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104 Por uma epidemiologia da saúde coletivaBarreto, M. L.

Maurício L. BarretoInstituto de Saúde Coletiva/UFBaAv. Padre Feijó, 29Canela40110-170 Salvador, BA – BrasilE-mail: [email protected]

Debate Debate

Por uma epidemiologiada saúde coletiva

For an epidemiology of thecollective health

Resumo

São antigas as observações críticas de au-tores latino-americanos com relação à de-nominada epidemiologia moderna. Porém,mais recentemente e em frequência cres-cente, críticas similares têm aparecido naliteratura internacional. Estas críticas dife-renciam-se pelos diagnósticos que apre-sentam e, como consequência, geram al-ternativas diferenciadas de encaminha-mentos. Enquanto alguns destacam asquestões teóricas, outros destacam asquestões empíricas. Em seu conjunto, noentanto, expõem as insuficiências da epi-demiologia de resolver problemas relacio-nadas à saúde das populações que, con-temporaneamente, lhes são postas. O ob-jetivo deste ensaio foi de, em um primeiromomento, apresentar e sistematizar as crí-ticas à epidemiologia moderna para, emseguida, delinear um conjunto de propo-sições que contribuam para a discussãosobre o papel da epidemiologia na consti-tuição do campo da saúde coletiva. Agru-param-se em cinco categorias as formasem que se interpreta a crise da epidemio-logia: uma crise do seu paradigma domi-nante; uma crise na sua capacidade de for-mulação teórica; uma crise resultante darutura dos seus compromissos históricos;uma crise da relação com a prática da saú-de pública; e, uma crise da capacidade ex-plicativa, em consequência do conflito deresultados gerados por diferentes estudossobre um mesmo tópico. Estas críticas têmestimulado a produção de conhecimentosepidemiológicos alternativos importantes,mesmo que, em muitos momentos, istoaconteça fora do núcleo central da disci-plina. Estas alternativas são organizadasem torno de três eixos: a) as desigualdadesem saúde; b) o ambiente, a qualidade devida, os conceitos e as medidas de saúde;c) a avaliação e a escolha das tecnologias eintervenções em saúde. Entende-se que emtorno destes três eixos pode-se: a) recupe-rar muitas das experiências relevantes acu-muladas na história da epidemiologia e deoutras disciplinas populacionais que vêmcontribuindo para o conhecimento da saú-

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de e dos seus determinantes; b) redirecio-nar o desenvolvimento teórico, metodoló-gico e operacional da disciplina; c) deslo-car o atual modus operandi da prática ci-entífica da epidemiologia para centrá-loem torno das questões da prevenção e parao desenvolvimento de novas bases éticas,em consonância com os seus compromis-sos sociais e políticos.

Palavras-chave: Epidemiologia, classi-ficação. Saúde Pública. Fatores socioeco-nômicos. Condições sociais.

Abstract

Criticism regarding the so-called modernepidemiology has been present in theLatin-American epidemiological literaturefor quite some time. More recently, howe-ver, similar criticism has increasingly beenpresent in the international literature. The-se criticisms differ in their diagnosis and,as a consequence, in the alternatives pro-posed. While some stress the theoreticalaspects, others stress the empirical ones. Asa whole, however, authors state the inade-quacies of epidemiology in solving thehealth problems of populations that cur-rently challenge it. The aim of this essaywas first to present these criticisms in asystematic way, and second to delineate agroup of propositions that could contributeto the discussion of the role of epidemio-logy in forming the field of collectivehealth. The criticisms were organized infive categories according to their views onthe epidemiology crisis: a crisis of itsdominant paradigm; a crisis in its ability oftheoretical formulation; a crisis resultingfrom the rupture of its historical commit-ments; a crisis in its relationship with thepublic health practice; and, a crisis in itsexplanatory skills, as a consequence of theconflict of results generated by studies insimilar topics. It is understandable thatsuch criticisms have stimulated the deve-lopment of alternative and useful epidemi-ological knowledge; even so, very often, thishappens out of the central core of epide-miology. The possible alternatives are

organized around three axes:1) the inequa-lities in health; 2) the environment, thequality of life, and the concepts and themeasurements of health; 3) the evaluationand choice of health technologies and in-terventions. From these axes it is possible:a) to recover many of the important expe-riences accumulated in the history of epi-demiology and many other subjects thatfocus on the different aspects of health andits determinants; b) to redirect the theore-tical, methodological, and operational de-velopment of epidemiology; c) to move thecurrent modus operandi of the scientificpractice of epidemiology, to orient ittowards prevention and the developmentof new ethical bases, in consonance withits social and political commitment.

Keywords: Epidemiology, classification.Public Health. Socioeconomic factors. So-cial conditions.

Introdução

A epidemiologia tem uma posição pe-culiar e ainda pouco explorada pelosepistemológos, de conciliar o papel de dis-ciplina científica, portanto produtora deconhecimentos originais sobre o processosaúde e doença e, ao mesmo tempo, decampo profissional, participante dos esfor-ços pelo cuidado da saúde das populações.Esta dupla inserção é o que define algumasdas características peculiares da epidemi-ologia e de onde advém a sua diversidadee as possibilidades de ser pensada e repen-sada em tantos diferentes ângulos e pers-pectivas. Esta dupla inserção é reafirmadaem algumas das definições clássicas da dis-ciplina, como aquela referida por Last1

(1988) - “o estudo da distribuição e deter-minantes de estados e eventos relaciona-dos à saúde em populações definidas, e aaplicação deste conhecimento para a reso-lução dos problemas de saúde”. As consi-derações que aqui serão desenvolvidas par-tem do pressuposto de que existem indiví-duos com uma base biológica e genéticacomplexa, que habitam espaços geográfi-cos socialmente organizados, em cujo in-

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terior [os indivíduos] agrupam-se em po-pulações. Estas, ao se deslocarem no tem-po, constroem uma história, base para algomaior e mais fundamental, que é o de de-senhar as trajetórias por onde pecorrerãoo seu futuro. Nesta profunda e complexadialética multidimensional entre a biolo-gia, o espaço e o tempo é que os indivídu-os se definem e, em seu conjunto, definemalgo mais complexo do que a mera somadestes - as sociedades. Os eventos mórbi-dos não são meros acidentes, mas intercor-rências que, enquanto possam ser perce-bidas no nível individual (seja no plano bi-ológico, seja no plano psíquico), têm suacon-figuração populacional definida naconfluência destas três dimensões, e comoconsequência resultante da forma de orga-nização das sociedades.

Este artigo não tem o objetivo de intro-duzir-se nos grandes desafios epistemoló-gicos que hoje estão postos para a epidemi-ologia, porém o de tentar, através da análi-se e da discussão de alguns dos dilemas queesta disciplina atravessa, esboçar algumasproposições para a comunidade de epide-miologistas que atuam, seja no âmbito aca-dêmico, seja nos serviços de saúde oucorrelatos e que compartilham da idéia docaráter imprescindível da epidemiologia nacompreensão dos eventos de saúde nas po-pulações humanas e, como consequência,na constituição do campo da saúde coleti-va. Busca-se reorganizar um conjunto dequestões fundamentais no esforço de con-tribuir para as reflexões e possíveis reori-entações na pesquisa, nas aplicações paraa prevenção e, de não menos importância,no compromisso social dos epidemiologis-tas para com a saúde da sociedade.

Faz-se necessário estabelecer um pon-to de equilíbrio entre os desejos, possibili-dades e competências de intervenção nomundo real e os limites que estão defini-dos, tanto pelos conhecimentos científicose tecnológicos disponíveis ou que se po-dem produzir, como pelo conjunto de for-ças sociais e políticas que se conformamna conjuntura em que atuamos. Partindo-se desta premissa, são apresentadas a se-guir, em forma concisa, as questões e dile-

mas que, em última instância, estão nabase destas reflexões :

1- Questões relacionadas às insu-ficiên-cias do conhecimento epidemiológico dis-ponível, no sentido de suas contribuiçõespara definir o conjunto de intervenções emudanças que se fazem necessárias comrelação a melhorias na situação de saúde.Ao ser definida como a disciplina básica dasaúde pública, a epidemiologia passa a tercomo responsabilidade gerar conhecimen-tos, informações e tecnologias que emba-sem as políticas de prevenção e controledas doenças e outros eventos na saúde.

2- Questões geradas pelo reconheci-mento da necessidade da epidemiologiacontinuar contribuindo, de forma maiscompleta, para o entendimento das causas,determinantes e raízes históricas e sociaisdas doenças e outros eventos na saúde,bem como dos efeitos gerados em conse-quência dos esforços desenvolvidos para asua prevenção e controle. Isto permitiriauma maior interferência das sociedadessobre os fatores que modificam o curso his-tórico desses eventos e, em última instân-cia, ampliaria a capacidade de prever emodificar as suas tendências.

3 - Questões relacionadas à necessi-dade de ampliar-se a compreensão doseventos mórbidos para além das suas di-mensões biológicas, reforçando o desen-volvimento de medidas que registrem nãosomente os níveis das doenças, mas tam-bém outras dimensões do sofrimento hu-mano, contribuindo para que consolide-mos a idéia de saúde como parte do com-plexo da qualidade de vida e do bem estarsocial, e não simplesmente como a ausên-cia ou a presença da doença.

4 - Questões relacionadas a sua aindalimitada influência nos sistemas de deci-são sobre o uso indiscriminado e, muitasvezes iatrogênico, de uma série de tecno-logias inúteis (ao lado, evidentemente, deoutras tantas úteis) que muito pouco têmcontribuído para mudar a situação de saú-de das sociedades e que mais atuam como“tótens” modernos, produtores de ilusões,que desperdiçam recursos e expectativasdas sociedades e dos indivíduos.

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5 - Dilemas do pesquisador que buscacaminhos por onde seja possível a produ-ção de conhecimentos que reflitam as pre-ocupações apresentadas nos 4 itens lista-dos acima, e que acredita que, relativa-mente a diversos temas cruciais, por razõesmuitas vezes alheias à sua vontade, em lu-gar de buscar respostas, mesmo que in-completas, para as questões corretas, emmuitos momentos faz um enorme esforço,certamente sincero, de dar respostas cer-tíssimas para questões irrelevantes.

6 - Dilemas do professor que busca pas-sar para seus alunos não somente conhe-cimentos coerentes e instrumentos que oscapacitem técnica e cientificamente parao cumprimento das suas obrigações pro-fissionais, mas também inquietações pois,ao lidar com uma questão tão sensívelcomo a saúde das sociedades, obrigatoria-mente se situa na confluência entre o serprofissional e o ser político.

A epidemiologia modernae suas crises

São antigas as observações críticas deautores latino-americanos sobre a epide-miologia na sua forma contemporânea, poralguns denominada de epidemiologia mo-derna (Rothman,2 1986). Estas críticasenfatizam as insuficiências no que concer-ne à produção de conhecimentos coeren-tes com o propósito de compreender e ex-plicar a ocorrência das doenças e de outrosagravos à saúde das populações, como con-sequência, reduzindo-se as suas possibili-dades de contribuir para a prevenção e ocontrole destes eventos (Almeida-Filho,3

1992; Barata e Barreto4, 1997; Breilh,5 1997).Porém, o mais interessante é que críticassimilares se fazem crescentes na literaturaepide-miológica internacional, principal-mente na de origem norte-americana. Emanos recentes, uma série de artigos de au-tores influentes, publicados em revistascientíficas de saúde publica e, particular-mente, da epidemiologia, têm levantadoquestões e críticas importantes (Long6,1993; Krieger7, 1994; McMichael8, 1995;Pearce9, 1996; Susser e Susser10, 1996; Sus-

ser e Susser11, 1996; Shy12, 1997). Apesar demuitas destas críticas terem conteúdo si-milar àquelas já feitas por autores latino-americanos, no novo contexto ganham es-pecial ressonância.

É importante precisar o que entende-mos pelo núcleo de idéias que conformama epidemiologia moderna. Tendo por epi-centro o ambiente acadêmico norte-ame-ricano, esta corrente consolidou-se em dé-cadas recentes, tornando-se a tendênciadominante na produção científica interna-cional na epidemiologia (Susser13, 1985;Barreto14, 1990). No esforço de diferenciá-la das “outras epidemiologias” é essencialcompreender como, no seu interior, cons-troem-se os problemas científicos. Na suavertente mais radical, seria problema epi-demiológico aquele que, embora relativo àocorrência de eventos mórbidos em popu-lações, tenha a sua observação e sua análi-se realizadas no nível individual. As impli-cações desta abordagem são surpreenden-tes. Assim, Miettinem15 (1985), em seu im-portante livro que sintetiza as formulaçõesfundamentais desta vertente da epidemi-ologia, chega a afirmar que “a ocorrênciade epidemias, a preocupação central daepidemiologia clássica, não é um proble-ma da forma característica da pesquisa epi-demiológica moderna” (p. 4-5) e, ainda,que “o paradigma para a epidemiologiamoderna não é o estudo da ocorrência dadoença em sua forma epidêmica, mas simda forma endêmica” (p. 5). Assim, ao reti-rar a noção de população como a fonte ge-radora dos problemas epidemiológicos,também o retira como central na formula-ção das propostas de prevenção. Desprezaas definições mais clássicas da disciplinae, conforme observou Rose16 (1992), des-loca o interesse para “os determinantes doscasos, não os determinantes da incidência”.Não é por acaso o fato de que a denomina-da epidemiologia clínica, centrada no es-tudo de casos, derivou-se do seu interior.

Após um vertiginoso desenvolvimentonas décadas de 1970 e 1980, a epidemiolo-gia moderna começa a apresentar sinais deesgotamento, reduzindo sua capacidade deapresentar contribuições mais significati-

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vas no sentido de entender e solucionar oscomplexos problemas sanitários, mesmodas sociedades desenvolvidas. Críticas co-meçam a emergir nos próprios núcleosacadêmicos onde esta vertente da epide-miologia teve sua origem. Neste contexto,o que inicialmente era apenas a identifica-ção de problemas e insuficiências, paula-tinamente evoluiu para críticas mais con-tundentes, que explicitam a necessidade demudanças mais profundas no curso da dis-ciplina. Apesar de apresentarem pontos emcomum, estas críticas vêm de diferentescontextos e são fundadas em diferentesmotivações e percepções sobre o papel daepidemiologia. Evidentemente, tambémapresentam diferenças no que diz respeitoàs soluções que propõem ou às tendênciasque antevêem. Como este debate, aindaparcialmente codificado, tende a confun-dir os menos iniciados na disciplina, apre-senta-se a seguir um sistematização dasdiversas maneiras como, na literatura cien-tífica, tem sido apresentada a crise ou ascrises da epidemiologia moderna.

a) Uma crise do seu paradigma domi-nante - Susser e Susser10 (1996) periodizama evolução da epidemiologia em três erassucessivas, cada uma das quais tendo o seuparadigma dominante. Em cada era estru-tura-se também uma abordagem preventi-va, que se torna hegemônica. A primeira, aera das estatísticas sanitárias, teve comoparadigma dominante o miasma, sendo se-guida pela era das doenças infecciosas, coma teoria dos germes, e por fim a era atual,quando predominam as doenças crônicas,com o paradigma da “caixa preta”. No en-tendimento destes autores, este últimoparadigma será necessariamente superadapor um novo, o qual se caracterizaria porresponder aos novos desafios postos para aepidemiologia e pela integração das váriasdimensões da realidade que os conheci-mentos recentes têm desvendado.

b) Uma crise de formulações teóricas –entende-se que falta à epidemiologia esta-belecer novos fundamentos teóricos quevenham permitir avanços em sua práticade investigação. Apesar da pequena impor-tância conferida às questões teóricas ao

interior da epidemiologia moderna, elastêm sido sempre fundamentais para guiaro trabalho dos epidemiologistas. Krieger eZierler17 (1996) observam que a epidemio-logia diferencia-se de outras disciplinaspopulacionais pela sua base teórica e nãopelos seus métodos e técnicas. Avançandona questão, distinguem três componentesdas teorias epidemiológicas: as teoriasepidemiológicas propriamente ditas, quebuscam explicar a saúde na população; asteorias causais, que formam a base para osmodelos de causalidade das doenças; e asteorias do erro, que guiam o desenho, aná-lise e interpretação dos estudos epidemio-lógicos. A aplicação dos dois últimos com-ponentes gera o núcleo metodológico dadisciplina, enquanto o primeiro organizaas bases filosóficas e ideológicas da nossacompreensão da saúde das populações.

c) Uma crise resultante da ruptura doscompromissos históricos da epidemiologia- a epidemiologia moderna é acusada denão exercer a contento seu papel de disci-plina básica da saúde pública, tendo dire-cionado os seus esforços para o estudo dasdimensões individuais e clínicas da saúde.A epidemiologia não estaria cumprindosua missão de desenvolver o método cien-tífico necessário para construir os conhe-cimentos que devem fundamentar a mis-são básica da saúde pública de prevençãodas doenças e promoção da saúde das po-pulações (Shy12, 1997). O ponto fundamen-tal desta mudança é identificado na trans-ferência do nível de análise da populaçãopara o indivíduo. Wing18 (1994) observa queo conceito de população desapareceu dealgumas definições da epidemiologia, quepassa a centrar seus objetivos nas relaçõesde ocorrência das doenças. A populaçãopassa a ser, apenas, uma série de indivídu-os enumerados, com o objetivo de dar po-der e significância aos testes estatísticos.Contraditoriamente, o conceito de riscoque emerge, embora não possa ser medi-do no nível individual, passa, conceitual-mente, a ser uma propriedade dos indiví-duos. O método científico de referênciapassa a ser o ensaio clínico. Fundamenta-se no individualismo, pois tem nítida ten-

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dência à responsabilização do indivíduopela ocorrência dos eventos mórbidos epela prevenção dos fatores de risco. Os fa-tores sociais e econômicos passam a serminimizados e as relações entre a saúde ea política tendem a ser desprezadas. Háaqui a idéia de que a “epidemiologia tradi-cional”, mesmo que carente dos recursosanalíticos disponíveis na atualidade, foicapaz de formular idéias e acumular evi-dências sobre as causas da ocorrência dasdoenças, as quais resultaram em políticasde prevenção eficientes e radicais (Pearce9,1996).

d) Uma crise da sua relação com a prá-tica da saúde publica – em uma perspecti-va mais pragmática que a anterior, identi-fica-se a inadequação de grande parte doconhecimento produzido sobre a saúdedas populações, assim como as proposi-ções relativas à prevenção derivadas desteconhecimento. Apesar de reconhecer opapel primordial da epidemiologia na pes-quisa sobre a saúde da população, enten-de que o desenvolvimento do conhecimen-to realmente necessário para fundamentaras práticas de promoção à saúde e para acondução das mudanças necessárias naorganização dos serviços de saúde neces-sita de abordagens multidisciplinares(Dean e Hunter19, 1996). Os modelos quan-titativos de risco têm explicado apenas par-te dos determinantes dos problemas desaúde que afligem as populações. Fatoresque não são nem podem vir a ser detecta-dos por esta estratégia de investigação,muitas vezes respondem por uma partesubstancial do risco. Em consequência,grandes frustrações podem ocorrer comrelação à efetividade de medidas preventi-vas derivadas de estimativas de riscos, queapenas explicam uma parte menor do pro-cesso causal (Evans e Stoddart20, 1994).

e) Uma crise da capacidade explicativa- de cunho empirista e utilitarista, queidentifica o problema na frequente discor-dância entre os valores das medidas de ris-co de um mesmo fator, em diferentes estu-dos (Angell21, 1990; Taubes22, 1995). Nospressupostos clássicos da epidemiologia,para a aceitação de um fator como causal,

está a idéia da força da associação medidapela magnitude do risco relativo. Alto graude concordância, entre os resultados deestudos que envolvam a análise de fatoresassociados a seus respectivos efeitos atra-vés de altos riscos relativos, é esperado ecom frequência ocorre. Entretanto, comoa maioria dos fatores de risco são vincula-dos aos seus respectivos efeitos através deriscos relativos baixos, a discordância en-tre estudos é frequente. São clássicos, naliteratura epidemiológica, os exemplos docigarro ou de algumas radiações ionizantesque se associam aos seus efeitos por altosriscos relativos. Resultados que são consis-tentemente reproduzidos em estudos rea-lizados em diferentes locais e em diferen-tes épocas. Em muitos outros casos a con-trovérsia é o mais comum, produzindo-seresultados falsos negativos ou falsos posi-tivos. Como conseqüência, geram-se dúvi-das e ansiedades, como por exemplo, en-tre profissionais e leigos ao avaliarem aimportância ou não de um dado fator derisco e a consequente necessidade de es-forços para o seu controle (Taubes22, 1995)ou, entre técnicos e legisladores, quando danormatização de padrões de exposiçãoambiental (McMichael23, 1989).

Algumas proposições

Ao lado do reconhecimento da impor-tância que a discussão dos impasses daepidemiologia tem para o seu desenvolvi-mento como disciplina científica, devemostambém chamar a atenção para um con-junto de esforços paralelos que buscam asuperação de questões conceituais ou odesenvolvimento de novas abordagensmetodológicas com vistas à produção denovos conhecimentos. Muitas destas ativi-dades estão sendo praticadas em outrasdisciplinas, nem sempre próximas à saú-de pública, gerando, entretanto, subprodu-tos que podem ser aplicados aos estudossobre as condições de saúde e os seus de-terminantes. Em toda fase transicional daprodução dos conhecimentos ou das prá-ticas, como tem acontecido em diferentesmomentos na história da epidemiologia e

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da saúde pública, são processos de desen-volvimento de conhecimentos e experiên-cias, em permanente sintonia com as ne-cessidades presentes e futuras das socieda-des que, em seu conjunto, estimulam aconstrução de inovações teóricas, meto-dológicas ou operacionais. Neste sentido,é importante ressaltar os esforços feitospor alguns que, em consonância com ocontexto, as indefinições e as necessida-des atuais, muitas vezes marchando fora donúcleo central de epidemiologia moderna,contribuem para a construção, seja de no-vos conhecimentos, seja de novas estraté-gias que transformem os conhecimentosdisponíveis em ações positivas de saúde.Tais movimentos são prenúncios de ten-dências que despontam ou sinalizam o re-nascimento de tradições epidemiológicasque foram secundarizadas no passado re-cente. No sentido de organizar estes esfor-ços, os mesmos foram agrupados em tor-no de três eixos básicos: desigualdades emsaúde; ambiente, qualidade de vida e me-dições da saúde; e avaliação e escolha dasintervenções em saúde. Em conjunto, es-tes eixos cobrem grande parte, se não a to-talidade, das questões colocadas para umaepide-miologia da saúde coletiva.

Desigualdades em saúde

Enquanto se identifica a necessidade dodesenvolvimento teórico da epidemiologia,deve-se chamar a atenção para o fato de quea sua estratégia fundamental de produçãode conhecimentos continuará tendo porbase os estudos empíricos. Essa vocaçãopara a análise empírica, se de um lado temlevado a epidemiologia a relativizar os de-bates sobre as questões teóricas, por outrolado tem trazido muitas contribuições ino-vadoras, inclusive no que diz respeito àsnovas formas de mensuração dos fenôme-nos que aborda. Especificamente no queconcerne à mensuração das variáveis soci-ais e ambientais, existe uma rica experiên-cia acumulada. Não é por acaso que discus-sões sobre a questão das classes sociais e deoutras variáveis sociais, em suas diversasabordagens teóricas, têm perpassado tão

intensamente a epidemiologia. Por exem-plo, vale a pena notar que, entre as poucastentativas de transformar o conceito mar-xista de classe social em algo mensurável,algumas foram feitas como parte de estu-dos epide-miológicos (Solla24, 1996). Isto sig-nifica que, a partir de referências teóricas,no caso da sociologia marxista, desenvol-veu-se um sistema de medidas suposta-mente capaz de ser operado empiricamentee, mais do que isto, quantitativamente, queclassifica cada indivíduo de uma populaçãoem sua classe social.

A questão da desigualdade na distribui-ção da doença tem sido tratada mais enfa-ticamente com relação à dimensão socio-econômica. Uma vasta literatura tem sidodesenvolvida sobre a utilização de indica-dores proxy de grupos ou classes sociais.Muitos destes estudos, apesar da claradescontextualização (ou desteorização)das categorias sociais e econômicas queutilizam, em seu conjunto, constituem-seem um imenso patrimônio para o conhe-cimento das desigualdades sociais em saú-de (Liberatos e col.25, 1988). Porém, na atu-alidade, o entendimento das desigualdadestem se tornado mais complexo, tanto noque diz respeito às formas empíricas deobservá-las, como também em relação àforma como os diversos grupos, estratos eclasses sociais posicionam-se na relaçãouns com os outros. Novas compreensõesdo fenômeno das desigualdades são gera-das, tanto a partir de percepções acadêmi-cas, como a partir de reflexões e ações nointerior dos próprios grupos sociais. Estes,ao se organizarem como movimentos so-ciais ou culturais em busca de identidadee caráter próprios, elaboram sobre as dife-renças e as desigualdades com relação aosgrupos hegemônicos da sociedade. Assim,além das classes sociais, definidas de dife-rentes maneiras em acordo com as diferen-tes teorias sociais, desigualdades são iden-tificadas com relação ao gênero, à raça, aosgrupos religiosos ou culturais etc. (Cochra-ne e col.26, 1982; Krieger e Fee27, 1994). Mes-mo que tenham a sua usina geradora naestrutura produtiva da sociedade, as desi-gualdades espraiam-se e assumem dife-

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rentes configurações nos mais diversosplanos da organização social e nos diver-sos momentos históricos de cada socieda-de. Há razoáveis evidências empíricas deque as condições de saúde observáveis naspopulações acompanham a forma comque estas desigualdades se apresentam(Wilkinson28, 1996).

Além das particularidades que assu-mem as desigualdades nas condições desaúde é, também, importante entender osenfoques fundamentais que têm guiado oentendimento dessas desigualdades. Re-vendo os debates desta questão, desde oséculo XIX até o presente, podemos iden-tificar dois paradigmas fundamentais. Oprimeiro, que tem sido o mais influentemesmo em tempos atuais, foi desenvolvi-do no século XIX e fundamenta-se nas ob-servações de que, em sociedades desiguais,determinados grupos populacionais nãoatingem patamares mínimos que lhes per-mitam acesso a bens e serviços fundamen-tais, o que gera deprivações tanto de bensmateriais(saneamento, alimentação etc.)como de bens cultu-rais(educação, infor-mação etc.). Este paradigma, principal-mente no que se refere a deprivações debens materiais, tem servido para o enten-dimento das desigualdades observadas naocorrência das doenças infecciosas e dasdeficiências nutricionais (Engels29, 1977;Taylor e Rieger30, 1984). Diferenças notadasno plano cultural, ou seja, em elementosdespojados de materialidade, têm sido uti-lizadas para explicar desigualdades obser-vadas na ocorrência das doenças cardio-vasculares, dos cânceres, da violência, daobesidade, da exposição a agentes quími-cos etc., já que carências materiais, con-quanto se apresentem associadas a essesproblemas, nem sempre satisfazem outrospressupostos de causalidade epidemioló-gica. No decorrer da primeira metade dopresente século, foi verificado, nos atuaispaíses desenvolvidos, o aumento crescen-te de muitas doenças crônicas, mesmo emperíodos em que políticas sociais permiti-ram reduzir a pobreza absoluta. Assim, tor-nava-se necessário um novo paradigmaque explicasse este aumento na ocorrên-

cia destas doenças e as desigualdades que,em paralelo, eram observadas. As primei-ras elaborações encontram-se em torno daepidemiologia social, desenvolvida porCassel31,32 (1964; 1976) que, utilizando-se dateoria do stress, elabora o conceito de fato-res stressores gerados por processos adap-tativos sociais que determinariam o perfilde saúde de uma população. Não seriamais a carência absoluta, mas sim a formade inserção e de relação do indivíduo emseu meio social que desencadearia a doen-ça. Este núcleo de idéias tem evoluído nosentido de hoje se entender que a desigual-dade, mesmo não gerando deficiências ab-solutas é, em si só, um fator gerador de do-enças. Há evidências de que entre socieda-des com níveis econômicos similares, aque-las mais igualitárias no que concerne à dis-tribuição de suas riquezas tendem a apre-sentar mais altos níveis de saúde (Wilkin-son28,33, 1996, 1997).

Entre as consequências do conheci-mento sobre as desigualdades no risco deadoecer, estão os impasses que emergemnos momentos em que se busca transfor-mar estes conhecimentos em ações volta-das à promoção e à prevenção em saúde.As experiências acumuladas no curso dahistória mostram que esta não é uma tare-fa fácil e, com frequência, servem para de-finir os limites da saúde coletiva e da epi-demiologia enquanto campos profissio-nais. Entretanto, alguns desenvolvimentossão exemplares e mostram as potencialida-des da investigação epidemiológica funda-da no marco das desigualdades. As desigual-dades existentes, mas nem sempre obser-váveis no nível dos indivíduos, transferem-se para a dimensão espacial, sendo detec-táveis quando se comparam países, regiões,cidades, ou mesmo zonas de uma mesmacidade. Não é por menos que as relaçõesentre os padrões espaciais e os fenômenosde saúde constituem-se em um significa-tivo exemplo da importância do desenvol-vimento do conhecimento das desigualda-des em saúde. A demonstração da existên-cia de extremas desigualdades espaciaisnos níveis de saúde, a vinculação deste fe-nômeno com os padrões das desigualda-

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des sociais (Stephens34, 1996) e a disponi-bilidade de informações sobre unidadesespaciais nos sistemas rotineiros de infor-mações de muitos países têm estimuladoesforços para: a) construção de categoriza-ções espaciais dos eventos de saúde quesejam proxys das categorizações sociais(Paim35, 1997); b) desenvolvimento de no-vas técnicas analíticas, que permitam omanejo mais eficiente dessas informaçõese a produção de novos conhecimentos(Akerman36, 1997; Borell37, 1997; Scwar-cwald e Leal38, 1997); c) desenvolvimentode estratégias que aumentem a precisão noque diz respeito às prioridades para a pre-venção e promoção da saúde, bem comopara as políticas sociais em geral (Ste-phens34, 1996). Como seria de esperar, de-safios conceituais, metodológicos e técni-cooperacionais permanecem e necessitamser superados. Entre estes, pode-se citar atão propalada “falácia ecológica” relaciona-da a conhecimentos gerados sobre dadosagregados (Schwartz39, 1994; Barreto eCarmo40, 1995). No terreno da aplicação,Slogett e Joshi41 (1994) observam, na Ingla-terra, onde existe uma longa tradição douso de pequenos setores espaciais comounidades na investigação epidemiológicae na definição de prioridades em saúdeque, políticas fundadas apenas em conhe-cimentos gerados a partir de agregados es-paciais, mesmo quando operacionalmenteconvenientes, podem conter graus impor-tantes de iniqüidades.

As desigualdades em saúde têm sidoapresentadas sob duas diferentes formas(Vagero42, 1995). A primeira, relativa à chan-ce de ficar doente, que reflete a distribuiçãodesigual dos determinantes sociais, cultu-rais e ambientais das doenças, e a segunda,em estando doente, relativa ao acesso aocuidado que, em uma sociedade de merca-do, reflete a capacidade de consumo dosdiferentes grupos desta sociedade. Contem-poraneamente, muitas sociedades, incluin-do o Brasil, adotam entre os seus direitossociais (nem sempre respeitados) o acessoigualitário do indivíduo doente aos serviçosde saúde. Isto significa que a sociedade de-veria, por princípio, assumir a responsabi-

lidade pela cura de qualquer indivíduo do-ente, independente da sua origem no siste-ma social. No tocante à proteção relacio-nada com a chance de ficar doente, ou sejaà prevenção, existe um menor grau de con-senso sobre sua constituição como um di-reito social. Portanto, se há um crescentegrau de consenso de que as desigualdadesno acesso aos serviços de saúde sejam per-cebidas como iniquidades, o mesmo nãoacontece com relação ao risco de adoecer,a despeito de que a Constituição Brasilei-ra, de uma forma bastante avançada nesteaspecto, assegure no seu artigo 196 prote-ção aos riscos para todos os cidadãos dopaís.

Avanços no conhecimento, ainda quenecessários, não têm sido suficientes paraprovocar reduções nas desigualdades re-lativas ao risco de adoecer. É próprio dasutopias propor a extinção pura e simplesde tais desigualdades. Porém, no mundoreal, faz-se necessário transformações eintervenções complexas em esferas que,em geral, estão fora da capacidade de in-tervenção dos epidemiologistas ou de ou-tros profissionais da saúde coletiva. Nes-te contexto, cabe à epidemiologia, atravésdo seu patrimônio conceitual e metodo-lógico, desnudar as desigualdades em saú-de, transformando o conhecimento pro-duzido em fundamentos para estratégiasque possam reduzí-las (Goldbaum43, 1997).Em decorrência do seu compromisso commudanças efetivas nos níveis de saúde dapopulação, cabe a tarefa não menos im-portante de, em forma convincente, infor-mar aos diversos agentes sociais sobre asimplicações humanas, morais e éticasconsequentes à manutenção de tais desi-gualdades. Não há dúvida de que uma po-sição com relação a este dilema é centralpara, de um lado, evitar a transformaçãoda epidemiologia em uma disciplina embusca apenas de soluções tecnicistas e na-turalistas para os seus achados e, do ou-tro lado, retirar a justificativa para a suaexistência como disciplina autônoma,pela perda da especificidade do seu obje-to quando se dilui com outras disciplinasque estudam o social.

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Ambiente, qualidade de vida,conceitos e medidas da saúde

Em suas origens, o conhecimento epi-demiológico, ainda sob a égide do paradig-ma miasmático, percebeu o entrelaçamen-to da ocorrência das doenças com as ques-tões ambientais e sociais. Conhecimentoque foi indispensável para embasar asgrandes reformas urbanas e sanitáriasocorridas no século XIX e que significou,nos países hoje desenvolvidos, um intensoprocesso de transformações ambientais esociais que tiveram um imenso impacto nasaúde e na qualidade de vida das suas po-pulações (Rosen44, 1994). Após um retro-cesso ao início do período microbiano, anoção de ambiente ressurge na epidemio-logia como parte da tríade ecológica. As-sim, na maior parte da história da investi-gação epidemiológica, a busca das causasdas doenças tem sido centrada nos fatoresexternos ao organismo. Mesmo a denomi-nada epidemiologia molecular traz implí-cita a idéia de que marcadores biológicosdefinem padrões orgânicos de maior oumenor susceptibilidade a fatores externosao organismo (McMichael45, 1994). Isto sejustifica porque a epidemiologia moderna,dentro dos seus limites, mostra diferençasessenciais com relação à abordagem cau-sal de outras disciplinas que centram o en-tendimento dos eventos mórbidos apenasno plano das alterações e anormalidadesbiológicas.

A revisão dos conceitos e das mediçõesda saúde que a epidemiologia utiliza na suaprática de disciplina científica, ajuda a en-tender alguns dos seus impasses. O concei-to sobre o que é saúde tem variado desdenoções operativas - a mais primária delascomo a simples ausência da doença - atéaquelas não operacionalizáveis, tendo comoexemplo mais extremado e de profundoconteúdo utópico, a clássica definição daOrganização Mundial da Saúde - saúdecomo o “estado de completo bem estar físi-co, mental e social”. No tocante à medição,etapa imprescindível no processo de produ-ção de conhecimento de uma disciplina quetem suas referências no mundo empírico, os

instrumentos atualmente utilizados paramensurar a saúde das populações estãomais próximos das perspectivas operativase centradas em torno da frequência das do-enças (Patrick e Bergner46, 1990; Ware47,1995). Esta opção, pela indisponibilidade deoutros recursos para medição da saúde, temvárias implicações. Em um processo tauto-lógico, de um lado contribui para a manu-tenção das referências da epidemiologiacentradas em torno da doença, do outro, éa demonstração de que a epidemiologia nãoconseguiu introduzir nas medidas da saú-de das populações o seu patrimônio de co-nhecimentos sobre o papel causal dos fato-res ambientais, culturais e sociais. Esforçostêm sido feitos no sentido de romper comesta abordagem centrada no conceito dedoença. No plano das idéias, propostas deuma epidemiologia da saúde em substitui-ção à epidemiologia da doença (Terris48,1987) ou de um “modelo salutogênico” emsubstituição ao “modelo patogênico” domi-nante (Antonovsky49, 1979), têm sido apre-sentadas. No plano da prática, pode-se ci-tar um exemplo recente (Mackenback ecol.50, 1994) que, fazendo uso de um dese-nho da epidemiologia moderna, em uma po-pulação holandesa, estudou os fatores as-sociados ao estado de saúde auto referidocomo excelente.

A ênfase analítica no estudo das associ-ações causais, que é uma das marcas da epi-demiologia moderna, fundamenta-se, entreoutros equívocos, na idéia de que os proble-mas de saúde estão cristalizados em siste-mas classificatórios inquestionáveis e queas doenças são definidas de forma neutra eobjetiva. Questões relacionadas com os sis-temas classificatórios dos fenômenos comque opera não recebem maior atenção naepidemiologia moderna. Eventualmente, aquestão da classificação é discutida comrelação ao diagnóstico das doenças, não sepercebendo a importância que o processode classificar tem na organização do pen-samento humano. É evidente que a formacom que classificamos os eventos tem im-plicações fundamentais sobre o modo peloqual intervimos no mundo, pois é atravésdele que organizamos e agrupamos os fe-

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nômenos que percebemos já que, em geral,somos incapazes de compreende-los isola-damente. As classificações são produtos re-sultantes da forma com que agrupamos osfenômenos que nos circundam e refletem oentendimento das suas semelhanças e dassuas diferenças. Segundo Tort51 (1989), asclassificações são sempre construídas sobredois pressupostos básicos: as similaridades(metáforas) ou as conectividades, sejamcontiguidades, associações ou genealogias(metonímias).

Para agruparmos as doenças, tem-seutilizado por décadas classificações sobreas quais se têm elaborado muito poucascríticas. Dos sistemas classificatórios dis-poníveis, o mais utilizado é a ClassificaçãoInternacional das Doenças – CID, já em suadécima versão. Esta foi gerada a partir deconcepções biomédicas, com o princípioclassificatório oscilando entre similarida-des anatômicas e associações etiológicas.Se entendemos que as doenças são proble-mas socialmente produzidos e social e his-toricamente construídos, e não apenasproblemas biológicos, verificamos que es-tes sistemas classificatórios não incluemvárias dimensões que fazem parte desteentendimento das doenças, destacando-seos aspectos sociais, culturais e ambientais.Esta preocupação já está presente emCassel31(1964) quando, por exemplo, ques-tiona o porquê das classificações de doen-ças colocarem a esquizofrenia ao lado dapsicose maníaco-depressiva e não ao ladoda tuberculose e do suicídio, já que aesquizofrenia tem com a tuberculose e osuicídio similaridades em termos dos seusdeterminantes sociais, enquanto que, coma psicose maníaco-depressiva tem apenasvinculação topográfica.

Outra característica, não menos impor-tante, desses sistemas classificatórios é ofato de excluírem vários eventos de saúde,apesar de percebidos por aqueles que ossofrem. Este é um problema enfrentadoquotidianamente por todos aqueles quetrabalham no cuidado direto com os usuá-rios nos serviços de saúde ou pelos própri-os usuários. Uma série de sintomas perce-bidos, por não ganharem o status de doen-

ça e, como consequência, não serem incluí-dos em tais classificações, permanecem nãodiagnosticados. A despeito do acúmulo deevidências demonstrando, no plano indivi-dual, relações entre modo de vida, psiquê esintomas físicos, nem sempre classificáveiscomo doenças e, no plano populacional, aimportância da saúde percebida comopreditor de eventos de doença e de morte(Mossey e Shapiro52, 1982; Kaplan e Cama-cho53, 1983), queixas e sintomas percebidosque não encontram abrigo nestes sistemasclassificatórios são desqualificados comoproblemas de saúde.

A integração dos conhecimentos sobre adeterminação ambiental, cultural e social dasdoenças e da saúde, acumulados na históriada epidemiologia, aos conhecimentos sobreas formas como os indivíduos e as socieda-des percebem seus problemas de saúde eseus sofrimentos, acumulados pela antropo-logia da saúde, pode servir de base para avan-ços conceituais sobre a saúde. Etapa funda-mental no desenvolvimento de novos siste-mas classificatórios que, através de novasmetáforas e novas metonímias, expressem onosso entendimento do processo saúde-do-ença para além do sistema de referência bi-ológico e no desenvolvimento de novos in-dicadores que tenham a capacidade de me-dir dimensões ainda não mensuráveis doprocesso saúde-doença.

Reencontrar o elo perdido das preocu-pações da epidemiologia com o ambientee com a qualidade da vida e atualizar estesvínculos à luz dos imensos conhecimentosacumulados e das necessidades das socie-dades contem-porâneas é uma tarefa quetem como consequência não somente re-forçar a disciplina, no que se refere às suaspreocupações com a população, mas tam-bém equacionar desafios teóricos, metodo-lógicos e tecnológicos que a reforçam en-quanto disciplina científica.

Avaliação e escolha dasintervenções em saúde

A capacidade de produzir e colocar emuso novas tecnologias voltadas para o cui-dado à saúde (drogas, aparelhos, procedi-mentos e sistemas organizacionais para a

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atenção à saúde) tem crescido exponen-cialmente. Ao lado do potencial de cura oude prevenção (nem sempre confirmado) edos efeitos indesejáveis destas tecnologiasestão seus altos e crescentes custos, razãode preocupação de todos aqueles com al-guma respon-sabilidade sobre a saúde dosindivíduos ou das populações. A visão do-minante de progresso social traz consigo aidéia equivocada de que este progresso ocor-re em conseqüência da assimilação de no-vas tecnologias (Cipolla54, 1964; Germani55,1974). No campo da saúde, desde pelo me-nos os clássicos trabalhos de Illich56 (1975) e,principalmente, os trabalhos de McKeown57

(1979), paira sobre nossas consciências umaprofunda dúvida sobre a real importânciadestas tecnologias como modificadoras dascondições de saúde das populações.

De não menos importância como mar-co neste campo temos o trabalho de Co-chrane58 (1971). Este autor, ao constatarque a maioria das tecnologias médicas uti-lizadas até aquele momento não havia pas-sado por processos de avaliação de sua efi-cácia, alertou sobre os riscos dessas tecno-logias, provocando um imenso impactosobre o que se concebia até aquele mo-mento como avaliação das mesmas. A im-portância histórica da posição de Cochra-ne deve-se ao seu clamor pela obtençãode garantias da eficácia de qualquer inter-venção e serviu para estimular o uso dosensaios aleatorizados nessas avaliações. Ostrabalhos de McKeown57 e Cochrane58 po-dem ser considerados como abordagensrepresentativas de duas visões extremassobre as concepções da saúde, das doen-ças e das formas de modificá-las. A primei-ra, representando a visão da doença comoum processo fundamentalmente social ehistórico e, enquanto tal, apenas secunda-riamente modificável pelas intervençõesmédicas, e a segunda a visão do corpocomo uma máquina biológica que pode serafetada por problemas disfuncionais - adoença, cuja proteção depende primaria-mente de intervenções efetivas sobre osseus mecanismos geradores.

Tem-se buscado várias estratégias parademonstrar o quanto as tecnologias, ações

e serviços de saúde podem ser eficazes ouefetivos, porém há evidências de que umaparte importante das mesmas, apesar deem uso corrente, não foi adequadamenteavaliada. Podem-se apontar como fatoresque contribuem para isso: a imensa e ex-ponencialmente crescente quantidade detecnologias disponíveis, os altos custos deum adequado processo de avaliação, a fal-ta de interesse dos produtores, as incerte-zas sobre a extrapolação dos estudos deeficácia para outras populações, as insufi-ciências de ordem metodológicas como afalta de desenhos que permitam avaliaçõesobjetivas de certas tecnologias (por exem-plo, as cirurgias ou os métodos psicoterá-picos)59. Os ensaios aleatorizados, a formamais elaborada de avaliação disponível(Power e col.60, 1994) - para alguns, o mo-delo de referência na investigação epide-miológica (Horwitz61, 1987; Miettinen62,

1989) - apresentam, com frequência, resul-

tados discordantes, mesmo quando basea-dos em desenhos e tamanhos amostrais

que lhes garantiriam validade. Como con-

sequência, mesmo no caso de tecnologiasque tenham os ensaios aleatorizados como

o mais indicado para suas avaliações, a

exemplo dos medicamentos e das vacinas,há dificuldades para a formação de consen-

sos que norteiem decisões seguras sobre o

uso de cada uma delas. Para compensar asinsuficiências dos estudos aleatorizados,

novos recursos de avaliação têm sido de-

senvolvidos e utilizados. Como exemplos,podem-se citar as metanálises e os ensai-

os com grandes amostras e desenhos sim-

plificados (large sample randomized trials).A metanálise tem por objetivo agregar os

resultados de vários estudos sobre uma

mesma tecnologia, o que significa, pelasoma das amostras de cada estudo isola-

do, aumentar a amostra global, para em

seguida, através de artifícios de análise,estimar seus efeitos médios (Greenland63,

1987). Os ensaios com grandes amostraspossibilitam uma maior eficiência do es-tudo e a observação de fenômenos que nãoseriam observados em estudos com amos-tras convencionais, como muitos dos efei-tos indesejáveis. Porém, para que tenham

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viabilidade operacional, utilizam desenhosmais simplificados, o que pode eventual-mente afetar a qualidade dos resultados(Peto e col.64, 1993; Barreto e col.65, 1996).

Se todo o esforço de avaliação não temsuperado os problemas inerentes à defini-ção da eficácia das tecnologias, maioresainda são as limitações com relação à ava-liação da efetividade. Pois, mesmo tendoníveis aceitáveis de eficácia quando anali-sadas isoladamente, muitas das tecnologi-as são pouco efetivas quando utilizadascomo parte rotineira de ações, programase serviços de saúde. A questão torna-semais complexa e real, embora menos apa-rente, quando nos deparamos com o pro-blema da efetividade dos programas e ser-viços de saúde. Estes se constituem em es-truturas organizacionais que agregam umaou mais tecnologias e que, em seu conjun-to, formam o complexo prestador de servi-ços de saúde. Este complexo atua segundoregras de mercado, nem sempre sujeito anormas reguladoras e ao controle social, eque dificilmente poderá vir a ser global-mente avaliado. Entretanto, avaliar a eficá-cia e a efetividade de, pelo menos, parte dastecnologias, ações ou programas direcio-nados à cura ou prevenção em saúde é umatarefa para a qual a epidemiologia dispõede recursos. Inclusive, ainda que de formaincipiente, tem-se experimentado a apli-cação de estudos aleatorizados na avalia-ção de serviços completos – firm trials – emlugar da avaliação de tecnologias isoladas.A documentação da baixa efetividade demuitas dessas intervenções e o alto custodos seus limitados benefícios são uma con-tribuição científica e socialmente relevan-te da epidemiologia para a melhoria daqualidade e o controle de custos da assis-tência e da prevenção em saúde. Comoexemplo, pode-se citar estudo que avaliouo papel do sistema hospitalar na atenção àdiarréia infantil na Região Nordeste do Bra-sil (Barreto e col.66, 1997). Por problemasrelacionados à aces-sibilidade e à qualida-de da assistência prestada, observou-semuito baixa efetividade no que concerne àdiminuição dos óbitos por esta doença. Istoeleva para níveis proibitivos e injustificá-

veis o seu custo-efetividade, desperdiçan-do recursos que poderiam estar direciona-dos para programas de prevenção comefetividade já demonstrada.

Causa versus prevenção:algumas conclusões

Na epidemiologia moderna a medida derisco mais utilizada é o risco relativo, o quemede a força da associação, ou seja achance de um grupo populacional vir a tero evento mórbido, relativamente a um gru-po de referência. Outras medidas, desta-cando-se o risco atribuível, de maior inte-resse para a mensuração populacional dorisco e para estimar a sua importância parauma população definida, têm sido secun-darizadas. Um fator com baixo risco relati-vo pode ter grande importância populaci-onal, assim como um fator com alto riscorelativo pode ter pequena importância po-pulacional. Os métodos e desenhos de es-tudo desenvolvidos pela epidemiologiamoderna têm-se mostrado extremamenteeficientes no estudo de fatores causais comgrande força de associação ou com altograu de especificidade em relação ao seuefeito. Porém, grande parte dos fatores derisco associam-se aos efeitos através debaixos riscos relativos ou de forma poucoespecífica, razões que contribuem para asinconsistências dos resultados, encon-tradas em diferentes estudos sobre a mes-ma questão.

Na epidemiologia, a causa é entendidacomo um fator ou um conjunto de fatoresvinculado à ocorrência de um evento mór-bido. Por analogia, conclui-se que a retira-da da causa ou a introdução de algo que aneutralize reduzirá a ocorrência do even-to. Ação que genericamente se denominade medida de prevenção. Apesar do cará-ter empirista da epidemiologia, a causa,por mais real que seja, situa-se no campodo conhecimento, enquanto que a preven-ção, resultante do conhecimento sobre ascausas, encontra-se no campo da práxis.Aqui ficam definidos dois espaços interde-pendentes e nem sempre claramente deli-mitados, o do conhecimento e o da ação –

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a epidemiologia como disciplina científica(que estuda a saúde, a doença e os seus de-terminantes) e como campo profissionalda saúde coletiva (que desenvolve tecno-logias e estratégias de prevenção) (Paim eAlmeida-Filho67, 1998). No primeiro espa-ço elaboram-se teorias, desenham-se estu-dos, analisam-se dados, produzem-se in-formações e conhecimentos. No segundo,a partir do anterior, produzem-se novosconhecimentos, delineiam-se estratégias,concretizam-se ações. No primeiro, os er-ros são de ordem teórica e metodológica.No segundo, os erros significam vidas, doen-ças, sofrimentos, ou ainda, custos sociais,econômicos ou políticos.

Enquanto se tenha consolidado a idéiade que grande parte dos fenômenos rela-cionados à saúde tem múltiplas causas, aconstrução de modelos multi-causais, aexemplo das redes de causalidade, carecenão só de qualquer consistência teórica, as-sim como tem sido de baixa utilidade ope-racional por insuficiências no campo me-todológico (Krieger7, 1994). McCormick eSkrabaneck68 (1988), discutindo esta ques-tão, concluem que a qualificação de umaetiologia como multifatorial tem significa-do, na prática, o desconhecimento da cau-sa. Estes autores sugerem que muitos dosfatores de risco conhecidos venham a serdenominados “marcadores de risco”, como sentido de se evitar expectativas não rea-listas de prevenção. As estratégias de pre-venção que efetivamente são utilizadas, or-ganizam-se a partir de concepções unicau-sais. No sentido de reafirmar essa perspec-tiva reducionista, Tesh69 (1988) destaca queas práticas atuais de prevenção giram emtorno de apenas três modelos fundamen-tais: o do germe, o do estilo de vida e o am-biental. Para cada um destes modelos exis-tem estratégias de intervenções preventi-vas correspondentes: vacinas, educaçãoem saúde e normas reguladoras, respecti-vamente. A idéia primária que se opera naepidemiologia é de que o achado causalgera a prevenção e, somente pelo acúmulode conhecimentos causais se poderão ela-borar novas estratégias de prevenção. Ob-servando-se a história do desenvolvimen-

to do conhecimento sobre algumas causasisoladas e o consequente desenvolvimen-to das ações para a prevenção das mesmas,este processo linear pode eventualmenteocorrer. Entretanto, revendo-se na históriada saúde pública as relações entre os mo-delos causais e os modelos preventivos,conclui-se que esta premissa dificilmentepoderá ser generalizada. Se o conhe-ci-mento da causa antecede a formulação daestratégia de prevenção, os limites prees-tabelecidos para as estratégias de preven-ção têm definido, em uma aparente con-tradição, o espectro de relações causais aserem objeto de investigação. A desquali-ficação da determinação social, cultural eambiental da doença ou de outras teoriascausais não ocorreu pelos conhecimentosque produziram, mas sim pelas suas poten-ciais consequências em termos das estra-tégias de prevenção que produziram oupoderiam vir a dar origem.

Não há dúvida de que a crise pressenti-da da epidemiologia moderna é, antes detudo, uma crise de esgotamento, já que: a)as possibilidades de novos conhecimentossobre fatores de risco com forças associa-tivas muito altas ou com altos graus de es-pecificidade, com relação ao seus efeitos,estão esgotadas; b) as propostas de preven-ção fator a fator têm-se mostrado de limi-tada eficiência e de difícil implementação;c) com frequência, a avaliação das tecno-logias não fornece um quadro completodos efeitos previstos e imprevistos e, prin-cipalmente, os seus efeitos, quando utili-zadas como parte de complexos programasde intervenção na saúde; d) por melhor quesejam as intenções e por mais consistenteque sejam os conhecimentos disponíveis,a capacidade de se prever o resultado dasintervenções que se implementam é, emgeral, baixa.

Porém, têm-se algumas convicções.Uma delas é de que sínteses feitas a partirdos conhecimentos existentes têm produ-zido algumas categorizações lógicas e con-sistentes que, aplicadas em populações,definem estratos que se diferenciam deoutros com relação ao risco de ocorrênciade um ou mais eventos mórbidos de im-

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portância. Essas categorias, quando utili-zadas como ponto de partida para reorga-nizar políticas populacionais de prevenção,podem ser de grande utilidade. Assim, po-dem-se entender os esforços como os deCastellanos70,71(1992; 1997), desenvolvidospor outros (Paim35, 1997), de demonstrarque a categorização de populações de acor-do com os níveis de condições de vida, de-finem sub-populações com diferentes ní-veis de saúde e podem servir de base paraa definição de prioridades nas ações deproteção e promoção à saúde. Porém, ou-tros recortes também podem definir sub-grupos populacionais com relação à ocor-rência de eventos de saúde. Como exem-plo pode-se utilizar o caso de um recente edenso relatório sobre as relações entre ali-mentos, nutrição e câncer, produzido como objetivo de intensificar a prevenção des-te grupo complexo de patologias (WorldCancer Research Found72, 1997). A análisedetalhada das evidências científicas exis-tentes, advindas principalmente de estu-dos epidemiológicos, que suportam ou nãopossíveis associações causais entre os vá-rios alimentos e fatores nutricionais e osvários tipos de câncer, resultou na propo-sição de intervenções organizadas em tor-no de apenas 14 recomendações, cada umadelas definindo ações em nível populacio-nal e correspondentes orientações em ní-vel individual. Estas recomendações sãoproduto do esforço de sistematização dasinfinitas possibilidades de prevenção queresultam do conhecimento ou desconhe-cimento existentes sobre as associaçõescausais entre fatores nutricionais e alimen-tares específicos e canceres específicos.Estimou-se que o seguimento dessas reco-mendações poderia levar à redução de 30-40% do total de casos de câncer no mun-do(3-4 milhões de casos por ano), além deter repercussões positivas sobre a ocorrên-cia de uma série de outras patologias rela-cionadas à alimentação e fatores nutricio-nais. A opção pela prevenção centrada emfatores específicos, além da baixa viabili-dade enquanto política de saúde, seria dedifícil entendimento e utilização por indi-víduos e por populações.

Susser e Susser11(1996) previram o ad-vento de uma nova era na epidemiologiaque, a partir da ruptura com a visão sim-plista, dicotômica que se construiu, seráestruturada sobre os elos relacionais entreos vários níveis da realidade. A esta novaera denominaram de eco-epidemiologia, aser constituída sobre um novo paradigma– as “caixas chinesas”. Este novo paradig-ma seria resultante da síntese de conheci-mentos gerados em dois níveis. O macro,com o estudo dos fenômenos em nível dapopulação e das sociedades, e o micro, como estudo dos fenômenos que ocorrem nonível molecular. O novo paradigma seriaessencialmente integrador e harmonizadordestes níveis do conhecimento. Os méto-dos e técnicas que permitirão concretizartais possibilidades estão apenas enuncia-dos, o que segundo os autores não se cons-titui em problema pois, de maneira simi-lar, no início da era da epidemiologia dasdoenças crônicas os desenhos de estudose recursos de análise, hoje rotineiramenteutilizados, apenas despontavam.

A crítica na ciência não tem, em geral,a pretensão de extinguir o velho e substi-tuí-lo por algo novo. Pretende, sim, supe-rar as referências paradigmáticas existen-tes no momento em que estas não se mos-tram capazes de resolver questões que lhessão apresentadas. Neste sentido, o que aquise denominou de epidemiologia modernacontinuará tendo, por muito tempo, papelimportante no desenvolvimento de conhe-cimento sobre as causas das doenças(Savitz,73 1994). Porém, da mesma formaque aconteceu em outras disciplinas cien-tíficas, a superação da epidemiologia mo-derna implica obrigatoriamente em retirar-lhe a capacidade de continuar sendo o eixoestruturante da produção do conhecimen-to epidemiológico.

É difícil acreditar que, em um tempoobservável, a epidemiologia poderá res-ponder a todas as questões e problemaspostos para ela, por mais que seus paradig-mas sejam atualizados. Isso não diminui asua importância e mostra a pertinência dese continuar elaborando e reelaborandoquestões, perplexidades e críticas. Tam-

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bém, não concede o direito da ignorânciacom relação ao conhecimento existente ouda postergação de in-tervenções e outrasações que, em um dado momento, apre-sentem-se como neces-sárias. Neste con-texto é que se situam os pragmáticos, nomomento em que, com conhecimentosdeficientes e em condições adversas, con-seguem propor melhorias nas condições desaúde da população. Na sua tensão entredisciplina científica e campo profissional,a epidemiologia traz à tona, para os seuspraticantes, independente de onde estejamsituados, os desafios da dialética entre osonhar e o fazer, entre a utopia e a realida-de, entre a técnica e a política.

Repensar a forma de conceber a pre-venção constitui-se um dos grandes desa-fios de uma epidemiologia da saúde cole-tiva. No processo de produção científica,quando faltam recursos analíticos maisadequados ou quando se quer aprofundara análise de um fator, pode-se isolá-lo etestá-lo fora do seu sistema original. Po-rém, no momento da intervenção já não seopera com modelos, mas sim com a reali-dade em toda a sua complexidade. Natransmutação de conhecimentos geradosa partir de bases conceituais deficientes ede modelos reducionistas para ações e in-tervenções em realidades, por naturezacomplexas, ocorrem muitos erros e frus-tram-se expectativas com relação aos efei-tos ou mudanças esperadas (Dorner74,1996). Para tornar mais intricada a ques-tão, deve-se ter em conta o fato de que naprevenção atua-se sobre indivíduos e po-pulações que, em geral, não são os mesmosa partir das quais os riscos foram estima-dos. É operação frequente a utilização deriscos estimados em um dado contextopara projetar-se estimativas do impactodas intervenções na redução dos riscos emum outro contexto. Esta passagem provo-ca o aumento das incertezas, e mesmo im-plicam no aumento dos limites de confi-ança originalmente estimados.

Vive-se em um momento de grandestensões epistemológicas. Na história do co-nhecimento idealizou-se um mundo line-ar, visão que felizmente está em declínio. As

relações causais estabelecidas em basesdicotômicas, lineares, unidirecionais, exclu-sivamente quantitativas e com baixa capa-cidade preditiva são questionadas. Muitossentem a necessidade de percepção, regis-tro e análise dos elementos não mensurá-veis ou qualitativos da saúde (Trostle75, 1986;Baum76, 1995). Pela dinâmica do conheci-mento e no prenúncio de uma nova era enão por simples modismo, tópicos comoestudos ecológicos (Morgenstern77, 1995),quase-experimentos (Behi e Nolan78, 1996),caos (Philippe79, 1992), transdisciplinarida-de (Almeida-Filho80, 1997), lógica fuzzy(Corson81, 1996), fractais (Anderson e col.82,1997), complexidade (Schramm e Castiel83,1992; Marques84, 1995; Castiel85, 1996), es-tatística Bayesiana (Etzioni e Kadane86,1995), modelos em múltiplos níveis (VonKorf e col.87, 1992; Fucks e Victora88, 1997),redes neurais (Hammad e col.89, 1996) etc.começam a ter cada vez mais usuários eadeptos na comunidade epidemiológica.Em uma área tradicional que é a epidemio-logia das doenças infecciosas e parasitári-as, com base em conceitos como dinâmicade populações e razão de reprodução bási-ca, constroem-se modelos matemáticoscada vez mais complexos e pouco accessí-veis aos não iniciados que incluem númerocrescente de fatores na busca de simulaçõesmais aproximadas da realidade onde adoença ocorre (Scott e Smith90, 1994).

O epidemiologista adequado ao pre-sente deve transitar entre as definições eusos tradicionais da disciplina e uma sériede novos conceitos que vêm sendo conti-nuamente decodificados e assimilados;deve dialogar com as experiências inova-doras que se constituam em contribuiçõesno fortalecimento dos vínculos da epide-miologia com seus propósitos fundamen-tais e com a saúde coletiva; deve participarda construção das novas bases conceituaise metodológicas que irão permitir o desen-volvimento de conhecimentos e novas pos-sibilidades de prevenir os eventos mórbi-dos e amenizar os sofrimentos humanos.Para intervir no presente, deve buscar, noconhecimento epidemiológico até entãoproduzido, evidências que tornem possível

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o desenvolvimento de alternativas de pre-venção tecnicamente viáveis, de grandeimpacto populacional e efetivas sobre omaior número possível de problemas desaúde. Porém, que também sejam social eindividualmente aceitáveis e politicamen-te realizáveis. A implementação de muitasintervenções somente é possível após mu-danças ou redefinições no campo político.As vinculações com outros profissionais dasaúde coletiva devem se dar pela constru-ção de afinidades em torno de tudo aquiloque diga respeito à prevenção.

Nesta direção a epidemiologia recons-tituirá suas bases teóricas e metodológicas,fundadas em princípios éticos e em justifi-cativas morais que direcionem seus esfor-ços para entender e contribuir na reduçãodas desigualdades na saúde, na melhoriada qualidade de vida dos indivíduos e daspopulações e na seleção das tecnologias desaúde, evitando a exposição indiscrimina-da dos indivíduos e das populações a inter-venções com baixa efetividade ou que in-duzam novas doenças e novos sofrimentos.Tudo isto, porém, ganhará um maior sen-tido quando articulado a um outro arca-

bouço que está sendo paulatinamenteconstruído, o qual busca compreender asrazões da intensa dinâmica temporal doseventos de saúde nas populações huma-nas, bem como dos seus determinantes e,mesmo, da efetividade das intervenções(Omran,91 1971; McKeown57, 1979; Cald-well92, 1993; Barreto e col.93, 1994). Esta ar-ticulação tende a relativizar o papel dos co-nhecimentos obtidos em momentos isola-dos e colocá-los em uma perspectiva his-tórica, possibilitando a produção de mui-tos dos conhecimentos que necessitamos.

Agradecimentos

Gostaria de agradecer aos colegasJainilsonm Paim, Carmen Teixeira, NaomarAlmeida e Estela Aquino por seus co-mentários em aspectos importantes do tex-to. A apresentação de versões preli-mina-res no V Congresso Brasileiro de Saúde Cole-tiva, em 1997, em Águas de Lindóia-SP, e noIV Congresso Brasileiro de Epidemiologia, em1998, no Rio de Janeiro, serviram de estímuloe foram vitais no amadurecimento da versãoaqui apresentada.

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123Por uma epidemiologia da saúde coletivaBarreto, M. L.

O artigo apresentado por Maurício L.Barreto aborda um assunto instigante, tra-zendo à cena o debate, ou melhor, repon-do a discussão sobre a epidemiologia, seuscompromissos e suas perspectivas, bemcomo apresenta um elenco de desafios quea disciplina enfrenta e que merecem serdevidamente considerados.

Propugnar por uma epidemiologia daSaúde Coletiva apresenta-se como umaproposta fundamental e estratégica para amesma, procurando recuperar a sua tradi-ção enquanto uma das bases nas quaissempre se assentou ou deveria se assentara tradicional Saúde Pública. Aos elemen-tos apresentados por Barreto, poucos euteria a acrescentar, haja vista a extensa ebem realizada revisão bibliográfica que otema exige, bem como o nível de detalhena exposição, em especial, das cinco for-mas de expor e interpretar a crise da disci-plina na sua relação com a Saúde Coletiva.

A grande indagação suscitada pelo ar-tigo pode referir-se à ausência de uma dis-cussão ancorada no que se pode denomi-nar de “crise” da Saúde Coletiva ou SaúdePública. Nos últimos anos os debates so-bre essa crise, desde aquele proporciona-do pela Organização Panamericana de Saú-de em 19921 , têm se realizado com diferen-tes enfoques e em diferentes instâncias,mas sem proporcionar respostas suficien-temente iluminadoras de novos caminhos.Pode-se supor, a partir da realidade viven-ciada, que a atividade do profissional desaúde pública estaria defasada e não res-pondendo às novas demandas postas tan-to pelo processo de reorganização dos ser-viços de saúde, como pelas próprias neces-sidades de saúde das populações humanas.Essa situação não é nova, nem específica

Debate sobre o artigo de Maurício L. BarretoDebate on the paper by Maurício L. Barreto

1 OPS. La crisis de la Salud Publica. Reflexiones para el debate. Washington, DC. Publ. Cient. 540, 1992.

do país, pois essa denúncia, com repercus-sões no continente americano, já constavano debate publicado em 1992.

Nessa circunstância, a análise feita seenriqueceria bastante se pudesse ser refe-renciada às definições e orientações que sebuscam para a Saúde Coletiva contempo-rânea. Estou propondo e sugerindo essadiscussão, tomando para base de reflexãoum paralelo que ocorre com a incorpora-ção, que a Clínica vem fazendo, das técni-cas epidemiológicas no tratamento de seusproblemas técnico-científicos. Todo o mo-vimento que se gerou em torno dessa ques-tão, especialmente no nosso meio, ocultou,por razões diversas, entre outras tantasimportantes, aquelas questões referentesao seu significado e especificidade (nãovou tratar, por exemplo, do embate ideo-lógico, que é importante, mas não cabenesse momento). A atuação e práticas clí-nicas vêm sofrendo modificações substan-ciais, determinadas por diferentes fatores,entre os quais se destaca a incorporação denovas tecnologias, e que explicam a neces-sidade das novas abordagens técnicas re-ferentes aos seus novos e velhos problemasdos doentes, ao lado da busca do estabele-cimento de uma melhor racionalidade desuas atividades. A incorporação das técni-cas epidemiológicas, ou do instrumentalda metodologia científica, à Clínica, pro-cura responder às necessidades postaspela disciplina e identificadas, contempo-raneamente, pelos profissionais e estudio-sos da área. Há uma correspondência en-tre essas novas posturas metodológicas eas necessidades postas pelas indagaçõesclínicas. A discussão sobre os benefícios edesvios que isso acarreta não cabe nestedebate; vale o destaque para a articulação

O resgate da epidemiologia na “crise” da Saúde Pública

Moisés GoldbaumDepartamento de Medicina Preventiva da FMUSP

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124 Por uma epidemiologia da saúde coletivaBarreto, M. L.

entre essas disciplinas (aliás, se está privi-legiando a interdisciplinariedade como ummovimento necessário!) e da revalorizaçãoque ambas alcançam, em especial a Clíni-ca, no plano técnico-científico e, talvez, astécnicas epidemiológicas, no plano políti-co (simbiose perfeita entre disciplinas!).Vale, também, destacar alguma improprie-dade, assumida por alguns autores referi-dos por Barreto, de que essas abordagenstomando o indivíduo por base respondama todas as necessidades de saúde, incluin-do aquelas de natureza coletiva. Isso talvezseja uma das fortes razões pelas quais sepossa explicar o “afastamento” da Epide-miologia de sua origem, a Saúde Coletiva.

Esse paralelo está sendo apresentadopois oferece a oportunidade para apontarque a crise da Epidemiologia pode estar ca-minhando junto à crise da Saúde Pública.Considerando, a partir dessa última, uma“falta de definição” mais precisa de seu ob-jeto, a própria Epidemiologia (permitam-me aqui fazer uma especulação) estaria semtodos os elementos necessários e suficien-tes para repensar o seu, enquanto discipli-na central daquela. Em outros termos, seestá havendo uma “adequação” entre técni-cas de análise epidemiológicas e as investi-gações sobre os indivíduos doentes, cabeindagar se a crise identificada por Barretonão se refere a essa ausência de “adequação”de objetos no campo da Saúde Coletiva.Tudo leva a crer que a preocupação com asquestões da assistência médica estão a ocu-par tempo substancial na implementaçãodas políticas de saúde, impedindo concep-ções inovadoras e atualizadas sobre a saú-de propriamente dita, permitindo sua me-lhor identificação e especificação.

Não estão sendo propostas “distintas”epidemiologias, tal como se vem observan-do através das múltiplas adjetivações queela vem recebendo; trata-se de definir comprecisão o(s) objeto(s) com que se traba-lha e consequentemente identificar os ins-trumentos, técnicas e métodos a serem uti-lizados. Shy, citado por Barreto, faz referên-cia à macroepidemiologia, o que permitelançar a idéia de diferentes níveis de atua-ção e compreensão; isto, longe de repre-

sentar qualquer valorização deste ou da-quele conhecimento, implica reconhecerníveis diferentes de problemas e, portan-to, utilização e interação distintas de téc-nicas, métodos e conhecimentos, adequa-dos às questões que se formulam e se pre-tende responder.

Outra questão suscitada por Barreto dizrespeito ao papel da epidemiologia, ou doepidemiologista, na redução das desi-gualdades relativas ao risco de adoecer, ouseja, em última instância, seu papel nasmudanças sociais. Remete à necessidadede identificação dos seus limites e poten-ciais: reitera-se aqui a posição de que odesnudar as desigualdades em saúde, im-plica a utilização tanto do conhecimentoclassicamente traçado (exemplos existemde trabalhos que permitiram estabelecerrelações, nas quais se identifica como asdesigualdades nas possibilidades de con-sumo acarretam diferenciais importantesnos níveis de saúde de diferentes grupospopulacionais), quanto daquele a ser ge-rado por novas categorias pensadas nacontemporânea Saúde Pública. Sem des-cartar o conhecimento gerado pelo nívelindividual, no qual as categorias clínicassão as dominantes (o que, em princípio,responde às necessidades da atenção mé-dica individual), à epidemiologia cabe, pri-oritariamente, a geração de conhecimen-tos proporcionados no nível coletivo comnovas possíveis categorias, de natureza co-letiva, tanto nas conseqüências, ou se pre-ferirem nas variáveis dependentes (os no-vos tratamentos dados à violência, inclu-indo aqui a droga adição, ou mesmo a in-trodução de categorias como gênero, mos-tram-se caminhos promissores), quanto naprópria forma de compreender a confor-mação dos grupos sociais (a literatura cien-tífica nacional e internacional vem procu-rando cobrir esses aspectos), promovendoa atualização de objetos da Saúde Públicae de modo concomitante da Epidemiolo-gia. Assim mesmo, a efetivação do “seucompromisso com mudanças efetivas nosníveis de saúde da população” não prescin-de do conjunto das informações geradasnos diferentes campos disciplinares.

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125Por uma epidemiologia da saúde coletivaBarreto, M. L.

Embora Barreto exponha uma “crise deformulações teóricas” e as fundamente, elemesmo aponta para as novas perspectivasteóricas ou metodológicas que se abremcom a adoção de novos “tópicos como es-tudos ecológicos, quase-experimentais,caos, transdisciplinaridade, lógica fuzzy...”.Trata-se, aqui, de identificar a concepçãode teoria, haja vista, a incorporação de no-vas teorias do terreno da quantificação, ob-servada pela Epidemiologia. Entretanto, aemergência dessas novas formas de orga-nizar o pensamento epidemiológico nasceda identificação de questões que estão amerecer tratamentos mais complexos eque, de certa forma, vem desafiando maisdiretamente parte do meio acadêmico, emenos os sanitaristas, na medida da ausên-cia, para estes últimos, de uma perspectivamais claramente definidora de sua atuação

e repercussão. Nessa perspectiva, pode-seapontar uma evolução teórica da discipli-na, favorecida até pelos meios computaci-onais, e uma necessidade de promoveruma revisão e atualização dos níveis deanálise das informações geradas por essesnovos tópicos.

O texto de Barreto é bem-vindo. As mi-nhas divergências com as teses apresenta-das são de pequena monta, como se podedepreender desta análise. Deve ser ressal-tado o caráter científico com que as apre-senta, oferecendo uma ótima oportunida-de para rever esse debate que está, de cer-ta forma, negligenciado ou, talvez seriamelhor dizer, não suficientemente valori-zado. Isto está a exigir um claro posiciona-mento da comunidade para repor a epide-miologia novamente no epicentro das de-cisões técnico-políticas em saúde.

Esta construção baseia-se no uso corriquei-ro da palavra epidemiologia quer em livro-textos, quer em um conjunto tradicional derevistas científicas dedicadas ao campo,quer na prática de profissionais ligados ainstituições (nacionais ou internacionais)normativas da área da saúde. Ao agirem des-ta forma, os críticos da epidemiologia sãoobrigados, direta ou indiretamente, a optarpor uma delimitação específica da área deconhecimento em questão, entre tantas ou-tras possíveis. Desde logo observa-se a ar-bitrariedade desta escolha, cabendo entãoa questão: Seriam as proposições destesautores robustas a definições alternativas deseu objeto de “ataque”?

A questão sobre a definição do que éepidemiologia, ou sua versão particular,torna-se ainda mais ambígua quando ob-servamos que a crise dos “paradigmas” daepidemiologia é constituída de elementos

O ensaio de Maurício L. Barreto (MLB)propõe uma epidemiologia para a saúdecoletiva. Esta proposta baseia-se na iden-tificação de uma crise da epidemiologia.Este não é um ensaio isolado, sendo o temarecorrente na literatura epidemiológica,em particular a brasileira. A recorrência dotema levanta uma série de especulaçõescom possíveis implicações para a organi-zação do campo da epidemiologia em nos-so país. Em meus comentários, portanto,procurarei explorar não só as teses do en-saio de MLB mas também a estrutura dopensamento da crise da epidemiologia.

A estrutura do pensamento da criseda epidemiologia

A conceituação de “epidemiologia” (oualguma de suas versões, a moderna no casopresente) constitui-se invariavelmente noponto de partida para as críticas futuras.

A síndrome da gafieira (quem está fora não entra e quem estádentro não sai): comentários a “por uma epidemiologia dasaúde coletiva”

Cláudio José StruchinerPrograma de Computação Eletrônica da Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro

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126 Por uma epidemiologia da saúde coletivaBarreto, M. L.

faltantes ou “deficiências” que ocorrem nointerior da disciplina, mas o “processo deprodução de conhecimentos alternativos..., em muitos momentos...,” acontece “forado núcleo central da disciplina ...”. No pre-sente ensaio, estes elementos são: (1) umacrise do seu paradigma dominante; (2) umacrise na sua capacidade de formulação te-órica; (3) uma crise resultante da rutura dosseus compromissos históricos; (4) uma cri-se da relação com a prática da saúde pú-blica; e (5) uma crise da capacidade expli-cativa, gerada pelo conflito de resultados.

Por que invocar a dualidade dentro vsfora e não considerar a produção do conhe-cimento como um todo contínuo, sem aexistência de barreiras delimitadoras e ge-nuinamente multidisciplinares? Ao contrá-rio da axé music e dos trios elétricos, a estapostura eu, carinhosamente, denominariade a síndrome da gafieira já que quem estádentro não sai e quem está fora não entra.Junto com a questão acima, a leitura doensaio propõe outras indagações sobre anatureza da estrutura do pensamento dacrise da epidemiologia. Após a opção pelocomportamento territorialista, a epidemi-ologia passa a ser descrita também comopossuindo uma “posição peculiar”, ou “di-ferenças essenciais”, ou ainda como “dis-ciplina básica da saúde pública”, visões cer-tamente bastante lisonjeiras de si própria.

Estes dois elementos, o territorialismo ea vaidade, identificáveis na estrutura dopensamento da crise da epidemiologia, po-deriam ser considerados como inofensivosou apenas objetos de curiosidade acadêmi-ca, não fosse pelas implicações ao nível daorganização do campo em nosso meio. Porexemplo, em um movimento recente de re-organização da estrutura de pós-graduaçãoe de critérios objetivos de avaliação da ati-vidade docente e em pesquisa, as principaisagências nacionais de normatização e fo-mento têm-se deparado com questões po-lêmicas. Assim, para a avaliação da impor-tância das publicações em saúde coletivaabre-se mão de índices genéricos de impac-to destas publicações adotados internacio-nalmente, ainda que imper-feitos, por cri-térios internos à área. Portanto, se por um

lado questiona-se o esgotamento de mode-los atuais pela “pequena importância con-ferida às questões teóricas”, por outro ladoas publicações em revistas científicas, ondeo escoamento desta produção seria maisapropriado, correm o risco de não seremincluídas nos índices bibliográficos reco-nhecidos pelos profissionais deste meio.

As teses do ensaio

Não poderia deixar de comungar como autor do ensaio quando este chama aatenção para os desafios éticos, políticos,morais, científicos, tecnológicos, teóricose metodológicos a serem resgatados naprática epidemiológica. Entretanto, em seaceitando que em grande parte a identifi-cação da crise da epidemiologia surge deuma postura territorialista na definição doque seja interno ou não ao núcleo centralda disciplina, a tarefa de discussão das te-ses do ensaio consiste, em parte, na iden-tificação de progressos correntes em outrasáreas do conhecimento, pertinentes àsquestões ali levantadas. Esta abordagem éimplicitamente aceita pelo autor do ensaioao reconhecer que vivemos grandes ten-sões epistemológicas e listar vários dosavanços recentes.

Assim, se por um lado a EpidemiologiaTeórica de Miettinen (1985) exclui do do-mínio da epidemiologia a sua dimensãopopulacional em favor da individual, osavanços obtidos nesta mesma década so-bre o tema da dinâmica populacional dasdoenças infecciosas são dignos de nota.Esta produção encontra-se solidamenteregistrada na obra de Anderson e May1

(1992). Muitos outros são os temas esque-cidos das páginas dos livro-textos de epi-demiologia mas que, entretanto, têm igual-mente florescido. Por exemplo, a co-evo-lução entre hospedeiros e parasitas, temacentral da epidemiologia evolutiva, rece-beu tratamento exemplar na obra deEwald2 (1994). Curiosamente, a expressãoEpidemiologia Evolutiva foi cunhada porEwald, e Anderson acaba de criar o Well-come Centre for Research on the Epidemi-ology of Infectious Diseases, na prestigio-sa Universidade de Oxford. Portanto, am-

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127Por uma epidemiologia da saúde coletivaBarreto, M. L.

bos se vêem diretamente envolvidos como campo da epidemiologia, mas seria a re-cíproca verdadeira?

Entre as crises da epidemiologia mo-derna, MLB aponta a pequena importân-cia conferida às questões teóricas. Esta afir-mação não corresponde exatamente à mi-nha visão. Além da produção do próprioMiettinen, citada anteriormente, que sepropõe a apresentar a epidemiologia doseu ponto de vista teórico, trazendo mes-mo esta expressão no título de sua obra,iremos encontrar uma vasta evidência dedesenvolvimento conceitual recente daepidemiologia. A segunda versão do textoque dá origem ao objeto de consideraçõesdeste ensaio, a epidemiologia moderna,traz agora a co-autoria de Sander Green-land3. Além das contribuições teóricas deKen Rothman, a obra de Greenland - tam-bém em parceria com James Robins - pos-sui um forte embasamento teórico, atravésda aplicação dos postulados da InferênciaCausal, esta última, por sua vez, uma con-sequência direta de um desenvolvimentofilosófico conhecido como a lógica do con-tra-fato. Esta abordagem teve um impactoprofundo na interpretação de elementoscentrais à epidemiologia como o confun-dimento (“confouding”), o desenho de es-tudo do tipo caso-controle, a direcionali-dade etc. Mais recentemente, eu gostariade chamar a atenção dos leitores para pro-duções que permitem avanços conceituaisadicionais. Halpern4 (1998) desenvolve umcenário teórico para a modelagem da in-certeza, através do uso de diferentes pos-síveis mundos (lógica modal) que incorpo-ram o conhecimento subjetivo, a probabi-lidade e o tempo. Já Pearl5 (1998) propõe a

lógica do fazer, em oposição à lógica do ver,para repensar o conceito de confusão. Es-tas referências apenas expressam minhaspreferências pessoais entre tantos outrosdesenvolvimentos estimulantes ao pensa-mento epide-miológico contemporâneo.

Louváveis, e às quais expresso minhaconcordância, são as propostas de desen-volvimento da epidemiologia que, ao meuver, têm sido absorvidas pelas principaisinstituições brasileiras. O ambiente temsido o objeto de projetos de pesquisa re-centes sobre o impacto dos programas dedespoluição da Baía de Guanabara e de To-dos os Santos, sendo que as principais es-colas de saúde pública, nacionais e inter-nacionais, possuem um departamento es-pecífico dedicado à engenharia sanitária emeio ambiente. O país possui também umaárea de concentração em avaliação de tec-nologias em saúde, oferecida em pelo me-nos uma instituição, a COPPE/UFRJ, atra-vés do programa de engenharia biomédi-ca. É sempre bom lembrar, também, queum dos primeiros textos da nossa, brasilei-ra, epidemiologia moderna trata exata-mente da desigualdade (Victora6, 1988).

Concluindo, eu gostoria de parabenizaro autor pelo seu provocante ensaio e com-partilhar as esperanças de que a epidemi-ologia venha a trilhar um desenvolvimen-to centrado nos eixos por ele proposto. En-tretanto, acredito que a epidemiologia namordenidade vai muito bem, obrigado, eque a “crise” estaria, esta sim, nos títulosexistentes em nossas bibliotecas, nos cur-rículos de nossos cursos, e nos critérios deorganização do nosso campo de atividadeque, talvez, padeçam, todos, da síndromeda gafieira.

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128 Por uma epidemiologia da saúde coletivaBarreto, M. L.

A decisão de escrever o ensaio em ques-tão teve várias motivações, dentre as quaisdestaco: a minha experiência na comissãode epidemiologia da ABRASCO, algumtempo, inclusive, como o seu coordenador;a experiência acadêmica intensa em razãode, ao lado de outros colegas, estar parti-cipando da construção do ISC/UFBa, pro-jeto que achamos poderá trazer elementosinovadores no que diz respeito à prática dasaúde coletiva no contexto acadêmico; acondição de representante da área da Saú-de Coletiva junto à CAPES tem me forneci-do uma visão ampla e detalhada sobre astendências dos vários programas de pós-graduação em saúde coletiva do país; asminhas atividades como cidadão, militan-te pró-SUS e, atualmente, membro do Con-selho Estadual de Saúde-Bahia. Porém,antes de tudo, destaco a minha atividadecomo epidemiologista e pesquisador que,em associação com um grupo de colegas ealunos de diferentes formações profissio-nais, tem buscado contribuir na constru-ção do conhecimento em diversos aspec-tos da saúde da população, os quais pen-samos sejam relevantes, enfrentando asdificuldades da produção científica inter-disciplinar sem apriorismos e sem buscara reafirmação de rótulos ou adjetivos paraqualquer disciplina. Neste percurso, queestá longe de ser linear, é que se situa o ar-tigo em discussão. Diferencio-me aqui dosesforços de colegas que exploram os aspec-tos epistemológicos da disciplina, já que omeu trabalho visou, apenas, sistematizarleituras, discussões e reflexões de um pra-ticante. Acho que é papel de todo pratican-te (seja um pesquisador, seja um profissio-nal) contextualizar, refletir, relativizar e, sepossível, contribuir para transformaçõesna sua prática.

A história do artigo merece ser sumaria-mente relatada, pois servirá para pavimen-

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tar o diálogo que manterei com meus doisilustres comentadores. A primeira versão dotexto foi concebida a partir de uma provo-cação para apresentá-lo em forma de pales-tra no V Congresso Brasileiro de Saúde Co-letiva, realizado em Águas de Lindóia-SP, emagosto de 1997. A apresentação para umaplatéia de mais de 100 assistentes foi rece-bida com comentários e críticas extrema-mente positivas, fato que, possivelmente,determinou a decisão da Comissão Edito-rial da Revista Brasileira de Epidemiologiade solicitar a sua publicação como artigopara debate na revista que então nascia. Nopós-congresso, várias horas de trabalho adi-cional permitiram a produção de um textorevisado que, alimentando-se nas críticas,generosidade e estímulos de alguns colegaspróximos, evoluiu para a versão aqui publi-cada. Mais recentemente, esta versão foiapresentada como palestra no IV Congres-so Brasileiro de Epidemiologia, no Rio deJaneiro, tendo tido a assistência de um pú-blico ainda maior que o anterior. Ainda quea falta de tempo não tenha permitido o de-bate, provocou interesse, na medida em quetenho recebido várias solicitações de cópias.Tudo isto me faz acreditar que este textopode ser uma peça útil para a reflexão e odebate intelectual sobre as ligações da epi-demiologia com o campo da saúde coleti-va. Com isto concordo com Moisés Gold-baum que, corretamente, cobra uma maiordiscussão da denominada “crise” da saúdepública, sobre a qual fiz pouca referência notexto. Para suprir esta falha remeto os leito-res ao recente texto de Paim e Almeida, járeferido no artigo.

A leitura dos comentários de CláudioStruchiner provocou-me alguns senti-mentos e perturbações iniciais que, pau-latinamente, fizeram-me sentir parte deum saudável e estimulante debate intelec-tual que, sem nenhuma dúvida, evidencia

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nítidas e profundas, apesar de não irrecon-ciliáveis, diferenças com relação a uma sé-rie de questões essenciais. Por economia deespaço buscarei ser sintético na resposta enão reafirmarei aspectos que acho já foramapresentados no corpo do artigo.

Fazer referência aos elementos de“territorialismo” contidos no meu texto éuma constatação óbvia. Aliás, a demons-tração da existência dos “campos científi-cos” ou das “comunidades científicas” queatuam como comunidades de conheci-mento, mas também como grupos de lobby,abundam nos textos de filosofia e sociolo-gia da ciência. O que os diferencia é aagressividade com que cada grupo defen-de o seu “território”. Acredito que nós, dasaúde coletiva, somos muito mais cordatose negociadores do que os colegas de outrasáreas científicas. Nossas experiências detrânsito “entre o biológico e o social” nosfazem necessariamente parceiros ou usuá-rios dos recursos de diversas disciplinas(portanto inter-disciplinares) e nos fazemassim sensíveis para entender as fortalezase as mazelas de diversos campos discipli-nares. Como consequência, nos fazem,também, perder a aptidão de defender comafinco qualquer que seja a disciplina. A“vaidade” não é uma categoria científica eassim, fica difícil comentá-la no contextodesta discussão. Entretanto, gostaria deexplicitar uma idéia, implícita no meu tex-to, que espero ter oportunidade de desen-volver em detalhes em outra oportunida-de. Como sanitarista e epidemiologista, noque efetivamente estou interessado e esti-mulado a explorar é o “conhecimento epi-demiológico” em toda a sua extensão. Esteconhecimento está contido nas infinitasinterconexões que a epi-demiologia tem,desde o seu nascimento, com as mais di-versas disciplinas (matemática, biologia,antropologia, geografia e muitas outras) ediz respeito a tudo que seja relacionado àdistribuição e determinação da saúde e dadoença na população humana e, em assimsendo, não tem o seu conteúdo definidopor nenhuma das formas com que hoje sebusca adjetivar a epidemiologia (moderna,social, molecular, evolutiva etc.).

Quanto a referência à obra de Andersone May, também concordo que se constituiem uma importante contribuição à epide-miologia (apesar dos autores não usarem otermo no título do seu livro e serem origi-nários de departamentos de Zoologia) quetraz renovações na longa tradição do desen-volvimento de modelos matemáticos napesquisa epidemiológica, a qual teve inícionos meados do século passado com Farr etem um dos seus pontos altos com os tra-balhos do Ross, sobre a malária, no iníciodo século(Barreto, 1990). Além das impor-tantes contribuições para o entendimentoda dinâmica de algumas doenças infeccio-sas, a “epidemiologia matemática” algumasvezes tem servido na definição de sólidas es-tratégias de controle. Apesar disto, não meincluo entre aqueles que entendem a mate-matização como o futuro da epidemiologia.

Em uma associação de causa-efeito,que me surpreendeu, pois não faz jus à suaprática de epidemiologista e intelectual,Struchiner evoca as idéias apresentadasno meu texto “…implicações ao nível daorganização do campo…” e o associa(causalmente!) à decisão da comissão deavaliação da pós-graduação em Saúde Co-letiva, a qual coordenei, com relação àcategorização da importância das revistascientíficas. A decisão sobre o sistema declassificação de periódicos científicos daárea foi tomada por uma comissão de oitoespecialistas das diversas sub-áreas daSaúde Coletiva (que o usou com tal graude parcimônia que ninguém poderá sen-tir-se prejudicado pelo seu uso) e por duasvezes foi discutida no forum de coordena-dores de pós-graduação em saúde coleti-va da ABRASCO, o qual, se não o ratificou,também não fez críticas que a desqualifi-cassem. Quanto à proposta de Struchinerde utilizar “…índices genéricos de impac-to destas publicações, adotados interna-cionalmente…”, devo dizer que estes ín-dices não são tão genéricos assim, na me-dida em que não refletem a produção ci-entífica dos países do terceiro-mundo,nem de todas as áreas científicas. Estes en-contram seus maiores adeptos no campodas ciências hard, sendo de uso limitado

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em campos como as ciências sociais e des-prezados nas ciências sociais brasileiras.A sua aplicação na saúde coletiva, en-quanto pudesse servir para medir a pro-dução de algumas das suas sub-áreas(principalmente a epidemiologia) seria,sem nenhuma dúvida, danosa para outras,ferindo frontalmente a “multi-disciplina-ridade”, tão cara à área e de que Struchinerapresenta-se como defensor.

Por fim gostaria de dizer que, apesarde todo a minha apreciação como ouvin-

te da gafieira, minhas tradições culturaise minha prática de dançador vem do forróe chegam ao axé, em suas diversas varia-ções. Quem as conhece sabe que estas sãopraticadas em terreiros e praças, portan-to, como a gafieira, constituem-se em es-paços democráticos de expressão corpo-ral porém, diferente da Síndrome daGafieira descrita por Struchiner(1998),geram espaços de movimentação extre-mamente dinâmicos, onde o entra-e-saifaz parte da folia.