico e mesmo propoacutesito o de estabelecer condiccedilotildees para a prova da relaccedilatildeo categoacuterica que se pretende obter Natildeo haacute uma razatildeo que justifique a manutenccedilatildeo das listas de termos estipulados em detrimento da possibilidade de um termo comum entre as listas pois o propoacutesito que introduz uma exigecircncia tambeacutem introduz a outra Sob essa perspectiva fica claro que os termos estipulados no trecho 44a 12minus17 natildeo podem ser pressupostos indispensaacuteveis de quaisquer termos silogiacutesticos tampouco pressupostos que devem ser satisfeitos em conjunto por termos de todo e qualquer silogismo Afinal Aristoacuteteles estipula cada uma das listas supondo que seus termos seratildeo candidatos agrave funccedilatildeo de mediador (e natildeo agrave funccedilatildeo de termos silogiacutesticos) e o faz segundo as exigecircncias especiacuteficas envolvidas na prova de cada relaccedilatildeo categoacuterica em particular (a e i ou o) Compreender tais listas como pressupostos

41 An Pr I 28 43b 39minus43 e 44a 9minus11

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

31

que devem ser satisfeitos por todo e qualquer termo silogiacutestico eacute um equiacutevoco

Em segundo lugar o capiacutetulo 28 natildeo parece estar orientado propriamente agrave prova silogiacutestica das formas categoacutericas mas em algum sentido agrave demonstraccedilatildeo de tais relaccedilotildees Haacute indiacutecios que sugerem essa leitura O principal deles talvez seja o fato de Aristoacuteteles se mostrar interessado em localizar um meson que fica no meio do caminho entre um mediador que satisfaz requisitos meramente dedutivos e um mediador que supera tais requisitos e se configura como um fator explanatoacuterio em uma legiacutetima demonstraccedilatildeo cientiacutefica42 Retomemos por exemplo as recomendaccedilotildees de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) Em 43b 43ndash44a 2 Aristoacuteteles recomenda a prova de EiA por premissas universais conduzindo a prova a um silogismo em Darapti embora admita a possibilidade de concluir proposiccedilotildees particulares a partir de um par de premissas em que apenas uma eacute universal (41b 22minus27) Em 44a 9ndash11 a exemplo do que ocorre com a prova de EiA Aristoacuteteles recomenda a prova de EoA novamente por premissas universais desta vez conduzindo a prova a um silogismo em Felapton Essas duas recomendaccedilotildees de prova pressupotildeem que o meson requisitado para a prova natildeo eacute um mediador meramente dedutivo mas um mediador que se articula com os extremos exclusivamente por relaccedilotildees universais Eacute claro que esse cenaacuterio ainda estaacute muito distante daquele que temos por exemplo no capiacutetulo 2 do Livro II de Segundos

42 Em uma demonstraccedilatildeo cientiacutefica natildeo basta que o mediador se relacione com os extremos de tal modo que a deduccedilatildeo da conclusatildeo esteja formalmente assegurada Aristoacuteteles ainda exige que o mediador satisfaccedila certos requisitos natildeo formais O principal deles eacute o de explicar adequadamente por que o extremo maior se atribui ao extremo menor (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 por exemplo essa diferenccedila (entre um mediador que satisfaz exigecircncias meramente dedutivas e um mediador que funciona como explicaccedilatildeo do fato relatado na conclusatildeo) eacute utilizada como criteacuterio baacutesico para distinguir o conhecimento de que C eacute A (conhecimento do fato) e o conhecimento de por que C eacute A (conhecimento da causa)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

32

Analiacuteticos (90a 6minus7) em que o meson eacute pensado como a causa que explica por que a relaccedilatildeo dada entre os extremos explicitada na conclusatildeo da demonstraccedilatildeo eacute o caso Mesmo assim temos o suficiente para mostrar que Aristoacuteteles natildeo estaacute levando em conta todos os silogismos de seu sistema loacutegico mas apenas aqueles nos quais ambas as premissas satildeo universais Por que razatildeo exatamente Aristoacuteteles faz essa escolha eacute algo a se investigar O que nos importa eacute que essa escolha restringe o escopo do capiacutetulo a um grupo especiacutefico de silogismos o que natildeo eacute compatiacutevel com a validade irrestrita dos axiomas propostos por Patzig

Em terceiro lugar Aristoacuteteles natildeo lida com as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo proacutepria superordenaccedilatildeo proacutepria e contrariedade mas prefere (i) termos que acompanham o extremo (τὰ ἑπόμενα) (ii) termos aos quais o extremo acompanha (οἷς αὐτὸ ἕπεται) e (iii) termos que natildeo podem ser atribuiacutedos ao extremo (ἃ μὴ ἐνδέχεται αὐτῷ ὑπάρχειν) Essa diferenccedila natildeo eacute apenas terminoloacutegica mas conceitual As relaccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias pressupotildeem termos que natildeo satildeo coextensivos se X eacute um termo subordinado proacuteprio de Y XaY eacute o caso mas YaX natildeo se Z eacute um termo superordenado proacuteprio de Y YaZ eacute o caso mas ZaY natildeo O proacuteprio Patzig reconhece essas consequumlecircncias ao formular os seus dois primeiros axiomas43 Aristoacuteteles no entanto ao se valer das relaccedilotildees de ldquoacompanhamentordquo entre os termos natildeo hesita em rejeitaacute-las No capiacutetulo 29 por exemplo Aristoacuteteles menciona a possibilidade de provar por hipoacutetese (συλλογίσασθαι ἐξ ὑποθέσεως) os problemas universais (a e e) assumindo precisamente a possibilidade de coextensatildeo entre os termos envolvidos possibilidade da qual Patzig parece prescindir ao formular seus axiomas A passagem agrave qual nos referimos eacute a seguinte

εἰ γὰρ τὸ Γ καὶ τὸ Η ταὐτὰ εἴη μόνοις δὲ ληφθείη τοῖς Η τὸ Ε ὑπάρχειν παντὶ ἂν τῷ Ε τὸ Α ὑπάρχοι καὶ πάλιν εἰ τὸ Δ καὶ Η ταὐτὰ μόνων δὲ τῶν Η τὸ Ε κατηγοροῖτο ὅτι οὐδενὶ τῷ Ε τὸ Α ὑπάρξει

43 Patzig (1959 sect3 p 6ndash7)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

33

Com efeito se C e G fossem o mesmo mas se assumisse que E se atribui apenas aos Grsquos A se atribuiria a todo E Novamente se D e G fossem o mesmo mas E se afirmasse apenas dos Grsquos A se atribuiraacute a nenhum E (45b 24minus27)

Em 44a 12minus17 Aristoacuteteles jaacute havia estipulado que a letra C representaria um termo ao qual o extremo maior A acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente tambeacutem foi estipulado que a letra G representaria um termo ao qual o extremo menor E acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente por fim ainda ficou decidido que a letra D representaria um termo que natildeo pode ser atribuiacutedo ao extremo maior A Assim a identidade entre C e G a exemplo do que ocorre em 44a 19minus21 conduz a prova de EiA a um silogismo em Darapti ao passo que a identidade entre D e G a exemplo do que ocorre em 44a 28minus30 conduz a prova de EoA a um silogismo em Felapton44 No entanto nessa passagem embora os procedimentos de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) sejam acionados aquilo que se quer mostrar eacute de que modo podemos provar por hipoacutetese (ἐξ ὑποθέσεως) as proposiccedilotildees universais Para alcanccedilar esse resultado Aristoacuteteles assume que o extremo menor E se atribui apenas (μόνον) a G o que pode ser interpretado como uma maneira diferente de dizer que E e G satildeo termos coextensivos Sinal disso eacute o seguinte ao assumir que E se atribui apenas a G Aristoacuteteles se vecirc autorizado a concluir as proposiccedilotildees universais EaA e EeA o que soacute faz sentido sob o pressuposto de que G e E satildeo termos coextensivos De fato sob tal pressuposto a premissa menor GaE pode ser ldquoconvertidardquo em EaG o que transforma Darapti em Barbara bem como Felapton em Celarent Mas se os termos aos quais o extremo menor E acompanha forem pensados como termos subordinados proacuteprios de E GaE seraacute o caso mas EaG natildeo Por conseguinte tampouco as conclusotildees EaA e EeA se seguiriam Assim se quisermos conferir sentido agrave passagem temos que assumir que Aristoacuteteles recorreu agrave possibilidade de construir silogismos com termos

44 Darapti CaA GaE rarr EiA (C=G) Felapton DeA GaE rarr EoA (D=G)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

34

que satildeo coextensivos e se assim for podemos dizer que para Aristoacuteteles a presenccedila de silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos em sua loacutegica natildeo causava qualquer inconveniente45

Segundo nos parece as razotildees alegadas ateacute aqui jaacute satildeo suficientes para mostrar que os axiomas de Patzig natildeo podem servir como criteacuterios delimitadores de termos silogiacutesticos Ainda assim vale a pena examinar duas passagens que eventualmente poderiam ser invocadas contra a interpretaccedilatildeo que propomos Embora natildeo sejam citadas pelos proponentes das opiniotildees tradicionais natildeo eacute difiacutecil imaginar que elas tenham servido de inspiraccedilatildeo para aqueles que defendem a exclusatildeo dos termos transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo De fato agrave primeira vista tais passagens podem nos levar a pensar que Aristoacuteteles natildeo guardou lugar para tais termos na silogiacutestica No entanto como veremos isso soacute eacute verdade agrave primeira vista

45 O capiacutetulo 29 natildeo eacute a uacutenica evidecircncia de silogismos com termos coextensivos na silogiacutestica No capiacutetulo 5 do Livro II de Primeiros Analiacuteticos precisamente em 57b 35minus58a 12 Aristoacuteteles trabalha com silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos Por sua vez no capiacutetulo 22 em 67b 27minus32 Aristoacuteteles inicia o texto dizendo que a coextensatildeo entre os termos extremos de um silogismo requer um mediador tambeacutem coextensivo o que revela por parte de Aristoacuteteles plena consciecircncia a respeito da existecircncia de silogismos com triacuteades coextensivas Nos Segundos Analiacuteticos o interesse de Aristoacuteteles por demonstraccedilotildees que envolvem termos coextensivos pode ser classificado como uma obsessatildeo Basta notar que a proacutepria demonstraccedilatildeo universal ndash aquela que eacute considerada por Aristoacuteteles como cientiacutefica no mais alto grau ndash tem como uma de suas principais caracteriacutesticas a coextensatildeo entre os trecircs termos do silogismo (cf Seg An I 4 73b 32minus74a 3) o que revela o papel central das triacuteades coextensivas no projeto aristoteacutelico que eacute inaugurado com a silogiacutestica e culmina nas demonstraccedilotildees cientiacuteficas (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 e II 16 Aristoacuteteles novamente recorre a termos coextensivos na formulaccedilatildeo de silogismos A nossa preferecircncia pela passagem 45b 24minus27 do capiacutetulo 29 de Primeiros Analiacuteticos se daacute apenas com base em sua conexatildeo indiscutiacutevel com o capiacutetulo 28 no qual Patzig julga encontrar seus axiomas

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

35

Uma das passagens agraves quais nos referimos eacute aquela com a qual Aristoacuteteles encerra o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I Vejamos o que diz Aristoacuteteles

ἔτι τὰ πᾶσιν ἑπόμενα οὐκ ἐκλεκτέον οὐ γὰρ ἔσται συλλογισμὸς ἐξ αὐτων διrsquo ἣν δrsquo αἰτίαν ἐν τοῖς ἑπομένοις ἔσται δῆλον Aleacutem disso natildeo eacute preciso selecionar os itens que acompanham todas as coisas pois natildeo haacute silogismo a partir deles A razatildeo disso ficaraacute evidente a seguir (43b 36minus38)

Essa passagem trata dos termos transcategoriais de generalidade total (τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) e delega a justificativa de seu proacuteprio pronunciamento ao capiacutetulo seguinte no qual Patzig encontrou inspiraccedilatildeo para seus axiomas No capiacutetulo 28 cumprindo o prometido Aristoacuteteles retoma esse assunto e reitera a impossibilidade de construir silogismos a partir de termos de generalidade total

φανερὸν οὖν ὅτι διὰ τῶν προειρημένων σχημάτων οἱ συλλογισμοὶ πάντες καὶ ὅτι οὐκ ἐκλεκτέον ὅσα πᾶσιν ἕπεται διὰ τὸ μηδένα γίγνεσθαι συλλογισμὸν ἐξ αὐτῶν κατασκευάζειν μὲν γὰρ ὅλως οὐκ ἦν ἐκ τῶν ἑπομένων ἀποστερεῖν δrsquo οὐκ ἐνδέχεται διὰ τοῦ πᾶσιν ἑπομένου δεῖ γὰρ τῷ μὲν ὑπάρχειν τῷ δὲ μὴ ὑπάρχειν Eacute evidente entatildeo que todos os silogismos vecircm a ser atraveacutes das figuras previamente mencionadas e que natildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisas porque nenhum silogismo vem a ser a partir deles De fato de modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanham e natildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outro (44b 19minus24)

Fora de contexto e em uma leitura mais apressada essas duas passagens podem nos levar a crer que a opiniatildeo tradicional que afasta da silogiacutestica os termos de generalidade total (como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) de fato encontra respaldo nos textos de Aristoacuteteles No entanto mais uma vez eacute preciso levar em conta que o capiacutetulo 28 eacute marcado pela

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

36

descriccedilatildeo de estrateacutegias de localizaccedilatildeo de termos mediadores e natildeo de termos em geral Dizendo de outro modo Aristoacuteteles natildeo estaacute interessado em localizar os termos que deveratildeo encerrar a conclusatildeo de um silogismo pelo contraacuterio tais termos jaacute estatildeo plenamente determinados bem como a relaccedilatildeo proposicional (a e i e o) que haacute entre eles dado que a conclusatildeo na qual interagem funciona como ponto de partida da investigaccedilatildeo empreendida no capiacutetulo O que interessa para Aristoacuteteles eacute a localizaccedilatildeo de termos mediadores e eacute nesse horizonte que tais passagens devem ser lidas Assim ao negar a possibilidade de construir silogismos a partir de termos transcategoriais de generalidade total (ἐξ αὐτῶν) o que Aristoacuteteles quer dizer eacute que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos46 nos quais a funccedilatildeo de mediador seja desempenhada por um termo desse tipo razatildeo pela qual na busca pelo mediador recomenda Aristoacuteteles ldquonatildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisasrdquo (44b 20minus21) Para justificar essa recomendaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta duas razotildees (i) ldquode modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanhamrdquo (44b 22minus23) (ii) ldquonatildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outrordquo (44b 23minus24) Na primeira razatildeo Aristoacuteteles parece reconsiderar as listas de termos estipuladas no trecho 44a 11minus17 pressupondo ao que tudo indica que os transcategoriais de generalidade total soacute podem figurar em listas de termos que acompanham os extremos Isso se justificaria pela natureza inapta de tais termos para o papel de sujeito em proposiccedilotildees silogiacutesticas conforme se constata no capiacutetulo I 27 Assim na medida em que nas provas afirmativas a busca pelo mediador natildeo envolve

46 Na verdade como o escopo do capiacutetulo 28 natildeo abarca todo e qualquer silogismo seria mais correto dizer que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos (nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas) assumindo um termo de generalidade total na funccedilatildeo de mediador

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

37

apenas a lista de termos que acompanham um dos extremos mas tambeacutem a lista de termos aos quais um dos extremos acompanha (ver 43b 39minus44a 2) os transcategoriais de generalidade total perdem a candidatura agrave funccedilatildeo de mediador e jaacute de saiacuteda nem sequer precisam ser considerados47 Na segunda razatildeo por sua vez Aristoacuteteles leva em conta o fato de que as provas negativas dependem de um mediador capaz de figurar em proposiccedilotildees universais negativas verdadeiras exigecircncia que natildeo estaacute no alcance dos termos de generalidade total Afinal se estamos diante de um transcategorial desse tipo de antematildeo jaacute assumimos a inexistecircncia de um termo do qual ele natildeo seja predicado Assim os termos de generalidade total ficam impedidos de serem atribuiacutedos a um extremo e natildeo atribuiacutedos ao outro (44b 24) como deve ser o mediador de um silogismo negativo

O que eacute verdade portanto eacute que Aristoacuteteles dispensa os termos de generalidade total da funccedilatildeo de mediador De fato quando se pretende construir silogismos nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas tal como ocorre no capiacutetulo 28 a busca do mediador entre transcategoriais de generalidade total eacute sempre infrutiacutefera porque soacute poderaacute devolver como resposta pretensos fatores de mediaccedilatildeo marcados por duas deficiecircncias principais a

47 Supomos que em tais passagens Aristoacuteteles de fato tem em mente as recomendaccedilotildees de prova apresentadas no iniacutecio do capiacutetulo 28 de modo que apenas os silogismos em Barbara e Darapti sejam considerados como silogismos afirmativos (cf 43b 39minus44a 2) Assim entendemos que o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 se justificaria porque os termos de generalidade total na prova de a natildeo podem integrar a lista de termos aos quais o extremo maior acompanha bem como na prova de i a lista de termos aos quais ambos os extremos acompanham No entanto ainda que os demais silogismos afirmativos sejam levados em conta o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 continua verdadeiro jaacute que Darii Disamis e Datisi tambeacutem exigem que o mediador esteja entre os termos aos quais o(s) extremo(s) acompanha(m)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

38

impossibilidade de desempenhar a funccedilatildeo de sujeito de modo legiacutetimo e a incapacidade de compor proposiccedilotildees negativas verdadeiras

Nenhuma das passagens mencionadas acima (43b 36minus38 e 44b 19minus24) eacute citada ndash nem por Lukasiewicz nem por Patzig ndash como evidecircncia de que Aristoacuteteles teria rejeitado os termos de generalidade total em seu sistema loacutegico Poreacutem diante da escassez de evidecircncias em favor da suposta exclusatildeo de tais termos natildeo eacute insensato presumir que os proponentes dessa exclusatildeo tenham encontrado inspiraccedilatildeo nelas

Na proacutexima seccedilatildeo examinaremos textos nos quais Aristoacuteteles constroacutei silogismos com termos de natureza singular Veremos que o incocircmodo com a presenccedila de tais termos na silogiacutestica eacute menos de Aristoacuteteles e mais de seus inteacuterpretes 3 Termos Singulares e o Silogismo Peripateacutetico

Jaacute comentamos o fato de Lukasiewicz ter feito pesadas criacuteticas agrave silogiacutestica em especial ao suposto fato de Aristoacuteteles ter afastado os termos de natureza singular de seu sistema loacutegico o que seria segundo Lukasiewicz ldquoo maior defeitordquo da loacutegica aristoteacutelica48 Ao que parece o responsaacutevel por levaacute-lo por esse caminho foi Ross que tomou nota do tambeacutem suposto fato de Aristoacuteteles nunca se valer de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos49 Lukasiewicz reiterou a constataccedilatildeo de Ross (embora natildeo o cite) e nela encontrou razatildeo para natildeo reconhecer como rigorosamente aristoteacutelico o silogismo que qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo silogismo formulado em primeira figura com um nome proacuteprio como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo

De acordo com a triparticcedilatildeo de termos que pudemos conhecer no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I (Seccedilatildeo II Parte 1) natildeo temos qualquer razatildeo para expulsar da silogiacutestica os termos de natureza singular Eacute

48 Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect3 p 6) 49 Ross (1949 p 289 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

39

claro que Aristoacuteteles natildeo deixa de lhes endereccedilar certas restriccedilotildees poreacutem vale a pena repetir nenhuma das restriccedilotildees introduzidas por Aristoacuteteles no referido capiacutetulo tem forccedila suficiente para expulsar os termos singulares da loacutegica aristoteacutelica De fato embora tais termos natildeo possam figurar em proposiccedilotildees como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nada impede que outros termos lhes sejam atribuiacutedos por conseguinte embora natildeo possam ser demonstrados como legiacutetimos predicados de outros termos nada impede que outros termos sejam demonstrados como predicados deles50

Fora dos Analiacuteticos jaacute esbarramos em indiacutecios que vatildeo nessa direccedilatildeo No capiacutetulo 10 de Metafiacutesica XIII (My) por exemplo haacute uma breve passagem que sugere esse resultado Enquanto argumenta em favor da tese de que ldquoo conhecimento eacute de universaisrdquo (ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου) Aristoacuteteles parece supor que os termos singulares ldquoeste triacircngulordquo e ldquoeste homemrdquo tambeacutem satildeo suscetiacuteveis de operaccedilotildees silogiacutesticas

[] ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου δῆλον δrsquo ἐκ τῶν ἀποδείξεων καὶ τῶν ὁρισμῶν οὐ γὰρ γίγνεται συλλογισμὸς ὅτι τόδε τὸ τρίγωνον δύο ὀρθαῖς εἰ μὴ πᾶν τρίγωνον δύο ὀρθαί οὐδrsquo ὅτι ὁδὶ ὁ ἄνθρωπος ζῷον εἰ μὴ πᾶς ἄνθρωπος ζῷον [] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos a natildeo ser que todo triacircngulo possua dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal a natildeo ser que todo homem seja animal (1086b 34minus37)

Poreacutem essa passagem natildeo eacute tatildeo simples quanto pode parecer agrave primeira vista51 Paul Shorey por exemplo reprovaria jaacute a traduccedilatildeo que

50 An Pr I 27 43a 25minus29 e 39minus40 Ao comentar o capiacutetulo 27 Mignucci (1969 p 443) tambeacutem reconhece a possibilidade ldquodi costruire dimostrazioni e sillogismi anche relativamente a singolarirdquo citando Alexandre que tambeacutem jaacute a observa em seus comentaacuterios (An Pr p 293 13minus23) 51 Shorey (1913)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

40

propomos porque ela faz crer que Aristoacuteteles estabelece uma relaccedilatildeo de dependecircncia dedutiva (silogiacutestica) entre proposiccedilotildees dependecircncia que de fato existe mas da qual para Shorey a passagem em questatildeo natildeo trataria De acordo com Shorey as ocorrecircncias de εἰ μὴ nas linhas 33 e 36 natildeo significam ldquo[] lsquounlessrsquo but is to be taken in its idiomatic sense as a virtual equivalent of ἀλλάrdquo Nesse caso uma traduccedilatildeo mais fiel agrave posiccedilatildeo de Shorey seria a seguinte

[] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos mas de que todo triacircngulo tem dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal mas de que todo homem eacute animal (1086b 34minus37)

Assim o texto estabeleceria natildeo que as proposiccedilotildees singulares no papel de conclusotildees silogiacutesticas satildeo (dedutivamente) dependentes das proposiccedilotildees universais mas que as conclusotildees propriamente silogiacutesticas satildeo universais (universalmente quantificadas) e natildeo singulares

Ross52 ao tratar dessa passagem natildeo deixa de comentar a posiccedilatildeo de Shorey

He [Shorey] argues that in l 33 knowledge is said to be lsquoofrsquo universals ie to have universal conclusions as well as universal premises [hellip] and that singular propositions never occur as conclusions in Aristotlersquos logical writings

Na verdade Shorey53 natildeo chega a dizer que proposiccedilotildees singulares nunca ocorrem como conclusotildees silogiacutesticas nos escritos loacutegicos de Aristoacuteteles embora passe perto disso

The syllogism with a particular54 conclusion is an inferior type (Analyt Post 79a 25ff) [hellip] Aristotle does not recognize singular proposition in his classification (Analyt Priora A1 Grote Aristotle I 205) and the

52 Ross (1953 p 464) 53 Shorey (1913 p 91) 54 Nesse contexto Shorey assume ldquoparticularrdquo e ldquosingularrdquo como equivalentes

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

41

conclusion to an individual case interests him very little and is practically ignored

Shorey tem alguma razatildeo em alegar que os silogismos que concluem proposiccedilotildees singulares (tambeacutem conhecidos como ldquoperipateacuteticosrdquo) satildeo de um tipo inferior especialmente quando se leva em conta o horizonte das demonstraccedilotildees cientiacuteficas55 mas erra quando recorre ao trecho 79a 25ss para dar base textual a tal alegaccedilatildeo ndash o referido trecho nem mesmo trata desse assunto Por sua vez e contra Shorey Ross56 surpreende ao alegar o seguinte

There are however occasional references in Aristotle to the occurrence of singular propositions as the minor premise or conclusion of syllogisms (eg An Pr 43a 37minus40) []

55 Para Aristoacuteteles o silogismo dito cientiacutefico no mais alto grau eacute a chamada demonstraccedilatildeo universal Eacute importante notar que aqui o adjetivo ldquouniversalrdquo tem um sentido muito preciso e natildeo se justifica pela mera ocorrecircncia de uma conclusatildeo universalmente quantificada Em Segundos Analiacuteticos I 4 73b 32minus74a 3 por exemplo Aristoacuteteles argumenta que a demonstraccedilatildeo universal natildeo conclui que todo isoacutesceles tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos mas que todo triacircngulo tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos revelando um requisito que envolve o ajuste preciso do extremo menor a partir de condiccedilotildees estabelecidas pelo extremo maior (cf Seg An I 5 74a 4minus6 13minus17 25minus32 74b 21minus26 I 24 85b 4minus15) Para Aristoacuteteles o predicado ldquoter a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retosrdquo ndash daqui para frente apenas ldquo2Rrdquo ndash se atribui a ldquoisoacutescelesrdquo de um modo que em algum sentido eacute parasitaacuterio da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo dado que isoacutesceles tem 2R na exata medida em que eacute triacircngulo Em outras palavras a atribuiccedilatildeo de ldquo2Rrdquo a ldquoisoacutescelesrdquo eacute entendida como indireta e dependente da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo Nesse contexto eacute natural presumir que um silogismo peripateacutetico seja concebido como inferior em relaccedilatildeo aos demais minus especialmente no que diz respeito ao grau de cientificidade minus jaacute que sua conclusatildeo natildeo poderaacute satisfazer as exigecircncias de uma legiacutetima conclusatildeo cientiacutefica tal como ocorre em uma demonstraccedilatildeo universal Jaacute quanto agraves propriedades dedutivas envolvidas em tal silogismo natildeo haacute razatildeo para consideraacute-lo inferior Para apreciaccedilatildeo detalhada da noccedilatildeo de demonstraccedilatildeo universal ver Angioni (2007) 56 Ross (1953 p 464)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

42

Ross supotildee que o argumento de Shorey pretende estabelecer a exclusatildeo dos termos singulares do domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica e aponta a passagem 43a 37minus40 como evidecircncia textual incompatiacutevel com essa exclusatildeo Temos aqui uma mudanccedila de opiniatildeo De fato conforme pudemos ver na primeira seccedilatildeo deste artigo ao tratar do trecho 43a 37minus43 na ediccedilatildeo comentada do texto grego de Primeiros e Segundos Analiacuteticos Ross chega a dizer que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares em seus exemplos de silogismos e argumenta em favor de uma silogiacutestica restrita a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ)57 Agora ao comentar a passagem 1086a 34minus37 de Metafiacutesica XIII (My) 10 Ross reconhece no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I uma evidecircncia em favor da inclusatildeo dos termos singulares na silogiacutestica Aparentemente o proacuteprio Ross natildeo tinha muita convicccedilatildeo a respeito da inclusatildeo ou exclusatildeo dos termos de natureza singular

De nossa parte admitimos que a passagem 1086a 34minus37 eacute digna da controveacutersia introduzida por Shorey ndash embora tenhamos mais apreccedilo pela interpretaccedilatildeo de Ross No entanto mesmo que Shorey tenha razatildeo a respeito do referido trecho de Metafiacutesica XIII (My) 10 a presenccedila de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares na silogiacutestica natildeo estaraacute ameaccedilada porque ainda podemos nos valer de passagens muito mais promissoras para decidir essa questatildeo passagens nas quais o proacuteprio Aristoacuteteles elabora cocircmputos silogiacutesticos com termos singulares como se a presenccedila deles na silogiacutestica natildeo lhe figurasse como uma anomalia

Patzig tinha conhecimento dessas passagens e fez questatildeo de citaacute-las no primeiro capiacutetulo de seu livro corrigindo o suposto fato alegado por Ross e Lukasiewicz de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos exemplos de silogismos que aparecem em Primeiros Analiacuteticos No entanto Patzig natildeo recorre a tais passagens a fim de reintroduzir os termos singulares na silogiacutestica mas procura

57 Idem 1949 p 384

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

43

desqualificaacute-las e assim reiterar os resultados de seus antecessores De fato embora reconheccedila as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 do Livro I bem como de ldquoPitacosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II Patzig manteacutem a posiccedilatildeo tradicional que afasta os termos de natureza singular da loacutegica aristoteacutelica alegando apenas que a ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo (70a 16minus20) se daacute em um silogismo invaacutelido ao passo que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo (47b 15ss) aparecem em premissas das quais nada se segue58

Eacute bem verdade que as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 de Primeiros Analiacuteticos I estatildeo associadas a pares de premissas dos quais nenhuma conclusatildeo se segue coisa que o proacuteprio Aristoacuteteles natildeo hesita em admitir No entanto embora sejam inconcludentes esses pares de premissas acomodam seus termos em disposiccedilotildees muito similares agravequelas de um silogismo vaacutelido (Barbara)59 o que lhes confere as feiccedilotildees de que satildeo concludentes quando na verdade natildeo o satildeo De acordo com Aristoacuteteles o que os impede de serem concludentes eacute o fato de que a premissa maior natildeo eacute universal60 Em 47b 26minus28 essa justificativa eacute apresentada por meio de um pronunciamento que merece alguma atenccedilatildeo Aristoacuteteles anuncia o fato de a premissa maior natildeo ser universal como quem supotildee que fosse ela universal o problema estaria resolvido e assim o par de premissas seria concludente61 Ora na medida em que Aristoacuteteles atribui o caraacuteter inconcludente dos pares de premissas precisamente agraves premissas maiores (e natildeo agraves premissas menores nas quais ocorrem os termos singulares) presume-se que esses termos natildeo introduzem qualquer caracteriacutestica censuraacutevel nos silogismos ali formulados Assim o fato de que natildeo estamos diante de pares de premissas concludentes por si soacute natildeo eacute

58 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 59 An Pr I 33 47b 21minus37 60 Idem 47b 26minus29 34minus37 e 38minus39 61 O uso contrafactual de ἔδει na linha 27 sugere essa leitura

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

44

suficiente para recusar ao capiacutetulo 33 o papel de evidecircncia em favor de tais termos na silogiacutestica62

Quanto agrave ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo em Primeiros Analiacuteticos II 27 (70a 16minus20) Patzig tem alguma razatildeo em alegar que ela se daacute em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido No entanto eacute preciso ajustar essa alegaccedilatildeo porque Aristoacuteteles natildeo descreve o argumento em questatildeo propriamente como um silogismo mas como um sinal (σημεῖον) e ao que parece um sinal e um silogismo ndash um legiacutetimo silogismo e natildeo um mero entimema ndash estatildeo longe de ser a mesma coisa63 Aleacutem disso temos uma ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo no mesmo capiacutetulo que eacute bem mais relevante para a discussatildeo mas que foi completamente ignorada pelos comentadores

Em 70a 26minus28 Aristoacuteteles formula dois silogismos nos quais aparece o termo singular ldquoPitacosrdquo Um deles eacute descrito como refutaacutevel (λύσιμος)64 basicamente porque a conclusatildeo natildeo se segue das premissas65 Natildeo precisamos nos deter nele Por ora o silogismo que fora introduzido algumas linhas antes e que foi descrito por Aristoacuteteles como irrefutaacutevel (ἄλυτος)66 eacute muito mais interessante Esse silogismo tem exatamente a formulaccedilatildeo paradigmaacutetica que Lukasiewicz qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo e agrave qual negou lugar na loacutegica aristoteacutelica Vale a pena citar essa passagem para marcar bem a presenccedila desse tipo de silogismo na loacutegica de Aristoacuteteles

62 M Malink (2009 p 119) por exemplo contrariando Patzig aponta o capiacutetulo I 33 minus bem como II 27 do qual trataremos a seguir minus como evidecircncia em favor de termos singulares na silogiacutestica Ver tambeacutem Mignucci ldquoAristotlersquos Theory of Predicationrdquo p 10 ldquoParts Quantification and Aristotelian Predicationrdquo p 11 e Barnes ldquoTruth etcrdquo p 158-166 63 An Pr II 27 70a 24minus25 64 Ibidem 30minus31 e 34minus35 65 Ibidem 27minus28 e 30minus32 66 Ibidem 29

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

45

Ἐὰν μὲν οὖν ἡ μία λεχθῇ πρότασις σημεῖον γίνεται μόνον ἐὰν δὲ καὶ ἡ ἑτέρα προσληφθῇ συλλογισμός οἷον ὅτι Πιττακὸς ἐλευθέριος οἱ γὰρ φιλότιμοι ἐλευθέριοι Πιττακὸς δὲ φιλότιμος Assim se somente uma premissa for assumida haacute apenas um sinal ao passo que se a outra premissa tambeacutem for assumida entatildeo haacute um silogismo por exemplo lsquoPitacos eacute destemido pois os homens de brio satildeo destemidos e Pitacos eacute homem de briorsquo (70a 24minus27)67

A descriccedilatildeo eacute inusitada porque Aristoacuteteles comeccedila pela conclusatildeo Mas isso natildeo prejudica o resultado a que queremos chegar O nome proacuteprio ldquoPitacosrdquo eacute sem duacutevida o extremo menor que aparece como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo ldquodestemidordquo eacute o extremo maior predicado da premissa maior e da conclusatildeo por fim a funccedilatildeo de mediador fica por conta de ldquohomem de briordquo Em uma reconstituiccedilatildeo um pouco mais formalizada temos o seguinte silogismo todo homem de brio eacute destemido Pitacos eacute (um) homem de brio logo Pitacos eacute destemido

O leitor mais desconfiado talvez hesite em aceitar que a premissa maior ldquoos homens de brio satildeo destemidosrdquo possa ser formalizada com um quantificador universal mas haacute sinais claros de que eacute assim que devemos concebecirc-la Em primeiro lugar Aristoacuteteles reconhece a legitimidade desse silogismo e supotildee que a conclusatildeo decorre das premissas o que por si soacute jaacute pressupotildee a universalidade da premissa maior Caso contraacuterio a conclusatildeo natildeo se impotildee Em segundo lugar haacute um pequeno detalhe que causa surpresa nesse capiacutetulo e que merece atenccedilatildeo de nossa parte Aristoacuteteles justifica o caraacuteter irrefutaacutevel do mencionado silogismo alegando que se trata de um silogismo universal (καθόλου γὰρ ἐστιν cf 70a 30) Ora como se sabe Aristoacuteteles descreve como universais precisamente aqueles silogismos nos quais a conclusatildeo eacute universal quais sejam Barbara Celarent Cesare e Camestres Por isso ao caracterizar o ldquosilogismo peripateacuteticordquo como um silogismo universal

67 As traduccedilotildees de φιλότιμος e ἐλευθέριος certamente satildeo discutiacuteveis mas em nada afetam os nossos objetivos

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

46

Aristoacuteteles pode querer sinalizar que em algum sentido a conclusatildeo ldquoPitacos eacute destemidordquo deva ser compreendida como uma proposiccedilatildeo fundada em uma atribuiccedilatildeo universal68 como se o referido ldquosilogismo peripateacuteticordquo precisamente em razatildeo disso fosse digno do mesmo status concedido aos demais silogismos universais (Barbara Celarente Cesare e Camestres) Essa leitura sugere que a concepccedilatildeo aristoteacutelica de atribuiccedilatildeo universal talvez deva ser repensada jaacute que ela daacute sinais de se estender sobre casos para os quais natildeo cabe falar em quantificadores (universais) ndash eacute o que parece ocorrer no ldquosilogismo peripateacuteticordquo acima mencionado

O aprofundamento desse ponto no entanto eacute algo que ultrapassa o escopo da presente investigaccedilatildeo e seu exame deve ser deixado para outra ocasiatildeo A essa altura o objetivo principal desta seccedilatildeo jaacute nos parece ter sido alcanccedilado pois consiste apenas em mostrar o que os leitores menos versados nos Analiacuteticos jaacute perceberam haacute muito tempo a saber que o chamado ldquosilogismo peripateacuteticordquo natildeo soacute faz parte da loacutegica aristoteacutelica mas mais do que isso ainda pode desfrutar de um lugar privilegiado no interior da silogiacutestica entre os chamados ldquosilogismos universaisrdquo Diante desse quadro natildeo haacute duacutevida de que os termos de natureza singular tecircm lugar garantido na loacutegica de Aristoacuteteles69

68 Provavelmente foi inspirado em passagens como essa que J N Keynes (1906 p 102) sugeriu conceber as proposiccedilotildees singulares como uma subclasse de proposiccedilotildees universais Lukasiewicz tomou nota dessa possibilidade e a considerou totalmente equivocada Mas para isso ignorou completamente o trecho 70a 24minus30 69 Agradeccedilo ao professor Lucas Angioni (Unicamp) pela prontidatildeo na leitura de versotildees preacutevias deste artigo pelas indicaccedilotildees de passagens para reforccedilar o argumento e pelas alteraccedilotildees de texto sugeridas as quais certamente contribuiacuteram para melhorar o resultado final aqui apresentado Agradeccedilo tambeacutem aos professores Raphael Zillig (UFRGS) e Inara Zanuzzi (UFRGS) pela oportunidade de discutir alguns resultados provisoacuterios deste artigo no Seminaacuterio sobre Primeiros Analiacuteticos I 27 organizado pelo professor Raphael e realizado na UFRGS no ano de 2011 Por fim tambeacutem agradeccedilo aos

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

47

REFEREcircNCIAS

ANGIONI L ldquoO Conhecimento Cientiacutefico no Livro I dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesrdquo Revista de Filosofia Antiga (online) vol 1 n 1 2007 (httpwwwfilosofiaantigacomdocuments23html)

BARNES J (ed) Aristotle Prior Analytics (trans by A J Jenkinson in Barnes 1984 vol 1 p 39minus113)

mdashmdashmdashmdash Truth etc Six Lectures on Ancient Logic Oxford Clarendon Press 2007

BOCHENSKI J Ancient Formal Logic Amsterdam North-Holland Publishing 1951

CORCORAN J ldquoCompleteness of an Ancient Logicrdquo Journal of Symbolic Logic 37 696minus702 1972

KEYNES J N Studies and Exercises in Formal Logic (fourth edition rewritten and enlarged) New York The Macmillan Company 1906

LUKASIEWICZ J Aristotlersquos Syllogistic from the Standpoint of Modern Formal Logic Oxford Clarendon Press 1951

MALINK M ldquoA Non-Extensional Notion of Conversion in the Organonrdquo Oxford Studies in Ancient Philosophy Vol XXXVII p 106minus141 Oxford University Press 2009

MIGNUCCI M Aristotele Gli analitici primi ndash Traduzione introduzione e commento Naples Loffredo 1969

companheiros de pesquisa Francine Maria Ribeiro e Mateus Ricardo Fernandes Ferreira (UEMminusPR) pela leitura das primeiras versotildees desse texto e pelas proveitosas sugestotildees que me fizeram

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

48

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Theory of Predication in I Angelilli and M Cerezo (eds) Studies in the History of Logic 1minus20 Berlin 1996

mdashmdashmdashmdash Parts Quantification and Aristotelian Predication Monist 83 3minus21 2000

PATZIG G Aristotlersquos Theory of the Syllogism A Logico-Philosophical Study of Book A of the Prior Analytics Translated by Jonathan Barnes Dordrecht Reidel 1959

ROSS W D Aristotlersquos Prior and Posterior Analytics Oxford Clarendon Press 1949

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Metaphysics Oxford Clarendon Press 1953 (1924)

SHOREY P ldquoA Note on Aristotlersquos Metaphysics 1086b 32minus37rdquo Classical Philology Vol 8 n 1 pp 90minus92 1913

SMITH R Aristotle Prior Analytics Indianapolis Hackett Publishing Company 1989

STRIKER G Aristotle Prior Analytics Book I Oxford Clarendon Press 2009

Page 17: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

21

A mais natural divisatildeo que podemos impor agrave passagem acima exige duas seccedilotildees

[1] Na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) Aristoacuteteles apresenta sua conhecida triparticcedilatildeo de entes compreendidos como fatores de atribuiccedilatildeo e classificados segundo as funccedilotildees que cada classe de termos pode desempenhar em proposiccedilotildees destinadas a operaccedilotildees silogiacutesticas A passagem eacute inaugurada com um pronunciamento a respeito de todos os entes ῾Απάντων δὴ τῶν ὄντων Por isso ao que tudo indica essa divisatildeo tripartite eacute exaustiva e natildeo deixa de fora nenhuma classe de termos Os resultados provenientes dessa classificaccedilatildeo trazem certas restriccedilotildees agrave atuaccedilatildeo de alguns termos na silogiacutestica nas linhas 25minus29 Aristoacuteteles nega que os termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) possam desempenhar o papel de legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nas linhas 29minus30 rejeita a possibilidade de atribuir aos termos de alta generalidade um termo que lhes seja anterior (πρότερον) Conforme jaacute o dissemos essas restriccedilotildees passam longe da exclusatildeo de qualquer das classes de termos apresentadas no referido trecho do capiacutetulo 27 A principal evidecircncia disso aparece na imediata sequumlecircncia do texto em que Aristoacuteteles avalia os efeitos dessas restriccedilotildees sobre as demonstraccedilotildees Isso nos leva agrave segunda seccedilatildeo

[2] Na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) satildeo explicitadas as consequumlecircncias que as restriccedilotildees apresentadas na seccedilatildeo anterior (43a 25minus37) produziratildeo nas demonstraccedilotildees24 Nas linhas 37minus39 Aristoacuteteles se pronuncia a respeito dos termos de alta generalidade (summa genera

24 Eacute bem verdade que em relaccedilatildeo ao cenaacuterio que temos em Segundos Analiacuteticos I 2 a noccedilatildeo de apodeixis que aparece no capiacutetulo 27 ainda exige muitos aperfeiccediloamentos mas natildeo nos parece justo entendecirc-la meramente como prova silogiacutestica jaacute que ela envolve exigecircncias de ordem atributiva que restringem as provas denotadas pela noccedilatildeo de apodeixis assumida no capiacutetulo a um subgrupo da noccedilatildeo mais geral de silogismo As provas silogiacutesticas formuladas em Primeiros Analiacuteticos II 15 por exemplo ficam de fora do grupo de silogismos dos quais o capiacutetulo 27 pretende dar conta Assim sendo optamos por manter a traduccedilatildeo de apodeixis por ldquodemonstraccedilatildeordquo e natildeo por ldquoprovardquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

22

eou transcategoriais) a possibilidade de demonstrar qualquer outro termo a respeito deles eacute recusada25 mas a de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute afirmada textualmente Nas linhas 39minus40 o pronunciamento se faz a respeito dos termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) a possibilidade de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute recusada mas a de demonstrar outros termos a respeito deles tambeacutem eacute afirmada Nas linhas 40minus42 Aristoacuteteles trata dos termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) e natildeo lhes impotildee nenhuma restriccedilatildeo eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles26

Por fim nas linhas 42minus43 Aristoacuteteles encerra a passagem com um pronunciamento de caraacuteter geral e conclusivo pronunciamento que ao contraacuterio do que Ross sugeriu e mais tarde Lukasiewicz endossou natildeo nega absolutamente nada do que fora dito ateacute entatildeo

Eacute claro que o leitor ainda pode levar em conta que Aristoacuteteles soacute faz uso da expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 ao se pronunciar a respeito dos termos de alta generalidade e que por isso a pressuposiccedilatildeo de tal expressatildeo nos demais pronunciamentos seria artificiosa e desqualificaria a traduccedilatildeo e a leitura que propomos De fato essa expressatildeo causou incocircmodo a alguns tradutores de liacutengua inglesa influenciados provavelmente pelos legados de Ross e Lukasiewicz A J Jenkinson e Robin Smith por exemplo traduzem a

25 Na verdade Aristoacuteteles reconhece uma exceccedilatildeo aludindo agrave possibilidade de ldquodemonstrarrdquo segundo opiniatildeo (κατὰ δόξαν) mas essa exceccedilatildeo eacute uma alternativa a ser evitada 26 No manuscrito n temos δειχθήσεται ao inveacutes de λεχθήσεται na linha 42 As duas alternativas favorecem a nossa leitura Optamos pela manutenccedilatildeo de λεχθήσεται para natildeo perder a relaccedilatildeo explicativa que haacute entre os pronunciamentos das linhas 40minus41 de um lado e 30minus32 de outro De fato com λεχθήσεται a linha 42 apenas repete o que fora dito nas linhas 30minus32 Essa opccedilatildeo revela que as linhas 30minus32 explicam a linha 42 e sugere que a mesma relaccedilatildeo explicativa ocorra entre as linhas 25minus29 e 39minus40 bem como entre as linhas 29minus30 e 37minus39

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

23

expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 como ldquodemonstraterdquo e ldquodemonstrate to be predicatedrdquo respectivamente No entanto ambos evitam tal traduccedilatildeo nas linhas subsequumlentes nas quais a expressatildeo natildeo aparece de modo expliacutecito e substituem ldquodemonstraterdquo por ldquopredicaterdquo27

Haacute pelo menos uma boa razatildeo para rejeitar tais traduccedilotildees elas assumem que na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) precisamente no que diz respeito agraves consequumlecircncias que as restriccedilotildees introduzidas na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) tecircm sobre as demonstraccedilotildees Aristoacuteteles estaria interessado apenas nos termos de alta generalidade dado que recorre agrave expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον exclusivamente ao tratar deles Assim no que diz respeito agrave atuaccedilatildeo dos demais termos (τὰ καθrsquo ἕκαστα e τὰ μεταξὺ) nas demonstraccedilotildees Aristoacuteteles jaacute natildeo teria a pretensatildeo de avaliar as consequumlecircncias dessas restriccedilotildees limitando-se apenas a repetir o que fora dito na primeira seccedilatildeo Essa leitura impotildee ao texto uma interrupccedilatildeo natildeo muito natural em seu desenvolvimento e ainda o torna redundante sem apresentar uma razatildeo satisfatoacuteria que justifique essa leitura

27 Na linha 39 por exemplo A J Jenkinson (in Barnes 1984) traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquobut these may be predicated of other thingsrdquo Robin Smith vai na mesma direccedilatildeo e traduz como ldquobut they are predicated of othersrdquo embora reconheccedila em seu comentaacuterio ao trecho 43a 40ss na paacutegina 50 (comentaacuterio que na verdade trata da linha 39) que a frase pode ser traduzida como ldquoother things are demonstrated to be predicated of themrdquo nas linhas 39-40 Jenkinson traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNeither can individuals be predicated of other things although other things can be predicated of themrdquo Robin Smith natildeo destoa disso e traduz como ldquoNeither can individuals be predicated of other things but instead other things are predicated of themrdquo por fim nas linhas 40-41 Jenkinson traduz τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται como ldquoWhatever lies between these limits can be spoken of in both waysrdquo ao passo que Robin Smith traduz como ldquoBut it is clear that for those in between predication is possible in both waysrdquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

24

Na contramatildeo de A J Jenkinson e Robin Smith temos Mario Mignucci e Gisela Striker que traduzem a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον como ldquodimostrare che essi si predicanordquo e ldquodemonstrate to be said ofrdquo respectivamente e entendem as linhas 39minus41 como pronunciamentos nos quais embora natildeo apareccedila de modo expliacutecito a expressatildeo ainda estaacute em jogo28 Essas traduccedilotildees certamente satildeo as mais fieacuteis ao texto grego e corroboram a traduccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo que propomos justificando o abandono da leitura tradicional sugerida por Ross e cristalizada nos estudos de Lukasiewicz A essa altura jaacute podemos fazer um balanccedilo dos resultados que o capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos de fato nos impotildee O cenaacuterio que se desenha eacute o seguinte (i) termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) natildeo eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου)29 de outros termos por isso tampouco eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos no entanto eacute possiacutevel lhes atribuir outros termos como legiacutetimos

28 Na linha 39 por exemplo Mignucci traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquomentre egrave possibile dimostrare che essi si predicano di altrirdquo Striker por sua vez traduz como ldquobut [sc one can demonstrate] only that they themselves are predicated of other thingsrdquo na linha 40 ambos fazem questatildeo de recuperar a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον Mignucci traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNon egrave neanche possibile dimostrare che i singolari si predicano di altre cose ma soltanto che altre cose si predicano di essirdquo Striker segue a mesma linha e traduz como ldquonor can one demonstrate that individuals are said of other things but only that other things are said of themrdquo Na linha 41 por sua vez a expressatildeo eacute recuperada novamente e o trecho τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται eacute traduzido por Mignucci como ldquoEgrave chiaro invece che le cose intermedie egrave possibile dimostrarle nei due modirdquo ao passo que por Striker como ldquoBut clearly the intermediate things admit [sc to be demonstrated] of bothrdquo 29 Tais termos natildeo se predicam de nenhum outro a natildeo ser κατὰ συμβεβηκός (43a 33minus35)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

25

predicados por conseguinte tambeacutem eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 25minus29 e 39minus40) (ii) termos de alta generalidade (summa genera eou τὰ πᾶσιν ἑπόμενα)30 natildeo lhes eacute possiacutevel atribuir outros termos como legiacutetimos predicados ndash de fato natildeo haacute termo anterior (πρότερον) que lhes possa ser atribuiacutedo por isso tampouco eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles no entanto eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos logo tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos (conferir 43a 29minus30 e 37minus39) (iii) termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos bem como lhes atribuir outros termos como legiacutetimos predicados em razatildeo disso tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 30minus32 e 40minus42)

Assim o que prevalece eacute que Aristoacuteteles jamais afastou de sua loacutegica qualquer das trecircs classes de termos apresentadas em Primeiros Analiacuteticos I 27 muito embora tenha endereccedilado certas restriccedilotildees atributivas a algumas delas 2 Primeiros Analiacuteticos I 28 e os Axiomas de Patzig

Patzig parece entender que o capiacutetulo 27 natildeo eacute merecedor de toda a atenccedilatildeo que lhe foi concedida por Ross e Lukasiewicz O capiacutetulo 28 em sua opiniatildeo eacute bem mais promissor no que diz respeito agrave questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera31 enquanto o capiacutetulo 27

30 Como Aristoacuteteles natildeo oferece exemplos de termos desse tipo deixamos indeterminado se satildeo summa genera como propotildee Ross ou transcategoriais de generalidade total (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como prefere Lukasiewicz (cf nota 3) 31 Patzig (1959 sect3 p 6)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

26

serviria mais como discussatildeo preparatoacuteria para os assuntos tratados no capiacutetulo seguinte

De fato haacute forte unidade entre esses textos O objetivo predominante que os vincula e orienta eacute anunciado no iniacutecio do capiacutetulo 27 e consiste em mostrar ldquode que modo sempre estaremos providos de silogismos em relaccedilatildeo ao que for proposto e por qual via alcanccedilamos os princiacutepios de cada coisardquo32 O capiacutetulo 27 contribui com esse objetivo na medida em que faz recomendaccedilotildees sobre como selecionar termos e premissas e classifica os fatores silogiacutesticos segundo as funccedilotildees (sujeito e predicado) que podem desempenhar de modo irrestrito em proposiccedilotildees silogiacutesticas A contribuiccedilatildeo do capiacutetulo 28 por sua vez estaacute associada aos procedimentos de prova de cada uma das quatro formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Esses procedimentos satildeo caracterizados basicamente pela descriccedilatildeo dos paracircmetros de localizaccedilatildeo do fator capaz de mediar os extremos (τά ἄκρα) na relaccedilatildeo categoacuterica acarretada na conclusatildeo Trata-se portanto de procedimentos de busca e localizaccedilatildeo do termo mediador (τὸ μέσον)

Assim para provar por exemplo a relaccedilatildeo universal afirmativa EaA prescreve Aristoacuteteles devemos encontrar um fator comum a duas listas (i) aquela de termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e (ii) aquela de termos que se atribuem universalmente ao extremo menor E33 O resultado seraacute o mediador M tal que MaA e EaM o que perfaz um silogismo em Barbara Semelhantemente para provar a relaccedilatildeo particular afirmativa EiA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um elemento comum agraves listas de (i) termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente ou seja agraves listas de termos que cada um dos extremos E e A ldquoacompanhardquo (ἕπεσθαι ou ακολουθεῖν) Nesse caso o termo comum M seraacute tal que MaA e MaE o que nos

32 An Pr I 27 43a 20ndash21 33 An Pr I 28 43b 39ndash43

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

27

permite concluir EiA por Darapti (terceira figura)34 Por sua vez a prova da relaccedilatildeo universal negativa EeA tambeacutem se valeraacute da identificaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios a um extremo e de (ii) termos que se atribuem universalmente ao outro extremo se o mediador M comum agraves duas listas for contraacuterio ao extremo maior A e universalmente atribuiacutedo ao extremo menor E o mediador M seraacute tal que MeA e EaM ou AeM e EaM possibilitando a prova de EeA (respectivamente) por Celarent e por Cesare mas se o mediador M for contraacuterio ao extremo menor E e universalmente atribuiacutedo ao extremo maior A M seraacute tal que AaM e EeM restringindo a prova de EeA a Camestres35 Por fim para provar a relaccedilatildeo particular negativa EoA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios ao extremo maior A e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente Assim o mediador M seraacute tal que MeA e MaE o que prova EoA por Felapton36

Em todas as recomendaccedilotildees do capiacutetulo 28 Aristoacuteteles se orienta pelas conclusotildees almejadas propondo a partir delas procedimentos de busca e localizaccedilatildeo dos fatores capazes de acarretar cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas A estrateacutegia de Aristoacuteteles portanto natildeo consiste em partir de premissas e deduzir os resultados que delas se seguem mas fazendo o caminho inverso consiste em partir da conclusatildeo e buscar o termo mediador capaz de articular os extremos na relaccedilatildeo categoacuterica (a e i ou o) da conclusatildeo

Por natildeo captar a natureza invertida dessa estrateacutegia Patzig natildeo compreendeu plenamente o que Aristoacuteteles propusera e julgou que o capiacutetulo 28 muito mais que o capiacutetulo 27 impunha severas restriccedilotildees agrave lista de termos capazes de figurar em silogismos aristoteacutelicos Na verdade o capiacutetulo 28 nem sequer trata da questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera mas limita-se a descrever os paracircmetros de

34 Ibidem 43b 43ndash44a 2 35 An Pr I 44a 2ndash8 36 An Pr I 28 44a 9ndash11

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

28

localizaccedilatildeo do mediador de cada forma categoacuterica Eacute claro que ao descrever esses paracircmetros Aristoacuteteles acaba por assumir certos pressupostos que em uacuteltimo caso podem ter algum efeito sobre a lista de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica Ainda assim eacute preciso observar que as recomendaccedilotildees apresentadas no capiacutetulo 28 satildeo pensadas em relaccedilatildeo agrave prova de cada proposiccedilatildeo categoacuterica em particular Por isso os pressupostos envolvidos nessas recomendaccedilotildees bem como as eventuais restriccedilotildees de termos que lhes sejam correlatas deveratildeo ter aplicaccedilatildeo circunscrita a cada caso isto eacute aos procedimentos de prova de cada conclusatildeo em particular

Patzig parece natildeo ter dado a devida atenccedilatildeo a esse detalhe pois embora compreenda os seus axiomas como pressupostos impliacutecitos das recomendaccedilotildees de Aristoacuteteles ndash recomendaccedilotildees cuja aplicaccedilatildeo estaacute circunscrita a cada caso ndash Patzig os assume como vaacutelidos para termos de todo e qualquer silogismo37 No entanto eacute flagrante que certos silogismos natildeo dependem de alguns de seus axiomas Um arquetiacutepico silogismo em Barbara por exemplo funciona perfeitamente bem sem pressupor para qualquer de seus termos a validade do terceiro axioma isto eacute sem pressupor que exista para qualquer de seus termos (ou mesmo para qualquer de seus extremos para ser fiel ao capiacutetulo 28) um termo que lhe seja ldquocontraacuteriordquo

Ao que tudo indica o que levou Patzig a estender a validade de seus axiomas sobre todos os silogismos eacute o trecho 44a 12minus17 em que Aristoacuteteles estipula letras para as listas de termos com as quais pretende trabalhar na exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova38 Na referida passagem Aristoacuteteles considera basicamente trecircs tipos de termos que se distinguem pelo termo extremo que lhes eacute correlato bem como pela relaccedilatildeo predicativa que cada um manteacutem com esse extremo Para cada extremo Aristoacuteteles estipula (i) termos que lhe satildeo atribuiacutedos universalmente (ii) termos aos quais ele proacuteprio se atribui universalmente e (iii) termos que natildeo lhe

37 Patzig (1959) sect3 p 6ndash7 38 An Pr I 28 44a 12minus17

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

29

podem ser atribuiacutedos Os termos de primeiro tipo devem ter servido de estiacutemulo para a necessidade de termos superordenados proacuteprios que eacute marca do segundo axioma de Patzig os termos de segundo tipo por sua vez para a necessidade de termos subordinados proacuteprios marca do primeiro axioma os de terceiro por fim para a necessidade de termos ldquocontraacuteriosrdquo marca do terceiro axioma

Eacute bem verdade que os termos estipulados por Aristoacuteteles envolvem certa analogia com os axiomas propostos por Patzig Mas eacute preciso notar em primeiro lugar que nenhum dos procedimentos de prova descritos por Aristoacuteteles depende da estipulaccedilatildeo dos trecircs tipos de termos39 A recomendaccedilatildeo de prova da proposiccedilatildeo particular afirmativa por exemplo requer apenas (ii) termos aos quais os extremos se atribuem universalmente40 O fato de Aristoacuteteles jaacute estipular de antematildeo trecircs tipos de termos para cada extremo natildeo torna obrigatoacuterio que todo e qualquer extremo (e muito menos que todo e qualquer termo silogiacutestico como prefere Patzig) independentemente do silogismo a que pertenccedila dependa dos trecircs tipos de termos estipulados precisamente porque a estipulaccedilatildeo desses termos estaacute ancorada em um par de extremos que eacute muito peculiar Esse par de extremos eacute pensado com propoacutesitos didaacuteticos orientados agrave exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova de cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas (a e i e o) Trata-se de um par de extremos que em benefiacutecio da exposiccedilatildeo eacute assumido como articulaacutevel em qualquer das relaccedilotildees categoacutericas Poreacutem essa assunccedilatildeo soacute faz sentido no contexto preciso dessa exposiccedilatildeo de procedimentos de prova afinal algumas dessas relaccedilotildees categoacutericas satildeo incompatiacuteveis entre si ndash por exemplo as relaccedilotildees universal afirmativa e particular negativa Por isso devemos presumir que as estipulaccedilotildees de termos que lhes datildeo suporte tambeacutem o satildeo e portanto natildeo podem valer em conjunto e para todos os casos

39 Idem 44a 17minus30 40 Ibidem 44a 19minus21

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

30

Para esclarecer esse ponto retomemos rapidamente os procedimentos de prova das proposiccedilotildees universal afirmativa e particular negativa41 Assumindo um mesmo par de extremos como faz Aristoacuteteles estaremos diante de proposiccedilotildees contraditoacuterias (EaA e EoA) Dado que tais proposiccedilotildees satildeo incompatiacuteveis as condiccedilotildees das quais elas satildeo provenientes tambeacutem o seratildeo Dizendo de outro modo a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (i) termos aos quais o extremo maior se atribui universalmente e (ii) termos que se atribuem universalmente ao extremo menor eacute incompatiacutevel com a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (irsquo) termos aos quais o extremo maior natildeo pode ser atribuiacutedo e (iirsquo) termos aos quais o extremo menor se atribui universalmente Assim em presenccedila das condiccedilotildees de prova de uma das proposiccedilotildees incompatiacuteveis as condiccedilotildees da outra poderatildeo ser dispensadas jaacute que satildeo condiccedilotildees requeridas para uma prova cuja possibilidade jaacute natildeo existe E natildeo haacute razatildeo para manter os termos estipulados e dispensar apenas a possibilidade de um termo comum entre as listas pois ambos os pressupostos satildeo requisitados para servir um uacutenico e mesmo propoacutesito o de estabelecer condiccedilotildees para a prova da relaccedilatildeo categoacuterica que se pretende obter Natildeo haacute uma razatildeo que justifique a manutenccedilatildeo das listas de termos estipulados em detrimento da possibilidade de um termo comum entre as listas pois o propoacutesito que introduz uma exigecircncia tambeacutem introduz a outra Sob essa perspectiva fica claro que os termos estipulados no trecho 44a 12minus17 natildeo podem ser pressupostos indispensaacuteveis de quaisquer termos silogiacutesticos tampouco pressupostos que devem ser satisfeitos em conjunto por termos de todo e qualquer silogismo Afinal Aristoacuteteles estipula cada uma das listas supondo que seus termos seratildeo candidatos agrave funccedilatildeo de mediador (e natildeo agrave funccedilatildeo de termos silogiacutesticos) e o faz segundo as exigecircncias especiacuteficas envolvidas na prova de cada relaccedilatildeo categoacuterica em particular (a e i ou o) Compreender tais listas como pressupostos

41 An Pr I 28 43b 39minus43 e 44a 9minus11

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

31

que devem ser satisfeitos por todo e qualquer termo silogiacutestico eacute um equiacutevoco

Em segundo lugar o capiacutetulo 28 natildeo parece estar orientado propriamente agrave prova silogiacutestica das formas categoacutericas mas em algum sentido agrave demonstraccedilatildeo de tais relaccedilotildees Haacute indiacutecios que sugerem essa leitura O principal deles talvez seja o fato de Aristoacuteteles se mostrar interessado em localizar um meson que fica no meio do caminho entre um mediador que satisfaz requisitos meramente dedutivos e um mediador que supera tais requisitos e se configura como um fator explanatoacuterio em uma legiacutetima demonstraccedilatildeo cientiacutefica42 Retomemos por exemplo as recomendaccedilotildees de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) Em 43b 43ndash44a 2 Aristoacuteteles recomenda a prova de EiA por premissas universais conduzindo a prova a um silogismo em Darapti embora admita a possibilidade de concluir proposiccedilotildees particulares a partir de um par de premissas em que apenas uma eacute universal (41b 22minus27) Em 44a 9ndash11 a exemplo do que ocorre com a prova de EiA Aristoacuteteles recomenda a prova de EoA novamente por premissas universais desta vez conduzindo a prova a um silogismo em Felapton Essas duas recomendaccedilotildees de prova pressupotildeem que o meson requisitado para a prova natildeo eacute um mediador meramente dedutivo mas um mediador que se articula com os extremos exclusivamente por relaccedilotildees universais Eacute claro que esse cenaacuterio ainda estaacute muito distante daquele que temos por exemplo no capiacutetulo 2 do Livro II de Segundos

42 Em uma demonstraccedilatildeo cientiacutefica natildeo basta que o mediador se relacione com os extremos de tal modo que a deduccedilatildeo da conclusatildeo esteja formalmente assegurada Aristoacuteteles ainda exige que o mediador satisfaccedila certos requisitos natildeo formais O principal deles eacute o de explicar adequadamente por que o extremo maior se atribui ao extremo menor (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 por exemplo essa diferenccedila (entre um mediador que satisfaz exigecircncias meramente dedutivas e um mediador que funciona como explicaccedilatildeo do fato relatado na conclusatildeo) eacute utilizada como criteacuterio baacutesico para distinguir o conhecimento de que C eacute A (conhecimento do fato) e o conhecimento de por que C eacute A (conhecimento da causa)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

32

Analiacuteticos (90a 6minus7) em que o meson eacute pensado como a causa que explica por que a relaccedilatildeo dada entre os extremos explicitada na conclusatildeo da demonstraccedilatildeo eacute o caso Mesmo assim temos o suficiente para mostrar que Aristoacuteteles natildeo estaacute levando em conta todos os silogismos de seu sistema loacutegico mas apenas aqueles nos quais ambas as premissas satildeo universais Por que razatildeo exatamente Aristoacuteteles faz essa escolha eacute algo a se investigar O que nos importa eacute que essa escolha restringe o escopo do capiacutetulo a um grupo especiacutefico de silogismos o que natildeo eacute compatiacutevel com a validade irrestrita dos axiomas propostos por Patzig

Em terceiro lugar Aristoacuteteles natildeo lida com as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo proacutepria superordenaccedilatildeo proacutepria e contrariedade mas prefere (i) termos que acompanham o extremo (τὰ ἑπόμενα) (ii) termos aos quais o extremo acompanha (οἷς αὐτὸ ἕπεται) e (iii) termos que natildeo podem ser atribuiacutedos ao extremo (ἃ μὴ ἐνδέχεται αὐτῷ ὑπάρχειν) Essa diferenccedila natildeo eacute apenas terminoloacutegica mas conceitual As relaccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias pressupotildeem termos que natildeo satildeo coextensivos se X eacute um termo subordinado proacuteprio de Y XaY eacute o caso mas YaX natildeo se Z eacute um termo superordenado proacuteprio de Y YaZ eacute o caso mas ZaY natildeo O proacuteprio Patzig reconhece essas consequumlecircncias ao formular os seus dois primeiros axiomas43 Aristoacuteteles no entanto ao se valer das relaccedilotildees de ldquoacompanhamentordquo entre os termos natildeo hesita em rejeitaacute-las No capiacutetulo 29 por exemplo Aristoacuteteles menciona a possibilidade de provar por hipoacutetese (συλλογίσασθαι ἐξ ὑποθέσεως) os problemas universais (a e e) assumindo precisamente a possibilidade de coextensatildeo entre os termos envolvidos possibilidade da qual Patzig parece prescindir ao formular seus axiomas A passagem agrave qual nos referimos eacute a seguinte

εἰ γὰρ τὸ Γ καὶ τὸ Η ταὐτὰ εἴη μόνοις δὲ ληφθείη τοῖς Η τὸ Ε ὑπάρχειν παντὶ ἂν τῷ Ε τὸ Α ὑπάρχοι καὶ πάλιν εἰ τὸ Δ καὶ Η ταὐτὰ μόνων δὲ τῶν Η τὸ Ε κατηγοροῖτο ὅτι οὐδενὶ τῷ Ε τὸ Α ὑπάρξει

43 Patzig (1959 sect3 p 6ndash7)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

33

Com efeito se C e G fossem o mesmo mas se assumisse que E se atribui apenas aos Grsquos A se atribuiria a todo E Novamente se D e G fossem o mesmo mas E se afirmasse apenas dos Grsquos A se atribuiraacute a nenhum E (45b 24minus27)

Em 44a 12minus17 Aristoacuteteles jaacute havia estipulado que a letra C representaria um termo ao qual o extremo maior A acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente tambeacutem foi estipulado que a letra G representaria um termo ao qual o extremo menor E acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente por fim ainda ficou decidido que a letra D representaria um termo que natildeo pode ser atribuiacutedo ao extremo maior A Assim a identidade entre C e G a exemplo do que ocorre em 44a 19minus21 conduz a prova de EiA a um silogismo em Darapti ao passo que a identidade entre D e G a exemplo do que ocorre em 44a 28minus30 conduz a prova de EoA a um silogismo em Felapton44 No entanto nessa passagem embora os procedimentos de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) sejam acionados aquilo que se quer mostrar eacute de que modo podemos provar por hipoacutetese (ἐξ ὑποθέσεως) as proposiccedilotildees universais Para alcanccedilar esse resultado Aristoacuteteles assume que o extremo menor E se atribui apenas (μόνον) a G o que pode ser interpretado como uma maneira diferente de dizer que E e G satildeo termos coextensivos Sinal disso eacute o seguinte ao assumir que E se atribui apenas a G Aristoacuteteles se vecirc autorizado a concluir as proposiccedilotildees universais EaA e EeA o que soacute faz sentido sob o pressuposto de que G e E satildeo termos coextensivos De fato sob tal pressuposto a premissa menor GaE pode ser ldquoconvertidardquo em EaG o que transforma Darapti em Barbara bem como Felapton em Celarent Mas se os termos aos quais o extremo menor E acompanha forem pensados como termos subordinados proacuteprios de E GaE seraacute o caso mas EaG natildeo Por conseguinte tampouco as conclusotildees EaA e EeA se seguiriam Assim se quisermos conferir sentido agrave passagem temos que assumir que Aristoacuteteles recorreu agrave possibilidade de construir silogismos com termos

44 Darapti CaA GaE rarr EiA (C=G) Felapton DeA GaE rarr EoA (D=G)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

34

que satildeo coextensivos e se assim for podemos dizer que para Aristoacuteteles a presenccedila de silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos em sua loacutegica natildeo causava qualquer inconveniente45

Segundo nos parece as razotildees alegadas ateacute aqui jaacute satildeo suficientes para mostrar que os axiomas de Patzig natildeo podem servir como criteacuterios delimitadores de termos silogiacutesticos Ainda assim vale a pena examinar duas passagens que eventualmente poderiam ser invocadas contra a interpretaccedilatildeo que propomos Embora natildeo sejam citadas pelos proponentes das opiniotildees tradicionais natildeo eacute difiacutecil imaginar que elas tenham servido de inspiraccedilatildeo para aqueles que defendem a exclusatildeo dos termos transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo De fato agrave primeira vista tais passagens podem nos levar a pensar que Aristoacuteteles natildeo guardou lugar para tais termos na silogiacutestica No entanto como veremos isso soacute eacute verdade agrave primeira vista

45 O capiacutetulo 29 natildeo eacute a uacutenica evidecircncia de silogismos com termos coextensivos na silogiacutestica No capiacutetulo 5 do Livro II de Primeiros Analiacuteticos precisamente em 57b 35minus58a 12 Aristoacuteteles trabalha com silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos Por sua vez no capiacutetulo 22 em 67b 27minus32 Aristoacuteteles inicia o texto dizendo que a coextensatildeo entre os termos extremos de um silogismo requer um mediador tambeacutem coextensivo o que revela por parte de Aristoacuteteles plena consciecircncia a respeito da existecircncia de silogismos com triacuteades coextensivas Nos Segundos Analiacuteticos o interesse de Aristoacuteteles por demonstraccedilotildees que envolvem termos coextensivos pode ser classificado como uma obsessatildeo Basta notar que a proacutepria demonstraccedilatildeo universal ndash aquela que eacute considerada por Aristoacuteteles como cientiacutefica no mais alto grau ndash tem como uma de suas principais caracteriacutesticas a coextensatildeo entre os trecircs termos do silogismo (cf Seg An I 4 73b 32minus74a 3) o que revela o papel central das triacuteades coextensivas no projeto aristoteacutelico que eacute inaugurado com a silogiacutestica e culmina nas demonstraccedilotildees cientiacuteficas (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 e II 16 Aristoacuteteles novamente recorre a termos coextensivos na formulaccedilatildeo de silogismos A nossa preferecircncia pela passagem 45b 24minus27 do capiacutetulo 29 de Primeiros Analiacuteticos se daacute apenas com base em sua conexatildeo indiscutiacutevel com o capiacutetulo 28 no qual Patzig julga encontrar seus axiomas

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

35

Uma das passagens agraves quais nos referimos eacute aquela com a qual Aristoacuteteles encerra o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I Vejamos o que diz Aristoacuteteles

ἔτι τὰ πᾶσιν ἑπόμενα οὐκ ἐκλεκτέον οὐ γὰρ ἔσται συλλογισμὸς ἐξ αὐτων διrsquo ἣν δrsquo αἰτίαν ἐν τοῖς ἑπομένοις ἔσται δῆλον Aleacutem disso natildeo eacute preciso selecionar os itens que acompanham todas as coisas pois natildeo haacute silogismo a partir deles A razatildeo disso ficaraacute evidente a seguir (43b 36minus38)

Essa passagem trata dos termos transcategoriais de generalidade total (τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) e delega a justificativa de seu proacuteprio pronunciamento ao capiacutetulo seguinte no qual Patzig encontrou inspiraccedilatildeo para seus axiomas No capiacutetulo 28 cumprindo o prometido Aristoacuteteles retoma esse assunto e reitera a impossibilidade de construir silogismos a partir de termos de generalidade total

φανερὸν οὖν ὅτι διὰ τῶν προειρημένων σχημάτων οἱ συλλογισμοὶ πάντες καὶ ὅτι οὐκ ἐκλεκτέον ὅσα πᾶσιν ἕπεται διὰ τὸ μηδένα γίγνεσθαι συλλογισμὸν ἐξ αὐτῶν κατασκευάζειν μὲν γὰρ ὅλως οὐκ ἦν ἐκ τῶν ἑπομένων ἀποστερεῖν δrsquo οὐκ ἐνδέχεται διὰ τοῦ πᾶσιν ἑπομένου δεῖ γὰρ τῷ μὲν ὑπάρχειν τῷ δὲ μὴ ὑπάρχειν Eacute evidente entatildeo que todos os silogismos vecircm a ser atraveacutes das figuras previamente mencionadas e que natildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisas porque nenhum silogismo vem a ser a partir deles De fato de modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanham e natildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outro (44b 19minus24)

Fora de contexto e em uma leitura mais apressada essas duas passagens podem nos levar a crer que a opiniatildeo tradicional que afasta da silogiacutestica os termos de generalidade total (como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) de fato encontra respaldo nos textos de Aristoacuteteles No entanto mais uma vez eacute preciso levar em conta que o capiacutetulo 28 eacute marcado pela

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

36

descriccedilatildeo de estrateacutegias de localizaccedilatildeo de termos mediadores e natildeo de termos em geral Dizendo de outro modo Aristoacuteteles natildeo estaacute interessado em localizar os termos que deveratildeo encerrar a conclusatildeo de um silogismo pelo contraacuterio tais termos jaacute estatildeo plenamente determinados bem como a relaccedilatildeo proposicional (a e i e o) que haacute entre eles dado que a conclusatildeo na qual interagem funciona como ponto de partida da investigaccedilatildeo empreendida no capiacutetulo O que interessa para Aristoacuteteles eacute a localizaccedilatildeo de termos mediadores e eacute nesse horizonte que tais passagens devem ser lidas Assim ao negar a possibilidade de construir silogismos a partir de termos transcategoriais de generalidade total (ἐξ αὐτῶν) o que Aristoacuteteles quer dizer eacute que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos46 nos quais a funccedilatildeo de mediador seja desempenhada por um termo desse tipo razatildeo pela qual na busca pelo mediador recomenda Aristoacuteteles ldquonatildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisasrdquo (44b 20minus21) Para justificar essa recomendaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta duas razotildees (i) ldquode modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanhamrdquo (44b 22minus23) (ii) ldquonatildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outrordquo (44b 23minus24) Na primeira razatildeo Aristoacuteteles parece reconsiderar as listas de termos estipuladas no trecho 44a 11minus17 pressupondo ao que tudo indica que os transcategoriais de generalidade total soacute podem figurar em listas de termos que acompanham os extremos Isso se justificaria pela natureza inapta de tais termos para o papel de sujeito em proposiccedilotildees silogiacutesticas conforme se constata no capiacutetulo I 27 Assim na medida em que nas provas afirmativas a busca pelo mediador natildeo envolve

46 Na verdade como o escopo do capiacutetulo 28 natildeo abarca todo e qualquer silogismo seria mais correto dizer que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos (nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas) assumindo um termo de generalidade total na funccedilatildeo de mediador

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

37

apenas a lista de termos que acompanham um dos extremos mas tambeacutem a lista de termos aos quais um dos extremos acompanha (ver 43b 39minus44a 2) os transcategoriais de generalidade total perdem a candidatura agrave funccedilatildeo de mediador e jaacute de saiacuteda nem sequer precisam ser considerados47 Na segunda razatildeo por sua vez Aristoacuteteles leva em conta o fato de que as provas negativas dependem de um mediador capaz de figurar em proposiccedilotildees universais negativas verdadeiras exigecircncia que natildeo estaacute no alcance dos termos de generalidade total Afinal se estamos diante de um transcategorial desse tipo de antematildeo jaacute assumimos a inexistecircncia de um termo do qual ele natildeo seja predicado Assim os termos de generalidade total ficam impedidos de serem atribuiacutedos a um extremo e natildeo atribuiacutedos ao outro (44b 24) como deve ser o mediador de um silogismo negativo

O que eacute verdade portanto eacute que Aristoacuteteles dispensa os termos de generalidade total da funccedilatildeo de mediador De fato quando se pretende construir silogismos nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas tal como ocorre no capiacutetulo 28 a busca do mediador entre transcategoriais de generalidade total eacute sempre infrutiacutefera porque soacute poderaacute devolver como resposta pretensos fatores de mediaccedilatildeo marcados por duas deficiecircncias principais a

47 Supomos que em tais passagens Aristoacuteteles de fato tem em mente as recomendaccedilotildees de prova apresentadas no iniacutecio do capiacutetulo 28 de modo que apenas os silogismos em Barbara e Darapti sejam considerados como silogismos afirmativos (cf 43b 39minus44a 2) Assim entendemos que o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 se justificaria porque os termos de generalidade total na prova de a natildeo podem integrar a lista de termos aos quais o extremo maior acompanha bem como na prova de i a lista de termos aos quais ambos os extremos acompanham No entanto ainda que os demais silogismos afirmativos sejam levados em conta o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 continua verdadeiro jaacute que Darii Disamis e Datisi tambeacutem exigem que o mediador esteja entre os termos aos quais o(s) extremo(s) acompanha(m)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

38

impossibilidade de desempenhar a funccedilatildeo de sujeito de modo legiacutetimo e a incapacidade de compor proposiccedilotildees negativas verdadeiras

Nenhuma das passagens mencionadas acima (43b 36minus38 e 44b 19minus24) eacute citada ndash nem por Lukasiewicz nem por Patzig ndash como evidecircncia de que Aristoacuteteles teria rejeitado os termos de generalidade total em seu sistema loacutegico Poreacutem diante da escassez de evidecircncias em favor da suposta exclusatildeo de tais termos natildeo eacute insensato presumir que os proponentes dessa exclusatildeo tenham encontrado inspiraccedilatildeo nelas

Na proacutexima seccedilatildeo examinaremos textos nos quais Aristoacuteteles constroacutei silogismos com termos de natureza singular Veremos que o incocircmodo com a presenccedila de tais termos na silogiacutestica eacute menos de Aristoacuteteles e mais de seus inteacuterpretes 3 Termos Singulares e o Silogismo Peripateacutetico

Jaacute comentamos o fato de Lukasiewicz ter feito pesadas criacuteticas agrave silogiacutestica em especial ao suposto fato de Aristoacuteteles ter afastado os termos de natureza singular de seu sistema loacutegico o que seria segundo Lukasiewicz ldquoo maior defeitordquo da loacutegica aristoteacutelica48 Ao que parece o responsaacutevel por levaacute-lo por esse caminho foi Ross que tomou nota do tambeacutem suposto fato de Aristoacuteteles nunca se valer de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos49 Lukasiewicz reiterou a constataccedilatildeo de Ross (embora natildeo o cite) e nela encontrou razatildeo para natildeo reconhecer como rigorosamente aristoteacutelico o silogismo que qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo silogismo formulado em primeira figura com um nome proacuteprio como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo

De acordo com a triparticcedilatildeo de termos que pudemos conhecer no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I (Seccedilatildeo II Parte 1) natildeo temos qualquer razatildeo para expulsar da silogiacutestica os termos de natureza singular Eacute

48 Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect3 p 6) 49 Ross (1949 p 289 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

39

claro que Aristoacuteteles natildeo deixa de lhes endereccedilar certas restriccedilotildees poreacutem vale a pena repetir nenhuma das restriccedilotildees introduzidas por Aristoacuteteles no referido capiacutetulo tem forccedila suficiente para expulsar os termos singulares da loacutegica aristoteacutelica De fato embora tais termos natildeo possam figurar em proposiccedilotildees como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nada impede que outros termos lhes sejam atribuiacutedos por conseguinte embora natildeo possam ser demonstrados como legiacutetimos predicados de outros termos nada impede que outros termos sejam demonstrados como predicados deles50

Fora dos Analiacuteticos jaacute esbarramos em indiacutecios que vatildeo nessa direccedilatildeo No capiacutetulo 10 de Metafiacutesica XIII (My) por exemplo haacute uma breve passagem que sugere esse resultado Enquanto argumenta em favor da tese de que ldquoo conhecimento eacute de universaisrdquo (ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου) Aristoacuteteles parece supor que os termos singulares ldquoeste triacircngulordquo e ldquoeste homemrdquo tambeacutem satildeo suscetiacuteveis de operaccedilotildees silogiacutesticas

[] ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου δῆλον δrsquo ἐκ τῶν ἀποδείξεων καὶ τῶν ὁρισμῶν οὐ γὰρ γίγνεται συλλογισμὸς ὅτι τόδε τὸ τρίγωνον δύο ὀρθαῖς εἰ μὴ πᾶν τρίγωνον δύο ὀρθαί οὐδrsquo ὅτι ὁδὶ ὁ ἄνθρωπος ζῷον εἰ μὴ πᾶς ἄνθρωπος ζῷον [] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos a natildeo ser que todo triacircngulo possua dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal a natildeo ser que todo homem seja animal (1086b 34minus37)

Poreacutem essa passagem natildeo eacute tatildeo simples quanto pode parecer agrave primeira vista51 Paul Shorey por exemplo reprovaria jaacute a traduccedilatildeo que

50 An Pr I 27 43a 25minus29 e 39minus40 Ao comentar o capiacutetulo 27 Mignucci (1969 p 443) tambeacutem reconhece a possibilidade ldquodi costruire dimostrazioni e sillogismi anche relativamente a singolarirdquo citando Alexandre que tambeacutem jaacute a observa em seus comentaacuterios (An Pr p 293 13minus23) 51 Shorey (1913)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

40

propomos porque ela faz crer que Aristoacuteteles estabelece uma relaccedilatildeo de dependecircncia dedutiva (silogiacutestica) entre proposiccedilotildees dependecircncia que de fato existe mas da qual para Shorey a passagem em questatildeo natildeo trataria De acordo com Shorey as ocorrecircncias de εἰ μὴ nas linhas 33 e 36 natildeo significam ldquo[] lsquounlessrsquo but is to be taken in its idiomatic sense as a virtual equivalent of ἀλλάrdquo Nesse caso uma traduccedilatildeo mais fiel agrave posiccedilatildeo de Shorey seria a seguinte

[] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos mas de que todo triacircngulo tem dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal mas de que todo homem eacute animal (1086b 34minus37)

Assim o texto estabeleceria natildeo que as proposiccedilotildees singulares no papel de conclusotildees silogiacutesticas satildeo (dedutivamente) dependentes das proposiccedilotildees universais mas que as conclusotildees propriamente silogiacutesticas satildeo universais (universalmente quantificadas) e natildeo singulares

Ross52 ao tratar dessa passagem natildeo deixa de comentar a posiccedilatildeo de Shorey

He [Shorey] argues that in l 33 knowledge is said to be lsquoofrsquo universals ie to have universal conclusions as well as universal premises [hellip] and that singular propositions never occur as conclusions in Aristotlersquos logical writings

Na verdade Shorey53 natildeo chega a dizer que proposiccedilotildees singulares nunca ocorrem como conclusotildees silogiacutesticas nos escritos loacutegicos de Aristoacuteteles embora passe perto disso

The syllogism with a particular54 conclusion is an inferior type (Analyt Post 79a 25ff) [hellip] Aristotle does not recognize singular proposition in his classification (Analyt Priora A1 Grote Aristotle I 205) and the

52 Ross (1953 p 464) 53 Shorey (1913 p 91) 54 Nesse contexto Shorey assume ldquoparticularrdquo e ldquosingularrdquo como equivalentes

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

41

conclusion to an individual case interests him very little and is practically ignored

Shorey tem alguma razatildeo em alegar que os silogismos que concluem proposiccedilotildees singulares (tambeacutem conhecidos como ldquoperipateacuteticosrdquo) satildeo de um tipo inferior especialmente quando se leva em conta o horizonte das demonstraccedilotildees cientiacuteficas55 mas erra quando recorre ao trecho 79a 25ss para dar base textual a tal alegaccedilatildeo ndash o referido trecho nem mesmo trata desse assunto Por sua vez e contra Shorey Ross56 surpreende ao alegar o seguinte

There are however occasional references in Aristotle to the occurrence of singular propositions as the minor premise or conclusion of syllogisms (eg An Pr 43a 37minus40) []

55 Para Aristoacuteteles o silogismo dito cientiacutefico no mais alto grau eacute a chamada demonstraccedilatildeo universal Eacute importante notar que aqui o adjetivo ldquouniversalrdquo tem um sentido muito preciso e natildeo se justifica pela mera ocorrecircncia de uma conclusatildeo universalmente quantificada Em Segundos Analiacuteticos I 4 73b 32minus74a 3 por exemplo Aristoacuteteles argumenta que a demonstraccedilatildeo universal natildeo conclui que todo isoacutesceles tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos mas que todo triacircngulo tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos revelando um requisito que envolve o ajuste preciso do extremo menor a partir de condiccedilotildees estabelecidas pelo extremo maior (cf Seg An I 5 74a 4minus6 13minus17 25minus32 74b 21minus26 I 24 85b 4minus15) Para Aristoacuteteles o predicado ldquoter a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retosrdquo ndash daqui para frente apenas ldquo2Rrdquo ndash se atribui a ldquoisoacutescelesrdquo de um modo que em algum sentido eacute parasitaacuterio da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo dado que isoacutesceles tem 2R na exata medida em que eacute triacircngulo Em outras palavras a atribuiccedilatildeo de ldquo2Rrdquo a ldquoisoacutescelesrdquo eacute entendida como indireta e dependente da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo Nesse contexto eacute natural presumir que um silogismo peripateacutetico seja concebido como inferior em relaccedilatildeo aos demais minus especialmente no que diz respeito ao grau de cientificidade minus jaacute que sua conclusatildeo natildeo poderaacute satisfazer as exigecircncias de uma legiacutetima conclusatildeo cientiacutefica tal como ocorre em uma demonstraccedilatildeo universal Jaacute quanto agraves propriedades dedutivas envolvidas em tal silogismo natildeo haacute razatildeo para consideraacute-lo inferior Para apreciaccedilatildeo detalhada da noccedilatildeo de demonstraccedilatildeo universal ver Angioni (2007) 56 Ross (1953 p 464)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

42

Ross supotildee que o argumento de Shorey pretende estabelecer a exclusatildeo dos termos singulares do domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica e aponta a passagem 43a 37minus40 como evidecircncia textual incompatiacutevel com essa exclusatildeo Temos aqui uma mudanccedila de opiniatildeo De fato conforme pudemos ver na primeira seccedilatildeo deste artigo ao tratar do trecho 43a 37minus43 na ediccedilatildeo comentada do texto grego de Primeiros e Segundos Analiacuteticos Ross chega a dizer que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares em seus exemplos de silogismos e argumenta em favor de uma silogiacutestica restrita a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ)57 Agora ao comentar a passagem 1086a 34minus37 de Metafiacutesica XIII (My) 10 Ross reconhece no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I uma evidecircncia em favor da inclusatildeo dos termos singulares na silogiacutestica Aparentemente o proacuteprio Ross natildeo tinha muita convicccedilatildeo a respeito da inclusatildeo ou exclusatildeo dos termos de natureza singular

De nossa parte admitimos que a passagem 1086a 34minus37 eacute digna da controveacutersia introduzida por Shorey ndash embora tenhamos mais apreccedilo pela interpretaccedilatildeo de Ross No entanto mesmo que Shorey tenha razatildeo a respeito do referido trecho de Metafiacutesica XIII (My) 10 a presenccedila de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares na silogiacutestica natildeo estaraacute ameaccedilada porque ainda podemos nos valer de passagens muito mais promissoras para decidir essa questatildeo passagens nas quais o proacuteprio Aristoacuteteles elabora cocircmputos silogiacutesticos com termos singulares como se a presenccedila deles na silogiacutestica natildeo lhe figurasse como uma anomalia

Patzig tinha conhecimento dessas passagens e fez questatildeo de citaacute-las no primeiro capiacutetulo de seu livro corrigindo o suposto fato alegado por Ross e Lukasiewicz de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos exemplos de silogismos que aparecem em Primeiros Analiacuteticos No entanto Patzig natildeo recorre a tais passagens a fim de reintroduzir os termos singulares na silogiacutestica mas procura

57 Idem 1949 p 384

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

43

desqualificaacute-las e assim reiterar os resultados de seus antecessores De fato embora reconheccedila as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 do Livro I bem como de ldquoPitacosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II Patzig manteacutem a posiccedilatildeo tradicional que afasta os termos de natureza singular da loacutegica aristoteacutelica alegando apenas que a ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo (70a 16minus20) se daacute em um silogismo invaacutelido ao passo que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo (47b 15ss) aparecem em premissas das quais nada se segue58

Eacute bem verdade que as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 de Primeiros Analiacuteticos I estatildeo associadas a pares de premissas dos quais nenhuma conclusatildeo se segue coisa que o proacuteprio Aristoacuteteles natildeo hesita em admitir No entanto embora sejam inconcludentes esses pares de premissas acomodam seus termos em disposiccedilotildees muito similares agravequelas de um silogismo vaacutelido (Barbara)59 o que lhes confere as feiccedilotildees de que satildeo concludentes quando na verdade natildeo o satildeo De acordo com Aristoacuteteles o que os impede de serem concludentes eacute o fato de que a premissa maior natildeo eacute universal60 Em 47b 26minus28 essa justificativa eacute apresentada por meio de um pronunciamento que merece alguma atenccedilatildeo Aristoacuteteles anuncia o fato de a premissa maior natildeo ser universal como quem supotildee que fosse ela universal o problema estaria resolvido e assim o par de premissas seria concludente61 Ora na medida em que Aristoacuteteles atribui o caraacuteter inconcludente dos pares de premissas precisamente agraves premissas maiores (e natildeo agraves premissas menores nas quais ocorrem os termos singulares) presume-se que esses termos natildeo introduzem qualquer caracteriacutestica censuraacutevel nos silogismos ali formulados Assim o fato de que natildeo estamos diante de pares de premissas concludentes por si soacute natildeo eacute

58 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 59 An Pr I 33 47b 21minus37 60 Idem 47b 26minus29 34minus37 e 38minus39 61 O uso contrafactual de ἔδει na linha 27 sugere essa leitura

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

44

suficiente para recusar ao capiacutetulo 33 o papel de evidecircncia em favor de tais termos na silogiacutestica62

Quanto agrave ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo em Primeiros Analiacuteticos II 27 (70a 16minus20) Patzig tem alguma razatildeo em alegar que ela se daacute em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido No entanto eacute preciso ajustar essa alegaccedilatildeo porque Aristoacuteteles natildeo descreve o argumento em questatildeo propriamente como um silogismo mas como um sinal (σημεῖον) e ao que parece um sinal e um silogismo ndash um legiacutetimo silogismo e natildeo um mero entimema ndash estatildeo longe de ser a mesma coisa63 Aleacutem disso temos uma ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo no mesmo capiacutetulo que eacute bem mais relevante para a discussatildeo mas que foi completamente ignorada pelos comentadores

Em 70a 26minus28 Aristoacuteteles formula dois silogismos nos quais aparece o termo singular ldquoPitacosrdquo Um deles eacute descrito como refutaacutevel (λύσιμος)64 basicamente porque a conclusatildeo natildeo se segue das premissas65 Natildeo precisamos nos deter nele Por ora o silogismo que fora introduzido algumas linhas antes e que foi descrito por Aristoacuteteles como irrefutaacutevel (ἄλυτος)66 eacute muito mais interessante Esse silogismo tem exatamente a formulaccedilatildeo paradigmaacutetica que Lukasiewicz qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo e agrave qual negou lugar na loacutegica aristoteacutelica Vale a pena citar essa passagem para marcar bem a presenccedila desse tipo de silogismo na loacutegica de Aristoacuteteles

62 M Malink (2009 p 119) por exemplo contrariando Patzig aponta o capiacutetulo I 33 minus bem como II 27 do qual trataremos a seguir minus como evidecircncia em favor de termos singulares na silogiacutestica Ver tambeacutem Mignucci ldquoAristotlersquos Theory of Predicationrdquo p 10 ldquoParts Quantification and Aristotelian Predicationrdquo p 11 e Barnes ldquoTruth etcrdquo p 158-166 63 An Pr II 27 70a 24minus25 64 Ibidem 30minus31 e 34minus35 65 Ibidem 27minus28 e 30minus32 66 Ibidem 29

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

45

Ἐὰν μὲν οὖν ἡ μία λεχθῇ πρότασις σημεῖον γίνεται μόνον ἐὰν δὲ καὶ ἡ ἑτέρα προσληφθῇ συλλογισμός οἷον ὅτι Πιττακὸς ἐλευθέριος οἱ γὰρ φιλότιμοι ἐλευθέριοι Πιττακὸς δὲ φιλότιμος Assim se somente uma premissa for assumida haacute apenas um sinal ao passo que se a outra premissa tambeacutem for assumida entatildeo haacute um silogismo por exemplo lsquoPitacos eacute destemido pois os homens de brio satildeo destemidos e Pitacos eacute homem de briorsquo (70a 24minus27)67

A descriccedilatildeo eacute inusitada porque Aristoacuteteles comeccedila pela conclusatildeo Mas isso natildeo prejudica o resultado a que queremos chegar O nome proacuteprio ldquoPitacosrdquo eacute sem duacutevida o extremo menor que aparece como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo ldquodestemidordquo eacute o extremo maior predicado da premissa maior e da conclusatildeo por fim a funccedilatildeo de mediador fica por conta de ldquohomem de briordquo Em uma reconstituiccedilatildeo um pouco mais formalizada temos o seguinte silogismo todo homem de brio eacute destemido Pitacos eacute (um) homem de brio logo Pitacos eacute destemido

O leitor mais desconfiado talvez hesite em aceitar que a premissa maior ldquoos homens de brio satildeo destemidosrdquo possa ser formalizada com um quantificador universal mas haacute sinais claros de que eacute assim que devemos concebecirc-la Em primeiro lugar Aristoacuteteles reconhece a legitimidade desse silogismo e supotildee que a conclusatildeo decorre das premissas o que por si soacute jaacute pressupotildee a universalidade da premissa maior Caso contraacuterio a conclusatildeo natildeo se impotildee Em segundo lugar haacute um pequeno detalhe que causa surpresa nesse capiacutetulo e que merece atenccedilatildeo de nossa parte Aristoacuteteles justifica o caraacuteter irrefutaacutevel do mencionado silogismo alegando que se trata de um silogismo universal (καθόλου γὰρ ἐστιν cf 70a 30) Ora como se sabe Aristoacuteteles descreve como universais precisamente aqueles silogismos nos quais a conclusatildeo eacute universal quais sejam Barbara Celarent Cesare e Camestres Por isso ao caracterizar o ldquosilogismo peripateacuteticordquo como um silogismo universal

67 As traduccedilotildees de φιλότιμος e ἐλευθέριος certamente satildeo discutiacuteveis mas em nada afetam os nossos objetivos

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

46

Aristoacuteteles pode querer sinalizar que em algum sentido a conclusatildeo ldquoPitacos eacute destemidordquo deva ser compreendida como uma proposiccedilatildeo fundada em uma atribuiccedilatildeo universal68 como se o referido ldquosilogismo peripateacuteticordquo precisamente em razatildeo disso fosse digno do mesmo status concedido aos demais silogismos universais (Barbara Celarente Cesare e Camestres) Essa leitura sugere que a concepccedilatildeo aristoteacutelica de atribuiccedilatildeo universal talvez deva ser repensada jaacute que ela daacute sinais de se estender sobre casos para os quais natildeo cabe falar em quantificadores (universais) ndash eacute o que parece ocorrer no ldquosilogismo peripateacuteticordquo acima mencionado

O aprofundamento desse ponto no entanto eacute algo que ultrapassa o escopo da presente investigaccedilatildeo e seu exame deve ser deixado para outra ocasiatildeo A essa altura o objetivo principal desta seccedilatildeo jaacute nos parece ter sido alcanccedilado pois consiste apenas em mostrar o que os leitores menos versados nos Analiacuteticos jaacute perceberam haacute muito tempo a saber que o chamado ldquosilogismo peripateacuteticordquo natildeo soacute faz parte da loacutegica aristoteacutelica mas mais do que isso ainda pode desfrutar de um lugar privilegiado no interior da silogiacutestica entre os chamados ldquosilogismos universaisrdquo Diante desse quadro natildeo haacute duacutevida de que os termos de natureza singular tecircm lugar garantido na loacutegica de Aristoacuteteles69

68 Provavelmente foi inspirado em passagens como essa que J N Keynes (1906 p 102) sugeriu conceber as proposiccedilotildees singulares como uma subclasse de proposiccedilotildees universais Lukasiewicz tomou nota dessa possibilidade e a considerou totalmente equivocada Mas para isso ignorou completamente o trecho 70a 24minus30 69 Agradeccedilo ao professor Lucas Angioni (Unicamp) pela prontidatildeo na leitura de versotildees preacutevias deste artigo pelas indicaccedilotildees de passagens para reforccedilar o argumento e pelas alteraccedilotildees de texto sugeridas as quais certamente contribuiacuteram para melhorar o resultado final aqui apresentado Agradeccedilo tambeacutem aos professores Raphael Zillig (UFRGS) e Inara Zanuzzi (UFRGS) pela oportunidade de discutir alguns resultados provisoacuterios deste artigo no Seminaacuterio sobre Primeiros Analiacuteticos I 27 organizado pelo professor Raphael e realizado na UFRGS no ano de 2011 Por fim tambeacutem agradeccedilo aos

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

47

REFEREcircNCIAS

ANGIONI L ldquoO Conhecimento Cientiacutefico no Livro I dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesrdquo Revista de Filosofia Antiga (online) vol 1 n 1 2007 (httpwwwfilosofiaantigacomdocuments23html)

BARNES J (ed) Aristotle Prior Analytics (trans by A J Jenkinson in Barnes 1984 vol 1 p 39minus113)

mdashmdashmdashmdash Truth etc Six Lectures on Ancient Logic Oxford Clarendon Press 2007

BOCHENSKI J Ancient Formal Logic Amsterdam North-Holland Publishing 1951

CORCORAN J ldquoCompleteness of an Ancient Logicrdquo Journal of Symbolic Logic 37 696minus702 1972

KEYNES J N Studies and Exercises in Formal Logic (fourth edition rewritten and enlarged) New York The Macmillan Company 1906

LUKASIEWICZ J Aristotlersquos Syllogistic from the Standpoint of Modern Formal Logic Oxford Clarendon Press 1951

MALINK M ldquoA Non-Extensional Notion of Conversion in the Organonrdquo Oxford Studies in Ancient Philosophy Vol XXXVII p 106minus141 Oxford University Press 2009

MIGNUCCI M Aristotele Gli analitici primi ndash Traduzione introduzione e commento Naples Loffredo 1969

companheiros de pesquisa Francine Maria Ribeiro e Mateus Ricardo Fernandes Ferreira (UEMminusPR) pela leitura das primeiras versotildees desse texto e pelas proveitosas sugestotildees que me fizeram

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

48

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Theory of Predication in I Angelilli and M Cerezo (eds) Studies in the History of Logic 1minus20 Berlin 1996

mdashmdashmdashmdash Parts Quantification and Aristotelian Predication Monist 83 3minus21 2000

PATZIG G Aristotlersquos Theory of the Syllogism A Logico-Philosophical Study of Book A of the Prior Analytics Translated by Jonathan Barnes Dordrecht Reidel 1959

ROSS W D Aristotlersquos Prior and Posterior Analytics Oxford Clarendon Press 1949

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Metaphysics Oxford Clarendon Press 1953 (1924)

SHOREY P ldquoA Note on Aristotlersquos Metaphysics 1086b 32minus37rdquo Classical Philology Vol 8 n 1 pp 90minus92 1913

SMITH R Aristotle Prior Analytics Indianapolis Hackett Publishing Company 1989

STRIKER G Aristotle Prior Analytics Book I Oxford Clarendon Press 2009

Page 18: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

22

eou transcategoriais) a possibilidade de demonstrar qualquer outro termo a respeito deles eacute recusada25 mas a de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute afirmada textualmente Nas linhas 39minus40 o pronunciamento se faz a respeito dos termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) a possibilidade de demonstraacute-los a respeito de outros termos eacute recusada mas a de demonstrar outros termos a respeito deles tambeacutem eacute afirmada Nas linhas 40minus42 Aristoacuteteles trata dos termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) e natildeo lhes impotildee nenhuma restriccedilatildeo eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles26

Por fim nas linhas 42minus43 Aristoacuteteles encerra a passagem com um pronunciamento de caraacuteter geral e conclusivo pronunciamento que ao contraacuterio do que Ross sugeriu e mais tarde Lukasiewicz endossou natildeo nega absolutamente nada do que fora dito ateacute entatildeo

Eacute claro que o leitor ainda pode levar em conta que Aristoacuteteles soacute faz uso da expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 ao se pronunciar a respeito dos termos de alta generalidade e que por isso a pressuposiccedilatildeo de tal expressatildeo nos demais pronunciamentos seria artificiosa e desqualificaria a traduccedilatildeo e a leitura que propomos De fato essa expressatildeo causou incocircmodo a alguns tradutores de liacutengua inglesa influenciados provavelmente pelos legados de Ross e Lukasiewicz A J Jenkinson e Robin Smith por exemplo traduzem a

25 Na verdade Aristoacuteteles reconhece uma exceccedilatildeo aludindo agrave possibilidade de ldquodemonstrarrdquo segundo opiniatildeo (κατὰ δόξαν) mas essa exceccedilatildeo eacute uma alternativa a ser evitada 26 No manuscrito n temos δειχθήσεται ao inveacutes de λεχθήσεται na linha 42 As duas alternativas favorecem a nossa leitura Optamos pela manutenccedilatildeo de λεχθήσεται para natildeo perder a relaccedilatildeo explicativa que haacute entre os pronunciamentos das linhas 40minus41 de um lado e 30minus32 de outro De fato com λεχθήσεται a linha 42 apenas repete o que fora dito nas linhas 30minus32 Essa opccedilatildeo revela que as linhas 30minus32 explicam a linha 42 e sugere que a mesma relaccedilatildeo explicativa ocorra entre as linhas 25minus29 e 39minus40 bem como entre as linhas 29minus30 e 37minus39

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

23

expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 como ldquodemonstraterdquo e ldquodemonstrate to be predicatedrdquo respectivamente No entanto ambos evitam tal traduccedilatildeo nas linhas subsequumlentes nas quais a expressatildeo natildeo aparece de modo expliacutecito e substituem ldquodemonstraterdquo por ldquopredicaterdquo27

Haacute pelo menos uma boa razatildeo para rejeitar tais traduccedilotildees elas assumem que na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) precisamente no que diz respeito agraves consequumlecircncias que as restriccedilotildees introduzidas na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) tecircm sobre as demonstraccedilotildees Aristoacuteteles estaria interessado apenas nos termos de alta generalidade dado que recorre agrave expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον exclusivamente ao tratar deles Assim no que diz respeito agrave atuaccedilatildeo dos demais termos (τὰ καθrsquo ἕκαστα e τὰ μεταξὺ) nas demonstraccedilotildees Aristoacuteteles jaacute natildeo teria a pretensatildeo de avaliar as consequumlecircncias dessas restriccedilotildees limitando-se apenas a repetir o que fora dito na primeira seccedilatildeo Essa leitura impotildee ao texto uma interrupccedilatildeo natildeo muito natural em seu desenvolvimento e ainda o torna redundante sem apresentar uma razatildeo satisfatoacuteria que justifique essa leitura

27 Na linha 39 por exemplo A J Jenkinson (in Barnes 1984) traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquobut these may be predicated of other thingsrdquo Robin Smith vai na mesma direccedilatildeo e traduz como ldquobut they are predicated of othersrdquo embora reconheccedila em seu comentaacuterio ao trecho 43a 40ss na paacutegina 50 (comentaacuterio que na verdade trata da linha 39) que a frase pode ser traduzida como ldquoother things are demonstrated to be predicated of themrdquo nas linhas 39-40 Jenkinson traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNeither can individuals be predicated of other things although other things can be predicated of themrdquo Robin Smith natildeo destoa disso e traduz como ldquoNeither can individuals be predicated of other things but instead other things are predicated of themrdquo por fim nas linhas 40-41 Jenkinson traduz τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται como ldquoWhatever lies between these limits can be spoken of in both waysrdquo ao passo que Robin Smith traduz como ldquoBut it is clear that for those in between predication is possible in both waysrdquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

24

Na contramatildeo de A J Jenkinson e Robin Smith temos Mario Mignucci e Gisela Striker que traduzem a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον como ldquodimostrare che essi si predicanordquo e ldquodemonstrate to be said ofrdquo respectivamente e entendem as linhas 39minus41 como pronunciamentos nos quais embora natildeo apareccedila de modo expliacutecito a expressatildeo ainda estaacute em jogo28 Essas traduccedilotildees certamente satildeo as mais fieacuteis ao texto grego e corroboram a traduccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo que propomos justificando o abandono da leitura tradicional sugerida por Ross e cristalizada nos estudos de Lukasiewicz A essa altura jaacute podemos fazer um balanccedilo dos resultados que o capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos de fato nos impotildee O cenaacuterio que se desenha eacute o seguinte (i) termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) natildeo eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου)29 de outros termos por isso tampouco eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos no entanto eacute possiacutevel lhes atribuir outros termos como legiacutetimos

28 Na linha 39 por exemplo Mignucci traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquomentre egrave possibile dimostrare che essi si predicano di altrirdquo Striker por sua vez traduz como ldquobut [sc one can demonstrate] only that they themselves are predicated of other thingsrdquo na linha 40 ambos fazem questatildeo de recuperar a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον Mignucci traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNon egrave neanche possibile dimostrare che i singolari si predicano di altre cose ma soltanto che altre cose si predicano di essirdquo Striker segue a mesma linha e traduz como ldquonor can one demonstrate that individuals are said of other things but only that other things are said of themrdquo Na linha 41 por sua vez a expressatildeo eacute recuperada novamente e o trecho τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται eacute traduzido por Mignucci como ldquoEgrave chiaro invece che le cose intermedie egrave possibile dimostrarle nei due modirdquo ao passo que por Striker como ldquoBut clearly the intermediate things admit [sc to be demonstrated] of bothrdquo 29 Tais termos natildeo se predicam de nenhum outro a natildeo ser κατὰ συμβεβηκός (43a 33minus35)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

25

predicados por conseguinte tambeacutem eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 25minus29 e 39minus40) (ii) termos de alta generalidade (summa genera eou τὰ πᾶσιν ἑπόμενα)30 natildeo lhes eacute possiacutevel atribuir outros termos como legiacutetimos predicados ndash de fato natildeo haacute termo anterior (πρότερον) que lhes possa ser atribuiacutedo por isso tampouco eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles no entanto eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos logo tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos (conferir 43a 29minus30 e 37minus39) (iii) termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos bem como lhes atribuir outros termos como legiacutetimos predicados em razatildeo disso tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 30minus32 e 40minus42)

Assim o que prevalece eacute que Aristoacuteteles jamais afastou de sua loacutegica qualquer das trecircs classes de termos apresentadas em Primeiros Analiacuteticos I 27 muito embora tenha endereccedilado certas restriccedilotildees atributivas a algumas delas 2 Primeiros Analiacuteticos I 28 e os Axiomas de Patzig

Patzig parece entender que o capiacutetulo 27 natildeo eacute merecedor de toda a atenccedilatildeo que lhe foi concedida por Ross e Lukasiewicz O capiacutetulo 28 em sua opiniatildeo eacute bem mais promissor no que diz respeito agrave questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera31 enquanto o capiacutetulo 27

30 Como Aristoacuteteles natildeo oferece exemplos de termos desse tipo deixamos indeterminado se satildeo summa genera como propotildee Ross ou transcategoriais de generalidade total (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como prefere Lukasiewicz (cf nota 3) 31 Patzig (1959 sect3 p 6)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

26

serviria mais como discussatildeo preparatoacuteria para os assuntos tratados no capiacutetulo seguinte

De fato haacute forte unidade entre esses textos O objetivo predominante que os vincula e orienta eacute anunciado no iniacutecio do capiacutetulo 27 e consiste em mostrar ldquode que modo sempre estaremos providos de silogismos em relaccedilatildeo ao que for proposto e por qual via alcanccedilamos os princiacutepios de cada coisardquo32 O capiacutetulo 27 contribui com esse objetivo na medida em que faz recomendaccedilotildees sobre como selecionar termos e premissas e classifica os fatores silogiacutesticos segundo as funccedilotildees (sujeito e predicado) que podem desempenhar de modo irrestrito em proposiccedilotildees silogiacutesticas A contribuiccedilatildeo do capiacutetulo 28 por sua vez estaacute associada aos procedimentos de prova de cada uma das quatro formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Esses procedimentos satildeo caracterizados basicamente pela descriccedilatildeo dos paracircmetros de localizaccedilatildeo do fator capaz de mediar os extremos (τά ἄκρα) na relaccedilatildeo categoacuterica acarretada na conclusatildeo Trata-se portanto de procedimentos de busca e localizaccedilatildeo do termo mediador (τὸ μέσον)

Assim para provar por exemplo a relaccedilatildeo universal afirmativa EaA prescreve Aristoacuteteles devemos encontrar um fator comum a duas listas (i) aquela de termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e (ii) aquela de termos que se atribuem universalmente ao extremo menor E33 O resultado seraacute o mediador M tal que MaA e EaM o que perfaz um silogismo em Barbara Semelhantemente para provar a relaccedilatildeo particular afirmativa EiA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um elemento comum agraves listas de (i) termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente ou seja agraves listas de termos que cada um dos extremos E e A ldquoacompanhardquo (ἕπεσθαι ou ακολουθεῖν) Nesse caso o termo comum M seraacute tal que MaA e MaE o que nos

32 An Pr I 27 43a 20ndash21 33 An Pr I 28 43b 39ndash43

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

27

permite concluir EiA por Darapti (terceira figura)34 Por sua vez a prova da relaccedilatildeo universal negativa EeA tambeacutem se valeraacute da identificaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios a um extremo e de (ii) termos que se atribuem universalmente ao outro extremo se o mediador M comum agraves duas listas for contraacuterio ao extremo maior A e universalmente atribuiacutedo ao extremo menor E o mediador M seraacute tal que MeA e EaM ou AeM e EaM possibilitando a prova de EeA (respectivamente) por Celarent e por Cesare mas se o mediador M for contraacuterio ao extremo menor E e universalmente atribuiacutedo ao extremo maior A M seraacute tal que AaM e EeM restringindo a prova de EeA a Camestres35 Por fim para provar a relaccedilatildeo particular negativa EoA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios ao extremo maior A e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente Assim o mediador M seraacute tal que MeA e MaE o que prova EoA por Felapton36

Em todas as recomendaccedilotildees do capiacutetulo 28 Aristoacuteteles se orienta pelas conclusotildees almejadas propondo a partir delas procedimentos de busca e localizaccedilatildeo dos fatores capazes de acarretar cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas A estrateacutegia de Aristoacuteteles portanto natildeo consiste em partir de premissas e deduzir os resultados que delas se seguem mas fazendo o caminho inverso consiste em partir da conclusatildeo e buscar o termo mediador capaz de articular os extremos na relaccedilatildeo categoacuterica (a e i ou o) da conclusatildeo

Por natildeo captar a natureza invertida dessa estrateacutegia Patzig natildeo compreendeu plenamente o que Aristoacuteteles propusera e julgou que o capiacutetulo 28 muito mais que o capiacutetulo 27 impunha severas restriccedilotildees agrave lista de termos capazes de figurar em silogismos aristoteacutelicos Na verdade o capiacutetulo 28 nem sequer trata da questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera mas limita-se a descrever os paracircmetros de

34 Ibidem 43b 43ndash44a 2 35 An Pr I 44a 2ndash8 36 An Pr I 28 44a 9ndash11

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

28

localizaccedilatildeo do mediador de cada forma categoacuterica Eacute claro que ao descrever esses paracircmetros Aristoacuteteles acaba por assumir certos pressupostos que em uacuteltimo caso podem ter algum efeito sobre a lista de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica Ainda assim eacute preciso observar que as recomendaccedilotildees apresentadas no capiacutetulo 28 satildeo pensadas em relaccedilatildeo agrave prova de cada proposiccedilatildeo categoacuterica em particular Por isso os pressupostos envolvidos nessas recomendaccedilotildees bem como as eventuais restriccedilotildees de termos que lhes sejam correlatas deveratildeo ter aplicaccedilatildeo circunscrita a cada caso isto eacute aos procedimentos de prova de cada conclusatildeo em particular

Patzig parece natildeo ter dado a devida atenccedilatildeo a esse detalhe pois embora compreenda os seus axiomas como pressupostos impliacutecitos das recomendaccedilotildees de Aristoacuteteles ndash recomendaccedilotildees cuja aplicaccedilatildeo estaacute circunscrita a cada caso ndash Patzig os assume como vaacutelidos para termos de todo e qualquer silogismo37 No entanto eacute flagrante que certos silogismos natildeo dependem de alguns de seus axiomas Um arquetiacutepico silogismo em Barbara por exemplo funciona perfeitamente bem sem pressupor para qualquer de seus termos a validade do terceiro axioma isto eacute sem pressupor que exista para qualquer de seus termos (ou mesmo para qualquer de seus extremos para ser fiel ao capiacutetulo 28) um termo que lhe seja ldquocontraacuteriordquo

Ao que tudo indica o que levou Patzig a estender a validade de seus axiomas sobre todos os silogismos eacute o trecho 44a 12minus17 em que Aristoacuteteles estipula letras para as listas de termos com as quais pretende trabalhar na exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova38 Na referida passagem Aristoacuteteles considera basicamente trecircs tipos de termos que se distinguem pelo termo extremo que lhes eacute correlato bem como pela relaccedilatildeo predicativa que cada um manteacutem com esse extremo Para cada extremo Aristoacuteteles estipula (i) termos que lhe satildeo atribuiacutedos universalmente (ii) termos aos quais ele proacuteprio se atribui universalmente e (iii) termos que natildeo lhe

37 Patzig (1959) sect3 p 6ndash7 38 An Pr I 28 44a 12minus17

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

29

podem ser atribuiacutedos Os termos de primeiro tipo devem ter servido de estiacutemulo para a necessidade de termos superordenados proacuteprios que eacute marca do segundo axioma de Patzig os termos de segundo tipo por sua vez para a necessidade de termos subordinados proacuteprios marca do primeiro axioma os de terceiro por fim para a necessidade de termos ldquocontraacuteriosrdquo marca do terceiro axioma

Eacute bem verdade que os termos estipulados por Aristoacuteteles envolvem certa analogia com os axiomas propostos por Patzig Mas eacute preciso notar em primeiro lugar que nenhum dos procedimentos de prova descritos por Aristoacuteteles depende da estipulaccedilatildeo dos trecircs tipos de termos39 A recomendaccedilatildeo de prova da proposiccedilatildeo particular afirmativa por exemplo requer apenas (ii) termos aos quais os extremos se atribuem universalmente40 O fato de Aristoacuteteles jaacute estipular de antematildeo trecircs tipos de termos para cada extremo natildeo torna obrigatoacuterio que todo e qualquer extremo (e muito menos que todo e qualquer termo silogiacutestico como prefere Patzig) independentemente do silogismo a que pertenccedila dependa dos trecircs tipos de termos estipulados precisamente porque a estipulaccedilatildeo desses termos estaacute ancorada em um par de extremos que eacute muito peculiar Esse par de extremos eacute pensado com propoacutesitos didaacuteticos orientados agrave exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova de cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas (a e i e o) Trata-se de um par de extremos que em benefiacutecio da exposiccedilatildeo eacute assumido como articulaacutevel em qualquer das relaccedilotildees categoacutericas Poreacutem essa assunccedilatildeo soacute faz sentido no contexto preciso dessa exposiccedilatildeo de procedimentos de prova afinal algumas dessas relaccedilotildees categoacutericas satildeo incompatiacuteveis entre si ndash por exemplo as relaccedilotildees universal afirmativa e particular negativa Por isso devemos presumir que as estipulaccedilotildees de termos que lhes datildeo suporte tambeacutem o satildeo e portanto natildeo podem valer em conjunto e para todos os casos

39 Idem 44a 17minus30 40 Ibidem 44a 19minus21

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

30

Para esclarecer esse ponto retomemos rapidamente os procedimentos de prova das proposiccedilotildees universal afirmativa e particular negativa41 Assumindo um mesmo par de extremos como faz Aristoacuteteles estaremos diante de proposiccedilotildees contraditoacuterias (EaA e EoA) Dado que tais proposiccedilotildees satildeo incompatiacuteveis as condiccedilotildees das quais elas satildeo provenientes tambeacutem o seratildeo Dizendo de outro modo a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (i) termos aos quais o extremo maior se atribui universalmente e (ii) termos que se atribuem universalmente ao extremo menor eacute incompatiacutevel com a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (irsquo) termos aos quais o extremo maior natildeo pode ser atribuiacutedo e (iirsquo) termos aos quais o extremo menor se atribui universalmente Assim em presenccedila das condiccedilotildees de prova de uma das proposiccedilotildees incompatiacuteveis as condiccedilotildees da outra poderatildeo ser dispensadas jaacute que satildeo condiccedilotildees requeridas para uma prova cuja possibilidade jaacute natildeo existe E natildeo haacute razatildeo para manter os termos estipulados e dispensar apenas a possibilidade de um termo comum entre as listas pois ambos os pressupostos satildeo requisitados para servir um uacutenico e mesmo propoacutesito o de estabelecer condiccedilotildees para a prova da relaccedilatildeo categoacuterica que se pretende obter Natildeo haacute uma razatildeo que justifique a manutenccedilatildeo das listas de termos estipulados em detrimento da possibilidade de um termo comum entre as listas pois o propoacutesito que introduz uma exigecircncia tambeacutem introduz a outra Sob essa perspectiva fica claro que os termos estipulados no trecho 44a 12minus17 natildeo podem ser pressupostos indispensaacuteveis de quaisquer termos silogiacutesticos tampouco pressupostos que devem ser satisfeitos em conjunto por termos de todo e qualquer silogismo Afinal Aristoacuteteles estipula cada uma das listas supondo que seus termos seratildeo candidatos agrave funccedilatildeo de mediador (e natildeo agrave funccedilatildeo de termos silogiacutesticos) e o faz segundo as exigecircncias especiacuteficas envolvidas na prova de cada relaccedilatildeo categoacuterica em particular (a e i ou o) Compreender tais listas como pressupostos

41 An Pr I 28 43b 39minus43 e 44a 9minus11

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

31

que devem ser satisfeitos por todo e qualquer termo silogiacutestico eacute um equiacutevoco

Em segundo lugar o capiacutetulo 28 natildeo parece estar orientado propriamente agrave prova silogiacutestica das formas categoacutericas mas em algum sentido agrave demonstraccedilatildeo de tais relaccedilotildees Haacute indiacutecios que sugerem essa leitura O principal deles talvez seja o fato de Aristoacuteteles se mostrar interessado em localizar um meson que fica no meio do caminho entre um mediador que satisfaz requisitos meramente dedutivos e um mediador que supera tais requisitos e se configura como um fator explanatoacuterio em uma legiacutetima demonstraccedilatildeo cientiacutefica42 Retomemos por exemplo as recomendaccedilotildees de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) Em 43b 43ndash44a 2 Aristoacuteteles recomenda a prova de EiA por premissas universais conduzindo a prova a um silogismo em Darapti embora admita a possibilidade de concluir proposiccedilotildees particulares a partir de um par de premissas em que apenas uma eacute universal (41b 22minus27) Em 44a 9ndash11 a exemplo do que ocorre com a prova de EiA Aristoacuteteles recomenda a prova de EoA novamente por premissas universais desta vez conduzindo a prova a um silogismo em Felapton Essas duas recomendaccedilotildees de prova pressupotildeem que o meson requisitado para a prova natildeo eacute um mediador meramente dedutivo mas um mediador que se articula com os extremos exclusivamente por relaccedilotildees universais Eacute claro que esse cenaacuterio ainda estaacute muito distante daquele que temos por exemplo no capiacutetulo 2 do Livro II de Segundos

42 Em uma demonstraccedilatildeo cientiacutefica natildeo basta que o mediador se relacione com os extremos de tal modo que a deduccedilatildeo da conclusatildeo esteja formalmente assegurada Aristoacuteteles ainda exige que o mediador satisfaccedila certos requisitos natildeo formais O principal deles eacute o de explicar adequadamente por que o extremo maior se atribui ao extremo menor (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 por exemplo essa diferenccedila (entre um mediador que satisfaz exigecircncias meramente dedutivas e um mediador que funciona como explicaccedilatildeo do fato relatado na conclusatildeo) eacute utilizada como criteacuterio baacutesico para distinguir o conhecimento de que C eacute A (conhecimento do fato) e o conhecimento de por que C eacute A (conhecimento da causa)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

32

Analiacuteticos (90a 6minus7) em que o meson eacute pensado como a causa que explica por que a relaccedilatildeo dada entre os extremos explicitada na conclusatildeo da demonstraccedilatildeo eacute o caso Mesmo assim temos o suficiente para mostrar que Aristoacuteteles natildeo estaacute levando em conta todos os silogismos de seu sistema loacutegico mas apenas aqueles nos quais ambas as premissas satildeo universais Por que razatildeo exatamente Aristoacuteteles faz essa escolha eacute algo a se investigar O que nos importa eacute que essa escolha restringe o escopo do capiacutetulo a um grupo especiacutefico de silogismos o que natildeo eacute compatiacutevel com a validade irrestrita dos axiomas propostos por Patzig

Em terceiro lugar Aristoacuteteles natildeo lida com as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo proacutepria superordenaccedilatildeo proacutepria e contrariedade mas prefere (i) termos que acompanham o extremo (τὰ ἑπόμενα) (ii) termos aos quais o extremo acompanha (οἷς αὐτὸ ἕπεται) e (iii) termos que natildeo podem ser atribuiacutedos ao extremo (ἃ μὴ ἐνδέχεται αὐτῷ ὑπάρχειν) Essa diferenccedila natildeo eacute apenas terminoloacutegica mas conceitual As relaccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias pressupotildeem termos que natildeo satildeo coextensivos se X eacute um termo subordinado proacuteprio de Y XaY eacute o caso mas YaX natildeo se Z eacute um termo superordenado proacuteprio de Y YaZ eacute o caso mas ZaY natildeo O proacuteprio Patzig reconhece essas consequumlecircncias ao formular os seus dois primeiros axiomas43 Aristoacuteteles no entanto ao se valer das relaccedilotildees de ldquoacompanhamentordquo entre os termos natildeo hesita em rejeitaacute-las No capiacutetulo 29 por exemplo Aristoacuteteles menciona a possibilidade de provar por hipoacutetese (συλλογίσασθαι ἐξ ὑποθέσεως) os problemas universais (a e e) assumindo precisamente a possibilidade de coextensatildeo entre os termos envolvidos possibilidade da qual Patzig parece prescindir ao formular seus axiomas A passagem agrave qual nos referimos eacute a seguinte

εἰ γὰρ τὸ Γ καὶ τὸ Η ταὐτὰ εἴη μόνοις δὲ ληφθείη τοῖς Η τὸ Ε ὑπάρχειν παντὶ ἂν τῷ Ε τὸ Α ὑπάρχοι καὶ πάλιν εἰ τὸ Δ καὶ Η ταὐτὰ μόνων δὲ τῶν Η τὸ Ε κατηγοροῖτο ὅτι οὐδενὶ τῷ Ε τὸ Α ὑπάρξει

43 Patzig (1959 sect3 p 6ndash7)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

33

Com efeito se C e G fossem o mesmo mas se assumisse que E se atribui apenas aos Grsquos A se atribuiria a todo E Novamente se D e G fossem o mesmo mas E se afirmasse apenas dos Grsquos A se atribuiraacute a nenhum E (45b 24minus27)

Em 44a 12minus17 Aristoacuteteles jaacute havia estipulado que a letra C representaria um termo ao qual o extremo maior A acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente tambeacutem foi estipulado que a letra G representaria um termo ao qual o extremo menor E acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente por fim ainda ficou decidido que a letra D representaria um termo que natildeo pode ser atribuiacutedo ao extremo maior A Assim a identidade entre C e G a exemplo do que ocorre em 44a 19minus21 conduz a prova de EiA a um silogismo em Darapti ao passo que a identidade entre D e G a exemplo do que ocorre em 44a 28minus30 conduz a prova de EoA a um silogismo em Felapton44 No entanto nessa passagem embora os procedimentos de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) sejam acionados aquilo que se quer mostrar eacute de que modo podemos provar por hipoacutetese (ἐξ ὑποθέσεως) as proposiccedilotildees universais Para alcanccedilar esse resultado Aristoacuteteles assume que o extremo menor E se atribui apenas (μόνον) a G o que pode ser interpretado como uma maneira diferente de dizer que E e G satildeo termos coextensivos Sinal disso eacute o seguinte ao assumir que E se atribui apenas a G Aristoacuteteles se vecirc autorizado a concluir as proposiccedilotildees universais EaA e EeA o que soacute faz sentido sob o pressuposto de que G e E satildeo termos coextensivos De fato sob tal pressuposto a premissa menor GaE pode ser ldquoconvertidardquo em EaG o que transforma Darapti em Barbara bem como Felapton em Celarent Mas se os termos aos quais o extremo menor E acompanha forem pensados como termos subordinados proacuteprios de E GaE seraacute o caso mas EaG natildeo Por conseguinte tampouco as conclusotildees EaA e EeA se seguiriam Assim se quisermos conferir sentido agrave passagem temos que assumir que Aristoacuteteles recorreu agrave possibilidade de construir silogismos com termos

44 Darapti CaA GaE rarr EiA (C=G) Felapton DeA GaE rarr EoA (D=G)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

34

que satildeo coextensivos e se assim for podemos dizer que para Aristoacuteteles a presenccedila de silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos em sua loacutegica natildeo causava qualquer inconveniente45

Segundo nos parece as razotildees alegadas ateacute aqui jaacute satildeo suficientes para mostrar que os axiomas de Patzig natildeo podem servir como criteacuterios delimitadores de termos silogiacutesticos Ainda assim vale a pena examinar duas passagens que eventualmente poderiam ser invocadas contra a interpretaccedilatildeo que propomos Embora natildeo sejam citadas pelos proponentes das opiniotildees tradicionais natildeo eacute difiacutecil imaginar que elas tenham servido de inspiraccedilatildeo para aqueles que defendem a exclusatildeo dos termos transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo De fato agrave primeira vista tais passagens podem nos levar a pensar que Aristoacuteteles natildeo guardou lugar para tais termos na silogiacutestica No entanto como veremos isso soacute eacute verdade agrave primeira vista

45 O capiacutetulo 29 natildeo eacute a uacutenica evidecircncia de silogismos com termos coextensivos na silogiacutestica No capiacutetulo 5 do Livro II de Primeiros Analiacuteticos precisamente em 57b 35minus58a 12 Aristoacuteteles trabalha com silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos Por sua vez no capiacutetulo 22 em 67b 27minus32 Aristoacuteteles inicia o texto dizendo que a coextensatildeo entre os termos extremos de um silogismo requer um mediador tambeacutem coextensivo o que revela por parte de Aristoacuteteles plena consciecircncia a respeito da existecircncia de silogismos com triacuteades coextensivas Nos Segundos Analiacuteticos o interesse de Aristoacuteteles por demonstraccedilotildees que envolvem termos coextensivos pode ser classificado como uma obsessatildeo Basta notar que a proacutepria demonstraccedilatildeo universal ndash aquela que eacute considerada por Aristoacuteteles como cientiacutefica no mais alto grau ndash tem como uma de suas principais caracteriacutesticas a coextensatildeo entre os trecircs termos do silogismo (cf Seg An I 4 73b 32minus74a 3) o que revela o papel central das triacuteades coextensivas no projeto aristoteacutelico que eacute inaugurado com a silogiacutestica e culmina nas demonstraccedilotildees cientiacuteficas (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 e II 16 Aristoacuteteles novamente recorre a termos coextensivos na formulaccedilatildeo de silogismos A nossa preferecircncia pela passagem 45b 24minus27 do capiacutetulo 29 de Primeiros Analiacuteticos se daacute apenas com base em sua conexatildeo indiscutiacutevel com o capiacutetulo 28 no qual Patzig julga encontrar seus axiomas

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

35

Uma das passagens agraves quais nos referimos eacute aquela com a qual Aristoacuteteles encerra o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I Vejamos o que diz Aristoacuteteles

ἔτι τὰ πᾶσιν ἑπόμενα οὐκ ἐκλεκτέον οὐ γὰρ ἔσται συλλογισμὸς ἐξ αὐτων διrsquo ἣν δrsquo αἰτίαν ἐν τοῖς ἑπομένοις ἔσται δῆλον Aleacutem disso natildeo eacute preciso selecionar os itens que acompanham todas as coisas pois natildeo haacute silogismo a partir deles A razatildeo disso ficaraacute evidente a seguir (43b 36minus38)

Essa passagem trata dos termos transcategoriais de generalidade total (τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) e delega a justificativa de seu proacuteprio pronunciamento ao capiacutetulo seguinte no qual Patzig encontrou inspiraccedilatildeo para seus axiomas No capiacutetulo 28 cumprindo o prometido Aristoacuteteles retoma esse assunto e reitera a impossibilidade de construir silogismos a partir de termos de generalidade total

φανερὸν οὖν ὅτι διὰ τῶν προειρημένων σχημάτων οἱ συλλογισμοὶ πάντες καὶ ὅτι οὐκ ἐκλεκτέον ὅσα πᾶσιν ἕπεται διὰ τὸ μηδένα γίγνεσθαι συλλογισμὸν ἐξ αὐτῶν κατασκευάζειν μὲν γὰρ ὅλως οὐκ ἦν ἐκ τῶν ἑπομένων ἀποστερεῖν δrsquo οὐκ ἐνδέχεται διὰ τοῦ πᾶσιν ἑπομένου δεῖ γὰρ τῷ μὲν ὑπάρχειν τῷ δὲ μὴ ὑπάρχειν Eacute evidente entatildeo que todos os silogismos vecircm a ser atraveacutes das figuras previamente mencionadas e que natildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisas porque nenhum silogismo vem a ser a partir deles De fato de modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanham e natildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outro (44b 19minus24)

Fora de contexto e em uma leitura mais apressada essas duas passagens podem nos levar a crer que a opiniatildeo tradicional que afasta da silogiacutestica os termos de generalidade total (como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) de fato encontra respaldo nos textos de Aristoacuteteles No entanto mais uma vez eacute preciso levar em conta que o capiacutetulo 28 eacute marcado pela

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

36

descriccedilatildeo de estrateacutegias de localizaccedilatildeo de termos mediadores e natildeo de termos em geral Dizendo de outro modo Aristoacuteteles natildeo estaacute interessado em localizar os termos que deveratildeo encerrar a conclusatildeo de um silogismo pelo contraacuterio tais termos jaacute estatildeo plenamente determinados bem como a relaccedilatildeo proposicional (a e i e o) que haacute entre eles dado que a conclusatildeo na qual interagem funciona como ponto de partida da investigaccedilatildeo empreendida no capiacutetulo O que interessa para Aristoacuteteles eacute a localizaccedilatildeo de termos mediadores e eacute nesse horizonte que tais passagens devem ser lidas Assim ao negar a possibilidade de construir silogismos a partir de termos transcategoriais de generalidade total (ἐξ αὐτῶν) o que Aristoacuteteles quer dizer eacute que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos46 nos quais a funccedilatildeo de mediador seja desempenhada por um termo desse tipo razatildeo pela qual na busca pelo mediador recomenda Aristoacuteteles ldquonatildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisasrdquo (44b 20minus21) Para justificar essa recomendaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta duas razotildees (i) ldquode modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanhamrdquo (44b 22minus23) (ii) ldquonatildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outrordquo (44b 23minus24) Na primeira razatildeo Aristoacuteteles parece reconsiderar as listas de termos estipuladas no trecho 44a 11minus17 pressupondo ao que tudo indica que os transcategoriais de generalidade total soacute podem figurar em listas de termos que acompanham os extremos Isso se justificaria pela natureza inapta de tais termos para o papel de sujeito em proposiccedilotildees silogiacutesticas conforme se constata no capiacutetulo I 27 Assim na medida em que nas provas afirmativas a busca pelo mediador natildeo envolve

46 Na verdade como o escopo do capiacutetulo 28 natildeo abarca todo e qualquer silogismo seria mais correto dizer que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos (nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas) assumindo um termo de generalidade total na funccedilatildeo de mediador

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

37

apenas a lista de termos que acompanham um dos extremos mas tambeacutem a lista de termos aos quais um dos extremos acompanha (ver 43b 39minus44a 2) os transcategoriais de generalidade total perdem a candidatura agrave funccedilatildeo de mediador e jaacute de saiacuteda nem sequer precisam ser considerados47 Na segunda razatildeo por sua vez Aristoacuteteles leva em conta o fato de que as provas negativas dependem de um mediador capaz de figurar em proposiccedilotildees universais negativas verdadeiras exigecircncia que natildeo estaacute no alcance dos termos de generalidade total Afinal se estamos diante de um transcategorial desse tipo de antematildeo jaacute assumimos a inexistecircncia de um termo do qual ele natildeo seja predicado Assim os termos de generalidade total ficam impedidos de serem atribuiacutedos a um extremo e natildeo atribuiacutedos ao outro (44b 24) como deve ser o mediador de um silogismo negativo

O que eacute verdade portanto eacute que Aristoacuteteles dispensa os termos de generalidade total da funccedilatildeo de mediador De fato quando se pretende construir silogismos nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas tal como ocorre no capiacutetulo 28 a busca do mediador entre transcategoriais de generalidade total eacute sempre infrutiacutefera porque soacute poderaacute devolver como resposta pretensos fatores de mediaccedilatildeo marcados por duas deficiecircncias principais a

47 Supomos que em tais passagens Aristoacuteteles de fato tem em mente as recomendaccedilotildees de prova apresentadas no iniacutecio do capiacutetulo 28 de modo que apenas os silogismos em Barbara e Darapti sejam considerados como silogismos afirmativos (cf 43b 39minus44a 2) Assim entendemos que o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 se justificaria porque os termos de generalidade total na prova de a natildeo podem integrar a lista de termos aos quais o extremo maior acompanha bem como na prova de i a lista de termos aos quais ambos os extremos acompanham No entanto ainda que os demais silogismos afirmativos sejam levados em conta o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 continua verdadeiro jaacute que Darii Disamis e Datisi tambeacutem exigem que o mediador esteja entre os termos aos quais o(s) extremo(s) acompanha(m)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

38

impossibilidade de desempenhar a funccedilatildeo de sujeito de modo legiacutetimo e a incapacidade de compor proposiccedilotildees negativas verdadeiras

Nenhuma das passagens mencionadas acima (43b 36minus38 e 44b 19minus24) eacute citada ndash nem por Lukasiewicz nem por Patzig ndash como evidecircncia de que Aristoacuteteles teria rejeitado os termos de generalidade total em seu sistema loacutegico Poreacutem diante da escassez de evidecircncias em favor da suposta exclusatildeo de tais termos natildeo eacute insensato presumir que os proponentes dessa exclusatildeo tenham encontrado inspiraccedilatildeo nelas

Na proacutexima seccedilatildeo examinaremos textos nos quais Aristoacuteteles constroacutei silogismos com termos de natureza singular Veremos que o incocircmodo com a presenccedila de tais termos na silogiacutestica eacute menos de Aristoacuteteles e mais de seus inteacuterpretes 3 Termos Singulares e o Silogismo Peripateacutetico

Jaacute comentamos o fato de Lukasiewicz ter feito pesadas criacuteticas agrave silogiacutestica em especial ao suposto fato de Aristoacuteteles ter afastado os termos de natureza singular de seu sistema loacutegico o que seria segundo Lukasiewicz ldquoo maior defeitordquo da loacutegica aristoteacutelica48 Ao que parece o responsaacutevel por levaacute-lo por esse caminho foi Ross que tomou nota do tambeacutem suposto fato de Aristoacuteteles nunca se valer de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos49 Lukasiewicz reiterou a constataccedilatildeo de Ross (embora natildeo o cite) e nela encontrou razatildeo para natildeo reconhecer como rigorosamente aristoteacutelico o silogismo que qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo silogismo formulado em primeira figura com um nome proacuteprio como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo

De acordo com a triparticcedilatildeo de termos que pudemos conhecer no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I (Seccedilatildeo II Parte 1) natildeo temos qualquer razatildeo para expulsar da silogiacutestica os termos de natureza singular Eacute

48 Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect3 p 6) 49 Ross (1949 p 289 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

39

claro que Aristoacuteteles natildeo deixa de lhes endereccedilar certas restriccedilotildees poreacutem vale a pena repetir nenhuma das restriccedilotildees introduzidas por Aristoacuteteles no referido capiacutetulo tem forccedila suficiente para expulsar os termos singulares da loacutegica aristoteacutelica De fato embora tais termos natildeo possam figurar em proposiccedilotildees como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nada impede que outros termos lhes sejam atribuiacutedos por conseguinte embora natildeo possam ser demonstrados como legiacutetimos predicados de outros termos nada impede que outros termos sejam demonstrados como predicados deles50

Fora dos Analiacuteticos jaacute esbarramos em indiacutecios que vatildeo nessa direccedilatildeo No capiacutetulo 10 de Metafiacutesica XIII (My) por exemplo haacute uma breve passagem que sugere esse resultado Enquanto argumenta em favor da tese de que ldquoo conhecimento eacute de universaisrdquo (ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου) Aristoacuteteles parece supor que os termos singulares ldquoeste triacircngulordquo e ldquoeste homemrdquo tambeacutem satildeo suscetiacuteveis de operaccedilotildees silogiacutesticas

[] ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου δῆλον δrsquo ἐκ τῶν ἀποδείξεων καὶ τῶν ὁρισμῶν οὐ γὰρ γίγνεται συλλογισμὸς ὅτι τόδε τὸ τρίγωνον δύο ὀρθαῖς εἰ μὴ πᾶν τρίγωνον δύο ὀρθαί οὐδrsquo ὅτι ὁδὶ ὁ ἄνθρωπος ζῷον εἰ μὴ πᾶς ἄνθρωπος ζῷον [] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos a natildeo ser que todo triacircngulo possua dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal a natildeo ser que todo homem seja animal (1086b 34minus37)

Poreacutem essa passagem natildeo eacute tatildeo simples quanto pode parecer agrave primeira vista51 Paul Shorey por exemplo reprovaria jaacute a traduccedilatildeo que

50 An Pr I 27 43a 25minus29 e 39minus40 Ao comentar o capiacutetulo 27 Mignucci (1969 p 443) tambeacutem reconhece a possibilidade ldquodi costruire dimostrazioni e sillogismi anche relativamente a singolarirdquo citando Alexandre que tambeacutem jaacute a observa em seus comentaacuterios (An Pr p 293 13minus23) 51 Shorey (1913)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

40

propomos porque ela faz crer que Aristoacuteteles estabelece uma relaccedilatildeo de dependecircncia dedutiva (silogiacutestica) entre proposiccedilotildees dependecircncia que de fato existe mas da qual para Shorey a passagem em questatildeo natildeo trataria De acordo com Shorey as ocorrecircncias de εἰ μὴ nas linhas 33 e 36 natildeo significam ldquo[] lsquounlessrsquo but is to be taken in its idiomatic sense as a virtual equivalent of ἀλλάrdquo Nesse caso uma traduccedilatildeo mais fiel agrave posiccedilatildeo de Shorey seria a seguinte

[] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos mas de que todo triacircngulo tem dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal mas de que todo homem eacute animal (1086b 34minus37)

Assim o texto estabeleceria natildeo que as proposiccedilotildees singulares no papel de conclusotildees silogiacutesticas satildeo (dedutivamente) dependentes das proposiccedilotildees universais mas que as conclusotildees propriamente silogiacutesticas satildeo universais (universalmente quantificadas) e natildeo singulares

Ross52 ao tratar dessa passagem natildeo deixa de comentar a posiccedilatildeo de Shorey

He [Shorey] argues that in l 33 knowledge is said to be lsquoofrsquo universals ie to have universal conclusions as well as universal premises [hellip] and that singular propositions never occur as conclusions in Aristotlersquos logical writings

Na verdade Shorey53 natildeo chega a dizer que proposiccedilotildees singulares nunca ocorrem como conclusotildees silogiacutesticas nos escritos loacutegicos de Aristoacuteteles embora passe perto disso

The syllogism with a particular54 conclusion is an inferior type (Analyt Post 79a 25ff) [hellip] Aristotle does not recognize singular proposition in his classification (Analyt Priora A1 Grote Aristotle I 205) and the

52 Ross (1953 p 464) 53 Shorey (1913 p 91) 54 Nesse contexto Shorey assume ldquoparticularrdquo e ldquosingularrdquo como equivalentes

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

41

conclusion to an individual case interests him very little and is practically ignored

Shorey tem alguma razatildeo em alegar que os silogismos que concluem proposiccedilotildees singulares (tambeacutem conhecidos como ldquoperipateacuteticosrdquo) satildeo de um tipo inferior especialmente quando se leva em conta o horizonte das demonstraccedilotildees cientiacuteficas55 mas erra quando recorre ao trecho 79a 25ss para dar base textual a tal alegaccedilatildeo ndash o referido trecho nem mesmo trata desse assunto Por sua vez e contra Shorey Ross56 surpreende ao alegar o seguinte

There are however occasional references in Aristotle to the occurrence of singular propositions as the minor premise or conclusion of syllogisms (eg An Pr 43a 37minus40) []

55 Para Aristoacuteteles o silogismo dito cientiacutefico no mais alto grau eacute a chamada demonstraccedilatildeo universal Eacute importante notar que aqui o adjetivo ldquouniversalrdquo tem um sentido muito preciso e natildeo se justifica pela mera ocorrecircncia de uma conclusatildeo universalmente quantificada Em Segundos Analiacuteticos I 4 73b 32minus74a 3 por exemplo Aristoacuteteles argumenta que a demonstraccedilatildeo universal natildeo conclui que todo isoacutesceles tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos mas que todo triacircngulo tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos revelando um requisito que envolve o ajuste preciso do extremo menor a partir de condiccedilotildees estabelecidas pelo extremo maior (cf Seg An I 5 74a 4minus6 13minus17 25minus32 74b 21minus26 I 24 85b 4minus15) Para Aristoacuteteles o predicado ldquoter a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retosrdquo ndash daqui para frente apenas ldquo2Rrdquo ndash se atribui a ldquoisoacutescelesrdquo de um modo que em algum sentido eacute parasitaacuterio da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo dado que isoacutesceles tem 2R na exata medida em que eacute triacircngulo Em outras palavras a atribuiccedilatildeo de ldquo2Rrdquo a ldquoisoacutescelesrdquo eacute entendida como indireta e dependente da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo Nesse contexto eacute natural presumir que um silogismo peripateacutetico seja concebido como inferior em relaccedilatildeo aos demais minus especialmente no que diz respeito ao grau de cientificidade minus jaacute que sua conclusatildeo natildeo poderaacute satisfazer as exigecircncias de uma legiacutetima conclusatildeo cientiacutefica tal como ocorre em uma demonstraccedilatildeo universal Jaacute quanto agraves propriedades dedutivas envolvidas em tal silogismo natildeo haacute razatildeo para consideraacute-lo inferior Para apreciaccedilatildeo detalhada da noccedilatildeo de demonstraccedilatildeo universal ver Angioni (2007) 56 Ross (1953 p 464)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

42

Ross supotildee que o argumento de Shorey pretende estabelecer a exclusatildeo dos termos singulares do domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica e aponta a passagem 43a 37minus40 como evidecircncia textual incompatiacutevel com essa exclusatildeo Temos aqui uma mudanccedila de opiniatildeo De fato conforme pudemos ver na primeira seccedilatildeo deste artigo ao tratar do trecho 43a 37minus43 na ediccedilatildeo comentada do texto grego de Primeiros e Segundos Analiacuteticos Ross chega a dizer que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares em seus exemplos de silogismos e argumenta em favor de uma silogiacutestica restrita a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ)57 Agora ao comentar a passagem 1086a 34minus37 de Metafiacutesica XIII (My) 10 Ross reconhece no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I uma evidecircncia em favor da inclusatildeo dos termos singulares na silogiacutestica Aparentemente o proacuteprio Ross natildeo tinha muita convicccedilatildeo a respeito da inclusatildeo ou exclusatildeo dos termos de natureza singular

De nossa parte admitimos que a passagem 1086a 34minus37 eacute digna da controveacutersia introduzida por Shorey ndash embora tenhamos mais apreccedilo pela interpretaccedilatildeo de Ross No entanto mesmo que Shorey tenha razatildeo a respeito do referido trecho de Metafiacutesica XIII (My) 10 a presenccedila de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares na silogiacutestica natildeo estaraacute ameaccedilada porque ainda podemos nos valer de passagens muito mais promissoras para decidir essa questatildeo passagens nas quais o proacuteprio Aristoacuteteles elabora cocircmputos silogiacutesticos com termos singulares como se a presenccedila deles na silogiacutestica natildeo lhe figurasse como uma anomalia

Patzig tinha conhecimento dessas passagens e fez questatildeo de citaacute-las no primeiro capiacutetulo de seu livro corrigindo o suposto fato alegado por Ross e Lukasiewicz de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos exemplos de silogismos que aparecem em Primeiros Analiacuteticos No entanto Patzig natildeo recorre a tais passagens a fim de reintroduzir os termos singulares na silogiacutestica mas procura

57 Idem 1949 p 384

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

43

desqualificaacute-las e assim reiterar os resultados de seus antecessores De fato embora reconheccedila as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 do Livro I bem como de ldquoPitacosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II Patzig manteacutem a posiccedilatildeo tradicional que afasta os termos de natureza singular da loacutegica aristoteacutelica alegando apenas que a ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo (70a 16minus20) se daacute em um silogismo invaacutelido ao passo que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo (47b 15ss) aparecem em premissas das quais nada se segue58

Eacute bem verdade que as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 de Primeiros Analiacuteticos I estatildeo associadas a pares de premissas dos quais nenhuma conclusatildeo se segue coisa que o proacuteprio Aristoacuteteles natildeo hesita em admitir No entanto embora sejam inconcludentes esses pares de premissas acomodam seus termos em disposiccedilotildees muito similares agravequelas de um silogismo vaacutelido (Barbara)59 o que lhes confere as feiccedilotildees de que satildeo concludentes quando na verdade natildeo o satildeo De acordo com Aristoacuteteles o que os impede de serem concludentes eacute o fato de que a premissa maior natildeo eacute universal60 Em 47b 26minus28 essa justificativa eacute apresentada por meio de um pronunciamento que merece alguma atenccedilatildeo Aristoacuteteles anuncia o fato de a premissa maior natildeo ser universal como quem supotildee que fosse ela universal o problema estaria resolvido e assim o par de premissas seria concludente61 Ora na medida em que Aristoacuteteles atribui o caraacuteter inconcludente dos pares de premissas precisamente agraves premissas maiores (e natildeo agraves premissas menores nas quais ocorrem os termos singulares) presume-se que esses termos natildeo introduzem qualquer caracteriacutestica censuraacutevel nos silogismos ali formulados Assim o fato de que natildeo estamos diante de pares de premissas concludentes por si soacute natildeo eacute

58 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 59 An Pr I 33 47b 21minus37 60 Idem 47b 26minus29 34minus37 e 38minus39 61 O uso contrafactual de ἔδει na linha 27 sugere essa leitura

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

44

suficiente para recusar ao capiacutetulo 33 o papel de evidecircncia em favor de tais termos na silogiacutestica62

Quanto agrave ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo em Primeiros Analiacuteticos II 27 (70a 16minus20) Patzig tem alguma razatildeo em alegar que ela se daacute em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido No entanto eacute preciso ajustar essa alegaccedilatildeo porque Aristoacuteteles natildeo descreve o argumento em questatildeo propriamente como um silogismo mas como um sinal (σημεῖον) e ao que parece um sinal e um silogismo ndash um legiacutetimo silogismo e natildeo um mero entimema ndash estatildeo longe de ser a mesma coisa63 Aleacutem disso temos uma ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo no mesmo capiacutetulo que eacute bem mais relevante para a discussatildeo mas que foi completamente ignorada pelos comentadores

Em 70a 26minus28 Aristoacuteteles formula dois silogismos nos quais aparece o termo singular ldquoPitacosrdquo Um deles eacute descrito como refutaacutevel (λύσιμος)64 basicamente porque a conclusatildeo natildeo se segue das premissas65 Natildeo precisamos nos deter nele Por ora o silogismo que fora introduzido algumas linhas antes e que foi descrito por Aristoacuteteles como irrefutaacutevel (ἄλυτος)66 eacute muito mais interessante Esse silogismo tem exatamente a formulaccedilatildeo paradigmaacutetica que Lukasiewicz qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo e agrave qual negou lugar na loacutegica aristoteacutelica Vale a pena citar essa passagem para marcar bem a presenccedila desse tipo de silogismo na loacutegica de Aristoacuteteles

62 M Malink (2009 p 119) por exemplo contrariando Patzig aponta o capiacutetulo I 33 minus bem como II 27 do qual trataremos a seguir minus como evidecircncia em favor de termos singulares na silogiacutestica Ver tambeacutem Mignucci ldquoAristotlersquos Theory of Predicationrdquo p 10 ldquoParts Quantification and Aristotelian Predicationrdquo p 11 e Barnes ldquoTruth etcrdquo p 158-166 63 An Pr II 27 70a 24minus25 64 Ibidem 30minus31 e 34minus35 65 Ibidem 27minus28 e 30minus32 66 Ibidem 29

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

45

Ἐὰν μὲν οὖν ἡ μία λεχθῇ πρότασις σημεῖον γίνεται μόνον ἐὰν δὲ καὶ ἡ ἑτέρα προσληφθῇ συλλογισμός οἷον ὅτι Πιττακὸς ἐλευθέριος οἱ γὰρ φιλότιμοι ἐλευθέριοι Πιττακὸς δὲ φιλότιμος Assim se somente uma premissa for assumida haacute apenas um sinal ao passo que se a outra premissa tambeacutem for assumida entatildeo haacute um silogismo por exemplo lsquoPitacos eacute destemido pois os homens de brio satildeo destemidos e Pitacos eacute homem de briorsquo (70a 24minus27)67

A descriccedilatildeo eacute inusitada porque Aristoacuteteles comeccedila pela conclusatildeo Mas isso natildeo prejudica o resultado a que queremos chegar O nome proacuteprio ldquoPitacosrdquo eacute sem duacutevida o extremo menor que aparece como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo ldquodestemidordquo eacute o extremo maior predicado da premissa maior e da conclusatildeo por fim a funccedilatildeo de mediador fica por conta de ldquohomem de briordquo Em uma reconstituiccedilatildeo um pouco mais formalizada temos o seguinte silogismo todo homem de brio eacute destemido Pitacos eacute (um) homem de brio logo Pitacos eacute destemido

O leitor mais desconfiado talvez hesite em aceitar que a premissa maior ldquoos homens de brio satildeo destemidosrdquo possa ser formalizada com um quantificador universal mas haacute sinais claros de que eacute assim que devemos concebecirc-la Em primeiro lugar Aristoacuteteles reconhece a legitimidade desse silogismo e supotildee que a conclusatildeo decorre das premissas o que por si soacute jaacute pressupotildee a universalidade da premissa maior Caso contraacuterio a conclusatildeo natildeo se impotildee Em segundo lugar haacute um pequeno detalhe que causa surpresa nesse capiacutetulo e que merece atenccedilatildeo de nossa parte Aristoacuteteles justifica o caraacuteter irrefutaacutevel do mencionado silogismo alegando que se trata de um silogismo universal (καθόλου γὰρ ἐστιν cf 70a 30) Ora como se sabe Aristoacuteteles descreve como universais precisamente aqueles silogismos nos quais a conclusatildeo eacute universal quais sejam Barbara Celarent Cesare e Camestres Por isso ao caracterizar o ldquosilogismo peripateacuteticordquo como um silogismo universal

67 As traduccedilotildees de φιλότιμος e ἐλευθέριος certamente satildeo discutiacuteveis mas em nada afetam os nossos objetivos

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

46

Aristoacuteteles pode querer sinalizar que em algum sentido a conclusatildeo ldquoPitacos eacute destemidordquo deva ser compreendida como uma proposiccedilatildeo fundada em uma atribuiccedilatildeo universal68 como se o referido ldquosilogismo peripateacuteticordquo precisamente em razatildeo disso fosse digno do mesmo status concedido aos demais silogismos universais (Barbara Celarente Cesare e Camestres) Essa leitura sugere que a concepccedilatildeo aristoteacutelica de atribuiccedilatildeo universal talvez deva ser repensada jaacute que ela daacute sinais de se estender sobre casos para os quais natildeo cabe falar em quantificadores (universais) ndash eacute o que parece ocorrer no ldquosilogismo peripateacuteticordquo acima mencionado

O aprofundamento desse ponto no entanto eacute algo que ultrapassa o escopo da presente investigaccedilatildeo e seu exame deve ser deixado para outra ocasiatildeo A essa altura o objetivo principal desta seccedilatildeo jaacute nos parece ter sido alcanccedilado pois consiste apenas em mostrar o que os leitores menos versados nos Analiacuteticos jaacute perceberam haacute muito tempo a saber que o chamado ldquosilogismo peripateacuteticordquo natildeo soacute faz parte da loacutegica aristoteacutelica mas mais do que isso ainda pode desfrutar de um lugar privilegiado no interior da silogiacutestica entre os chamados ldquosilogismos universaisrdquo Diante desse quadro natildeo haacute duacutevida de que os termos de natureza singular tecircm lugar garantido na loacutegica de Aristoacuteteles69

68 Provavelmente foi inspirado em passagens como essa que J N Keynes (1906 p 102) sugeriu conceber as proposiccedilotildees singulares como uma subclasse de proposiccedilotildees universais Lukasiewicz tomou nota dessa possibilidade e a considerou totalmente equivocada Mas para isso ignorou completamente o trecho 70a 24minus30 69 Agradeccedilo ao professor Lucas Angioni (Unicamp) pela prontidatildeo na leitura de versotildees preacutevias deste artigo pelas indicaccedilotildees de passagens para reforccedilar o argumento e pelas alteraccedilotildees de texto sugeridas as quais certamente contribuiacuteram para melhorar o resultado final aqui apresentado Agradeccedilo tambeacutem aos professores Raphael Zillig (UFRGS) e Inara Zanuzzi (UFRGS) pela oportunidade de discutir alguns resultados provisoacuterios deste artigo no Seminaacuterio sobre Primeiros Analiacuteticos I 27 organizado pelo professor Raphael e realizado na UFRGS no ano de 2011 Por fim tambeacutem agradeccedilo aos

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

47

REFEREcircNCIAS

ANGIONI L ldquoO Conhecimento Cientiacutefico no Livro I dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesrdquo Revista de Filosofia Antiga (online) vol 1 n 1 2007 (httpwwwfilosofiaantigacomdocuments23html)

BARNES J (ed) Aristotle Prior Analytics (trans by A J Jenkinson in Barnes 1984 vol 1 p 39minus113)

mdashmdashmdashmdash Truth etc Six Lectures on Ancient Logic Oxford Clarendon Press 2007

BOCHENSKI J Ancient Formal Logic Amsterdam North-Holland Publishing 1951

CORCORAN J ldquoCompleteness of an Ancient Logicrdquo Journal of Symbolic Logic 37 696minus702 1972

KEYNES J N Studies and Exercises in Formal Logic (fourth edition rewritten and enlarged) New York The Macmillan Company 1906

LUKASIEWICZ J Aristotlersquos Syllogistic from the Standpoint of Modern Formal Logic Oxford Clarendon Press 1951

MALINK M ldquoA Non-Extensional Notion of Conversion in the Organonrdquo Oxford Studies in Ancient Philosophy Vol XXXVII p 106minus141 Oxford University Press 2009

MIGNUCCI M Aristotele Gli analitici primi ndash Traduzione introduzione e commento Naples Loffredo 1969

companheiros de pesquisa Francine Maria Ribeiro e Mateus Ricardo Fernandes Ferreira (UEMminusPR) pela leitura das primeiras versotildees desse texto e pelas proveitosas sugestotildees que me fizeram

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

48

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Theory of Predication in I Angelilli and M Cerezo (eds) Studies in the History of Logic 1minus20 Berlin 1996

mdashmdashmdashmdash Parts Quantification and Aristotelian Predication Monist 83 3minus21 2000

PATZIG G Aristotlersquos Theory of the Syllogism A Logico-Philosophical Study of Book A of the Prior Analytics Translated by Jonathan Barnes Dordrecht Reidel 1959

ROSS W D Aristotlersquos Prior and Posterior Analytics Oxford Clarendon Press 1949

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Metaphysics Oxford Clarendon Press 1953 (1924)

SHOREY P ldquoA Note on Aristotlersquos Metaphysics 1086b 32minus37rdquo Classical Philology Vol 8 n 1 pp 90minus92 1913

SMITH R Aristotle Prior Analytics Indianapolis Hackett Publishing Company 1989

STRIKER G Aristotle Prior Analytics Book I Oxford Clarendon Press 2009

Page 19: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

23

expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον na linha 38 como ldquodemonstraterdquo e ldquodemonstrate to be predicatedrdquo respectivamente No entanto ambos evitam tal traduccedilatildeo nas linhas subsequumlentes nas quais a expressatildeo natildeo aparece de modo expliacutecito e substituem ldquodemonstraterdquo por ldquopredicaterdquo27

Haacute pelo menos uma boa razatildeo para rejeitar tais traduccedilotildees elas assumem que na segunda seccedilatildeo (43a 37minus43) precisamente no que diz respeito agraves consequumlecircncias que as restriccedilotildees introduzidas na primeira seccedilatildeo (43a 25minus37) tecircm sobre as demonstraccedilotildees Aristoacuteteles estaria interessado apenas nos termos de alta generalidade dado que recorre agrave expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον exclusivamente ao tratar deles Assim no que diz respeito agrave atuaccedilatildeo dos demais termos (τὰ καθrsquo ἕκαστα e τὰ μεταξὺ) nas demonstraccedilotildees Aristoacuteteles jaacute natildeo teria a pretensatildeo de avaliar as consequumlecircncias dessas restriccedilotildees limitando-se apenas a repetir o que fora dito na primeira seccedilatildeo Essa leitura impotildee ao texto uma interrupccedilatildeo natildeo muito natural em seu desenvolvimento e ainda o torna redundante sem apresentar uma razatildeo satisfatoacuteria que justifique essa leitura

27 Na linha 39 por exemplo A J Jenkinson (in Barnes 1984) traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquobut these may be predicated of other thingsrdquo Robin Smith vai na mesma direccedilatildeo e traduz como ldquobut they are predicated of othersrdquo embora reconheccedila em seu comentaacuterio ao trecho 43a 40ss na paacutegina 50 (comentaacuterio que na verdade trata da linha 39) que a frase pode ser traduzida como ldquoother things are demonstrated to be predicated of themrdquo nas linhas 39-40 Jenkinson traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNeither can individuals be predicated of other things although other things can be predicated of themrdquo Robin Smith natildeo destoa disso e traduz como ldquoNeither can individuals be predicated of other things but instead other things are predicated of themrdquo por fim nas linhas 40-41 Jenkinson traduz τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται como ldquoWhatever lies between these limits can be spoken of in both waysrdquo ao passo que Robin Smith traduz como ldquoBut it is clear that for those in between predication is possible in both waysrdquo

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

24

Na contramatildeo de A J Jenkinson e Robin Smith temos Mario Mignucci e Gisela Striker que traduzem a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον como ldquodimostrare che essi si predicanordquo e ldquodemonstrate to be said ofrdquo respectivamente e entendem as linhas 39minus41 como pronunciamentos nos quais embora natildeo apareccedila de modo expliacutecito a expressatildeo ainda estaacute em jogo28 Essas traduccedilotildees certamente satildeo as mais fieacuteis ao texto grego e corroboram a traduccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo que propomos justificando o abandono da leitura tradicional sugerida por Ross e cristalizada nos estudos de Lukasiewicz A essa altura jaacute podemos fazer um balanccedilo dos resultados que o capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos de fato nos impotildee O cenaacuterio que se desenha eacute o seguinte (i) termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) natildeo eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου)29 de outros termos por isso tampouco eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos no entanto eacute possiacutevel lhes atribuir outros termos como legiacutetimos

28 Na linha 39 por exemplo Mignucci traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquomentre egrave possibile dimostrare che essi si predicano di altrirdquo Striker por sua vez traduz como ldquobut [sc one can demonstrate] only that they themselves are predicated of other thingsrdquo na linha 40 ambos fazem questatildeo de recuperar a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον Mignucci traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNon egrave neanche possibile dimostrare che i singolari si predicano di altre cose ma soltanto che altre cose si predicano di essirdquo Striker segue a mesma linha e traduz como ldquonor can one demonstrate that individuals are said of other things but only that other things are said of themrdquo Na linha 41 por sua vez a expressatildeo eacute recuperada novamente e o trecho τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται eacute traduzido por Mignucci como ldquoEgrave chiaro invece che le cose intermedie egrave possibile dimostrarle nei due modirdquo ao passo que por Striker como ldquoBut clearly the intermediate things admit [sc to be demonstrated] of bothrdquo 29 Tais termos natildeo se predicam de nenhum outro a natildeo ser κατὰ συμβεβηκός (43a 33minus35)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

25

predicados por conseguinte tambeacutem eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 25minus29 e 39minus40) (ii) termos de alta generalidade (summa genera eou τὰ πᾶσιν ἑπόμενα)30 natildeo lhes eacute possiacutevel atribuir outros termos como legiacutetimos predicados ndash de fato natildeo haacute termo anterior (πρότερον) que lhes possa ser atribuiacutedo por isso tampouco eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles no entanto eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos logo tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos (conferir 43a 29minus30 e 37minus39) (iii) termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos bem como lhes atribuir outros termos como legiacutetimos predicados em razatildeo disso tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 30minus32 e 40minus42)

Assim o que prevalece eacute que Aristoacuteteles jamais afastou de sua loacutegica qualquer das trecircs classes de termos apresentadas em Primeiros Analiacuteticos I 27 muito embora tenha endereccedilado certas restriccedilotildees atributivas a algumas delas 2 Primeiros Analiacuteticos I 28 e os Axiomas de Patzig

Patzig parece entender que o capiacutetulo 27 natildeo eacute merecedor de toda a atenccedilatildeo que lhe foi concedida por Ross e Lukasiewicz O capiacutetulo 28 em sua opiniatildeo eacute bem mais promissor no que diz respeito agrave questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera31 enquanto o capiacutetulo 27

30 Como Aristoacuteteles natildeo oferece exemplos de termos desse tipo deixamos indeterminado se satildeo summa genera como propotildee Ross ou transcategoriais de generalidade total (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como prefere Lukasiewicz (cf nota 3) 31 Patzig (1959 sect3 p 6)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

26

serviria mais como discussatildeo preparatoacuteria para os assuntos tratados no capiacutetulo seguinte

De fato haacute forte unidade entre esses textos O objetivo predominante que os vincula e orienta eacute anunciado no iniacutecio do capiacutetulo 27 e consiste em mostrar ldquode que modo sempre estaremos providos de silogismos em relaccedilatildeo ao que for proposto e por qual via alcanccedilamos os princiacutepios de cada coisardquo32 O capiacutetulo 27 contribui com esse objetivo na medida em que faz recomendaccedilotildees sobre como selecionar termos e premissas e classifica os fatores silogiacutesticos segundo as funccedilotildees (sujeito e predicado) que podem desempenhar de modo irrestrito em proposiccedilotildees silogiacutesticas A contribuiccedilatildeo do capiacutetulo 28 por sua vez estaacute associada aos procedimentos de prova de cada uma das quatro formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Esses procedimentos satildeo caracterizados basicamente pela descriccedilatildeo dos paracircmetros de localizaccedilatildeo do fator capaz de mediar os extremos (τά ἄκρα) na relaccedilatildeo categoacuterica acarretada na conclusatildeo Trata-se portanto de procedimentos de busca e localizaccedilatildeo do termo mediador (τὸ μέσον)

Assim para provar por exemplo a relaccedilatildeo universal afirmativa EaA prescreve Aristoacuteteles devemos encontrar um fator comum a duas listas (i) aquela de termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e (ii) aquela de termos que se atribuem universalmente ao extremo menor E33 O resultado seraacute o mediador M tal que MaA e EaM o que perfaz um silogismo em Barbara Semelhantemente para provar a relaccedilatildeo particular afirmativa EiA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um elemento comum agraves listas de (i) termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente ou seja agraves listas de termos que cada um dos extremos E e A ldquoacompanhardquo (ἕπεσθαι ou ακολουθεῖν) Nesse caso o termo comum M seraacute tal que MaA e MaE o que nos

32 An Pr I 27 43a 20ndash21 33 An Pr I 28 43b 39ndash43

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

27

permite concluir EiA por Darapti (terceira figura)34 Por sua vez a prova da relaccedilatildeo universal negativa EeA tambeacutem se valeraacute da identificaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios a um extremo e de (ii) termos que se atribuem universalmente ao outro extremo se o mediador M comum agraves duas listas for contraacuterio ao extremo maior A e universalmente atribuiacutedo ao extremo menor E o mediador M seraacute tal que MeA e EaM ou AeM e EaM possibilitando a prova de EeA (respectivamente) por Celarent e por Cesare mas se o mediador M for contraacuterio ao extremo menor E e universalmente atribuiacutedo ao extremo maior A M seraacute tal que AaM e EeM restringindo a prova de EeA a Camestres35 Por fim para provar a relaccedilatildeo particular negativa EoA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios ao extremo maior A e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente Assim o mediador M seraacute tal que MeA e MaE o que prova EoA por Felapton36

Em todas as recomendaccedilotildees do capiacutetulo 28 Aristoacuteteles se orienta pelas conclusotildees almejadas propondo a partir delas procedimentos de busca e localizaccedilatildeo dos fatores capazes de acarretar cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas A estrateacutegia de Aristoacuteteles portanto natildeo consiste em partir de premissas e deduzir os resultados que delas se seguem mas fazendo o caminho inverso consiste em partir da conclusatildeo e buscar o termo mediador capaz de articular os extremos na relaccedilatildeo categoacuterica (a e i ou o) da conclusatildeo

Por natildeo captar a natureza invertida dessa estrateacutegia Patzig natildeo compreendeu plenamente o que Aristoacuteteles propusera e julgou que o capiacutetulo 28 muito mais que o capiacutetulo 27 impunha severas restriccedilotildees agrave lista de termos capazes de figurar em silogismos aristoteacutelicos Na verdade o capiacutetulo 28 nem sequer trata da questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera mas limita-se a descrever os paracircmetros de

34 Ibidem 43b 43ndash44a 2 35 An Pr I 44a 2ndash8 36 An Pr I 28 44a 9ndash11

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

28

localizaccedilatildeo do mediador de cada forma categoacuterica Eacute claro que ao descrever esses paracircmetros Aristoacuteteles acaba por assumir certos pressupostos que em uacuteltimo caso podem ter algum efeito sobre a lista de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica Ainda assim eacute preciso observar que as recomendaccedilotildees apresentadas no capiacutetulo 28 satildeo pensadas em relaccedilatildeo agrave prova de cada proposiccedilatildeo categoacuterica em particular Por isso os pressupostos envolvidos nessas recomendaccedilotildees bem como as eventuais restriccedilotildees de termos que lhes sejam correlatas deveratildeo ter aplicaccedilatildeo circunscrita a cada caso isto eacute aos procedimentos de prova de cada conclusatildeo em particular

Patzig parece natildeo ter dado a devida atenccedilatildeo a esse detalhe pois embora compreenda os seus axiomas como pressupostos impliacutecitos das recomendaccedilotildees de Aristoacuteteles ndash recomendaccedilotildees cuja aplicaccedilatildeo estaacute circunscrita a cada caso ndash Patzig os assume como vaacutelidos para termos de todo e qualquer silogismo37 No entanto eacute flagrante que certos silogismos natildeo dependem de alguns de seus axiomas Um arquetiacutepico silogismo em Barbara por exemplo funciona perfeitamente bem sem pressupor para qualquer de seus termos a validade do terceiro axioma isto eacute sem pressupor que exista para qualquer de seus termos (ou mesmo para qualquer de seus extremos para ser fiel ao capiacutetulo 28) um termo que lhe seja ldquocontraacuteriordquo

Ao que tudo indica o que levou Patzig a estender a validade de seus axiomas sobre todos os silogismos eacute o trecho 44a 12minus17 em que Aristoacuteteles estipula letras para as listas de termos com as quais pretende trabalhar na exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova38 Na referida passagem Aristoacuteteles considera basicamente trecircs tipos de termos que se distinguem pelo termo extremo que lhes eacute correlato bem como pela relaccedilatildeo predicativa que cada um manteacutem com esse extremo Para cada extremo Aristoacuteteles estipula (i) termos que lhe satildeo atribuiacutedos universalmente (ii) termos aos quais ele proacuteprio se atribui universalmente e (iii) termos que natildeo lhe

37 Patzig (1959) sect3 p 6ndash7 38 An Pr I 28 44a 12minus17

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

29

podem ser atribuiacutedos Os termos de primeiro tipo devem ter servido de estiacutemulo para a necessidade de termos superordenados proacuteprios que eacute marca do segundo axioma de Patzig os termos de segundo tipo por sua vez para a necessidade de termos subordinados proacuteprios marca do primeiro axioma os de terceiro por fim para a necessidade de termos ldquocontraacuteriosrdquo marca do terceiro axioma

Eacute bem verdade que os termos estipulados por Aristoacuteteles envolvem certa analogia com os axiomas propostos por Patzig Mas eacute preciso notar em primeiro lugar que nenhum dos procedimentos de prova descritos por Aristoacuteteles depende da estipulaccedilatildeo dos trecircs tipos de termos39 A recomendaccedilatildeo de prova da proposiccedilatildeo particular afirmativa por exemplo requer apenas (ii) termos aos quais os extremos se atribuem universalmente40 O fato de Aristoacuteteles jaacute estipular de antematildeo trecircs tipos de termos para cada extremo natildeo torna obrigatoacuterio que todo e qualquer extremo (e muito menos que todo e qualquer termo silogiacutestico como prefere Patzig) independentemente do silogismo a que pertenccedila dependa dos trecircs tipos de termos estipulados precisamente porque a estipulaccedilatildeo desses termos estaacute ancorada em um par de extremos que eacute muito peculiar Esse par de extremos eacute pensado com propoacutesitos didaacuteticos orientados agrave exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova de cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas (a e i e o) Trata-se de um par de extremos que em benefiacutecio da exposiccedilatildeo eacute assumido como articulaacutevel em qualquer das relaccedilotildees categoacutericas Poreacutem essa assunccedilatildeo soacute faz sentido no contexto preciso dessa exposiccedilatildeo de procedimentos de prova afinal algumas dessas relaccedilotildees categoacutericas satildeo incompatiacuteveis entre si ndash por exemplo as relaccedilotildees universal afirmativa e particular negativa Por isso devemos presumir que as estipulaccedilotildees de termos que lhes datildeo suporte tambeacutem o satildeo e portanto natildeo podem valer em conjunto e para todos os casos

39 Idem 44a 17minus30 40 Ibidem 44a 19minus21

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

30

Para esclarecer esse ponto retomemos rapidamente os procedimentos de prova das proposiccedilotildees universal afirmativa e particular negativa41 Assumindo um mesmo par de extremos como faz Aristoacuteteles estaremos diante de proposiccedilotildees contraditoacuterias (EaA e EoA) Dado que tais proposiccedilotildees satildeo incompatiacuteveis as condiccedilotildees das quais elas satildeo provenientes tambeacutem o seratildeo Dizendo de outro modo a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (i) termos aos quais o extremo maior se atribui universalmente e (ii) termos que se atribuem universalmente ao extremo menor eacute incompatiacutevel com a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (irsquo) termos aos quais o extremo maior natildeo pode ser atribuiacutedo e (iirsquo) termos aos quais o extremo menor se atribui universalmente Assim em presenccedila das condiccedilotildees de prova de uma das proposiccedilotildees incompatiacuteveis as condiccedilotildees da outra poderatildeo ser dispensadas jaacute que satildeo condiccedilotildees requeridas para uma prova cuja possibilidade jaacute natildeo existe E natildeo haacute razatildeo para manter os termos estipulados e dispensar apenas a possibilidade de um termo comum entre as listas pois ambos os pressupostos satildeo requisitados para servir um uacutenico e mesmo propoacutesito o de estabelecer condiccedilotildees para a prova da relaccedilatildeo categoacuterica que se pretende obter Natildeo haacute uma razatildeo que justifique a manutenccedilatildeo das listas de termos estipulados em detrimento da possibilidade de um termo comum entre as listas pois o propoacutesito que introduz uma exigecircncia tambeacutem introduz a outra Sob essa perspectiva fica claro que os termos estipulados no trecho 44a 12minus17 natildeo podem ser pressupostos indispensaacuteveis de quaisquer termos silogiacutesticos tampouco pressupostos que devem ser satisfeitos em conjunto por termos de todo e qualquer silogismo Afinal Aristoacuteteles estipula cada uma das listas supondo que seus termos seratildeo candidatos agrave funccedilatildeo de mediador (e natildeo agrave funccedilatildeo de termos silogiacutesticos) e o faz segundo as exigecircncias especiacuteficas envolvidas na prova de cada relaccedilatildeo categoacuterica em particular (a e i ou o) Compreender tais listas como pressupostos

41 An Pr I 28 43b 39minus43 e 44a 9minus11

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

31

que devem ser satisfeitos por todo e qualquer termo silogiacutestico eacute um equiacutevoco

Em segundo lugar o capiacutetulo 28 natildeo parece estar orientado propriamente agrave prova silogiacutestica das formas categoacutericas mas em algum sentido agrave demonstraccedilatildeo de tais relaccedilotildees Haacute indiacutecios que sugerem essa leitura O principal deles talvez seja o fato de Aristoacuteteles se mostrar interessado em localizar um meson que fica no meio do caminho entre um mediador que satisfaz requisitos meramente dedutivos e um mediador que supera tais requisitos e se configura como um fator explanatoacuterio em uma legiacutetima demonstraccedilatildeo cientiacutefica42 Retomemos por exemplo as recomendaccedilotildees de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) Em 43b 43ndash44a 2 Aristoacuteteles recomenda a prova de EiA por premissas universais conduzindo a prova a um silogismo em Darapti embora admita a possibilidade de concluir proposiccedilotildees particulares a partir de um par de premissas em que apenas uma eacute universal (41b 22minus27) Em 44a 9ndash11 a exemplo do que ocorre com a prova de EiA Aristoacuteteles recomenda a prova de EoA novamente por premissas universais desta vez conduzindo a prova a um silogismo em Felapton Essas duas recomendaccedilotildees de prova pressupotildeem que o meson requisitado para a prova natildeo eacute um mediador meramente dedutivo mas um mediador que se articula com os extremos exclusivamente por relaccedilotildees universais Eacute claro que esse cenaacuterio ainda estaacute muito distante daquele que temos por exemplo no capiacutetulo 2 do Livro II de Segundos

42 Em uma demonstraccedilatildeo cientiacutefica natildeo basta que o mediador se relacione com os extremos de tal modo que a deduccedilatildeo da conclusatildeo esteja formalmente assegurada Aristoacuteteles ainda exige que o mediador satisfaccedila certos requisitos natildeo formais O principal deles eacute o de explicar adequadamente por que o extremo maior se atribui ao extremo menor (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 por exemplo essa diferenccedila (entre um mediador que satisfaz exigecircncias meramente dedutivas e um mediador que funciona como explicaccedilatildeo do fato relatado na conclusatildeo) eacute utilizada como criteacuterio baacutesico para distinguir o conhecimento de que C eacute A (conhecimento do fato) e o conhecimento de por que C eacute A (conhecimento da causa)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

32

Analiacuteticos (90a 6minus7) em que o meson eacute pensado como a causa que explica por que a relaccedilatildeo dada entre os extremos explicitada na conclusatildeo da demonstraccedilatildeo eacute o caso Mesmo assim temos o suficiente para mostrar que Aristoacuteteles natildeo estaacute levando em conta todos os silogismos de seu sistema loacutegico mas apenas aqueles nos quais ambas as premissas satildeo universais Por que razatildeo exatamente Aristoacuteteles faz essa escolha eacute algo a se investigar O que nos importa eacute que essa escolha restringe o escopo do capiacutetulo a um grupo especiacutefico de silogismos o que natildeo eacute compatiacutevel com a validade irrestrita dos axiomas propostos por Patzig

Em terceiro lugar Aristoacuteteles natildeo lida com as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo proacutepria superordenaccedilatildeo proacutepria e contrariedade mas prefere (i) termos que acompanham o extremo (τὰ ἑπόμενα) (ii) termos aos quais o extremo acompanha (οἷς αὐτὸ ἕπεται) e (iii) termos que natildeo podem ser atribuiacutedos ao extremo (ἃ μὴ ἐνδέχεται αὐτῷ ὑπάρχειν) Essa diferenccedila natildeo eacute apenas terminoloacutegica mas conceitual As relaccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias pressupotildeem termos que natildeo satildeo coextensivos se X eacute um termo subordinado proacuteprio de Y XaY eacute o caso mas YaX natildeo se Z eacute um termo superordenado proacuteprio de Y YaZ eacute o caso mas ZaY natildeo O proacuteprio Patzig reconhece essas consequumlecircncias ao formular os seus dois primeiros axiomas43 Aristoacuteteles no entanto ao se valer das relaccedilotildees de ldquoacompanhamentordquo entre os termos natildeo hesita em rejeitaacute-las No capiacutetulo 29 por exemplo Aristoacuteteles menciona a possibilidade de provar por hipoacutetese (συλλογίσασθαι ἐξ ὑποθέσεως) os problemas universais (a e e) assumindo precisamente a possibilidade de coextensatildeo entre os termos envolvidos possibilidade da qual Patzig parece prescindir ao formular seus axiomas A passagem agrave qual nos referimos eacute a seguinte

εἰ γὰρ τὸ Γ καὶ τὸ Η ταὐτὰ εἴη μόνοις δὲ ληφθείη τοῖς Η τὸ Ε ὑπάρχειν παντὶ ἂν τῷ Ε τὸ Α ὑπάρχοι καὶ πάλιν εἰ τὸ Δ καὶ Η ταὐτὰ μόνων δὲ τῶν Η τὸ Ε κατηγοροῖτο ὅτι οὐδενὶ τῷ Ε τὸ Α ὑπάρξει

43 Patzig (1959 sect3 p 6ndash7)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

33

Com efeito se C e G fossem o mesmo mas se assumisse que E se atribui apenas aos Grsquos A se atribuiria a todo E Novamente se D e G fossem o mesmo mas E se afirmasse apenas dos Grsquos A se atribuiraacute a nenhum E (45b 24minus27)

Em 44a 12minus17 Aristoacuteteles jaacute havia estipulado que a letra C representaria um termo ao qual o extremo maior A acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente tambeacutem foi estipulado que a letra G representaria um termo ao qual o extremo menor E acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente por fim ainda ficou decidido que a letra D representaria um termo que natildeo pode ser atribuiacutedo ao extremo maior A Assim a identidade entre C e G a exemplo do que ocorre em 44a 19minus21 conduz a prova de EiA a um silogismo em Darapti ao passo que a identidade entre D e G a exemplo do que ocorre em 44a 28minus30 conduz a prova de EoA a um silogismo em Felapton44 No entanto nessa passagem embora os procedimentos de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) sejam acionados aquilo que se quer mostrar eacute de que modo podemos provar por hipoacutetese (ἐξ ὑποθέσεως) as proposiccedilotildees universais Para alcanccedilar esse resultado Aristoacuteteles assume que o extremo menor E se atribui apenas (μόνον) a G o que pode ser interpretado como uma maneira diferente de dizer que E e G satildeo termos coextensivos Sinal disso eacute o seguinte ao assumir que E se atribui apenas a G Aristoacuteteles se vecirc autorizado a concluir as proposiccedilotildees universais EaA e EeA o que soacute faz sentido sob o pressuposto de que G e E satildeo termos coextensivos De fato sob tal pressuposto a premissa menor GaE pode ser ldquoconvertidardquo em EaG o que transforma Darapti em Barbara bem como Felapton em Celarent Mas se os termos aos quais o extremo menor E acompanha forem pensados como termos subordinados proacuteprios de E GaE seraacute o caso mas EaG natildeo Por conseguinte tampouco as conclusotildees EaA e EeA se seguiriam Assim se quisermos conferir sentido agrave passagem temos que assumir que Aristoacuteteles recorreu agrave possibilidade de construir silogismos com termos

44 Darapti CaA GaE rarr EiA (C=G) Felapton DeA GaE rarr EoA (D=G)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

34

que satildeo coextensivos e se assim for podemos dizer que para Aristoacuteteles a presenccedila de silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos em sua loacutegica natildeo causava qualquer inconveniente45

Segundo nos parece as razotildees alegadas ateacute aqui jaacute satildeo suficientes para mostrar que os axiomas de Patzig natildeo podem servir como criteacuterios delimitadores de termos silogiacutesticos Ainda assim vale a pena examinar duas passagens que eventualmente poderiam ser invocadas contra a interpretaccedilatildeo que propomos Embora natildeo sejam citadas pelos proponentes das opiniotildees tradicionais natildeo eacute difiacutecil imaginar que elas tenham servido de inspiraccedilatildeo para aqueles que defendem a exclusatildeo dos termos transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo De fato agrave primeira vista tais passagens podem nos levar a pensar que Aristoacuteteles natildeo guardou lugar para tais termos na silogiacutestica No entanto como veremos isso soacute eacute verdade agrave primeira vista

45 O capiacutetulo 29 natildeo eacute a uacutenica evidecircncia de silogismos com termos coextensivos na silogiacutestica No capiacutetulo 5 do Livro II de Primeiros Analiacuteticos precisamente em 57b 35minus58a 12 Aristoacuteteles trabalha com silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos Por sua vez no capiacutetulo 22 em 67b 27minus32 Aristoacuteteles inicia o texto dizendo que a coextensatildeo entre os termos extremos de um silogismo requer um mediador tambeacutem coextensivo o que revela por parte de Aristoacuteteles plena consciecircncia a respeito da existecircncia de silogismos com triacuteades coextensivas Nos Segundos Analiacuteticos o interesse de Aristoacuteteles por demonstraccedilotildees que envolvem termos coextensivos pode ser classificado como uma obsessatildeo Basta notar que a proacutepria demonstraccedilatildeo universal ndash aquela que eacute considerada por Aristoacuteteles como cientiacutefica no mais alto grau ndash tem como uma de suas principais caracteriacutesticas a coextensatildeo entre os trecircs termos do silogismo (cf Seg An I 4 73b 32minus74a 3) o que revela o papel central das triacuteades coextensivas no projeto aristoteacutelico que eacute inaugurado com a silogiacutestica e culmina nas demonstraccedilotildees cientiacuteficas (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 e II 16 Aristoacuteteles novamente recorre a termos coextensivos na formulaccedilatildeo de silogismos A nossa preferecircncia pela passagem 45b 24minus27 do capiacutetulo 29 de Primeiros Analiacuteticos se daacute apenas com base em sua conexatildeo indiscutiacutevel com o capiacutetulo 28 no qual Patzig julga encontrar seus axiomas

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

35

Uma das passagens agraves quais nos referimos eacute aquela com a qual Aristoacuteteles encerra o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I Vejamos o que diz Aristoacuteteles

ἔτι τὰ πᾶσιν ἑπόμενα οὐκ ἐκλεκτέον οὐ γὰρ ἔσται συλλογισμὸς ἐξ αὐτων διrsquo ἣν δrsquo αἰτίαν ἐν τοῖς ἑπομένοις ἔσται δῆλον Aleacutem disso natildeo eacute preciso selecionar os itens que acompanham todas as coisas pois natildeo haacute silogismo a partir deles A razatildeo disso ficaraacute evidente a seguir (43b 36minus38)

Essa passagem trata dos termos transcategoriais de generalidade total (τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) e delega a justificativa de seu proacuteprio pronunciamento ao capiacutetulo seguinte no qual Patzig encontrou inspiraccedilatildeo para seus axiomas No capiacutetulo 28 cumprindo o prometido Aristoacuteteles retoma esse assunto e reitera a impossibilidade de construir silogismos a partir de termos de generalidade total

φανερὸν οὖν ὅτι διὰ τῶν προειρημένων σχημάτων οἱ συλλογισμοὶ πάντες καὶ ὅτι οὐκ ἐκλεκτέον ὅσα πᾶσιν ἕπεται διὰ τὸ μηδένα γίγνεσθαι συλλογισμὸν ἐξ αὐτῶν κατασκευάζειν μὲν γὰρ ὅλως οὐκ ἦν ἐκ τῶν ἑπομένων ἀποστερεῖν δrsquo οὐκ ἐνδέχεται διὰ τοῦ πᾶσιν ἑπομένου δεῖ γὰρ τῷ μὲν ὑπάρχειν τῷ δὲ μὴ ὑπάρχειν Eacute evidente entatildeo que todos os silogismos vecircm a ser atraveacutes das figuras previamente mencionadas e que natildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisas porque nenhum silogismo vem a ser a partir deles De fato de modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanham e natildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outro (44b 19minus24)

Fora de contexto e em uma leitura mais apressada essas duas passagens podem nos levar a crer que a opiniatildeo tradicional que afasta da silogiacutestica os termos de generalidade total (como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) de fato encontra respaldo nos textos de Aristoacuteteles No entanto mais uma vez eacute preciso levar em conta que o capiacutetulo 28 eacute marcado pela

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

36

descriccedilatildeo de estrateacutegias de localizaccedilatildeo de termos mediadores e natildeo de termos em geral Dizendo de outro modo Aristoacuteteles natildeo estaacute interessado em localizar os termos que deveratildeo encerrar a conclusatildeo de um silogismo pelo contraacuterio tais termos jaacute estatildeo plenamente determinados bem como a relaccedilatildeo proposicional (a e i e o) que haacute entre eles dado que a conclusatildeo na qual interagem funciona como ponto de partida da investigaccedilatildeo empreendida no capiacutetulo O que interessa para Aristoacuteteles eacute a localizaccedilatildeo de termos mediadores e eacute nesse horizonte que tais passagens devem ser lidas Assim ao negar a possibilidade de construir silogismos a partir de termos transcategoriais de generalidade total (ἐξ αὐτῶν) o que Aristoacuteteles quer dizer eacute que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos46 nos quais a funccedilatildeo de mediador seja desempenhada por um termo desse tipo razatildeo pela qual na busca pelo mediador recomenda Aristoacuteteles ldquonatildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisasrdquo (44b 20minus21) Para justificar essa recomendaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta duas razotildees (i) ldquode modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanhamrdquo (44b 22minus23) (ii) ldquonatildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outrordquo (44b 23minus24) Na primeira razatildeo Aristoacuteteles parece reconsiderar as listas de termos estipuladas no trecho 44a 11minus17 pressupondo ao que tudo indica que os transcategoriais de generalidade total soacute podem figurar em listas de termos que acompanham os extremos Isso se justificaria pela natureza inapta de tais termos para o papel de sujeito em proposiccedilotildees silogiacutesticas conforme se constata no capiacutetulo I 27 Assim na medida em que nas provas afirmativas a busca pelo mediador natildeo envolve

46 Na verdade como o escopo do capiacutetulo 28 natildeo abarca todo e qualquer silogismo seria mais correto dizer que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos (nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas) assumindo um termo de generalidade total na funccedilatildeo de mediador

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

37

apenas a lista de termos que acompanham um dos extremos mas tambeacutem a lista de termos aos quais um dos extremos acompanha (ver 43b 39minus44a 2) os transcategoriais de generalidade total perdem a candidatura agrave funccedilatildeo de mediador e jaacute de saiacuteda nem sequer precisam ser considerados47 Na segunda razatildeo por sua vez Aristoacuteteles leva em conta o fato de que as provas negativas dependem de um mediador capaz de figurar em proposiccedilotildees universais negativas verdadeiras exigecircncia que natildeo estaacute no alcance dos termos de generalidade total Afinal se estamos diante de um transcategorial desse tipo de antematildeo jaacute assumimos a inexistecircncia de um termo do qual ele natildeo seja predicado Assim os termos de generalidade total ficam impedidos de serem atribuiacutedos a um extremo e natildeo atribuiacutedos ao outro (44b 24) como deve ser o mediador de um silogismo negativo

O que eacute verdade portanto eacute que Aristoacuteteles dispensa os termos de generalidade total da funccedilatildeo de mediador De fato quando se pretende construir silogismos nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas tal como ocorre no capiacutetulo 28 a busca do mediador entre transcategoriais de generalidade total eacute sempre infrutiacutefera porque soacute poderaacute devolver como resposta pretensos fatores de mediaccedilatildeo marcados por duas deficiecircncias principais a

47 Supomos que em tais passagens Aristoacuteteles de fato tem em mente as recomendaccedilotildees de prova apresentadas no iniacutecio do capiacutetulo 28 de modo que apenas os silogismos em Barbara e Darapti sejam considerados como silogismos afirmativos (cf 43b 39minus44a 2) Assim entendemos que o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 se justificaria porque os termos de generalidade total na prova de a natildeo podem integrar a lista de termos aos quais o extremo maior acompanha bem como na prova de i a lista de termos aos quais ambos os extremos acompanham No entanto ainda que os demais silogismos afirmativos sejam levados em conta o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 continua verdadeiro jaacute que Darii Disamis e Datisi tambeacutem exigem que o mediador esteja entre os termos aos quais o(s) extremo(s) acompanha(m)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

38

impossibilidade de desempenhar a funccedilatildeo de sujeito de modo legiacutetimo e a incapacidade de compor proposiccedilotildees negativas verdadeiras

Nenhuma das passagens mencionadas acima (43b 36minus38 e 44b 19minus24) eacute citada ndash nem por Lukasiewicz nem por Patzig ndash como evidecircncia de que Aristoacuteteles teria rejeitado os termos de generalidade total em seu sistema loacutegico Poreacutem diante da escassez de evidecircncias em favor da suposta exclusatildeo de tais termos natildeo eacute insensato presumir que os proponentes dessa exclusatildeo tenham encontrado inspiraccedilatildeo nelas

Na proacutexima seccedilatildeo examinaremos textos nos quais Aristoacuteteles constroacutei silogismos com termos de natureza singular Veremos que o incocircmodo com a presenccedila de tais termos na silogiacutestica eacute menos de Aristoacuteteles e mais de seus inteacuterpretes 3 Termos Singulares e o Silogismo Peripateacutetico

Jaacute comentamos o fato de Lukasiewicz ter feito pesadas criacuteticas agrave silogiacutestica em especial ao suposto fato de Aristoacuteteles ter afastado os termos de natureza singular de seu sistema loacutegico o que seria segundo Lukasiewicz ldquoo maior defeitordquo da loacutegica aristoteacutelica48 Ao que parece o responsaacutevel por levaacute-lo por esse caminho foi Ross que tomou nota do tambeacutem suposto fato de Aristoacuteteles nunca se valer de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos49 Lukasiewicz reiterou a constataccedilatildeo de Ross (embora natildeo o cite) e nela encontrou razatildeo para natildeo reconhecer como rigorosamente aristoteacutelico o silogismo que qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo silogismo formulado em primeira figura com um nome proacuteprio como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo

De acordo com a triparticcedilatildeo de termos que pudemos conhecer no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I (Seccedilatildeo II Parte 1) natildeo temos qualquer razatildeo para expulsar da silogiacutestica os termos de natureza singular Eacute

48 Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect3 p 6) 49 Ross (1949 p 289 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

39

claro que Aristoacuteteles natildeo deixa de lhes endereccedilar certas restriccedilotildees poreacutem vale a pena repetir nenhuma das restriccedilotildees introduzidas por Aristoacuteteles no referido capiacutetulo tem forccedila suficiente para expulsar os termos singulares da loacutegica aristoteacutelica De fato embora tais termos natildeo possam figurar em proposiccedilotildees como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nada impede que outros termos lhes sejam atribuiacutedos por conseguinte embora natildeo possam ser demonstrados como legiacutetimos predicados de outros termos nada impede que outros termos sejam demonstrados como predicados deles50

Fora dos Analiacuteticos jaacute esbarramos em indiacutecios que vatildeo nessa direccedilatildeo No capiacutetulo 10 de Metafiacutesica XIII (My) por exemplo haacute uma breve passagem que sugere esse resultado Enquanto argumenta em favor da tese de que ldquoo conhecimento eacute de universaisrdquo (ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου) Aristoacuteteles parece supor que os termos singulares ldquoeste triacircngulordquo e ldquoeste homemrdquo tambeacutem satildeo suscetiacuteveis de operaccedilotildees silogiacutesticas

[] ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου δῆλον δrsquo ἐκ τῶν ἀποδείξεων καὶ τῶν ὁρισμῶν οὐ γὰρ γίγνεται συλλογισμὸς ὅτι τόδε τὸ τρίγωνον δύο ὀρθαῖς εἰ μὴ πᾶν τρίγωνον δύο ὀρθαί οὐδrsquo ὅτι ὁδὶ ὁ ἄνθρωπος ζῷον εἰ μὴ πᾶς ἄνθρωπος ζῷον [] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos a natildeo ser que todo triacircngulo possua dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal a natildeo ser que todo homem seja animal (1086b 34minus37)

Poreacutem essa passagem natildeo eacute tatildeo simples quanto pode parecer agrave primeira vista51 Paul Shorey por exemplo reprovaria jaacute a traduccedilatildeo que

50 An Pr I 27 43a 25minus29 e 39minus40 Ao comentar o capiacutetulo 27 Mignucci (1969 p 443) tambeacutem reconhece a possibilidade ldquodi costruire dimostrazioni e sillogismi anche relativamente a singolarirdquo citando Alexandre que tambeacutem jaacute a observa em seus comentaacuterios (An Pr p 293 13minus23) 51 Shorey (1913)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

40

propomos porque ela faz crer que Aristoacuteteles estabelece uma relaccedilatildeo de dependecircncia dedutiva (silogiacutestica) entre proposiccedilotildees dependecircncia que de fato existe mas da qual para Shorey a passagem em questatildeo natildeo trataria De acordo com Shorey as ocorrecircncias de εἰ μὴ nas linhas 33 e 36 natildeo significam ldquo[] lsquounlessrsquo but is to be taken in its idiomatic sense as a virtual equivalent of ἀλλάrdquo Nesse caso uma traduccedilatildeo mais fiel agrave posiccedilatildeo de Shorey seria a seguinte

[] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos mas de que todo triacircngulo tem dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal mas de que todo homem eacute animal (1086b 34minus37)

Assim o texto estabeleceria natildeo que as proposiccedilotildees singulares no papel de conclusotildees silogiacutesticas satildeo (dedutivamente) dependentes das proposiccedilotildees universais mas que as conclusotildees propriamente silogiacutesticas satildeo universais (universalmente quantificadas) e natildeo singulares

Ross52 ao tratar dessa passagem natildeo deixa de comentar a posiccedilatildeo de Shorey

He [Shorey] argues that in l 33 knowledge is said to be lsquoofrsquo universals ie to have universal conclusions as well as universal premises [hellip] and that singular propositions never occur as conclusions in Aristotlersquos logical writings

Na verdade Shorey53 natildeo chega a dizer que proposiccedilotildees singulares nunca ocorrem como conclusotildees silogiacutesticas nos escritos loacutegicos de Aristoacuteteles embora passe perto disso

The syllogism with a particular54 conclusion is an inferior type (Analyt Post 79a 25ff) [hellip] Aristotle does not recognize singular proposition in his classification (Analyt Priora A1 Grote Aristotle I 205) and the

52 Ross (1953 p 464) 53 Shorey (1913 p 91) 54 Nesse contexto Shorey assume ldquoparticularrdquo e ldquosingularrdquo como equivalentes

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

41

conclusion to an individual case interests him very little and is practically ignored

Shorey tem alguma razatildeo em alegar que os silogismos que concluem proposiccedilotildees singulares (tambeacutem conhecidos como ldquoperipateacuteticosrdquo) satildeo de um tipo inferior especialmente quando se leva em conta o horizonte das demonstraccedilotildees cientiacuteficas55 mas erra quando recorre ao trecho 79a 25ss para dar base textual a tal alegaccedilatildeo ndash o referido trecho nem mesmo trata desse assunto Por sua vez e contra Shorey Ross56 surpreende ao alegar o seguinte

There are however occasional references in Aristotle to the occurrence of singular propositions as the minor premise or conclusion of syllogisms (eg An Pr 43a 37minus40) []

55 Para Aristoacuteteles o silogismo dito cientiacutefico no mais alto grau eacute a chamada demonstraccedilatildeo universal Eacute importante notar que aqui o adjetivo ldquouniversalrdquo tem um sentido muito preciso e natildeo se justifica pela mera ocorrecircncia de uma conclusatildeo universalmente quantificada Em Segundos Analiacuteticos I 4 73b 32minus74a 3 por exemplo Aristoacuteteles argumenta que a demonstraccedilatildeo universal natildeo conclui que todo isoacutesceles tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos mas que todo triacircngulo tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos revelando um requisito que envolve o ajuste preciso do extremo menor a partir de condiccedilotildees estabelecidas pelo extremo maior (cf Seg An I 5 74a 4minus6 13minus17 25minus32 74b 21minus26 I 24 85b 4minus15) Para Aristoacuteteles o predicado ldquoter a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retosrdquo ndash daqui para frente apenas ldquo2Rrdquo ndash se atribui a ldquoisoacutescelesrdquo de um modo que em algum sentido eacute parasitaacuterio da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo dado que isoacutesceles tem 2R na exata medida em que eacute triacircngulo Em outras palavras a atribuiccedilatildeo de ldquo2Rrdquo a ldquoisoacutescelesrdquo eacute entendida como indireta e dependente da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo Nesse contexto eacute natural presumir que um silogismo peripateacutetico seja concebido como inferior em relaccedilatildeo aos demais minus especialmente no que diz respeito ao grau de cientificidade minus jaacute que sua conclusatildeo natildeo poderaacute satisfazer as exigecircncias de uma legiacutetima conclusatildeo cientiacutefica tal como ocorre em uma demonstraccedilatildeo universal Jaacute quanto agraves propriedades dedutivas envolvidas em tal silogismo natildeo haacute razatildeo para consideraacute-lo inferior Para apreciaccedilatildeo detalhada da noccedilatildeo de demonstraccedilatildeo universal ver Angioni (2007) 56 Ross (1953 p 464)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

42

Ross supotildee que o argumento de Shorey pretende estabelecer a exclusatildeo dos termos singulares do domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica e aponta a passagem 43a 37minus40 como evidecircncia textual incompatiacutevel com essa exclusatildeo Temos aqui uma mudanccedila de opiniatildeo De fato conforme pudemos ver na primeira seccedilatildeo deste artigo ao tratar do trecho 43a 37minus43 na ediccedilatildeo comentada do texto grego de Primeiros e Segundos Analiacuteticos Ross chega a dizer que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares em seus exemplos de silogismos e argumenta em favor de uma silogiacutestica restrita a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ)57 Agora ao comentar a passagem 1086a 34minus37 de Metafiacutesica XIII (My) 10 Ross reconhece no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I uma evidecircncia em favor da inclusatildeo dos termos singulares na silogiacutestica Aparentemente o proacuteprio Ross natildeo tinha muita convicccedilatildeo a respeito da inclusatildeo ou exclusatildeo dos termos de natureza singular

De nossa parte admitimos que a passagem 1086a 34minus37 eacute digna da controveacutersia introduzida por Shorey ndash embora tenhamos mais apreccedilo pela interpretaccedilatildeo de Ross No entanto mesmo que Shorey tenha razatildeo a respeito do referido trecho de Metafiacutesica XIII (My) 10 a presenccedila de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares na silogiacutestica natildeo estaraacute ameaccedilada porque ainda podemos nos valer de passagens muito mais promissoras para decidir essa questatildeo passagens nas quais o proacuteprio Aristoacuteteles elabora cocircmputos silogiacutesticos com termos singulares como se a presenccedila deles na silogiacutestica natildeo lhe figurasse como uma anomalia

Patzig tinha conhecimento dessas passagens e fez questatildeo de citaacute-las no primeiro capiacutetulo de seu livro corrigindo o suposto fato alegado por Ross e Lukasiewicz de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos exemplos de silogismos que aparecem em Primeiros Analiacuteticos No entanto Patzig natildeo recorre a tais passagens a fim de reintroduzir os termos singulares na silogiacutestica mas procura

57 Idem 1949 p 384

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

43

desqualificaacute-las e assim reiterar os resultados de seus antecessores De fato embora reconheccedila as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 do Livro I bem como de ldquoPitacosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II Patzig manteacutem a posiccedilatildeo tradicional que afasta os termos de natureza singular da loacutegica aristoteacutelica alegando apenas que a ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo (70a 16minus20) se daacute em um silogismo invaacutelido ao passo que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo (47b 15ss) aparecem em premissas das quais nada se segue58

Eacute bem verdade que as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 de Primeiros Analiacuteticos I estatildeo associadas a pares de premissas dos quais nenhuma conclusatildeo se segue coisa que o proacuteprio Aristoacuteteles natildeo hesita em admitir No entanto embora sejam inconcludentes esses pares de premissas acomodam seus termos em disposiccedilotildees muito similares agravequelas de um silogismo vaacutelido (Barbara)59 o que lhes confere as feiccedilotildees de que satildeo concludentes quando na verdade natildeo o satildeo De acordo com Aristoacuteteles o que os impede de serem concludentes eacute o fato de que a premissa maior natildeo eacute universal60 Em 47b 26minus28 essa justificativa eacute apresentada por meio de um pronunciamento que merece alguma atenccedilatildeo Aristoacuteteles anuncia o fato de a premissa maior natildeo ser universal como quem supotildee que fosse ela universal o problema estaria resolvido e assim o par de premissas seria concludente61 Ora na medida em que Aristoacuteteles atribui o caraacuteter inconcludente dos pares de premissas precisamente agraves premissas maiores (e natildeo agraves premissas menores nas quais ocorrem os termos singulares) presume-se que esses termos natildeo introduzem qualquer caracteriacutestica censuraacutevel nos silogismos ali formulados Assim o fato de que natildeo estamos diante de pares de premissas concludentes por si soacute natildeo eacute

58 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 59 An Pr I 33 47b 21minus37 60 Idem 47b 26minus29 34minus37 e 38minus39 61 O uso contrafactual de ἔδει na linha 27 sugere essa leitura

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

44

suficiente para recusar ao capiacutetulo 33 o papel de evidecircncia em favor de tais termos na silogiacutestica62

Quanto agrave ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo em Primeiros Analiacuteticos II 27 (70a 16minus20) Patzig tem alguma razatildeo em alegar que ela se daacute em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido No entanto eacute preciso ajustar essa alegaccedilatildeo porque Aristoacuteteles natildeo descreve o argumento em questatildeo propriamente como um silogismo mas como um sinal (σημεῖον) e ao que parece um sinal e um silogismo ndash um legiacutetimo silogismo e natildeo um mero entimema ndash estatildeo longe de ser a mesma coisa63 Aleacutem disso temos uma ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo no mesmo capiacutetulo que eacute bem mais relevante para a discussatildeo mas que foi completamente ignorada pelos comentadores

Em 70a 26minus28 Aristoacuteteles formula dois silogismos nos quais aparece o termo singular ldquoPitacosrdquo Um deles eacute descrito como refutaacutevel (λύσιμος)64 basicamente porque a conclusatildeo natildeo se segue das premissas65 Natildeo precisamos nos deter nele Por ora o silogismo que fora introduzido algumas linhas antes e que foi descrito por Aristoacuteteles como irrefutaacutevel (ἄλυτος)66 eacute muito mais interessante Esse silogismo tem exatamente a formulaccedilatildeo paradigmaacutetica que Lukasiewicz qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo e agrave qual negou lugar na loacutegica aristoteacutelica Vale a pena citar essa passagem para marcar bem a presenccedila desse tipo de silogismo na loacutegica de Aristoacuteteles

62 M Malink (2009 p 119) por exemplo contrariando Patzig aponta o capiacutetulo I 33 minus bem como II 27 do qual trataremos a seguir minus como evidecircncia em favor de termos singulares na silogiacutestica Ver tambeacutem Mignucci ldquoAristotlersquos Theory of Predicationrdquo p 10 ldquoParts Quantification and Aristotelian Predicationrdquo p 11 e Barnes ldquoTruth etcrdquo p 158-166 63 An Pr II 27 70a 24minus25 64 Ibidem 30minus31 e 34minus35 65 Ibidem 27minus28 e 30minus32 66 Ibidem 29

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

45

Ἐὰν μὲν οὖν ἡ μία λεχθῇ πρότασις σημεῖον γίνεται μόνον ἐὰν δὲ καὶ ἡ ἑτέρα προσληφθῇ συλλογισμός οἷον ὅτι Πιττακὸς ἐλευθέριος οἱ γὰρ φιλότιμοι ἐλευθέριοι Πιττακὸς δὲ φιλότιμος Assim se somente uma premissa for assumida haacute apenas um sinal ao passo que se a outra premissa tambeacutem for assumida entatildeo haacute um silogismo por exemplo lsquoPitacos eacute destemido pois os homens de brio satildeo destemidos e Pitacos eacute homem de briorsquo (70a 24minus27)67

A descriccedilatildeo eacute inusitada porque Aristoacuteteles comeccedila pela conclusatildeo Mas isso natildeo prejudica o resultado a que queremos chegar O nome proacuteprio ldquoPitacosrdquo eacute sem duacutevida o extremo menor que aparece como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo ldquodestemidordquo eacute o extremo maior predicado da premissa maior e da conclusatildeo por fim a funccedilatildeo de mediador fica por conta de ldquohomem de briordquo Em uma reconstituiccedilatildeo um pouco mais formalizada temos o seguinte silogismo todo homem de brio eacute destemido Pitacos eacute (um) homem de brio logo Pitacos eacute destemido

O leitor mais desconfiado talvez hesite em aceitar que a premissa maior ldquoos homens de brio satildeo destemidosrdquo possa ser formalizada com um quantificador universal mas haacute sinais claros de que eacute assim que devemos concebecirc-la Em primeiro lugar Aristoacuteteles reconhece a legitimidade desse silogismo e supotildee que a conclusatildeo decorre das premissas o que por si soacute jaacute pressupotildee a universalidade da premissa maior Caso contraacuterio a conclusatildeo natildeo se impotildee Em segundo lugar haacute um pequeno detalhe que causa surpresa nesse capiacutetulo e que merece atenccedilatildeo de nossa parte Aristoacuteteles justifica o caraacuteter irrefutaacutevel do mencionado silogismo alegando que se trata de um silogismo universal (καθόλου γὰρ ἐστιν cf 70a 30) Ora como se sabe Aristoacuteteles descreve como universais precisamente aqueles silogismos nos quais a conclusatildeo eacute universal quais sejam Barbara Celarent Cesare e Camestres Por isso ao caracterizar o ldquosilogismo peripateacuteticordquo como um silogismo universal

67 As traduccedilotildees de φιλότιμος e ἐλευθέριος certamente satildeo discutiacuteveis mas em nada afetam os nossos objetivos

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

46

Aristoacuteteles pode querer sinalizar que em algum sentido a conclusatildeo ldquoPitacos eacute destemidordquo deva ser compreendida como uma proposiccedilatildeo fundada em uma atribuiccedilatildeo universal68 como se o referido ldquosilogismo peripateacuteticordquo precisamente em razatildeo disso fosse digno do mesmo status concedido aos demais silogismos universais (Barbara Celarente Cesare e Camestres) Essa leitura sugere que a concepccedilatildeo aristoteacutelica de atribuiccedilatildeo universal talvez deva ser repensada jaacute que ela daacute sinais de se estender sobre casos para os quais natildeo cabe falar em quantificadores (universais) ndash eacute o que parece ocorrer no ldquosilogismo peripateacuteticordquo acima mencionado

O aprofundamento desse ponto no entanto eacute algo que ultrapassa o escopo da presente investigaccedilatildeo e seu exame deve ser deixado para outra ocasiatildeo A essa altura o objetivo principal desta seccedilatildeo jaacute nos parece ter sido alcanccedilado pois consiste apenas em mostrar o que os leitores menos versados nos Analiacuteticos jaacute perceberam haacute muito tempo a saber que o chamado ldquosilogismo peripateacuteticordquo natildeo soacute faz parte da loacutegica aristoteacutelica mas mais do que isso ainda pode desfrutar de um lugar privilegiado no interior da silogiacutestica entre os chamados ldquosilogismos universaisrdquo Diante desse quadro natildeo haacute duacutevida de que os termos de natureza singular tecircm lugar garantido na loacutegica de Aristoacuteteles69

68 Provavelmente foi inspirado em passagens como essa que J N Keynes (1906 p 102) sugeriu conceber as proposiccedilotildees singulares como uma subclasse de proposiccedilotildees universais Lukasiewicz tomou nota dessa possibilidade e a considerou totalmente equivocada Mas para isso ignorou completamente o trecho 70a 24minus30 69 Agradeccedilo ao professor Lucas Angioni (Unicamp) pela prontidatildeo na leitura de versotildees preacutevias deste artigo pelas indicaccedilotildees de passagens para reforccedilar o argumento e pelas alteraccedilotildees de texto sugeridas as quais certamente contribuiacuteram para melhorar o resultado final aqui apresentado Agradeccedilo tambeacutem aos professores Raphael Zillig (UFRGS) e Inara Zanuzzi (UFRGS) pela oportunidade de discutir alguns resultados provisoacuterios deste artigo no Seminaacuterio sobre Primeiros Analiacuteticos I 27 organizado pelo professor Raphael e realizado na UFRGS no ano de 2011 Por fim tambeacutem agradeccedilo aos

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

47

REFEREcircNCIAS

ANGIONI L ldquoO Conhecimento Cientiacutefico no Livro I dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesrdquo Revista de Filosofia Antiga (online) vol 1 n 1 2007 (httpwwwfilosofiaantigacomdocuments23html)

BARNES J (ed) Aristotle Prior Analytics (trans by A J Jenkinson in Barnes 1984 vol 1 p 39minus113)

mdashmdashmdashmdash Truth etc Six Lectures on Ancient Logic Oxford Clarendon Press 2007

BOCHENSKI J Ancient Formal Logic Amsterdam North-Holland Publishing 1951

CORCORAN J ldquoCompleteness of an Ancient Logicrdquo Journal of Symbolic Logic 37 696minus702 1972

KEYNES J N Studies and Exercises in Formal Logic (fourth edition rewritten and enlarged) New York The Macmillan Company 1906

LUKASIEWICZ J Aristotlersquos Syllogistic from the Standpoint of Modern Formal Logic Oxford Clarendon Press 1951

MALINK M ldquoA Non-Extensional Notion of Conversion in the Organonrdquo Oxford Studies in Ancient Philosophy Vol XXXVII p 106minus141 Oxford University Press 2009

MIGNUCCI M Aristotele Gli analitici primi ndash Traduzione introduzione e commento Naples Loffredo 1969

companheiros de pesquisa Francine Maria Ribeiro e Mateus Ricardo Fernandes Ferreira (UEMminusPR) pela leitura das primeiras versotildees desse texto e pelas proveitosas sugestotildees que me fizeram

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

48

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Theory of Predication in I Angelilli and M Cerezo (eds) Studies in the History of Logic 1minus20 Berlin 1996

mdashmdashmdashmdash Parts Quantification and Aristotelian Predication Monist 83 3minus21 2000

PATZIG G Aristotlersquos Theory of the Syllogism A Logico-Philosophical Study of Book A of the Prior Analytics Translated by Jonathan Barnes Dordrecht Reidel 1959

ROSS W D Aristotlersquos Prior and Posterior Analytics Oxford Clarendon Press 1949

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Metaphysics Oxford Clarendon Press 1953 (1924)

SHOREY P ldquoA Note on Aristotlersquos Metaphysics 1086b 32minus37rdquo Classical Philology Vol 8 n 1 pp 90minus92 1913

SMITH R Aristotle Prior Analytics Indianapolis Hackett Publishing Company 1989

STRIKER G Aristotle Prior Analytics Book I Oxford Clarendon Press 2009

Page 20: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

24

Na contramatildeo de A J Jenkinson e Robin Smith temos Mario Mignucci e Gisela Striker que traduzem a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον como ldquodimostrare che essi si predicanordquo e ldquodemonstrate to be said ofrdquo respectivamente e entendem as linhas 39minus41 como pronunciamentos nos quais embora natildeo apareccedila de modo expliacutecito a expressatildeo ainda estaacute em jogo28 Essas traduccedilotildees certamente satildeo as mais fieacuteis ao texto grego e corroboram a traduccedilatildeo e a interpretaccedilatildeo que propomos justificando o abandono da leitura tradicional sugerida por Ross e cristalizada nos estudos de Lukasiewicz A essa altura jaacute podemos fazer um balanccedilo dos resultados que o capiacutetulo 27 do Livro I de Primeiros Analiacuteticos de fato nos impotildee O cenaacuterio que se desenha eacute o seguinte (i) termos de natureza singular (τὰ καθrsquo ἕκαστα) natildeo eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου)29 de outros termos por isso tampouco eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos no entanto eacute possiacutevel lhes atribuir outros termos como legiacutetimos

28 Na linha 39 por exemplo Mignucci traduz ἀλλὰ ταῦτα κατrsquo ἄλλων como ldquomentre egrave possibile dimostrare che essi si predicano di altrirdquo Striker por sua vez traduz como ldquobut [sc one can demonstrate] only that they themselves are predicated of other thingsrdquo na linha 40 ambos fazem questatildeo de recuperar a expressatildeo ἀποδεῖξαι κατηγορούμενον Mignucci traduz οὐδε τὰ καθrsquo ἕκαστα κατrsquo ἄλλων ἀλλrsquo ἕτερα κατrsquo ἐκείνων como ldquoNon egrave neanche possibile dimostrare che i singolari si predicano di altre cose ma soltanto che altre cose si predicano di essirdquo Striker segue a mesma linha e traduz como ldquonor can one demonstrate that individuals are said of other things but only that other things are said of themrdquo Na linha 41 por sua vez a expressatildeo eacute recuperada novamente e o trecho τὰ δὲ μεταξὺ δῆλον ὡς ἀμφοτέρως ἐνδέχεται eacute traduzido por Mignucci como ldquoEgrave chiaro invece che le cose intermedie egrave possibile dimostrarle nei due modirdquo ao passo que por Striker como ldquoBut clearly the intermediate things admit [sc to be demonstrated] of bothrdquo 29 Tais termos natildeo se predicam de nenhum outro a natildeo ser κατὰ συμβεβηκός (43a 33minus35)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

25

predicados por conseguinte tambeacutem eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 25minus29 e 39minus40) (ii) termos de alta generalidade (summa genera eou τὰ πᾶσιν ἑπόμενα)30 natildeo lhes eacute possiacutevel atribuir outros termos como legiacutetimos predicados ndash de fato natildeo haacute termo anterior (πρότερον) que lhes possa ser atribuiacutedo por isso tampouco eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles no entanto eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos logo tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos (conferir 43a 29minus30 e 37minus39) (iii) termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos bem como lhes atribuir outros termos como legiacutetimos predicados em razatildeo disso tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 30minus32 e 40minus42)

Assim o que prevalece eacute que Aristoacuteteles jamais afastou de sua loacutegica qualquer das trecircs classes de termos apresentadas em Primeiros Analiacuteticos I 27 muito embora tenha endereccedilado certas restriccedilotildees atributivas a algumas delas 2 Primeiros Analiacuteticos I 28 e os Axiomas de Patzig

Patzig parece entender que o capiacutetulo 27 natildeo eacute merecedor de toda a atenccedilatildeo que lhe foi concedida por Ross e Lukasiewicz O capiacutetulo 28 em sua opiniatildeo eacute bem mais promissor no que diz respeito agrave questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera31 enquanto o capiacutetulo 27

30 Como Aristoacuteteles natildeo oferece exemplos de termos desse tipo deixamos indeterminado se satildeo summa genera como propotildee Ross ou transcategoriais de generalidade total (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como prefere Lukasiewicz (cf nota 3) 31 Patzig (1959 sect3 p 6)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

26

serviria mais como discussatildeo preparatoacuteria para os assuntos tratados no capiacutetulo seguinte

De fato haacute forte unidade entre esses textos O objetivo predominante que os vincula e orienta eacute anunciado no iniacutecio do capiacutetulo 27 e consiste em mostrar ldquode que modo sempre estaremos providos de silogismos em relaccedilatildeo ao que for proposto e por qual via alcanccedilamos os princiacutepios de cada coisardquo32 O capiacutetulo 27 contribui com esse objetivo na medida em que faz recomendaccedilotildees sobre como selecionar termos e premissas e classifica os fatores silogiacutesticos segundo as funccedilotildees (sujeito e predicado) que podem desempenhar de modo irrestrito em proposiccedilotildees silogiacutesticas A contribuiccedilatildeo do capiacutetulo 28 por sua vez estaacute associada aos procedimentos de prova de cada uma das quatro formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Esses procedimentos satildeo caracterizados basicamente pela descriccedilatildeo dos paracircmetros de localizaccedilatildeo do fator capaz de mediar os extremos (τά ἄκρα) na relaccedilatildeo categoacuterica acarretada na conclusatildeo Trata-se portanto de procedimentos de busca e localizaccedilatildeo do termo mediador (τὸ μέσον)

Assim para provar por exemplo a relaccedilatildeo universal afirmativa EaA prescreve Aristoacuteteles devemos encontrar um fator comum a duas listas (i) aquela de termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e (ii) aquela de termos que se atribuem universalmente ao extremo menor E33 O resultado seraacute o mediador M tal que MaA e EaM o que perfaz um silogismo em Barbara Semelhantemente para provar a relaccedilatildeo particular afirmativa EiA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um elemento comum agraves listas de (i) termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente ou seja agraves listas de termos que cada um dos extremos E e A ldquoacompanhardquo (ἕπεσθαι ou ακολουθεῖν) Nesse caso o termo comum M seraacute tal que MaA e MaE o que nos

32 An Pr I 27 43a 20ndash21 33 An Pr I 28 43b 39ndash43

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

27

permite concluir EiA por Darapti (terceira figura)34 Por sua vez a prova da relaccedilatildeo universal negativa EeA tambeacutem se valeraacute da identificaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios a um extremo e de (ii) termos que se atribuem universalmente ao outro extremo se o mediador M comum agraves duas listas for contraacuterio ao extremo maior A e universalmente atribuiacutedo ao extremo menor E o mediador M seraacute tal que MeA e EaM ou AeM e EaM possibilitando a prova de EeA (respectivamente) por Celarent e por Cesare mas se o mediador M for contraacuterio ao extremo menor E e universalmente atribuiacutedo ao extremo maior A M seraacute tal que AaM e EeM restringindo a prova de EeA a Camestres35 Por fim para provar a relaccedilatildeo particular negativa EoA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios ao extremo maior A e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente Assim o mediador M seraacute tal que MeA e MaE o que prova EoA por Felapton36

Em todas as recomendaccedilotildees do capiacutetulo 28 Aristoacuteteles se orienta pelas conclusotildees almejadas propondo a partir delas procedimentos de busca e localizaccedilatildeo dos fatores capazes de acarretar cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas A estrateacutegia de Aristoacuteteles portanto natildeo consiste em partir de premissas e deduzir os resultados que delas se seguem mas fazendo o caminho inverso consiste em partir da conclusatildeo e buscar o termo mediador capaz de articular os extremos na relaccedilatildeo categoacuterica (a e i ou o) da conclusatildeo

Por natildeo captar a natureza invertida dessa estrateacutegia Patzig natildeo compreendeu plenamente o que Aristoacuteteles propusera e julgou que o capiacutetulo 28 muito mais que o capiacutetulo 27 impunha severas restriccedilotildees agrave lista de termos capazes de figurar em silogismos aristoteacutelicos Na verdade o capiacutetulo 28 nem sequer trata da questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera mas limita-se a descrever os paracircmetros de

34 Ibidem 43b 43ndash44a 2 35 An Pr I 44a 2ndash8 36 An Pr I 28 44a 9ndash11

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

28

localizaccedilatildeo do mediador de cada forma categoacuterica Eacute claro que ao descrever esses paracircmetros Aristoacuteteles acaba por assumir certos pressupostos que em uacuteltimo caso podem ter algum efeito sobre a lista de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica Ainda assim eacute preciso observar que as recomendaccedilotildees apresentadas no capiacutetulo 28 satildeo pensadas em relaccedilatildeo agrave prova de cada proposiccedilatildeo categoacuterica em particular Por isso os pressupostos envolvidos nessas recomendaccedilotildees bem como as eventuais restriccedilotildees de termos que lhes sejam correlatas deveratildeo ter aplicaccedilatildeo circunscrita a cada caso isto eacute aos procedimentos de prova de cada conclusatildeo em particular

Patzig parece natildeo ter dado a devida atenccedilatildeo a esse detalhe pois embora compreenda os seus axiomas como pressupostos impliacutecitos das recomendaccedilotildees de Aristoacuteteles ndash recomendaccedilotildees cuja aplicaccedilatildeo estaacute circunscrita a cada caso ndash Patzig os assume como vaacutelidos para termos de todo e qualquer silogismo37 No entanto eacute flagrante que certos silogismos natildeo dependem de alguns de seus axiomas Um arquetiacutepico silogismo em Barbara por exemplo funciona perfeitamente bem sem pressupor para qualquer de seus termos a validade do terceiro axioma isto eacute sem pressupor que exista para qualquer de seus termos (ou mesmo para qualquer de seus extremos para ser fiel ao capiacutetulo 28) um termo que lhe seja ldquocontraacuteriordquo

Ao que tudo indica o que levou Patzig a estender a validade de seus axiomas sobre todos os silogismos eacute o trecho 44a 12minus17 em que Aristoacuteteles estipula letras para as listas de termos com as quais pretende trabalhar na exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova38 Na referida passagem Aristoacuteteles considera basicamente trecircs tipos de termos que se distinguem pelo termo extremo que lhes eacute correlato bem como pela relaccedilatildeo predicativa que cada um manteacutem com esse extremo Para cada extremo Aristoacuteteles estipula (i) termos que lhe satildeo atribuiacutedos universalmente (ii) termos aos quais ele proacuteprio se atribui universalmente e (iii) termos que natildeo lhe

37 Patzig (1959) sect3 p 6ndash7 38 An Pr I 28 44a 12minus17

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

29

podem ser atribuiacutedos Os termos de primeiro tipo devem ter servido de estiacutemulo para a necessidade de termos superordenados proacuteprios que eacute marca do segundo axioma de Patzig os termos de segundo tipo por sua vez para a necessidade de termos subordinados proacuteprios marca do primeiro axioma os de terceiro por fim para a necessidade de termos ldquocontraacuteriosrdquo marca do terceiro axioma

Eacute bem verdade que os termos estipulados por Aristoacuteteles envolvem certa analogia com os axiomas propostos por Patzig Mas eacute preciso notar em primeiro lugar que nenhum dos procedimentos de prova descritos por Aristoacuteteles depende da estipulaccedilatildeo dos trecircs tipos de termos39 A recomendaccedilatildeo de prova da proposiccedilatildeo particular afirmativa por exemplo requer apenas (ii) termos aos quais os extremos se atribuem universalmente40 O fato de Aristoacuteteles jaacute estipular de antematildeo trecircs tipos de termos para cada extremo natildeo torna obrigatoacuterio que todo e qualquer extremo (e muito menos que todo e qualquer termo silogiacutestico como prefere Patzig) independentemente do silogismo a que pertenccedila dependa dos trecircs tipos de termos estipulados precisamente porque a estipulaccedilatildeo desses termos estaacute ancorada em um par de extremos que eacute muito peculiar Esse par de extremos eacute pensado com propoacutesitos didaacuteticos orientados agrave exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova de cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas (a e i e o) Trata-se de um par de extremos que em benefiacutecio da exposiccedilatildeo eacute assumido como articulaacutevel em qualquer das relaccedilotildees categoacutericas Poreacutem essa assunccedilatildeo soacute faz sentido no contexto preciso dessa exposiccedilatildeo de procedimentos de prova afinal algumas dessas relaccedilotildees categoacutericas satildeo incompatiacuteveis entre si ndash por exemplo as relaccedilotildees universal afirmativa e particular negativa Por isso devemos presumir que as estipulaccedilotildees de termos que lhes datildeo suporte tambeacutem o satildeo e portanto natildeo podem valer em conjunto e para todos os casos

39 Idem 44a 17minus30 40 Ibidem 44a 19minus21

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

30

Para esclarecer esse ponto retomemos rapidamente os procedimentos de prova das proposiccedilotildees universal afirmativa e particular negativa41 Assumindo um mesmo par de extremos como faz Aristoacuteteles estaremos diante de proposiccedilotildees contraditoacuterias (EaA e EoA) Dado que tais proposiccedilotildees satildeo incompatiacuteveis as condiccedilotildees das quais elas satildeo provenientes tambeacutem o seratildeo Dizendo de outro modo a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (i) termos aos quais o extremo maior se atribui universalmente e (ii) termos que se atribuem universalmente ao extremo menor eacute incompatiacutevel com a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (irsquo) termos aos quais o extremo maior natildeo pode ser atribuiacutedo e (iirsquo) termos aos quais o extremo menor se atribui universalmente Assim em presenccedila das condiccedilotildees de prova de uma das proposiccedilotildees incompatiacuteveis as condiccedilotildees da outra poderatildeo ser dispensadas jaacute que satildeo condiccedilotildees requeridas para uma prova cuja possibilidade jaacute natildeo existe E natildeo haacute razatildeo para manter os termos estipulados e dispensar apenas a possibilidade de um termo comum entre as listas pois ambos os pressupostos satildeo requisitados para servir um uacutenico e mesmo propoacutesito o de estabelecer condiccedilotildees para a prova da relaccedilatildeo categoacuterica que se pretende obter Natildeo haacute uma razatildeo que justifique a manutenccedilatildeo das listas de termos estipulados em detrimento da possibilidade de um termo comum entre as listas pois o propoacutesito que introduz uma exigecircncia tambeacutem introduz a outra Sob essa perspectiva fica claro que os termos estipulados no trecho 44a 12minus17 natildeo podem ser pressupostos indispensaacuteveis de quaisquer termos silogiacutesticos tampouco pressupostos que devem ser satisfeitos em conjunto por termos de todo e qualquer silogismo Afinal Aristoacuteteles estipula cada uma das listas supondo que seus termos seratildeo candidatos agrave funccedilatildeo de mediador (e natildeo agrave funccedilatildeo de termos silogiacutesticos) e o faz segundo as exigecircncias especiacuteficas envolvidas na prova de cada relaccedilatildeo categoacuterica em particular (a e i ou o) Compreender tais listas como pressupostos

41 An Pr I 28 43b 39minus43 e 44a 9minus11

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

31

que devem ser satisfeitos por todo e qualquer termo silogiacutestico eacute um equiacutevoco

Em segundo lugar o capiacutetulo 28 natildeo parece estar orientado propriamente agrave prova silogiacutestica das formas categoacutericas mas em algum sentido agrave demonstraccedilatildeo de tais relaccedilotildees Haacute indiacutecios que sugerem essa leitura O principal deles talvez seja o fato de Aristoacuteteles se mostrar interessado em localizar um meson que fica no meio do caminho entre um mediador que satisfaz requisitos meramente dedutivos e um mediador que supera tais requisitos e se configura como um fator explanatoacuterio em uma legiacutetima demonstraccedilatildeo cientiacutefica42 Retomemos por exemplo as recomendaccedilotildees de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) Em 43b 43ndash44a 2 Aristoacuteteles recomenda a prova de EiA por premissas universais conduzindo a prova a um silogismo em Darapti embora admita a possibilidade de concluir proposiccedilotildees particulares a partir de um par de premissas em que apenas uma eacute universal (41b 22minus27) Em 44a 9ndash11 a exemplo do que ocorre com a prova de EiA Aristoacuteteles recomenda a prova de EoA novamente por premissas universais desta vez conduzindo a prova a um silogismo em Felapton Essas duas recomendaccedilotildees de prova pressupotildeem que o meson requisitado para a prova natildeo eacute um mediador meramente dedutivo mas um mediador que se articula com os extremos exclusivamente por relaccedilotildees universais Eacute claro que esse cenaacuterio ainda estaacute muito distante daquele que temos por exemplo no capiacutetulo 2 do Livro II de Segundos

42 Em uma demonstraccedilatildeo cientiacutefica natildeo basta que o mediador se relacione com os extremos de tal modo que a deduccedilatildeo da conclusatildeo esteja formalmente assegurada Aristoacuteteles ainda exige que o mediador satisfaccedila certos requisitos natildeo formais O principal deles eacute o de explicar adequadamente por que o extremo maior se atribui ao extremo menor (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 por exemplo essa diferenccedila (entre um mediador que satisfaz exigecircncias meramente dedutivas e um mediador que funciona como explicaccedilatildeo do fato relatado na conclusatildeo) eacute utilizada como criteacuterio baacutesico para distinguir o conhecimento de que C eacute A (conhecimento do fato) e o conhecimento de por que C eacute A (conhecimento da causa)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

32

Analiacuteticos (90a 6minus7) em que o meson eacute pensado como a causa que explica por que a relaccedilatildeo dada entre os extremos explicitada na conclusatildeo da demonstraccedilatildeo eacute o caso Mesmo assim temos o suficiente para mostrar que Aristoacuteteles natildeo estaacute levando em conta todos os silogismos de seu sistema loacutegico mas apenas aqueles nos quais ambas as premissas satildeo universais Por que razatildeo exatamente Aristoacuteteles faz essa escolha eacute algo a se investigar O que nos importa eacute que essa escolha restringe o escopo do capiacutetulo a um grupo especiacutefico de silogismos o que natildeo eacute compatiacutevel com a validade irrestrita dos axiomas propostos por Patzig

Em terceiro lugar Aristoacuteteles natildeo lida com as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo proacutepria superordenaccedilatildeo proacutepria e contrariedade mas prefere (i) termos que acompanham o extremo (τὰ ἑπόμενα) (ii) termos aos quais o extremo acompanha (οἷς αὐτὸ ἕπεται) e (iii) termos que natildeo podem ser atribuiacutedos ao extremo (ἃ μὴ ἐνδέχεται αὐτῷ ὑπάρχειν) Essa diferenccedila natildeo eacute apenas terminoloacutegica mas conceitual As relaccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias pressupotildeem termos que natildeo satildeo coextensivos se X eacute um termo subordinado proacuteprio de Y XaY eacute o caso mas YaX natildeo se Z eacute um termo superordenado proacuteprio de Y YaZ eacute o caso mas ZaY natildeo O proacuteprio Patzig reconhece essas consequumlecircncias ao formular os seus dois primeiros axiomas43 Aristoacuteteles no entanto ao se valer das relaccedilotildees de ldquoacompanhamentordquo entre os termos natildeo hesita em rejeitaacute-las No capiacutetulo 29 por exemplo Aristoacuteteles menciona a possibilidade de provar por hipoacutetese (συλλογίσασθαι ἐξ ὑποθέσεως) os problemas universais (a e e) assumindo precisamente a possibilidade de coextensatildeo entre os termos envolvidos possibilidade da qual Patzig parece prescindir ao formular seus axiomas A passagem agrave qual nos referimos eacute a seguinte

εἰ γὰρ τὸ Γ καὶ τὸ Η ταὐτὰ εἴη μόνοις δὲ ληφθείη τοῖς Η τὸ Ε ὑπάρχειν παντὶ ἂν τῷ Ε τὸ Α ὑπάρχοι καὶ πάλιν εἰ τὸ Δ καὶ Η ταὐτὰ μόνων δὲ τῶν Η τὸ Ε κατηγοροῖτο ὅτι οὐδενὶ τῷ Ε τὸ Α ὑπάρξει

43 Patzig (1959 sect3 p 6ndash7)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

33

Com efeito se C e G fossem o mesmo mas se assumisse que E se atribui apenas aos Grsquos A se atribuiria a todo E Novamente se D e G fossem o mesmo mas E se afirmasse apenas dos Grsquos A se atribuiraacute a nenhum E (45b 24minus27)

Em 44a 12minus17 Aristoacuteteles jaacute havia estipulado que a letra C representaria um termo ao qual o extremo maior A acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente tambeacutem foi estipulado que a letra G representaria um termo ao qual o extremo menor E acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente por fim ainda ficou decidido que a letra D representaria um termo que natildeo pode ser atribuiacutedo ao extremo maior A Assim a identidade entre C e G a exemplo do que ocorre em 44a 19minus21 conduz a prova de EiA a um silogismo em Darapti ao passo que a identidade entre D e G a exemplo do que ocorre em 44a 28minus30 conduz a prova de EoA a um silogismo em Felapton44 No entanto nessa passagem embora os procedimentos de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) sejam acionados aquilo que se quer mostrar eacute de que modo podemos provar por hipoacutetese (ἐξ ὑποθέσεως) as proposiccedilotildees universais Para alcanccedilar esse resultado Aristoacuteteles assume que o extremo menor E se atribui apenas (μόνον) a G o que pode ser interpretado como uma maneira diferente de dizer que E e G satildeo termos coextensivos Sinal disso eacute o seguinte ao assumir que E se atribui apenas a G Aristoacuteteles se vecirc autorizado a concluir as proposiccedilotildees universais EaA e EeA o que soacute faz sentido sob o pressuposto de que G e E satildeo termos coextensivos De fato sob tal pressuposto a premissa menor GaE pode ser ldquoconvertidardquo em EaG o que transforma Darapti em Barbara bem como Felapton em Celarent Mas se os termos aos quais o extremo menor E acompanha forem pensados como termos subordinados proacuteprios de E GaE seraacute o caso mas EaG natildeo Por conseguinte tampouco as conclusotildees EaA e EeA se seguiriam Assim se quisermos conferir sentido agrave passagem temos que assumir que Aristoacuteteles recorreu agrave possibilidade de construir silogismos com termos

44 Darapti CaA GaE rarr EiA (C=G) Felapton DeA GaE rarr EoA (D=G)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

34

que satildeo coextensivos e se assim for podemos dizer que para Aristoacuteteles a presenccedila de silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos em sua loacutegica natildeo causava qualquer inconveniente45

Segundo nos parece as razotildees alegadas ateacute aqui jaacute satildeo suficientes para mostrar que os axiomas de Patzig natildeo podem servir como criteacuterios delimitadores de termos silogiacutesticos Ainda assim vale a pena examinar duas passagens que eventualmente poderiam ser invocadas contra a interpretaccedilatildeo que propomos Embora natildeo sejam citadas pelos proponentes das opiniotildees tradicionais natildeo eacute difiacutecil imaginar que elas tenham servido de inspiraccedilatildeo para aqueles que defendem a exclusatildeo dos termos transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo De fato agrave primeira vista tais passagens podem nos levar a pensar que Aristoacuteteles natildeo guardou lugar para tais termos na silogiacutestica No entanto como veremos isso soacute eacute verdade agrave primeira vista

45 O capiacutetulo 29 natildeo eacute a uacutenica evidecircncia de silogismos com termos coextensivos na silogiacutestica No capiacutetulo 5 do Livro II de Primeiros Analiacuteticos precisamente em 57b 35minus58a 12 Aristoacuteteles trabalha com silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos Por sua vez no capiacutetulo 22 em 67b 27minus32 Aristoacuteteles inicia o texto dizendo que a coextensatildeo entre os termos extremos de um silogismo requer um mediador tambeacutem coextensivo o que revela por parte de Aristoacuteteles plena consciecircncia a respeito da existecircncia de silogismos com triacuteades coextensivas Nos Segundos Analiacuteticos o interesse de Aristoacuteteles por demonstraccedilotildees que envolvem termos coextensivos pode ser classificado como uma obsessatildeo Basta notar que a proacutepria demonstraccedilatildeo universal ndash aquela que eacute considerada por Aristoacuteteles como cientiacutefica no mais alto grau ndash tem como uma de suas principais caracteriacutesticas a coextensatildeo entre os trecircs termos do silogismo (cf Seg An I 4 73b 32minus74a 3) o que revela o papel central das triacuteades coextensivas no projeto aristoteacutelico que eacute inaugurado com a silogiacutestica e culmina nas demonstraccedilotildees cientiacuteficas (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 e II 16 Aristoacuteteles novamente recorre a termos coextensivos na formulaccedilatildeo de silogismos A nossa preferecircncia pela passagem 45b 24minus27 do capiacutetulo 29 de Primeiros Analiacuteticos se daacute apenas com base em sua conexatildeo indiscutiacutevel com o capiacutetulo 28 no qual Patzig julga encontrar seus axiomas

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

35

Uma das passagens agraves quais nos referimos eacute aquela com a qual Aristoacuteteles encerra o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I Vejamos o que diz Aristoacuteteles

ἔτι τὰ πᾶσιν ἑπόμενα οὐκ ἐκλεκτέον οὐ γὰρ ἔσται συλλογισμὸς ἐξ αὐτων διrsquo ἣν δrsquo αἰτίαν ἐν τοῖς ἑπομένοις ἔσται δῆλον Aleacutem disso natildeo eacute preciso selecionar os itens que acompanham todas as coisas pois natildeo haacute silogismo a partir deles A razatildeo disso ficaraacute evidente a seguir (43b 36minus38)

Essa passagem trata dos termos transcategoriais de generalidade total (τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) e delega a justificativa de seu proacuteprio pronunciamento ao capiacutetulo seguinte no qual Patzig encontrou inspiraccedilatildeo para seus axiomas No capiacutetulo 28 cumprindo o prometido Aristoacuteteles retoma esse assunto e reitera a impossibilidade de construir silogismos a partir de termos de generalidade total

φανερὸν οὖν ὅτι διὰ τῶν προειρημένων σχημάτων οἱ συλλογισμοὶ πάντες καὶ ὅτι οὐκ ἐκλεκτέον ὅσα πᾶσιν ἕπεται διὰ τὸ μηδένα γίγνεσθαι συλλογισμὸν ἐξ αὐτῶν κατασκευάζειν μὲν γὰρ ὅλως οὐκ ἦν ἐκ τῶν ἑπομένων ἀποστερεῖν δrsquo οὐκ ἐνδέχεται διὰ τοῦ πᾶσιν ἑπομένου δεῖ γὰρ τῷ μὲν ὑπάρχειν τῷ δὲ μὴ ὑπάρχειν Eacute evidente entatildeo que todos os silogismos vecircm a ser atraveacutes das figuras previamente mencionadas e que natildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisas porque nenhum silogismo vem a ser a partir deles De fato de modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanham e natildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outro (44b 19minus24)

Fora de contexto e em uma leitura mais apressada essas duas passagens podem nos levar a crer que a opiniatildeo tradicional que afasta da silogiacutestica os termos de generalidade total (como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) de fato encontra respaldo nos textos de Aristoacuteteles No entanto mais uma vez eacute preciso levar em conta que o capiacutetulo 28 eacute marcado pela

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

36

descriccedilatildeo de estrateacutegias de localizaccedilatildeo de termos mediadores e natildeo de termos em geral Dizendo de outro modo Aristoacuteteles natildeo estaacute interessado em localizar os termos que deveratildeo encerrar a conclusatildeo de um silogismo pelo contraacuterio tais termos jaacute estatildeo plenamente determinados bem como a relaccedilatildeo proposicional (a e i e o) que haacute entre eles dado que a conclusatildeo na qual interagem funciona como ponto de partida da investigaccedilatildeo empreendida no capiacutetulo O que interessa para Aristoacuteteles eacute a localizaccedilatildeo de termos mediadores e eacute nesse horizonte que tais passagens devem ser lidas Assim ao negar a possibilidade de construir silogismos a partir de termos transcategoriais de generalidade total (ἐξ αὐτῶν) o que Aristoacuteteles quer dizer eacute que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos46 nos quais a funccedilatildeo de mediador seja desempenhada por um termo desse tipo razatildeo pela qual na busca pelo mediador recomenda Aristoacuteteles ldquonatildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisasrdquo (44b 20minus21) Para justificar essa recomendaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta duas razotildees (i) ldquode modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanhamrdquo (44b 22minus23) (ii) ldquonatildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outrordquo (44b 23minus24) Na primeira razatildeo Aristoacuteteles parece reconsiderar as listas de termos estipuladas no trecho 44a 11minus17 pressupondo ao que tudo indica que os transcategoriais de generalidade total soacute podem figurar em listas de termos que acompanham os extremos Isso se justificaria pela natureza inapta de tais termos para o papel de sujeito em proposiccedilotildees silogiacutesticas conforme se constata no capiacutetulo I 27 Assim na medida em que nas provas afirmativas a busca pelo mediador natildeo envolve

46 Na verdade como o escopo do capiacutetulo 28 natildeo abarca todo e qualquer silogismo seria mais correto dizer que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos (nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas) assumindo um termo de generalidade total na funccedilatildeo de mediador

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

37

apenas a lista de termos que acompanham um dos extremos mas tambeacutem a lista de termos aos quais um dos extremos acompanha (ver 43b 39minus44a 2) os transcategoriais de generalidade total perdem a candidatura agrave funccedilatildeo de mediador e jaacute de saiacuteda nem sequer precisam ser considerados47 Na segunda razatildeo por sua vez Aristoacuteteles leva em conta o fato de que as provas negativas dependem de um mediador capaz de figurar em proposiccedilotildees universais negativas verdadeiras exigecircncia que natildeo estaacute no alcance dos termos de generalidade total Afinal se estamos diante de um transcategorial desse tipo de antematildeo jaacute assumimos a inexistecircncia de um termo do qual ele natildeo seja predicado Assim os termos de generalidade total ficam impedidos de serem atribuiacutedos a um extremo e natildeo atribuiacutedos ao outro (44b 24) como deve ser o mediador de um silogismo negativo

O que eacute verdade portanto eacute que Aristoacuteteles dispensa os termos de generalidade total da funccedilatildeo de mediador De fato quando se pretende construir silogismos nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas tal como ocorre no capiacutetulo 28 a busca do mediador entre transcategoriais de generalidade total eacute sempre infrutiacutefera porque soacute poderaacute devolver como resposta pretensos fatores de mediaccedilatildeo marcados por duas deficiecircncias principais a

47 Supomos que em tais passagens Aristoacuteteles de fato tem em mente as recomendaccedilotildees de prova apresentadas no iniacutecio do capiacutetulo 28 de modo que apenas os silogismos em Barbara e Darapti sejam considerados como silogismos afirmativos (cf 43b 39minus44a 2) Assim entendemos que o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 se justificaria porque os termos de generalidade total na prova de a natildeo podem integrar a lista de termos aos quais o extremo maior acompanha bem como na prova de i a lista de termos aos quais ambos os extremos acompanham No entanto ainda que os demais silogismos afirmativos sejam levados em conta o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 continua verdadeiro jaacute que Darii Disamis e Datisi tambeacutem exigem que o mediador esteja entre os termos aos quais o(s) extremo(s) acompanha(m)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

38

impossibilidade de desempenhar a funccedilatildeo de sujeito de modo legiacutetimo e a incapacidade de compor proposiccedilotildees negativas verdadeiras

Nenhuma das passagens mencionadas acima (43b 36minus38 e 44b 19minus24) eacute citada ndash nem por Lukasiewicz nem por Patzig ndash como evidecircncia de que Aristoacuteteles teria rejeitado os termos de generalidade total em seu sistema loacutegico Poreacutem diante da escassez de evidecircncias em favor da suposta exclusatildeo de tais termos natildeo eacute insensato presumir que os proponentes dessa exclusatildeo tenham encontrado inspiraccedilatildeo nelas

Na proacutexima seccedilatildeo examinaremos textos nos quais Aristoacuteteles constroacutei silogismos com termos de natureza singular Veremos que o incocircmodo com a presenccedila de tais termos na silogiacutestica eacute menos de Aristoacuteteles e mais de seus inteacuterpretes 3 Termos Singulares e o Silogismo Peripateacutetico

Jaacute comentamos o fato de Lukasiewicz ter feito pesadas criacuteticas agrave silogiacutestica em especial ao suposto fato de Aristoacuteteles ter afastado os termos de natureza singular de seu sistema loacutegico o que seria segundo Lukasiewicz ldquoo maior defeitordquo da loacutegica aristoteacutelica48 Ao que parece o responsaacutevel por levaacute-lo por esse caminho foi Ross que tomou nota do tambeacutem suposto fato de Aristoacuteteles nunca se valer de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos49 Lukasiewicz reiterou a constataccedilatildeo de Ross (embora natildeo o cite) e nela encontrou razatildeo para natildeo reconhecer como rigorosamente aristoteacutelico o silogismo que qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo silogismo formulado em primeira figura com um nome proacuteprio como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo

De acordo com a triparticcedilatildeo de termos que pudemos conhecer no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I (Seccedilatildeo II Parte 1) natildeo temos qualquer razatildeo para expulsar da silogiacutestica os termos de natureza singular Eacute

48 Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect3 p 6) 49 Ross (1949 p 289 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

39

claro que Aristoacuteteles natildeo deixa de lhes endereccedilar certas restriccedilotildees poreacutem vale a pena repetir nenhuma das restriccedilotildees introduzidas por Aristoacuteteles no referido capiacutetulo tem forccedila suficiente para expulsar os termos singulares da loacutegica aristoteacutelica De fato embora tais termos natildeo possam figurar em proposiccedilotildees como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nada impede que outros termos lhes sejam atribuiacutedos por conseguinte embora natildeo possam ser demonstrados como legiacutetimos predicados de outros termos nada impede que outros termos sejam demonstrados como predicados deles50

Fora dos Analiacuteticos jaacute esbarramos em indiacutecios que vatildeo nessa direccedilatildeo No capiacutetulo 10 de Metafiacutesica XIII (My) por exemplo haacute uma breve passagem que sugere esse resultado Enquanto argumenta em favor da tese de que ldquoo conhecimento eacute de universaisrdquo (ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου) Aristoacuteteles parece supor que os termos singulares ldquoeste triacircngulordquo e ldquoeste homemrdquo tambeacutem satildeo suscetiacuteveis de operaccedilotildees silogiacutesticas

[] ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου δῆλον δrsquo ἐκ τῶν ἀποδείξεων καὶ τῶν ὁρισμῶν οὐ γὰρ γίγνεται συλλογισμὸς ὅτι τόδε τὸ τρίγωνον δύο ὀρθαῖς εἰ μὴ πᾶν τρίγωνον δύο ὀρθαί οὐδrsquo ὅτι ὁδὶ ὁ ἄνθρωπος ζῷον εἰ μὴ πᾶς ἄνθρωπος ζῷον [] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos a natildeo ser que todo triacircngulo possua dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal a natildeo ser que todo homem seja animal (1086b 34minus37)

Poreacutem essa passagem natildeo eacute tatildeo simples quanto pode parecer agrave primeira vista51 Paul Shorey por exemplo reprovaria jaacute a traduccedilatildeo que

50 An Pr I 27 43a 25minus29 e 39minus40 Ao comentar o capiacutetulo 27 Mignucci (1969 p 443) tambeacutem reconhece a possibilidade ldquodi costruire dimostrazioni e sillogismi anche relativamente a singolarirdquo citando Alexandre que tambeacutem jaacute a observa em seus comentaacuterios (An Pr p 293 13minus23) 51 Shorey (1913)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

40

propomos porque ela faz crer que Aristoacuteteles estabelece uma relaccedilatildeo de dependecircncia dedutiva (silogiacutestica) entre proposiccedilotildees dependecircncia que de fato existe mas da qual para Shorey a passagem em questatildeo natildeo trataria De acordo com Shorey as ocorrecircncias de εἰ μὴ nas linhas 33 e 36 natildeo significam ldquo[] lsquounlessrsquo but is to be taken in its idiomatic sense as a virtual equivalent of ἀλλάrdquo Nesse caso uma traduccedilatildeo mais fiel agrave posiccedilatildeo de Shorey seria a seguinte

[] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos mas de que todo triacircngulo tem dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal mas de que todo homem eacute animal (1086b 34minus37)

Assim o texto estabeleceria natildeo que as proposiccedilotildees singulares no papel de conclusotildees silogiacutesticas satildeo (dedutivamente) dependentes das proposiccedilotildees universais mas que as conclusotildees propriamente silogiacutesticas satildeo universais (universalmente quantificadas) e natildeo singulares

Ross52 ao tratar dessa passagem natildeo deixa de comentar a posiccedilatildeo de Shorey

He [Shorey] argues that in l 33 knowledge is said to be lsquoofrsquo universals ie to have universal conclusions as well as universal premises [hellip] and that singular propositions never occur as conclusions in Aristotlersquos logical writings

Na verdade Shorey53 natildeo chega a dizer que proposiccedilotildees singulares nunca ocorrem como conclusotildees silogiacutesticas nos escritos loacutegicos de Aristoacuteteles embora passe perto disso

The syllogism with a particular54 conclusion is an inferior type (Analyt Post 79a 25ff) [hellip] Aristotle does not recognize singular proposition in his classification (Analyt Priora A1 Grote Aristotle I 205) and the

52 Ross (1953 p 464) 53 Shorey (1913 p 91) 54 Nesse contexto Shorey assume ldquoparticularrdquo e ldquosingularrdquo como equivalentes

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

41

conclusion to an individual case interests him very little and is practically ignored

Shorey tem alguma razatildeo em alegar que os silogismos que concluem proposiccedilotildees singulares (tambeacutem conhecidos como ldquoperipateacuteticosrdquo) satildeo de um tipo inferior especialmente quando se leva em conta o horizonte das demonstraccedilotildees cientiacuteficas55 mas erra quando recorre ao trecho 79a 25ss para dar base textual a tal alegaccedilatildeo ndash o referido trecho nem mesmo trata desse assunto Por sua vez e contra Shorey Ross56 surpreende ao alegar o seguinte

There are however occasional references in Aristotle to the occurrence of singular propositions as the minor premise or conclusion of syllogisms (eg An Pr 43a 37minus40) []

55 Para Aristoacuteteles o silogismo dito cientiacutefico no mais alto grau eacute a chamada demonstraccedilatildeo universal Eacute importante notar que aqui o adjetivo ldquouniversalrdquo tem um sentido muito preciso e natildeo se justifica pela mera ocorrecircncia de uma conclusatildeo universalmente quantificada Em Segundos Analiacuteticos I 4 73b 32minus74a 3 por exemplo Aristoacuteteles argumenta que a demonstraccedilatildeo universal natildeo conclui que todo isoacutesceles tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos mas que todo triacircngulo tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos revelando um requisito que envolve o ajuste preciso do extremo menor a partir de condiccedilotildees estabelecidas pelo extremo maior (cf Seg An I 5 74a 4minus6 13minus17 25minus32 74b 21minus26 I 24 85b 4minus15) Para Aristoacuteteles o predicado ldquoter a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retosrdquo ndash daqui para frente apenas ldquo2Rrdquo ndash se atribui a ldquoisoacutescelesrdquo de um modo que em algum sentido eacute parasitaacuterio da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo dado que isoacutesceles tem 2R na exata medida em que eacute triacircngulo Em outras palavras a atribuiccedilatildeo de ldquo2Rrdquo a ldquoisoacutescelesrdquo eacute entendida como indireta e dependente da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo Nesse contexto eacute natural presumir que um silogismo peripateacutetico seja concebido como inferior em relaccedilatildeo aos demais minus especialmente no que diz respeito ao grau de cientificidade minus jaacute que sua conclusatildeo natildeo poderaacute satisfazer as exigecircncias de uma legiacutetima conclusatildeo cientiacutefica tal como ocorre em uma demonstraccedilatildeo universal Jaacute quanto agraves propriedades dedutivas envolvidas em tal silogismo natildeo haacute razatildeo para consideraacute-lo inferior Para apreciaccedilatildeo detalhada da noccedilatildeo de demonstraccedilatildeo universal ver Angioni (2007) 56 Ross (1953 p 464)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

42

Ross supotildee que o argumento de Shorey pretende estabelecer a exclusatildeo dos termos singulares do domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica e aponta a passagem 43a 37minus40 como evidecircncia textual incompatiacutevel com essa exclusatildeo Temos aqui uma mudanccedila de opiniatildeo De fato conforme pudemos ver na primeira seccedilatildeo deste artigo ao tratar do trecho 43a 37minus43 na ediccedilatildeo comentada do texto grego de Primeiros e Segundos Analiacuteticos Ross chega a dizer que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares em seus exemplos de silogismos e argumenta em favor de uma silogiacutestica restrita a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ)57 Agora ao comentar a passagem 1086a 34minus37 de Metafiacutesica XIII (My) 10 Ross reconhece no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I uma evidecircncia em favor da inclusatildeo dos termos singulares na silogiacutestica Aparentemente o proacuteprio Ross natildeo tinha muita convicccedilatildeo a respeito da inclusatildeo ou exclusatildeo dos termos de natureza singular

De nossa parte admitimos que a passagem 1086a 34minus37 eacute digna da controveacutersia introduzida por Shorey ndash embora tenhamos mais apreccedilo pela interpretaccedilatildeo de Ross No entanto mesmo que Shorey tenha razatildeo a respeito do referido trecho de Metafiacutesica XIII (My) 10 a presenccedila de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares na silogiacutestica natildeo estaraacute ameaccedilada porque ainda podemos nos valer de passagens muito mais promissoras para decidir essa questatildeo passagens nas quais o proacuteprio Aristoacuteteles elabora cocircmputos silogiacutesticos com termos singulares como se a presenccedila deles na silogiacutestica natildeo lhe figurasse como uma anomalia

Patzig tinha conhecimento dessas passagens e fez questatildeo de citaacute-las no primeiro capiacutetulo de seu livro corrigindo o suposto fato alegado por Ross e Lukasiewicz de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos exemplos de silogismos que aparecem em Primeiros Analiacuteticos No entanto Patzig natildeo recorre a tais passagens a fim de reintroduzir os termos singulares na silogiacutestica mas procura

57 Idem 1949 p 384

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

43

desqualificaacute-las e assim reiterar os resultados de seus antecessores De fato embora reconheccedila as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 do Livro I bem como de ldquoPitacosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II Patzig manteacutem a posiccedilatildeo tradicional que afasta os termos de natureza singular da loacutegica aristoteacutelica alegando apenas que a ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo (70a 16minus20) se daacute em um silogismo invaacutelido ao passo que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo (47b 15ss) aparecem em premissas das quais nada se segue58

Eacute bem verdade que as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 de Primeiros Analiacuteticos I estatildeo associadas a pares de premissas dos quais nenhuma conclusatildeo se segue coisa que o proacuteprio Aristoacuteteles natildeo hesita em admitir No entanto embora sejam inconcludentes esses pares de premissas acomodam seus termos em disposiccedilotildees muito similares agravequelas de um silogismo vaacutelido (Barbara)59 o que lhes confere as feiccedilotildees de que satildeo concludentes quando na verdade natildeo o satildeo De acordo com Aristoacuteteles o que os impede de serem concludentes eacute o fato de que a premissa maior natildeo eacute universal60 Em 47b 26minus28 essa justificativa eacute apresentada por meio de um pronunciamento que merece alguma atenccedilatildeo Aristoacuteteles anuncia o fato de a premissa maior natildeo ser universal como quem supotildee que fosse ela universal o problema estaria resolvido e assim o par de premissas seria concludente61 Ora na medida em que Aristoacuteteles atribui o caraacuteter inconcludente dos pares de premissas precisamente agraves premissas maiores (e natildeo agraves premissas menores nas quais ocorrem os termos singulares) presume-se que esses termos natildeo introduzem qualquer caracteriacutestica censuraacutevel nos silogismos ali formulados Assim o fato de que natildeo estamos diante de pares de premissas concludentes por si soacute natildeo eacute

58 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 59 An Pr I 33 47b 21minus37 60 Idem 47b 26minus29 34minus37 e 38minus39 61 O uso contrafactual de ἔδει na linha 27 sugere essa leitura

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

44

suficiente para recusar ao capiacutetulo 33 o papel de evidecircncia em favor de tais termos na silogiacutestica62

Quanto agrave ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo em Primeiros Analiacuteticos II 27 (70a 16minus20) Patzig tem alguma razatildeo em alegar que ela se daacute em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido No entanto eacute preciso ajustar essa alegaccedilatildeo porque Aristoacuteteles natildeo descreve o argumento em questatildeo propriamente como um silogismo mas como um sinal (σημεῖον) e ao que parece um sinal e um silogismo ndash um legiacutetimo silogismo e natildeo um mero entimema ndash estatildeo longe de ser a mesma coisa63 Aleacutem disso temos uma ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo no mesmo capiacutetulo que eacute bem mais relevante para a discussatildeo mas que foi completamente ignorada pelos comentadores

Em 70a 26minus28 Aristoacuteteles formula dois silogismos nos quais aparece o termo singular ldquoPitacosrdquo Um deles eacute descrito como refutaacutevel (λύσιμος)64 basicamente porque a conclusatildeo natildeo se segue das premissas65 Natildeo precisamos nos deter nele Por ora o silogismo que fora introduzido algumas linhas antes e que foi descrito por Aristoacuteteles como irrefutaacutevel (ἄλυτος)66 eacute muito mais interessante Esse silogismo tem exatamente a formulaccedilatildeo paradigmaacutetica que Lukasiewicz qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo e agrave qual negou lugar na loacutegica aristoteacutelica Vale a pena citar essa passagem para marcar bem a presenccedila desse tipo de silogismo na loacutegica de Aristoacuteteles

62 M Malink (2009 p 119) por exemplo contrariando Patzig aponta o capiacutetulo I 33 minus bem como II 27 do qual trataremos a seguir minus como evidecircncia em favor de termos singulares na silogiacutestica Ver tambeacutem Mignucci ldquoAristotlersquos Theory of Predicationrdquo p 10 ldquoParts Quantification and Aristotelian Predicationrdquo p 11 e Barnes ldquoTruth etcrdquo p 158-166 63 An Pr II 27 70a 24minus25 64 Ibidem 30minus31 e 34minus35 65 Ibidem 27minus28 e 30minus32 66 Ibidem 29

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

45

Ἐὰν μὲν οὖν ἡ μία λεχθῇ πρότασις σημεῖον γίνεται μόνον ἐὰν δὲ καὶ ἡ ἑτέρα προσληφθῇ συλλογισμός οἷον ὅτι Πιττακὸς ἐλευθέριος οἱ γὰρ φιλότιμοι ἐλευθέριοι Πιττακὸς δὲ φιλότιμος Assim se somente uma premissa for assumida haacute apenas um sinal ao passo que se a outra premissa tambeacutem for assumida entatildeo haacute um silogismo por exemplo lsquoPitacos eacute destemido pois os homens de brio satildeo destemidos e Pitacos eacute homem de briorsquo (70a 24minus27)67

A descriccedilatildeo eacute inusitada porque Aristoacuteteles comeccedila pela conclusatildeo Mas isso natildeo prejudica o resultado a que queremos chegar O nome proacuteprio ldquoPitacosrdquo eacute sem duacutevida o extremo menor que aparece como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo ldquodestemidordquo eacute o extremo maior predicado da premissa maior e da conclusatildeo por fim a funccedilatildeo de mediador fica por conta de ldquohomem de briordquo Em uma reconstituiccedilatildeo um pouco mais formalizada temos o seguinte silogismo todo homem de brio eacute destemido Pitacos eacute (um) homem de brio logo Pitacos eacute destemido

O leitor mais desconfiado talvez hesite em aceitar que a premissa maior ldquoos homens de brio satildeo destemidosrdquo possa ser formalizada com um quantificador universal mas haacute sinais claros de que eacute assim que devemos concebecirc-la Em primeiro lugar Aristoacuteteles reconhece a legitimidade desse silogismo e supotildee que a conclusatildeo decorre das premissas o que por si soacute jaacute pressupotildee a universalidade da premissa maior Caso contraacuterio a conclusatildeo natildeo se impotildee Em segundo lugar haacute um pequeno detalhe que causa surpresa nesse capiacutetulo e que merece atenccedilatildeo de nossa parte Aristoacuteteles justifica o caraacuteter irrefutaacutevel do mencionado silogismo alegando que se trata de um silogismo universal (καθόλου γὰρ ἐστιν cf 70a 30) Ora como se sabe Aristoacuteteles descreve como universais precisamente aqueles silogismos nos quais a conclusatildeo eacute universal quais sejam Barbara Celarent Cesare e Camestres Por isso ao caracterizar o ldquosilogismo peripateacuteticordquo como um silogismo universal

67 As traduccedilotildees de φιλότιμος e ἐλευθέριος certamente satildeo discutiacuteveis mas em nada afetam os nossos objetivos

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

46

Aristoacuteteles pode querer sinalizar que em algum sentido a conclusatildeo ldquoPitacos eacute destemidordquo deva ser compreendida como uma proposiccedilatildeo fundada em uma atribuiccedilatildeo universal68 como se o referido ldquosilogismo peripateacuteticordquo precisamente em razatildeo disso fosse digno do mesmo status concedido aos demais silogismos universais (Barbara Celarente Cesare e Camestres) Essa leitura sugere que a concepccedilatildeo aristoteacutelica de atribuiccedilatildeo universal talvez deva ser repensada jaacute que ela daacute sinais de se estender sobre casos para os quais natildeo cabe falar em quantificadores (universais) ndash eacute o que parece ocorrer no ldquosilogismo peripateacuteticordquo acima mencionado

O aprofundamento desse ponto no entanto eacute algo que ultrapassa o escopo da presente investigaccedilatildeo e seu exame deve ser deixado para outra ocasiatildeo A essa altura o objetivo principal desta seccedilatildeo jaacute nos parece ter sido alcanccedilado pois consiste apenas em mostrar o que os leitores menos versados nos Analiacuteticos jaacute perceberam haacute muito tempo a saber que o chamado ldquosilogismo peripateacuteticordquo natildeo soacute faz parte da loacutegica aristoteacutelica mas mais do que isso ainda pode desfrutar de um lugar privilegiado no interior da silogiacutestica entre os chamados ldquosilogismos universaisrdquo Diante desse quadro natildeo haacute duacutevida de que os termos de natureza singular tecircm lugar garantido na loacutegica de Aristoacuteteles69

68 Provavelmente foi inspirado em passagens como essa que J N Keynes (1906 p 102) sugeriu conceber as proposiccedilotildees singulares como uma subclasse de proposiccedilotildees universais Lukasiewicz tomou nota dessa possibilidade e a considerou totalmente equivocada Mas para isso ignorou completamente o trecho 70a 24minus30 69 Agradeccedilo ao professor Lucas Angioni (Unicamp) pela prontidatildeo na leitura de versotildees preacutevias deste artigo pelas indicaccedilotildees de passagens para reforccedilar o argumento e pelas alteraccedilotildees de texto sugeridas as quais certamente contribuiacuteram para melhorar o resultado final aqui apresentado Agradeccedilo tambeacutem aos professores Raphael Zillig (UFRGS) e Inara Zanuzzi (UFRGS) pela oportunidade de discutir alguns resultados provisoacuterios deste artigo no Seminaacuterio sobre Primeiros Analiacuteticos I 27 organizado pelo professor Raphael e realizado na UFRGS no ano de 2011 Por fim tambeacutem agradeccedilo aos

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

47

REFEREcircNCIAS

ANGIONI L ldquoO Conhecimento Cientiacutefico no Livro I dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesrdquo Revista de Filosofia Antiga (online) vol 1 n 1 2007 (httpwwwfilosofiaantigacomdocuments23html)

BARNES J (ed) Aristotle Prior Analytics (trans by A J Jenkinson in Barnes 1984 vol 1 p 39minus113)

mdashmdashmdashmdash Truth etc Six Lectures on Ancient Logic Oxford Clarendon Press 2007

BOCHENSKI J Ancient Formal Logic Amsterdam North-Holland Publishing 1951

CORCORAN J ldquoCompleteness of an Ancient Logicrdquo Journal of Symbolic Logic 37 696minus702 1972

KEYNES J N Studies and Exercises in Formal Logic (fourth edition rewritten and enlarged) New York The Macmillan Company 1906

LUKASIEWICZ J Aristotlersquos Syllogistic from the Standpoint of Modern Formal Logic Oxford Clarendon Press 1951

MALINK M ldquoA Non-Extensional Notion of Conversion in the Organonrdquo Oxford Studies in Ancient Philosophy Vol XXXVII p 106minus141 Oxford University Press 2009

MIGNUCCI M Aristotele Gli analitici primi ndash Traduzione introduzione e commento Naples Loffredo 1969

companheiros de pesquisa Francine Maria Ribeiro e Mateus Ricardo Fernandes Ferreira (UEMminusPR) pela leitura das primeiras versotildees desse texto e pelas proveitosas sugestotildees que me fizeram

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

48

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Theory of Predication in I Angelilli and M Cerezo (eds) Studies in the History of Logic 1minus20 Berlin 1996

mdashmdashmdashmdash Parts Quantification and Aristotelian Predication Monist 83 3minus21 2000

PATZIG G Aristotlersquos Theory of the Syllogism A Logico-Philosophical Study of Book A of the Prior Analytics Translated by Jonathan Barnes Dordrecht Reidel 1959

ROSS W D Aristotlersquos Prior and Posterior Analytics Oxford Clarendon Press 1949

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Metaphysics Oxford Clarendon Press 1953 (1924)

SHOREY P ldquoA Note on Aristotlersquos Metaphysics 1086b 32minus37rdquo Classical Philology Vol 8 n 1 pp 90minus92 1913

SMITH R Aristotle Prior Analytics Indianapolis Hackett Publishing Company 1989

STRIKER G Aristotle Prior Analytics Book I Oxford Clarendon Press 2009

Page 21: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

25

predicados por conseguinte tambeacutem eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 25minus29 e 39minus40) (ii) termos de alta generalidade (summa genera eou τὰ πᾶσιν ἑπόμενα)30 natildeo lhes eacute possiacutevel atribuir outros termos como legiacutetimos predicados ndash de fato natildeo haacute termo anterior (πρότερον) que lhes possa ser atribuiacutedo por isso tampouco eacute possiacutevel demonstrar outros termos a respeito deles no entanto eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos logo tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos (conferir 43a 29minus30 e 37minus39) (iii) termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ) eacute possiacutevel atribuiacute-los como legiacutetimos predicados de outros termos bem como lhes atribuir outros termos como legiacutetimos predicados em razatildeo disso tambeacutem eacute possiacutevel demonstraacute-los a respeito de outros termos bem como demonstrar outros termos a respeito deles (conferir 43a 30minus32 e 40minus42)

Assim o que prevalece eacute que Aristoacuteteles jamais afastou de sua loacutegica qualquer das trecircs classes de termos apresentadas em Primeiros Analiacuteticos I 27 muito embora tenha endereccedilado certas restriccedilotildees atributivas a algumas delas 2 Primeiros Analiacuteticos I 28 e os Axiomas de Patzig

Patzig parece entender que o capiacutetulo 27 natildeo eacute merecedor de toda a atenccedilatildeo que lhe foi concedida por Ross e Lukasiewicz O capiacutetulo 28 em sua opiniatildeo eacute bem mais promissor no que diz respeito agrave questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera31 enquanto o capiacutetulo 27

30 Como Aristoacuteteles natildeo oferece exemplos de termos desse tipo deixamos indeterminado se satildeo summa genera como propotildee Ross ou transcategoriais de generalidade total (ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) como prefere Lukasiewicz (cf nota 3) 31 Patzig (1959 sect3 p 6)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

26

serviria mais como discussatildeo preparatoacuteria para os assuntos tratados no capiacutetulo seguinte

De fato haacute forte unidade entre esses textos O objetivo predominante que os vincula e orienta eacute anunciado no iniacutecio do capiacutetulo 27 e consiste em mostrar ldquode que modo sempre estaremos providos de silogismos em relaccedilatildeo ao que for proposto e por qual via alcanccedilamos os princiacutepios de cada coisardquo32 O capiacutetulo 27 contribui com esse objetivo na medida em que faz recomendaccedilotildees sobre como selecionar termos e premissas e classifica os fatores silogiacutesticos segundo as funccedilotildees (sujeito e predicado) que podem desempenhar de modo irrestrito em proposiccedilotildees silogiacutesticas A contribuiccedilatildeo do capiacutetulo 28 por sua vez estaacute associada aos procedimentos de prova de cada uma das quatro formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Esses procedimentos satildeo caracterizados basicamente pela descriccedilatildeo dos paracircmetros de localizaccedilatildeo do fator capaz de mediar os extremos (τά ἄκρα) na relaccedilatildeo categoacuterica acarretada na conclusatildeo Trata-se portanto de procedimentos de busca e localizaccedilatildeo do termo mediador (τὸ μέσον)

Assim para provar por exemplo a relaccedilatildeo universal afirmativa EaA prescreve Aristoacuteteles devemos encontrar um fator comum a duas listas (i) aquela de termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e (ii) aquela de termos que se atribuem universalmente ao extremo menor E33 O resultado seraacute o mediador M tal que MaA e EaM o que perfaz um silogismo em Barbara Semelhantemente para provar a relaccedilatildeo particular afirmativa EiA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um elemento comum agraves listas de (i) termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente ou seja agraves listas de termos que cada um dos extremos E e A ldquoacompanhardquo (ἕπεσθαι ou ακολουθεῖν) Nesse caso o termo comum M seraacute tal que MaA e MaE o que nos

32 An Pr I 27 43a 20ndash21 33 An Pr I 28 43b 39ndash43

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

27

permite concluir EiA por Darapti (terceira figura)34 Por sua vez a prova da relaccedilatildeo universal negativa EeA tambeacutem se valeraacute da identificaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios a um extremo e de (ii) termos que se atribuem universalmente ao outro extremo se o mediador M comum agraves duas listas for contraacuterio ao extremo maior A e universalmente atribuiacutedo ao extremo menor E o mediador M seraacute tal que MeA e EaM ou AeM e EaM possibilitando a prova de EeA (respectivamente) por Celarent e por Cesare mas se o mediador M for contraacuterio ao extremo menor E e universalmente atribuiacutedo ao extremo maior A M seraacute tal que AaM e EeM restringindo a prova de EeA a Camestres35 Por fim para provar a relaccedilatildeo particular negativa EoA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios ao extremo maior A e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente Assim o mediador M seraacute tal que MeA e MaE o que prova EoA por Felapton36

Em todas as recomendaccedilotildees do capiacutetulo 28 Aristoacuteteles se orienta pelas conclusotildees almejadas propondo a partir delas procedimentos de busca e localizaccedilatildeo dos fatores capazes de acarretar cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas A estrateacutegia de Aristoacuteteles portanto natildeo consiste em partir de premissas e deduzir os resultados que delas se seguem mas fazendo o caminho inverso consiste em partir da conclusatildeo e buscar o termo mediador capaz de articular os extremos na relaccedilatildeo categoacuterica (a e i ou o) da conclusatildeo

Por natildeo captar a natureza invertida dessa estrateacutegia Patzig natildeo compreendeu plenamente o que Aristoacuteteles propusera e julgou que o capiacutetulo 28 muito mais que o capiacutetulo 27 impunha severas restriccedilotildees agrave lista de termos capazes de figurar em silogismos aristoteacutelicos Na verdade o capiacutetulo 28 nem sequer trata da questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera mas limita-se a descrever os paracircmetros de

34 Ibidem 43b 43ndash44a 2 35 An Pr I 44a 2ndash8 36 An Pr I 28 44a 9ndash11

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

28

localizaccedilatildeo do mediador de cada forma categoacuterica Eacute claro que ao descrever esses paracircmetros Aristoacuteteles acaba por assumir certos pressupostos que em uacuteltimo caso podem ter algum efeito sobre a lista de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica Ainda assim eacute preciso observar que as recomendaccedilotildees apresentadas no capiacutetulo 28 satildeo pensadas em relaccedilatildeo agrave prova de cada proposiccedilatildeo categoacuterica em particular Por isso os pressupostos envolvidos nessas recomendaccedilotildees bem como as eventuais restriccedilotildees de termos que lhes sejam correlatas deveratildeo ter aplicaccedilatildeo circunscrita a cada caso isto eacute aos procedimentos de prova de cada conclusatildeo em particular

Patzig parece natildeo ter dado a devida atenccedilatildeo a esse detalhe pois embora compreenda os seus axiomas como pressupostos impliacutecitos das recomendaccedilotildees de Aristoacuteteles ndash recomendaccedilotildees cuja aplicaccedilatildeo estaacute circunscrita a cada caso ndash Patzig os assume como vaacutelidos para termos de todo e qualquer silogismo37 No entanto eacute flagrante que certos silogismos natildeo dependem de alguns de seus axiomas Um arquetiacutepico silogismo em Barbara por exemplo funciona perfeitamente bem sem pressupor para qualquer de seus termos a validade do terceiro axioma isto eacute sem pressupor que exista para qualquer de seus termos (ou mesmo para qualquer de seus extremos para ser fiel ao capiacutetulo 28) um termo que lhe seja ldquocontraacuteriordquo

Ao que tudo indica o que levou Patzig a estender a validade de seus axiomas sobre todos os silogismos eacute o trecho 44a 12minus17 em que Aristoacuteteles estipula letras para as listas de termos com as quais pretende trabalhar na exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova38 Na referida passagem Aristoacuteteles considera basicamente trecircs tipos de termos que se distinguem pelo termo extremo que lhes eacute correlato bem como pela relaccedilatildeo predicativa que cada um manteacutem com esse extremo Para cada extremo Aristoacuteteles estipula (i) termos que lhe satildeo atribuiacutedos universalmente (ii) termos aos quais ele proacuteprio se atribui universalmente e (iii) termos que natildeo lhe

37 Patzig (1959) sect3 p 6ndash7 38 An Pr I 28 44a 12minus17

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

29

podem ser atribuiacutedos Os termos de primeiro tipo devem ter servido de estiacutemulo para a necessidade de termos superordenados proacuteprios que eacute marca do segundo axioma de Patzig os termos de segundo tipo por sua vez para a necessidade de termos subordinados proacuteprios marca do primeiro axioma os de terceiro por fim para a necessidade de termos ldquocontraacuteriosrdquo marca do terceiro axioma

Eacute bem verdade que os termos estipulados por Aristoacuteteles envolvem certa analogia com os axiomas propostos por Patzig Mas eacute preciso notar em primeiro lugar que nenhum dos procedimentos de prova descritos por Aristoacuteteles depende da estipulaccedilatildeo dos trecircs tipos de termos39 A recomendaccedilatildeo de prova da proposiccedilatildeo particular afirmativa por exemplo requer apenas (ii) termos aos quais os extremos se atribuem universalmente40 O fato de Aristoacuteteles jaacute estipular de antematildeo trecircs tipos de termos para cada extremo natildeo torna obrigatoacuterio que todo e qualquer extremo (e muito menos que todo e qualquer termo silogiacutestico como prefere Patzig) independentemente do silogismo a que pertenccedila dependa dos trecircs tipos de termos estipulados precisamente porque a estipulaccedilatildeo desses termos estaacute ancorada em um par de extremos que eacute muito peculiar Esse par de extremos eacute pensado com propoacutesitos didaacuteticos orientados agrave exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova de cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas (a e i e o) Trata-se de um par de extremos que em benefiacutecio da exposiccedilatildeo eacute assumido como articulaacutevel em qualquer das relaccedilotildees categoacutericas Poreacutem essa assunccedilatildeo soacute faz sentido no contexto preciso dessa exposiccedilatildeo de procedimentos de prova afinal algumas dessas relaccedilotildees categoacutericas satildeo incompatiacuteveis entre si ndash por exemplo as relaccedilotildees universal afirmativa e particular negativa Por isso devemos presumir que as estipulaccedilotildees de termos que lhes datildeo suporte tambeacutem o satildeo e portanto natildeo podem valer em conjunto e para todos os casos

39 Idem 44a 17minus30 40 Ibidem 44a 19minus21

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

30

Para esclarecer esse ponto retomemos rapidamente os procedimentos de prova das proposiccedilotildees universal afirmativa e particular negativa41 Assumindo um mesmo par de extremos como faz Aristoacuteteles estaremos diante de proposiccedilotildees contraditoacuterias (EaA e EoA) Dado que tais proposiccedilotildees satildeo incompatiacuteveis as condiccedilotildees das quais elas satildeo provenientes tambeacutem o seratildeo Dizendo de outro modo a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (i) termos aos quais o extremo maior se atribui universalmente e (ii) termos que se atribuem universalmente ao extremo menor eacute incompatiacutevel com a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (irsquo) termos aos quais o extremo maior natildeo pode ser atribuiacutedo e (iirsquo) termos aos quais o extremo menor se atribui universalmente Assim em presenccedila das condiccedilotildees de prova de uma das proposiccedilotildees incompatiacuteveis as condiccedilotildees da outra poderatildeo ser dispensadas jaacute que satildeo condiccedilotildees requeridas para uma prova cuja possibilidade jaacute natildeo existe E natildeo haacute razatildeo para manter os termos estipulados e dispensar apenas a possibilidade de um termo comum entre as listas pois ambos os pressupostos satildeo requisitados para servir um uacutenico e mesmo propoacutesito o de estabelecer condiccedilotildees para a prova da relaccedilatildeo categoacuterica que se pretende obter Natildeo haacute uma razatildeo que justifique a manutenccedilatildeo das listas de termos estipulados em detrimento da possibilidade de um termo comum entre as listas pois o propoacutesito que introduz uma exigecircncia tambeacutem introduz a outra Sob essa perspectiva fica claro que os termos estipulados no trecho 44a 12minus17 natildeo podem ser pressupostos indispensaacuteveis de quaisquer termos silogiacutesticos tampouco pressupostos que devem ser satisfeitos em conjunto por termos de todo e qualquer silogismo Afinal Aristoacuteteles estipula cada uma das listas supondo que seus termos seratildeo candidatos agrave funccedilatildeo de mediador (e natildeo agrave funccedilatildeo de termos silogiacutesticos) e o faz segundo as exigecircncias especiacuteficas envolvidas na prova de cada relaccedilatildeo categoacuterica em particular (a e i ou o) Compreender tais listas como pressupostos

41 An Pr I 28 43b 39minus43 e 44a 9minus11

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

31

que devem ser satisfeitos por todo e qualquer termo silogiacutestico eacute um equiacutevoco

Em segundo lugar o capiacutetulo 28 natildeo parece estar orientado propriamente agrave prova silogiacutestica das formas categoacutericas mas em algum sentido agrave demonstraccedilatildeo de tais relaccedilotildees Haacute indiacutecios que sugerem essa leitura O principal deles talvez seja o fato de Aristoacuteteles se mostrar interessado em localizar um meson que fica no meio do caminho entre um mediador que satisfaz requisitos meramente dedutivos e um mediador que supera tais requisitos e se configura como um fator explanatoacuterio em uma legiacutetima demonstraccedilatildeo cientiacutefica42 Retomemos por exemplo as recomendaccedilotildees de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) Em 43b 43ndash44a 2 Aristoacuteteles recomenda a prova de EiA por premissas universais conduzindo a prova a um silogismo em Darapti embora admita a possibilidade de concluir proposiccedilotildees particulares a partir de um par de premissas em que apenas uma eacute universal (41b 22minus27) Em 44a 9ndash11 a exemplo do que ocorre com a prova de EiA Aristoacuteteles recomenda a prova de EoA novamente por premissas universais desta vez conduzindo a prova a um silogismo em Felapton Essas duas recomendaccedilotildees de prova pressupotildeem que o meson requisitado para a prova natildeo eacute um mediador meramente dedutivo mas um mediador que se articula com os extremos exclusivamente por relaccedilotildees universais Eacute claro que esse cenaacuterio ainda estaacute muito distante daquele que temos por exemplo no capiacutetulo 2 do Livro II de Segundos

42 Em uma demonstraccedilatildeo cientiacutefica natildeo basta que o mediador se relacione com os extremos de tal modo que a deduccedilatildeo da conclusatildeo esteja formalmente assegurada Aristoacuteteles ainda exige que o mediador satisfaccedila certos requisitos natildeo formais O principal deles eacute o de explicar adequadamente por que o extremo maior se atribui ao extremo menor (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 por exemplo essa diferenccedila (entre um mediador que satisfaz exigecircncias meramente dedutivas e um mediador que funciona como explicaccedilatildeo do fato relatado na conclusatildeo) eacute utilizada como criteacuterio baacutesico para distinguir o conhecimento de que C eacute A (conhecimento do fato) e o conhecimento de por que C eacute A (conhecimento da causa)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

32

Analiacuteticos (90a 6minus7) em que o meson eacute pensado como a causa que explica por que a relaccedilatildeo dada entre os extremos explicitada na conclusatildeo da demonstraccedilatildeo eacute o caso Mesmo assim temos o suficiente para mostrar que Aristoacuteteles natildeo estaacute levando em conta todos os silogismos de seu sistema loacutegico mas apenas aqueles nos quais ambas as premissas satildeo universais Por que razatildeo exatamente Aristoacuteteles faz essa escolha eacute algo a se investigar O que nos importa eacute que essa escolha restringe o escopo do capiacutetulo a um grupo especiacutefico de silogismos o que natildeo eacute compatiacutevel com a validade irrestrita dos axiomas propostos por Patzig

Em terceiro lugar Aristoacuteteles natildeo lida com as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo proacutepria superordenaccedilatildeo proacutepria e contrariedade mas prefere (i) termos que acompanham o extremo (τὰ ἑπόμενα) (ii) termos aos quais o extremo acompanha (οἷς αὐτὸ ἕπεται) e (iii) termos que natildeo podem ser atribuiacutedos ao extremo (ἃ μὴ ἐνδέχεται αὐτῷ ὑπάρχειν) Essa diferenccedila natildeo eacute apenas terminoloacutegica mas conceitual As relaccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias pressupotildeem termos que natildeo satildeo coextensivos se X eacute um termo subordinado proacuteprio de Y XaY eacute o caso mas YaX natildeo se Z eacute um termo superordenado proacuteprio de Y YaZ eacute o caso mas ZaY natildeo O proacuteprio Patzig reconhece essas consequumlecircncias ao formular os seus dois primeiros axiomas43 Aristoacuteteles no entanto ao se valer das relaccedilotildees de ldquoacompanhamentordquo entre os termos natildeo hesita em rejeitaacute-las No capiacutetulo 29 por exemplo Aristoacuteteles menciona a possibilidade de provar por hipoacutetese (συλλογίσασθαι ἐξ ὑποθέσεως) os problemas universais (a e e) assumindo precisamente a possibilidade de coextensatildeo entre os termos envolvidos possibilidade da qual Patzig parece prescindir ao formular seus axiomas A passagem agrave qual nos referimos eacute a seguinte

εἰ γὰρ τὸ Γ καὶ τὸ Η ταὐτὰ εἴη μόνοις δὲ ληφθείη τοῖς Η τὸ Ε ὑπάρχειν παντὶ ἂν τῷ Ε τὸ Α ὑπάρχοι καὶ πάλιν εἰ τὸ Δ καὶ Η ταὐτὰ μόνων δὲ τῶν Η τὸ Ε κατηγοροῖτο ὅτι οὐδενὶ τῷ Ε τὸ Α ὑπάρξει

43 Patzig (1959 sect3 p 6ndash7)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

33

Com efeito se C e G fossem o mesmo mas se assumisse que E se atribui apenas aos Grsquos A se atribuiria a todo E Novamente se D e G fossem o mesmo mas E se afirmasse apenas dos Grsquos A se atribuiraacute a nenhum E (45b 24minus27)

Em 44a 12minus17 Aristoacuteteles jaacute havia estipulado que a letra C representaria um termo ao qual o extremo maior A acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente tambeacutem foi estipulado que a letra G representaria um termo ao qual o extremo menor E acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente por fim ainda ficou decidido que a letra D representaria um termo que natildeo pode ser atribuiacutedo ao extremo maior A Assim a identidade entre C e G a exemplo do que ocorre em 44a 19minus21 conduz a prova de EiA a um silogismo em Darapti ao passo que a identidade entre D e G a exemplo do que ocorre em 44a 28minus30 conduz a prova de EoA a um silogismo em Felapton44 No entanto nessa passagem embora os procedimentos de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) sejam acionados aquilo que se quer mostrar eacute de que modo podemos provar por hipoacutetese (ἐξ ὑποθέσεως) as proposiccedilotildees universais Para alcanccedilar esse resultado Aristoacuteteles assume que o extremo menor E se atribui apenas (μόνον) a G o que pode ser interpretado como uma maneira diferente de dizer que E e G satildeo termos coextensivos Sinal disso eacute o seguinte ao assumir que E se atribui apenas a G Aristoacuteteles se vecirc autorizado a concluir as proposiccedilotildees universais EaA e EeA o que soacute faz sentido sob o pressuposto de que G e E satildeo termos coextensivos De fato sob tal pressuposto a premissa menor GaE pode ser ldquoconvertidardquo em EaG o que transforma Darapti em Barbara bem como Felapton em Celarent Mas se os termos aos quais o extremo menor E acompanha forem pensados como termos subordinados proacuteprios de E GaE seraacute o caso mas EaG natildeo Por conseguinte tampouco as conclusotildees EaA e EeA se seguiriam Assim se quisermos conferir sentido agrave passagem temos que assumir que Aristoacuteteles recorreu agrave possibilidade de construir silogismos com termos

44 Darapti CaA GaE rarr EiA (C=G) Felapton DeA GaE rarr EoA (D=G)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

34

que satildeo coextensivos e se assim for podemos dizer que para Aristoacuteteles a presenccedila de silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos em sua loacutegica natildeo causava qualquer inconveniente45

Segundo nos parece as razotildees alegadas ateacute aqui jaacute satildeo suficientes para mostrar que os axiomas de Patzig natildeo podem servir como criteacuterios delimitadores de termos silogiacutesticos Ainda assim vale a pena examinar duas passagens que eventualmente poderiam ser invocadas contra a interpretaccedilatildeo que propomos Embora natildeo sejam citadas pelos proponentes das opiniotildees tradicionais natildeo eacute difiacutecil imaginar que elas tenham servido de inspiraccedilatildeo para aqueles que defendem a exclusatildeo dos termos transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo De fato agrave primeira vista tais passagens podem nos levar a pensar que Aristoacuteteles natildeo guardou lugar para tais termos na silogiacutestica No entanto como veremos isso soacute eacute verdade agrave primeira vista

45 O capiacutetulo 29 natildeo eacute a uacutenica evidecircncia de silogismos com termos coextensivos na silogiacutestica No capiacutetulo 5 do Livro II de Primeiros Analiacuteticos precisamente em 57b 35minus58a 12 Aristoacuteteles trabalha com silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos Por sua vez no capiacutetulo 22 em 67b 27minus32 Aristoacuteteles inicia o texto dizendo que a coextensatildeo entre os termos extremos de um silogismo requer um mediador tambeacutem coextensivo o que revela por parte de Aristoacuteteles plena consciecircncia a respeito da existecircncia de silogismos com triacuteades coextensivas Nos Segundos Analiacuteticos o interesse de Aristoacuteteles por demonstraccedilotildees que envolvem termos coextensivos pode ser classificado como uma obsessatildeo Basta notar que a proacutepria demonstraccedilatildeo universal ndash aquela que eacute considerada por Aristoacuteteles como cientiacutefica no mais alto grau ndash tem como uma de suas principais caracteriacutesticas a coextensatildeo entre os trecircs termos do silogismo (cf Seg An I 4 73b 32minus74a 3) o que revela o papel central das triacuteades coextensivas no projeto aristoteacutelico que eacute inaugurado com a silogiacutestica e culmina nas demonstraccedilotildees cientiacuteficas (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 e II 16 Aristoacuteteles novamente recorre a termos coextensivos na formulaccedilatildeo de silogismos A nossa preferecircncia pela passagem 45b 24minus27 do capiacutetulo 29 de Primeiros Analiacuteticos se daacute apenas com base em sua conexatildeo indiscutiacutevel com o capiacutetulo 28 no qual Patzig julga encontrar seus axiomas

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

35

Uma das passagens agraves quais nos referimos eacute aquela com a qual Aristoacuteteles encerra o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I Vejamos o que diz Aristoacuteteles

ἔτι τὰ πᾶσιν ἑπόμενα οὐκ ἐκλεκτέον οὐ γὰρ ἔσται συλλογισμὸς ἐξ αὐτων διrsquo ἣν δrsquo αἰτίαν ἐν τοῖς ἑπομένοις ἔσται δῆλον Aleacutem disso natildeo eacute preciso selecionar os itens que acompanham todas as coisas pois natildeo haacute silogismo a partir deles A razatildeo disso ficaraacute evidente a seguir (43b 36minus38)

Essa passagem trata dos termos transcategoriais de generalidade total (τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) e delega a justificativa de seu proacuteprio pronunciamento ao capiacutetulo seguinte no qual Patzig encontrou inspiraccedilatildeo para seus axiomas No capiacutetulo 28 cumprindo o prometido Aristoacuteteles retoma esse assunto e reitera a impossibilidade de construir silogismos a partir de termos de generalidade total

φανερὸν οὖν ὅτι διὰ τῶν προειρημένων σχημάτων οἱ συλλογισμοὶ πάντες καὶ ὅτι οὐκ ἐκλεκτέον ὅσα πᾶσιν ἕπεται διὰ τὸ μηδένα γίγνεσθαι συλλογισμὸν ἐξ αὐτῶν κατασκευάζειν μὲν γὰρ ὅλως οὐκ ἦν ἐκ τῶν ἑπομένων ἀποστερεῖν δrsquo οὐκ ἐνδέχεται διὰ τοῦ πᾶσιν ἑπομένου δεῖ γὰρ τῷ μὲν ὑπάρχειν τῷ δὲ μὴ ὑπάρχειν Eacute evidente entatildeo que todos os silogismos vecircm a ser atraveacutes das figuras previamente mencionadas e que natildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisas porque nenhum silogismo vem a ser a partir deles De fato de modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanham e natildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outro (44b 19minus24)

Fora de contexto e em uma leitura mais apressada essas duas passagens podem nos levar a crer que a opiniatildeo tradicional que afasta da silogiacutestica os termos de generalidade total (como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) de fato encontra respaldo nos textos de Aristoacuteteles No entanto mais uma vez eacute preciso levar em conta que o capiacutetulo 28 eacute marcado pela

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

36

descriccedilatildeo de estrateacutegias de localizaccedilatildeo de termos mediadores e natildeo de termos em geral Dizendo de outro modo Aristoacuteteles natildeo estaacute interessado em localizar os termos que deveratildeo encerrar a conclusatildeo de um silogismo pelo contraacuterio tais termos jaacute estatildeo plenamente determinados bem como a relaccedilatildeo proposicional (a e i e o) que haacute entre eles dado que a conclusatildeo na qual interagem funciona como ponto de partida da investigaccedilatildeo empreendida no capiacutetulo O que interessa para Aristoacuteteles eacute a localizaccedilatildeo de termos mediadores e eacute nesse horizonte que tais passagens devem ser lidas Assim ao negar a possibilidade de construir silogismos a partir de termos transcategoriais de generalidade total (ἐξ αὐτῶν) o que Aristoacuteteles quer dizer eacute que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos46 nos quais a funccedilatildeo de mediador seja desempenhada por um termo desse tipo razatildeo pela qual na busca pelo mediador recomenda Aristoacuteteles ldquonatildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisasrdquo (44b 20minus21) Para justificar essa recomendaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta duas razotildees (i) ldquode modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanhamrdquo (44b 22minus23) (ii) ldquonatildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outrordquo (44b 23minus24) Na primeira razatildeo Aristoacuteteles parece reconsiderar as listas de termos estipuladas no trecho 44a 11minus17 pressupondo ao que tudo indica que os transcategoriais de generalidade total soacute podem figurar em listas de termos que acompanham os extremos Isso se justificaria pela natureza inapta de tais termos para o papel de sujeito em proposiccedilotildees silogiacutesticas conforme se constata no capiacutetulo I 27 Assim na medida em que nas provas afirmativas a busca pelo mediador natildeo envolve

46 Na verdade como o escopo do capiacutetulo 28 natildeo abarca todo e qualquer silogismo seria mais correto dizer que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos (nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas) assumindo um termo de generalidade total na funccedilatildeo de mediador

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

37

apenas a lista de termos que acompanham um dos extremos mas tambeacutem a lista de termos aos quais um dos extremos acompanha (ver 43b 39minus44a 2) os transcategoriais de generalidade total perdem a candidatura agrave funccedilatildeo de mediador e jaacute de saiacuteda nem sequer precisam ser considerados47 Na segunda razatildeo por sua vez Aristoacuteteles leva em conta o fato de que as provas negativas dependem de um mediador capaz de figurar em proposiccedilotildees universais negativas verdadeiras exigecircncia que natildeo estaacute no alcance dos termos de generalidade total Afinal se estamos diante de um transcategorial desse tipo de antematildeo jaacute assumimos a inexistecircncia de um termo do qual ele natildeo seja predicado Assim os termos de generalidade total ficam impedidos de serem atribuiacutedos a um extremo e natildeo atribuiacutedos ao outro (44b 24) como deve ser o mediador de um silogismo negativo

O que eacute verdade portanto eacute que Aristoacuteteles dispensa os termos de generalidade total da funccedilatildeo de mediador De fato quando se pretende construir silogismos nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas tal como ocorre no capiacutetulo 28 a busca do mediador entre transcategoriais de generalidade total eacute sempre infrutiacutefera porque soacute poderaacute devolver como resposta pretensos fatores de mediaccedilatildeo marcados por duas deficiecircncias principais a

47 Supomos que em tais passagens Aristoacuteteles de fato tem em mente as recomendaccedilotildees de prova apresentadas no iniacutecio do capiacutetulo 28 de modo que apenas os silogismos em Barbara e Darapti sejam considerados como silogismos afirmativos (cf 43b 39minus44a 2) Assim entendemos que o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 se justificaria porque os termos de generalidade total na prova de a natildeo podem integrar a lista de termos aos quais o extremo maior acompanha bem como na prova de i a lista de termos aos quais ambos os extremos acompanham No entanto ainda que os demais silogismos afirmativos sejam levados em conta o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 continua verdadeiro jaacute que Darii Disamis e Datisi tambeacutem exigem que o mediador esteja entre os termos aos quais o(s) extremo(s) acompanha(m)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

38

impossibilidade de desempenhar a funccedilatildeo de sujeito de modo legiacutetimo e a incapacidade de compor proposiccedilotildees negativas verdadeiras

Nenhuma das passagens mencionadas acima (43b 36minus38 e 44b 19minus24) eacute citada ndash nem por Lukasiewicz nem por Patzig ndash como evidecircncia de que Aristoacuteteles teria rejeitado os termos de generalidade total em seu sistema loacutegico Poreacutem diante da escassez de evidecircncias em favor da suposta exclusatildeo de tais termos natildeo eacute insensato presumir que os proponentes dessa exclusatildeo tenham encontrado inspiraccedilatildeo nelas

Na proacutexima seccedilatildeo examinaremos textos nos quais Aristoacuteteles constroacutei silogismos com termos de natureza singular Veremos que o incocircmodo com a presenccedila de tais termos na silogiacutestica eacute menos de Aristoacuteteles e mais de seus inteacuterpretes 3 Termos Singulares e o Silogismo Peripateacutetico

Jaacute comentamos o fato de Lukasiewicz ter feito pesadas criacuteticas agrave silogiacutestica em especial ao suposto fato de Aristoacuteteles ter afastado os termos de natureza singular de seu sistema loacutegico o que seria segundo Lukasiewicz ldquoo maior defeitordquo da loacutegica aristoteacutelica48 Ao que parece o responsaacutevel por levaacute-lo por esse caminho foi Ross que tomou nota do tambeacutem suposto fato de Aristoacuteteles nunca se valer de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos49 Lukasiewicz reiterou a constataccedilatildeo de Ross (embora natildeo o cite) e nela encontrou razatildeo para natildeo reconhecer como rigorosamente aristoteacutelico o silogismo que qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo silogismo formulado em primeira figura com um nome proacuteprio como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo

De acordo com a triparticcedilatildeo de termos que pudemos conhecer no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I (Seccedilatildeo II Parte 1) natildeo temos qualquer razatildeo para expulsar da silogiacutestica os termos de natureza singular Eacute

48 Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect3 p 6) 49 Ross (1949 p 289 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

39

claro que Aristoacuteteles natildeo deixa de lhes endereccedilar certas restriccedilotildees poreacutem vale a pena repetir nenhuma das restriccedilotildees introduzidas por Aristoacuteteles no referido capiacutetulo tem forccedila suficiente para expulsar os termos singulares da loacutegica aristoteacutelica De fato embora tais termos natildeo possam figurar em proposiccedilotildees como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nada impede que outros termos lhes sejam atribuiacutedos por conseguinte embora natildeo possam ser demonstrados como legiacutetimos predicados de outros termos nada impede que outros termos sejam demonstrados como predicados deles50

Fora dos Analiacuteticos jaacute esbarramos em indiacutecios que vatildeo nessa direccedilatildeo No capiacutetulo 10 de Metafiacutesica XIII (My) por exemplo haacute uma breve passagem que sugere esse resultado Enquanto argumenta em favor da tese de que ldquoo conhecimento eacute de universaisrdquo (ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου) Aristoacuteteles parece supor que os termos singulares ldquoeste triacircngulordquo e ldquoeste homemrdquo tambeacutem satildeo suscetiacuteveis de operaccedilotildees silogiacutesticas

[] ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου δῆλον δrsquo ἐκ τῶν ἀποδείξεων καὶ τῶν ὁρισμῶν οὐ γὰρ γίγνεται συλλογισμὸς ὅτι τόδε τὸ τρίγωνον δύο ὀρθαῖς εἰ μὴ πᾶν τρίγωνον δύο ὀρθαί οὐδrsquo ὅτι ὁδὶ ὁ ἄνθρωπος ζῷον εἰ μὴ πᾶς ἄνθρωπος ζῷον [] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos a natildeo ser que todo triacircngulo possua dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal a natildeo ser que todo homem seja animal (1086b 34minus37)

Poreacutem essa passagem natildeo eacute tatildeo simples quanto pode parecer agrave primeira vista51 Paul Shorey por exemplo reprovaria jaacute a traduccedilatildeo que

50 An Pr I 27 43a 25minus29 e 39minus40 Ao comentar o capiacutetulo 27 Mignucci (1969 p 443) tambeacutem reconhece a possibilidade ldquodi costruire dimostrazioni e sillogismi anche relativamente a singolarirdquo citando Alexandre que tambeacutem jaacute a observa em seus comentaacuterios (An Pr p 293 13minus23) 51 Shorey (1913)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

40

propomos porque ela faz crer que Aristoacuteteles estabelece uma relaccedilatildeo de dependecircncia dedutiva (silogiacutestica) entre proposiccedilotildees dependecircncia que de fato existe mas da qual para Shorey a passagem em questatildeo natildeo trataria De acordo com Shorey as ocorrecircncias de εἰ μὴ nas linhas 33 e 36 natildeo significam ldquo[] lsquounlessrsquo but is to be taken in its idiomatic sense as a virtual equivalent of ἀλλάrdquo Nesse caso uma traduccedilatildeo mais fiel agrave posiccedilatildeo de Shorey seria a seguinte

[] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos mas de que todo triacircngulo tem dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal mas de que todo homem eacute animal (1086b 34minus37)

Assim o texto estabeleceria natildeo que as proposiccedilotildees singulares no papel de conclusotildees silogiacutesticas satildeo (dedutivamente) dependentes das proposiccedilotildees universais mas que as conclusotildees propriamente silogiacutesticas satildeo universais (universalmente quantificadas) e natildeo singulares

Ross52 ao tratar dessa passagem natildeo deixa de comentar a posiccedilatildeo de Shorey

He [Shorey] argues that in l 33 knowledge is said to be lsquoofrsquo universals ie to have universal conclusions as well as universal premises [hellip] and that singular propositions never occur as conclusions in Aristotlersquos logical writings

Na verdade Shorey53 natildeo chega a dizer que proposiccedilotildees singulares nunca ocorrem como conclusotildees silogiacutesticas nos escritos loacutegicos de Aristoacuteteles embora passe perto disso

The syllogism with a particular54 conclusion is an inferior type (Analyt Post 79a 25ff) [hellip] Aristotle does not recognize singular proposition in his classification (Analyt Priora A1 Grote Aristotle I 205) and the

52 Ross (1953 p 464) 53 Shorey (1913 p 91) 54 Nesse contexto Shorey assume ldquoparticularrdquo e ldquosingularrdquo como equivalentes

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

41

conclusion to an individual case interests him very little and is practically ignored

Shorey tem alguma razatildeo em alegar que os silogismos que concluem proposiccedilotildees singulares (tambeacutem conhecidos como ldquoperipateacuteticosrdquo) satildeo de um tipo inferior especialmente quando se leva em conta o horizonte das demonstraccedilotildees cientiacuteficas55 mas erra quando recorre ao trecho 79a 25ss para dar base textual a tal alegaccedilatildeo ndash o referido trecho nem mesmo trata desse assunto Por sua vez e contra Shorey Ross56 surpreende ao alegar o seguinte

There are however occasional references in Aristotle to the occurrence of singular propositions as the minor premise or conclusion of syllogisms (eg An Pr 43a 37minus40) []

55 Para Aristoacuteteles o silogismo dito cientiacutefico no mais alto grau eacute a chamada demonstraccedilatildeo universal Eacute importante notar que aqui o adjetivo ldquouniversalrdquo tem um sentido muito preciso e natildeo se justifica pela mera ocorrecircncia de uma conclusatildeo universalmente quantificada Em Segundos Analiacuteticos I 4 73b 32minus74a 3 por exemplo Aristoacuteteles argumenta que a demonstraccedilatildeo universal natildeo conclui que todo isoacutesceles tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos mas que todo triacircngulo tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos revelando um requisito que envolve o ajuste preciso do extremo menor a partir de condiccedilotildees estabelecidas pelo extremo maior (cf Seg An I 5 74a 4minus6 13minus17 25minus32 74b 21minus26 I 24 85b 4minus15) Para Aristoacuteteles o predicado ldquoter a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retosrdquo ndash daqui para frente apenas ldquo2Rrdquo ndash se atribui a ldquoisoacutescelesrdquo de um modo que em algum sentido eacute parasitaacuterio da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo dado que isoacutesceles tem 2R na exata medida em que eacute triacircngulo Em outras palavras a atribuiccedilatildeo de ldquo2Rrdquo a ldquoisoacutescelesrdquo eacute entendida como indireta e dependente da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo Nesse contexto eacute natural presumir que um silogismo peripateacutetico seja concebido como inferior em relaccedilatildeo aos demais minus especialmente no que diz respeito ao grau de cientificidade minus jaacute que sua conclusatildeo natildeo poderaacute satisfazer as exigecircncias de uma legiacutetima conclusatildeo cientiacutefica tal como ocorre em uma demonstraccedilatildeo universal Jaacute quanto agraves propriedades dedutivas envolvidas em tal silogismo natildeo haacute razatildeo para consideraacute-lo inferior Para apreciaccedilatildeo detalhada da noccedilatildeo de demonstraccedilatildeo universal ver Angioni (2007) 56 Ross (1953 p 464)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

42

Ross supotildee que o argumento de Shorey pretende estabelecer a exclusatildeo dos termos singulares do domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica e aponta a passagem 43a 37minus40 como evidecircncia textual incompatiacutevel com essa exclusatildeo Temos aqui uma mudanccedila de opiniatildeo De fato conforme pudemos ver na primeira seccedilatildeo deste artigo ao tratar do trecho 43a 37minus43 na ediccedilatildeo comentada do texto grego de Primeiros e Segundos Analiacuteticos Ross chega a dizer que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares em seus exemplos de silogismos e argumenta em favor de uma silogiacutestica restrita a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ)57 Agora ao comentar a passagem 1086a 34minus37 de Metafiacutesica XIII (My) 10 Ross reconhece no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I uma evidecircncia em favor da inclusatildeo dos termos singulares na silogiacutestica Aparentemente o proacuteprio Ross natildeo tinha muita convicccedilatildeo a respeito da inclusatildeo ou exclusatildeo dos termos de natureza singular

De nossa parte admitimos que a passagem 1086a 34minus37 eacute digna da controveacutersia introduzida por Shorey ndash embora tenhamos mais apreccedilo pela interpretaccedilatildeo de Ross No entanto mesmo que Shorey tenha razatildeo a respeito do referido trecho de Metafiacutesica XIII (My) 10 a presenccedila de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares na silogiacutestica natildeo estaraacute ameaccedilada porque ainda podemos nos valer de passagens muito mais promissoras para decidir essa questatildeo passagens nas quais o proacuteprio Aristoacuteteles elabora cocircmputos silogiacutesticos com termos singulares como se a presenccedila deles na silogiacutestica natildeo lhe figurasse como uma anomalia

Patzig tinha conhecimento dessas passagens e fez questatildeo de citaacute-las no primeiro capiacutetulo de seu livro corrigindo o suposto fato alegado por Ross e Lukasiewicz de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos exemplos de silogismos que aparecem em Primeiros Analiacuteticos No entanto Patzig natildeo recorre a tais passagens a fim de reintroduzir os termos singulares na silogiacutestica mas procura

57 Idem 1949 p 384

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

43

desqualificaacute-las e assim reiterar os resultados de seus antecessores De fato embora reconheccedila as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 do Livro I bem como de ldquoPitacosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II Patzig manteacutem a posiccedilatildeo tradicional que afasta os termos de natureza singular da loacutegica aristoteacutelica alegando apenas que a ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo (70a 16minus20) se daacute em um silogismo invaacutelido ao passo que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo (47b 15ss) aparecem em premissas das quais nada se segue58

Eacute bem verdade que as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 de Primeiros Analiacuteticos I estatildeo associadas a pares de premissas dos quais nenhuma conclusatildeo se segue coisa que o proacuteprio Aristoacuteteles natildeo hesita em admitir No entanto embora sejam inconcludentes esses pares de premissas acomodam seus termos em disposiccedilotildees muito similares agravequelas de um silogismo vaacutelido (Barbara)59 o que lhes confere as feiccedilotildees de que satildeo concludentes quando na verdade natildeo o satildeo De acordo com Aristoacuteteles o que os impede de serem concludentes eacute o fato de que a premissa maior natildeo eacute universal60 Em 47b 26minus28 essa justificativa eacute apresentada por meio de um pronunciamento que merece alguma atenccedilatildeo Aristoacuteteles anuncia o fato de a premissa maior natildeo ser universal como quem supotildee que fosse ela universal o problema estaria resolvido e assim o par de premissas seria concludente61 Ora na medida em que Aristoacuteteles atribui o caraacuteter inconcludente dos pares de premissas precisamente agraves premissas maiores (e natildeo agraves premissas menores nas quais ocorrem os termos singulares) presume-se que esses termos natildeo introduzem qualquer caracteriacutestica censuraacutevel nos silogismos ali formulados Assim o fato de que natildeo estamos diante de pares de premissas concludentes por si soacute natildeo eacute

58 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 59 An Pr I 33 47b 21minus37 60 Idem 47b 26minus29 34minus37 e 38minus39 61 O uso contrafactual de ἔδει na linha 27 sugere essa leitura

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

44

suficiente para recusar ao capiacutetulo 33 o papel de evidecircncia em favor de tais termos na silogiacutestica62

Quanto agrave ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo em Primeiros Analiacuteticos II 27 (70a 16minus20) Patzig tem alguma razatildeo em alegar que ela se daacute em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido No entanto eacute preciso ajustar essa alegaccedilatildeo porque Aristoacuteteles natildeo descreve o argumento em questatildeo propriamente como um silogismo mas como um sinal (σημεῖον) e ao que parece um sinal e um silogismo ndash um legiacutetimo silogismo e natildeo um mero entimema ndash estatildeo longe de ser a mesma coisa63 Aleacutem disso temos uma ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo no mesmo capiacutetulo que eacute bem mais relevante para a discussatildeo mas que foi completamente ignorada pelos comentadores

Em 70a 26minus28 Aristoacuteteles formula dois silogismos nos quais aparece o termo singular ldquoPitacosrdquo Um deles eacute descrito como refutaacutevel (λύσιμος)64 basicamente porque a conclusatildeo natildeo se segue das premissas65 Natildeo precisamos nos deter nele Por ora o silogismo que fora introduzido algumas linhas antes e que foi descrito por Aristoacuteteles como irrefutaacutevel (ἄλυτος)66 eacute muito mais interessante Esse silogismo tem exatamente a formulaccedilatildeo paradigmaacutetica que Lukasiewicz qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo e agrave qual negou lugar na loacutegica aristoteacutelica Vale a pena citar essa passagem para marcar bem a presenccedila desse tipo de silogismo na loacutegica de Aristoacuteteles

62 M Malink (2009 p 119) por exemplo contrariando Patzig aponta o capiacutetulo I 33 minus bem como II 27 do qual trataremos a seguir minus como evidecircncia em favor de termos singulares na silogiacutestica Ver tambeacutem Mignucci ldquoAristotlersquos Theory of Predicationrdquo p 10 ldquoParts Quantification and Aristotelian Predicationrdquo p 11 e Barnes ldquoTruth etcrdquo p 158-166 63 An Pr II 27 70a 24minus25 64 Ibidem 30minus31 e 34minus35 65 Ibidem 27minus28 e 30minus32 66 Ibidem 29

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

45

Ἐὰν μὲν οὖν ἡ μία λεχθῇ πρότασις σημεῖον γίνεται μόνον ἐὰν δὲ καὶ ἡ ἑτέρα προσληφθῇ συλλογισμός οἷον ὅτι Πιττακὸς ἐλευθέριος οἱ γὰρ φιλότιμοι ἐλευθέριοι Πιττακὸς δὲ φιλότιμος Assim se somente uma premissa for assumida haacute apenas um sinal ao passo que se a outra premissa tambeacutem for assumida entatildeo haacute um silogismo por exemplo lsquoPitacos eacute destemido pois os homens de brio satildeo destemidos e Pitacos eacute homem de briorsquo (70a 24minus27)67

A descriccedilatildeo eacute inusitada porque Aristoacuteteles comeccedila pela conclusatildeo Mas isso natildeo prejudica o resultado a que queremos chegar O nome proacuteprio ldquoPitacosrdquo eacute sem duacutevida o extremo menor que aparece como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo ldquodestemidordquo eacute o extremo maior predicado da premissa maior e da conclusatildeo por fim a funccedilatildeo de mediador fica por conta de ldquohomem de briordquo Em uma reconstituiccedilatildeo um pouco mais formalizada temos o seguinte silogismo todo homem de brio eacute destemido Pitacos eacute (um) homem de brio logo Pitacos eacute destemido

O leitor mais desconfiado talvez hesite em aceitar que a premissa maior ldquoos homens de brio satildeo destemidosrdquo possa ser formalizada com um quantificador universal mas haacute sinais claros de que eacute assim que devemos concebecirc-la Em primeiro lugar Aristoacuteteles reconhece a legitimidade desse silogismo e supotildee que a conclusatildeo decorre das premissas o que por si soacute jaacute pressupotildee a universalidade da premissa maior Caso contraacuterio a conclusatildeo natildeo se impotildee Em segundo lugar haacute um pequeno detalhe que causa surpresa nesse capiacutetulo e que merece atenccedilatildeo de nossa parte Aristoacuteteles justifica o caraacuteter irrefutaacutevel do mencionado silogismo alegando que se trata de um silogismo universal (καθόλου γὰρ ἐστιν cf 70a 30) Ora como se sabe Aristoacuteteles descreve como universais precisamente aqueles silogismos nos quais a conclusatildeo eacute universal quais sejam Barbara Celarent Cesare e Camestres Por isso ao caracterizar o ldquosilogismo peripateacuteticordquo como um silogismo universal

67 As traduccedilotildees de φιλότιμος e ἐλευθέριος certamente satildeo discutiacuteveis mas em nada afetam os nossos objetivos

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

46

Aristoacuteteles pode querer sinalizar que em algum sentido a conclusatildeo ldquoPitacos eacute destemidordquo deva ser compreendida como uma proposiccedilatildeo fundada em uma atribuiccedilatildeo universal68 como se o referido ldquosilogismo peripateacuteticordquo precisamente em razatildeo disso fosse digno do mesmo status concedido aos demais silogismos universais (Barbara Celarente Cesare e Camestres) Essa leitura sugere que a concepccedilatildeo aristoteacutelica de atribuiccedilatildeo universal talvez deva ser repensada jaacute que ela daacute sinais de se estender sobre casos para os quais natildeo cabe falar em quantificadores (universais) ndash eacute o que parece ocorrer no ldquosilogismo peripateacuteticordquo acima mencionado

O aprofundamento desse ponto no entanto eacute algo que ultrapassa o escopo da presente investigaccedilatildeo e seu exame deve ser deixado para outra ocasiatildeo A essa altura o objetivo principal desta seccedilatildeo jaacute nos parece ter sido alcanccedilado pois consiste apenas em mostrar o que os leitores menos versados nos Analiacuteticos jaacute perceberam haacute muito tempo a saber que o chamado ldquosilogismo peripateacuteticordquo natildeo soacute faz parte da loacutegica aristoteacutelica mas mais do que isso ainda pode desfrutar de um lugar privilegiado no interior da silogiacutestica entre os chamados ldquosilogismos universaisrdquo Diante desse quadro natildeo haacute duacutevida de que os termos de natureza singular tecircm lugar garantido na loacutegica de Aristoacuteteles69

68 Provavelmente foi inspirado em passagens como essa que J N Keynes (1906 p 102) sugeriu conceber as proposiccedilotildees singulares como uma subclasse de proposiccedilotildees universais Lukasiewicz tomou nota dessa possibilidade e a considerou totalmente equivocada Mas para isso ignorou completamente o trecho 70a 24minus30 69 Agradeccedilo ao professor Lucas Angioni (Unicamp) pela prontidatildeo na leitura de versotildees preacutevias deste artigo pelas indicaccedilotildees de passagens para reforccedilar o argumento e pelas alteraccedilotildees de texto sugeridas as quais certamente contribuiacuteram para melhorar o resultado final aqui apresentado Agradeccedilo tambeacutem aos professores Raphael Zillig (UFRGS) e Inara Zanuzzi (UFRGS) pela oportunidade de discutir alguns resultados provisoacuterios deste artigo no Seminaacuterio sobre Primeiros Analiacuteticos I 27 organizado pelo professor Raphael e realizado na UFRGS no ano de 2011 Por fim tambeacutem agradeccedilo aos

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

47

REFEREcircNCIAS

ANGIONI L ldquoO Conhecimento Cientiacutefico no Livro I dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesrdquo Revista de Filosofia Antiga (online) vol 1 n 1 2007 (httpwwwfilosofiaantigacomdocuments23html)

BARNES J (ed) Aristotle Prior Analytics (trans by A J Jenkinson in Barnes 1984 vol 1 p 39minus113)

mdashmdashmdashmdash Truth etc Six Lectures on Ancient Logic Oxford Clarendon Press 2007

BOCHENSKI J Ancient Formal Logic Amsterdam North-Holland Publishing 1951

CORCORAN J ldquoCompleteness of an Ancient Logicrdquo Journal of Symbolic Logic 37 696minus702 1972

KEYNES J N Studies and Exercises in Formal Logic (fourth edition rewritten and enlarged) New York The Macmillan Company 1906

LUKASIEWICZ J Aristotlersquos Syllogistic from the Standpoint of Modern Formal Logic Oxford Clarendon Press 1951

MALINK M ldquoA Non-Extensional Notion of Conversion in the Organonrdquo Oxford Studies in Ancient Philosophy Vol XXXVII p 106minus141 Oxford University Press 2009

MIGNUCCI M Aristotele Gli analitici primi ndash Traduzione introduzione e commento Naples Loffredo 1969

companheiros de pesquisa Francine Maria Ribeiro e Mateus Ricardo Fernandes Ferreira (UEMminusPR) pela leitura das primeiras versotildees desse texto e pelas proveitosas sugestotildees que me fizeram

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

48

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Theory of Predication in I Angelilli and M Cerezo (eds) Studies in the History of Logic 1minus20 Berlin 1996

mdashmdashmdashmdash Parts Quantification and Aristotelian Predication Monist 83 3minus21 2000

PATZIG G Aristotlersquos Theory of the Syllogism A Logico-Philosophical Study of Book A of the Prior Analytics Translated by Jonathan Barnes Dordrecht Reidel 1959

ROSS W D Aristotlersquos Prior and Posterior Analytics Oxford Clarendon Press 1949

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Metaphysics Oxford Clarendon Press 1953 (1924)

SHOREY P ldquoA Note on Aristotlersquos Metaphysics 1086b 32minus37rdquo Classical Philology Vol 8 n 1 pp 90minus92 1913

SMITH R Aristotle Prior Analytics Indianapolis Hackett Publishing Company 1989

STRIKER G Aristotle Prior Analytics Book I Oxford Clarendon Press 2009

Page 22: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

26

serviria mais como discussatildeo preparatoacuteria para os assuntos tratados no capiacutetulo seguinte

De fato haacute forte unidade entre esses textos O objetivo predominante que os vincula e orienta eacute anunciado no iniacutecio do capiacutetulo 27 e consiste em mostrar ldquode que modo sempre estaremos providos de silogismos em relaccedilatildeo ao que for proposto e por qual via alcanccedilamos os princiacutepios de cada coisardquo32 O capiacutetulo 27 contribui com esse objetivo na medida em que faz recomendaccedilotildees sobre como selecionar termos e premissas e classifica os fatores silogiacutesticos segundo as funccedilotildees (sujeito e predicado) que podem desempenhar de modo irrestrito em proposiccedilotildees silogiacutesticas A contribuiccedilatildeo do capiacutetulo 28 por sua vez estaacute associada aos procedimentos de prova de cada uma das quatro formas proposicionais categoacutericas (a e i e o) Esses procedimentos satildeo caracterizados basicamente pela descriccedilatildeo dos paracircmetros de localizaccedilatildeo do fator capaz de mediar os extremos (τά ἄκρα) na relaccedilatildeo categoacuterica acarretada na conclusatildeo Trata-se portanto de procedimentos de busca e localizaccedilatildeo do termo mediador (τὸ μέσον)

Assim para provar por exemplo a relaccedilatildeo universal afirmativa EaA prescreve Aristoacuteteles devemos encontrar um fator comum a duas listas (i) aquela de termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e (ii) aquela de termos que se atribuem universalmente ao extremo menor E33 O resultado seraacute o mediador M tal que MaA e EaM o que perfaz um silogismo em Barbara Semelhantemente para provar a relaccedilatildeo particular afirmativa EiA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um elemento comum agraves listas de (i) termos aos quais o extremo maior A se atribui universalmente e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente ou seja agraves listas de termos que cada um dos extremos E e A ldquoacompanhardquo (ἕπεσθαι ou ακολουθεῖν) Nesse caso o termo comum M seraacute tal que MaA e MaE o que nos

32 An Pr I 27 43a 20ndash21 33 An Pr I 28 43b 39ndash43

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

27

permite concluir EiA por Darapti (terceira figura)34 Por sua vez a prova da relaccedilatildeo universal negativa EeA tambeacutem se valeraacute da identificaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios a um extremo e de (ii) termos que se atribuem universalmente ao outro extremo se o mediador M comum agraves duas listas for contraacuterio ao extremo maior A e universalmente atribuiacutedo ao extremo menor E o mediador M seraacute tal que MeA e EaM ou AeM e EaM possibilitando a prova de EeA (respectivamente) por Celarent e por Cesare mas se o mediador M for contraacuterio ao extremo menor E e universalmente atribuiacutedo ao extremo maior A M seraacute tal que AaM e EeM restringindo a prova de EeA a Camestres35 Por fim para provar a relaccedilatildeo particular negativa EoA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios ao extremo maior A e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente Assim o mediador M seraacute tal que MeA e MaE o que prova EoA por Felapton36

Em todas as recomendaccedilotildees do capiacutetulo 28 Aristoacuteteles se orienta pelas conclusotildees almejadas propondo a partir delas procedimentos de busca e localizaccedilatildeo dos fatores capazes de acarretar cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas A estrateacutegia de Aristoacuteteles portanto natildeo consiste em partir de premissas e deduzir os resultados que delas se seguem mas fazendo o caminho inverso consiste em partir da conclusatildeo e buscar o termo mediador capaz de articular os extremos na relaccedilatildeo categoacuterica (a e i ou o) da conclusatildeo

Por natildeo captar a natureza invertida dessa estrateacutegia Patzig natildeo compreendeu plenamente o que Aristoacuteteles propusera e julgou que o capiacutetulo 28 muito mais que o capiacutetulo 27 impunha severas restriccedilotildees agrave lista de termos capazes de figurar em silogismos aristoteacutelicos Na verdade o capiacutetulo 28 nem sequer trata da questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera mas limita-se a descrever os paracircmetros de

34 Ibidem 43b 43ndash44a 2 35 An Pr I 44a 2ndash8 36 An Pr I 28 44a 9ndash11

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

28

localizaccedilatildeo do mediador de cada forma categoacuterica Eacute claro que ao descrever esses paracircmetros Aristoacuteteles acaba por assumir certos pressupostos que em uacuteltimo caso podem ter algum efeito sobre a lista de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica Ainda assim eacute preciso observar que as recomendaccedilotildees apresentadas no capiacutetulo 28 satildeo pensadas em relaccedilatildeo agrave prova de cada proposiccedilatildeo categoacuterica em particular Por isso os pressupostos envolvidos nessas recomendaccedilotildees bem como as eventuais restriccedilotildees de termos que lhes sejam correlatas deveratildeo ter aplicaccedilatildeo circunscrita a cada caso isto eacute aos procedimentos de prova de cada conclusatildeo em particular

Patzig parece natildeo ter dado a devida atenccedilatildeo a esse detalhe pois embora compreenda os seus axiomas como pressupostos impliacutecitos das recomendaccedilotildees de Aristoacuteteles ndash recomendaccedilotildees cuja aplicaccedilatildeo estaacute circunscrita a cada caso ndash Patzig os assume como vaacutelidos para termos de todo e qualquer silogismo37 No entanto eacute flagrante que certos silogismos natildeo dependem de alguns de seus axiomas Um arquetiacutepico silogismo em Barbara por exemplo funciona perfeitamente bem sem pressupor para qualquer de seus termos a validade do terceiro axioma isto eacute sem pressupor que exista para qualquer de seus termos (ou mesmo para qualquer de seus extremos para ser fiel ao capiacutetulo 28) um termo que lhe seja ldquocontraacuteriordquo

Ao que tudo indica o que levou Patzig a estender a validade de seus axiomas sobre todos os silogismos eacute o trecho 44a 12minus17 em que Aristoacuteteles estipula letras para as listas de termos com as quais pretende trabalhar na exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova38 Na referida passagem Aristoacuteteles considera basicamente trecircs tipos de termos que se distinguem pelo termo extremo que lhes eacute correlato bem como pela relaccedilatildeo predicativa que cada um manteacutem com esse extremo Para cada extremo Aristoacuteteles estipula (i) termos que lhe satildeo atribuiacutedos universalmente (ii) termos aos quais ele proacuteprio se atribui universalmente e (iii) termos que natildeo lhe

37 Patzig (1959) sect3 p 6ndash7 38 An Pr I 28 44a 12minus17

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

29

podem ser atribuiacutedos Os termos de primeiro tipo devem ter servido de estiacutemulo para a necessidade de termos superordenados proacuteprios que eacute marca do segundo axioma de Patzig os termos de segundo tipo por sua vez para a necessidade de termos subordinados proacuteprios marca do primeiro axioma os de terceiro por fim para a necessidade de termos ldquocontraacuteriosrdquo marca do terceiro axioma

Eacute bem verdade que os termos estipulados por Aristoacuteteles envolvem certa analogia com os axiomas propostos por Patzig Mas eacute preciso notar em primeiro lugar que nenhum dos procedimentos de prova descritos por Aristoacuteteles depende da estipulaccedilatildeo dos trecircs tipos de termos39 A recomendaccedilatildeo de prova da proposiccedilatildeo particular afirmativa por exemplo requer apenas (ii) termos aos quais os extremos se atribuem universalmente40 O fato de Aristoacuteteles jaacute estipular de antematildeo trecircs tipos de termos para cada extremo natildeo torna obrigatoacuterio que todo e qualquer extremo (e muito menos que todo e qualquer termo silogiacutestico como prefere Patzig) independentemente do silogismo a que pertenccedila dependa dos trecircs tipos de termos estipulados precisamente porque a estipulaccedilatildeo desses termos estaacute ancorada em um par de extremos que eacute muito peculiar Esse par de extremos eacute pensado com propoacutesitos didaacuteticos orientados agrave exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova de cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas (a e i e o) Trata-se de um par de extremos que em benefiacutecio da exposiccedilatildeo eacute assumido como articulaacutevel em qualquer das relaccedilotildees categoacutericas Poreacutem essa assunccedilatildeo soacute faz sentido no contexto preciso dessa exposiccedilatildeo de procedimentos de prova afinal algumas dessas relaccedilotildees categoacutericas satildeo incompatiacuteveis entre si ndash por exemplo as relaccedilotildees universal afirmativa e particular negativa Por isso devemos presumir que as estipulaccedilotildees de termos que lhes datildeo suporte tambeacutem o satildeo e portanto natildeo podem valer em conjunto e para todos os casos

39 Idem 44a 17minus30 40 Ibidem 44a 19minus21

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

30

Para esclarecer esse ponto retomemos rapidamente os procedimentos de prova das proposiccedilotildees universal afirmativa e particular negativa41 Assumindo um mesmo par de extremos como faz Aristoacuteteles estaremos diante de proposiccedilotildees contraditoacuterias (EaA e EoA) Dado que tais proposiccedilotildees satildeo incompatiacuteveis as condiccedilotildees das quais elas satildeo provenientes tambeacutem o seratildeo Dizendo de outro modo a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (i) termos aos quais o extremo maior se atribui universalmente e (ii) termos que se atribuem universalmente ao extremo menor eacute incompatiacutevel com a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (irsquo) termos aos quais o extremo maior natildeo pode ser atribuiacutedo e (iirsquo) termos aos quais o extremo menor se atribui universalmente Assim em presenccedila das condiccedilotildees de prova de uma das proposiccedilotildees incompatiacuteveis as condiccedilotildees da outra poderatildeo ser dispensadas jaacute que satildeo condiccedilotildees requeridas para uma prova cuja possibilidade jaacute natildeo existe E natildeo haacute razatildeo para manter os termos estipulados e dispensar apenas a possibilidade de um termo comum entre as listas pois ambos os pressupostos satildeo requisitados para servir um uacutenico e mesmo propoacutesito o de estabelecer condiccedilotildees para a prova da relaccedilatildeo categoacuterica que se pretende obter Natildeo haacute uma razatildeo que justifique a manutenccedilatildeo das listas de termos estipulados em detrimento da possibilidade de um termo comum entre as listas pois o propoacutesito que introduz uma exigecircncia tambeacutem introduz a outra Sob essa perspectiva fica claro que os termos estipulados no trecho 44a 12minus17 natildeo podem ser pressupostos indispensaacuteveis de quaisquer termos silogiacutesticos tampouco pressupostos que devem ser satisfeitos em conjunto por termos de todo e qualquer silogismo Afinal Aristoacuteteles estipula cada uma das listas supondo que seus termos seratildeo candidatos agrave funccedilatildeo de mediador (e natildeo agrave funccedilatildeo de termos silogiacutesticos) e o faz segundo as exigecircncias especiacuteficas envolvidas na prova de cada relaccedilatildeo categoacuterica em particular (a e i ou o) Compreender tais listas como pressupostos

41 An Pr I 28 43b 39minus43 e 44a 9minus11

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

31

que devem ser satisfeitos por todo e qualquer termo silogiacutestico eacute um equiacutevoco

Em segundo lugar o capiacutetulo 28 natildeo parece estar orientado propriamente agrave prova silogiacutestica das formas categoacutericas mas em algum sentido agrave demonstraccedilatildeo de tais relaccedilotildees Haacute indiacutecios que sugerem essa leitura O principal deles talvez seja o fato de Aristoacuteteles se mostrar interessado em localizar um meson que fica no meio do caminho entre um mediador que satisfaz requisitos meramente dedutivos e um mediador que supera tais requisitos e se configura como um fator explanatoacuterio em uma legiacutetima demonstraccedilatildeo cientiacutefica42 Retomemos por exemplo as recomendaccedilotildees de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) Em 43b 43ndash44a 2 Aristoacuteteles recomenda a prova de EiA por premissas universais conduzindo a prova a um silogismo em Darapti embora admita a possibilidade de concluir proposiccedilotildees particulares a partir de um par de premissas em que apenas uma eacute universal (41b 22minus27) Em 44a 9ndash11 a exemplo do que ocorre com a prova de EiA Aristoacuteteles recomenda a prova de EoA novamente por premissas universais desta vez conduzindo a prova a um silogismo em Felapton Essas duas recomendaccedilotildees de prova pressupotildeem que o meson requisitado para a prova natildeo eacute um mediador meramente dedutivo mas um mediador que se articula com os extremos exclusivamente por relaccedilotildees universais Eacute claro que esse cenaacuterio ainda estaacute muito distante daquele que temos por exemplo no capiacutetulo 2 do Livro II de Segundos

42 Em uma demonstraccedilatildeo cientiacutefica natildeo basta que o mediador se relacione com os extremos de tal modo que a deduccedilatildeo da conclusatildeo esteja formalmente assegurada Aristoacuteteles ainda exige que o mediador satisfaccedila certos requisitos natildeo formais O principal deles eacute o de explicar adequadamente por que o extremo maior se atribui ao extremo menor (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 por exemplo essa diferenccedila (entre um mediador que satisfaz exigecircncias meramente dedutivas e um mediador que funciona como explicaccedilatildeo do fato relatado na conclusatildeo) eacute utilizada como criteacuterio baacutesico para distinguir o conhecimento de que C eacute A (conhecimento do fato) e o conhecimento de por que C eacute A (conhecimento da causa)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

32

Analiacuteticos (90a 6minus7) em que o meson eacute pensado como a causa que explica por que a relaccedilatildeo dada entre os extremos explicitada na conclusatildeo da demonstraccedilatildeo eacute o caso Mesmo assim temos o suficiente para mostrar que Aristoacuteteles natildeo estaacute levando em conta todos os silogismos de seu sistema loacutegico mas apenas aqueles nos quais ambas as premissas satildeo universais Por que razatildeo exatamente Aristoacuteteles faz essa escolha eacute algo a se investigar O que nos importa eacute que essa escolha restringe o escopo do capiacutetulo a um grupo especiacutefico de silogismos o que natildeo eacute compatiacutevel com a validade irrestrita dos axiomas propostos por Patzig

Em terceiro lugar Aristoacuteteles natildeo lida com as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo proacutepria superordenaccedilatildeo proacutepria e contrariedade mas prefere (i) termos que acompanham o extremo (τὰ ἑπόμενα) (ii) termos aos quais o extremo acompanha (οἷς αὐτὸ ἕπεται) e (iii) termos que natildeo podem ser atribuiacutedos ao extremo (ἃ μὴ ἐνδέχεται αὐτῷ ὑπάρχειν) Essa diferenccedila natildeo eacute apenas terminoloacutegica mas conceitual As relaccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias pressupotildeem termos que natildeo satildeo coextensivos se X eacute um termo subordinado proacuteprio de Y XaY eacute o caso mas YaX natildeo se Z eacute um termo superordenado proacuteprio de Y YaZ eacute o caso mas ZaY natildeo O proacuteprio Patzig reconhece essas consequumlecircncias ao formular os seus dois primeiros axiomas43 Aristoacuteteles no entanto ao se valer das relaccedilotildees de ldquoacompanhamentordquo entre os termos natildeo hesita em rejeitaacute-las No capiacutetulo 29 por exemplo Aristoacuteteles menciona a possibilidade de provar por hipoacutetese (συλλογίσασθαι ἐξ ὑποθέσεως) os problemas universais (a e e) assumindo precisamente a possibilidade de coextensatildeo entre os termos envolvidos possibilidade da qual Patzig parece prescindir ao formular seus axiomas A passagem agrave qual nos referimos eacute a seguinte

εἰ γὰρ τὸ Γ καὶ τὸ Η ταὐτὰ εἴη μόνοις δὲ ληφθείη τοῖς Η τὸ Ε ὑπάρχειν παντὶ ἂν τῷ Ε τὸ Α ὑπάρχοι καὶ πάλιν εἰ τὸ Δ καὶ Η ταὐτὰ μόνων δὲ τῶν Η τὸ Ε κατηγοροῖτο ὅτι οὐδενὶ τῷ Ε τὸ Α ὑπάρξει

43 Patzig (1959 sect3 p 6ndash7)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

33

Com efeito se C e G fossem o mesmo mas se assumisse que E se atribui apenas aos Grsquos A se atribuiria a todo E Novamente se D e G fossem o mesmo mas E se afirmasse apenas dos Grsquos A se atribuiraacute a nenhum E (45b 24minus27)

Em 44a 12minus17 Aristoacuteteles jaacute havia estipulado que a letra C representaria um termo ao qual o extremo maior A acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente tambeacutem foi estipulado que a letra G representaria um termo ao qual o extremo menor E acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente por fim ainda ficou decidido que a letra D representaria um termo que natildeo pode ser atribuiacutedo ao extremo maior A Assim a identidade entre C e G a exemplo do que ocorre em 44a 19minus21 conduz a prova de EiA a um silogismo em Darapti ao passo que a identidade entre D e G a exemplo do que ocorre em 44a 28minus30 conduz a prova de EoA a um silogismo em Felapton44 No entanto nessa passagem embora os procedimentos de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) sejam acionados aquilo que se quer mostrar eacute de que modo podemos provar por hipoacutetese (ἐξ ὑποθέσεως) as proposiccedilotildees universais Para alcanccedilar esse resultado Aristoacuteteles assume que o extremo menor E se atribui apenas (μόνον) a G o que pode ser interpretado como uma maneira diferente de dizer que E e G satildeo termos coextensivos Sinal disso eacute o seguinte ao assumir que E se atribui apenas a G Aristoacuteteles se vecirc autorizado a concluir as proposiccedilotildees universais EaA e EeA o que soacute faz sentido sob o pressuposto de que G e E satildeo termos coextensivos De fato sob tal pressuposto a premissa menor GaE pode ser ldquoconvertidardquo em EaG o que transforma Darapti em Barbara bem como Felapton em Celarent Mas se os termos aos quais o extremo menor E acompanha forem pensados como termos subordinados proacuteprios de E GaE seraacute o caso mas EaG natildeo Por conseguinte tampouco as conclusotildees EaA e EeA se seguiriam Assim se quisermos conferir sentido agrave passagem temos que assumir que Aristoacuteteles recorreu agrave possibilidade de construir silogismos com termos

44 Darapti CaA GaE rarr EiA (C=G) Felapton DeA GaE rarr EoA (D=G)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

34

que satildeo coextensivos e se assim for podemos dizer que para Aristoacuteteles a presenccedila de silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos em sua loacutegica natildeo causava qualquer inconveniente45

Segundo nos parece as razotildees alegadas ateacute aqui jaacute satildeo suficientes para mostrar que os axiomas de Patzig natildeo podem servir como criteacuterios delimitadores de termos silogiacutesticos Ainda assim vale a pena examinar duas passagens que eventualmente poderiam ser invocadas contra a interpretaccedilatildeo que propomos Embora natildeo sejam citadas pelos proponentes das opiniotildees tradicionais natildeo eacute difiacutecil imaginar que elas tenham servido de inspiraccedilatildeo para aqueles que defendem a exclusatildeo dos termos transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo De fato agrave primeira vista tais passagens podem nos levar a pensar que Aristoacuteteles natildeo guardou lugar para tais termos na silogiacutestica No entanto como veremos isso soacute eacute verdade agrave primeira vista

45 O capiacutetulo 29 natildeo eacute a uacutenica evidecircncia de silogismos com termos coextensivos na silogiacutestica No capiacutetulo 5 do Livro II de Primeiros Analiacuteticos precisamente em 57b 35minus58a 12 Aristoacuteteles trabalha com silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos Por sua vez no capiacutetulo 22 em 67b 27minus32 Aristoacuteteles inicia o texto dizendo que a coextensatildeo entre os termos extremos de um silogismo requer um mediador tambeacutem coextensivo o que revela por parte de Aristoacuteteles plena consciecircncia a respeito da existecircncia de silogismos com triacuteades coextensivas Nos Segundos Analiacuteticos o interesse de Aristoacuteteles por demonstraccedilotildees que envolvem termos coextensivos pode ser classificado como uma obsessatildeo Basta notar que a proacutepria demonstraccedilatildeo universal ndash aquela que eacute considerada por Aristoacuteteles como cientiacutefica no mais alto grau ndash tem como uma de suas principais caracteriacutesticas a coextensatildeo entre os trecircs termos do silogismo (cf Seg An I 4 73b 32minus74a 3) o que revela o papel central das triacuteades coextensivas no projeto aristoteacutelico que eacute inaugurado com a silogiacutestica e culmina nas demonstraccedilotildees cientiacuteficas (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 e II 16 Aristoacuteteles novamente recorre a termos coextensivos na formulaccedilatildeo de silogismos A nossa preferecircncia pela passagem 45b 24minus27 do capiacutetulo 29 de Primeiros Analiacuteticos se daacute apenas com base em sua conexatildeo indiscutiacutevel com o capiacutetulo 28 no qual Patzig julga encontrar seus axiomas

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

35

Uma das passagens agraves quais nos referimos eacute aquela com a qual Aristoacuteteles encerra o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I Vejamos o que diz Aristoacuteteles

ἔτι τὰ πᾶσιν ἑπόμενα οὐκ ἐκλεκτέον οὐ γὰρ ἔσται συλλογισμὸς ἐξ αὐτων διrsquo ἣν δrsquo αἰτίαν ἐν τοῖς ἑπομένοις ἔσται δῆλον Aleacutem disso natildeo eacute preciso selecionar os itens que acompanham todas as coisas pois natildeo haacute silogismo a partir deles A razatildeo disso ficaraacute evidente a seguir (43b 36minus38)

Essa passagem trata dos termos transcategoriais de generalidade total (τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) e delega a justificativa de seu proacuteprio pronunciamento ao capiacutetulo seguinte no qual Patzig encontrou inspiraccedilatildeo para seus axiomas No capiacutetulo 28 cumprindo o prometido Aristoacuteteles retoma esse assunto e reitera a impossibilidade de construir silogismos a partir de termos de generalidade total

φανερὸν οὖν ὅτι διὰ τῶν προειρημένων σχημάτων οἱ συλλογισμοὶ πάντες καὶ ὅτι οὐκ ἐκλεκτέον ὅσα πᾶσιν ἕπεται διὰ τὸ μηδένα γίγνεσθαι συλλογισμὸν ἐξ αὐτῶν κατασκευάζειν μὲν γὰρ ὅλως οὐκ ἦν ἐκ τῶν ἑπομένων ἀποστερεῖν δrsquo οὐκ ἐνδέχεται διὰ τοῦ πᾶσιν ἑπομένου δεῖ γὰρ τῷ μὲν ὑπάρχειν τῷ δὲ μὴ ὑπάρχειν Eacute evidente entatildeo que todos os silogismos vecircm a ser atraveacutes das figuras previamente mencionadas e que natildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisas porque nenhum silogismo vem a ser a partir deles De fato de modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanham e natildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outro (44b 19minus24)

Fora de contexto e em uma leitura mais apressada essas duas passagens podem nos levar a crer que a opiniatildeo tradicional que afasta da silogiacutestica os termos de generalidade total (como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) de fato encontra respaldo nos textos de Aristoacuteteles No entanto mais uma vez eacute preciso levar em conta que o capiacutetulo 28 eacute marcado pela

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

36

descriccedilatildeo de estrateacutegias de localizaccedilatildeo de termos mediadores e natildeo de termos em geral Dizendo de outro modo Aristoacuteteles natildeo estaacute interessado em localizar os termos que deveratildeo encerrar a conclusatildeo de um silogismo pelo contraacuterio tais termos jaacute estatildeo plenamente determinados bem como a relaccedilatildeo proposicional (a e i e o) que haacute entre eles dado que a conclusatildeo na qual interagem funciona como ponto de partida da investigaccedilatildeo empreendida no capiacutetulo O que interessa para Aristoacuteteles eacute a localizaccedilatildeo de termos mediadores e eacute nesse horizonte que tais passagens devem ser lidas Assim ao negar a possibilidade de construir silogismos a partir de termos transcategoriais de generalidade total (ἐξ αὐτῶν) o que Aristoacuteteles quer dizer eacute que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos46 nos quais a funccedilatildeo de mediador seja desempenhada por um termo desse tipo razatildeo pela qual na busca pelo mediador recomenda Aristoacuteteles ldquonatildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisasrdquo (44b 20minus21) Para justificar essa recomendaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta duas razotildees (i) ldquode modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanhamrdquo (44b 22minus23) (ii) ldquonatildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outrordquo (44b 23minus24) Na primeira razatildeo Aristoacuteteles parece reconsiderar as listas de termos estipuladas no trecho 44a 11minus17 pressupondo ao que tudo indica que os transcategoriais de generalidade total soacute podem figurar em listas de termos que acompanham os extremos Isso se justificaria pela natureza inapta de tais termos para o papel de sujeito em proposiccedilotildees silogiacutesticas conforme se constata no capiacutetulo I 27 Assim na medida em que nas provas afirmativas a busca pelo mediador natildeo envolve

46 Na verdade como o escopo do capiacutetulo 28 natildeo abarca todo e qualquer silogismo seria mais correto dizer que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos (nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas) assumindo um termo de generalidade total na funccedilatildeo de mediador

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

37

apenas a lista de termos que acompanham um dos extremos mas tambeacutem a lista de termos aos quais um dos extremos acompanha (ver 43b 39minus44a 2) os transcategoriais de generalidade total perdem a candidatura agrave funccedilatildeo de mediador e jaacute de saiacuteda nem sequer precisam ser considerados47 Na segunda razatildeo por sua vez Aristoacuteteles leva em conta o fato de que as provas negativas dependem de um mediador capaz de figurar em proposiccedilotildees universais negativas verdadeiras exigecircncia que natildeo estaacute no alcance dos termos de generalidade total Afinal se estamos diante de um transcategorial desse tipo de antematildeo jaacute assumimos a inexistecircncia de um termo do qual ele natildeo seja predicado Assim os termos de generalidade total ficam impedidos de serem atribuiacutedos a um extremo e natildeo atribuiacutedos ao outro (44b 24) como deve ser o mediador de um silogismo negativo

O que eacute verdade portanto eacute que Aristoacuteteles dispensa os termos de generalidade total da funccedilatildeo de mediador De fato quando se pretende construir silogismos nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas tal como ocorre no capiacutetulo 28 a busca do mediador entre transcategoriais de generalidade total eacute sempre infrutiacutefera porque soacute poderaacute devolver como resposta pretensos fatores de mediaccedilatildeo marcados por duas deficiecircncias principais a

47 Supomos que em tais passagens Aristoacuteteles de fato tem em mente as recomendaccedilotildees de prova apresentadas no iniacutecio do capiacutetulo 28 de modo que apenas os silogismos em Barbara e Darapti sejam considerados como silogismos afirmativos (cf 43b 39minus44a 2) Assim entendemos que o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 se justificaria porque os termos de generalidade total na prova de a natildeo podem integrar a lista de termos aos quais o extremo maior acompanha bem como na prova de i a lista de termos aos quais ambos os extremos acompanham No entanto ainda que os demais silogismos afirmativos sejam levados em conta o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 continua verdadeiro jaacute que Darii Disamis e Datisi tambeacutem exigem que o mediador esteja entre os termos aos quais o(s) extremo(s) acompanha(m)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

38

impossibilidade de desempenhar a funccedilatildeo de sujeito de modo legiacutetimo e a incapacidade de compor proposiccedilotildees negativas verdadeiras

Nenhuma das passagens mencionadas acima (43b 36minus38 e 44b 19minus24) eacute citada ndash nem por Lukasiewicz nem por Patzig ndash como evidecircncia de que Aristoacuteteles teria rejeitado os termos de generalidade total em seu sistema loacutegico Poreacutem diante da escassez de evidecircncias em favor da suposta exclusatildeo de tais termos natildeo eacute insensato presumir que os proponentes dessa exclusatildeo tenham encontrado inspiraccedilatildeo nelas

Na proacutexima seccedilatildeo examinaremos textos nos quais Aristoacuteteles constroacutei silogismos com termos de natureza singular Veremos que o incocircmodo com a presenccedila de tais termos na silogiacutestica eacute menos de Aristoacuteteles e mais de seus inteacuterpretes 3 Termos Singulares e o Silogismo Peripateacutetico

Jaacute comentamos o fato de Lukasiewicz ter feito pesadas criacuteticas agrave silogiacutestica em especial ao suposto fato de Aristoacuteteles ter afastado os termos de natureza singular de seu sistema loacutegico o que seria segundo Lukasiewicz ldquoo maior defeitordquo da loacutegica aristoteacutelica48 Ao que parece o responsaacutevel por levaacute-lo por esse caminho foi Ross que tomou nota do tambeacutem suposto fato de Aristoacuteteles nunca se valer de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos49 Lukasiewicz reiterou a constataccedilatildeo de Ross (embora natildeo o cite) e nela encontrou razatildeo para natildeo reconhecer como rigorosamente aristoteacutelico o silogismo que qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo silogismo formulado em primeira figura com um nome proacuteprio como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo

De acordo com a triparticcedilatildeo de termos que pudemos conhecer no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I (Seccedilatildeo II Parte 1) natildeo temos qualquer razatildeo para expulsar da silogiacutestica os termos de natureza singular Eacute

48 Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect3 p 6) 49 Ross (1949 p 289 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

39

claro que Aristoacuteteles natildeo deixa de lhes endereccedilar certas restriccedilotildees poreacutem vale a pena repetir nenhuma das restriccedilotildees introduzidas por Aristoacuteteles no referido capiacutetulo tem forccedila suficiente para expulsar os termos singulares da loacutegica aristoteacutelica De fato embora tais termos natildeo possam figurar em proposiccedilotildees como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nada impede que outros termos lhes sejam atribuiacutedos por conseguinte embora natildeo possam ser demonstrados como legiacutetimos predicados de outros termos nada impede que outros termos sejam demonstrados como predicados deles50

Fora dos Analiacuteticos jaacute esbarramos em indiacutecios que vatildeo nessa direccedilatildeo No capiacutetulo 10 de Metafiacutesica XIII (My) por exemplo haacute uma breve passagem que sugere esse resultado Enquanto argumenta em favor da tese de que ldquoo conhecimento eacute de universaisrdquo (ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου) Aristoacuteteles parece supor que os termos singulares ldquoeste triacircngulordquo e ldquoeste homemrdquo tambeacutem satildeo suscetiacuteveis de operaccedilotildees silogiacutesticas

[] ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου δῆλον δrsquo ἐκ τῶν ἀποδείξεων καὶ τῶν ὁρισμῶν οὐ γὰρ γίγνεται συλλογισμὸς ὅτι τόδε τὸ τρίγωνον δύο ὀρθαῖς εἰ μὴ πᾶν τρίγωνον δύο ὀρθαί οὐδrsquo ὅτι ὁδὶ ὁ ἄνθρωπος ζῷον εἰ μὴ πᾶς ἄνθρωπος ζῷον [] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos a natildeo ser que todo triacircngulo possua dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal a natildeo ser que todo homem seja animal (1086b 34minus37)

Poreacutem essa passagem natildeo eacute tatildeo simples quanto pode parecer agrave primeira vista51 Paul Shorey por exemplo reprovaria jaacute a traduccedilatildeo que

50 An Pr I 27 43a 25minus29 e 39minus40 Ao comentar o capiacutetulo 27 Mignucci (1969 p 443) tambeacutem reconhece a possibilidade ldquodi costruire dimostrazioni e sillogismi anche relativamente a singolarirdquo citando Alexandre que tambeacutem jaacute a observa em seus comentaacuterios (An Pr p 293 13minus23) 51 Shorey (1913)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

40

propomos porque ela faz crer que Aristoacuteteles estabelece uma relaccedilatildeo de dependecircncia dedutiva (silogiacutestica) entre proposiccedilotildees dependecircncia que de fato existe mas da qual para Shorey a passagem em questatildeo natildeo trataria De acordo com Shorey as ocorrecircncias de εἰ μὴ nas linhas 33 e 36 natildeo significam ldquo[] lsquounlessrsquo but is to be taken in its idiomatic sense as a virtual equivalent of ἀλλάrdquo Nesse caso uma traduccedilatildeo mais fiel agrave posiccedilatildeo de Shorey seria a seguinte

[] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos mas de que todo triacircngulo tem dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal mas de que todo homem eacute animal (1086b 34minus37)

Assim o texto estabeleceria natildeo que as proposiccedilotildees singulares no papel de conclusotildees silogiacutesticas satildeo (dedutivamente) dependentes das proposiccedilotildees universais mas que as conclusotildees propriamente silogiacutesticas satildeo universais (universalmente quantificadas) e natildeo singulares

Ross52 ao tratar dessa passagem natildeo deixa de comentar a posiccedilatildeo de Shorey

He [Shorey] argues that in l 33 knowledge is said to be lsquoofrsquo universals ie to have universal conclusions as well as universal premises [hellip] and that singular propositions never occur as conclusions in Aristotlersquos logical writings

Na verdade Shorey53 natildeo chega a dizer que proposiccedilotildees singulares nunca ocorrem como conclusotildees silogiacutesticas nos escritos loacutegicos de Aristoacuteteles embora passe perto disso

The syllogism with a particular54 conclusion is an inferior type (Analyt Post 79a 25ff) [hellip] Aristotle does not recognize singular proposition in his classification (Analyt Priora A1 Grote Aristotle I 205) and the

52 Ross (1953 p 464) 53 Shorey (1913 p 91) 54 Nesse contexto Shorey assume ldquoparticularrdquo e ldquosingularrdquo como equivalentes

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

41

conclusion to an individual case interests him very little and is practically ignored

Shorey tem alguma razatildeo em alegar que os silogismos que concluem proposiccedilotildees singulares (tambeacutem conhecidos como ldquoperipateacuteticosrdquo) satildeo de um tipo inferior especialmente quando se leva em conta o horizonte das demonstraccedilotildees cientiacuteficas55 mas erra quando recorre ao trecho 79a 25ss para dar base textual a tal alegaccedilatildeo ndash o referido trecho nem mesmo trata desse assunto Por sua vez e contra Shorey Ross56 surpreende ao alegar o seguinte

There are however occasional references in Aristotle to the occurrence of singular propositions as the minor premise or conclusion of syllogisms (eg An Pr 43a 37minus40) []

55 Para Aristoacuteteles o silogismo dito cientiacutefico no mais alto grau eacute a chamada demonstraccedilatildeo universal Eacute importante notar que aqui o adjetivo ldquouniversalrdquo tem um sentido muito preciso e natildeo se justifica pela mera ocorrecircncia de uma conclusatildeo universalmente quantificada Em Segundos Analiacuteticos I 4 73b 32minus74a 3 por exemplo Aristoacuteteles argumenta que a demonstraccedilatildeo universal natildeo conclui que todo isoacutesceles tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos mas que todo triacircngulo tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos revelando um requisito que envolve o ajuste preciso do extremo menor a partir de condiccedilotildees estabelecidas pelo extremo maior (cf Seg An I 5 74a 4minus6 13minus17 25minus32 74b 21minus26 I 24 85b 4minus15) Para Aristoacuteteles o predicado ldquoter a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retosrdquo ndash daqui para frente apenas ldquo2Rrdquo ndash se atribui a ldquoisoacutescelesrdquo de um modo que em algum sentido eacute parasitaacuterio da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo dado que isoacutesceles tem 2R na exata medida em que eacute triacircngulo Em outras palavras a atribuiccedilatildeo de ldquo2Rrdquo a ldquoisoacutescelesrdquo eacute entendida como indireta e dependente da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo Nesse contexto eacute natural presumir que um silogismo peripateacutetico seja concebido como inferior em relaccedilatildeo aos demais minus especialmente no que diz respeito ao grau de cientificidade minus jaacute que sua conclusatildeo natildeo poderaacute satisfazer as exigecircncias de uma legiacutetima conclusatildeo cientiacutefica tal como ocorre em uma demonstraccedilatildeo universal Jaacute quanto agraves propriedades dedutivas envolvidas em tal silogismo natildeo haacute razatildeo para consideraacute-lo inferior Para apreciaccedilatildeo detalhada da noccedilatildeo de demonstraccedilatildeo universal ver Angioni (2007) 56 Ross (1953 p 464)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

42

Ross supotildee que o argumento de Shorey pretende estabelecer a exclusatildeo dos termos singulares do domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica e aponta a passagem 43a 37minus40 como evidecircncia textual incompatiacutevel com essa exclusatildeo Temos aqui uma mudanccedila de opiniatildeo De fato conforme pudemos ver na primeira seccedilatildeo deste artigo ao tratar do trecho 43a 37minus43 na ediccedilatildeo comentada do texto grego de Primeiros e Segundos Analiacuteticos Ross chega a dizer que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares em seus exemplos de silogismos e argumenta em favor de uma silogiacutestica restrita a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ)57 Agora ao comentar a passagem 1086a 34minus37 de Metafiacutesica XIII (My) 10 Ross reconhece no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I uma evidecircncia em favor da inclusatildeo dos termos singulares na silogiacutestica Aparentemente o proacuteprio Ross natildeo tinha muita convicccedilatildeo a respeito da inclusatildeo ou exclusatildeo dos termos de natureza singular

De nossa parte admitimos que a passagem 1086a 34minus37 eacute digna da controveacutersia introduzida por Shorey ndash embora tenhamos mais apreccedilo pela interpretaccedilatildeo de Ross No entanto mesmo que Shorey tenha razatildeo a respeito do referido trecho de Metafiacutesica XIII (My) 10 a presenccedila de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares na silogiacutestica natildeo estaraacute ameaccedilada porque ainda podemos nos valer de passagens muito mais promissoras para decidir essa questatildeo passagens nas quais o proacuteprio Aristoacuteteles elabora cocircmputos silogiacutesticos com termos singulares como se a presenccedila deles na silogiacutestica natildeo lhe figurasse como uma anomalia

Patzig tinha conhecimento dessas passagens e fez questatildeo de citaacute-las no primeiro capiacutetulo de seu livro corrigindo o suposto fato alegado por Ross e Lukasiewicz de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos exemplos de silogismos que aparecem em Primeiros Analiacuteticos No entanto Patzig natildeo recorre a tais passagens a fim de reintroduzir os termos singulares na silogiacutestica mas procura

57 Idem 1949 p 384

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

43

desqualificaacute-las e assim reiterar os resultados de seus antecessores De fato embora reconheccedila as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 do Livro I bem como de ldquoPitacosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II Patzig manteacutem a posiccedilatildeo tradicional que afasta os termos de natureza singular da loacutegica aristoteacutelica alegando apenas que a ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo (70a 16minus20) se daacute em um silogismo invaacutelido ao passo que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo (47b 15ss) aparecem em premissas das quais nada se segue58

Eacute bem verdade que as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 de Primeiros Analiacuteticos I estatildeo associadas a pares de premissas dos quais nenhuma conclusatildeo se segue coisa que o proacuteprio Aristoacuteteles natildeo hesita em admitir No entanto embora sejam inconcludentes esses pares de premissas acomodam seus termos em disposiccedilotildees muito similares agravequelas de um silogismo vaacutelido (Barbara)59 o que lhes confere as feiccedilotildees de que satildeo concludentes quando na verdade natildeo o satildeo De acordo com Aristoacuteteles o que os impede de serem concludentes eacute o fato de que a premissa maior natildeo eacute universal60 Em 47b 26minus28 essa justificativa eacute apresentada por meio de um pronunciamento que merece alguma atenccedilatildeo Aristoacuteteles anuncia o fato de a premissa maior natildeo ser universal como quem supotildee que fosse ela universal o problema estaria resolvido e assim o par de premissas seria concludente61 Ora na medida em que Aristoacuteteles atribui o caraacuteter inconcludente dos pares de premissas precisamente agraves premissas maiores (e natildeo agraves premissas menores nas quais ocorrem os termos singulares) presume-se que esses termos natildeo introduzem qualquer caracteriacutestica censuraacutevel nos silogismos ali formulados Assim o fato de que natildeo estamos diante de pares de premissas concludentes por si soacute natildeo eacute

58 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 59 An Pr I 33 47b 21minus37 60 Idem 47b 26minus29 34minus37 e 38minus39 61 O uso contrafactual de ἔδει na linha 27 sugere essa leitura

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

44

suficiente para recusar ao capiacutetulo 33 o papel de evidecircncia em favor de tais termos na silogiacutestica62

Quanto agrave ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo em Primeiros Analiacuteticos II 27 (70a 16minus20) Patzig tem alguma razatildeo em alegar que ela se daacute em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido No entanto eacute preciso ajustar essa alegaccedilatildeo porque Aristoacuteteles natildeo descreve o argumento em questatildeo propriamente como um silogismo mas como um sinal (σημεῖον) e ao que parece um sinal e um silogismo ndash um legiacutetimo silogismo e natildeo um mero entimema ndash estatildeo longe de ser a mesma coisa63 Aleacutem disso temos uma ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo no mesmo capiacutetulo que eacute bem mais relevante para a discussatildeo mas que foi completamente ignorada pelos comentadores

Em 70a 26minus28 Aristoacuteteles formula dois silogismos nos quais aparece o termo singular ldquoPitacosrdquo Um deles eacute descrito como refutaacutevel (λύσιμος)64 basicamente porque a conclusatildeo natildeo se segue das premissas65 Natildeo precisamos nos deter nele Por ora o silogismo que fora introduzido algumas linhas antes e que foi descrito por Aristoacuteteles como irrefutaacutevel (ἄλυτος)66 eacute muito mais interessante Esse silogismo tem exatamente a formulaccedilatildeo paradigmaacutetica que Lukasiewicz qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo e agrave qual negou lugar na loacutegica aristoteacutelica Vale a pena citar essa passagem para marcar bem a presenccedila desse tipo de silogismo na loacutegica de Aristoacuteteles

62 M Malink (2009 p 119) por exemplo contrariando Patzig aponta o capiacutetulo I 33 minus bem como II 27 do qual trataremos a seguir minus como evidecircncia em favor de termos singulares na silogiacutestica Ver tambeacutem Mignucci ldquoAristotlersquos Theory of Predicationrdquo p 10 ldquoParts Quantification and Aristotelian Predicationrdquo p 11 e Barnes ldquoTruth etcrdquo p 158-166 63 An Pr II 27 70a 24minus25 64 Ibidem 30minus31 e 34minus35 65 Ibidem 27minus28 e 30minus32 66 Ibidem 29

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

45

Ἐὰν μὲν οὖν ἡ μία λεχθῇ πρότασις σημεῖον γίνεται μόνον ἐὰν δὲ καὶ ἡ ἑτέρα προσληφθῇ συλλογισμός οἷον ὅτι Πιττακὸς ἐλευθέριος οἱ γὰρ φιλότιμοι ἐλευθέριοι Πιττακὸς δὲ φιλότιμος Assim se somente uma premissa for assumida haacute apenas um sinal ao passo que se a outra premissa tambeacutem for assumida entatildeo haacute um silogismo por exemplo lsquoPitacos eacute destemido pois os homens de brio satildeo destemidos e Pitacos eacute homem de briorsquo (70a 24minus27)67

A descriccedilatildeo eacute inusitada porque Aristoacuteteles comeccedila pela conclusatildeo Mas isso natildeo prejudica o resultado a que queremos chegar O nome proacuteprio ldquoPitacosrdquo eacute sem duacutevida o extremo menor que aparece como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo ldquodestemidordquo eacute o extremo maior predicado da premissa maior e da conclusatildeo por fim a funccedilatildeo de mediador fica por conta de ldquohomem de briordquo Em uma reconstituiccedilatildeo um pouco mais formalizada temos o seguinte silogismo todo homem de brio eacute destemido Pitacos eacute (um) homem de brio logo Pitacos eacute destemido

O leitor mais desconfiado talvez hesite em aceitar que a premissa maior ldquoos homens de brio satildeo destemidosrdquo possa ser formalizada com um quantificador universal mas haacute sinais claros de que eacute assim que devemos concebecirc-la Em primeiro lugar Aristoacuteteles reconhece a legitimidade desse silogismo e supotildee que a conclusatildeo decorre das premissas o que por si soacute jaacute pressupotildee a universalidade da premissa maior Caso contraacuterio a conclusatildeo natildeo se impotildee Em segundo lugar haacute um pequeno detalhe que causa surpresa nesse capiacutetulo e que merece atenccedilatildeo de nossa parte Aristoacuteteles justifica o caraacuteter irrefutaacutevel do mencionado silogismo alegando que se trata de um silogismo universal (καθόλου γὰρ ἐστιν cf 70a 30) Ora como se sabe Aristoacuteteles descreve como universais precisamente aqueles silogismos nos quais a conclusatildeo eacute universal quais sejam Barbara Celarent Cesare e Camestres Por isso ao caracterizar o ldquosilogismo peripateacuteticordquo como um silogismo universal

67 As traduccedilotildees de φιλότιμος e ἐλευθέριος certamente satildeo discutiacuteveis mas em nada afetam os nossos objetivos

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

46

Aristoacuteteles pode querer sinalizar que em algum sentido a conclusatildeo ldquoPitacos eacute destemidordquo deva ser compreendida como uma proposiccedilatildeo fundada em uma atribuiccedilatildeo universal68 como se o referido ldquosilogismo peripateacuteticordquo precisamente em razatildeo disso fosse digno do mesmo status concedido aos demais silogismos universais (Barbara Celarente Cesare e Camestres) Essa leitura sugere que a concepccedilatildeo aristoteacutelica de atribuiccedilatildeo universal talvez deva ser repensada jaacute que ela daacute sinais de se estender sobre casos para os quais natildeo cabe falar em quantificadores (universais) ndash eacute o que parece ocorrer no ldquosilogismo peripateacuteticordquo acima mencionado

O aprofundamento desse ponto no entanto eacute algo que ultrapassa o escopo da presente investigaccedilatildeo e seu exame deve ser deixado para outra ocasiatildeo A essa altura o objetivo principal desta seccedilatildeo jaacute nos parece ter sido alcanccedilado pois consiste apenas em mostrar o que os leitores menos versados nos Analiacuteticos jaacute perceberam haacute muito tempo a saber que o chamado ldquosilogismo peripateacuteticordquo natildeo soacute faz parte da loacutegica aristoteacutelica mas mais do que isso ainda pode desfrutar de um lugar privilegiado no interior da silogiacutestica entre os chamados ldquosilogismos universaisrdquo Diante desse quadro natildeo haacute duacutevida de que os termos de natureza singular tecircm lugar garantido na loacutegica de Aristoacuteteles69

68 Provavelmente foi inspirado em passagens como essa que J N Keynes (1906 p 102) sugeriu conceber as proposiccedilotildees singulares como uma subclasse de proposiccedilotildees universais Lukasiewicz tomou nota dessa possibilidade e a considerou totalmente equivocada Mas para isso ignorou completamente o trecho 70a 24minus30 69 Agradeccedilo ao professor Lucas Angioni (Unicamp) pela prontidatildeo na leitura de versotildees preacutevias deste artigo pelas indicaccedilotildees de passagens para reforccedilar o argumento e pelas alteraccedilotildees de texto sugeridas as quais certamente contribuiacuteram para melhorar o resultado final aqui apresentado Agradeccedilo tambeacutem aos professores Raphael Zillig (UFRGS) e Inara Zanuzzi (UFRGS) pela oportunidade de discutir alguns resultados provisoacuterios deste artigo no Seminaacuterio sobre Primeiros Analiacuteticos I 27 organizado pelo professor Raphael e realizado na UFRGS no ano de 2011 Por fim tambeacutem agradeccedilo aos

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

47

REFEREcircNCIAS

ANGIONI L ldquoO Conhecimento Cientiacutefico no Livro I dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesrdquo Revista de Filosofia Antiga (online) vol 1 n 1 2007 (httpwwwfilosofiaantigacomdocuments23html)

BARNES J (ed) Aristotle Prior Analytics (trans by A J Jenkinson in Barnes 1984 vol 1 p 39minus113)

mdashmdashmdashmdash Truth etc Six Lectures on Ancient Logic Oxford Clarendon Press 2007

BOCHENSKI J Ancient Formal Logic Amsterdam North-Holland Publishing 1951

CORCORAN J ldquoCompleteness of an Ancient Logicrdquo Journal of Symbolic Logic 37 696minus702 1972

KEYNES J N Studies and Exercises in Formal Logic (fourth edition rewritten and enlarged) New York The Macmillan Company 1906

LUKASIEWICZ J Aristotlersquos Syllogistic from the Standpoint of Modern Formal Logic Oxford Clarendon Press 1951

MALINK M ldquoA Non-Extensional Notion of Conversion in the Organonrdquo Oxford Studies in Ancient Philosophy Vol XXXVII p 106minus141 Oxford University Press 2009

MIGNUCCI M Aristotele Gli analitici primi ndash Traduzione introduzione e commento Naples Loffredo 1969

companheiros de pesquisa Francine Maria Ribeiro e Mateus Ricardo Fernandes Ferreira (UEMminusPR) pela leitura das primeiras versotildees desse texto e pelas proveitosas sugestotildees que me fizeram

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

48

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Theory of Predication in I Angelilli and M Cerezo (eds) Studies in the History of Logic 1minus20 Berlin 1996

mdashmdashmdashmdash Parts Quantification and Aristotelian Predication Monist 83 3minus21 2000

PATZIG G Aristotlersquos Theory of the Syllogism A Logico-Philosophical Study of Book A of the Prior Analytics Translated by Jonathan Barnes Dordrecht Reidel 1959

ROSS W D Aristotlersquos Prior and Posterior Analytics Oxford Clarendon Press 1949

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Metaphysics Oxford Clarendon Press 1953 (1924)

SHOREY P ldquoA Note on Aristotlersquos Metaphysics 1086b 32minus37rdquo Classical Philology Vol 8 n 1 pp 90minus92 1913

SMITH R Aristotle Prior Analytics Indianapolis Hackett Publishing Company 1989

STRIKER G Aristotle Prior Analytics Book I Oxford Clarendon Press 2009

Page 23: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

27

permite concluir EiA por Darapti (terceira figura)34 Por sua vez a prova da relaccedilatildeo universal negativa EeA tambeacutem se valeraacute da identificaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios a um extremo e de (ii) termos que se atribuem universalmente ao outro extremo se o mediador M comum agraves duas listas for contraacuterio ao extremo maior A e universalmente atribuiacutedo ao extremo menor E o mediador M seraacute tal que MeA e EaM ou AeM e EaM possibilitando a prova de EeA (respectivamente) por Celarent e por Cesare mas se o mediador M for contraacuterio ao extremo menor E e universalmente atribuiacutedo ao extremo maior A M seraacute tal que AaM e EeM restringindo a prova de EeA a Camestres35 Por fim para provar a relaccedilatildeo particular negativa EoA Aristoacuteteles recomenda a localizaccedilatildeo de um fator comum agraves listas de (i) termos contraacuterios ao extremo maior A e de (ii) termos aos quais o extremo menor E se atribui universalmente Assim o mediador M seraacute tal que MeA e MaE o que prova EoA por Felapton36

Em todas as recomendaccedilotildees do capiacutetulo 28 Aristoacuteteles se orienta pelas conclusotildees almejadas propondo a partir delas procedimentos de busca e localizaccedilatildeo dos fatores capazes de acarretar cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas A estrateacutegia de Aristoacuteteles portanto natildeo consiste em partir de premissas e deduzir os resultados que delas se seguem mas fazendo o caminho inverso consiste em partir da conclusatildeo e buscar o termo mediador capaz de articular os extremos na relaccedilatildeo categoacuterica (a e i ou o) da conclusatildeo

Por natildeo captar a natureza invertida dessa estrateacutegia Patzig natildeo compreendeu plenamente o que Aristoacuteteles propusera e julgou que o capiacutetulo 28 muito mais que o capiacutetulo 27 impunha severas restriccedilotildees agrave lista de termos capazes de figurar em silogismos aristoteacutelicos Na verdade o capiacutetulo 28 nem sequer trata da questatildeo de saber sobre quais termos a silogiacutestica opera mas limita-se a descrever os paracircmetros de

34 Ibidem 43b 43ndash44a 2 35 An Pr I 44a 2ndash8 36 An Pr I 28 44a 9ndash11

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

28

localizaccedilatildeo do mediador de cada forma categoacuterica Eacute claro que ao descrever esses paracircmetros Aristoacuteteles acaba por assumir certos pressupostos que em uacuteltimo caso podem ter algum efeito sobre a lista de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica Ainda assim eacute preciso observar que as recomendaccedilotildees apresentadas no capiacutetulo 28 satildeo pensadas em relaccedilatildeo agrave prova de cada proposiccedilatildeo categoacuterica em particular Por isso os pressupostos envolvidos nessas recomendaccedilotildees bem como as eventuais restriccedilotildees de termos que lhes sejam correlatas deveratildeo ter aplicaccedilatildeo circunscrita a cada caso isto eacute aos procedimentos de prova de cada conclusatildeo em particular

Patzig parece natildeo ter dado a devida atenccedilatildeo a esse detalhe pois embora compreenda os seus axiomas como pressupostos impliacutecitos das recomendaccedilotildees de Aristoacuteteles ndash recomendaccedilotildees cuja aplicaccedilatildeo estaacute circunscrita a cada caso ndash Patzig os assume como vaacutelidos para termos de todo e qualquer silogismo37 No entanto eacute flagrante que certos silogismos natildeo dependem de alguns de seus axiomas Um arquetiacutepico silogismo em Barbara por exemplo funciona perfeitamente bem sem pressupor para qualquer de seus termos a validade do terceiro axioma isto eacute sem pressupor que exista para qualquer de seus termos (ou mesmo para qualquer de seus extremos para ser fiel ao capiacutetulo 28) um termo que lhe seja ldquocontraacuteriordquo

Ao que tudo indica o que levou Patzig a estender a validade de seus axiomas sobre todos os silogismos eacute o trecho 44a 12minus17 em que Aristoacuteteles estipula letras para as listas de termos com as quais pretende trabalhar na exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova38 Na referida passagem Aristoacuteteles considera basicamente trecircs tipos de termos que se distinguem pelo termo extremo que lhes eacute correlato bem como pela relaccedilatildeo predicativa que cada um manteacutem com esse extremo Para cada extremo Aristoacuteteles estipula (i) termos que lhe satildeo atribuiacutedos universalmente (ii) termos aos quais ele proacuteprio se atribui universalmente e (iii) termos que natildeo lhe

37 Patzig (1959) sect3 p 6ndash7 38 An Pr I 28 44a 12minus17

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

29

podem ser atribuiacutedos Os termos de primeiro tipo devem ter servido de estiacutemulo para a necessidade de termos superordenados proacuteprios que eacute marca do segundo axioma de Patzig os termos de segundo tipo por sua vez para a necessidade de termos subordinados proacuteprios marca do primeiro axioma os de terceiro por fim para a necessidade de termos ldquocontraacuteriosrdquo marca do terceiro axioma

Eacute bem verdade que os termos estipulados por Aristoacuteteles envolvem certa analogia com os axiomas propostos por Patzig Mas eacute preciso notar em primeiro lugar que nenhum dos procedimentos de prova descritos por Aristoacuteteles depende da estipulaccedilatildeo dos trecircs tipos de termos39 A recomendaccedilatildeo de prova da proposiccedilatildeo particular afirmativa por exemplo requer apenas (ii) termos aos quais os extremos se atribuem universalmente40 O fato de Aristoacuteteles jaacute estipular de antematildeo trecircs tipos de termos para cada extremo natildeo torna obrigatoacuterio que todo e qualquer extremo (e muito menos que todo e qualquer termo silogiacutestico como prefere Patzig) independentemente do silogismo a que pertenccedila dependa dos trecircs tipos de termos estipulados precisamente porque a estipulaccedilatildeo desses termos estaacute ancorada em um par de extremos que eacute muito peculiar Esse par de extremos eacute pensado com propoacutesitos didaacuteticos orientados agrave exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova de cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas (a e i e o) Trata-se de um par de extremos que em benefiacutecio da exposiccedilatildeo eacute assumido como articulaacutevel em qualquer das relaccedilotildees categoacutericas Poreacutem essa assunccedilatildeo soacute faz sentido no contexto preciso dessa exposiccedilatildeo de procedimentos de prova afinal algumas dessas relaccedilotildees categoacutericas satildeo incompatiacuteveis entre si ndash por exemplo as relaccedilotildees universal afirmativa e particular negativa Por isso devemos presumir que as estipulaccedilotildees de termos que lhes datildeo suporte tambeacutem o satildeo e portanto natildeo podem valer em conjunto e para todos os casos

39 Idem 44a 17minus30 40 Ibidem 44a 19minus21

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

30

Para esclarecer esse ponto retomemos rapidamente os procedimentos de prova das proposiccedilotildees universal afirmativa e particular negativa41 Assumindo um mesmo par de extremos como faz Aristoacuteteles estaremos diante de proposiccedilotildees contraditoacuterias (EaA e EoA) Dado que tais proposiccedilotildees satildeo incompatiacuteveis as condiccedilotildees das quais elas satildeo provenientes tambeacutem o seratildeo Dizendo de outro modo a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (i) termos aos quais o extremo maior se atribui universalmente e (ii) termos que se atribuem universalmente ao extremo menor eacute incompatiacutevel com a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (irsquo) termos aos quais o extremo maior natildeo pode ser atribuiacutedo e (iirsquo) termos aos quais o extremo menor se atribui universalmente Assim em presenccedila das condiccedilotildees de prova de uma das proposiccedilotildees incompatiacuteveis as condiccedilotildees da outra poderatildeo ser dispensadas jaacute que satildeo condiccedilotildees requeridas para uma prova cuja possibilidade jaacute natildeo existe E natildeo haacute razatildeo para manter os termos estipulados e dispensar apenas a possibilidade de um termo comum entre as listas pois ambos os pressupostos satildeo requisitados para servir um uacutenico e mesmo propoacutesito o de estabelecer condiccedilotildees para a prova da relaccedilatildeo categoacuterica que se pretende obter Natildeo haacute uma razatildeo que justifique a manutenccedilatildeo das listas de termos estipulados em detrimento da possibilidade de um termo comum entre as listas pois o propoacutesito que introduz uma exigecircncia tambeacutem introduz a outra Sob essa perspectiva fica claro que os termos estipulados no trecho 44a 12minus17 natildeo podem ser pressupostos indispensaacuteveis de quaisquer termos silogiacutesticos tampouco pressupostos que devem ser satisfeitos em conjunto por termos de todo e qualquer silogismo Afinal Aristoacuteteles estipula cada uma das listas supondo que seus termos seratildeo candidatos agrave funccedilatildeo de mediador (e natildeo agrave funccedilatildeo de termos silogiacutesticos) e o faz segundo as exigecircncias especiacuteficas envolvidas na prova de cada relaccedilatildeo categoacuterica em particular (a e i ou o) Compreender tais listas como pressupostos

41 An Pr I 28 43b 39minus43 e 44a 9minus11

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

31

que devem ser satisfeitos por todo e qualquer termo silogiacutestico eacute um equiacutevoco

Em segundo lugar o capiacutetulo 28 natildeo parece estar orientado propriamente agrave prova silogiacutestica das formas categoacutericas mas em algum sentido agrave demonstraccedilatildeo de tais relaccedilotildees Haacute indiacutecios que sugerem essa leitura O principal deles talvez seja o fato de Aristoacuteteles se mostrar interessado em localizar um meson que fica no meio do caminho entre um mediador que satisfaz requisitos meramente dedutivos e um mediador que supera tais requisitos e se configura como um fator explanatoacuterio em uma legiacutetima demonstraccedilatildeo cientiacutefica42 Retomemos por exemplo as recomendaccedilotildees de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) Em 43b 43ndash44a 2 Aristoacuteteles recomenda a prova de EiA por premissas universais conduzindo a prova a um silogismo em Darapti embora admita a possibilidade de concluir proposiccedilotildees particulares a partir de um par de premissas em que apenas uma eacute universal (41b 22minus27) Em 44a 9ndash11 a exemplo do que ocorre com a prova de EiA Aristoacuteteles recomenda a prova de EoA novamente por premissas universais desta vez conduzindo a prova a um silogismo em Felapton Essas duas recomendaccedilotildees de prova pressupotildeem que o meson requisitado para a prova natildeo eacute um mediador meramente dedutivo mas um mediador que se articula com os extremos exclusivamente por relaccedilotildees universais Eacute claro que esse cenaacuterio ainda estaacute muito distante daquele que temos por exemplo no capiacutetulo 2 do Livro II de Segundos

42 Em uma demonstraccedilatildeo cientiacutefica natildeo basta que o mediador se relacione com os extremos de tal modo que a deduccedilatildeo da conclusatildeo esteja formalmente assegurada Aristoacuteteles ainda exige que o mediador satisfaccedila certos requisitos natildeo formais O principal deles eacute o de explicar adequadamente por que o extremo maior se atribui ao extremo menor (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 por exemplo essa diferenccedila (entre um mediador que satisfaz exigecircncias meramente dedutivas e um mediador que funciona como explicaccedilatildeo do fato relatado na conclusatildeo) eacute utilizada como criteacuterio baacutesico para distinguir o conhecimento de que C eacute A (conhecimento do fato) e o conhecimento de por que C eacute A (conhecimento da causa)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

32

Analiacuteticos (90a 6minus7) em que o meson eacute pensado como a causa que explica por que a relaccedilatildeo dada entre os extremos explicitada na conclusatildeo da demonstraccedilatildeo eacute o caso Mesmo assim temos o suficiente para mostrar que Aristoacuteteles natildeo estaacute levando em conta todos os silogismos de seu sistema loacutegico mas apenas aqueles nos quais ambas as premissas satildeo universais Por que razatildeo exatamente Aristoacuteteles faz essa escolha eacute algo a se investigar O que nos importa eacute que essa escolha restringe o escopo do capiacutetulo a um grupo especiacutefico de silogismos o que natildeo eacute compatiacutevel com a validade irrestrita dos axiomas propostos por Patzig

Em terceiro lugar Aristoacuteteles natildeo lida com as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo proacutepria superordenaccedilatildeo proacutepria e contrariedade mas prefere (i) termos que acompanham o extremo (τὰ ἑπόμενα) (ii) termos aos quais o extremo acompanha (οἷς αὐτὸ ἕπεται) e (iii) termos que natildeo podem ser atribuiacutedos ao extremo (ἃ μὴ ἐνδέχεται αὐτῷ ὑπάρχειν) Essa diferenccedila natildeo eacute apenas terminoloacutegica mas conceitual As relaccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias pressupotildeem termos que natildeo satildeo coextensivos se X eacute um termo subordinado proacuteprio de Y XaY eacute o caso mas YaX natildeo se Z eacute um termo superordenado proacuteprio de Y YaZ eacute o caso mas ZaY natildeo O proacuteprio Patzig reconhece essas consequumlecircncias ao formular os seus dois primeiros axiomas43 Aristoacuteteles no entanto ao se valer das relaccedilotildees de ldquoacompanhamentordquo entre os termos natildeo hesita em rejeitaacute-las No capiacutetulo 29 por exemplo Aristoacuteteles menciona a possibilidade de provar por hipoacutetese (συλλογίσασθαι ἐξ ὑποθέσεως) os problemas universais (a e e) assumindo precisamente a possibilidade de coextensatildeo entre os termos envolvidos possibilidade da qual Patzig parece prescindir ao formular seus axiomas A passagem agrave qual nos referimos eacute a seguinte

εἰ γὰρ τὸ Γ καὶ τὸ Η ταὐτὰ εἴη μόνοις δὲ ληφθείη τοῖς Η τὸ Ε ὑπάρχειν παντὶ ἂν τῷ Ε τὸ Α ὑπάρχοι καὶ πάλιν εἰ τὸ Δ καὶ Η ταὐτὰ μόνων δὲ τῶν Η τὸ Ε κατηγοροῖτο ὅτι οὐδενὶ τῷ Ε τὸ Α ὑπάρξει

43 Patzig (1959 sect3 p 6ndash7)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

33

Com efeito se C e G fossem o mesmo mas se assumisse que E se atribui apenas aos Grsquos A se atribuiria a todo E Novamente se D e G fossem o mesmo mas E se afirmasse apenas dos Grsquos A se atribuiraacute a nenhum E (45b 24minus27)

Em 44a 12minus17 Aristoacuteteles jaacute havia estipulado que a letra C representaria um termo ao qual o extremo maior A acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente tambeacutem foi estipulado que a letra G representaria um termo ao qual o extremo menor E acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente por fim ainda ficou decidido que a letra D representaria um termo que natildeo pode ser atribuiacutedo ao extremo maior A Assim a identidade entre C e G a exemplo do que ocorre em 44a 19minus21 conduz a prova de EiA a um silogismo em Darapti ao passo que a identidade entre D e G a exemplo do que ocorre em 44a 28minus30 conduz a prova de EoA a um silogismo em Felapton44 No entanto nessa passagem embora os procedimentos de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) sejam acionados aquilo que se quer mostrar eacute de que modo podemos provar por hipoacutetese (ἐξ ὑποθέσεως) as proposiccedilotildees universais Para alcanccedilar esse resultado Aristoacuteteles assume que o extremo menor E se atribui apenas (μόνον) a G o que pode ser interpretado como uma maneira diferente de dizer que E e G satildeo termos coextensivos Sinal disso eacute o seguinte ao assumir que E se atribui apenas a G Aristoacuteteles se vecirc autorizado a concluir as proposiccedilotildees universais EaA e EeA o que soacute faz sentido sob o pressuposto de que G e E satildeo termos coextensivos De fato sob tal pressuposto a premissa menor GaE pode ser ldquoconvertidardquo em EaG o que transforma Darapti em Barbara bem como Felapton em Celarent Mas se os termos aos quais o extremo menor E acompanha forem pensados como termos subordinados proacuteprios de E GaE seraacute o caso mas EaG natildeo Por conseguinte tampouco as conclusotildees EaA e EeA se seguiriam Assim se quisermos conferir sentido agrave passagem temos que assumir que Aristoacuteteles recorreu agrave possibilidade de construir silogismos com termos

44 Darapti CaA GaE rarr EiA (C=G) Felapton DeA GaE rarr EoA (D=G)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

34

que satildeo coextensivos e se assim for podemos dizer que para Aristoacuteteles a presenccedila de silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos em sua loacutegica natildeo causava qualquer inconveniente45

Segundo nos parece as razotildees alegadas ateacute aqui jaacute satildeo suficientes para mostrar que os axiomas de Patzig natildeo podem servir como criteacuterios delimitadores de termos silogiacutesticos Ainda assim vale a pena examinar duas passagens que eventualmente poderiam ser invocadas contra a interpretaccedilatildeo que propomos Embora natildeo sejam citadas pelos proponentes das opiniotildees tradicionais natildeo eacute difiacutecil imaginar que elas tenham servido de inspiraccedilatildeo para aqueles que defendem a exclusatildeo dos termos transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo De fato agrave primeira vista tais passagens podem nos levar a pensar que Aristoacuteteles natildeo guardou lugar para tais termos na silogiacutestica No entanto como veremos isso soacute eacute verdade agrave primeira vista

45 O capiacutetulo 29 natildeo eacute a uacutenica evidecircncia de silogismos com termos coextensivos na silogiacutestica No capiacutetulo 5 do Livro II de Primeiros Analiacuteticos precisamente em 57b 35minus58a 12 Aristoacuteteles trabalha com silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos Por sua vez no capiacutetulo 22 em 67b 27minus32 Aristoacuteteles inicia o texto dizendo que a coextensatildeo entre os termos extremos de um silogismo requer um mediador tambeacutem coextensivo o que revela por parte de Aristoacuteteles plena consciecircncia a respeito da existecircncia de silogismos com triacuteades coextensivas Nos Segundos Analiacuteticos o interesse de Aristoacuteteles por demonstraccedilotildees que envolvem termos coextensivos pode ser classificado como uma obsessatildeo Basta notar que a proacutepria demonstraccedilatildeo universal ndash aquela que eacute considerada por Aristoacuteteles como cientiacutefica no mais alto grau ndash tem como uma de suas principais caracteriacutesticas a coextensatildeo entre os trecircs termos do silogismo (cf Seg An I 4 73b 32minus74a 3) o que revela o papel central das triacuteades coextensivas no projeto aristoteacutelico que eacute inaugurado com a silogiacutestica e culmina nas demonstraccedilotildees cientiacuteficas (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 e II 16 Aristoacuteteles novamente recorre a termos coextensivos na formulaccedilatildeo de silogismos A nossa preferecircncia pela passagem 45b 24minus27 do capiacutetulo 29 de Primeiros Analiacuteticos se daacute apenas com base em sua conexatildeo indiscutiacutevel com o capiacutetulo 28 no qual Patzig julga encontrar seus axiomas

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

35

Uma das passagens agraves quais nos referimos eacute aquela com a qual Aristoacuteteles encerra o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I Vejamos o que diz Aristoacuteteles

ἔτι τὰ πᾶσιν ἑπόμενα οὐκ ἐκλεκτέον οὐ γὰρ ἔσται συλλογισμὸς ἐξ αὐτων διrsquo ἣν δrsquo αἰτίαν ἐν τοῖς ἑπομένοις ἔσται δῆλον Aleacutem disso natildeo eacute preciso selecionar os itens que acompanham todas as coisas pois natildeo haacute silogismo a partir deles A razatildeo disso ficaraacute evidente a seguir (43b 36minus38)

Essa passagem trata dos termos transcategoriais de generalidade total (τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) e delega a justificativa de seu proacuteprio pronunciamento ao capiacutetulo seguinte no qual Patzig encontrou inspiraccedilatildeo para seus axiomas No capiacutetulo 28 cumprindo o prometido Aristoacuteteles retoma esse assunto e reitera a impossibilidade de construir silogismos a partir de termos de generalidade total

φανερὸν οὖν ὅτι διὰ τῶν προειρημένων σχημάτων οἱ συλλογισμοὶ πάντες καὶ ὅτι οὐκ ἐκλεκτέον ὅσα πᾶσιν ἕπεται διὰ τὸ μηδένα γίγνεσθαι συλλογισμὸν ἐξ αὐτῶν κατασκευάζειν μὲν γὰρ ὅλως οὐκ ἦν ἐκ τῶν ἑπομένων ἀποστερεῖν δrsquo οὐκ ἐνδέχεται διὰ τοῦ πᾶσιν ἑπομένου δεῖ γὰρ τῷ μὲν ὑπάρχειν τῷ δὲ μὴ ὑπάρχειν Eacute evidente entatildeo que todos os silogismos vecircm a ser atraveacutes das figuras previamente mencionadas e que natildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisas porque nenhum silogismo vem a ser a partir deles De fato de modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanham e natildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outro (44b 19minus24)

Fora de contexto e em uma leitura mais apressada essas duas passagens podem nos levar a crer que a opiniatildeo tradicional que afasta da silogiacutestica os termos de generalidade total (como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) de fato encontra respaldo nos textos de Aristoacuteteles No entanto mais uma vez eacute preciso levar em conta que o capiacutetulo 28 eacute marcado pela

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

36

descriccedilatildeo de estrateacutegias de localizaccedilatildeo de termos mediadores e natildeo de termos em geral Dizendo de outro modo Aristoacuteteles natildeo estaacute interessado em localizar os termos que deveratildeo encerrar a conclusatildeo de um silogismo pelo contraacuterio tais termos jaacute estatildeo plenamente determinados bem como a relaccedilatildeo proposicional (a e i e o) que haacute entre eles dado que a conclusatildeo na qual interagem funciona como ponto de partida da investigaccedilatildeo empreendida no capiacutetulo O que interessa para Aristoacuteteles eacute a localizaccedilatildeo de termos mediadores e eacute nesse horizonte que tais passagens devem ser lidas Assim ao negar a possibilidade de construir silogismos a partir de termos transcategoriais de generalidade total (ἐξ αὐτῶν) o que Aristoacuteteles quer dizer eacute que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos46 nos quais a funccedilatildeo de mediador seja desempenhada por um termo desse tipo razatildeo pela qual na busca pelo mediador recomenda Aristoacuteteles ldquonatildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisasrdquo (44b 20minus21) Para justificar essa recomendaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta duas razotildees (i) ldquode modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanhamrdquo (44b 22minus23) (ii) ldquonatildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outrordquo (44b 23minus24) Na primeira razatildeo Aristoacuteteles parece reconsiderar as listas de termos estipuladas no trecho 44a 11minus17 pressupondo ao que tudo indica que os transcategoriais de generalidade total soacute podem figurar em listas de termos que acompanham os extremos Isso se justificaria pela natureza inapta de tais termos para o papel de sujeito em proposiccedilotildees silogiacutesticas conforme se constata no capiacutetulo I 27 Assim na medida em que nas provas afirmativas a busca pelo mediador natildeo envolve

46 Na verdade como o escopo do capiacutetulo 28 natildeo abarca todo e qualquer silogismo seria mais correto dizer que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos (nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas) assumindo um termo de generalidade total na funccedilatildeo de mediador

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

37

apenas a lista de termos que acompanham um dos extremos mas tambeacutem a lista de termos aos quais um dos extremos acompanha (ver 43b 39minus44a 2) os transcategoriais de generalidade total perdem a candidatura agrave funccedilatildeo de mediador e jaacute de saiacuteda nem sequer precisam ser considerados47 Na segunda razatildeo por sua vez Aristoacuteteles leva em conta o fato de que as provas negativas dependem de um mediador capaz de figurar em proposiccedilotildees universais negativas verdadeiras exigecircncia que natildeo estaacute no alcance dos termos de generalidade total Afinal se estamos diante de um transcategorial desse tipo de antematildeo jaacute assumimos a inexistecircncia de um termo do qual ele natildeo seja predicado Assim os termos de generalidade total ficam impedidos de serem atribuiacutedos a um extremo e natildeo atribuiacutedos ao outro (44b 24) como deve ser o mediador de um silogismo negativo

O que eacute verdade portanto eacute que Aristoacuteteles dispensa os termos de generalidade total da funccedilatildeo de mediador De fato quando se pretende construir silogismos nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas tal como ocorre no capiacutetulo 28 a busca do mediador entre transcategoriais de generalidade total eacute sempre infrutiacutefera porque soacute poderaacute devolver como resposta pretensos fatores de mediaccedilatildeo marcados por duas deficiecircncias principais a

47 Supomos que em tais passagens Aristoacuteteles de fato tem em mente as recomendaccedilotildees de prova apresentadas no iniacutecio do capiacutetulo 28 de modo que apenas os silogismos em Barbara e Darapti sejam considerados como silogismos afirmativos (cf 43b 39minus44a 2) Assim entendemos que o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 se justificaria porque os termos de generalidade total na prova de a natildeo podem integrar a lista de termos aos quais o extremo maior acompanha bem como na prova de i a lista de termos aos quais ambos os extremos acompanham No entanto ainda que os demais silogismos afirmativos sejam levados em conta o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 continua verdadeiro jaacute que Darii Disamis e Datisi tambeacutem exigem que o mediador esteja entre os termos aos quais o(s) extremo(s) acompanha(m)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

38

impossibilidade de desempenhar a funccedilatildeo de sujeito de modo legiacutetimo e a incapacidade de compor proposiccedilotildees negativas verdadeiras

Nenhuma das passagens mencionadas acima (43b 36minus38 e 44b 19minus24) eacute citada ndash nem por Lukasiewicz nem por Patzig ndash como evidecircncia de que Aristoacuteteles teria rejeitado os termos de generalidade total em seu sistema loacutegico Poreacutem diante da escassez de evidecircncias em favor da suposta exclusatildeo de tais termos natildeo eacute insensato presumir que os proponentes dessa exclusatildeo tenham encontrado inspiraccedilatildeo nelas

Na proacutexima seccedilatildeo examinaremos textos nos quais Aristoacuteteles constroacutei silogismos com termos de natureza singular Veremos que o incocircmodo com a presenccedila de tais termos na silogiacutestica eacute menos de Aristoacuteteles e mais de seus inteacuterpretes 3 Termos Singulares e o Silogismo Peripateacutetico

Jaacute comentamos o fato de Lukasiewicz ter feito pesadas criacuteticas agrave silogiacutestica em especial ao suposto fato de Aristoacuteteles ter afastado os termos de natureza singular de seu sistema loacutegico o que seria segundo Lukasiewicz ldquoo maior defeitordquo da loacutegica aristoteacutelica48 Ao que parece o responsaacutevel por levaacute-lo por esse caminho foi Ross que tomou nota do tambeacutem suposto fato de Aristoacuteteles nunca se valer de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos49 Lukasiewicz reiterou a constataccedilatildeo de Ross (embora natildeo o cite) e nela encontrou razatildeo para natildeo reconhecer como rigorosamente aristoteacutelico o silogismo que qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo silogismo formulado em primeira figura com um nome proacuteprio como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo

De acordo com a triparticcedilatildeo de termos que pudemos conhecer no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I (Seccedilatildeo II Parte 1) natildeo temos qualquer razatildeo para expulsar da silogiacutestica os termos de natureza singular Eacute

48 Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect3 p 6) 49 Ross (1949 p 289 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

39

claro que Aristoacuteteles natildeo deixa de lhes endereccedilar certas restriccedilotildees poreacutem vale a pena repetir nenhuma das restriccedilotildees introduzidas por Aristoacuteteles no referido capiacutetulo tem forccedila suficiente para expulsar os termos singulares da loacutegica aristoteacutelica De fato embora tais termos natildeo possam figurar em proposiccedilotildees como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nada impede que outros termos lhes sejam atribuiacutedos por conseguinte embora natildeo possam ser demonstrados como legiacutetimos predicados de outros termos nada impede que outros termos sejam demonstrados como predicados deles50

Fora dos Analiacuteticos jaacute esbarramos em indiacutecios que vatildeo nessa direccedilatildeo No capiacutetulo 10 de Metafiacutesica XIII (My) por exemplo haacute uma breve passagem que sugere esse resultado Enquanto argumenta em favor da tese de que ldquoo conhecimento eacute de universaisrdquo (ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου) Aristoacuteteles parece supor que os termos singulares ldquoeste triacircngulordquo e ldquoeste homemrdquo tambeacutem satildeo suscetiacuteveis de operaccedilotildees silogiacutesticas

[] ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου δῆλον δrsquo ἐκ τῶν ἀποδείξεων καὶ τῶν ὁρισμῶν οὐ γὰρ γίγνεται συλλογισμὸς ὅτι τόδε τὸ τρίγωνον δύο ὀρθαῖς εἰ μὴ πᾶν τρίγωνον δύο ὀρθαί οὐδrsquo ὅτι ὁδὶ ὁ ἄνθρωπος ζῷον εἰ μὴ πᾶς ἄνθρωπος ζῷον [] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos a natildeo ser que todo triacircngulo possua dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal a natildeo ser que todo homem seja animal (1086b 34minus37)

Poreacutem essa passagem natildeo eacute tatildeo simples quanto pode parecer agrave primeira vista51 Paul Shorey por exemplo reprovaria jaacute a traduccedilatildeo que

50 An Pr I 27 43a 25minus29 e 39minus40 Ao comentar o capiacutetulo 27 Mignucci (1969 p 443) tambeacutem reconhece a possibilidade ldquodi costruire dimostrazioni e sillogismi anche relativamente a singolarirdquo citando Alexandre que tambeacutem jaacute a observa em seus comentaacuterios (An Pr p 293 13minus23) 51 Shorey (1913)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

40

propomos porque ela faz crer que Aristoacuteteles estabelece uma relaccedilatildeo de dependecircncia dedutiva (silogiacutestica) entre proposiccedilotildees dependecircncia que de fato existe mas da qual para Shorey a passagem em questatildeo natildeo trataria De acordo com Shorey as ocorrecircncias de εἰ μὴ nas linhas 33 e 36 natildeo significam ldquo[] lsquounlessrsquo but is to be taken in its idiomatic sense as a virtual equivalent of ἀλλάrdquo Nesse caso uma traduccedilatildeo mais fiel agrave posiccedilatildeo de Shorey seria a seguinte

[] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos mas de que todo triacircngulo tem dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal mas de que todo homem eacute animal (1086b 34minus37)

Assim o texto estabeleceria natildeo que as proposiccedilotildees singulares no papel de conclusotildees silogiacutesticas satildeo (dedutivamente) dependentes das proposiccedilotildees universais mas que as conclusotildees propriamente silogiacutesticas satildeo universais (universalmente quantificadas) e natildeo singulares

Ross52 ao tratar dessa passagem natildeo deixa de comentar a posiccedilatildeo de Shorey

He [Shorey] argues that in l 33 knowledge is said to be lsquoofrsquo universals ie to have universal conclusions as well as universal premises [hellip] and that singular propositions never occur as conclusions in Aristotlersquos logical writings

Na verdade Shorey53 natildeo chega a dizer que proposiccedilotildees singulares nunca ocorrem como conclusotildees silogiacutesticas nos escritos loacutegicos de Aristoacuteteles embora passe perto disso

The syllogism with a particular54 conclusion is an inferior type (Analyt Post 79a 25ff) [hellip] Aristotle does not recognize singular proposition in his classification (Analyt Priora A1 Grote Aristotle I 205) and the

52 Ross (1953 p 464) 53 Shorey (1913 p 91) 54 Nesse contexto Shorey assume ldquoparticularrdquo e ldquosingularrdquo como equivalentes

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

41

conclusion to an individual case interests him very little and is practically ignored

Shorey tem alguma razatildeo em alegar que os silogismos que concluem proposiccedilotildees singulares (tambeacutem conhecidos como ldquoperipateacuteticosrdquo) satildeo de um tipo inferior especialmente quando se leva em conta o horizonte das demonstraccedilotildees cientiacuteficas55 mas erra quando recorre ao trecho 79a 25ss para dar base textual a tal alegaccedilatildeo ndash o referido trecho nem mesmo trata desse assunto Por sua vez e contra Shorey Ross56 surpreende ao alegar o seguinte

There are however occasional references in Aristotle to the occurrence of singular propositions as the minor premise or conclusion of syllogisms (eg An Pr 43a 37minus40) []

55 Para Aristoacuteteles o silogismo dito cientiacutefico no mais alto grau eacute a chamada demonstraccedilatildeo universal Eacute importante notar que aqui o adjetivo ldquouniversalrdquo tem um sentido muito preciso e natildeo se justifica pela mera ocorrecircncia de uma conclusatildeo universalmente quantificada Em Segundos Analiacuteticos I 4 73b 32minus74a 3 por exemplo Aristoacuteteles argumenta que a demonstraccedilatildeo universal natildeo conclui que todo isoacutesceles tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos mas que todo triacircngulo tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos revelando um requisito que envolve o ajuste preciso do extremo menor a partir de condiccedilotildees estabelecidas pelo extremo maior (cf Seg An I 5 74a 4minus6 13minus17 25minus32 74b 21minus26 I 24 85b 4minus15) Para Aristoacuteteles o predicado ldquoter a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retosrdquo ndash daqui para frente apenas ldquo2Rrdquo ndash se atribui a ldquoisoacutescelesrdquo de um modo que em algum sentido eacute parasitaacuterio da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo dado que isoacutesceles tem 2R na exata medida em que eacute triacircngulo Em outras palavras a atribuiccedilatildeo de ldquo2Rrdquo a ldquoisoacutescelesrdquo eacute entendida como indireta e dependente da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo Nesse contexto eacute natural presumir que um silogismo peripateacutetico seja concebido como inferior em relaccedilatildeo aos demais minus especialmente no que diz respeito ao grau de cientificidade minus jaacute que sua conclusatildeo natildeo poderaacute satisfazer as exigecircncias de uma legiacutetima conclusatildeo cientiacutefica tal como ocorre em uma demonstraccedilatildeo universal Jaacute quanto agraves propriedades dedutivas envolvidas em tal silogismo natildeo haacute razatildeo para consideraacute-lo inferior Para apreciaccedilatildeo detalhada da noccedilatildeo de demonstraccedilatildeo universal ver Angioni (2007) 56 Ross (1953 p 464)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

42

Ross supotildee que o argumento de Shorey pretende estabelecer a exclusatildeo dos termos singulares do domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica e aponta a passagem 43a 37minus40 como evidecircncia textual incompatiacutevel com essa exclusatildeo Temos aqui uma mudanccedila de opiniatildeo De fato conforme pudemos ver na primeira seccedilatildeo deste artigo ao tratar do trecho 43a 37minus43 na ediccedilatildeo comentada do texto grego de Primeiros e Segundos Analiacuteticos Ross chega a dizer que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares em seus exemplos de silogismos e argumenta em favor de uma silogiacutestica restrita a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ)57 Agora ao comentar a passagem 1086a 34minus37 de Metafiacutesica XIII (My) 10 Ross reconhece no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I uma evidecircncia em favor da inclusatildeo dos termos singulares na silogiacutestica Aparentemente o proacuteprio Ross natildeo tinha muita convicccedilatildeo a respeito da inclusatildeo ou exclusatildeo dos termos de natureza singular

De nossa parte admitimos que a passagem 1086a 34minus37 eacute digna da controveacutersia introduzida por Shorey ndash embora tenhamos mais apreccedilo pela interpretaccedilatildeo de Ross No entanto mesmo que Shorey tenha razatildeo a respeito do referido trecho de Metafiacutesica XIII (My) 10 a presenccedila de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares na silogiacutestica natildeo estaraacute ameaccedilada porque ainda podemos nos valer de passagens muito mais promissoras para decidir essa questatildeo passagens nas quais o proacuteprio Aristoacuteteles elabora cocircmputos silogiacutesticos com termos singulares como se a presenccedila deles na silogiacutestica natildeo lhe figurasse como uma anomalia

Patzig tinha conhecimento dessas passagens e fez questatildeo de citaacute-las no primeiro capiacutetulo de seu livro corrigindo o suposto fato alegado por Ross e Lukasiewicz de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos exemplos de silogismos que aparecem em Primeiros Analiacuteticos No entanto Patzig natildeo recorre a tais passagens a fim de reintroduzir os termos singulares na silogiacutestica mas procura

57 Idem 1949 p 384

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

43

desqualificaacute-las e assim reiterar os resultados de seus antecessores De fato embora reconheccedila as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 do Livro I bem como de ldquoPitacosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II Patzig manteacutem a posiccedilatildeo tradicional que afasta os termos de natureza singular da loacutegica aristoteacutelica alegando apenas que a ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo (70a 16minus20) se daacute em um silogismo invaacutelido ao passo que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo (47b 15ss) aparecem em premissas das quais nada se segue58

Eacute bem verdade que as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 de Primeiros Analiacuteticos I estatildeo associadas a pares de premissas dos quais nenhuma conclusatildeo se segue coisa que o proacuteprio Aristoacuteteles natildeo hesita em admitir No entanto embora sejam inconcludentes esses pares de premissas acomodam seus termos em disposiccedilotildees muito similares agravequelas de um silogismo vaacutelido (Barbara)59 o que lhes confere as feiccedilotildees de que satildeo concludentes quando na verdade natildeo o satildeo De acordo com Aristoacuteteles o que os impede de serem concludentes eacute o fato de que a premissa maior natildeo eacute universal60 Em 47b 26minus28 essa justificativa eacute apresentada por meio de um pronunciamento que merece alguma atenccedilatildeo Aristoacuteteles anuncia o fato de a premissa maior natildeo ser universal como quem supotildee que fosse ela universal o problema estaria resolvido e assim o par de premissas seria concludente61 Ora na medida em que Aristoacuteteles atribui o caraacuteter inconcludente dos pares de premissas precisamente agraves premissas maiores (e natildeo agraves premissas menores nas quais ocorrem os termos singulares) presume-se que esses termos natildeo introduzem qualquer caracteriacutestica censuraacutevel nos silogismos ali formulados Assim o fato de que natildeo estamos diante de pares de premissas concludentes por si soacute natildeo eacute

58 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 59 An Pr I 33 47b 21minus37 60 Idem 47b 26minus29 34minus37 e 38minus39 61 O uso contrafactual de ἔδει na linha 27 sugere essa leitura

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

44

suficiente para recusar ao capiacutetulo 33 o papel de evidecircncia em favor de tais termos na silogiacutestica62

Quanto agrave ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo em Primeiros Analiacuteticos II 27 (70a 16minus20) Patzig tem alguma razatildeo em alegar que ela se daacute em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido No entanto eacute preciso ajustar essa alegaccedilatildeo porque Aristoacuteteles natildeo descreve o argumento em questatildeo propriamente como um silogismo mas como um sinal (σημεῖον) e ao que parece um sinal e um silogismo ndash um legiacutetimo silogismo e natildeo um mero entimema ndash estatildeo longe de ser a mesma coisa63 Aleacutem disso temos uma ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo no mesmo capiacutetulo que eacute bem mais relevante para a discussatildeo mas que foi completamente ignorada pelos comentadores

Em 70a 26minus28 Aristoacuteteles formula dois silogismos nos quais aparece o termo singular ldquoPitacosrdquo Um deles eacute descrito como refutaacutevel (λύσιμος)64 basicamente porque a conclusatildeo natildeo se segue das premissas65 Natildeo precisamos nos deter nele Por ora o silogismo que fora introduzido algumas linhas antes e que foi descrito por Aristoacuteteles como irrefutaacutevel (ἄλυτος)66 eacute muito mais interessante Esse silogismo tem exatamente a formulaccedilatildeo paradigmaacutetica que Lukasiewicz qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo e agrave qual negou lugar na loacutegica aristoteacutelica Vale a pena citar essa passagem para marcar bem a presenccedila desse tipo de silogismo na loacutegica de Aristoacuteteles

62 M Malink (2009 p 119) por exemplo contrariando Patzig aponta o capiacutetulo I 33 minus bem como II 27 do qual trataremos a seguir minus como evidecircncia em favor de termos singulares na silogiacutestica Ver tambeacutem Mignucci ldquoAristotlersquos Theory of Predicationrdquo p 10 ldquoParts Quantification and Aristotelian Predicationrdquo p 11 e Barnes ldquoTruth etcrdquo p 158-166 63 An Pr II 27 70a 24minus25 64 Ibidem 30minus31 e 34minus35 65 Ibidem 27minus28 e 30minus32 66 Ibidem 29

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

45

Ἐὰν μὲν οὖν ἡ μία λεχθῇ πρότασις σημεῖον γίνεται μόνον ἐὰν δὲ καὶ ἡ ἑτέρα προσληφθῇ συλλογισμός οἷον ὅτι Πιττακὸς ἐλευθέριος οἱ γὰρ φιλότιμοι ἐλευθέριοι Πιττακὸς δὲ φιλότιμος Assim se somente uma premissa for assumida haacute apenas um sinal ao passo que se a outra premissa tambeacutem for assumida entatildeo haacute um silogismo por exemplo lsquoPitacos eacute destemido pois os homens de brio satildeo destemidos e Pitacos eacute homem de briorsquo (70a 24minus27)67

A descriccedilatildeo eacute inusitada porque Aristoacuteteles comeccedila pela conclusatildeo Mas isso natildeo prejudica o resultado a que queremos chegar O nome proacuteprio ldquoPitacosrdquo eacute sem duacutevida o extremo menor que aparece como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo ldquodestemidordquo eacute o extremo maior predicado da premissa maior e da conclusatildeo por fim a funccedilatildeo de mediador fica por conta de ldquohomem de briordquo Em uma reconstituiccedilatildeo um pouco mais formalizada temos o seguinte silogismo todo homem de brio eacute destemido Pitacos eacute (um) homem de brio logo Pitacos eacute destemido

O leitor mais desconfiado talvez hesite em aceitar que a premissa maior ldquoos homens de brio satildeo destemidosrdquo possa ser formalizada com um quantificador universal mas haacute sinais claros de que eacute assim que devemos concebecirc-la Em primeiro lugar Aristoacuteteles reconhece a legitimidade desse silogismo e supotildee que a conclusatildeo decorre das premissas o que por si soacute jaacute pressupotildee a universalidade da premissa maior Caso contraacuterio a conclusatildeo natildeo se impotildee Em segundo lugar haacute um pequeno detalhe que causa surpresa nesse capiacutetulo e que merece atenccedilatildeo de nossa parte Aristoacuteteles justifica o caraacuteter irrefutaacutevel do mencionado silogismo alegando que se trata de um silogismo universal (καθόλου γὰρ ἐστιν cf 70a 30) Ora como se sabe Aristoacuteteles descreve como universais precisamente aqueles silogismos nos quais a conclusatildeo eacute universal quais sejam Barbara Celarent Cesare e Camestres Por isso ao caracterizar o ldquosilogismo peripateacuteticordquo como um silogismo universal

67 As traduccedilotildees de φιλότιμος e ἐλευθέριος certamente satildeo discutiacuteveis mas em nada afetam os nossos objetivos

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

46

Aristoacuteteles pode querer sinalizar que em algum sentido a conclusatildeo ldquoPitacos eacute destemidordquo deva ser compreendida como uma proposiccedilatildeo fundada em uma atribuiccedilatildeo universal68 como se o referido ldquosilogismo peripateacuteticordquo precisamente em razatildeo disso fosse digno do mesmo status concedido aos demais silogismos universais (Barbara Celarente Cesare e Camestres) Essa leitura sugere que a concepccedilatildeo aristoteacutelica de atribuiccedilatildeo universal talvez deva ser repensada jaacute que ela daacute sinais de se estender sobre casos para os quais natildeo cabe falar em quantificadores (universais) ndash eacute o que parece ocorrer no ldquosilogismo peripateacuteticordquo acima mencionado

O aprofundamento desse ponto no entanto eacute algo que ultrapassa o escopo da presente investigaccedilatildeo e seu exame deve ser deixado para outra ocasiatildeo A essa altura o objetivo principal desta seccedilatildeo jaacute nos parece ter sido alcanccedilado pois consiste apenas em mostrar o que os leitores menos versados nos Analiacuteticos jaacute perceberam haacute muito tempo a saber que o chamado ldquosilogismo peripateacuteticordquo natildeo soacute faz parte da loacutegica aristoteacutelica mas mais do que isso ainda pode desfrutar de um lugar privilegiado no interior da silogiacutestica entre os chamados ldquosilogismos universaisrdquo Diante desse quadro natildeo haacute duacutevida de que os termos de natureza singular tecircm lugar garantido na loacutegica de Aristoacuteteles69

68 Provavelmente foi inspirado em passagens como essa que J N Keynes (1906 p 102) sugeriu conceber as proposiccedilotildees singulares como uma subclasse de proposiccedilotildees universais Lukasiewicz tomou nota dessa possibilidade e a considerou totalmente equivocada Mas para isso ignorou completamente o trecho 70a 24minus30 69 Agradeccedilo ao professor Lucas Angioni (Unicamp) pela prontidatildeo na leitura de versotildees preacutevias deste artigo pelas indicaccedilotildees de passagens para reforccedilar o argumento e pelas alteraccedilotildees de texto sugeridas as quais certamente contribuiacuteram para melhorar o resultado final aqui apresentado Agradeccedilo tambeacutem aos professores Raphael Zillig (UFRGS) e Inara Zanuzzi (UFRGS) pela oportunidade de discutir alguns resultados provisoacuterios deste artigo no Seminaacuterio sobre Primeiros Analiacuteticos I 27 organizado pelo professor Raphael e realizado na UFRGS no ano de 2011 Por fim tambeacutem agradeccedilo aos

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

47

REFEREcircNCIAS

ANGIONI L ldquoO Conhecimento Cientiacutefico no Livro I dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesrdquo Revista de Filosofia Antiga (online) vol 1 n 1 2007 (httpwwwfilosofiaantigacomdocuments23html)

BARNES J (ed) Aristotle Prior Analytics (trans by A J Jenkinson in Barnes 1984 vol 1 p 39minus113)

mdashmdashmdashmdash Truth etc Six Lectures on Ancient Logic Oxford Clarendon Press 2007

BOCHENSKI J Ancient Formal Logic Amsterdam North-Holland Publishing 1951

CORCORAN J ldquoCompleteness of an Ancient Logicrdquo Journal of Symbolic Logic 37 696minus702 1972

KEYNES J N Studies and Exercises in Formal Logic (fourth edition rewritten and enlarged) New York The Macmillan Company 1906

LUKASIEWICZ J Aristotlersquos Syllogistic from the Standpoint of Modern Formal Logic Oxford Clarendon Press 1951

MALINK M ldquoA Non-Extensional Notion of Conversion in the Organonrdquo Oxford Studies in Ancient Philosophy Vol XXXVII p 106minus141 Oxford University Press 2009

MIGNUCCI M Aristotele Gli analitici primi ndash Traduzione introduzione e commento Naples Loffredo 1969

companheiros de pesquisa Francine Maria Ribeiro e Mateus Ricardo Fernandes Ferreira (UEMminusPR) pela leitura das primeiras versotildees desse texto e pelas proveitosas sugestotildees que me fizeram

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

48

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Theory of Predication in I Angelilli and M Cerezo (eds) Studies in the History of Logic 1minus20 Berlin 1996

mdashmdashmdashmdash Parts Quantification and Aristotelian Predication Monist 83 3minus21 2000

PATZIG G Aristotlersquos Theory of the Syllogism A Logico-Philosophical Study of Book A of the Prior Analytics Translated by Jonathan Barnes Dordrecht Reidel 1959

ROSS W D Aristotlersquos Prior and Posterior Analytics Oxford Clarendon Press 1949

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Metaphysics Oxford Clarendon Press 1953 (1924)

SHOREY P ldquoA Note on Aristotlersquos Metaphysics 1086b 32minus37rdquo Classical Philology Vol 8 n 1 pp 90minus92 1913

SMITH R Aristotle Prior Analytics Indianapolis Hackett Publishing Company 1989

STRIKER G Aristotle Prior Analytics Book I Oxford Clarendon Press 2009

Page 24: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

28

localizaccedilatildeo do mediador de cada forma categoacuterica Eacute claro que ao descrever esses paracircmetros Aristoacuteteles acaba por assumir certos pressupostos que em uacuteltimo caso podem ter algum efeito sobre a lista de termos que integram o domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica Ainda assim eacute preciso observar que as recomendaccedilotildees apresentadas no capiacutetulo 28 satildeo pensadas em relaccedilatildeo agrave prova de cada proposiccedilatildeo categoacuterica em particular Por isso os pressupostos envolvidos nessas recomendaccedilotildees bem como as eventuais restriccedilotildees de termos que lhes sejam correlatas deveratildeo ter aplicaccedilatildeo circunscrita a cada caso isto eacute aos procedimentos de prova de cada conclusatildeo em particular

Patzig parece natildeo ter dado a devida atenccedilatildeo a esse detalhe pois embora compreenda os seus axiomas como pressupostos impliacutecitos das recomendaccedilotildees de Aristoacuteteles ndash recomendaccedilotildees cuja aplicaccedilatildeo estaacute circunscrita a cada caso ndash Patzig os assume como vaacutelidos para termos de todo e qualquer silogismo37 No entanto eacute flagrante que certos silogismos natildeo dependem de alguns de seus axiomas Um arquetiacutepico silogismo em Barbara por exemplo funciona perfeitamente bem sem pressupor para qualquer de seus termos a validade do terceiro axioma isto eacute sem pressupor que exista para qualquer de seus termos (ou mesmo para qualquer de seus extremos para ser fiel ao capiacutetulo 28) um termo que lhe seja ldquocontraacuteriordquo

Ao que tudo indica o que levou Patzig a estender a validade de seus axiomas sobre todos os silogismos eacute o trecho 44a 12minus17 em que Aristoacuteteles estipula letras para as listas de termos com as quais pretende trabalhar na exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova38 Na referida passagem Aristoacuteteles considera basicamente trecircs tipos de termos que se distinguem pelo termo extremo que lhes eacute correlato bem como pela relaccedilatildeo predicativa que cada um manteacutem com esse extremo Para cada extremo Aristoacuteteles estipula (i) termos que lhe satildeo atribuiacutedos universalmente (ii) termos aos quais ele proacuteprio se atribui universalmente e (iii) termos que natildeo lhe

37 Patzig (1959) sect3 p 6ndash7 38 An Pr I 28 44a 12minus17

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

29

podem ser atribuiacutedos Os termos de primeiro tipo devem ter servido de estiacutemulo para a necessidade de termos superordenados proacuteprios que eacute marca do segundo axioma de Patzig os termos de segundo tipo por sua vez para a necessidade de termos subordinados proacuteprios marca do primeiro axioma os de terceiro por fim para a necessidade de termos ldquocontraacuteriosrdquo marca do terceiro axioma

Eacute bem verdade que os termos estipulados por Aristoacuteteles envolvem certa analogia com os axiomas propostos por Patzig Mas eacute preciso notar em primeiro lugar que nenhum dos procedimentos de prova descritos por Aristoacuteteles depende da estipulaccedilatildeo dos trecircs tipos de termos39 A recomendaccedilatildeo de prova da proposiccedilatildeo particular afirmativa por exemplo requer apenas (ii) termos aos quais os extremos se atribuem universalmente40 O fato de Aristoacuteteles jaacute estipular de antematildeo trecircs tipos de termos para cada extremo natildeo torna obrigatoacuterio que todo e qualquer extremo (e muito menos que todo e qualquer termo silogiacutestico como prefere Patzig) independentemente do silogismo a que pertenccedila dependa dos trecircs tipos de termos estipulados precisamente porque a estipulaccedilatildeo desses termos estaacute ancorada em um par de extremos que eacute muito peculiar Esse par de extremos eacute pensado com propoacutesitos didaacuteticos orientados agrave exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova de cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas (a e i e o) Trata-se de um par de extremos que em benefiacutecio da exposiccedilatildeo eacute assumido como articulaacutevel em qualquer das relaccedilotildees categoacutericas Poreacutem essa assunccedilatildeo soacute faz sentido no contexto preciso dessa exposiccedilatildeo de procedimentos de prova afinal algumas dessas relaccedilotildees categoacutericas satildeo incompatiacuteveis entre si ndash por exemplo as relaccedilotildees universal afirmativa e particular negativa Por isso devemos presumir que as estipulaccedilotildees de termos que lhes datildeo suporte tambeacutem o satildeo e portanto natildeo podem valer em conjunto e para todos os casos

39 Idem 44a 17minus30 40 Ibidem 44a 19minus21

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

30

Para esclarecer esse ponto retomemos rapidamente os procedimentos de prova das proposiccedilotildees universal afirmativa e particular negativa41 Assumindo um mesmo par de extremos como faz Aristoacuteteles estaremos diante de proposiccedilotildees contraditoacuterias (EaA e EoA) Dado que tais proposiccedilotildees satildeo incompatiacuteveis as condiccedilotildees das quais elas satildeo provenientes tambeacutem o seratildeo Dizendo de outro modo a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (i) termos aos quais o extremo maior se atribui universalmente e (ii) termos que se atribuem universalmente ao extremo menor eacute incompatiacutevel com a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (irsquo) termos aos quais o extremo maior natildeo pode ser atribuiacutedo e (iirsquo) termos aos quais o extremo menor se atribui universalmente Assim em presenccedila das condiccedilotildees de prova de uma das proposiccedilotildees incompatiacuteveis as condiccedilotildees da outra poderatildeo ser dispensadas jaacute que satildeo condiccedilotildees requeridas para uma prova cuja possibilidade jaacute natildeo existe E natildeo haacute razatildeo para manter os termos estipulados e dispensar apenas a possibilidade de um termo comum entre as listas pois ambos os pressupostos satildeo requisitados para servir um uacutenico e mesmo propoacutesito o de estabelecer condiccedilotildees para a prova da relaccedilatildeo categoacuterica que se pretende obter Natildeo haacute uma razatildeo que justifique a manutenccedilatildeo das listas de termos estipulados em detrimento da possibilidade de um termo comum entre as listas pois o propoacutesito que introduz uma exigecircncia tambeacutem introduz a outra Sob essa perspectiva fica claro que os termos estipulados no trecho 44a 12minus17 natildeo podem ser pressupostos indispensaacuteveis de quaisquer termos silogiacutesticos tampouco pressupostos que devem ser satisfeitos em conjunto por termos de todo e qualquer silogismo Afinal Aristoacuteteles estipula cada uma das listas supondo que seus termos seratildeo candidatos agrave funccedilatildeo de mediador (e natildeo agrave funccedilatildeo de termos silogiacutesticos) e o faz segundo as exigecircncias especiacuteficas envolvidas na prova de cada relaccedilatildeo categoacuterica em particular (a e i ou o) Compreender tais listas como pressupostos

41 An Pr I 28 43b 39minus43 e 44a 9minus11

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

31

que devem ser satisfeitos por todo e qualquer termo silogiacutestico eacute um equiacutevoco

Em segundo lugar o capiacutetulo 28 natildeo parece estar orientado propriamente agrave prova silogiacutestica das formas categoacutericas mas em algum sentido agrave demonstraccedilatildeo de tais relaccedilotildees Haacute indiacutecios que sugerem essa leitura O principal deles talvez seja o fato de Aristoacuteteles se mostrar interessado em localizar um meson que fica no meio do caminho entre um mediador que satisfaz requisitos meramente dedutivos e um mediador que supera tais requisitos e se configura como um fator explanatoacuterio em uma legiacutetima demonstraccedilatildeo cientiacutefica42 Retomemos por exemplo as recomendaccedilotildees de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) Em 43b 43ndash44a 2 Aristoacuteteles recomenda a prova de EiA por premissas universais conduzindo a prova a um silogismo em Darapti embora admita a possibilidade de concluir proposiccedilotildees particulares a partir de um par de premissas em que apenas uma eacute universal (41b 22minus27) Em 44a 9ndash11 a exemplo do que ocorre com a prova de EiA Aristoacuteteles recomenda a prova de EoA novamente por premissas universais desta vez conduzindo a prova a um silogismo em Felapton Essas duas recomendaccedilotildees de prova pressupotildeem que o meson requisitado para a prova natildeo eacute um mediador meramente dedutivo mas um mediador que se articula com os extremos exclusivamente por relaccedilotildees universais Eacute claro que esse cenaacuterio ainda estaacute muito distante daquele que temos por exemplo no capiacutetulo 2 do Livro II de Segundos

42 Em uma demonstraccedilatildeo cientiacutefica natildeo basta que o mediador se relacione com os extremos de tal modo que a deduccedilatildeo da conclusatildeo esteja formalmente assegurada Aristoacuteteles ainda exige que o mediador satisfaccedila certos requisitos natildeo formais O principal deles eacute o de explicar adequadamente por que o extremo maior se atribui ao extremo menor (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 por exemplo essa diferenccedila (entre um mediador que satisfaz exigecircncias meramente dedutivas e um mediador que funciona como explicaccedilatildeo do fato relatado na conclusatildeo) eacute utilizada como criteacuterio baacutesico para distinguir o conhecimento de que C eacute A (conhecimento do fato) e o conhecimento de por que C eacute A (conhecimento da causa)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

32

Analiacuteticos (90a 6minus7) em que o meson eacute pensado como a causa que explica por que a relaccedilatildeo dada entre os extremos explicitada na conclusatildeo da demonstraccedilatildeo eacute o caso Mesmo assim temos o suficiente para mostrar que Aristoacuteteles natildeo estaacute levando em conta todos os silogismos de seu sistema loacutegico mas apenas aqueles nos quais ambas as premissas satildeo universais Por que razatildeo exatamente Aristoacuteteles faz essa escolha eacute algo a se investigar O que nos importa eacute que essa escolha restringe o escopo do capiacutetulo a um grupo especiacutefico de silogismos o que natildeo eacute compatiacutevel com a validade irrestrita dos axiomas propostos por Patzig

Em terceiro lugar Aristoacuteteles natildeo lida com as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo proacutepria superordenaccedilatildeo proacutepria e contrariedade mas prefere (i) termos que acompanham o extremo (τὰ ἑπόμενα) (ii) termos aos quais o extremo acompanha (οἷς αὐτὸ ἕπεται) e (iii) termos que natildeo podem ser atribuiacutedos ao extremo (ἃ μὴ ἐνδέχεται αὐτῷ ὑπάρχειν) Essa diferenccedila natildeo eacute apenas terminoloacutegica mas conceitual As relaccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias pressupotildeem termos que natildeo satildeo coextensivos se X eacute um termo subordinado proacuteprio de Y XaY eacute o caso mas YaX natildeo se Z eacute um termo superordenado proacuteprio de Y YaZ eacute o caso mas ZaY natildeo O proacuteprio Patzig reconhece essas consequumlecircncias ao formular os seus dois primeiros axiomas43 Aristoacuteteles no entanto ao se valer das relaccedilotildees de ldquoacompanhamentordquo entre os termos natildeo hesita em rejeitaacute-las No capiacutetulo 29 por exemplo Aristoacuteteles menciona a possibilidade de provar por hipoacutetese (συλλογίσασθαι ἐξ ὑποθέσεως) os problemas universais (a e e) assumindo precisamente a possibilidade de coextensatildeo entre os termos envolvidos possibilidade da qual Patzig parece prescindir ao formular seus axiomas A passagem agrave qual nos referimos eacute a seguinte

εἰ γὰρ τὸ Γ καὶ τὸ Η ταὐτὰ εἴη μόνοις δὲ ληφθείη τοῖς Η τὸ Ε ὑπάρχειν παντὶ ἂν τῷ Ε τὸ Α ὑπάρχοι καὶ πάλιν εἰ τὸ Δ καὶ Η ταὐτὰ μόνων δὲ τῶν Η τὸ Ε κατηγοροῖτο ὅτι οὐδενὶ τῷ Ε τὸ Α ὑπάρξει

43 Patzig (1959 sect3 p 6ndash7)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

33

Com efeito se C e G fossem o mesmo mas se assumisse que E se atribui apenas aos Grsquos A se atribuiria a todo E Novamente se D e G fossem o mesmo mas E se afirmasse apenas dos Grsquos A se atribuiraacute a nenhum E (45b 24minus27)

Em 44a 12minus17 Aristoacuteteles jaacute havia estipulado que a letra C representaria um termo ao qual o extremo maior A acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente tambeacutem foi estipulado que a letra G representaria um termo ao qual o extremo menor E acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente por fim ainda ficou decidido que a letra D representaria um termo que natildeo pode ser atribuiacutedo ao extremo maior A Assim a identidade entre C e G a exemplo do que ocorre em 44a 19minus21 conduz a prova de EiA a um silogismo em Darapti ao passo que a identidade entre D e G a exemplo do que ocorre em 44a 28minus30 conduz a prova de EoA a um silogismo em Felapton44 No entanto nessa passagem embora os procedimentos de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) sejam acionados aquilo que se quer mostrar eacute de que modo podemos provar por hipoacutetese (ἐξ ὑποθέσεως) as proposiccedilotildees universais Para alcanccedilar esse resultado Aristoacuteteles assume que o extremo menor E se atribui apenas (μόνον) a G o que pode ser interpretado como uma maneira diferente de dizer que E e G satildeo termos coextensivos Sinal disso eacute o seguinte ao assumir que E se atribui apenas a G Aristoacuteteles se vecirc autorizado a concluir as proposiccedilotildees universais EaA e EeA o que soacute faz sentido sob o pressuposto de que G e E satildeo termos coextensivos De fato sob tal pressuposto a premissa menor GaE pode ser ldquoconvertidardquo em EaG o que transforma Darapti em Barbara bem como Felapton em Celarent Mas se os termos aos quais o extremo menor E acompanha forem pensados como termos subordinados proacuteprios de E GaE seraacute o caso mas EaG natildeo Por conseguinte tampouco as conclusotildees EaA e EeA se seguiriam Assim se quisermos conferir sentido agrave passagem temos que assumir que Aristoacuteteles recorreu agrave possibilidade de construir silogismos com termos

44 Darapti CaA GaE rarr EiA (C=G) Felapton DeA GaE rarr EoA (D=G)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

34

que satildeo coextensivos e se assim for podemos dizer que para Aristoacuteteles a presenccedila de silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos em sua loacutegica natildeo causava qualquer inconveniente45

Segundo nos parece as razotildees alegadas ateacute aqui jaacute satildeo suficientes para mostrar que os axiomas de Patzig natildeo podem servir como criteacuterios delimitadores de termos silogiacutesticos Ainda assim vale a pena examinar duas passagens que eventualmente poderiam ser invocadas contra a interpretaccedilatildeo que propomos Embora natildeo sejam citadas pelos proponentes das opiniotildees tradicionais natildeo eacute difiacutecil imaginar que elas tenham servido de inspiraccedilatildeo para aqueles que defendem a exclusatildeo dos termos transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo De fato agrave primeira vista tais passagens podem nos levar a pensar que Aristoacuteteles natildeo guardou lugar para tais termos na silogiacutestica No entanto como veremos isso soacute eacute verdade agrave primeira vista

45 O capiacutetulo 29 natildeo eacute a uacutenica evidecircncia de silogismos com termos coextensivos na silogiacutestica No capiacutetulo 5 do Livro II de Primeiros Analiacuteticos precisamente em 57b 35minus58a 12 Aristoacuteteles trabalha com silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos Por sua vez no capiacutetulo 22 em 67b 27minus32 Aristoacuteteles inicia o texto dizendo que a coextensatildeo entre os termos extremos de um silogismo requer um mediador tambeacutem coextensivo o que revela por parte de Aristoacuteteles plena consciecircncia a respeito da existecircncia de silogismos com triacuteades coextensivas Nos Segundos Analiacuteticos o interesse de Aristoacuteteles por demonstraccedilotildees que envolvem termos coextensivos pode ser classificado como uma obsessatildeo Basta notar que a proacutepria demonstraccedilatildeo universal ndash aquela que eacute considerada por Aristoacuteteles como cientiacutefica no mais alto grau ndash tem como uma de suas principais caracteriacutesticas a coextensatildeo entre os trecircs termos do silogismo (cf Seg An I 4 73b 32minus74a 3) o que revela o papel central das triacuteades coextensivas no projeto aristoteacutelico que eacute inaugurado com a silogiacutestica e culmina nas demonstraccedilotildees cientiacuteficas (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 e II 16 Aristoacuteteles novamente recorre a termos coextensivos na formulaccedilatildeo de silogismos A nossa preferecircncia pela passagem 45b 24minus27 do capiacutetulo 29 de Primeiros Analiacuteticos se daacute apenas com base em sua conexatildeo indiscutiacutevel com o capiacutetulo 28 no qual Patzig julga encontrar seus axiomas

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

35

Uma das passagens agraves quais nos referimos eacute aquela com a qual Aristoacuteteles encerra o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I Vejamos o que diz Aristoacuteteles

ἔτι τὰ πᾶσιν ἑπόμενα οὐκ ἐκλεκτέον οὐ γὰρ ἔσται συλλογισμὸς ἐξ αὐτων διrsquo ἣν δrsquo αἰτίαν ἐν τοῖς ἑπομένοις ἔσται δῆλον Aleacutem disso natildeo eacute preciso selecionar os itens que acompanham todas as coisas pois natildeo haacute silogismo a partir deles A razatildeo disso ficaraacute evidente a seguir (43b 36minus38)

Essa passagem trata dos termos transcategoriais de generalidade total (τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) e delega a justificativa de seu proacuteprio pronunciamento ao capiacutetulo seguinte no qual Patzig encontrou inspiraccedilatildeo para seus axiomas No capiacutetulo 28 cumprindo o prometido Aristoacuteteles retoma esse assunto e reitera a impossibilidade de construir silogismos a partir de termos de generalidade total

φανερὸν οὖν ὅτι διὰ τῶν προειρημένων σχημάτων οἱ συλλογισμοὶ πάντες καὶ ὅτι οὐκ ἐκλεκτέον ὅσα πᾶσιν ἕπεται διὰ τὸ μηδένα γίγνεσθαι συλλογισμὸν ἐξ αὐτῶν κατασκευάζειν μὲν γὰρ ὅλως οὐκ ἦν ἐκ τῶν ἑπομένων ἀποστερεῖν δrsquo οὐκ ἐνδέχεται διὰ τοῦ πᾶσιν ἑπομένου δεῖ γὰρ τῷ μὲν ὑπάρχειν τῷ δὲ μὴ ὑπάρχειν Eacute evidente entatildeo que todos os silogismos vecircm a ser atraveacutes das figuras previamente mencionadas e que natildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisas porque nenhum silogismo vem a ser a partir deles De fato de modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanham e natildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outro (44b 19minus24)

Fora de contexto e em uma leitura mais apressada essas duas passagens podem nos levar a crer que a opiniatildeo tradicional que afasta da silogiacutestica os termos de generalidade total (como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) de fato encontra respaldo nos textos de Aristoacuteteles No entanto mais uma vez eacute preciso levar em conta que o capiacutetulo 28 eacute marcado pela

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

36

descriccedilatildeo de estrateacutegias de localizaccedilatildeo de termos mediadores e natildeo de termos em geral Dizendo de outro modo Aristoacuteteles natildeo estaacute interessado em localizar os termos que deveratildeo encerrar a conclusatildeo de um silogismo pelo contraacuterio tais termos jaacute estatildeo plenamente determinados bem como a relaccedilatildeo proposicional (a e i e o) que haacute entre eles dado que a conclusatildeo na qual interagem funciona como ponto de partida da investigaccedilatildeo empreendida no capiacutetulo O que interessa para Aristoacuteteles eacute a localizaccedilatildeo de termos mediadores e eacute nesse horizonte que tais passagens devem ser lidas Assim ao negar a possibilidade de construir silogismos a partir de termos transcategoriais de generalidade total (ἐξ αὐτῶν) o que Aristoacuteteles quer dizer eacute que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos46 nos quais a funccedilatildeo de mediador seja desempenhada por um termo desse tipo razatildeo pela qual na busca pelo mediador recomenda Aristoacuteteles ldquonatildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisasrdquo (44b 20minus21) Para justificar essa recomendaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta duas razotildees (i) ldquode modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanhamrdquo (44b 22minus23) (ii) ldquonatildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outrordquo (44b 23minus24) Na primeira razatildeo Aristoacuteteles parece reconsiderar as listas de termos estipuladas no trecho 44a 11minus17 pressupondo ao que tudo indica que os transcategoriais de generalidade total soacute podem figurar em listas de termos que acompanham os extremos Isso se justificaria pela natureza inapta de tais termos para o papel de sujeito em proposiccedilotildees silogiacutesticas conforme se constata no capiacutetulo I 27 Assim na medida em que nas provas afirmativas a busca pelo mediador natildeo envolve

46 Na verdade como o escopo do capiacutetulo 28 natildeo abarca todo e qualquer silogismo seria mais correto dizer que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos (nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas) assumindo um termo de generalidade total na funccedilatildeo de mediador

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

37

apenas a lista de termos que acompanham um dos extremos mas tambeacutem a lista de termos aos quais um dos extremos acompanha (ver 43b 39minus44a 2) os transcategoriais de generalidade total perdem a candidatura agrave funccedilatildeo de mediador e jaacute de saiacuteda nem sequer precisam ser considerados47 Na segunda razatildeo por sua vez Aristoacuteteles leva em conta o fato de que as provas negativas dependem de um mediador capaz de figurar em proposiccedilotildees universais negativas verdadeiras exigecircncia que natildeo estaacute no alcance dos termos de generalidade total Afinal se estamos diante de um transcategorial desse tipo de antematildeo jaacute assumimos a inexistecircncia de um termo do qual ele natildeo seja predicado Assim os termos de generalidade total ficam impedidos de serem atribuiacutedos a um extremo e natildeo atribuiacutedos ao outro (44b 24) como deve ser o mediador de um silogismo negativo

O que eacute verdade portanto eacute que Aristoacuteteles dispensa os termos de generalidade total da funccedilatildeo de mediador De fato quando se pretende construir silogismos nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas tal como ocorre no capiacutetulo 28 a busca do mediador entre transcategoriais de generalidade total eacute sempre infrutiacutefera porque soacute poderaacute devolver como resposta pretensos fatores de mediaccedilatildeo marcados por duas deficiecircncias principais a

47 Supomos que em tais passagens Aristoacuteteles de fato tem em mente as recomendaccedilotildees de prova apresentadas no iniacutecio do capiacutetulo 28 de modo que apenas os silogismos em Barbara e Darapti sejam considerados como silogismos afirmativos (cf 43b 39minus44a 2) Assim entendemos que o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 se justificaria porque os termos de generalidade total na prova de a natildeo podem integrar a lista de termos aos quais o extremo maior acompanha bem como na prova de i a lista de termos aos quais ambos os extremos acompanham No entanto ainda que os demais silogismos afirmativos sejam levados em conta o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 continua verdadeiro jaacute que Darii Disamis e Datisi tambeacutem exigem que o mediador esteja entre os termos aos quais o(s) extremo(s) acompanha(m)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

38

impossibilidade de desempenhar a funccedilatildeo de sujeito de modo legiacutetimo e a incapacidade de compor proposiccedilotildees negativas verdadeiras

Nenhuma das passagens mencionadas acima (43b 36minus38 e 44b 19minus24) eacute citada ndash nem por Lukasiewicz nem por Patzig ndash como evidecircncia de que Aristoacuteteles teria rejeitado os termos de generalidade total em seu sistema loacutegico Poreacutem diante da escassez de evidecircncias em favor da suposta exclusatildeo de tais termos natildeo eacute insensato presumir que os proponentes dessa exclusatildeo tenham encontrado inspiraccedilatildeo nelas

Na proacutexima seccedilatildeo examinaremos textos nos quais Aristoacuteteles constroacutei silogismos com termos de natureza singular Veremos que o incocircmodo com a presenccedila de tais termos na silogiacutestica eacute menos de Aristoacuteteles e mais de seus inteacuterpretes 3 Termos Singulares e o Silogismo Peripateacutetico

Jaacute comentamos o fato de Lukasiewicz ter feito pesadas criacuteticas agrave silogiacutestica em especial ao suposto fato de Aristoacuteteles ter afastado os termos de natureza singular de seu sistema loacutegico o que seria segundo Lukasiewicz ldquoo maior defeitordquo da loacutegica aristoteacutelica48 Ao que parece o responsaacutevel por levaacute-lo por esse caminho foi Ross que tomou nota do tambeacutem suposto fato de Aristoacuteteles nunca se valer de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos49 Lukasiewicz reiterou a constataccedilatildeo de Ross (embora natildeo o cite) e nela encontrou razatildeo para natildeo reconhecer como rigorosamente aristoteacutelico o silogismo que qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo silogismo formulado em primeira figura com um nome proacuteprio como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo

De acordo com a triparticcedilatildeo de termos que pudemos conhecer no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I (Seccedilatildeo II Parte 1) natildeo temos qualquer razatildeo para expulsar da silogiacutestica os termos de natureza singular Eacute

48 Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect3 p 6) 49 Ross (1949 p 289 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

39

claro que Aristoacuteteles natildeo deixa de lhes endereccedilar certas restriccedilotildees poreacutem vale a pena repetir nenhuma das restriccedilotildees introduzidas por Aristoacuteteles no referido capiacutetulo tem forccedila suficiente para expulsar os termos singulares da loacutegica aristoteacutelica De fato embora tais termos natildeo possam figurar em proposiccedilotildees como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nada impede que outros termos lhes sejam atribuiacutedos por conseguinte embora natildeo possam ser demonstrados como legiacutetimos predicados de outros termos nada impede que outros termos sejam demonstrados como predicados deles50

Fora dos Analiacuteticos jaacute esbarramos em indiacutecios que vatildeo nessa direccedilatildeo No capiacutetulo 10 de Metafiacutesica XIII (My) por exemplo haacute uma breve passagem que sugere esse resultado Enquanto argumenta em favor da tese de que ldquoo conhecimento eacute de universaisrdquo (ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου) Aristoacuteteles parece supor que os termos singulares ldquoeste triacircngulordquo e ldquoeste homemrdquo tambeacutem satildeo suscetiacuteveis de operaccedilotildees silogiacutesticas

[] ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου δῆλον δrsquo ἐκ τῶν ἀποδείξεων καὶ τῶν ὁρισμῶν οὐ γὰρ γίγνεται συλλογισμὸς ὅτι τόδε τὸ τρίγωνον δύο ὀρθαῖς εἰ μὴ πᾶν τρίγωνον δύο ὀρθαί οὐδrsquo ὅτι ὁδὶ ὁ ἄνθρωπος ζῷον εἰ μὴ πᾶς ἄνθρωπος ζῷον [] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos a natildeo ser que todo triacircngulo possua dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal a natildeo ser que todo homem seja animal (1086b 34minus37)

Poreacutem essa passagem natildeo eacute tatildeo simples quanto pode parecer agrave primeira vista51 Paul Shorey por exemplo reprovaria jaacute a traduccedilatildeo que

50 An Pr I 27 43a 25minus29 e 39minus40 Ao comentar o capiacutetulo 27 Mignucci (1969 p 443) tambeacutem reconhece a possibilidade ldquodi costruire dimostrazioni e sillogismi anche relativamente a singolarirdquo citando Alexandre que tambeacutem jaacute a observa em seus comentaacuterios (An Pr p 293 13minus23) 51 Shorey (1913)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

40

propomos porque ela faz crer que Aristoacuteteles estabelece uma relaccedilatildeo de dependecircncia dedutiva (silogiacutestica) entre proposiccedilotildees dependecircncia que de fato existe mas da qual para Shorey a passagem em questatildeo natildeo trataria De acordo com Shorey as ocorrecircncias de εἰ μὴ nas linhas 33 e 36 natildeo significam ldquo[] lsquounlessrsquo but is to be taken in its idiomatic sense as a virtual equivalent of ἀλλάrdquo Nesse caso uma traduccedilatildeo mais fiel agrave posiccedilatildeo de Shorey seria a seguinte

[] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos mas de que todo triacircngulo tem dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal mas de que todo homem eacute animal (1086b 34minus37)

Assim o texto estabeleceria natildeo que as proposiccedilotildees singulares no papel de conclusotildees silogiacutesticas satildeo (dedutivamente) dependentes das proposiccedilotildees universais mas que as conclusotildees propriamente silogiacutesticas satildeo universais (universalmente quantificadas) e natildeo singulares

Ross52 ao tratar dessa passagem natildeo deixa de comentar a posiccedilatildeo de Shorey

He [Shorey] argues that in l 33 knowledge is said to be lsquoofrsquo universals ie to have universal conclusions as well as universal premises [hellip] and that singular propositions never occur as conclusions in Aristotlersquos logical writings

Na verdade Shorey53 natildeo chega a dizer que proposiccedilotildees singulares nunca ocorrem como conclusotildees silogiacutesticas nos escritos loacutegicos de Aristoacuteteles embora passe perto disso

The syllogism with a particular54 conclusion is an inferior type (Analyt Post 79a 25ff) [hellip] Aristotle does not recognize singular proposition in his classification (Analyt Priora A1 Grote Aristotle I 205) and the

52 Ross (1953 p 464) 53 Shorey (1913 p 91) 54 Nesse contexto Shorey assume ldquoparticularrdquo e ldquosingularrdquo como equivalentes

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

41

conclusion to an individual case interests him very little and is practically ignored

Shorey tem alguma razatildeo em alegar que os silogismos que concluem proposiccedilotildees singulares (tambeacutem conhecidos como ldquoperipateacuteticosrdquo) satildeo de um tipo inferior especialmente quando se leva em conta o horizonte das demonstraccedilotildees cientiacuteficas55 mas erra quando recorre ao trecho 79a 25ss para dar base textual a tal alegaccedilatildeo ndash o referido trecho nem mesmo trata desse assunto Por sua vez e contra Shorey Ross56 surpreende ao alegar o seguinte

There are however occasional references in Aristotle to the occurrence of singular propositions as the minor premise or conclusion of syllogisms (eg An Pr 43a 37minus40) []

55 Para Aristoacuteteles o silogismo dito cientiacutefico no mais alto grau eacute a chamada demonstraccedilatildeo universal Eacute importante notar que aqui o adjetivo ldquouniversalrdquo tem um sentido muito preciso e natildeo se justifica pela mera ocorrecircncia de uma conclusatildeo universalmente quantificada Em Segundos Analiacuteticos I 4 73b 32minus74a 3 por exemplo Aristoacuteteles argumenta que a demonstraccedilatildeo universal natildeo conclui que todo isoacutesceles tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos mas que todo triacircngulo tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos revelando um requisito que envolve o ajuste preciso do extremo menor a partir de condiccedilotildees estabelecidas pelo extremo maior (cf Seg An I 5 74a 4minus6 13minus17 25minus32 74b 21minus26 I 24 85b 4minus15) Para Aristoacuteteles o predicado ldquoter a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retosrdquo ndash daqui para frente apenas ldquo2Rrdquo ndash se atribui a ldquoisoacutescelesrdquo de um modo que em algum sentido eacute parasitaacuterio da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo dado que isoacutesceles tem 2R na exata medida em que eacute triacircngulo Em outras palavras a atribuiccedilatildeo de ldquo2Rrdquo a ldquoisoacutescelesrdquo eacute entendida como indireta e dependente da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo Nesse contexto eacute natural presumir que um silogismo peripateacutetico seja concebido como inferior em relaccedilatildeo aos demais minus especialmente no que diz respeito ao grau de cientificidade minus jaacute que sua conclusatildeo natildeo poderaacute satisfazer as exigecircncias de uma legiacutetima conclusatildeo cientiacutefica tal como ocorre em uma demonstraccedilatildeo universal Jaacute quanto agraves propriedades dedutivas envolvidas em tal silogismo natildeo haacute razatildeo para consideraacute-lo inferior Para apreciaccedilatildeo detalhada da noccedilatildeo de demonstraccedilatildeo universal ver Angioni (2007) 56 Ross (1953 p 464)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

42

Ross supotildee que o argumento de Shorey pretende estabelecer a exclusatildeo dos termos singulares do domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica e aponta a passagem 43a 37minus40 como evidecircncia textual incompatiacutevel com essa exclusatildeo Temos aqui uma mudanccedila de opiniatildeo De fato conforme pudemos ver na primeira seccedilatildeo deste artigo ao tratar do trecho 43a 37minus43 na ediccedilatildeo comentada do texto grego de Primeiros e Segundos Analiacuteticos Ross chega a dizer que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares em seus exemplos de silogismos e argumenta em favor de uma silogiacutestica restrita a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ)57 Agora ao comentar a passagem 1086a 34minus37 de Metafiacutesica XIII (My) 10 Ross reconhece no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I uma evidecircncia em favor da inclusatildeo dos termos singulares na silogiacutestica Aparentemente o proacuteprio Ross natildeo tinha muita convicccedilatildeo a respeito da inclusatildeo ou exclusatildeo dos termos de natureza singular

De nossa parte admitimos que a passagem 1086a 34minus37 eacute digna da controveacutersia introduzida por Shorey ndash embora tenhamos mais apreccedilo pela interpretaccedilatildeo de Ross No entanto mesmo que Shorey tenha razatildeo a respeito do referido trecho de Metafiacutesica XIII (My) 10 a presenccedila de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares na silogiacutestica natildeo estaraacute ameaccedilada porque ainda podemos nos valer de passagens muito mais promissoras para decidir essa questatildeo passagens nas quais o proacuteprio Aristoacuteteles elabora cocircmputos silogiacutesticos com termos singulares como se a presenccedila deles na silogiacutestica natildeo lhe figurasse como uma anomalia

Patzig tinha conhecimento dessas passagens e fez questatildeo de citaacute-las no primeiro capiacutetulo de seu livro corrigindo o suposto fato alegado por Ross e Lukasiewicz de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos exemplos de silogismos que aparecem em Primeiros Analiacuteticos No entanto Patzig natildeo recorre a tais passagens a fim de reintroduzir os termos singulares na silogiacutestica mas procura

57 Idem 1949 p 384

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

43

desqualificaacute-las e assim reiterar os resultados de seus antecessores De fato embora reconheccedila as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 do Livro I bem como de ldquoPitacosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II Patzig manteacutem a posiccedilatildeo tradicional que afasta os termos de natureza singular da loacutegica aristoteacutelica alegando apenas que a ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo (70a 16minus20) se daacute em um silogismo invaacutelido ao passo que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo (47b 15ss) aparecem em premissas das quais nada se segue58

Eacute bem verdade que as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 de Primeiros Analiacuteticos I estatildeo associadas a pares de premissas dos quais nenhuma conclusatildeo se segue coisa que o proacuteprio Aristoacuteteles natildeo hesita em admitir No entanto embora sejam inconcludentes esses pares de premissas acomodam seus termos em disposiccedilotildees muito similares agravequelas de um silogismo vaacutelido (Barbara)59 o que lhes confere as feiccedilotildees de que satildeo concludentes quando na verdade natildeo o satildeo De acordo com Aristoacuteteles o que os impede de serem concludentes eacute o fato de que a premissa maior natildeo eacute universal60 Em 47b 26minus28 essa justificativa eacute apresentada por meio de um pronunciamento que merece alguma atenccedilatildeo Aristoacuteteles anuncia o fato de a premissa maior natildeo ser universal como quem supotildee que fosse ela universal o problema estaria resolvido e assim o par de premissas seria concludente61 Ora na medida em que Aristoacuteteles atribui o caraacuteter inconcludente dos pares de premissas precisamente agraves premissas maiores (e natildeo agraves premissas menores nas quais ocorrem os termos singulares) presume-se que esses termos natildeo introduzem qualquer caracteriacutestica censuraacutevel nos silogismos ali formulados Assim o fato de que natildeo estamos diante de pares de premissas concludentes por si soacute natildeo eacute

58 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 59 An Pr I 33 47b 21minus37 60 Idem 47b 26minus29 34minus37 e 38minus39 61 O uso contrafactual de ἔδει na linha 27 sugere essa leitura

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

44

suficiente para recusar ao capiacutetulo 33 o papel de evidecircncia em favor de tais termos na silogiacutestica62

Quanto agrave ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo em Primeiros Analiacuteticos II 27 (70a 16minus20) Patzig tem alguma razatildeo em alegar que ela se daacute em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido No entanto eacute preciso ajustar essa alegaccedilatildeo porque Aristoacuteteles natildeo descreve o argumento em questatildeo propriamente como um silogismo mas como um sinal (σημεῖον) e ao que parece um sinal e um silogismo ndash um legiacutetimo silogismo e natildeo um mero entimema ndash estatildeo longe de ser a mesma coisa63 Aleacutem disso temos uma ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo no mesmo capiacutetulo que eacute bem mais relevante para a discussatildeo mas que foi completamente ignorada pelos comentadores

Em 70a 26minus28 Aristoacuteteles formula dois silogismos nos quais aparece o termo singular ldquoPitacosrdquo Um deles eacute descrito como refutaacutevel (λύσιμος)64 basicamente porque a conclusatildeo natildeo se segue das premissas65 Natildeo precisamos nos deter nele Por ora o silogismo que fora introduzido algumas linhas antes e que foi descrito por Aristoacuteteles como irrefutaacutevel (ἄλυτος)66 eacute muito mais interessante Esse silogismo tem exatamente a formulaccedilatildeo paradigmaacutetica que Lukasiewicz qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo e agrave qual negou lugar na loacutegica aristoteacutelica Vale a pena citar essa passagem para marcar bem a presenccedila desse tipo de silogismo na loacutegica de Aristoacuteteles

62 M Malink (2009 p 119) por exemplo contrariando Patzig aponta o capiacutetulo I 33 minus bem como II 27 do qual trataremos a seguir minus como evidecircncia em favor de termos singulares na silogiacutestica Ver tambeacutem Mignucci ldquoAristotlersquos Theory of Predicationrdquo p 10 ldquoParts Quantification and Aristotelian Predicationrdquo p 11 e Barnes ldquoTruth etcrdquo p 158-166 63 An Pr II 27 70a 24minus25 64 Ibidem 30minus31 e 34minus35 65 Ibidem 27minus28 e 30minus32 66 Ibidem 29

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

45

Ἐὰν μὲν οὖν ἡ μία λεχθῇ πρότασις σημεῖον γίνεται μόνον ἐὰν δὲ καὶ ἡ ἑτέρα προσληφθῇ συλλογισμός οἷον ὅτι Πιττακὸς ἐλευθέριος οἱ γὰρ φιλότιμοι ἐλευθέριοι Πιττακὸς δὲ φιλότιμος Assim se somente uma premissa for assumida haacute apenas um sinal ao passo que se a outra premissa tambeacutem for assumida entatildeo haacute um silogismo por exemplo lsquoPitacos eacute destemido pois os homens de brio satildeo destemidos e Pitacos eacute homem de briorsquo (70a 24minus27)67

A descriccedilatildeo eacute inusitada porque Aristoacuteteles comeccedila pela conclusatildeo Mas isso natildeo prejudica o resultado a que queremos chegar O nome proacuteprio ldquoPitacosrdquo eacute sem duacutevida o extremo menor que aparece como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo ldquodestemidordquo eacute o extremo maior predicado da premissa maior e da conclusatildeo por fim a funccedilatildeo de mediador fica por conta de ldquohomem de briordquo Em uma reconstituiccedilatildeo um pouco mais formalizada temos o seguinte silogismo todo homem de brio eacute destemido Pitacos eacute (um) homem de brio logo Pitacos eacute destemido

O leitor mais desconfiado talvez hesite em aceitar que a premissa maior ldquoos homens de brio satildeo destemidosrdquo possa ser formalizada com um quantificador universal mas haacute sinais claros de que eacute assim que devemos concebecirc-la Em primeiro lugar Aristoacuteteles reconhece a legitimidade desse silogismo e supotildee que a conclusatildeo decorre das premissas o que por si soacute jaacute pressupotildee a universalidade da premissa maior Caso contraacuterio a conclusatildeo natildeo se impotildee Em segundo lugar haacute um pequeno detalhe que causa surpresa nesse capiacutetulo e que merece atenccedilatildeo de nossa parte Aristoacuteteles justifica o caraacuteter irrefutaacutevel do mencionado silogismo alegando que se trata de um silogismo universal (καθόλου γὰρ ἐστιν cf 70a 30) Ora como se sabe Aristoacuteteles descreve como universais precisamente aqueles silogismos nos quais a conclusatildeo eacute universal quais sejam Barbara Celarent Cesare e Camestres Por isso ao caracterizar o ldquosilogismo peripateacuteticordquo como um silogismo universal

67 As traduccedilotildees de φιλότιμος e ἐλευθέριος certamente satildeo discutiacuteveis mas em nada afetam os nossos objetivos

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

46

Aristoacuteteles pode querer sinalizar que em algum sentido a conclusatildeo ldquoPitacos eacute destemidordquo deva ser compreendida como uma proposiccedilatildeo fundada em uma atribuiccedilatildeo universal68 como se o referido ldquosilogismo peripateacuteticordquo precisamente em razatildeo disso fosse digno do mesmo status concedido aos demais silogismos universais (Barbara Celarente Cesare e Camestres) Essa leitura sugere que a concepccedilatildeo aristoteacutelica de atribuiccedilatildeo universal talvez deva ser repensada jaacute que ela daacute sinais de se estender sobre casos para os quais natildeo cabe falar em quantificadores (universais) ndash eacute o que parece ocorrer no ldquosilogismo peripateacuteticordquo acima mencionado

O aprofundamento desse ponto no entanto eacute algo que ultrapassa o escopo da presente investigaccedilatildeo e seu exame deve ser deixado para outra ocasiatildeo A essa altura o objetivo principal desta seccedilatildeo jaacute nos parece ter sido alcanccedilado pois consiste apenas em mostrar o que os leitores menos versados nos Analiacuteticos jaacute perceberam haacute muito tempo a saber que o chamado ldquosilogismo peripateacuteticordquo natildeo soacute faz parte da loacutegica aristoteacutelica mas mais do que isso ainda pode desfrutar de um lugar privilegiado no interior da silogiacutestica entre os chamados ldquosilogismos universaisrdquo Diante desse quadro natildeo haacute duacutevida de que os termos de natureza singular tecircm lugar garantido na loacutegica de Aristoacuteteles69

68 Provavelmente foi inspirado em passagens como essa que J N Keynes (1906 p 102) sugeriu conceber as proposiccedilotildees singulares como uma subclasse de proposiccedilotildees universais Lukasiewicz tomou nota dessa possibilidade e a considerou totalmente equivocada Mas para isso ignorou completamente o trecho 70a 24minus30 69 Agradeccedilo ao professor Lucas Angioni (Unicamp) pela prontidatildeo na leitura de versotildees preacutevias deste artigo pelas indicaccedilotildees de passagens para reforccedilar o argumento e pelas alteraccedilotildees de texto sugeridas as quais certamente contribuiacuteram para melhorar o resultado final aqui apresentado Agradeccedilo tambeacutem aos professores Raphael Zillig (UFRGS) e Inara Zanuzzi (UFRGS) pela oportunidade de discutir alguns resultados provisoacuterios deste artigo no Seminaacuterio sobre Primeiros Analiacuteticos I 27 organizado pelo professor Raphael e realizado na UFRGS no ano de 2011 Por fim tambeacutem agradeccedilo aos

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

47

REFEREcircNCIAS

ANGIONI L ldquoO Conhecimento Cientiacutefico no Livro I dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesrdquo Revista de Filosofia Antiga (online) vol 1 n 1 2007 (httpwwwfilosofiaantigacomdocuments23html)

BARNES J (ed) Aristotle Prior Analytics (trans by A J Jenkinson in Barnes 1984 vol 1 p 39minus113)

mdashmdashmdashmdash Truth etc Six Lectures on Ancient Logic Oxford Clarendon Press 2007

BOCHENSKI J Ancient Formal Logic Amsterdam North-Holland Publishing 1951

CORCORAN J ldquoCompleteness of an Ancient Logicrdquo Journal of Symbolic Logic 37 696minus702 1972

KEYNES J N Studies and Exercises in Formal Logic (fourth edition rewritten and enlarged) New York The Macmillan Company 1906

LUKASIEWICZ J Aristotlersquos Syllogistic from the Standpoint of Modern Formal Logic Oxford Clarendon Press 1951

MALINK M ldquoA Non-Extensional Notion of Conversion in the Organonrdquo Oxford Studies in Ancient Philosophy Vol XXXVII p 106minus141 Oxford University Press 2009

MIGNUCCI M Aristotele Gli analitici primi ndash Traduzione introduzione e commento Naples Loffredo 1969

companheiros de pesquisa Francine Maria Ribeiro e Mateus Ricardo Fernandes Ferreira (UEMminusPR) pela leitura das primeiras versotildees desse texto e pelas proveitosas sugestotildees que me fizeram

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

48

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Theory of Predication in I Angelilli and M Cerezo (eds) Studies in the History of Logic 1minus20 Berlin 1996

mdashmdashmdashmdash Parts Quantification and Aristotelian Predication Monist 83 3minus21 2000

PATZIG G Aristotlersquos Theory of the Syllogism A Logico-Philosophical Study of Book A of the Prior Analytics Translated by Jonathan Barnes Dordrecht Reidel 1959

ROSS W D Aristotlersquos Prior and Posterior Analytics Oxford Clarendon Press 1949

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Metaphysics Oxford Clarendon Press 1953 (1924)

SHOREY P ldquoA Note on Aristotlersquos Metaphysics 1086b 32minus37rdquo Classical Philology Vol 8 n 1 pp 90minus92 1913

SMITH R Aristotle Prior Analytics Indianapolis Hackett Publishing Company 1989

STRIKER G Aristotle Prior Analytics Book I Oxford Clarendon Press 2009

Page 25: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

29

podem ser atribuiacutedos Os termos de primeiro tipo devem ter servido de estiacutemulo para a necessidade de termos superordenados proacuteprios que eacute marca do segundo axioma de Patzig os termos de segundo tipo por sua vez para a necessidade de termos subordinados proacuteprios marca do primeiro axioma os de terceiro por fim para a necessidade de termos ldquocontraacuteriosrdquo marca do terceiro axioma

Eacute bem verdade que os termos estipulados por Aristoacuteteles envolvem certa analogia com os axiomas propostos por Patzig Mas eacute preciso notar em primeiro lugar que nenhum dos procedimentos de prova descritos por Aristoacuteteles depende da estipulaccedilatildeo dos trecircs tipos de termos39 A recomendaccedilatildeo de prova da proposiccedilatildeo particular afirmativa por exemplo requer apenas (ii) termos aos quais os extremos se atribuem universalmente40 O fato de Aristoacuteteles jaacute estipular de antematildeo trecircs tipos de termos para cada extremo natildeo torna obrigatoacuterio que todo e qualquer extremo (e muito menos que todo e qualquer termo silogiacutestico como prefere Patzig) independentemente do silogismo a que pertenccedila dependa dos trecircs tipos de termos estipulados precisamente porque a estipulaccedilatildeo desses termos estaacute ancorada em um par de extremos que eacute muito peculiar Esse par de extremos eacute pensado com propoacutesitos didaacuteticos orientados agrave exposiccedilatildeo dos procedimentos de prova de cada uma das possiacuteveis relaccedilotildees categoacutericas (a e i e o) Trata-se de um par de extremos que em benefiacutecio da exposiccedilatildeo eacute assumido como articulaacutevel em qualquer das relaccedilotildees categoacutericas Poreacutem essa assunccedilatildeo soacute faz sentido no contexto preciso dessa exposiccedilatildeo de procedimentos de prova afinal algumas dessas relaccedilotildees categoacutericas satildeo incompatiacuteveis entre si ndash por exemplo as relaccedilotildees universal afirmativa e particular negativa Por isso devemos presumir que as estipulaccedilotildees de termos que lhes datildeo suporte tambeacutem o satildeo e portanto natildeo podem valer em conjunto e para todos os casos

39 Idem 44a 17minus30 40 Ibidem 44a 19minus21

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

30

Para esclarecer esse ponto retomemos rapidamente os procedimentos de prova das proposiccedilotildees universal afirmativa e particular negativa41 Assumindo um mesmo par de extremos como faz Aristoacuteteles estaremos diante de proposiccedilotildees contraditoacuterias (EaA e EoA) Dado que tais proposiccedilotildees satildeo incompatiacuteveis as condiccedilotildees das quais elas satildeo provenientes tambeacutem o seratildeo Dizendo de outro modo a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (i) termos aos quais o extremo maior se atribui universalmente e (ii) termos que se atribuem universalmente ao extremo menor eacute incompatiacutevel com a localizaccedilatildeo de um termo comum entre (irsquo) termos aos quais o extremo maior natildeo pode ser atribuiacutedo e (iirsquo) termos aos quais o extremo menor se atribui universalmente Assim em presenccedila das condiccedilotildees de prova de uma das proposiccedilotildees incompatiacuteveis as condiccedilotildees da outra poderatildeo ser dispensadas jaacute que satildeo condiccedilotildees requeridas para uma prova cuja possibilidade jaacute natildeo existe E natildeo haacute razatildeo para manter os termos estipulados e dispensar apenas a possibilidade de um termo comum entre as listas pois ambos os pressupostos satildeo requisitados para servir um uacutenico e mesmo propoacutesito o de estabelecer condiccedilotildees para a prova da relaccedilatildeo categoacuterica que se pretende obter Natildeo haacute uma razatildeo que justifique a manutenccedilatildeo das listas de termos estipulados em detrimento da possibilidade de um termo comum entre as listas pois o propoacutesito que introduz uma exigecircncia tambeacutem introduz a outra Sob essa perspectiva fica claro que os termos estipulados no trecho 44a 12minus17 natildeo podem ser pressupostos indispensaacuteveis de quaisquer termos silogiacutesticos tampouco pressupostos que devem ser satisfeitos em conjunto por termos de todo e qualquer silogismo Afinal Aristoacuteteles estipula cada uma das listas supondo que seus termos seratildeo candidatos agrave funccedilatildeo de mediador (e natildeo agrave funccedilatildeo de termos silogiacutesticos) e o faz segundo as exigecircncias especiacuteficas envolvidas na prova de cada relaccedilatildeo categoacuterica em particular (a e i ou o) Compreender tais listas como pressupostos

41 An Pr I 28 43b 39minus43 e 44a 9minus11

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

31

que devem ser satisfeitos por todo e qualquer termo silogiacutestico eacute um equiacutevoco

Em segundo lugar o capiacutetulo 28 natildeo parece estar orientado propriamente agrave prova silogiacutestica das formas categoacutericas mas em algum sentido agrave demonstraccedilatildeo de tais relaccedilotildees Haacute indiacutecios que sugerem essa leitura O principal deles talvez seja o fato de Aristoacuteteles se mostrar interessado em localizar um meson que fica no meio do caminho entre um mediador que satisfaz requisitos meramente dedutivos e um mediador que supera tais requisitos e se configura como um fator explanatoacuterio em uma legiacutetima demonstraccedilatildeo cientiacutefica42 Retomemos por exemplo as recomendaccedilotildees de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) Em 43b 43ndash44a 2 Aristoacuteteles recomenda a prova de EiA por premissas universais conduzindo a prova a um silogismo em Darapti embora admita a possibilidade de concluir proposiccedilotildees particulares a partir de um par de premissas em que apenas uma eacute universal (41b 22minus27) Em 44a 9ndash11 a exemplo do que ocorre com a prova de EiA Aristoacuteteles recomenda a prova de EoA novamente por premissas universais desta vez conduzindo a prova a um silogismo em Felapton Essas duas recomendaccedilotildees de prova pressupotildeem que o meson requisitado para a prova natildeo eacute um mediador meramente dedutivo mas um mediador que se articula com os extremos exclusivamente por relaccedilotildees universais Eacute claro que esse cenaacuterio ainda estaacute muito distante daquele que temos por exemplo no capiacutetulo 2 do Livro II de Segundos

42 Em uma demonstraccedilatildeo cientiacutefica natildeo basta que o mediador se relacione com os extremos de tal modo que a deduccedilatildeo da conclusatildeo esteja formalmente assegurada Aristoacuteteles ainda exige que o mediador satisfaccedila certos requisitos natildeo formais O principal deles eacute o de explicar adequadamente por que o extremo maior se atribui ao extremo menor (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 por exemplo essa diferenccedila (entre um mediador que satisfaz exigecircncias meramente dedutivas e um mediador que funciona como explicaccedilatildeo do fato relatado na conclusatildeo) eacute utilizada como criteacuterio baacutesico para distinguir o conhecimento de que C eacute A (conhecimento do fato) e o conhecimento de por que C eacute A (conhecimento da causa)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

32

Analiacuteticos (90a 6minus7) em que o meson eacute pensado como a causa que explica por que a relaccedilatildeo dada entre os extremos explicitada na conclusatildeo da demonstraccedilatildeo eacute o caso Mesmo assim temos o suficiente para mostrar que Aristoacuteteles natildeo estaacute levando em conta todos os silogismos de seu sistema loacutegico mas apenas aqueles nos quais ambas as premissas satildeo universais Por que razatildeo exatamente Aristoacuteteles faz essa escolha eacute algo a se investigar O que nos importa eacute que essa escolha restringe o escopo do capiacutetulo a um grupo especiacutefico de silogismos o que natildeo eacute compatiacutevel com a validade irrestrita dos axiomas propostos por Patzig

Em terceiro lugar Aristoacuteteles natildeo lida com as noccedilotildees de subordinaccedilatildeo proacutepria superordenaccedilatildeo proacutepria e contrariedade mas prefere (i) termos que acompanham o extremo (τὰ ἑπόμενα) (ii) termos aos quais o extremo acompanha (οἷς αὐτὸ ἕπεται) e (iii) termos que natildeo podem ser atribuiacutedos ao extremo (ἃ μὴ ἐνδέχεται αὐτῷ ὑπάρχειν) Essa diferenccedila natildeo eacute apenas terminoloacutegica mas conceitual As relaccedilotildees de subordinaccedilatildeo e superordenaccedilatildeo proacuteprias pressupotildeem termos que natildeo satildeo coextensivos se X eacute um termo subordinado proacuteprio de Y XaY eacute o caso mas YaX natildeo se Z eacute um termo superordenado proacuteprio de Y YaZ eacute o caso mas ZaY natildeo O proacuteprio Patzig reconhece essas consequumlecircncias ao formular os seus dois primeiros axiomas43 Aristoacuteteles no entanto ao se valer das relaccedilotildees de ldquoacompanhamentordquo entre os termos natildeo hesita em rejeitaacute-las No capiacutetulo 29 por exemplo Aristoacuteteles menciona a possibilidade de provar por hipoacutetese (συλλογίσασθαι ἐξ ὑποθέσεως) os problemas universais (a e e) assumindo precisamente a possibilidade de coextensatildeo entre os termos envolvidos possibilidade da qual Patzig parece prescindir ao formular seus axiomas A passagem agrave qual nos referimos eacute a seguinte

εἰ γὰρ τὸ Γ καὶ τὸ Η ταὐτὰ εἴη μόνοις δὲ ληφθείη τοῖς Η τὸ Ε ὑπάρχειν παντὶ ἂν τῷ Ε τὸ Α ὑπάρχοι καὶ πάλιν εἰ τὸ Δ καὶ Η ταὐτὰ μόνων δὲ τῶν Η τὸ Ε κατηγοροῖτο ὅτι οὐδενὶ τῷ Ε τὸ Α ὑπάρξει

43 Patzig (1959 sect3 p 6ndash7)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

33

Com efeito se C e G fossem o mesmo mas se assumisse que E se atribui apenas aos Grsquos A se atribuiria a todo E Novamente se D e G fossem o mesmo mas E se afirmasse apenas dos Grsquos A se atribuiraacute a nenhum E (45b 24minus27)

Em 44a 12minus17 Aristoacuteteles jaacute havia estipulado que a letra C representaria um termo ao qual o extremo maior A acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente tambeacutem foi estipulado que a letra G representaria um termo ao qual o extremo menor E acompanha ou seja ao qual se atribui universalmente por fim ainda ficou decidido que a letra D representaria um termo que natildeo pode ser atribuiacutedo ao extremo maior A Assim a identidade entre C e G a exemplo do que ocorre em 44a 19minus21 conduz a prova de EiA a um silogismo em Darapti ao passo que a identidade entre D e G a exemplo do que ocorre em 44a 28minus30 conduz a prova de EoA a um silogismo em Felapton44 No entanto nessa passagem embora os procedimentos de prova das proposiccedilotildees particulares (i e o) sejam acionados aquilo que se quer mostrar eacute de que modo podemos provar por hipoacutetese (ἐξ ὑποθέσεως) as proposiccedilotildees universais Para alcanccedilar esse resultado Aristoacuteteles assume que o extremo menor E se atribui apenas (μόνον) a G o que pode ser interpretado como uma maneira diferente de dizer que E e G satildeo termos coextensivos Sinal disso eacute o seguinte ao assumir que E se atribui apenas a G Aristoacuteteles se vecirc autorizado a concluir as proposiccedilotildees universais EaA e EeA o que soacute faz sentido sob o pressuposto de que G e E satildeo termos coextensivos De fato sob tal pressuposto a premissa menor GaE pode ser ldquoconvertidardquo em EaG o que transforma Darapti em Barbara bem como Felapton em Celarent Mas se os termos aos quais o extremo menor E acompanha forem pensados como termos subordinados proacuteprios de E GaE seraacute o caso mas EaG natildeo Por conseguinte tampouco as conclusotildees EaA e EeA se seguiriam Assim se quisermos conferir sentido agrave passagem temos que assumir que Aristoacuteteles recorreu agrave possibilidade de construir silogismos com termos

44 Darapti CaA GaE rarr EiA (C=G) Felapton DeA GaE rarr EoA (D=G)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

34

que satildeo coextensivos e se assim for podemos dizer que para Aristoacuteteles a presenccedila de silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos em sua loacutegica natildeo causava qualquer inconveniente45

Segundo nos parece as razotildees alegadas ateacute aqui jaacute satildeo suficientes para mostrar que os axiomas de Patzig natildeo podem servir como criteacuterios delimitadores de termos silogiacutesticos Ainda assim vale a pena examinar duas passagens que eventualmente poderiam ser invocadas contra a interpretaccedilatildeo que propomos Embora natildeo sejam citadas pelos proponentes das opiniotildees tradicionais natildeo eacute difiacutecil imaginar que elas tenham servido de inspiraccedilatildeo para aqueles que defendem a exclusatildeo dos termos transcategoriais ldquoenterdquo e ldquoumrdquo De fato agrave primeira vista tais passagens podem nos levar a pensar que Aristoacuteteles natildeo guardou lugar para tais termos na silogiacutestica No entanto como veremos isso soacute eacute verdade agrave primeira vista

45 O capiacutetulo 29 natildeo eacute a uacutenica evidecircncia de silogismos com termos coextensivos na silogiacutestica No capiacutetulo 5 do Livro II de Primeiros Analiacuteticos precisamente em 57b 35minus58a 12 Aristoacuteteles trabalha com silogismos cujos trecircs termos satildeo coextensivos Por sua vez no capiacutetulo 22 em 67b 27minus32 Aristoacuteteles inicia o texto dizendo que a coextensatildeo entre os termos extremos de um silogismo requer um mediador tambeacutem coextensivo o que revela por parte de Aristoacuteteles plena consciecircncia a respeito da existecircncia de silogismos com triacuteades coextensivas Nos Segundos Analiacuteticos o interesse de Aristoacuteteles por demonstraccedilotildees que envolvem termos coextensivos pode ser classificado como uma obsessatildeo Basta notar que a proacutepria demonstraccedilatildeo universal ndash aquela que eacute considerada por Aristoacuteteles como cientiacutefica no mais alto grau ndash tem como uma de suas principais caracteriacutesticas a coextensatildeo entre os trecircs termos do silogismo (cf Seg An I 4 73b 32minus74a 3) o que revela o papel central das triacuteades coextensivas no projeto aristoteacutelico que eacute inaugurado com a silogiacutestica e culmina nas demonstraccedilotildees cientiacuteficas (Angioni 2007) Em Segundos Analiacuteticos I 13 e II 16 Aristoacuteteles novamente recorre a termos coextensivos na formulaccedilatildeo de silogismos A nossa preferecircncia pela passagem 45b 24minus27 do capiacutetulo 29 de Primeiros Analiacuteticos se daacute apenas com base em sua conexatildeo indiscutiacutevel com o capiacutetulo 28 no qual Patzig julga encontrar seus axiomas

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

35

Uma das passagens agraves quais nos referimos eacute aquela com a qual Aristoacuteteles encerra o capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I Vejamos o que diz Aristoacuteteles

ἔτι τὰ πᾶσιν ἑπόμενα οὐκ ἐκλεκτέον οὐ γὰρ ἔσται συλλογισμὸς ἐξ αὐτων διrsquo ἣν δrsquo αἰτίαν ἐν τοῖς ἑπομένοις ἔσται δῆλον Aleacutem disso natildeo eacute preciso selecionar os itens que acompanham todas as coisas pois natildeo haacute silogismo a partir deles A razatildeo disso ficaraacute evidente a seguir (43b 36minus38)

Essa passagem trata dos termos transcategoriais de generalidade total (τὰ πᾶσιν ἑπόμενα) e delega a justificativa de seu proacuteprio pronunciamento ao capiacutetulo seguinte no qual Patzig encontrou inspiraccedilatildeo para seus axiomas No capiacutetulo 28 cumprindo o prometido Aristoacuteteles retoma esse assunto e reitera a impossibilidade de construir silogismos a partir de termos de generalidade total

φανερὸν οὖν ὅτι διὰ τῶν προειρημένων σχημάτων οἱ συλλογισμοὶ πάντες καὶ ὅτι οὐκ ἐκλεκτέον ὅσα πᾶσιν ἕπεται διὰ τὸ μηδένα γίγνεσθαι συλλογισμὸν ἐξ αὐτῶν κατασκευάζειν μὲν γὰρ ὅλως οὐκ ἦν ἐκ τῶν ἑπομένων ἀποστερεῖν δrsquo οὐκ ἐνδέχεται διὰ τοῦ πᾶσιν ἑπομένου δεῖ γὰρ τῷ μὲν ὑπάρχειν τῷ δὲ μὴ ὑπάρχειν Eacute evidente entatildeo que todos os silogismos vecircm a ser atraveacutes das figuras previamente mencionadas e que natildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisas porque nenhum silogismo vem a ser a partir deles De fato de modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanham e natildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outro (44b 19minus24)

Fora de contexto e em uma leitura mais apressada essas duas passagens podem nos levar a crer que a opiniatildeo tradicional que afasta da silogiacutestica os termos de generalidade total (como ldquoenterdquo e ldquoumrdquo) de fato encontra respaldo nos textos de Aristoacuteteles No entanto mais uma vez eacute preciso levar em conta que o capiacutetulo 28 eacute marcado pela

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

36

descriccedilatildeo de estrateacutegias de localizaccedilatildeo de termos mediadores e natildeo de termos em geral Dizendo de outro modo Aristoacuteteles natildeo estaacute interessado em localizar os termos que deveratildeo encerrar a conclusatildeo de um silogismo pelo contraacuterio tais termos jaacute estatildeo plenamente determinados bem como a relaccedilatildeo proposicional (a e i e o) que haacute entre eles dado que a conclusatildeo na qual interagem funciona como ponto de partida da investigaccedilatildeo empreendida no capiacutetulo O que interessa para Aristoacuteteles eacute a localizaccedilatildeo de termos mediadores e eacute nesse horizonte que tais passagens devem ser lidas Assim ao negar a possibilidade de construir silogismos a partir de termos transcategoriais de generalidade total (ἐξ αὐτῶν) o que Aristoacuteteles quer dizer eacute que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos46 nos quais a funccedilatildeo de mediador seja desempenhada por um termo desse tipo razatildeo pela qual na busca pelo mediador recomenda Aristoacuteteles ldquonatildeo eacute preciso coletar os itens que acompanham todas as coisasrdquo (44b 20minus21) Para justificar essa recomendaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta duas razotildees (i) ldquode modo algum eacute possiacutevel construir silogismo afirmativo a partir dos itens que acompanhamrdquo (44b 22minus23) (ii) ldquonatildeo eacute possiacutevel construir silogismo negativo a partir do que acompanha todas as coisas pois eacute preciso atribuir a um item e natildeo atribuir ao outrordquo (44b 23minus24) Na primeira razatildeo Aristoacuteteles parece reconsiderar as listas de termos estipuladas no trecho 44a 11minus17 pressupondo ao que tudo indica que os transcategoriais de generalidade total soacute podem figurar em listas de termos que acompanham os extremos Isso se justificaria pela natureza inapta de tais termos para o papel de sujeito em proposiccedilotildees silogiacutesticas conforme se constata no capiacutetulo I 27 Assim na medida em que nas provas afirmativas a busca pelo mediador natildeo envolve

46 Na verdade como o escopo do capiacutetulo 28 natildeo abarca todo e qualquer silogismo seria mais correto dizer que natildeo eacute possiacutevel construir silogismos (nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas) assumindo um termo de generalidade total na funccedilatildeo de mediador

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

37

apenas a lista de termos que acompanham um dos extremos mas tambeacutem a lista de termos aos quais um dos extremos acompanha (ver 43b 39minus44a 2) os transcategoriais de generalidade total perdem a candidatura agrave funccedilatildeo de mediador e jaacute de saiacuteda nem sequer precisam ser considerados47 Na segunda razatildeo por sua vez Aristoacuteteles leva em conta o fato de que as provas negativas dependem de um mediador capaz de figurar em proposiccedilotildees universais negativas verdadeiras exigecircncia que natildeo estaacute no alcance dos termos de generalidade total Afinal se estamos diante de um transcategorial desse tipo de antematildeo jaacute assumimos a inexistecircncia de um termo do qual ele natildeo seja predicado Assim os termos de generalidade total ficam impedidos de serem atribuiacutedos a um extremo e natildeo atribuiacutedos ao outro (44b 24) como deve ser o mediador de um silogismo negativo

O que eacute verdade portanto eacute que Aristoacuteteles dispensa os termos de generalidade total da funccedilatildeo de mediador De fato quando se pretende construir silogismos nos quais se aprecia natildeo apenas a consequumlecircncia loacutegica entre premissas e conclusatildeo mas tambeacutem a verdade das proposiccedilotildees envolvidas tal como ocorre no capiacutetulo 28 a busca do mediador entre transcategoriais de generalidade total eacute sempre infrutiacutefera porque soacute poderaacute devolver como resposta pretensos fatores de mediaccedilatildeo marcados por duas deficiecircncias principais a

47 Supomos que em tais passagens Aristoacuteteles de fato tem em mente as recomendaccedilotildees de prova apresentadas no iniacutecio do capiacutetulo 28 de modo que apenas os silogismos em Barbara e Darapti sejam considerados como silogismos afirmativos (cf 43b 39minus44a 2) Assim entendemos que o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 se justificaria porque os termos de generalidade total na prova de a natildeo podem integrar a lista de termos aos quais o extremo maior acompanha bem como na prova de i a lista de termos aos quais ambos os extremos acompanham No entanto ainda que os demais silogismos afirmativos sejam levados em conta o pronunciamento das linhas 44b 22minus23 continua verdadeiro jaacute que Darii Disamis e Datisi tambeacutem exigem que o mediador esteja entre os termos aos quais o(s) extremo(s) acompanha(m)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

38

impossibilidade de desempenhar a funccedilatildeo de sujeito de modo legiacutetimo e a incapacidade de compor proposiccedilotildees negativas verdadeiras

Nenhuma das passagens mencionadas acima (43b 36minus38 e 44b 19minus24) eacute citada ndash nem por Lukasiewicz nem por Patzig ndash como evidecircncia de que Aristoacuteteles teria rejeitado os termos de generalidade total em seu sistema loacutegico Poreacutem diante da escassez de evidecircncias em favor da suposta exclusatildeo de tais termos natildeo eacute insensato presumir que os proponentes dessa exclusatildeo tenham encontrado inspiraccedilatildeo nelas

Na proacutexima seccedilatildeo examinaremos textos nos quais Aristoacuteteles constroacutei silogismos com termos de natureza singular Veremos que o incocircmodo com a presenccedila de tais termos na silogiacutestica eacute menos de Aristoacuteteles e mais de seus inteacuterpretes 3 Termos Singulares e o Silogismo Peripateacutetico

Jaacute comentamos o fato de Lukasiewicz ter feito pesadas criacuteticas agrave silogiacutestica em especial ao suposto fato de Aristoacuteteles ter afastado os termos de natureza singular de seu sistema loacutegico o que seria segundo Lukasiewicz ldquoo maior defeitordquo da loacutegica aristoteacutelica48 Ao que parece o responsaacutevel por levaacute-lo por esse caminho foi Ross que tomou nota do tambeacutem suposto fato de Aristoacuteteles nunca se valer de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares em seus exemplos de silogismos49 Lukasiewicz reiterou a constataccedilatildeo de Ross (embora natildeo o cite) e nela encontrou razatildeo para natildeo reconhecer como rigorosamente aristoteacutelico o silogismo que qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo silogismo formulado em primeira figura com um nome proacuteprio como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo

De acordo com a triparticcedilatildeo de termos que pudemos conhecer no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I (Seccedilatildeo II Parte 1) natildeo temos qualquer razatildeo para expulsar da silogiacutestica os termos de natureza singular Eacute

48 Lukasiewicz (1951 chapter 1 sect3 p 6) 49 Ross (1949 p 289 384)

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

39

claro que Aristoacuteteles natildeo deixa de lhes endereccedilar certas restriccedilotildees poreacutem vale a pena repetir nenhuma das restriccedilotildees introduzidas por Aristoacuteteles no referido capiacutetulo tem forccedila suficiente para expulsar os termos singulares da loacutegica aristoteacutelica De fato embora tais termos natildeo possam figurar em proposiccedilotildees como legiacutetimos predicados (ἀληθῶς καθόλου) nada impede que outros termos lhes sejam atribuiacutedos por conseguinte embora natildeo possam ser demonstrados como legiacutetimos predicados de outros termos nada impede que outros termos sejam demonstrados como predicados deles50

Fora dos Analiacuteticos jaacute esbarramos em indiacutecios que vatildeo nessa direccedilatildeo No capiacutetulo 10 de Metafiacutesica XIII (My) por exemplo haacute uma breve passagem que sugere esse resultado Enquanto argumenta em favor da tese de que ldquoo conhecimento eacute de universaisrdquo (ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου) Aristoacuteteles parece supor que os termos singulares ldquoeste triacircngulordquo e ldquoeste homemrdquo tambeacutem satildeo suscetiacuteveis de operaccedilotildees silogiacutesticas

[] ἡ ἐπιστήμη τῶν καθόλου δῆλον δrsquo ἐκ τῶν ἀποδείξεων καὶ τῶν ὁρισμῶν οὐ γὰρ γίγνεται συλλογισμὸς ὅτι τόδε τὸ τρίγωνον δύο ὀρθαῖς εἰ μὴ πᾶν τρίγωνον δύο ὀρθαί οὐδrsquo ὅτι ὁδὶ ὁ ἄνθρωπος ζῷον εἰ μὴ πᾶς ἄνθρωπος ζῷον [] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos a natildeo ser que todo triacircngulo possua dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal a natildeo ser que todo homem seja animal (1086b 34minus37)

Poreacutem essa passagem natildeo eacute tatildeo simples quanto pode parecer agrave primeira vista51 Paul Shorey por exemplo reprovaria jaacute a traduccedilatildeo que

50 An Pr I 27 43a 25minus29 e 39minus40 Ao comentar o capiacutetulo 27 Mignucci (1969 p 443) tambeacutem reconhece a possibilidade ldquodi costruire dimostrazioni e sillogismi anche relativamente a singolarirdquo citando Alexandre que tambeacutem jaacute a observa em seus comentaacuterios (An Pr p 293 13minus23) 51 Shorey (1913)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

40

propomos porque ela faz crer que Aristoacuteteles estabelece uma relaccedilatildeo de dependecircncia dedutiva (silogiacutestica) entre proposiccedilotildees dependecircncia que de fato existe mas da qual para Shorey a passagem em questatildeo natildeo trataria De acordo com Shorey as ocorrecircncias de εἰ μὴ nas linhas 33 e 36 natildeo significam ldquo[] lsquounlessrsquo but is to be taken in its idiomatic sense as a virtual equivalent of ἀλλάrdquo Nesse caso uma traduccedilatildeo mais fiel agrave posiccedilatildeo de Shorey seria a seguinte

[] o conhecimento eacute de universais isso eacute evidente a partir das demonstraccedilotildees e definiccedilotildees de fato natildeo se produz silogismo de que este triacircngulo tem dois acircngulos retos mas de que todo triacircngulo tem dois acircngulos retos tampouco de que este homem eacute animal mas de que todo homem eacute animal (1086b 34minus37)

Assim o texto estabeleceria natildeo que as proposiccedilotildees singulares no papel de conclusotildees silogiacutesticas satildeo (dedutivamente) dependentes das proposiccedilotildees universais mas que as conclusotildees propriamente silogiacutesticas satildeo universais (universalmente quantificadas) e natildeo singulares

Ross52 ao tratar dessa passagem natildeo deixa de comentar a posiccedilatildeo de Shorey

He [Shorey] argues that in l 33 knowledge is said to be lsquoofrsquo universals ie to have universal conclusions as well as universal premises [hellip] and that singular propositions never occur as conclusions in Aristotlersquos logical writings

Na verdade Shorey53 natildeo chega a dizer que proposiccedilotildees singulares nunca ocorrem como conclusotildees silogiacutesticas nos escritos loacutegicos de Aristoacuteteles embora passe perto disso

The syllogism with a particular54 conclusion is an inferior type (Analyt Post 79a 25ff) [hellip] Aristotle does not recognize singular proposition in his classification (Analyt Priora A1 Grote Aristotle I 205) and the

52 Ross (1953 p 464) 53 Shorey (1913 p 91) 54 Nesse contexto Shorey assume ldquoparticularrdquo e ldquosingularrdquo como equivalentes

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

41

conclusion to an individual case interests him very little and is practically ignored

Shorey tem alguma razatildeo em alegar que os silogismos que concluem proposiccedilotildees singulares (tambeacutem conhecidos como ldquoperipateacuteticosrdquo) satildeo de um tipo inferior especialmente quando se leva em conta o horizonte das demonstraccedilotildees cientiacuteficas55 mas erra quando recorre ao trecho 79a 25ss para dar base textual a tal alegaccedilatildeo ndash o referido trecho nem mesmo trata desse assunto Por sua vez e contra Shorey Ross56 surpreende ao alegar o seguinte

There are however occasional references in Aristotle to the occurrence of singular propositions as the minor premise or conclusion of syllogisms (eg An Pr 43a 37minus40) []

55 Para Aristoacuteteles o silogismo dito cientiacutefico no mais alto grau eacute a chamada demonstraccedilatildeo universal Eacute importante notar que aqui o adjetivo ldquouniversalrdquo tem um sentido muito preciso e natildeo se justifica pela mera ocorrecircncia de uma conclusatildeo universalmente quantificada Em Segundos Analiacuteticos I 4 73b 32minus74a 3 por exemplo Aristoacuteteles argumenta que a demonstraccedilatildeo universal natildeo conclui que todo isoacutesceles tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos mas que todo triacircngulo tem a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retos revelando um requisito que envolve o ajuste preciso do extremo menor a partir de condiccedilotildees estabelecidas pelo extremo maior (cf Seg An I 5 74a 4minus6 13minus17 25minus32 74b 21minus26 I 24 85b 4minus15) Para Aristoacuteteles o predicado ldquoter a soma dos acircngulos internos igual a dois acircngulos retosrdquo ndash daqui para frente apenas ldquo2Rrdquo ndash se atribui a ldquoisoacutescelesrdquo de um modo que em algum sentido eacute parasitaacuterio da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo dado que isoacutesceles tem 2R na exata medida em que eacute triacircngulo Em outras palavras a atribuiccedilatildeo de ldquo2Rrdquo a ldquoisoacutescelesrdquo eacute entendida como indireta e dependente da atribuiccedilatildeo a ldquotriacircngulordquo Nesse contexto eacute natural presumir que um silogismo peripateacutetico seja concebido como inferior em relaccedilatildeo aos demais minus especialmente no que diz respeito ao grau de cientificidade minus jaacute que sua conclusatildeo natildeo poderaacute satisfazer as exigecircncias de uma legiacutetima conclusatildeo cientiacutefica tal como ocorre em uma demonstraccedilatildeo universal Jaacute quanto agraves propriedades dedutivas envolvidas em tal silogismo natildeo haacute razatildeo para consideraacute-lo inferior Para apreciaccedilatildeo detalhada da noccedilatildeo de demonstraccedilatildeo universal ver Angioni (2007) 56 Ross (1953 p 464)

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

42

Ross supotildee que o argumento de Shorey pretende estabelecer a exclusatildeo dos termos singulares do domiacutenio de operaccedilatildeo da silogiacutestica e aponta a passagem 43a 37minus40 como evidecircncia textual incompatiacutevel com essa exclusatildeo Temos aqui uma mudanccedila de opiniatildeo De fato conforme pudemos ver na primeira seccedilatildeo deste artigo ao tratar do trecho 43a 37minus43 na ediccedilatildeo comentada do texto grego de Primeiros e Segundos Analiacuteticos Ross chega a dizer que Aristoacuteteles nunca se vale de termos singulares em seus exemplos de silogismos e argumenta em favor de uma silogiacutestica restrita a termos de generalidade intermediaacuteria (τὰ μεταξὺ)57 Agora ao comentar a passagem 1086a 34minus37 de Metafiacutesica XIII (My) 10 Ross reconhece no capiacutetulo 27 de Primeiros Analiacuteticos I uma evidecircncia em favor da inclusatildeo dos termos singulares na silogiacutestica Aparentemente o proacuteprio Ross natildeo tinha muita convicccedilatildeo a respeito da inclusatildeo ou exclusatildeo dos termos de natureza singular

De nossa parte admitimos que a passagem 1086a 34minus37 eacute digna da controveacutersia introduzida por Shorey ndash embora tenhamos mais apreccedilo pela interpretaccedilatildeo de Ross No entanto mesmo que Shorey tenha razatildeo a respeito do referido trecho de Metafiacutesica XIII (My) 10 a presenccedila de nomes proacuteprios e designaccedilotildees singulares na silogiacutestica natildeo estaraacute ameaccedilada porque ainda podemos nos valer de passagens muito mais promissoras para decidir essa questatildeo passagens nas quais o proacuteprio Aristoacuteteles elabora cocircmputos silogiacutesticos com termos singulares como se a presenccedila deles na silogiacutestica natildeo lhe figurasse como uma anomalia

Patzig tinha conhecimento dessas passagens e fez questatildeo de citaacute-las no primeiro capiacutetulo de seu livro corrigindo o suposto fato alegado por Ross e Lukasiewicz de Aristoacuteteles nunca se valer de termos singulares nos exemplos de silogismos que aparecem em Primeiros Analiacuteticos No entanto Patzig natildeo recorre a tais passagens a fim de reintroduzir os termos singulares na silogiacutestica mas procura

57 Idem 1949 p 384

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

43

desqualificaacute-las e assim reiterar os resultados de seus antecessores De fato embora reconheccedila as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 do Livro I bem como de ldquoPitacosrdquo no capiacutetulo 27 do Livro II Patzig manteacutem a posiccedilatildeo tradicional que afasta os termos de natureza singular da loacutegica aristoteacutelica alegando apenas que a ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo (70a 16minus20) se daacute em um silogismo invaacutelido ao passo que ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo (47b 15ss) aparecem em premissas das quais nada se segue58

Eacute bem verdade que as ocorrecircncias de ldquoAristomenesrdquo e ldquoMicalosrdquo no capiacutetulo 33 de Primeiros Analiacuteticos I estatildeo associadas a pares de premissas dos quais nenhuma conclusatildeo se segue coisa que o proacuteprio Aristoacuteteles natildeo hesita em admitir No entanto embora sejam inconcludentes esses pares de premissas acomodam seus termos em disposiccedilotildees muito similares agravequelas de um silogismo vaacutelido (Barbara)59 o que lhes confere as feiccedilotildees de que satildeo concludentes quando na verdade natildeo o satildeo De acordo com Aristoacuteteles o que os impede de serem concludentes eacute o fato de que a premissa maior natildeo eacute universal60 Em 47b 26minus28 essa justificativa eacute apresentada por meio de um pronunciamento que merece alguma atenccedilatildeo Aristoacuteteles anuncia o fato de a premissa maior natildeo ser universal como quem supotildee que fosse ela universal o problema estaria resolvido e assim o par de premissas seria concludente61 Ora na medida em que Aristoacuteteles atribui o caraacuteter inconcludente dos pares de premissas precisamente agraves premissas maiores (e natildeo agraves premissas menores nas quais ocorrem os termos singulares) presume-se que esses termos natildeo introduzem qualquer caracteriacutestica censuraacutevel nos silogismos ali formulados Assim o fato de que natildeo estamos diante de pares de premissas concludentes por si soacute natildeo eacute

58 Patzig (1959 sect3 p 4ndash5) 59 An Pr I 33 47b 21minus37 60 Idem 47b 26minus29 34minus37 e 38minus39 61 O uso contrafactual de ἔδει na linha 27 sugere essa leitura

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

44

suficiente para recusar ao capiacutetulo 33 o papel de evidecircncia em favor de tais termos na silogiacutestica62

Quanto agrave ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo em Primeiros Analiacuteticos II 27 (70a 16minus20) Patzig tem alguma razatildeo em alegar que ela se daacute em um silogismo que natildeo eacute outra coisa senatildeo invaacutelido No entanto eacute preciso ajustar essa alegaccedilatildeo porque Aristoacuteteles natildeo descreve o argumento em questatildeo propriamente como um silogismo mas como um sinal (σημεῖον) e ao que parece um sinal e um silogismo ndash um legiacutetimo silogismo e natildeo um mero entimema ndash estatildeo longe de ser a mesma coisa63 Aleacutem disso temos uma ocorrecircncia de ldquoPitacosrdquo no mesmo capiacutetulo que eacute bem mais relevante para a discussatildeo mas que foi completamente ignorada pelos comentadores

Em 70a 26minus28 Aristoacuteteles formula dois silogismos nos quais aparece o termo singular ldquoPitacosrdquo Um deles eacute descrito como refutaacutevel (λύσιμος)64 basicamente porque a conclusatildeo natildeo se segue das premissas65 Natildeo precisamos nos deter nele Por ora o silogismo que fora introduzido algumas linhas antes e que foi descrito por Aristoacuteteles como irrefutaacutevel (ἄλυτος)66 eacute muito mais interessante Esse silogismo tem exatamente a formulaccedilatildeo paradigmaacutetica que Lukasiewicz qualificou pelo adjetivo ldquoperipateacuteticordquo e agrave qual negou lugar na loacutegica aristoteacutelica Vale a pena citar essa passagem para marcar bem a presenccedila desse tipo de silogismo na loacutegica de Aristoacuteteles

62 M Malink (2009 p 119) por exemplo contrariando Patzig aponta o capiacutetulo I 33 minus bem como II 27 do qual trataremos a seguir minus como evidecircncia em favor de termos singulares na silogiacutestica Ver tambeacutem Mignucci ldquoAristotlersquos Theory of Predicationrdquo p 10 ldquoParts Quantification and Aristotelian Predicationrdquo p 11 e Barnes ldquoTruth etcrdquo p 158-166 63 An Pr II 27 70a 24minus25 64 Ibidem 30minus31 e 34minus35 65 Ibidem 27minus28 e 30minus32 66 Ibidem 29

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

45

Ἐὰν μὲν οὖν ἡ μία λεχθῇ πρότασις σημεῖον γίνεται μόνον ἐὰν δὲ καὶ ἡ ἑτέρα προσληφθῇ συλλογισμός οἷον ὅτι Πιττακὸς ἐλευθέριος οἱ γὰρ φιλότιμοι ἐλευθέριοι Πιττακὸς δὲ φιλότιμος Assim se somente uma premissa for assumida haacute apenas um sinal ao passo que se a outra premissa tambeacutem for assumida entatildeo haacute um silogismo por exemplo lsquoPitacos eacute destemido pois os homens de brio satildeo destemidos e Pitacos eacute homem de briorsquo (70a 24minus27)67

A descriccedilatildeo eacute inusitada porque Aristoacuteteles comeccedila pela conclusatildeo Mas isso natildeo prejudica o resultado a que queremos chegar O nome proacuteprio ldquoPitacosrdquo eacute sem duacutevida o extremo menor que aparece como sujeito da premissa menor e da conclusatildeo ldquodestemidordquo eacute o extremo maior predicado da premissa maior e da conclusatildeo por fim a funccedilatildeo de mediador fica por conta de ldquohomem de briordquo Em uma reconstituiccedilatildeo um pouco mais formalizada temos o seguinte silogismo todo homem de brio eacute destemido Pitacos eacute (um) homem de brio logo Pitacos eacute destemido

O leitor mais desconfiado talvez hesite em aceitar que a premissa maior ldquoos homens de brio satildeo destemidosrdquo possa ser formalizada com um quantificador universal mas haacute sinais claros de que eacute assim que devemos concebecirc-la Em primeiro lugar Aristoacuteteles reconhece a legitimidade desse silogismo e supotildee que a conclusatildeo decorre das premissas o que por si soacute jaacute pressupotildee a universalidade da premissa maior Caso contraacuterio a conclusatildeo natildeo se impotildee Em segundo lugar haacute um pequeno detalhe que causa surpresa nesse capiacutetulo e que merece atenccedilatildeo de nossa parte Aristoacuteteles justifica o caraacuteter irrefutaacutevel do mencionado silogismo alegando que se trata de um silogismo universal (καθόλου γὰρ ἐστιν cf 70a 30) Ora como se sabe Aristoacuteteles descreve como universais precisamente aqueles silogismos nos quais a conclusatildeo eacute universal quais sejam Barbara Celarent Cesare e Camestres Por isso ao caracterizar o ldquosilogismo peripateacuteticordquo como um silogismo universal

67 As traduccedilotildees de φιλότιμος e ἐλευθέριος certamente satildeo discutiacuteveis mas em nada afetam os nossos objetivos

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

46

Aristoacuteteles pode querer sinalizar que em algum sentido a conclusatildeo ldquoPitacos eacute destemidordquo deva ser compreendida como uma proposiccedilatildeo fundada em uma atribuiccedilatildeo universal68 como se o referido ldquosilogismo peripateacuteticordquo precisamente em razatildeo disso fosse digno do mesmo status concedido aos demais silogismos universais (Barbara Celarente Cesare e Camestres) Essa leitura sugere que a concepccedilatildeo aristoteacutelica de atribuiccedilatildeo universal talvez deva ser repensada jaacute que ela daacute sinais de se estender sobre casos para os quais natildeo cabe falar em quantificadores (universais) ndash eacute o que parece ocorrer no ldquosilogismo peripateacuteticordquo acima mencionado

O aprofundamento desse ponto no entanto eacute algo que ultrapassa o escopo da presente investigaccedilatildeo e seu exame deve ser deixado para outra ocasiatildeo A essa altura o objetivo principal desta seccedilatildeo jaacute nos parece ter sido alcanccedilado pois consiste apenas em mostrar o que os leitores menos versados nos Analiacuteticos jaacute perceberam haacute muito tempo a saber que o chamado ldquosilogismo peripateacuteticordquo natildeo soacute faz parte da loacutegica aristoteacutelica mas mais do que isso ainda pode desfrutar de um lugar privilegiado no interior da silogiacutestica entre os chamados ldquosilogismos universaisrdquo Diante desse quadro natildeo haacute duacutevida de que os termos de natureza singular tecircm lugar garantido na loacutegica de Aristoacuteteles69

68 Provavelmente foi inspirado em passagens como essa que J N Keynes (1906 p 102) sugeriu conceber as proposiccedilotildees singulares como uma subclasse de proposiccedilotildees universais Lukasiewicz tomou nota dessa possibilidade e a considerou totalmente equivocada Mas para isso ignorou completamente o trecho 70a 24minus30 69 Agradeccedilo ao professor Lucas Angioni (Unicamp) pela prontidatildeo na leitura de versotildees preacutevias deste artigo pelas indicaccedilotildees de passagens para reforccedilar o argumento e pelas alteraccedilotildees de texto sugeridas as quais certamente contribuiacuteram para melhorar o resultado final aqui apresentado Agradeccedilo tambeacutem aos professores Raphael Zillig (UFRGS) e Inara Zanuzzi (UFRGS) pela oportunidade de discutir alguns resultados provisoacuterios deste artigo no Seminaacuterio sobre Primeiros Analiacuteticos I 27 organizado pelo professor Raphael e realizado na UFRGS no ano de 2011 Por fim tambeacutem agradeccedilo aos

TERMOS SINGULARES TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

47

REFEREcircNCIAS

ANGIONI L ldquoO Conhecimento Cientiacutefico no Livro I dos Segundos Analiacuteticos de Aristoacutetelesrdquo Revista de Filosofia Antiga (online) vol 1 n 1 2007 (httpwwwfilosofiaantigacomdocuments23html)

BARNES J (ed) Aristotle Prior Analytics (trans by A J Jenkinson in Barnes 1984 vol 1 p 39minus113)

mdashmdashmdashmdash Truth etc Six Lectures on Ancient Logic Oxford Clarendon Press 2007

BOCHENSKI J Ancient Formal Logic Amsterdam North-Holland Publishing 1951

CORCORAN J ldquoCompleteness of an Ancient Logicrdquo Journal of Symbolic Logic 37 696minus702 1972

KEYNES J N Studies and Exercises in Formal Logic (fourth edition rewritten and enlarged) New York The Macmillan Company 1906

LUKASIEWICZ J Aristotlersquos Syllogistic from the Standpoint of Modern Formal Logic Oxford Clarendon Press 1951

MALINK M ldquoA Non-Extensional Notion of Conversion in the Organonrdquo Oxford Studies in Ancient Philosophy Vol XXXVII p 106minus141 Oxford University Press 2009

MIGNUCCI M Aristotele Gli analitici primi ndash Traduzione introduzione e commento Naples Loffredo 1969

companheiros de pesquisa Francine Maria Ribeiro e Mateus Ricardo Fernandes Ferreira (UEMminusPR) pela leitura das primeiras versotildees desse texto e pelas proveitosas sugestotildees que me fizeram

WELLINGTON DAMASCENO DE ALMEIDA

Manuscrito ndash Rev Int Fil Campinas v 36 n 1 p 5-48 jan-jun 2013

48

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Theory of Predication in I Angelilli and M Cerezo (eds) Studies in the History of Logic 1minus20 Berlin 1996

mdashmdashmdashmdash Parts Quantification and Aristotelian Predication Monist 83 3minus21 2000

PATZIG G Aristotlersquos Theory of the Syllogism A Logico-Philosophical Study of Book A of the Prior Analytics Translated by Jonathan Barnes Dordrecht Reidel 1959

ROSS W D Aristotlersquos Prior and Posterior Analytics Oxford Clarendon Press 1949

mdashmdashmdashmdash Aristotlersquos Metaphysics Oxford Clarendon Press 1953 (1924)

SHOREY P ldquoA Note on Aristotlersquos Metaphysics 1086b 32minus37rdquo Classical Philology Vol 8 n 1 pp 90minus92 1913

SMITH R Aristotle Prior Analytics Indianapolis Hackett Publishing Company 1989

STRIKER G Aristotle Prior Analytics Book I Oxford Clarendon Press 2009

Page 26: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.
Page 27: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.
Page 28: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.
Page 29: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.
Page 30: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.
Page 31: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.
Page 32: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.
Page 33: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.
Page 34: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.
Page 35: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.
Page 36: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.
Page 37: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.
Page 38: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.
Page 39: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.
Page 40: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.
Page 41: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.
Page 42: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.
Page 43: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.
Page 44: TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E GENERA NA … · 2014. 1. 14. · TERMOS SINGULARES, TRANSCATEGORIAIS E SUMMA GENERA Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 36, n. 1, p.