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ISSN 012-7751 REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 34 jan./dez. 2008

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ISSN 012-7751

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL

R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 34 jan./dez. 2008

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TRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL

COMPOSIÇÃO DE 2008

ConselheirosPaulo César de Ávila e Silva - PresidenteAnilcéia Luzia Machado - Vice-PresidenteRonaldo Costa CoutoMarli VinhadeliJorge CaetanoManoel Paulo de Andrade NetoAntônio Renato Alves Rainha

AuditorJosé Roberto de Paiva Martins

Ministério PúblicoCláudia Fernanda de Oliveira Pereira - Procuradora-GeralMárcia Ferreira Cunha FariasDemóstenes Tres AlbuquerqueInácio Magalhães Filho

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Sumário

DOUTRINA

Rémy Janner Avaliação de resultado da função pública no controle externo francês e o papel das Câmaras Regionais de Contas ................... 09

Inácio Magalhães FilhoLimites ao poder de emenda parlamentar .................................... 37Termo inicial da integralização do art. 190 da Lei nº 8.112/90 ... 43

André Carlos da SilvaEstado federal e poder municipal ................................................. 55

Márcia de Melo Pereira TiscoskiControle de Constitucionalidade pelos Tribunais de Contas: particularidades e possibilidade ................................................... 91

Maurício Nunes MoreiraFederalismo assimétrico e a igualdade entre unidades federadas...95

Rosimary Martins MedeirosAtos de aposentadoria sujeitos a registro pelos tribunais de contas: aplicação da ampla defesa e do contraditório ............................ 115

Ivan Barbosa RigolinSobre o nepotismo uma reflexão sobre moralidade e moralismo ........................................................................................... 147Subcontratação ........................................................................... 159

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VOTORenato Rainha Acompanhamento de Contratos destinado à elaboração de estudo de viabilidade do Aproveitamento Hidrelétrico Corumbá III .......... 173

Aquisição de licenças de uso definitivo de “softwares” aplicativos e sistemas operacionais “Microsoft” Dispensa de licitação ....... 199

Consulta acerca da possibilidade estender aos aposentados os aumentos deferidos aos servidores da ativa em decorrência da EC n° 41/2003 .................................................................................. 217

PARECERESMárcia FariasAnálise de convênio que trata da liberação de recursos à Liga das Escolas de Samba de Brasília .................................................... 245

Auditorias operacional e de regularidade realizadas, respectivamente, nas áreas de atendimento ambulatorial e de pessoal da Secretaria de Saúde .......................................................................................... 249

Concessão de aposentadoria ...................................................... 265

Pensão militar - Revisões para inclusão de companheiras ......... 271

Proposta de nova sistematização de análise e julgamento dos processos de concessões afetos à 4ª ICE .................................... 279

Tomada de contas especial - Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil - pagamento indevido de BDI sobre fornecimento de equipamentos de cozinha industrial ...................................... 287

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Doutrina

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9R.Tribunal de Contas do Distrito Federal, 34 : 9-35, 2008

AvAliAção de resuultAdo dA função públicA no controle externo frAncês e o pApel dAs

câmArAs regionAis de contAs*

Rémy Janner Conselheiro da Câmara Regional de Contas

da Alta Normandia, França

Introdução

A função de controle externo da Administração Pública é cometi-da, via de regra, a órgãos vinculados ao Poder Legislativo. Seguem esses, basicamente, dois modelos: o de agência e o de órgãos cole-giados. A estrutura, funcionamento, escopo de atuação e jurisdição desses órgãos, contudo, colegiados ou não, variam muito, de acordo, é lógico, com as características políticas e jurídicas do Estado.

No Brasil, e em diversos outros países, inclusive na França, os Tribunais ou Cortes de Contas são os órgãos responsáveis pelo controle externo. As ex-colônias francesas seguem o modelo ado-tado na Cour des comptes, mas na América do Sul apenas o Bra-sil, a Argentina1, o Suriname2 e o Uruguai3 possuem órgãos cole-giados de controle externo, de nível nacional. As demais nações autônomas sul-americanas têm órgão de controle externo, porém na forma de controladorias (órgãos singulares, ou seja, chefiados por um controlador ou auditor geral, e com estrutura própria, ora

* Tradução e introdução de Márcia Farias Procuradora do Ministério Público de Contas do Distrito Federal 1 http://www.agn.gov.ar/doc-tecnicos/organi.pdf 2 O Rekenkamer é um conselho composto do Presidente, de dois membros efetivos e de dois membros suplentes.3 http://www.tcr.gub.uy

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vinculados ao Poder Legislativo, ora ao Executivo, porém com independência).

A despeito de suas diferenças, os órgãos de controle externo mais desenvolvidos no cenário internacional direcionam hoje seus recursos físicos, financeiros, tecnológicos e humanos ao controle de resultado da função governamental, ou à avalia-ção da função pública. Ou seja, têm em sua missão responder à sociedade como os projetos, programas e sub programas de governo estão sendo implementados e, sobretudo, ajudam o Po-der Legislativo a avaliar se o governo está atendendo às necessi-dades da população, e como podem ser melhorados os serviços prestados.

Por vezes, há falhas ou dificuldades na concepção ou no pla-nejamento; por vezes, na implementação dos projetos. São essas falhas que os órgãos de avaliação devem diagnosticar, propon-do soluções exeqüíveis. No Government Accountability Office – GAO (órgão de controle externo norte-americano), por exemplo, apenas 15% dos trabalhos são de regularidade. Quando a agência passou a direcionar suas atividades para questões de grande im-portância para a nação, seus auditores foram reclassificados como “avaliadores”4.

O órgão de controle externo da atualidade passa então a ser um parceiro em governança. Não um órgão punitivo, inquisi-tivo, julgador, mas um aliado do Poder Executivo e do Poder Legislativo.

Essa face do controle externo, ainda incipiente no sistema de Tribunais de Contas no Brasil, relaciona-se com a tradição de-mocrática de uma nação. Quanto mais sólida a democracia, mais

4 Em 1980. Hoje, o recrutamento para trabalho nas equipes é na categoria de analyst, com qualificação nas mais diversas especialidades.

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as pessoas têm confiança nas relações entre particulares e entre esses e o Estado, e menos recorrem aos órgãos jurisdicionais e de controle. Um controle exacerbadamente concentrado no órgão de controle externo corresponde, assim, a um alto nível de descon-fiança dos eleitores nas relações diárias que travam entre si e com o Estado. Quanto mais amiúde e casuísta for o controle, quanto mais distante de uma abordagem sistêmica e dessa parceria com a função estatal, mais débil se prova a democracia, formando-se, assim, um ciclo vicioso.

Cumpre lembrar que a Cour des comptes francesa é um tribunal de jurisdição administrativa, independente do Poder Legislativo e do Poder Judiciário. Ao lado das Câmaras Regionais de Contas e do Conselho de Disciplina Orçamentária e Financeira (CDBF), forma o conjunto de jurisdição financeira na França.

As Chambres régionales des comptes foram criadas em 1982, pela Lei n° 82-213, de 2 de março (Lei de Descentralização Administrati-va), e a coerência entre os diferentes controles por elas empregados é assegurada por um comité de liaison, composto por membros da Cour des comptes e das Chambres régionales des comptes.

As Câmaras Regionais de Contas foram criadas para:julgamento de contas de ordenadores de despesas, • exame da gestão pública e• controle orçamentário de coletividades territoriais (regiões, • departamentos e municipalidades).

As coletividades menores (com população inferior a 3.500 habi-tantes ou com receita inferior a 750.000 euros) são controladas por agentes do Ministério de Finanças.

Abaixo, podem-se ver as regiões às quais corresponde uma ju-risdição financeira controlada por uma Câmara Regional de Contas, bem como os territórios franceses aos quais correspondem a jurisdi-ção de Câmaras Territoriais de Contas.

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Para esclarecer como funciona o órgão de controle externo fran-cês, a nível regional, a Associação Nacional do Ministério Público de Contas – AMPCON convidou o Conselheiro da Câmara Re-gional de Contas da Alta Normandia, Rémy Janner, para parti-cipar de seu último congresso internacional5. Mais recentemente, o Conselheiro Janner verteu para o papel o conteúdo de sua apresen-tação texto que o leitor encontrará a seguir.

métodos de AvAliAção de políticAs públicAs territoriAis empregAdos pelA câmArAs regionAis de contAs frAncesAs6

“Senhoras e Senhores Procuradores,Caros colegas dos Tribunais de Contas,Senhoras e Senhores,

5 IV Congresso Internacional da AMPCON, realizado em Brasília, Brasil.6 Tradução livre feita por Márcia Farias, com autorização expressa do autor

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É uma grande honra para mim vir vos falardo funcionamento das Câ-maras Regionais de Contas (CRC) francesas, e eu agradeço, nesta oca-sião, à AMPCON e muito especialmente a Senhora Márcia Farias, pela qualidade da acolhida a mim reservada.

Após algumas palavras de apresentação do funcionamento e dos métodos de trabalho das CRC, gostaria de discorrer, de maneira mui-to prática, sobre o modo segundo o qual trabalhamos.”

1 – Breve apresentação das CRC

Após as brilhantes palestras que tivemos no decorrer desses dois últimos dias, gostaria de vos falar daqueles que realizam os traba-lhos de fiscalização e, o tempo sendo restrito, detalhar as principais etapas desses trabalhos.

Em um primeiro momento, eu vos direi como preparamos as au-ditorias; em seguida, como, materialmente, realizamos os trabalhos, nos processos e in loco. Isso me levará, logicamente, a vos falar, de maneira bem atual, sobre como refletimos, no âmbito das CRC, a respeito da avaliação de desempenho de nossa própria instituição.

1.1. As Câmaras regionais de contas: história e posiciona-mento institucional

As CRC francesas são instituições relativamente jovens, pois foram criadas em 1982, no decorrer da primeira fase de descen-tralização que ocorreu na França. Nessa época, a intenção do le-gislador era de equilibrar a autonomia concedida às coletividades territoriais, que saíam da tutela do Estado, pela criação de um corpo de controle externo que fosse independente. E, nessa oca-sião, escolheu-se o formato de uma jurisdição, mas poder-se-ia ter elegido outro sistema. Foi criada, em cada região administrativa, uma CRC nos moldes da Corte de Contas nacional, existente na França desde 1807.

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Temos 23 Câmaras regionais, que funcionam com um efeti-vo relativamente estável de 350 magistrados, dentre membros julgadores e do Ministério Público7, assistidos por aproximada-mente 350 assistentes de verificação.

Para apresentar o contexto institucional das CRC, eu vos direi muito rapidamente quais são suas relações com as entidades contro-ladas, com a Corte de Contas e, muito brevemente, as relações que podem ter com o Poder Executivo e com o Parlamento. Para situar o contexto no qual trabalhamos e vos permitir distingui-lo do contexto brasileiro, o qual comecei a compreender nos últimos dias, eu vos diria que nossas intervenções se dão num clima fortemente despro-vido de drama e de apelação. Passamos de um controle estrito de regularidade, presente na origem das Câmaras, para um controle, ao contrário, muito mais de parceria com as coletividades territoriais.

Nossas relações com a Corte de Contas são de duas ordens: temos atribuições jurisdicionais, que vocês conhecem bem, o julgamento de contas dos ordenadores de despesas, que nós verificamos em pri-meira instância, a Corte de Contas intervindo, de seu turno, em grau de recurso, e a cassação sendo assegurada pelo Conselho de Estado, que é a autoridade suprema em matéria de jurisdição administrativa.

A segunda grande vocação das CRC, além do julgamento de contas, é o exame da gestão das coletividades territoriais. É umprocedimento estritamente administrativo, no qual as Câmaras re-gionais intervêm em primeiro e em último recurso, por meio de de-cisões não punitivas, as quais não são, por isso mesmo, suscetíveis de recurso, salvo em alguns casos extremamente limitados, relati-vamente ao procedimento, sobre os quais não me estenderei.

7 “350 magistrats, siège et parquet confondus...”. Na França, como em outros países, a ma-gistratura inclui julgadores e membros do Ministério Público; os primeiros, magistrados sentados, decidem; os últimos, magistrados de pé, perseguem, promovem ou procuram o direito.

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Mas a garantia do jurisdicionado é assegurada por um pro-cedimento contraditório bem regulamentado. Essa competência em matéria de exame da gestão traduz-se em relações bem sus-tentadas com a Corte de Contas porque, juntos, os dois níveis de jurisdição realizam investigações sobre a gestão pública. É esse o ponto que irei essencialmente desenvolver diante de vós nesta tarde.

Na origem das CRC, a atividade centrava-se essencialmente so-bre o julgamento de contas. Atualmente, o exame da gestão repre-senta cerca de 80% de nossas atividades. Temos igualmente uma atividade residual de controle orçamentário, sobre o qual não vos falarei hoje. Na origem, essa função de controle da gestão era em-brionária, porque a Corte de Contas não atuava verdadeiramente sobre a gestão das coletividades locais. Foi-nos necessário, portan-to, por intuição e tentativas, construir uma doutrina de controle da gestão das coletividades locais.

Aconteceu o que deveria acontecer, cada CRC desenvolveu uma jurisprudência, uma maneira de apreciar a gestão das coletividades locais, que diferia de uma região a outra. Isso muito inquietou os representantes franceses eleitos, que reclamaram um pouco mais de clareza e de segurança jurídica.

Nos anos 1990-1995, passamos a ter consciência dessas diferen-ças e criamos um certo número de ferramentas que nos permitiram abordar o exame da gestão de maneira praticamente uniforme, ou ao menos mais harmoniosa sobre o conjunto do território. Temos, por exemplo, um software de análise da situação financeira das coletividades locais, que é utilizado em cada Câmara. Realizamos investigações temáticas que seguem uma moldura uniformizada nacionalmente, à qual voltarei em um momento.

Nossas relações com o Poder Executivo não apresentam as difi-culdades que vocês talvez encontrem aqui. Eu diria, na seqüência

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da intervenção de Philippe Baron8 ontem, que nós nos situamos, no âmbito da reforma da gestão do Estado, numa missão de “gestão e controle das finanças públicas” que comporta três programas, que emanam exclusivamente do Ministério das Finanças: “a gestão fis-cal e financeira do Estado”, “as jurisdições financeiras” e “o apoio às políticas econômicas, financeiras e industriais”.

Mas a questão de nossa independência, inclusive financeira, não apresenta dificuldades, ao menos desde a origem das Câmaras. O Primeiro Presidente da Corte de Contas negocia o orçamento das jurisdições diretamente com o Ministro das Finanças e isso não o impede de diligenciar investigações sobre a remuneração dos funcionários do Ministério. Nós não temos, a nível local, re-lação direta com o Parlamento nacional. É a Corte de Contas que sintetiza algumas de nossas observações para preparar relatórios que serão transmitidos ao Parlamento. Por outro lado, nosso pro-cedimento impõe aos representantes eleitos transmitir o conjunto de nosso trabalho à Assembléia Deliberativa das coletividades ter-ritoriais que nós controlamos. Isso faz com que aos conselheiros municipais, aos conselheiros gerais ou regionais, seja comunicada a integralidade de nossos relatórios de observação sobre a gestão de sua coletividade.

Em matéria penal, não temos qualquer competência particular, mas, no momento em que , no curso de nossos controles, verifi-camos fatos suscetíveis de serem penalmente qualificados, cabe ao órgão colegiado – e não ao magistrado sozinho – informar oparquet penal9. Para encerrar esta introdução, gostaria de vos dizer mais precisamente quais são nossas competências e de que maneira enxergamos a avaliação de políticas públicas.

8 Phillipe Baron, consultor independente, apresentou a palestra “Avaliação de Programas de Governo” no Congresso da AMPCON mencionado.9 O Ministério Público com competência criminal.

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1.2. A avaliação nas CRC

Pode-se basear essa competência muito distantemente no pas-sado, na declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789, nosso texto fundador que vocês conhecem tão bem quanto nós, e notadamente no artigo 15, que diz – eu o cito modernizando um pouco seu propósito pela necessidade da tradução, “a sociedade tem o direito de demandar contas de todo agente público sobre sua gestão”. Em dez palavras tudo é dito. Seria bom que todos os textos fossem tão claros e límpidos, o que não é o caso. Eu vos as-seguro de imediato: esse princípio existe há mais de dois séculos, e foi preciso esperar a edição de uma lei orgânica sobre as leis fi-nanceiras sobre as quais vos falaram ontem para que esse princípio passasse à realidade.

O conteúdo do exame da gestão foi precisado por um texto de 2001. O artigo do Código das Jurisdições Financeiras que detalhou essa competência dispõe, eu cito:

“O exame da gestão comporta a regularidade dos atos de ges-tão, a economia dos meios escolhidos e a realização dos objetivos atingidos em relação aos objetivos fixados pela assembléia deli-berativa. A oportunidade desses objetivos não pode ser objeto das obser-vações” 10.

Vocês podem ver de imediato que se está aí em divergência com a Constituição brasileira, que permite às jurisdições finan-ceiras apreciar “a oportunidade econômica” das operações. Nós temos, para exercer essa competência, a possibilidade de verificar a utilização dos recursos públicos com quem quer que esteja, e notadamente nas dos delegatários de serviços públicos. Podemos

10 De fato, a lei que institui o mencionado Código de Jurisdições Financeiras reporta-se aos princípios da legalidade, da economia, da efetividade e da eficácia, não sendo com-petência dos órgãos de controle, ao realizar o exame da gestão, adentrar o mérito do ato administrativo, ou seja, substituir seu próprio conceito de oportunidade e conveniência por aquele eleito pelo administrador.

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controlar as contas de operações de delegação no seio das empre-sas delegatárias ou no seio das associações que recebem subven-ções públicas11.

Como concebemos a avaliação? Temos ligeira discrepância quanto aos métodos, em relação aos anglo-saxões. Não aplicamos a teoria do julgador racional, tão cara a Campbell12; somos bem mais modestos e pragmáticos ao privilegiar essencialmente a eficácia dos controles para a gestão pública.

Isso me leva a precisar as grandes diferenças que existem en-tre as jurisdições financeiras, em suas abordagens do controle, e os escritórios privados de auditoria ou de avaliação, que podem igualmente intervir para a prestação das contas das coletividades territoriais.

Eu vejo três grandes diferenças: a primeira é que agimos de ofí-cio; não precisamos de provocação [do ordenador], se bem que, mais e mais, o magistrado que instrui irá se inteirar das preocupa-ções do ordenador e levar em conta tal ou qual aspecto da gestão que pareceria ao ordenador relevante de ser controlado. Segunda diferença: não distinguimos, em nosso trabalho, entre controle de regularidade, exame da gestão, ou avaliação. Os três se misturam facilmente. Enfim, não temos a possibilidade de recorrer aos sub-contratados (terceiros). Vocês têm, nos Tribunais de Contas bra-sileiros, múltiplas competências técnicas das quais não dispomos na França. 11 Sobre o controle dos recursos recebidos por entidades que apelam para a caridade públi-ca, o qual insere-se na competência da Corte de Contas francesa, a tradutora ofereceu a tese “O Controle dos Tribunais de Contas do Brasil sobre as entidades de direito privado que apelam para a generosidade pública”, no XXIII Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil, realizado em outubro de 2005 em Gramado - RS.12 O autor refere-se a Donald Campbell (1916 – 1966), psicólogo e professor universitário norte-americano conhecido por seus trabalhos em metodologia de pesquisa na área das ciências sociais. O método de recurso ao estudo de casos para fins de refutação teórica, por ele defendido, sofre críticas de pesquisadores de variadas áreas da epistemologia .

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Podemos contratar expertos, mas isso é limitado pelo fato de que nossos orçamentos para esse fim são pequenos. Essas diferen-ças decorrem de restrições jurídicas, ligadas aos textos por mim citados, e de restrições técnicas, as quais vocês podem bem ver. Por exemplo, a ausência de expertise médica ou de engenheiros civis no seio das CRC. Inobstante, isso apenas limita as questões que podemos abordar, isso não limita o campo das políticas sobre as quais podemos trabalhar.

Para concluir essa apresentação rápida de nossos conceitos, eu diria que a análise da relação “custo-eficácia” não está ainda muito desenvolvida dentre nós, pela boa e simples razão de que a conta-bilidade analítica das coletividades territoriais, apesar de ser feita há já alguns anos, não apresenta, ainda, suficiente desempenho para autorizar esse gênero de abordagem. Não se priva de fazê-la, quan-do possível, mas isso é marginal.

A título de ilustração, eu vos mostrarei o resultado de um contro-le que fizemos sobre um mecanismo de inserção de pessoas despri-vilegiadas na Alta Normandia. No mesmo relatório de observação encontram-se, de um capítulo a outro, observações sobre a regulari-dade da aplicação da lei, observações relativas à coerência da política manejada, como, por exemplo, as falhas de controle da coletividade sobre a utilização das subvenções pelas associações.

Encontramos igualmente observações relativas à eficiência. Por exemplo, temos ressaltado que as pessoas atendidas não recebiam a formação mínima que as teria permitido colocar-se nas ações de inserção profissional, o que era contrário ao objetivo fixado pela coletividade. Em matéria de eficiência, também têm-se ressaltado que as pessoas com menos de 40 anos, que são as mais suscetíveis de sair dos mecanismos de inserção, não estavam sendo acompa-nhadas de maneira particular, ainda que, sobre esse público, a cole-tividade dispusesse de uma margem de manobra importante.

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Por outro lado, não examinamos o aspecto da utilidade social, contrariamente ao que se pode conceber no campo da avaliação. Para isso, faz-se necessário realizar pesquisas sociológicas sobre o conjunto da sociedade, o que extrapola nossa competência técnica.

No mesmo documento nós igualmente fizemos observações so-bre a coerência dos meios adotados. “Quantos agentes há em rela-ção às pessoas em inserção nos diferentes setores do território?” Essa questão nos permitiu evidenciar incoerências entre setores geográficos, notadamente as diferenças de carga de trabalho entre os funcionários. Vê-se, então, em largas pinceladas, a maneira pela qual concebemos a avaliação das políticas públicas.

2. A preparação das auditorias2. 1. Em nível nacional

Primeira regra: não se realiza uma boa auditoria a não ser que se a prepare bem. Eu vos dizia na introdução: trabalhamos muito freqüentemente em colaboração com a Corte de Contas. Quando se analisa uma política nacional, seja ela social, educativa ou ou-tra, é indispensável ver como agem todos os atores, seja o Estado, as regiões, as municipalidades, ou as associações de municipali-dades. Para realizar isso, colocamos em uso alguns esquemas de pesquisa que respondem a um certo número de critérios que eu vos indicarei.

Tratamos dessa maneira a questão da intercommunalité, ou seja, como associar várias municipalidades para que elas sejam mais efi-cientes no âmbito deste ou daquele domínio de gestão.

Recentemente fizemos uma pesquisa dessa natureza sobre os serviços de incêndio e de socorro. Nos trabalhos em curso, tivemos uma questão sobre a responsabilização pelas pessoas de idade, dependentes, notada-mente permanecendo em seus domicílios, e as urgências médicas.

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Como procedemos, materialmente? Aquele que tem uma boa idéia dirige-se à comissão de ligação13, que é uma instância paritária entre a Corte de Contas e as Câmaras Regionais. No seio dessa comissão, faz-se um debate sobre a base da questão que se revela problemática. Em seguida, um grupo de trabalho é constituído por magistrados que tiverem aptidão ou competências particulares nesse domínio. Esse grupo, de uma dezena de pessoas, confecciona um guia prático para a auditoria, que será utilizado por cada magistrado instrutor.

Isso nos permite introduzir a segurança jurídica na metodologia, pois todo magistrado terá o mesmo referencial jurídico e técnico e a mesma abordagem das questões, mesmo se, a nível local, seja necessário adaptar o trabalho às especificidades territoriais.

Em seguida, será necessário realizar o trabalho: cada relator res-ponsabiliza-se pelo controle de uma ou de várias municipalidades sobre o tema da auditoria. Uma vez que as observações definitivas são publicadas pela CRC, são então transmitidas ao grupo de traba-lho, que elabora uma síntese, sob a forma de um relatório público, o qual é publicado pela Corte de Contas.

A principal dificuldade, no estágio de preparação das auditorias, é a constituição de um bom referencial. Sobre qual base vão ser medidos os desvios constatados, entre o que deveria ser a regra e o que se constata in loco?

Eu vos cito um exemplo recente dessa dificuldade: nós exa-minamos a preservação dos recursos hídricos. As jurisdições fi-nanceiras trabalharam sobre essa questão no mesmo momento em que uma instância de avaliação, que não existe mais, o Conselho Nacional de Avaliação. Os primeiros basearam-se sobre um refe-rencial existente, válido sobre o conjunto das municipalidades eu-ropéias, que é a taxa de nitrato por litro de água. Essa referência

13 Comité de liaison, no original. Ver por favor a página 11 deste trabalho.

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é normalmente aceita pelas autoridades públicas e científicas. O Conselho Nacional de Avaliação, autoridade independente, advo-gou a utilização de um novo indicador, relativo às substâncias me-dicamentosas que se encontram no lençol freático e que provêm da criação de suínos.

2.2. No plano local

No plano local, quando não realizamos auditorias temáticas em colaboração com a Corte de Contas, procedemos mais ou menos da mesma maneira.

Temos um programa de trabalho anual que é elaborado pelo pre-sidente, discutido pela Câmara, e que se torna objeto, em relação a cada relator, de uma nota de inspeção, depois de uma auditoria in loco e, enfim, de uma deliberação colegiada. Nossa principal difi-culdade, como relatores, é de acesso à informação. Quanto se tra-ta uma questão, a maior dificuldade é obter a informação que nos permitirá responder às questões que se colocam sobre a política pública.

3. A realização material dos trabalhos3.1. Firmar contato com a realidade da ação pública local

No momento em que elaboramos a nota de inspeção, podemos iniciar o controle.

É a carta do Presidente da Câmara que informa ao ordenador de uma coletividade sobre a abertura de nossa investigação. O magis-trado apresenta-se ao ordenador e, após os cumprimentos de pra-xe, entra-se diretamente no assunto: apresentam-se-lhe os eixos de nosso controle, que ressaltam da nota de inspeção. Anunciam-se-lhe as questões postas, as hipóteses formuladas, indagando-se, evi-

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dentemente, se ele experimenta dificuldades particulares na gestão de sua coletividade.

Esse momento é geralmente a oportunidade para uma troca bastante frutífera, no curso da qual o ordenador pode nos dizer, por exemplo: “Senhor Conselheiro, tenho um problema com a gestão de pessoal; o que fazem meus agentes não me convém: poderia examinar esta questão?”. Nesse caso, quer se previu se foi previsto o exame da gestão de pessoal as intenções se cor-respondem. Mas se não estava previsto o exame desta demanda em nosso programa de trabalho, e é obrigatório dizer-lhe que não examinaremos essa questão, ainda que nos seja pedido. Mas ge-ralmente chegamos a adotar um acordo. Esse primeiro encontro precede um contato mais alongado com o conjunto dos atores da coletividade.

O que faz uma coletividade, juridicamente, o sabemos, basta ler os textos legais. Mas, na prática, como os atores vislumbram seu papel? Qual é a atuação dos atores locais? Essas questões são muito importantes porque determinam a maneira mediante a qual ordena-mos o controle.

Eu retomo o exemplo da política de inserção que evocava há pouco: parti com essa hipótese, extraída de leituras, de trabalhos anteriores das Câmaras, de que a política de inserção era essencial-mente uma “política de guichê”, a saber, que pessoas excluídas vêm ao “guichê” da coletividade reclamar uma prestação, que a procu-ram [a coletividade], mas sem preocupar-se sobre o efeito que isso terá sobre sua situação. E se essas pessoas retornam seis meses mais tarde ao “guichê”, dá-se-lhe uma prestação sem se indagar sobre o porquê de seu retorno etc. Eu partia, portanto, dessa hipótese e, ao final de cinco ou seis entrevistas com os eleitos locais, compreendi que essa era mesmo sua concepção dessa política. Em seguida, veri-fiquei essa realidade e a reforcei por constatações objetivas. Assim,

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as observações que extraí repousavam sobre sólidos fundamentos, objetivos e cruzados, e não apenas sobre minha impressão.

Esse entrar em contato com a coletividade não deve ser negli-genciado, pois permite delimitar mais precisamente o campo do controle, e determinar qual operação específica constituirá o objeto de exame, porque não se pode controlar todas as operações em cin-co ou seis anos. Será preciso fazer escolhas, determinar o que é im-portante para a coletividade em termos de materialidade financeira, ou de impacto social.

Mesmo que esse objeto tenha sido definido na nota de inspeção, é necessário validá-lo e precisá-lo in loco. É preciso definir o terri-tório, ou a parte do território, a população sobre a qual trabalhar ou fazer uma sondagem, especificar igualmente os limites jurídicos de nossas competências, identificar notadamente os atores junto aos quais não poderemos buscar informações, identificar os domínios que excedem nossa competência técnica.

Todas essas definições são indispensáveis e devem ser feitas de maneira transparente. Numa avaliação, mas isso é igualmen-te válido para o controle, o operador ou o controlador devem ser transparentes, devem precisamente dizer: “eu me coloco tal ques-tão e, para respondê-la, procederei de tal maneira: utilizarei tal fonte de informação, tal técnica de análise”. Uma vez que esse panorama é posto, e é respeitado, as relações com a coletividade não apresentam de modo geral dificuldades, pois nossa ação se torna transparente. Aí se está no coração da segurança jurídica que as coletividades reclamam.

Para encerrar essa fase de estar em contato, precisaremos que ela inclua igualmente a verificação da existência de informação que invocamos precedentemente. Ela é indispensável, pois permite sa-ber se será possível responder a todas as questões que se colocaram inicialmente.

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Com efeito, a ausência de certas informações impede-nos, por vezes, de responder a certas questões. Uma escolha se apresenta a nós nesse momento, quer se decida por abandonar a questão, quer por perseverar, e aí se presume que o tempo destinado à construção dessa informação valerá a pena, como veremos a seguir por meio de um exemplo.

3.2. A precisão do quadro de trabalho: a elaboração do questionamento

A esse ponto já foi feito contato com a coletividade, o campo de nossa investigação está delimitado, e deve-se agora precisar o questionamento.

O questionamento é o coração do mecanismo; é o nos permitirá elaborar um relatório objetivo e pertinente, que terá sentido para a coletividade.

Se se trata apenas de dizer a um ordenador: ”há dez anos vocês não respeitam tal procedimento para realizar uma licitação”; ter-se-á razão; mas se a prática atual tiver mudado, o ordenador irá nos sorrir, significando que ele compreende, e é só.

O que é uma boa indagação? É uma pergunta para a qual se está quase certo que se obterá uma resposta rapidamente, sob a reserva que acabo de indiciar; é igualmente uma questão cuja resposta será utilizável pela coletividade. Esses dois critérios de qualidade não estão sempre reunidos em nossos trabalhos, mas nos esforçamos para que assim seja.

Para formular perguntas, nós fazemos leituras, lemos, sobretu-do, relatórios nos quais a administração francesa é muito produtiva, isso evita formular duas vezes as mesmas questões e de ganhar um pouco de tempo; além disso, identificamos as competências que internamente não possuímos.

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Por exemplo, examinamos no presente momento o cuidado de pessoas idosas. Fizemos vir à Câmara Regional da Alta Norman-dia o melhor gerontologista da região para que ele nos explicasse quais eram as dificuldades em relação aos cuidados das pessoas idosas. Graças a ele, tornamo-nos conscientes da noção de rede ao redor da pessoa é primordial. É preciso que haja um médico, uma assistente social para as solicitações, é preciso que haja um acompanhamento para sua segurança. Em conseqüência, iremos orientar o controle em torno dessas questões essenciais. Podemos igualmente encontrar serviços do Estado, ou de associações. En-fim, trata-se de achar bons indicadores; mas a partir do momento em que se faz uma boa pergunta, identifica-se mais facilmente o bom indicador. Pode-se utilizar a qualidade da tomada de decisão, por exemplo: os atrasos de instrução das demandas, o regramento dos processos contenciosos ou outros, as taxas de retorno das pes-soas em um mecanismo de inserção etc.

O terceiro ponto, desde que tenha sido formulada uma boa pergunta é buscar uma boa informação, a informação confiável e pertinente.

3.3. A recuperação e o tratamento da informação

Isso não é muito fácil, as compatibilidades analíticas das coleti-vidades são muito raras, como já vos disse; painéis de controle não são feitos para o controle externo, eles visam antes de tudo à ge-rência das coletividades. Além disso, as bases públicas e nacionais de dados não estão sempre de acordo com o que se deseja. Assim, em certos casos, nós precisaremos construir essa informação. Por exemplo, iremos realizar uma sondagem para verificar uma infor-mação que nos é indispensável.

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Retomando o exemplo das pessoas em inserção, se não existir, no nível da coletividade, um arquivo que nos permita saber o que as pessoas faziam ao longo de seu percurso de inserção. Olhei para meu assistente e nos dissemos que devíamos arregaçar nossas man-gas para construir uma base de dados, pois não poderíamos realizar esse controle sem saber o que as pessoas faziam dentro dos organis-mos financiados por recursos públicos.

Preparamos um questionário de pesquisa numa folha, com as informações que buscávamos: as datas, os valores, as situações di-versas que deveríamos verificar dentre os casos a analisar etc.

Em seguida, realizamos uma sondagem sobre uma amostragem de pessoas selecionadas de maneira aleatória. Procuramos as in-formações nas pastas dos indivíduos guardadas pelos serviços da coletividade ou prestadores das ações de inserção. Colocamos to-dos esses dados em uma planilha e, com o auxílio de um programa, extraímos os elementos pertinentes para calcular as razões que tí-nhamos estabelecido inicialmente. Com isso, entregamos ao orde-nador da coletividade uma informação da qual ele poderia ter um pressentimento, mas cuja importância ele não tinha meios de medir. Ao fazer isso, agregamos verdadeiro valor ao administrador, e so-mos de fato ouvidos.

Nós detalhamos as informações o mais proximamente possível dos beneficiados, sem poder, no entanto, interrogar os indivíduos, até porque não temos a competência jurídica para fazê-lo. Identifi-camos as características das pessoas e permitimo-nos formular um juízo de valor, pois a avaliação consiste em formular um juízo de valor sobre a política da coletividade.

Citarei alguns exemplos de razões que evidenciamos. Ao analisar a maneira como estavam redigidos os documentos que registravam o percurso da inserção, evidenciamos que, em 8% dos casos, a pessoa tinha como único objetivo sua manutenção

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no programa, o que é o inverso da vontade do legislador e o in-verso do objetivo fixado pela coletividade. Mas a evidenciação dessa razão permitiu à coletividade conscientizar-se de que os agentes que redigiam esses contratos tinham uma grande carên-cia de formação.

Da mesma forma evidenciamos que as pessoas de menos de quarenta anos não eram objeto de uma política específica, ainda que todos os trabalhos sociológicos demonstrassem que sobre esse público existe uma margem de manobra, e que são justamente essas pessoas que são mais suscetíveis de sair rapidamente do programa. Ao demonstrarmos ao administrador que 60% das pessoas dessa faixa etária não estavam sendo afetadas pelas ações de inserção, ele nos respondeu, um pouco superficialmente, “Eu os mandarei trabalhar!”

Essa construção de informação permite à jurisdição financeira driblar caminhos estreitos e batidos e pesquisas de opinião realiza-das com os responsáveis pelos serviços administrativos, os quais têm sempre boas idéias, mas não conhecem necessariamente em detalhes como as coisas se passam in loco.

4. As conseqüências dos trabalhos das jurisdições financeiras

Vejo três pontos essenciais a serem reportados a vocês: a comu-nicação ligada ao procedimento, que já abordei; a difusão dos tra-balhos das jurisdições voluntárias; e a partilha dos conhecimentos adquiridos da avaliação.

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4.1. A comunicação ligada ao procedimento

A comunicação respeitante ao procedimento é prevista em lei. Isso permite à oposição nas assembléias deliberantes tomar consci-ência das dificuldades reais que se apresentam na coletividade. Essa previsão pode igualmente permitir à imprensa, em teoria, apropriar-se dessas questões, mas é preciso reconhecer que os jornalistas franceses somente se interessam, como eles mesmos dizem, pelos fatos pouco convencionais.

4.2. A difusão dos trabalhos das jurisdições financeiras

A segunda conseqüência possível desses trabalhos é a difusão mais ampla dos relatórios da Cour des comptes e das Câmaras Re-gionais, para proveito de todos os cidadãos.

Todos podem requerer à Câmara consulta a seus relatórios de observação. Em seguida esses relatórios são postados no sítio da Cour des comptes na Internet. Mesmo que seja um pouco compli-cado achá-los rapidamente, com o Google a busca é bastante rápida e, de toda forma, os relatórios publicados pela Corte são objeto de uma edição impressa. Enfim, por oportunidade de diferentes encon-tros e colóquios com colegas, como aqui, podemos compartilhar nossos trabalhos, o que é também um modo de difundir o resultado de nossas observações e métodos. Esse é um momento importante, porque alimenta o movimento de aperfeiçoamento do conhecimen-to da gestão pública. Essa operação é mais difusa, mas não deve-mos ignorá-la, pois ela visa a um público especializado.

O ponto sobre o qual eu gostaria de insistir é esse do comparti-lhamento do conhecimento adquirido da avaliação, ou, mais gene-ricamente, do controle.

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4.3. O compartilhamento do conhecimento adquirido das avaliações com os atores locais

Vocês compreenderam que nós não separamos essas duas opera-ções segundo os dois paradigmas que o Professor Freitas14 invocou ontem. Desde que encontremos os operadores públicos, os agentes que realizam as operações in loco, as questões que discutimos com eles os permitem tomar consciência de um outro aspecto dos pro-blemas por eles tratados e, por exemplo, constatar a existência de margens de manobra ou de melhorias potenciais.

Constata-se que certas melhorias na gestão, por vezes mínimas, que não são revoluções mas modificam a ação pública no cotidiano, não figuram nos relatórios de observação, devido a seu caráter de menor importância, mas passam a fazer parte dos fatos objeto da conversa travada com o relator.

Nós nos situamos portanto em visitas de acompanhamento da cole-tividade, buscamos não atuar tardiamente, como dizia Phillipe Baron ontem, mas no cotidiano, por meio de respostas que damos às questões que nos são postas pelas coletividades, tentamos buscar uma melhoria, ainda que mínima.

Para retomar a metáfora utilizada no preâmbulo deste colóquio por nosso colega do Tribunal de Contas, somos efetivamente os pedreiros construtores da catedral, mas é preciso ter consciência de que se, ao final de um dia nós construímos um muro de uma centena de tijolos, quando voltarmos ao canteiro de obras no dia seguinte pela manhã, não haverá mais do que uma dezena de tijolos em pé. Precisaremos então recomeçar, perpetuamente.

14 O palestrante se referia à palestra do Professor Juarez Freitas, “Eficácia, Efetividade e Eficiência na Administração Pública” apresentada em 10.11.2004, no mesmo Congresso. O comentário diz respeito a trecho da palestra em que o Professor Juarez Freitas reporta-se a dois paradigmas: o de insindicabilidade dos atos administrativos de natureza política, e a evolução deste, para a sindicabilidade do ato de natureza exclusivamente política, privilegiando-se o caráter preventivo do direito administrativo.

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Apesar de tudo, observamos três grandes tipos de melhoria na gestão pública, que são, direta ou indiretamente, ligados aos nossos trabalhos.

Antes de tudo, as regulamentações de procedimentos para aquilo que concerne ao campo da regularidade. Em seguida, as regulariza-ções financeiras, o que constitui a essência, nosso métier.

Por exemplo, no curso de uma atuação de controle recente eviden-ciei que uma subvenção concedida a uma associação, de montante sig-nificativo, 70.000 euros, o que corresponde a cerca de 210.000 reais15, não havia sido utilizada. Bom, sem mandar a polícia atrás da associa-ção, consegui, após um bom diálogo, que esse dinheiro fosse devolvido aos cofres públicos. Talvez isso não se passasse da mesma maneira no Brasil, mas na França, é possível. Se o diálogo não tivesse tido resulta-do, teríamos iniciado um procedimento rigoroso, isso eu vos garanto! Observamos, enfim, modificações na própria organização das entidades que controlamos, e isso é também fundamental.

Temos também, em uma quinzena de anos, constatado evolu-ções significativas no domínio da gestão da água e do saneamento, notadamente o aperfeiçoamento dos contratos de delegação des-ses serviços públicos. À custa de “apertar os parafusos”, junto às coletividades e de lhes dizer “sejam vigilantes sobre as cláusulas financeiras”, “vocês não levaram tal risco em conta”, “exijam re-torno de informações muito precisas da parte do delegatário” etc., as coletividades têm agora consciência da necessidade de se ado-tarem essas ferramentas que, pouco a pouco, foram inseridas em sua cultura. Foram necessários quinze anos, vinte anos, mas assim foi feito.

E, para antecipar uma indagação eventual, eu vos explico de imediato, se é que não estava já evidente, que não dispomos, no domínio do exame da gestão, de sistema de sanção. A sanção é a

15 Em novembro de 2004.

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publicidade de nossos trabalhos16, a transparência de nossos méto-dos, a qualidade de nossos trabalhos, ou seja, a pertinência e a obje-tividade de nossas observações; de uma certa maneira, nossa ética. Não se trata de um conselheiro não fazer parte de uma deliberação que trate da gestão de uma coletividade da qual sua esposa seja res-ponsável, por exemplo. Todos esses meios nos permitem avançar em credibilidade. Vocês verão que chegamos muito naturalmente à questão de nosso próprio desempenho, o qual deve doravante cons-tituir nossa principal preocupação.

5. “Prestar contas”, ou como mensurar a eficácia das jurisdições financeiras

Como satisfazer à injunção da declaração dos direitos do ho-mem e do cidadão de 1789, de prestar contas à sociedade? A chave da prestação de contas é fazer a pergunta essencial, quase metafí-sica, “a que sirvo?” “O que espera de mim o legislador?” “O que espera de mim o cidadão?” “O que espera a sociedade da jurisdição financeira?”

Quando se responde a essas perguntas, os indicadores de de-sempenho podem ser facilmente elaborados. Eu vos asseguro, de imediato: nós despendemos mais de seis meses nas CRCs para res-ponder a essas perguntas, que não são simples.

Na Alta Normandia, preparamos, pela primeira vez neste ano, um relatório de desempenho sobre a gestão de 2003. Prestamos contas ao responder a essas perguntas. Considerando, por exem-plo, nossa missão de exame da gestão, identificamos nove critérios

16 Também no Government Accountability Office – GAO, órgão de controle externo norte-americano, a avaliação não corresponde a sistema de sanção. Caso uma recomendação do GAO (como já dito antes, 85% do trabalho do GAO corresponde a avaliação) não seja cumprida, não há sanção a ser aplicada, a não ser aquela decorrente de ato do Congresso.

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de apreciação, que declinamos em 21 indicadores. Vinte e um, é evidentemente muito, mas estamos ainda em fase experimental, e iremos progressivamente reduzir o número desses indicadores em função de sua pertinência comprovada.

Nossa missão de controle externo da regularidade da gestão pú-blica comporta dois objetivos principais: primeiramente, apresentar uma informação significativa; em segundo lugar, produzir contro-les que sejam úteis. O tempo que me é destinado me impede de detalhar os sub-objetivos que detalhamos.

Tomemos o primeiro objetivo, “oferecer informação significativa às coletividades e aos usuários”. Vocês percebem logo que, em nosso ca-minhar, levamos em conta o usuário, ou seja, o cidadão, o contribuinte.

O primeiro critério de avaliação dessa missão é a representativi-dade do campo do controle. Por isso, escolhemos dois indicadores: o primeiro, que é muito grosseiro, admito, é a materialidade no or-çamento das coletividades. Trata-se de verificar se não se vai con-trolar os segmentos da política pública que não são representativos dos interesses financeiros verdadeiros.

Assim, para 2003, constatamos que, na Alta Normandia, exami-namos a gestão de domínios representativos de 50% das despesas das entidades. Isso não significa que verificamos, peça por peça, a metade das despesas, mas que investigamos os domínios que repre-sentam aproximadamente a metade das despesas.

Igualmente, estabelecemos um panorama de observações publicadas pela Câmara. Isso nos permite, ao listarmos os dife-rentes domínios no âmbito dos quais intervimos, de uma só vez estabelecer as lacunas [de nossas intervenções], para sabermos responder à pergunta seguinte: existem temas privilegiados so-bre os quais intervimos prioritariamente, talvez de maneira ex-cessivamente intensiva, e, ao contrário, domínios nos quais não intervimos jamais?

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Assim, no decorrer de três anos de gestão – 2001 a 2003 -, e vos direi um segredo que não sairá desta sala, a CRC da Alta Norman-dia jamais controlou as universidades. Devemos portanto iniciar esse controle sem mais tardar.

Segundo objetivo: “produzir controles úteis”. Eu vos dou dois exemplos de critérios: de início, produzir informações que sejam atuais. O indicador que identificamos, que não é de fácil acesso porque pressupõe a releitura de todos os relatórios de observação, é a antigüidade média dos fatos sobre os quais reportam nossos relatórios de observação. Constatamos que fazíamos observações sobre fatos que, em média, ocorreram há dois anos. Tendo em conta a duração do procedimento, entre seis e oito meses, um lapso de dois anos nos deixa a impressão de que nossas observações são re-lativamente atuais. Esse resultado nos permite sobretudo fixar-nos como objetivo não ultrapassar esse lapso médio, e de trabalharmos de sorte que nossas observações sejam relativamente recentes, a fim de serem praticáveis.

Outro indicador, e não conseguimos apreçá-lo, é o impacto finan-ceiro real de nossas observações17. “Qual é o montante financeiro correspondente às observações que fazemos?” Talvez isso seja pas-sível de apreçamento, talvez não. Quando fazemos uma observação sobre a eficácia de um dispositivo, por meio de evidenciamento de um risco não considerado pela coletividade, não há sempre facili-dade em apreçar [essa ineficácia]. Esse indicador deve, portanto, ser revisto.

Pode-se igualmente formular perguntas sobre nossa própria competência: “quantos dias de formação empreendemos em mé-dia por ano, todos os agentes em conjunto, magistrados, ministério

17 Pode-se ver, do relatório de avaliação de desempenho do GAO, que esse apreçamento é feito por aquele órgão. Consultar, nesse propósito, http://www.gao.gov .

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público e assistentes de verificação?”; ou, ainda, questões relativas à ética: “o relator realizou pesquisas sobre um domínio em que ele não é manifestamente competente, sem requisitar auxílio exterior ou seguir formação adequada?”

Vocês podem ver que todas essas perguntas sobre nosso próprio desempenho, todas essas interrogações, permitem-nos assegurar a transparência de nossos trabalhos, que fundamenta a credibilidade da instituição. Assim, cada vez mais, os trabalhos das jurisdições financeiras são globalmente levados a sério, mesmo que com al-gumas críticas. Trata-se de manter essa confiança porque a concor-rência é cruel. Enfim, essa operação de análise de nosso próprio desempenho permite a nós mesmos progredir.

Obrigado.

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limites Ao poder de emendA pArlAmentAr

Inácio Magalhães Filho Procurador do Ministério Público de Contas do Distrito Federal

Projeto de lei do Poder Executivo. Emenda parlamentar. Limites. Criação de despesa e desnaturação do projeto original. Vicio de forma insanável. Inconstitucionalidade.

O presente artigo foi confeccionado na expectativa de dar maior publicidade a um fato por vezes corriqueiro no processo legislati-vo brasileiro, estudado no labor diário do cargo público ocupado, relativo às emendas parlamentares que desnaturam projetos de lei apresentados pelo Chefe do Poder Executivo.

Na oportunidade a que me refiro, redigi a Representação Con-junta nº 01/2007 – IMF, comungada pelos demais pares do Ministé-rio Público de Contas, dirigida ao Presidente do Tribunal de Contas do Distrito Federal alegando vícios em lei aprovada no Distrito Fe-deral, devido à completa desnaturação de seu projeto original.

Como um exemplo vale mais que milhões de palavras, vamos ao fato e à sua análise.

No Diário Oficial do Distrito Federal, em março de 2007, foi publicada a Lei nº 3.964/07 que estabelecia normas, no âmbito do Distrito Federal, para a realização de concursos públicos.

Anteriormente à edição da referida norma, a matéria referen-te a concurso público, estava regulamentada na Lei nº 3.697/05. Com o intuito de provocar alterações nesta última, a então Gover-nadora do Distrito Federal encaminhou à Câmara Legislativa do Distrito Federal - CLDF o Projeto de Lei nº 2397/06. Esse projeto, quando da apreciação no Poder Legislativo, foi modificado por intermédio de Projeto Substitutivo, de autoria de diversos Depu-tados Distritais.

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O Substitutivo aprovado pela CLDF foi submetido à Governa-dora, tendo sido vetado in totum, sob o argumento de que o projeto original de nº 2.397/06 sofrera substancial alteração. Além disso, ressaltara a Governadora que o veto se impunha, porquanto o Tri-bunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJDFT conside-rara, em sede de liminar, inconstitucional a Lei nº 3.697/051.

Mesmo diante de tal argumentação, a Câmara Legislativa do Distrito Federal rejeitou o veto oriundo do Poder Executivo, fa-zendo promulgar, então, a Lei nº 3.964/07 que foi questionada na representação deste Membro do Ministério Público.

As razões da intervenção Ministerial eram as seguintes. A fixação de regras para a realização de concursos públicos é tema de processo legislativo cuja iniciativa é privativa do Governador do Distrito Fe-deral, conforme o disposto na Lei Orgânica do Distrito Federal:

Art. 71. [...] § 1º Compete privativamente ao Governador do Dis-trito Federal a iniciativa das leis que disponham sobre:

[...]II - servidores públicos do Distrito Federal, seu regime jurídico,

provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria.

Dessa forma, a usurpação da competência do Chefe do Poder Exe-cutivo causa transtorno ao princípio da separação dos poderes, inserto na mesma Lei Orgânica, no art. 53: São Poderes do Distrito Federal, independentes e harmônicos entre si, o Executivo e o Legislativo.

Não foi outro entendimento, por sinal, adotado pelo TJDFT quando julgou a ADI que cuidava da anterior lei que regulava os concursos públicos no Distrito Federal, conforme se pode compro-var no seguinte excerto:

Ação Direta de Inconstitucionalidade - Lei Distrital nº 3.697, de 08/11/05 - Lei Orgânica do Distrito Federal - normas relativas sobre concurso público - competência privativa - Governador do Distrito Fe-deral - liminar - concessão - efeitos ex nunc e erga omnes.

1 Distrito Federal. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2005.00.2.011775-6.

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Compete privativamente ao governador do Distrito Federal a ini-ciativa do processo legislativo que tem por escopo a fixação de regras para a realização de concursos públicos no âmbito da administração direta e indireta do Distrito Federal, cabendo a Câmara Legislativa tão somente votá-lo até aprovação final. Sua não observância carac-teriza vício formal subjetivo, razão pela qual deve ser declarada in-constitucional.

Observe-se que, ao votar Projeto Substitutivo ao Projeto de Lei de autoria da governadora do DF, os parlamentares usufruíram de seu poder de emenda, constitucionalmente assegurado, todavia, esse poder de emendar, sofre limitação no próprio texto constitu-cional, quando da apreciação de leis cuja competência seja do chefe do Poder Executivo.

Essa restrição à atuação parlamentar ocorre, notadamente, quan-do da emenda do legislativo deflui aumento de despesas, nos mol-des do inc. I do art. 63 da Constituição2.

Entrementes, convém aduzir, também, que o poder de emenda dos parlamentares, na apreciação de leis de iniciativa privativa do governador, como no caso presente, não pode ocasionar modifica-ção de tal sorte substancial que altere de forma irrecuperável o pro-jeto original emanado do Poder Executivo. Lapidar, nesse ponto, a decisão do Supremo Tribunal Federal:

PROJETO - INICIATIVA - EMENDAS - MODIFICAÇÃO SUBSTANCIAL. Surge a relevância da matéria veiculada e o risco de manter-se com plena eficácia o ato normativo questionado quando encerre alteração substancial, mediante emenda parlamentar, de proje-to reservado a certa iniciativa. PROJETO - MINISTÉRIO PÚBLICOEMENDA. Mostra-se relevante pedido de suspensão de eficácia de diploma legal quando notada modificação substancial do projeto ini-cialmente encaminhado pelo Procurador-Geral de Justiça, a implicar, até mesmo, aumento de despesa3.

2 “Art. 63. Não será admitido aumento da despesa prevista: I - nos projetos de iniciativa exclusiva do Presidente da República, ressalvado o disposto no art. 166, § 3º e § 4º;[...]”3 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC nº 3946 / MG. Relator: Ministro Marco Aurélio. Tribunal Pleno. DJ 19 dez. 2007, p. 14.

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Por outro viés, agora doutrinário, o entendimento acerca da li-mitação ao poder de emenda do parlamentar, em casos como tais, continua sendo o mesmo, conforme se pode notar no magistério de Alexandre de Moraes:

[...] Os projetos de lei enviados pelo Presidente da República à Câmara dos Deputados, quando de sua iniciativa exclusiva, em regra, poderão ser alterados, por meio de emendas apresentadas pelos parla-mentares, no exercício constitucional da atividade legiferante, própria ao Poder Legislativo.

Há, entretanto, exceção ao texto constitucional [...] as emendas parlamentares devem guardar pertinência temática com o projeto de lei apresentado, e não pode, pois, haver a desnaturação da proposta original4.

Desse modo foi possível concluir que a CLDF, ao votar o Projeto Substitutivo, desfigurou por completo o projeto original do Poder Executivo. Fato evidente, inclusive, por ter acoplado ao texto legal normas semelhantes às contidas na anterior Lei nº 3.697/05, que já havia sido considerada inconstitucional, em sede de liminar, pelo TJDFT, sendo que alguns dispositivos eram cópia integral.

Dessa forma, apesar da louvável intenção do Poder Legislativo local em sistematizar importante matéria, principalmente no âmbito distrital, onde o funcionalismo público é vetor de crescimento eco-nômico, não foi possível afastar o vício formal subjetivo insa- nável, por ofensa ao art. 71, § 1º, inc. II, c/c art. 72, inc. I, ambos da Lei Or-gânica do DF5, à similaridade do assentado na Constituição federal.

4 MORAES, Alexandre de.Constituição do Brasil Interpretada. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 1148.5 “Art. 71. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Câmara Legislativa, ao Governador do Distrito Federal e, nos termos do art. 84, IV, ao Tribunal de Contas do Distrito Federal, assim como aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Lei Orgânica. § 1º Compete privativamente ao Governador do Distrito Federal a iniciativa das leis que disponham sobre: [...] II - servidores públicos do Distrito Federal, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; [...] Art. 72. Não será admitido aumento da despesa prevista: I - nos projetos de iniciativa exclusiva do Governador do Distrito Federal, ressalvado o disposto no art. 166, §§ 3º e 4º da Constituição Federal; [...]”

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Vale lembrar que o vício formal contamina todo o ato, ficando, em regra, como aduzido por Canotilho, afetado o texto legal em sua integralidade, pois o ato é considerado formalmente como uma unidade.

Esse entendimento esposado foi acolhido pelo Tribunal de Con-tas do Distrito Federal na Decisão nº 3754/2007, exarada no Pro-cesso TCDF nº 20392/20076, e pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, no âmbito da ADI nº 2007.00.2.010211-4, que declarou inconstitucional a Lei distrital nº 3.964/07.

6 “ [...] considerar, com esteio na prerrogativa conferida pela Súmula n° 347, do Supremo Tribunal Federal, que a Lei n° 3964, de 27/02/2007, não guarda conformidade com o disposto no art. 71, § 1°, inc. II, c/c o art. 72 da Lei Orgânica do Distrito Federal, tendo em vista que não foi respeitada a iniciativa privativa do Governador do Distrito Federal, no que concerne ao poder de emenda parlamentar, seguindo diversos pronunciamentos da Suprema Corte nesse sentido (RE 290.776, voto do Min. Ilmar Galvão, DJ 05/08/05 - ADI 2.118-MC, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 22/09/00 - ADI 2.113-MC, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 27/06/03 - ADI 2.170, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 09/09/05); II - alertar os órgãos e entidades integrantes do Complexo Administrativo do Distrito Federal que o Tribunal, com esteio na Súmula n° 347/STF, poderá negar validade aos atos praticados com base na Lei n° 3964/2007 [...]”

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termo iniciAl dA integrAlizAção do Art. 190 dA lei nº 8.112/90

Inácio Magalhães Filho Procurador do Ministério Público de Contas do Distrito Federal

Lei nº 8.112/90. Integralização dos proventos por superveniência de moléstia especificada no § 1º do art. 186. Expedição do laudo mé-dico como termo inicial. Possibilidade de retroação de efeitos.

Trata o presente artigo de analisar a vigência das revisões de proventos com base no artigo 190 da Lei nº 8.112, de 11 de dezem-bro de 1990.

1. Das considerações gerais

É corrente na jurisprudência dos tribunais de contas considerar como marco inicial da vigência das revisões desse jaez, a data de realização da perícia médica oficial, visto que há impossibilidade de apontar, de forma correta e precisa, em qual momento do passa-do deu-se o acometimento da doença1.

Entendimento outros procuram flexibilizar essa análise2, no sen-tido de que havendo provas robustas de acometimento da molés-tia em época anterior à data de emissão do laudo médico oficial, torna-se admissível a retroação dos efeitos, tendo em vista recente julgado do Superior Tribunal de Justiça - RESP 812799/SC - nessa direção.

1 Tribunal de Contas do Distrito Federal. Parecer nº 424/2002 da lavra da Procuradora Márcia Farias.2 Tribunal de Contas do Distrito Federal. Parecer nº 700/2006 da lavra do Procurador Demóstenes Tres Albuquerque.

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Nada obstante a divergência de entendimentos, convergem as teses ao concordar que a doença que incapacita o servidor não surge com a edição do laudo médico, uma vez que a confirmação da mo-léstia tem caráter eminentemente declarativo, apesar de ser eviden-te a dificuldade em se apontar, de forma precisa, o momento exato em que teve início a enfermidade.

Em caso concreto analisado no âmbito do Tribunal de Contas do Distrito Federal, a 4ª Inspetoria de Controle Externo3 registrou em instrução processual que, havendo elementos capazes de indicar, de forma inconteste, em que momento pretérito a doença já havia sido diagnosticada, com o correspondente apontamento pela junta médica oficial, não se vislumbrariam óbices à retroação dos efeitos da revisão. Tece, ainda, as seguintes considerações:

[...]23. Diante desse contexto, tem-se que se pode conferir um tra-

tamento mais elastecido na hipótese de a data do acometimento da moléstia ser expressamente indicada pela própria junta médica e ante à falta de norma disciplinando a matéria. Isso porque a junta médica é composta de profissionais dotados de capacitação técnica para fazer tal avaliação, mantendo contato direto com o paciente, contando com resultados de exames passados e fazendo novos exames médicos, ne-cessários para a mensuração da moléstia

24. Nesse sentido, considera-se razoável admitir a retroação dos efeitos da revisão em apreço àquela data expressamente indicada no laudo da junta médica oficial, desde que os autos contenham outros elementos comprobatórios, tais como laudos médicos emitidos por Instituições de Saúde e/ou por médicos particulares, resultados de exames clínicos acompanhados por diagnósticos de profissionais da medicina especializada, decisões judiciais de interdição de servidordecorrente de moléstia incapacitante, que possibilitem firmar convicção acerca do acometimento da moléstia em época anterior, obedecida, a toda evidência, quanto aos efeitos financeiros, a prescrição qüinqüenal.

25. No caso concreto, uma vez ausentes tais elementos ou havendo início de prova material, deve ser avaliada a necessidade de serem

3 Tribunal de Contas do Distrito Federal. Processo nº 40.482/07.

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os autos baixados em diligência, a fim de que a junta médica oficial exponha os motivos justificadores da retroação da moléstia, sem em-bargo de anexar prova documental complementar. Nesse sentido as Decisões nos 6819/07, 5540/07 e 6924/07, adotadas nos Processos nos 5009/95, 1625/00 e 23486/06.

[...]26. O fato é que a expressão contida no Manual de Aposentadoria

e Pensão Civil de que a vigência dos efeitos financeiros retroage à data da expedição do laudo médico abrange não apenas as doenças contemporâneas ao exame médico, como ocorre mais freqüentemente, mas também as doenças preexistentes assim reconhecidas expressa-mente pelo laudo com base em exames médicos anteriores e/ou nas suas próprias constatações, caso em que, excepcionalmente, e tendo em vista a dicção e o espírito do artigo 190 da Lei nº 8112/90 (que se reporta ao simples acometimento da moléstia), a data de expedição do laudo poderia ser entendida como a data em que o laudo deveria ter sido expedido ou simplesmente a data indicada pelo laudo em que a moléstia teve início, já que o direito à revisão nasce, na verdade, no momento do acometimento da moléstia e não exatamente no momen-to do seu posterior reconhecimento por junta médica.

[...]29. Assim sendo, à luz desses precedentes e do princípio da segu-

rança jurídica que deve reger as relações entre a Administração e os administrados e, diante da dificuldade de apontar de forma correta e precisa em qual momento do passado se deu o acometimento da do-ença, tem-se que deve ser mantida, como regra geral, o entendimento fixado na alínea “b” do item 7.2.3. do Título II, Capítulo 7, do Manual de Aposentadoria e Pensão Civil, que vem norteando as decisões pro-latadas em diversos feitos da espécie, acolhendo-se, como hipóteses excepcionais, as situações descritas no parágrafos antecedentes.

30. Respeitante aos valores recebidos pelos servidores em face dos efeitos retroativos dados à revisão prevista no artigo 190 da Lei nº 8.112/90, ressalte-se que, tendo em conta as controvérsias suscitadas acerca da matéria, envolvendo a interpretação e o alcance desse dis-positivo legal, a teor do disposto no Enunciado nº 79 das Súmulas de Jurisprudência deste Tribunal, é dispensável o ressarcimento ao erário dos valores pagos a maior, a esse título, quando expressamente fixada data pretérita à expedição do laudo médico fora das hipóteses supra indicadas, limitada a dispensa à data em que foi conhecida a mudança de entendimento.

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A discussão dessa matéria apresenta um grau elevado de com-plexidade, mormente por envolver situações que fogem à órbita pu-ramente processual ou jurídica, porquanto adentra na seara médica. Crê-se, assim, que, para melhor compreensão e elucidação do tema, mister se faz esmiuçá-lo.

2. Da natureza jurídica do laudo médico

Em primeiro plano, cumpre definir se o laudo médico tem cará-ter declarativo ou constitutivo. Essa definição mostra-se importan-te, uma vez que dela pode defluir efeitos divergentes.

A natureza declaratória de um ato administrativo revela-se, como sinaliza o nomen juris, quando há declaração de existência ou inexistência de determinada relação jurídica, ou, simplesmen-te, quando se presta a comprovar mero fato. Importa notar que a relação jurídica ou o fato declarado devem ser concretos, efetivos, mesmo que pretéritos, mas capazes de gerarem efeitos no presente e no futuro, sob pena de se tornarem inócuos.

A seu turno, o ato constitutivo é concebido quando se cria, mo-difica ou extingue uma relação jurídica. Nesse caso, não se mos-tra presente apenas a declaração de uma situação anterior, mas, sim, está-se diante de um efeito modificador de situação pretérita. Como ensina Barbosa Moreira, a respeito da natureza constitutiva da sentença:

Parece escusado insistir em que o efeito (situação nova) não pode estar incluído no conteúdo da sentença. Trata-se de algo que a ela se segue, que dela resulta, e que, portanto, necessariamente, fora dela se situa. O que a sentença contém é o ato de modificar a situação anterior4.

4 Texto disponível em http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo10.htm, de autoria de Hermes Zaneti Junior, acesso em 05/05/2008.

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O laudo de junta médica oficial não se presta a criar ou modificar qualquer relação ou fato jurídicos. Não há um efeito modificador de situação anterior. Ao contrário, o documento médico declara ou comprova o fato de que o servidor é portador de moléstia que o in-capacita do labor diário, seja ela especificada ou não em lei.

Veja-se que a doença que acomete o servidor não é criada ou modificada pelo laudo médico, mas apenas reconhecida por meio dele. Daí poder-se afirmar que o laudo médico tem natureza mera-mente declarativa. Disso advém que não necessariamente os efeitos devam decorrer a partir do laudo médico, porquanto sua eficácia é apenas declaratória. Ora, se assim de fato é, não há entraves visí-veis a que o laudo médico aponte data anterior à sua emissão como sendo a de início da moléstia.

Em termos legislativos, cumpre registrar que, para fins de isen-ção, o regulamento do imposto de renda5 já prevê a possibilidade de retroação do laudo médico:

Art. 39. Não entrarão no cômputo do rendimento bruto:[...]Proventos de Aposentadoria por Doença GraveXXXIII - os proventos de aposentadoria ou reforma, desde que

motivadas por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, escle-rose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia ir-reversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avança-dos de doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por ra-diação, síndrome de imunodeficiência adquirida, e fibrose cística (mucoviscidose), com base em conclusão da medicina especiali-zada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposen-tadoria ou reforma (Lei nº 7.713, de 1988, art. 6º, inciso XIV, Lei nº 8.541, de 1992, art. 47, e Lei nº 9.250, de 1995, art. 30, § 2º);

[...]

5 BRASIL. Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999.

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§ 5º As isenções a que se referem os incisos XXXI e XXXIII aplicam-se aos rendimentos recebidos a partir:

I - do mês da concessão da aposentadoria, reforma ou pensão;II - do mês da emissão do laudo ou parecer que reconhecer a mo-

léstia, se esta for contraída após a aposentadoria, reforma ou pensão;III - da data em que a doença foi contraída, quando identificada no

laudo pericial.

3. Do conteúdo probatório do laudo médico

O problema então passa a ser conhecer precisamente a data em que o servidor foi acometido pela doença que o vitima. Nesse pon-to, acredita-se que deva haver conexão entre as ciências jurídica e médica. É de todo importante, no campo jurídico, acercar-se de ele-mentos que garantam ao aplicador do direito a certeza processual de que a data indicada em que deve operar efeitos o laudo médico é factível, ainda que pretérita ao ato da junta médica oficial. Esses elementos, como salientado pela Inspetoria, afiguram-se como lau-dos médicos emitidos por instituições de saúde ou médicos particu-lares, exames clínicos, diagnósticos de profissionais especializados, decisões judiciais, ou outros suficientemente aptos a tal fim.

Veja-se que a análise jurídica não deve ter o condão de especificar a data em que deve gerar efeitos o laudo médico, mas apenas con-frontar o indicado pela área médica com os elementos constantes de cada caso concreto. Ao profissional da saúde caberá precipuamente, informar, por meio do laudo médico, a data em que o servidor se viu acometido de enfermidade. Quanto a essa função, não cabe interfe-rência jurídica, por absoluta falta de conhecimento científico.

Casos há em que os elementos probantes do início da doença são tipificados no próprio laudo médico. Sim, porque se a junta espe-cializada assevera que o servidor foi avaliado em data pretérita e já apresentava os sintomas da enfermidade, não há porque demandar por outros elementos de prova.

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Ad argumentandum, suponha-se a seguinte situação fictícia: um servidor foi avaliado por Junta Médica em 12/03/02, quando foi constatado se tratava de portador de patologia de CID: F 32.9, conseqüentemente incapacitado laborativamente. Permaneceu de licença médica para observação da evolução da doença, conforme faculta o artigo 188 da Lei nº 8112/90.

Em 15/05/04 foi considerada definitivamente inválida.Portanto, como não houve retorno ao trabalho, no período de

12/03/02 a 15/05/04, a incapacidade laborativa inicialmente ocor-reu a partir de 12/03/02.

Nesse caso acima apresentado, a verossimilhança está presen-te no próprio laudo médico, de forma inconteste, não demandan-do por quaisquer outros elementos. Dada a natureza declaratória do documento da junta médica, descabe considerar outros ele-mentos, porquanto a certeza processual/jurídica está plenamente satisfeita.

Evidentemente, contudo, a possibilidade de retroação dos efei-tos do laudo médico deve ser vista como exceção. Afinal, geral-mente é a partir do exame efetuado pela junta médica oficial que se caracteriza a existência da moléstia que incapacita o servidor. Daí prosperar o entendimento da Unidade Técnica de que a data de emissão do laudo deve-se manter como parâmetro, admitindo-se, todavia, a retroação dos efeitos, quando presentes os casos já salientados alhures.

4. Da distinção entre revisão dos proventos e aposentadoria

Convém diferenciar os efeitos na aposentadoria por invalidez e na revisão de proventos, devido à superveniência de moléstia especificada em lei, nos termos do art. 190 da Lei nº 8.112/90. A

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propósito da revisão, tem-se que o servidor já goza de situação de aposentado, vindo, posteriormente, a ser importunado por doença.

Aqui não há falar-se em quaisquer outros requisitos para a ob-tenção do direito à revisão, senão a comprovação da enfermidade. Noutras palavras, havendo laudo médico declarando a moléstia, o servidor passa a ter direito automaticamente à revisão de proventos, seja ela com proventos integrais (no caso de doença especificada em lei) ou proporcionais.

No caso da concessão inicial de aposentadoria, entrementes, a situação cambia. Em realidade, o servidor para aposentar-se por in-validez deve ser acometido da doença, especificada em lei ou não, e, também, em decorrência dessa enfermidade, estar impossibilita-do do labor diário. Nesse caso, a junta médica, por meio de laudo pericial, declara a doença que vitima o servidor ao mesmo tempo em que atesta sua incapacidade laborativa.

Quando a inativação se dá posteriormente à emissão do laudo médico, não há maiores problemas. Entrementes, quando a conces-são é retroativa, possibilidade aqui já defendida, há necessidade de averiguar outras variáveis. Por logicidade, acredita-se que o servi-dor que for aposentado em decorrência de laudo médico retroativo, deve estar gozando de licença para tratamento da saúde quando da data indicada no laudo como de início da moléstia. Afinal, se houve trabalho, não houve incapacidade laborativa. Lembre-se que a concessão de aposentadoria por invalidez requer a junção de dois requisitos básicos indissociáveis: a contração da enfermidade, ates-tada por laudo médico, e a decorrente incapacidade laborativa.

5. Da licença para tratamento da saúde

A propósito da licença para tratamento de saúde, deve-se obser-var o disposto no artigo 188 da Lei nº 8.112/90:

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Art. 188. A aposentadoria voluntária ou por invalidez vigorará a partir da data da publicação do respectivo ato.

§1º A aposentadoria por invalidez será precedida de licença para tratamento de saúde, por período não excedente a 24 (vinte e quatro) meses.

§2º Expirado o período de licença e não estando em condições de reassumir o cargo ou de ser readaptado, o servidor será aposentado.

§3º O lapso de tempo compreendido entre o término da licença e a publicação do ato da aposentadoria será considerado como de pror-rogação da licença.

Cumpre observar que a dicção do citado normativo coaduna-se com a posição defendida por esse Parquet. De fato, a inativação só ocorre com a publicação do ato concessório. Todavia, nada im-pede que seus efeitos retroajam no tempo. Dessa forma, estando o servidor de licença médica, porque ainda não definitiva sua inca-pacidade, mister se faz que o afastamento não perdure por mais de vinte e quatro meses, a teor do que dispõe o § 1º do artigo acima registrado. Como o próprio normativo indica, expirado o prazo máximo de licença, o servidor que estiver ainda incapacitado de-verá ser aposentado.

O aplicador do direito ainda pode-se deparar com casos con-cretos em que haja interrupção da licença para tratamento de saú-de. Nesse caso, a melhor exegese manda que seja observada a si-tuação do servidor quando da emissão do laudo médico, uma vez que os períodos em que houve trabalho por parte do servidor não devem ser considerados como incapacidade laborativa. Importan-te verificar, quanto a esse aspecto, o disposto no artigo 82 da Lei nº 8.112/90: ‘‘Art.82. A licença concedida dentro de 60 (sessen-ta) dias do término de outra da mesma espécie será considerada como prorrogação’’.

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6. Do preceito tempus regit actum e do direito adquirido

Quando se considera a possibilidade de retroação dos efeitos do laudo médico para aposentadorias, outra questão deve ser analisa-da. O que fazer com o período posterior à data em que começam os efeitos da inativação, uma vez que o servidor estava em efetivo exercício, ainda que de licença médica?

A hipótese passa por uma análise do direito adquirido, instituto sempre pronto a colocar ao interprete enormes barreiras. Na visão desse Órgão Ministerial, o servidor tem direito adquirido à moda-lidade de aposentadoria vigente à época da data retroativa disposta no laudo médico – tempus regit actum.

Isso implica dizer que o servidor terá direito à aposentadoria se cumpridas as exigências de aposentação vigentes à época em que retrotrair a concessão. Trata-se da aplicação da teoria de Gabba, a qual concebe como adquirido todo direito que seja conseqüência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo em que esse fato foi realizado, embora a ocasião de o fazer valer não se tenha apresentado antes do surgimento de uma lei nova sobre o mesmo. O jurista pátrio Celso Bastos6 perfilha o seguinte entendi-mento acerca do tema do direito adquirido:

[...] consiste na faculdade de continuar a extraírem-se efeitos de um ato contrário aos previstos pela lei atualmente em vigor, ou, se preferirmos, continuar-se a gozar dos efeitos de uma lei pretérita mesmo depois de ter ela sido revogada. Portanto, o direito adquirido envolve sempre um dimensão prospectiva, vale dizer, voltada para o futuro. Se se trata de ato já praticado no passado, tendo aí produzido todos os seus efeitos, é ato na verdade consumado, que não coloca nenhum problema de direito adquirido.

6 BASTOS, Celso. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo : Saraiva, 1989, v.2, p.193.

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O fato de haver direito adquirido à aposentadoria nos termos da le-gislação vigente à época da retroação do laudo médico, não significa, contudo, que o período posterior àquela data seja totalmente desapro-veitado. Em verdade, o tempo posterior, da mesma forma que o direito adquirido à inativação nos termos da legislação pretérita, incorporou-se ao patrimônio jurídico do servidor e dele não pode ser retirado. O que não se pode, por lógica, é confrontar as duas situações.

Assim, a título de exemplo, um servidor pode-se aposentar em 2005, com as regras vigentes em 2002. O período que medeia asduas datas, contudo, pode ser computado para fins de outros direi-tos cujos requisitos sejam apenas o tempo de serviço, tais como o adicional por tempo de serviço e as progressões na carreira.

Importante frisar que esse entendimento foi acolhido in totum pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal mediante Decisão nº 3582/2008, exarada no Processo nº 40.482/07.

7. Das conclusões

Desse modo, é possível concluir que:a) o marco inicial da vigência da revisão de proventos prevista

no artigo 190 da Lei n° 8.112/90 corresponde à data de realização da perícia médica oficial que comprove o acometimento do interes-sado por doença especificada em lei - data de expedição do laudo médico, considerando a impossibilidade de apontar de forma cor-reta e precisa em qual momento do passado se deu o acometimento da doença;

b) é admissível a retroação dos efeitos na hipótese de o próprio laudo médico, de forma inconteste, indicar a data em que houve acometimento da moléstia;

b.1) caso o laudo médico não seja suficiente para a certeza jurí-dico/processual da data de acometimento da moléstia, admitir-se-á

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a retroação dos efeitos se os autos contiverem outros elementos comprobatórios que possibilitem firmar convicção acerca do aco-metimento da moléstia em data anterior, obedecida, quanto aos efeitos financeiros, a prescrição qüinqüenal, podendo, no caso con-creto, ser avaliada a necessidade de serem anexada prova docu-mental complementar (laudos médicos emitidos por Instituições de Saúde e/ou por médicos particulares, resultados de exames clínicos acompanhados por diagnósticos de profissionais da medicina espe-cializada, decisões judiciais de interdição de servidor decorrente de moléstia incapacitante etc);

c) tendo em conta as controvérsias suscitadas quanto aos efeitos retroativos da revisão de proventos prevista no artigo 190 da Lei nº 8.112/90, envolvendo a interpretação e o alcance desse dispositivo legal, é dispensável o ressarcimento ao erário dos valores pagos a maior, a esse título, quando expressamente fixada data pretérita à expedição do laudo médico fora das hipóteses supra-indicadas.

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estAdo federAl e poder municipAl

André Carlos da Silva Analista de Finanças e Controle Externo do TCDF

1. Introdução. 2. O Município nas Constituições Brasileiras. 2.1. Constituição Federal de 1891. 2.2. Constituição Federal de 1934. 2.3. Constituição Federal de 1937. 2.4. Constituição Federal de 1946. 2.5. Constituição Federal de 1967. 2.6. Constituição Federal de 1988. 3. O Federalismo Municipal Assimétrico. 3.1. Primeiro Aspecto: inten-sa criação de municípios. 3.2. Segundo Aspecto: aumento de receitas postas à disposição dos municípios. 4. A Distribuição do Poder. 5. O Município como Ente Federativo. 6. Conclusão. Bibliografia Utiliza-da. Bibliografia Consultada.

1. Introdução

O tema do presente artigo é o federalismo brasileiro. Em espe-cial, a presença do Município compondo esse sistema federativo.

Diferentemente de muitas federações, a brasileira, assim como a belga, é um sistema de três níveis: União, Estados e Municípios. Se, contudo, considerar-se o Distrito Federal, o Estado Federal bra-sileiro alcança a composição de quatro níveis. No Brasil, os mu-nicípios foram incorporados, juntamente com os estados, como partes integrantes da federação, refletindo uma longa tradição de autonomia municipal e de escasso controle dos estados sobre as questões locais.

Assim, a Constituição Federal de 1988 gerou um novo ordena-mento federativo. Os constituintes não só estabeleceram as bases do Estado democrático como também instituíram um novo “pacto federativo”. Em quase todas as constituições (exceto na carta de 1937), os municípios foram definidos como organizações políticas autônomas. Contudo, somente a Constituição de 88 atribuiu uma

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considerável autonomia aos municípios, conferindo-lhes o status de ente federativo.

Para desincumbir-se desse objetivo, o texto está estruturado em qua-tro capítulos principais. O primeiro – O município nas constituições brasileiras– se ocupa em registrar, de forma panorâmica, o desenvol-vimento do Município no contexto da estrutura do Estado brasileiro, desde a inauguração do nosso Estado federal até o presente momento, com a promulgação da Constituição Federal de 1988. O segundo – O federalismo municipal assimétrico– procura demonstrar que a tentativa federal de uniformização, por meio do Fundo de Participação dos Mu-nicípios, trouxe mais assimetria do que simetria no contexto municipal. O terceiro – A distribuição do poder – dedica-se ao tema da distribuição de competência para o município, na forma estabelecida na Constitui-ção Federal. O último –O município como ente federativo – enfrenta o tema, ainda controvertido no ambiente doutrinário brasileiro, a respeito de ser ou não o município participante do sistema federal nacional.

Conta ainda o trabalho com esta introdução e uma conclusão com considerações pessoais sobre o tema em foco.

2. O município nas constituições brasileiras

O Município, na condição de unidade político-administrativa, já ocupava um lugar de destaque no processo de expansão do Império Romano, por ocasião da República. Se, de um lado, os vencidos fi-cavam sujeitos às leis romanas; de outro, eram-lhes concedidas al-gumas prerrogativas, tais como: alguns direitos privados e o direito de eleger seus governantes para dirigir a própria cidade. As cidades que alcançavam essa posição no Império Romano eram consideradas Municípios1. Por isso, embora se reconheça, em tempos mais remo-

1 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, 14 ed. atual. por Márcio Sch-neider Reis e Edgard Neves da Silva. São Paulo : Malheiros, 2006, p. 33

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tos, a existência de agrupamentos humanos, famílias, aldeias e tri-bos, o título de Município somente veio a ser concedido a algumas cidades dominadas pelos exércitos de Roma2.

No apagar das luzes do século XV, quando se descobriu o Brasil, os portugueses trouxeram a instituição municipal para o Brasil-Co-lônia. Em 22 de janeiro de 1532, é fundado, por Martim Afonso, o primeiro Município brasileiro: São Vicente. Daí se dizer que, entre nós, o Município nasceu antes do Estado e que, portanto, é a base e fundamento de nossa nação3.

Desde a sua origem, o Município surge sob o signo da constitui-ção do poder local, com a vocação para atender as demandas das comunidades que lhe são próximas. É, pois, o locus mais próximo entre o aparelho estatal e o cidadão. Portanto, lugar onde as deman-das sociais chegam com menos intermediários ao conhecimento do Poder Público. Sob essa perspectiva, o Município se apresenta como um lugar onde reside a força dos povos livres4. As pessoas não se inserem imediatamente no Estafo Federal. Antes, se ordenam nas comunidades a que pertencem, sendo uma delas o Município. Nesse contexto, o Município é uma comunidade natural, necessária e so-ciológica, e não uma realidade puramente jurídica. Por isso, o papel do Estado é de reconhecer e de admitir e não de criar, visto que, na ordem do ser e do tempo, o Município precede o próprio Estado5.

A trajetória do Município nas Constituições brasileiras, a par-tir da instalação, entre nós, do Estado Federal, conforme se verá adiante, é marcada por quatro pontos principais, a saber: a) um sig-

2 CASTRO, José Nilo de. Direito Municipal Positivo, 6. ed. rev. e atual. Belo Horizonte : Del Rey.2006, p. 6.3 CASTRO, José Nilo de. Op. cit. p. 11 e 12.4 TOCQUEVILLE, Aléxis de. A democracia na América, Livro 1, trad. Eduardo Brandão. São Paulo : Martins Fontes, 2005, p. 75-80.5 HERRERA, Oscar Rebolledo. El marco jurídico del município en un contexto federalizado, Biblioteca Jurídica Virtual. Instituto de Investigaciones Jurídicas. El município em México y en el mundo: Primer Congreso Internacional de Derecho Municipal, 2005, p. 380 e 381.

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nificativo aumento da relevância do Município no Estado Federal brasileiro; b) um incontestável aumento numérico do Município no Estado Federal brasileiro; c) um aumento quantitativo e qua-litativo das competências do Município, bem como um progres-sivo processo de autonomia até culminar como ente que compõe a federação; e d) a oscilação do pêndulo de estadualização para federalização do Município.

2.1 – Constituição Federal de 1891

A Constituição de 1891 inaugurou o sistema federal brasileiro. A federação foi criada a partir das 20 (vinte) províncias herdadas do sistema unitário, contando hoje com 27 Estados, o Distrito Federal e mais de 5.6006 municípios.

O art. 2.º da Constituição Federal de 1891 dispunha que “Cada uma das antigas províncias formará um Estado, e o antigo município neu-tro constituirá o Distrito Federal, continuando a ser a capital da União, enquanto não se der execução ao disposto no artigo seguinte.” Por sua vez, o art. 68 do mesmo texto Constitucional estabelecia que “Os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos municípios, em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse.”

Firmados nesses comandos constitucionais, os Estados esgota-ram, na amplitude de sua autonomia, a organização municipal, sub-

6 Essa, contudo, não é uma quantidade exagerada de Municípios. Conforme informação de José Nilo de Casto, in Direito Municipal Positivo, 6. ed. rev. e atual.Belo Horizonte : Del Rey, 2006, p. 10, “Em 1.º de janeiro de 1995, a França tinha 36.627 Municípios; Espanha, 8.082 e Itália, 8.074 Municípios (Cf. Les collectinités de l’Union européenne, p. 16-18). Este número continua o mesmo, na atualidade.” No mesmo sentido, Raul Machado Horta, in Direito constitucional, 2. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte : Del Rey, 1999, p. 626, citando William Vermon Holloway, informa que “a pluralidade organizatória da es-trutura local norte-americana, por exemplo, que abrange na sua diversificação Condados, Cidades, Municipalidades, Distritos Escolares, Distritos Especiais. Essas chamadas en-tidades de governo local, atingem a impressionante cifra de 155.067 unidades dentro da Federação norte-americana.”

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metendo o governo local aos rigores do controle hierárquico. Os Estados fundaram suas ações organizativas concentrados no verbo “organizar-se-ão” e deixaram de observar o conteúdo da expressão, também constitucional, “assegurada a autonomia dos municípios”. Assim, teve lugar a chamada “organização vertical do Município.”

Desde a inauguração do Estado Federal no Brasil, suscitou-se a dúvida a respeito da possibilidade da existência de uma organiza-ção diferenciada entre os entes da federação7. Paraíba e Minas Ge-rais tentaram organizar-se por meio de distritos especiais e cantões, respectivamente, o que não veio a efetivar-se8.

Conquanto trate-se de casos isolados, o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, no entanto, obtiveram êxito na criação da chamada “comunidade jurídica descentralizada”, um ordenamento jurídico parcial, responsável pela expedição de normas dotadas de validade na circunscrição local.

As controvérsias hermenêuticas em torno do art. 68 da Cons-tituição Federal de 1891, as tentativas de organização municipal diferenciada e as experiências de descentralização por parte do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina criaram o ambiente propício para se iniciar um processo de questionamentos nos ambientes político, doutrinário e, também, no Supremo Tribunal Federal. O objetivoera desvendar se a autonomia municipal seria ou não um princípio constitucional da União.

Venceu a corrente que defendia que a autonomia municipal era um princípio constitucional da União. A materialização desse pen-samento aparece na reforma constitucional de 1926, que incluiu a

7 CORRALO, Giovani da Silva. Município: autonomia na federação brasileira,Juruá, PR, 2006, p. 75, apud MONTORO, Eugênio Franco. O município na constituição brasile-ira. São Paulo : Universidade Católica, 1945, p. 37. 8 CORRALO, Giovani da Silva. Op. cit., p. 75, apud Orlando CARVALHO, apud MON-TORO, Eugênio Franco, op. cit. p. 38.

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autonomia municipal entre os princípios constitucionais da União (art. 6.º, II, alínea “f”), cuja eficácia ficaria assegurada pelo meca-nismo drástico da intervenção federal da União no Estado.

A emenda Constitucional, de 3 de setembro de 1926, alterou vários dispositivos. Em relação aos Municípios, merece destaque a alteração efetivada no art. 6.º, cujo inciso II, alínea “f”, dispõe o seguinte:

Art. 6.º O Governo federal não poderá intervir em negócios pecu-liares aos Estados, salvo:

(...)II – para assegurar a integridade nacional e o respeito aos seguintes

princípios constitucionais:(...)f) a autonomia dos municípios.

A intervenção federal no Estado, para proteger a autonomia mu-nicipal, deslocava para o domínio dos órgãos da União a tarefa de interpretar a autonomia municipal pelo preenchimento federal do campo indefinido da norma constitucional. Assim, a autonomia lo-cal passaria a comportar interpretação federal e não mais a inter-pretação que lhe desse o Estado-Membro no exercício do poder de organização do Município.

Nesse contexto, a qualificação da autonomia municipal como princípio constitucional da União representa uma limitação à ple-nitude da autonomia do Estado-Membro e traduzia claro rompi-mento com a concepção ortodoxa do federalismo republicano de 1891. De qualquer modo, o pêndulo deslocou-se do Estado-Mem-bro para a União. Mas, o princípio da centralização organizativa permaneceu ainda mais forte, visto que, após a reforma constitu-cional de 1926, a União mesma voltava os seus tentáculos para o Município.

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2.2 – Constituição Federal de 1934

Sob o ponto de vista do processo de emancipação do Municí-pio da tutela organizatória do Estado-Membro, a Constituição de 1934 representou um significativo avanço. O texto dessa Cons-tituição espelha a convicção de que não bastaria ao Município a autonomia política, vinculada a escolha eletiva dos represen-tantes locais, conforme preceituava a Constituição de 1891, mas se impunha acrescentar-lhe a autonomia financeira, as receitas próprias, de modo a alargar a substância da autonomia. Nesse contexto, assim estabelece o § 2.º do art. 8.º da Constituição de 1934: “Art. 8.º, § 2.º. O imposto de indústrias e profissões será lançado pelo Estado e arrecadado por este e pelo Município em partes iguais.”

Ainda o parágrafo único do art. 10, assim dispunha:Art. 10, parágrafo único. A arrecadação dos impostos a que se refe-

re o n. VII será feita pelos Estados, que entregarão, dentro do primeiro trimestre do exercício seguinte, trinta por cento à União, e vinte por cento aos Municípios de onde tenham provindo. Se o Estado faltar ao pagamento das quotas devidas à União ou aos Municípios, o lan-çamento e a arrecadação passarão a ser feitos pelo Governo Federal, que atribuirá, nesse caso, trinta por cento ao Estado e vinte por cento aos Municípios.

Manteve, ainda, essa Carta Política a proteção do Município a cargo da União, por meio da possibilidade de uso da cláusula de intervenção nos negócios do Estado nos casos de preservação do princípio da autonomia municipal (art. 12, inciso V, c/c o art. 7.º, inciso I, alínea “d”).

Nesse contexto, a inovação da Constituição de 1934 alcança um tríplice conteúdo: autonomia política, autonomia financeiro-tribu-tária e autonomia administrativa.

Em termos de vedação (arts. 17 e 19), o Município é equiparado à União, aos Estados e ao Distrito Federal.

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O art. 13 demarca o conteúdo material da autonomia do Município.Art. 13. Os Municípios serão organizados de forma que lhes fique

assegurada a autonomia em tudo quanto respeite ao seu peculiar inte-resse, e especialmente:

I – a eletividade do Prefeito e dos Vereadores da Câmara Munici-pal, podendo aquele ser eleito por esta;

II – a decretação dos seus impostos e taxas, e a arrecadação e apli-cação das suas rendas;

III – a organização dos serviços de sua competência. § 1.º. O Prefeito poderá ser de nomeação do governo do Estado no

município da Capital e nas estâncias hidrominerais.§ 2.º Além daqueles de que participam, ex vi dos artigos 8.º, § 2.º

e 10, parágrafo único, e dos que lhes forem transferidos pelo Estado pertencem aos Municípios:

I – o imposto de licenças;II – os impostos predial e territorial urbanos, cobrado o primeiro

sob a forma de décima ou de cédula de renda;III – o imposto sobre diversões públicas;IV – o imposto cedular sobre a renda de imóveis rurais;V – as taxas sobre serviços municipais.

Há mesmo quem defenda, com certo grau de acerto, que a Constituição de 1934 foi a que mais desceu a minúcias com o objetivo de preservar o princípio da autonomia municipal9. Ape-sar disso, deve ser notado que alguns passos em relação à demo-cracia representativa precisavam ser dados para a consagração do princípio da autonomia municipal. Isto porque, conforme se constata do dispositivo constitucional acima transcrito, a escolha do Prefeito poderia estar a cargo da Câmara Municipal. De qual-quer modo, os avanços entabulados pela Constituição de 1934 no tocante à autonomia municipal não passaram pelo crivo do processo de amadurecimento, dada a curta vigência desse texto constitucional.

9 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, 14. ed. atual. por Márcio Sch-neider Reis e Edgard Neves da Silva. São Paulo : Malheiros Editores, 2006, p. 40.

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2.3 – Constituição Federal de 1937

A Constituição de 1937 inaugura um novo regime político, o chamado Estado Novo. No campo municipal, a autonomia políti-ca restou enfraquecida, visto que o Prefeito passou a ser de livre nomeação do Governador (art. 27). O Presidente da República dispunha, solitariamente, do poder de intervir nos Estados para restabelecer a ordem e para administrá-lo. Com isso, teve lugar o regime de intervenção, que alcançou Estados e Municípios.

Assim, embora a Constituição de 1937 tenha mantido no texto a federação e o status do Município (arts. 25-30, 35), na condição de ente autônomo, foi uma manutenção apenas nominal. Na prática, sob o pálio do regime constitucional de 1937, o Brasil se transfor-mou em um Estado unitário. O retrocesso alcançou profundidade tal que os municípios se tornaram menos autônomos nesse período do que no período do centralismo imperial10.

2.4 – Constituição Federal de 1946

Com a deposição do regime ditatorial brasileiro, ressurgiram asesperanças do ideal democrático. No que toca às municipalidades, a Constituição de 1946 deu nova vida ao Município, devolvendo-lhe as prerrogativas constitucionais da Constituição de 1934 (arts. 15, 20, 21, 22, 23, 28, 29, 30, 31, 32 e 33). Isso, contudo, nãofoi suficiente para afastar as influências do regime político anterior nessa matéria. Por várias vezes, o Supremo Tribunal Federal teve de exercer a defesa da autonomia municipal, tendo como fundamento o novo texto constitucional. A título de exemplo, serão apresentadas adiante três representações examinadas pela Suprema Corte.

10 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit. p. 41.

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A Constituição do Estado do Ceará, em seus artigos 34 e 104, autorizava a suspensão da execução de leis, posturas e atos da administração municipal e conferia à Assembléia Legislativa a competência para anular leis, resoluções e atos municipais, nos casos que indicava. Contra esses dispositivos, o Procurador Geral da República aviou a Representação n.º 295 junto ao Supremo Tribunal Federal.

No exame a que procedeu, sob a relatoria do Ministro Cândido Motta Filho, o Supremo Tribunal Federal veio a declarar a incons-titucionalidade desses dois dispositivos da Constituição cearense. Em seu voto, o eminente Ministro deixou assentado que o Municí-pio dirige tudo que é do seu peculiar interesse, de sua administra-ção, independente de qualquer intromissão tutelar. No que toca à anulação de atos normativos, somente ao Poder Judiciário compete apreciar a constitucionalidade de leis ou atos do Poder Público, por-que a presunção de constitucionalidade é um princípio necessário à estabilidade do Estado de direito11.

No mesmo sentido, o art. 104 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro admitia a anulação de deliberações e de atos das Câmaras Municipais pela Assembléia Legislativa. Contra os ter-mos desse dispositivo, o Procurador Geral da República ingressou com a Representação n.º 314 perante o Supremo Tribunal Fede-ral, susten-tando que essa norma de hierarquia superior estadual afrontava o princípio da autonomia municipal inserto na Consti-tuição Federal

Mais uma vez, o Supremo Tribunal Federal, em processo rela-tado pelo Ministro Lafayette de Andrada, acolheu os fundamentos expendidos pelo Procurador Geral da República e considerou incons-

11 www.stf.gov.br. Representação nº 295. Relator: Ministro Cândido Mota Filho. Julga-mento: 02.09.57. DJ 17.10.57. Tribunal Pleno.

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titucional o art. 104 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, re-conhecendo, assim, a extensão do princípio da autonomia municipal consagrado na Constituição Federal de 194612.

Por fim, o último exemplo refere-se ao art. 91 da Constituição do Estado de Minas Gerais. Referido dispositivo previa o recurso, com efeito suspensivo, para o Tribunal de Contas ou para a Assembléia Legislativa, de decisão da Câmara Municipal que impusesse a per-da do cargo do Prefeito.

O Procurador Geral da República protocolou no Supremo Tribu-nal Federal a Representação n.º 350, que foi relatada pelo Ministro Henrique D’Avila. No fundamento de seu voto, acolhido pelo Ple-nário, o Relator faz referência aos julgados semelhantes referentes às Constituições dos Estados do Rio de Janeiro e do Ceará para concluir no sentido de que os dispositivos questionados represen-tam exorbitância insuportável13.

Nos três casos acima referidos, o fundamento comum da incons-titucionalidade assentou-se na defesa da autonomia municipal, in-compatível com a tutela hierárquica de órgãos estaduais.

2.5 – Constituição Federal de 1967

A Constituição de 1967 manteve muitas regras consagradas no texto da Constituição de 1946. Contudo, apresentou inovações: criou a competência do Município na Constituição Federal (arts.

13-16, 19 e 25). No entanto, preservou, em parte, o princípio da ocu-pação do cargo de Prefeito vigente por ocasião da Constituição de 1937, na medida em que os Prefeitos das Capitais, das Estâncias Hidromine-

12 www.stf.gov.br. Representação n.º 314. Relator: Ministro Lafayette de Andrada. Julga-mento: 23.09.57. DJ 27.01.58. Tribunal Pleno.13 www.stf.gov.br. Representação n.º 350. Relator: Ministro Henrique D’Avila. Julgamen-to: 13.08.58. DJ 26.01.59. Tribunal Pleno.

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rais e dos Municípios declarados de interesse da Segurança Nacional por lei de iniciativa do Poder Executivo eram nomeados pelo Governa-dor com prévia aprovação da Assembléia Legislativa ou do Presidente da República, conforme o caso (art. 15, § 1.º, alíneas “a” e “b”).

Além disso, deu início ao movimento de alargamento da matéria de interesse municipal, o que influenciou negativamente na auto-nomia constitucional do Estado-Membro. Nesse contexto, retira da Constituição e das leis estaduais, para entregar à lei complementar federal, a competência para: a) estabelecer os requisitos mínimos de população, renda pública e a forma de consulta prévia às popu-lações locais, para criação de novos Municípios (art. 14); b) dispor sobre a remuneração de Vereadores das capitais e dos Municípios de população superior a cem mil habitantes (art. 16, § 2.º); e c) es-tabelecer o número máximo de Vereadores (art. 16, § 5.º).

A Emenda Constitucional nº 1 de 1969 manteve as prerrogati-vas da Constituição revista e aprofundou o movimento de dilata-ção da matéria municipal na Constituição Federal. Ocorreu, assim, a federalização dos temas municipais pela sua retirada da área das Constituições Estaduais e a sua conversão em temas da Consti-tuição Federal e da legislação federal. Intensificou-se o controle da autonomia municipal na Constituição Federal, prevendo-se os instrumentos adequados.

2.6 – Constituição Federal de 1988

A Constituição de 1988 continuou conferindo relevância aos Municípios, sendo caracterizada pela ampliação da autonomia mu-nicipal e, sobretudo, pela conferência ao Município do status de ente integrante da federação.

A federação tem sido marcada por políticas públicas federais que se impõem às instâncias subnacionais, mas que são apro-

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vadas pelo Congresso Nacional e por limitações na capacidade de legislar sobre políticas próprias. Além do mais, poucas com-petências constitucionais exclusivas são alocadas aos estados e municípios.

Nas Constituições anteriores, as prerrogativas dos Municí-pios estavam circunscritas ao governo próprio e à competência exclusiva, que correspondem ao mínimo para que uma entidade territorial tenha autonomia constitucional. Atualmente, foi-lhes reconhecido o poder de auto-organização, ao lado de governo próprio e competência exclusiva, e ainda com ampliação destas, de sorte que a Constituição criou verdadeiramente uma nova ins-tituição municipal no Brasil. Não há mais a figura de prefeitos nomeados. Tornou-se plena, pois, a capacidade de auto-governo municipal entre nós.

Nos termos dos artigos 29 e 30 da Constituição Federal, os Municípios dispõem das seguintes capacidades: de auto-organização, de auto-governo, de auto-legislação e de auto-administração. A isso, ajuntam-se a autonomia política, a autonomia financeira, autonomia legislativa e a autonomia administrativa.

A partir de 1990, os governos locais passaram a ser os principais provedores dos serviços de saúde e de educação fundamental, a partir de regras e recursos federais, os quais visam a garantir aos cidadãos locais padrões mínimos de atendimento.

3 – O federalismo municipal assimétrico

O federalismo brasileiro é caracterizado por uma vocação qualificada de organização simétrica dos Municípios, o que con-duz ao chamado vício da uniformidade. A diversidade é um tra-

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ço indissociável do federalismo. Por isso, a uniformidade pode matá-lo. Para a realidade da federação, a legislação simétrica é um sonho enganoso e só gera decepções14.

No contexto histórico brasileiro, a dicotomia central-local, que, aqui, emprestamos a esse binômio o sentido de autonomia municipal e simetria legislativa, é uma realidade que se arrasta desde a implantação do federalismo entre nós. Já tivemos a opor-tunidade de conviver com o chamado federalismo nominal, por ocasião do Estado Novo, onde, apesar de a Constituição assegu-rar que o Brasil era um Estado Federal, na prática, vivíamos na condição de Estado unitário. Nessa ocasião prevaleceu, apenas, o pólo central do binômio federativo (central-local). No entanto, o pólo apenas local do binômio federativo (central-local) ainda não se teve, aqui, a oportunidade de experimentar. Ao contrário, a au-tonomia municipal conferida aos Municípios é resultado de ações políticas que remontam ao Brasil colônia15.

Nada obstante essa vocação uniformizadora, a distribuição de rendas em desarmonia com a distribuição de deveres tem contribuído para construir a real estrutura de desigualdade que debilita a Federação16. É isto que se procura demonstrar adiante.

O federalismo municipal assimétrico brasileiro é marcado por dois aspectos principais, a saber: a) a intensa criação de municí-pios; e b) o aumento das receitas postas à disposição dos muni-cípios.

14 TAVARES BASTOS. A província, 2. ed. São Paulo : Companhia Editora Nacional, 1937, p. 141 apud Raul Machado Horta. Direito constitucional, 2. ed. rev. atual. e ampl. , Del Rey, 1999, p. 623.15 BAGGIO, Roberta Camineiro. Federalismo no contexto da nova ordem global: per-spectivas de (re)formulação da federação brasileira. Curitba : Juruá, 2006, p. 112.16 MAGALHÃES, José Luiz Quadros. Poder municipal: paradigmas para o estado con-stitucional brasileiro. Belo Horizonte : Del Rey, 1999, p. 209.

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Esses dois fatores produziram conseqüências indesejáveis, tantodo ponto de vista econômico quanto do social. Essas conseqüências são as seguintes17.

Primeira: aumentaram os volumes absoluto e relativo de trans-ferências de receitas tributárias originadas nos municípios grandes para os municípios pequenos, com o provável efeito líqüido de de-sestimular a atividade produtiva realizada nos grandes municípios, sem estimulá-la nos pequenos.

Segunda: beneficiaram a pequena parte (não necessariamente a mais pobre) da população brasileira que vive nos pequenos muni-cípios, ao destinarem mais recursos para as respectivas prefeituras, e prejudicaram a maior parte da mesma população, que habita os outros municípios, cujos recursos se tornaram mais escassos.

Terceira: aumentaram os recursos utilizados no pagamento de despesa com o Legislativo (e, provavelmente, as despesas adminis-trativas em geral, ou seja, os custeios de gabinetes de prefeitos, câ-maras de vereadores e administrações municipais), ao mesmo tem-po em que reduziram, em termos relativos, o montante de recursos que o setor público (União, estados e municípios) tinha disponíveis para aplicar em programas sociais e em investimento.

3.1 – Primeiro Aspecto: Intensa Criação de Municípios

A Tabela 1 mostra que, de 1984 a 1997, foram instalados 1.405 municípios no país, sendo as regiões Sul e Nordeste aquelas commaior contribuição absoluta ao processo. Dado que, em 1984, existiam 4.102 municípios no Brasil, conclui-se que, nos 13 anos que vão de 1984 a 1997, o número total de municípios no país aumentou em 34,3%.

17 GOMES, Gustavo Maia e Maria Cristina Mac Dowell. Descentralização política, feder-alismo fiscal e criação de municípios: o que é mau para o econômico nem sempre é bom para o social. IPEA, 2000, p. 5. (Texto para discussão nº 706)

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Tabela 1Brasil e Regiões

Número de Municípios Instalados após 1984, por Estratos de População, 1997

Grupos de Municípios – População

Nordeste Norte CentroOeste

Sul Sudeste Brasil

Até 5.000 hab. 146 97 80 296 116 735

5.000 a 10.000 hab. 107 49 30 87 87 360

10.000 a 20.000 hab. 125 42 19 19 29 234

20.000 a 5.000 hab. 21 18 6 2 14 61

50.000 a 100.000 hab. 2 3 3 1 2 11

100.000 a 500.000 hab. 1 - - - 3 4

Total 402 209 138 405 251 1.405

Fonte: IBGE – Organização do Território e Contagem da População 1996.

A Tabela 1 mostra que, dos 1.405 municípios instalados no Bra-sil, de 1984 a 1997, nada menos de 1.329 (94,5%) têm menos de 20 mil habitantes, e são considerados pequenos; 1.095 (78%) desses municípios instalados são muito pequenos; e 735 (32%) são micro-municípios.

De acordo com dados do IBGE, de 1940 a 1997, a proporção de municípios com até 20 mil habitantes saltou de 54,5% para 74,8%.

3.2 – Segundo Aspecto: Aumento de Receitas postas a Disposição dos Municípios

A Tabela 2 mostra que apenas 9% da receita corrente disponível dos municípios de até 5 mil habitantes no Brasil era própria, no sen-tido de resultar de recursos arrecadados por eles próprios. No inter-valo entre 10 mil e 20 mil habitantes, a proporção de receitas pró-prias sobre receitas correntes totais era ainda muito baixa (12,3%, em 1996). Os municípios de mais de 1 milhão de habitantes, em

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contraste, tinham receitas próprias equivalentes a quase 56% de suas receitas correntes totais. Ou seja: para custear suas despesas, os pequenos municípios dependem fortemente das transferências de impostos, especialmente dos impostos federais, via o Fundo de Participação dos Municípios. Esses impostos não são gerados nos municípios pequenos, mas nos grandes.

Tabela 2 Brasil e Regiões

Receita Corrente Própria dos Municípios como Percentagem da sua Receita Corrente Total por Grupos de Municípios, 1996

Grupos de Municípios – População

Nordeste Norte CentroOeste

Sul Sudeste Brasil

Até 5.000 hab. 2,9 4,4 7,5 9,9 10,1 8,9

5.000 a 10.000 hab. 4,0 3,4 7,8 12,9 12,6 10,1

10.000 a 20.000 hab. 4,0 4,3 9,7 16,3 17,7 12,3

20.000 a 5.000 hab. 5,8 9,1 15,4 23,1 23,0 17,5

50.000 a 100.000 hab. 10,6 15,0 19,4 27,1 20,8 25,3

100.000 a 500.000 hab. 21,3 18,8 25,0 37,7 36,3 34,2

500.000 a 1.000.000 hab. 28,1 - 47,7 - 41,4 38,1

Mais de 1.000.000 hab 43,6 32,3 43,4 52,5 60,.2 55,9

Total 17,9 20,3 20,9 29,2 41,0 33,5

Fonte: IBGE – Organização do Território e Contagem da População 1996 e Secretaria do Tesouro Nacional – STN. A Tabela inclui 4.628 municípios para os quais os dados estiveram disponíveis.

As regras de repartição do Fundo de Participação dos Municí-pios materializam os fluxos líqüidos de recursos tributários entre os municípios brasileiros.

Para mostrar isto, são necessários dois tipos de informa-ções. Uma é a distribuição, em 1996, das cotas do FPM por regiões e por grupos de tamanhos da população. A outra é uma estimativa de contribuição de cada grupo de municípios para a formação do FPM. Com essas duas informações, o passo

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seguinte consistiu, simplesmente, em subtrair do FPM rece-bido a contribuição do respectivo grupo de municípios para o financiamento daquele fundo. Os grupos de municípios que apresentam resultados positivos nessas operações são, natural-mente, recebedores líqüidos dos recursos do FPM; o fato é in-verso no caso dos municípios para os quais a mesma operação aritmética apresenta resultado negativo. A Tabela 3 expõe os resultados encontrados.

Tabela 3 Brasil e Regiões

FPM Recebido Menos Contribuição do Grupo de Municí-pios para a Formação daquele Fundo por Estratos de Popu-lação, 1996

Grupos de Municípios – População

Nordeste Norte CentroOeste

Sul Sudeste Brasil

Até 5.000 hab. 83.556 40.269 99.136 219.898 297.895 740.755

5.000 a 10.000 hab. 258.669 44.765 82.565 220.151 295.471 901.624

10.000 a 20.000 hab. 663.017 50.410 113.394 264.019 375.149 1.465.990

20.000 a 5.000 hab. 679.669 84.507 100.080 168.547 391.830 1.424.634

50.000 a 100.000 hab. 248.141 45.271 27.229 38.337 102.566 461.546

100.000 a 500.000 hab. 151.910 -95.7898 -34.485 -101.015 -784.566 -603.396

500.000 a 1.000.000 hab. 70.257 - - - -457.667 -387.410

Mais de 1.000.000 hab -63.905 -80.850 -23.407 -340.510 -3.495.079 -4.003.744

Total 2.091.315 280.164 433.483 469.426 -3.274.389 0

Fonte: IBGE – Organização do Território e Contagem da População 1996. Secretaria do Tesouro Nacional – STN. Secretaria da Receita Federal. A tabela inclui 4.315 municípios.

Em todas as regiões, os mega municípios (de mais de 1 milhão de habitantes), considerados em conjunto, são financiadores líqüi-dos dos demais. Além disso, no Sudeste e no Sul, também os muni-cípios dos grupos de 100-500 mil e de 500 mil-1 milhão transferem recursos líqüidos para os demais.

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Da mesma forma, para o Brasil como um todo, os grupos de municípios com mais de 100 mil habitantes financiam (via FPM) os municípios com menos de 100 mil habitantes.

A última linha da Tabela 3 mostra que, quando as regiões são consideradas, apenas o Sudeste tem resultado negativo (recebe menos do que arrecada). Ou seja, o conjunto dos seus municípios contribui para a formação do FPM com mais recursos financeiros do que os recursos que o fundo lhe paga.

Outra conseqüência importante é que, dentro de suas respec-tivas regiões (exceto no Sudeste) e no Brasil como um todo, os municípios muito pequenos, especialmente os do grupo com até 5 mil habitantes (micro-municípios), dispõem de mais recursos fi-nanceiros per capita do que quaisquer outros. Essa situação ocorre em razão dos recursos federais, repassados pelo FPM, com forte víeis favorável aos micro-municípios, que proporcionam a esses sua situação privilegiada.

A Tabela 4 mostra as estimativas da receita corrente total per capita dos municípios, por regiões e por grupos de tamanhos da população, para o ano de 1996. Em praticamente todos os casos, os municípios de menos de 5 mil habitantes são os que têm as maiores disponibilidades de recursos financeiros por habitante. A única exceção é o Sudeste, onde os municípios de mais de 1 mi-lhão de habitantes têm um pouco mais de recursos por habitante do que os de até 5 mil habitantes.

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Tabela 4 Brasil e Regiões

Receita Corrente Total per Capita dos Municípios, por Gru-pos de Municípios Agregados Segundo a População, 1996

Grupos de Municípios – População

Nordeste Norte CentroOeste

Sul Sudeste Brasil

Até 5.000 hab. 295,0 288,6 429,9 468,2 470,7 431,3

5.000 a 10.000 hab. 199,3 187,5 311,6 303,4 303,1 269,4

10.000 a 20.000 hab. 153,0 135,9 269,4 274,0 274,0 220,2

20.000 a 5.000 hab. 139,0 123,2 211,8 246,5 290,4 208,3

50.000 a 100.000 hab. 124,3 204,1 203,8 247,8 298,7 225,0

100.000 a 500.000 hab. 158,2 152,4 184,2 253,6 33,1 271,4

500.000 a 1.000.000 hab. 7224,1 - 262,5 - 365,1 307,9

Mais de 1.000.000 hab 232,9 -262,5 -271,9 -387,1 -489,9 405,8

Total 167,5 190,7 244,6 283,9 366,1 281,4

Fonte: IBGE – Organização do Território e Contagem da População 1996 e Secretaria do Tesouro Nacional – STN. A Tabela inclui 4.628 municípios para os quais os dados estiveram disponíveis.

Os grandes beneficiários dos critérios de repartição de recur-sos tributários entre os municípios são os pequenos municípios e, dentre estes, especialmente os de 5 mil habitantes. Dessa for-ma, as populações beneficiárias da descentralização política e do federalismo municipal são as que habitam os pequenos mu-nicípios.

A Tabela 5 mostra que apenas 2,2% da população brasileira vivem em micro-municípios. A população se eleva para 7,5%, se tomarmos todos os municípios com até 10 mil habitantes. Final-mente, menos de 20% (exatamente 19,6%) da população brasileira vivem em municípios pequenos, ou seja, com populações inferiores a 20 mil habitantes.

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Tabela 5 Brasil e Regiões

Participação Percentual dos Grupos de Municípios na Popu-lação Total do Brasil, 1996

Grupos de Municípios – População

Nordeste Norte CentroOeste

Sul Sudeste Brasil

Até 5.000 hab. 0,33 0,17 0,28 0,66 0,80 2,24

5.000 a 10.000 hab. 1,50 0,39 0,49 1,26 1,63 5,27

10.000 a 20.000 hab. 5,10 0,95 0,89 2,21 2,91 12,07

20.000 a 5.000 hab. 7,50 1,68 1,08 2,54 5,17 17,97

50.000 a 100.000 hab. 3,96 1,20 0,55 2,31 4,63 12,65

100.000 a 500.000 hab. 4,12 1,33 1,21 4,23 12,46 23,36

500.000 a 1.000.000 hab. 2,48 - 0,38 - 3,92 6,79

Mais de 1.000.000 hab 3,52 1,46 1,80 1,76 11,13 19,67

Total 28,50 7,19 6,68 14,97 42,65 100,00

Fonte: IBGE – Organização do Território e Contagem da População 1996 e Secretaria do Tesouro Nacional – STN. A Tabela inclui 4.628 municípios para os quais os dados estiveram disponíveis.

Um dos mitos da literatura municipal no Brasil é que os municí-pios menores são aqueles cujas populações são as mais pobres. Os dados mostram uma outra realidade.

A Tabela 6 revela que os municípios de até 5 mil habitantes gastaram, em 1996, R$ 20,6 reais por habitante para sustentar seus legislativos. Esse valor supera o de qualquer outro grupo de municípios, classificados segundo sua população. Isto signi-fica que menos dinheiro está sobrando, portanto, para o financia-mento de investimentos e para a prestação de serviços públicos nos setores de saúde, educação, segurança pública, saneamento e outros.

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Tabela 6 Brasil e Regiões

Gastos com Legislativo Municipal per Capita, 1996Grupos de Municípios

– PopulaçãoNordeste Norte Centro

OesteSul Sudeste Brasil

Até 5.000 hab. 18,0 22,5 26,4 19,3 20,2 20,6

5.000 a 10.000 hab. 13,4 13,5 21,4 12,2 12,8 13,7

10.000 a 20.000 hab. 9,2 10,4 15,7 10,4 13,1 11,0

20.000 a 5.000 hab. 8,6 8,6 12,7 9,7 13,3 10,5

50.000 a 100.000 hab. 7,2 16,1 9,6 10,9 15,3 11,6

100.000 a 500.000 hab. 11,5 9,7 15,4 11,4 17,2 14,7

500.000 a 1.000.000 hab. 17,4 - 21,4 - 16,2 16,9

Mais de 1.000.000 hab 13,5 14,8 24,5 17,9 15,5 15,6

Total 10,8 12,6 16,9 12,1 15,6 13,5

Fonte: IBGE – Organização do Território e Contagem da População 1996 e Secretaria do Tesouro Nacional – STN. A Tabela inclui 4.628 municípios para os quais os dados estiveram disponíveis.

Dada as regras do FPM, um aumento no número de municípios pequenos, sobretudo de micro-municípios, implicará um aumento das transferências dos grandes para os pequenos. Em outras palavras: se existe um bolo tributário igual a 100 para ser rateado entre os municí-pios e se esse bolo tributário é gerado nos municípios grandes e apro-priado por todos os municípios, grosso modo, cada vez que se aumenta o número de pequenos municípios, também aumenta a proporção de recursos tributários apropriados por esses municípios, que contribuem muito pouco para a geração das receitas tributárias redistribuídas.

4 – A distribuição do poder

A distribuição constitucional de poderes é o ponto nuclear da no-ção de Estado Federal. São notórias as dificuldades para saber que matérias devem ser entregues à competência da União, dos Estados

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e dos Municípios. O princípio geral que norteia a repartição de com-petências entre os entes federativos é o da predominância do interes-se. Assim, cabe à União os temas de interesse geral; aos Estados, os de interesse regional; e aos Municípios, os de interesse local18.

A competência legislativa do Município pode ser facilitada com a utilização de quatro regras, a saber: 1.ª) poderes municipais ex-pressos e exclusivos; 2.ª) poderes federais expressos e implícitos e poderes estaduais expressos; 3.ª) poderes municipais implícitos; 4.ª) poderes concorrentes.

A primeira regra afasta qualquer outra competência sobre o as-sunto, seja ela federal ou estadual, visto que a matéria é de compe-tência expressa e exclusiva do Município. A segunda regra significa que, quando a competência municipal for implícita, prevalecem as competências expressa e implícita, estadual e federal, respectiva-mente. A terceira regra estabelece que a competência implícita do Município afasta a competência estadual remanescente. Por fim, a quarta regra ocorre quando as esferas federal, estadual e municipal disputam a competência. Neste caso, a ordem de prioridade legisla-tiva segue a mesma ordem, a partir da União19.

No entanto, é tarefa complexa discernir os interesses gerais, dos locais ou regionais. A forma de definição da competência do Mu-nicípio foi diversa da utilizada para prever as competências dos Estados e da União. Enquanto para Estados e União foram defini-das as matérias a serem objeto de legislação (privativa e concor-rente), para os Municípios foi prevista uma competência genérica 18 CORRALO, Giovani da Silva. Município: autonomia na federação brasileira. Curitiba : Juruá, 2006, p. 169. CORRALO, Giovani da Silva. Município: autonomia na federação brasileira. Curitiba : Juruá, 2006, p. 169.19 LEAL, Victor Nunes. Alguns problemas municipais em face da Constituição, in Estu-dos sobre a Constituição Brasileira, RJ, 1954, pp. 129-145 apud Hely Lopes Meirelles. Direito municipal brasileiro , 14. ed. atual. por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva. São Paulo :, Malheiros, 2006, p 133.

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para “legislar sobre assuntos de interesse local” e “suplementar a legislação federal e a estadual no que couber” (art. 30, I e II, CF). Embora a Constituição discrimine algumas competências muni-cipais exclusivas, o ponto central da competência legislativa mu-nicipal é dominado pela expressão assuntos de interesse local20. É esta a chave hermenêutica para se desvendar a delimitação das competências constitucionais dos Municípios21. Contudo, deve-se ter em conta que é a predominância e não a exclusividade que deve caracterizar o interesse local, visto que, dificilmente, exista um in-teresse local que não seja reflexamente de interesse do Estado e também da União22.

Diante dessas considerações expendidas, constata-se que interes-se local é um conceito complexo, que só pode ser definido tendo em vista a situação concreta, pois para cada local se terá um rol diferen-te de assuntos assim classificados. O assunto de interesse local não é aquele que interessa exclusivamente ao Município, mas aquele que predominantemente afeta à população do lugar. Há assuntos que in-teressa a todo o país, mas que possuem aspectos que exigem uma regulamentação própria para determinados locais. Daí se dizer que o que caracteriza o interesse local não é a matéria, mas determina-das situações. Aspectos da mesma matéria podem exigir tratamen-tos diferenciados pela União, pelos Estados e pelos Municípios. O essencial é que não se perca a noção de sistema, verificando-se a compatibilidade entre os diversos diplomas legais e a Constituição.

Não se podem excluir matérias do rol dos temas a serem legis-lados pelo Município. A fórmula utilizada pelo Constituinte de 88 revela que sempre que prevalecer um interesse do local o Municí-

20 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes. Competências na Constituição de 1988, São Pau-lo: Atlas, 2002, p. 113.21 CORRALO, Giovani da Silva. Op. cit., p. 177.22 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro, 14. ed. atual. por Márcio Sch-neider Reis e Edgard Neves da Silva. São Paulo : Malheiros, 2006, p 134 e 135.

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pio poderá editar sua própria lei, independentemente de a matéria ter sido atribuída à competência legislativa de outro ente da Fede-ração. Deve, é evidente, ser a norma municipal compatível com as normas já adotadas pela União e pelo Estado, se a estas entidades tiver sido atribuída a competência a respeito da matéria.

Se não for possível que a norma municipal trate de matéria de-finida na Constituição como de competência da União ou dos Es-tados, desde que não privativa, praticamente se estará anulando a autonomia municipal.

Quanto à competência para suplementar a legislação federal e a estadual, o critério a definir quais as matérias a serem objeto de legis-lação municipal é a existência ou não de competência administrativa para o Município. A competência para suplementar a legislação das outras unidades existe quando há o dever constitucional de agir em determinada matéria. A atuação do Município necessita, por vezes, de regras específicas, tendo em vista a realidade própria da cidade.

Na ausência de legislação federal ou estadual sobre determinado tema, o Município poderá, tratar exaustivamente da matéria, com o objetivo de viabilizar a sua competência material.

5 – O município como ente da federação

Há quem defenda que a ampliação da autonomia municipal, com a possibilidade de auto-organização pelas Leis Orgânicas, não foi suficiente para posicionar em definitivo o enquadramento do Mu-nicípio na Federação brasileira. Ao lado da autonomia, não se am-pliou a participação do Município na Federação, deixando-o fora do pacto federativo.

José Nilo de Castro está entre aqueles que não reconhecem o Mu-nicípio como ente federativo. Para ele, a Federação não é de Mu-nicípios, mas de Estados. Os Municípios não têm representação no

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Senado Federal e não participam do processo legislativo para a pro-posição de emenda à Constituição. Não possuem Poder Judiciário. As suas leis e atos normativos não se submetem ao controle concentrado perante o Supremo Tribunal Federal23. Em arrimo ao que defende, ajunta o entendimento semelhante de José Alfredo de Oliveira Bara-cho24. Deve ser consignado, contudo, que a obra deste autor é anterior à promulgação da atual Constituição Brasileira. O constitucionalista José Afonso da Silva também não comunga com a idéia de que os Mu-nicípios fazem parte da federação, chegando mesmo a afirmar que a Constituição assim não o diz25. Entre os autores que defendem esse en-tendimento, além dos já citados, podem ser encontrados Raul Machado Horta26, Roque Antônio Carazza27 e Pinto Filho28.

Contudo, há os que entendem que o ordenamento constitucional assegura ao Município o status de ente que compõe a federação brasileira. Mesmo entendendo tratar-se de algo exótico, visto que o Estado Federal é bidimensional, Augusto Zimmermann29 reco-nhece que o Município integra o sistema federativo tridimensionalbrasileiro. Hely Lopes Meirelles sempre foi um ardoroso defensor do reconhecimento do Município como ente da federação, mesmo antes da Constituição Federal de 198830. Acrescidos a esses que as-

23 CASTRO, José Nilo de. Direito municipal positivo, Belo Horizonte : Del Rey, 2006, p. 27.24 CASTRO, José Nilo de. Op. cit. p. 27. A obra de BARACHO é teoria geral do federal-ismo. FUMARC-UCMG, 1982.25 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 21. ed. São Paulo : Malheiros, 2002, p. 620. 26 HORTA, Raul Machado. Repartição de competências na Constituição Federal. Revista Trimestral de Direito Público, 1993, p. 11. 27 CARAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. São Paulo : Malheiros, 1999, p. 118.28 PINTO FILHO, Francisco Bilac. A intervenção federal e o federalismo assimétrico. Rio de Janeiro : Forense, 2002, p. 180.29 ZIMMERMANN, Augusto. Teoria geral do federalismo democrático. 2. ed. Rio de Janeiro : Lúmen Júris, 2005, p. 46.30 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro, 14. ed. atual. por Márcio Sch-neider Reis e Edgard Neves da Silva. São Paulo : Malheiros, 2006, p. 45-47.

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sim pensam, podem ser citados Alexandre de Moraes31, Celso Bas-tos32 e Manoel Gonçalves Ferreira Filho33. Segundo o ensinamento de Charles Durand34, o Estado Federal pressupõe uma autonomia que tem como fundamento dois elementos: a existência de órgãos próprios e um rol de competências exclusivas. Esses dois elemen-tos, é forçoso reconhecer, estão presentes no Município brasileiro por imperativo do comando constitucional.

Nesse ponto, cumpre assinalar a existência de uma tendência de valorização dos Municípios, mesmo em países em que o Município não é constitucionalmente reconhecido como partícipe da federa-ção. Tal é o caso da Constituição do México que, em seu artigo 115, inciso II, dispõe sobre a realidade municipal, sem, contudo, conferir-lhe o status de ente federativo. Mesmo assim, constitu-cionalistas daquele país entendem que o Município não é apenas uma forma de descentralização administrativa. Ao revés, advogam que essa perspectiva teórica está ultrapassada, visto que não é uma parte do Poder Executivo e nem dele deriva. O Município nasce da vontade do povo, como uma forma de organização política, sendo, portanto, a pedra angular do novo federalismo que surge como uma exigência social na Revolução mexicana35. Pedro M. Martinez36 tem defendido um alargamento da autonomia municipal no México. Segundo ele, o Município equilibra o poder hegemô-

31 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. São Paulo : Atlas, 2002, p. 273-275.32 BASTOS, Celso. A federação no Brasil. Brasília: Instituto dos Advogados de São Pau-lo, 1985, p 40.33 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Aspectos do direito constitucional contem-porâneo. São Paulo : Saraiva, 2003, p. 183.34 DURAND, Charles. Federalismo y federalismo europeo. p. 19035 MARTÍNEZ, Reynaldo Robles. Función legislativa del município, Biblioteca Jurídica Virtual. Instituto de Investigaciones Jurídicas. El município em México y em el mundo: Primer Congreso Internacional de Derecho Municipal, 2005, p. 436 e 437.36 MARTINEZ, Pedro M. El município: descentralización y democracia – elementos para a la (re)construcción del federalismo em México. Disponível em: www.azc.uam.mx/pub-licaciones/gestion/num5/doc11.

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nico com o poder do cidadão, sendo assim uma escola de demo-cracia, onde os cidadãos podem participar do desenvolvimento e bem-estar coletivo. Nesse contexto, autonomia municipal, defen-de, é dispor de representação política, poder de participação, de governo, bem como dotação de recursos necessários para alcançar os fins almejados. Nessa linha de raciocínio, defende o chamado novo federalismo mexicano, que consiste na divisão de poderes en-tre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, e de funções fiscais entre os distintos níveis de governo dentro de um Estado-Nação.

O mesmo vem ocorrendo no ambiente doutrinário da Argentina, onde se defende a autonomia dos Municípios em uma modalidade plena e semi-plena e também a divisão dos municípios em catego-rias, sendo uns de primeira e outros de segunda categoria, tudo, po-rém, caminhando na direção de sedimentar o Município como ente político. Segundo defende Antonio M. Hernández37, não se pode conceber uma cidade, sede do ser humano, que, segundo Aristóteles, é um animal político, que careça de poder, de governo e de política.

No caso brasileiro, o art. 1.º da atual Constituição do Brasil as-segura, pelo menos, três realidades inegáveis que são de interesse para o assunto aqui em foco. Em primeiro plano, o dispositivo é categórico em asseverar que o seu conteúdo refere-se à República Federativa do Brasil. Trata-se, pois, indubitavelmente de uma fe-deração. Em seguida, assegura o texto constitucional que essa fede-ração é formada da união dos Estados, Municípios e do Distrito Fe-deral. Portanto, os Municípios encontram-se inseridos na estrutura tridimensional do federalismo brasileiro. Por fim, colhe-se, ainda, desse artigo que essa formação federativa é indissolúvel, como que

37 HERNÁNDEZ, Antonio M. As leis orgânicas municipais como instrumentos para ga-rantizar la autonomia y mejorar lãs formas de gobierno y administración local. Caso Ar-gentino, Biblioteca Jurídica Virtual. Instituto de Investigaciones Jurídicas. El município em México y em el mundo: Primer Congreso Internacional de Derecho Municipal, 2005, p. 120, 144 e 150.

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a dizer: a desconsideração do Município como partícipe da federa-ção, compromete o federalismo brasileiro, na forma preconizada pela Constituição Federal.

6 – Conclusão

Desnecessário é o exame profundo para verificar que, no contexto das Constituições brasileiras, a começar da de 1891, que implantou o sistema federativo, até à promulgação da Constituição Federal de 1988, o Município tem ocupado lugar de destaque no quadro estrutu-ral do Estado brasileiro. As oscilações, tendo como órgão central, ora o Estado, ora a União, não foram suficientes para impedir que o Poder Constituinte de 1988 lhe assegurasse significativa autonomia e, tam-bém, o status de ente participante do sistema federativo brasileiro.

O ponto de equilíbrio entre centralização e descentralização, igualdade e diversidade, não tem sido uma tarefa bem sucedida no Estado Federal brasileiro. Embora esses institutos – centralização, descentralização, igualdade e diversidade– sejam ínsitos ao federa-lismo, a questão relevante, então, passa a ser quem os promove. A proposta do sistema teórico federal parece ser que o ente federativo seja o protagonista de sua própria história, indicando, ele mesmo, o seu próprio grau ou nível de centralização, descentralização, igual-dade ou diversidade que pretende para a sua trajetória. Entre nós, no entanto, os poderes centrais, União e Estados, conforme o caso, têm sido os guardiães desses institutos, pondo-se como autores dos destinos dos entes federados de níveis inferiores, contrariando, as-sim, a proposta teórica federativa. Conforme restou demonstrado no capítulo que trata do federalismo municipal assimétrico, a tenta-tiva de igualdade levada a efeito por meio do Fundo de Participação dos Municípios produziu resultado de desigualdade, de assimetria, e não de igualdade ou simetria.

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Embora a Constituição Federal de 1988 tenha alargado o cam-po de autonomia dos municípios, tendo como referência os textos constitucionais anteriores, o fato é que, no campo da competência legislativa, precisa-se de alguma melhora. A dubiedade da expres-são assunto de interesse local, grafada no inciso I do art. 30 da Constituição Federal, associada com a natureza centralizadora do federalismo brasileiro, tem impedido o desenvolvimento do muni-cípio nessa área, que é tão relevante para sedimentar a autonomia do município.

O certo é que, hoje, o município está constitucionalmente consa-grado como um partícipe do sistema federativo brasileiro, despon-tando-se, assim, como um sistema federal genuíno.

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controle de constitucionAlidAde pelos tribunAis de contAs:

pArticulAridAdes e possibilidAde

Márcia de Melo Pereira Tiscoski Analista de Finanças e Controle Externo do TCDF

No estudo das competências dos Tribunais de Contas, ampliadas pela Constituição Federal de 1988, cabe um aprofundamento sobre a possibilidade de analisarem a constitucionalidade das leis e atos nor-mativos sob seu exame. A eles compete a fiscalização dos gastos e da gestão pública, a apreciação da legalidade dos atos de admissão de pessoal e de concessão de aposentadoria, reforma e pensão e, entre ou-tras atribuições, o julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos. Neste último caso, a decisão meritória proferida não comporta revisão pelo Poder Judiciário.

Dentro de seu mister, os Tribunais de Contas são chamados a ve-rificar a conformação dos atos do Poder Público à legislação vigen-te, inclusive aos preceitos constitucionais. Se determinado ato não atende à disciplina da lei ou da Constituição Federal, é considerado ilegal. E não raramente, na análise de casos concretos, deparam-se com normas que agridem a Lei Maior, muitas delas por mero vício de iniciativa. Caberia, então, às Cortes de Contas proceder à análise da constitucionalidade de leis ou atos normativos? Como orientar a conduta do gestor público face a estes normativos?

Sabe-se que o controle de constitucionalidade consiste na veri-ficação de compatibilidade vertical entre uma lei ou ato normativo e a Constituição Federal e pressupõe a supremacia e a rigidez da Carta Política.

O sistema pátrio consagra duas formas de controle repressivo de constitucionalidade: o controle concentrado, por via de ação, reali-

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zado pelo Supremo Tribunal Federal, e o controle difuso, por via de exceção, incidentalmente levantado no caso concreto.

O controle concentrado busca a declaração de inconstitucionali-dade, em tese, da norma contrária à Constituição e conta hoje com ampla legitimação (CF, arts. 102 e 103). É regra de rechaço e de expulsão do ordenamento jurídico. A decisão da Suprema Corte produz efeito retroativo, em regra, desfazendo todas as situações constituídas ao albergue da malsinada norma, e tem eficácia para todos os seus destinatários. Em casos excepcionais, a decisão pode produzir efeitos prospectivos ou a partir de data fixada pelo STF, por motivos de segurança jurídica ou de relevante interesse social.

No controle difuso, todo e qualquer juiz ou tribunal pode anali-sar a conformidade da norma com a Constituição, no caso concreto (CF, art. 97). Justamente por representar uma questão incidental no bojo da ação principal, a declaração de inconstitucionalidade somente opera efeitos entre as partes, desconstituindo, para elas, to-dos os atos pretéritos praticados sob o pálio na norma questionada, que, porém, permanece eficaz e aplicável para terceiros, até que o Senado Federal suspenda sua executoriedade, estendendo assim os efeitos da declaração incidental, por meio de resolução que vigora a partir de sua publicação.

À evidência, quanto aos Tribunais de Contas, somente se vis-lumbra o controle difuso, eis que a questão constitucional configura antecedente lógico e necessário à apreciação principal submetida a seu crivo. Assim, para o fiel exercício de suas competências, podem deixar de aplicar norma que afronta a Magna Carta e permear sua decisão de caráter informativo e orientador aos jurisdicionados, vi-sando à necessária proteção que devem dar à coisa pública.

Ora, se o sistema brasileiro confere ao juiz singular a possibili-dade de pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade de normas, que dirá à Corte de Contas, órgão colegiado composto de membros equi-

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parados aos membros do Judiciário e integrado por um Ministério Público Especial. Além do que, a decisão do Tribunal de Contas que considera uma norma incompatível com a CF é passível de revisão tanto internamente como pelo Judiciário, que tem a última palavra para dizer sobre a constitucionalidade da lei. O tribunal vincula os jurisdicionados à sua deliberação endógena, embora não tenha for-ça para obrigá-los ao seu cumprimento, haja vista que a norma im-pugnada permanece no mundo jurídico; aqueles, por sua vez, já se podem prevenir quanto aos efeitos danosos do dispositivo atacado, evitando a prática de atos dele decorrentes, ou combater a decisão.

A título de exemplo, ressalte-se que em países como Polônia, Bulgária e Hungria, a possibilidade de controle de constitucio-nalidade é atribuída a órgãos fora da esfera do Poder Judiciário, lembrando que na França, é político e em Cuba, é promovido pela Assembléia Popular.

O exame realizado pela Corte de Contas não implica uma decla-ração de inconstitucionalidade, mas uma deliberação pedagógica, de relevante auxílio à Administração Pública, que deve ser comuni-cada aos Chefes do Executivo, do Legislativo, do Ministério Públi-co e da Procuradoria do Estado, para defesa do texto impugnado ou eventual proposição de Ação Direta de Inconstitucionalidade.

O guardião máximo da Constituição, o STF, tem entendimento firmado de que o Tribunal de Contas, no exercício de suas atribui-ções, pode apreciar a constitucionalidade de leis ou atos normativos do Poder Público (Súmula nº 347). A edição da súmula resultou do julgamento de um recurso, onde ficou assentado que o Tribunal de Contas não poderia declarar a inconstitucionalidade da lei, por care-cer de competência específica para tanto, havendo que se distinguir, porém, a declaração de inconstitucionalidade da não-aplicação de lei inconstitucional, por ser esta última mera obrigação de todos os órgãos de qualquer dos Poderes do Estado.

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Há que se reconhecer que a análise de constitucionalidade pro-movida pelo Tribunal de Contas dá-se em casos excepcionais e consiste em fundamentada recusa à execução de norma inconsti-tucional, como parte do compromisso de manter a ordem consti-tucional e alimentar sua força normativa. Trata-se de uma decisão colegiada administrativa, tomada nos limites de atuação das Casas de Contas. Deixar de examinar oportunamente a constitucionali-dade de determinada norma pode ocasionar danos irreparáveis ao erário e ao interesse público, não sendo razoável não atacar os atos praticados após sua consumação. Ademais, à medida que a situação concreta albergada pela norma viciada vai se perpetuando, torna-se cada vez mais difícil combatê-la, eis que surgem, em defesa daque-la situação, os princípios da segurança jurídica e da estabilidade das relações consolidadas.

Nesse contexto, o procedimento adotado pelo Tribunal de Contas vem a coadunar-se com os festejados princípios da administração pública, merecendo destaque o da eficiência e o da moralidade. É desejável e não menos imperioso que o controle externo se efetive também de forma concomitante ou preventiva, evitando o desper-dício do dinheiro público e seu irregular emprego. Desta forma, o tribunal cumpre seu papel social e alinha-se ao interesse coletivo ao evitar a realização de despesas ilegais ou mesmo inconstitucionais, ou desconstituir atos viciados. Segue a linha da evolução do Estado Democrático de Direito, que anseia por mais eficientes e eficazes formas de controle.

Conclui-se de tudo quanto exposto que os Tribunais de Contas têm a faculdade e a obrigação de não aplicar a um caso concreto as leis e normas que considerem inconstitucionais, podendo negar validade aos atos praticados ao abrigo do dispositivo contestado, bem cumprindo, assim, sua missão institucional de agente fisca-lizador.

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federAlismo Assimétrico e A iguAldAde entre unidAdes federAdAs

Maurício Nunes Moreira Analista de Finanças e Controle Externo do TCDF

1 . Introdução

Pode-se dizer que um dos traços marcantes do Estado Federal é a coexistência, num mesmo espaço territorial, de, ao menos, duas esferas autônomas de poder político, cada qual possuindo o seu or-denamento jurídico, político e constitucional.

Na concepção de Hans Kelsen1, o Estado Federal corresponde à comunidade jurídica total; a União, à comunidade jurídica cen-tral; e os Estados-membros, às comunidades jurídicas parciais. Em termos de esquema, essa concepção dualista kelseniana pode ser assim retratada:

ESTADO FEDERAL COMUNIDADE JURÍDICA TOTALUnião Comunidade Jurídica CentralEstados-membros Comunidades Jurídicas Parciais

Evidentemente, a coexistência de duas esferas de poder autôno-mas num mesmo espaço territorial gera a ação de forças contradi-tórias: uma agindo em direção à unidade e a outra, à diversidade. Não é por outra razão que Eliseo Aja2 chega a afirmar que a maio-ria dos doutrinadores considera federal o Estado que, entre outros elementos, evidencie como garantia constitucional a distribuição de competências entre a União e os Estados-membros, visto que essa

1 Kelsen, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. São Paulo : Martins Fontes, 2005, p. 433-466.2 Aja, Eliseo. El Estado autonômico: federalismo y hechos diferenciales. Madrid: Alianza. 2. ed, 2003, pp. 21-54.

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distribuição estabelece o equilíbrio da pluralidade de ordenamento jurídico presente no Estado Federal.

Com efeito, o sistema federativo é um mecanismo engenhoso para se enfrentar as vicissitudes da organização político-territorial do poder. Nesse sistema, a soberania das unidades que o compõem é compartilhada de forma matricial e não piramidal, de modo que a estrutura nacional é preservada a partir da valorização do conceito de igualdade3.

Muitos países adotam o Estado Federal para solucionar pro-blemas internos. Tal se dá ante a existência de fatores que fazem aflorar manifestação de desigualdade ou de heterogeneidade no seio desses países. Esses fatores podem ser de cunho territorial, lingüístico, étnico, cultural, socioeconômico etc. Os mecanismos federativos permitem ao país lidar com esses aspectos que diferen-ciam os membros do sistema federal, mantendo, de certa forma, a estabilidade social e a sua integralidade. Por isso que se enxerga o federalismo como um instrumento que permite respeitar a diversi-dade assegurando a unidade.

Ocorre que essa visão do federalismo traz à tona uma questão: o sistema federal comporta formas de tratamento desigual sem dege-nerar a igualdade entre os membros componentes da federação?

Em torno dessa questão, hodiernamente se trava um candente debate na doutrina no âmbito do qual se forjou a expressão “federa-lismo assimétrico”, que projeta em seu caráter aspectos do federa-lismo cooperativo e do federalismo de equilíbrio.

O texto que se segue desenvolve-se buscando trazer à colação elementos, ainda que rudimentares, que podem ser úteis à reflexão que precede à resposta a essa instigante indagação.

3 Elazar, Daniel J. Exploring Federalism. Alabama: The University of Alabama Press, 1987, p. 80-114.

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2. Delimintação dos termos “simetria” e “assimetria”

Para efeito deste trabalho, a palavra “simetria” será aqui consi-derada como sinônima da palavra “igualdade”. De conseqüência, “assimetria” exprimirá a idéia de “desigualdade”.

Esses dois termos (“simetria” e “assimetria”) são aplicados aos relacionamentos existentes dentro de um sistema federal. Tais rela-cionamentos são os meios pelos quais um Estado-Membro, no sis-tema político federal, se relaciona com a autoridade federal e com os demais Estados-membros. De forma esquemática, tem-se:

Para Charles D. Tarlton4, a noção de simetria refere-se à medida que os Estados que compõem a Federação participam nas condições e, por-tanto, nas preocupações que vêm a ser comuns ao conjunto do sistema federal. Pela mesma razão, o conceito de assimetria expressa a medida da ausência de divisão das características comuns pelos Estados-mem-bros. Para se saber se uma relação de um Estado-membro é simétrica ou assimétrica, depende de sua participação nas pautas sociais, cultu-rais, econômicas e políticas do sistema federal do qual faz parte.

Com base nessa visão de Tarlton, pode-se dizer que ocorre simetria quando se constata uniformidade nos padrões de relacionamento dentro do sistema federal. Na falta dessa uniformidade, verifica-se a assimetria.

3. Assimetria “de facto” e “de jure”

Entretanto, conforme adverte Dircêo Torrecillas Ramos5, a aná-lise de simetria e assimetria, quanto às relações que se verificam dentro do sistema federal, requer algumas preocupações adicionais

4 Tarlton, Charles D. Asimetria Federal y Estado Plurinacional. Madrid:Editorial Trotta, 1999, pp. 21-35.5 Ramos, Dircêo Torrecillas. O Federalismo Assimétrico. Rio de Janeiro: Forense, 2000, pp. 55-97.

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principalmente no que se refere à assimetria, dividida em “de fac-to” e “de jure”.

A assimetria “de facto” é o resultado da ação dos fatores que for-mam a base e afetam a autonomia, o poder e a influência do Estado-membro em um sistema federal. Entre esses fatores encontram-se os seguintes: (1) tamanho da população e o número de eleitores do Estado-membro, o que significa relevância na representação políti-ca; (2) riqueza do Estado-Membro; (3) expressão étnica, lingüísti-ca e cultural relevante. A assimetria “de jure” revela-se quando o sistema federal confere tratamento a essas realidades fáticas e de outras de mesma natureza no seio de sua Constituição e de seu or-denamento jurídico.

A assimetria “de facto” precede a assimetria “de jure”. Aque-la, por alguma razão, alcança dimensão política, econômica, social etc. tal que consegue introduzir no ordenamento jurídico tratamen-to diferenciado, gerando assim a assimetria “de jure”. Para alguns, seria a implementação do decisionismo de Carl Schmitt, para quem no fundo de toda norma reside uma decisão política do titular do poder constituinte, que é o povo6. Seja como for, não se pode ig-norar que as forças políticas revelam-se poderosos formadores do Estado contemporâneo e, por via de conseqüência, do seu arcabou-ço jurídico. Por isso que a assimetria “de facto” precede e conduz a assimetria “de jure”.

4. Simetria e assimetria no modelo federal

Charles D. Tarlton7 assinala que um sistema federal simétricoideal se compõe de unidades políticas constituídas por territórios

6 BATISTA, Vanessa Oliveira. Elementos de Teoria da Constituição: de Carl Schmitt aos dias de hoje. Revista de Direito Comparado. Vol. 3, Maio, 1999.7 Tarlton, Charles. D. ob. cit.

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e população iguais, com características econômicas climáticas, grupos sociais e instituições políticas semelhantes. Não existiriam diferenças significativas de um Estado-Membro para outro, nem de peculiaridades que exigissem formas especiais de representação ou proteção. Devido a esta fundamental semelhança, cada Estado-Membro da federação se ocuparia de solucionar problemas de natu-reza parecida. Neste contexto, então, cada Estado manteria, essen-cialmente, a mesma relação com a autoridade central.

Raul Machado Horta8, invocando a sistematização lógico-formal de Kelsen, consigna que a simetria federal envolve a existência de ordenamento jurídico central, sede das normas centrais do Estado Federal, e de ordenamentos jurídicos parciais, responsáveis pelas normas federais da União e as locais dos Estados-membros, organi-zados e comandados pela Constituição Federal na função de Cons-tituição total, fonte da repartição de competências, que alimenta o funcionamento do ordenamento central e dos ordenamentos par-ciais. O esquema normativo assim concebido seria regular e cons-tante, revelando a estrutura normativa do federalismo simétrico.

Para Tarlton, o modelo de sistema federal assimétrico seria composto por unidades políticas que evidenciariam as diferenças de interesses, caráter e composição existentes dentro da sociedade considerada em seu conjunto. Esse modelo assimétrico seria um sistema no qual as diversidades encontrariam expressão política através das unidades componentes da federação. Nesse modelo, cada unidade componente possuiria uma característica ou um con-junto de características únicas que separaria de forma importante seus interesses dos demais Estados ou do sistema considerado em sua totalidade.

8 Horta, Raul Machado. Formas simétrica e assimétrica do federalismo no Estado moderno. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Edição 2002_11_11_0003.2xt de 02 – Ano.

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Diogo de Figueiredo Moreira Neto9 consigna que os Estados-membros assimétricos distinguem-se dos demais por uma duplici-dade ou multiplicidade de tratamento constitucional, que pode ser permanente ou transitório. Esse tratamento pode dar-se em relação às autonomias políticas, administrativas ou financeiras, em decor-rência de fatores históricos, geográficos, demográficos, econômi-cos, sociais etc.

Horta assinala que o federalismo assimétrico é uma anomalia do federalismo simétrico, revelando rupturas nas linhas definidoras deste federalismo. Horta acrescenta que o federalismo assimétrico pode localizar-se no fenômeno fático, por deformação de institutos federais, como no ato normativo, mediante a criação de soluções autônomas oferecidas pela norma jurídica. A deformação fática do federalismo poderá advir da utilização permanente de técnica pre-vista para casos excepcionais, que deveriam ser temporários.

Tendo como ponto de referência o pensamento lançado pelos autores de “Os Artigos Federalistas”10, é possível afirmar que o ideal no sistema federal simétrico estaria representado nas seguin-tes assertivas: (1) cada Estado manteria, essencialmente, o mesmo relacionamento para com a autoridade central; (2) a divisão de po-deres entre o governo central e o dos Estados seria virtualmente a mesma em cada caso; (3) a representação no governo central esta-ria, para cada componente político, na mesma base; e (4) o suporte das atividades do governo central estaria igualmente distribuído. Vê-se que a igualdade revela-se manifesta nesses propósitos dos federalistas. Daí ser ela aspecto fundamental no sistema da federal simétrico.

9 Moreira Neto, Diogo de Figueiredo. O Tribunal de Contas do Município do Rio de Ja-neiro e a Emenda Constitucional nº 25/2000. Rev. Direito, v. 5, nº 9, jan/jun. 2001.10 Madison, James; Hamilton, Alexander; Jay, John. Os artigos federalistas. Rio de Ja-neiro: Nova Fronteira, 1993.

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Aliás, Mário Simões Barata11 assinala que, um dos maiores pro-blemas que também contribuiu para o fim da Confederação ameri-cana, foi a diversidade de interesses das várias regiões do continen-te americano. Os Estados do sul tinham interesses diferentes dos Estados do norte, bem como dos Estados entre estas duas zonas. Todas estas secções exerciam pressões sobre a Confederação no sentido de obterem vantagens para a sua própria região. O modelo confederativo não foi capaz de equacionar essas diversidades e de-sigualdades em um ambiente de baixa tensão social.

Naquele contexto histórico norte-americano, o federalismo surgiu como solução para a crise por que passava aquela socie-dade. Não é por outra razão que Augusto Zimmermann12 atri-bui o êxito do federalismo à capacidade que esta forma de orga-nização do Estado demonstra para compreender as diferenças existentes entre os entes políticos federados, visto que per-mite o balanceamento eficaz do poder político com os fato-res naturais mais gravosos à sobrevivência do pacto federativo.

Gastón Berger13 entende que não é possível haver federalismo sem um sentimento vivo do bem comum e que o seu verdadeiro fundamento moral reside naquela virtude superior que Descartes chamava de “generosidade”, na qual se manifesta a solidariedade intersubjetiva. Esta visão filosófica torna-se ainda mais relevante diante da interdependência que marca as relações do mundo con-temporâneo. Esta marca do mundo hodierno tem conduzido à que-bra de paradigmas. Quer isso dizer que situações antes consolida-das estão se desfazendo para edificação de uma outra realidade.

11 Barata, Mário Simões. O antifederalismo americano como linguagem político-constitu-cional alternativa. Lisboa: Coimbra Editora, 2002, pp. 34-35.12 Zimmermnn, Augusto. Teoria Geral do Federalismo Democrático. Rio de Janeiro: Edi-tora Lúmen Júris, 2005, pp. 61-64.13 Berger, Gastón. Federalismo y Federalismo Europeo. Madrid: Editorial Tecnos, 1965, pp. 15-32.

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José Woerhling14, refletindo sobre esse momento de transição e a igualdade e a diversidade no Estado Federal, registra que existe uma complementariedade e uma certa tensão entre o princípio federal e o princípio da igualdade e não discriminação. Em primeiro lugar, a complementariedade se manifesta na divisão de poderes que existe no seio do sistema federal, que pode servir para proteger indiretamente os direitos das pessoas, sobretudo quando esses direitos não estão direta-mente garantidos pela Constituição. Em segundo lugar, a complemen-tariedade provém do fato de que o princípio jurídico da igualdade e da não discriminação permite combater certos obstáculos à livre circula-ção de pessoas, bens e serviços. Entretanto, o recurso ao princípio da não discriminação para promover a uni-formidade jurídica e a unidade econômica tem posto também em relevo a contradição que existe en-tre a igualdade de tratamento e o princípio federal. Ora, a opção pelo sistema federal tem por objetivo permitir às diversas coletividades que compõem a federação manifestar e conservar sua própria especifici-dade. As competências do Estado central se limitam às matérias de interesse comum, já que os Estados-membros são livres para eleger as políticas que preferem em seus âmbitos de competência. Aqui surge, inevitavelmente, a diversidade de regimes jurídicos que entra em con-flito com o princípio da igualdade e da não discriminação e, de maneira mais geral, com o universalismo inerente aos direitos humanos.

O federalismo assimétrico representa uma ruptura nas linhas de-finidoras do federalismo simétrico. Chamaríamos esse fato de mu-tação do federalismo primitivo norte-americano. Talvez isso não represente um defeito em si mesmo, mas uma realidade inexorável que incide sobre o federalismo, visto que, como diz David Milne15,

14 Woerhling, José. Asimetría Federal y Estado Plurinacional. Madrid: Trotta, 1999, pp. 141-196.15 Milne, David. Asimetria Federal y Estado Plurinacional. Madrid:Editorial Trotta, 1999, pp. 69-97.

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parece que a assimetria é um fato natural. Não há sistema federal em que as unidades componentes sejam simétricas. Variam quanto a ta-manho, forma, economia, geografia, população, riqueza etc. Assim, o federalismo revela-se um instrumento flexível para lidar com as pressões advindas das forças das assimetrias que lutam para romper a unidade que constitui o cerne do sistema federal. A questão é saber a extensão desse caráter flexível do federalismo, uma vez que pode chegar a determinado patamar que já não mais retrate as característi-cas essenciais do federalismo. De todo modo, até aqui essa forma de organização do Estado tem se mostrado versátil diante das vigorosas intempéries que vêm dos fatores causadores das assimetrias “de fac-to” verificadas em quase todos os sistemas federais.

Como assinala Maurice Croisat16 o equilíbrio entre igualdade e assimetria não é fácil, mas de qualquer sorte sua aplicação signi-fica que todas as unidades federais são iguais entre si, mas alguns são mais iguais que os outros em função de disposições assimé-tricas.

5. Federalismo assimétrico em diversos países

O Federalismo assimétrico poderá manifestar-se de diversas ma-neiras variando de país para país. Poderá ocorrer uma atuação do poder central ou entre estados, conforme os objetivos a serem al-cançados para manter ou restabelecer o equilíbrio. Ao analisarmos os Estados propostos, constatar-se-ão as formas como se apresenta este tipo de federalismo. O esquema se segue é dado por Dircêo Torrecillas Ramos17.

16 Croisat, Maurice. Lê fédéralisme asymétrique: l´expérience canadiense. Revue Fran-çaise de Droit Constitutionnel, nº 37, 1999. Paris: Presses Universitaires de France, pp. 29-47.17 Ramos, Dircêo Torrecillas. ob. cit.

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A) Estados UnidosO federalismo nos Estados Unidos apresenta-se mais acentua-

damente com a cooperação entre Estados sem uma preocupação com a transferência de recursos, embora isto ocorra em volume substancial. Há uma colaboração como, por exemplo, no contro-le do comércio, no controle de trânsito de mercadorias proibidas, drogas etc. Apesar disso subentende-se a assimetria quando um Es-tado intermediário cooperando com outro interdita a circulação de mercadorias cuja entrada está proibida no Estado de destino. Há a proibição em um Estado e não há em outros. A preocupação pode-rá ser do Congresso no sentido de regular o comércio para evitar que o melhor preço decorra de salários mais baixos e jornadas de trabalhos maiores prejudicando a concorrência com outros Esta-dos, o que significa evitar a criação de uma desigualdade, de uma assimetria.

Mas os Estados Unidos apresentam outras formas de assime-tria. Esta ocorria antes da Emenda XIV, quando a constituição e as leis dos Estados-Membros prevaleciam diante das respecti-vas em nível federal. Cada unidade tinha uma relação de direi-tos diferente. Os direitos reconhecidos por uma não o eram em outra. Após a Emenda XIV a situação atenuou o problema, mas não eliminou completamente. Isto porque todos têm de respeitar o mínimo estabelecido pela União, não o pode contrariar, mas poderão estabelecer mais. Decorre que cada Estado tem uma lista diferenciada, com tratamento diferenciado das pessoas, dentro do território federal.

Para exemplificar, 37 Estados têm a pena de morte e 13 não a prevêem, ou seja, o indivíduo perde a vida em determinado Estado, enquanto outro cometendo o mesmo ato não a perde em outro Esta-do que leva em consideração o princípio da dignidade humana.

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B) SuiçaA Suíça apresenta um caso de associação com soluções assi-

métricas. Uma das preocupações da assimetria é com o equilíbrio entre a assimetria natural e a igualização artificial, de modo que os Cantões possam beneficiar-se reciprocamente sem dificultar um do outro.

Devido ao federalismo, há uma preocupação com a “igualiza-ção” em dois sentidos: entre a Confederação e os Cantões, em nível federal, entre cada Cantão e suas comunas, em nível cantonal. O problema é financeiro.

O federalismo contém uma quantidade de desigualdades. Por várias razões, algumas regiões são melhores e mais ricas do que outras. A questão é saber em que medida pode ser aceita e em que extensão é possível diminuir a injustiça de fato, sem ameaçar a in-dependência dos Estados-Membros. O aspecto econômico da assi-metria Suíça é importante, devido as grandes diferenças entre um e outro Cantão e porque mais acentuado do que as diferenças ins-titucionais.

A essência da igualização financeira é simplesmente a idéia de que os cantões ricos têm de pagar aos cantões pobres. Entretanto a questão não é tão fácil e os problemas surgem.

Quando em um Estado federal várias coletividades exercem juntas poderes “soberanos” e cumprem tarefas no mesmo territó-rio, há logicamente uma problemática concernente à determina-ção das tarefas públicas, relacionadas às finanças, entre aquelas coletividades. A atribuição de tarefas e recursos entre os diferen-tes níveis de Estado e seu resultado financeiro são chamados de igualização financeira.

Esta procura de igualdade poder ser resumida no seguinte: a atribuição de poder que significa a alocação de material e poderes financeiros para a “Confederação” e/ou para os cantões; a deter-

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minação de recursos, entre outros, o de receitas fiscais entre a “Confederação” e os cantões; a igualdade financeira, o nivela-mento das diferenças no encargo financeiro dos cantões.

A igualização requer o pagamento por encargos especiais, de encargos para a implementação de tarefas nacionais ou supra-regionais e finalmente é importante o reforço da capacidade fi-nanceira e do poder econômico dos cantões que permaneceram subdesenvolvidos.

Na Suíça, as metas podem ser expressas nos seguintes termos: “a igualdade financeira tem de permitir a todos cantões cumprir suas tarefas sem impor um muito pesado encargo aos seus cida-dãos”.

O sistema de igualização financeira suíço é implementado com base no artigo 42 da Constituição, que diz que a Confederação estimulará a igualdade entre os cantões. Em particular será dada consideração apropriada aos recursos financeiros dos cantões e para as regiões montanhosas sempre que subsídios federais são concedidos.

Tendo em vista o dispositivo constitucional, estabeleceu-se o princípio pelo qual se leva em conta a dosagem dos subsídios de acordo com a força financeira dos cantões. O princípio é aplicado somente se a lei federal não dispõe diferentemente.

A avaliação da capacidade financeira é de difícil aplicação. Deve-se levar em consideração a capacidade de recursos próprios, os gastos requeridos e os esforços para utilizar o potencial para ar-recadar receita própria. Deve haver um parâmetro para se avaliar os recursos, as necessidades e os esforços.

Os instrumentos de igualização financeira federal são os se-guintes:

1- os Cantões recebem da Confederação a participação em re-cursos federais, através de cotas, subvenções e reembolsos, sendo

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estas a contrapartida de despesas que os cantões assumem em vir-tude de lei federal;

2- participação cantonal para gastos da seguridade social fe-deral;

3- subsídio específico federal.As relações entre igualização financeira e federalismo são am-

bíguas. Por um lado há assimetria devido às naturais diferenças en-tre os cantões. Entretanto, grandes desigualdades entre os cantões são uma ameaça para o federalismo, porque cria tensões e conflitos entre eles e estas tensões poderiam matar o federalismo. Por outro lado a igualização representa, de certa forma, uma ameaça ao fede-ralismo, visto que pode chegar ao ponto de suprimir a independên-cia e a responsabilidade dos Estados-Membros. A solução é medida justa: o estado federal tem de encontrar um equilíbrio entre a assi-metria natural e a igualização artificial, de forma que cada cantão possa beneficiar-se do outro sem dificultar um o outro.

O caso da Suíça permite concluir, também, que o princípio de competição tem de ser preferido em relação ao princípio de har-monização. O exemplo da Suíça mostra que as diferenças entre as cargas fiscais não conduzem à perda de qualidade dos padrões de vida em alguns cantões nem a um “caos fiscal”. Ao contrário, a competição fiscal entre os cantões leva a um melhor uso dos meios e dos débitos. Este é um bom sinal para a integração Européia sem uma única moeda.C) Canadá

Entre os sistemas federais, o Canadá tem se destacado com um modelo de assimetria, não só de facto como também de jure.

Como já vimos, assimetria de facto – variações em tamanho, população, geográfica, econômica, social, cultura política e algu-mas vezes riquezas, cultura e histórica entre as unidades políticas – são típicas de muitas federações. No Canadá tais assimetrias são

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agudas realmente. Conforme o quadro abaixo, pode-se comparar o tamanho, a população, a riqueza e a dependência de algumas loca-lidades:

Área (000 km2)1 População1 2006

PIB Canadá1 2003

Dependência2 Federal

Nova Scotia 55,28 938.134 29 bi 7,4%

Nova Brunswick 72,90 751.400 15 bi 8,7%

Quebec 1.542,05 7.560.592 280 bi 3,2%

Ontário 1.076,39 12.439.755 484 bi 2.2%

Fonte: (1) Wikipédia.org(2) Institut de la statistique du Québec – 2005

Essas assimetrias produziram atitudes evidentemente assimétri-cas. As variações em população, riqueza e tamanho sustentam a contínua e por vezes reiterada imagem do Canadá, como compos-to de um centro – Ontário e Quebec - e a periferia formada pelas demais unidades. As políticas provinciais alimentaram o ressenti-mento dos canadenses fora de Ontário e Quebec com relação a esta aparente desigualdade de poder e de status entre províncias. A este respeito surgiram especulações sobre o impacto que a assimetria pode causar na coesão federal.

No contexto da assimetria de facto canadense, Quebec particular-mente evidencia-se. Sua distinta composição lingüística como a re-gião da única província de maioria do idioma francês no Canadá e a única distinta maioria de jurisdição de idioma francês no Canadá de toda a América do Norte significa que os habitantes de Quebec pouco provavelmente consideram sua província como as outras no Canadá. As distinções de Quebec com relação a outras províncias são basea-das não só na língua, mas também na sua cultura, no uso do código civil, nas suas instituições sociais e na sua profunda e enraizada tra-dição histórica que ainda olha para o passado. Tem sido este gênero de assimetria que tem conduzido Quebec a pressionar, continuamente

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através da história da federação canadense e durante as últimas 03 dé-cadas de deliberações constitucionais, por arranjos de jure mais ade-quados para expressar esta lingüística, cultural e social assimetria.

6. Federalismo Assimétrico no Brasil

A) Assimetria de factoA assimetria de facto na realidade do federalismo brasileiro é

evidente, como se pode vislumbrar dos dados constantes da tabela abaixo.

REGIÃO ÁREA mil km2

POP./mil1 PIB1R$/bi

TRANSF. VOL.2

R$/biDEPUTADOS3

Norte 3.869 15.023 93 1,08/PIB 1 65

Nordeste 1.558 52.191 248 1,12/PIB 2 151

Centro-Oeste 1.607 13.269 116 0,42/PIB 0,4 41

Sudeste 924 78.472 970 0,20/PIB 2 179

Sul 576 37.107 331 0,30/PIB 1 77

Fonte: (1) IBGE/2003 (2) Tesouro Nacional/2006 (3) Câmara dos Deputados

A partir desses dados, verifica-se uma clara assimetria entre as regiões que brasileiras, que é histórica. Daí o tratamento recebido no âmbito constitucional.

B) Assimetria de jureB.1) Constituição de 1891

No art. 5º expressa: “Incumbe a cada Estado prover, as expensas próprias, as necessidades de seu governo e administração; a União, porém, prestará socorros ao Estado que, em caso de calamidade pública os solicitar”. Observa-se que traçados estavam os primeiros passos para uma cooperação, causada por uma assimetria de facto.

B.2) Constituição de 1934No art. 5º, inciso XV, determina como competência privativa da União

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“organizar a defesa permanente contra os efeitos da seca nos Estados do norte”. Verifica-se nessa disposição um tratamento assimétrico.

B.3) Constituição de 1946A Constituição de 1946 trazia a preocupação de reduzir as desigual-

dades regionais. Assim, no mínimo 60% da renda resultante da tribu-tação do imposto sobre produção, comércio, distribuição e consumo, bem assim importação e exportação de lubrificantes e de combustíveis líquidos ou gasosos de qualquer origem ou natureza eram entregues aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, proporcionalmente à sua superfície, população, consumo e produção (art. 15, §§ 2º e 4º).

B.4) Constituição de 1967Destaca-se nesta Constituição o aspecto relativo à representação

popular, que foi fixada com um novo cálculo proporcional e um mí-nimo de 07 Deputados para cada Estado. Com a Lei no 6.007/1973 e a Emenda Constitucional no 25/1985, o número máximo de De-putados foi fixado em 70 e o mínimo foi elevado para 08. Essas alterações na representação popular acabaram gerando o desequilí-brio pelo qual as Regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste passaram a ter maioria nas duas Casas do Congresso. Isso tem repercussão nas emendas constitucionais e na legislação federal cujas aprova-ções dependem de maiorias qualificadas. Esta legislação determi-na a redistribuição de rendas, alocação de recursos, incentivos, e o possível controle na aplicação dos benefícios.

B.5) Constituição de 1988Vários são os dispositivos da Constituição de 1988 que manifestam

a assimetria, reconhecendo as diferenças e procurando o equilíbrio, ou a diminuição das desigualdades. As disposições insertas no parágrafo único do artigo 23, no caput do artigo 43 e no inciso I do artigo 151,

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são exemplos. Note-se que tais dispositivos constitucionais fazem refe-rência à promoção do equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País, visando à redução das desigualdades regionais.

Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho18, a despeito desse reconhecimento, que repercute no sistema tributário nacional, a re-distribuição de recursos, visando ao desenvolvimento das regiões menos favorecidas do País, resulta na centralização do sistema fe-deral brasileiro, visto que está no âmbito da União a redistribuição dos recursos e o comando do desenvolvimento regional.

7. Federalismo assimétrico indutor do federalismo cooperativo

Em vários países que adotam o sistema federal, é manifesta a dis-paridade populacional, de riqueza, territorial e numérica. Tal ocorre com o Brasil. Tome-se, a título de exemplo, o vasto território do Amazonas e do Pará, a situação de dificuldade do Nordeste, a super-população do Rio de Janeiro e de São Paulo com sua concentração industrial. Com estas peculiaridades, o Brasil reclama uma política de cooperação para diminuir as desigualdades regionais, com apli-cação adequada de incentivos, distribuição justa de recursos.

Gilberto Bercovici19 analisa esse tema registrando que a pro-blemática dos desequilíbrios regionais do Brasil foi incorporada às proposições da Constituição de 1988 e que a redução das de-sigualdades regionais passa pela institucionalização política da Região pelo Federalismo Regional e pelo manejo dos seguintes

18 Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. Aspectos do Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2003, pp. 172-185.19 Bercovici, Gilberto. Constituição Econômica e Desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988. Malheiros Editores, 2005, pp. 87-116.

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instrumentos consagrados no texto constitucional em vigor: (1) o modelo cooperativo de federalismo; (2) os fundos de participação; e (3) o planejamento e a criação de regiões administrativas.

Com efeito, o federalismo assimétrico é indissociável do fede-ralismo cooperativo. Tal se dá porque, no federalismo, a noção de solidariedade entre os entes federados constitui um dos fatores que, atualmente, deve ser observado. Como assinala Adalberto Pimentel Diniz de Souza20, cada unidade da federação fornece recursos pró-prios para a manutenção do federalismo. Assim se forma a unidade para garantia dos diversos objetivos do sistema federal.

8. Conclusão

O federalismo assimétrico e o federalismo cooperativo, de fato, são instrumentos relevantes e viáveis no combate às desigualdades que se verificam entre os Estados-membros do sistema federal, por-quanto permitem a acomodação das situações de tensão e conflitos geradas pelos desequilíbrios, surgindo como solução temporária para esse problema.

Então, o sistema federal comporta formas de tratamento desi-gual sem desfigurar, de forma significativa, o princípio federativo da igualdade entre os membros componentes da federação.

A questão é saber em que medida pode ser aceita essa solução e em que extensão é possível diminuir a desigualdade de fato, sem ameaçar os princípios federativos.

20 Souza, Adalberto Pimentel Diniz de. A mecânica do federalismo. Revista de Informa-ção Legislativa, v. 42, nº 165, jan./mar. De 2005, pp. 169-176.

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Atos de AposentAdoriA sujeitos A registro pelos tribunAis de contAs: AplicAção dA AmplA

defesA e do contrAditório

Rosimary Martins Medeiros Analista de Finanças e Controle Externo do TCDF

Introdução

O presente trabalho versa sobre a aplicação dos princípios da ampla defesa e do contraditório aos processos administrativos, es-pecificamente no que se refere aos atos de aposentadoria dos servi-dores públicos sujeitos a registro no âmbito do Tribunal de Contas da União e do Tribunal de Contas do Distrito Federal, conforme previsto nos artigos 71, inciso III e 75 da Constituição Federal.

A matéria envolve assunto de direito constitucional, encontran-do-se prevista no artigo 5.º, inciso LV, no título dos direitos e ga-rantias fundamentais, no capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos.

O estudo aborda também matéria de direito administrativo, ten-do como destaque a Lei n.º 9.784/99, que cuida do processo admi-nistrativo na esfera federal, recepcionada no Distrito Federal pela Lei n.º 2.834/01, que dispõe sobre a obediência aos princípios aci-ma mencionados.

Enfoca a questão da obrigatoriedade ou não dos Tribunais de Con-tas oferecer oportunidade de defesa prévia aos aposentados quando a apreciação dos atos de aposentadoria resultar em uma ilegalidade ou redução dos proventos, como procedimento indispensável à ob-servância dos princípios da ampla defesa e do contraditório.

Busca verificar se o recurso previsto no regimento interno dos Tri-bunais de Contas que, no caso de aposentadoria, é o pedido de reexame,

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cujo efeito é suspensivo, atende ou não aos princípios constitucionais acima destacados, dada a ausência de previsão da defesa prévia.

Analisa, também, à luz dos referidos princípios, as situações em que os Tribunais de Contas depois de apreciados os atos de aposen-tadoria, em se verificando posteriormente a ilegalidade desses atos, vêm a reformar sua decisão.

Para se chegar a um resultado sobre o tema, sem olvidar de ou-tros entendimentos, adotou-se como fontes de pesquisa a doutrina, a jurisprudência e a legislação, tendo como base, principalmente, a tese de monografia da presente articulista que tratou da “Ampla Defesa e Contraditório nos Tribunais de Contas: Aplicação aos Pro-cessos de Aposentadorias, Reformas e Pensões”1.

1. Princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório

Os princípios da ampla defesa e do contraditório estão pre-vistos na Constituição Federal, em seu artigo 5.º, Inciso LV, nos moldes estabelecidos a seguir: “aos litigantes, em processo judi-cial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”2.

Esses princípios devem ser observados nos processos adminis-trativos, visando assegurar ao particular o direito de se defender, oportunizando todos os meios para essa defesa, sendo para isso for-malizado um processo.

1 MEDEIROS, Rosimary Martins. Ampla Defesa e Contraditório nos Tribunais de Con-tas: Aplicação aos Processos de Aposentadorias, Reformas e Pensões, UniDF, 2005.2 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 31. ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 11.

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1.1 Da ampla defesaNa definição de Celso Ribeiro Bastos: “Por ampla defesa deve-

se entender o asseguramento que é feito ao réu de condições que lhepossibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade”3.

Nesses termos, a administração pública deve buscar a verdade, possibilitando ao administrado trazer ao processo a sua defesa e documentos que demonstrem a sua versão.

Dessa forma, com a observância desse princípio, as decisões proferidas pela administração pública ficam respaldadas, sendo do-tadas de credibilidade, pois foi dada à parte interessada o direito à ampla defesa.

1.2 Do contraditórioO princípio do contraditório permite que o administrado tome

conhecimento de todos os atos e documentos juntados ao processo, sendo assegurado o direito de se manifestar sobre cada um deles.

Segundo Celso Ribeiro Bastos: O contraditório é pois a exteriorização da própria defesa. A todo

ato produzido caberá igual direito da outra parte de opor-lhe ou dar-lhe a versão que lhe convenha, ou ainda de fornecer uma inter-pretação jurídica diversa daquela feita pelo autor.4

Verifica-se, assim, que esse princípio representa o equilíbrio entre o particular e o Estado, pois dá àquele o direito de se mani-festar no processo sobre cada documento ou instrução elaborada por este.

3 BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002, p. 387.4 Ibidem, p. 388.

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2. Processo administrativo

O processo é um instrumento de garantia dos princípios da am-pla defesa e do contraditório, os quais têm relação direta com o princípio do devido processo legal.

Dispõe a Constituição Federal em seu artigo 5.º, Inciso LIV que: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”5. Portanto, ao se formalizar um processo passa-se a observar todo um procedimento que assegura o direito de defesa

Egon Bockmann Moreira ao tratar do princípio do devido pro-cesso legal dispõe que:

[...] o ‘devido processo legal’ estabelece três requisitos simultâne-os a qualquer tipo de investida, direta ou indireta contra a ‘liberdade ou bens’ dos particulares. Não poderá haver aviltamento, ataque ou supressão desses dois direitos sem processo, que deverá ser adequa-damente desenvolvido, tal como predefinido em lei6

Dessa forma, o processo administrativo assegura ao adminis-trado o direito à ampla defesa e ao contraditório, por meio do de-vido processo legal, sendo também uma garantia do Estado, pois num processo em que não há cerceamento de defesa, as decisões administrativas tendem a ser menos passíveis de revisão pelo ju-diciário.

2.1 Do processo administrativo em geralA Lei n.º 9.784/99 trata do processo administrativo em geral na

esfera federal e prevê a aplicação dos princípios da ampla defesa e do contraditório para esses processos, in verbis:

5 BRASIL. Constituição (1988), op. cit., p. 10.6 MOREIRA, Egon Bockmann, Processo Administrativo: Princípios Constitucionais e a Lei nº 9.784/1999. 2. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 260.

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Art. 2º. A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos prin-cípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionali-dade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência 7.

Com forma para assegurar a aplicação dos princípios da ampla defesa e do contraditório, a referida lei estabelece em seu artigo 2.º, Parágrafo único, inciso X: “garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interpo-sição de recursos nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio”.8

No âmbito do Distrito Federal, a mencionada lei foi recep-cionada pela Lei distrital n.º 2.834/2001. Convém ressaltar que a Lei federal n.º 9.784/99, em determinados processos que pos-suem legislação específica, aplica-se apenas subsidiariamente (artigo 69).

2.2 Dos recursos administrativos e seus efeitosOs princípios da ampla defesa e do contraditório compreendem,

além do direito da parte se manifestar no curso do processo, o direi-to de recorrer após ser proferida a decisão administrativa.

No dizer de Hely Lopes Meirelles os recursos administrativos “[...] são todos os meios hábeis a propiciar o reexame de decisão interna pela própria Administração, por razões de legalidade e de mérito administrativo”9.

A Lei n.º 9.784/99 dispõe sobre a possibilidade de recurso das decisões administrativas, sem efeito suspensivo como regra, podendo excepcionalmente ser concedido esse efeito, desde que expressamente previsto. Ademais, é possível a revisão das decisões

7 ANGHER, Anne Joyce. (org.), Mini Vade Mecum de Direito 7, São Paulo: Rideel, 2005, p. 1136. (grifo nosso).8 Ibidem, p. 1136-1137.9 MEIRELLES, Hely Lopes. Atualizado por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Bal-estero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. Direito Administrativo, 30. ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 653.

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administrativas em que seja imputada uma punição (arts. 56, 61, Parágrafo único e 65, Parágrafo único).

Ressalte-se, ainda, que a Lei n.º 9.784/99 prevê a possibilidade de “reformatio in pejus” aos recursos administrativos (art. 64, Pa-rágrafo único), dando ao recorrente novamente a oportunidade de se defender e apresentar provas, observando, assim, a ampla defesa e o contraditório.

3. O controle externo e a apreciação da legalidade dos atos de aposentadoria

A Constituição Federal de 1988 assim dispõe sobre o controle externo, in verbis:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exer-cido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, a qual compete:

[...]III – apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de ad-

missão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indire-ta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissões, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório10.

Essa competência também é atribuída, por simetria, ao Tribunal de Contas do Distrito Federal, a teor do artigo 75, da Constituição Federal.

Na definição de Luciano de Araújo Ferraz o “Controle externo é exercido por órgão diverso, não pertencente à estrutura do respon-sável pelo ato controlado [...]”11.

10 ANGHER, Anne Joyce. (org.), op. cit., p. 119.11 FERRAZ, Luciano de Araújo. Controle da Administração Pública: elementos para a compreensão dos Tribunais de Contas. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999, p. 98.

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O Tribunal de Contas ao apreciar a legalidade dos atos de aposentadoria, no exercício de sua competência constitucio-nal, exerce função de natureza administrativa, cuja decisão não é submetida às casas legislativas. Como observa Paulo Modesto:

[...] a função de que aqui se trata não se enquadra dentre aquelas tidas como ‘atribuições de auxílio ao Congresso Nacional’ [...] Trata-se de competência própria e constitucionalmente delineada e atribuída às Cortes de Contas, não sujeitas a verificação posterior pelo Legis-lativo12.

A análise dos atos de concessões de aposentadoria pelo Tribunal de Contas pode resultar em decisão pela legalidade; pela ilegalida-de na ausência de requisito indispensável para a sua validade; pela determinação de diligência para saneamento de falhas ou, então, pela legalidade com recomendação de correção posterior, havendo divergência doutrinária e jurisprudencial quanto a esta última. No dizer de Paulo Modesto: “[...] não se admite o registro do ato em moldes diferentes do que foi concedido. Não podendo o ato de con-trole modificar o ato concessivo [...]”13.

Ademais, quando da apreciação da legalidade dos atos de aposentadoria, o Tribunal de Contas verifica a regularidade da despesa com proventos, decorrente do respectivo ato de con-cessão.

4. Atos de aposentadoria e a teoria dos atos complexos versus atos compostos

Os atos de aposentadoria são atos administrativos, sendo estes definidos por Maria Sylvia Zanella Di Pietro como:

12 MODESTO, Paulo. (org.), Reforma da Previdência: Análise e crítica da Emenda Con-stitucional n.º 41/2003. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 219.13 Ibidem, p. 224.

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“[...] a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídi-co de direito público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário”14.

Há uma celeuma em torno dos atos de aposentadoria quanto ao ques-tionamento de que se trata de atos complexos ou de atos compostos.

Luciano de Araújo Ferraz, ao tratar do assunto ora abordado, defende que:

“[...] o ato de aposentadoria é ato complexo – depende da ma-nifestação de vontade de mais de um órgão da administração para que possa existir como ato jurídico, alcançando eficácia, validade e perfeição”15.

Paulo Modesto entende que esses atos são compostos, argumen-tando que:

“[...] por se tratarem de atos diversos, um concessivo e ou-tro controlador da legalidade do primeiro, não se configura integração de vontades e por isso não há que se falar em ato complexo”16.

Michel Martins de Morais, em sua tese de monografia sobre o tema “A Defesa do Interessado no Processo de Apreciação, pelos Tribunais de Contas, da Legalidade das Concessões de Aposentado-ria”, não obstante à sua conclusão de não obrigatoriedade de defesa prévia quando da apreciação da legalidade dos atos de aposentado-ria pelos Tribunais de Contas, defende que o ato de aposentadoria não se trata de ato complexo, in verbis:

O critério para distinguir o ato de aposentadoria do ato complexo (por exemplo, o decreto que exige, além da assinatura do Presidente da Repú-blica, a dos Ministros de Estado) há de ser, assim, a aptidão para operar efeitos desde logo (leia-se: desde a primeira manifestação de vontade), que aquele possui e este não17.

14 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo.18. ed., São Paulo: Atlas, 2005, p. 189.15 FERRAZ, Luciano de Araújo, op. cit., p. 156.16 MODESTO, Paulo. (org.), op. cit., p. 222.17 MORAIS, Michel Martins de. A Defesa do Interessado no Processo de Apreciação, pe-los Tribunais de Contas, da Legalidade das Concessões de Aposentadoria. UNB, 2005, p. 21.

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Embora haja posicionamento divergente, a tese da teoria dos atos complexos tende a prevalecer, pois há a manifestação de vontade de dois órgãos distintos para que o ato de aposentadoria se torne perfeito e acabado.

Segundo Carlos Lindenberg Ruiz Lanna:“Toda vez que houver concurso de vontades de mais de um órgão

Administrativo como condição para formação de um único ato, esta-remos diante de um ato complexo”18.

Esse entendimento da teoria dos atos complexos vem sendo ado-tado pelo Supremo Tribunal Federal. A exemplo do Mandado de Segurança n.º 25112/DF – Distrito Federal, em que o Relator Mi-nistro Marco Aurélio assim dispõe sobre a matéria:

“O processo atinente à aposentadoria é de natureza complexa, ini- ciando-se com o ato do Órgão a que integrado o servidor e terminando com a manifestação do Tribunal de Contas da União” 19.

5. Processos de aposentadorias

Os servidores públicos ao implementarem os requisitos para a concessão de aposentadoria são aposentados por meio de um ato publicado no diário oficial, sendo formalizado um processo, que se inicia no órgão responsável pela concessão do ato e posteriormente é encaminhado ao Tribunal de Contas para apreciação da legalidade e verificação da regularidade dessa despesa.

5.1 Da litigância e da defesa préviaNos processos de aposentadorias não há litigância enquanto não

houver decisão do Tribunal de Contas pela ilegalidade ou que acar-

18 LANNA, Carlos Lindenberg Ruiz. Manual dos Atos Administrativos. São Paulo: Edi-tora de Direito, 2003, p. 58.19 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Administrativo. Mandado de Segurança. MS 25112. Impetrante: Dirceu Arnaud Diniz. Impetrado: Presidente do Tribunal de Contas da União. Relator: Ministro Marco Aurélio, Brasília, DF, 25.10.2004. Disponível em: <http:www.stf.gov.br/ jurisprudência/>.Acesso em:07 set. 2005.

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rete redução dos proventos do servidor, pois até então não há conflitos de interesses. Aliás, esses interesses podem ser convergentes no caso do registro da legalidade da concessão pelo Tribunal na forma em que foi concedida pela adminis-tração.

Nesse sentido, destaca-se o parecer do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal, Procurador Inácio Ma-galhães Filho, que assim dispõe:

“quando a jurisdicionada acolhe a pretensão do servidor e o Tribu-nal a ela opõe-se, afigura-se o litígio, pois a Corte estaria resistindo à pretensão do servidor, causando conflito [...]”20.

Sendo assim, ao ser instaurada a litigância faz-se necessá-rio dar oportunidade de defesa, pois devem ser observados os princípios da ampla defesa e do contraditório nos processos li-tigiosos.

Dessa forma, no caso de processos de aposentadorias não há obrigatoriedade de defesa prévia, entendendo-se esta como de-fesa anterior à decisão dos Tribunais de Contas, pois antes desta ser proferida não há litigância, tratando-se, pois, de ato unila-teral que a Corte de Contas exerce na sua atividade de controle externo.

5.2 Dos recursos e o efeito suspensivoDa decisão dos Tribunais de Contas, referente ao ato de con-

cessão de aposentadoria, pode ser impetrado o recurso denomi-nado de pedido de reexame, com efeito suspensivo, ou seja, a decisão impugnada não produz efeito até o novo pronunciamen-to da Corte de Contas (artigo 286, Parágrafo único, combinado 20 DISTRITO FEDERAL. Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do DF. Parecer n.º 0660/04-IMF. Processo n.° 2093/04. Estudos Especiais. Procurador: Inácio Magalhães Fil-ho, Brasília, DF, 04.10.2004. Disponível em: <http://www.tc.df.gov.br/PesquisaTextual/bus-caArquivo.php? arquivo= Ord/Parecer/2004/11/ MP48815.doc>. Acesso em: 20.09.2005.

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com o artigo 285, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União)21.

Outro instituto que se aplica às concessões de aposentadorias é o recurso de revisão, que prevê a possibilidade de se recorrer das decisões de caráter definitivo do Tribunal, no prazo de cinco anos, porém sem efeito suspensivo (artigo 191 do Regimento Interno do Tribunal de Contas do Distrito Federal), nas seguintes hipóteses: “em falsidade ou ineficácia de documentos em que se tenha fun-damentado o acórdão ou a decisão recorrida; na superveniência de documentos com eficácia sobre a prova produzida”22.

Pode, ainda, ocorrer a “reformatio in pejus” das decisões pro-feridas nos processos de aposentadorias. Jorge Ulisses Jacoby Fer-nandes, sem olvidar da existência de outro entendimento, destaca essa possibilidade:

O processo administrativo de controle situa o órgão julgador também como fiscal da administração, e, portanto, se na fase recursal tiver co-nhecimento de fatos que agravem a situação do recorrente, poderá, sim, determinar novas apurações e, inclusive, instaurar novo e específico pro-cesso [...]23.

Questionamento importante é se o pedido de reexame, que tem como regra o efeito suspensivo, atende aos princípios da ampla defesa e do contraditório, como primeira oportunidade de defesa do servidor aposentado. Pode-se afirmar que sim, pois os atos de

21 BRASIL. Resolução n.º 155, de 04 de dezembro de 2002. Última atualização em 29.06.2005. Regimento Interno do Tribunal de Contas da União. Boletim do Tribunal de Contas da União Especial, Brasília, DF, ano 38, n. 12, p. 1-102, 16 jun. 2005. p. 74. Disponível em: <http://www2.tcu.gov.br/pls/portal/docs/PAGE/TCU/NORMAS_JU-RISPRUDENCIA/REGIMENTO_INTERNO/BTCU_ESPECIAL_12_DE_16_06_2005.DOC>. Acesso em: 20 set.2005.22 BRASIL. Resolução n.º 38, de 30 de outubro de 1990. Redação atualizada. Regimento Interno do Tribunal de Contas do Distrito Federal. Diário Oficial do Distrito Federal, Poder Legislativo, Brasília, DF, 06 nov. 1990. Disponível em:<htt://www.tc.df.gov.br/si-legispages/tc_02_inter.asp>. Acesso em: 16 set 2005.23 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby, Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e com-petência. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2003, p. 466.

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aposentadorias são atos complexos e que não há litigiosidade nes-ses processos enquanto não houver decisão do Tribunal de Contas.

6. A coisa julgada administrativa e o poder de autotutela

As decisões dos Tribunais de Contas não fazem coisa julgada material, podendo o poder judiciário rever essas decisões, pois es-tas fazem apenas coisa julgada formal administrativa.

Ressalte-se, também, que o Tribunal de Contas pode rever suas decisões, mesmo depois de efetuado o registro, em se verificando vício de ilegalidade, em razão do exercício do poder de autotutela. De acordo com Maria Sylvia Zannela Di Pietro: “[...] a Adminis-tração Pública, estando vinculada ao princípio da legalidade, tem o poder-dever de rever os atos ilegais (poder de autotutela) inde-pendentemente de petição do interessado [...]”24.

No Supremo Tribunal Federal, a matéria encontra-se disposta na Súmula de Jurisprudência n.º 473.

Todavia, o princípio da autotutela não tem caráter absoluto, sen-do atualmente mitigado, a exemplo do artigo 54 da Lei n.º 9.784/99, in verbis:

Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrati-vos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo compro-vada má-fé25.

No âmbito do Tribunal de Contas da União, o entendimento é o de que o prazo decadencial de cinco anos começa a correr após aapreciação da legalidade da concessão de aposentadoria pelo Tribu-nal, conforme Regimento Interno, in verbis:

24 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Coisa Julgada – Aplicabilidade a Decisões do Tribu-nal de Contas da União. Revista do Tribunal de Contas da União, Brasília, v. 27, ano 96, n. 70, p. 23-36, out./dez. 1996. p. 32. (grifo da autora).25 ANGHER, Anne Joyce. (org.), op. cit., p. 1143.

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Art. 259 [...]§ 2º O acórdão que considerar legal o ato e determinar o seu

registro não faz coisa julgada administrativa e poderá ser revisto de ofício pelo Tribunal, com a oitiva do Ministério Público, dentro do prazo de cinco anos do julgamento, se verificado que o ato viola a ordem jurídica, ou a qualquer tempo, no caso de comprovada má-fé26.

No Tribunal de Contas do Distrito Federal, tem-se como pre-cedente o processo n.º 497/02, Decisão n.º 1.675/2003, em que o Tribunal decidiu considerar: “[...] inaplicável o artigo 54 da Lei Federal n.º 9.784/99, recepcionada no Distrito Federal pela de n.º 2.834/01, para obstar o exercício do controle externo a cargo do Tribunal de Contas do Distrito Federal”27. Sendo esse entendimento ratificado no Processo n.º 5.528/95, Decisão n.º 1.424/0428.

Nesse caso, faz-se necessária a defesa prévia, conforme de-fende o parecerista do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal, Inácio Magalhães Filho: “Nas con-cessões já chanceladas pelo Tribunal, há clara necessidade de audiência prévia do interessado, eis que o ato já está acabado e completo”29.

Com efeito, nessa situação devem ser assegurados previamente ao aposentado todos os meios de defesa, pois instaurada estar a litigiosidade. E de outro modo não poderia ser, sob pena de se estar

26 BRASIL. Resolução n.º 155, op. cit., p. 68.27 BRASIL. Tribunal de Contas do Distrito Federal. Estudos Especiais. Processo n.º 497/02. Decisão n.º 1675/2003, Relator Conselheiro Antônio Renato Alves Rainha, Brasília, DF, 08.04.2003. Disponível em: <http://www.tc.df.gov.br/Tcdfdocs/Ord/Decisao/2003/1675.htm>. Acesso em: 20.09.2005.28 BRASIL. Tribunal de Contas do Distrito Federal. Complementação de Pensão Civil. Processo n.º 5528/95. Decisão n.º 1424/04, Relator Conselheiro Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, Brasília, DF, 01.04.2004. Disponível em: <http://www.tc.df.gov.br/Tcdfdocs/Ord/Decisao/2004/1424.htm>.Acesso em: 20.09.2005.29 DISTRITO FEDERAL. Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do DF. Parecer n.º 0660/04-IMF. Processo n.° 2093/04. Estudos Especiais. Procurador: Inácio Magal-hães Filho, Brasília, DF, 04.10.2004. Disponível em: <http://www.tc.df.gov.br/Pesquisa-Textual/buscaArquivo. php?arquivo= Ord/Parecer/2004/11/ MP48815.doc>. Acesso em: 20.09.2005.

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ferindo os princípios da ampla defesa e do contraditório, causando insegurança jurídica.

7. Aplicação dos princípios da ampla defesa e do contraditório nos processos de aposentadorias

Considerando que os processos de aposentadorias são processos administrativos não há como se escusar da aplicação dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. A questão cru-cial diz respeito em qual momento processual deve ser oferecida a oportunidade de defesa aos aposentados, previamente? ou após a decisão dos Tribunais de Contas, mediante recurso administrativo? Destaca-se, a seguir, o entendimento da doutrina, dos Tribunais de Contas da União e do Distrito Federal, bem como da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

7.1 Da doutrinaJorge Ulisses Jacoby Fernandes esclarece que a relação pro-

cessual do Tribunal de Contas é com a administração pública que praticou o ato, na pessoa do seu responsável (ordenador de des-pesas), a qual sofre o controle do Tribunal. Quanto ao servidor aposentado trata-se de terceiro interessado, in verbis:

Nesse momento, porém, o aposentado – terceiro interessado -, cientificado do novo ato no mundo jurídico – decisão do tribunal de contas -, exerce sobre ele o princípio do contraditório, sustentando a legalidade, independente da legitimidade concorrente da própria autoridade que praticou o ato. Ambos terão legitimidade, à luz dos princípios em tela, para recorrer30.

Segundo o autor acima citado, o aposentado, na figura de terceiro interessado, após a decisão do Tribunal de Contas, pode exercer

30 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby , op. cit., p. 522.

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o seu direito de defesa no caso de ilegalidade do ato de aposentadoria ou alguma supressão dos proventos de aposentadoria. Esse direito de recorrer poderá ser exercido de forma concorrente com a administra-ção pública ou independente desta recorrer. Portanto, o direito de de-fesa ocorre em momento posterior à decisão do Tribunal de Contas, caso esta venha acarretar alguma modificação, de forma negativa, na concessão do ato de aposentadoria pela administração.

Osvaldo Rodrigues de Souza, destaca que a apresentação de defe-sa não se resume apenas ao recurso de uma decisão. E conclui que:

[...] é de todo recomendável o exercício do direito de defesa, pelos interessados, sempre que da decisão possa advir restrição a benefício que lhes tenha sido deferido pela Administração. Se houver pedido nesse sentido, essa oportunização se torna obrigatória, em face do en-focado dispositivo do magno texto31.

De fato, a ampla defesa e o contraditório devem ser oportuni-zados em mais de um momento processual, sendo o recurso admi-nistrativo apenas um de seus instrumentos. Todavia, esses meios de defesa ocorrem nos processos litigiosos, sendo que, no caso das concessões de aposentadorias, o litígio se inicia a partir do instante em que o Tribunal de Contas analisa esses atos de concessões e decide pela ilegalidade, negando o seu registro, ou então, quando a decisão da Corte de Contas tem o efeito de reduzir os proventos do aposentado. E nesse momento processual, não há que se falar mais em defesa prévia e sim no recurso cabível que, neste caso, é o pedido de reexame, cujo efeito é suspensivo.

Corroborando esse entendimento, Michel Martins de Morais, em sua tese de monografia “A Defesa do Interessado no Processo de Apreciação, pelos Tribunais de Contas, da Legalidade das Con-cessões de Aposentadoria”, assim dispõe:

31 SOUZA, Osvaldo Rodrigues de. O Exercício Constitucional de Ampla Defesa e o Con-traditório no Tribunal de Contas. Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal, Bra-sília, v. 20, ano 94, n. 20, p. 19-28, jan. 1994, p.28.

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A defesa posterior à decisão do Tribunal de Contas atende aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa porque o recurso (pedido de reexame no Tribunal de Contas da União e no Tribunal de Contas do Distrito Federal), se admitido, suspende os efeitos da decisão atacada, equi-valendo, em termos práticos, à defesa prévia32.

7.2 Das decisões do Tribunal de Contas da UniãoNo Tribunal de Contas da União o entendimento é o de que não

há necessidade de defesa prévia, ou seja, antes da decisão que apre-cia a legalidade, para fins de registro, dos atos de aposentadorias.

Nesse sentido, destaca-se o Acórdão n.º 0022-01/04-2 – Segun-da Câmara, Relator Adylson Motta:

[...] Como visto, o exame procedido pelo Tribunal sobre os atos de aposen-tadorias e pensões caracteriza uma ação de fiscalização, voltada para a verifica-ção da legalidade dessas concessões. Nesse sentido, não se encontra tal exame sujeito ao contraditório dos beneficiários, sob pena de comprometimento da efetividade do controle externo constitucionalmente delegado a esta Corte.

[...]Não merece, por conseguinte, prosperar a preliminar de ausência de cita-

ção ou de violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, por não ter sido a interessada chamada aos autos antes da primeira decisão33.

O entendimento do Tribunal de Contas da União se baseia em jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, conforme se verifica no voto do Ministro Guilherme Palmeira, condutor da Decisão n.º 0233-28/00-1 - Primeira Câmara, in verbis:

Relativamente à preliminar de cerceamento de defesa, suscita-da pelo recorrente, cumpre observar que a mesma questão já foi, por diversas vezes, enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal, que, à unanimidade, tem entendido inexistir direito ao prévio contraditório em casos da espécie34.

32 MORAIS, Michel Martins de, op.cit., p. 67.33 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Administrativo. Pedido de Reexame. Aposen-tadoria. Acórdão n.º 0022-01/04-2. Processo TC n.º 001.961/2003-4. Interessada: Maria de Lourdes Melo Souza. Relator: Ministro Adylson Motta, Brasília, DF, 22.01.2004. Di-sponível em: <http:www.tcu. gov.br/jurisprudência/>.Acesso em:08 set.2005.34 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Administrativo. Pedido de Reexame. Pensão Civil. Acórdão n.º 0677-12/05-1. Processo TC n.º 012.001/1997-0. Interessados: Funda-ção Universidade de Brasília e Roza Maria de Alencar Nascimento. Relator: Ministro Marcos Vinicios Vilaça, Brasília, DF, 19.04.2005. Disponível em: <http:www.tcu.gov.br/jurisprudência/>.Acesso em:08 set.2005.

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No Acórdão n.º 0677-12/05-1, o Relator Ministro Marcos Viní-cios Vilaça, assim dispõe:

[...] O fato de não ter sido notificado para acompanhar o andamento do processo, conforme repetidamente decidido pelo Supremo Tribunal Federal, não constitui motivo para nulidade do acórdão. Isso decorre do fato de que a apreciação dos atos de concessão é ato unilateral do TCU, decorrente de competência a ele conferida pela Constituição, que pres-cinde da intervenção do interessado.35

Assim, não há necessidade de defesa prévia antes da primeira decisão do Tribunal de Contas, no exercício do controle da legali-dade dos atos de aposentadoria. Enquanto a Corte de Contas não se pronunciar sobre a legalidade desses atos, não há que se falar em li-tigância e, conseqüentemente, na ampla defesa e no contraditório.

Porém, em se tratando de revisão de decisão do Tribunal de Contas da União que considerou legal o ato de concessão de apo-sentadoria, vindo a posteriormente reformá-la, a exemplo do que ocorreu em face de representação do Ministério Público, junto a esta Corte de Contas, relativa à contagem de tempo em ativida-de rural, sem a devida comprovação do recolhimento de contribui-ções previdenciárias, o entendimento foi no sentido de se realizar a oitiva do servidor aposentado, visando atender aos princípios daampla defesa e do contraditório. Nesse sentido, destacam-se os Proces-so n.ºs 015.593/2006-236 e 016.392/2006-937.

35 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Administrativo. Pedido de Reexame. Pensão Civil. Acórdão n.º 0677-12/05-1. Processo TC n.º 012.001/1997-0. Interessados: Funda-ção Universidade de Brasília e Roza Maria de Alencar Nascimento. Relator: Ministro Marcos Vinicios Vilaça, Brasília, DF, 19.04.2005. Disponível em: <http:www.tcu.gov.br/jurisprudência/>.Acesso em:08 set.2005.36 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Administrativo. Representação. Acórdão n.º 2105-27/06-2. Processo TC n.º 015.593/2006-2. Interessado: Ministério Público jun-to ao Tribunal de Contas da União. Relator: Ministro Benjamin Zymler, Brasília, DF, 07.08.2006. Disponível em: <http:www.tcu.gov.br/jurisprudência/>.Acesso em: 19 set. 2006.37 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Administrativo. Representação. Acórdão n.º 2188-28/06-2. Processo TC n.º 016.392/2006-2. Interessado: Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União. Relator: Ministro Augusto Sherman Cavalcanti, Brasília, DF, 11.08.2006. Disponível em: <http:www.tcu.gov.br/jurisprudência/>.Acesso em: 19 set. 2006.

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7.3 Das decisões do Tribunal de Contas do Distrito FederalBuscando uniformizar o entendimento sobre a aplicação dos

princípios da ampla defesa e do contraditório nos processos de aposentadoria, no Tribunal de Contas do Distrito Federal foram realizados estudos especiais sob o Processo de n.º 2093/2004, Re-lator Conselheiro Jorge Caetano, sendo proferida a Decisão n.º 5232/2004, com a seguinte conclusão:

[...] não é obrigatória a audiência prévia do interessado para que o Tribunal, no julgamento da legalidade dos atos de aposentadoria, reforma ou pensão, no exercício do controle externo, possa proferir decisão que resulte em redução de proventos ou ilegalidade do ato de concessão, uma vez que o efeito suspensivo que se atribui ao Pedido de Reexame atende plenamente à garantia constitucional do contradi-tório e da ampla defesa38.

Todavia, tal entendimento não prevaleceu no Tribunal de Contas do Distrito Federal, como exemplo, cita-se o Processo n.º 930/05, Decisão n.º 1794/2005, Relatora Conselheira Marli Vinhadeli, em seu voto, in verbis:

[...] com o propósito de prestigiar os consagrados princípios cons-titucionais do contraditório e da segurança jurídica nas relações entre a Administração e os administrados, tenho por indispensável, antes de qualquer determinação plenária que resulte diminuição no valor dos proventos, a cientificação do interessado sobre a possibilidade dessa ocor-rência, para que apresente as contra-razões que tiver a respeito [...]39.

Dessa forma, buscando novamente uniformizar o entendimen-to sobre a matéria, encontra-se em tramitação a Representação n.º 10/2005, oferecida pelo Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal, Procurador Demóstenes Tres Albuquer-que, sob o Processo n.º 31026/2005, in verbis:38 BRASIL. Tribunal de Contas do Distrito Federal. Estudos Especiais. Processo n.º 2093/04. Decisão n.º 5232/2004, Relator Conselheiro Jorge Caetano, Brasília, DF, 23.11.2004. Disponível em: <http:www.tcdf.gov.br/Tcdfdocs/Ord/Decisão/2004/5232.htm/>.Acesso em: 09 set. 2005.39 BRASIL. Tribunal de Contas do Distrito Federal. Aposentadoria. Processo n.º 930/05. Decisão n.º 1794/2005, Relatora Conselheira Marli Vinhadeli, Brasília, DF, 05.05.2005. Disponível em:http://www.tc.df.gov.br/PesquisaTextual/buscaArquivo.php?arquivo=Ord/Relatorio/2005/05/108978.doc/>Acesso em: 09 set. 2005. (grifo nosso).

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[...] adote posicionamento uniforme acerca da aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa em processos de concessões de aposen-tadoria, reforma e pensão, verificando, ainda, se o exercício desses postu-lados, por parte dos interessados, deve ser realizado no âmbito desta Corte ou junto à Jurisdicionada40.

No Processo nº 13.133/2005, Decisão nº 1396/2006, que tratou a respeito da metodologia a ser aplicada quando da análise dos pro-cessos de concessões de aposentadoria, reforma e pensão, o Tribu-nal de Contas do Distrito Federal decidiu no que pertine ao tema da ampla defesa e do contraditório nos seguintes termos:

[...] considerar que o Tribunal, no julgamento da legalidade dos atos de aposentadoria, reforma ou pensão, que resultem em redução de proventos ou ilegalidade do ato de concessão, poderá, preliminarmente, solicitar es-clarecimentos ao órgão de origem, bem como determinar que cientifique o interessado para, querendo, apresentar contra-razões a esta Corte, podendo fazer juntada de documentos pertinentes41.

Da leitura da decisão anteriormente destacada, chega-se a conclusão de que a concessão de defesa prévia é uma faculdade, podendo ou não ser concedida pelo Tribunal de Contas e não uma obrigatoriedade.

7.4 Da jurisprudência do Supremo Tribunal FederalO entendimento do Supremo Tribunal Federal tem sido, em sua

maioria, no sentido de que não há ofensa aos princípios da ampla de-fesa e do contraditório quando o Tribunal de Contas, no exercício do controle externo, aprecia, para fins de registro, a legalidade dos atos deaposentadoria, sob o fundamento de que se trata de atos comple-xos, não sendo necessária a audiência prévia, pois somente depois da decisão do Tribunal de Contas é que pode ser instaurado o litígio.

40 DISTRITO FEDERAL. Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do DF. Rep-resentação n.º 10/05-DA. Processo n.º 31026/2005. Procurador Demóstenes Tres Albu-querque, Brasília DF, 05 de outubro de 2005. Disponível em: <http://www.tc.df.gov.br/modules/cjaycontent/index.php? txtProcesso=31026%2F2005&id=2&txtNrProcesso=31026&txtAnoProc=2005>. Acesso em: 8 out. 2005.41 BRASIL. Tribunal de Contas do Distrito Federal. Representação. Processo n.º 13.133/05. Decisão n.º 1396/2006, Relator Conselheiro Jorge Ceaetano, Brasília, DF, 24.04.2006. Disponível em:http://www.tc.df.gov.br/Tcdfdocs/Ord/Decisao/2006/1396.htm/>Acesso em:19 set. 2006. (grifo nosso).

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Como precedente, seguido em outros julgamentos, destaca-se o Mandado de Segurança n.º 24784/PB – Paraíba, em que o Re-lator Ministro Carlos Velloso defendeu que “O Tribunal de Con-tas, no julgamento da legalidade de concessão de aposentadoria ou pensão, exercita o controle externo que lhe atribui a Constituição Federal, no qual não está jungido a um processo contraditório ou contestatório”42.

No Mandado de Segurança n.º 2531343, o Ministro Eros Grau seguiu o entendimento defendido pelo Ministro Carlos Veloso no Mandado de Segurança n.º 24784 dispondo ainda que, no caso con-creto, havia recurso administrativo no Tribunal de Contas da União, sendo descabível o Mandado de Segurança, pois primeiro dever-se-ia esgotar o assunto na via administrativa.

Corroborando esse entendimento, no Mandado de Segurança n.º 24001/DF – Distrito Federal, o Ministro Maurício Corrêa assim dispõe:

Ofensa aos princípios da ampla defesa e do contraditório: inexis-tência, visto que o impetrante teve oportunidade de interpor pedido de reconsideração e de manifestar-se em embargos de declaração perante o órgão impetrado44.

Dessa forma, pode-se inferir que a possibilidade de os aposenta-dos ingressarem com pedido de reexame, cujo efeito é suspensivo, das decisões dos Tribunais de Contas que negam registros aos atos

42 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Administrativo. Mandado de Segurança. MS 24784. Impetrante: Fábio Abrantes de Oliveira. Impetrado: Presidente da 1ª Câmara do Tribunal de Contas da União. Relator: Ministro Carlos Velloso, Brasília, DF, 19.05.2004. Disponível em: <http:www.stf.gov.br/jurisprudência/>.Acesso em:07 set.2005.43 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Administrativo. Mandado de Segurança. MS 25313. Impetrante: Cleide Maria Borges de Castro. Impetrado: Tribunal de Contas da Un-ião. Relator: Ministro Eros Grau, Brasília, DF, 01.04.2005. Disponível em: <http:www.stf.gov.br/ jurisprudência/>. Acesso em:07 set. 2005.44 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Administrativo. Mandado de Segurança. MS 24001. Impetrante: Carlos Antônio Torres Batista. Impetrado: Tribunal de Contas da União. Relator: Ministro Maurício Corrêa, Brasília, DF, 20.05.2002. Disponível em: <http:www.stf.gov.br/ jurisprudência/>.Acesso em: 07 set. 2005.

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de aposentadorias ou acarretam alguma redução nos proventos do servidor, atendem aos princípios da ampla defesa e do contraditório.

No Mandado de Segurança n.º 25112/DF – Distrito Federal, o Relator Ministro Marco Aurélio, observa que:

O processo atinente à aposentadoria é de natureza complexa, ini-ciando-se com o ato do Órgão a que integrado o servidor e terminan-do com a manifestação do Tribunal de Contas da União. Não se tem como falar em litigantes, o que, na forma de reiterados pronunciamen-tos desta Corte, inviabiliza o contraditório.45

Portanto, antes da manifestação do Tribunal de Contas, não há obrigatoriedade de defesa prévia, pois os atos de aposentadoria são atos complexos, em que a litigância só pode ser instaurada quando o Tribunal decide de maneira desfavorável ao aposentado.

No Recurso Extraordinário n.º 163301/AM – Amazonas, o Re-lator Ministro Sepúlveda Pertence faz uma distinção da situação anteriormente apresentada, daquela em que o Tribunal de Contas depois da matéria ser decidida, em verificando um vício de ilega-lidade, resolve rever sua decisão. Nesse caso, torna-se indispensável a defesa prévia, como atendimento aos princípios da ampla defesa e do contraditório, in verbis:

Há pelo menos dois tipos inconfundíveis de pretensão, que não admitiram o tratamento unitário que lhes dispensou o acór-dão: de um lado, a que, grosso modo, a decisão enfrentou e acolheu, isto é, a daqueles que se voltavam contra a revisão do registro de suas aposentadorias, já ordenado pelo Tribunal de Contas, no exercício de sua função constitucional; de outro, os que viram defeitos pelo Tribunal, enquanto detentor de poderes de auto-gestão administrativa, os atos de aposentadoria ainda não levados a registro46.

45 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Administrativo. Mandado de Segurança. MS 25112. Impetrante: Dirceu Arnaud Diniz. Impetrado: Presidente do Tribunal de Contas da União. Relator: Ministro Marco Aurélio, Brasília, DF, 25.10.2004. Disponível em: <http:www.stf.gov.br/ jurisprudência/>.Acesso em: 07 set. 2005.46 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Administrativo. Recurso Extraordinário. RE 163301. Reclamante: Estado do Amazonas. Reclamado: Maria de Lourdes Antony do Carmo Ribeiro e outros. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence, Brasília, DF, 21.10.1997. Disponível em: <http:www.stf.gov.br/jurisprudência/>.Acesso em: 07 set. 2005.

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Todavia, no Mandado de Segurança n.º 24268/MG47 - Minas Gerais – Relatora do Acórdão Ministra Ellen Gracie, venceu o voto do Minis-tro Gilmar Mendes, ao defender que os princípios da ampla defesa e do contraditório se aplicam aos processos em geral, indistintamente, por se tratar de garantia constitucional. Embora tenha disposto sobre a ques-tão da segurança jurídica, no seu entender, basta para o deferimento do Mandado de Segurança a violação dos princípios da ampla defesa e do contraditório. Destaca que para o atendimento desses princípios devem estar assegurados os direitos de informação, de manifestação e de ver os seus argumentos considerados.

Assim, o Supremo Tribunal Federal sinalizava a mudança de seu entendimento com o Mandado de Segurança acima destaca-do, em que o Ministro Gilmar Mendes defendeu a tese de aplica-ção dos princípios da ampla defesa e do contraditório em todos os processos, inclusive os apreciados pelo Tribunal de Contas da União.

Entretanto, o Mandado de Segurança n.º 24268 tratou de uma situação peculiar, referente ao cancelamento de uma pensão já jul-gada legal pelo Tribunal de Contas da União, conforme se verifica no voto do Ministro Sepúlveda Pertence que acompanhou o voto do Ministro Gilmar Mendes, in verbis:

[...] é preciso distinguir – como já ficou claro, aliás, da discus-são, mas para mim é ponto essencial, a que me restrinjo – a atuação do Tribunal de Contas integrando e tornando definitiva, na órbita administrativa, a concessão de aposentadoria e pensões – ato que independe de audiência do interessado -, daquela outra decisão que, após julgar legal a pensão concedida – e corridos dezoito anos de sua concessão – vem, unilateralmente, a cancelá-la: neste caso, parece-me que a incidência da garantia do contraditório e da ampla defesa, hoje clara e explicitamente estendida ao processo administrativo, e a

47 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Administrativo. Mandado de Segurança. MS 24268. Impetrante: Fernanda Fiúza Brito. Impetrado: Presidente do Tribunal de Contas da União. Relator: Ministra Ellen Gracie, Revisor: Ministro Gilmar Mendes, Brasília, DF, 05.02.2004. Disponível em: <http:www.stf.gov.br/jurisprudência/>.Acesso em: 07 set. 2005.

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do devido processo legal, se não couber a primeira, levam necessa-riamente a anular a decisão do Tribunal de Contas48.

Na decisão monocrática do Mandado de Segurança n.º 2534349, a Ministra Ellen Gracie denegou a medida liminar com base no posi-cionamento do Ministro Sepúlveda Pertence, pois no caso concreto do referido mandamus a situação é diferente daquela do Mandado de Segurança n.º 24268 em que o Tribunal de Contas da União apreciou a concessão de aposentadoria e depois resolveu modificá-la.

Portanto, tende a prevalecer o entendimento defendido pelo Mi-nistro Sepúlveda Pertence no Mandado de Segurança nº 24268 de que somente nos casos de atos de aposentadorias já julgados pela Corte de Contas e esta vier a reformá-los deverá o Tribunal ouvir esses aposentados previamente e não a tese defendida pelo Ministro Gilmar Mendes no mesmo mandamus da aplicação dos princípios da ampla defesa e do contraditório a todos os processos, sem exceção.

Aliás, no Mandado de Segurança n.º 24728/RJ – Rio de Janeiro, decisão publicada no Diário de Justiça de 09.09.2005, o próprio Ministro Gilmar Mendes, defendeu que não há contraditório na apreciação da legalidade pelo Tribunal de Contas das aposentado-rias ou pensões, pois diferente da situação disposta no Mandado de Segurança n.º 24268, tratando também do recurso, com efeito suspensivo, como impedimento para que o ato se torne perfeito e acabado, em face da teoria dos atos complexos, in verbis:

EMENTA: Mandado de Segurança. 2. Pensão por morte de ex-mi-litar. 3. Decisão do Tribunal de Contas da União, que considerou legal a concessão de pensão à impetrante e determinou o registro do ato res-pectivo. 4. Decisão impugnada, no prazo legal, pelo Ministério Público

48 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Administrativo. Mandado de Segurança. MS 24268. Impetrante: Fernanda Fiúza Brito. Impetrado: Presidente do Tribunal de Contas da União. Relator: Ministra Ellen Gracie, Revisor: Ministro Gilmar Mendes, Brasília, DF, 05.02.2004. Disponível em: <http:www.stf.gov.br/jurisprudência/>.Acesso em: 07 set. 2005.49 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Administrativo. Mandado de Segurança. MS 25343. Impetrante: Armi Borges Sala. Impetrado: Segunda Câmara do Tribunal de Con-tas da União. Relator: Ministra Ellen Gracie, Brasília, DF, 24.05.2005. Disponível em: <http:www.stf.gov.br/ jurisprudência/>. Acesso em: 07 set. 2005.

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da União, por meio de Pedido de Reexame. 5. Recurso com efeito suspensivo, que impediu se perfizesse o ato complexo de registro da pensão militar. 6. Pedido de Reexame provido para tornar insubsistente a decisão anterior e declarar ilegal a concessão da pensão. 7. Art. 71, III, da Constituição. Tribunal de Contas da União. Controle externo. Jul-gamento de legalidade de concessão de aposentadoria ou pensão. Inexistência de processo contraditório ou contestatório. Preceden-tes. 8. Não se trata, portanto, de revisão de pensão. Inaplicabilidade do precedente MS 24.268-MG, Pleno, DJ 05.02.04, Gilmar Mendes, redator para o acórdão. 9. Mandado de Segurança indeferido, cassada a liminar anteriormente concedida50.

Com efeito, os Tribunais de Contas estão sujeitos aos prin-cípios da ampla defesa e do contraditório quando da apreciação da legalidade, para fins de registros, dos atos de aposentadoria, todavia, por se tratarem de atos complexos, não há litigância antes do Tribunal de Contas decidir e desde que esta decisão venha a prejudicar o aposentado, sendo que, neste caso, cabe ao interessado ingressar com pedido de reexame que tem efeito suspensivo.

Por outro lado, se o Tribunal de Contas já decidiu pela legalida-de, o ato complexo está perfeito e acabado. Se posteriormente vier a constatar que o ato era ilegal, deverá dar oportunidade de defesa prévia ao interessado, antes de rever a decisão.

Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal caminha no sentido afirmar que:

O Tribunal de Contas, no julgamento da legalidade da concessão de aposentadoria ou pensão, exercita o controle externo que lhe atri-bui a Constituição Federal, art. 71, III, no qual não está jungido a um processo contraditório ou contestatório51.

50 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Administrativo. Mandado de Segurança. MS 24728. Impetrante: Rosemeri Bento da Costa. Impetrado: Presidente do Tribunal de Con-tas da União. Relator: Ministro Gilmar Mendes, Brasília, DF, 09.09.2005. Disponível em: <http:www.stf.gov.br/jurisprudência/>. Acesso em: 07 out. 2005.51 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Administrativo. Mandado de Segurança. MS 25.256-1. Impetrante: Maria José dos Santos Clarindo e outro(a/s). Impetrado: Tribunal de Contas da União. Relator: Ministro Carlos Veloso, Brasília, DF, 24.03.2006. Disponív-el em: <http:www.stf.gov.br/jurisprudência/>. Acesso em: 27 set. 2006.

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Todavia, no Mandado de Segurança nº 24927-7 – Rondônia, Re-lator Ministro Cezar Peluso, acórdão publicado no Diário de Justiça de 25.08.2006, o Supremo Tribunal Federal concedeu a ordem, sob o seguinte fundamento:

SERVIDOR PÚBLICO. Vencimentos. Pensão previdenciária. Pagamentos reiterados à companheira. Situação jurídica aparente e consolidada. Cancelamento pelo Tribunal de Contas da União, sem audiência prévia da pensionista interessada. Procedimento administra-tivo nulo. Decisão ineficaz. Inobservância do contraditório e da am-pla defesa. Violação de direito líquido e certo. Mandado de seguran-ça concedido. Ofensa ao art. 5º, LIV e LV, da CF. Precedentes. É nula a decisão do Tribunal de Contas da União que, sem audiência préviada pensionista interessada, a quem não assegurou o exercício pleno dos poderes do contraditório e da ampla defesa, lhe cancelou pensão previden-ciária que há muitos anos vinha sendo paga52.

No Mandado de Segurança acima destacado, restou vencido o Ministro Marco Aurélio que ressaltou as seguintes distinções, in verbis:

A primeira diz respeito ao ato complexo. O órgão de origem inicia a satisfação do benefício para se aguardar o pronunciamento do Tri-bunal de Contas. Se essa manifestação for negativa, não há como con-cluir que deveria ter sido o beneficiário cientificado do processo que ocorreu na Corte de Contas, porque o ato inicial, em si, não chegou a se aperfeiçoar. É a jurisprudência pacífica do Tribunal.

Agora, no caso de ato aperfeiçoado com pronunciamento po-sitivo do Tribunal de Contas, para cancelar esse mesmo ato, evi-dentemente terá a Corte de Contas de dar conhecimento ao inte-ressado53.

Em uma primeira análise, causa impressão de que o Supre-mo Tribunal Federal reviu o seu entendimento, para considerar a necessidade de defesa prévia nos processos em que os Tribunais

52 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Administrativo. Mandado de Segurança. MS 24927-7. Impetrante: Lídia Belitato de Oliveira. Impetrado: Tribunal de Contas da União. Relator: Ministro Cezar Peluso, Brasília, DF, 25.08.2006. Disponível em: <http:www.stf.gov.br/jurisprudência/>. Acesso em: 27 set. 2006.53 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Administrativo. Mandado de Segurança. MS 24927-7. Impetrante: Lídia Belitato de Oliveira. Impetrado: Tribunal de Contas da União. Relator: Ministro Cezar Peluso, Brasília, DF, 25.08.2006. Disponível em: <http:www.stf.gov.br/jurisprudência/>. Acesso em: 27 set. 2006.

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de Contas atuam, quando da apreciação da legalidade dos atos de aposentadoria e pensões. Volta-se, então, a discussão sobre a aplicação dos princípios da ampla defesa e do contraditório nesses processos, matéria que parecia estar pacificada.

Entretanto, há que se atentar para a peculiaridade do caso con-creto, qual seja, o fato de ter sido imputada à pensionista a fraude previdenciária ou a má-fé, bem como a devolução dos valores re-cebidos por ela, o que ensejou a necessidade de defesa prévia no referido mandamus.

Conclusão

No cumprimento da missão estabelecida, pela Carta Magna, aos Tribunais de Contas para apreciarem, para fins de registro, a legalidade dos atos de aposentadoria dos servidores públicos, as Cortes de Contas vêm enfrentando a questão quanto à obrigato-riedade de se dar oportunidade de defesa prévia aos aposentados. A discussão centra-se na aplicação dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório a esses Tribunais de Contas quando da apreciação dos processos de aposentadorias, matéria inclusive enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal.

Para solução dessa celeuma, com base em pesquisa na doutrina e jurisprudência, sem olvidar de outros posicionamentos, são as se-guintes conclusões a que se chega no presente trabalho:

a) os atos de aposentadorias são atos de natureza complexa, ou seja, tornam-se perfeitos e acabados somente com o registro efe-tuado pelos Tribunais de Contas. Logo, não há litigância antes do pronunciamento da Corte de Contas;

b) não há necessidade de defesa prévia antes da apreciação des-ses atos pelos Tribunais de Contas, ou seja, não há obrigatoriedade de oferecer prazo para apresentar razões de defesa;

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c) o Tribunal de Contas deve observar os princípios constitucio-nais da ampla defesa e do contraditório, aplicando-os aos proces-sos de aposentadorias, no momento que for instaurada a litigância e isso ocorre quando o Tribunal decide de forma desfavorável ao aposentado, com o registro da ilegalidade do ato ou reduzindo os proventos do servidor;

d) o pedido de reexame, que tem efeito suspensivo, é o instru-mento adequado para se recorrer das decisões dos Tribunais de Contas, observando-se, assim, os princípios constitucionais da am-pla defesa e do contraditório. Até o novo julgamento da Corte de Contas, o servidor aposentado não será atingido pela decisão im-pugnada;

e) a ampla defesa e o contraditório não se confundem com recur-so, todavia, como a litigiosidade nos processos de aposentadorias se inicia a partir do instante em que é proferida a decisão do Tri-bunal de Contas desfavorável ao aposentado, o remédio adequado, nesse momento processual, é o pedido de reexame, cujo efeito é suspensivo;

f) quando o Tribunal de Contas aprecia a legalidade dos atos de aposentadoria, efetuando o registro e, posteriormente, verificando a ilegalidade do ato, resolve rever sua decisão, há obrigatoriedade de defesa prévia para o atendimento aos princípios da ampla defesa e do contraditório, pois, nesse caso, o servidor aposentado não pode ser surpreendido com a revisão da decisão que registrou a legalida-de do ato de aposentadoria.

Em suma, não há obrigatoriedade de oferecer oportunidade de defesa prévia aos aposentados quando da apreciação da legalida-de dos atos de aposentadorias pelos Tribunais de Contas, todavia, se, posteriormente, a Corte de Contas vier a rever decisão que já registrou a legalidade desses atos haverá a necessidade de defesa prévia.

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sobre o nepotismo:umA reflexão sobre morAlidAde e morAlismo

Ivan Barbosa Rigolin

I – O título remete a um tema que está em máxima evidência nos dias que passam, o combate ao chamado nepotismo, que é o modo como ultimamente se alude ao emprego e ao aproveitamento, no serviço público, de parentes de autoridades competentes para no-meá-los ou contratá-los sem o crivo do concurso público, mas ape-nas pelos laços de confiança pessoal e familiar, para ocupar cargos ou empregos em comissão. Se aqueles parentes, ao invés daquilo, forem publicamente concursados para cargos efetivos ou empregos permanentes, então farão descaracterizar a figura tão combatida do favorecimento.

Referir o nepotismo na administração pública é portanto um dos úl-timos modismos vernaculares, sendo que a palavra se origina de nepos, forma latina para neto ou sobrinho1 e daí, por generalizante extensão, parente, em sentido o mais amplo possível. O indevido favorecimento ou privilegiamento de parentes das autoridades em desfavor de cida-dãos não-parentes, desse modo, configura o que se convencionou de-signar, sempre ofensivamente, por nepotismo na Administração.

O assunto, tão grave se revela aos olhos da indignada popula-ção – sobretudo e muito especialmente os dos cidadãos que não se beneficiam do oficial parentesco -, em nosso país é objeto de uma Proposta de Emenda Constitucional que tramita no Congresso Na-cional desde 1996, e que já sofreu tantas e tão profundas emendas que pouco restou da idéia original do seu autor. Apenas se constar

1 Sendo que nepote é, classicamente, nada menos que o sobrinho do Papa, o que pre-cisaria desde logo afastar a infame conotação que o nepotismo ostenta...

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alguma explícita regra antinepotismo na Constituição é que, parece, a nação terá um norte definitivo e homogêneo sobre a questão

Aquela PEC de tempo em tempo sofre andamento e modifica-ção, sendo que é voz corrente no Legislativo nacional – até surgir novo e diferente boato - que em breve será substituída por outra inteiramente diversa, de outra redação e pretensão.

O impasse que por certo se dá é o de equacionar devida e corre-tamente o problema no âmbito da Administração, uma vez que toda tentativa de fazê-lo em nível e plano nacionais até o momento es-barrou em impropriedades, exageros, inadequações as mais varia-das, incongruências, excessos de rigor ou, no outro pólo, medidas de pouca eficácia.

O fato concreto é que, considerando-se tanto o legislador cons-titucional quanto internamente a Administração, nenhum até o momento soube equacionar devidamente a questão de limitar, ou proibir, ou restringir o aproveitamento, no serviço público de todo nível e natureza, de parentes de autoridades dos diversos Poderes.

Aguarda-se portanto há mais de uma década uma definitiva Emenda Constitucional que de vez equacione, resolvendo-a, a questão do denominado nepotismo no serviço público, porém, objetivamente, a solução parece ainda longe de ocorrer no plano constitucional.

E a experiência indica que apenas medidas localizadas, pontuais e tópicas, dentro de um Poder ou dentro de um ente estatal específi-co, vêm sendo adotadas cá e lá, com mais e com menos acerto e às apalpadelas, na tentativa de parametrar objetiva e equanimemente o problema do nepotismo oficial. O fato é que essa palavra até os dias de hoje carrega, na consciência da população, conotação for-temente negativa, pejorativa, pecaminosa, aviltante, depreciativa, denegritória, detrimentosa, indigna.

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Se em parte é merecida aquela conotação no juízo comum das pessoas, entretanto perante o direito constitucional desprezível nos parece a conotação, e não o próprio nepotismo, pois nunca foi tão importante separar a voz comum do povo – sábia segundo alguns – do direito positivo que vigora no país, e que por vezes caminha na direção inversa do sentimento generalizado do povo.

Ficamos, desde logo, com este último e não com a sabedoria popular, essa mesma que a seu tempo mandou crucificar Jesus Cristo, e que elegeu nos dias de hoje os atuais governantes da República.

II – A primeira vocação do cidadão, o seu primeiro ímpeto ou o seu arroubo inercial é a de convictamente entender que sempre qual-quer nepotismo é inadmissível e inaceitável por imoral por injusta-mente personalístico, desigualatório, anti-isonômico. E conhecendo um pouco a espécie humana tristemente reiteramos: é mais forte aquele reproche espontâneo quando o nepotismo é alheio e beneficia a outrem, exatamente como asseverava o conhecido moralista pro-fissional que não suportava privilégios, muito em especial quando deles não participava. Assim, se para cada parente beneficiado mil cidadãos não o são, natural resulta que a opinião pública seja a dos mil e não a do único – e tenderá a ser desfavorável à prática.

Isentemo-nos entretanto de tais penosas observações – eis que a verdade é por vezes profundamente incômoda aos cultores da ciên-cia da moralidade - e procuremos focar com a maior objetividade possível, sem paixões e à distância de jogos emocionais, o que de verdadeiramente deletério ao direito, ampla e sistematicamente considerado, contém o ato ou a prática de se empregarem parentes das autoridades no serviço público.

III – Toda análise de questão jurídica num país, como o nosso, institucionalizado e constitucional, naturalmente deve iniciar pelo texto da Constituição.

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E nossa Constituição nada menciona em específico, nem remo-tamente, sobre o tema do emprego de parentes, e correlatos das au-toridades nomeadoras, na Administração Pública. Nem uma breve referência a esse tema consta de modo explícito, ou mesmo implíci-to, da Carta de 1.988. O assunto é-lhe por completo estranho e inu-sitado – como de resto o é desde a primeira Constituição brasileira, que como todas até o presente jamais se abalançou a restringir nepotismos na Administração.

Ninguém invoque regras constitucionais expressas contra o ne-potismo, portanto.

Muito ao contrário, o pouco que a Constituição contém de pos-sivelmente vinculado ao tema da escolha dos ocupantes de cargos e empregos em comissão parece abrigar ou amparar o nepotismo, na medida em que o art. 37, inc. II, dispensa do concurso público a nomeação de ocupantes de cargos em comissão, desde que declara-dos em lei de livre escolha pela autoridade.

É o que atesta Rodrigo Andreotti Musetti, que inicia por citar Di-ógenes Gasparini e prossegue com a lúcida altivez que se espera de um jurista não impressionável com o clamor das multidões, muita vez ditado apenas pelo modismo circunstancial da ocasião, nem preocupado em agradar a leigos com discursos pouco proveitosos ao direito a que jurou servir. Leia-se esta sua corajosa lição – e o leitor desde logo nos escuse pela extensão do trecho, que exige transcrição integral -, do artigo muito significativamente intitulado O nepotismo legal e moral nos cargos em comissão da administra-ção pública :

Nesse sentido, o renomado jurista Diógenes Gasparini ensina que são “... de duvidosa constitucionalidade as vedações impostas por certas Leis Orgânicas Municipais ao direito de livre nomeação que a Constituição federal outorga à autoridade competente para escolher os ocupantes de cargos, funções ou empregos em comissão”.

Não possuímos nenhuma dúvida sobre a inconstitucionalidade de qualquer restrição à livre nomeação supra-referida. A Constituição

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é clara ao garantir que os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabeleci-dos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei (art. 37, I). O requisito constitucional (da Lei Maior), para a investidura nos cargos em comissão, é, portanto, da livre nomeação. Também não restam dúvidas sobre a ilegalidade e imoralidade das nomeações, sem concurso público, feitas fora da exceção constitucional dos car-gos de confiança.

Negar o acesso ao exercício da função pública, em cargo de con-fiança (previsto e garantido pela Constituição Federal), a um bra-sileiro que já tenha parente servidor público é, além do já expos-to, ferir o direito constitucional e humano desta pessoa ao acesso à função administrativa em virtude de notória discriminação pes-soal. Como dissemos anteriormente, é natural, ético, moral e legal que pessoas pretendam se estabelecer nas cidades onde nasceram e procurem oportunidades de emprego nas universidades, empresas e Administração Pública local; ignorar este fato lícito é, no mínimo, demonstrar imaturidade intelectual ou mesquinha intenção partidá-ria-eleitoral. Está evidenciado, portanto, que nepotismo é prática legal, permitida e resguardada pela Constituição Federal brasileira, nos casos de cargo de confiança.(...)

É comum encontrarmos afirmações de que “o nepotismo pode ser legal, mas é imoral”. Pondere-se, aqui, que ao profissional do Direito não é permitido cometer tamanha incorreção. É princípio elementar da Administração Pública o princípio da moralidade, disposto no caput do art. 37 da Constituição da República. Esclareça-se que a moralida-de administrativa (resguardada pelo princípio da moralidade), pres-suposto de validade de todo o ato administrativo, refere-se à moral jurídica, não confundindo com a moral comum2.

IV - Ora, com todo efeito, se se está diante de cargos criados e destinados para nomeação ditada pela livre escolha da autoridade, e se forem preenchidos os requisitos da lei criadora – como esco-laridade ou experiência por exemplo -, então é de se indagar que outra regra se poderia antepor, na mesma Constituição, à escolha efetivamente pessoal e livre pela autoridade, a qual escolha recaís-se, porventura, na sua mãe, na sua avó ou na figura de seu bondoso jardineiro?

2 Artigo citado, in BDA – Boletim de Direito Administrativo, jan/2004, p. 42/43.

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Assim como a Itália e o Uruguai experimentaram súbito e de-cisivo progresso institucional e social quando separaram o estado da igreja, é preciso que os cultores do direito separem rigidamente a técnica jurídica da moral comum, porque em dado momento um representa o avesso do outro, e a sua intrínseca negação.

Sim, porque se o direito existe é para ser tecnicamente executa-do por via de suas regras próprias e suas estatuições objetivas, que não toleram meras impressões de leigos, nem amadorismos popu-lares, nem modismos casuais frivolamente lançados ao vento, nem paixões momentâneas que com freqüência impelem nações inteiras ao abismo e a nada mais que isso.

V - Apartadamente de quaisquer pruridos moralistas - aos quais jamais fomos dados e os quais em verdade odiamos com o mais profundo de nossa alma -, o direito constitucional expresso, fria-mente considerado, é aquele acima exposto. E contra esse direito expresso e explícito que a Carta confere à autoridade, por gentileza, ninguém invoque princípio algum, pois que os princípios constitu-cionais, posto que respeitabilíssimos em si, apenas e tão-somente podem entrar em cena quando faltam comandos constitucionais expressos e delimitadores dos campos de direitos e de obrigações interpartes, nunca antes por prematuro e indevido.

Por tudo quanto é sagrado, não se invertam os valores jurídicos num país há quinhentos anos juspositivista!

Contra um comando constitucional completo em si e auto-su-ficiente nada podem todos os princípios constitucionais, em per-pétua assembléia reunidos. É o que conclui sem meias-palavras o ilustre Promotor de Justiça do Rio de Janeiro, Emerson Garcia, em seu artigo O nepotismo:

Em um primeiro momento a conduta acima mencionada (nomea-ção de parentes par o provimento de cargos em comissão) poderia ser considerada como dissonante do princípio da moralidade administra-tiva, pois fere o senso comum imaginar que a administração pública

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possa ser transformada em um negócio de família. Este argumento, não obstante o seu acentuado cunho ético, não subsiste por si só.

Com efeito, a partir do momento em que o Constituinte consagrou a existência das funções de confiança e dos cargos em comissão, é tarefa assaz difícil sustentar que os valores que informam a moralida-de administrativa, originários das normas que disciplinam o ambiente institucional, não autorizam que o agente nomeie um parente no qual tenha ampla e irrestrita confiança. Note-se que nos referimos à mo-ralidade administrativa, princípio densificado a partir dos standards de conduta colhidos no ambiente institucional e inerentes ao bom-administrador. (Grifos originais)3.

São refletidas palavras, observe-se bem, de um visivelmente qualificado Promotor de Justiça, e não de um aventureiro a desa-bafar-se, em matéria de direito, à falta do que mais fazer ...

Com todo efeito, em nosso país juridicamente positivista e no qual a fonte primária de direito é a Constituição escrita e a lei escri-ta, conduta alguma de autoridade pode ser considerada principiolo-gicamente inconstitucional por apenas fazer exercitar um direito que a Carta expressamente conferiu àquela autoridade.

Repetindo, então, para fechar o raciocínio: se a Constituição, art. 37, inc. II, deu ao agente nomeador o expresso direito de admitir quem bem entender (que preencha os eventuais requisitos da lei) para um cargo de confiança regularmente criado por lei, então não será princípio algum que poderá negar-lhe aquele direito, e com isso negar vigência à Constituição Federal.

Por mais relevantes e essenciais que sejam os princípios consti-tucionais, não se concebe que se situem acima da Constituição.

VI – Se a Constituição só em si não combate o nepotis-mo na Administração – e como se viu até o prestigia sob cer-to aspecto - resta de um lado às leis locais, se o respectivo ente federado assim o quer, fazê-lo, mais ou menos apertadamen-te, com maior ou menor tolerância e flexibilidade. Recorde-se,

3 Artigo citado, in BDA – Boletim de Direito Administrativo, ed. NDJ, SP, jun/2003, p. 461 e seguintes.

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en passant, que não poderia ser uma lei nacional que o fizes-se, porque à falta de fundamento constitucional expresso lei na-cional alguma com esse teor poderia ser validamente editada.

A Lei federal nº 8.112, de 11 de dezembro de 1.990, que é o regime jurídico único dos servidores federais (o seu estatuto, em verdade) em seu art. 117, inc. VIII, proíbe ao servidor estatutário pertencente aos quadros dos cinco Poderes da União – pois que ninguém duvide de que o Ministério Público e o Tribunal de Contas são o quarto e o quinto, ao lado dos tradicionais três - e aos órgãos de linha do Executivo como autarquias e fundações públicas, a todos os quais se aplica aquela lei, “manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau civil”.

A Lei federal nº 11.416, de 15 de dezembro de 2.006, que dispõe sobre as carreiras do Poder Judiciário da União, reza:

Art. 6º No âmbito da jurisdição de cada tribunal ou juízo é vedada a nomeação ou designação, para os cargos em comissão e funções comissionadas, de cônjuge, companheiro, parente ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros e juízes vinculados, salvo a de ocupante de cargo de provimento efetivo das Carreiras dos Quadros de Pessoal do Poder Judiciário, caso em que a vedação é restrita à nomeação ou designação para servir perante o magistrado determinante da incompatibilidade.

Quanto ao Ministério Público da União, a Lei Complementar federal nº 75, de 20 de maio de 1.993 prescreve, semelhante e muito anteriormente à Lei nº 11.416/06:

Art. 293. Ao membro ou servidor do Ministério Público da União é vedado manter, sob sua chefia imediata, em cargo ou fun-ção de confiança, cônjuge, companheiro, ou parente até o segundo grau civil.

Existem leis estaduais e leis municipais, dentre as quais diversas leis orgânicas municipais, que aqui não se citam por desnecessá-rio (e de resto interminável), que consignam, similarmente às leis federais referidas, disposições restritivas ao nepotismo, em termos sempre inspirados na legislação federal.

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Quanto às LOMs observa-se até mesmo a introdução da regra antinepotismo por força de emendas parlamentares e não oriundas do Executivo - como pela abrangência da finalidade ante a dimen-são dos quadros das Prefeituras ante a das Câmaras Municipais se-ria de esperar -, as quais iniciativas já mereceram acolhida judicial, como pelo e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo na ADIn nº 96.334-0/1-00, originária do Município de Biritiba Mirim 4.

VII – Mas não foram e são apenas leis as regras locais que se editaram na tentativa de parametrar – em verdade apertar, restrin-gir, coibir, desestimular - o nepotismo na esfera pública, pois que os Poderes do Estado também o vêm topicamente fazendo.

O Poder Judiciário por exemplo, nessa esteira, antes de fazer edi-tar a Lei nº 11.416/06 fora autor do até este momento mais divulga-do e notório dos atos tendentes a limitar o nepotismo dentro daquele Poder, e apenas dentro dele e na sua exclusiva circunscrição: a Re-solução nº 7, de 18 de outubro de 2.005, do Conselho Nacional de Justiça, CNJ, que atualmente já sofreu modificações pela Resolução CNJ nº 9, de 2.005, e pela Resolução nº 21, de 2.006. Essa Reso-lução, observe-se, destinou-se a todo o Judiciário brasileiro, e não apenas ao da União, como o fez a já citada Lei nº 11.416/06.

Revelou-se extremamente severa e coercitiva aquela resolução do Poder Judiciário como se lê de seu art. 2º, que proíbe o nepotismo direto (parente sob as ordens diretas da autoridade nomeadora) e o indireto ou cruzado (parente da autoridade servindo a outra autorida-de, a qual reciprocamente empresta um seu parente para servir ao pri-meiro). Mas vai além a resolução, eis que (art. 2º, inc. V) proíbe até mesmo a contratação administrativa de empresa da qual seja sócio parente de autoridade, sendo tal contratação pela lei de licitações.

4 In BDM jun/2.004, da ed. NDJ, SP, p. 492 e seguintes. E aproximadamente na mesma direção o artigo Direito municipal e vedação ao nepotismo: uma hipótese de conformação constitucionalmente possível, de Horácio Augusto Mendes de Souza, in BDM jan/2.006, mesma editora, p. 17 e seguintes.

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O rigor restritivo daquele ato é fulminante, e com esse exato espírito inspirou outra resolução em menos de um mês após sua edição, desta vez pelo Ministério Público por seu órgão adminis-trativo máximo, o Conselho Nacional do Ministério Público – e portanto dirigida a todo o Ministério Público brasileiro - , que foi a Resolução CONAMP nº 1, de 7 de novembro de 2.005, de redação mais sintética mas nem por isso menos dura que a do CNJ, como o demonstra seu último considerando:

Considerando que o nepotismo é conduta nefasta que vicia flagran-temente os princípios maiores da Administração Pública e, portanto, é inconstitucional, independentemente da superveniente previsão legal, uma vez que os referidos princípios são auto-aplicáveis e não preci-sam de lei para ter plena eficácia.

O e. Ministério Público seguiu de perto, portanto, os passos do e. Poder Judiciário nacional no radicalizar o combate ao nepotismo dentro de suas fileiras. Mas quanto à conclusão da direta e imedia-ta inconstitucionalidade de toda e qualquer prática de nepotismo, friamente considerada e sem absolutamente ingressar no mérito da questão, na sua secura e dureza extremas, data venia parece sim-plesmente negar vigência à Constituição Federal, art. 37, inc. II, que permite e fundamenta explicitamente a prática do nepotismo.

VIII – Quanto à jurisprudência sobre o tema do nepotismo, vêm se multiplicando, ao lado da doutrina, em acórdãos que merecem de-tida atenção, antes que o tema seja nacionalmente pacificado através de uma emenda constitucional – se algum dia de fato vier a sê-lo.

Constitui um exemplo daquelas decisões – e será a única parcial-mente transcrita - o acórdão do Supremo Tribunal Federal na ADIn nº 2.364, na qual se lê o seguinte excerto do voto do rel. Min. Celso de Mello, bastante significativo e, mesmo sem ferir diretamente o tema do emprego de parentes das autoridades nomeadoras no serviço público, é já denotador de provável tendência dos tribunais superio-res no julgar esta matéria de nepotismo na administração pública:

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A razão adjacente ao postulado do concurso público traduz-se na necessidade essencial de o Estado conferir efetividade ao princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, vedando-se, desse modo, a prática inaceitável de o Poder Público conceder privilégios a alguns ou de dispensar tratamen-to discriminatório e arbitrário a outros5.

Em sentido muito similar e a merecer exame são também a deci-são do STF na ADIn nº 1.521 – RS, rel. Min. Marco Aurélio (julg. em 12 de março de 1.997, in RTJ 173/424), e do Superior Tribunal de Justiça, 6ª Turma, no ROMS nº 2.284 - SP, rel. Min. Pedro Acio-li (julg. em 25 de abril de 1.994, in DJU de 16 de maio de 1.994) 6.

IX – A conclusão a que se permite chegar após esta rápida vista d’olhos sobre o delicado problema do nepotismo na administração pública é a de que sem lei local expressa, ou sem ato infralegal competente expresso, que clara e explicitamente indique as con-dutas vedadas aos agentes públicos em matéria de nepotismo e de empregar parentes em cargos estatutários em comissão, ou em em-pregos celetistas de confiança, nenhuma restrição que se pretenda impor a essa prática será juridicamente consistente.

Temos para nós, por tudo isso, que apenas uma Emenda Cons-titucional dotada da devida e nacional amplidão e abrangência, so-mente algo assim poderá pacificar e uniformizar os comportamentos relativamente ao problema do dito nepotismo na Administração.

Tudo mais que se faça, ou que se tente, enquanto não ecloda uma tal Emenda constituirá ao que parece, ainda que localmente disci-plinado, pouco mais que casuísmo e acidentalidade numa matéria que francamente, se é assim tão grave e séria como dela é usual afir-mar, não se deveria tentar equacionar fragmentária e topicamente, mas de modo amplo e generalizado no país, em suas esferas todas de governo e em todos os Poderes do Estado.

5 Cf. transcrito no artigo citado de Horácio Augusto Mendes de Souza.6 Ambos parcialmente transcritos no citado artigo Nepotismo, de Emerson Garcia.

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Evitou-se até aqui ingressar no mérito da prática nepotista, por-que o mundo jurídico não precisa de mais um discursador. Ten-tamos, antes, ater-nos ao direito objetivo e frio que cerca toda a questão, tanto formal quanto material.

O nepotismo desenfreado ou descontrolado, à luz do direito, sem direito ou apesar do direito, é um mal - o que se imagina fora de discussão.

Determinados exercícios de nepotismo entretanto, ante o direito objetivo e desapaixonado que precisa informar o juízo crítico de todo profissional da área jurídica, não padece da mesma negativa configuração – amparados expressamente como estão pelo próprio texto constitucional.

E investir de forma indiscriminada e generalizante contra todo e qualquer ato de nepotismo, a julgar pelo só que existe até este momento em nosso ordenamento jurídico parece-nos constituir atitude pouco técnica, e perigosamente tendente a um moralismo que nem sempre conduz à técnica, fria, constitucional e, para nós, verdadeira moralidade.

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subcontrAtAção

Ivan Barbosa Rigolin

I – Subcontratação é um instituto jurídico que figura na lei de licitações e contratos administrativos, e nesse ambiente, de onde provavelmente se originou no direito brasileiro, cons-titui um tema muito mais importante que a lei de licitações faz crer, quando se constata a ligeireza e a superficialidade com que o trata.

Com todo efeito, poderia o legislador, ao invés de se preocu-par como menores de idade em licitações (cf. art. 27, V, e art. 78, XVIII), ou com formalidades para recebimento provisório e defi-nitivo dos objetos contratados (cf. arts. 73 e 74), ou ainda com as disposições gerais das sanções administrativas (cf. arts. 81 a 85), dispositivos esses que em seu conjunto integral, se forem revoga-dos hoje, amanhã poucos aplicadores se lembrarão sequer que exis-tiram, deveria ocupar-se de assuntos grandes e sérios como é o caso das subcontratações – mas não: a lei dá a impressão de que falou em subcontratação apenas para que não se acuse o legislador de se haver esquecido de fazê-lo.

Para os efeitos da lei de licitações subcontratação significa a contratação de alguém, pessoa física ou jurídica, pelo contratado da Administração pública, para que execute uma parte do contrato (que como se verá poderá chegar a 100%) para aquele.

O contratado subcontrata alguém para executar pelo contra-tado o contrato, essa é a idéia do instituto jurídico, e tem funda-mento prático na idéia de que por vezes essa atitude é vantajosa tanto para contratado quanto para a Administração contratante, quer porque o subcontratado pode ocasionalmente executar o contrato melhor que o próprio contratado, quer por motivo eco-

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nômico, quer ainda por questão de necessidade eventual do con-tratado, quer, por fim, por alguma outra razão dentre hipóteses as mais diversas.

O que precisa restar claro é que a subcontratação deve revelar-se, em princípio e antes de sua materialização, desejavelmente van-tajosa para a Administração contratante e o particular contratado, ou no mínimo indiferente para a Administração com relação à con-tratação mesma, ou seja “não pior” para o poder público que aquela contratação originária.

III - Na vigente lei nacional de licitações e contratos adminis-trativos, a Lei nº 8.666/93, foram praticamente repetidos os dois únicos dispositivos da lei que a antecedeu, o Decreto-lei nº 2.300, de 21 de novembro de 1.986, e nada além daquilo foi acrescido sobre a matéria.

Resumem-se as duas alusões aos seguintes dispositivos:Art. 72 O contratado, na execução do contrato, sem prejuízo das

responsabilidades contratuais e legais, poderá subcontratar partes da obra, serviço ou fornecimento, até o limite admitido, em cada caso, pela Administração. (...)

Art. 78 Constituem motivo para rescisão do contrato: (...)VI – a subcontratação total ou parcial do seu objeto (...), não admi-

tidas no edital e no contrato. (Grifamos)

Quem lê esses curtíssimos excertos da lei não consegue atinar com como o legislador conseguiu brigar duas vezes consigo mesmo em tão curto espaço. É preciso ter muita criatividade – e convenha-mos que isso não falta ao legislador brasileiro.

Com efeito, as partes acima grifadas do art. 72 conflitam em dois momentos com os grifos ao inc. VI do art. 78:

primeiro conflito - o art. 72 parece só admitir subcontratação parcial do objeto, enquanto o inc. VI do art. 78 menciona subcon-tratação total, a qual, pelo que se lê do fim do inciso, o edital e o contrato podem admitir;

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segundo conflito - o art. 72 admite que a Administração a cada contrato admita esta ou aquela subcontratação, assim ou assado, maior ou menor, incidindo sobre este ou sobre aquele ponto do ob-jeto, enquanto que o inc. VI do art. 78, in fine, parece exigir que tanto o edital quanto o contrato hajam previsto a subcontratação para que essa possa ser admitida pela Administração n’algum es-pecífico contrato.

Como conseguiu o legislador, em cinco ou seis linhas no texto somado de dois momentos da lei, divergir tanto e tão seriamente ?

A divergência em verdade vem de longa data, com os arts. 62 e 68, inc. VI, ambos do já mencionado Decreto-lei nº 2.300, de 21 de novembro de 1.986, de modo que não se pode acusar a lei atual senão de manter aquele conflito, oriundo da lei que a antecedeu. Poderia tê-lo corrigido, mas não o fez e até mesmo o agravou em parte.

IV - O fato é que desde a edição da Lei nº 8.666, em 1.993, a doutrina, a jurisprudência de contas e a jurisprudência judicial adotou a posição de que prevalece a parte final do art. 72 e a parte inicial do inc. VI, do art. 78.

Vale dizer: a) pode a Administração, por escrito e a pedido escrito do con-

tratado a cada contrato, autorizar subcontratações para execução do objeto, mesmo que esse assunto nem tenha sido ventilado no edital nem no contrato – como em quase todos os editais e contratos não é ventilado. Nesse momento prevaleceu portanto a parte final do art. 72, que não exige que edital ou contrato tenham previsto a possibilidade de subcontratações. Mesmo sem a prever, a pedido do contratado a Administração poderá autorizar subcontratações, e

b) pode a Administração autorizar subcontratações totais do ob-jeto, mesmo que isso pareça aberrante ou esdrúxulo ante a licitação realizada, que teve por fim eleger a proposta mais vantajosa den-

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tre as muitas que lhe podem ter sido apresentadas. Mesmo assim é possível a autorização da subcontratação total, pelo simples fato de que, como reza o art. 72, a subcontratação não implica fuga ou evasão da responsabilidade pela correta e integral execução do con-trato, que permanece até o término do contrato como obrigação do contratado e não de qualquer subcontratado que venha a existir.

Com efeito, não existe ligação nenhuma – institucional, jurídica, operacional, previdenciária, trabalhista, comercial, técnica ou de qualquer natureza – entre Administração e subcontratado, mas ape-nas entre Administração e contratado. O contratado é que recebe os pagamentos pela execução contratual, e é o único a ser fiscalizado, controlado, gerenciado, exigido e cobrado a todo tempo pela Ad-ministração contratante, e não o é, jamais, qualquer subcontratado. Pode afirmar que “o subcontratado é problema do contratado e não da Administração”.

Ora, se então quem responde totalmente pela execução é o con-tatado, e se ele sabe disso e se a lei assim o diz, então formalmente resta claro porque a subcontratação pode ser até mesmo total. A figura da subcontratação se opõe, portanto à da sub-rogação civil, instituto previsto nos arts. 346 a 351 do Código Civil e pelo qual, nesta hipótese de contratos, uma parte do contrato vende, transfere ou de cede os seus direitos e deveres no próprio contrato a outra pessoa, e com isso sai da relação contratual. A sub-rogação é ex-pressamente proibida no caso de contratos da Administração, por simples ausência de autorização na legislação – até porque, sobre-tudo nos contratos licitados, não faria o menor sentido.

Mas nada disso, em absoluto, se dá com a subcontratação, por-que parte nenhuma sai do contrato, mas apenas o contratado admite alguém para por ele executar uma parte – ou mesmo o total – do objeto contratado, e nada mais que isso. O contratado continua tão contratado quanto antes da subcontratação, e suas responsabilida-

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des continuam exatamente as mesmas com uma, duas ou cinqüenta e cinco subcontratações que a Administração lhe autorizar. O sub-contratado não reponde à Administração contratante, mas apenas o contratado.

V - Visto isso, outras dúvidas acorrem à mente a respeito de subcontratação, tais como as seguintes, que se enumeram para cla-reza: 1) que espécies de contratos admitem subcontratações ?; 2) Quantas podem ser em cada contrato ?; 3) Sobre o que podem ou devem versar, dentro do objeto ? 4) O subcontratado precisa ter participado da licitação, ou precisa deter a mesma habilitação de-monstrada pelo contratado ? 5) Qual deve ser o termo de subcon-tratação, e qual deve ser o seu conteúdo essencial ? 6) Contratos diretos, sem licitação, podem ensejar subcontratações ?

Outras dúvidas: 7) pessoa física pode ser subcontratada, e pes-soa física contratada pode subcontratar ? 8) A mesma pessoa pode ser subcontratada em mais de um contrato da Administração ? 9) O valor da parte subcontratada tem alguma relevância jurídica ?; 10) Pode haver aplicação de pena a subcontratado ? 11) Quais as inconveniências e quais os riscos para a Administração e para o contratado pela subcontratação informal, clandestina ou não autori-zada ? - e diversas outras que a imaginação não alcança.

VII – Respondamos uma a uma, observando a numeração pro-cedida no tópico anterior.

1) Quase todo contrato que a Administração celebre admite subcon-tratação. Um contrato de obra pode ser executado total ou parcialmente pelo subcontratado, porque nada na obra exige a execução pela pessoa do contratado, e o mesmo se pode afirmar, com muito mais razão até, do fornecimento, que é a simples compra com entrega parcelada ou fracionada em momentos diversos. A obra ou a compra, sendo entre-gue como foras contratadas, isso é o que basta à Administração con-tratante.

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Quanto a serviço, pode ser diferente entretanto o enfoque. Pode ser subcontratada a execução de contrato cujo objeto seja serviço cuja execução seja penas pessoal, mas não personalíssima.

Assim se entende aquele serviço que somente a pessoa física do contratado está habilitado a executar, como é o caso de uma obra artística, ou um projeto particularmente artesanal ou vinculado às qualidades pessoais de um ser humano, cuja dotação faça toda a di-ferença e condicione insubstituivelmente a escolha; em não sendo assim, também os serviços contratados, sejam comuns, sejam de engenharia, sejam outros que forem, podem ser executados pelo contratado ou o subcontratado, sem maior embaraço ao sucesso e à perfeição da empreitada.

A lei nem de longe indica restrições à possibilidade de subcon-tratação em face da natureza do objeto;

2) não existe número máximo de subcontratações dentro de cada contrato. Todas as que a Administração autorizar valem plenamen-te, independentemente do número delas em cada contrato. Pode ocorrer de se autorizar uma subcontratação para a fiação elétrica da obra, outra, para outro subcontratado, para a pintura da obra no mesmo contrato, uma terceira para a execução do elevador, e assim tantas quantas forem necessárias e convenientes para a Adminis-tração autorizar. O que não tem muito sentido é a Administração autorizar a subcontratação de uma parte do objeto para alguém, e autorizar a subcontratação de outra parte do objeto para o mesmo subcontratado, pois que sempre podem ser englobadas essas parce-las de execução numa só subcontratação;

3) as subcontratações podem recair sobre qualquer parte da exe-cução do objeto, sem qualquer mínima restrição ou limitação. Nada existe, em objeto algum que não precise ser personalissimamen-te executado, que condicione a possibilidade de autorização, pela Administração, para subcontratação. Não é a natureza da parte

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subcontratanda do objeto que a faz lícita ou não, mas apenas a au-torização que a contratante dê.

VIII – 4) Não para as duas questões. O subcontratando,para que a Administração autorize a sua subcontratação pelo contratado, não precisa nem ter participado do certame, se houve, nem ter a mesma habilitação do contratado. Se o contratado pede autorização para subcontratar, a Administração deve apenas exigir saber para quem pretende subcontratar o quê do objeto, e com essa respostas pode, querendo, autorizar desde logo a subcontratação. Basta consultar a sua conveniência, e os elementos de convicção que quiser, sem se precisar preocupar com mais nada.

Caso, entretanto, a Administração queira autorizar subcontratações apenas de participantes (supostamente habilitados) do certame, pode livremente fazê-lo. Se quiser exigir do indicado para subcontratação três vezes mais co documentos que os que exigiu na licitação, e os mais estranhos à lei de licitações, igualmente pode. É inteiramente livre a Administração para, recebendo pedido escrito de autorização para subcontratação, exigir do contratado que apresente os documen-tos do contratando que bem entenda pertinentes ao caso;

5) O instrumento pelo qual a Administração defere pedido de subcontratação pode ser uma simples autorização escrita, subscri-ta pela autoridade que assinou o contrato, na qual se identifique o contrato e se descreva, com mais ou menos detalhe conforme a conveniência, qual parte do objeto teve a execução transferida para o subcontratado, com as demais indicações que possam ser úteis e que variarão de a a z conforme cada objeto e cada circunstância. Nenhuma formalidade em especial a lei exige para tanto.

O instrumento de autorização, que não tem natureza contratual entre ninguém, Administração, contratado e subcontratado, deve ser assinado por quem o expedir e quem o receber, e integrará ne-cessariamente o processo da contratação, e, questão muito impor-

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tante, dele deve ter imediata ciência o gestor do contrato, para todos os efeitos de gestão;

6) sim. Não é o fato de ter sido licitado o contrato, ou de não ter sido, que impedirá a autorização para a subcontratação, pois que o que interessa par a Administração é tão-só a boa execução e a entre-ga correta e adequada do objeto contratado, licitado ou não;

7) sim para ambas as questões. Tanto uma pessoa física pode ser a subcontratada de uma pessoa física ou jurídica contratada, quanto uma pessoa física, contratada, desde que autorizada pela Adminis-tração poderá subcontratar para pessoa física ou mesmo jurídica.

Pode parecer estranha essa última possibilidade, mas, em sen-do material e operacionalmente lógica e exeqüível, não é a lei que a impede. Qualquer trânsito entre, ou cominação de, pessoas físicas e jurídicas, para esse efeito de subcontratações lícitas, é permitido.

IX – 8) Sim, a mesma pessoa, física ou jurídica, pode ser sub-contratada em mais de um contrato da mesma entidade pública, sendo esses contratos em nome do mesmo contratado ou em nome de diversos contratados. Nada há na lei nem em regra nenhuma aplicável que o impeça.

O que não faz sentido por falta de lógica, repetimos, é a mesma pessoa, física ou jurídica, ser subcontratada mais de uma vez, e ao mesmo tempo, dentro do mesmo contrato, já que as partes de exe-cução transferida sempre podem constar, todas, do mesmo instru-mento de subcontratação. Caso entretanto não sejam simultâneas mas sucessivas e não contíguas no tempo, é evidente que poderão ser autorizadas duas ou mais subcontratações em favor do mesmo subcontratado dentro do mesmo contrato;

9) não. O valor da parte subcontratada, isoladamente conside-rado ou com relação ao valor total do contrato, não tem nenhuma relevância jurídica, material, operacional nem de qualquer outra

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natureza. A Administração, ao autorizar a subcontratação, não tem nem minimamente que se preocupar com essa questão, porque ela nada diz com a boa execução do contrato, cuja responsabilidade in-tegral se mantém presa à pessoa do contratado e a mais ninguém.

Será o contratado que receberá os pagamentos, e quanto ao ajus-te que tenha celebrado com seu subcontratado, isso não afeta nem atinge a Administração, constituindo-se em problema exclusivo do contratado.

X - 10) Não, em nenhuma hipótese. As penas da lei de licitações, arts. 86 a 88, destinam-se única e exclusivamente ao contratado, e a ninguém mais. Nem mesmo ao licitante, enquanto anda não é contratado, se aplicam, e muito menos se imagina que, após a con-tratação, possam atingir ou estender-se ao subcontratado, que não integra o contrato, nem o compõe em sentido algum. Falta na lei qualquer mínimo elemento que autorize o poder público a sequer pretender estender qualquer pena administrativa a subcontratados.

O que poderá ocorrer é que o subcontratado desempenhe tão mal a sua parte na execução que isso venha a ensejar aplicação de penalidade ao contratado, o qual não conseguiu a tempo controlar o trabalho do seu subcontratado e com isso permitiu que esse afinal apresentasse uma má execução; sofre a conseqüência nesse caso, dentro da esfera da Administração, o contratado e ninguém mais;

11) uma subcontratação informal, clandestina ou não autorizada pode ter conseqüências detrimentosas, até então inimaginadas, para Administração, sendo que a principal que ocorre é a da eventual solidariedade previdenciária, ou mesmo subsidiariedade trabalhis-ta entre Administração contratante e empregados do subcontratado informal.

Com efeito, caso por falha – escusável ou inescusável - na gestão do contrato se verifique o trabalho de subcontratados que não foram autorizados pela Administração, é lícito imaginar que os emprega-

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dos do subcontratado possam reclamar na justiça laboral prestações contra a Administração, para a qual possam provar que, fática e fisicamente, trabalharam. Nesse momento o último que se imagina é que algum subcontratado informal chame para si a responsabi-lidade, ele que nem sequer cuidou de exigir que o contratado o regularizasse na Administração que o contratara.

Fica clara a situação quando, por alguma razão, se passa a saber que o contratado tem menos empregados, em seu quadro inteiro, que os trabalhadores que o gestor examina a trabalhar diariamente na execução do contrato... e nessa hipótese resultará no mínimo es-tranhíssima a verificação da manutenção da habilitação do contra-tado, a cada mês que passa, junto à previdência social, se os ates-tados que apresentam, uma vez investigados, se referem a menos empregados do que os que, supostamente a seu serviço, trabalham na obra que o poder público lhe contratou...

Trata-se de riscos aliados a inconveniências como se percebe, e a lei de licitações, atenta a possibilidades como essa, dentre tantas outras passíveis de suceder na prática, inquina de possível causa de rescisão do contrato a subcontratação não autorizada pela Ad-ministração, conforme art. 78, inc. VI. Ainda que deva ser vetada tão-logo constatada, será motivo suficiente para rescisão, no en-tanto, apenas a subcontratação informal que se revelar ao menos minimamente lesiva ao interesse da Administração.

Quer-se dizer que a subcontratação informal, juridicamente irregular como é, deve ser sempre inadmitida e combatida como uma potencial causa de dissabores operacionais, fiscalizatórios, ge-renciais e, possivelmente, danosos em demandas judiciais para o poder público. O dever de as combater pertence antes ao gestor de cada contrato, o qual deve entretanto contar com instrumentos, instruções e orientações objetivas e precisas sobre como e quando fazê-lo.

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XI – Eis por fim algumas referências doutrinárias sobre subcon-tratação.

1.ARAÚJO, Geisa. Licitações e contratos públicos – teoria e prática. 2. ed. Fortaleza : Edições Livro Técnico, 2001, p. 346/347.

2.CITADINI, Antonio Roque. Comentários e jurisprudência sobre a lei de licitações públicas. São Paulo : Max Limonad, 1996. p. 357.

3.GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 12. ed. São Pau-lo : Saraiva, 2007, p. 688/690.

4.JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e con-tratos administrativos. 5. ed. São Paulo : Dialética, 1998, p. 534;

5.MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O contrato administrativo. 2. ed. Rio de Janeiro : América Jurídica, 2002, p. 20.

6.MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Curso prático de direito adminis-trativo. 2. ed. Belo Horizonte : Del Rey, 2004, p. 527/528.

7.MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas licitações e contrato. 10ª ed. Belo Horizonte : Del Rey, 2005, p. 509/10.

8.MUKAI, Toshio. Licitações e contratos públicos – comentários à lei 8.666/93, com as alterações da lei n. 9.648/98. 4. ed. São Paulo : Saraiva. 1998, p. 120

9.PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei de licitações e contratações da administração pública. 5. ed. Rio de Janei-ro : Renovar, 2002, p. 692/695.

10.RIGOLIN, Ivan Barbosa e BOTTINO, Marco Tullio. Manual prático das licitações. 6. ed. São Paulo : Saraiva, 2006, p. 107.

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Voto

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AcompAnhAmento de contrAtos destinAdà elAborAção de estudo de viAbilidAde do

AproveitAmento hidrelétrico corumbá iii,

Antonio Renato Alves Rainha Conselheiro do TCDF

Usinas de Corumbá III e IV. Análise do cumprimento das diligências e determinações ordenadas pela Decisão n° 2716/2005, em especial quanto ao exame do ressarcimento dos custos relativos ao estudo de viabilidade e ambiental do Aproveitamento Hidrelétrico de Co-rumbá III (item II.1); demonstrativo de impacto financeiro, alterna-tivas econômico-financeiras para a viabilidade do empreendimento e detalhamento dos custos para a execução Corumbá IV (item II. 2, letras a, b e c); e exame das razões de justificativa prestadas pelos dirigentes da jurisdicionada acerca do potencial prejuízo decorrente das disposições dos Estatutos Sociais da Sociedade Corumbá Con-cessões S.A. (item III).A 3ª ICE, nos termos da Informação n° 25/2005, propõe ao Tribunal que : I) tome conhecimento da Carta n° 451/2005-PRESI e anexos (fls. 744/763) e das razões de justificativa (fls. 766/921); II – consi-dere: 1) atendido o item II.1 da Decisão n° 2.716/2005; 2) satisfeito o item II.2.b da Decisão n° 2.716/2005 em razão do ingresso da Compa-nhia de Saneamento de Brasília – CAESB, da Companhia Imobiliária de Brasília – TERRACAP e do Fundo de Investimento BRB-Corumbá no corpo de acionistas que viabilizou o empreendimento Corumbá IV, e 3) não atendidos os itens II.2.a e II.2.c; III – aplique a multa previs-ta no inciso III do art. 57 da Lei Complementar n° 01/1994 aos Srs nominados nos autos, tendo em vista a insubsistência das razões de justificativa apresentadas, uma vez que as disposições estatutárias que conferiram à acionista VIA Engenharia o controle da empresa ocasio-naram prejuízos aos interesses da CEB; IV – determine ao dirigente da CEB o encaminhamento de :1) documento detalhando os custos atuais da obra de Corumbá IV, com indicação dos quantitativos de materiais e serviços e respectivos custos unitários e, 2) cópia dos documentos de aprovação dos preços contratados pela CEB para a compra de ener-gia de Corumbá III, após a conclusão da análise pela ANEEL; V – autorize: 1) o levantamento do sobrestamento da análise dos preços

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da energia contratada de Corumbá III e IV, imposta pelo item V da Decisão n° 2716/2005; 2) a análise do endividamento da CEB na Au-ditoria autorizada pelas Decisões n° 753/03 e 1974/05 no processo n° 271/03; 3) a anexação de cópia da decisão a ser proferidas ao processo n° 18.925/05 que cuida da prestação de Contas Anual de 2004, bem com naquela que for autuado para tratar da prestação de contas Anual de 2005, e 3) o retorno dos autos à 3ª ICE.Manifestação do Ministério Público de Contas parcialmente conver-gente com a proposta da instrução, com exceção dos itens II.2 e V.3, propondo, em conseqüência, que o Plenário considere não atendido o item II.2.b da Decisão n° 2716/2005 e determine à Unidade Técnica que identifique os responsáveis pela elaboração do Estudo de Viabi-lidade mencionado nos documentos de fls. 747/748 e 759/760, auto-rizando, desde logo, a audiência e a do Diretor Presidente da CEB para prestarem razões de justificativa acerca das falhas apontadas pela instrução em referido estudo de viabilidade econômico-financeira.Conhecimento. Acolhimento parcial das sugestões da instrução e do Ministério Público.

Relatório

Cuida-se do exame do cumprimento das determinações ordena-das pela Decisão n° 2716/2005 relativas às Usinas de Corumbá III e IV, de seguinte teor:

I - tomar conhecimento do Of. n° 016/2004-1ª PJCrim/MPDFT, de 3/6/04 (fl. 381), do Of. n° 188/2004-P/AA, de 21/6/04 (fl. 384), da Carta n° 195/2004-PRESI e de seus anexos (fls. 386 a 656);

II - determinar à CEB o encaminhamento: II.1 - de cópia da documentação pertinente, na oportunidade em

que for concluída a negociação junto à THEMAG, quanto à proposta de ressarcimento dos custos efetuados pelo Consórcio Corumbá III em relação ao estudo de viabilidade e ambiental para o AHE Corumbá III, nos termos do item “b” da Decisão n° 593/04;

II.2 - no prazo de 30 dias: a) de relatório detalhado que demonstre a capacidade financeira da CEB em suportar os desembolsos financeiros necessários à conclusão das obras de Corumbá IV, indicando os custos financeiros, “spreads” e condições de pagamento de juros e amortiza-ção; b) das alternativas em avaliação/adotada pela Corumbá Concessões S.A. para viabilizar econômica e financeiramente o empreendimento de

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Corumbá IV, considerando a inviabilidade do empreendimento indicada no estudo encaminhado pelo dirigente da jurisdicionada (fl. 479); c) de detalhamento dos custos atuais da obra de Corumbá IV, identificando os quantitativos de materiais e serviços e os preços unitários, nos termos fixados pelo item c.1 da Decisão n° 593/2004;

III – autorizar a realização de audiência, no prazo de 30 (trinta) dias, com os Srs. mencionados no parágrafo 86, para que demonstrem com documentação adequada e evidências objetivas que as cláusulas dos Estatutos de Corumbá Concessões não prejudicam os interesses da CEB na sociedade, considerando que as condições quanto ao poder societário da Jurisdicionada na Corumbá Concessões S.A. não são ra-zoáveis perante o percentual de 45% de integralização de capital sob responsabilidade da CEB, contrariando os princípios da razoabilidade e economicidade, tendo em vista o disposto no inc. III do art. 57 da Lei Complementar n° 01/94, e nos termos do parágrafo 5º do art. 182 do RI/TCDF;

IV - dar tratamento de urgência e prioridade ao Processo n° 2671/2004, autuado em atendimento à Decisão n° 593/2004, que so-licitou ao órgão técnico e à CICE manifestação acerca da necessidade de contratação de especialistas para auxílio quanto à fiscalização das obras de Corumbá III e IV;

V – sobrestar a análise de mérito da questão dos preços contrata-dos de energia elétrica de Corumbá IV e III (Contratos n° s 12/2002 e 73/2002-CEB), até o término das discussões entre os técnicos deste Tribunal e os da ANEEL, determinando à 3ª ICE o estabelecimento de prazos para os encontros destacados no parágrafo 58 da Informação n° 100/2004, noticiando a Corte das datas acordadas;

VI – autorizar o retorno dos autos à 3ª ICE, para as providências pertinentes.

Salienta a instrução que as questões que circundam as Usinas de Corumbá III e IV, bem assim as de Queimado e Lajeado, tratadas no Processo n° 825/1998, são decisões de investimento que deli-mitam as ações de fiscalização e controle desta Corte de Contas à análise das conseqüências de citadas decisões.

No que concerne às diligências determinadas no item II da Deci-são n° 2.716/2005, aponta o Corpo Técnico que o subitem II.1 pode ser considerado atendido por esta Corte, uma vez que a documenta-ção encaminhada pelo dirigente da CEB acerca do instrumento de

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confissão de dívida assinada pela Energética Corumbá III S/A e da memória de cálculo detalhando a correção monetária dos valores pagos pela CEB para o estudo de viabilidade de Corumbá III, alia-da à declaração de ressarcimento integral dos valores, comprovam satisfatoriamente o desfecho da negociação para o ressarcimento dos custos efetuados, na forma da diligência ordenada em referido item decisório.

O subitem II.2 ordenou à jurisdicionada que encaminhasse ao Tribunal documentos comprobatórios da capacidade financeira da CEB para suportar os custos relativos às obras de Corumbá IV, as possíveis alternativas levantadas pela Corumbá Concessões S/A para a viabilização do empreendimento de Corumbá IV , ante o documento apresentado pela CEB à fl. 479 que indica a sua inviabi-lidade, bem como o detalhamento dos custos da obra de Corumbá IV, com seus quantitativos de materiais e serviços e os respectivos custos unitários.

A instrução ressalta que a documentação destinada a demons-trar a capacidade financeira da CEB frente às obras de Corumbá IV limita-se à Carta n° 451/2005-PRESI, na qual se afirma que os aportes de responsabilidade da CEB em Corumbá IV já foram rea-lizados e que não haveriam mais desembolsos futuros para a con-clusão das obras.

Aponta o Corpo Técnico que citada informação é insuficien-te para prestar os esclarecimentos acerca das dívidas assumidas pela jurisdicionada em citado empreendimento. Deste modo, considera não atendida a diligência contida no item II.2, letra “a” e, por razão de economia processual, sugere que tal aspecto seja incluído nos trabalhos de auditoria que foram autorizados no processo n° 271/2003, por meio das Decisões n° 753/2003 e 1.974/2005.

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A diligência ordenada pelo item II.2, letra ”b”, que trata das possí-veis alternativas consideradas para a viabilidade do empreendimen-to, decorre da informação constante da Carta n° 195/2004-PRESI (fl. 479) que, ao encaminhar o estudo de viabilidade do empreen-dimento Corumbá IV apresentou dados quanto ao Valor Presente Líquido e à Taxa Interna de Retorno que demonstrariam a inviabi-lidade do empreendimento.

Acerca de tal aspecto, a jurisdicionada encaminhou a Car-ta n° 451/2005-PRESI, na qual contesta a apontada inviabili-dade do empreendimento Corumbá IV e assinala que a Carta n° 195/2004-PRESI, utilizada por este Tribunal na deliberação que resultou na Decisão n° 2716/2005, não corresponde ao ao real estudo de viabilidade, uma vez que foi elaborado de forma incompleta por não ter considerado a indexação de elementos macroeconômicos necessários à correta elaboração do Projeto, tendo sido encaminhado indevidamente ao TCDF, razão pela qual solicita o desentranhamento do documento de fl. 479 e sua substituição pelo de fl. 760.

Após salientar que o estudo de viabilidade “fundamenta-se na estimativa dos fluxos de caixa positivos e negativos do empreen-dimento, dispostos em um cronograma (normalmente) anual, e que se inicia no chamado “ano inicial de projeção””, o Corpo Técnico tece a seguinte análise :

21.Dessa forma, o documento de fl. 760 é tecnicamente inade-quado por adotar o valor de investimento total de R$ 538.078.000,00 (2005 como ano inicial de projeção), que é inferior ao valor de R$ 635.673.349,00 do orçamento atualizado em dezembro de 2004 (fl. 761) e, encaminhado pela Carta n° 451/2005-PRESI. Assim, o estudo de fl. 760 subestima em R$ 97.595.349,00 o valor de investimento em Corumbá IV5, razão pela qual sugere-se à e. Corte que não atenda à solicitação firmada pelo Sr. Rogério Villas Boas Teixeira de Carvalho para que o “ o documento de fls. 479 (...) seja desentranhado” dos autos sendo substituído pelo documento de fl. 760.

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Diante desta colocação, a instrução conclui que o dirigente da CEB não atendeu à determinação constante do item II.2, letra “b”, mas, em razão do ingresso da Companhia de Saneamento de Bra-sília (CAESB), da Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) e do Fundo de Investimento BRB-Corumbá no corpo de acionistas, que viabilizou a participação da CEB, entende ser desnecessária a reiteração da diligência.

A instrução destaca que o detalhamento dos custos da obra foi solicitado em razão da discrepância observada entre os valores pre-vistos no estudo de viabilidade e os apresentados como decorrentes das pesquisas de mercado efetuadas pelos interessados no negócio. No entanto, aponta a instrução que a documentação apresentada pela jurisdicionada expressa apenas dados consolidados, sob a jus-tificativa de que ”não foi possível a identificação dos quantitativos de materiais e serviços, bem como dos preços unitários, conside-rando que as obras civis, equipamentos e projetos foram contrata-dos por preço global“.

A instrução considera improcedente a justificativa apresentada pela jurisdicionada e propõe à Corte que seja determinado o enca-minhamento do detalhamento dos custos, tal como ordenado pela Decisão n° 2.716/2005, com o alerta à jurisdicionada de que a não apresentação dos documentos exigidos pode caracterizar descum-primento reiterado de decisões desta Corte, a ser objeto de avalia-ção nas Contas anuais dos exercícios de 2004 e 2005, nos termos do art. 17, inciso III, alínea “b”, da Lei Complementar n° 01/1994.

A partir do exame dos dados consolidados dos orçamentos for-necidos pela jurisdicionada, a instrução destaca a inadequação téc-nica do orçamento da obra, decorrente da sub-avaliação do orça-mento, que não incluiu custos com escritório, advogados, advisors e outros, bem como as despesas financeiras decorrentes de emprés-timos e financiamentos que já estavam previstos desde o início da

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obra e, portanto, já deveriam estar contempladas no orçamento base jul/99.

Além deste aspecto observado pela instrução, a análise compara-tiva dos orçamentos com os valores atualizados permitiu constatar que, no período de jul/99 a dez/04, houve um acréscimo no custo do empreendimento de 73,94%, dos quais o item “ambiental” teve uma elevação de 229,71%, seguido dos itens civil e eletromecânica com, respectivamente, 22,38% e 18,11% de acréscimo.

Com a observação de que as imperfeições do orçamento refle-tem decisivamente sobre o estudo de viabilidade, vez que é o docu-mento básico para sua confecção, a instrução aponta que o acrés-cimo nos custos ambientais da obra pode ter decorrido do fato de não terem sido considerados os recursos financeiros necessários ao atendimento das exigências para a obtenção da licença prévia e de instalação junto ao IBAMA, o que resultou em um atraso de 13 me-ses no início da operação comercial de Corumbá IV. Além do mais, a instrução registra que a considerável elevação do valor de outorga também pode ter refletido no custo do empreendimento, vez que o valor da outorga considerado no estudo de viabilidade fixou o patamar de R$ 200 mil, ao passo que o lance que sagrou a empresa vencedora da concessão alcançou R$ 415 mil.

Em atenção ao disposto no item V da Decisão n° 2716/2005, que determinou o sobrestamento da análise dos preços da energia contratada de Corumbá III e IV até a obtenção de informações junto ao órgão regulador acerca de sua adequabilidade, a instrução desen-volve sua análise sobre os preços a partir do custo médio da energia e do valor normativo, comparando-os com o valor de mercado apu-rado na Informação n° 44/2003 (fls. 313/323). Desta análise, o Cor-po Técnico conclui que o preço contratado da energia de Corumbá III não se mostrou razoável em nenhum dos enfoques considerados para a análise, ao passo que o preço da energia de Corumbá IV

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mostrou-se razoável sob os enfoques do custo médio de energia e do valor normativo.

No entanto, considerando que compete ao órgão regulador – ANEEL – a regulação do mercado de energia elétrica, inclusive coibindo preços abusivos, e que os preços contratados pela CEB para a compra da energia de Corumbá IV já foram aprovados, encontrando-se pendente a análise quanto aos preços de Corum-bá III, o órgão técnico sugere o levantamento do sobrestamento determinado pelo item V da Decisão n° 2.716/2005, com a deter-minação de que, após aprovação dos preços pela ANEEL, a CEB encaminhe a documentação respectiva a este Tribunal para sua juntada aos autos.

Por fim, a instrução analisa as razões de justificativa apresenta-das pelos Srs. nominados nos autos determinadas pelo item III da Decisão n° 2.716/2005, destinadas a demonstrar que as cláusulas dos Estatutos de Corumbá Concessões que previram a participação da CEB no percentual de 45% não prejudicam os interesses desta empresa pública, por ofensa aos princípios da razoabilidade e da economicidade.

Tendo em conta que as razões de justificativa apresentas pelos servidores acima nominados apresentam o mesmo teor, a instrução procedeu ao exame a partir da peça encaminhada, que se apresen-tou mais completa, além de se fazer acompanhar de documentação comprobatória de suas alegações.

As justificativas apresentadas em atenção à determinação conti-da no item V da Decisão n° 2.716/2005 declinam os motivos que fundamentaram a decisão de investimento da CEB no empreendi-mento de Corumbá IV, além dos esclarecimentos pertinentes ao vis-lumbrado prejuízo aos interesses da jurisdicionada decorrentes da participação percentual acionária e a correspondência com o poder societário na concessão, que podem ser assim sintetizados :

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a) Motivos para a decisão de investimento em Corumbá IV: modificações no Setor Elétrico Brasileiro que, com o • término da reserva de mercado, passaram a exigir de seus agentes (geradores, transmissores e distribuido-res) alteração em sua forma de atuação, demandando à CEB investimentos no suprimento da energia ne-cessária ao seu mercado de distribuição em razão da extinção dos contratos de compra e venda de energia celebrados entre distribuidores e geradores;limites impostos pela Resolução ANEEL n° 94, de • 30.03.1998, para a aquisição de energia pelas empre-sas de distribuição, que determinou o investimento nos empreendimentos de Queimado e de Lajeado, bem como o encaminhamento do AHE Corumbá IV à ANEEL;característica de Corumbá IV como empreendimento • de aproveitamento múltiplo, servindo à produção de energia elétrica e ao abastecimento de água;publicação do Edital de Pré-Qualificação e Leilão n° • 01/2002 de outorga de concessão do AHE Corumbá IV;necessidade de suprimento do mercado a médio e a • longo prazo, acrescidas das vantagens constatadas nos estudos técnicos efetuados que traduziram um cenário favorável à participação da CEB no empreendimento.b)Justificativas para que a CEB não assumisse o con-• trole acionário isoladamente:carência de recursos próprios para custear a totalidade • do empreendimento;restrição para obtenção de capital de terceiros (em-• préstimo) dada a sua condição de sociedade de econo-

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mia mista, conforme dispõe o art. 1º , § 1º, inciso III e § 2º, inciso I, da Resolução n° 2653/99, com a redação dada pela Resolução n° 2668/99, do Banco Central do Brasil.estratégia de não concentrar o limite de aplicação em • geração (art. 6º da Resolução ANEEL n° 094/1998), em poucos investimentos; eausência de • know how para comandar sozinha o em-preendimento.

Sobretudo em razão dos aspectos que fundamentaram a decisão de a CEB não figurar como única participante no empreendimento, a defesa aponta que foram sondados potenciais parceiros, recaindo a escolha na empresa Via Engenharia, tendo em vista que referida empresa era plena conhecedora do empreendimento, por ter elabo-rado o Estudo de Viabilidade do AHE Corumbá IV; era detentora de know how técnico; e possuía saúde econômica e financeira neces-sária para o investimento exigido pelo empreendimento.

As negociações que se seguiram para a formação do consórcio caminharam para a fixação da participação acionária da CEB no percentual de 45% e a da Via Engenharia no percentual de 55%. Nesse passo, o poder societário, as garantias e prerrogativas do acionista majoritário observaram estritamente as disposições da Lei n° 6.404/1976, não se tendo fixado naquela oportunidade, qualquer quorum especial para a deliberação ou mesmo poder de veto do acionista minoritário.

Por ocasião da transferência acionária da Via Engenharia para as empresas Serveng-Civilsan S.A. e C&M Engenharia, foi celebrado novo acordo de acionistas no qual se fixou quorum mínimo para as matérias submetidas à Assembléia de acionistas e ao conselho de Administração, possibilitando à CEB o exercício do poder de veto, além de deferir à CEB a indicação do Diretor Técnico e de um re-

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presentante para o Conselho de Administração, que trouxeram con-sideráveis vantagens à posição da CEB de acionista minoritária.

Com estas colocações, a defesa enfatiza que a CEB jamais figu-rou como acionista majoritária e, sendo assim, o poder societário que detinha era correspondente a sua condição de acionista minori-tária, que não acarretou, em momento algum, qualquer prejuízo ou desvantagem aos interesses da CEB.

Desse modo, conclui a defesa que as disposições do Estatuto de Corumbá Concessões não acarretaram ofensa aos princípios da legalidade e da razoabilidade.

Quanto aos motivos que sustentam a decisão de investimento em Corumbá IV, o Corpo Técnico aponta que a conveniência e a oportunidade na tomada desta decisão de investimento não estão sob a jurisdição desta Corte de Contas, da mesma forma que a de-cisão de diversificação de investimento, passando, assim, ao exame dos fundamentos apresentados para que a CEB não fosse a contro-ladora do empreendimento.

No tocante aos aspectos relativos à carência de recursos pró-prios e à restrição para a obtenção de empréstimos, a instrução destaca que as dificuldades narradas não obstariam que a CEB se mantivesse como acionista controladora, uma vez que as condi-ções exigidas para a obtenção de financiamento dirigem-se à via-bilidade econômico-financeira do empreendimento e às garantias prestadas.

Quanto à escolha da empresa VIA Engenharia para figurar como parceira da CEB no empreendimento, a instrução destaca que, muito embora não lhe caiba avaliar o mérito de referida escolha, o elevado nível de conhecimento técnico sobre o empreendimento não permitiu ”um nível de conhecimento razoável de todos os cus-tos ambientais para a implantação de Corumbá IV. Também o não atendimento aos condicionantes das Licença-Prévia e de Instala-

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ção, resultou em demora na expedição da Licença de Operação e no início do funcionamento da Usina“.

Com estas considerações, e alertando que mesmo a modificação societária operada com o ingresso das empresas Serveng-Civilsan S/A e C&M Engenharia que ampliou a atuação societária da CEB, a instrução sugere que se considerem insubsistentes as razões de justificativa apresentadas e propõe ao Tribunal que:

I. tome conhecimento da Carta n° 451/2005-PRESI e anexos (fls. 744 a 763), das razões de justificativa apresentadas pelos Srs. Nomi-nados no par. 82 (fls. 766/921);

II. considere:II.1 – atendido o item II.1 da Decisão n° 2716/2005:II.2 - satisfeito o item II.2.b da Decisão n° 2716/2005, consi-

derando que o ingresso da Cia de Saneamento de Brasília e da Cia Imobiliária de Brasília viabilizaram Corumbá IV;

II.3 – não atendidos os itens II.2.a e II.2.c;III.Aplique a multa prevista no inciso III do art. 57 da Lei Comple-

mentar n° 01/94 aos Srs nominados nos autos, tendo em vista a insu-ficiência das razões de justificativa apresentadas, considerando que os Estatutos de Corumbá concessões S/A prejudicaram os interesses da CEB, ao permitirem que a VIA Engenharia S/A mantivesse o controle total e absoluto da empresa, diante da ausência de cláusula estatutária que permitisse à Jurisdicionada alterar decisões que poderiam ser to-madas unilateralmente pela sócia, por exemplo, a definição do projeto executivo e do orçamento da obra, a definição da forma de financia-mento do empreendimento, entre outros;

IV.determine ao Sr. Dirigente da CEB o encaminhamento de:IV.1 –documento detalhando os custos atuais da obra de Corumbá

IV, identificando os quantitativos de materiais e serviços e os preços unitários, de acordo com o projeto em implantação, no prazo impror-rogável de 30 dias, alertando que a não-apresentação desse documen-to, em descumprimento reiterado das deliberações desta Corte, será objeto de avaliação nas Contas anuais dos exercícios de 2004 e 2005, nos termos do art. 17, inc. III, alínea b da LC 01/94.

IV.2 –cópia dos documentos de aprovação dos preços contratados pela CEB para a compra de energia de Corumbá III, assim que a aná-lise da ANEEL for concluída;

V.autorize:V.1 –o levantamento do sobrestamento da análise dos preços da

energia contratada de Corumbá III e IV, imposta pelo item V da Deci-são n° 2716/2005, conforme exposto no par. 80 (fl. 1009);

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V.2 – a análise do elevado endividamento da CEB, na Auditoria autorizada pelas Decisões n° 753/03 e 1974/05; no Processo 271/03;

V.3 – a anexação de cópia da decisão a ser proferida aos Processos n° 18.925/05 (Prestação de contas Anual – 2004) e naquele que for autuado para tratar da Prestação de Contas Anual – 2005, a fim de que seja avaliada naqueles autos a não-apresentação de documento deta-lhando os custos atuais da obra de Corumbá IV, em descumprimento reiterado de deliberações desta Corte, nos termos do art. 17, inc. III, alínea b, da LC 01/94.

V.4 – o retorno dos autos para as providências pertinentes.

Encaminhados os autos ao Ministério Público de Contas por meio do Despacho singular n° 226/2006 - GC/RCC, foi proferido o Parecer n° 1180/2006-DA, do Procurador Demóstenes Albuquer-que que acompanha em parte a proposta da instrução, com exceção do item II.2, uma vez que o estudo de viabilidade apresentado pela CEB não autorizava a sua participação no empreendimento, e do item V.3, por entender que o exame do não cumprimento da de-terminação plenária deve ser efetuado no presente feito, deixando para as contas anuais dos dirigentes da CEB o exame da repercus-são da decisão que vier a ser tomada nestes autos.

Em conseqüência desta modificação, o ilustre órgão ministerial propõe que se considere não atendido o item II.2.b da Decisão n° 2.716/2005 e que seja determinado à Unidade Técnica a identificação dos responsáveis pela elaboração do Estudo de Viabilidade mencio-nado nos documentos de 747/748 e 759/760, autorizando-se, des-de logo a sua audiência, juntamente com a do Diretor-Presidente da CEB para que apresentem justificativas pelas falhas apontadas pela Inspetoria de Controle Externo no estudo de viabilidade econômico-financeira de Corumbá IV. Por fim, suscita o Parquet que seja inclu-ído no item IV.1 das sugestões a previsão de que o descumprimento desta determinação poderá ensejar a aplicação de multa e a inabilita-ção para o exercício de cargo comissionado ou função de confiança, bem como influenciar no julgamento das contas anuais dos gestores.

É o relatório.

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VOTO

As questões suscitadas nos autos acerca das Usinas de Corumbá III e IV deduzem indagações que dizem respeito ao mérito de de-cisões de investimento, que demandam uma postura diferenciada desta Corte quanto à perquirição de sua conformidade legal, como também conjugam elementos cujo exame quanto a sua legalidade e economicidade não se mostra estranho às matérias usualmente analisadas por este Tribunal.

De plano, tenho por relevante assinalar minha convicção de que as decisões de investimento, a par de se mostrarem como o exemplo mais significativo das decisões afetas à gestão institucional, inclusi-ve administrativa, não estão alheias ao exame e controle deste Tribu-nal. No caso, tenho que seu exame por esta Corte de Contas não está limitado apenas às conseqüências de citadas decisões, como aduz a instrução. Os motivos que justificam tais decisões, por revelarem o substrato fático-legal que as fundamenta, está afeto à jurisdição des-ta Corte, sobretudo porque é através de seu exame que se poderá ve-rificar sua observância aos princípios da legalidade, impessoalidade e eficiência, expressamente indicados no caput do art. 37 da Consti-tuição da República como regedores da atuação administrativa.

No entanto, o exame destas decisões diretivas não se satisfaz unicamente com a verificação de sua adequação literal à lei ou sob o enfoque de uma equação matemático-financeira distanciada de seu efeito a longo prazo dos benefícios pretendidos e alcançados, mas demanda que o exame se dê em cada caso concreto mediante a conjugação dos diversos princípios que orientam a atuação ad-ministrativa, em especial o da eficiência, o da finalidade e o do interesse público, uma vez que tal análise não se pode alhear das condições específicas que orientam o gestor na tomada de decisões que se devem pautar pela satisfação do interesse público.

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Nesse passo, e tendo em vista que as determinações ordenadas pela Decisão n° 2.716/2005 versam sobre aspectos das Usinas de Corumbá III e IV, abordo, inicialmente, as questões dirigidas à Corumbá III, segregando-as do exame relativo a Corumbá IV, que examino a seguir.

a) Corumbá IIINo que concerne à demonstração do desfecho da negociação

da CEB para o ressarcimento dos valores gastos com o estudo de viabilidade de Corumbá III, acolho a sugestão da instrução e do Parquet, uma vez que a documentação encaminhada pela jurisdi-cionada comprova o ressarcimento dos valores questionados.

De acordo com o disposto no item V da Decisão n° 2.716/2005, este Tribunal sobrestou a análise dos preços da energia contratada de Corumbá III e IV até que fossem obtidas informações adicio-nais junto à ANEEL para a aferição de sua adequabilidade.

Em razão desta determinação, a instrução procedeu ao exame do preço da energia contratada a partir de abordagens relativas ao valor normativo, ao custo médio da energia, além de resgatar a análise constante da Informação n° 44/03 que procedeu ao exame a partir do valor de mercado. Apesar de o corpo técnico assinalar que, em quaisquer destes três aspectos, o preço da energia con-tratada para Corumbá III não se apresentou razoável, as coloca-ções da jurisdicionada mereceram o acatamento da instrução e do Ministério Público, uma vez que incumbe à ANEEL a atribuição de regular o mercado, inclusive coibindo preços abusivos. Assim, acato a sugestão para que se aguarde a aprovação do preço da energia elétrica para Corumbá III pela ANEEL, com seu posterior encaminhamento a esta Corte.

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b) Corumbá IVOs questionamentos dirigidos ao empreendimento de Corumbá

IV versam, em termos gerais, sobre aspectos relativos ao estudo de viabilidade do empreendimento, aí se incluindo seus custos, o valor da energia elétrica contratada e os prejuízos revertidos à jurisdi-cionada pela sua condição de acionista minoritária, que ensejou a apresentação de razões de justificativa pelos diretores indicados.

Nessa linha, observo que a determinação de encaminhamento de relatório detalhado demonstrativo da capacidade financeira da CEB para suportar os investimentos em Corumbá IV, constante do item II.2, alínea “a”, guarda correlação com o estudo de viabilidade do empreendimento, referido na alínea “b” desse mesmo subitem.

Assim, muito embora concorde com a instrução no tocante à insuficiência da afirmação da jurisdicionada de que os aportes fi-nanceiros de sua incumbência já foram realizados, constantes da Carta 451/2005-PRESI (fl. 747), para fornecer os elementos de-terminados no subitem II.2, alínea “a”, da Decisão n° 2.716/2005, tenho que esta questão remete ao estudo de viabilidade do empre-endimento, constante da alínea “b” desta mesma Decisão, uma vez que o nível de comprometimento financeiro da jurisdicionada deve, obrigatoriamente, ser refletido no mencionado estudo de viabilida-de, devendo, deste modo, ser examinada nos presentes autos.

Nesse passo, acredito que a abertura dos dados consolidados no estudo de viabilidade pode suprir o fim almejado com a solicitação de envio deste relatório detalhado da capacidade financeira da ju-risdicionada para o investimento em exame.

No entanto, observo que há uma discussão ainda não plenamen-te resolvida acerca do estudo de viabilidade que orientou a decisão de investimento no empreendimento de Corumbá IV. Isto se deve, principalmente, pelo fato de constarem nos autos dois estudos de viabilidade com conclusões distintas. A discrepância entre os da-

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dos observados em aludidos estudos, acrescida das ponderações da instrução quanto à possível inadequação dos dados utilizados, bem como a manifestação do órgão ministerial apontando que o ingres-so da CAESB, da TERRACAP e do Fundo de Investimento BRB-Corumbá no corpo de acionistas da Corumbá Concessões não afas-ta a falha na elaboração do estudo, sobretudo ante a dúvida quanto à possível manipulação de dados para estampar um resultado que justificasse a participação da CEB no investimento, demanda me-lhor averiguação por esta Corte.

Desse modo, entendo pertinente que se determine a audiência dos servidores responsáveis pelo estudo de viabilidade constante às fls. 759/760 e 763 e do Diretor-Presidente, para esclarecer deti-damente os dados constantes em referido estudo, inclusive com a abertura dos dados consolidados que informam o comprometimen-to financeiro da CEB no investimento, bem como para esclarecer a falha observada pela instrução no tocante à subestimativa do em-preendimento.

Quanto ao aspecto retratado no item II.2, alínea “c”, da Decisão n° 2.716/2005, acompanho a proposta da instrução e do Parquet de reiterar a determinação para que sejam encaminhados os custos da obra de Corumbá IV, uma vez que a planilha de custos vista à fl. 761 não identifica os preços unitários e respectivos quantitativos de materiais e serviços.

A análise dos preços da energia contratada de Corumbá IV, re-alizada pela instrução, apontou que o valor negociado mostrou-se razoável sob os enfoques do valor normativo e do custo médio da energia, acrescentando o corpo técnico, ainda, que referidos preços já foram aprovados pela ANEEL, que detém a incumbência legal de regular o mercado de energia elétrica, inclusive para coibir a prática de preços abusivos. Desse modo, a instrução sugere que seja levan-tado o sobrestamento determinado no item V, no que a acompanho.

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As razões de justificativa apresentadas pelos Srs. nominados nos autos submetem ao exame deste Tribunal a responsabilidade que lhes foi atribuída de demonstrar que:

as cláusulas dos Estatutos de Corumbá Concessões não prejudicam os interesses da CEB na sociedade, considerando que as condições quanto ao poder societário da Jurisdicionada na Corumbá Concessões S.A. não são razoáveis perante o percentual de 45% de integralização de capital sob responsabilidade da CEB, contrariando os princípios da razoabilidade e economicidade.

Aponta a instrução que os motivos apresentados pelos justifican-tes para a realização do empreendimento de Corumbá IV, bem como a justificativa para a diversificação dos investimentos em geração de energia, trazidos à baila para fundamentar o percentual de parti-cipação acionária da CEB na SPE Corumbá Concessões S.A., não estão sujeitos à jurisdição deste Tribunal, visto compreenderem-se no mérito da decisão de investimento.

No entanto, como assinalado linhas atrás, o exame desses moti-vos por este Tribunal propicia que sejam conhecidos os fundamen-tos que pautaram a atuação ora em análise, como também viabiliza a formação de um juízo de valor quanto à adequação desta decisão de investimento e da forma como foi efetivada ao que emana dos princípios constitucionais da legalidade, moralidade, eficiência, economicidade, proporcionalidade e razoabilidade, cuja apontada contrariedade serviu para embasar a audiência de que cuida o item III da Decisão n° 2716/2005.

Assim, entendo que os motivos declinados quanto à decisão de investimento em Corumbá IV, que dão conta do surgimen-to da necessidade de investimentos em geração de energia, dos limites impostos pela ANEEL para a aquisição de energia pe-las distribuidoras, bem como aqueles dirigidos às dificuldades relatadas para a obtenção de crédito para financiar o empreen-dimento, dada a situação financeira da CEB e a restrição ao cré-dito passível de obtenção e, também, a assertiva de ausência

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de conhecimento técnico específico para comandar um empre-endimento do porte de Corumbá IV, demonstram, a meu juízo, que não são infundadas as razões declaradas para a participação acionária da CEB na condição de acionista minoritária na SPE Corumbá Concessões.

Contrariamente a este entendimento, aduz o Corpo Técnico que ”o requisito básico para a obtenção de financiamentos é a análise das avaliações de viabilidade econômico-financeira do empreen-dimento e das garantias prestadas“ e destaca, ainda, que a asserti-va dos justificantes de que o investimento é pouco atrativo por ser muito oneroso e ter uma taxa de retorno reduzida contraria o senso lógico que orientaria o administrador diligente a escolher investi-mentos que gerassem receitas suficientes para cobrir seus custos, inclusive os encargos dos financiamentos.

Ora, sem desconsiderar o raciocínio empreendido pela instru-ção, observo que sua argumentação resvala justamente no exame da decisão de investimento, que já assinalara não competir a esta Corte, e sob um enfoque puramente matemático-financeiro.

Deste modo, parece-me claro que o exame dos atos decisórios praticados pelos gestores não permite a sumária exclusão do campo de investigação deste Tribunal dos motivos que os determinaram, ainda que se cuide de atos tipicamente de direção, como o caso da decisões de investimento. Acredito que a cautela que deve ser ob-servada dirige-se ao enfoque que deve ser adotado para a análise, visto que tais decisões exigem a conjugação de princípios que não se reduzem apenas à legalidade formal ou mesmo à economicidade.

Sem pretender adentar no exame da viabilidade do investimento, haja vista a necessidade de que sejam previamente elucidadas as questões dirigidas à consistência dos dados utilizados no estudo, conforme já assinalado, observo que, de fato, o custo do empreen-dimento alcança valores de grande vulto, cujo retorno, em termos de geração de energia, será obtido a longo prazo.

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Ademais, não posso deixar de considerar que a atuação de em-presas públicas e sociedades de economia mista não visa apenas a obtenção de lucro. A administração indireta que congrega referidos entes tem por finalidade a descentralização da atuação estatal para prestar serviços públicos, valendo-se da estrutura ágil característi-ca das organizações privadas, bem como a intervenção no domí-nio econômico, preenchendo lacunas de atividades necessárias à manutenção e preservação do cidadão. A esse respeito, parece-me oportuno transcrever o seguinte excerto doutrinário de Maria Syl-via Zanella Di Pietro1:

Em ambas as hipóteses (empresas públicas e sociedades de eco-nomia mista), verifica-se o fenômeno da descentralização por ser-viços, em que o poder público cria, por lei, a pessoa jurídica, e a ela outorga a titularidade de determinado serviço público. Em vez de instituir-se autarquia ou fundação pública (que têm regime jurídico semelhante ao da Administração direta), dá-se preferência às for-mas empresariais, precisamente pelo fato de que seu regime jurídico de direito privado e sua forma de organização e funcionamento são mais compatíveis com o caráter industrial ou comercial de determi-nados serviços públicos.

Ocorre que, com a necessidade de intervenção do Estado no do-mínio econômico, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, ampliou-se, mais uma vez, a atuação estatal, para abranger, não apenas as atividades de natureza industrial e comercial exercidas como serviços públicos (transportes, energia elétrica, gás etc.), mas também a atividade industrial e comercial de natureza privada que o Estado precisava exercer a título de intervenção no domínio eco-nômico, ou seja, não para assumir como sua uma atividade que o particular não desempenhava a contento, mas para subsidiar a ini-ciativa privada quando ela fosse deficiente.

Nesse passo, tenho que o exame da atuação do administrador de uma estatal da administração indireta não pode estar jungido ape-nas à avaliação apriorística de resultados econômico-financeiros, conquanto a estes incumba a tarefa de zelar pela preservação do patrimônio público aplicado ao ente.

1 Parceiras na Administração Pública. 5. ed. São Paulo : Atlas, 2005, p. 70.

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A busca da satisfação dos interesses da coletividade, como acredito seja o caso dos autos, em que se detalhou a crise pela qual passou o mercado de energia elétrica e o retorno advindo para a estabilização do quadro energético regional, bem como a natureza múltipla do empreendimento, que oferece reconhecidos ganhos em termos de abastecimento hídrico, fornecem elementos de inegável valia para a formação de juízo quanto à sua adequa-ção ao que emana do princípio da eficiência, sobretudo se tomado este na acepção que lhe dá Humberto Ávila2, ao assinalar que o administrador deve observar não só a adequação quantitativa e probabilística dos resultados, mas, principalmente, a satisfação dos administrados que, em última análise, revela o próprio inte-resse público primário. Assim, permito-me divergir do órgão mi-nisterial quando afirma que ”o risco assumido pela CEB não era razoável ante a impossibilidade de aporte de recursos e prejuízo à saúde da empresa“, uma vez que as razões deduzidas mostram-se compatíveis para se reconhecer a adequação da decisão de in-vestimento para satisfazer as necessidades de suprimento de ener-gia, atendendo, desta sorte ao que deflui da amplitude conceitual do princípio da eficiência. Ademais, o aventado prejuízo à saúde financeira carece de devida comprovação, a recomendar que se aguardem os esclarecimentos acerca dos estudos de viabilidade, determinados no presente voto, para a conclusão quanto à ocor-rência de prejuízos.

De igual modo, afigura-se plausível e fundamentada a decisão de escolha da parceira da CEB no empreendimento, em vista do conhecimento técnico que lhe foi reconhecido e saúde financeira que facilitou a obtenção dos recursos necessários à consecução

2 Controle da Moralidade, da Razoabilidade e da Eficiência da Atividade Administrativa do Estado pelos Tribunais de Contas, palestra ministrada no II Congresso Brasileiro de Direito do Estado, Salvador, Bahia, 2002.

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de Corumbá IV, ainda que consideradas as ressalvas da instru-ção quanto às falhas observadas no imperfeito estudo relativo ao impacto ambiental que determinou a demora na expedição das res-pectivas licenças.

Mesmo reconhecendo assistir razão à instrução ao afirmar que a participação majoritária da CEB no empreendimento po-deria ter sido viabilizada pela previsão de outorga a terceiros de garantias dos acionistas, como, de fato, veio a se realizar com a alteração do Estatuto de Corumbá Concessões, acredito que a participação minoritária da CEB em citada sociedade não acarretou ofensa aos princípios da razoabilidade e econo-micidade.

Em primeiro lugar, as justificativas deduzidas não se mostram irrazoáveis. Ao revés, tomando-se o princípio da razoabilidade como a congruência entre os motivos e o ato praticado para al-cançar os fins buscados tenho que a participação da CEB guardou correspondência com o aporte financeiro de sua incumbência na sociedade, como também na representatividade de votos, mesmo considerando que a fixação de quorum qualificado para as deli-berações poderia resguardar uma atuação mais ativa da CEB na sociedade.

Em segundo lugar, não vislumbro a caracterização de pre-juízos objetivamente aferíveis com a participação minoritária da CEB no percentual de 45% que justifique a aplicação de multa aos servidores justificantes. Conforme aduzido no voto condutor da Decisão n° 2716/2005, reportando-se à manifesta-ção do Parquet, o possível prejuízo à CEB decorria da falta de informações precisas acerca do detalhamento do custo inicial da obra, donde a participação minoritária da jurisdicionada na SPE Corumbá Concessões tornava aparentemente desvanta-josa sua posição no concernente à gestão da empresa. Desse

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modo, tenho que a participação minoritária na empresa conces-sionária não gera, como conseqüência direta, prejuízos à CEB. Nesse passo entendo açodada a aplicação de multa aos servi-dores em tela quando ainda não demonstrada objetivamente a ocorrência de falhas no orçamento que caracterizariam o pre-juízo ou mesmo a ofensa às normas legais. No entanto, uma vez constatadas essas falhas, a partir do exame do orçamento detalhado, cujo encaminhamento se reitera neste voto, poderá restar caracterizado o evento que autoriza a aplicação da pena-lidade em apreço.

Com estas considerações, VOTO por que o egrégio Plenário:I - tome conhecimento da Carta n° 451/2005-PRESI e ane-

xos (fls. 744 a 763) e das razões de justificativa apre-sentadas pelos Srs. Nominados no parágrafo 82 (fls. 766/921);

II - considere:II.1 - atendido o item II.1 da Decisão n° 2.716/2005;II.2 - não atendido o item “II.c” da Decisão n° 2.716/2005,

e reitere ao dirigente da CEB a determinação de envio dos custos atuais da obra de Corumbá IV, alertando que a não apresentação desse documento acarreta descumpri-mento reiterado das deliberações desta Corte, podendo ensejar a aplicação da multa prevista no art. 182, VII, do RI/TCDF.

III - determine a audiência dos servidores responsáveis pelo es-tudo de viabilidade constante às fls. 759/760 e 763 e do Dire-tor-Presidente da CEB, para esclarecer detidamente os dados constantes em referido estudo, inclusive com a abertura dos dados consolidados que informam o comprometimento finan-ceiro da CEB no investimento, bem como para esclarecer a falha observada pela instrução no tocante à subestimativa do

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empreendimento que se afigura relevante para a conclusão quanto à sua viabilidade;

IV - determine ao Sr. Dirigente da CEB o encaminhamento de:IV.1 - documento detalhando os custos atuais da obra de

Corumbá IV, identificando os quantitativos de materiais e serviços e os preços unitários, de acordo com o projeto em implantação, no prazo de 30 (trinta) dias, alertando que a não-apresentação desse documento, em descum-primento reiterado das deliberações desta Corte, poderá ensejar a aplicação da multa prevista no art. 182, IV, do RI/TCDF, bem como poderá influenciar o julgamento das Contas anuais dos exercícios de 2004 e 2005, nos termos do art. 17, inc. III, alíneas “b” e “c”, da Lei Complementar n° 01/1994;

IV.2 - cópia dos documentos de aprovação dos preços contra-tados pela CEB para a compra de energia de Corumbá III, assim que a análise da ANEEL for concluída.

V - considere procedentes as razões de justificativa apresentadas pelos Srs nominados nos autos;

VI - autorize:VI.1 - o levantamento do sobrestamento da análise dos preços

da energia contratada de Corumbá III e IV, imposta pelo item V da Decisão n° 2.716/2005, conforme exposto no parágrafo 80 (fl. 1009);

VI.2 - a análise do elevado endividamento da CEB, na Auditoria autorizada pelas Decisões n° 753/2003 e 1.974/2005; no Pro-cesso n° 271/2003;

VI.3 - o retorno dos autos à 3ª ICE para as providências perti-nentes;

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VI.4 - o envio de cópia da instrução, do parecer , do presente voto e da decisão que vier a ser proferida ao Dirigente da CEB para subsidiar sua manifestação.

Processo n° 487/2000 Decisão n° 6.690/2006

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Aquisição de licençAs de uso definitivo de “softwAres” AplicAtivos e sistemAs operAcionAis

“microsoft” dispensA de licitAção - .

Antonio Renato Alves Rainha Conselheiro do TCDF

Contratação Emergencial de softwares aplicativos e sistemas opera-cionais Microsoft para atender a demandas do Distrito Federal, no valor de R$ 9.800.103,28. Retardamento injustificado da licitação. Não caracterização da situação emergencial. Regime de forneci-mento incompatível com a previsão do art. 24, inciso IV, da Lei n° 8.666/1993.Audiência dos agentes públicos e da empresa contratada Business Integration Brasil, cujos atos propiciaram a celebração do Contrato n° 22/2004, por dispensa de licitação (Decisão n° 6.725/2006 - fls. 191/192).Manifestação dos agentes públicos (fls. 206/232 e 233/257).A 1ª ICE manifesta-se pela improcedência das justificativas apresenta-das, sugerindo ao Tribunal que: (1) tome conhecimento das razões de justificativas de fls. 206/257, apresentadas em cumprimento ao esta-belecido no item III, alíneas “a”, “b” e “c” da Decisão n° 6.725/2006; (2) considere atendido o estabelecido no item II da Decisão, tendo em vista que o Diretor Presidente da CODEPLAN à época da noti-ficação e da assinatura do Contrato n° 22/2006 é um dos signatários do documento mencionado no item I dessa sugestão; (3) no mérito, considere: a) improcedente a justificativa apresentada pelo Sr. Diretor-Presidente da CODEPLAN, em cumprimento ao item II da Decisão e, em decorrência, ilegal o Contrato n° 22/2006 celebrado entre a CO-DEPLAN e a empresa B2BR Informática Ltda, tendo em vista não ter sido caracterizado o enquadramento do referido ajuste nas hipóteses estabelecidas no inciso IV do art. 24 da Lei n° 8.666/1993, além de a dispensa de licitação promovida não ter atendido ao disposto nos arts. 26, parágrafo único, incisos II e III, c/c o 7º, § 2º, inciso III, da Lei de Licitações bem como na Decisão n° 3.500/1999 - TCDF; b) improce-dentes as razões de justificativas apresentadas pelos signatários abaixo nominados: b1) Srs. Diretor-Presidente da CODEPLAN, Diretor de Gestão, Diretor de Educação Tecnológica e Diretor de Tecnologia, em

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atendimento à alínea “a” do item III do decisum; b2) Sr. Coordenador de Planejamento de Projetos, em cumprimento à alínea “b” do item III; b3) Drª Chefe da Assessoria Jurídica, em atendimento à alínea “c” do item III; (4) determine à CODEPLAN que adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei quanto às ilegalidades veri-ficadas nestes autos, relativas ao Contrato n° 22/2006, encaminhando ao Tribunal no prazo de 30 (trinta) dias o relato das providências ado-tadas; (5) em decorrência do sugerido no item III, alínea “b” dessa sugestão, aplique aos servidores mencionados nas alíneas “b1”, “b2” e “b3” a multa prevista no inciso II do art. 57 da Lei Complementar n° 01/1994 c/c inciso I do art. 182 do Regimento Interno do TCDF; (6) dê ciência desta decisão aos cidadãos mencionados no item III, alínea “b” dessa sugestão, e (7) autorize o retorno dos autos à inspetoria para os devidos fins (Informação n° 132/2007 - fls. 258/282).O Ministério Público de Contas do Distrito Federal aquiesce à su-gestão do Corpo Técnico, pugnando pela máxima gradação da multa e pela aplicação da sanção de inabilitação para o exercício de car-go em comissão ou função de confiança, nos termos previstos no art. 60 da Lei Complementar n° 01/1994 (Parecer n° 1.028/2007-MF, fls. 285/290).Conhecimento. Acolhimento, com acréscimos, da proposta da instru-ção. Ilegalidade da dispensa. Ausência de demonstração da urgência ou emergência da situação. Caracterização da responsabilidade soli-dária dos agentes. Aplicação da sanção de multa prevista no art. 57, II, da Lei Complementar n° 01/1994.

Relatório

Cuidam os autos do exame do Contrato n° 22/2006, celebrado com dispensa de licitação entre a Companhia do Desenvolvimento do Planalto Central - CODEPLAN e a empresa Business to Busi-ness Integration Brasil Ltda - B2BR, com fundamento no art. 24, IV, da Lei n° 8.666/1993, destinado à aquisição de licenças de uso definitivo de softwares aplicativos e sistemas operacionais Micro-soft, no valor total de R$ 9.800.103,28 (nove milhões, oitocentos mil, cento e três reais e vinte e oito centavos).

Nos termos da Decisão n° 6.725/2006 (fls. 191/192), o Tribu-nal determinou a audiência dos servidores que praticaram atos

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que vieram a culminar na celebração do Contrato n° 22/2006, verbis:

O Tribunal, por maioria, de acordo com o voto do Relator, Conse-lheiro Renato Rainha, decidiu: I - tomar conhecimento das cópias dos Processos n° s 121.000.002/2006 e 121.000.197/2006, da Companhia do Desenvolvimento do Planalto Central, que tratam, respectivamen-te, do processo licitatório e da contratação emergencial de licenças de uso definitivo de softwares aplicativos e sistemas operacionais; II - determinar o encaminhamento de cópia da instrução, bem assim do relatório/voto do Relator, à CODEPLAN e à empresa adjudicatária do objeto do Contrato n° 22/2006, para, no prazo de 30 (trinta) dias, caso queiram, apresentarem as considerações que entenderem perti-nentes, ante a possibilidade de o Tribunal considerar referido ajuste ilegal e determinar a adoção das providências elencadas no art. 45 da Lei Complementar n° 01/1994, em razão da ofensa aos seguintes dispositivos da Lei n° 8.666/1993: a) art. 26, parágrafo único, inciso I, haja vista a não-caracterização da situação emergencial que justifi-casse a dispensa de licitação; b) arts. 7º, § 4º; 8º; 14 e 55, inciso I, pela ausência de definição precisa do objeto contratado; c) art. 24, inciso IV, em razão da situação descrita no subitem “a”, e em face de o item 3.2.4 do projeto básico denotar regime de fornecimento de produtos inconciliável com o previsto no mencionado dispositivo; III - tendo em vista a possibilidade de aplicação da multa prevista no art. 57, inciso II, da Lei Complementar n° 1/94, determinar a audiência, para, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentarem suas razões de justificativa: a) os signatários do Contrato n° 22/2006, Srs. Diretor-Presidente da CODEPLAN, Diretor de Gestão, Diretor de Educação Tecnológica, Diretor de Tecnologia, acerca dos seguintes fatos: 1.1) retardamento injustificado da licitação; 1.2) ofensa às seguintes disposições da Lei n° 8.666/1993; 1.2.1) art. 26, parágrafo único, inciso I, haja vista a não-caracterização da situação emergencial que justificasse a dispensa de licitação; 1.2.2) arts. 7º, § 4º; 8º, 14 e 55, inciso I, pela ausência de definição precisa do objeto contratado; 1.2.3) art. 24, inciso IV, em ra-zão da situação descrita no subitem “1.2.1”, e em face de o item 3.2.4 do projeto básico denotar regime de fornecimento de produtos incon-ciliável com o previsto no mencionado dispositivo; b) o Coordenador de Planejamento de Projetos pelas inconsistências verificadas na jus-tificativa de fls. 07/10, acerca da caracterização da situação, da descri-ção do objeto e quanto à sugerida solicitação de devolução dos autos

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pela CATI, além de esclarecer as circunstâncias em que foram rece-bidos os ofícios pelas empresas consultadas, em especial pelo recebi-mento pessoal de representantes de empresas sediadas fora do Distrito Federal; c) a Chefe da Assessoria Jurídica tendo em vista a incorreta afirmação quanto à caracterização da situação emergencial, a despeito das flagrantes inconsistências detectadas pela instrução e da existência de decisão explicita do Tribunal de Contas da União acerca da questão em exame; IV - autorizar o envio de cópia da instrução, bem assim do relatório/voto do Relator, à jurisdicionada e aos servidores indicados no item anterior, para subsidiar suas manifestações; V - em face da notícia da ocorrência de possível ilícito penal, autorizar o envio de cópia dos autos ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios para a adoção das providências legais cabíveis ao caso; VI - autorizar a devolução dos autos à 1ª ICE, para os devidos fins. Parcialmente vencida a Revisora, Conselheira Anilcéia Machado, que manteve o seu voto, no que foi seguida pelo Conselheiro Ávila e Silva.

Devidamente intimados para apresentar razões de justificativa, os servidores indicados no item III, alíneas “a” e “b”, apresentaram justificativas em conjunto (fls. 206/232) e a servidora nominada no item III, “c”, deduziu suas razões separadamente às fls. 233/257. A empresa contratada, Business to Business Integration Brasil Ltda - B2BR, apesar de devidamente notificada na pessoa de seu repre-sentante legal, deixou de apresentar as justificativas que lhe foram facultadas.

As razões apresentadas pelos Senhores Diretor-Presidente da CODEPLAN, Diretor de Gestão, Diretor de Educação Tecnológica, Diretor de Tecnologia e Coordenador de Planejamento de Projetos deduzem, em síntese, os seguintes argumentos:

não houve retardamento no processo licitatório;• quando o processo licitatório encontrava-se na CATI (ju-• nho/2006 – item “d” das justificativas, fls. 209), a CO-DEPLAN tomou conhecimento de que muitos órgãos do DF, que dela dependem para o suprimento de material de informática, utilizavam softwares sem licenciamento, que reclamaria urgente solução (item “e” das justificativas, fls. 209/210);

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a contratação emergencial para a aquisição de licenças de • uso definitivas de softwares aplicativos e sistemas operacio-nais destinou-se a atender as quantidades identificadas até aquele momento, julho / agosto de 2006;foi inserida cláusula no Contrato n° 22/2006 prevendo sua • rescisão após a conclusão do procedimento licitatório já ins-taurado (Processo n° 121.000.002/2006);a solicitação de retorno do processo licitatório da CATI para • a atualização do projeto básico decorreu da necessidade de atualizar citado projeto para adequá-lo às necessidades do GDF em razão das demandas que foram atendidas com a contratação emergencial, sendo feito novo levantamento;a situação irregular de utilização de softwares sem licencia-• mento representava riscos em virtude da potencialidade de sujeitar os agentes a multas e retirada dos produtos não regu-larizados, além do prejuízo à imagem do GDF e a possível perda de parte do acervo de informações, indisponibilidade de sistemas e base de dados e paralisação de serviços, que caracterizariam a emergência suscitada;a contratação emergencial decorreu da necessidade de solu-• ção imediata da irregularidade constatada, visto não haver previsão para conclusão do procedimento licitatório;o formato de contratação utilizada – modelo Select - não • caracteriza imprecisão na definição do objeto contratual. A utilização desta modalidade de contratação teve o intuito de resguardar a CODEPLAN de eventuais alterações de deman-das, em benefício do erário, vez que permitiria o acréscimo ou decréscimo de produtos;a entrega de solicitação de cotação de preços a representantes • de empresas sediadas fora do Distrito Federal pode ser ex-plicada pela praxe usual de algumas empresas que, ao serem

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consultadas quanto à cotação de preços, optam por enviar seus representantes legais à própria CODEPLAN;a contratação emergencial observou os pressupostos defini-• dos por esta Corte na Decisão n° 3.500/1999, sendo, por-tanto, regular, de modo a afastar o cabimento da sanção de multa aventada na Decisão n° 6.735/2006;por fim, que foram cumpridas as exigências da Lei n° • 8.666/1993 para a contratação emergencial prevista no art. 24, IV e que ao deixar-se em aberto o quantitativo contratado – que demonstraria ”sabedoria e eficácia“ - estaria suprido o que prevê o art. 65 de citado diploma legal.

Com tais argumentos, os justificantes requerem que sejam acata-das suas justificativas para considerar legal a contratação realizada, bem como para liberá-los da aplicação da sanção aventada no item III da Decisão n° 6.725/2006.

A representante do órgão de Assessoramento Jurídico, Dra. Che-fe da Assessoria Jurídica, chamada a prestar razões de justificativa conforme item III, “c”, da Decisão n° 6.725/2006, manifestou-se consoante os fundamentos expendidos às fls. 233/257, erigindo as-pectos alusivos à legalidade da dispensa e quanto à incorreção da atribuição de responsabilidade. Os primeiros podem ser sintetiza-dos da seguinte forma:

a avaliação e indicação técnica da urgência e necessidade do • objeto contratual, bem assim a justificativa da dispensa, esco-lha do fornecedor e do preço contratado, foram feitas pela área técnica da empresa, no caso, a Coordenação de Planejamento e Projetos, limitando a análise da justificante apenas ao plano jurídico da matéria constante do processo administrativo;o parecer exarado pela justificante acerca da legalidade da • contratação direta procurou embasar-se em decisões judi-ciais pertinentes à matéria;

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o pronunciamento do TCU acerca dos contratos Select indi-• caria que tal modalidade seria imposta pelo fabricante/forne-cedor, afastando, assim, possível irregularidade na atuação da Administração contratante.

O segundo aspecto abordado pela justificante em sua manifes-tação reporta-se à ausência de cabimento de responsabilização do signatário de manifestação de cunho eminentemente jurídico e opi-nativo, vez que cabe ao gestor encampar ou não a manifestação. Ade-mais, a fundamentação declinada no parecer retiraria o fundamento para eventual responsabilização, haja vista a autonomia do órgão de assessoramento relativamente a suas manifestações, conforme re-conhecido na jurisprudência que colaciona, em especial o acórdão proferido no MS n° 24073/DF, do Supremo Tribunal Federal.

As razões de justificativa constantes dos autos foram analisa-das pela Divisão de Acompanhamento da 1ª ICE, nos termos da Informação n° 132/2007 que, com relação aos argumentos suscita-dos pelos Senhores Diretor-Presidente da CODEPLAN, Diretor de Gestão, Diretor de Educação Tecnológica, Diretor de Tecnologia e Coordenador de Planejamento de Projetos, destacou:

a evidente morosidade no trâmite do processo administrativo • de licitação foi identificada em várias ocasiões, permitindo concluir não só pela verdadeira desídia, como também pela ”condenável emergência fabricada“;a alegação de emergência pautada nos riscos decorrentes do • uso de software sem licenciamento não se revela consistente, sobretudo porque a situação de irregularidade na utilização de citados produtos não surgiu repentinamente, como procu-ram fazer crer os justificantes;a flagrante morosidade da CODEPLAN na condução do • procedimento licitatório impossibilita que seja reconhecido o cumprimento dos requisitos enumerados na Decisão n°

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3.500/1999, incutindo mácula de ilegalidade na contratação emergencial, que não representa um caso isolado, haja vista que nos exercícios de 2005 e 2006 a CODEPLAN firmou muitos ajustes sob o fundamento de situação emergencial, que são objeto de exame por este Tribunal nos Processos n° s 19.930/2005, 4.748/2006, 2.419/2006 e 42.308/2006;o intento de evitar a aquisição de produtos desnecessários, • suscitado pelos justificantes como motivo para a utilização da modalidade Select de modo a propiciar margem de ma-nobra para solicitar mais ou menos licenças, mostra-se con-traditório com a natureza emergencial do ajuste entabulado, haja vista que a delimitação precisa do objeto e a forma de fornecimento dos produtos não são compatíveis com a con-tratação direta destinada a suprir uma demanda iminente e emergencial;a forma de comercialização Select e as peculiaridades dos • termos contratuais próprios dessa opção foram consideradas ilegais pelo Tribunal de Contas da União, principalmente em vista da falta de especificação das quantidades e dos preços dos produtos;ficou configurada clara afronta ao disposto nos arts. 7º, § 4º, • 8º e 55, inciso I, da Lei n° 8.666/1993.

Por fim, destaca a instrução que a surpreendente celeridade na condução do processo de dispensa, em especial a forma como se perfez a cotação de preços, não foi suficientemente elucidada pe-las razões de justificativa. Todavia, os autos carecem de evidências contundentes para a caracterização de direcionamento no procedi-mento de pesquisa de preços efetuado pela jurisdicionada.

No tocante às razões de justificativa apresentadas pela Chefe da Assessoria Jurídica, o corpo técnico acentuou ser descabida a alegação de que a avaliação da necessidade e da urgência caberia

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exclusivamente à área técnica da CODEPLAN, haja vista incumbir à área jurídica a aferição da conformidade das condições fáticas argüidas com os pressupostos legais necessários à caracterização da emergência.

De igual modo, sustenta a instrução que a justificante não logrou afastar a evidente imprecisão na definição do objeto da contratação, haja vista que o excerto do voto condutor do Acórdão n° 1521/2003-TCU/Plenário, por ela transcrito e que, em seu entendimento, ad-mitiria a comercialização dos produtos sob a modalidade Select, é explícito ao apontar a incompatibilidade desta forma de comercia-lização com os arts. 7º, § 4º, 8º, 14 e 55 da Lei n° 8.666/1993. Além do mais, a irregularidade alusiva à imprecisão do objeto não pode ser sequer justificada pela alegada necessidade de se resguardar margem de manobra para aumentar ou diminuir o objeto no limite de 25%, haja vista que esta margem de modificação já é garantida pela própria Lei de Licitações.

No que concerne à isenção de responsabilidade do advogado em razão de seus pronunciamentos jurídicos, a instrução recupera o pronunciamento da Procuradora Márcia Farias no Processo n° 911/1999, que reproduziu importantes fundamentos do voto do Min. Marco Aurélio em mandado de segurança que questionava exatamente a possibilidade de membros do órgão de assessoramen-to jurídico serem chamados para prestar razões de justificativa pe-rante o TCU, inclusive para fins de responsabilização.

Ante tais considerações, a 1ª ICE propõe ao Tribunal que:I - tome conhecimento das razões de justificativas de fls. 206/257, apre-

sentadas em cumprimento ao estabelecido no item III, alíneas “a”, “b” e “c” da Decisão n° 6725/2006;

II - considere atendido o estabelecido no item II da Decisão, tendo em vista que o Diretor Presidente da CODEPLAN à época da notificação e da assinatura do Contrato n° 22/2006 é um dos signatários do docu-mento mencionado no item I dessa sugestão;

III - no mérito, considere:

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208 R.Tribunal de Contas do Distrito Federal, 34 : 199-216, 2008

a) improcedente a justificativa apresentada pelo Sr. Diretor-Presidente da CODEPLAN, em cumprimento ao item II da Decisão e, em de-corrência, ilegal o Contrato n° 22/2006 celebrado entre a CODE-PLAN e a empresa B2BR Informática Ltda, tendo em vista não ter sido caracterizado o enquadramento do referido ajuste nas hipóteses estabelecidas no inciso IV do art. 24 da Lei n° 8.666/93, além de a dispensa de licitação promovida não ter atendido ao disposto nos arts. 26, parágrafo único, incisos II e III, c/c o 7º, § 2º, inciso III, da Lei de Licitações bem como na Decisão TCDF n° 3500/99;

b) improcedentes as razões de justificativas apresentadas pelos signatá-rios abaixo nominados:

b1) Srs. Diretor-Presidente da CODEPLAN, Diretor de Gestão, Diretor de Educação Tecnológica e Diretor de Tecnologia, em atendimento à alínea “a” do item III do decisum;

b2) Sr. Coordenador de Planejamento de Projetos, em cumprimento à alí-nea “b” do item III;

b3) Drª Chefe da Assessoria Jurídica, em atendimento à alínea “c” do item III;

IV - determine à CODEPLAN que adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei quanto às ilegalidades verificadas nesses autos, relativas ao Contrato n° 22/2006, encaminhando ao Tribunal no prazo de 30 (trinta) dias o relato das providências adotadas;

V - em decorrência do sugerido no item III, alínea “b” dessa sugestão, apli-que aos servidores mencionados nas alíneas “b1”, “b2” e “b3” a multa prevista no inciso II do art. 57 da Lei Complementar n° 01/94 c/c inciso I do art. 182 do Regimento Interno do TCDF;

VI - dê ciência desta decisão aos cidadãos mencionados no item III, alínea “b” dessa sugestão;

VII - autorize o retorno dos autos à inspetoria para os devidos fins.

O Ministério Público de Contas, por meio do Parecer n° 1028/2007-MF, da Procuradora Márcia Farias, acompanha a con-clusão da instrução quanto à insuficiência das razões de justificativa prestadas para afastar as irregularidades constatadas e, acrescentan-do a informação de que a CODEPLAN vem intermediando desde longa data a locação de computadores para o Governo do Distri-to Federal com softwares sem o devido licenciamento – conforme apurado no Processo n° 1.878/2003 - , o que demonstra o pleno co-nhecimento e anuência da CODEPLAN quanto à irregularidade da

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utilização de citados aplicativos que afasta a alegada situação emer-gencial –, opina pela máxima gradação da multa e a aplicação da inabilitação prevista no art. 60 da Lei Complementar n° 01/1994.

É o relatório.

VOTO

A análise das justificativas apresentadas leva-me a acompanhar a conclusão da instrução, ante a insuficiência dos argumentos susci-tados para afastar as ilegalidades que maculam a contratação direta realizada pela CODEPLAN por meio do Contrato n° 22/2006.

A evidente morosidade na condução do procedimento licitatório em contraposição à extrema celeridade observada para a conclusão da contratação direta já revela a fragilidade de toda a argumentação deduzida para forjar uma aparente regularidade do procedimento de contratação emergencial.

Além do mais, verifico ser manifesta a contradição em que in-correm os justificantes ao afirmar que apenas num momento pos-terior à deflagração do procedimento licitatório é que se tomou co-nhecimento da utilização de softwares sem o devido licenciamento, que gerou a necessidade emergencial da contratação direta.

Ora, por óbvio, se fosse verídica tal afirmação, o quantitativo previsto no projeto básico do procedimento licitatório não con-templaria o número de licenças que seriam atendidas por meio da contratação emergencial que, segundo os justificantes, só se tornou conhecido posteriormente.

No entanto, a própria justificativa apresentada, de que o retorno do processo licitatório da CATI se fez necessário para adequar o quantitativo em razão da demanda que foi atendida pela contrata-ção emergencial, demonstra efetivamente que desde a abertura do processo licitatório a CODEPLAN já sabia da utilização de softwa-

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res sem o licenciamento necessário, o que torna insustentável a jus-tificativa declinada para a caracterização da situação emergencial.

Os elementos trazidos ao conhecimento desta Corte pela ilustre representante do Ministério Público de Contas, de que a própria CO-DEPLAN foi a responsável pela disponibilização de equipamentos sem o devido licenciamento, corroboram a cristalina evidência de que a utilização de softwares sem licenciamento já perdurava por muito tempo e era de total conhecimento da jurisdicionada, o que impede que se reconheça a existência de uma situação emergencial que legitimamente autorize a contratação direta amparada no art. 24, inciso IV, da Lei n° 8.666/1993.

Outro aspecto que se adiciona à situação em análise diz res-peito à forma de comercialização dos produtos utilizada na con-tratação emergencial. Na forma da detida abordagem do corpo técnico, a justificativa de que tal forma de comercialização dos produtos teve por escopo resguardar o erário quanto à necessidade de modificação dos quantitativos não guarda o menor resquício de razoabilidade, seja porque a Lei n° 8.666/1993 já prevê me-canismos de ajuste do contrato, especificamente em seu art. 65, seja porque a situação emergencial a ser atendida por meio da contratação direta calcada no art. 24, inciso IV, não se harmoniza com quantitativos flutuantes que peculiarizam a forma de comer-cialização Select.

Nesse passo, é imperiosa a conclusão quanto à absoluta ilegali-dade da contratação emergencial ao que dispõe a Lei n° 8.666/1993 e, também, a não observância aos pressupostos indicados na Deci-são n° 3.500/1999 deste Tribunal.

No que concerne à responsabilização da servidora Chefe do órgão de assessoramento jurídico da CODEPLAN, julgo opor-tuno destacar que os fundamentos que serviram de sustentação a sua oitiva referem-se à responsabilidade solidária de todos

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aqueles que concorreram para a contratação maculada de ilega-lidade. Assim, tal como o Sr. Coordenador de Planejamento de Projetos da CODEPLAN, que apresentou as justificativas “téc-nicas” que demonstrariam a situação emergencial, deve a Chefe da Assessoria Jurídica igualmente responder pelos pronuncia-mentos técnico-jurídicos que afirmaram restar caracterizada a situação emergencial legalmente exigida para a contratação di-reta do art. 24, inciso IV, da Lei n° 8.666/1993, como também pelo exame e aprovação da minuta de contrato que albergou a forma de comercialização Select que, além de não guardar ade-quação com a natureza emergencial da contratação, haja vista a imprecisão do objeto, já fora reconhecida como ofensiva à Lei n° 8.666/1993 por afrontar os arts. 7º, § 4º, 8º, 14 e 55 de citado diploma legal.

Relevante destacar que a contradição entre o conteúdo da minuta de contrato e a justificativa dada para a emergência - elemento que não poderia passar despercebido pelo órgão jurí-dico, ao qual se atribui não só o exame da correção da dispensa, como também se lhe incumbe a apreciação das minutas de con-trato – não foi sequer objeto de consideração pela justificante em apreço.

O liame causal observado entre o pronunciamento do órgão de assessoramento jurídico, dirigido tanto à legalidade da contratação quanto à regularidade do instrumento de contrato, faz emergir a responsabilidade solidária atribuída à signatária, vez que sua mani-festação erige-se como fundamentação jurídica do próprio ato in-quinado de ilegal. Assim, é devida sua responsabilização solidária juntamente com os agentes indicados no item III, “a” que, segundo a esfera de atribuições desempenhadas em cada cargo, devem res-ponder pela assinatura de ajuste contratual em que se faz presente vício insanável de ilegalidade.

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Nesse passo, considero relevante destacar que os precedentes jurisprudenciais suscitados pela interessada no sentido de não ca-ber responsabilização ao órgão de assessoramento jurídico pelos seus pronunciamentos parece estar superado em face da recente decisão proferida no MS n° 24584 – STF, oportunidade em que o Plenário do Superior Tribunal Federal, em julgamento ocorrido em 09.08.2007, acompanhou o Relator Min. Marco Aurélio, in-deferindo a segurança requerida, vez que entendeu que a respon-sabilidade solidária dos procuradores pelo exame e aprovação das minutas de editais e contratos decorre do art. 38 da Lei n° 8.666/1993.

Observo que importantes excertos do voto condutor de re-ferido julgado já foram suscitados nestes autos por meio das oportunas manifestações do Parquet junto a esta Corte, em es-pecial no Parecer n° 1751-CF que, reportando-se ao Parecer n° 1684/2003, da ilustre Procuradora Márcia Farias, assinalou:

Não se tem o envolvimento de simples peça opinativa, mas sim de aprovação pelo setor técnico da autarquia de convênio e aditivos, bem como ratificações. Portanto, a hipótese sugere a responsabili-dade solidária, considerado não só o crivo técnico implementado, como também o ato mediante o qual o administrador sufragou o exa-me procedido.

Frise-se, por oportuno, que na maioria das vezes não tem aquele que se encontra na ponta da atividade relativa à Administração Públi-ca condições para sopesar o conteúdo técnico-jurídico da peça a ser subscrita, razão pela qual lança mão do setor competente. A partir do momento em que ocorre, pelos integrantes deste, não a emissão de um parecer, mas a aposição de visto, implicando a aprovação do teor do convênio ou do aditivo, ou a ratificação procedida, tem-se, nos limites técnicos a assunção de responsabilidade.

A procedência, ou não, dos defeitos apontados é algo que ainda não foi definitivamente declarado pelo Tribunal de Contas da União, no que buscou ouvir os envolvidos, ou seja, não só aqueles que es-tavam na área executiva do Ministério da Previdência e Assistência Social, bem como do INSS e os técnicos que atuaram, aprovando

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os instrumentos que acabaram formalizados. Assim, não há campo, sob pena de grassar a insegurança, ao afastamento na via estreita do mandado de segurança da responsabilidade dos impetrantes men-cionados.

(...)Assim, descabe a adoção de postura que acabe por enfraquecer o

Tribunal de Contas da União. O momento é de mudança cultural, o momento é de cobrança e, por via de conseqüência, de alerta àqueles que lidam com a coisa pública. Os servidores públicos submetem-se indistintamente, na proporção da responsabilidade de que são investi-dos, aos parâmetros próprios da Administração Pública. A imunidade profissional do corpo jurídico - artigo 133 da Constituição Federal - não pode ser confundida com indenidade. Fica sujeita, na adminis-tração pública, aos termos da lei, às balizas ditadas pelos princípios da legalidade e da eficiência.

Dominando a arte do Direito, os profissionais das leis também res-pondem pelos atos que praticam. Antecipadamente, não podem gozar da proteção mandamental da impetração, para eximirem-se dos riscos da investigação administrativa. Longe estão de deter, em generaliza-ção nefasta, em generalização a todos os títulos inaceitável, imperdoá-vel, o direito líquido e certo de serem excluídos de processo que busca apurar, simplesmente apurar, simplesmente esclarecer a ocorrência, ou não, de desvio de conduta.

Pesando dúvidas sobre os contratos por eles aprovados, quanto à legalidade estrita, à lisura comportamental, tão reclamada quando se atua no setor público, hão de, em prol da mudança dos tempos, e em prol da segurança jurídica, defender-se.

A assim não se concluir, grassará não o ato técnico e responsável, mas a conveniência de plantão, o endosso fácil à óptica do adminis-trador maior, pouco importando, nessa subserviência, os prejuízos à coisa pública. Interessa-lhes, isto sim, defenderem-se, preservando os perfis que possuam e engrandecendo a carreira jurídica com a de-monstração do apego ao que é certo. Aguardem-se os levantamentos a serem feitos pelo Tribunal de Contas da União e aí, se for o caso, acionem o Judiciário visando a afastar glosas inapropriadas.

Daí a lição de Marçal Justen Filho, em Comentários à Lei de Li-citações e Contratos Administrativos, 8ª edição, página 392, citada no parecer da Consultoria Jurídica do Tribunal de Contas da União, no sentido de que “ao examinar e aprovar os atos da licitação, a as-sessoria jurídica assume responsabilidade pessoal solidária pelo que foi praticado”. Por tais razões, indefiro a segurança, sem prejuízo de,

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encerrado o processo administrativo no Tribunal de Contas da União, virem os impetrantes a acionar o Judiciário, no que tenham sido, ao fim, declarados responsáveis, fazendo-o quer na via da impetração, quer na da ação ordinária. É como voto na espécie.

Assim, creio que a mudança cultural referida pelo nobre relator daquele feito está a sinalizar para a rejeição dos argumentos que pretendem imunidade absoluta, de forma a assegurar a precedência primeira à coisa pública, mas sem perder de vista a averiguação quanto ao liame causal para a prática do ato. Desse modo, tenho que a manifestação subscrita pela justificante enredou os fundamentos legais para a contratação ilegal, a autorizar sua responsabilização solidária com os signatários do ajuste.

No entanto, creio que a irregularidade quanto à caracterização da situação emergencial e à ilegalidade da forma de comercialização encampada no Contrato n° 22/2006 carece de elementos que guar-neçam a sanção de parâmetros de razoabilidade suficientes para aplicar a multa na gradação máxima, como suscitado pelo Parquet. De igual modo, penso que a gravidade dos atos praticados não atrai a aplicação da sanção prevista no art. 60 da Lei Complementar n° 01/1994, razão pela qual deixo de acolhê-la.

Nesse passo, acompanho a instrução e VOTO por que o egrégio Plenário:

I - tome conhecimento das razões de justificativa de fls. 206/257, apresentadas em cumprimento ao estabelecido no item III, alíneas “a”, “b” e “c” da Decisão n° 6.725/2006;

II - considere atendido o estabelecido no item II daquela decisão plenária, tendo em vista que o Diretor-Presidente da CODE-PLAN à época da notificação e da assinatura do Contrato n° 22/2006 é um dos signatários do documento mencionado no item I dessa sugestão;

III - no mérito, considere:a) improcedentes as justificativas apresentadas pelo Sr. Diretor-

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Presidente da CODEPLAN, em cumprimento ao item II da Decisão e, em decorrência, ilegal o Contrato n° 22/2006 ce-lebrado entre a CODEPLAN e a empresa B2BR Informática Ltda, tendo em vista não ter sido caracterizado o enquadra-mento do referido ajuste nas hipóteses estabelecidas no inciso IV do art. 24 da Lei n° 8.666/1993, além de a dispensa de licitação promovida não ter atendido ao disposto nos arts. 26, parágrafo único, inciso I, c/c o 7º, § 2º, inciso III, da Lei de Licitações bem como na Decisão n° 3.500/1999 - TCDF;

b) improcedentes as razões de justificativa apresentadas pelos signatários abaixo nominados:

b1) Senhores Diretor-Presidente da CODEPLAN, Diretor de Gestão, Diretor de Educação Tecnológica e Diretor de Tecno-logia, em atendimento à alínea “a” do item III do decisum;

b2) Senhor Coordenador de Planejamento de Projetos, em cum-primento à alínea “b” do item III;

b3) Drª Chefe da Assessoria Jurídica, em atendimento à alínea “c” do item III.

IV - determine à CODEPLAN que adote as providências neces-sárias ao exato cumprimento da lei, nos termos do art. 45 da Lei Complementar n° 01/1994, quanto às ilegalidades verifi-cadas nestes autos, relativas ao Contrato n° 22/2006, encami-nhando ao Tribunal no prazo de 30 (trinta) dias o relato das providências adotadas;

V - em decorrência do disposto no item III, alínea “b”, retro, considere os servidores mencionados nas alíneas “b1”, “b2” e “b3” responsáveis solidários e, em conseqüência, aplique-lhes a multa prevista no inciso II do art. 57 da Lei Comple-mentar n° 01/1994 c/c inciso I do art. 182 do Regimento In-terno do TCDF no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a cada responsabilizado;

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VI - aprove e mande publicar o Acórdão que submeto à aprecia-ção plenária;

VII - dê ciência desta decisão aos cidadãos mencionados no alu-dido item III, alínea “b”;

VIII - autorize o retorno dos autos à inspetoria para os devidos fins.

Processo n° 26.205/2006 Decisão n° 4.887/2007

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consultA AcercA dA possibilidAde estender Aos AposentAdos os Aumentos

deferidos Aos servidores dA AtivA em decorrênciA dA ec n° 41/2003

Antonio Renato Alves Rainha Conselheiro do TCDF

Consulta formulada pelo Diretor-Geral da Polícia Civil do Distrito Fe-deral acerca da possibilidade de se estender aos inativos, que se apo-sentaram após a promulgação da Emenda Constitucional n° 41/2003, os aumentos deferidos aos servidores da ativa tendo por fundamen-to o disposto na Lei Complementar n° 51/1985 e na Lei Federal n° 4.878/1965 (paridade).4ª Inspetoria de Controle Externo manifesta-se pela adoção das medi-das indicadas às fls. 65/67.Ministério Público de Contas do Distrito Federal opina pelo acolhi-mento do que sugere a instrução, com ressalva (fls. 71/79).Relator (Conselheiro Jorge Caetano) manifesta-se em sentido conver-gente, com ajustes (fls. 80/112 e 121/123).Mandado de Segurança n° 26.165 impetrado no Supremo Tribunal Fe-deral. Extinção sem julgamento de mérito. Precedentes:

1)Processo n° 3.720/1993 - integralidade dos proventos nas hipó-teses de incapacidade decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável. 2)Processo n° 1.720/1999 - vigência da Lei Complementar n° 51/1985 até que seja revogada por outra da mesma espécie.3)Processo n° 17.929/2005 - aplicação aos servidores integrantes das Carreiras da Polícia Civil do Distrito Federal do Regime Jurí-dico disciplinado pela Lei n° 4.878/1965, e, subsidiariamente, do Regime Jurídico estabelecido pela Lei n° 8.112/1990.

Observância pela Polícia Civil do Distrito Federal das regras de pari-dade e integralidade previstas na Emenda Constitucional n° 47/2005. Reconhecimento de que a Lei Complementar n° 51/1985 foi recepcio-nada pela Emenda Constitucional n° 47/2005.Acompanhamento pela 4ª Inspetoria de Controle Externo da trami-tação, nos tribunais administrativos e judiciais, de feitos que tratem

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de assunto análogo ao destes autos, mantendo esta Corte informada a respeito.

VOTO DE VISTA

Pedi vista destes autos objetivando ter pleno conhecimento dos termos da consulta formulada pela Polícia Civil do Distrito Federal, da qual destaco os excertos a seguir reproduzidos(fls. 35/36):

O SINDICATO DOS POLICIAIS CIVIS DO DISTRITO FEDE-RAL, oferta pedido voltado à concessão de reajuste dos proventos dos aposentados na forma do disposto no art. 38 da Lei n° 4.878/65 e embasa seu pleito no parecer jurídico de fls. 03/09.

(...)Por sua vez, o Departamento de Administração Geral, buscando

um melhor delineamento da questão, vem por meio da nota técnica de fls. 31/34, firmar posicionamento de que para os casos de aposen-tadoria por invalidez integral ou proporcional dos policiais civis do Distrito Federal foi recepcionado pela Constituição Federal o disposto na Lei n° 4.878/65, que determina a revisão dos proventos desses apo-sentados nas mesmas datas e condições dos servidores da ativa.

(...) Outrossim, no âmbito da Administração Direta do Distrito Federal

o presente tema sofre controvérsia, havendo posicionamento diverso, razão pela qual é de bom alvitre que a Polícia Civil busque orientação que dê sustentáculo as suas decisões administrativas.

Isto posto, e considerando que a matéria é de competência do Tri-bunal de Contas do Distrito Federal, com fundamento no art. 194, do Regimento Interno do TCDF, determino a remessa dos autos àquela Egrégia Corte de contas, com a solicitação de consulta sobre a pos-sibilidade jurídica desta Administração em dar continuidade ao pagamento dos proventos dos aposentados por invalidez com os aumentos ora conferidos aos servidores da ativa.

Portanto, o que a Polícia Civil do DF indagou é se é possível aplicar a paridade aos servidores aposentados por invalidez.

Preliminarmente, do voto lançado pelo ilustre Conselheiro Jorge Caetano, na Sessão Ordinária de 27.03.2007, tenho por necessário reproduzir o que segue:

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Verifico que o estudo elaborado pela unidade técnica, a par de atender ao objeto da consulta, acrescentou outras considerações a res-peito da regra de paridade entre ativos e inativos, após o advento das Emendas Constitucionais n° s 41/2003 e 47/2005.

Além disso, a instrução aponta, desde já, a existência de pagamen-tos que estariam sendo feitos em desacordo com as conclusões aponta-das nestes autos, sugerindo recomendação ao jurisdicionado para que providencie as devidas correções. Nesse ponto, o Ministério Público entende que, no lugar de recomendação, deva-se determinar ao órgão que promova as devidas correções.

Com a devida vênia, meu entendimento é que não cabem recomen-dações ou determinações ao jurisdicionado ao se responder a ques-tionamentos feitos sob a forma de consulta, até porque a decisão do Tribunal, nesses casos, tem caráter normativo, a teor do § 2º do art. 1º da Lei Complementar n° 01/94, o que, no entanto, não impede a posterior verificação dos procedimentos adotados, no curso rotineiro de auditorias programadas.

Assim, acompanhando em sua essência os termos da Instrução e do parecer do Parquet, com os ajustes que faço, VOTO no sentido de que este egrégio Plenário:I - conheça da presente consulta;II - responda ao órgão consulente, em caráter normativo, que:

a) os proventos iniciais das aposentadorias decorrentes de invali-dez, de que trata o inciso I do § 1º do art. 40 da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional n° 41/2003, cujos re-quisitos para sua concessão foram implementados após 20.02.2004, data de início da vigência da Medida Provisória n° 167/2004, devem ser calculados na forma preconizada na citada Medida Provisória, ou conforme o disposto na Lei n° 10.887/2004;

b) em face do disposto no § 8º do art. 40 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n° 41/2003, combinado com o disposto no art. 15 da Lei n° 10.887/2004, observando, ainda, o teor do art. 5º da Medida Provisória n° 308/2006 e da Lei n° 11.361/2006, não devem ser repassados a esses proventos os reajustes conferidos aos servidores da ativa, a não ser ante expressa autorização legal;III -adicionalmente, esclareça ao jurisdicionado que:

a) a regra acima aplica-se, também, às inativações por idade, vo-luntárias ou compulsórias, cujos requisitos hajam sido implementados após 20.02.2004, com fulcro nos incisos II e III do § 1º do art. 40 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucio-

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nal n° 20/1998, e às inerentes à opção pela regra de transição prevista no art. 2º da Emenda Constitucional n° 41/2003;

b) aos proventos de aposentadoria decorrentes da aplicação do dis-posto nos artigos 3º e 6º da Emenda Constitucional n° 41/2003 e art. 3º da Emenda Constitucional n° 47/2005, aplicam-se a regra da paridade, em conformidade com o disposto no art. 7º da Emenda Constitucio-nal n° 41/2003, combinado com o artigos 2º e 3º, parágrafo único, da Emenda Constitucional n° 47/2005;

c) quanto à modalidade de aposentadoria de que trata o § 4º do art. 40 da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitu-cional n° 20/98, alterada pela Emenda Constitucional n° 47/2005, há que se aguardar posicionamento do Supremo Tribunal Federal – STF sobre o tema, quando decidir o mérito do Mandado de Segurança n° 26165, cuja liminar concedida suspendeu os efeitos dos Acórdãos nos 2177/2006 e 2178/2006 da Segunda Câmara do Tribunal de Contas da União, relativos a aposentadorias fundamentadas na Lei Complemen-tar n° 51/85;IV - autorize:

a) a devolução dos autos apensos de n° 052.001.598/2005 ao ju-risdicionado;

b) o arquivamento destes autos.

Em segunda manifestação, na Sessão Ordinária de 24.04.2007, Sua Excelência expressou o seguinte juízo:

Na Sessão Ordinária do dia 27 de março último, apresentei o voto de fls. 80/112, referente a consulta formulada pela Polícia Civil do Distrito Federal, quanto à atualização dos proventos de policiais ina-tivados após a vigência da Emenda Constitucional n° 41/2003, em conseqüência de invalidez.

Naquela oportunidade, esta Corte, acolhendo manifestação do Con-selheiro Renato Rainha, proferiu a Decisão n° 1282/2007, fl. 113, adian-do a discussão da matéria, nos termos do art. 65 do Regimento Interno.

Desta feita, reapresento a este Plenário o voto que proferi, pedindo vênia para excluir a proposição constante da alínea “c” do item III do citado voto, no sentido de aguardar decisão de mérito pelo Supremo Tribunal Federal no Mandado de Segurança n° 26165, a respeito de aposentadorias fundadas na Lei Complementar n° 51/85.

É que, alertado pelo Gabinete do ilustre Conselheiro Renato Rai-nha, a quem formulo meus agradecimentos, constatei – pelos docu-mentos que fiz anexar às fls. 114/120 -, que a Excelsa Corte negou seguimento ao citado mandado de segurança, cassou a medida liminar

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concedida e determinou a baixa dos autos ao arquivo. Não havendo decisão de mérito, não há o que aguardar.

De qualquer forma, a decisão da Corte Suprema somente alcan-çaria os impetrantes do mandado de segurança, não obrigando o seu cumprimento em relação a outros servidores, sem embargo de poder contribuir para esclarecer a questão da aplicação da Lei n° 51/85, após o advento da Emenda constitucional n° 41/2003.

Ademais, a exclusão daquela proposição, inserida apenas a título de esclarecimento adicional, em nada afeta o desfecho deste processo, já que não se referia, stricto sensu, ao objeto da consulta formulada pelo órgão jurisdicionado.

Assim, com a exclusão mencionada e acompanhando em sua es-sência os termos da Instrução e do parecer do Parquet, com os ajustes que faço, VOTO no sentido de que este egrégio Plenário:I - conheça da presente consulta;II - responda ao órgão consulente, em caráter normativo, que:

a) os proventos iniciais das aposentadorias decorrentes de invali-dez, de que trata o inciso I do § 1º do art. 40 da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional n° 41/2003, cujos re-quisitos para sua concessão foram implementados após 20.02.2004, data de início da vigência da Medida Provisória n° 167/2004, devem ser calculados na forma preconizada na citada Medida Provisória, ou conforme o disposto na Lei n° 10.887/2004;

b) em face do disposto no § 8º do art. 40 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n° 41/2003, combi-nado com o disposto no art. 15 da Lei n° 10.887/2004, observando, ainda, o teor do art. 5º da Medida Provisória n° 308/2006 e da Lei n° 11.361/2006, não devem ser repassados a esses proventos os reajustes conferidos aos servidores da ativa, a não ser que haja expressa auto-rização legal;III - adicionalmente, esclareça ao jurisdicionado que:

a) a regra acima aplica-se, também, às inativações por idade, vo-luntárias ou compulsórias, cujos requisitos hajam sido implementados após 20.02.2004, com fulcro nos incisos II e III do § 1º do art. 40 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucio-nal n° 20/1998, e às inerentes à opção pela regra de transição prevista no art. 2º da Emenda Constitucional n° 41/2003;

b) aos proventos de aposentadoria decorrentes da aplicação do dis-posto nos artigos 3º e 6º da Emenda Constitucional n° 41/2003 e art. 3º da Emenda Constitucional n° 47/2005, aplica-se a regra da paridade, em conformidade com o disposto no art. 7º da Emenda Constitucio-

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nal n° 41/2003, combinado com o artigos 2º e 3º, parágrafo único, da Emenda Constitucional n° 47/2005.IV - autorize:

a) a devolução dos autos apensos de n° 052.001.598/2005 ao ju-risdicionado;

b) o arquivamento destes autos.

Peço vênia para discordar do ilustre Relator e o faço tendo por norte as razões que a seguir exporei.

No tocante à Lei Federal n° 10.877/2004, que dispõe sobre a aplicação da Emenda Constitucional n° 41/2003, este Tribunal, ao apreciar o Processo n° 3.720/1993 na Sessão Extraordinária Admi-nistrativa de 06.12.2005, afastou a aplicação da aludida norma no caso de aposentadoria decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, prevista em lei. Esse entendimento da Corte resultou da acolhida, por unani-midade, do voto que proferi naquela oportunidade, nos seguintes termos:

Embora reconheça o mérito do entendimento adotado pela Con-sultoria Jurídica da Presidência, entendo que dele devo divergir pelos motivos que adiante exporei.

O § 1º do art. 40 da Constituição Federal, com a redação que lhe deu a Emenda Constitucional n° 41/2003, estabeleceu:

Art. 40 – (...)§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de

que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proven-tos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17:

I – por invalidez permanente, sendo os proventos proporcio-nais ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei; (grifei)Diante do que prevê o texto em destaque, tenho por razoável

concluir que os casos de acidente em serviço, moléstia profis-sional ou doença grave, contagiosa ou incurável, fogem à regra geral da proporcionalidade dos proventos imposta à hipótese de invalidez.

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Não estou sozinho nesta linha de pensamento, a teor do ensino proferido por Sérgio Pinto Martins1, Juiz do Trabalho, Doutor e Livre-Docente em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP:

A aposentadoria por invalidez será concedida com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, con-tagiosa e incurável, quando será integral (art. 40, § 1º, I, da Cons-tituição).No mesmo sentido Marcelo Leonardo Tavares2, Juiz Federal, Mes-

tre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Professor da Escola de Magistratura da referida unidade da federa-ção, leciona:

A aposentadoria por invalidez permanente poderá ser propor-cional ao tempo de contribuição, ou integral, em caso de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei. Aqui houve uma pequena alteração trazida pela EC n° 41/2003. Antes a Constituição dispunha “espe-cificadas em lei”. Portanto, anteriormente a Carta apenas remetia à integração legislativa a especificação das doenças e as condições de acidente em serviço que ensejariam a aposentadoria integral; hoje, respeitados os requisitos básicos previstos na norma do art. 40 da CRFB/88, nada impede que a lei venha a disciplinar a ma-téria com mais amplitude, cuidando não somente da especificação das doenças, mas também sobre outros parâmetros. A lei referida deve ser federal, editada com base na competência da União para disciplinar as regras gerais, pois não parece adequado que o tema fique a cargo das leis sobre normas específicas,.....A mencionada Lei Federal n° 10.887, de 18 de junho de 2004, que

dispõe sobre a aplicação de disposições da Emenda Constitucional n° 41/2003 e dá outras providências, não disciplinou a matéria em questão (especificação das doenças e estabelecimento de outros parâmetros). Logo sou compelido a dissentir, neste ponto, da douta Consultoria Jurídica.

Assim o faço considerando a expressão ‘‘na forma da lei’’, con-tida na parte final do inciso I do art. 40 da Lei Fundamental, com a redação que lhe deu a EC n° 41/2003, bem como o que deflui dos princípios da presunção da constitucionalidade e da efetividade das leis. Dessarte, tenho por recepcionado o disposto no art. 190 da Lei n° 8.112/1990, o que viabiliza de pronto a pretensão do requerente.

1 Reforma Previdenciária. São Paulo : Atlas, 2004, p. 110.2 Comentários à Reforma da Previdência. Rio de Janeiro : Impetus, 2004, p. 16.

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(...)Dessarte, lamentando dissentir da douta Consultoria Jurídica da

Presidência, VOTO no sentido de que o egrégio Plenário:a) dê provimento ao recurso visto à fl. 172, para efeito de in-

tegralizar os proventos do recorrente com fundamento no art. 190 da Lei n° 8.112/1990, devendo os efeitos da medida contarem a partir de 19.07.2004 (data na qual foi protocolado o requerimento de fl. 82) ; (...)

Em conseqüência, esta Corte de Contas adotou a Decisão n° 65/2005-AD, conferindo-lhe o seguinte teor:

O Tribunal, por unanimidade, de acordo com o voto do Relator, decidiu:

a) dar provimento ao recurso visto à fl. 172, para efeito de in-tegralizar os proventos do recorrente com fundamento no art. 190 da Lei n° 8.112/1990, devendo os efeitos da medida contarem a partir de 19.07.2004 (data na qual foi protocolado o requerimento de fl. 82); ....

Portanto, a teor do conteúdo do voto e da deliberação plenária an-tes transcritos, concluo que prevalece nesta Corte o entendimento de que a Lei n° 10.877/2004 não é aplicável aos casos de aposentadoria por invalidez, decorrente de acidente em serviço, moléstia profissio-nal ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei.

Assim sendo, não vislumbro razão para que esse entendimento não alcance também os policiais civis do Distrito Federal, aos quais se aplica o Regime Jurídico disciplinado pela Lei n° 4.478, de 03 de dezembro de 1965, e, subsidiariamente, o Regime Jurídico esta-belecido pela Lei n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990, consoante o disposto na Decisão n° 6.868/2006 (Processo n° 17.929/2005), verbis:

O Tribunal, por unanimidade, de acordo com o voto da Relatora, tendo em conta a instrução e, em parte, o parecer do Ministério Pú-blico, decidiu:

I - aplicar aos servidores ocupantes de cargos das Carreiras de De-legado de Polícia e Polícia Civil do Distrito Federal o Regime Jurídico disciplinado pela Lei n° 4.878, de 03 de dezembro de 1965, e, subsi-diariamente, o Regime Jurídico estabelecido pela Lei n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990, ambas com as modificações ocorridas na área federal; ...

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Se esta é a realidade, os inativos da Polícia Civil do DF estão em condições de beneficiarem-se do previsto na Lei n° 8.112/1990, cujos arts.186 e 190 contêm a seguinte dicção:

Art. 186. O servidor será aposentado:I - por invalidez permanente, sendo os proventos integrais quando

decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei, e proporcionais nos demais casos;

(...)Art. 190. O servidor aposentado com provento proporcional ao

tempo de serviço, se acometido de qualquer das moléstias especifica-das no art. 186, § 1º, passará a perceber provento integral.

Em relação à Lei Federal n° 4.878/1965, igualmente menciona-da na referida deliberação plenária, seu art. 38 prevê:

Art. 38. O provento do policial inativo será revisto sempre que ocorrer:

a) modificação geral dos vencimentos dos funcionários policiais civis em atividade; ou

b) reclassificação do cargo que o funcionário policial inativo ocu-pava ao aposentar-se.

Em princípio, não enxergo total incompatibilidade entre esse dispositivo e o que disciplinou a respeito a Emenda Constitucional n° 47/2005, que preservou a integralidade e restabeleceu a paridade nos seguintes termos:

Art. 2º Aplica-se aos proventos de aposentadorias dos servidores públicos que se aposentarem na forma do caput do art. 6º da Emen-da Constitucional n° 41, de 2003, o disposto no art. 7º da mesma Emenda.

Art. 3º Ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas nor-mas estabelecidas pelo art. 40 da Constituição Federal ou pelas regras estabelecidas pelos arts. 2º e 6º da Emenda Constitucional n° 41, de 2003, o servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Mu-nicípios, incluídas suas autarquias e fundações, que tenha ingressado no serviço público até 16 de dezembro de 1998 poderá aposentar-se com proventos integrais, desde que preencha, cumulativamente, as seguintes condições:

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I - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;

II - vinte e cinco anos de efetivo exercício no serviço público, quinze anos de carreira e cinco anos no cargo em que se der a apo-sentadoria;

III - idade mínima resultante da redução, relativamente aos limites do art. 40, § 1º, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal, de um ano de idade para cada ano de contribuição que exceder a condição prevista no inciso I do caput deste artigo.

Parágrafo único. Aplica-se ao valor dos proventos de aposentado-rias concedidas com base neste artigo o disposto no art. 7º da Emenda Constitucional n° 41, de 2003, observando-se igual critério de revisão às pensões derivadas dos proventos de servidores falecidos que te-nham se aposentado em conformidade com este artigo.

(...) Art. 5º Revoga-se o parágrafo único do art. 6º da Emenda Consti-

tucional n° 41, de 19 de dezembro de 2003.

De sua vez os referidos arts. 6º e 7º da Emenda Constitucional n° 41/2003 dispõem:

Art. 6º Ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas nor-mas estabelecidas pelo art. 40 da Constituição Federal ou pelas regras estabelecidas pelo art. 2º desta Emenda, o servidor da União, dos Es-tados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que tenha ingressado no serviço público até a data de publicação desta Emenda poderá aposentar-se com proventos in-tegrais, que corresponderão à totalidade da remuneração do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria, na forma da lei, quan-do, observadas as reduções de idade e tempo de contribuição contidas no § 5º do art. 40 da Constituição Federal, vier a preencher, cumulati-vamente, as seguintes condições:

I - sessenta anos de idade, se homem, e cinqüenta e cinco anos de idade, se mulher;

II - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;

III - vinte anos de efetivo exercício no serviço público; e IV - dez anos de carreira e cinco anos de efetivo exercício no cargo

em que se der a aposentadoria.Parágrafo único. Os proventos das aposentadorias concedidas con-

forme este artigo serão revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade,

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na forma da lei, observado o disposto no art. 37, XI, da Constituição Federal3.

Art. 7º Observado o disposto no art. 37, XI, da Constituição Fe-deral, os proventos de aposentadoria dos servidores públicos titulares de cargo efetivo e as pensões dos seus dependentes pagos pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, em fruição na data de publicação desta Emenda, bem como os proventos de aposentadoria dos servidores e as pensões dos dependentes abrangidos pelo art. 3º desta Emenda, serão revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendi-dos aos aposentados e pensionistas quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão, na forma da lei.

Do que se depreende da jurisprudência e dispositivos legais que venho de destacar, o regime da paridade e da integralidade está re-vestido das seguintes características:

I. paridade: a) deixou de ter sede ordinária e passou a ter sede consti-

tucional, em face da expressa revogação do parágrafo único do art. 6º da Emenda Constitucional n° 41/2003 pelo art. 5º da Emenda Constitucional n° 47/2005;

b) aplica-se: b.1) ao servidor admitido até 16.12.1998 (data de vigência

da Emenda Constitucional n° 20/1998), que poderá se inati-var com fundamento no art. 3º e Parágrafo único da Emenda Constitucional n° 47/2005;

b.2) ao servidor admitido no serviço público até 31.12.2003 (data de vigência da Emenda Constitucional n° 41/2003), quepoderá se inativar com fundamento no art. 7º da Emenda

3 Revogado pelo art. 5º da Emenda Constitucional nº 47/2005.

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Constitucional n° 41/2003 c/c o art. 2º da Emenda Constitu-cional n° 47/2005;

b.3) às concessões que tenham por fundamento o dis-posto no art. 3º4 da Emenda Constitucional n° 41/2003, o que preserva o direito adquirido daqueles que tenham atendido os pressupostos estabelecidos na legislação en-tão vigente.

II. integralidade: a) aplicável aos que ingressaram no serviço público até

16.12.1998, consoante o que prevê o art. 3º da Emenda Cons-titucional n° 47/2005;

b) aplicável aos que ingressaram no serviço público até 31.12.2003, de acordo com previsão contida no art. 2º da Emenda Constitucional n° 47/2005 c/c o art. 6º da Emenda Constitucional n° 41/2003;

c)não aplicável aos que se aposentarem por invalidez per-manente não decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, espe-cificada em lei.

III. servidor público admitido após a data de vigência da Emen-da Constitucional n° 41/2003 (31.12.2003) – a ele não se aplicam

4 Art. 3º É assegurada a concessão, a qualquer tempo, de aposentadoria aos servidores públicos, bem como pensão aos seus dependentes, que, até a data de publicação desta Emenda, tenham cumprido todos os requisitos para obtenção desses benefícios, com base nos critérios da legislação então vigente.(...)§ 2º Os proventos da aposentadoria a ser concedida aos servidores públicos referidos no caput, em termos integrais ou proporcionais ao tempo de contribuição já exercido até a data de publicação desta Emenda, bem como as pensões de seus dependentes, serão calculados de acordo com a legislação em vigor à época em que foram atendidos os requisitos nela estabelecidos para a concessão desses benefícios ou nas condições da legislação vigente.

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a paridade e a integralidade, excetuados, na segunda hipótese, os casos de incapacidade decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei, aos quais é garantida a integralidade na forma da lei (Art. 40, § 1º, inciso I, da Constituição Federal com a redação que lhe deu a Emenda Constitucional n° 41/2003) .

Dissertando a respeito, Társis Nametala Salo Jorge5 preleciona:..... Agora, a paridade retornou ao seu ninho constitucional, pri-

meiramente com a expressa revogação do parágrafo único do art. 6º da EC 41/03 (pelo art. 5º da EC 47/05) e ainda com a expressa pre-visão, no art. 2º da EC 47/05, que manda agora observar, para tais servidores, a previsão do art. 7º da EC 41/03: (....)

O que ocorreu foi, de certa forma, um retorno, neste particular, à condição anterior à EC 41/03, que havia retirado o direito à paridade. Mas ressalte-se, o retorno não foi absoluto, uma vez que restrito aos que adentraram ao sistema até a EC 41/03.

Assim sendo, razoável concluir que a paridade pode e deve ser apli-cada aos policiais civis do Distrito Federal que adentraram ao sistema até 31.12.2003, data de vigência da Emenda Constitucional n° 41/2003.

Quanto à recepção da Lei Complementar n° 51/1985 pela Constituição de 1988, esta Corte de Contas adotou a Decisão n° 2.517/2001, atribuindo-lhe o seguinte teor:

O Tribunal, de acordo com o voto do Relator, decidiu deliberar que permanece em vigor a Lei Complementar n° 51/85, enquanto não revogada ou modificada por outra lei complementar, consoante estabelece o § 4º do art. 40 da Constituição Federal, com a reda-ção dada pela Emenda Constitucional n° 20/98, tendo em vista ser compatível com as novas regras estabelecidas para aposentadoria comum, em razão do caráter especial atribuído às aposentadorias dos servidores que exercem atividades em condições de risco à saúde e a integridade física, prevista naquele dispositivo constitucional.

5 Manual dos Benefícios Previdenciários (De acordo com EC 47/2005). Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2006. p. 417/419, Mestre em Direito, Professor da FGV, da UERJ, bem como da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.

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O teor da deliberação em destaque demonstra que o Tribunal já tem entendimento firmado de que a Emenda Constitucional n° 20/1998 recepcionou a Lei Complementar n° 51/1985. Resta, en-tão, perquirir se as Emendas posteriores também recepcionaram referida lei.

A Emenda Constitucional n° 47/2005 atribuiu a seguinte reda-ção ao § 4º do art. 40 da Constituição Federal:

§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementa-res, os casos de servidores:

I - portadores de deficiência;II - que exerçam atividades de risco;III - cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que

prejudiquem a saúde ou a integridade física.“ (negritei)A leitura do dispositivo constitucional que venho de transcre-

ver leva à conclusão que a Emenda Constitucional n° 47/2005 igualmente recepcionou a multicitada Lei Complementar n° 51/1985 e o fez retroagindo os efeitos da recepção a 31.12.2003, data de vigência da Emenda Constitucional n° 41/2003, como previsto no art. 6º daquela Emenda Constitucional. Portanto, en-tendo que a Lei Complementar n° 51/1985 continua válida e pro-duzindo efeitos.

Se assim é, parece claro que a Constituição Federal, ao admi-tir que as atividades exercidas sob risco pudessem ser regidas por requisitos e critérios dieferenciados da aposentadoria comum, nos termos definidos em lei complementar, transferiu para a legislação infraconstitucional o estabelecimento das condições para o imple-mento da aposentadoria especial, no caso da Polícia Civil do Dis-trito Federal a Lei Complementar n° 51/1985.

Portanto, para que possa aposentar-se nos termos da Lei Com-plementar n° 51/1985, o policial civil do Distrito Federal terá que comprovar 30 (trinta) anos de serviço, dos quais 20 (vinte) anos de

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exercício em cargo de natureza estritamente policial, independente da idade mínima, já que este critério somente é exigido para as apo-sentadorias ditas comuns.

Desta forma, não se pode exigir que o policial civil, para alcan-çar a aposentadoria especial, além de atender os critérios e requi-sitos diferenciados exigidos pela Lei Complementar n° 51/1985, também tenha que satisfazer a exigência de idade mínima estabe-lecida para as aposentadorias comuns, sob pena de tornar inócua a regra inserta no § 4º do art. 40 da Constituição Federal.

Em reforço aos argumentos que venho de apresentar, não posso deixar de reproduzir trechos da NOTA N. AGU/MS 06/2007 da Ad-vocacia Geral da União, que aborda o assunto, tendo por motivação Pedido de Reexame interposto em face dos Acórdãos TCU n° s 2.177/2006 e 2.178/2006 – Segunda Câmara, verbis:

(...)18.Como visto, duas foram as razões constitucional fundamentais

para que a 2ª Câmara do TCU entendesse que a LC n° 51/85 não teria sido recepcionada pela EC n° 20/98:

- a natureza contributiva que a concessão das aposentadorias dos servidores públicos passou a ter a partir da EC n° 20/98; e

- o estabelecimento da exigência de requisitos de idade mínima para a concessão de aposentadoria aos servidores.

19.Com a devida vênia, uma análise mais aprofundada do tema afasta essas conclusões a que chegou a Eg. 2ª Câmara do Tribunal de Contas da União.

20.Em primeiro lugar, verifica-se que não foi a EC n° 20/98 que instituiu o regime contributivo do sistema de Previdência Social do funcionalismo público, mas, em verdade, a Emenda Constitucional n° 3/93,que incluiu um § 6º no artigo 40 da Carta de 88:

Art. 40. § 6º As aposentadorias e pensões dos servidores públi-cos federais serão custeadas com recursos provenientes da União e das contribuições dos servidores, na forma da lei.(...)22.Portanto, se, desde a promulgação da EC n° 3/93, regulamen-

tada pela legislação infraconstitucional que a sucedeu, os servidores incluídos os policiais, têm contribuído para a manutenção de suas

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aposentadorias e pensões, e, desde então, as aposentadorias especiais dos policiais, lastreadas na LC n° 51/85, continuaram a ser concedi-das pela Administração e registradas pelo TCU, também não houve qualquer inovação substancial quanto à contributividade que a EC n° 20/98 tenha trazido, em relação à EC n° 3/93, de forma a que se pu-desse concluir que somente aquela teria tornado a LC n° 51/85 sem eficácia, e não esta.

23.Por sua vez, quanto ao segundo fundamento da decisão da 2ª Câmara do TCU, de fato ocorreu, com a promulgação da EC n° 20/98, uma alteração significativa na natureza dos critérios exigidos para a concessão de aposentadoria aos servidores públicos, ao se combinar, além da tradicional exigência de tempo de serviço/contribuição, uma idade mínima para a concessão da aposentadoria voluntária: (...)

24.Inobstante essa novidade trazida pela EC n° 20/98 – ter a Cons-tituição passado a exigir, para a aposentadoria voluntária dos servido-res públicos, uma idade mínima - , vale reler o que passou a prever a sua regra prevista no § 4º, do artigo 40, alterado pela mesma Emenda:

Art. 40. § 4º – É vedada a adoção de requisitos e critérios dife-renciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados os casos de atividades exercidas exclusivamente sob condições especiais que prejudi-quem a saúde ou a integridade física, definidos em lei comple-mentar.25.Ora quando a Constituição, ao mesmo tempo que veda, como

regra geral, a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a con-cessão de aposentadoria aos servidores públicos, também permite, ain-da que de maneira excepcional, que a lei complementar possa fixá-los diferentemente, não se pode concluir que essa diferenciação somente possa levar a uma redução do tempo de contribuição necessário para a concessão do benefício. Ao contrário, todos os requisitos e critérios, por opção da lei complementar, podem ser reduzidos ou mesmo elimi-nados, incluindo aqueles referentes a uma idade mínima.

26.Nesse compasso, o fato de a LC n° 51/85 não prever uma idade mínima para a concessão da aposentadoria especial devida aos servidores policiais, critério que passou a ser adotado generi-camente para os servidores públicos com a promulgação da EC n° 20/98, não a torna incompatível com essas novas disposições cons-titucionais, exatamente porque o artigo 40, § 4º continuou permi-tindo que lei complementar estabelecesse, não somente requisitos, com também critérios diferenciados em relação aos previstos como regra geral no texto alterado da Constituição. Por certo, em razão

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R.Tribunal de Contas do Distrito Federal, 34 : 217-241, 2008 233

da redação aberta desse novo § 4º do artigo 40 da Carta Federal, os critérios presentes no texto constitucional poderiam inclusive ser ignorados por essa lei complementar, como ocorre com a LC n° 51/85, que não elege, validamente, enquanto estiver em vigor, o critério da idade mínima como fator a ser considerado para a con-cessão da aposentadoria aos policiais.

(...)35.Demonstrada então a recepção da Lei Complementar n° 51/85

não somente pela Constituição de 1988, mas também pela EC n° 20/98, deve-se ainda registrar que a norma constitucional referente ao assunto – artigo 40, § 4º – foi objeto de nova alteração com a promul-gação da Emenda Constitucional n° 47/2005:

Art. 40. § 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios dife-renciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares,os casos de servidores:

I – portadores de deficiência;II – que exerçam atividades de risco;III – cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais

que prejudiquem a saúde ou a integridade física.36.Diante dessa nova redação do texto constitucional, não há sen-

tido em se concluir pela não recepção da LC n° 51/85, realizando-se interpretação mais rigorosa que a intentada pelo legislador constituin-te derivado, podendo-se corroborar todos os argumentos expostos até o presente momento em relação à redação original da Constituição de 1988 e à modificada pela EC n° 20/98. .........

(...)42. Por fim analisados os aspectos jurídicos postos à apreciação da

AGU, há que se registrar os graves problemas administrativos que a manutenção e generalização do entendimento da atual 2ª Câmara do TCU causaria, pois a Polícia Rodoviária Federal aposentou cerca de 1.867 policiais, e, a Polícia Federal aproximadamente 3000 servidores policiais, nos termos da LC n° 51/85, após a EC n° 20/98, estando parte deles, atualmente, com mais de 70 anos de idade.

Devo também lembrar que o Supremo Tribunal Federal, pela atuação Ministro Eros Grau, ao apreciar o assunto em pauta, adotou o seguinte posicionamento:

MANDADO DE SEGURANÇA Nr. 26165

PROCED.: DISTRITO FEDERAL

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234 R.Tribunal de Contas do Distrito Federal, 34 : 217-241, 2008

RELATOR: MIN. EROS GRAUIMPTE.(S): ENOS CAVALCANTI NOGUEIRA ADV.(A/S):ARISTIDES FERREIRA LIMA DE MOURA IMPDO.(A/S): PRESIDENTE DA 2º CÂMARA DO TRIBUNAL DE CONTA DA UNIÃO

DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança preventivo impe-trado por Enos Cavalcanti Nogueira contra atos do Tribunal de Con-tas da União, consubstanciados nos Acórdãos TCU n° 2.177/2006 e 2.178/2006, que declararam ilegais as aposentadorias concedidas com fundamento na LC n° 51/85.

2. O impetrante, ex-policial rodoviário federal, afirma que em ou-tubro de 2004 aposentou-se com base no art. 1º, I, da LC n° 51/85. Alega que o preceito foi recebido pela EC n° 20/1998, que modificou a redação do § 4º do art. 40 da Constituição do Brasil.

3. Sustenta que a atividade policial sempre foi considerada ativida-de de risco, prejudicial à saúde, o que permitiria a adoção de critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria, nos termos do dis-posto no art. 40, § 4º, da Constituição.

4. Lembra que os policiais rodoviários recebiam diversas grati-ficações em razão dessa periculosidade, tais como a gratificação de desgaste físico e a de atividade de risco, ambas constantes de seu contracheque [fl. 43]. Em agosto de 2006 foi implantado o subsídio em parcela única como forma de remuneração, abrangendo as van-tagens.

5. Alega, por fim, que a decisão da autoridade impetrada, ao cancelar as aposentadorias concedidas com base na LC n° 51/85 após a edição da EC n° 20/98, viola o princípio da segurança ju-rídica, uma vez decorridos mais de oito anos da concessão do be-nefício.

6. Requer a concessão de medida liminar para suspender os efeitos dos Acórdãos TCU n° s 2.177/2006 e 2.178/2006, concedendo-se a ordem para reconhecer a legalidade de sua aposentadoria.

7. É o relatório. Decido.8. A concessão de medida liminar em mandado de segurança pres-

supõe a coexistência da plausibilidade do direito invocado e do risco de dano irreparável pela demora na concessão da ordem.

9. Eis a redação original da Constituição no que respeita à conces-são de aposentadoria voluntária pelo exercício de atividades conside-radas perigosas:

Art. 40. O servidor será aposentado:[...]

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R.Tribunal de Contas do Distrito Federal, 34 : 217-241, 2008 235

III – voluntariamente:a) aos trinta e cinco anos de serviço, se homem, e aos trinta, se

mulher, com proventos integrais;[...]c) aos trinta anos de serviço, se homem, e aos vinte e cinco, se

mulher, com proventos proporcionais a esse tempo;[...]§ 1º - Lei complementar poderá estabelecer exceções ao dis-

posto no inciso III, ‘a’ e ‘c’”, no caso de exercício de atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas.10. A EC n° 20/1998, acrescentou o § 4º ao art. 40:

§ 4º - É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados os casos de atividades exercidas exclusivamente sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar.11. A redação do § 4º foi alterada pela EC n° 47/2005:

§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores:

[...] II - que exerçam atividades de risco.

12. Dispõe o art. 1º, I, da LC n° 51/85, sobre a aposentadoria dos policiais:

Art.1º - O funcionário policial será aposentado:I - voluntariamente, com proveitos integrais, após 30 (trinta)

anos de serviço, desde que conte, pelo menos 20 (vinte) anos de exercício.

II - voluntariamente, com proveitos integrais, após 30 (trinta) anos de serviço, desde que conte, pelo menos 20 (vinte) anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial. 13. O Tribunal de Contas da União entendeu que esse preceito não

foi recebido pela EC n° 20/1998, aplicando-se somente aos policiais que completaram os requisitos para a aposentadoria antes da publica-ção da emenda.

14. A Constituição do Brasil, desde sua redação original, admite a adoção, por meio de lei complementar, de requisitos e critérios di-ferenciados para concessão de aposentadoria aos servidores públicos que exerçam atividades perigosas.

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236 R.Tribunal de Contas do Distrito Federal, 34 : 217-241, 2008

15. A EC n° 20/1998 não afastou essa possibilidade, mantida na EC n° 47/2005. O art. 1º, I, da LC n° 51/85 foi recebido pela Constituição do Brasil, bem como pelas emendas que alteraram a matéria.

16. O periculum in mora faz-se presente na medida em que as decisões impugnadas determinam a revisão das aposentadorias con-cedidas a todos os policiais que, com base no art. 1º, I, da LC n° 51/1985, completaram os requisitos posteriormente à vigência da EC n° 20/1998.

Ante o exposto, defiro a medida liminar, para suspender, com relação ao impetrante, os efeitos dos Acórdãos TCU n° 2.177/2006 e 2.178/2006, até o julgamento final do presente writ.

Intime-se a autoridade coatora para prestar informações no prazo do art. 1º, “a”, da Lei n° 4.348/64. Após, dê-se vista dos autos à Pro-curadoria Geral da República.

Publique-se.Brasília, 27 de setembro de 2006.Ministro Eros Grau - Relator - DJ Nr. 191 – 04/10/2006“ (negritei)

Embora tenha abordado o assunto no presente voto, tenho por necessário fazer uma reflexão final acerca das aposentadorias por invalidez decorrentes de acidente em serviço ou de moléstia pro-fissional, que receberam o mesmo tratamento constitucional da aposentadoria em razão de doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei.

Parece-me carecer de qualquer resquício de razoabilidade reconhecer o direito à aposentadoria integral e à paridade para aqueles que ingressaram no serviço público até 31.12.2003 e que cumprirem o período faltante de acordo com as regras estabele-cidas na legislação e na Constituição Federal, e não reconhecer esse mesmo direito aos servidores que também ingressaram no serviço público nas mesmas condições e que, todavia, não pude-ram continuar desempenhando suas funções por conta de terem sido vitimados por acidente em serviço ou acometidos de doença profissional.

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R.Tribunal de Contas do Distrito Federal, 34 : 217-241, 2008 237

Tal situação se torna ainda mais absurda quando os servidores desempenham atividade profissional de elevado e constante perigo, como é o caso dos policiais civis do Distrito Federal, cujas atribui-ções, entre outras, incluem o combate à criminalidade, a realização de prisões em flagrante e operações de intenso e alto risco pessoal, a exemplo do trabalho daqueles que são infiltrados em organizações criminosas para conhecer como elas funcionam e desarticulá-las.

Ora, como exigir que esses servidores continuem a exercendo suas atividades na defesa da sociedade e com o risco da própria vida, com a mesma motivação de antes, caso, agora, se adote equi-vocadamente ao meu ver, com a devida vênia dos que pensam em contrário, interpretação no sentido de que, se vitimados por eventu-al incapacidade, os seus proventos de aposentadoria ou da respec-tiva pensão sejam calculados e reajustados desconsiderando-se os critérios da integralidade e da paridade.

Chamo atenção especial para esse aspecto porque ele é grave e pode comprometer, sobremaneira, a qualidade da segurança públi-ca da população do Distrito Federal, pois os policiais civis, com justo receio de sofrerem considerável redução em seus proventos na hipótese de inativação por invalidez resultante, por exemplo, de acidente de serviço, poderão, até involuntariamente, deixar de desempenhar suas árduas, complexas e perigosas funções com a mesma dedicação e eficiência de antes, eficiência essa, diga-se de passagem, reconhecida nacional e internacionalmente.

Se isso ocorrer, outro princípio constitucional norteador da ad-ministração pública, consagrado no art. 37 da Constituição Federal, estará ferido de morte. Refiro-me ao princípio da eficiência que, na lição do saudoso mestre Hely Lopes Meirelles6, pode ser assim compreendido:

6 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo : Malheiros, 1996.

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... o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribui-ções com prestígio, perfeição e rendimento funcional. É o mais mo-derno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positi-vos para o serviço público e satisfatórios para atendimento das neces-sidades da comunidade e de seus membros.

Tenho que a interpretação que emana da inteligência dos textos das Emendas Constitucionais e da legislação em análise, não deve ser no sentido de impedir a implementação dos efeitos de princípios tão caros para a administração pública, como é o caso da eficiência e da razoabilidade, nem de fazer tábula rasa do princípio da se-gurança jurídica, alterando, abruptamente, situações que estavam sendo implementadas, de acordo com determinadas regras previa-mente conhecidas, há muitos anos.

Assim é que, preocupados com tais conseqüências, os parla-mentares federais, na condição de constituintes derivados, aprova-ram a Emenda Constitucional n° 47, de 06 de julho de 2005, com efeitos retroativos à data da vigência da Emenda Constitucional n° 41/2003, resguardando determinadas situações em relação aos ser-vidores que ingressaram no serviço público até a data de vigência dessa Emenda (31.12.2003), entre elas o direito à integralidade e à paridade dos proventos de aposentadoria em relação à remuneração percebida pelos servidores ativos, seja a aposentadoria alcançada voluntariamente ou compulsoriamente.

Outrossim, nunca é demais lembrar que a Constituição cidadã, assim batizada pelo inesquecível Doutor Ulisses Guimarães, além de prever expressa proteção contra ofensa ao direito adquirido, al-bergou, ainda, expressa e implicitamente, vários princípios funda-mentais ao Estado Democrático de Direito, como, por exemplo, o da dignidade da pessoa humana e o da segurança jurídica, com o escopo de impedir que as relações sociais fossem contaminadas por perigosa e indesejável instabilidade, com comprometimento da paz social.

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Todo cidadão tem direito a um mínimo de segurança e de esta-bilidade, devendo ser protegido de mudanças abruptas e arbitrárias, quer nas suas relações de ordem privada, quer na sua relação com o Estado, sob pena de criarmos um ambiente hostil e imprevisível, onde a incerteza e o medo prevaleçam sobre a harmonia e a sere-nidade.

Diante do que venho de expor, forçoso concluir que aos policiais civis do Distrito Federal aplicam-se as regras de integralidade e paridade que defluem da Emenda Constitucional n° 47/2005, bem como as disposições especiais insculpidas na Lei Complementar n° 51/1985, razão pela qual, lamentando dissentir do Corpo Técnico, do Ministério Público de Contas e do nobre Relator, VOTO no sentido de que o egrégio Plenário:

I - tome conhecimento da presente consulta;II - esclareça ao órgão consulente que:a) em relação à paridade: a.1) deixou de ter sede ordinária e passou a ter sede constitu-

cional, em face da expressa revogação do parágrafo único do art. 6º da Emenda Constitucional n° 41/2003 pelo art. 5º da Emenda Constitucional n° 47/2005;

a.2) é aplicável:a.2.1) ao servidor admitido até 16.12.1998 (data de vigência

da Emenda Constitucional n° 20/1998), que poderá se ina-tivar com proventos integrais com fundamento no art. 3º e Parágrafo único da Emenda Constitucional n° 47/2005;

a.2.2) ao servidor admitido no serviço público até 31.12.2003 (data de vigência da Emenda Constitucional n° 41/2003), que poderá se aposentar com proventos integrais com fundamento nos arts. 6º e 7º da Emenda Constitucional n° 41/2003 c/c o art. 2º da Emenda Constitucional n° 47/2005;

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a.2.3) às concessões que tenham por fundamento o disposto no art. 3º da Emenda Constitucional n° 41/2003, o que pre-serva o direito adquirido daqueles que tenham atendido os pressupostos estabelecidos na legislação então vigente.

b) no tocante à integralidade:b.1) é aplicável:b.1.1) aos que ingressaram no serviço público até 16.12.1998,

nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional n° 47/2005;

b.1.2) aos que ingressaram no serviço público até 31.12.2003, de acordo com previsão contida no art. 2º da Emenda Constitucional n° 47/2005 c/c o art. 6º da Emenda Consti-tucional n° 41/2003;

b.2) não é aplicável:b.2.1) aos que se aposentarem por invalidez permanente não

decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei.

c) ao servidor público admitido após a data de vigência da Emenda Constitucional n° 41/2003 (31.12.2003) não se aplicam a paridade e a integralidade, excetuados, na se-gunda hipótese, os casos de incapacidade decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença gra-ve, contagiosa ou incurável, especificada em lei, aos quais é garantida a integralidade na forma da lei (Art. 40, § 1º, inciso I, da Constituição Federal com a redação que lhe deu a Emenda Constitucional n° 41/2003) ;

d) permanece em vigor a Lei Complementar n° 51/1985, enquanto não revogada ou modificada por outra lei com-plementar, consoante estabeleceu o § 4º do art. 40 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda

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R.Tribunal de Contas do Distrito Federal, 34 : 217-241, 2008 241

Constitucional n° 47/2005, tendo em vista ser compa-tível com as novas regras estabelecidas para aposenta-doria comum, em razão do caráter especial atribuído às aposentadorias dos servidores que exercem atividades em condições de risco à saúde e a integridade física, prevista naquele dispositivo constitucional;

e) devem continuar sendo observados os termos da Decisão n° 6.868/2006 (aplicação do Regime Jurídico disciplinado pela Lei n° 4.878/1965, e, subsidiariamente, daquele esta-belecido pela Lei n° 8.112/1990), pois que seus fundamen-tos não se revelam incompatíveis com a recente reforma previdenciária;

III - determine à 4ª Inspetoria de Controle Externo que acom-panhe a tramitação, nos tribunais administrativos e judi-ciais, de feitos que tratem de assunto análogo ao destes autos, mantendo esta Corte informada a respeito;

IV - autorize:a) a devolução dos autos apensos de n° 052.001.598/2005 à

Polícia Civil do Distrito Federal;b) o retorno destes autos à 4ª ICE para fins do disposto no

item III.

Processo n° 38.667/2005 Decisão n° 4.852/2007

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Pareceres

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R.Tribunal de Contas do Distrito Federal, 34 : 245-248, 2008 245

Análise de convênio que trAtA dA liberAção de recursos à ligA dAs

escolAs de sAmbA de brAsíliA

Márcia Farias Procuradora do Ministério Público de Contas do Distrito Federal

Carnaval de 2004. Repasse de recursos, por meio de convênio, à Liga de Escolas de Samba de Brasília – LIESB. Pedido de reexame. Sustentação oral oferecida em 14.06.2007.

I1. Cuidam os autos, nesta fase, de análise dos argumentos ofereci-

dos pelo recorrente (recurso às fls. 149 e seguintes), ao qual foi apli-cada multa nos termos do art. 57, II, da Lei Complementar n° 1/94.

2. São suficientemente conhecidos nos autos todos os argumen-tos jurídicos que conduziram à condenação.

3. Inobstante, há que serem sopesados peculiaridades aplicáveis ao caso que não foram devidamente consideradas.

4. Em primeiro lugar, cabia ao GDF, por meio da Secretaria de Cul-tura, o incentivo para realização do Carnaval 2004. Sem ele, o evento não poderia ter-se realizado. O administrador, neste caso específico, não poderia ter realizado o evento em momento mais oportuno, sana-das as irregularidades apontadas. O Carnaval não poderia ter aguar-dado para ter sido realizado em junho, por exemplo, ou em qualquer outra data que não o período imediatamente anterior à quaresma.

5. Em segundo lugar, referido convênio somente poderia ser re-alizado com a LIESB, única entidade a congregar as escolas de samba do DF, sendo que apenas essas poderiam realizar desfiles carnavalescos.

6. Em terceiro lugar, o Carnaval é evento que consta no calen-dário oficial do Distrito Federal, e, por ser evento nacionalmente

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aguardado, cria expectativas na população em relação a lazer e ge-ração de emprego e renda.

II7. Feitas essas observações, passo a analisar as razões de defe-

sa apresentadas verbalmente pelo recorrente, razões essas que me convenceram da peculiaridade do caso, levaram-me a pedir vista deste processo, e sensibililaram-me em relação ao pleito recursal.

8. Ressalta o recorrente que, na época de realização do Carna-val de 2004, a Secretaria de Cultura adotou todas as providências a seu alcance para sanar as irregularidades apuradas em relação à prestação de contas do Carnaval de 2001, tendo sido apurado débito (de R$ 66.175,24) e parcelado para pagamento. Em acréscimo, a Diretoria então existente havia sido desconstituída e formada nova, que comprometera-se a prestar escorreitamente contas das verbas recebidas em 2004.

9. Quanto a conceder o incentivo às escolas, individualmente, lembra o recorrente que essa sugestão, além de não alterar o cenário em questão – a Liga é justamente constituída pelas escolas – ainda malbareateia a responsabilidade a ser apurada em relação aos diri-gentes da Liga.

10. Parece-me que a questão posta nos autos é de fácil deslinde. Houve, de fato, imprecisão na prestação de contas referentemente ao Carnaval de 2001, e a responsabilidade correspondente deve ser atribuída aos beneficiados pelo repasse, no caso a LIESB, desde que a administração tenha adotado todas as medidas a seu alcan-ce para receber a prestação de contas devida e recobrar os valores não comprovadamente aplicados. É esta, ao que entendo, a situação deste processo.

11. No Processo n° 12/2004, que trata justamente da TCE ins-taurada para apurar prejuízo decorrente do repasse feito em 2001,

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R.Tribunal de Contas do Distrito Federal, 34 : 245-248, 2008 247

ressalta o Ministério Público que “Foram repassados à Liga R$ 717.000,00, dos quais a Entidade não prestou contas, apesar de instada, por várias vezes, a fazê-lo. Tomadas as contas, foram glo-sados os comprovantes considerados irregulares, restando uma di-ferença de R$ 468.009,64.” Assim, foram condenados a LIESB e seu ex- Diretor Presidente (Decisão 1611/2007).

12. É de lembrar, ainda, que, no Processo n° 5884/2006, a últi-ma Informação ressalta exatamente os argumentos oferecidos pelo recorrente, para concluir no sentido de que:

foram atendidos os requisitos disciplinados na legislação supra-transcrita, para que ocorressem novos repasses de recursos financeiros à LIES”, ou seja, “o Senhor Subsecretário de Assuntos Operacionais, assinou ato, em 19/01/06, relativo à suspensão do Termo de Inabilita-ção da Liga das Escolas de Samba de Brasília - LIESB, considerando a constituição de nova Diretoria da LIESB; a instauração da Toma-da de Contas Especial, referente ao convênio n° 009/2001, em curso neste Tribunal; a quitação antecipada do débito constante do Termo de Parcelamento de Crédito de Natureza não tributária da Fazenda Pública do Distrito Federal, no valor atualizado de R$ 77.776,82; a inscrição do débito complementar no valor de R$ 168.731,58, apon-tado no Relatório de Auditoria n° 080/2003 – Corregedoria Geral do Distrito Federal.

13. Por fim, o recorrente lembra que a realização do Carnaval sem os recursos e o apoio da administração poderia trazer trans-tornos à sociedade em geral, no sentido de serem imprevisíveis as ameaças relativamente à segurança pública.

III14. Diante do exposto, entende o Ministério Público que a irre-

gularidade apontada, embora existente, não pode conduzir à ape-nação do recorrente, mas antes deve focar-se no ressarcimento das verbas não comprovadamente aplicadas, e responsabilização dos indivíduos então a cargo da LIESB, como ocorreu no Proces-so n° 5884/2006.

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15. Por outro lado, seria de bom alvitre que, em autos apartados, o TCDF fizesse uma listagem da concessão de recursos à LIESB e acompanhasse a prestação de contas da entidade à administração com celeridade, de modo que irregularidades em um evento pu-dessem ser sanadas a tempo e não viessem a impedir o evento do ano seguinte. Outrossim, poderia a Corte colaborar com a adminis-tração na elaboração de uma cartilha para prestação de contas em relação a eventos como o Carnaval.

16. É o Ministério Público de parecer que o recurso interpos-to nos autos, diante dos argumentos trazidos em defesa oral, seja provido, e, formado o feito que acima se sugere, seja o presente arquivado.

Processo n° 2267/2004Parecer n° 863/2007Decisão n° 4686/2007

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R.Tribunal de Contas do Distrito Federal, 34 : 249-264, 2008 249

AuditoriAs operAcionAl e de regulAridAde reAlizAdAs, respectivAmente, nAs áreAs

de Atendimento AmbulAtoriAl e de pessoAl dA secretAriA de sAúde

Márcia Farias Procuradora do Ministério Público de Contas do Distrito Federal

Auditorias operacional e de regularidade realizadas, respectiva-mente, nas áreas de atendimento ambulatorial e de pessoal da Secreta-ria de Saúde. Deficiências, impropriedades e irregularidades diversas, atentatórias aos princípios da eficiência, eficácia e economicidade. Determinação às autoridades competentes de providências prospecti-vas para otimização da gestão da rede pública hospitalar e corretivas no tocante à cessão de pessoal da pasta auditada (Decisão n° 28/2003). Aferição dos resultados. Aspectos pendentes. Reiteração (Decisões n° 1.388/2005, 4.163/2005 e 1.072/2006). Análise dos esclarecimentos prestados. Proposta do corpo técnico no sentido de considerar parcial-mente descumpridas as determinações, cominar multa ao Sr. Secretá-rio de Saúde e reiterar ações. Cota aditiva uniforme do Sr. Inspetor, dando ainda a conhecer do encaminhamento de pleitos subscritos por parlamentar distrital e pelo MPC/DF, parcialmente conexos à presente matéria. Parecer divergente deste Parquet. Ausência de subsídios para avaliação objetiva das medidas pendentes reiteradas. Respostas pas-síveis de serem colhidas do Processo n° 10070/2005 (auditoria ope-racional na SES), sem prejuízo de outras ações. Pela restituição dos autos à ICE para reinstrução, a par dos parâmetros obtidos, além de outras providências.

1. Histórico dos autosRetornam ao Ministério Público os autos alusivos às auditorias

operacional e de regularidade realizadas, respectivamente, nas áre-as de atendimento ambulatorial e de pessoal da Secretaria de Esta-do de Saúde.

2. Ao apreciar, em conjunto, os resultados do preliminar traba-lho e da fiscalização relacionada à questão tratada no apenso Pro-

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cesso n° 524/2001, o e. Tribunal proferiu a Decisão n° 28/2003 (fls. 229/230), cientificando os então titulares do governo do Distrito Federal e da Secretaria de Saúde das evidências de auditoria que contribuíam para a redução da qualidade do atendimento ao público na área de saúde, atentatórias aos princípios de eficiência, eficácia e economicidade, determinando-lhes, em função disso, a adoção de medidas prospectivas para otimizar a gestão da rede pública hospi-talar e corretivas no que tange à cessão de pessoal da pasta audita-da, o que, nesse último caso, demandaria ações também da alçada da Secretaria de Governo, por força da legislação de regência.

3. Momento seguinte, em face dos resultados de nova inspeção com o escopo de aferir os desdobramentos daquele decisum, a e. Cor-te exarou a Decisão n° 1.388/2005 (fl. 441, cujo item III1 fora reitera-do pelas Decisões n° 4.163/20052 e 1.072/2006), de seguinte teor:

(...) II. recomendar à Secretaria de Saúde do Distrito Federal a adoção de providências quanto à otimização do sistema de saúde, em vista dos pontos a seguir apresentados, os quais serão averiguados em roteiro de futura fiscalização: a) ajustamento na distribuição dos recur-sos humanos, com vista ao adequado aproveitamento da capacidade instalada e da demanda regionalizada (por RA); b) melhoria da manu-tenção das instalações físicas e de equipamentos; c) aperfeiçoamento do sistema de informação da Secretaria, para melhoria da qualidade dos instrumentos gerenciais; III. reiterar à Secretaria de Saúde: a) a necessidade de esclarecer a respeito dos questionamentos constantes dos itens II.a5 e II.a8 da Decisão n° 28/2003; b) a diligência objeto dos itens VI e VIII, letra “c”, da Decisão-TCDF n° 28/2003, alertando de que o descumprimento injustificado pode ensejar a aplicação de multa, na forma estabelecida nos incisos IV e VII do art. 57 da LC n° 01/94; III. autorizar o sobrestamento do exame da matéria tratada no item IX da Decisão n° 28/2003, até a conclusão da TCE em curso na jurisdicionada, autorizando o envio de cópia da instrução de fls.

1 O primeiro com essa numeração, que consta repetida no decisum.2 (...) II - reiterar à Secretaria de Saúde/DF os termos do item III da Decisão nº 1.388/05, enviando-lhe, para tanto, cópia desse “decisum”, bem como da Decisão nº 28/2003, fix-ando o prazo de 30 (trinta) dias para seu cumprimento, alertando-a para a possibilidade de aplicação da multa prevista no art. 57, inciso VII, da Lei Complementar nº1/94; (...).

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393/422 à SES, para subsidiar os trabalhos da referida Comissão; IV. determinar que os demais aspectos abordados na Decisão n° 28/2003 sejam inseridos em roteiro de futura fiscalização” (sic)

4. Desta feita, após conciso histórico dos autos e os exames de sua alçada envolvendo os elementos encaminhados em atendimen-to à sobredita deliberação, a unidade técnica apresenta as conclu-sões seguintes, correlatas às medidas propostas ao e. Plenário às fls. 532/533:

84. O Secretário de Saúde, Senhor José Geraldo Maciel, en-caminhou informações ao TCDF em cumprimento à Decisão n° 1.388/2005 (§ 24, 34/37). Informou, ainda, em cumprimento à Deci-são n° 1.072/2006, o motivo do atraso no atendimento daquela Deci-são. (§ 38)

85. Das análises expendidas, entendem-se insuficientes as medidas referentes aos itens II, “a” e “b”, da Decisão n° 1.388/2005: ajusta-mento na distribuição dos recursos humanos, com vista ao adequado aproveitamento da capacidade instalada e da demanda regionalizada (por RA) e melhoria da manutenção das instalações físicas e de equi-pamentos. (§§ 40/50)

86. O Secretário de Saúde informou a cientificação de Direto-rias a respeito das determinações acima (§ 41). Representou cum-primento apenas formal da determinação da Corte de Contas e afastado do fim desejado pela Decisão do TCDF, que era a adoção de providências visando a otimização do sistema de saúde (§ 36). Esclareça-se que as Diretorias citadas, Recursos Humanos e Enge-nharia e Tecnologia, já estavam cientificadas dos problemas desde 2001, quando da realização de Auditoria de Desempenho na SES pela 5a ICE (§§ 43).

87. Consideram-se, dessa forma, insuficientes as informações prestadas pelo Senhor José Geraldo Maciel e, em conseqüência, não atendidos os itens II, “a” e “b”, da Decisão n° 1.388/2005, razão pela qual será sugerida ao Plenário a aplicação de multa ao Secretário de Saúde por não atendimento, no prazo fixado e sem causa justifica-da, de Decisão do Tribunal, conforme prescrito no art. 57, IV, da Lei Complementar n° 01/1994 e alertado na Decisão n° 1.388/2005 (§ 24). (Sugestão II, “a”).

88. Os itens II, “a” e “b”, contudo, continuam a fazer parte do ro-teiro de fiscalização futura, conforme determina o item II da Decisão n° 1.388/2005.

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89. As informações ofertadas pelo Secretário de Saúde a respeito da carência de leitos hospitalares e consultórios e do elevado volume de aten-dimento emergencial, também foram considerados insuficientes. Esses pontos são reiterações dos itens II, “a5” e “a8”, da Decisão n° 28/2003, presentes no item III, “a”, da Decisão n° 1.388/2005. (§§ 51/60)

90. Cabe destacar que os temas foram considerados atentatórios aos Princípios de Eficiência, Eficácia e Economicidade e redutores da qualidade do atendimento ao público na área de saúde, conforme o item II, “a”, da Decisão n° 28/2003 (§ 7o). Tendo em conta essa con-sideração e a criteriosa abordagem feita pela Equipe de Auditoria da 5a ICE, era esperado, além de necessário, um maior e melhor detalha-mento nas informações prestadas pelo Secretário de Saúde, de modo a servirem de parâmetro de comparação ao cenário identificado pela Equipe de Auditoria da 5a ICE (§ 52).

91. Não foi, entretanto, o que ocorreu. É inegável que informações relativas à abertura de leitos, construção de novas unidades, creden-ciamentos e convênios, são interessantes à sociedade. Contudo, a falta de parâmetros e critérios analíticos, como estimativas de necessidade de internação relativas à população do DF e à população externa (pa-cientes de outros Estados), taxas de ocupação e de permanência nos hospitais, análise dos atendimentos emergenciais em confronto com os ambulatoriais atualizada, não permite a aferição da suficiência das ações relatadas, representando, tão somente, o cumprimento formal do determinado na Decisão.

92. Considera-se, portanto, insuficientes os esclarecimentos pres-tados pelo Senhor José Geraldo Maciel quanto à carência de leitos hospitalares e consultórios e ao elevado volume de atendimento emer-gencial e, dessa forma, não atendido o item III, “a”, da Decisão n° . 1.388/2005, razão pela qual será sugerida ao Plenário a aplicação de multa ao Secretário de Saúde por não atendimento, no prazo fixado e sem causa justificada, de Decisão do Tribunal, conforme prescrito no art. 57, IV, da Lei Complementar n° 01/1994 e alertado na Decisão n° 1.388/2005 (§ 24). (Sugestão II, “b”).

93. É relevante destacar que os temas acima estão presentes nas auditorias que estão sendo iniciadas pela Divisão de Auditoria da 2a ICE, a partir do Processo n° 10.070/2005, conforme o item II da De-cisão n° 1.388/2005 (§ 24). Nesses trabalhos serão avaliados, de for-ma atualizada, parâmetros e critérios necessários à configuração do cenário em relação aos leitos e consultórios hospitalares e ao volume de atendimento emergencial em comparação ao ambulatorial. Por tal razão, deixa-se de propor nova reiteração do item acima citado.

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94. Quanto ao item III, “b”, da Decisão n° . 1.388/2005, no qual o TCDF reiterou à SES os itens VI e VIII, “c”, da Decisão n° . 28/2003, consideram-se insuficientes as informações prestadas apenas em relação ao primeiro: revisão dos atos de cessão de servidores da SES (§ 61/73).

95. O Senhor José Geraldo Maciel trouxe aos autos a informação de que a autorização da cessão diz respeito à Secretaria de Governo. Referiu-se, dessa forma, apenas ao ato de autorização ou não da ces-são, ou seja, apenas à parte final do processo de cessão. Desconsiderou que o cedente, no caso, a SES, de acordo com o preconizado pelo Decreto Distrital n° . 18.054/1997 (§ 69/70), deve se manifestar a res-peito do pedido de cessão.

96. Esse foi, inclusive, o sentido da determinação contida na De-cisão n° 28/2003: revisão dos atos de cessão de servidores da SES em conjunto com Governador do DF, posto inobservarem os Princípios da Publicidade e da Motivação e por reduzirem, injustificadamente, a capacidade de atendimento à população. O cedente e a instância auto-rizativa estavam, portanto, abrangidos na determinação do TCDF.

97. Consideram-se, dessa maneira, insuficientes os argumentos co-lacionados pelo Senhor José Geraldo Maciel e não atendido o item III, “b”, da Decisão n° . 1.388/2005, quanto à revisão dos atos de cessão de servidores da Secretaria, razão pela qual será sugerida ao Plenário a aplicação de multa ao Secretário de Saúde por não atendimento, no prazo fixado e sem causa justificada, de Decisão do Tribunal, confor-me prescrito no art. 57, IV, da Lei Complementar n° 01/1994 e alerta-do na Decisão n° 1.388/2005 (§ 24). (Sugestão II, “c”).

98. Levando-se em conta a importância e a urgência para o in-teresse público que a determinação seja cumprida, será sugerido ao Plenário a reiteração da revisão dos atos de cessão de servidores da SES nos seguintes termos: determine às Secretarias de Saúde e de Governo que, em conjunto e no prazo de trinta dias, observando a legislação pertinente, realizem a revisão dos atos de cessão de ser-vidores da Secretaria de Saúde, posto inobservarem os princípios da publicidade e da motivação insculpidos no art. 19 da Lei Orgânica do DF e por serem contrários aos objetivos prioritários traçados no art. 3º da Lei Orgânica do DF, uma vez que reduzem, injustificadamente, a capacidade de atendimento à população, informando ao Tribunal o resultado dos trabalhos. (Sugestão III)

99. Para fins de atendimento do item “b1”, da Decisão n° 5.063/2003 (fl. 53 do apenso n° 1.148/2002), será sugerido ao Plená-rio que: determine à SES, quando da revisão dos atos de cessão de ser-vidores acima especificada, que comprove a regularização da cessão

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do servidor mencionado no § 83 (Sugestão IV); e encaminhe cópia da referida Decisão para subsidiar o cumprimento da comprovação requerida (Sugestão V, “b”).

100. Em cumprimento à determinação de justificar o atraso no cumprimento da Decisão n° . 1.388/2005, o Senhor José Geraldo Ma-ciel alegou a necessidade de análise pelos diversos setores da Secre-taria (§ 77/81).

101. A alegação não justifica tamanho atraso, uma vez que os se-tores citados já possuíam ciência dos assuntos desde 2001, quando da realização da Auditoria de Desempenho levada a efeito pela 5a ICE (§ 52). A Secretaria de Saúde já detinha, também, conhecimento dos termos da Decisão n° . 1.388/2005, conforme quadro do § 79.

102. Conclui-se pela insuficiência dos argumentos carreados aos autos pelo Senhor José Geraldo Maciel e não atendida a Decisão n° . 1072/2005 quanto à justificativa pelos atrasos no cumprimento da Decisão n° 1.388/2005, razão pela qual será sugerida ao Plenário a aplicação de multa ao Secretário de Saúde por não atendimento, no prazo fixado e sem causa justificada, de Decisão do Tribunal, confor-me prescrito no art. 57, IV, da Lei Complementar n° 01/1994 e alerta-do na Decisão n° 1.388/2005 (§ 24). (Sugestão II, “d”).

103. No mais, oportuno o envio de cópias da presente Informação, jun-tamente com o Parecer e o Voto que vierem a embasar a Decisão a ser pro-ferida, aos Secretários de Saúde e de Governo do DF (Sugestão V, “a”).

5. Posteriormente a esse exame, duas solicitações foram carrea-das ao feito3, de ordem do senhor presidente do TCDF. A primeira, subscrita pela nobre deputada distrital Erika Kokay, requerendo a constituição de grupo de auditores desta Corte para ampla auditoria operacional na SES, “em face da situação de verdadeiro caos em que se encontram os hospitais, postos de saúde e demais unidades que compõem a rede pública de saúde do Distrito Federal”; a segunda, da ilustre procuradora-geral do MPC, Drª Cláudia Fernanda, que, ao se reportar à determinação de cumprimento imediato de decisões exaradas neste feito e a representação de sua autoria alusiva à ca-rência de leitos públicos de UTI no DF (Representação n° 33/2007-CF), instrumentaliza intento de solução célere destes autos.

3 Fls. 534/538 e 543/550.

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6. Passo seguinte à manifestação do digno inspetor da 2ª ICE, à fl. 551, aderindo aos termos da instrução e noticiando o encaminha-mento dado aos referidos pleitos, com destaque ao da representante parlamentar junto à Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da CLDF, vieram os autos ao Ministério Público para emissão de pare-cer, em face do Despacho Singular n° 62/2008 – Auditor – PM.

2. Análise das questões abordadas7. Merecem temperamento as ponderações expendidas pela uni-

dade técnica de apoio como fundamento para a adoção da medida extrema de apenação do Sr. Secretário de Saúde por descumpri-mento de itens da Decisão n° 1.388/2005 e pelo atraso em seu aca-tamento, a teor da Decisão n° 1.072/2006. Senão vejamos.

8. A citada deliberação plenária comporta dois tipos de ações que não devem ser confundidas. Umas, de cunho recomendatório, como as voltadas à otimização do sistema de saúde, e para cuja implementação ou obtenção de resultados careceria maior prazo, razão de se ter diferida a avaliação desse ponto em futuro roteiro de fiscalização; outras, de natureza corretiva, incontinenti, portanto, como as de revisão dos atos de cessão de pessoal da SES.

9. Em relação ao exame das primeiras, balizara-se o órgão técni-co nas constatações da equipe de auditoria da 5ª ICE na fiscalização empreendida em 2001, bem como as resultantes do trabalho conexo realizado, em 2004, no Processo n° 159/1997 (fl. 392), para então concluir serem “insuficientes as medidas referentes aos itens II, “a” e “b”, da Decisão n° 1.388/2005: ajustamento na distribuição dos recursos humanos, com vista ao adequado aproveitamento da capacidade instalada e da demanda regionalizada (por RA) e me-lhoria da manutenção das instalações físicas e de equipamentos.”

10. É inegável, primeiramente, que a alegada cientificação dos setoriais envolvidos nessas ações, Subsecretaria de Planejamento e

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Políticas de Saúde e Diretorias de Recursos Humanos e de Enge-nharia e Tecnologia, como explanado pelo Sr. Secretário, por si só, não atende ao que fora recomendado.

11. De outra parte, contudo, não se vislumbra encartada na refe-rida deliberação plenária, expressamente, tampouco nas que a suce-deram, qualquer admoestação de penalidade ao titular da pasta em face das ações recomendadas para a otimização do sistema de saúde pública, frise-se, constantes do item II da Decisão n° 1.388/2005. Tal possibilidade (de apenação) concernia às providências afetas ao seu item III e, mesmo assim, no seu todo, somente pelo item II da Decisão n° 4.163/2005, por conta de injustificado descumprimento, aspecto que será melhor abordado adiante.

12. É de ressaltar, como já destacado, que referidos aspectos deveriam ser averiguados em oportuna fiscalização na jurisdi-cionada, conforme previsto na própria Decisão n° 1.388/2005, logo, em contexto analítico mais amplo no qual seria possível refletir sobre as rotinas operacionais e a situação institucional existente.

13. Nesse novo trabalho de campo caberia colher subsídios para confrontar com os achados de inspeção que precederam à sobre-dita decisão e ratificaram as conclusões que balizaram a delibera-ção inaugural nos autos (Decisão n° 28/2003), permitindo, de certo modo, por um lado, mensurar o quanto se evoluiu desde então na gestão de saúde pública e, certamente, de outro, aferir a consistên-cia das informações ora reportadas à Corte, de modo mais preciso e objetivo.

14. Oportuno observar, igualmente, que a fiscalização cujos resultados poderiam constituir parâmetro à vertente análise esta-ria sendo desenvolvida, segundo a Instrução, no bojo do Proces-so n° 10070/2005, autuado por força do item IV da Decisão n° 4.701/2002, que determinara auditoria operacional na Secretaria

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de Saúde, inclusa no PGA/2003, com o escopo de avaliar os se-guintes pontos:

1. a situação das instalações, equipamentos e instrumentos;2. sistema de suprimento de medicamentos e insumos; 3. a guarda e gestão de bens, materiais, equipamentos;4. a distribuição, estoque e armazenamento dos materiais e me

dicamentos;5. regular cumprimento de horário dos agentes de saúde, para-

metrizando atendimentos e cessões de servidores; 6. métodos alternativos de gestão, como terceirização de far-

mácias, serviços de manutenção e transporte;7. evolução de custos por paciente;8. demanda de pacientes residentes no Entorno, apresentando

sugestões visando ações globalizadas; e9. elaboração de um comparativo entre a evolução orçamen-

tária na área da Saúde nos últimos 8 anos e o aumento da população (incluindo Entorno), levando em conta, também, a evolução nos custos, por paciente.

15. Nesse diapasão, ao sentir deste Parquet, o presente feito ca-rece de subsídios hábeis a suportar o exame técnico dos desdobra-mentos inerentes aos aspectos recomendados no item II da Decisão n° 1.388/2005, entendendo, pois, não ser o momento apropriado para lançar conclusões a respeito, visto que, no estágio atual, esta-riam sujeitas ao predomínio de subjetivismos, o que poderia com-prometer a conseqüente tomada de decisão pela Corte e debilitar as ações de controle.

16. Caberia, então, avaliar ditos aspectos com esteio nos resulta-dos colhidos no Processo n° 10070/2005, no que fosse pertinente. Haveria também a alternativa de se promover seu exame no bojo daquele autuado. Ao nosso viso, a primeira opção permitiria, a um só tempo, centrar esforços nestes autos, nos quais se encontram

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elementos suficientes com os quais comparar, e agilizar o proces-so decisório, razões, assim, de sua escolha, até em homenagem ao princípio de economia processual.

17. Procede também esse posicionamento no que tange ao exame das justificativas sobre a carência de leitos hospitalares e consultó-rios médicos (recursos físicos) e o elevado volume de atendimen-to emergencial (em contraste com a média nacional e o parâmetro tido por adequado), pontos objeto do item III, “a”, da Decisão n° 1.388/2005, reiterando os itens II.a.5 e II.a.8 da deliberação inicial nos autos.

18. Nesse caso, discorda-se do digno órgão técnico por entender-mos impreciso o balizamento de sua conclusão, quando revela que no trabalho conduzido no Processo n° 10070/2005 seriam “ava-liados, de forma atualizada, parâmetros e critérios necessários à configuração do cenário em relação aos leitos e consultórios hos-pitalares e ao volume de atendimento emergencial em comparação ao ambulatorial” (§ 93 da instrução).

19. Ora, se o exame afeto a esses pontos deveria ser feito naque-les autos, à vista das provas porventura coletadas nos trabalhos de campo, como atribuir, neste momento, sem o concurso de idêntico subsídio, responsabilidade funcional à atual autoridade da pasta de Saúde por falha no acatamento às providências recomendadas pela Corte? Como, ainda, desqualificar seus esclarecimentos (afora sua imaterialidade), apenas sob o senso de inércia administrativa desde a prolação da Decisão n° 1.388/2005, indagação, inclusive, passí-vel de ser controvertida, por serem de conhecimento público ações governamentais que, indiretamente, tendem a minimizar a carência de leitos de UTI na rede hospitalar do DF (como a construção de novas unidades, exemplo dos hospitais do Paranoá e de Santa Ma-ria, este, a ser em breve inaugurado, segundo se veicula), inobstante estejam ainda longe de solucionar o problema?

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20. Ressalte-se que na instrução que precedeu a prolação daque-le decisum, mesmo diante de concisa justificativa do órgão auditado a respeito, assim como no caso presente, o signatário da informação demonstrou cautela, apesar dos elementos materiais de que dispu-nha, entendendo “que a questão deve ser inserta em futuro roteiro de auditoria, para que, in loco, possa-se aquilatar o atendimento desta diligência, juntamente com as demais determinações/reco-mendações pendentes”4 (grifei).

21. Só para argumentar, outro aspecto desfavorável à conclusão ora esposada pelo órgão técnico pode ser extraído do exame das contas de governo do exercício de 2006. Nesse trabalho, consig-nou-se que no programa Atendimento Médico-hospitalar e Ambu-latorial, em relação a 2005, houve significativo incremento na rea-lização de despesas, em termos reais, com destaque para a atividade Ações de Assistência Médico-hospitalar, consistente na realização de exames, consultas, internações e aquisição de material médico-hospitalar, onde se registrou crescimento real de 16,7%.

22. Dessa forma, à míngua de parâmetros hábeis a sustentar eventual conclusão de culpa funcional da aludida autoridade em face das recomendações plenárias pendentes, como transparece na hipótese em comento, não haveria como prosperar, nesta fase, a pretensa cominação da penalidade associada. Do contrário, seria enveredar pelo caminho da arbitrariedade.

23. Carece, então, em síntese, que sejam devidamente aferidos os pontos constantes dos itens II (adoção de providências quan-to: ao ajustamento na distribuição dos recursos humanos, com vista ao adequado aproveitamento da capacidade instalada e da demanda regionalizada (por RA); melhoria da manutenção das instalações físicas e de equipamentos; e aperfeiçoamento do siste-

4 Fl. 414, § 76.

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ma de informação da Secretaria, para melhoria da qualidade dos instrumentos gerenciais) e III, “a” (a necessidade de esclarecer a respeito dos questionamentos constantes dos itens II.a5 e II.a85 da Decisão n° 28/2003), da Decisão n° 1.388/2005, em cotejo com os resultados porventura conhecidos no Processo n° 10070/2005, no que houver pertinência, a serem aqui colacionados, sem prejuízo de outras ações fiscalizatórias, de modo a avaliar o grau de confiabili-dade das justificativas encaminhadas a respeito pelo Sr. Secretário de Saúde.

24. Dito isto, resta-nos apreciar a adequação da proposta ten-dente a atribuir responsabilidade ao gestor por descumprimento à determinação de revisão dos atos de cessão de pessoal da SES, ob-jeto do item III, “b”, da sobredita decisão, reiterando o comando do item VI da Decisão n° 28/2003, porquanto rejeitado seu argumento a respeito.

25. Nas apurações realizadas (neste e em outros feitos, como os que se encontram apensos), aferiu-se que parcela dos referidos atos revelava-se escassamente fundamentada e/ou sob suspeita de desvio de finalidade, uma vez que contrária às opiniões técnicas dos órgãos incumbidos de análise prévia de viabilidade das cessões pretendi-das, sem justificativa aparente, afrontando, assim, os princípios da publicidade e da motivação insculpidos na Lei Orgânica do DF.

26. Nesse tocante, de fato, nada contribuiu a alegação segundo a qual a questão estaria sob a alçada da Secretaria de Governo, por força de norma infralegal de regência (Decreto n° 22.994/02), en-tendimento que já havia sido externado a esta Corte anteriormen-te. Exatamente em razão do impasse envolvendo tal competência e

5 Respectivamente, carência de leitos hospitalares e consultórios médicos (recursos físi-cos), mesmo quando considerada, exclusivamente, a demanda da população local (80%), e volume de atendimento emergencial (48,4%) significativamente superior à médica na-cional (26,87%) e ao parâmetro tido por adequado (15%).

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dos resultados de inspeção realizada na SEG, onde se infere ina-ção da Gerência de Cedidos/Requisitados/Afastados desse órgão no que pertine às suas atribuições de controle (vide §§ 77 a 80, às fls. 414/416), que se fez ordenar à SES, exclusivamente, providên-cias diretas quanto a seu pessoal cedido, sob pena de cominação de multa (item III, “b”, da Decisão n° 1.388/2005).

27. Tampouco prestam os argumentos do gestor de Saúde refe-rente às rotineiras atribuições do Núcleo de Pessoal Cedido/GPA/DRH para equacionar o problema apontado pelo Tribunal, o que o tornaria, assim, passível da penalidade constante no mesmo co-mando.

28. Contudo, presume-se que o descumprimento da medida pos-sa também estar associado a escusável erro de interpretação de nor-ma. Explica-se.

29. Referida unidade setorial da SES, responsável pela adoção da medida demandada pela Corte, teria revelado incompreensão ao se reportar ao titular da Pasta, enunciando que a matéria estaria afe-ta ao crivo da Secretaria de Governo, a cuja autoridade de comando delegou-se competência para praticar atos, entre outros, relaciona-dos à cessão e requisição de servidores no âmbito da Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional, bem como de empresas públicas e sociedades de economia mista do Distrito Federal (atri-buição que era do Secretário de Administração), segundo o Decreto n° 22.994/02.

30. Noutro giro, como bem assinalado pela Instrução, o papel do órgão cedente não foi ofuscado com o advento desse norma-tivo. Compete-lhe, ainda, pronunciar-se e anuir, ou não, sob de-vida motivação, aos pedidos justificados de cessão de seus servi-dores, conforme prescreve o respectivo ordenamento jurídico de regência - Lei n° 1.370/97 e seu respectivo regulamento, Decreto n° 18.054/97, além da Lei n° 2.469/99. Essa última norma, é bom

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frisar, alargou o campo discricionário do chefe do Executivo, nos aspectos da conveniência e oportunidade, para autorizar cessões e requisições fora das hipóteses previstas em lei e, ainda, à margem das manifestações dos órgãos responsáveis.

31. Assim, mormente em função do equívoco interpretativo do escalão subalterno responsável pela solução da diligência, presume-se escusável a inércia do Sr. Secretário na hipótese, apesar de aler-tado pelo Tribunal para as conseqüências do descumprimento, sem causa justificada, da determinação relacionada à demanda (multa pelo art. 57, IV, da Lei Complementar n° 1/94).

32. De qualquer sorte, convém que se persevere a respeito, até mesmo para aferir o nível de controle da SES no tocante à cessão de seus servidores em confronto com as providências supostamen-te adotadas no âmbito de seu Núcleo de Pessoal Cedido, segundo consta à fl. 498.

33. Por fim, em relação ao atraso nos esclarecimentos prestados ao Tribunal pelo Sr. Secretário de Saúde, compreende-se, excepcio-nalmente, não ser motivo, per si, suficiente para lhe imputar pena-lidade, na medida em que se afiguram igualmente extemporâneos a instrução e o trâmite destes autos no Tribunal de Contas, conside-rando-se a época do envio das respostas pelo órgão jurisdicionado.

34. Diante do exposto, lamentando dissentir parcialmente das ponderações e sugestões do zeloso órgão técnico, opina esta repre-sentante do Ministério Público por que o e. Plenário:

I. tome conhecimento das peças acostadas às fls. 487 e 495/508, da informação de fls. 509/533, dos expedientes de fls. 534 e 543, bem como dos documentos que os acompanham, da cota aditiva do Sr. Inspetor à fl. 551 e do presente parecer;

II. determine o retorno dos autos à inspetoria competente a fim de que sejam aferidos os pontos constantes dos itens II (ado-ção de providências quanto: ao ajustamento na distribuição

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dos recursos humanos, com vista ao adequado aproveitamen-to da capacidade instalada e da demanda regionalizada (por RA); melhoria da manutenção das instalações físicas e de equipamentos; e aperfeiçoamento do sistema de informação da Secretaria, para melhoria da qualidade dos instrumentos gerenciais) e III, “a” (a necessidade de esclarecer a respeito dos questionamentos constantes dos itens II.a5 e II.a816 da Decisão n° 28/2003), da Decisão n° 1.388/2005, em cote-jo com os resultados porventura conhecidos no Processo n° 10070/2005, no que houver pertinência, a serem aqui colacio-nados, sem prejuízo de quaisquer outras ações fiscalizadoras a respeito, de modo a avaliar o grau de confiabilidade das justificativas encaminhadas pelo Sr. Secretário de Saúde por meio do Ofício n° 1654/2006-GAB/SES (fl. 496 e ss);

III. reitere à Secretaria de Saúde o comando contido no item VI da Decisão n° 28/2003, por sua vez renovado pelo item III, “c”, da Decisão n° 1.388/2005 e pela Decisão n° 1.072/2006, para que adote, no prazo de 30 (trinta) dias, efetivas providên-cias voltadas à regularização das cessões existentes em seu quadro funcional, informando-as ao Tribunal no mesmo pra-zo, ou, de forma circunstanciada e motivadamente, sob pena de rejeição in limine, justifique eventuais óbices a respeito, alertando-a de que o descumprimento injustificado dessas medidas tornará sujeito o responsável à penalidade prevista no artigo 57, IV, da Lei Complementar n° 01/94;

IV. determine, ainda, àquela pasta que, na adoção das provi-dências suso referidas, comprove a regularização do ato de

6 Respectivamente, carência de leitos hospitalares e consultórios médicos (recursos físi-cos), mesmo quando considerada, exclusivamente, a demanda da população local (80%), e volume de atendimento emergencial (48,4%) significativamente superior à médica na-cional (26,87%) e ao parâmetro tido por adequado (15%).

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cessão do servidor de matrícula n° 131.988-4, nominado no§ 83 da instrução, em atenção ao consignado no item “b.1” da

Decisão n° 5.063/2003, proferida no Processo n° 1148/2001, apenso a este; e

V. autorize o envio de cópia à SES das decisões citadas nos itens anteriores e da que vier a ser proferida nesta fase, bem como dos documentos (instrução, parecer e/ou relatório/voto) que porventura a instrumentalizem, como subsídio à implementa-ção das medidas cabíveis pela jurisdicionada.

É o parecer.

Processo n° 2.948/1999 Parecer n° 315/2008Decisão n° 1.970/2008

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concessão de AposentAdoriA

Márcia Farias Procuradora do Ministério Público de Contas do Distrito Federal

Aposentadoria voluntária com proventos proporcionais. Acumula-ção remunerada de empregos/cargos públicos. Carga horária de 80 ho-ras semanais. Instrução por nova diligência. Parecer divergente, pela legalidade da concessão.

Os presentes autos, que cuidam da aposentadoria de Roseli Ga-lante, vieram ao Ministério Público, por solicitação da Relatora do feito, para manifestação, em especial, sobre acumulação de cargos iniciada antes da vigência da atual Constituição Federal.

2. Consta dos autos que a servidora acumulou empregos/cargos públicos, entre 08.11.1978 e 31.01.1995, na Fundação Educacional do DF e no CNPq (fls. 91 e 92-apenso), período em que se constata, no tocante ao vínculo funcional, as seguintes situações:

• FEDF: 08.11.1978 a 16.08.1990 – CLT 17.08.1990 a 31.01.1995 – RJU• CNPq: 08.11.1978 a 11.12.1990 – CLT 12.12.1990 a 31.01.1995 – RJU3. A Constituição Federal de 1969, que vigia à época do início

da acumulação ora questionada, não estendia aos ocupantes de em-pregos de fundações a vedação imposta pelo seu artigo 99, qual seja, acumulação remunerada de cargos e funções públicas. De toda sorte, com a proibição estendida aos empregos das fundações, pela CF de 1988, a única questão a ser observada no presente caso seria a compatibilidade de horários, pois os cargos eram acumuláveis: um de professor e outro, de natureza técnica.

4. Daí a diligência determinada pelo Tribunal, em 01.07.2004 (fls.26), à Secretaria de Educação, para que fosse apurada a com-patibilidade de carga horária da servidora entre 08.11.1978 e

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31.01.1995, período em que ficou constatada a acumulação de em-pregos/cargos públicos.

5. Agora resta provado nos autos que a ex-servidora cumpria jornada trabalho de 40 horas semanais, tanto na FEDF, quanto no CNPq., perfazendo 80 horas semanais (fls. 91 e 92).

6. A jurisprudência do Tribunal de Contas da União reconhece, como limite máximo, jornada de 60 horas semanais, em casos se-melhantes ao aqui analisado.

7. Também nesse sentido, a Advocacia-geral da União, no Pa-recer n° AGU/WM-9/98, da lavra do Consultor da União, dr. Wil-son Teles de Macêdo, contestou entendimento firmado pela extinta Consultoria-Geral da República que considerou absurda limitação em 60 horas a carga horária semanal, porque o permissivo constitu-cional da acumulação, sem nenhuma outra restrição, condicionou-a somente à compatibilidade horária.

8. Ao divergir, assim discorre o parecerista da AGU a respeito das limitações humanas de servidor submetido à jornada de 80 ho-ras semanais:

14. O princípio da proibição da acumulação de cargos e empregos, inclusive com a ressalva destacada acima, tem por escopo o primado da coisa pública. As exceções estabelecidas não objetivam ‘privile-giar gratuitamente ou diferençar pessoas de forma desarrazoada. Não é em seu proveito que se permitem casos de acumulação. Não é para que um servidor passe a ser mais poderoso ou mais afortunado’ (Co-mentários à Constituição do Brasil, Celso Ribeiro Bastos, São Paulo: Saraiva, 1992, 3º vol, tomo III, p. 123).

15. De maneira consentânea com o interesse público e do próprio servidor, a compatibilidade horária deve ser considerada como condi-ção limitativa do direito subjetivo constitucional de acumular e irrestrita sua noção exclusivamente à possibilidade do desempenho de dois car-gos ou empregos com observância dos respectivos horários, no tocante unicamente ao início e término dos expedientes do pessoal em regime de acumulação, de modo a não se abstrairem dos intervalos de repouso, fundamentais ao regular exercício das atribuições e do desenvolvimen-to e à preservação da higidez física e mental do servidor. É opinião de

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Cretella Júnior que essa compatibilidade ‘deve ser natural, normal e nunca de maneira a favorecer os interesses de quem quer acumular, em prejuízo do bom funcionamento do serviço público’ (Op. Cit.).

16. Em alusão à jornada de trabalho razoável, a que o empregado deve ser submetido, Mozart Victor Russomano opinou que o ‘interesse é da sociedade, porque assim ele poderá ser um homem, fisicamente, apto para o desempenho de sua missão social. Lucrará, ainda, a coleti-vidade, porque, se o empregado repousar, trabalhará mais, produzindo melhor, enchendo o mercado de produtos abundantes e qualificados. O próprio empresário tem vantagens com isso, visto que a qualidade e, até mesmo, a quantidade de seus produtos lhe propiciam lucros mais apreciáveis’. (Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, Rio de Janeiro: Forense, 1990, 13ª ed, vol. I, p. 86).

17. Por mais apto e dotado, física e mentalmente, que seja o servi-dor, não se concebe razoável entenderem-se compatíveis os horários cumpridos cumulativamente de forma a remanescer, diariamente, ape-nas oito horas para atenderem-se à locomoção, higiene física e mental, alimentação e repouso, como ocorreria nos casos em que o servidor exercesse dois cargos ou empregos em regime de quarenta horas se-manais, em relação a cada um.

Ao final, conclui: tem-se como ilícita a acumulação de cargos ou empregos em razão

da qual o servidor ficaria submetido a dois regimes de quarenta horas semanais, considerados isoladamente, pois não há possibilidade fática de harmonização dos horários, de maneira a permitir condições nor-mais de trabalho e de vida do servidor.

10. Este o ponto nodal da questão tratada nos presentes autos. Comungo do entendimento do TCU, no sentido de não se admitir jornada de trabalho de 80 horas semanais, para efeito de compati-bilidade de horários. Em relação ao cargo de que trata o presente processo, resta comprovada a carga horária de 40 horas exercida pela servidora, conforme documentos vistos às fls. 92 e 93.

11. Ocorre que, após a promulgação da CF de 1988, os incisos XVI e XVII do artigo 37, que tratam de acumulação de cargos, empregos ou funções na administração federal, foram regulamen-tados pelo Decreto Federal n° 97.595, de 29.03.1989, cujo artigo 3º dispõe que os servidores que estivessem acumulando cargos,

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268 R.Tribunal de Contas do Distrito Federal, 34 : 265-269, 2008

empregos ou funções na administração federal poderiam optar por um deles, sob pena de responderem a processo administrativo. E mais, determinou que, na hipótese de acumulação de cargos, empregos ou funções federais com estaduais, municipais ou do Distrito Federal, o processo administrativo seria instaurado pelo órgão ou entidade federal (§2º do artigo 5º), no caso, o CNPq.

12. Importante registrar que o ingresso da servidora na FEDF se deu em 26.06.1978, antes, portanto, de sua admissão no CNPq, em 08.11.1978. Por conseguinte, caberia a esse Conselho verificar a compatibilidade de horários da servidora. Se houve abuso ou des-cumprimento das jornadas de trabalho da servidora, o assunto diz respeito tão-somente ao CNPq.

13. Portanto, não se admitindo carga horária de 80 horas se-manais; restando comprovado nos autos carga horária de 40 horas na extinta FEDF; e cabendo ao CNPq a atribuição de consultar os servidores a respeito de opção em casos de acumulação ilícita de cargos, mesmo que com outro do Distrito Federal, a presente con-cessão está apta a ser considerada legal pelo Tribunal.

14. Após análise, o corpo instrutivo, noticiando que a ser-vidora atuou em mais de uma escola e que percebia adicional noturno, sugere nova diligência junto à Secretaria de Educação a fim de que seja apurada a compatibilidade da carga horária exercida pela inativa no CNPq e na extinta FEDF, ressaltando que deverá ser feita a discriminação detalhada das grades horá-rias de ambos os cargos, com vista à verificação da acumulação em exame.

15. Ante todo exposto, lamentando discordar do posiciona-mento do órgão técnico, o Ministério Público é de parecer que o e. Plenário considere legal a presente concessão, sem prejuízo de encaminhar ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq e ao Tribunal de Contas da União, a título de

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R.Tribunal de Contas do Distrito Federal, 34 : 265-269, 2008 269

colaboração, informações a respeito destes autos, para adoção de providências que entenderem pertinentes.

É o parecer.

Processo n° 1.699/2000 Parecer n° 966/2007Decisão n° 5.055/2007

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pensão militAr - revisões pArA inclusão de compAnheirAs

Márcia Farias Procuradora do Ministério Público de Contas do Distrito Federal

Pensão militar. Concessão inicial aos filhos. Revisões para inclu-são de companheiras. Cumprimento parcial de diligência. Instrução propõe legalidade. Acolhimento, no mérito, com recomendações/orientações adicionais.

Cuidam os autos da pensão militar instituída pelo Soldado PM matrícula n° 6.493-9, falecido (na ativa) em 23.02.1996, tendo por beneficiários, originalmente, os filhos consanguíneos, revista para incluir as companheiras nominadas nos autos-, a contar de 22.10.1996 e 13.06.1997, respectivamente, conforme atos conces-sivos às fls. 24/25, 67/68 e 198/199-apenso.

2. Contempla-se, ainda, rateio do benefício promovido por ato publicado no DODF de 12.04.2006 (fl. 211, retificado à fl. 237-apenso), a contar da data de falecimento da pensionista Raquel (14.07.2005), passando cada um dos beneficiários remanescentes a perceber 1/3 da pensão, com base em critérios de legislação super-veniente (Lei n° 10.486/02) à de regência das concessões.

3. Retorna o feito, neste momento, acrescido de documentação e esclarecimentos pertinentes à diligência ordenada pela Decisão n° 2.619/2007, assim vazada:

O Tribunal, por unanimidade, de acordo com o voto da Relato-ra, tendo em conta, em parte, a instrução e o parecer do Ministério Público, preliminarmente, determinou a baixa do processo apenso em diligência saneadora, para que a Polícia Militar do Distrito Fe-deral, no prazo de 60 (sessenta) dias: I – junte o certificado de con-clusão pelo instituidor da pensão, com aproveitamento, de curso de especialização ou habilitação, em conformidade com o art. 3º, inciso III, da Lei n° 10.486/02, que comprove o direito ao paga-mento do acréscimo de 15% na composição da parcela Adicional

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R.Tribunal de Contas do Distrito Federal, 34 : 271-278, 2008

de Certificação Profissional, fixada em 25% (fls. 212 a 217); II – anexe a certidão de tempo de serviço expedida pela Força Armada onde o ex-militar prestou serviço de 1 ano e 29 dias, conforme menção constante à fl. 21; III - esclareça a condição, se inválido ou interdito, do pensionista temporário Wesley Dias da Silva, quando completou 21 anos de idade; IV – caso o desdobramento da medida indicada no item I acima venha ensejar a redução do aludido Adi-cional de Certificação Profissional, dê conhecimento dos fatos aos pensionistas para que, se for de seu interesse, apresentem contra-razões ao TCDF, acompanhadas ou não de suporte material proba-tório, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da respectiva ciência, em homenagem aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

4. Ao reapreciar os autos, a unidade técnica anota que a jurisdi-cionada procedeu à redução da parcela Adicional de Certificação Profissional, no percentual correspondente a 15%, dada a ausência de prova de conclusão, pelo ex-militar, de curso de especialização/habilitação que daria sustento ao pagamento. A seu turno, os pen-sionistas, notificados, não expressaram interesse em exercitar o di-reito de defesa a respeito.

5. Noticia também que não foi possível a apresentação de prova do tempo de serviço prestado pelo extinto policial militar às FFAA, visto que o respectivo certificado, que se encontrava arquivado jun-to à Corporação, foi incinerado, de acordo com normas de mobili-zação de pessoal internas. Contudo, entende que se possa dispen-sar nova exigência a esse respeito, tendo em conta o fator tempo decorrido, bem como por já haver sugestão, em caso similar, para que a PMDF buscasse alternativa ao processo de incineração de documentação probatória necessária às concessões militares, como sua devolução aos interessados.

6. Com respeito ao motivo de permanência do filho maior do ex-militar no rol de beneficiários constante no ato de rateio da pensão, por força do falecimento da irmã consangüínea, consta nos autos que o Diretor de Inativos e Pensionista aprovou pleito do interes-sado naquele sentido, com lastro no artigo 37, inciso I, da Lei n°

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10.486/02, haja vista sua comprovada condição de estudante uni-versitário e menor de 24 (vinte e quatro) anos.

7. Na opinião do órgão técnico:por não se tratar de concessão, mas, sim, da manutenção do benefício

instituído com fulcro em legislação pretérita, uma vez que o ato concessó-rio originário permanece imutável, entende-se que a aplicação da lei mais favorável, com base no princípio da aplicação imediata das leis, justifica a continuidade do pagamento da pensão militar ao filho citado, até o limite de idade determinado pelo dispositivo legal citado anteriormente.

8. Assim, ao atestar a regularidade dos demais elementos consti-tutivos do feito, tirante falhas formais envolvendo os títulos de pen-são, passíveis de serem relevadas por economicidade, pugna por considerar parcialmente cumprida a diligência e legais, para fins de registro, os atos concessórios sob exame.

9. Da parte deste Parquet, no mérito, o direito consagrado pela concessão inicial e suas revisões encontra abrigo no orde-namento jurídico de regência, conforme já enunciado em pro-nunciamento anterior (Parecer n° 414/2007-MF – fls. 16/18), não havendo, assim, nenhum óbice à obtenção de registro pela Corte de Contas.

10. No entanto, por relevante, embora a redistribuição de cotas pen-sionais operada pelo ato de fl. 211-apenso não esteja sujeita ao crivo de avaliação de mérito pela Corte, a teor da Decisão n° 6.734/2003, por não envolver alteração dos fundamentos que balizam a concessão origi-nal, merece temperamento a tese cogitada pela Instrução de “aplicação de norma mais benéfica” em sede de matéria previdenciária, de sorte a permitir a repercussão de inovação legislativa sobre situações jurídi-cas consolidadas à luz de ordenamento jurídico anteriormente vigente. Exemplo disso foi o que se sucedeu quanto ao pleito do filho maior do instituidor da presente pensão militar para manter-se no rol de benefi-ciários, com esteio em critério permissivo de lei superveniente - Lei n° 10.486/02 - ao fato gerador da concessão que titularizava.

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11. Nesse campo, primeiramente, não se pode deixar de realçar que a jurisprudência do egrégio Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que a lei de regência é a vigente ao tempo de con-cessão do benefício (tempus regit actum – Enunciado n° 359), juízo que há muito também impera no âmbito deste Tribunal de Contas, a teor de seu sumular Verbete n° 21.

12. Daí, então, impõe-se responder, essencialmente, à seguinte indagação: alterado o critério de concessão de benefício previden-ciário e sendo este novo critério mais benéfico a quem já titulariza o mesmo benefício concedido com base no que dispunha norma le-gal anterior, poderia ou não a lei nova alcançar esta relação jurídica que se projeta no tempo entre o beneficiário e o Estado? Cuida-se, portanto, de questão de direito intertemporal, que há de ser dirimida pela interpretação do princípio constitucional da irretroatividade das leis previsto no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal.

13. Sem muitas delongas, insta observar que a Corte Suprema julgou recentemente, em conjunto, mais de 4.900 recursos extraor-dinários cuja controvérsia envolvia matéria sensível aos segurados do INSS, e, por que não dizer, a essa própria autarquia, no tocante à possibilidade de a Lei federal n° 9.032/95, que estabeleceu novos critérios para a concessão do benefício previdenciário de pensão por morte, poder ser aplicada – por ser mais benéfica ao segura-do – a situações jurídicas já consolidadas à luz da legislação ante-riormente vigente, na medida em que não havia previsão expressa acerca da retroatividade de seus efeitos.

14. O julgamento, por maioria, consagrou a aplicação do prin-cípio tempus regit actum quanto ao momento de referência para a concessão de benefícios nas relações previdenciárias.

15. Ao compulsar alguns dos votos dos eméritos ministros sobre essa intrincada questão, especialmente o formulado pela Excelentís-sima Senhora Ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha ao relatar o

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RE 420.532-7, percebe-se que o entendimento majoritário contempla a tese de que o reconhecimento do direito à concessão define o regi-me jurídico a ele aplicável, é dizer, não mais estaria sujeito à configu-ração ou à recomposição a cada tempo, salvo disposição expressa.

16. Logo, não havendo qualquer previsão legal específica quanto à extensão temporal dos efeitos das modificações legislativas vol-tada para o passado, e sem olvidar que perfeito é o ato consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou (§ 1º do art. 6º da LICC), todos os critérios vigorantes no momento da aquisição do direito devem ser respeitados pela legislação superveniente.

17. Em outras palavras, uma vez concedido benefício previ-denciário (aposentadoria, pensão etc.), tem-se ato jurídico per-feito e os critérios legais posteriores não o afetam, em nenhuma hipótese, para pior. E, para melhor, apenas mediante disposição legal expressa.

18. Feitas essas considerações, passemos ao caso vertente. A DIP/PMDF analisou o pedido do jovem Wesley sob a ótica da Lei n° 10.486/02, então vigente, que prevê o direito de percepção de pensão militar pelo filho maior de 21 anos, se estudante univer-sitário, até completar 24 anos, inovando em relação ao que pon-tificava, nesse particular, a Lei n° 3.765/60 (e Lei n° 7.289/84, no caso da PMDF), que disciplina as concessões tratadas nestes autos.

19. Como aquele diploma legal não comporta em seu bojo dis-posição expressa quanto à retroatividade de seus efeitos, exceto os financeiros (1º.10.2001, data então fixada na norma convertida, Medida Provisória n° 2.218/01), entende-se que os novos critérios de concessão da pensão por morte de militar nele previstos não se aplicam a benefícios cujos requisitos de concessão tenham-se aper-feiçoado antes de sua vigência, à luz do respeitável posicionamento do STF anteriormente citado.

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20. Nesse sentido, dada a necessidade de preservarem-se os cri-térios adotados quando da data da concessão de benefício de cunho previdenciário, carece sejam orientados tanto a PMDF como o CB-MDF, por terem seus integrantes militares sujeitos a ordenamento jurídico comum, para que atentem quanto à jurisprudência aduzi-da, da qual deflui a impossibilidade de aplicação de lei nova para alcançar relação jurídica que lhe é anterior, seja nos seus efeitos já realizados, seja nos que, por força da natureza continuada da própria relação, seguem produzindo, a partir da sua vigência, salvo expressa disposição legal específica.

21. Esclareça-se, por oportuno, que não se está aqui tratando de regime jurídico remuneratório, sobre o que a Excelsa Corte já as-sentou entendimento axiomático de inexistir direito adquirido à sua preservação, respeitada a garantia constitucional da irredutibilidade de vencimentos1.

22. Vale lembrar, mais, que essa matéria também foi objeto de debate por ocasião de consulta formulada pela própria PMDF acerca da aplicação da MP n° 2.218/01 às pensões militares, abrigada no Processo n° 81/2002. Ao final, a Corte de Contas exarou extensa orientação normativa alinhada com o consagrado princípio tempus regit actum, a teor da Decisão n° 2.064/2003, cujo teor, de outra parte, não parece estar sendo devidamente observado pelo órgão consulente, razão pela qual há que ser alertado para esse particular.

23. Nesse passo, em harmonia parcial com as conclusões do dig-no órgão técnico, o Ministério Público opina pela legalidade dos atos concessórios sob exame, entendendo necessário, porém, aditar as seguintes recomendações/orientações:

a) à PMDF e ao CBMDF, especialmente aos seus respecti-vos setoriais de inativos e pensionistas, na condução dos

1 Acórdãos nesse mesmo sentido, entre tantos, só para exemplificar: MS 24875/DF, MS 22094/DF, RE 344450/DF, RE 378932/PE, RE 275214/SC.

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casos de concessões militares (reformas e pensões) cujos pressupostos tenham-se formado anteriormente à MP n° 2.218/01, porém igualmente passível de ter aplicabilidade em face de futuras inovações legislativas respeitantes ao regime jurídico dessas concessões, à luz do atual ordena-mento constitucional:

a.1) atentem para o entendimento de não ser possível, salvo disposição expressa retroativa, a aplicação de lei nova para alcançar relação jurídica que lhe é anterior, seja nos seus efeitos já realizados, seja nos que, por força da natureza continuada da própria relação, seguem produzindo, a par-tir da sua vigência, tendo em vista os princípios da irretro-atividade das leis (art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal) e tempus regit actum (Enunciados de Súmula n° 359-STF e 21-TCDF), bem como entendimento cristaliza-do em recentes julgados da Excelsa Corte de Justiça acer-ca de matéria similar, a exemplo do RE 420.532-7;

a.2) observem o teor da orientação normativa consubstancia-da na Decisão n° 2.064/2003 (Processo n° 81/2002 – de consulta da PMDF), respeitante ao trato das pensões mi-litares sobrevindas na vigência da MP n° 2.218/01, sem embargo de considerar possíveis ajustes nessa orientação, por força da conversão da MP na Lei n° 10.486/02, e a partir de sua vigência;

a.3) promovam o levantamento, em seus respectivos âmbitos, das situações que porventura não se ajustem aos sobreditos entendimentos, para fins das correções cabíveis, as quais somente devem sobrevir após ciência direta dos militares e pensionistas potencialmente alcançados, em homenagem ao contraditório e à ampla defesa;

b) à PMDF, apenas:

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b.1) retifique a Portaria DIP n° 165, de 09.08.2005, publicada no DODF n° 72, de 02.04.2006, a fim de excluir do rol de beneficiários citados por ser maior de 21 anos à épo-ca dos efeitos do rateio veiculado naquele ato, bem como fundamente o procedimento de transferência de cota-parte da pensão com base na Lei n° 3.765/60, cujos preceitos regem e continuarão disciplinando os efeitos futuros das concessões originadas sob sua égide, como as tratadas neste feito;

b.2) torne sem efeito o ato do Diretor de Inativos e Pensionis-tas visto à fl. 225 do Processo n° 54.000.211/1996-PMDF e seus consectários, bem como promova os devidos ajus-tes financeiros reflexos (partilha da pensão entre as com-panheiras habilitadas), tendo em vista a ausência de com-provação nos autos de que o pretendente não seria inválido ou interdito, conforme prescrito na lei de regência original (Lei n° 3.765/60, art. 7º, item II), e não fazer jus ao bene-fício estatuído no artigo 37, inciso I, da Lei n° 10.486/02, por se tratar de inovação legislativa superveniente ao di-ploma jurídico de regência da concessão que titularizava, tudo à luz dos princípios antes realçados; e

c) à 4ª Inspetoria de Controle Externo, para que inclua o pre-sente feito em futuro roteiro de auditoria junto às Corpora-ções Militares, para aferir, especialmente, a conduta rela-cionada ao constante na alínea “a” supra.

É o parecer.

Processo n° 2.538/1996 Parecer n° 1.490/2007Decisão n° 1.124/2008

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propostA de novA sistemAtizAção de Análise e julgAmento dos processos de concessões

Afetos à 4ª ice

Márcia Farias Procuradora do Ministério Público de Contas do Distrito Federal

Estudos Especiais. 4ª ICE. Redução de estoque de processos de concessões. Histórico do estoque de processos a partir das novas re-gras estabelecidas pela CF de 1988. Instrução sugere modificações na análise das parcelas remuneratórias até implantação do SIRAC. Pare-cer convergente, com adendo.

Cuidam os autos de estudos especiais levados a efeito pela 4ª ICE, em atendimento à determinação do Senhor Presidente do Tribunal, decorrente de sugestão contida no Ofício Circular n° 03/2007-PG, da lavra da Senhora Procuradora-Geral do MPC/DF, visto por cópia às fls. 1/3.

2. Referidos estudos têm por escopo propor uma nova sistemati-zação de análise e julgamento dos processos de concessões afetos à 4ª ICE, com o objetivo emergencial de redução do estoque existen-te, até a efetiva implantação do respectivo módulo no Sistema de Registro de Admissões e Concessões – SIRAC.

1. Das considerações expendidas pela 4ª ICE3. A 4ª ICE, por meio de estudo pormenorizado visto às fls. 6/17,

inicia sua análise salientando o fato de que a CF de 1988, ao alterar o regime jurídico dos empregados de Autarquias e de Fundações Públicas, contribuiu sobremaneira para a elevação significativa do estoque. A partir de então, todos os empregados dessas duas catego-rias de entidades da administração indireta passaram a ser regidos pelo regime jurídico único, cujos atos de inativação estão sujeitos

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à apreciação da legalidade, para fins de registro, pelos Tribunais de Contas.

4. Lembra ainda que, com a edição da EC n° 20/98, ao estabe-lecer novas regras para concessão de aposentadorias, e da Lei-DF n° 1864/98, modificando critérios para deferimento de vantagens, o número de processos submetidos à apreciação do Tribunal teve um aumento bastante significativo, chegando no ano de 1995 a contar com cerca de 11.000 processos.

5. Tal situação ensejou realização de mutirão pelo Tribunal, com o deslocamento de todos AFCEs admitidos em dezembro de 1994 para a 4ª ICE, reduzindo o estoque para 6.000 processos.

6. No entanto, com o retorno dos processos que haviam sido devolvidos, em diligência, aos jurisdicionados, somados aos outros tantos que ingressaram no Tribunal, ao final de 1996, o estoque passou para, aproximadamente, 19.000 processos.

7. Posteriormente, foi implantado o gerador de instruções, ins-trumento que disponibilizava auto-textos para elaboração de instru-ções padronizadas. Entretanto, informa o órgão técnico, sua utiliza-ção foi interrompida após alterações implementadas nos sistemas operacionais utilizados no âmbito do Tribunal.

8. Com a introdução do órgão de controle interno do GDF no processo de análise das concessões, somado à autorização de regis-tro de atos concessórios com falhas formais1, passíveis de correções posteriores, novamente o estoque voltou a ser reduzido.

9. Noticia a instrução que, no ano de 1999, a 4ª ICE e o NIPD iniciaram estudos com vistas à implementação do SIRAC, tendo sido priorizado, entretanto, o desenvolvimento do módulo de ad-missões, com implantação ocorrida em 2005. O módulo referente às concessões será objeto de contratação de empresa especializada.

1 Artigo 11, §§ 1º e 2º, da Resolução-TCDF nº 101/98.

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10. Em outras oportunidades, o Tribunal já se debruçou sobre a questão do estoque da 4ª ICE. O Processo n° 4130/98 cuidou de estudo levado a efeito pela 4ª ICE a respeito de decisões proferidas pelo STF e pelo TCU, no qual se discutiu a forma de o Tribunal de Contas exercitar sua competência constitucional de apreciar os atos de concessões. Foi prolatada a Decisão n° 10.085/1999:

O Tribunal, de acordo com o voto do Relator, decidiu firmar o seguinte entendimento: a) verificada a ilegalidade, tem este Tribunal a prerrogativa de converter os processos referentes a atos sujeitos a registro em diligência, objetivando evitar imediata recusa de registro, devendo expedir orientação ou recomendação que propiciem a ado-ção, pela Administração, das providências necessárias ao exato cum-primento da lei; b) pode esta Corte de Contas determinar a realização de diligências preliminares, objetivando a juntada dos documentos ou informações que possibilitem a apreciação definitiva da legalidade da concessão ou admissão; c) poderá ser levado a termo o registro de ato concessório cujos fundamentos apresentem-se juridicamente perfeitos, ainda que sua materialização, em termos financeiros, possa merecer algum reparo a ser promovido posteriormente de acordo com recomen-dação emanada deste Tribunal; d) o órgão técnico verificará, obrigato-riamente, o cumprimento de todas as decisões exaradas no sentido de serem providenciadas correções “a posteriori”, podendo dar prevalên-cia, se possível, aos métodos de acompanhamento à distância, desde que não seja outra a orientação do Tribunal, no caso concreto.

11. Posteriormente, a 4ª ICE formulou representação2 acerca de questionamento exposto pelo Conselheiro Jorge Caetano, na Sessão Ordinária de n° 3907, de 07.04.2005, a respeito da forma de atua-ção daquela unidade. No entendimento do ilustre Conselheiro, as falhas e os pagamentos atuais, apontados de forma individualizada nos processos de concessões, deveriam ser resolvidos de forma glo-bal em um único processo de auditoria ou inspeção, possibilitando o arquivamento dos processos individuais de concessão. Destaca que, no seu entendimento, essa atribuição não é da 4ª ICE e deveria

2 Processo nº 13.133/2005.

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ser feita por outras Inspetorias, às quais compete realizar auditorias nas folhas de pagamentos dos servidores. Afirma que referida prá-tica irá proporcionar mais celeridade nos exames de concessões.

12. A Decisão n° 1396/2006, exarada no processo acima men-cionado e transcrita às fls. 9/10 destes autos, listou vários procedi-mentos a serem adotados pela 4ª ICE, a fim de que pudesse alcançar maior produtividade no desempenho de suas tarefas.

13. Todavia, informa a instrução que ainda dispõe de conside-rável estoque de concessões a instruir, fazendo projeção para o fi-nal do ano de 2007, estimando que contará com aproximadamente 4300 processos. Afirma que cerca de 25% dos processos analisados e instruídos até o fim do ano em curso não obterão registro definiti-vo, em razão de determinação de medidas saneadoras.

14. Dessa forma, conclui o órgão técnico que a análise dos pro-cessos deverá ser simplificada. Após listar as etapas relativas ao exame das concessões, inferiu possibilidade de ganho de cerca de 70% no desempenho dos AFCEs se houver a supressão da verifica-ção da regularidade das parcelas remuneratórias, da maneira como vem sendo feita. Ou seja, as parcelas que integram os documentos denominados “abono provisório” e “título de pensão” seriam ob-jeto de verificação em futuras fiscalizações, no prazo máximo de cinco anos, a contar do registro da respectiva concessão.

15. Afirma que a verificação de regularidade das parcelas pecu-niárias não será eliminada. Na verdade, o que se está propondo, é uma nova modalidade de análise, utilizando-se do Sistema de Au-ditoria de Pessoal-SIAUP3, com o deslocamento dos servidores que atualmente despendem muito tempo em análise dos processos.

16. Assinala, por fim, que a metodologia proposta deverá viger somente até a implantação do módulo de concessões do SIRAC, mo

3 Processo nº 718/2004: trata da implantação e gestão do SIAUP

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mento no qual o estoque de processos que ingressaram no Tribunal na atual sistemática deverá ser bastante reduzido, facilitando a transi-ção para o novo método de apreciação dos atos de concessões.

2. Dos louváveis esforços já despendidos17. A questão da quantidade de processos para apreciação pelo

Tribunal sempre foi motivo de inquietação. Os problemas existen-tes nessa área, principalmente em período anterior à introdução do órgão de controle interno na análise dos processos de concessão, deveram-se, principalmente, ao modo inadequado de trabalho do jurisdicionado, acarretando grande demanda de tempo na análise dos processos e, conseqüentemente, em determinação de diligên-cias, cujos autos retornavam ao órgão, onde permaneciam por lon-go tempo.

18. Não raras vezes, os processos voltavam ainda com incorreções elementares. Daí surgiu a experiência pioneira no Tribunal, no ano de 1996, pela 4ª ICE, em promover mesas redondas, durante a reali-zação do II SEMAT, objetivando transmitir informações e esclarecer dúvidas dos jurisdicionados, em relação a questões julgadas relevan-tes para os controles interno e externo. Referida metodologia veio a ser implementada, nos anos seguintes, pelas outras Inspetorias.

19. Em 1997, por determinação do então Presidente da Corte, Conselheiro Jorge Caetano, uma equipe de AFCE 4ª ICE passou a realizar inspeção na Secretaria de Administração, órgão centraliza-dor dos atos de concessões à época, com o escopo de, efetivamente, orientar e coordenar cumprimento de diligências do Tribunal.

20. Por outro lado, a cada mudança nas regras previdenciárias que resultam em ameaça de retirada de benefícios ou vantagens, torna-se flagrante a progressiva elevação do número de processos de aposentadoria que ingressam diariamente na Corte.

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3. Da necessidade de adequação das funções de controle externo no setor21. Em que pese todo empenho de vários setores do Tribunal

espelhado no histórico apresentado pela Senhora Inspetora da 4ª ICE, assim como nas informações acrescentadas por esta Procu-radoria, somado ao empenho da equipe altamente preparada e de-dicada de todos integrantes daquela unidade técnica, os resultados não são suficientes para obtenção dos efeitos almejados. É preciso também que a alta direção da Corte leve adiante o estudo de idéias para reestruturação do Tribunal de Contas, louvável iniciativa já em progresso. Um setor para cuidar de assuntos afetos a pessoal na administração pública pode ser necessário numa instituição de controle externo, desde que trate de toda a matéria envolvendo a questão, despesa e receita, ativos e inativos, registros, auditorias, inspeções. Não posso deixar de relembrar aqui o exemplo do GAO – Government Accountability Office, que na década de 40 contava com 14.000 funcionários e ainda assim não conseguia “diminuir o estoque de processos”. Estruturado diferentemente, tem hoje 3.260 funcionários e presta um serviço muito mais palpável e satisfatório a seus clientes.

22. Concordando com o procedimento sugerido pela instrução, no tocante à verificação da regularidade das parcelas remunerató-rias, acrescento sugestão de que seja orientado ao órgão de controle interno que não devem ser remetidos ao Tribunal processos com as seguintes feições:

1) processos que não preenchem requisitos mínimos para aná-lise (documentação faltante ou incompleta);

2) processos contendo melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório, não devendo ser submetidas ao Tribunal, para fins de novo registro;

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3) processos contendo atos que perderam o objeto (como, por exemplo, pensão: maioridade ou óbito de pensionista), os quais não deverão ser examinados por perda de objeto.

23. Deve o Tribunal, ainda, autorizar a 4ª ICE a devolver dire-tamente, sem autuação, processos que ingressem na Corte nessas condições.

24. Repiso por fim a necessidade de imediata implantação do SIRAC, impulsionando-se com urgência o Processo n° 311/98. Su-gerem-se as seguintes medidas, colhidas junto ao TCU, quando da implantação do sistema:

1) processos em diligência no jurisdicionado somente po-derão retornar ao Tribunal por meio da nova sistemática (SIRAC). Para tanto, o status dos processos, ao invés de suspenso, será transformado em encerrado;

2) atos posteriores (revisões, pensões) não poderão ingressar no Tribunal pela sistemática antiga. Deverão ingressar por meio do SIRAC.

É o parecer.

Processo n° 24185/2007 Parecer n° 1159/2007Decisão n° 77/2007

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tomAdA de contAs especiAl - compAnhiA urbAnizAdorA dA novA cApitAl do brAsil -

pAgAmento indevido de bdi sobre fornecimento de equipAmentos de cozinhA industriAl

Márcia Farias Procuradora do Ministério Público de Contas do Distrito Federal

TCE. NOVACAP.

Da matéria discutida nos autos1. Este feito foi instaurado por força da Decisão n° 960/2007,

cuja cópia consta à fl. 251, para análise de TCE em razão de paga-mento considerado indevido, de BDI sobre fornecimento de equi-pamentos de cozinha industrial.

2. Foram citados para recolher o débito referente ao pagamento acima mencionado, no valor de R$ 96.760,41, a serem atualizados, os senhores cujos nomes constam de fls. 255 a 258.

3. A peça de defesa consta de fl. 275 a 310. Pede-se,ainda, a fa-culdade de apresentar sustentação oral (fl. 313).

4. Em essência, discute-se no processo o seguinte. Pretendia a NOVACAP operacionalizar os restaurantes comunitários de três ci-dades satélites. Para tanto, elaborou edital de Tomada de Preços, cujo objeto previa a contratação de empresa de engenharia. A CO-ZIL, empresa de vendas de equipamentos de cozinhas, ofereceu re-presentação ao Tribunal, a qual foi objeto de análise no Processo n° 1090/2002. Naquele feito, entendeu o Tribunal que, para ins-talação de um restaurante comunitário, os serviços de engenharia e os de fornecimento de equipamentos de cozinha poderiam ser dissociados, e por isso a escolha da NOVACAP, de licitar dentre empresas de engenharia, estaria incorreta. Demais disso, como a

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licitação continha em seu objeto ambos serviços de engenharia e fornecimento de equipamentos, a incidência de BDI de 20% seria excessiva, pois, considerando o objeto como duplo, os serviços de engenharia teriam “caráter acessório”.

5. O diligente corpo técnico oferece detalhada análise da maté-ria e sugestões, às fls.318 e seguintes, concluindo por que a defesa deva ser considerada improcedente pelo E. Plenário.

Do posicionamento do Ministério Público6. O feito foi constituído para apuração de “pagamento indevi-

do de BDI sobre fornecimento de equipamentos de cozinha indus-trial”. A irregularidade do pagamento, contudo, não se fundamenta em ilegalidade, e sim no conceito de economicidade vislumbrado, na hipótese, pelo Tribunal. Sustenta-se essa irregularidade na supo-sição de que a Administração estaria a fazer opção mais econômica se tivesse parcelado o objeto do contrato em dois: (1) obras ne-cessárias à instalação de equipamentos de cozinha industrial; e (2) compra dos equipamentos.

7. A economicidade, portanto, sobre a qual fundamenta-se a irre-gularidade apontada no feito, na hipótese refere-se a:

cobrança de BDI sobre todo o objeto do contrato, sendo que 1. apenas uma pequena parcela deste reportava-se a serviços de engenharia; eo fato de que é senso comum afirmar que aumentar a compe-2. tividade aumenta a economia.

8. Assim posiciona-se a instrução (fl. 320):Ressaltamos que a exigência acerca dos valores pagos com o

detalhamento da parcela referente ao BDI se fez necessária em ra-zão de o corpo técnico ter demonstrado que a jurisdicionada po-deria ter licitado a compra dos equipamentos de cozinha indepen-dentemente dos serviços de engenharia necessários à instalação, uma vez que estes, na TP n° 37/02, correspondiam a apenas 10%

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do objeto, como exposto no § 27 da Informação n° 41/02 (fl. 8), transcrito a seguir:

27. Outro ponto fundamental que deve ser discutido é que os preços unitários de fls. 57 não discriminam o que é equipamento do que é serviço de engenharia além do fato de estarem esses per-centuais ausentes nos autos administrativos da NOVACAP, afron-tando o que preceitua o Inciso II, § 2º, artigo 7º da Lei n° 8.666/93. Todavia, a evidência de que os serviços são meramente acessórios nessa licitação, se confirma mediante as três cartas encaminhadas pelas empresas contratadas, fls. 239/241, onde pede-se a dispensa da garantia contratual em vista de ser o objeto constituído em 90% de material e 10% de serviços. A licitação nessas condições acabou por levar a um orçamento com incidência do BDI de 20% sobre os preços de equipamentos.

Na Informação retro mencionada, à folha 12, ainda esclare-ceu-se:

51. Ao licitar os equipamentos de cozinha agregados aos servi-ços de engenharia a NOVACAP provocou a incidência de BDI de 20% sobre os preços de equipamentos, o que é uma desproporção, considerando o caráter acessório das obras civis para instalação, confirmado mediante as cartas encaminhadas pelas empresas ven-cedoras, mencionadas no parágrafo ‘27’ .

9. O caráter acessório dos serviços de engenharia, ao qual alude a instrução, é fundamentado em cartas encaminhadas pelas empresas contratadas, com o objetivo de verem dispensada garantia contra-tual. Para esse fim, alegam que o objeto do contrato era constituído de 90% de fornecimento de material e apenas 10%, de serviços de engenharia. Essa assertiva não pôde ser comprovada nos autos, e os defendentes alegam que decorre puramente de interesse econômico dos contratados.

10. Afirma ainda o corpo técnico (fl. 335):69. Entendemos que o prejuízo aos cofres públicos resta su-

ficientemente demonstrado à luz de todo o exposto. Seria provar o que é senso comum: a ampliação da competitividade acarreta economia (...).

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11. Com as vênias de estilo, entendo não poder o E. Plenário concordar com essa assertiva. O “senso comum” não pode, por si só, servir de base para apenação Na hipótese vertente, talvez o par-celamento teria propiciado ampliação da competitividade. Talvez teria proporcionado economia para a Administração. Talvez não. Talvez a Administração contrataria obra que, após executada, por um ou outro motivo não se adequaria perfeitamente ao equipamen-to fornecido por meio de contrato diverso. Talvez tivesse de encon-trar espaço alternativo para guardar o equipamento até que a obra fosse refeita pelo primeiro contratado. As situações possíveis são inúmeras. Por outro lado, resta provado nos autos que a incidência de BDI é cabível em compra de materiais e prestação de serviços; é razoável, contudo, que seja diferenciado daquele pago por obras. Talvez, contudo, o BDI de 20% já seja razoável o bastante para a Administração, para que incida sobre todo o objeto; vê-se que, em todos os precedentes citados, o percentual é bem superior a 20%, inclusive no contrato trazido pelos defendentes, do MPDFT (fls.293 a 397).

12. Penso que o que deve o Tribunal verificar é se a Administra-ção agiu dentro da lei e com razoabilidade. A economicidade é um dos critérios de avaliação que norteiam os julgamentos do Tribunal, não o único. Nesse diapasão, não posso deixar de concordar com o Ministro do TCU, Augusto Sherman:

Entendo que cabe à Administração, com vista a preservar o patri-mônio público (no caso, uma frota de 98 veículos (fl.375)), arbitrar quais as exigências a serem colocadas em edital, desde que não direcione a licitação, para se resguardar de possíveis licitantes sem capacitação para assumir um contrato cuja complexidade e materia-lidade foram previamente definidas pelo administrador. (Acórdão n° 195/2003, do TCU, citado na defesa e na instrução; os grifos não são do original).

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R.Tribunal de Contas do Distrito Federal, 34 :287-291, 2008 291

Conclusão13. Não é possível vislumbrar ilegalidade ou falta de razoabi-

lidade na conduta dos apenados, na qualidade de administradores. Por outro lado, não se poder provar que, de fato, a opção da Ad-ministração foi anti-econômica. Assim, é impossível afirmar que o pagamento de BDI de 20% sobre todo o objeto do contrato foi irregular. Incabível, portanto, a imputação de débito, apurado pela Inspetoria em R$ 124.973,92 (fl. 336).

14. Diante do exposto, o Ministério Público opina por que o E. Plenário tome conhecimento da defesa apresentada, e a considere procedente, determinando em seguida o arquivamento dos autos; contudo, em homenagem ao princípio da ampla defesa e atendendo ao requerimento feito pelos defendentes, preliminarmente sugere-se que seja deferido o pedido de sustentação oral apresentado.

É o parecer.

Processo n° 12721/2007 Parecer n° 1313/2007Decisão n° 253/2008

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