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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Pamella Amorim Liz Entre o curandeiro e o dotôri: reformas urbanas, práticas de cura e medicina oficial nas páginas do jornal O Dia (1910-1918) Florianópolis, dezembro de 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

Pamella Amorim Liz

Entre o curandeiro e o dotôri: reformas urbanas, práticas de cura e medicina oficial nas

páginas do jornal O Dia (1910-1918)

Florianópolis, dezembro de 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

Entre o curandeiro e o dotôri1: reformas urbanas, práticas de cura e medicina oficial nas

páginas do jornal O Dia (1910-1918)

Pamella Amorim Liz

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado para a obtenção do título

de bacharel e licenciada e História,

sob a orientação do Prof. Dr. Artur

Cesar Isaia.

Florianópolis, dezembro de 2010.

11 Dotôri: curruptela para doutor, médico, segundo o falar do ilhéu. CALDAS FILHO, Raul. Oh! Que delicia de ilha! Florianópolis: Editora Insular, 2002

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Agradecimentos

Em primeiro lugar, agradeço à todos aqueles que, de uma forma ou de outra, fizeram

da realização deste trabalho possível.

Meus pais, Duda e Isa, por estarem ao meu lado nos momentos de agonia e euforia;

pelo colo quando precisei e, acima de tudo, por me apoiarem no sonho de ser uma

historiadora. Vocês são a minha vida.

Minha irmã Juliana, que me fez rir, agüentou meus momentos de fúria, cuidou para

que nada me faltasse nas madrugadas insones, pela companhia nos finais de semana e noites

de “sessão distração” e, principalmente, por não perder o bom humor nas tentativas de me

animar, nem a esperança em mim. Obrigada por ser minha irmã.

Aos meus amigos históricos: perdoem-me pela ausência nos dias de cinema, pelas

excessivas desculpas por não comparecer nos encontrinhos. Obrigada por entenderem meus

motivos, insistirem em mim, pelos ombros no momento de choro e por compartilhar os

momentos de alegria e risadas à toa, fosse no twitter, no bar ou no CFH. André, Thiago,

Gabrielli, Natália, Bruno, Fernanda, Pedro, Pollyana, Anderson e Gregório, amo vocês.

Aos meus advogados de sempre, Aryani, Maria Augusta, Luisa e Neto. Por todos esses

anos de convivência que tivemos, e por continuarem ao meu lado no pior dos momentos. D.

Sandra, S. Badu, Bruno e Sofia: você foram minha segunda família durante quase seis anos e

sempre acreditaram no meu potencial, no meu sonho, participando de todos os grandes

momentos da minha vida. Esse não seria diferente. Meu apreço por vocês não mudará nunca.

À minha mais recente descoberta, que entrou na minha vida de modo inesperado:

Franco. Obrigada por todo auxílio, que mesmo de tão longe me ajudou como eu não esperava.

Obrigada por me ouvir, por me “co-orientar”, dar puxões pra realidade, me fazer rir, por estar

comigo.

À Ir. Oneide, pelas folgas, compreensão, apoio, ombros e conselhos que me deu

durante esse mais de um ano dentro do CEMJ.

À professora Renata, pela disponibilidade em me atender e “salvar” sempre que

precisei, desde o início do curso.

Ao professor Artur, meu orientador/conselheiro, por me orientar na academia e me

aconselhar nas questões da vida.

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Sumário

Introdução............................................................................................................................... 05

Capítulo 1. Higienização e Urbanização................................................................................. 09

1.1 Saúde e Urbanização no Brasil: uma breve revisão historiográfica.................... 09

1.2 As teorias higienistas no início do século XX.................................................... 13

Capítulo 2. Florianópolis: Saúde e Urbanização no início do século XX.............................. 19

Capítulo 3. Práticas de cura e a Imprensa de Florianópolis na década de 1910..................... 31

3.1 Das práticas médicas e de cura popular............................................................. 32

3.2 Da publicidade no jornal: pílulas, elixires, emulsões e serviços........................ 36

3.3 Dos curadores e suas curas................................................................................. 39

3.4 Das campanhas médicas..................................................................................... 43

Considerações Finais.............................................................................................................. 47

Bibliografia ............................................................................................................................. 49

Fontes ..................................................................................................................................... 52

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Introdução

As práticas de cura2 sempre foram um meio de resolver problemas relacionados às

doenças, tanto do corpo quanto do espírito. No entanto, após o Código Penal de 1890,

algumas dessas práticas foram consideradas crime, somado ao fato da ciência médica ansiar

sua legitimação. Por este motivo, estas práticas não oficiais ganharam conotação de danosas à

saúde e com isso, foram combatidas. Florianópolis, a partir da Proclamação da República,

engajou-se num processo de adequação às normas e modelos urbanísticos utilizados nos

grandes centros do país, como São Paulo e Rio de Janeiro, e nas políticas de sanitarização e

higiene adotadas, visando modernizar-se de modo à alcançar o progresso. Estas mesmas

reformas e normas vieram para o Brasil a partir dos ideais europeus de sociedade e da tão

famosa reestruturação da cidade Paris, onde o alargamento de ruas e avenidas, transformando-

se em boulevards serviu na manutenção da saúde pública e combate às epidemias, ainda que

para isso, a retirada de sujeitos específicos do cenário urbano fosse uma das consequências

dessa remodelação.

Durante os primeiros anos da República, as atividades econômicas de Florianópolis

não se desenvolviam com êxito uma vez que a produção de gêneros alimentícios muitas vezes

não supria a população sendo necessário recorrer aos produtos de outras cidades, as atividades

portuárias e industriais também eram diminutas. Em 1914, o número de casas comerciais

chegava a 606 – o que para os padrões de desenvolvimento esperado da época era diminuto –

somando-se ao estaleiro Arataca, a fábrica de bordados Hoepcke e uma pequena indústria de

bens de consumo. Estimava-se que a essa época o número de habitantes em Florianópolis

fosse de aproximadamente dezoito mil pessoas. Virgílio Várzea, ao descrever a capital

catarinense em A Ilha disse que

Vista do mar, a cidade não impressiona bem aos que a visitam pela primeira vez, [...] porquanto, uma parte de sua frente, do lado do norte, onde corremos cais da Figueira, compõe-se ainda de casinhas antigas, com os fundos voltados para a fora, exibindo quintalejos murados ou de tábuas e ripas... para o serviço de seus habitantes. [...] O mesmo se nota nos prédios ao longo o outro cais (o principal da cidade) e que formam a ala sul das ruas Altino Corrêa e João Pinto [...]. Estes, porém, tem a atenuante de uma fachada para

2 Entender práticas de cura como todo procedimento não reconhecido oficialmente pela medicina. Estes seriam os trabalhos realizados por benzedeiras, práticos, sortistas, padres, parteiras, boticários, curandeiros.

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o mar e serem altos e limpos. [...] Este defeito, que de certo modo compromete a estética da cidade no seu primeiro aspecto impressivo, tem origem na maneira como ela foi edificada em seus princípios [...]3

Talvez, devido à esse cenário de aparente atraso, a falta de modernização e progresso,

as três administrações que passaram pelo governo de Santa Catarina tenham dado prioridade

às reformas da capital Florianópolis. Durante o governo de Vidal José de Oliveira Ramos

(1910 – 1914), a educação foi alvo de mudanças que de acordo com o governador

caracterizava-se por “fundar um novo tipo de escola, dar à mocidade um professorado cheio

de emulação e estabelecer uma fiscalização técnica e administrativa real e constante” 4. Já nos

mandatos de Felipe Schmidt (1914 – 1918) e de Hercílio Pedro da Luz (1918 – 1922), o

saneamento básico foi a principal atividade de governo. O primeiro fez a instalação da rede de

esgotos na cidade, enquanto Hercílio Luz, que em seu primeiro mandato (1894 - 1898) já

havia manifestado preocupação com o saneamento básico, criou a Avenida do Saneamento,

sobre o rio da Bulha - atual Avenida Hercílio Luz – e mais tarde o elo entre a capital e o

continente: a Ponte Hercílio Luz.

Em Florianópolis, o jornal que iria relatar o cotidiano da cidade e que compreende,

ainda que de maneira descontínua, o período da década de 1910 é O Dia. Órgão do partido

Republicano na capital catarinense, este fazia parte dos periódicos que com o fim da

monarquia iniciaram o jornalismo partidário engajado. Desta forma, somente as “figuras

públicas” que faziam parte do partido estavam nas páginas do jornal, a menos que a intenção

fosse “atacar” politicamente os oposicionistas. Fundado em 1900 após a divisão do partido

Republicano, O Dia era o jornal governista que Filipe Schmidt utilizava para legitimar seu

governo, já que nas páginas do periódico eram publicados atos oficiais do governo do estado,

ao mesmo tempo em que servia para o então governador Felipe Schmidt defender-se dos

ataques de Hercílio Luz, este proveniente do jornal República. Notícias referentes às famílias

de políticos do partido ganhavam destaque na publicação, ainda que a coluna social fosse

destinada aos demais correligionários; diversos avisos de licitações, propagandas e notas

sobre assuntos gerais.5

3 VÁRZEA, Virgílio. Santa Catarina: a Ilha. Florianópolis: IOESC, 1984. Disponível em: http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/arquivos/texto/0194-03132.html Acesso em: 24 nov.2010. 4 Governadores de Santa Catarina. Disponível em: http://www.sc.gov.br/conteudo/santacatarina/historia/paginas/governadores.html Acesso 23 nov. 2010. 5 DRANKA, Renata Aparecida Paupitz. Antonieta de Barros: Trajetórias Discursivas. 2003. Dissertação (Mestrado em Ciências da Linguagem) Universidade do Sul de Santa Catarina. p.18 – 19.

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Até os anos 1970, era muito pequeno o número de pesquisadores que utilizavam como

fonte histórica os jornais e revistas. Estes eram importantes, porém não havia a preocupação

de se escrever a história por meio da imprensa, enquanto documento historiográfico.

Os historiadores, por seu compromisso em buscar a verdade, valiam-se de fontes

consideradas por eles como objetivas e neutras, que comprovassem a realidade dos fatos e

distantes de seu próprio tempo. Nesse meio, os jornais eram considerados como meios de se

registrar os ocorridos do presente e que não retratavam toda a realidade. A própria Escola dos

Annales, em meados de 1930, não reconhecia e criticava a imprensa como fonte histórica. As

idéias de outras ciências como Antropologia, Sociologia, Psicanálise, fizeram com que o

historiador repensasse sobre sua própria disciplina, de modo que houvesse uma renovação

temática nas pesquisas históricas, sendo possível perceber esta mudança através dos títulos

dos trabalhos, utilizando temas como mente, festas, cotidiano, ou seja, objetos de pesquisa

que antes eram impensáveis na história. A partir deste momento, o reconhecimento da

importância dos elementos culturais, fez com que grupos antes fadados ao esquecimento, se

tornassem temas de abordagens nas pesquisas. 6

A utilização de periódicos em pesquisas da História do Brasil era ínfima, visto que os

historiadores julgavam a imprensa como subordinada às classes dominantes, não possuidoras

de conteúdo idôneo. Tânia Regina de Luca afirma que

A escolha de um jornal como objeto de estudo justifica-se por entender-se a imprensa fundamentalmente como instrumento de manipulação de interesses e de intervenção na vida social; nega-se as perspectivas que a tomam como mero ‘veículo informativo’, transmissor imparcial e neutro dos acontecimentos, nível isolado da realidade político-social na qual se insere.7

Assim, os historiadores começaram a preocupar-se com a modernidade que chegava,

com as novas idéias, hábitos, atitudes, valores, conflitos das elites políticas por seus “espaços

de direito”, preocupações sanitárias. Para estas questões, a busca por informações e respostas

dentro dos periódicos tornou-se um novo caminho no momento da pesquisa.

Sob a perspectiva dos jornais, das reformas e das políticas de governo, a presente

pesquisa, em seu primeiro capítulo, pretende fazer uma revisão bibliográfica através de

autores que já pesquisaram a questão das reformas urbanas e sanitárias no Brasil, mostrando

6 LUCA, Tânia Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005. p. 111-116. 7 Ibidem, p. 118.

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assim, seus pontos de vista sobre o assunto, bem como as origens das idéias reformistas

aplicadas no país.

No segundo capítulo, o foco é a cidade de Florianópolis, as reformas ocorridas no

cenário da capital após o advento da República, as políticas de governo no combate às

epidemias visando a modernidade e equiparação aos grandes centros, além das conseqüências

que essas medidas acarretaram para a população.

No terceiro e último capítulo, procura-se mostrar de que maneira as percepções de

médicos e curadores sobre as doenças eram tratadas e retratadas nos periódicos locais. Neste

contexto, será analisado o jornal O Dia, seus artigos, notas e propagandas a fim de verificar se

houve ou não a legitimação da medicina oficial em detrimento das práticas de cura não

oficiais.

Baseando-se nas reformas urbanas e sanitárias que ocorreram no início do século XX

no Brasil e, sobretudo no local escolhido para estudo, Florianópolis, será analisado o embate

cultural entre o anseio por legitimação da ciência e da prática médica na população local e da

cultura das práticas de cura não oficiais, bem como a ação de charlatães neste meio. A

presente pesquisa tem por objetivo verificar de que maneira o jornal O Dia, entre os anos de

1910 a 1918, abordou a questão em suas notas e propagandas, analisando se, apesar de

normas, códigos de posturas e proibições, este jornal fez apologias, denúncias ou mesmo não

agregou opinião, tanto à prática médica quanto às práticas não oficiais.

Sendo assim, a pretensão desta pesquisa é fazer a analise critica das fontes,

observando se nelas há ou não o processo discriminatório das praticas não oficiais de cura

e/ou alguma forma de incentivo às praticas médicas oficiais, uma vez que estes periódicos

atendiam ao grupo social diplomado e sofria forte influência dos mesmos.

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Capítulo 1.

Higienização e Urbanização

[…] há, no entanto, um emergir ou um desaparecer das doenças como fenômeno de massa, isto é, como fatos que envolvem todo o tecido social e que, em consequência, impõem à sociedade novas exigências. A exigência mais óbvia, mesmo que encontre raramente uma rápida aplicação, é a que predispõe a um tipo de organização sanitária específica, em função das doenças dominantes em um determinado período, e não das doenças que apresentam uma tendência descendente8.

A citação acima representa de forma adequada o cenário vivido no início do século

XX: a urgência na eliminação de epidemias, a exigência de novas regras, normas e práticas

sociais que alterassem o panorama urbano, trazendo desta forma a modernidade e o progresso

das cidades através dos projetos sanitários e urbanísticos.

Este capítulo tem por objetivo fazer uma revisão acerca do tema das reformas urbanas

e sanitárias que ocorreram no Brasil a partir do advento da República, bem como entender as

influências européias da reestruturação da cidade de Paris e do período da Belle Époque por

de trás dos projetos políticos aplicados no país através da perspectiva de autores que já

discorreram sobre o assunto.

1.1 Saúde e Urbanização no Brasil: uma breve revisão historiográfica

Pode-se dizer que há um marco bem definido para um maior aprofundamento da

produção historiográfica sobre urbanização e higienização no Brasil. A obra Vigiar e Punir

(1976) de Michael Foucault desviou o foco central da visão marxista das relações entre as

classes sociais e os modos de produção socioeconômico9. O foco passou a ser os marginais,

sobretudo presente em instituições de dominação, como os presídios e manicômios. As

8BERLINGUER, Giovanni. O capital como fator patógeno: Historicidade das doenças. In: _______. Medicina e Política. 3 ed. São Paulo: Editora Hucitec, 1987. p. 52. 9 SCHMITT. Jean-Claude. A História dos Marginais. In: LE GOFF, Jacques (org.). A História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p.261.

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instituições abordadas por Foucault eram justamente aquelas do mesmo século que a tão

falada e estuda Revolução Francesa.

Foucault pôs a verdade histórica em cheque ao lançar o pensamento para áreas das

Ciências Sociais, até então obscuras, como o estudo da psiquiatria e da loucura. Contudo, é

importante frisar que, no caso dos estudos da modernização urbana, novos atores surgiram na

lente da História, o que resultou em uma nova perspectiva. Como mostra Margareth Rago

Ao contrário dos estudos que buscavam privilegiadamente as relações de poder constitutivas da vida social no mundo urbano, recortam o tema da disciplinarização e higienização do mundo industrial, incorporou-se nestes estudos a noção de subjetivação, tentando encontrar as formas através das quais os próprios sujeitos participaram de sua construção enquanto sujeitos morais [...] aceitando, recusando, incorporando, apropriando-se diferencialmente das linguagens existentes num determinado momento histórico para construir suas identidades pessoais, sociais e sexuais.10

Nos últimos 18 anos vêm surgindo uma série de pesquisas que ajudam a enriquecer o

debate sobre temas como saneamentos, urbanização e higienização na historiografia

brasileira. Tais discussões se mostram de suma importância a medida que questões ambientais

e de sustentabilidade entraram na ordem do dia. Uma das dissertações pioneiras neste debate é

de autoria de Carlos Roberto Monteiro de Andrade, com o título A peste e o plano: o

urbanismo sanitarista do Eng.º Francisco Saturnino de Brito, publicada em 1992 pela

Universidade de São Paulo11. Talvez não por acaso, tenha sido no mesmo ano de realização

da Eco 1992 no Rio de Janeiro12

Há uma geração de historiadores brasileiros que foi influenciada diretamente pelas

obras de Foucault, contudo a área de estudo é muito mais abrangente da qual propusemos

nesta pesquisa. O importante é ressaltar que estes pesquisadores trouxeram questões como

políticas de saúde pública, doenças, médicos e higienistas, enfim, práticas e saberes da

medicina social para dentro das Ciências Sociais13. As obras que citaremos a seguir são de

10 RAGO, Margareth. O efeito - Foucault na historiografia brasileira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, São Paulo, 7(1-2): 67-82, outubro de 1995. 11 ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro. A peste e o plano: o urbanismo sanitarista do Engo Francisco Saturnino de Brito. Dissertação de Mestrado. São Paulo: FAU USP, 1992, 281p. 12 Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro em 1992 com as principais nações, tendo como objetivo a adoção de abordagens equilibradas e integradas nas questões relacionadas ao desenvolvimento sustentável e meio ambiente. Capítulo 01 - Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos – USP. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Table/Agenda-21-ECO-92-ou-RIO-92/ Acesso em 31 out. 2010. 13ENGEL, Magali Gouveia. In: Tempo, Rio de Janeiro, Vol. 1, n° 2, 1996, p. 188-192

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alguma forma, influenciadas por autores que podem ser considerados clássicos14 nesta área,

como Roberto Machado, Ângela Loureiro, Rogério Luz, Kátia Muricy e Jurandir Freire

Costas15. Autores tais influenciados diretamente por Michael Foucault.

Consideramos importante ressaltar que a influência do pensador francês não minou a

possibilidade de grandes obras serem realizadas sobre o mesmo tema, desde que sobre

diferentes ângulos e abordagens. Fato que consideramos rico para a História, pois acreditamos

que nenhuma escola ou metodologia deve se pretender total ou única. Pelo contrário,

acreditamos que a pluralidade de visões e instrumentos de análise só enriquece o avanço da

História e das Ciências Sociais. Neste contexto é igualmente importante ressaltar a

importância da obra Cidade Febril, de Sydney Chalhoub. O autor estudou temas como

políticas de saúde pública, epidemias e febre amarela nos cortiços do Rio de Janeiro nos finais

do século XIX. A metodologia utilizada por Chalhoub é a História Social da cultura, com

grande influência do historiador inglês E. P. Thompson e do norte-americano Sydney Mintz.

A obra analisa, entre outras questões, a tensão social acerca da destruição do cortiço Cabeça

de Porco, sobretudo através dos discursos dos engenheiros e higienistas, todos calcados na

verdade da ciência.16

Outra obra de muita relevância para o tema é O espetáculo das Raças, de Lilia

Schwarcz, na qual a autora estuda a introdução das teorias de raça na ciência brasileira. Em

Natal, Rio Grande do Norte, há o trabalho com múltiplos autores sobre a introdução das

questões de higienização durante o período de urbanização da cidade, sobretudo as grandes

mudanças no saneamento básico17.

Um estudo realizado por Maria Alice Rosa Ribeiro, através da expansão da cultura

cafeeira no estado de São Paulo, sugere que as políticas migratórias e o aumento na densidade

populacional seriam as causas para os problemas de saúde no estado. A posterior urbanização

14 Por clássicos seguimos as diversas definições de Italo Calvino. Neste caso o pioneirismo, devendo sempre ser considerado a partir de então, seja para reforçar uma nova tese, ou mesmo para negá-lo. CALVINO. Italo. Por que ler os clássicos. Lisboa: Teorema, 1993. 15 Cf. Roberto Machado e outros, Danação da norma: medicina social e constituição da psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro, Graal, 1978; Jurandir Freire Costa, Ordem médica e norma familiar. Rio de Janeiro, Graal, 1979. Para uma avaliação crítica deste tipo de enfoque ver, por exemplo, o artigo de Maria Alice R. de Carvalho e Nísia Verônica T. Lima, “O argumento histórico nas análises de saúde coletiva”, in Sônia Fleury (org.), Saúde: coletiva? Questionando a onipotência do social. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1992, p.117-142; e, a Introdução do trabalho de Nara Britto, Oswaldo Cruz: a construção de um mito na ciência brasileira. Rio de Janeiro, FIOCRUZ, 1995, pp. 7-16. 16CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte imperial. São Paulo, Cia da Letras, 1996. 17FERREIRA, Ângela Lúcia; EDUARDO, Anna Rachel Baracho; DIAS, Ana Caroline Dantas; DANTAS, George Alexandre Ferreira. Uma cidade sã e bela: A trajetória do saneamento de Natal – 1850 a 1969. Natal: IAB/RN; CREA/RN, 2008

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e o crescimento industrial teriam corroborado para que a cidade crescesse de maneira

desordenada, já que a classe operária crescia e mais imigrantes chegavam, aumentando os

problemas sanitários. Assim, foi necessária a definição de uma política de Saúde Pública

através de práticas que sanassem os problemas decorrentes do processo de urbanização18.

Podemos citar trabalhos que abordam a mesma questão das reformas urbanas e

sanitárias em outras cidades do país, como, por exemplo, de Nirvana Lígia, o qual destaca de

que forma, apesar da pouca expressão industrial, a cidade da Paraíba foi adequada aos padrões

normativos de higiene e modernidade no período de 1854 e 1912, por influência da

acumulação de capital proveniente das atividades agrárias. A autora registra as conseqüências

dessas adequações no cenário urbano e no cotidiano da população. Incentivada pelos

administradores e elites locais, as melhorias sanitárias e de infra-estrutura não ocorrem de

maneira igualitária, privilegiando sempre a população de maior poder aquisitivo, além de

restringir hábitos e costumes dos menos abastados19.

Há também o trabalho de Raquel Padilha da Silva, o qual diz que, diferente do que

aconteceu em Florianópolis e em outras cidades do Brasil, na cidade do Rio Grande, Rio

Grande do Sul, houve um descaso por parte dos poderes públicos em relação à necessidade de

implantar medidas de higiene e saúde públicas. Este posicionamento, segundo a autora, fazia

parte de um projeto político positivista que não via, naquele momento, a saúde pública como

prioridade, isto porque os positivistas eram contrários às práticas médicas aplicadas nos

projetos higienistas20.

Ana Carolina Silva da Costa, ao estudar o planejamento urbano de Minas Gerais,

percebeu a exclusão da participação dos populares neste processo em virtude da transferência

da capital, de Ouro Preto, que não possuía mais condições de crescimento econômico devido

à decadência da atividade mineradora, para Belo Horizonte. A cidade foi planejada para

direcionar os diferentes segmentos da sociedade, segregando-os. 21

Situação semelhante à ocorrida em Florianópolis foi verificada na Salvador do início

da Primeira República, que, de acordo com Antônio Carlos Lima da Conceição, teve seus 18Cf. RIBEIRO, Maria Alice Rosa. História Sem Fim... um inventário da saúde pública. (São Paulo 1880-1930) 1991. Tese. (Doutorado em Economia) Universidade Estadual de Campinas. 19Cf. SÁ, Nirvana Lígia Albino Rafael de. A Cidade no Despertar da Era Higienista: a cidade da Parahyba e o movimento higienista (1854-1912). 2009. Dissertação (Mestrado em Geografia) Universidade da Paraíba 20 Cf. SILVA, Raquel Padilha da. A Cidade De Papel: A Epidemia de Peste Bubônica e as Críticas em Torno da Saúde Pública na Cidade do Rio Grande (1903-1904). 2009. Tese (Doutorado em História) Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. 21 Cf. COSTA, Ana Carolina Silva da. ARGUELHES, Delmo de Oliveira. A Higienização Social Através do Planejamento Urbano de Belo Horizonte nos Primeiros Anos do Século XX. Univ. Hum., Brasília, v.5, n.1/2. p. 109-137, jan./dez. 2008.

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prédios antigos demolidos, bairros antes residenciais foram transformados em comerciais,

assim como antigos sobrados tornaram-se prédios comerciais, fazendo com que a população

local fosse desalojada.22

Na produção historiográfica local, Oswaldo R. Cabral revisa as condições médicas-

sanitárias da cidade no final do século XIX através do que era noticiado nos jornais da época.

Ainda há a produção de Hermetes Reis de Araújo que analisa as reformas e remodelações

ocorridas, de acordo com o pensamento das elites e administradores durante a Primeira

República, mesmo período abordado por Roselane Neckel. A historiadora faz uma análise das

transformações urbanas sob a perspectiva da segregação social na capital catarinense. O

mesmo tema das remodelações em prol de um projeto higienista foi abordado pela arquiteta e

historiadora Eliane Veras da Veiga. Estes autores serão utilizados ao longo desta pesquisa a

fim de analisarmos quais as abordagens utilizadas pelos mesmos no estudo dos projetos

higienistas de reforma urbana e sanitária em Florianópolis.

1.2 As teorias higienistas no início do século XX

O Brasil do final do século XIX e início do século XX passava por transformações

urbanas e sociais alavancadas por surtos de epidemias e uma nova postura cultural imposta

pela transferência da Família Real portuguesa junto com sua corte para o Brasil. A vontade de

exibir ao mundo a imagem de um país civilizado e próspero implicava transformações nas

estruturas urbanas e nas mentalidades.23 Somente no século XX, após a Proclamação da

República, governantes começam a pôr em prática medidas para melhorar a higiene pública e,

dentro disso, veio a necessidade de modificar igualmente as estruturas urbanas e as

mentalidades da população. Nesse contexto, algumas figuras seriam de grande importância

para o cumprimento das metas sanitárias do período, dentre elas, o médico. Nos finais do

século XIX e início do século XX surge, com as devidas interpretações, o “movimento

higienista” ou “movimento sanitarista”.

22 Cf. CONCEIÇÃO, Antônio Carlos Lima da. A Bahia e a Civilização:a cidade do Salvador no Brasil republicano. Revista Eletrônica Multidisciplinar Pindorama do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia – IFBA, n.1, ano I, agosto/2010. Disponível em www.revistapindorama.ifba.edu.br Acesso em 21out. 2010. 23 DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A interiorização da Metrópole e outros e estudos. São Paulo: Alameda Casa Editorial. 2005. 162 p.

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A Europa nos finais do século XIX vinha passando por grandes transformações

urbanas, sobretudo após o inchaço das cidades após a Revolução Industrial. Mas é o caso da

França que possui ligações mais diretas com os projetos higienistas brasileiros. A

industrialização causou à sociedade francesa, sobretudo em Paris, o crescimento desordenado

em forma de aglomerados, o que fez com que algumas instituições higienistas surgissem,

como a Sociedade São Vicente de Paula ou ainda a promulgação, naquele país em 1850, da

primeira lei urbanística.

O período Belle Époque da capital francesa na segunda metade do século XIX viu o

florescer enorme de novas obras, largas avenidas e monumentos24. Não obstante Paris foi

considerada um ícone das grandes transformações urbanas.25 Tais transformações foram

realizadas pelo Barão Georges-Eugène Haussmann, prefeito de Paris entre 1853 e 187026. A

cidade de Paris apresentava

A falta de sistemas de esgoto e rede de abastecimento de água potável, as péssimas condições das habitações operárias e das fábricas e a aglomeração cada vez mais intensa de uma multidão miserável necessária às fábricas e às indústrias geravam, por sua vez, inúmeros problemas de ordem higiênica, como a proliferação de doenças e epidemias e problemas de ordem social como as revoltas e os movimentos populares, que não raramente explodiam em violência27

As reformas vieram no sentido de re-orientar a cidade, que viu o crescimento

acelerado de novos bairros afastar as classes baixas do centro, descongestionar a região

central, construir monumentos e praças, abrir ruas e avenidas largas para evitar aglomeração e

possíveis motins e assim ter um maior controle da população, de forma que fosse o fácil

acesso às tropas no caso de alguma guerra civil ou levante. O mesmo foi pensando a respeito

do saneamento e das novas galerias de esgoto.

24 Sobre este período Hobsbawn afirma que “de meados dos anos de 1890 à Grande Guerra, a orquestra econômica mundial tocou no tom maior da prosperidade [...]. A afluência, baseada no boom econômico, constituía o pano de fundo do que ainda é conhecido como ‘a bela época’ (Belle Époque). Cf. HOBSBAWM, Eric J. Uma economia mudando de marcha. In: ______. A Era dos Impérios: (1875-1914). 3ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p.73. 25 ARAÚJO, Hermetes Reis de. A invenção do litoral: reformas urbanas e reajustamento social em Florianópolis na Primeira República. Dissertação de Mestrado em História. São Paulo: PUC, 1989. p. 134. 26 ARGUELHES, Delmo oliveira de. COSTA, Ana Carolina da. A higienização social através do planejamento urbano de Belo Horizonte nos primeiros anos do século XX. Univ. Hum., Brasília, v. 5, n. 1/2 , jan./dez. 2008.p. 115. 27 BENVENUTTI, Alexandre Fabiano. As Reclamações do povo na Belle Époque: a cidade em discussão na imprensa curitibana (1909-1916). Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2004. (Dissertação de Mestrado em História). p.9.

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Haussmann obteve pleno êxito dentro de seu plano original e a cidade na qual era

prefeito, Paris, tornou-se sinônimo de modernidade e urbanização. Tal modelo foi

amplamente copiado por governantes brasileiros. As correntes de pensamentos de os anseios

de modernidade do Brasil na primeira República basearam-se nos conceitos europeus. Assim,

surgiram diversos profissionais formados dentro desta corrente de ideais civilizatórios, como

engenheiros, urbanistas, médicos e arquitetos, que encontravam no Brasil terreno fértil para

pôr em prática seus conceitos.

A medicina, que, neste momento, era entendida como uma prática profissional em

construção, ganha grande destaque na política de governo dos Estados, tornando fundamental

a presença de um médico para identificar locais de perigo para saúde pública. Assim, o

médico trouxe um novo olhar sobre as condições de vida na cidade, identificando desde a

organização da cidade, até o descaso da administração pública com cidadãos28, procurando,

desta forma, intervir nas epidemias e buscando a cura.

Até o ano de 1808, quando da implantação dos dois cursos médicos cirúrgicos no

Brasil – um na Bahia e outro no Rio de Janeiro – o atendimento clínico abrangia uma pequena

parcela da população e, mesmo assim, de forma pouco profissional. As práticas médicas eram

realizadas por curandeiros que possuíam o conhecimento das técnicas usadas por africanos e

indígenas, ou por práticos que, mais tarde, tiveram em sua constituição algumas

especializações, como por exemplo, os “endireitas” e os “barbeiros”. As epidemias de febre

amarela, cólera, varíola, concomitante ao crescimento desordenado das cidades, casos de

criminalidade, embriaguez e alienação, mostravam aos médicos o trabalho que teriam com a

“missão higienista”. Essa parcela da população, pobre e doente, servia de exemplo e de

laboratório às teorias estudadas pelos médicos.29

As práticas médicas seriam aplicadas de acordo com a realidade brasileira, mas ainda

assim, baseadas nas teorias do darwinismo social e eugênica utilizadas na época. Neste

contexto, à teoria da “seleção natural” de Charles Darwin foi incorporada a teoria social de

Herbert Spencer, a qual explicava o desenvolvimento das sociedades através da

“sobrevivência do mais apto”. Desta forma, no final do século XIX, membros da sociedade

eugênica dos Estados Unidos e Grã-Bretanha sugeriam a esterilização ou encarceramento de

28MORAES, Laura do Nascimento Rótolo de. Cães, Vento sul e Urubus: higienização e cura em Desterro/Florianópolis (1830-1913). 1999, 333p. Tese (Doutorado em História do Brasil) Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. p.100. 29 SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças: Cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870 – 1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 192 – 200.

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“subgrupos” da população, para que assim pudesse ser promovido o melhoramento

genético30.

Já a teoria eugenista, segundo a Revista Brazil Médico, consistia em conhecer as

causas da ascendência ou decadência das raças, visando sempre a perfectibilidade física e

intelectual do ser humano.31 Mesmo com as diferenças étnicas, a eugenia era vista como uma

maneira de “cuidar da raça”, sendo possível reverter o processo de degeneração, uma vez que

diante da “mestiçagem”, havia um mal estar social. Em todo o Brasil, teorias raciais para

“explicar a seleção natural e o desaparecimento dos mais fracos” 32, são dispensadas no

momento de considerar e pensar nos mestiços como bons e dotados de perfectibilidade.

Do ponto de vista médico, era necessário curar um país enfermo, através de um projeto

médico-eugênico, para que, desta forma, pudesse ser retirada de circulação a parte doente do

país, restando uma população perfeita33. Esta discussão, a qual permeia os finais da

escravidão no Brasil somada aos novos projetos políticos de reforma social e urbana, mostra a

questão racial como base das teorias que serão implantadas no país, ainda que adaptadas às

necessidades brasileiras, conforme Schwarcz abordou com as reformas sanitaristas e

campanhas de higiene pública no Brasil, retomando “a questão da emergência de um saber

médico no país [...]” 34. Chalhoub observou que os cortiços do Rio de Janeiro eram vistos

como um problema e ameaça às condições de higiene na cidade – já que centenas de pessoas

moravam no mesmo terreno, divididos em mínimas casas. Diversas medidas foram tomadas

para impedir que estes cortiços se tornassem “focos de vícios ou de transgressões da

moralidade dos costumes, assim como asilos permanentes de infecções deletérias da saúde

pública”35.

O importante não era apenas a cura das epidemias, mas também sanear toda uma

nação, evitando que novos surtos se desenvolvessem, fazendo com que a meta dos médicos

sanitaristas fosse a de prevenir as doenças antes de sua manifestação. Embora houvesse uma

preocupação em relação a erradicar e curar certas doenças, o objetivo dos higienistas não era

30 SCOTT, John; MARSHALL, Gordon. “Darwinism” A Dictionary of Sociology. Oxford University Press, 2009. Oxford Reference Online. Oxford University Press. Porto University. Acesso em 20 de outubro de 2010. Disponível em: <http://www.oxfordreference.com/views/ENTRY.html?subview=Main&entry=t88.e505> 31 Revista Brazil Médico. Rio de Janeiro. 118 – 9. Apud. SCHWARCZ, L. M. Op. Cit. p. 231. 32 SCHWARCZ, L.M. Op. Cit. p.216. 33 De acordo com as teorias médicas e higienistas utilizadas na época das reformas, o ser perfeito se refere àquele em pleno desenvolvimento físico e intelectual sem a influência de dos considerados marginalizados da sociedade. 34 Ibidem, p. 189. 35 CHALHOUB, S. Op.Cit. p.31

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transformar o meio urbano em um local mais salutar para toda a população, segundo

Chalhoub

A intervenção dos higienistas nas políticas públicas parecia obedecer ao mal confessado objetivo de tornar o ambiente urbano mais salubre para um determinado setor da população. Tratava-se de combater doenças hostis à população branca, e esperar que a miscigenação – promovida num quadro demográfico modificado pela imigração européia – e as moléstias reconhecidamente graves entre os negros lograssem o embranquecimento da população, eliminando gradualmente a herança africana da sociedade brasileira.36

A medicina de finais de século XIX e inícios de século XX tinha por objetivo sanear a

nacionalidade, protegendo a sociedade e direcionando-a rumo ao progresso e, neste sentido, o

remodelamento do espaço urbano faz parte das primeiras mudanças que serviriam para tornar

o espaço mais salutar, eliminando os miasmas – os cemitérios, hospitais, matadouros e

prisões,37 levando as obras de saneamento para todo o perímetro urbano: escolas, igrejas, lares

e portos. Contudo, Chalhoub atenta para o fato da questão da saúde pública estar num patamar

mais elevado que apenas um problema social. Mais que isso, era necessário melhorar as

condições de higiene das “habitações coletivas” garantindo um mínimo de saúde. Dentro

disso podemos citar algumas medidas como, por exemplo, coleta de lixo, calçamento das

ruas, janelas mais amplas, latrinas limpas, que evitariam que as condições de vida fossem

letais, já que as doenças se acumulavam em decorrência, segundo relatado pela Inspetoria de

Higiene, das condições de miséria em que vivia a população.38

O poder público via e interpretava a cultura dos populares, das “classes perigosas”,

como algo repleto de sobrevivências que deveriam ser “erradicadas” para garantir o progresso

e a civilização. Alguns hábitos que possuíam em sua essência as “raízes da cultura negra”

foram absorvidos pela classe popular, por sua proximidade, pelo cotidiano e introduzidos nas

formas de morar, de vestir, trabalhar, curar, divertir.39 Impedir o surgimento de novos surtos

epidêmicos era a função dos higienistas e saneadores, que atuavam junto à população,

educando e prevenindo.

Desta forma, a prática higienista ganhava força e alavancava novos projetos, pois era

preciso evitar que os indivíduos, uma vez despreparados e enfraquecidos, fossem novamente

acometidos pelas doenças. Por isso, além de estudos patológicos, projetos sanitaristas vão 36 Ibidem, p.09. 37 VIGARELLO, Georges. O Limpo e O Sujo: Uma História da Higiene Corporal. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p.163. 38 CHALHOUB, S. Op. Cit. p.33. 39 Ibidem, p.181.

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ganhando força e saindo do campo da medicina para intervir diretamente na realidade social40,

visto que, para os eugenistas, a nação deveria ser pensada como um “corpo homogêneo e

saudável” e que, para manter-se desta forma, era necessário modificar a população dita

“mestiça”, a população pobre em “gregos puros”, ainda que as características físicas e morais

desses indivíduos necessitassem modificações.41

A questão sanitária foi de suma importância em São Paulo, Rio de Janeiro e demais

cidades pelo país afora, sendo criadas de maneira sucessiva, instituições que serviam de

intervencionistas da saúde pública. A Medicina Social no Brasil vai adotar um caráter de

polícia médica nas regiões onde os projetos urbanísticos de reestruturação sanitária vinham

acontecendo, fazendo com que a medicina desempenhasse um papel fundamental na

configuração da cidade e na disciplinarização da população.42

40 SCHWARCZ, L.M. Op. Cit. p.223 – 226. 41 SCHWARCZ, L.M. Op. Cit. p.233. 42 WEBER, Beatriz Teixeira. As artes de curar: Religião, Magia e Positivismo na República Rio Grandense – 1889-1928. Santa Maria: Ed. da UFSM; Bauru: EDUSC, 1999. p. 102.

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Capítulo 2.

Florianópolis: Saúde e Urbanização no início do século XX.

A partir da Proclamação da República em 1889 e dos novos objetivos dos programas

de governo, o papel da medicina e a figura do médico vincularam-se às campanhas de

vacinação e programas de higiene aplicados de maneira compulsória e obrigatória na

população. Esta situação deu-se principalmente durante a administração de Rodrigues Alves,

quando assumiu a presidência da República em 1902, no Rio de Janeiro, com um programa de

governo que consistia basicamente em modernizar o porto e remodelar a cidade exigindo o

ataque ao maior mal da capital: doenças como peste bubônica, febre amarela e varíola. Isso

foi possível com o auxílio do engenheiro Pereira Passos, que atuaria na remodelação da

cidade e, do nomeado Chefe da Diretoria de Saúde Pública, o médico sanitarista Oswaldo

Cruz, que atuaria no combate às epidemias e desenvolveria a lei que fazia da vacina contra a

varíola, obrigatória à toda população. Desta forma, com as medidas eugênicas em prática,

estes profissionais visavam sua legitimação e inserção diante da sociedade.

O importante, naquele momento, era focar na já degenerada situação interna do país, e

é por este motivo que, a partir da década de 1920, a população seria separada entre “doentes e

sãos” ou “regeneráveis e não regeneráveis” – o que aumentava ainda mais as divisões

econômicas e sociais - pelos higienistas, a fim de que medidas diferentes fossem aplicadas aos

dois grupos. Deste modo, o presente capítulo pretende revisar, sob o ponto de vista de autores

que trataram, ainda que de diferentes perspectivas, as reformas ocorridas em Florianópolis e

toda atmosfera de mudanças e tensões que a envolvia.

Durante o período de implantação da Primeira República43, Neckel verifica a presença

de tensões populares, ainda que as mesmas diminuam como a autora informa:

[...] primeiros anos do século XX, período de acomodação dos conflitos, quando as paisagens da cidade modificaram-se significativamente. Ao lado da abertura e do calçamento de ruas, de organização de praças, de limpeza de logradouros públicos, acentuaram-se as preocupações dos administradores em dotar a cidade de obras de saneamento que garantissem a manutenção de uma nova ordem e de um novo modo de vida.44

43 Período que vai de 1889 a 1930. 44NECKEL, Roselane. Novos Olhares sobre a Cidade. In:______. A República em Santa Catarina: modernidade e exclusão (1889 – 1920). Florianópolis: Editora da UFSC, 2003. p.53.

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Igualmente aos outros estados do Brasil, as reformas sanitárias iniciadas em Santa

Catarina estiveram em acordo com o papel da elite em levar às camadas mais populares uma

pedagogia do cidadão, tendo em vista que grande parte da população era formada por

analfabetos e que estes eram um obstáculo para os ideais burgueses de sociedade, fazendo

com que os discursos médicos de normalização da sociedade e da elite recebessem o status de

tutores sociais das reformas. Essa postura que está relacionada ao medo da pobreza, vista

como “o outro” e como através dela e de seus maus hábitos as epidemias surgiam, mostra o

porquê da definição de novos padrões de comportamento e condutas passíveis de serem

toleradas ou não e, a partir daí, classificando a população pobre vista como uma ameaça

social. A preocupação dos governantes acerca das doenças e do modo de vida das classes

mais baixas, estava associada com às mudanças nos comportamentos sociais e as novas

percepções sobre a cidade e sua população. Desta forma, Neckel deixa clara sua visão de que

as reformas foram um aporte para segregar ainda mais a classe pobre do restante da

população.

Ao longo dos séculos, as teorias médicas viam no meio urbano um espaço degradante

ao homem, contudo, no século XIX, esta visão foi revertida devido às técnicas de urbanismo

que vinham se aplicando para interferir no meio, transformando este ambiente degradante

através do saneamento, reorganizando a vida urbana e garantindo a formação de bons

cidadãos. 45

Ao analisar relatórios de governo, códigos de posturas, mensagens de governadores e

regulamentos de higiene de Santa Catarina, Veiga verifica que, em Florianópolis, novas

regras de higiene e posturas são implantadas, reordenando o espaço e influenciando na

evolução arquitetônica da cidade. Os próprios relatórios de Governo, em meados do século

XIX, sugeriam resoluções aos problemas de saneamento e edificação, reiterando a

necessidade de luz solar e ventilação dos espaços. A própria vida urbana, mais intensificada,

conferiria um status de cidade “evoluída” e, para isso, o desenvolvimento do centro urbano

gerou desapropriações de diversas propriedades que pudessem prejudicar a expansão,

alargamento e a criação de vias públicas. Até então as questões ligadas à saúde e higiene,

restringiam-se às campanhas de vacinação, desinfecção e prevenção de doenças, regras e

determinações para funerais e instalação de hospitais. 46

45 NECKEL, R. Op. Cit. p.50 – 52. 46 VEIGA, Eliane Veras. Florianópolis: Memória Urbana. Florianópolis: Editora da UFSC; Fundação Franklin Cascaes, 1993. p.143 - 144.

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Tendo em vista a situação na qual se encontrava a capital, onde, segundo o autor

Cabral (1903 – 1978) - que tem por base para sua pesquisa os jornais da época para compor

sua narrativa histórica sobre o cotidiano de Florianópolis, muitas vezes, empregando idéias de

cunho pessoal e utilizado por muitos dos autores aqui analisados - o ar circulante era o

principal causador dos males como a tuberculose, paralisias e outras tantas doenças e que,

dadas as condições sanitárias da cidade, ninguém esperava que as enfermidades presentes

deixassem de assolar a população. Nos primeiros tempos, pela falta de médicos ou qualquer

outro que pudesse auxiliar no tratamento, os pacientes procuravam a cura através de chás e

remédios caseiros, já que a medicina era pouco eficiente e não possuía o conhecimento

necessário para assistir os doentes47 que sofriam com as doenças incuráveis, para a época,

como varíola, febre amarela, sífilis, tuberculose, meningite, cólera. A meningite, que foi

chamada inicialmente de "febre cerebral", teve seu aparecimento acelerado pela precariedade

sanitária da cidade, da mesma forma que o cólera, a pior das doenças da época, mantinha, em

sua letalidade e velocidade de contágio, uma relação bastante íntima com a falta de

saneamento urbano.48 Desta forma Bitencourt aponta que

Muitos eram os práticos das artes de curar nesta época. Os boticários faziam a manipulação de fórmulas farmacêuticas médicas e as vendiam. Os feiticeiros curavam doenças com cataplasmas de ervas e óleos, sempre acompanhados de rezas. Os barbeiros-sangradores eram responsáveis pela aplicação de ventosas e de bichas (sanguessugas). Os barbeiros relacionados à categoria de feiticeiros sangradores, além de sangrar, tratavam de cabelos e barbas e praticavam pequenas cirurgias (arrancar dentes e retirar pequenos tumores).49

Por isso Chalhoub atenta para a existência de outras práticas de cura – com seus

curadores – convivendo com a “medicina oficial” durante o século XIX e início do século

XX, onde frequentemente anunciavam seus serviços nos jornais, ultrapassando assim, a

repressão das políticas médico-higienistas50. Isto significa que, apesar da presença da

“medicina oficial” no cotidiano da sociedade, ainda havia certa popularidade com as outras

práticas de cura. Desta forma, Moraes diz ainda que no século XIX, em Desterro, existiam

várias práticas de cura que eram realizadas paralelamente à medicina científica e que, mesmo

47 CABRAL, Oswaldo Rodrigues. Nossa Senhora do Desterro. Notícia. Florianópolis: Lunardelli, 1979. 48 RAMOS, Átila. O Saneamento em Dois Tempos: Desterro e Florianópolis. Florianópolis: CASAN, 1986. p. 20. 49 BITENCOURT, Daiane Brum. Os Corpos e a Saúde: teorias e práticas populares de cura e higiene no Brasil dezenovista. 2010. V Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação. Programa de Pós-Graduação em História – PUC/RS. p. 827. 50 CHALHOUB, S. Op. Cit. p. 166

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proibidas por lei, tais práticas continuavam “fortemente presentes no cotidiano de homens,

mulheres e crianças”51. Segundo Sampaio, isso pode demonstrar uma insegurança da

população em aderir à cultura médica, em legitimar a prática, já que “é possível perceber nas

palavras dos próprios médicos o reconhecimento de que cometiam muitos erros e

imprecisões, deixando seus pacientes no mínimo inseguros quanto aos procedimentos a que

eram submetidos”.52

Ainda que a limpeza da cidade fosse responsabilidade dos poderes públicos, parte da

população expressava, através dos jornais, sua insatisfação com algumas das opiniões e

atitudes apresentadas pelos setores administrativos. A produção de imagens negativas a

respeito da cidade fez com que medidas emergenciais a respeito dos costumes e condições de

vida de parcelas da população, fossem tomadas para que a concretização de um projeto de

remodelação e modernização da cidade. Assim, medidas concretas são tomadas para que se

possa retificar a falta de higiene, mesmo que estas só venham a se concretizar de maneira não

fragmentada e restrita a partir dos anos 10.53

O lema dos higienistas para erradicar os males era “prevenir antes de curar”. É neste

momento que, cabe aos médicos sanitaristas a responsabilidade de criar e implementar

medidas que atuem no espaço urbano combatendo as epidemias e doenças que mais atingiam

a população.54 Dessa forma, Gilberto Hochman completa o pensamento de Schwarcz dizendo

que

[...] ao longo desse período55, e a partir de várias decisões e ações que contaram com a anuência e o interesse das elites políticas, houve um crescimento do ativismo estatal na área de saúde e saneamento, e de sua capacidade de implementar políticas, em todo território nacional.56

Os primeiros anos do século XX serviram para modificar a paisagem da cidade de

forma significativa, tendo em vista que ruas e calçadas foram abertas, as praças foram

organizadas, bem como vias públicas receberam limpeza, além da preocupação dos

51 MORAES, Laura do Nascimento Rotolo. Medicina, empirismo e outras práticas de cura no sul do Brasil, no século XIX e início do XX. In: Colóquio Internacional Portugal/Brasil, 2001, p. 110. 52SAMPAIO, Gabriela dos Reis. Nas trincheiras da cura: as diferentes medicinas no Rio de Janeiro Imperial . Campinas-SP: Editora da UNICAMP, CECULT, IFCH, 2001. p. 33. 53ARAÚJO, Hermetes Reis de. A Invenção do Litoral: Reformas Urbanas e Reajustamento Social em Florianópolis na Primeira República. 1989. Dissertação (Mestrado em História) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. p.19. 54 SCHWARCZ, L. M. Op. Cit., p.192. 55 O período referente é a Primeira República. 56 HOCHMAN, Gilberto. A Era do Saneamento. São Paulo: Editora Hucitec; Anpocs, 1998. p.22.

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governantes em realizar obras de saneamento que garantissem a nova ordem social e o novo

modelo de vida a ser seguido. Neckel afirma que essa “preocupação” em transformar

Florianópolis em um lugar “moderno e civilizado”, mostra como os padrões vividos eram

incompatíveis com a esta nova ordem que se afixava em todo o país e, ainda podemos

perceber que “o que mais fortemente caracterizou o discurso e as práticas higienistas neste

período foi a sua extensão ao conjunto da sociedade, passando a atingir mais amplamente as

classes pobres da cidade. [...] uma nova racionalidade [...] uma política de “reerguimento”. 57

Em nota ao jornal O Dia, a inauguração do Reservatório de Água chama a atenção de

todos pelo discurso proferido pelo então governador Gustavo Richard. Este evidenciou a

importância do melhoramento, que viria a servir toda a cidade, e como a obra foi realizada

nos moldes e imposições da engenharia e da higiene, garantindo assim, a salubridade

necessária à população58. Ainda, o engenheiro Adriano Saldanha, responsável pelas obras de

abastecimento d'água na capital, ressalta em discurso que “A hygiene hoje admite que com os

habitos de asseio e conforto que existem nas cidades modernas o consumo de água por cabeça

não deve descer abaixo de 100 litros por dia – 150 litros é uma boa média para pequenas

cidades”.59

Enquanto o estudo de Neckel aponta para as falhas e exclusões que ocorreram durante

o processo de remodelação urbana e sanitária, Araújo foca na preocupação em se implementar

medidas que sanassem os males da sociedade, causados pelas camadas mais pobres da

população, ainda ressaltando que a partir da década de 10, a remodelação e a questão da

higiene pública de Florianópolis foram alvo dos discursos políticos e medidas administrativas

do governo. Assim, houve a tentativa de implantar uma “política de reerguimento físico e

moral” da população identificada pelos sanitaristas como “indolente, doente e atrasada”. É

neste momento, que as técnicas médico-sanitárias são inseridas nas práticas de saúde pública

através de um discurso baseado no saneamento público capaz de atingir a sociedade.60

Em matéria especial do jornal O Dia,o Dr. Gilberto Bochmann, representante de Santa

Catarina no Primeiro Congresso Médico Paulista, relata que levou ao conhecimento de todos

os projetos de saneamento que haveriam de se realizar no estado, ainda que de acordo com os

recursos financeiros disponíveis. Ele dizia ser importante aperfeiçoar o ensino da “higiene

57 NECKEL, R. Op. Cit. p.57. 58 Jornal O Dia, 11 mai. 1915, nº7967, ano XV, p.1 59 Idem. 60ARAÚJO, H. R. Op. Cit. p.162 -165.

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elementar” nas escolas, pondo em prática a higiene pessoal, domiciliar e a profilaxia das

doenças mais comuns.61

No ano de 1918, Hercílio Luz assumiu o governo do estado como vice-governador em

exercício e, em sua administração, fez do saneamento litorâneo uma prioridade.

[...] A partir daí, e de maneira indissociável, o espaço urbano [...] constituiu-se mais amplamente como superfície de intervenção e de controle que, pretendendo-se instaurar de maneira sistemática, foi, apesar de suas restritas realizações práticas, eregido em objetos de enfáticos discursos e de manifestações que se disseminaram na cidade da época. [...]62

Neste cenário, surge um discurso sobre a cidade que entende a salubridade como a

base física e social capaz de assegurar as condições de saúde dos indivíduos e sugere ações

em prol da população, do meio e das coisas que a permeavam e, por isso, diversas medidas

autoritárias seriam tomadas para garantir o controle e o bom funcionamento das práticas

higienistas e sanitaristas.

Naquele momento, era preciso propostas e um plano de ação capaz de organizar e

sanear o espaço físico, além de modificar os “hábitos anti-higiênicos” da população, pois as

doenças eram consideradas um problema e atraso no progresso da cidade. Em todas as

discussões políticas, esteve sempre presente a necessidade de tornar Florianópolis um dos

centros mais salubres do território nacional. À medida que na cidade multiplicaram-se as

diferentes visões e formas de pensar o saneamento do espaço, juntamente com os hábitos

higiênicos, os mecanismos culturais e educacionais começaram a interferir, ainda que de

forma sutil, nas camadas mais pobres da população, visando modificar suas formas de

sobrevivência.

Este processo significava abandonar os valores, atitudes e comportamentos

tradicionais, para assumir condutas adequadas, e consideradas ideais à ordem em construção.

As paisagens da cidade, a interferência nos hábitos e atitudes de seus habitantes foram

alteradas de forma que ultrapassassem os limites das práticas repressivas, atingindo assim,

não só os corpos, como também as mentes dos indivíduos, para que se modificassem os

modos de vida. Exemplo disto é a Lei nº 1.178 de 3 de outubro de 1917, a qual faz do Sistema

de Esgotos uma imposição para a sociedade, sob pena de processo junto à promotoria63.

61 Jornal O Dia, 03 jan. 1917, ano XVII, nº 8467, p.5. 62NECKEL, R. Op. Cit. p.57 63 Jornal O Dia, 06 out. 1917, ano XVII, nº4937, p.4.

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No mesmo ano de 1918, foi aprovado o Serviço de Higiene do Estado, que tinha como

função fazer inspeções higiênicas, verificando a situação de escolas, hospitais, hospícios,

quartéis, prisões e todas as habitações, mostrando os meios ideais de melhorar as condições

higiênicas para que epidemias pudessem ser controladas. À este mesmo Serviço de Higiene,

competia o asseio das vias públicas, drenagem do solo, limpeza de rios, iluminação pública,

fornecimento de água potável, dentre outras obrigações64:

A área central de Florianópolis no inicio do século XX passou por inúmeras reformas e melhoramentos: em 1909, foram instaladas as primeiras redes de água encanada; entre 1913 e 1917, foi construída a rede de esgotos; em 1910, foi instalada a iluminação publica com energia elétrica; em 1919, foi iniciada a construção da primeira avenida da cidade que no término passou a chamar-se Avenida Hercílio Luz; em 1922, foi dado inicio à construção de uma ponte para ligar a Ilha de Santa Catarina ao continente fronteiro; esta, em sua conclusão em 1926, também recebeu o nome de Hercílio Luz.65

Gerber atenta para o fato de que com a rede de abastecimento e distribuição de água

implantada – rede esta que foi instalada à mesma época da construção da usina elétrica,

durante a administração do governador Gustavo Richard entre 1906 e 1910 - tornou-se

possível receber a água, mas somente nas casas situadas no perímetro urbano da capital, bem

como a instalação de diversas bicas públicas no centro da cidade.66 Durante o discurso de

inauguração do Sistema de Águas, Adriano Saldanha diz que “parece demonstrado por

experiência que água de má qualidade é o vehiculo principal de muitas molestias epidemicas,

notadamente e do typho, da cholera, etc”.67 Em quadro fornecido pelo Hospital de Caridade

da Irmandade do Senhor dos Passos, durante os anos de 1912 e 1914, o que mais vitimou

homens e mulheres além das já citadas doenças, foram arterio esclerose, alcoolismo, anemia,

cirrose hepática, enterite crônica e aguda, febre palustre, dita typho malária, hipohemia,

impaludismo, lesão cardíaca, mal de Bright, nefrite e tuberculose pulmonar.68

64 VEIGA, E. V. Op. Cit. p.144. 65 NECKEL, R. Op. Cit. p.55. 66GERBER, D. O saneamento em Florianópolis: Projeto de Modernização e Estratégias de Poder. Esboços - Revista do Programa de Pós-Graduação em História da UFSC, Florianópolis, 06 jan. 2008. Disponível em: http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/view/513. Acesso em: 03 Nov. 2010. p. 33. 67Jornal O Dia, 11 mai. 1915, nº7967, ano XV, p.1 68 O número total de vítimas por moléstia de acordo com o quadro informando do que faleceram os 230 enfermos do Hospital de Caridade, relativo aos anos de 1912 e 1914, assim descrito: Arterio esclerose – 05; alcoolismo – 04; Anemia – 05; Cirrose Hepática – 07; Enterite tuberculosa, crônica e aguda –13; Febre palustre – 03; Dita typho malária – 05; Hipohemia – 12; Impaludismo – 09; Lesão Cardíaca – 10; Mal de Bright – 07; Nefrite – 08; tuberculose pulmonar – 48. As demais moléstias, vitimavam em número de um ou dois indivíduos.

Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Cel. Vidal José de Oliveira Ramos, Governador do Estado, pelo secretário geral Gustavo Lebon Regis, maio de 1914. Typ. Livraria Central Florianópolis. p.70.

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26

Talvez seja possível desassociar, em parte, a insalubridade urbana com as causas de

doenças e mortes que ocorriam na cidade, ainda que a exclusão e a falta de acesso das classes

mais pobres aos recursos higiênicos recém instalados, verificados por Neckel e Gerber,

possam nos mostrar que muitos dos casos de cólera, typho, desenterite, difteria e gripe fossem

causados pela falta de recursos, conhecimentos e acesso aos tratamentos.

A construção da ponte Hercílio Luz representava o desejo latente da reforma e da

substituição daquilo que restava da antiga “Nossa Senhora do Desterro” e, este desejo de

mudança, era visto nos jornais da época, como, por exemplo, o Jornal República, que

noticiava as ações de desapropriação de casas e prédios, das demolições realizadas nos locais

considerados insalubres, sempre em nome do aspecto agradável e sadio da cidade durante a

construção da Avenida Hercílio Luz69, avenida esta que, de acordo com Araújo, representa

uma das ações administrativas mais importantes no que diz respeito ao saneamento da capital,

bem como foi considerada nos discursos, como a “pedra angular” da política de reformas,

tendo em vista que a Avenida trouxe um ar moderno e transformador para cidade.

Diferente do pensamento de Araújo, que exaltando a construção da ponte e da avenida,

mostra apenas a vontade dos governantes em transformar a cidade em um local moderno,

assim como em outros locais do país e como vinha acontecendo na Europa, Neckel ressalta

que as reformas pouco serviram para alterar o cotidiano da população, tendo em vista que

nem todos tinham acesso à elas devido ao alto custo para a instalação de tubulações de água e

esgoto e, desta forma, restringia-se estas melhorias à um setor privilegiado. Nessa lógica,

percebe-se que o saneamento urbano, através das normas de higiene, acaba evidenciando a

arquitetura da cidade como símbolo que separa os homens de acordo com sua classe sócio-

econômica, justificando, assim, o poder de um segmento sobre o outro, como ressalta Diana

Gerber.70

Contrapondo a idéia de restrição de Neckel, Hochman observa que, devido à

densidade urbana, as relações econômicas entre ricos e pobres, as adversidades individuais

foram ampliadas, sendo

quase que impossível o simples isolamento das ameaças da vida urbana, por exemplo, através da segregação espacial ou da exclusão de outros dos benefícios de serviços passíveis de contrato privado, com coleta de lixo e o

69 Avenida Hercílio Luz. Jornal República, 30.10.1919, p.1. Apud ARAÚJO, H. R. Op. Cit. p.20 70 GERBER, D. Op. Cit. p. 32.

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abastecimento de água. Assim, a saúde, ou a doença, é um dos melhores exemplos dos problemas da interdependência humana e de suas possíveis soluções.71

É importante ressaltar que essas reformas urbanas, ocorridas no início do século XX

em Florianópolis, foram possíveis devido à uma forte elite política, aos recursos públicos e

aos empréstimos internacionais, assim como o saneamento da capital foi feito em parceria

com a Fundação Rockfeller, com sede nos Estados Unidos, já que à esta época, as atividades

comerciais não permitiam qualquer forma de enriquecimento e estavam em declínio.72 Sob

este aspecto, é possível compreender que o contexto mais propício ao empreendimento das

reformas foi com o estabelecimento da República, talvez pelo fato de que o governo

republicano, seguindo a doutrina do liberalismo econômico, teria permitido a articulação

direta das elites dirigentes regionais com as instituições de crédito e financiamento

estrangeiras.73

Assim, Neckel ainda reforça sua teoria de que as reformas foram feitas através de um

discurso em prol do bem público, mas que as conseqüências para a população foram

questionáveis, já que

No que se refere a Santa Catarina e a Florianópolis [...] uma política de população que teve como uma de suas especificidades a introdução de mecanismos político-médicos como instrumentos de intervenção e controle social. A higienização do espaço urbano em “função do bem público” apresentou-se como suporte discursivo para uma série de intervenções no cotidiano da população de Florianópolis e para alterações na sua paisagem urbana, especialmente entre 1910 e 1930. Em busca da modernização, as ruas foram alongadas, redefinidas e calçadas, [...] enquanto novas ruas foram criadas [...] Alterando ainda mais a paisagem da cidade, em 1910 foram desapropriadas casas e terrenos. [...] Sua demolição foi considerada essencial para o “bem da higiene e embelezamento da cidade. 74

Bairros inteiros da região central de Florianópolis foram demolidos para a realização

das reformas e, em conseqüência disto, a população da área foi removida para as margens da

cidade, o que nos mostra o intuito único e maior dos governantes da capital alcançar o status

71 HOCHMAN, G. Op. Cit. p. 27 – 28. 72 NECKEL, R. p. 55 – 56. 73 LEITE, Rinaldo César Nascimento. E a Bahia Civiliza-se... Idéias de civilização e cenas de Anticivilidade em um contexto de modernização Urbana – Salvador, 1912-1976. 1996. Dissertação de mestrado apresentada ao programa de Pós-graduação da UFBA. 74 Ibidem, p. 58 – 59.

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da modernidade e do progresso, ainda que, para isso, tivessem que retirar de cena os

indivíduos que danificavam a imagem de Florianópolis, como cita Gerber

[...] o centro da cidade deveria expor apenas uma única classe e, na periferia oculta, deveria ficar o que mais enfeiava a cidade, isto e, a pobreza. Assim, em nome do saneamento, Florianópolis assistiu a retirada, em massa, da população pobre que habitava estas áreas.75

Concomitante à isso, algumas práticas cotidianas tornam-se inadequadas e

indesejáveis à nova realidade e, assim, vem a proibição através da ordem do superintendente

do município: “[...] proibido lançar ciscos, imundícies, materiais fecais, animais mortos, lixo e

entulho nos quintais, ruas, cais, praias ou nos terrenos compreendidos no perímetro da

cidade”76. Sob a supervisão do médico – agora nomeado especialista em urbanização –, um

funcionário municipal e outro da diretoria de Higiene, eram realizadas inspetorias nas

residências, fossem elas coletivas ou particulares, para garantir o cumprimento dos princípios

da higiene moderna. Durante o recorte temporal da pesquisa, diversas notas foram publicadas

em nome da Inspetoria de Higiene ou de médicos trazendo ao conhecimento dos leitores sobre

o controle das epidemias que se fazia no estado, os métodos e remédios disponibilizados por

estes, bem como as medidas profiláticas que todos deveriam ter e que se faziam necessárias

para a não aquisição das doenças77.

As questões sanitárias e as políticas a serem postas em prática na capital, foram

motivo de discussão em relatórios oficiais, jornais e revistas, discussão esta que, durante o

segundo mandato de Felipe Schmidt (1914 – 1918), já havia sido levada aos jornais de

Florianópolis, relatando o panorama sanitário da cidade. Antes mesmo, durante o mandato de

Vidal Ramos (1910 – 1914), em relatório enviado pelo Inspetor de Saúde do estado, o Dr.

Joaquim Ferreira Lima, foi exposto que se fazia necessária a adoção de um serviço de higiene

no Estado. Ele levava em consideração o fato de não adiantar apenas uma cidade remodelada

e moderna, se não se podem controlar as endemias que ameaçam e invadem a população,

sendo preciso a desinfecção dos estabelecimentos públicos e particulares e das propriedades,

75 GERBER, D. Op. Cit. p. 35. 76 Salubridade Pública: Saneamento, Jornal República, 27.10.1918, p.4, col.3. Apud NECKEL. R. Op. Cit. p.69. 77Jornal O Dia, 24 mar. 1910, nº 4290, ano X, p.1 Jornal O Dia, 04 out. 1911, nº 4935, ano XI, p.1 Jornal O Dia, 22 dez. 1915, nº 8164, ano XV, p.1 Jornal O Dia, 05 mai. 1916, nº 8271, ano XVI, p.4 Jornal O Dia, 13 jan. 1917, nº 8475, ano XVII, p.2 Jornal O Dia, 08 jul. 1917, nº8685, ano XVII, p.4 Jornal O Dia, 28 set. 1917, nº 8694, ano XVII, p.4

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assim como é preciso combater as endemias de impaludismo e ankylostomiase. Segundo o

relatório, o typho, dysenteria amebiana e a coqueluche ganharam caráter epidêmico durante o

período de 1913 e 1914, e devido a falta de médicos disponíveis e interessados em aceitar e

assumir a comissão responsável pelo tratamento das endemias, foi “autorizado a recorrer ao

pharmaceutico prático”, o qual atenderia sob as instruções do Dr. Ferreira Lima.78 Ainda, em

discurso reproduzido no jornal O Dia, o governador do Estado, Vidal Ramos, denuncia a

tuberculose como “grande flagello da humanidade” e concomitante à isso, o descaso de

particulares para evitar o contágio e dos poderes públicos que não tomavam atitude alguma,

denotando assim, a falta de confiança na eficácia dos meios existentes para combater a

doença.79

A partir de então, uma série de práticas pedagógico-sanitaristas são executadas e,

dentro disso, Araújo cita a distribuição de “folhetos explicativos”, “projeções luminosas” –

estas utilizadas nos teatros – e ainda, visando a ampla disseminação da higienização, remédios

e consultas médicas gratuitas.80

O saber médico, neste processo de urbanização, foi capaz de impor padrões de saúde

para toda a sociedade, legitimando as expulsões do centro da cidade, desapropriações e

exclusões. Desta forma, para que a manutenção da saúde pública na cidade fosse assegurada,

era preciso que médicos e sanitaristas “defendessem” o homem do mal e desordem que ele

mesmo provocava. Assim, através de um projeto de urbanização, de sucessivas intervenções,

tentou-se impor às classes baixas um modelo a ser seguido – com padrões de higiene e

comportamento. Essa imposição de regras, aplicadas apenas para alguns, identifica a elite

como “não produtora da sujeira e dos maus odores” que acometem a cidade, fazendo com que

“o outro” seja responsável por todas as mazelas e desvios.81

Embora uma série de ordens marcasse a postura da população, transgressões às

normas eram comumente vistas - uma vez que a população era responsabilizada pela

disseminação das epidemias, e que, segundo a elite e os governantes, eles não tinham

consciência da importância da vacinação, isolamento, hábitos de higiene e, por isso,

desenvolviam as condições necessárias para as epidemias e condições higiênicas da cidade -

significando que, apesar das intensas campanhas sanitaristas, das obras que trouxeram uma

78 Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Cel. Vidal José de Oliveira Ramos, Governador do Estado, pelo secretário geral Gustavo Lebon Regis, maio de 1914. Typ. Livraria Central Florianópolis. p.56-58. 79 Mensagem lida pelo exmo. sr. coronel Vidal Ramos, digno Governador do Estado, por ocasião da sessão inaugural do Congresso Representativo do Estado. Jornal O Dia, 23. Jul. 1911. nº4876, ano XI, p. 2. 80 ARAÚJO, H. R. Op. Cit. p.174 – 178. 81 GERBER, D. Op. Cit. p. 36.

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nova paisagem urbana e da interferência no cotidiano popular, a finalidade política desse

grande projeto modernizador acabou por não trazer a ordem urbana e social que era esperada

nos discursos.82

82 NECKEL, R. Op. Cit. p.70 – 77.

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Capítulo 3.

Práticas de cura e a Imprensa de Florianópolis na década de 1910.

Desse modo, a imposição da autoridade cultural do saber médico-científico exigiu de seus representantes redobrado esforço para que pudessem estabelecer, com nitidez, a diferença entre a medicina acadêmica e a medicina popular. 83

Anteriormente ao século XX, a medicina já era considerada uma atividade científica,

legitimada por seu discurso, anunciando as verdades do corpo humano, das doenças e dos

tratamentos existentes para curá-lo, fazendo com que outros conhecimentos curativos fossem

excluídos e desautorizados. Este saber médico, adquirido no interior dos centros acadêmicos e

restrito à eles, opunha-se às demais práticas populares e tradicionais. Ao longo do século XIX

e início do século XX, a este saber foram implantadas novas teorias médicas, ainda que não

fossem amplamente aceitas dentro do próprio meio, tendo em vista que mesmo com as

recentes descobertas, dificilmente os médicos tradicionalistas84 refutavam de seus princípios

para aquisição de novos conhecimentos.

Muito se soube das causas das enfermidades através da tecnologia laboratorial, como a

identificação de certas bactérias como agentes causadoras de algumas doenças, mesmo que

não se soubesse, de modo geral, de que maneira elas se disseminavam. O conhecimento e as

técnicas utilizadas na cura das enfermidades condiziam com a Medicina da época, fazendo

com que diversas práticas fossem utilizadas na cura tanto por médicos licenciados, como

pelos formados, uma vez que não havia um consenso do que era mais ou menos científico.

A medicina no Brasil possui um histórico caótico, já que desde o início da colonização

portuguesa existem grandes falhas no sistema de saúde. Até a chegada da família Real

portuguesa não havia um número significativo de médicos ou pacientes, pois as consultas

eram caras e os médicos, poucos. Grande parte da população recorria aos curandeiros e

boticários para tratar de suas doenças, em geral com remédios naturais e curas místicas. O

ensino da medicina não era permitido no Brasil, assim como nenhum outro curso superior, de

83 FERREIRA, Luiz Otávio. Medicina Impopular: ciência médica e medicina popular nas páginas dos periódicos científicos (1830-1840). In: CHALHOUB, Sidney et al. (orgs). Artes e Ofícios de Curar no Brasil. Campinas: Editora da UNICAMP, 2003. p. 102. 84 Entendemos por médicos tradicionalistas, todo aquele profissional ainda ligado às antigas práticas e procedimentos, negando a aquisição de novos conhecimentos.

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modo que os futuros médicos deveriam seguir para Portugal onde realizavam seus estudos e

voltavam com uma mentalidade diferenciada.

Com a chegada da Família Real, são fundadas duas faculdades de medicina, uma em

Salvador, durante a primeira parada de Dom João VI, e outra no Rio de Janeiro, local onde a

corte fixou-se. A vinda da corte real ao Brasil exigia novos padrões de cuidado com o corpo,

água, alimentação, assim como obras estruturais fizeram-se necessárias, levando a saúde à

uma organização de caráter estatal.

Os intelectuais brasileiros também refletiam acerca das transformações do país,

tornando-se excessivamente científicos ao analisar, não as obras publicadas na Europa, mas

sim os guias e manuais básicos de aprimoramento de pesquisa e experimentação. Essas novas

formas de pensar serão refletidas na prática e pesquisa médica, voltando-se para o estudo de

prevenção de doenças e manutenção da saúde pública, sempre com o intuito de “civilizar” o

país. Ao mesmo tempo em que era necessária a transformação estrutural, estética e

civilizadora da cidade, surgiram alguns já conhecidos sujeitos85 que, no entanto, só ganhariam

evidência nessa conjuntura de modificações em Florianópolis e, apesar disto, resistiram às

mudanças e permaneceram no cenário da capital.

Este capítulo pretende mostrar como se deu a veiculação de notas e propagandas do

jornal O Dia, órgão do partido republicano e apoiador do governo, frente às práticas de cura

não oficiais realizadas em Santa Catarina, diante das imposições das práticas higienistas e

reformas urbanas e, da constante tentativa de legitimação da prática médica.

3.1 Das práticas médicas e de cura popular

Durante o século XVIII no Brasil, mais por crendices e falta de conhecimento, o

curandeirismo, feitiçaria e outras práticas, faziam parte do cotidiano das classes altas e baixas.

É de conhecimento que o número de médicos presentes no Reino, mesmo antes da chegada da

Família Real em 1808, era diminuto. Desta forma, boticários e outros ligados à medicina

faziam às vezes o trabalho do médico, aplicando sangrias, bichas e ventosas, curando feridas e

contusões, tratando luxações e fraturas. Na antiga Nossa Senhora do Desterro, antes mesmo

85 FERREIRA, L. O. Op. Cit. p.109. Os sujeitos que a autora se refere são os curandeiros, parteiras, boticários, cartomantes, práticos, sortistas, benzedeiras, padres etc.

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da presença de um cirurgião-mor – nomeado para a Vila apenas em 1769 – a população

recorria ao conhecimento de vizinhos e parentes, utilizando ervas e chás para a cura de

doenças. Quando mais grave era o caso, apelavam aos curandeiros que, de acordo com

Cabral, “sucessos eram contados e proclamados, mas de quem se calavam, para evitar

melindres e agravos, os casos maus”.86 Apesar da presença de licenciados na vila, as pessoas

preferiam recorrer aos curandeiros à utilizar os serviços destes licenciados.

As consultas médicas e tratamentos eram feitos na casa do próprio paciente, já que os

hospitais de caridade destinavam-se aos mais humildes que não pudessem pagar pela consulta

médica e tratamento, como por exemplo, marinheiros que aportavam, prostitutas e indigentes,

ou para as cirurgias que ocasionalmente eram realizadas. O Hospital de Caridade da

Irmandade do Senhor dos Passos, já foi construído com o intuito de atender aos que não

possuíam ninguém senão o Hospital para recorrer. Ainda assim, durante anos recebeu

reclamações sobre sua salubridade e tratamento oferecido aos doentes, como cita Cabral

É verdade que, mesmo muitos anos depois, as enfermarias não eram bem arejadas, o ar não circulava livremente, ficando logo pesado, morno, abafado [...] a Câmara intercedeu junto à Irmandade para dar remédio a estes defeitos que já não poderiam ser suportados, mas a administração do Hospital não se deu pressa em atender à solicitação.87

De acordo com Cabral, o charlatanismo88 em Florianópolis foi uma constante durante

o final do século XIX e início do século XX, convivendo com a medicina oficial e demais

práticas. Mesmo proibidas por lei89, as diferentes tipos de cura continuaram presentes no

cotidiano da população.90 Estas eram consideradas um mal para a cidade, insalubres, sendo

assim, começaram a ser vigiadas. No entanto, elas fizeram parte do cotidiano da cidade

durante muito tempo e habitavam os mais diversos centros culturais e sociais, tendo em vista

que médicos eram raros, sendo assim, não poderiam ser extintas rapidamente tais práticas de

cura, como diz Franklin Cascaes:

86 CABRAL, Oswaldo Rodrigues. Medicina, médicos e charlatães do passado. Arquivos Catarinenses de Medicina. Ano 1, vol. 1, abril de 1977. Florianópolis: Edição Cultural. p. 12 87 Ibidem, p.90. 88 Entender charlatão segundo a concepção médica, ou seja, todo aquele que não realiza a medicina oficial e que “ilude” as pessoas com promessas de cura. 89 O artigo 156 criminalizava o curandeirismo no Código Penal de 1890 e sob o art. 11, parágrafo 2º na Constituição de 1891. 90 MORAES, L. Op. Cit., p.163.

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Todo mundo sabe disso [...] naquela época não havia médicos e recursos como hoje. As famílias viviam isoladas e por isso tinham que inventar seus remédios, além de conhecer a intimidade mesmo da natureza. [...]então eles recorriam a natureza. Haviam muitos curandeiros e benzedeiras que eram os médicos que atendiam pessoas doentes. 91

Os médicos tentavam desqualificar os conhecimentos populares sobre a transmissão de

doenças, desautorizando e desqualificando as práticas de cura não oficiais realizadas na

cidade. Desta forma, segundo Weber, a medicina buscava sua legitimação através da

diferença entre sua concepção, prática “científica” e conhecimento “civilizado”, das práticas

populares que diziam ser utilizadas por ignorantes e realizadas por charlatães. A tentativa de

aproximação entre médicos e população deu-se através de artigos, nos quais havia a

necessidade de diferenciação dos curandeiros e, para isso, afirmavam ser a ciência médica a

única possuidora de conhecimento para solucionar os males do homem, “exigindo de seus

cultores uma grande competência, uma rara habilidade, um profundo preparo, a fim de

exercer com vantagem a sua sagrada missão”. 92

Contudo, os charlatães se utilizavam de métodos diferentes aos empregados pelos

médicos, com a prerrogativa de curar doenças que para a ciência médica não havia

explicação, o que fez aumentar cada vez mais a caça ao charlatanismo. Apesar disso, deve-se

considerar que as camadas populares eram, na maioria das vezes, dotadas de sabedoria e

crença nas práticas de cura, por isso, segundo Cabral, os charlatães continuam com seu

“trabalho”, algo que não surte efeito, engana as pessoas e que:

[...] para encobrir as suas atividades grandemente rendosas e ao mesmo tempo criminosas, fazendo os doentes perder tempo precioso na conquista da própria saúde, iludindo-os com promessas de curas impossíveis, enganando os desenganados, furtando aos incuráveis as últimas economias em troca de falazes esperanças, encobrindo, em resumo, com a roupagem da piedade, tão do grado de toda a gente, de toda a parte e de todos os tempos, a mais torpe das explorações. 93

Cabral, por ter uma visão contrária aos curandeiros, tendo em vista sua formação

médica, diria que este exercício ilegal da medicina, sem estar habilitado, é algo tão antigo

quanto a própria arte de curar, ressaltando para o momento em que profissionais habilitados

91 CARUSO, C. Raimundo. Vida e cultura açoriana em Santa Catarina: 10 entrevistas com Franklin Cascaes. Florianópolis: Cultura Catarinense, 1997. p.96-97. Apud MORAES, L. Op. Cit., p.164. 92 WEBER, B. T. Op. Cit. p.115-116. 93 CABRAL, O. R. Op. Cit. p.117.

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conseguiram leis e normas que restringisse as atividades de curandeiros e charlatães, ainda

que estes garantissem suas atividades às margens da lei, podendo aperfeiçoar seus métodos.

No entanto, é necessário ressaltar que dentro da medicina oficial, evidenciaram-se

muitas terapias que provinham do conhecimento popular, fazendo com que estes

procedimentos tivessem que ser comprovados cientificamente. Em nota do jornal O Dia, há a

recomendação de um médico para o uso das folhas de aroeira na cura da tuberculose,

inchaços, sífilis e reumatismo, ressaltando que essa descoberta de cura através das plantas

deu-se através da observação dos costumes dos “roceiros”.94 Ou seja, era a medicina oficial se

apropriando e legitimando, ao menos nesse caso, o uso do conhecimento popular sobre

plantas e ervas na cura de doenças corriqueiras. Contudo, Ferreira ressalta que ainda assim

muitos médicos consideravam essa cura feita por leigos, falha, já que era vaga, incerta e

sujeita a erros.95

Em tese, outro elemento chave no combate ao charlatanismo é a imprensa. Visto que

apoiaria os médicos higienistas através de um discurso sobre os perigos dos curandeiros e o

poder de persuasão presente nestes charlatães, através de um discurso onde somente pessoas

ignorantes, desqualificadas, pobres e manipuláveis consultariam esses “curadores”. A

imprensa iria reforçar tudo aquilo que pudesse auxiliar na imagem de uma cidade civilizada e

com novas normas de higiene, incluindo notas para as pessoas que nela habitam. Um exemplo

são os chamados para vacinação da população em geral96 e desinfecção de casas97 feitos pela

Inspetoria de Saúde, ou ainda “conselhos” ao governo de como agir frente às epidemias, na

manutenção da saúde pública e na assistência aos doentes, contratando “profissionaes

idoneos”.98

Uma vez que os jornais denunciavam os charlatães, os periódico científicos, como as

Revistas de Medicina, igualmente tentavam mostrar aos leitores, na maioria leigos, as

vantagens da medicina científica, fazendo assim críticas aos costumes populares, que para os

médicos, eram extremamente prejudiciais à saúde. Os artigos presentes nas revistas

procuravam trazer aos leitores os mais diversos assuntos relacionados à saúde e medicina, tais

como perigo do misticismo, inconveniência do uso de remédios secretos, papel da medicina e

os preconceitos existentes.99

94 Jornal O Dia, 31 jan. 1917, nº 8491, ano XVII, p.3. 95 FERREIRA, L. O. Op. Cit. p. 108-109. 96 Jornal O Dia, 05 fev. 1910, nº 4453, ano X, p.1 97 Jornal O Dia, 10 out. 1910, nº 4654, ano X, p.1 98 Jornal O Dia, 15 out. 1910, nº 4657, ano X, p.2 99 FERREIRA, L. Op. Cit. p.115-116.

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Por isso os curandeiros passaram a serem vistos como o “outro” 100 na sociedade,

sendo necessária sua eliminação.101 De acordo com Cascaes, por muito tempo as práticas de

cura estiveram presentes no dia a dia da população, e esses curandeiros, místicos, práticos,

benzedores, não viam a doença apenas como um mal do corpo, mas com algo também

presente na alma. Podemos verificar que nas sociedades são desenvolvidos singularmente,

sistemas de cura popular e a partir disso, a crença nessas curas, já que são transmitidas

oralmente, por gerações, dentro de uma comunidade. E é exatamente isso que também vai

ocorrer em Florianópolis:

Um grande número de práticas de cura conviveu em Desterro/Florianópolis, durante os primeiros tempos, conjugando elementos advindos das culturas indígena, africana e européia; associando magia e empirismo. Esses hibridismos são próprios dessa sociedade e estão arraigados à vida cotidiana da população. 102

3.2 Da publicidade no jornal: pílulas, elixires, emulsões, terapias e serviços

Mesmo que houvesse uma tentativa de denegrir as práticas e tratamentos não oficiais,

os jornais emitiam notas com indicações de remédios para certas doenças, e muito pode ser

visto através de propagandas que relatavam os casos curados com sucesso através dos

preparados anunciados:

Srta. Leonor Pedrozo Embelecida com a EMULSÃO DE SCOTT “Minha filha Leonor padeceu durante varios annos de Eczema e Anemia. Recorri a todos os medicamentos sem obter proveito algum, até que tive a feliz ideia de dar-lhe a Emulsão de Scott que lhe restituiu a saude.” – ANTONIO PEDROZO, Campinas, Brazil.103 Um remédio santo Pensava no suicidio tal era o seu estado Depois de desenganado, obteve a cura!!

100 Se durante as reformas urbanas o “outro” era tido como aquele que não vivia de acordo com as normas de higiene e salubridade pública, era a pobreza e os doentes, no contexto de legitimação da medicina o “outro” é aquele que cura segundo as crenças populares ou terapias alternativas às científicas. 101 MORAES, L. O. Op. Cit., p. 179. 102 MORAES, L. Op. Cit., p. 190. 103 Jornal O Dia, 05 de outubro de 1911. nº 4936, ano XI, p.3

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Sua gratidão ao Elixir de Nogueira, é immorredoura. [...] Minha vida tornava-se um fardo pesado, apesar de meus vinte e poucos annos de edade; sentia-me infeliz, pois até repugnância causava a todos; já desenganado e sem uma pallida esperança, que fosse de restabelecer-me fui aconselhado por amigos, a tomar o grande e santo depurativo Elixir de Nogueira do pharmaceutico SILVEIRA; confesso que usei o Elixir sem minima esperança. Ao cabo de alguns dias de tratamento, já sentia-me mais vivaz tendo desapparecido parte das dores: com alguns vidros mais fiquei radicalmente curado, e estou prompto a affirmar tudo o que digo a qualquer pessoa que duvidar de minha cura. [...]104

Os exemplos acima, respectivamente o Emulsão Scott e Elixir de Nogueira,

diariamente traziam notas nas páginas de tribuna livre anunciando sua eficácia e venda nas

melhores farmácias. Ora, se por um lado havia uma preocupação por parte das autoridades e

comunidade médica para evitar que a população se utilizasse de métodos e remédios que não

fossem indicados por alguém especializado, através de uma consulta ou prescrição, por outro

lado, nada se viu contra a indicação e venda destes preparados anunciados nos jornais de

maneira livre e indiscriminada. Ainda, essas propagandas por trazerem casos verídicos de

pessoas que estavam à beira da morte e que graças ao preparado puderam se curar, mostra a

influência que estes meios de comunicação e divulgação exerciam sobre a população.

Cabral ainda relata que durante anos, os jornais traziam receitas e indicações para as

mais diferentes mazelas, como, por exemplo, o uso das “bichas” ou sanguessugas, que eram

alugadas através de anúncios feitos por barbeiros nos periódicos e indicados pelos próprios

médicos. Estas eram utilizadas para os mais diversos fins, desde dores de cabeça, processos

inflamatórios, até casos de pneumonia105. Anos mais tarde, os anúncios nas páginas do jornal

O Dia indicariam tratamentos, de acordo com as próprias propagandas, sem o uso da

medicina, à base de “massagens e banhos eletricos”, como os feitos por Henrique Kurfan para

os casos de “rheumatismo, hemorrhoides, flores brancas, urinas soltas, molestias intestinaes,

sexuaes, ichias, febre typhoide e diabetes”106; as sessões de hipnose e terapia magnética,

indicando o especialista presente na capital, Prof. Vitor, ressaltando “[...] ao doentes que

quizerem utilizar-se dos beneficios do Magnetismo e Hypnotismo offerece seus serviços

inteiramente gratuitos” 107; ou ainda submeter fichas de inscrição para que o indivíduo

recebesse a influência dos representantes da União Mental, a fim de que pudesse ter poderes

psíquicos para a cura de doenças, para hipnotizar e magnetizar, neutralizar os maus

104 Jornal O Dia, 12 de junho de 1917. nº 8659, ano XVII, p.3 105 CABRAL, O. R. Op. Cit. p.94. 106 Jornal O Dia, 27 nov. 1915, nº 8140, ano XV, p.3 107 Jornal O Dia, 22 mai. 1910, nº4536, ano X, p.2

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presságios, favorecer a sorte. Este anúncio em específico, ressalta que a pessoa que desejasse

adquirir todos esses “dons”, deveria ser honesta e não utilizar dos segredos da União “para

fins desleaes”108.

Igualmente anunciados, eram os comprimidos e xaropes para sífilis, tuberculose, lepra,

anemia e inanição, todos eles incentivados pelos jornais, de modo que não havia uma

prescrição médica, mas apenas a promessa de cura “milagrosa”. Estes medicamentos, como já

explicitado, eram vendidos em boticas, armazéns, casas de ferragens. Um bom exemplo disso

são as Gotas Verdes Magnetisadas do Dr. E. A. Wollitz, que como o próprio anúncio dizia,

era um remédio caseiro universal, de suma eficácia, indicado para as mais diversas moléstias

como as do “estomago, apparelho disgestivo, em caso de gastralgia, asthma, [...]

resfriamentos, influenza e coqueluche.”109; as Pílulas do Abbade Moss que segundo

anunciado no jornal, nada mais era que um potente digestivo e regulador intestinal110; os Bons

remedios caseiros, que intitulavam a nota sobre os preparados farmacêuticos de Georg

Boettger111; ou ainda o Vermil, “o mais poderoso vermifugo da flora indigena [...] dezenas de

atestados de curados atestam a eficacia deste medicamento”112

Desta forma, de acordo com os anúncios veiculados no jornal O Dia, a maioria dos

medicamentos tinha como finalidade curar o maior número de males possíveis, talvez algo

como uma concorrência entre eles, já que em geral, as promessas de cura eram as mesmas e

para os mesmos problemas, sempre com depoimentos de pessoas que os utilizaram e

“salvaram suas vidas” através deste ou daquele preparado.

Interessante ressaltar que, no período pesquisado, na sessão de Prisões do jornal O

Dia, muito se viu de indivíduos que eram presos devido à embriaguez e desordem. Logo, uma

campanha contra o alcoolismo era divulgada nas páginas do periódico, com conselhos e dicas

a serem seguidas pelos leitores a fim de que não sofressem ou ainda se curassem desse mal.113

Em cima desta campanha, havia o aproveitamento dos laboratórios farmacêuticos, que

divulgavam seus remédios milagrosos para a “cura de tão pernicioso vício”114.

Como podemos ver, estes eram anúncios feitos livremente nas páginas do periódico,

sem recomendações oficiais, ainda que algumas vezes pudessem ser vistos os depoimentos de

108 Jornal O Dia, 04 ago. 1911, nº 4886, ano XI, p.3 109 Jornal O Dia, 01 jan. 1917, nº 8466, ano XVII, p.12 110 Jornal O Dia, 03 jan. 1917, nº 8467, ano XVII, p.5 111 Jornal O Dia, 07 jan. 1917, nº 8471, ano XVII, p.6 112 Jornal O Dia, 30 mai. 1917, nº 8645, ano XVII, p.4 113 Jornal O Dia, 10 nov. 1917, nº 8730, ano XVII, p.1 114 Jornal O Dia, 03 jan. 1917, nº 8467, ano XVII, p.6

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médicos garantindo a eficácia. Contudo, estes depoimentos nunca eram de médicos da capital

catarinense, mas de outras cidades do país, o que nos leva à teoria de que citar o

reconhecimento desses medicamentos fora de Florianópolis garantisse a legitimação desses

preparados: “CRUZVALDINA. Este poderoso desinfectante não só recommenda-se pela sua

superioridade como tambem pelos innumeros attestados de reconhecidos medicos. [...]”115,

ainda que muitas dessas campanhas fossem de âmbito nacional e por isso os depoimentos de

diversos cantos do país.

3.3 Dos curadores e suas curas

Dentro das práticas de cura, os curadores eram pessoas comuns, que na sua maioria,

ajudavam os parentes e amigos doentes. As práticas de que se tem registro são as mais

diversas, desde benzeduras e homeopatias até remédios caseiros.

3.3.1 Benzedeiras

As benzedeiras, através de rezas, palavras secretas e elementos da natureza – como

ervas – pediam a cura e afastavam o mal. As benzeduras tinham como objetivo, aliviar, além

das doenças, as preocupações do cotidiano difícil, geralmente relacionado com as condições

materiais de subsistência.116 As benzeduras, de forma geral, não apresentavam grande

preocupação às autoridades fiscalizadoras ou aos médicos por se tratar de rezas e simpatias,

sem envolver medicamentos, fossem eles naturais ou industrializados. A inquietação das

instituições oficiais se dava nas práticas que ministravam e recomendavam o uso de

substâncias aos pacientes para a cura espiritual. Importante ressaltar que as benzeduras aceitas

e legitimadas na época eram ligadas à religião católica.117 Sobre benzeduras e benzedores,

Cabral diz que “se não é socorro, ao menos é uma assistência; se não consegue curar, ao

115 Idem. 116 SOUZA, Laura de Mello. O diabo na terra de Santa Cruz. São Paulo: Cia. das Letras, 1986. p. 246. Apud MORAES, L. Op. Cit., p.198. 117 TRAMONTE, Cristiana. Com a Bandeira de Oxalá! Trajetória, práticas e concepções das religiões afro-brasileiras na Grande Florianópolis. Itajaí: UNIVALI, 2001. p.54-55.

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menos consegue consolar; se não alivia as dores, ao menos mantém a esperança e fortalece a

fé. E muita gente há que não disporá senão pouco mais que isso [...]”118

3.3.2 Padres

Assim como as benzedeiras, os padres faziam curas em nome de Deus e, geralmente,

as funções de padre e “médico” se associavam. Em Florianópolis, essa situação ocorria

geralmente em locais de baixa renda, na periferia, onde a presença de médicos era escassa e

os recursos para remédios também. No entanto, não era o fato de ser um padre a fazer curas

que diminuía as acusações de curandeirismo. Contudo, vale ressaltar que como sacerdote,

acreditava-se que o padre estava diretamente ligado com o divino, sabendo quais palavras

proferir, qual ritual era necessário, atraindo assim, apenas os benefícios para cura e obtendo

certo status entre a população. Ainda, a prática médica ligada à religiosidade era, e ainda pode

ser, vista dentro do Hospital de Caridade, unidade esta mantida pela Irmandade do Senhor dos

Passos. Assim, era a ciência andando lado a lado com a religião. Segundo Weber, os médicos

por serem homens crentes, religiosos, acreditavam na intervenção divina em momentos de

dificuldade para solucionar o que a ciência não era capaz resolver durante os procedimentos

adotados.119

3.3.3 Parteiras

De todas as pessoas ligadas às práticas de cura, a parteira foi uma das únicas funções

que após um período recebeu o reconhecimento da comunidade médica, uma vez que foi

utilizada no tratamento das diversas moléstias de mulheres. Atendido por parteiras ou por

médicos, o corpo da mulher ainda não havia sido estudado o suficiente para que se conhecesse

técnicas obstétricas ou o próprio funcionamento do corpo. Inicialmente, as pessoas recorriam

às parteiras para facilitar o trabalho de parto, recorrendo-se ao médico somente em casos

graves, nos quais a parteira somente não conseguiria resolver. Não só para auxiliar no

momento da gravidez, mas também nos ditos “incômodos”, essas mulheres tratavam das mais

diversos males no útero, o que na época poderia significar diversas doenças venéreas,

inflamações e gravidez indesejada.120 Por mais que existissem remédios específicos para cura

das doenças “femininas”, como por exemplo, A Saúde Feminina, e estes fossem anunciados 118 CABRAL, O. R. A Medicina teológica e as benzeduras. Prefeitura Municipal de São Paulo. Departamento de Cultura. São Paulo: SP, 1958. p.75. Apud TRAMONTE, C. Op. Cit., p.56. 119 WEBER, B. T. Op. Cit. p.98. 120 Ibidem, p.195.

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nos jornais, de acordo com a gravidade ou com o caso específico da paciente. Era necessário

recorrer às parteiras121 ou aos próprios médicos122, que faziam de seus serviços públicos

também através de anúncios123.

As mulheres geralmente eram as mais visadas como alvo das propagandas veiculadas.

Como citado acima, pouco se sabia sobre o funcionamento do corpo feminino e, portanto,

poucos eram os médicos especialistas que tratassem das moléstias da mulher. Muitas das

notas encontradas no jornal O Dia, chamavam a atenção também para as doenças e

reclamações mais comuns nas mulheres à época, como a prostração nervosa124, manchas e

rugas125.

3.3.4 Homeopatas

Outra prática que se tornou comum no Estado, foi a da homeopatia, criada pelo

médico alemão Cristiano Frederico Samuel Hahnemann (1755 – 1843), contrário aos

tratamentos médicos da época, como as sangrias, ventosas e medicamentos sintomáticos

como vomitórios, diuréticos e hipnóticos, que dizia ele serem “perigosas ao paciente”. A

homeopatia objetivava o reequilíbrio entre a força vital e o organismo, curando não apenas a

doença, mas o paciente num todo, corpo físico e corpo vital. Esta doutrina veio ao Brasil em

meados de 1840 pelo intermédio do francês Bento Mure e do português João Vicente Martins,

ambos espiritualistas que demonstraram preocupação com os mais pobres, principalmente

escravos que careciam de tratamento de saúde. Apesar das disputas que ocorreram entre

médicos homeopatas e alopatas, alguns se convenceram das propriedades curativas presentes

na homeopatia. Segundo Weber, houve uma relação entre as práticas homeopáticas e o

espiritismo, uma vez que muitos dos médicos que usavam essa doutrina convertiam-se à essa

crença religiosa e aplicavam ambos como uma maneira de exercer a caridade, além de ser

possível perceber semelhanças entre os conceitos de Hahnemann e Allan Kardec, organizador

da doutrina espírita, fazendo com que fosse preferencialmente utilizada a prática homeopática 121 Jornal O Dia, 30 set. 1915, nº 8095, ano XV, p.3. 122 Jornal O Dia, 06 nov. 1910, nº 4675, ano X, p.4. 123 Os médicos e dentistas divulgavam sua especialidade, local de atendimento, algumas vezes quais métodos empregados no tratamento, o local de onde a técnica utilizada havia surgido. Todas táticas para atrair pacientes demonstrando credibilidade e idoneidade. Jornal O Dia, 01 abr. 1911, nº 4790, ano XI, p.2 Jornal O Dia, 03 jul. 1915, nº 8020, ano XV, p.1 Jornal O Dia, 26 set. 1915, nº 8092, ano XV, p.3 Jornal O Dia, 19 nov. 1915, nº 8134, ano XV, p.4 Jornal O Dia, 01 jan. 1917, nº 8466, ano XVII, p. 12 124 Jornal O Dia, 07 nov. 1911, nº 4961, ano XI, p.2 125 Jornal O Dia, 29 nov. 1911, nº 4978, ano XI, p.1

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nas curas. Ainda assim, a autora afirma que não foi possível encontrar relatos que

especificassem essas práticas e a relação de médicos homeopatas com o espiritismo.126

Em tempos de epidemia, o espiritismo teve um papel importante para a população

carente que sofria com a Hespanhola, como mostra o Jornal O Estado:

A população pobre que não pode adquirir medicamentos nas pharmácias, tem encontrado neste momento difícil o amparo, o auxílio sempre pronto dos sectários da doutrina espírita. O espiritismo demonstra mais uma vez o grande bem que pratica, a sua necessidade absoluta. Os nossos clínicos, em número limitado, já fatigados embora tenham a melhor das vontades não têm podido atender aos centenares de doentes da terrível hespanhola de modo que os núcleos espíritas funcionam como postos de saúde gratuitos; os centros espíritas nada cobram e nada recebem pelos remédios que entregam aos seus consultantes. Esta epidemia veio pôr em prova o valor enorme dos consultores espíritas, e demonstrar a necessidade de sua existência. [...] Bendita obra esta do Espiritismo, que, neste instante difícil patenteia sua extraordinária necessidade! Deus nosso Pai e Criador, quando permitiu que os vivos se comunicassem com os do Além, praticou um dos seus grandes atos em prol dos sofredores da Terra. 127

A prática da homeopatia também iria encontrar adeptos entre leigos e médicos mais

tarde. Ela foi usada também por curandeiros no preparo de doses, mas principalmente, foi

usada por boticários, boticas e licenciados. De acordo com Cabral, o primeiro consultório

homeopata que se tem relato em Florianópolis, foi aberto em 1860, pelo Dr. Lisboa. Dez anos

mais tarde, outro consultório abriria suas portas na cidade, o do Dr. Marques de Faria. Este

último ganharia grande notoriedade como clínico tanto homeopata como alopata, papel este

que fazia quando percebia que as receitas homeopáticas não surtiam o efeito esperado.

Contudo, a notoriedade que estes clínicos recebiam, gerou certo conflito com médicos da

cidade, já que havia trocas de acusações sobre atos e regras éticas através dos jornais.128

Tramonte atenta para o fato de que apesar de não haver espaço para a homeopatia

dentro da medicina oficial, junto à população de baixa renda, famílias numerosas e escravos

eram adeptos dessa prática. Uma vez que a cura através da homeopatia foi inserida e cultivada

pela população, os que se utilizavam dela passaram a ser perseguidos e igualmente

alcunhados de feiticeiros, charlatães, curandeiros e toda e qualquer outra terminologia capaz

126 WEBER, Op. Cit. p. 91-92. 127 Jornal O Estado, Florianópolis, 31.out.1918. p.2. Apud MORAES, L. Op. Cit., p.220. 128 CABRAL, O. R. Op. Cit. p.112.

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de “marginalizar e criminalizar” as práticas de cura.129 O uso dos meios de comunicação

como forma de informar e legitimar o discurso dos médicos no início do século XX pode ser

encontrado em outras regiões do Brasil. Já Renata Palandri Sigolo mostra como foi

importante – e intenso – o debate entre os médicos homeopatas e alopatas no início do século

passado. Centrado na trajetória de vida de Nilo Cairo, a obra de Sigolo trás à tona o “universo

de debates” travado através da imprensa e da educação, sobretudo no meio acadêmico. Assim,

Sigolo ressalta que

No caso da medicina oficial, sua preocupação em transformar seu discurso enquanto verdade única sobre a saúde e a doença caminha paralelamente a sua institucionalização, via academias, e a perseguição de outras práticas de cura. Isto ocorre em fins do século XVIII e início do XIX, num momento em que a vontade de verdade na medicina se baseava no paradigma racional, que considerava a observação, a experimentação e a possibilidade de verificação como alguns de seus pontos chaves. Tudo que estava fora destes parâmetros estava fora da medicina, e pertencia ao plano da crendice popular. Assim, o discurso, para pertencer a uma disciplina – como no caso, a medicina – deve pertencer a um corpo teórico definido.130

3.4 Das campanhas médicas

Apesar dos anúncios e notas sobre homeopatas, parteiras e remédios contra as mais

diversificadas doenças, em tempos de epidemias, o jornal O Dia alertava a população sobre as

moléstias. Como, por exemplo, quando anunciaram um caso de varíola confirmado na

cidade131 e a campanha de vacinação feita para esta doença132. Ou ainda durante o surto de

“febre typhica” que assolava o estado Paraná, durante o ano de 1917. O jornal emitiu

conselhos à população catarinense sobre medidas profiláticas a serem tomadas a fim de que

não contraissem a doença133. As formas de contágios, medidas profiláticas, o estado sanitário

em que se encontrava o estado de Santa Catarina – divulgando os relatórios da Inspetoria de

129 TRAMONTE, C. Op. Cit. p.49. 130 Cf. SIGOLO, Renata Palandri. Em busca da “Sciencia Medica”: a medicina homeopática no início do século XX. 1999. (Tese de doutorado) Universidade Federal do Paraná. p.15 131 Jornal O Dia, 05 set. 1915, nº 8073, ano XV, p.1. 132 Jornal O Dia, 26 set. 1915, nº 8092, ano XV, p.3. 133 Jornal O Dia, 20 out. 1917, nº 8713, ano XVII, p.1. Jornal O Dia, 17 mai. 1917, nº 8632, ano XVII, p.1.

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Saúde enviados ao governador134 - e, sobretudo, manter a população ciente do trabalho

realizado por esta Inspetoria, que de “tudo fazia para que as moléstias fossem controladas”.

Assim, algumas chamadas específicas ilustram esse “serviço de utilidade pública” feito pelo

jornal: “Chamamos a attenção dos srs. clinicos para estes productos (adquiridos pela

Inspetoria) que representam valiosas acquisições therapeuticas da medicina moderna.”135; ou

por vezes enaltecendo os serviços prestado pelas autoridades: “Felizmente o governo, por

intermedio da Inspectoria de Hygiene tem agido prompta e critertosamente, já

commissionando medicos, já remettendo ambulâncias [...] instruido sobre o que deve fazer

para evitar a epidemia reinante em cada lugar.”136

Por se tratar de um jornal diretamente relacionado ao governo, foi possível perceber,

ainda que geralmente em torno de soluções aos surtos epidêmicos, a recorrência em pedidos

às autoridades da Inspetoria de Higiene para que utilizassem de seus “recursos científicos” no

controle das doenças, não remetendo a população ao uso de práticas não oficiais.137

Há também o uso das plantas com fins curativos, mas fora do contexto de garrafadas,

tônicos ou semelhantes. Era o uso da sabedoria popular utilizada por ricos, pobres, pessoas

interioranas ou das cidades, fazendo dos chás remédios para alívio de dores e sintomas ou, até

mesmo, curar determinadas doenças. A maioria dos jornais trazia em seu interior, dicas de

plantas para determinadas doenças e como utilizá-las. Talvez, ao trazer informações sobre

remédios caseiros ou mesmo propagandas de tônicos, elixires e comprimidos, medicamentos

esses que não necessariamente requeriam uma consulta ou prescrição médica, nas páginas do

O Dia, possamos perceber o tradicionalismo da cultura popular nos costumes da população.

No caso dos chás, seria um costume inofensivo, diferente da atuação dos charlatães que

faziam e prescreviam remédios os quais não se sabia qual o efeito sobre a doença.

Os remédios que apareciam nas notas do jornal O Dia eram, em grande parte, muito

semelhantes à medicina popular utilizada pela população, como por exemplo ervas medicinais

e chás. Desta forma podemos levantar uma hipótese de que a indústria farmacêutica tentava se

aproximar - e legitimar - da população, utilizando remédios que eram em si semelhantes aos

que os cidadãos vinham utilizando. Contudo, é importante ressaltar que não é possível tirar

134 Jornal O Dia, 30 jul.1915, nº 8042, ano XV. Suplemento d'O Dia: mensagem apresentada ao Congresso Representativo do Estado pelo exmo. Sr. Major João Guimarães Pinto, presidente do mesmo Congresso, no exercício do cargo de Governador. p. 02 135 Jornal O Dia, 22 dez. 1915, nº 8164, ano XV, p.1 136 Jornal O Dia, 11 mar. 1917, nº8524, ano XVII, p.2 137 Jornal O Dia, 13 mai. 1917, nº8628, ano XVII, p.1

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conclusões diretas, mas sim levantar questões, em virtude da escassez de informações que

esta fonte oferece.

Cabral diz que os charlatães continuam a existir, bem como os espíritas que distribuem

homeopatias e que, para os médico assim como ele, é difícil dizer à um paciente que sua cura

não será alcançada, conferindo ao doente um sofrimento ainda maior por saber de seu destino.

Desta forma, segundo o autor, os charlatães utilizavam-se do desengano alheio e da falta de

opções dada pela medicina para obtenção de lucros, prometendo curas impossíveis através de

processos secretos. Talvez por este motivo, ressalta ele, sempre se acreditou e ainda se

acreditará nos curandeiros, por seu caráter de cura do impossível, através de águas, garrafadas

e mezinhas e benzeduras, curando doenças que a medicina não explica ou cura, como os

quebrantos e maus olhados.138

Em relação às práticas de cura em Florianópolis, João Almeida tece o seguinte

comentário:

E como acreditar o contrário, quando se observa o mais revoltante e perigozo charlatanismo que em bem poucos lugares do mundo se terá visto? Se tudo se limitasse a praticas absurdas e ridículas, podia-se encolher os ombros e seguir avante; mas não há somente benzedores, tiradores de quebranto, levantadores de espinhella cahida &; há cousas revoltantes. 139

Esforços não faltaram para acabar com os charlatães, no entanto, é necessário ressaltar

que não só os pobres e ignorantes recorriam aos métodos alternativos e acreditavam em

charlatães, tendo em vista que muitos da elite faziam uso desses serviços. Contudo, de acordo

com Weber, que ao escrever em defesa dos métodos de cura alternativos e referindo-se ao Rio

Grande do Sul do início da república, a autora ressalta que

“Nos vestígios que chegaram até nós, percebemos que os envolvidos nessas práticas não estavam apenas reagindo aos procedimentos impostos pela medicina científica. Muitas delas eram construções dos grupos sociais com elementos aos quais tinham acesso, segundo as crenças e rituais tradicionalmente conhecidos por eles. Não havia apenas reações ao controle dos saberes dominantes, mas uma produção/articulação própria de saberes, de acordo com a origem de cada um daqueles grupos ou de acordo com as possibilidades entrevistas por eles.”140

138 CABRAL, O. R. Op. Cit. p.124. 139 ALMEIDA, João R. de, Ensaio sobre a salubridade, estatística e patologia na Ilha de Santa Catarina e, em particular, da cidade do Desterro. Desterro: (Mimeo), 1863. Apud MORAES, L. Op. Cit., p.242-243. 140 WEBER, B. T. Op. Cit. p. 179.

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Esses vestígios, práticas e reações os quais a autora se refere também puderam ser

percebidos em Florianópolis, uma vez que independente das ações governistas em trazer um

novo modelo de espaço urbano através das reformas sanitárias e dos projetos urbanísticos e

higienistas, as práticas de cura que já fazendo parte do conhecimento e cultura popular, não

deixaram de existir, usadas de acordo com cada grupo social e suas tradições.

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Considerações Finais

Durante o processo de reestruturações das cidades - fosse Paris, Rio de Janeiro ou

Florianópolis -, havia a iminente vontade das elites e poderes públicos em modernizar o

espaço urbano transformando-o em um local salubre e apto para o desenvolvimento humano

sem as epidemias que tanto assolavam o período. Os demais segmentos da população que se

encontravam às margens da sociedade, eram levados ao cumprimento de inúmeros códigos de

postura, sendo assim desalojados de suas casas para a abertura de ruas e avenidas que visavam

o saneamento urbano, e às regras impostas pelas Inspetorias de Saúde e Higiene para o

controle de epidemias. O que se viu ao longo do século XIX e início do século XX, foi a

exclusão de indivíduos que ameaçassem o progresso almejado para a sociedade, fazendo com

que parte da população representasse apenas empecilhos a serem retirados do cenário urbano,

uma vez que acreditava-se que os mais humildes eram os responsáveis pela insalubridade,

transmissão de doenças e desordem existente nas cidades.

Em Florianópolis, apesar das metas e preocupação do governo em tornar a cidade

próspera e moderna através da construção de avenidas, instalação de sistemas de esgotos e

encanamento de água, desapropriação de casas que considerasse pôr em risco a saúde e

higiene da população, essas medidas pouco ajudaram para modificar radicalmente o cenário

da capital. Isso porque o acesso a esses recursos despendia de dinheiro e, a maioria dos

moradores da cidade não dispunha deste capital para adquirir, por exemplo, ao sistema de

esgoto imposto por lei governamental. Assim, por mais que entre as elites e administradores o

desejo de progresso existisse, os altos custos acabavam por isolar ainda mais dos projetos

urbanísticos e sanitários, alguns setores mais humildes da população.

Concomitante ao contexto de reformas, existia a vontade de tornar a medicina oficial

legítima entre a sociedade, fazendo com que as práticas de cura utilizadas até então, fossem

deixadas de lado. Todas essas medidas, reformas e necessidades de legitimação, eram

noticiadas nos periódicos veiculados em Santa Catarina. Desta forma, inúmeras notas

publicitárias de médicos podiam ser vistas nas páginas do jornal O Dia, indicando este ou

aquele médico, especialistas nas mais diversas áreas. Ao mesmo tempo em que médicos

faziam suas propagandas, laboratórios farmacêuticos divulgavam seus milagrosos tônicos e

comprimidos; parteiras faziam de seus serviços públicos; terapias através da hipnose e

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massagens magnéticas “sem o uso da medicina” eram noticiadas; homeopatias, benzeduras e,

por fim, plantas com a finalidade de curar as mais diversas doenças e indicadas por médicos.

Contudo, apesar das tentativas da elite intelectualizada em alertar a população através

do discurso das reformas sanitárias e urbanas sobre os perigos das práticas de cura,

classificando-os como charlatanice, existia o interesse de legitimar a ciência médica perante a

população deixando de lado antigos hábitos da cultura popular. Dessa forma, nas primeiras

décadas do século XX, os profissionais da saúde, acreditavam que o avanço da medicina

oficial eliminaria toda e qualquer prática de cura não oficial. Ainda assim, mesmo o jornal O

Dia sendo um órgão do partido Republicano e fazendo parte do governo, não se verificou nas

notas e propagandas, como supunha a tese original desta pesquisa, a denúncia por parte dos

redatores a respeito dos métodos curativos não oficializados presentes na sociedade

florianopolitana da década de 10. Essa falta de “denúncia” pode estar ligada a tradição e ao

costume que já se encontrava arraigado na mentalidade e no cotidiano da população, ainda

que normas e restrições à essas práticas existissem. Talvez, através do recorte temporal que

abrangesse todo o período da Primeira República, e com a análise de outras fontes como, por

exemplo, os autos referentes aos anos de 1889 à 1930, seja possível perceber tal problemática

Apesar do constante avanço da ciência médica, as práticas de cura alternativas

continuam presentes no cotidiano do catarinense. Um bom exemplo são os pacientes

desenganados por médicos que procuram por curandeiros, benzedores ou conselheiros

espirituais na busca de um tratamento alternativo para a doença. Isso não quer dizer que estes

pacientes abandonam os remédios alopáticos prescritos; eles apenas procuram uma alternativa

ao tratamento tradicional. Ainda assim, algumas pessoas preferem o uso apenas da medicina

alternativa como aliado para cura. Contudo, o uso das práticas não se restringia ao uso

medicinal, tendo em vista que a procura por “conselheiros espirituais” – como benzedores,

por exemplo – é algo corriqueiro para muitos. Portanto, é possível perceber a influência de

todos os tipos de práticas de cura sobre a população catarinense, tanto como complemento em

tratamentos, quanto como único meio de tratamento, ou ainda, como forma de aliviar os

males da alma.

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49

Bibliografia

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