Serotonina TOC

download Serotonina TOC

of 3

Transcript of Serotonina TOC

  • 8/14/2019 Serotonina TOC

    1/3

    SII 35

    Rev Bras Psiquiatr 2001;23(Supl II):35-7

    A spectos n eu roqu m icos : o pap el d asero ton in a n o TOC

    Fred erico G GraeffDepartamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Mdica da Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto, Universidade de So Paulo. Ribeiro

    Preto, SP, Brasil

    Abstract

    Keywords

    IntroduoA observao de que inibidores da recaptao de seroto-

    nina (5-HT) melhoram o transtorno obsessivo-compulsivo

    (TOC) vide Tratamento farmacolgico foi a primeira indi-

    cao de que a 5-HT poderia exercer importante papel nesse

    transtorno de ansiedade. O primeiro medicamento desse tipo

    a ser empregado foi a clorimipramina ou clomipramina, cujaeficcia foi comprovada em estudos abertos e duplo-cegos.1

    A clomipramina tem grande afinidade pelo stio de recapta-

    o de 5-HT e baixa afinidade pelo stio correspondente da

    noradrenalina (NA). Porm, seu metablito desmetilclori-

    mipramina inibe predominantemente a recaptao de NA.

    Assim sendo, a clomipramina no pode ser encarada como

    verdadeiro inibidor seletivo de recaptao de serotonina (ISRS),

    quando administrada cronicamente.

    Contudo, outras evidncias vieram fortalecer a hiptese da

    mediao serotonrgica da ao farmacolgica anti-TOC. A

    primeira foi a verificao de que a imipramina bem menos

    eficaz que a clomipramina no TOC.2 Essa diferena contrasta

    com a equivalncia da ao teraputica dos dois medicamentos

    no transtorno depressivo unipolar e na moderada vantagem da

    clomipramina sobre a imipramina no transtorno do pnico. Como

    a imipramina inibe igualmente a recaptao de 5-HT e de NA,

    sua ineficcia no TOC indica que a inibio da recaptao da

    NA desnecessria ou mesmo contraproducente. A segunda

    evidncia veio luz com a introduo dos ISRS, como a fluoxe-

    tina, fluvoxamina e sertralina, cujos metablitos no interferem

    com a recaptao de NA. Verificou-se que tais compostos tam-

    bm eram eficazes no tratamento do TOC.2

    Dessa forma, o conceito de que a 5-HT crtica para ao

    anti-TOC ficou bem estabelecido. A questo seguinte : onde

    The therapeutic action of selective serotonin (5-HT) reuptake inhibitors (SSRIs) in obsessive-compulsive disorder

    (OCD) points to the role of 5-HT in this condition. Functional neuroimaging studies showed hyperactivity of the

    nucleus caudatum in OCD patients, which disappears following treatment with either SSRIs or cognitive behavior

    therapy. Pharmacological results indicate hypersensitivity of the 5-HT1D

    receptor subtype in OCD, similarly

    reversed by chronic administration of SSRIs. Neurochemical data show that these receptors are selectively

    concentrated in the striatum, and are localized in 5-HT terminals, where they inhibit 5-HT release by the nerve

    impulse. Since 5-HT reduces the activity of post-synaptic neurons in the striatum, it has been suggested that the

    hypersensitivity of 5-HT1D receptors contribute to the genesis of OCD symptoms.

    Obsessive-compulsive disorder. Receptors. Serotonin.

    atuam esses agentes teraputicos? A resposta a essa per-

    gunta passa pela fisiopatogenia do TOC e conduz ao tema

    central deste artigo, que o papel da 5-HT no TOC.

    Fisiopatogenia do TOC

    A teoria mais aceita da fisiopatogenia do TOC foi formulada

    por Judith Rapoport, adotando a perspectiva da psicologiaevolutiva. Baseando-se em Charles Darwin, essa orientao

    terica postula que as caractersticas comportamentais dos

    animais esto sujeitas seleo natural da mesma forma que

    as anatmicas e fisiolgicas. Constatando que as compulses

    mais freqentes so as de limpeza (cleaning) e de conferir se

    portas e janelas esto fechadas (checking), Rapoport levan-

    tou a hiptese de que tais manifestaes seriam exageros de

    rotinas de autolimpeza (self grooming) e de conferir demarca-

    es territoriais, respectivamente. Estas foram adquiridas por

    numerosas espcies devido ao valor adaptativo para prevenir

    doenas e garantir espao vital necessrio para alimentao e

    reproduo. Na expresso da autora, a compulso de lavar

    repetidamente as mos nada mais seria do que um grooming

    gone wild, ou seja, uma exacerbao do comportamento de

    autolimpeza.3

    Essa concepo sobre a gnese do TOC levou busca de

    comportamentos com caractersticas compulsivas em ani-

    mais, sendo que dois deles chamaram logo a ateno. O pri-

    meiro o hbito dos ces, sobretudo os da raa Labrador, de

    lamber excessivamente as patas, o que acarreta ferimentos

    graves. Essa condio denominada dermatite acral. O se-

    gundo o comportamento, que ocorre em certas aves sub-

    metidas ao cativeiro, de remover incessantemente as penas

    com o bico. Se tais comportamentos guardam homologia com

  • 8/14/2019 Serotonina TOC

    2/3

    SII 36

    Rev Bras Psiquiatr 2001;23(Supl II):35-7Aspectos neuroimunolgicosGraeff FG

    o transtorno compulsivo, isto , compartilham do mesmo

    substrato neurobiolgico, deveriam ser igualmente suscet-

    veis aos ISRS. Essa predio foi confirmada em ensaios far-

    macolgicos controlados, resultando em tratamento de es-

    colha para essas afeces. Provavelmente este o nico

    exemplo de tratamento veterinrio que derivou de uma teoria

    sobre a fisiopatogenia de um transtorno psiquitrico do ser

    humano.

    Substrato neuroanatmico

    Outra contribuio da teoria de Rapoport sobre o TOC foi

    dirigir a pesquisa sobre o substrato neuroanatmico do TOC

    para os ncleos da base. Isto por que o estriado estrutura

    crtica para a organizao de comportamentos inatos, como

    as rotinas de autolimpeza e de conferir limites territoriais. De

    fato, tcnicas de neuroimagens funcionais do crebro

    apontam para disfuno do ncleo caudado, somado ao

    crtex rbito-frontal e ao tlamo no TOC (veja Valente &

    Busatto-Filho neste nmero).

    Particularmente relevante para a presente anlise so ostrabalhos realizados por Baxter et al4 na Califrnia. Utilizan-

    do varredura com tomografia de emisso de psitrons (PET

    scan), esses pesquisadores descreveram uma hiperativao

    das trs estruturas enumeradas acima em pacientes com TOC.

    Esse achado sugestivo de que uma reverberao do circui-

    to caudato-tlamo-frontal responsvel pelas manifestaes

    obsessivo-compulsivas. Apoiando essa hiptese, resulta-

    dos obtidos no mesmo laboratrio mostraram que os dois

    procedimentos teraputicos mais eficazes medicao com

    ISRS, no caso, a fluoxetina, e terapia cognitivo-comporta-

    mental eliminavam a mencionada hiperativao identifica-

    da pelo PET.4

    Sem esquecer que o maior impacto desses acha-dos foi o de documentar, pela primeira vez, uma alterao

    neurofisiolgica determinada por uma modalidade de psico-

    terapia, o fato de um ISRS modular a atividade do estriado

    remete novamente a 5-HT e d uma pista valiosa sobre qual

    o sistema serotonrgico e o tipo de receptor mais provavel-

    mente envolvidos no TOC.

    Sistema serotonrgico mesoestriatal e receptores 5-HT1D

    Sabe-se que a inervao serotonrgica do prosencfalo

    provm de dois ncleos situados no mesencfalo: o ncleo

    mediano da rafe (NMR) e o ncleo dorsal da rafe (NDR).

    Enquanto as fibras originrias no NMR projetam-se sobretudo

    em estruturas lmbicas, aquelas originrias no NDR inervam

    predominantemente os ncleos da base e o neocrtex.5 Em face

    das evidncias anatmicas e funcionais acima discutidas, pode-

    se deduzir que a via serotonrgica que parte do NDR e projeta-

    se no caudato a candidata mais provvel para participar da

    fisiopatogenia do TOC.

    Quanto aos receptores de 5-HT, sabe-se que se subdivi-

    dem em diversos tipos e subtipos, cuja localizao celular e

    anatmica, bem como o papel funcional, so igualmente di-

    ferentes (para uma reviso, ver Graeff6). Chama particular-

    mente a ateno o fato de os receptores do subtipo 5-HT1B/1D

    estarem seletivamente concentrados no estriado. A dupla

    denominao 1B/1D advm da diversidade no perfil farma-

    colgico. Por exemplo, o propranolol bloqueia o receptor 5-

    HT1B

    , mas no o 5-HT1D

    . Os primeiros ocorrem em certas

    espcies, como o rato, e o segundo, em outras, inclusive no

    ser humano. No mais, assemelham-se em tudo, particular-

    mente no que diz respeito localizao e funo. Trata-se de

    receptores pr-sinpticos, situados na membrana das

    varicosidades das fibras nervosas terminais, de onde a 5-HT

    liberada por ao do impulso nervoso. A estimulao dos

    receptores 5-HT1B1D

    diminui a quantidade de 5-HT assim li-

    berada. Portanto, tais receptores tm papel regulador sobre

    a liberao do neurotransmissor, limitando-a quando as con-

    centraes da amina na fenda sinptica atingem nveis ele-

    vados. Trata-se, portanto, do mecanismo bem conhecido de

    retroalimentao negativa (negative feedback).

    Hiptese sobre o papel da 5-HT no TOC

    Alm da disposio anatmica, a idia de que receptores

    5-HT1D participam da fisiopatogenia do TOC ganhou impor-tante apoio farmacolgico com a verificao de que o ago-

    nista 5-HT1D

    seletivo, sumatriptan, agrava os sintomas de

    pacientes com TOC.7 Essa evidncia soma-se a resultados

    anteriores com o agente menos seletivo metaclo-

    rofenilpiperazina (mCPP). Nesse caso, verificou-se tambm

    que o tratamento crnico com clomipramina abole o efeito

    agravante do mCPP.1 Como os ISRS reduzem a sensibilidade

    do receptor 5-HT1B/1D

    em relao aos agonistas aps uso

    prolongado, levantou-se a hiptese de que esse subtipo de

    receptor estaria supersensvel no TOC.1,7 Como decorrncia,

    haveria menor liberao de 5-HT na via serotonrgica

    mesoestriatal, com reduo da concentrao sinptica de 5-HT no estriado, resultando em ativao do circuito caudato-

    tlamo-frontal responsvel pelas manifestaes do TOC. Com

    efeito, um estudo com tomografia computadorizada de emis-

    so de fton singular (Spect) mostrou maior hiperatividade

    dessas estruturas durante o agravamento sintomtico indu-

    zido pelo sumatriptan.8

    ConclusoPode-se concluir que h evidncias sugestivas de que a

    supersensibilidade de receptores pr-sinpticos do tipo 5-

    HT1D, localizados na via serotonrgica mesoestriatal, seja

    responsvel pela desinibio do circuito caudato-tlamo-cor-

    tical, gerador dos sintomas compulsivos do TOC. A admi-

    nistrao crnica dos ISRS diminuiria a sensibilidade dos

    mesmos receptores, melhorando o quadro clnico.

    Este trabalho foi financiado pela Fundao de Amparo ao Ensino,

    Pesquisa e Assistncia (Faepa) do Hospital das Clnicas da Faculdade

    de Medicina de Ribeiro Preto.

  • 8/14/2019 Serotonina TOC

    3/3

    SII 37

    Rev Bras Psiquiatr 2001;23(Supl II):35-7 Aspectos neuroimunolgicosGraeff FG

    Correspondncia: Frederico G GraeffAv. 9 de julho, 980 14025-000 Ribeiro Preto, SP, Brasil

    Tel.: (0xx16) 636-7325 Fax: (0xx16) 635 0713 E-mail: [email protected]

    Referncias

    1. Zohar J, Insel TR, Zohar-Kadouch RC, Murphy DL. Serotonergic

    responsivity in obsessive-compulsive disorder: effects of

    clomipramine treatment. Arch Gen Psychiatry 1988;45:167-72.

    2. Zohar J, Zohar-Kadouch RC, Kindler S. Current concepts in the

    pharmacological treatment of obsessive-compulsive disorder. Drugs1992;43:210-8.

    3. Rapoport JL. Recent advances in obsessive-compulsive disorder.

    Neuropsychopharmacology 1991;5:1-10.

    4. Baxter lR, Schwartz JM, Bergman KS, Szuba MP, Guze BH, Mazziota

    JC et al. Caudate glucose metabolic rate changes with both drug and

    behavior therapy for obsessive-compulsive disorder. Arch Gen

    Psychiatry 1992;49:681-9.

    5. Azmitia EC, Segal, M. An autodiographic analysis of the differential

    ascending projections of the dorsal and median raphe nuclei in the

    rat. J Comp Neurol 1978:179:641-88.

    6. Graeff FG. Serotonergic systems. Psychiatr Clin N Am

    1997;20:723-39.7. Dolberg OT, Iancu I, Sasson Y, Zohar J. The pathogenesis and

    treatment of obsessive compulsive disorder. Clin Neuropharmacol

    1996;19:129-47.

    8. Stein DJ, Van Heerden B, Wessels CJ, Van Kradenburg J, Warwick J,

    Wasserman HJ. Single photon emission computed tomography of

    the brain with Tc-99 m HMPAO during sumatriptan challenge in

    obsessive-compulsive disorder: investigating the functional role of

    the serotonin auto-receptor. Prog Neuro-Psychopharmacol Biol