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    Para Franois Jullien, pensar a China significa sair do movimento pendular entre Atenas e Jerusalm,encarnado pela filosofia europeia

    Gunter Axt

    Franois Jullien especializou-se em pensamento chins e afirmou-se como um importante terico do dilogointercultural no contexto do mundo globalizado. Considerado um dos principais pensadores franceses daatualidade, professor na Universidade Paris 7 Diderot, onde dirige o Instituto do PensamentoContemporneo. membro snior do Instituto Universitrio da Frana, j presidiu o Collge International dePhilosophie e a Associao Francesa de Estudos Chineses. Atualmente, dirige a revista Agenda do

    Pensamento Contemporneo , editada pela Flammarion. Desempenha tambm papel de consultor paraempresas ocidentais que desejam se instalar na China. Seus livros esto traduzidos em mais de 20 pases. Ofil-sofo vem ao Brasil neste ms para palestras em So Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre e para olanamento de seu livroO Dilogo entre Culturas Do Universal ao Multiculturalismo (Jorge Zahar).

    Nesta entrevista concedida CULT, em Paris, Jullien fala de seu interesse pela China e das diferenas entrealteridade e exterioridade, bem como entre universal, uniforme e comum, conceitos que considerafundamentais para a compreenso da dinmica do dilogo entre as culturas. Aborda, ainda, temas como opapel do intelectual na atualidade, os limites dos direitos humanos, e defende a construo de um novouniversalismo, baseado na diferena e refratrio ao relativismo cultural.

    CULT Por que fazer da China o tema de sua pesquisa?

    Franois Jullien No incio me interessei pelo pensamento grego, mas depois pela China porque elapossui uma exterioridade marcante em relao cultura europeia. Exterioridade de lngua, j que o chinsno pertence grande tradio indo-europeia; de histria, j que os contatos da Europa com a China se

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    tornaram mais frequentes apenas a partir do sculo 16, na esteira das misses de evangelizao, e ganharamintensidade na segunda metade do sculo 19, como desdobramento do processo colonial moderno. Apesar dasdiferenas, ambas, Europa e China, so comparveis. No se trata de buscar o exotismo da China, mas deevidenciar quanto ela um caso particularmente tipificado e com forte exterioridade em relao culturaeuropeia. Minha abordagem filosfica. Trabalho sobre um pensamento constitudo e explicitado, com oobjetivo de reinterrogar o pensamento europeu a partir de fora.

    CULT Qual a diferena entre exterioridade e alteridade?

    Jullien Sim, eu mencionei exterioridade e noalteridade , porque a exterioridade algo dado pelageografia, pela lngua, pela histria: pode-se constatar. Por sua vez, a alteridade uma construo cultural. A China est alhures; mas em que medida ela se constitui em umoutro ? o que Foucault chamavaliteralmente, em As Palavras e as Coisas , de heterotopia da China, distinta da utopia. As utopias confortam,as heterotopias inquietam.

    Mais do que a diferena do pensamento extremo-oriental com relao ao europeu, h uma indiferenanutrida tradicionalmente entre esses termos. O primeiro desafio sair da indiferena mtua, de maneira queum possa visualizar o outro, numa mudana de enfoque que suscite o pensar.

    CULT Quais seriam os outros modos de inteligibilidade no mundo contemporneo,paralelos tradio judaico-crist e ao racionalismo ocidental?

    Jullien Contrariamente ao que pretende a histria ocidental da filosofia, o Extremo Oriente no ficou emestado pr-filosfico. Ele inventou seus marcos de abstrao, conheceu uma diversidade de escolas e explorououtras fontes de inteligibilidade.

    H um benefcio duplo nesse percurso intelectual da China. Alm da descoberta de outra inteligibilidade,sonda-se at onde pode ir essa desterritorializao do pensamento. Mas o deslocamento implica tambm umretorno. Do ponto de vista da exterioridade, cabe retornar aos pressupostos a partir dos quais se desenvolve arazo europeia. So pressupostos ocultos, no explicitados, que o pensamento europeu veicula como umaevidncia. O objetivo aqui remontar ao impensado do pensamento, captando a razo europeia ao inverso, apartir de sua exterioridade.

    Pensar na China justamente sair do grande movimento pendular entre Atenas e Jerusalm, encarnado pelafilosofia europeia.

    CULT Quais as consequncias dessa compreenso para a percepo da Chinacontempornea?

    Jullien Eu proponho a noo de potencial de situao para compreender a concepo chinesa deeficcia . Apanho-a dos estrategistas da Antiguidade, como Sun Zi e Sun Bin. Mais do que modelar umafrmula ideal colocando-a como uma meta, o que implica forar a impregnao dessa meta na realidade,aquilo que vem a sereficcia na China se aplica a demarcar, a detectar os fatores favorveis existentes no seioda situao abordada. A ideia fazer evoluir continuamente a situao em funo dos fatores que podem serrevelados, de maneira que da situao mesma decorra o efeito. Assim, se hoje no favorvel, prefervelesperar, mais do que se destroar enfrentando uma situao adversa. por isso que prefiro para a China otermo eficincia, mais do que eficcia. Eficincia permite compreender a continuidade de umdesdobramento e, ao mesmo tempo, a arte de captar sua imanncia, sem evidenciar a imposio de umprojeto.

    Donde decorre uma segunda noo: a de transformao silenciosa. Ora, diferentemente do heri europeu,que no apenas estabelece uma meta como age de maneira que propicia a forma ideal que traou, um dostemas mais marcantes do pensamento chins o no agir, que no deve de forma alguma ser compreendido

    no sentido de passividade ou de ausncia de engajamento. Se o estrategista no age, ele transforma, fazlentamente evoluir a situao no sentido desejado, por influncia. Enfim, a transformao manifesta-se comoo contrrio da ao. Enquanto esta local, momentnea e ligada a um sujeito especfico, a outra global eprogressiva. Ns no a vemos, mas ela acontece. Como o envelhecimento de uma pessoa, que percebemosquando a comparamos com uma fotografia de 20 anos atrs. O pensamento chins dissolve a individualidade

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    do evento no processo.

    CULT Mas de que maneira essa transformao silenciosa se realiza hoje na China?

    Jullien A China, ainda hoje, no me parece estar projetando um plano sobre o devir, perseguindo um fimdado ou divisado, mesmo imperialista, mas sim parece estar explorando da melhor maneira possvel, dia apsdia, seu potencial de situao . Quer dizer, tirar partido dos fatores favorveis, seja no domnio econmico, nopoltico, no internacional, e em qualquer ocasio. apenas agora que comeamos, um tanto estupefatos, a

    constatar os resultados: em alguns decnios, ela converteu-se na usina do mundo e nos prximos anos seupotencial crescer inelutavelmente. E isso sem um grande evento ou ruptura. Deng Xiaoping, o pequenotimoneiro, foi o grande transformador silencioso da China. Ele empurrou gradualmente a sociedade chinesa,alternando liberalizao e represso, do regime socialista ao hipercapitalismo, sem jamais ter declarado umaruptura franca entre os dois.

    Vejamos, por exemplo, a imigrao chinesa na Frana. Ela estende-se de um bairro a outro, com cada recm-chegado trazendo, um aps o outro, todos os seus primos. As celebraes chinesas ganham ano a ano maisimportncia. Mas essa transio to contnua que ns no a percebemos, e no a barramos.

    So necessrias ferramentas tericas especficas para compreender a China contempornea, com esse regime

    hipercapitalista sob a redoma comunista apoiada em estrutura hierrquico-burocrtica. O Partido ComunistaChins j se transformou muito. A China renovou suas elites, de uma gerao a outra, graas s temporadasde estudo e estgios no exterior. Mas o partido permanece como estrutura de poder. Uma das minhas grandesadmiraes perceber que a China jamais conheceu outro regime que no a monarquia. Fala-se na Chinaapenas do bom ou do mau prncipe, da ordem ou da desordem. E, mesmo, considera-se que um mau prncipe melhor do que a anarquia. H, sim, momentos em que o poder chins fracassa, mas eu jamais vi aparecer oideal de poltica no senso das formas-modelo de Plato, Aristteles ou Montesquieu, as quais constituemregimes distintos, cujas qualidades intrnsecas ns cotejamos.

    CULT Como o senhor caracteriza e diferencia os conceitos de universal, comum e uniforme?

    Jullien Ouniversal exprime um conceito da razo, emergindo da tradio europeia, e se reclama comouma necessidade a priori , confundindo-se com a elevao do pensamento e com a prpria cincia. Assinala,assim, uma intransigncia inegocivel.

    O uniforme um conceito da produo, que se projeta no por necessidade, mas por comodidade. A nicaracionalidade que pode ser atribuda ao uniforme a da gesto e a da economia. Enquanto o universalapoia-se na ordem da lgica e do prescritivo, o uniforme repousa sobre a imitao. Assim, se o universalsuscita ostensivamente a rebelio, aquela da singularidade, o uniforme se contenta em acalmar as resistnciasao seu redor e se funde paisagem. Sua potncia cumulativa: quanto mais se propaga, mais se impe. Ouniforme produz a estandardizao e, assim como o universal, pode ofender o individual ou o singular,chocando-se com a diferena.

    O comum poltico. Diz respeito quilo que se compartilha. O comum no o parecido. Ele dado por umanoo de pertencenimento, que conforma comunidade, e pode se legitimar em progresso, por extensogradual, como que delineando nveis sucessivos de comunidade aos quais um indivduo ou grupo pode serintegrado. Trata-se, portanto, de um termo de dupla face, ao mesmo tempo inclusivo e exclusivo, pois, aoincluir determinado perfil, ele pode excluir outro, por negao. A tendncia histrico-filosfica do comum mais forte no sentido de se descerrar do que de se fechar. O comum evolui de um espao de incluso e deconvergncia para um local onde as particularidades se diluem, onde os interesses privados e especficos brandem suas contradies em igualdade de condies, com transparncia, possibilitando a emergncia dodilogo e da poltica.

    CULT A Declarao dos Direitos do Homem est no plano do universal? Em sua opinio,

    quais as consequncias disso?Jullien o universal que se afirma na Declarao dos Direitos do Homem. O Ocidente tenta imp-la atodos os povos do mundo, independentemente de sua cultura, como um dever, exigindo subscrioincondicional, padro que j foi anteriormente forado goela abaixo dos prprios europeus. A fabricao do

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    universal foi excntrica, nascendo de mltiplos projetos que culminaram na Declarao dos Direitos doHomem, de 1789. Objeto de interminveis negociaes e compromissos, o texto final uma associao defragmentos, que ignorou os pontos de disputa. Apesar da pressa com que foi feito, alou-se a um estatutoideal e necessrio, revestindo-se de aura mtica. Mas o fato de ter sido constantemente reescrito, daConstituio francesa de 1793 Declarao da ONU de 1948, j mostra que sua suposta universalidade no um fato consumado. Impostos na poca moderna, os Direitos do Homem promovem uma dupla abstrao,tipicamente ocidental, que fonte de contradio: dos direitos e do homem. Ela isola o sujeito,privilegiando a emancipao, consagrada como fonte da liberdade, e, alm disso, isola o homem de seu

    contexto vital, estabelecendo as dimenses social e poltica como dependentes de uma construo posteriorque garanta sua existncia. A criao do universal desvincula o humano de seu mundo, estabelecendo umadramtica contradio.

    Na ndia, por exemplo, no se concebe uma ordem natural da qual o ser humano no faa parte. A integrao estabelecida at a partir dos animais, que para os indianos so dotados do poder de compreenso e deconhecimento e podem j ter sido homens antes de renascerem como bichos. Ali, o homem to poucoexcepcional que sua vida e morte carecem de significado, sendo destinadas a se repetir indefinidamente. Nose evidencia um princpio de autoconstituio poltica a partir da qual os direitos do homem devam serdeclarados. Enquanto para o pensamento europeu a liberdade a ltima palavra, para o Extremo Oriente aharmonia. Sob esse aspecto, a ndia comunica-se efetivamente com a China por meio do budismo. L, oOcidente que produz uma exceo ao introduzir a ruptura que isola o homem. No Isl, o medo do juzo final,elemento primeiro da f, reduz os direitos humanos insignificncia. Claro que hoje a noo ocidental dosdireitos humanos existe em pases orientais como enxerto estrangeiro. Afinal, os jovens chineses da Praada Paz Celestial, quando se mobilizam, sabem que tipo de mensagem esto transmitindo para o Ocidente. Porque os orientais foram praticamente forados a aprender esse significado e os ocidentais, por sua vez, nocompreendem a viso dos orientais?

    CULT possvel a construo de um novo universalismo capaz de contemplar a diferena,mas sem se diluir na miragem do relativismo cultural?

    Jullien Sim, e isso pode se dar pela interculturalidade, pelo dilogo efetivo entre as culturas. A chance deescapar pretenso de universalismo aplastante, de um lado, e, de outro, ao abandono relativista das diversas

    culturas s suas prprias perspectivas singulares e aos seus destinos nicos a grande oportunidade da pocaem que vivemos. Somos a primeira gerao qual a mundializao permitiu viajar mais livremente entre asculturas, no sentido em oposio uniformizao estril justamente de se poder circular porinteligibilidades diversas e promover, com elas, umainteligncia comum coisa que no tem nada a ver, bementendido, com uma cultura nica.

    Voltemos, como exemplo, aos direitos humanos. Como conceito, como abstrao separada da sua cultura deorigem, eles podem ser comunicados aos outros povos. Como abstrao, os conceitos podem ser manejveis,identificveis e transferveis, tornando-se um instrumento privilegiado de dilogo. A radicalidade conceitualdos direitos humanos est em se apropriar do humano em seu estgio fundamental, como recm-nascido.Essa concepo transversal e emerge em outras culturas.

    O filsofo chins Mncio estabelece a conscincia da piedade como essencial ao humano. Qual homemassiste indiferente cena na qual uma fera arranca dos braos da me uma criana de colo? Na piedade, umindivduo identifica-se com o seu semelhante. Aqui, em vez de intersubjetividade, existe transindividualidade,no sentido de que todos os indivduos esto ligados a uma essncia. Para todo homem, portanto, existealguma coisa que ele no faz e que ele no pode suportar que acontea aos outros.

    Conhecer o outro humanizar e ampliar a moral, restabelecendo a possibilidade de sua refundao epermitindo buscar uma moral que admita a crtica da suspeita.

    Assim, como ferramenta de protesto, como instrumento insurrecional, os direitos humanos alcanam umautilidade mais ampla, abrindo brechas numa totalidade satisfeita, acendendo ou reacendendo nela umaaspirao, dimenso que pode gozar grande utilidade para todas as culturas. Por essa razo, valeria a penaabrir mo da pretenso universal dada em benefcio de uma perspectiva universalizante, que sinaliza para aideia de que o universal est em curso e pode operar como agente promotor, adaptando-se s especificidadesculturais. Assim, se deslocaria a questo do terico para o prtico, da verdade para o recurso.

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    Enfim, um humano desviado por suas diferenas e estabelecido na autorreflexo no corre, ao contrrio doque se poderia imaginar, riscos de se decompor. Pois se permitir a emergncia de um universal liberado dosuniversalismos instalados aos quais costumamos nos render, destravado das totalidades dadas, desfeito deseus revestimentos ideolgicos. Um universal que no cessar de desimpedir renovadamente as condies depossibilidade de um comum sempre ameaado pelo estreitamento. E, assim, o senso de humano noconhecer mais limites para crescer e se desenvolver.

    CULT Como se processa esse dilogo intercultural?

    Jullien sobre o plano cultural, mesmo entre os Estados-nao, que se jogam a partir de agora osprincipais confrontos. A pretenso do Ocidente universalidade o leva cada vez mais a entrar em conflito comoutras civilizaes, em particular o Isl e a China. O dilogo emerge aqui como opo e em oposio aochoque. No se trata, portanto, de afirmar a noo de identidade cultural fundada sobre a diferena e,sobretudo, sobre uma concepo simplista e reducionista que caracteriza as culturas com base em seus traosmais bvios, o que inevitvel fonte de antagonismos, mas de reconhecer a fecundidade dos distanciamentose das diferenciaes culturais como fonte a ser explorada.

    Samuel Huntington vale-se, assim, de instrumentos rudimentares de determinismo cultural para alcanarconcluses reacionrias. Por que fundar, por exemplo, a pretenso de uma tradio europeia sobre ocristianismo e no, tambm, sobre o atesmo?

    Ao contrrio, o pensamento contemporneo est precisamente engajado num dispositivo de autorreflexo dohumano. O humano reflete-se no sentido de se visualizar e de se meditar quando confrontado ao diverso.Ele descobre-se por meio das facetas iluminadas e desdobradas pelas mltiplas culturas, na traduo desentidos entre uma lngua de partida e uma lngua de chegada, na descategorizao e na recategorizao detradies de pensamento.

    O dilogo uma estrutura eficiente e operante que obriga cada uma das partes a reelaborar suas concepes.Mas em qual lngua se daria esse dilogo? Digo, sem temer o paradoxo: cada um dialoga na sua lngua deorigem, mas traduzindo outra. A traduo obriga a reelaborar conceitos do outro no seio de sua prpria

    lngua, portanto a reconsiderar seus prprios implcitos, para torn-los disponveis eventualidade de umsentido alternativo. Longe de ser uma deficincia, como obstculo e fonte de opacidade, a necessidade detraduzir que faz trabalhar as culturas entre elas mesmas. A traduo, a meu ver, a nica tica possvel domundo global que vem a. por isso que penso serem os tradutores profissionais a chave no mundo queestamos construindo.

    CULT Uma sociedade pode erguer-se a partir da espinha da interculturalidade?

    Jullien Talvez o Brasil seja um pas que no apenas faz permanentemente um dilogo intercultural com oexterior, como ainda efetua um dilogo intercultural interno. A, as fronteiras entre a cultura popular e acultura erudita parecem ser tnues. Da mesma forma, o pas parece estabelecer pouca resistncia sinfluncias culturais exgenas, o que no implica uma descaracterizao local ou uma vassalagem. Estmulosinternos e externos parecem estar em permanente estado de fuso.

    CULT Qual a funo do intelectual na sociedade contempornea?

    Jullien Na era da mundializao, o engajamento do intelectual no mais o posicionamento extremado,em busca de uma radicalidade de princpios, que conduz ao antagonismo de posies. Consiste em revelar porquais vias aquilo que parece ruim, ou mau, aquilo que conforma a alteridade encerra fontes inexploradas ouinvisveis para a descoberta de uma fecundidade possvel e cooperativa. E, ainda, num movimento inverso ecomplementar, em incentivar a diferenciao do pensamento, rearranjando as possibilidades do dissenso deforma que trabalhe ao encontro do consenso, no qual o pensamento, quando no inquirido, est sempreameaado de adormecer e de se estiolar.

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