Sobre Necessidades e Desejos: ou os Conflitos que Impactam ... e... · A Teoria das Necessidades...

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Sobre Necessidades e Desejos: ou os Conflitos que Impactam a Aceitação de Novos Projetos On Needs and desires: or the conflicts that might affect the acceptance of new projects GUIMARÃES, Lia Buarque de Macedo Ph.D., CPE - Laboratório de Otimização de Produtos e Processos / Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção / Universidade Federal do Rio Grande do Sul Palavras-chave: necessidades, desejos, aceitação de projetos. Este artigo apresenta sete casos de projeto de postos de trabalho, desenvolvido com o método de design participativo. Considerando as facilidades e dificuldades de desenvolvimento e avaliação das propostas projetuais, concluiu-se que o sucesso da implementação do projeto depende do atendimento das necessidades dos usuários e, principalmente, dos desejos da organização. Keywords: needs, desires, project acceptance. This paper presents seven case studies on workstation design, developed according to the participatory design approach. Taking into account the outgoings during project development and validation of proposals, the conclusion is that project implementation only succeeds when design meets the users´ needs and, mainly, the company´s desires. Introdução Projetar para a usabilidade com base nas considerações sobre as necessidades dos clientes representa economia de tempo e dinheiro para o consumidor e economia para a empresa no que tange o desenvolvimento de produto e colocação do mesmo no mercado, e um aumento da repercussão positiva da imagem da empresa (NORMAN, 1989). A identificação das necessidades dos usuários é uma questão básica para o desenvolvimento de um projeto, já que um parâmetro de avaliação de um bom produto é, sem dúvida, sua aceitação. “O melhor produto é aquele que as pessoas usam e gostam de usar” conforme dizia uma propaganda da Apple MacIntosh comparando seu computador com o concorrente IBM. Para tanto, são feitas pesquisas de mercado que esperam acertar as expectativas do consumidor mas nem sempre funcionam porque, muitas vezes, não são feitas as perguntas certas aos clientes em potencial. Um exemplo anedótico é o do cortador de grama americano: a equipe de marketing entendeu que o mercado queria um cortador todo computadorizado e programável para reconhecer o espaço a ser cortado e fazer o serviço sozinho eliminando, assim, o esforço do usuário: mas foi um fracasso de venda porque o usuário queria mesmo é se distrair cortando grama e interagir com o vizinho... (SUNDAY TIMES, 1994). O que se aprende com estas experiências é que nem sempre as necessidades identificadas pelos especialistas atendem os desejos do cliente, ou talvez, que nem sempre os desejos do cliente estão alinhados com as soluções projetuais derivadas das necessidades identificadas pelos especialistas. Segundo Kotler (2000 p.33), “as necessidades descrevem exigências humanas básicas. As pessoas precisam de recreação, educação e entretenimento. Essas necessidades se tornam desejos quando são dirigidas a objetos específicos capazes de satisfazê-las. Um norte-americano necessita de comida, mas deseja um hambúrguer, batatas fritas e um refrigerante. Um habitante das ilhas Maurício necessita de comida mas deseja uma manga, arroz, lentilhas e feijão. Desejos são moldados pela sociedade em que se vive”. Para auxiliar no desenvolvimento de projetos de produto orientado ao usuário, reduzindo, assim, a chance de fracasso, algumas ferramentas foram propostas. O “kansei engineering” (NAGAMACHI, 1999) basicamente levanta as sensações e as imagens dos usuários com relação a um certo produto e, usando recursos computacionais, transforma-as em parâmetros físicos de projeto, inclusive em especificações mecânicas. Com este recurso, já foram projetados de roupas íntimas a automóveis, principalmente para as indústrias japonesas. No entanto, é uma ferramenta que não se aplica tão facilmente a novos produtos, já que não se

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Sobre Necessidades e Desejos: ou os Conflitos que Impactam a Aceitação de Novos ProjetosOn Needs and desires: or the conflicts that might affect the acceptance of new projects

GUIMARÃES, Lia Buarque de MacedoPh.D., CPE - Laboratório de Otimização de Produtos e Processos / Programa de Pós-Graduação em

Engenharia de Produção / Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Palavras-chave: necessidades, desejos, aceitação de projetos.

Este artigo apresenta sete casos de projeto de postos de trabalho, desenvolvido com o método de design participativo.Considerando as facilidades e dificuldades de desenvolvimento e avaliação das propostas projetuais, concluiu-se que osucesso da implementação do projeto depende do atendimento das necessidades dos usuários e, principalmente, dosdesejos da organização.

Keywords: needs, desires, project acceptance.

This paper presents seven case studies on workstation design, developed according to the participatory designapproach. Taking into account the outgoings during project development and validation of proposals, the conclusion isthat project implementation only succeeds when design meets the users´ needs and, mainly, the company´s desires.

Introdução

Projetar para a usabilidade com base nas considerações sobre as necessidades dos clientes representaeconomia de tempo e dinheiro para o consumidor e economia para a empresa no que tange odesenvolvimento de produto e colocação do mesmo no mercado, e um aumento da repercussão positiva daimagem da empresa (NORMAN, 1989). A identificação das necessidades dos usuários é uma questão básicapara o desenvolvimento de um projeto, já que um parâmetro de avaliação de um bom produto é, sem dúvida,sua aceitação. “O melhor produto é aquele que as pessoas usam e gostam de usar” conforme dizia umapropaganda da Apple MacIntosh comparando seu computador com o concorrente IBM. Para tanto, são feitaspesquisas de mercado que esperam acertar as expectativas do consumidor mas nem sempre funcionamporque, muitas vezes, não são feitas as perguntas certas aos clientes em potencial. Um exemplo anedótico é odo cortador de grama americano: a equipe de marketing entendeu que o mercado queria um cortador todocomputadorizado e programável para reconhecer o espaço a ser cortado e fazer o serviço sozinhoeliminando, assim, o esforço do usuário: mas foi um fracasso de venda porque o usuário queria mesmo é sedistrair cortando grama e interagir com o vizinho... (SUNDAY TIMES, 1994). O que se aprende com estasexperiências é que nem sempre as necessidades identificadas pelos especialistas atendem os desejos docliente, ou talvez, que nem sempre os desejos do cliente estão alinhados com as soluções projetuais derivadasdas necessidades identificadas pelos especialistas.

Segundo Kotler (2000 p.33), “as necessidades descrevem exigências humanas básicas. As pessoas precisamde recreação, educação e entretenimento. Essas necessidades se tornam desejos quando são dirigidas aobjetos específicos capazes de satisfazê-las. Um norte-americano necessita de comida, mas deseja umhambúrguer, batatas fritas e um refrigerante. Um habitante das ilhas Maurício necessita de comida masdeseja uma manga, arroz, lentilhas e feijão. Desejos são moldados pela sociedade em que se vive”.

Para auxiliar no desenvolvimento de projetos de produto orientado ao usuário, reduzindo, assim, a chance defracasso, algumas ferramentas foram propostas. O “kansei engineering” (NAGAMACHI, 1999) basicamentelevanta as sensações e as imagens dos usuários com relação a um certo produto e, usando recursoscomputacionais, transforma-as em parâmetros físicos de projeto, inclusive em especificações mecânicas.Com este recurso, já foram projetados de roupas íntimas a automóveis, principalmente para as indústriasjaponesas. No entanto, é uma ferramenta que não se aplica tão facilmente a novos produtos, já que não se

pode indagar o usuário sobre uma sensação transmitida por um tipo de produto que ele nunca experenciou.Uma forma de minimizar a não aceitação de novos produtos é usando o recurso do design participativo(CROSS, 1971) que, ao engajar o usuário no desenvolvimento do projeto, torna-o cúmplice e, portantomenos reativo às inovações. O design participativo tem sido utilizado principalmente no design de postos,equipamentos e ferramentas de trabalho.

Historicamente, as raízes do design participativo remontam a 1960, com as discussões sobre as relações entreo trabalho e os valores democráticos na Escandinávia. Entendia-se que estes valores da sociedade deveriamser estendidos à indústria, de modo a gerar mais oportunidade de aumento do engajamento individual, queera um meio de aumentar a produtividade e eficiência. As razões para a participação do usuário são: ampliaro conhecimento de como os sistemas são construídos, permitir que os usuários tenham expectativas maisrealistas do que está sendo projetado e esteja menos reativo à mudança, aumentar a democracia, dando aosmembros de uma organização o direito de participar das decisões que vão afetar se trabalho, ou sua vida.

Confiando nesta estratégia, há dez anos o design participativo tem sido utilizado pelo grupo de Design eErgonomia do LOPP/PPGEP/UFRGS para o desenvolvimento de produtos e processos. Neste tempo, algunscasos de sucesso e outros de insucesso permitiram a reflexão de que apesar de atendidas as necessidades,nem sempre se contemplava os desejos dos usuários. Este artigo apresenta o método utilizado nestes projetose discute seus erros e acertos, de forma a subsidiar uma reflexão sobre as estratégias de validação necessáriaspara alinhar as necessidades e desejos dos usuários.

Método

O método de design participativo, usado em todos os casos discutidos neste artigo, considera comoparâmetros o atendimento das necessidades dos usuários (do uso final, de manutenção e de fabricação doproduto), do meio ambiente (redução do impacto ambiental) e do sistema produtivo (redução dos custos defabricação, facilidade de execução, transporte etc). O atendimento das necessidades dos usuários éconsiderado à luz das funções prática, estética, simbólica (LÖBACH, 1976) e ecológica, considerando queestas funções têm um comportamento que se aproxima ao atendimento das necessidades propostas porMaslow (1970), de acordo com a figura 1.

Figura 1. Relação entre necessidades e desejos (KOTLER, 2000), a hierarquia de necessidades de Maslow (1970), e astrês funções básicas de um produto (LÖBACH, 1976).

A Teoria das Necessidades considera que as necessidades humanas estão dispostas ao longo de uma escalahierárquica em cinco níveis (necessidade fisiológicas, segurança, sociais, estima e auto-realização) sendo queas necessidades mais básicas devem ser atendidas primeiro, para que as subseqüentes passem a terimportância. À medida que uma necessidade é preenchida, ela perde sua capacidade motivacional e assubseqüentes passam a ser o foco. Fazendo uma relação entre esta hierarquia, a abordagem das necessidadese desejos de Kotler (2000) e as funções de um produto, Guimarães (1999) propõe que estas assumem menorou maior peso conforme o tipo de produto ou a necessidade do usuário: a função prática é mais premente

quando ainda há necessidades básicas a preencher. As funções estética e simbólica preponderam quando afunção primária do produto já foi atendida, e o usuário precisa satisfazer seus desejos de pertinência a umdado grupo ou de referência a um status.

A ferramenta que viabiliza a participação dos usuários nos projetos desenvolvidos pelo grupo de Design &Ergonomia do LOPP/PPGEP/UFRGS é o Design Macroergonômico ou DM (FOGLIATTO eGUIMARÃES, 1999) que objetiva incorporar a demanda ergonômica do usuário, ou seja, as suasmanifestações, no design de produtos e processos. O DM é operacionalizado em sete etapas, por meio dautilização seqüenciada de um conjunto de técnicas estatísticas e de análise de decisão que compreendemferramentas para seleção de amostras e coleta de dados, tais como questionários e entrevistas estruturadas,bem como estratégias para organização das informações obtidas. Essas técnicas são utilizadas nas etapas (i)e (ii) do DM sendo: (i) identificação do usuário e coleta organizada de informações acerca de sua demandaergonômica; e (ii) priorização dos itens de demanda ergonômica (IDEs) identificados pelo usuário, com oobjetivo de criar um ranking de itens demandados. As técnicas de análise de decisão contempladas no DMsão as matrizes de comparação em Saaty (1977), e o QFD – Desdobramento da Função Qualidade em Akao(1990) que são utilizadas nas etapas (iii) a (v) sendo: (iii) incorporação da opinião de especialistas(ergonomistas, designers, engenheiros, etc.) com vistas à correção de distorções apresentadas no rankingobtido em (ii), bem como à incorporação de itens pertinentes de demanda ergonômica não identificados pelousuário; (iv) listagem dos itens de design (IDs) a serem considerados no projeto ergonômico de produtos eprocessos; (v) determinação da força de relação entre os IDEs e os IDs determinados em (iv), objetivandoidentificar grupos de IDs a serem priorizados nas etapas seguintes da metodologia. A etapa (vi) refere-se aotratamento ergonômico dos IDs, cujo objetivo é estabelecer metas ou seja, especificações técnicas e valores-alvo que levam em conta aspectos como conforto e segurança, materiais a serem utilizados, viabilidadetécnica, etc. A última etapa do DM é a etapa (vii) que se refere à implementação do novo design eacompanhamento. Nos casos discutidos a seguir, nem sempre foram utilizadas as etapas (iii) a (v).

Em todos os casos, as propostas de soluções foram primeiramente apresentadas em desenho, mas notou-seque a maioria dos participantes não conseguiam captar a idéia proposta. Só pela construção de mock ups eprotótipos, os usuários conseguiam entender o projeto. Em quase todas as situações, alguns usuários quetiveram uma ação mais intensa no processo de design ficaram responsáveis pelo treinamento de seus colegasno uso do novo posto.

Casos

O design participativo foi aplicado a sete projetos de postos de trabalho de empresas do Rio Grande do Sul:1) um projeto de balcão de atendimento e 2) um projeto de posto de call center de uma mesma empresa doramo de comércio; 3) duas células de montagem de uma indústria fabricante de medidores elétricos mono epolifásicos; na seleção de mobiliário de trabalho (principalmente cadeiras) para: 4) diferentes setores de umórgão da Justiça; 5) diferentes setores administrativos e 6) de produção de uma refinaria; e 7) um sistema deauxílio para subida em poste de uma empresa de energia elétrica.

1. O que deu certo... (Projetos 2, 3, 4 e 5)

O posto de call center (projeto 2) foi projetado com alguns itens de conforto não convencionais tais comoum pad macio em toda a borda da mesa de forma a maximizar o conforto durante a digitação e a inclusão deum compartimento com chave para guarda de objetos pessoais. O primeiro item foi uma prioridadeestabelecida pelos designers e o segundo, um desejo dos usuários. O gerente não queria que o compartimentofosse instalado, em função dos custos e porque “seria um lugar de sujeira”. Para contornar o problema doscustos, o móvel foi construído em madeira reciclada, ao natural, e portanto, mais acessível, que osfuncionários consideraram “bonito” e os designers, “ecológico” (figura 2).

As células de montagem (projeto 3) tiveram uma reação negativa no início dos testes de mock-up e deprotótipo porque representaram uma mudança drástica no desenho do medidor (foram reduzidos os númerosde parafusos, e substituídos alguns materiais pesados e com risco de quebra, entre outras mudanças),conforme Kmita, Guimarães e Ribeiro (2000), e no sistema de produção vigente, pela eliminação da linha

tradicional de montagem de medidores (do tipo um homem, um posto, uma tarefa) e instalação de uma célula(do tipo um homem, uma célula, várias tarefas). Um mês após instalado o protótipo final da célula e os novosmedidores a serem montados (figura 3), o medo do novo começou a dar sinais de fraqueza e os funcionáriospassaram a gostar da célula, do novo sistema de trabalho e dos medidores que fabricavam. O projeto teve aduração de três anos, envolveu o pessoal da produção, engenharia (de processo e produto), medicina esegurança da empresa e representou uma redução de 70% dos casos de distúrbios musculares relacionados aotrabalho (DORTs) e um ganho de 17% de produtividade (GUIMARÃES, DIEHL e FISCHER, 1999).

O mobiliário de escritório, principalmente as cadeiras, dos projetos 4 e 5, foram um sucesso porque foipossível atender às funções prática, estética e simbólica da maioria dos funcionários a um custo dentro daspossibilidades das empresas (figuras 4 e 6). As cadeiras do projeto 5 foram alvo de um experimento especial(SILVA e GUIMARÃES, 2004) de acordo com um protocolo que avaliou qual cadeira eles gostavam mais eporque, qual cadeira gostavam menos e porque, qual a mais confortável e qual a menos confortável,resultando em especificações diferentes para cada tipo de trabalho realizado (se estático, dinâmico oumédio). Os resultados do projeto 5 foram utilizados no projeto 4. Em todos os projetos, coube aosfuncionários escolher entre cadeira com ou sem braço, o tipo de tecido e cor das cadeiras, contanto quefossem atendidas as especificações técnicas (figura 5). Os móveis tinham mesma dimensão, e as mesas nãoeram ajustáveis, apenas as cadeiras que tinham todas as regulagens necessárias, principalmente de alturapopliteal. A experiência tem mostrado que os usuários não utilizam os ajustes: nunca ajustam as mesas e selimitam a usar o ajuste popliteal do assento pela necessidade de apoiar os pés no chão. O partido de projetodo mobiliário, bastante convencional, foi fixar o tampo a 74 cm (o que comporta o maior percentil comespaço para movimentação de coxa, o que exige que as pessoas dos percentis menores elevem a altura doassento e apoiem os pés no suporte de pés que acompanha todas as mesas). A observação de que as pessoasnão regulam a altura da mesa está de acordo com os achados de Vink e Kompier (1997) que notaram que osusuários, mesmo conscientes das questões ergonômicas, não aceitavam regular a mesa em uma altura maisbaixa porque, apesar de antropometricamente adequada, a mesa não ficava compatível com seus anseios destatus e estética. Deve-se ressaltar que os mobiliários dos projetos 4 e 5 não eram o foco principal, e, sim, aorganização do trabalho nos setores. No entanto, ao contrário do que ocorreu com o mobiliário, não foi fácildiscutir a organização do trabalho: as pessoas tendem a preferir manter seu trabalho como está (mesmo queele seja cansativo, repetitivo e monótono) a ter que mudar sua rotina, mas ficam bastante entusiasmadas aomudar seu ambiente físico.

Figura 2. Call Center de uma lojade departamentos.

Figura 3. célula de montagem demedidores elétricos.

Figura 4. posto de trabalho deescritório.

Figura 5. algumas cadeirasutilizadas no rodízio.

Figura 6. posto de trabalho de escritório. Figura 7. cadeira Ypslon Vitra.

2. O que deu errado no início mas está começando a dar certo... (Projeto 6)

Apesar de ter ocorrido na mesma refinaria do projeto 5, a proposta de cadeira para o setor de produção nãoteve aprovação unânime, e as discussões ainda estão ocorrendo. Com base na análise ergonômica do trabalhorealizado na sala de controle, propôs-se uma cadeira que permite reclinar e colocar os pés para cima,conforme a figura 7. A idéia foi apresentar uma solução que atendesse as demandas de todos, durante as 24horas do dia já que as equipes operam em turnos no controle contínuo do processo. Foi visto que osoperadores não ficam (e nem poderiam ficar) sentados olhando os painéis durante toda a jornada, e procuramalternar as posturas sentada, de pé, inclinada, esticado para frente, esticado para trás, com os pés em cima damesa, inclusive, principalmente no turno noturno. Estas posturas refletem as diferentes necessidade do corpo,em diferentes horas do dia, em função do cansaço, ritmo circadiano, hora do dia, atividade sendo executadaetc. Foi notado, também, que a maioria das cadeiras quebram, porque não resistem ao esforço imposto pelasmudanças de postura, principalmente quando os operadores reclinam para trás (na busca de reclinar umpouco e esticar as pernas). Com base nesta análise, procurou-se, no mercado, uma cadeira que permite aadoção de todas estas posturas, com conforto e segurança, sem quebrar. As cadeiras que atendem estasfunções são a cadeira Ypslon Vitra (figura 7) e a cadeira Emotion DL 200 da Sitag International.

Quando os designers apresentaram a proposta para os operadores, a primeira reação foi de espanto, depois deriso e, depois, de aceitação por uns e de repúdio por outros. A primeira reação negativa foi do gerente queafirmou: “ninguém coloca os pés em cima da mesa!”, “Esta proposta é um absurdo, inaceitável, pois trata-sede um lugar de trabalho!”, “O que os colegas vão pensar?” Ao final da apresentação, alguns operadorescomentaram, sigilosamente, que, apesar de revolucionária, tinham gostado da proposta, e era uma pena quenão pudessem assumir aquela postura, pois “seria o paraíso”. Algum tempo depois, a cadeira apareceu em nofilme o que ajudou a começar a mudar a opinião de alguns operadores: a proposta absurda passou a serviável, uma solução muito avançada, futurística. O posto de controle ficaria anos luz à frente dos demais...No momento, aproximadamente um ano após a proposta, a cadeira já foi orçada para instalação no novocentro de controle integrado da refinaria, e deverá ser testada em situação real de trabalho.

3. O que deu errado... (Projetos 1 e 7)

O projeto 1, do balcão de atendimento da loja de departamentos, postos de venda ou “ilhas de caixa” comosão conhecidos, está se desenvolvendo há quase três anos. A empresa contactou a Universidade para aidentificação do “melhor assento” para o balcão de forma que os funcionários da rede pudessem sentaratendendo, assim, a exigência da NR17 Norma Regulamentadora- Ergonomia. O resultado esperado era aredução da incidência de queixas de dor, principalmente nas pernas e pés, no fim do dia de trabalho, que éconhecida como a doença dos balconistas (GRANDJEAN, 1998). Com base na avaliação ergonômica dotrabalho realizado nas ilhas (GUIMARÃES, DINIZ e SILVA, 2002), foram definidos os parâmetros deprojeto, sendo os mais importantes: Permitir alternância de postura (trabalho em pé e sentado para alternar aatividade de músculos e tendões e minimizar trabalho estático) e minimizar o esforço do operador durante oempacotamento e entrega da sacola ao cliente (pois os vendedores acabam sobrecarregando os braços, costase ombros para segurar as sacolas com a mercadoria e balançá-la no verificador de alarme para assegurar quetodos foram retirados). O protótipo final permite o trabalho tanto em pé quanto sentado (figuras 8 e 9) econsidera o cliente como ator na recepção de sacolas, que chegam a ele deslizando por uma rampa (figura 9).Esta rampa serve, também, como suporte para sacolas durante o ensacolamento, presas pelas alças em umgancho da superfície da rampa. No final da rampa há um verificador de alarme, que substitui o que eraanteriormente utilizado pelo vendedor (o mesmo sistema, mas que ficava disposto em baixo do balcão).

Apesar de poder ser considerado uma aplicação bem sucedida de design participativo, porque houve muitoengajamento dos vendedores durante seu desenvolvimento (e nenhum da equipe de arquitetos responsáveispelo design das lojas, inclusive das ilhas convencionais), o protótipo ainda não foi submetido a teste de usopleno, conforme planejado. Os vendedores já não são mais os mesmos, quem está nas lojas são pessoas quedesconhecem o projeto e a empresa (através da voz dos supervisores e gerentes) não aceita que a sacoladeslize até o cliente, já que a praxe é entregá-la na mão do cliente. Há quem tivesse comentado que o projetoera ousado demais, porque “afinal, está-se propondo catapultar a sacola na cara do cliente”: o que não é uma

verdade, já que não se têm notícias de reclamações por parte dos clientes: vários até comentaram queachavam o sistema muito interessante, e a maioria nem se dá conta da rampa, pega a sacola e vai embora.

Figura 8. vista frontal do balcão da ilha de caixacom a vendedora colocando os produtos na sacolapresa no gancho da rampa.

Figura 9. vista posterior do balcão da ilha de caixa. Asoperadoras trabalham de pé ou sentadas, utilizandotanto o apoio de pés do balcão como o da cadeira.

Figura 10. subida em poste de energia elétrica pelosistema de rappel: mais cômodo e mais seguro.

Figura 11. subida em poste de energia elétrica pelosistema de rappel: mais cômodo e mais seguro.

O projeto 7 é uma proposta alternativa de subida em postes elétricos (GUIMARÃES et. al., 2004).Tradicionalmente, o trabalho dos eletricistas de linha morta depende de subir nos postes por meio de escada,quando o poste é de concreto, ou com esporas, quando o poste é de madeira. Tendo em vista as questões deesforço físico e, principalmente, segurança, envolvidos na atividade, foi proposto e testado um outro sistema,o rappel (figuras 10 e 11), utilizado por alpinistas, que se constitui em um sistema de cordas e roldanas presoa uma cadeira/cinto com travas de segurança que reduzem o esforço de acionamento e o risco de quedas.Considerou-se que, na ascensão por rappel, os eletricistas despenderiam esforço somente nas atividades queagregam valor ao trabalho e não na subida, ou descida que acaba sendo uma perda de tempo e energia.

As cargas de trabalho nos três sistemas foram avaliadas com base no estudo das posturas, por meio determografia, da freqüência cardíaca, nível de cortisol salivar, nível de catecolaminas urinárias (adrenalina enoradrenalina) e da avaliação subjetiva de esforço. Os experimentos comprovaram que o rappel era maisseguro e menos desgastante que os demais, e um grupo de eletricistas foi treinado em rappel, para utilizá-lo.No entanto, o novo sistema nunca foi colocado em uso, pois a gerência não aceita investir (cultural eeconomicamente) em mudanças. Como a operacionalização é possível, mas é muito difícil mudar asoperações tradicionais, está-se tentando colocar o sistema em teste em outra empresa. Apesar do custoenvolvido na troca de equipamentos e treinamento das equipes, entende-se que os benefícios a médio e longoprazo são maiores que os custos iniciais.

Conclusão

Em todos os casos, foi bastante difícil conseguir a adesão das equipes de projetos das empresas para atuar nodesenvolvimento dos projetos em parceria. Esperava-se que o papel dos projetistas da empresa seriaenriquecedor e decisivo, mas não houve interesse dos mesmos em participar dos projetos. Uma explicaçãoaventada foi a falta de interesse pela questão do ergodesign, outra foi a desconfiança com que talvez estasequipes encarem uma parceria com projetistas externos, principalmente da universidade. No caso do projetodo balcão, a atuação dos arquitetos (considerados os designers da loja) chegou a ser, muitas vezes, negativa,dificultando o andamento da projetação e prototipagem e qualquer iniciativa de implementação posterior, jáque os projetistas internos acabam repudiando qualquer proposta externa. Por exemplo, apesar do projetoenfatizar as questões ergonômicas da ilha, manteve-se a configuração estética geral o mais fiel possível àsilhas convencionais das lojas, mas mesmo assim, os arquitetos consideravam o balcão feio sem, no entanto,explicar porque ou ajudar nas soluções alternativas.

Na fase de testes de protótipo, o papel da gerência é mais marcante do que dos projetistas internos. O designparticipativo objetiva distribuir o poder entre projetistas, trabalhadores e gerência mas esta divisão equânimede poder é muito difícil de conseguir. Desta forma, por mais que haja envolvimento dos trabalhadores,muitas vezes a implementação do projeto é dificultada pela gerência, que é quem, em última instância, detémo poder, financeiro e cultural, para executar o projeto. Com base nos resultados dos casos apresentados,pode-se dizer que, quando a gerência entende um dado projeto como interessante para a cultura da empresa,ele é aprovado muito rapidamente, e há até verba para executá-lo. Foi assim no projeto do mobiliário darefinaria, da Justiça e do call center, este último da mesma loja de departamentos que repudiou a ilha decaixa. Enquanto o posto do call center apenas apresentava melhorias dimensionais e de conforto, o que foiconsiderado adequado, a ilha de caixa era diferente demais da expectativa e está sendo difícil implementá-la.Pode-se depreender daí, que no projeto do call center (e nos dos mobiliários), tanto as necessidades quantoos desejos foram atendidos dentro da expectativa. Na ilha de caixa, assim como no sistema de rappel, asnecessidades foram atendidas, mas o projeto feriu alguns desejos da empresa. Ousado demais? Talvez. Osprojetos 1 e 7 devem ter extrapolado, no que tange os parâmetros estéticos e/ou simbólicos de um grupo, oponto crítico denominado “MAYA” (Most Advanced Yet Acceptable) por Loewy (1979) que não pode serultrapassado para que o produto seja aceito. No entanto, tendo em vista que o projeto da cadeira que permitecolocar o pé para cima, após um ano de maturação deu sinais de viabilidade, pode ser que este ponto críticoseja móvel o suficiente para que os desejos da organização alinhem-se com as características dos novosprojetos e eles sejam implementados no futuro. Tudo depende, também, da estrutura das organizações: aexistência de muitos níveis hierárquicos de tomada de decisão em uma empresa, somada à falta decomprometimento da alta direção e da gerência, constituem sérias restrições para a execução das demaisetapas de validação e detalhamento do desenvolvimento de um produto.

A idéia do design participativo é aplicar a perspectiva do usuário no desenvolvimento de projetos para queele tenha voz para influenciar os produtos e sistemas que usa. Sob o ponto de vista do design de postos detrabalho, ele promove o aumento do controle e responsabilidade do trabalhador. Esta perspectivademocrática é a chave para a sua aplicação, mas nem sempre tem poder o suficiente para enfrentar asbarreiras culturais de uma organização. Este estudo mostrou que, mesmo que o seu desenvolvimento tenhasido participativo, nem sempre o que se identifica como uma necessidade de projeto é bem recebida pelousuário ou, principalmente, pela organização, pois eles desejavam uma outra solução, menos radical ou maisalinhada com uma imagem de produto que não foi aquela proposta. Algumas possibilidades para a nãoaceitação de um projeto estão ligadas à carga cultural, ou da tradição da organização, enfim, a uma reação aosimbólico corporativo pois, conforme Krippendorff (2000) “nós não reagimos às qualidades físicas dascoisas, mas ao que elas significam para nós”. Em algumas situações, este significado pode ser o medo domuito novo, ou do muito diferente, em outros, pode ser realmente uma falha na captação correta, por partedos designers, dos elementos que deveriam configurar a função estética e, principalmente, a simbólica de umproduto. Estas funções tendem a ser mais importantes à medida que os interesses estão menos voltados àfunção prática, ou de uso, e o seu não atendimento pode dificultar a implementação de um produto, mesmoque isto coloque em risco a saúde e segurança dos usuários diretos.

Referências

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Lia Buarque de Macedo Guimarães [email protected]