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GUARDA COMPARTILHADA: UMA ANÁLISE À LUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E SOB A ÓTICA PSICANALÍTICA DA RELAÇÃO TRIANGULAR SHARED GUARD: AN ANALYSIS OF THE LIGHT OF BRAZILIAN LAW AND FROM THE PERSPECTIVE PSYCHOANALYTIC TRIANGULAR RELATIONSHIP Sabrina Oliveira de Figueiredo RESUMO O presente trabalho tem como objetivo analisar o instituto da guarda compartilhada de filhos, especificamente quando se trata da dissolução da unidade familiar, verificando a possibilidade de se defender à luz do ordenamento jurídico brasileiro vigente sua compatibilidade com o princípio do bem-estar e do interesse da criança e do adolescente. Para tanto, aborda-se a finalidade e tratamento da guarda conjunta na jurisprudência, doutrina e a recente previsão legislativa. Além disso, examina-se os princípios constitucionais e infraconstitucionais que garantem a proteção especial à criança e ao adolescente e de direitos assegurados pela Carta Maior que embasam a preocupação com o tema escolhido. O trabalho é interdisciplinar do Direito com a Psicanálise. Diante do estudo foi possível chegar às seguintes conclusões: 1 o caso em concreto de concessão da guarda deve observar prioritariamente à solução que minimize os traumas psicológicos decorrentes da separação conjugal; 2 a guarda única e o sistema de visitação não favorecem o desenvolvimento pleno do filho; 3 a jurisprudência tem progressivamente aplicado a guarda compartilhada; 4 a guarda compartilhada prevê a divisão equitativa das responsabilidades de pai e mãe, e quando observados os princípios do bem-estar e do interesse do filho, concretiza a igualdade dos pais separados sobre a autoridade parental. Palavras-chave: Poder familiar. Guarda de filhos. Guarda compartilhada. Relação triangular. ABSTRACT * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3527

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GUARDA COMPARTILHADA: UMA ANÁLISE À LUZ DO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO E SOB A ÓTICA PSICANALÍTICA DA RELAÇÃO

TRIANGULAR

SHARED GUARD: AN ANALYSIS OF THE LIGHT OF BRAZILIAN LAW AND FROM

THE PERSPECTIVE PSYCHOANALYTIC TRIANGULAR RELATIONSHIP

Sabrina Oliveira de Figueiredo

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar o instituto da guarda compartilhada de filhos,

especificamente quando se trata da dissolução da unidade familiar, verificando a possibilidade

de se defender à luz do ordenamento jurídico brasileiro vigente sua compatibilidade com o

princípio do bem-estar e do interesse da criança e do adolescente. Para tanto, aborda-se a

finalidade e tratamento da guarda conjunta na jurisprudência, doutrina e a recente previsão

legislativa. Além disso, examina-se os princípios constitucionais e infraconstitucionais que

garantem a proteção especial à criança e ao adolescente e de direitos assegurados pela Carta

Maior que embasam a preocupação com o tema escolhido. O trabalho é interdisciplinar do

Direito com a Psicanálise. Diante do estudo foi possível chegar às seguintes conclusões: 1 – o

caso em concreto de concessão da guarda deve observar prioritariamente à solução que

minimize os traumas psicológicos decorrentes da separação conjugal; 2 – a guarda única e o

sistema de visitação não favorecem o desenvolvimento pleno do filho; 3 – a jurisprudência

tem progressivamente aplicado a guarda compartilhada; 4 – a guarda compartilhada prevê a

divisão equitativa das responsabilidades de pai e mãe, e quando observados os princípios do

bem-estar e do interesse do filho, concretiza a igualdade dos pais separados sobre a autoridade

parental.

Palavras-chave: Poder familiar. Guarda de filhos. Guarda compartilhada. Relação

triangular.

ABSTRACT

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3527

This study aims to examine the institution of the shared custody of children, specifically when

it comes to the dissolution of the family unit, checking the possibility to defend itself in light

of the current Brazilian legal system is compatible with the principle of the welfare and

interest of children and adolescents. Thus, it addresses the purpose and treatment of joint

custody in case law, doctrine and the recent legislative forecast. In addition, it examines the

constitutional principles which guarantee and infra special protection to children and

adolescents and the rights guaranteed by the Charter based Greater than the concern with the

chosen theme. The work is interdisciplinary with the law of Psychoanalysis. Before the study

was reached the following conclusions: 1 - in particular the case for granting custody to

observe primarily the solution to minimize the psychological trauma resulting from marital

separation, 2 - the sole custody and visitation system does not favor the full development of

the son, 3 - the law is gradually applied to shared custody, 4 - the shared custody provides a

fair division of responsibilities of father and mother, and when observing the principles of the

welfare and interest of the child, embodies the equality of separated parents about parental

authority.

Keywords: Power family. Custody of children. Shared custody. Triangular relationship.

1 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal do Brasil consagrou a família como base da sociedade, por meio da

qual, pessoas ligadas por laços de parentesco ou afetividade convivem em um espaço comum.

A família é o lugar onde a criança se desenvolve física e psicologicamente, recebe educação

necessária a vida, assegurando-lhe, desse modo, o direito à convivência familiar e a completa

formação como pessoa natural.

Há nos dias atuais diferentes arranjos familiares, modelos que surgiram em razão de

mudanças de ordem de valor, costumes e hábitos.

A guarda de filhos é um assunto que toma proporções quando se trata de dissolução da

entidade familiar. Os pais decidem de forma consensual ou não tomar caminhos opostos.

Nesse ponto fica a cargo do juiz a complicada decisão de julgar a modalidade de guarda que

melhor se adeque ao caso em concreto.

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Na maioria dos casos de separação dos pais, a guarda é dirigida a um dos genitores,

normalmente à mãe, restando ao pai o direito a visitas periódicas ao filho.

A guarda compartilhada de filhos apresenta-se como um instrumento destinado a minorar

distorções do modelo de guarda única e do sistema de visitação. É um instituto recém inserido

no ordenamento jurídico brasileiro, mas a anterior falta de previsão legal não impedia que a

jurisprudência a aplicasse e que a doutrina pátria discutisse os vários aspectos da guarda

conjunta.

À criança, é reconhecido o direito de ter a presença compartilhada do pai e da mãe, e inegável

é o objetivo da guarda compartilhada em visar sobremaneira neste contexto, não abalar o

vínculo que antes envolvia a família e evitar afastar um dos pais da convivência com o filho.

No entanto, é complicado visualizar como se dará na prática o controle ora do pai ora da mãe

sobre os direitos e deveres do menor, repartindo o tempo e o espaço, educação, hábitos,

enfim, os cuidados concernentes ao filho.

Não se deixou de avistar concomitantemente a necessidade que o Direito possui de buscar na

Psicanálise eixo de apoio para formar um juízo na matéria de guarda de filhos, em função da

sensibilidade que o assunto tem por envolver laços de afetividade.

Buscou-se constatar assim, a compatibilidade ou não da guarda compartilhada com o

ordenamento jurídico nacional, na medida da observação do princípio do bem-estar da criança

e do interesse dos filhos menores de idade.

2 FAMÍLIA: BASE DE FORMAÇÃO DA CRIANÇA

A guarda de filhos é um tema que tem sua importância quando o assunto atinente é a

dissolução da unidade familiar, situação esta relevante porque envolve a proteção dos filhos

pós-ruptura da família. O estudo da matéria é recente, irá se trabalhar com um conceito

moderno de família, em que se propõe a privação da integridade física e psicológica dos filhos

diante do seu possível destino com a separação dos pais.

A família tem um valor de grupo ético, por assim dizer é uma realidade sociológica e constitui

a base do Estado (art. 226 da Constituição Federal de 1988, BRASIL). Pelo sentido lato

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sensu, as pessoas são ligadas por vínculo jurídico ou de consangüinidade e que procedem,

portanto, de um tronco ancestral comum, incluindo também as unidas pela afinidade e adoção.

Os primeiros anos da infância ensejam a caracterização do crescimento da criança em um

ambiente de convívio familiar sólido, preceito este exteriorizado pela Convenção

Internacional sobre os Direitos da Criança de 1989 (PEREIRA, 2004, p. 19). A obrigação de

cuidar dos filhos é responsabilidade não somente dos pais, mas sim em especial a estes. Nesse

ponto, cabe dizer da importância do seio familiar para a formação da criança e do adolescente,

daí porque ressaltar que a família é parâmetro do desenvolvimento social e psíquico como

pessoa humana.

Sabe-se que historicamente a família ocidental, inspirada pela civilização romana, passou por

período patriarcal, onde a mulher era subordinada a autoridade do marido que exercia poder

sobre ela e filhos, em exposição até mesmo do direito de vida e morte. Ao longo de alguns

séculos, a família era tida como uma instituição hierarquizada, concentrando na figura do

homem, o exercício político, religioso e de juiz. Em contribuição do direito germânico, a

família recebeu feição diferente da visão de Roma, de ente autoritário, ela passou a possuir

caráter afetivo e democrático (PEREIRA, 2004, p. 20).

As ordenações jurídicas passaram a adotar o princípio da igualdade jurídica dos cônjuges,

quanto os seus direitos e deveres, o que ocasionou mudanças na administração da família,

antes governadas de maneira patriarcal (DINIZ, 2006, p. 29).

O art. 226, parágrafo quinto, da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), consagrou

igualdade no exercício dos direitos e deveres do homem e da mulher na sociedade conjugal.

Sendo assim, resta claro que os pais devem juntos desempenhar as obrigações relativas à

entidade familiar, como exemplo, o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores,

conforme dispõe o art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 (ECREAD,

1990).

Dentre os vários conceitos doutrinários que se tem, destaca-se aquele que reconhece a família

como aquela que se baseia na convivência pessoal, sem casamento (AMARAL, 2003, p. 144),

porém nem sempre foi reconhecida assim.

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O Código Civil de 2002 (CC/02, BRASIL) trata do Direito de Família considerando as

relações oriundas de casamento, união estável (arts. 1723 a 1727) e outras normas em

conexão com as relações de parentesco.

Em suas várias vertentes conceituais, a família no parâmetro jurídico significa uma instituição

que envolve um grupo social ordenado e organizado, fonte basilar de toda e qualquer

sociedade, que merece valor nas questões ligadas intrinsecamente aos costumes e valores, o

que leva a esse ramo do Direito a ficar suscetível as transformações da sociedade.

2.1 A RUPTURA DO NÚCLEO FAMILIAR

É de conhecimento que a família é o local de preservação do vínculo familiar, sendo de suma

importância na constituição da personalidade do indivíduo, conferindo-lhe todo respeito e

inviolabilidade moral. Ocorrem, porém, situações de dissolução da entidade familiar, em que

os pais se direcionam a caminhos distintos e o afeto quanto à prole fica prejudicado.

Além do trauma psicológico que abarca todos os envolvidos em uma separação de casal, o

filho menor dotado de uma condição peculiar é acometido de outra “separação”: a perda de

um membro da família; esta que é o parâmetro social, na qual extrai princípios básicos de

educação, comportamento e personalidade.

De um Código Civil (1916) que previa um casamento indiscutível, a Lei n. 6.515, de 26 de

dezembro de 1977, veio para regular a dissolução da sociedade conjugal e do casamento,

revogando assim alguns dispositivos do CC/16. Com a observância do Código Civil de 2002,

a denominada Lei do Divórcio, foi derrogada totalmente na parte que trata do direito material

da separação e do divórcio, restando assim, as normas processuais que cercam a questão.

Há duas modalidades de divórcio: direto e por conversão, os dois assumindo feição

consensual e litigiosa. O primeiro exige ser acionado por qualquer um dos cônjuges e estarem

separados de fato há mais de dois anos (art. 1580, parágrafo segundo, do CC/02, e art. 226,

parágrafo sexto, da CF/88). O divórcio por conversão traz a necessidade da separação judicial

prévia, com um ano de trânsito em julgado da sentença, sendo que suas cláusulas podem ser

modificadas no divórcio, como a exemplo a da pensão do cônjuge e do uso do nome.

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Pode a separação ser litigiosa e o divórcio ser consensual, do contrário também. Dispensa a

partilha dos bens para que seja decretado o divórcio, porém, não pode qualquer das partes

casar antes de haver repartição do patrimônio (art. 1521, inciso seis, do CC/02).

E, por último, requer seja dito que a simples separação de corpos não se converte em divórcio,

indiscutível é presença da sentença judicial. Sem mais, a obrigação de prestar alimentos (art.

1694, caput, do CC/02) termina com o novo matrimônio, união estável ou concubinato do

cônjuge credor, já não cessa a obrigação, se quem paga os alimentos contrair formar nova

entidade familiar.

2.2 CORRELAÇÃO ENTRE O PODER FAMILIAR E GUARDA DE FILHOS

Émile Durkheim (apud, MAIOR, 2005, p.18) ensinou que

Para a ciência, os seres não estão uns acima dos outros; são apenas diferentes porque

seus ambientes diferem. Não há uma maneira de ser e viver melhor para todos, com

a exclusão de qualquer outra, e, por conseguinte, não é possível classificá-las

hierarquicamente segundo se aproximem ou distanciem desse ideal único. [...] A

família de hoje não é mais nem menos perfeita que a de antigamente: ela é

outra porque as circunstâncias são diferentes. [...] O cientista estudará então cada

tipo em si mesmo e sua única preocupação será a de procurar a relação que existe

entre os caracteres constitutivos desse tipo e as circunstâncias que os cercam (grifo

nosso).

O ECREAD, Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, também seguindo a tendência das relações

familiares modificou verdadeiramente o instituto do pátrio poder, que recebeu conotação de

proteção, cerceado de direitos e deveres dos pais para com os filhos, sujeitos de direito.

É importante considerar a denominação do antigo pátrio poder. Evoluiu no decorrer do século

XX, mas ainda pode ser melhor aplicado pelo Judiciário brasileiro, ao passo que há críticas à

terminologia, já que mantém a ênfase no “poder”. Considera-se que é mais “dever” do que

“poder”, o ideal seria então, dever familiar, de forma que se retirou o caráter absoluto do qual

era revestido no Direito Romano, e hoje se constitui de um encargo dos pais.

Maria Berenice Dias (2006, p. 344) escreve que a crítica em relação a expressão está em face

da ordem constitucional, que planeja a função dos pais para um melhor interesse dos filhos.

O poder familiar remonta o poder dos pais ante aos filhos, ainda com características históricas

do antigo pater potestas [sic] do Direito Romano e do seio social nacional baseado no

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patriarcalismo [sic]. Silvio Rodrigues (DIAS, 2006, p. 343) entende que antes era um direito

absoluto e ilimitado conferido ao chefe da organização familiar sobre a pessoa dos filhos, mas

que ganhou ênfase em razão da emancipação da mulher e do tratamento igualitário dos filhos.

Deve-se também mencionar que a “guarda”, instituto que é independente de poder familiar, se

divide em guarda jurídica, aquela vinculada intrinsecamente ao poder familiar, e a guarda

física.

A gama de deveres concedidos ao poder familiar está conjuntamente disciplinada pela

Constituição Federal (BRASIL, 1988) nos seus art. 227 e 229, pelo art. 22 ao ECREAD

(BRASIL, 1990) e reunidos pelas disposições do Código Civil (BRASIL, 2002).

A destituição do vínculo conjugal não põe óbice ao poder familiar (art. 1632 do CC/02). E,

por falar em administração dos bens dos filhos aos pais, é notável lembrar que durante o

casamento e a união estável (a legislação não citou em família monoparentais [sic] ou

homoafetivas [sic]) compete o poder familiar aos pais, e na falta ou impedimento de um deles,

o outro o exercerá com exclusividade (art. 1631 do CC/02). Caso haja contraponto dos pais

quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para

solução do desacordo (art. 1631, parágrafo único, do CC/02).

Guarda é o poder-dever de manter criança ou adolescente no recesso do lar enquanto menores

e não emancipados, dando assistência moral, material e educacional (GONÇALVES, 2005, p.

178).

É um dos atributos do poder familiar, cuja infração determina a sua perda por parte do

infrator, compõe em justificativa para a ação de alimentos, e ainda, constituiu motivo para a

separação judicial (art. 1572 do CC/02). Torna-se uma questão conflitante quando o assunto é

a dissolução da sociedade familiar, muito embora, os direitos e deveres decorrentes do pátrio

poder não se extinguem com a ruptura do vínculo conjugal.

Com o advento da CF/88, o princípio da igualdade resolveu o impasse de discriminações

entre homens e mulheres, já que ajustou os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal

exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (art. 226, parágrafo quinto, da CF/88).

Ademais, o ECREAD, uma legislação inovadora que veio a formar no país uma política de

atendimento aos direitos da criança e do adolescente, tornando-os sujeitos de direitos,

assegurando a concretização de regras expressas pela Carta Maior.

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3 A GUARDA COMPATILHADA DE FILHOS: ABORDAGEM E REFLEXÃO

Os dados do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE) retratam que no país os divórcios

entre os anos de 2005 e 2006 tiveram um acréscimo de 7,7%, isso em números significa o

aumento de 150.714 (cento e cinqüenta mil e setecentos e quatorze) divórcios para 162.244

(cento e sessenta e dois mil e duzentos e quarenta e quatro). O mesmo pode-se dizer do

número de separações judiciais no período, que aumentou em 1,4% nos anos citados,

perfazendo um total em 2006 de 101.820 (cento e um mil e oitocentos e vinte) (NÚMERO...,

2007).

“O exercício do poder familiar é um direito e dever, preponderante a qualquer situação que

diga respeito aos pais, pois, após a separação, o que deve ser reformulado é o estado conjugal

e não o parental” (PAIXÃO; OLTRAMARI, 2005, p. 57).

O que se observa é que a quebra do seio conjugal traduz-se em resultados de ordem pessoal,

patrimonial e em discussões acerca da guarda da prole e do sistema de visitação aos filhos. Os

sentimentos e as reações nesse tipo de situação ficam em tal grau que os pais pouco

conseguem decidir sobre o futuro dos filhos. Justifica-se que só se atinge a adequada

responsabilidade parental a partir do instante em que o casal alcança distinção entre a

conjugalidade [sic] e a parentalidade [sic] (BARBOSA, 2004, p. 63).

Não existem dúvidas que antes da recente previsão na lei civil sobre a guarda compartilhada,

várias decisões judiciais já determinavam o seu cumprimento, visando manter o pai e a mãe

no mesmo patamar de decisão sobre os direitos e deveres dos filhos menores. Por isso, torna-

se de sumo valor a promoção de um estudo sobre a guarda compartilhada, a fim de

compartimentar o tema às posições doutrinárias sedimentadas no país, não sugerindo o

esgotamento da problemática.

Assim como na previsão dos outros modelos de guarda de filhos, na guarda compartilhada

deve-ser ter consciência que o pai e a mãe possuem aptidão para educar e contribuir para a

formação da criança e do adolescente. É imperioso destacar que a guarda conjunta pressupõe

uma comunicação saudável entre os genitores, sendo a Mediação Familiar Interdisciplinar um

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dos meios propostos para proporcionar relacionamento mínimo entre ambos (BARBOSA,

2004, p. 68).

Não se pode negar que a guarda única cria a figura do genitor guardião e do genitor visitante,

esboça uma ordem entre os pais, sem dizer da proximidade do filho exclusiva com o pai ou

com a mãe, sendo assim não favorece o crescimento social do menor que é privado da

convivência masculina ou feminina de seus genitores. Em oposição a esse parâmetro de

guarda está o modelo compartilhado.

Deve-se explicar que a guarda compartilhada não é indicada para os casos de brigas e

conflitos de qualquer ordem entre os ex-cônjuges, porque se desse modo determinada,

provocaria transtornos numerosos e senão irreparáveis a vida dos filhos menores.

Sobre esse ponto Waldir Grisard Filho (apud, SANTOS; LEITE; VIEIRA, 2007, p. 105)

resumiu que a guarda compartilhada também tem êxito quando o diálogo não é bom entre os

pais, mas estes devem ter capacidade de discernir seus dilemas conjugais do dever decorrente

da condição de ser pai ou mãe. Portanto, a paz no relacionamento entre os genitores é um

caminho prescindível ao desenvolver da guarda conjunta, por isso que ela deve iniciar como

um desfecho acertado por ambas as partes consensualmente.

A guarda compartilhada seria em simples palavras, uma espécie de guarda que se objetiva

equilibrar as funções dos pais quando da dissolução do elo conjugal, se cada novo modelo

tende a corrigir tipos moldados passados, a guarda conjunta está direcionada a acertar a

ultrapassada guarda única que fere com o princípio da igualdade entre os genitores.

Em sua definição cita-se o autor Waldyr Grissard Filho (apud, VENOSA, 2003, p. 242)

A custódia física, ou custódia partilhada, é uma nova forma de família na qual pais

divorciados partilham a educação dos filhos em lares separados. A essência do

acordo da guarda compartilhada reflete o compromisso dos pais de manter dois lares

para seus filhos e de continuar a cooperar com o outro na tomada de decisões.

Não obstante o confronto doutrinário brasileiro acerca da aplicabilidade da guarda

compartilhada sobre a possibilidade ou não de defendê-la à luz do ordenamento jurídico

vigente de modo que não comprometa o bem-estar da criança e do adolescente, os Tribunais

de Justiça Estaduais vêm decidindo favoravelmente a este regime de guarda de filhos.

MODIFICAÇÃO DE GUARDA - Pretendida modificação em sede liminar de

medida cautelar - Momento processual inadequado e precoce para autorização de tal

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medida - Manutenção do statu quo de guarda compartilhada - Solução que, por

ora, melhor atende ao interesse e bem estar dos menores - Agravo improvido.

(SÃO PAULO, T.J., AGRAVO DE INSTRUMENTO, 5217434400, 6ª CÂMARA

DE DIREITO PRIVADO, RELATOR SEBASTIÃO CARLOS GARCIA,

Julgamento em 13/03/2008, grifo nosso).

Observa-se em muitos julgados o magistrado aplicando a guarda compartilhada a partir de um

mútuo consentimento dos pais, pois o objetivo é resguardar o bem-estar da criança e do

adolescente e impor uma guarda conjunta entre genitores que vivem em conflitos e com

resquícios da separação conjugal, seria por em risco o desenvolvimento físico, mental e

intelectual do menor.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. GUARDA COMPARTILHADA DA FILHA

MENOR. INDEFERIMENTO. VISITAÇÃO PATERNA ASSEGURADA. Só é

possível o deferimento da guarda compartilhada quando não há animosidade

ou conflito entre os pais. Hipótese em que é complexo o conflito entre aqueles,

inclusive com ameaças e agressões físicas, presenciadas pela menor, não

autorizando a pretensão. RECURSO IMPROVIDO. (RIO DE JANEIRO, T.J.,

AGRAVO DE INSTRUMENTO, 2005.002.09450, DECIMA PRIMEIRA

CAMARA CIVEL, DES. JOSE C. FIGUEIREDO, Julgamento em 13/07/2005, grifo

nosso).

Claudete Canezin (2005, p. 21) termina um artigo científico descrevendo que a jurisprudência

tem se posionado no sentido de que a guarda compartilhada somente é possível quando existe

entre os genitores uma relação marcada pela harmonia e pelo respeito, e em caso de conflito

entre os pais, a melhor indicação é a guarda unilateral, porque atenderá ao interesse do filho,

pois, em parte, estará livre de uma zona de conflito entre os pais.

Nesse ponto cabe mencionar que já em 2002, a Jornada de Direito Civil presentiou o

Enunciado n. 102 com a definição de que

[...] a guarda compartilhada é uma forma de custódia em que os filhos têm uma

residência principal, mas os pais têm responsabilidade conjunta na tomada de

decisões e igual responsabilidade sobre eles.

[...] É aqui que o juiz detém maior poder discricionário para decidir sobre o caso

concreto apresentado, pois a sua sensibilidade é crucial para a plena observância do

princípio do melhor interesse da criança.

Por tudo dito, é notável a jurisprudência caminhando no sentido de que progressivamente se

aplique a guarda compartilhada de filhos, pautando-se no bem-estar e interesse primordial da

criança e do adolescente. A guarda única e o direito de visita, embora sejam os modelos

predominantemente usados nas decisões judiciais, tendem a entrar em desuso se os juízes

conservadores se atentarem para uma nova ordem jurídica e inovações do Direito de Família.

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4 CRIANÇAS E ADOLESCENTES: SUJEITOS DE DIREITO E PESSOAS EM

PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO

4.1 A LEI N. 11.698 DE 13 DE JUNHO DE 2008 – PREVISÃO DA GUARDA

COMPARTILHADA NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO

O Projeto de Lei n. 6350/02 que disciplina sobre a guarda compartilhada passou por

tramitação legal no Congresso Nacional por longos seis anos, até que em data de 20 de maio

de 2008 foi aprovado em definitivo na Câmara dos Deputados, na forma de substitutivo do

Senado Federal ao então Projeto de Lei da Câmara n. 58/06 (AGÊNCIA DA CÂMARA).

Registra-se tão logo que em 13 de junho de 2008, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados

transformou a referida proposição de lei, vetada parcialmente pelo presidente da República,

na Lei Ordinária n. 11.698/08, publicada a posteriori no Diário Oficial da União em 16 de

junho do corrente (CÂMARA DOS DEPUTADOS).

Enfim, depois de algumas alterações, foi aprovada a tão esperada lei sobre a guarda

compartilhada, apelidada de Lei José Lucas.

Fábio Ulhoa Coelho (2007) reflete que a lei aprovada permite a preservação do

relacionamento dos pais para com os filhos, no momento complicado de separação dos pais.

A Lei n. 11.698/08 alterou o Código Civil para prever logo no caput do art. 1583 a guarda

compartilhada, e mais, retirou da redação do dispositivo legal a noção que guarda de filhos é

atribuída somente em casos de dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal pela separação

judicial ou divórcio.

A conceituação jurídica de guarda compartilhada fica descrita no parágrafo acrescentado ao

art. 1583 do CC/02 (BRASIL, 2002), que também define a guarda unilateral. O parágrafo

segundo desse artigo reserva a guarda unilateral nos casos em que o pai ou a mãe mostre em

face ao outro genitor, melhores condições em relação ao filho de afeto, saúde e segurança, e

educação, prescrevendo, além disso, que a guarda única obriga o genitor que não a possui a

supervisionar os interesses do menor.

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Giorgis (2008) compara o sistema anterior à lei atentando-se que a previsão passada era a de

conceder a guarda a quem tivesse melhores condições, agora incide a expressão “melhor

interesse da criança”, o que na realidade se harmoniza com os princípios fundamentais

elencados na Carta Maior.

Ainda sobre as alterações, o art. 1584 elencou as hipóteses de atribuição pelo juiz da guarda

unilateral ou compartilhada, seja requerida, por consenso, pelos pais, ou por qualquer deles,

em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida

cautelar, previsto no parágrafo primeiro inserido no artigo; ou decretada pelo juiz, em atenção

a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao

convívio deste com o pai e com a mãe.

Determina agora o CC/02 (BRASIL, 2002) sanção caso houver mudança por conta própria ou

descumprimento sem motivo de quaisquer as cláusulas dispositivas da guarda unilateral ou

compartilhada, restando em redução de prerrogativas ao genitor.

Disciplina também que o magistrado poderá deferir a guarda à pessoa diferente aos pais, se

observar que o filho não deve permanecer com os mesmos, a considerar o grau de parentesco,

e requisitos subjetivos de afinidade e afetividade.

4.2 PRINCÍPIOS GARANTIDORES DA PROTEÇÃO ESPECIAL

A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança aprovada na Assembléia Geral

em 20 de novembro de 1989 inaugurou para o sistema jurídico a Doutrina da Proteção

Integral. De natureza coercitiva as regras firmadas na convenção obrigam os Estados Partes a

responsabilidade de asseverar os direitos inerentes a criança (VERONESE, 1997, p. 12).

Como se percebe a CF/88 (BRASIL, 1988) firma a condição que crianças e adolescentes são

sujeitos de direitos. Essa atitude demonstra que o ordenamento jurídico reconhece que eles

são dignos de ter direitos próprios e especiais, causado pela condição específica de pessoa em

desenvolvimento, motivo este que determina uma proteção especializada, diferenciada e

integral (VERONESE, 1997, 15).

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3538

Nesse mesmo contexto o ECREAD cerca a orientação da proteção integral, tanto que no texto

da norma infraconstitucional, a criança tem assegurado direitos a partir do momento da

gestação da mãe, conforme o art. 8º. do Estatuto (BRASIL, 1990).

Vale dizer que o ECREAD (BRASIL, 1990) logo em seu primeiro artigo confirmou o

princípio da proteção integral, que diz “esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao

adolescente”, sancionando desse modo, a definição doutrinária do art. 19 da Convenção

Internacional.

Já evidenciado, o art. 227 e parágrafos da CF/88 (BRASIL, 1988) também põe em

precedência o dever da família e do Estado para com as crianças e os adolescentes.

Pelo entendimento do princípio da proteção integral confirma-se a posição doutrinária e

judicial em revelar e executar o direito fundamental da criança e do adolescente, pessoas

detentoras de direitos, cujo aparato jurídico está na Constituição, no Estatuto próprio e em

tratados e convenções internacionais.

Acerca do princípio da prioridade absoluta, pode-se dizer que é conseqüência do disposto

constitucional, complementa o art. 4º. da legislação especial, o ECREAD (BRASIL, 1990). O

artigo exposto elenca por assim dizer o rol dos direitos fundamentais da criança e do

adolescente, que devem ser protegidos com prioridade pela família seja natural ou substituta,

pelo corpo social e pelo Estado, tudo isso em decorrência do princípio do respeito à condição

peculiar de pessoa em processo de desenvolvimento (CURY; GARRIDO; MARÇURA, 2002,

p. 22/23).

Prioridade é uma qualidade dada a alguém, com preterição de outrem (AURÉLIO, 2004). No

âmbito jurídico afere-se que com absoluta prioridade é dever da família, da sociedade e do

Estado assegurar à criança e ao adolescente a garantia de seus direitos fundamentais,

preconizado assim pelo caput do art. 227 do CF/88 (BRASIL, 1988).

As normas de Direito de Família devem ter a frente o melhor interesse da criança e do

adolescente, bem como, os juízes na aplicação na norma são indicados a manifestar nas

decisões prioritariamente os direitos dos filhos.

Para finalizar, é válido lembrar que o direito da criança e do adolescente é de natureza ius

cogens, localizado no âmbito do Direito Público, significa que o interesse é do Estado em

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3539

fazer valer a vontade destes, em razão “de sua função protecional [sic] e ordenadora” (CURY,

apud, ISHIDA, 2001, p. 24), abraçando desse modo os princípios que circulam os direitos

fundamentais dos menores.

A tutela jurisdicional diferenciada quer indicar, “em certo sentido, a tutela adequada à

realidade de direito material” (MARINONI, apud, XAVIER, 2003).

Para Paulo Afonso Garrido de Paula (2002, p. 76) a tutela jurisdicional diferenciada é aquela

que busca guardar as especificidades do direito material, nos aspectos de conteúdo e extensão,

indicando que ocorram atos de validação que confirmem os princípios determinantes de sua

formulação. Enfatiza-se que a proteção aos direitos da criança e do adolescente deve ser

efetiva, por isso que sobre estes deve haver uma tutela jurisdicional diferenciada.

É de se expor que o fundamento objetivo da tutela jurisdicional diferenciada face às crianças e

aos adolescentes pauta-se na existência de um “microssistema [sic] de distribuição de justiça,

introduzido por lei especial, se manifestado principalmente pela disciplina especial do acesso

à justiça exemplificado pelo ECREAD” (PAULA, 2002, p. 80).

Por tudo dito, assenta a fundamentação de que a tutela jurisdicional diferenciada devida às

crianças e aos adolescentes é de natureza preventiva e de urgência. O Judiciário deve então se

atentar para valorizar a concretização dos direitos da criança e do adolescente, buscando no

caminho dos processos judiciais a conjugação de uma tutela jurisdicional diferenciada, de

maneira a aproximar o direito material e processual, com o intuito de proteger interesses

jurídicos e direitos fundamentais tão especiais.

5 CRIANÇA, SINTOMA DOS PAIS

É o subtítulo da obra chamada “Psicanálise de pais” de autoria de Durval Checchinato (2007),

psicanalista lacaniano, que transformou sua experiência diária profissional de análise de pais

em um livro. A escrita é inspirada também em trabalhos de análise e doutrina de dois

psicanalistas franceses, Maud Mannoni e Jacques Lacan.

Prova do cunho interdisciplinar do trabalho desenvolvido até aqui, relevante se faz

demonstrar nessa fase que a Psicanálise muito acrescenta a idéia de que uma das fontes de

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3540

problemas de crianças e adolescentes são fruto de uma má criação e educação, assunto esse

que poderá ser associado à guarda de filhos ao passo que é uma questão decisiva para uma

boa formação dos mesmos.

“Psicanálise de pais: crianças, sintoma dos pais” é o esteio do que irá se redigir nessa parte do

trabalho. Identificado por Checchinato (2007, p. 13), Mannoni fazia análise em crianças e

adolescentes, mas não excluía do momento da psicanálise os pais, ao passo que em certo

instante concluiu que os traumas dos filhos recaia, clinicamente, não na criança, mas sim nos

pais.

Passa a compor Checchinato (2007, p. 85) que a alternância entre a presença e ausência dos

pais, em especial da figura materna, tem sua verdadeira contribuição a vida da criança, que

nasce e se desenvolve marcada por uma “novela familiar” como chamou Freud ou “mito

familiar” como denominou Mannoni. O mito familiar é algo que existe entre as gerações da

família, o qual abraça histórias, hábitos, costumes, doenças, saúde, saberes.

Estende a questão Checchinato (2007, p. 87) discursando que o homem é um ser humano

“prematuro e inacabado”. Muito embora o homem nasça dotado de um organismo sem

defeitos, sua sobrevivência é atrelada a dependência de outro indivíduo, por isso valer-se da

presença dos pais é de sumo valor para o desenvolvimento psíquico, moral, físico, da criança

e do adolescente. De tal forma que “ter filhos, educá-los, é um paradoxo sem fim, uma

aventura criadora, um desafio pujante de vida, de renúncia, de conquista. É preciso saber

marcar presença ou ser inútil, dispensável, na hora certa” (CHECCHINATO, 2007, p. 92).

Em uma passagem da obra Checchinato (2007) fala sobre a relação triangular que envolve

os pais e o filho. Inicia a argumentação ressaltando a confusão que muitos pais fazem, no que

concerne a indagação se ser pai é também ser amigo da criança. A posição de ser filho não é a

mesma de ser pai, porém, da amizade entre eles se extrai uma transmissão parental.

Diferentemente da relação circular que une amigos, a relação entre pais e filhos é designada

de relação triangular, nome que se aplica nas obras de psicanálise de Freud, Lacan, Winnicott,

Dolto e Mannoni.

É horizontal a definição das funções de pai e mãe, ainda que não biológicos, na formação das

crianças e dos adolescentes, embora persistam transformações nas formas de família, como

aconteceu na segunda metade do século XX, com a transformação da família patriarcal. Dolto

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dizia que “toda substituição da função do pai pela mãe é patogênica”, em razão disso

Checchinato (2007, p. 96) deu ênfase na explicação de que “a relação triangular entre pais e

filho, a que estrutura a relação edípica, é aquela que propicia um desenvolvimento subjetivo

sadio e equilibrado para a criança”.

Como conclusão já assentada por esse trabalho, certifica-se por Checchinato (2007, p. 97) que

a criança e o adolescente necessitam de uma “base firme e constante” para se desenvolverem,

dada a causa de sua “incapacidade, desamparo e dependência”. O autor desenha que quando

os pais avocam para si a responsabilidade na educação da criança, ela se torna protegida e

preparada para ter um bom crescimento.

Essa é a exemplificação que Checchinato (2007, p. 97) faz da relação triangular tão

importante no desenvolvimento do menor, tendo o pai e a mãe na base do triângulo e o filho

no cume. Essa formação precisa ser resguardada, ainda que haja a ausência ou carência de um

dos genitores, pois em ocorrendo a desestruturação dessa forma, a criação do filho fica

exposta a inconstância da figura dos pais.

Pela representação subentende-se que para a Psicanálise a presença física de ambos os pais é

fator preponderante para o desenvolvimento do filho, constituem-se de funções simbólicas,

mas essencial. Checchinato (2007, p. 97) complementa que na falta de um dos genitores, é

preciso que o que esteja presente não deixe de se referir continuamente ao ausente ou carente.

Checchinato (2007, p. 99) expõe através de sua experiência em análise de pais que existem

três referências clínicas que desencadeiam em um desenvolvimento regular para a criança.

De início, é necessário que a função da base da relação triangular seja mantida intacta pelos

pais, que devem por em prática as funções a que lhe são inerentes. Para Checchinato (2007, p.

99) o apoio desse triângulo é movido por sentimentos que unem o casal a ter filhos, devendo a

base ser conservada em todos os atos da formação do menor, quanto mais semelhantes as

ordens de pai e mãe melhor para criar segurança a criança e ao adolescente.

“A base é a Lei, por excelência. A falta de pais é um desastre para o desenvolvimento

psíquico da criança, sobretudo de pais fisicamente presentes. Não há como a criança se

organizar psiquicamente num Édipo desordenado” (CHECCHINATO, 2007, p. 99).

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3542

Prosseguindo, a obra psicanalítica traz que a importância do triângulo acima representado ser

isósceles, em que se pese, significa que a criança cresça mantendo uma distância igualitária

do pai e da mãe, a fim de que na criação da subjetividade da pessoa, a influência dos genitores

seja uniforme (CHECCHINATO, 2007, p. 106).

Tentou-se simplificar a idéia do autor psicanalista sobre os passos que devem ser seguidos

para que uma criança tenha um bom desenvolvimento físico, psíquico e moral, o qual recai

sobre uma base concreta de formação da relação dos pais para com os filhos.

No alcance do estudo de Checchinato (2007, p. 115), chega-se na questão levantada de que a

criança é senão um sintoma dos pais. Mannoni ficou reconhecida no ambiente psicanalítico

lacaniano porque pensava que o mito familiar era a origem dos problemas psíquicos dos

indivíduos, em especial, das crianças. Assim como Freud, Mannoni pensava no conceito de

subjetividade e de “doença” preso ao mito familiar.

Pela experiência em análise psicanalítica, Checchinato (2007, p. 128) discorre que muitos

especialistas buscam-se tratar crianças rotuladas de hiperativas, com problemas de insônia e

agressividade, com indicação de psicotrópicos e anti-convulsivos, entretanto, esses remédios

não tratam com eficácia os pacientes. Deve-se entender que parte dessas manifestações

psíquicas é devido a problemas dos pais, e na medida do possível podem ser solucionadas

através da análise dos pais.

Nesse sentido, Checchinato (2007, p. 137) traz a obra o exame das conclusões de Lacan,

psicanalista que em meados da década de 70 escreveu um resumo do que considerava

importante se ater no sintoma da criança, que se “encontra no lugar de responder àquilo que

há de sintomático na estrutura familiar”.

É valoroso apresentar o que na realidade significa o sintoma para a Psicanálise, sendo então,

um “fenômeno subjetivo, que angustia, inibe e aparece no real como a expressão de um

conflito, de um núcleo patógeno [sic] inconsciente” (CHECCHINATO, 2007, p. 138).

Lacan (apud, CHECCHINATO, 2007, p. 141) julga ser o sintoma da criança a projeção de

problemas da própria família. Sendo a criança um lugar que assola questões dos pais, por

vezes, é alvo de idealizações malogradas dos genitores.

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3543

Pelo dito é que Lacan reputa ser a família a base de construção do ser humano, que somente

se aplica caso a figura de pai e mãe sejam referências contínuas na vida do indivíduo.

Checchinato complementa a idéia de Lacan a noção de que hoje não se fala em pátrio poder,

mas em autoridade parental, conceito este que se retoma tanto para o pai quanto para a mãe

(CHECCHINATO, 2007, p. 162).

O trabalho realizado sob observância da guarda de filhos portou-se essencialmente quando da

ocorrência de ruptura do núcleo familiar, pela separação judicial ou divórcio, nesse ponto

cabe apontar que Lacan (apud, CHECCHINATO, 2007, p. 166) diz que mesmo nos

momentos de crise, a família deve ser a sustentação da criança e do adolescente, e fonte da

formação do indivíduo como pessoa humana.

Pelos fundamentos expostos é que os entendedores psicanalistas evidenciam a necessidade

imperiosa de escutar os pais quanto aos desejos que os sustentam ou não, que os mantêm ou

não como pais, haja vista que os sintomas dos filhos serão, com certeza clínica, resposta aos

desejos inconsistentes deles (CHECCHINATO, 2007, p. 167).

Enfim, “os sintomas da criança são, de modo geral, causados pelos problemas dos pais”, de

maneira que, “clinicamente falando, a criança doente é a configuração do mal-estar dos pais

ou da conjugalidade [sic] deles” (CHECCHINATO, 2007, p. 173).

Em resposta ao trabalho acerca da guarda de filhos restou patente que a análise de pais

configura um apoio a tratamento de traumas advindos de ruptura da família, nos casos de

separação de pais.

É visível o assentamento da guarda compartilhada nesse contexto, pois com a divisão

equitativa das responsabilidades de pai e mãe, sem alterar a estrutura de formação da criança e

do adolescente, a base da relação triangular permanecerá inalterada, com isso, não haveria

modificação quanto ao relacionamento entre genitores para com sua prole, muito embora não

exista mais a relação conjugal entre os pais.

6 GUARDA COMPARTILHADA À LUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3544

6.1 CUMPRIMENTO DA FINALIDADE DA GUARDA DE FILHOS

A dissolução da sociedade conjugal não põe termo aos deveres oriundos da autoridade

parental, que permanecem e se exteriorizam pela responsabilidade dos pais decorrente do

instituto da guarda de filhos (CARBONERA, apud, BARBOSA, 2004, p. 61).

Em sua atribuição clássica, a guarda é reconhecida como função de síntese, ou seja, é um

poder de reter fisicamente da criança, de tê-la próxima.

Pelo art. 1634, inciso II, da CC/02 (BRASIL, 2002), depreende-se que a guarda de filhos

emerge-se do poder familiar, sendo então um conjunto de direitos e deveres sobre a pessoa e

bens dos filhos (SANTOS; LEITE; VIEIRA, 2007, p. 100).

Sob fundamento psicológico a respeito do tema, pôde-se entender que a criança não pode ser

ficar adstrita da presença de um dos pais, só porque estes não estão mais unidos pelo vínculo

conjugal. O afeto entre os pais e os filhos é “elemento essencial e marcante da união familiar”

(PAIXÃO; OLTRAMARI, 2005, p. 60).

A prioridade conferida ao interesse do menor é a questão central quando se trata de guarda de

filhos, o que implica em fator preponderante para análise do magistrado diante de sua

atribuição. A palavra “interesse” abarca vários conceitos, entre eles, os interesses materiais,

morais, emocionais e espirituais do filho menor, não desprezando a singularidade de cada

caso, o que deve seguir o critério de decisão do juiz (SILVA, 2008, p. 47).

Ambos os pais continuam exercendo em comum a guarda quando é concedida a guarda

compartilhada, devendo a responsabilidade legal sobre os filhos e o compartilhamento das

obrigações por meio de decisões conjuntas que sejam importantes a vida da prole (CANEZIN,

2005, p. 7).

Fabíola Albuquerque (apud, SANTOS, 2005, p. 283) tem o pensamento de que a guarda

conjunta é uma via de concretização dos princípios do melhor interesse da criança, da

realização pessoal dos cônjuges e da efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana.

É de se concluir que a guarda compartilhada, edificada pela Lei n. 11.698/08, é um sistema de

co-responsabilização do dever familiar entre os pais, em caso de ruptura conjugal ou da

convivência, em que os pais, participam em igualdade de condições da guarda material dos

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filhos, além dos direitos e deveres emergentes do poder familiar (SILVA, 2008, p. 98),

configura como um modelo de guarda de filhos que cumpre a finalidade a qual se destina.

6.2 APLICAÇÃO PRÁTICA DA GUARDA COMPARTILHADA

A prestação alimentícia é tratada por outros autores como CANEZIN (2005, p. 13) como uma

matéria que será privilegiada com a inserção do instituto da guarda compartilhada, visto que

esta busca uma maior amplitude de colaboração entre os genitores, fazendo com que desperte

um espírito de participação dos pais no desenvolvimento da prole. Isso “evita o fenômeno do

pai mero provedor da pensão alimentícia, favorecendo a comunicação entre todos os membros

da família”.

Sobre a prestação alimentícia é importante se informar de que a obrigação alimentar dos pais

para com os filhos está disciplinada pelos art. 229 da CF/88 (BRASIL, 1988) combinado com

os art. 1566, inciso IV, e 1696 do CC/02 (BRASIL, 2002), mas de forma explícita somente

vem explicitado pelo art. 20 da Lei do Divórcio (BRASIL, 1977), que prevê “para a

manutenção dos filhos que os cônjuges, separados judicialmente, contribuirão na proporção

de seus recursos”.

Araken de Assis (apud, SILVA, 2008, p. 124) diz que alimentos é tudo que se reserva ao

sustento, habitação, vestuário, saúde, criação, educação e lazer.

Na guarda compartilhada, os genitores tendem a decidir em conjunto sobre a prestação de

alimentos, de acordo com a possibilidade de cada um e ponderando a necessidade da criança e

do adolescente (SILVA, 2008, p. 129).

Com clareza percebe-se que a indicação da guarda compartilhada não retira o direito a

prestação alimentícia, não vigora a mentalidade de que a divisão de responsabilidade parental

pressupõe a exclusão do dever de sustentar. O caso concreto deve servir como base para

analisar a qual dos genitores será atribuída cada cuidado com as necessidades do filho, e

faltando um dos pais com o dever de sustento cabe então a proposição da obrigação de prestar

alimentos judicialmente.

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3546

A Lei n. 11698/08 positivou a extensão da guarda de filhos para além da visão retrógrada do

direito de visita, já que é possível o exercício da guarda por ambos os genitores em períodos

compartilhados durante os dias da semana (RODRIGUES, 2009, p. 64).

Então, na guarda compartilhada pai e mãe deverão criar em suas respectivas casas um local

próprio de acomodação e conforto do filho, mas ter um ponto fixo, base e referência são de

suma importância para a estabilidade da criança, de maneira que “uma única residência

deverá ser escolhida mediante o critério de significar um centro de apoio aos filhos para suas

atividades com o mundo exterior” (SILVA, 2008, p. 107).

A quantidade de horas de convivência com o filho pode ser revisada e sofrer redução caso

ocorra alteração não autorizada ou descumprimento imotivado de cláusula de guarda, seja ela

unilateral ou compartilhada (art. 1584, parágrafo quarto, CC/02).

Quando há a adoção da guarda compartilhada, a criança se vê completa no seu direito de

convivência com os pais, em cumprimento ao princípio da dignidade da pessoa humana,

protegido constitucionalmente assim que a criança e o adolescente tenham o direito de

convivência com ambos os pais, indistintamente (BARBOSA, 2004, p. 67).

Os períodos de deslocamento dos filhos na guarda conjunta não podem tender a cessar as

atividades escolares da criança ou do adolescente sob risco de afetar o desenvolvimento da

educação, logo, é melhor que os pais morem perto um do outro (SILVA, 2008, p. 110).

A educação dos filhos é prevista pelo disposto no art. 229 da CF/88 (BRASIL, 1988) que

orienta os pais no dever de assistir, criar e educar os filhos menores. Complementa ainda a

Constituição, o art. 1634, inciso I, CC/02 (BRASIL, 2002), além do art. 33 do ECREAD

(BRASIL, 1990).

Luís Otávio Furquim (2008, p. 79) informa que o objetivo da guarda compartilhada é dar aos

pais mesmo após a separação e o divórcio os deveres e direitos inerentes a condição de pais.

Na guarda conjunta o que importa é a repartição da responsabilidade legal em relação às

decisões dos destinos dos filhos, sendo então co-responsáveis pela educação, saúde e lazer da

criança e do adolescente.

“A guarda compartilhada mantém o status quo [sic] da relação dos pais para com seus filhos,

mesmo depois de separados” (FURQUIM, 2008, p. 80), por isso deve-se supor que a

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3547

educação que os pais guiavam seus filhos durante a união conjugal permaneça ainda que

tenha ocorrido a ruptura da sociedade conjugal.

Pelas considerações atuais é de se notar um individualismo maculado na sociedade brasileira,

o que se entende entre os pais separados a deixar de cumprir às vezes suas responsabilidades

perante os filhos. Entretanto, como forma de sanar essa mentalidade, a guarda compartilhada

vislumbra a divisão paritária desses afazeres, contribuindo assim para um bem-estar e melhor

formação da criança e do adolescente, seja consolidando o direito de convivência, como pela

aliança dos pais na educação dos filhos.

Em relação à responsabilidade civil dos pais, quando indicada a guarda compartilhada,

Eduardo de Oliveira Leite (apud, SANTOS; LEITE; VIEIRA, 2007, p. 105) ensina que “[...]

pai e mãe, enquanto exercem conjuntamente o direito de guarda, são solidariamente

responsáveis pelos danos causados pelos filhos menores que estão sob seu poder e em sua

companhia”.

Percebe-se que nesse caso a aplicação do art. 932, inciso I, CC/02 (BRASIL, 2002), vez que

“a responsabilidade pela reparação civil dos danos causados pelos filhos menores, quando a

guarda for conjunta, será solidária entre os pais” (SANTOS; LEITE e VIEIRA, 2007, p. 105).

A responsabilidade civil dos pais quanto aos danos causados a terceiros pelos filhos menores

é tratada diferentemente na guarda unilateral, sendo alvo de divergência doutrinária e

jurisprudencial (SILVA, 2008, p. 113).

Ana Maria Milano Silva (2008, p. 114) corrobora que são dois os deveres dos pais para com

os filhos: a assistência e a vigilância. Assistência enquanto prestação material e moral,

incluindo a educação; e vigilância, como complemento da educação que varia de acordo com

a prestação moral dada ao filho.

Como na guarda compartilhada a autoridade legal dos pais para com os filhos sequer sofre

alteração, fortalecendo os laços parentais não excluídos pela dissolução do vínculo conjugal,

as decisões sobre a vida no menor são relevantes para se propor futuramente as conseqüências

da criação e educação conjunta, devendo, pois os mesmos responderem pela reparação de

danos causados pelos filhos a terceiros.

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3548

6.3 EXERCÍCIO DA AUTORIDADE PARENTAL E O RELACIONAMENTO PACÍFICO

ENTRE OS PAIS SEPARADOS

Para efeito do trabalho, é de se inferir que a autoridade parental dos pais perante os filhos não

padece de qualquer efeito na ocorrência de ruptura dos vínculos da sociedade conjugal. Com

base nesse fundamento pode-se mensurar o alcance da guarda compartilhada, modelo de

guarda de filhos que se apresenta como o mais compatível com o ordenamento jurídico

brasileiro, fundado o seu esforço de promover o exercício conjunto da responsabilidade

parental por ambos os pais.

O fato do poder familiar e da autoridade parental estarem consagrados na legislação nacional,

institutos estes que não se transformam em razão de separação e divórcio dos pais, não induz

que a relação dos pais separados seguirá conforme a norma jurídica está prevista, muito

menos que os pais cumpram a risca os termos de uma sentença judicial.

De certa feita o bem-estar e melhor interesse da criança e do adolescente estarão assegurados

a partir da compreensão do pai e da mãe por um pacífico e bom relacionamento.

É bem verdade que a lei sobre a guarda compartilhada dispõe que “quando não houver acordo

entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda

compartilhada” (parágrafo segundo do art. 1584 do CC/02), no entanto, não implica que a

guarda conjunta será regra.

A equipe interdisciplinar de apoio nas varas de família deve auxiliar o magistrado decidir no

caso concreto o modelo de guarda compatível dada à situação familiar específica (DIAS,

2008, p. 102).

Pela definição do CC/02 (BRASIL, 2002), recentemente alterado pela Lei n. 11.698/08,

guarda compartilhada é a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai

e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos. Para

que o exercício da guarda conjunta alcance êxito, os pais devem se ajudar reciprocamente,

deixando de lado assim, conflitos e disputas interpessoais (CANEZIN, 2005, p. 14).

Não deve ser a guarda compartilhada concedida por ato discricionário do magistrado sem uma

análise sólida do histórico familiar, sob pena de por em risco o pleno desenvolvimento

psicológico da criança e do adolescente e comprometer o interesse maior da criança, sendo em

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alguns casos até melhor a atribuição da guarda única (SANTOS; LEITE; VIEIRA, 2007, p.

105).

A perpetuação do exercício da autoridade parental e das atribuições advindas do poder

familiar após a ruptura do laço conjugal entre pai e mãe, está relacionada à consciência que de

ambos devem ter um relacionamento pacífico, a fim de que transmitam a educação e cuidados

necessários ao desenvolvimento físico, moral e psicológico de sua prole.

Sendo assim, para conclusão do ponto em discussão divaga-se a noção que de que o fim da

relação conjugal entre os pais deve vir atrelado ao entendimento de uma nova ordem figurada

por ex-cônjuges, mas nunca de ex-pai e ex-mãe.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao término deste trabalho é possível identificar algumas conclusões sobre o tema estudado.

Ficou clara a determinação da legislação brasileira atribuindo à família a base da sociedade, e

em razão disso, a especial proteção do Estado. A abrangência do conceito de família se

estendeu conforme a sociedade, valores e costumes se transformaram, entretanto, o que não

sofreu limitação foi a concepção da família como fonte de formação e desenvolvimento das

crianças e adolescentes.

O fim do casamento ou da união estável tem a prerrogativa de colocar empecilho ao exercício

do poder familiar, motivo pelo qual a concessão da guarda de filhos deve primar pela

continuação das atribuições da autoridade parental, bem como dos laços de afetividade tão

importantes a formação física e psíquica da criança e que unem pais e filhos.

O instituto da guarda conjunta já era discutido pela doutrina e jurisprudência e aplicado nas

decisões judiciais antes mesmo da previsão legal, apesar de existir posicionamentos

desfavoráveis a este modelo de guarda.

A conclusão pela compatibilidade da guarda compartilhada com o ordenamento jurídico

nacional se prova não somente por causa da recente previsão da modalidade no Código Civil,

mas também pelos princípios fundamentais assegurados pela Constituição Federal, como o da

igualdade jurídica de homem e mulher, do bem-estar da criança e do adolescente, do interesse

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3550

do filho menor e da permanência dos laços de afetivos de pais e filhos após a ruptura do

núcleo familiar.

A finalidade da guarda compartilhada é a co-responsabilidade parental por ambos os pais, de

maneira que haja divisão equitativa do poder familiar. Os pais passam a dividir a guarda física

e jurídica de seus filhos, as decisões relativas à vida dos filhos e os cuidados necessários ao

desenvolvimento destes seres em processo de formação. Na forma da Lei n. 11698/08, a

guarda compartilhada é a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai

e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.

A doutrina vem apontando algumas situações que afastam a possibilidade de aplicação da

guarda compartilhada, como por exemplo, históricos de violência doméstica na família. Se

nesses casos a guarda conjunta for indicada, o próprio objetivo do instituto em questão estará

em risco.

A recente aprovação da Lei n. 11698/08 alterou os arts. 1583 e 1584 do Código Civil,

regulando que ainda que não ocorra consenso entre os pais, a guarda compartilhada pode ser

aplicada pelo juiz da causa, sempre que possível.

A guarda compartilhada busca proporcionar a permanência intacta da autoridade parental após

a ruptura do seio da família, e isto é o que a legislação nacional abraça, motivo pelo qual não

tem porque não declarar a compatibilidade da guarda compartilhada com as normas jurídicas

nacionais, os princípios norteadores do direito das crianças e da possível aplicação real da

modalidade.

Sob a perspectiva da Psicanálise (CHECCHINATO, 2007), entende-se que os sintomas de

ordem pessoal e subjetiva da criança são geralmente ocasionados por problemas dos pais. É

nesse ponto que se firma a defesa pela aplicação da guarda compartilhada, pois com a divisão

equitativa das responsabilidades de pai e mãe, sem alterar a estrutura de formação da criança e

do adolescente, a base da relação triangular permanecerá inalterada, com isso, evita mais

conflitos de relacionamento entre pais e conseqüentemente, abraça o bem-estar da criança e

do adolescente.

Na justificação da adoção da guarda compartilhada nas práticas forenses sobre processos

relativos à guarda de filhos, a mediação interdisciplinar ganhou destaque, já que proporciona

ao juiz decidir frente com maior visão sobre o caso em concreto, medida que através da

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3551

autonomia das partes cria a comunicação de que pais precisam para decidir sobre a

responsabilidade parental e guarda de filhos.

Diante de todo o exposto pelo trabalho, conclui-se que a guarda compartilhada de filhos deve

ser disseminada pelo país como a modalidade de guarda de filhos que abrange os princípios

do interesse do menor, da dignidade da pessoa humana e do bem-estar da criança e do

adolescente. Exterioriza a divisão da autoridade parental pelos pais e fortalece o direito da

convivência dos filhos para com seus pais, adquirido por todo indivíduo desde o seu

nascimento. A guarda compartilhada é a realização da responsabilidade e participação efetiva

de ambos os pais no cotidiano dos filhos, perdurando assim o vínculo afetivo que liga pais e

filhos.

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