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ISSN 1679-2483

REVISTA

Volume IX n. 2/2010Brazilian Journal of Labour Studies

DIRETORIAPresidente 1 Presidente 2 Vice-Presidente 1 Secretrio 2 Secretrio 1 Tesoureiro 2 Tesoureiro Ivan Targino Moreira Silvia Arajo Magda Barros Biavaschi Roberto Vras Marco Aurlio Santana Darcilene Gomes Ana Cristina Brito Arcoverde UFPB UFPR ABET UFCG UFRJ FUNDAJ UFPE

CONSELHO FISCAL Maria Cristina Cacciamali Rosana Aparecida Ribeiro Jos Maral Jackson Filho USP UFU FUNDACENTRO/RJ

SUPLNCIA DO CONSELHO FISCAL Marcos Tavares Lauro Mattei Ana Cludia Moreira Cardoso UESB UFSC DIEESE

EDITORES DA REVISTA ABET Maria Cristina Cacciamali (USP) Rosana Ribeiro (UFU)

GRUPO DE CONSULTA E APOIOSadi Dal Rosso (UNB) Jos Dari Krein (UNICAMP) Marcia Leite (UNICAMP) Francisco Filho (DIEESE) Alexandre de Freitas Barbosa (CEBRAP) Maria Aparecida Bridi (UFPR) Amilton Jos Moretto (UNICAMP)

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LTDA. EDITORA LTDA. Todos os direitos reservados

Rua Jaguaribe, 571 CEP 01224-001 So Paulo, SP Brasil Fone (11) 2167-1101

Produo Grfica e Editorao Eletrnica: R. P. TIEZZI Projeto de Capa: FBIO GIGLIO Impresso: LTr 4458.3 Maio, 2011

ABET Associao Brasileira de Estudos do Trabalho FEA/SP Av. Prof. Luciano Gualberto, 908 FEA II sala 102 So Paulo SP; Cidade Universitria CEP 05508-010 Secretria: Adriana M. O. Maria Fone: (11) 3091-5870 Fax: (11) 3813-4743; Home-page: http://www.abet-trabalho.org.br E-mail: [email protected]

Agradecemos a colaborao dos pareceristas abaixo, que contriburam para que o nmero 2, volume X, ano 2010 da Revista ABET, fosse publicado: Aldacy Coutinho UFPR Alexandre Barbosa USP Ana Cludia Moreira Cardoso DIEESE ngela Arajo UNICAMP Anselmo Luis dos Santos UNICAMP Azuete Fogaa UFJF Carlos Alberto Lucena - UFU Cassio Calvete DIEESE Darcilene Cludio Gomes - Fundao Joaquim Nabuco Elina Pessanha UFRJ Fernando Augusto Mansor de Mattos UFF Fernando Coutinho Cotanda UFRGS Hildete Pereira de Melo Hermes de Araujo - UFF Ivan da Costa Alemo Ferreira UFF Joo Batista Pamplona - PUC/SP Joo Sabia UFRJ Jos Dari Krein UNICAMP Jos Siqueira Neto UPM Lcia Emlia Nuevo Barreto Bruno USP Karen Arthur UFSC Mrcia Leite - UNICAMP Maria Aparecida Bridi UFPR Paulo de Martino Jannuzzi - ENAP Roberto Fragalle Filho UFF Tarcisio Patrcio de Arajo - UFPE Vladimir Sipriano Camillo USJT

Revista ABET uma publicao semestral, plural e interdisciplinar da Associao Brasileira de Estudos do Trabalho que tem por objetivo divulgao de trabalhos, ensaios e artigos de carter tcnico- cientfico vinculados aos estudos do trabalho CONSELHO EDITORIAL Afranio Catani Universidade de So Paulo Arnaldo Lopes Sssekind Academia Nacional de Direito do Trabalho Carlos Alberto Ramos Universidade de Braslia Carlos Minayo Gomes Fundao Osvaldo Cruz Carlos Romero Universidad Central de Venezuela Cludio Dedecca Universidade Estadual de Campinas Elina Pessanha Universidade Federal do Rio de Janeiro Elsio Estanque Universidade de Coimbra Eduardo Luiz Gonalves Rios-Neto Universidade Federal de Minas Gerais Huw Beynon Cardiff University Hildete Pereira de Melo Hermes Arajo Universidade Federal Fluminense Joo Luiz Maurity Sabia Universidade Federal do Rio de Janeiro Jos Francisco Siqueira Neto Universidade Presbiteriana Mackenzie Jos Paulo Zeetano Chahad Universidade de So Paulo Ivan Targino Moreira Universidade Federal da Paraba Marco Aurlio Santana Universidade Federal do Rio de Janeiro Maria Cristina Cacciamali Universidade de So Paulo Mrcia Leite Universidade Estadual de Campinas Martha Novick Universidad de Buenos Aires Nadya Araujo Guimaraes Universidade de So Paulo Oscar Ermida Uriate Universidad de La Republica del Uruguay Paulo Eduardo de Andrade Baltar Universidade Estadual de Campinas Pierre Salama Universidade Paris XIII Ricardo Luiz Coltro Antunes Universidade Estadual de Campinas Russel Smith Washburn School of Business Santos Miguel Ruesga Benito Universidade Autnoma de Madrid Ulrich Beck Munich University

SUMRIO

SINDICATO, DEMITIDOS E DESEMPREGADOS ENTRE A UNIDADE E A FRATURA: O CASO DOS METALRGICOS CAMPINEIROS ............................................................................................ 11 Laid off and Unemployed from the Metallurgical Industry In Campinas: Between Unit and Fracture Davisson C. C. de Souza CAIXA DE FERRAMENTAS DE METODOLOGIAS DE CONCERTAO PARA QUALIFICAO PROFISSIONAL ................................................................................................................................ 32 Toolbox of Conciliation Methodologies for Professional Qualification Processes Emlia Wanda Rutkowski; Alessandro Sanches Pereira; Ana Elisa Spaolonzi Queiroz Assis; Ernestina Gomes de Oliveira; Milena Pavan Serafim; Rafael Costa Freiria; Rogrio Bezerra da Silva; Sonia Gyssela Hernandez Macedo O TEMPO DO TRABALHO PRODUTIVO E REPRODUTIVO NA VIDA COTIDIANA .......................... 53 The use of Time between Productive and Reproductive Work in Daily Life Maria Betnia vila EMPREGO E CONDIES LABORAIS EM EMPRESAS DE TELEATENDIMENTO NO BRASIL, 2003-2008 .................................................................................................................................... 71 Employment and Labor Conditions in Call Centers SERVICES in Brazil, 2003-2008 Daniel Gustavo Mocelin O MOVIMENTO S INDICAL D IANTE DA R EFORMA DAS SUAS I NSTITUIES: V ISES E CONTRADIES .............................................................................................................................. 98 Trade Union Movement in face of its Institutional Reform: Views and Contradictions Regina Coeli Moreira Camargos 50 ANOS DE LUTA DOS TRABALHADORES POR REAJUSTES SALARIAIS .....................................122 Five Decades of Working Class Struggle for Wage Increases Crystiane Leandro Peres; Miguel Huertas Neto; Rafael Soares SerraoRevista ABET vol. IX n. 2/2010 9

DINMICA DAS OCUPAES NO BRASIL EM DUAS DCADAS DE BAIXO CRESCIMENTO ECONMICO ..................................................................................................................................143 Employment Dynamics in Brazil in Two Decades of low Economic Growth Alexandre Gori Maia; Waldir Jos de Quadros ACORDO COLETIVO ENTRE MMC E SIMECAT: COMPARAO COM A LEGISLAO TRABALHISTA ...............................................................................................................................162 Collective Agreement between MMC and SIMECAT: Comparison with the Labor Legislation Alexander Dias Siqueira; Rosana Ribeiro DIFERENAS DE RENDA DO TRABALHO NO BRASIL: 2004 E 2007 ..........................................187 Labor Income Differences in Brazil: 2004 and 2007 Paulo Baltar; Eugenia Leone; Roberto A. Z. Borghi NORMAS DA REVISTA ABET ..........................................................................................................205

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SINDICATO, DEMITIDOS E DESEMPREGADOS ENTRE A UNIDADE E A FRATURA: O CASO DOS METALRGICOS CAMPINEIROSLAID OFF AND UNEMPLOYED FROM THE METALLURGICAL INDUSTRY IN CAMPINAS: BETWEEN UNIT AND FRACTURE

Davisson C. C. de Souza (*)

Resumo: O trabalho analisa as aes do Sindicato dos Metalrgicos de Campinas diante das demisses em massa ocorridas na categoria entre 1990 e 2002 e do Movimento de Desempregados que atuou no municpio entre 1997 e 1998. Partindo da leitura de boletins sindicais e entrevistas com sindicalistas e militantes desempregados, busca-se evidenciar as contradies entre o discurso e as prticas da entidade. Como objetivo terico, prope-se uma anlise da relao do sindicalismo com os demitidos e os desempregados. Considerando fatores polticos, econmicos, ideolgicos e institucionais, exploram-se os principais conflitos de interesses e as possibilidades de ao conjunta entre os grupos analisados. Palavras-chave: Sindicalismo no Brasil; demisses; movimento de desempregados. Summary: This article analyses conflicts and cooperative actions of two social movements in Campinas: the Metal Workers Union during the massive dismissals, between 1990 and 2002, and the Unemployed Movement, between 1997 and 1998. The purpose is to highlight contradictions between practice and speech of the Union. This issue will be analyzing from data of newspapers and interviews with activists The theoretical goal of this paper is to presenting an interpretation about the relationships between unionism, dismissals and unemployed. Considering political, economical, ideological and institutional aspects, the paper analyses the conflicts of interests and the possibilities of united actions among those groups. Key-words: Unionism in Brazil; dismissals; unemployed movements.

O desemprego considerado pelo prprio sindicalismo como um dos principais

(*) Professor Adjunto do Departamento de Cincias Sociais da Universidade Federal de So Paulo (campus Guarulhos). E-mail: [email protected].

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inibidores da ao sindical. Alm de provocar a diminuio da base e das finanas das entidades, enfraquece seu poder de mobilizao e capacidade de resistncia por conta do medo da demisso instaurado entre os trabalhadores que permanecem ocupados. O movimento sindical tambm reconhece inmeras dificuldades para desenvolver uma ao eficaz contra a eliminao de postos de trabalho, entre as quais podemos destacar: a relao de foras desfavorvel com as empresas quando essas decidem demitir, especialmente por conta da ausncia de mecanismos institucionais que garantam espaos democrticos de negociao coletiva com os empresrios; a ideologia e prtica corporativista da dirigncia sindical; e a competio estrutural no interior da classe trabalhadora. Entre os fatores que dificultam a representao e organizao poltica dos desempregados, bem como a construo de uma ao conjunta com esse segmento, os sindicalistas citam algumas caractersticas consideradas prprias do grupo: a disperso, a fragmentao, o isolamento, a transitoriedade, o individualismo na busca de alternativas para a sobrevivncia, a heterogeneidade, a falta de recursos materiais e a baixa autoestima. O objetivo desse trabalho refletir sobre como o Sindicato dos Metalrgicos de Campinas e Regio (SMCR) atuou diante dessa problemtica.(1) Ao analisar a trajetria dessa entidade, observamos que o tipo de sindicalismo que defende est enraizado na militncia da Oposio Sindical Metalrgica (OSM) na regio, entre o final dos anos 1970 e o incio dos anos 1980 (POSSAN, 1997). Aps a vitria nas eleies de 1984, a diretoria eleita teve como principais bandeiras o fim do assistencialismo e das contribuies compulsrias, a organizao no local de trabalho, a democracia colegiada e a liberdade e autonomia na organizao sindical. Conhecido no interior do sindicalismo brasileiro como um smbolo de resistncia, o SMCR se define como combativo, independente, classista, democrtico e organizado pela base. Essas bandeiras ainda permanecem aliceradas na entidade, que durante a dcada de 1990 se posicionou contrria ao sindicalismo propositivo praticado pela ala majoritria da Central nica dos Trabalhadores (CUT). Como atuaram os metalrgicos campineiros diante das demisses ocorridas na categoria? Houve iniciativas de ao conjunta com os demitidos do setor e com os desempregados de maneira geral? Seu discurso e suas bandeiras de luta resultaram em uma prtica particular no cenrio sindical brasileiro? Para refletir sobre tais questes, utilizamos como fontes de pesquisa os boletins sindicais publicados no perodo estudado e entrevistas com oito dos principais diretores da entidade atuantes entre 1990 e 2002.(2) O perodo escolhido se caracteriza pela adoo das polticas de orientao neoliberal no Brasil e por um processo de reestruturao das empresas, que provocaram demisses massivas em diversas regies industriais do pas. No setor metalrgico da regio campineira, houve uma reduo de cerca de 70.000 para pouco mais de 40.000 trabalhadores na base no intervalo estudado (ver Tabela 1).

(1) Este artigo apresenta parte dos resultados de minha dissertao de mestrado sobre as aes do Sindicato dos Metalrgicos de Campinas e Regio diante do desemprego entre 1990 e 2002 (SOUZA, 2005). O trabalho foi realizado na Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da USP sob a orientao de Heloisa H. T. de Souza Martins. (2) As entrevistas sero citadas neste atigo de acordo com a ordem de apario na dissertao de mestrado (Entrevistado 1, 2, 3...) a partir do cdigo E1, E2, E3...

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Tabela 1 Evoluo do emprego na indstria metalrgica da regio de Campinas, 1986-19981986 63.308 1987 66.176 1988 67.324 1989 71.095 1990 62.929 1991 57.502 1992 50.591

1993 49.600

1994 55.059

1995 49.570

1996 43.919

1997 46.390

1998 43.798

Fonte: Arajo & Gitahy (2003).

Observamos a maneira como a questo foi includa nas manifestaes, nas propostas e na pauta de reivindicaes do SMCR junto ao patronato e ao governo. Tambm analisamos o comportamento da entidade diante das demisses em massa, dos processos de reintegrao de demitidos ilegais, das experincias de organizao em processos de falncia e do movimento contra o desemprego que atuou na regio entre 1997 e 1998. Buscamos selecionar eventos que se remetiam trajetria do trabalhador que vivencia o desemprego, desde a situao de demitido, quando ainda permanece a possibilidade de resistncia no interior da fbrica, at a condio de desempregado propriamente dito, quando perde sua filiao institucional com a entidade sindical. Nesse sentido, assim como diferenciamos a luta contra a demisso da luta contra o desemprego, estabelecemos uma distino entre a ao conjunta com o demitido e a ao conjunta com o desempregado. Trataremos a seguir do comportamento do SMCR diante das demisses em massa e do processo de aliana e fratura da entidade com os trabalhadores sem emprego. Tambm realizamos um breve levantamento das mobilizaes mais importantes ocorridas contra a ameaa de demisses e de alguns casos que no se enquadravam no critrio escolhido para a definio de demisso massiva, mas que contou com importantes protestos de resistncia. Por fim, vale ressaltar que este estudo busca avanar no debate sobre o processo de formao de unidade e fratura entre o exrcito de operrios ativo e de reserva, no qual se insere a relao poltica entre o sindicalismo e os desempregados.

1. AS DEMISSES NO SETOR METALRGICO CAMPINEIROAs demisses ocorridas na categoria metalrgica campineira ao longo dos anos 1990 foram feitas a partir de dois tipos de estratgias empresariais: a demisso continuada, na qual a empresa reduz significativamente o nmero de trabalhadores de maneira paulatina ao longo de um determinado perodo, e a demisso em massa, quando se demite uma grande quantidade de trabalhadores atravs de um nico corte. Especialmente nas grandes empresas, essas medidas apareceram combinadas. Entre os principais motivos para a reduo de postos de trabalho na regio, verificamos que no caso campiRevista ABET vol. IX n. 2/2010 13

neiro foram: a mudana de planta, o fechamento de sees, o corte de gastos e, em alguns casos, a falncia seguida de fechamento da fbrica. Aps esse processo, as empresas passaram a trabalhar com um nmero menor de trabalhadores, introduzindo um novo padro de relaes industriais que alterou a definio de grande indstria como um estabelecimento com milhares de trabalhadores que centralizava o conjunto das etapas produtivas. De acordo com dados citados por Arajo e Gitahy (2003), entre 1989 e 1998 houve uma reduo de 47,9% para 24% no nmero de empresas com 1.000 ou mais trabalhadores na regio. Porm, houve um aumento de 26,3% para 47,7% do total de empresas com at 249 funcionrios, e de 39,8% para 60% do conjunto de estabelecimentos com at 499 trabalhadores. Os dados consultados permitem concluir tambm que dos 27,3 mil trabalhadores que a categoria perdeu ao longo dos anos pesquisados, cerca de 20,5 mil se concentram no perodo de 1990 a 1992, o que atesta a profundidade dessa problemtica durante o governo Collor. Mesmo com breves lapsos de recuperao, como em 1994 e 1997, o setor no voltaria a contar a mesma quantidade de trabalhadores do incio da dcada. Ao contrrio, se consideramos o primeiro mandato de FHC (1995-1998), observamos que houve uma nova reduo de postos de trabalho que impactou ainda mais o emprego na regio. As demisses em massa se concentraram nos dois primeiros anos do governo Collor e no primeiro mandato de FHC, perodos caracterizados pelo aumento significativo da abertura comercial no setor. O primeiro foi marcado por uma onda generalizada de demisses em empresas de todos os nveis, inclusive entre os pequenos e mdios estabelecimentos. O segundo foi caracterizado predominantemente por falncias e demisses em massa nas grandes fbricas. Durante a pesquisa, selecionamos os casos das empresas que demitiram massivamente. Os casos de demisso continuada no foram considerados em seu conjunto pela dificuldade de se localizar de maneira precisa as empresas que adotaram essa medida. No entanto, faremos referncia a alguns casos emblemticos que apareceram nos documentos consultados. A definio de demisso em massa nesse estudo foi feita com base em um recorte que fornecesse um total de casos significativos para a anlise. Um critrio possvel seria estabelecer um percentual do total de demitidos em relao ao total de trabalhadores da empresa. Entretanto, com este procedimento apareceriam inmeros casos de pequenas empresas que contam com um nmero pequeno de trabalhadores, e seriam desconsiderados eventos em empresas com um nmero absoluto de trabalhadores demitidos mais expressivo. A segunda dificuldade seria obter, para cada caso citado, o nmero de trabalhadores da fbrica no ms da demisso para extrair os ndices, informao que os boletins e o setor de homologao geralmente no trazem com preciso. Ao construir a amostra, selecionamos os casos de demisses de mais de 100 trabalhadores, o que nos ofereceu um total de 16 eventos (ver Tabela 2), volume de material que consideramos suficiente para a anlise.

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Tabela 2 Demisses em massa por empresa no setor metalrgico de Campinas, 1990-1999(3)Ms/Ano N. de demitidos Ms/Ano N. de demitidos Jan. 1990 400 Jan. 1990 260 Maio 1990 600 Jan. 1991 160 Fev. 1991 600 Ago. 1991 123 Set. 1991 500 Set. 1995 500

Fev. 1996 1203

Fev. 1996 207

Set. 1996 920

Jan. 1997 1528

Mar. 1998 211

Maio 1998 228

Nov. 1998 450

Fev. 1999 300

Fonte: Sindicato dos Metalrgicos de Campinas e Regio.

Desse total, apenas os casos da Cobrasma, de 1997, e da Ibaf, de 1998, sero discutidos em um item parte, pelas particularidades que apresentam diante dos demais. A seguir faremos uma cronologia das aes sindicais diante dessas demisses.

2. AS AES DIANTE DAS DEMISSES EM MASSAEm janeiro de 1990, a Cobrasma demitiu 400 trabalhadores e a Nativa, 260. No caso dessa ltima, que tinha na poca 350 funcionrios, a demisso correspondeu a 70% de seu quadro. O Sindicato considerou o corte como um processo arbitrrio de demisses em massa. No caso da Cobrasma, a empresa chegou a demitir cipeiros e doentes ocupacionais, protegidos pela legislao com estabilidade (Demisses em massa..., 1990). Nos documentos lidos, no h referncia sobre mobilizaes diante dessas demisses. A entidade se restringiu a admitir seu fraco poder de barganha, reconhecendo sua impotncia diante da arbitrariedade patronal e da conivncia do Estado quando o assunto se relaciona diretamente com os interesses da propriedade privada e do lucro: Todos sabemos que as leis protegem os patres (Idem). O Sindicato considera que, uma vez que estas j tenham sido efetuadas, a possibilidade de ao contra as demisses seria muita reduzida. No entanto, atribua-se a responsabilidade de fiscalizar as intransigncias das empresas, como se pode observar no esforo feito pelo setor jurdico da entidade nos processos judiciais de reintegrao de demitidos ilegais e na cobrana feita s empresas pelo cumprimento da lei, pagando os direitos que correspondessem aos trabalhadores. Como se pode ler no prprio boletim da entidade: quando as demisses j ocorreram (como na Cobrasma e na Nativa) resta ao sindicato tentar negociar e atravs de seus departamentos de Sade e Jurdico obrigar as empresas a pelo menos respeitarem a legislao. Sobre a estratgia de construir uma(3) Entre 2000 e 2002, as fontes consultadas no registram casos de demisso de mais de 100 trabalhadores.

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ao poltica para que a demisso no ocorra, o Sindicato argumenta que: (...) necessrio a organizao, participao e ao de todos os trabalhadores. Para concretizar tal medida, adverte: vamos nos defender: se comearem boatos de demisses em sua fbrica, vamos resistir. Comunique-se imediatamente com o sindicato, no assine nada, organizem-se e no saiam da fbrica (Idem). Em maio de 1990, a Nardini demitiu cerca de 600 trabalhadores. Os demitidos decidiram protestar acampando na porta da fbrica para que a empresa abrisse negociao para discutir a recontratao. Os documentos consultados no indicam um protagonismo da direo sindical nesse protesto. possvel verificar, no entanto, que os trabalhadores da fbrica no aderiram mobilizao, que foi esvaziada sem que as readmisses ocorressem. Em janeiro de 1991, a Hawera, que estava com salrios e frias atrasadas e sem depositar o Fundo de Garantia do Tempo de Servio (FGTS), demitiu seus 160 trabalhadores. Segundo consta em boletim, em julho de 1994 o Sindicato conseguiu uma liminar para retirar todas as mquinas e equipamentos da empresa como garantia de pagamento dos direitos trabalhistas: as mquinas e todos os equipamentos da empresa esto guardados pelo sindicato e j encaminhamos uma petio para concluir uma avaliao do montante de bens da empresa para garantir o pagamento dos companheiros (Vitria..., 1994). Em fevereiro de 1991, a Clark demitiu cerca de 600 trabalhadores, correspondente a 17% de seu quadro (Aumentam..., 1991). A demisso foi vista pelo Sindicato como de responsabilidade do faco collorido do governo. A entidade fez a denncia, mas no organizou qualquer ao de resistncia. Em agosto de 1991, a Bendix dispensou 123 trabalhadores por justa causa. A entidade organizou um movimento em que os trabalhadores ficaram vrios dias acampados na porta da fbrica exigindo que a empresa retirasse o motivo demissional e indenizasse os trabalhadores. Motivado pelo carter intransigente da demisso, o protesto foi considerado vitorioso pelo Sindicato, pois resultou no pagamento dos direitos rescisrios dos trabalhadores, mesmo sem ter havido a readmisso. O evento foi assim relatado pela entidade: [...] contando com a colaborao de toda categoria, que contribuiu financeiramente, alm dos trabalhadores da Bendix que ameaaram parar novamente, caso a empresa no retirasse a justa causa, a Bendix no teve outra sada: no dia 10 pagou todos os 123 companheiros. Este foi um exemplo de que, com solidariedade de todos, podemos derrubar a intransigncia patronal que, mesmo contando com a represso policial, teve que ceder. (Demitidos da Bendix..., 1990). Em outro processo de demisso em massa ocorrido no ms seguinte, a entidade no demonstrou o mesmo poder de resistncia. Em setembro de 1991, a Nardini demitiu 500 trabalhadores. No houve qualquer ao de protesto do Sindicato, que se restringiu a denunciar a poltica do Governo: Infelizmente, quem mais sofre com a recesso e caos socioeconmico, que Collor nos impe, so os trabalhadores (Desemprego..., 1991).16 Revista ABET vol. IX n. 2/2010

Aps um perodo de estancamento entre 1992 e 1994, as demisses em massa voltaram a ocorrer em 1995, quando Fernando Henrique Cardoso iniciou seu primeiro mandato presidencial. Em setembro desse ano, a unidade da Mercedes Benz de Campinas anunciou uma demisso de 450 trabalhadores.(4) Os 3.900 funcionrios reagiram com uma greve de oito dias. Conforme consta em boletim, a reivindicao principal do protesto foi a suspenso das demisses e estabilidade para todos (Continua..., 1995). Apesar da presso dos trabalhadores, a empresa no voltou atrs em sua deciso. O Sindicato, por sua vez, afirmou que a atitude dos companheiros da Mercedes deve ser um exemplo para todos os trabalhadores (Trabalhadores da Mercedes..., 1995). Poucos meses depois, em fevereiro de 1996, a empresa realizou uma das maiores demisses do perodo estudado: 1.203 trabalhadores. A entidade organizou um ato de protesto de um dia, a partir do qual a empresa teve que rever sua posio e negociar com o Sindicato. A negociao contemplou itens como compensao salarial de 4 e meio a 6 salrios, de acordo com o tempo de trabalho na fbrica, ampliao da carncia do convnio mdico e a readmisso de trabalhadores que tinham estabilidade no emprego (Faco..., 1996). A estratgia adotada pelo Sindicato foi de diminuir os prejuzos logo que as demisses foram consumadas, j que no foi possvel a recontratao do conjunto dos trabalhadores. Tambm em fevereiro de 1996 a CCE demitiu 207 trabalhadores. O tipo de resistncia e de negociao feita pela entidade foi semelhante, assim como a intransigncia do patronato nas negociaes para manter sua deciso. Segundo consta em boletim, a empresa [...] colocou bate-paus e um grande aparato policial para tentar intimidar os trabalhadores. [...] Apesar disso, o sindicato e os trabalhadores reagiram. Houve negociao na CCE e conseguimos impedir novas demisses por dois meses, uma carncia de 90 dias no convnio mdico e a reviso das demisses de trabalhadores com doena ocupacional (adquirida no trabalho). (Mercedes e CCE..., 1996). Com essa demisso, a CCE passou a produzir com um nmero reduzido de funcionrios, at que em 2002 fechou as portas, quando contava com cerca de 80 trabalhadores, dos quais 50 eram portadores de doenas do trabalho ou vtimas de acidentes (CCE..., 2002). Em julho de 1996, a Mercedes voltou a anunciar um novo processo de demisses e os cerca de 2.000 trabalhadores da empresa fizeram uma paralisao de 24 horas. Segundo um dos boletins, a mobilizao ocorreu [...] porque a empresa cancelou uma reunio que havia marcado com o Sindicato para discutir a situao das demisses. Aps o protesto, a Mercedes aceitou negociar com a entidade e em seguida abriu um voluntariado para dispensar 920 funcionrios a partir de setembro (Greve na Mercedes..., 1996). Os trabalhadores fizeram uma greve de 14 dias para tentar reverter a situao, reivindicando a garantia de estabilidade (Luta por estabilidade..., 1996). Mas a deciso(4) Em outro boletim, o Sindicato afirma que a demisso atingiu 500 trabalhadores. Ver: Na Mercedes..., 1995.

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patronal se manteve e a unidade, que j chegou a contar com mais de 4.000 mil trabalhadores, em setembro tinha pouco mais de 1.000 funcionrios. Segundo consta em boletim do Sindicato, com a desativao da montagem de nibus em Campinas a empresa praticamente fecha as portas. (Trabalhadores da Mercedes..., 1996).(5) A Mercedes foi comprada pelo grupo Daimler Chrisler, que continuou demitindo. Em junho de 2002 foram demitidos 70 trabalhadores da unidade campineira. No h referncia na documentao consultada de qualquer mobilizao. Na avaliao do Sindicato: a histria a mesma de sempre, reduo de custos por causa de crises e coisa e tal. Portanto, s a mobilizao dos metalrgicos e metalrgicas poder impedir que os patres continuem demitindo como vm fazendo (Mais desemprego..., 2002). Em maio de 1998, a Nardini, de Americana, demitiu por telegrama 228 trabalhadores. Segundo consta em boletim, os demitidos e mais 1100 ex-funcionrios da empresa no haviam recebido devidamente seus direitos. Os trabalhadores da fbrica fizeram uma paralisao de um dia em solidariedade aos demitidos e disseram estar mobilizados para evitar o calote. O mesmo artigo traz a informao de que, no ano anterior, os operrios ficaram acampados em frente fbrica por 139 dias por atraso de salrios. De acordo com o documento consultado, Houve ampla mobilizao na cidade e eles conseguiram que a empresa assinasse um acordo. Mas at hoje a Nardini no pagou a dvida com eles de oito meses de salrios e outros direitos que somam 6,5 milhes de reais (Nardini..., 1998). Em fevereiro de 1999, a GE-Dako demitiu 300 trabalhadores e anunciava novas demisses. No dia 31 de maro, seus 2.200 funcionrios pararam a produo por uma hora e meia pra exigir uma resposta diante de tal situao. Segundo consta em boletim houve uma reunio com o sindicato onde a empresa se comprometeu a no demitir ningum. E os trabalhadores, aps uma assembleia, disseram que se houver demisso eles param as mquinas de novo (Protesto na Ge-Dako..., 1999). At o momento, analisamos a ao do Sindicato diante das demisses em massa, tendo havido ou no mobilizao dos trabalhadores. No entanto, tambm houve algumas greves contra demisses de menos de 100 trabalhadores, bem como alguns casos em que o Sindicato conseguiu negociar a estabilidade no emprego, a reduo da jornada de trabalho e a limitao de horas extras. Faremos a seguir uma breve cronologia desses casos. Um primeiro evento que vale ser lembrado ocorreu na Gevisa que, em 1995, ameaou demitir centenas de trabalhadores. Na avaliao do Sindicato, os operrios fizeram uma paralisao que garantiu o emprego. De acordo com as fontes consultadas, o protesto de quatro horas e meia foi determinante para a abertura de negociaes entre sindicato e empresa. Por fim, pressionada pela mobilizao dos trabalhadores a Gevisa apresentou uma proposta de deslocamento de funcionrios [...], que foi aprovada em assembleia. Os principais itens do acordo foram os seguintes: (...) suspenso das demisses; deslocamento de pessoas que estavam ociosas para outros setores por cerca de 15 a 30 dias. Se neste processo algum(5) Ver tambm os artigos Luta por estabilidade..., 1996 e; Mercedes faz demisses..., 1996.

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trabalhador no se adaptar, poder optar por sair da empresa, mas com indenizao e extenso do convnio mdico; no desconto das horas paradas; pagamento de um abono de 300 reais para todos em duas vezes a ttulo de participao dos resultados (Paralisao..., 1995). O Sindicato relatou que o aumento do desconto no transporte foi menor: dos 5% com limite de 50 reais proposto, a empresa iria descontar 1,5% com limite de 15 reais. Este um dos casos vistos pelo Sindicato como exemplo de resistncia contra as demisses. Outra luta lembrada pela entidade como vitoriosa foi a que ocorreu na Singer, tambm em 1995. Apesar de no entrar em detalhes sobre as negociaes, a entidade informou que a manifestao dos trabalhadores da empresa, alm do pagamento de um abono, garantiu a estabilidade no emprego por 90 dias. No mesmo boletim, o Sindicato conta sobre a mobilizao na Clark, que negociou um acordo de garantia no emprego para todos os funcionrios at o final daquele ano (Em 95..., 1995). No entanto, em maro do ano seguinte a empresa demitiu 95 trabalhadores. Segundo consta em boletim, os cerca de 2.200 trabalhadores da empresa fizeram uma paralisao de protesto de duas horas um dia aps as demisses. A entidade ainda lembra que entre os demitidos muitos tinham garantia de estabilidade no emprego devido a problemas de sade adquiridos na fbrica, acidentes de trabalho ou por estarem em fase de aposentadoria (Trabalhadores fazem protesto..., 1996). Em julho de 1996, a Bosch demitiu 211 trabalhadores. Segundo consta em boletim, o sindicato conseguiu a suspenso de todas as demisses, pois eram pessoas com LER [Leso por Esforo Repetitivo], surdez, em vias de se aposentar e at um trabalhador em tratamento contra o cncer (Bosch..., 1996). Em maro de 1999, a demisso de 40 trabalhadores da BS Continental, de Hortolndia, provocou uma paralisao de dois dias na empresa. Segundo consta em boletim, aps o protesto os trabalhadores resolveram voltar ao trabalho, mas prometeram parar novamente caso houvesse novas demisses (Greve na BS..., 1999). Em 2002, a mobilizao na GE-Dako resultou na readmisso de 51 trabalhadores. Segundo consta em um boletim, tudo comeou com uma greve de sete dias em julho pelas ms condies de trabalho e pelo baixo valor da PLR [Participao nos Lucros e Resultados]. A empresa havia suspendido 59 trabalhadores por 30 dias e demitido outros 51 por justa causa. O caso foi considerado como assdio moral pelo Procurador do Ministrio do Trabalho, j que durante a greve a empresa enviou telegramas s famlias dos grevistas, com ameaas de demisso. Como relata o boletim consultado, os demitidos receberam a solidariedade de trabalhadores da GE-Dako, de outras empresas e dos trabalhadores metalrgicos dos Estados Unidos. Um acampamento foi montado em frente empresa pelos demitidos e seus familiares. No dia 30 de agosto, a empresa teve de reintegrar todos os demitidos (Companheiros..., 2002). Vale observar ainda que, em alguns casos, a demisso continuada foi uma forma oculta de demisso em massa. Entre as empresas que adotaram essa estratgia, encontra-se a Bosch, uma das maiores metalrgicas da regio. Em um boletim, o Sindicato lembraRevista ABET vol. IX n. 2/2010 19

que a produtividade da empresa aumentou em 66% de 1991 a 1994 e que as vendas de seus produtos tiveram um crescimento de 146,9% em 1992, de 11,5% em 1993 e de 20,7% em 1994. Relata ainda que, no entanto, a empresa reduziu o nmero de trabalhadores de 7.000 para menos de 5.000 entre 1991 e 1996. Diante dessa situao, o Sindicato apresentou Bosch uma proposta de reduo da jornada de trabalho sem mexer nos salrios para evitar as demisses: Afinal, a empresa tem todas as condies de manter e at de ampliar o nmero de postos de trabalho (Bosch..., 1996). No entanto, os documentos consultados no indicam ter havido qualquer negociao. Outro caso de demisso continuada foi o da Eletrometal. Em maio de 1994, a empresa foi comprada pelo grupo Acesita. Desde ento, at fevereiro de 1995, a empresa j havia demitido 400 trabalhadores, substituindo os funcionrios contratados por terceirizados (Demisses na Eletrometal..., 1995). No houve qualquer mobilizao ou negociao do Sindicato com o objetivo de reivindicar a reverso desse quadro. As demisses na categoria poderiam ter sido amenizadas com a abertura de empresas e a criao de novos empregos. Mas no foi o que aconteceu, como mostra o caso da instalao da Honda, em Sumar, em outubro de 1997. Apesar de ser uma montadora multinacional de grande porte, a empresa comeou a funcionar com apenas 280 trabalhadores, o que levou o sindicato a organizar um protesto no dia da inaugurao (Protesto marca..., 1997). Um dos recursos mais utilizados pelo Sindicato diante das demisses foi a reintegrao de demitidos ilegais, admitindo a dificuldade de mobilizao nos casos em que no se conta com esse respaldo jurdico. Nesse sentido, a entidade cumpriu um papel importante de denncia de irregularidades nas empresas e em defesa dos direitos trabalhistas. Na maioria dos casos se tratou de aes movidas pelo Departamento Jurdico da entidade no caso de demisses de trabalhadores com estabilidade, como acidentados, gestantes, grevistas vtimas de represlia, lesionados e portadores de Doenas Ocupacionais Relacionadas ao Trabalho (DORTs), cipeiros, diretores sindicais etc.(6) Sobre o tema, um dos entrevistados afirmou que o mnimo que o Sindicato pode fazer defender aqueles que so demitidos e que no deveriam por estarem resguardados legalmente, por motivos variados, de buscar sua reintegrao no local de trabalho.(7) Outro depoente relatou: O que pode acontecer de voc chamar os demitidos e ver a situao de cada um e acaba conseguindo voltar um ou outro pra fbrica por uma questo de sade, estabilidade por ser membro da CIPA, lesionado, mas j no tem mais o que se fazer, infelizmente, no tem mais o que se fazer.(8) De maneira geral, h um descontentamento dos diretores quanto aos resultados de suas aes contra as demisses. A maioria dos entrevistados observa a dificuldade de(6) O Sindicato possui dados sistematizados sobre os processos de reintegrao dos demitidos ilegais a partir de 2000. De acordo com o Departamento Jurdico da entidade, em 2000, foram 18 reintegraes (12 por ordem judicial, 4 por acordo/indenizao e 2 por negociao/mesa redonda); em 2001, 23 (22 por ordem judicial e 1 por acordo judicial) e em 2002, novamente 23, todas por ordem judicial. (7) E4. (8) E1.

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reverso do quadro a partir de uma mobilizao. Alguns consideram que em poucos casos houve um resultado positivo, reconhecendo que conseguiram evitar algumas demisses atravs de greves. No entanto, ao introduzir a luta sindical no contexto internacional de reestruturao produtiva e de implantao do neoliberalismo no pas, alguns diretores afirmam que a postura do Sindicato foi de resistncia. curioso observar, no entanto, que em um boletim a entidade fez a seguinte afirmao: conseguimos tambm evitar a avalanche de demisses provocadas pela poltica do ento presidente Collor (Greve por aumento..., 1999). Uma das particularidades desse perodo citada pelos depoentes foi a de ter combinado o desemprego conjuntural, fruto de recesses cclicas do capitalismo, com o desemprego estrutural, provocado pela eliminao definitiva de postos de trabalho, suscitado por mudanas de paradigma da economia capitalista. Nesse sentido, um dos entrevistados declarou: os trabalhadores sabiam que aquelas sees que naquelas empresas estavam sendo fechadas pela modernizao tecnolgica era um fechamento definitivo. Aqueles milhares de postos de trabalho no iam mais voltar.(9) Outro entrevistado argumentou tambm que essas demisses fizeram parte de uma mudana estrutural do perfil do mercado de trabalho brasileiro, acostumado a passar por perodos de recesso nos quais a principal reivindicao era por salrios. Assim se expressou um diretor: Ns ainda conseguimos um resultado quando uma crise conjuntural, que as empresas sabiam que tinham uma queda agora, mas que elas podiam retomar daqui a trs, quatro meses. A voc consegue barrar demisso porque a empresa no vai querer o desgaste de uma greve, se ela t sabendo que daqui a trs, quatro meses, ela vai retomar a produo. Agora, com essa crise estrutural que veio somente na dcada de 1990 no governo Collor, a crise estrutural, no tem jeito, a voc demite mesmo.(10) Outros entrevistados, no entanto, afirmaram que as greves contra demisses no tiveram um contedo concreto, pois no se constituram como propostas elaboradas como parte da estratgia de ao do Sindicato. Para um dos depoentes, essas aes tiveram um efeito muito limitado, ficando restritas a casos isolados e pontuais, como nos casos da Gevisa e da Mercedes. Contudo, afirmou que essas prticas foram importantes para que a entidade dissesse que estava fazendo alguma coisa para mudar a situao. Um dos dirigentes declarou: necessrio ir l no microfone, numa assembleia e tal, tal, tal, fazer o discurso e vai embora pra casa e tudo bem. E as coisas continuam do mesmo jeito. [...] Ento, chavo, chavo, muito teatro [...].(11) Sobre os limites desse tipo de ao, outro entrevistado sintetizou: [...] quando voc tem um movimento contra demisso, que j demitiu e quando demite dificilmente voc reverte. Ento, voc faz uma greve, voc cria um certo problema pr empresa mas no reverte o quadro, a verdade essa, mas voc tambm inibe a ao de outras empresas. Ento, voc consegue reverter(9) E6. (10) E7. (11) E3.

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isso da porque existe demisso pr reduzir o salrio, a massa salarial t caindo muito, n? Mas eu acho que a greve contra demisso ela importante, ela no reverte o quadro de demisso, no, a fbrica mandou embora, ns paramos, ela readmite todo mundo, ela no faz isso. Mas voc inibe a iniciativa de outras empresas fazerem o mesmo porque tem empresa que j no demitiu mesmo por conta disso, apesar que eles tm mecanismos pra burlar isso, no faz demisso em massa, ela faz demisso continuada, 5 por dia, 4 por dia, 3 no outro dia, eles tm muitos mecanismos pra fazer isso.(12)

3. ASSOCIAO DE TRABALHADORES E RECUPERAO DE FBRICAA anlise dos casos da Cobrasma e da Ibaf foi feita separadamente por se tratar de falncias seguidas de demisso de todos os trabalhadores sem o pagamento de verbas rescisrias, que culminaram na organizao dos trabalhadores com ocupao da fbrica. No caso da Cobrasma, foi fundada uma associao com a finalidade de gerir os bens da empresa confiscados. J na Ibaf, houve uma luta pela criao de uma cooperativa sob o controle dos trabalhadores. Vejamos a seguir o comportamento sindical diante de tais eventos. Em dezembro de 1996, a Cobrasma, de Hortolndia, anunciou que iria demitir seus 1.300 funcionrios sem pagar as verbas rescisrias. A fbrica de trens e equipamentos industriais j passava por uma crise h alguns anos. Como relata um boletim, s em 1995 os trabalhadores da empresa tiveram de ir greve cinco vezes por conta de atraso no pagamento dos salrios (Trabalhadores da Cobrasma..., 1996). Diante de tal situao, os trabalhadores pararam no dia 17 de dezembro por tempo indeterminado e ocuparam a fbrica (Histria antiga..., 2002b). Mas a demisso sem pagamento dos direitos se confirmou no dia 6 de janeiro de 1997 e os trabalhadores no receberam o salrio de dezembro, a maior parte do pessoal no tira frias h dois e trs anos e o fundo de garantia no depositado desde 1990 (Cobrasma..., 1997). Aps a demisso, os trabalhadores continuaram a ocupao da fbrica ameaando no sair at que a situao fosse resolvida. A principal reivindicao era o confisco dos bens do dono da Cobrasma, Luis Eullio Bueno Vidigal Filho, ex-presidente da FIESP, para reverter em pagamento dos direitos. A ocupao, que durou 36 dias, terminou no dia 21 de janeiro de 1997, quando foi concedida uma liminar de reintegrao de posse ao dono da fbrica pelo Tribunal de Alada de So Paulo (Cobrasma..., 1998). Os trabalhadores saram da fbrica em fevereiro do mesmo ano e a empresa reiniciou suas atividades contratando novos funcionrios. Em seguida, o Sindicato denunciava o no cumprimento do calendrio de pagamento do pessoal que foi recontratado e dos trabalhadores demitidos. Segundo consta em boletim, no total eram 1.528 operrios nessa situao. O Sindicato iria entrar com um processo trabalhista contra a empresa (Assembleia..., 1997). Enquanto o caso estava em andamento na Justia, um ano depois, em maro de 1998, a empresa voltou a demitir em massa:(12) E7.

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(...) os 570 trabalhadores da Cobrasma, de Hortolndia, iniciaram uma greve e a ocupao da fbrica dia 16 de maro. que a empresa teve a cara de pau de dizer que ia fazer 250 demisses sem pagar os direitos do pessoal. No dia 23 de maro eles saram de dentro da fbrica e at o fechamento desta edio, mantinham a greve. A empresa comunicou 211 demisses atravs de telegramas enviados casa dos companheiros (Cobrasma..., n. 226, 26 mar. 1998). No ms seguinte, o Sindicato ganhou o processo judicial e conseguiu penhorar parte da fbrica para garantir o pagamento da dvida (Mais 211..., 1998). Mas foi s em 2002 que os bens da Cobrasma foram a leilo na Vara Trabalhista na cidade de Sumar com o objetivo de arrecadar os fundos necessrios aos pagamentos dos direitos dos trabalhadores, calculado em cerca de 37 milhes de reais (Histria antiga..., 2002a). Segundo consta em boletim, (...) como no apareceu nenhum lance para arremate, o Sindicato, representando todos os trabalhadores, adjudicou, isto , ficou com os bens/imveis da fbrica. Prdios, terrenos e bens inerentes ao imvel pertencem aos 1.252 trabalhadores e sero vendidos, o valor total da arrecadao ser dividido na proporcionalidade dos direitos trabalhistas de cada um, conforme sentena judicial julgada. O sindicato ir acompanhar o processo at que todos os trabalhadores recebam o que lhes de direito (Histria antiga..., 2002c). No dia 4 de junho de 2002 foi criada em assembleia a Associao dos Trabalhadores da Cobrasma, [...] que tem como objetivo administrar e vender a planta da fbrica em Hortolndia. Segundo o Sindicato, o acontecimento na Cobrasma, que poder ser considerado um dos maiores calotes patronais da histria, foi revertido em vitria dos trabalhadores. Outro documento afirma que foi eleita uma comisso provisria de 10 pessoas para a organizao e legalizao da Associao. Elas tambm devero realizar no dia 18 de agosto, a 1 Eleio do Conselho Consultivo de 21 membros da Associao (Cobrasma..., 2002). No incio de 1998, a Ibaf teve sua falncia decretada. Em novembro do mesmo ano, os 450 trabalhadores da empresa, sem salrios h cinco meses, permaneciam acampados h quase 60 dias em frente fbrica (Campanha..., 1998). Conforme relatado em boletim, os trabalhadores tiveram que fazer uma campanha de arrecadao, pois estavam com contas de gua, luz, aluguel, vencendo e sem dinheiro nem para comer e andar de nibus. Diante dessa situao, no dia 24 desse ms, realizaram um protesto em frente casa do proprietrio da empresa, Waldir Brulio, no bairro do Morumbi, em So Paulo (Protesto..., 1998). Na mesma semana, o Sindicato e uma comisso de trabalhadores foram Cmara de Campinas para falar com os vereadores. O objetivo era marcar reunio com o prefeito Francisco Amaral e negociar a iseno de taxas e impostos municipais, e passes de nibus gratuitos para os trabalhadores (Ibaf..., 1998). Sem as reivindicaes atendidas, os trabalhadores ocuparam a empresa com o objetivo de [...] tentar diminuir o prejuzo e evitar que retirassem as mquinas e equipamentos do prdio da fbrica [...] (Ibaf..., 2002). A situao se arrastou at fevereiro de 1999, quando os operrios j estavam h sete meses sem salrio. Diante dessa situao,Revista ABET vol. IX n. 2/2010 23

os trabalhadores resolveram fundar uma cooperativa com o objetivo de pr a fbrica para funcionar sob o controle dos trabalhadores e garantir o pagamento dos direitos e salrios atrasados (Resistncia..., 1999). Em outro artigo, o Sindicato afirma que os trabalhadores querem assumir o controle da empresa e que os companheiros esto ocupando a empresa e lutando para pr as mquinas para funcionar novamente. S que o controle exclusivo dos trabalhadores (Ajude a luta..., 1999). Mas, antes que o projeto de cooperativa fosse implementado, a empresa conseguiu uma liminar de reintegrao de posse na Justia e tirou o pessoal de dentro da fbrica, aps uma ocupao de 76 dias. O Sindicato conseguiu uma liminar de indisponibilidade de todos os bens da empresa. Isso significava que tudo que tinha na fbrica no poderia ser vendido, pois serviria como garantia de pagamento dos salrios e direitos que a Ibaf no pagava desde julho de 1998 (Luta na Ibaf..., 1999). Porm, atravs de uma deciso judicial, ao invs de conceder o direito de arrendamento Cooperativa dos ex-funcionrios, quem ganhou o direito de tocar a fbrica foi uma oficina mecnica de Araras (SP) (Ibaf..., 2002). Perguntamos aos entrevistados como eles avaliam esses casos. Entre os que defendem a criao de associaes para gerir os bens de empresas falidas, como no caso da Cobrasma, existe a ideia de que foi uma ao judicial e poltica positiva por parte do Sindicato. Esses diretores afirmaram que com a mobilizao a entidade conseguiu se apropriar dos bens da empresa, dando aos trabalhadores prioridade sobre fornecedores, bancos e outros credores na hora de dividir seu patrimnio. Por tal motivo, este evento tido como um caso bem sucedido. J o caso da Ibaf tratado para a maioria dos entrevistados como um tipo de luta que no faz parte da poltica prioritria do Sindicato, pois no se constitui como um sistema indicado para os trabalhadores. Os dirigentes argumentaram, primeiramente, que a maioria das cooperativas no Brasil no forma um sistema socializado de produo, j que h sempre a presena de um gato que vai tomar conta. Asseguram tambm que, onde existem, como no ABC, no tm resolvido o problema, pois a realidade dos trabalhadores no melhor e o nmero de desempregados tambm no menor. Ademais, apontam o problema de mercado, dada a dificuldade de obteno de clientela, capital de giro e preo, o que dificulta sua concorrncia com outras empresas. Afirmam ainda que, por conta da complexidade da produo metalrgica, as cooperativas no so de fcil implementao como nos setores agrcola e de reciclagem. Esses entrevistados tambm no acreditam na capacidade de os trabalhadores construrem uma experincia autnoma e administrarem a empresa sem a presena do patro. Uma das justificativas que os diretores do de que, no sistema cooperativo, o trabalhador [...] deixa de ser o operador e voc passa a ser o gerente. No importa a funo que voc faz, porque ns estamos acostumados tambm a ser dominados, sempre vai ter um chefe pr decidir.(13) Outro entrevistado ainda diz: A realidade de trabalhadores que recebem salrios at R$ 1.000,00 [por ms], que tm uma dvida, e que no conseguem administrar a prpria finana dentro de casa.(14)(13) E8. (14) E4.

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Um dos depoentes, no entanto, diz que aqueles que no defenderam a cooperativa [...] no partem do princpio que depende muito da poltica, da concepo. Para este dirigente, a gente tem que tentar criar condies pr que os trabalhadores vivam a sua experincia porque so elas que vo ser agente transformador de fato. Diz ainda que o processo cooperativado serve como embries de experincias modelos para uma sociedade mais justa, ou socialista, alm de combater o desemprego em um perodo curto. O diretor afirmou ainda que era possvel conseguir recursos para tocar a empresa atravs de parceiros da iniciativa privada, de outras cooperativas, ou at mesmo de recursos do FAT. Do ponto de vista tcnico ele afirma que quem toca a empresa so os trabalhadores e que, no caso da Ibaf, havia profissionais capazes para isso, tanto da parte de engenharia como da parte de desenho, como da parte operacional direta. Por ltimo, o entrevistado declarou que esta foi uma derrota poltica porque no houve um apoio da direo do Sindicato, causando o isolamento dos trabalhadores, apesar do movimento de sete meses e vinte dias.(15)

4. O MOVIMENTO CONTRA O DESEMPREGO DE CAMPINASNo dia 2 de maio de 1997, aps uma manifestao do Dia do Trabalhador que reuniu 500 desempregados, foi criado o Movimento Contra o Desemprego de Campinas (MCDC). O ato de inaugurao, ocorrido na sede do SMCR, contou com a participao de entidades sindicais, associaes de bairro e da Pastoral Operria. Para avaliar a relao entre o Sindicato e o movimento, alm das fontes j citadas, recorremos aos boletins da organizao e a entrevistas com dois de seus principais ex-dirigentes. O MCDC atuou na cidade por cerca de um ano. Como lembrou um dos depoentes, o movimento surgiu a partir da iniciativa de trs militantes, entre eles dois diretores do SMCR, por conta de uma necessidade de organizar os desempregados, j que o movimento sindical no o inclua em sua luta.(16) Na definio do Sindicato, seus objetivos de luta eram: [...] organizar os milhares de trabalhadores sem emprego atravs dos bairros e lutar de duas formas: de maneira mais imediata exigir a iseno de pagamento de tarifas pblicas como gua, luz, transporte e IPTU. A segunda forma de luta questionar e pressionar contra a poltica do governo FHC que a causa da situao que enfrentamos (Desempregados..., 1997). O MCDC defendia como poltica de combate ao desemprego a reduo da jornada de trabalho sem reduo dos salrios acompanhada do fim das horas extras. O lema do movimento era trabalhar menos para que todos trabalhem, o mesmo encontrado em diversos documentos do Sindicato. Para o movimento, se a jornada for reduzida para 40 horas semanais em todo o Brasil, sero criados quase 4 milhes de novos empregos em todo o pas (Boletim do MCDC, 1997a).(15) E3. (16) E10.

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O MCDC se caracterizou, primeiramente, pela defesa do direito ao trabalho de qualidade para todos. Entretanto, como as necessidades dos desempregados eram de carter mais imediato, dada a situao social e condies de vida desse grupo, o movimento passou a fazer reivindicaes mais pontuais. Nesse sentido, as principais reivindicaes do movimento durante sua atividade foram a regulamentao pela Prefeitura Municipal da lei do passe-desemprego, que j havia tido um projeto aprovado pela Cmara de Vereadores do municpio em novembro de 1996, e a iseno dos impostos e tarifas pblicas municipais, bem como uma ao da prefeitura junto Companhia Paulista de Fora e Luz (CPFL) para lograr o mesmo objetivo em relao conta de luz (Queremos..., 14 jul. 1997). Segundo um dos militantes do MCDC, tambm houve tentativas de organizar ncleos de desempregados nos bairros, mas sem sucesso.(17) Aps aproximadamente um ano de atuao em Campinas, o MCDC se desfez. Segundo um dos militantes, foram muitos os motivos para o fim do movimento. Primeiramente, relata que era muito varivel o nmero de participantes, o que dificultava a continuidade na poltica de formao da base. Afirma tambm que havia um ncleo que organizava os documentos e fazia os encaminhamentos prticos, mas em funo da rotatividade, muitos desempregados compareciam durante algumas semanas, mas logo arrumavam um trabalho precrio qualquer e no voltavam mais.(18) Para o outro entrevistado, muito difcil manter um movimento desse tipo, principalmente devido s condies de vida dos militantes, sem recursos para contribuir com o movimento, envergonhado de sua situao e preocupado com a busca de um novo trabalho.(19) Com relao aos apoios conseguidos, os entrevistados relatam que houve iniciativas por parte de vrios sindicatos da regio, mas a Pastoral Operria que foi mais atuante. Segundo um dos ex-militantes, o movimento sindical, e especialmente o SMCR, ajudou a rodar os boletins, deu apoio financeiro no transporte para as manifestaes e reunies, entre outras atividades, mas pouco ajudou na ao poltica. Para ele, a contribuio teria sido logstica e financeira, no havendo, contudo, apoio poltico constante.(20) Ainda segundo este entrevistado, a organizao de um seminrio, intitulado Desemprego x Sadas de Classe, cujo objetivo foi discutir a ao poltica contra o desemprego, representou a ltima tentativa de tentar dar um sopro ao movimento. Sobre esse evento o entrevistado afirma: [...] trazemos o pessoal da Argentina, mas foi uma catstrofe, pois a participao dos sindicalistas e dos partidos deixou a desejar, uma total incompreenso da situao vivida por essa massa de desempregados. O que se esperava era fazer uma discusso geral sobre a situao do desemprego e depois tirar algumas bandeiras, formas de luta e envolvimento dos sindicatos. A discusso e as resolues deixaram a desejar, no gerando consequncias prticas. A a gente viu que ia ser voluntarismo sem apoio dos sindicatos.(21)(17) E9. (18) Idem. (19) E10. (20) Idem. (21) Idem.

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Um dos depoentes lembrou que os militantes deram o nome Movimento Contra o Desemprego porque a inteno era envolver todos que queriam combater o desemprego, no s os desempregados. A expectativa inicial dos militantes era de que os sindicatos seriam os nicos que poderiam garantir uma estrutura material e humana, liberando seus dirigentes para as manifestaes. Porm, as entidades sindicais se mostraram apticas e o movimento foi perdendo foras, caindo no vazio.(22) Segundo o outro entrevistado, o maior empecilho para o apoio sindical est relacionado com a situao social do desempregado, o que exige um comprometimento que no cabe na cultura poltica sindical do pas. Para ele, na estrutura sindical tudo muito simples: voc tem o carro de som, o mandato est garantido pela justia, [e h] toda uma estrutura que burocratiza, que retira do sindicalista a concepo de construo de movimento que diferente da estrutura sindical, pois esta legitimada pelo Estado, no precisa haver um esforo poltico da diretoria para se legitimar frente a categoria, apesar de muitos sindicatos o fazerem pela atuao de base. E a situao de um movimento de desempregados diferente, pois preciso construir uma legitimidade, dar respostas imediatas, fazer reunies nos bairros, onde vinte pessoas eram mulheres, pois os maridos no queriam participar do movimento.(23) Segundo este mesmo depoente, o Sindicato uma instituio essencialmente corporativa, que atua exclusivamente com a sua base. Quando o trabalhador fica desempregado d pouco ou quase nenhum valor para ele, j que este passa a no interessar mais categoria, pois no pode ser scio e no contribui com a entidade.(24) Um entrevistado ressalta ainda um problema poltico como fator limitador: quem controlaria o movimento? Segundo este militante, as pessoas que formaram o MCDC no inspiravam confiana ao movimento sindical e partidrio, pois em relao a estes tinham posturas mais crticas. Assim, havia tanto o desinteresse criado pela prpria estrutura sindical quanto a disputa de controle pelas correntes. Segundo este informante, falvamos desde o incio que o movimento no pertencia a nenhuma corrente e se alguma delas quisesse controlar teria que vir para o movimento. Logo, no apoiavam pela incerteza de dirigir o movimento, ao mesmo tempo, no apoiavam pela falta de iniciativa, interesse, vontade, comodismo poltico.(25) Vejamos por ltimo o posicionamento dos dirigentes sindicais sobre o tema. Para alguns entrevistados houve interesse do Sindicato pelo movimento, j que a entidade forneceu apoio estrutural e poltico na elaborao de projetos para que o movimento reivindicasse suas demandas junto ao poder pblico. Afirmam ainda que os metalrgicos de Campinas foram linha de frente, at porque dois diretores da entidade assumiram a luta e representavam a entidade nas assembleias e aes do movimento nos bairros e no centro da cidade. Para este grupo, a construo do MCDC ficou comprometida no(22) Idem. (23) E9. (24) Idem. (25) Idem.

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por conta de falhas na atuao dos sindicatos, mas pelas dificuldades prprias da estruturao de um movimento de desempregados e por ter ficado preso a reivindicaes pontuais, tendo sido incapazes de formulaes polticas mais amplas. Alguns entrevistados, no entanto, fazem algumas observaes sobre as limitaes institucionais e polticas que inviabilizaram a participao do Sindicato nesse movimento. Para um dirigente, infelizmente e dramaticamente, a luta contra o desemprego no uma agenda sindical.(26) Outro diretor afirmou que a organizao dos desempregados no depende s da liberao de um diretor ou outro para atuar no movimento, mas sim de uma poltica no contexto geral em relao a essa frente de ao da massa. Para este sindicalista, uma coisa que tem que estar tambm alicerada pela central, pela CUT, pelos movimentos sindicais. Em sua avaliao, dificilmente um sindicato nico vai conseguir muito xito pra enfrentar essa demanda porque no dele s, no de uma categoria.(27) Para outro dirigente os limites da ao conjunta entre sindicatos e os desempregados se deve ao corporativismo do diretor sindical que busca cuidar da prpria fbrica em que ele trabalha e se preocupa apenas com o empregado de olho na prxima eleio. Por ltimo, afirma que ningum quer se dedicar aos desempregados porque os desempregados no votam.(28)

CONSIDERAES FINAISA partir do material emprico encontrado nesse estudo, buscamos avanar na teorizao de um campo pouco explorado pelos estudiosos das questes sindicais: a relao entre o movimento operrio organizado sindicalmente e os desempregados. Observamos, primeiramente, que os vnculos entre ambos se constroem atravs de uma relao de unidade ou fratura. Como parte constitutiva, respectivamente, do exrcito de operrios ativo e de reserva, empregados e desempregados representam camadas do proletariado com interesses de fraes de classe conflitantes, apesar de que a ao conjunta entre os dois setores tenha sido identificada por Marx (1982, p. 743) como um importante instrumento de presso dos trabalhadores sobre o funcionamento da economia capitalista. Para analisar essa questo, vale retomar tambm a anlise de Engels (1986), que identifica essa unidade nas origens do sindicalismo como uma forma de luta constitutiva da rebelio do movimento operrio. Nessa obra, o autor tambm nos oferece um quadro interessante dos limites do movimento sindical que antecipa muitas das questes tratadas neste trabalho. Para o autor, o carter fundamental dos sindicatos est na sua defensividade diante dos abusos dos capitalistas. Esta situao provocada principalmente pela concorrncia entre os proletrios e pela impotncia destes diante da introduo das mquinas no processo produtivo, das crises e flutuaes cclicas da economia capitalista e da lei de oferta e procura da fora de trabalho, caracterizada pela existncia estrutural de um exrcito de reserva de operrios.(26) E6. (27) E3. (28) E7.

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Os eventos analisados nesse estudo demonstram este carter defensivo das aes do SMCR diante das demisses e do desemprego. No entanto, alm dos elementos que a teoria marxista clssica aponta, podemos enumerar outros limites polticos, ideolgicos e institucionais que inibem uma prtica sindical mais efetiva nesse terreno: (i) a ausncia de uma poltica de organizao daqueles que no pertencem ao conjunto de trabalhadores formais da categoria; (ii) a falta de interesse poltico nesse setor, que no cotiza nem vota nas eleies sindicais; (iii) a legislao corporativista que impede os demitidos de continuarem sindicalizados; (iv) a pouca organizao da base alicerada no local de trabalho para enfrentar as demisses; (v) a intransigncia do patronato brasileiro na relao com os sindicatos; (vi) o baixo custo e a ausncia de mecanismos institucionais inibitrios s demisses; (vii) a pouca tradio de negociao coletiva no pas, que favorece as relaes diretas entre empregadores e empregados e; (viii) o medo do exrcito de operrios ativo que, mesmo se mobilizando em determinadas situaes, veem-se acuados diante do exrcito de operrios de reserva. Em nossa avaliao, a ao do SMCR tambm esteve comprometida pelo corporativismo e acomodamento estrutura sindical. Ao se diferenciar do sindicalismo propositivo defendido pelo campo majoritrio da CUT nas estratgias de luta adotadas contra as demisses, a entidade se caracterizou pela continuidade do sindicalismo combativo que caracterizou a central nos anos 1980. O que no significa uma contradio com o fato de no ter conseguido agir para alm da categoria, j que a combatividade que deu origem ao sindicalismo cutista tambm no significou que a central tenha rompido na prtica com as amarras do sindicalismo de Estado no Brasil. Avaliamos que o SMCR protagonizou mobilizaes de resistncia importantes, tais como greves, ocupaes, denncias e protestos dos mais diversos. Se em alguns casos a ao do Sindicato se pautou pelo fraco poder de barganha, em outros os trabalhadores resistiram, tanto diante dos anncios de demisses como nos momentos em que estas foram concretizadas. Porm, apesar do discurso classista de representao do conjunto dos trabalhadores, a ao do Sindicato se pautou predominantemente pela prtica burocrtica institucional diante das demisses, o que limitou sua capacidade de construir uma poltica de unidade com os setores do proletariado no sindicalizveis. Em momentos chaves de ao conjunta com os demitidos organizados, como no caso da Ibaf, e com os desempregados, como no caso do MCDC, o Sindicato retrocedeu. No entanto, nos casos de descumprimento das leis trabalhistas, sob o argumento da impossibilidade de reverso das demisses que no estivessem amparadas juridicamente, a entidade teve uma atitude mais confrontacionista.

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MARX, Karl. O capital. So Paulo: Abril, 1982. POSSAN, Magali. A malha entrecruzada das aes: as experincias de organizao dos trabalhadores metalrgicos de Campinas (1978-1984). Campinas: CMU/Unicamp, 1997. SOUZA, Davisson C. C. de. Sindicato dos metalrgicos de Campinas e regio diante do desemprego no perodo de 1990 a 2002. Dissertao (Mestrado). Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas. So Paulo: Universidade de So Paulo, 2005. Boletins sindicais Ajude a luta dos trabalhadores da Ibaf. Folha de Metal, ano 2, n. 16, 25 fev. 1999. Assembleia na Cobrasma. Boletim do SMCR, n. 199, 6 mar. 1997. Aumentam demisses na regio. Boletim do SMCR, n. 37, 2 fev. 1991. Boletim do MCDC, n. 1, 1997a. Boletim do MCDC, n. 4, 30.6.1997b. Bosch aumenta a produtividade em 66%, mas mantm demisses. Boletim do SMCR, n. 184, 8 ago. 1996. Campanha de arrecadao na Ibaf. Folha de Metal, ano I, n. 11, 18 nov. 1998. CCE baixa as portas e deixa trabalhadores mngua. Folha de Metal, Especial de Fim de Ano, dez. 2002. Cobrasma dos trabalhadores. Folha de Metal, Especial de Fim de Ano, dez. 2002. Cobrasma pe todo mundo na rua e no paga direitos. Trabalhadores ocupam a fbrica e passam final de ano na empresa. Dono da Cobrasma viaja ao exterior no Natal. Boletim do SMCR, n. 197, 9 jan. 1997. Cobrasma quer dar mais um calote. Boletim do SMCR, n. 226, 26 mar. 1998. Companheiros da Ge-Dako. Folha de Metal, Especial de Fim de Ano, Campinas, dez. 2002. Continua na Mercedes a greve contra demisses. Boletim do SMCR, n. 159, 27 set. 1995. Demisses em massa na Nativa e na Cobrasma. Boletim do SMCR, n. 3, 29 jan. 1990. Demisses na Eletrometal. Boletim do SMCR, n. 128, 22 fev. 1995. Demitidos da Bendix: empresa retirou justa causa. Boletim do SMCR, n. 24, 16 ago. 1990. Desempregados na luta. Trabalhadores sem emprego fazem manifestao e criam comit. Boletim do SMCR, n. 206, 14 maio 1997. Desemprego chega Nardini. Boletim do SMCR, n. 57, 16 set. 1991. Em 95 lutas e conquistas em defesa do emprego e do salrio. Boletim do SMCR, Especial, 12 dez. 1995. Faco na Mercedes-Benz. Trabalhadores da Mercedes reagem contra demisses e Sindicato envolve governo do Estado na discusso do desemprego. Boletim do SMCR, n. 173. 28 fev. 1996. Greve na BS contra demisses. Folha de Metal, Campinas, ano 2, n. 17, 18 mar. 1999. Greve na Mercedes contra reduo de direitos e demisses. Boletim do SMCR, n. 182, 16 jul. 1996. Greve por aumento real, sade e contra demisses. Folha de Metal, Especial de Sindicalizao, ano 2, 1999.30 Revista ABET vol. IX n. 2/2010

Histria antiga. Folha de Metal, Especial de Fim de Ano, dez. 2002a. Histria antiga. Boletim do SMCR, Ano III, n. 81, 3 jul. 2002b. Histria antiga. Folha de Metal, Campinas, ano 3, n. 81, 3 jul. 2002c. Ibaf. Gente estranha, estria esquisita. Folha de Metal, Especial de Fim de Ano, dez. 2002. Ibaf. Trabalhadores querem iseno de taxas municipais. Folha de Metal, Edio Especial Autopeas, ano 1, 3 dez. 1998. Luta na Ibaf continua. Folha de Metal, Campinas, ano 2, n. 17, 18 mar. 1999. Luta por estabilidade na Mercedes. Boletim do SMCR, n. 187, 24 set. 1996. Mais 211 levam calote da Cobrasma. Boletim do SMCR, n. 227, 1 abr. 1998. Mais desemprego: Daimler Chrisler anuncia demisses. Boletim do SMCR, ano III, n. 78, 4 jun. 2002. Mozinha uma ova! Boletim do MCDC, n. 12, 12 jan. 1998. Mercedes e CCE: mais demisses. Boletim do SMCR, n. 172, 21 fev. 1996. Mercedes faz demisses ilegais e acaba com 75% dos empregos. Boletim do SMCR, n. 189, 22 out. 1996. Na Mercedes, paralisao contra demisses. Boletim do SMCR, n. 161, 11 dez. 1995. Nardini: caloteira volta a atacar. Boletim do SMCR, n. 229, 15 maio 1998. Paralisao garante emprego na Gevisa. Boletim do SMCR, n. 167, 4 dez. 1995. Prefeitura enrola e no atende reivindicaes dos desempregados. Boletim do MCDC, n. 4, 2 ago. 1997. Protesto em frente casa do caloteiro. Folha de Metal, ano I, n. 12, 25 nov. 1998. Protesto marca a inaugurao da Honda. Boletim do SMCR, n. 214, 15 out. 1997. Protesto na Ge-Dako contra demisses. Folha de Metal, Campinas, ano 2, n. 18, 7 abr. 1999. Queremos passe-desemprego j e no pagar impostos e tarifas pblicas. Boletim do MCDC, n. 5, 14 jul. 1997. Resistncia na Ibaf. Folha de Metal, ano 2, n. 15, 10 fev. 1999. Trabalhadores da Cobrasma entram em greve contra golpe da empresa. Boletim do SMCR, n. 196, 19 dez. 1996. Trabalhadores da Mercedes de Campinas enfrentam fechamento da empresa. Boletim do SMCR, n. 184, 8 ago. 1996. Trabalhadores da Mercedes param contra as demisses. Boletim do SMCR, n 158, 26 set. 1995. Trabalhadores fazem protesto contra demisses na Clark. Boletim do SMCR, n. 175, 14 mar. 1996. Vitria: Sindicato retm todos os bens da Hawera para garantir direitos dos trabalhadores. Boletim do SMCR, n. 122, 13 jul. 1994.

Recebido em: 20 de novembro de 2009. Aceito em: 3 de maro de 2010.

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CAIXA DE FERRAMENTAS DE METODOLOGIAS DE CONCERTAO PARA QUALIFICAO PROFISSIONALTOOLBOX OF CONCILIATION METHODOLOGIES FOR PROFESSIONAL QUALIFICATION PROCESSES

Emilia Wanda Rutkowski (Coordenao) (*) Alessandro Sanches Pereira (**) Ana Elisa Spaolonzi Queiroz Assis (***) Ernestina Gomes de Oliveira (****) Milena Pavan Serafim (*****) Rafael Costa Freiria (******) Rogrio Bezerra da Silva (*******) Sonia Gyssela Hernandez Macedo (********)

Resumo: A proposta deste trabalho foi de construir instrumentos que possam subsidiar a interveno qualificada de agentes/grupos sociais em espaos e temas considerados essenciais para um processo de desenvolvimento sustentvel. Para alcanar este objetivo, utilizou-se da ao de dois subprojetos, um voltado para a certificao e outro para o desenvolvimento de uma caixa de ferramentas de metodologias de concertao para qualificao profissional. Possui como fundamentos trs marcos analtico-conceituais para o desenvolvimento de ferramentas a serem utilizadas na qualificao profissional: a bacia hidrogrfica, unidade base

(*) Professora Doutora da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas UNICAMP. E-mail: [email protected]. (**) Doutorando da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo UNICAMP. E-mail: [email protected]. (***) Doutoranda da Faculdade de Educao UNICAMP. E-mail: [email protected]. (****) Doutoranda da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo UNICAMP. E-mail: [email protected]. (*****) Doutoranda do Instituto de Geocincias UNICAMP. E-mail: [email protected] (******) Doutorando da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo UNICAMP. E-mail: [email protected]. (*******) Doutorando do Instituto de Geocincias UNICAMP. E-mail: [email protected]. (********) Mestranda da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo UNICAMP. E-mail: [email protected].

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para o planejamento ambiental no Brasil; as premissas socioambientais; e o marco da Tecnologia Social. Palavras chave: Qualificao profissional, sustentabilidade, tecnologia social e meio Ambiente. Abstract: The purpose of this study was developing tools that can support the professional qualification processes in areas and/or topics which are considered essential for a local sustainable development. In order to achieve this goal the study based its analytical and conceptual frameworks on three keystones: the watershed basin, which is basic unit for environmental planning in Brazil; the socioenvironmental sustainability guidelines; and Social Technology strategy. Keywords: Professional qualification processes, sustainability, social technology e environment.

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O trabalho parte do reconhecimento de que as metodologias de concertao existentes no mbito dos Projetos Especiais de Qualificao (ProEsQ) no incluem a dimenso ambiental e apresentam dificuldade de reaplicao por serem desenvolvidas para atender aos objetivos especficos. Objetivando construir uma metodologia reaplicvel, foram estudadas as metodologias existentes(1) que atenderam aos critrios listados na Resoluo n. 333/2003 do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (CODEFAT). Foi realizada uma anlise comparativa de 13 (treze) metodologias com objetivos semelhantes aos deste trabalho: negociao coletiva de qualificao, economia solidria, empreendedorismo (autogesto), participao popular, reconhecimento e apropriao do espao. Nesta anlise foram avaliadas as potencialidades e fragilidades dos mtodos, de modo a subsidiar a dinmica metodolgica deste trabalho. A princpio a unio de potencialidades de metodologias diferenciadas com objetivos especficos diversos pode parecer um amontoado de prticas e conceitos desconexos, quando, em verdade, propicia um trabalho coletivo que considera muitas das variveis existentes, como aponta Feriotti (2005): O termo colcha de retalhos tem sido frequentemente usado como metfora do simples ajuntamento de partes desconexas, conflitantes ou contraditrias, de modo a no resultar na construo harmnica do todo ou da unidade. No entanto, a ausncia de conexo ou relao entre os retalhos no produz uma colcha. Uma colcha um todo, constitudo de retalhos conectados e costurados, de modo a garantir uma determinada forma que, por si s, ter sua identidade e sua funo. Quando nos referimos a uma colcha de retalhos ressaltando apenas o aspecto da desconexo entre as partes, no estaramos construindo a perigosa ideia de que a construo da unidade somente poderia ocorrer por meio da homogeneidade, da padronizao? Essa ideia no traria em seu bojo a discriminao das diferenas e a impossibilidade de construir uma unidade por meio da convivncia com a diversidade? (p. 34). A utilizao de material de qualidade j produzido, alm de otimizar e contemplar a produo terico-prtica, oferece a oportunidade de inovar, sustentando-se em base conceitual-prtica slida, pois: Inovao a ao de mudar. Alterar as coisas, pela introduo de algo novo. No se deve confundi-la com inveno (criao de algo que no existia) ou com descoberta (ato de encontrar o que existia e no era conhecido). A inovao consiste na aplicao de conhecimentos j existentes [...] (CASTANHO, 2000: 76) Para tanto, a equipe multidisciplinar foi constituda. Ela no s construiu a dinmica metodolgica deste processo, como tambm, foi responsvel pelo desenvolvimento do trabalho.(1) Selecionadas pelo Departamento de Qualificao Profissional/MTE.

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1. A QUALIFICAO SOCIAL E PROFISSIONALA educao e a formao profissional tm assumido importncia central, pois so entendidas como instrumentos eficazes de adaptao da fora de trabalho s novas formas de acumulao do capital e organizao do trabalho. De acordo com Segnini, a elas so conferidas funes essencialmente instrumentais, capazes de possibilitar a competitividade e intensificar a concorrncia, adaptar trabalhadores s mudanas tcnicas e minimizar os efeitos do desemprego (2001, p. 73). No Brasil, a prtica da qualificao profissional na dcada de 1990 esteve fortemente vinculada a essa viso, sofrendo uma significativa inflexo em 2003, a partir da aprovao do Plano Nacional de Qualificao PNQ, atravs do qual foram apontadas diretrizes que levaram a avanos conceituais significativos para a poltica pblica de formao profissional. Criado no mbito do Programa do Seguro-Desemprego para executar aes de qualificao social e profissional com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador FAT(2), o PNQ trata da qualificao como direito e como poltica pblica transversal, priorizando os segmentos que encontram maior dificuldade de insero no mercado de trabalho. O Plano concebido para se constituir em efetivo instrumento de interveno para a reduo das desigualdades e promoo de incluso social. Nesse sentido, adota a concepo de qualificao profissional como construo social, em contraposio ideia de processos individuais de aquisio de conhecimentos que atenderiam, exclusivamente, s exigncias do mercado de trabalho. A qualificao tambm no mais pensada como uma ao educativa ou um processo educativo de carter meramente tcnico, mas sim como um direito de cidadania, atravs da ao de uma educao socialmente produtiva (GUTIRREZ, 1988), pautando-se na trade trabalho-criatividade-prxis, incentivando a reflexo sobre os processos de construo das relaes humanas e de trabalho. Nessa concepo est presente o entendimento de que a educao no precondio para a cidadania, mas sim seu fruto, sua expresso, um instrumento para reflexo das relaes e construo de outros e reconstruo das mesmas, como afirma Arroyo (1996), bem como o reconhecimento de que escolaridade e formao profissional so condies necessrias, mas insuficientes, para o desenvolvimento social, [pois] somente polticas e aes concretas, que possibilitem real desenvolvimento social e econmico podem estar superando desigualdades e construindo condies sociais que redundam em cidadania (SEGNINI, 2001, p. 79). Ao chamar a ateno para a relao educao, trabalho e desenvolvimento, a qualificao passa a ser vista como um conjunto de polticas que se situam na fronteira do(2) Institudo pela Lei n. 7.998/1990, que regulamentava o financiamento do Seguro-Desemprego, o FAT possibilitou a ampliao das aes de apoio aos trabalhadores desempregados, com a intermediao de mo de obra e a qualificao profissional sendo incorporadas s polticas pblicas de emprego. Para o gerenciamento do Fundo foi criado um Conselho Deliberativo Tripartite o CODEFAT, com representantes do governo, dos empregadores e dos trabalhadores, implicando em um permanente processo de concertao.

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Trabalho e da Educao; intrinsecamente vinculadas a um projeto de desenvolvimento includente, distribuidor de renda e redutor das desigualdades regionais (PNQ, 20032007, p. 27). Sendo o objetivo geral do PNQ o de planejar, articular e financiar a execuo de aes de qualificao, certificao e orientao profissionais, articuladas com as polticas de emprego, educao e desenvolvimento, preocupar-se com a construo, no apenas da qualificao real tcnicas e habilidades , mas tambm da qualificao operatria potencialidades subjetivas sociais (HIRATA, 1994), torna possvel gerar um projeto de desenvolvimento voltado para a melhoria do trabalho, centralizado nas premissas do trabalho decente da Organizao Internacional do Trabalho OIT. A integrao com as polticas de educao pressupe a articulao entre educao bsica fundamental, mdia e de jovens e adultos e educao profissional. Nesse sentido, necessrio que os programas de qualificao sejam permeados por princpios de uma educao de base, fazendo com que o Estado assuma vertentes das quais se distanciou, pensando na capacitao do ser humano sob as duas ticas at ento apontadas: profissional e social (BRANDO, 1980)(3). Importante ressaltar que compreender esta articulao vai alm da simples coeso organizacional educativa; abrange o reconhecimento da existncia de um sistema de aes educacionais integradas que compreendem ser a educao profissional uma vertente da educao bsica que procura fazer jus ao princpio de equidade(4) existente em todas as polticas pblicas desenvolvidas pela Unio, j que prioridade atender aos cidados, todos, dentro de suas peculiaridades pessoais. Tendo em vista o entendimento da qualificao como uma poltica de incluso social, sua vinculao s polticas de desenvolvimento fundamental para que no se transforme em ao de carter meramente compensatrio. Nesse sentido, o investimento em qualificao profissional articulado a projetos de desenvolvimento, sobretudo locais, possibilita o acesso das populaes mais vulnerveis aos resultados do desenvolvimento. Portanto, para integrar trabalho, educao e desenvolvimento, a poltica de qualificao deve ter efetividade social, atendendo a quem mais necessita os desempregados e os grupos mais vulnerveis no momento adequado. A garantia dessa efetividade se expressa na forma como o Plano Nacional de Qualificao PNQ est estruturado. Nesse sentido, o marco normativo da qualificao social e profissional, a Resoluo n. 333/2003 do CODEFAT, a define como aquela que permite a insero e atuao cidad no mundo do trabalho com efetivo impacto para a vida e o trabalho das pessoas (PNQ, 2003-2007, p. 24), e prev a implementao do PNQ atravs de planos territoriais PlanTeQs e programas especiais ProEsQs. A esses instrumentos so acrescentados os planos setoriais PlanSeQs(5).(3) Brando (1980) entende que os cursos profissionalizantes que englobam a formao de mo de obra operria e os cursos tcnicos profissionalizantes so uma categoria da educao popular. (4) Princpio Constitucional, que prev o tratamento desigual dos desiguais, dentro da proporcionalidade de suas desigualdades, alcanando, assim, uma proposta de equidade que respeita a diversidade humana. (5) Atravs da Resoluo do CODEFAT de n. 408/2004.

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O PNQ fundamenta-se em seis dimenses: poltica, tica, conceitual, institucional, pedaggica e operacional. Dentre elas destacam-se, para os objetivos deste trabalho, as dimenses poltica e conceitual. Nos termos da proposta do PNQ, a dimenso poltica se refere compreenso da qualificao profissional como direito e espao de negociao coletiva, constituindo-se em Poltica Pblica inserida como elemento constitutivo de uma poltica de desenvolvimento sustentvel; na dimenso conceitual so destacadas noes como educao integral, participao social e gesto pblica, empoderamento dos atores sociais, territrio como base de articulao do desenvolvimento local e reconhecimento dos saberes socialmente produzidos (PNQ, 2003-2007).

2. PREMISSAS NORTEADORASs dimenses poltica e conceitual do PNQ foram agregadas as premissas norteadoras deste trabalho: bacia hidrogrfica como unidade de planejamento territorial, tecnologia social como mtodo e sustentabilidade socioambiental como pressuposto. Estas premissas constituem princpios que servem de base para a construo coletiva de caixa de ferramentas metodolgicas para o PNQ.

2.1. BACIA HIDROGRFICAPor ser a gua um bem de domnio pblico e fundamental vida humana, a Poltica Nacional de Recursos Hdricos(6) estabelece como diretrizes gerais que sua implementao deva ser articulada aos planejamentos regional, estadual e nacional (art. 3, inciso IV) e integrada gesto ambiental (art. 3, inciso III), bem como adequada s diversidades fsicas, biticas, demogrficas, econmicas, sociais e culturais das diversas regies brasileiras (art. 3, inciso II). Para tal foi aprovado o Plano Nacional de Recursos Hdricos(7) que tem a bacia hidrogrfica como unidade de planejamento e gerenciamento dos recursos hdricos no Brasil, sendo implementado pelo Sistema Nacional de Recursos Hdricos, que constitudo por nveis decisrios nacional, estadual e local, sempre delimitado pela bacia hidrogrfica. Neste sentido, a bacia hidrogrfica passa a ser o locus onde ocorrem as decises e a participao das comunidades, refletindo sistemicamente os efeitos dessas decises e participaes unificadora dos processos ambientais e das interferncias humanas. A partir dela, o Plano Nacional de Recursos Hdricos estabeleceu 12 regies hidrogrficas: Amaznica; Costeira do Norte; Tocantins; Costeira do Nordeste Ocidental; Parnaba; Costeira do Nordeste Oriental; So Francisco; Costeira do Leste; Costeira do Sudeste; Paran; Uruguai; Regio Hidrogrfica Costeira do Sul; e Paraguai.

2.2. SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTALA sustentabilidade socioambiental pressupe que as polticas e estratgias de desenvolvimento devem promover tanto a incluso social como tambm o desenvolvi(6) Lei Federal n. 9.433/1997. (7) Resoluo CNRH n. 58/2006.

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mento sustentvel regional. Alia-se a sustentabilidade ambiental sustentabilidade social e econmica ao contribuir na reduo da pobreza e das desigualdades sociais. Os problemas socioambientais no so novos, recentemente passaram a integrar as agendas polticas com toda a sua complexidade. Quanto mais so estudados os principais problemas da atualidade, mais se percebe que no podem ser entendidos isoladamente, pois so sistmicos, interligados e interdependentes (CAPRA, 1996). Portanto, quanto mais complexos e diversificados se tornam os problemas, mais impensveis isoladamente eles se transformam (MORIN, 2000). As mudanas hoje em curso esto contidas em poucas dcadas e tm um escopo global. A atividade econmica to extensiva que produz mudanas ambientais em escala global (GARDNER, 2001), consequentemente, ocorre a degradao da qualidade ambiental. O conceito de qualidade ambiental est baseado na relao entre atividades humanas e o meio. Esta relao entre a velocidade das aes antrpicas e a resilincia do meio(8) a principal causa de perturbaes na biosfera, alterando ecossistemas vitais e, recentemente, alterando o clima. A degradao da qualidade ambiental produzida tanto pela expanso da pobreza quanto pelo acmulo da riqueza (PEARCE, 1998). As questes ambientais se encontram diretamente relacionadas tanto com a superao da pobreza, por meio da satisfao das necessidades de alimentao, sade e habitao, como com as mudanas nos padres de produo e consumo (MULLER, 1997). A sustentabilidade, como paradigma e esperana para a mitigao do impacto causado pela influncia humana, vem se difundindo cada vez mais e apresentada como resposta s preocupaes mundiais relativas questo ambiental e ao futuro do planeta. Novas prticas de desenvolvimento esto sendo mundialmente desenhadas e experimentadas. H unanimidade em torno da busca de sua implementao, sem que haja um modelo definido de como isso deve ser alcanado. Como consequncia, diversas so as abordagens: passam tanto pela discusso realizada sobre a incompatibilidade da economia neoclssica em incorporar os pressupostos e valores da sustentabilidade, como pela necessidade do uso de teorias econmicas diferenciadas para analisar a implementao de um desenvolvimento realmente sustentvel (DALY; TOWNSEND, 1994; DALY; FARLEY, 2004). Outros questionam a iniquidade do atual padro capitalista de desenvolvimento e sua inviabilidade como modelo a ser seguido em busca da sustentabilidade (OCONNOR, 1997; GUIMARES, 1997). Esta linha de abordagem defende a necessidade de estratgias sociais e polticas baseadas na questo tica do desenvolvimento (SACHS, 2004; ACSELRAD, 2001). Nesta perspectiva, os processos de desenvolvimento esto intimamente relacionados cultura e s prticas territoriais e no podem ser avaliados isoladamente, s do ponto de vista ecolgico, ou biolgico, ou cultural, ou econmico, ou produtivo (MOORE, 1996). Portanto, as iniciativas sustentveis podem estar deficientes na compreenso de situaes e/ou necessidades especficas, quando transferidas para os pases em desenvolvimento.(8) Capacidade de voltar ao equilbrio.

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2.3. TECNOLOGIA SOCIALOs programas orientados reduo das desigualdades sociais no Brasil tm demonstrado capacidade limitada de estimular a melhoria das condies de vida das comunidades mais pobres de forma sustentada. Segundo a Rede de Tecnologia Social RTS (2006), isso ocorre porque, na maioria das vezes, as aes e as polticas pblicas elaboradas com a finalidade de reduo das desigualdades sociais no conseguem ser emancipatrias. Promove-se a transferncia de recursos aos mais pobres, mas no se garante a manuteno do seu nvel de renda na ausncia da poltica. Isso se d quando as polticas pblicas no conseguem gerar atividades produtivas que incluam de forma permanente a faixa da populao beneficiada por elas. No se gera trabalho, apenas renda, por isso no se propicia a desejada emancipao. Esse cenrio se deve, em grande parte, ao desenvolvimento e utilizao da Tecnologia Convencional, que faz com que o aumento da produtividade do trabalho leve a um crescimento econmico sem necessidade de gerao de empregos. Assim, questes que envolvem desenvolvimento econmico, premissas socioambientais e incluso social passam tambm pela questo da tecnologia. A premissa Tecnologia Social remete ao desafio de pensar e desenvolver tecnologias tanto hardware (relativa ao artefato em si), software (relativa ao conhecimento) quanto orgware (relativo forma de organizao da produo tecnolgica ou da produo de conhecimento) , que incorporem, desde sua concepo at sua aplicao, a intencionalidade de incluso social acompanhada de desenvolvimento sustentvel. A tecnologia social expressa, no plano conceitual, uma concepo de interveno social que inclusiva em todos os seus momentos. No plano material, ela desenvolvida e difundida de acordo com as possibilidades e limitaes de cada comunidade ou localidade que a aplique. Consequentemente, a construo do conhecimento, o fazer cincia e tecnologia so aes participativas (RTS, 2006; DAGNINO, 2004). na interao constante e indispensvel entre os planos material e conceitual que a tecnologia social se desenvolve. Cada tecnologia definida coletivamente de acordo com o contexto em que ela desenvolvida e por sua relao particular com a sociedade. Nesta perspectiva, tecnologia social compreende produtos, tcnicas e/ou metodologias reaplicveis, desenvolvidas na interao com a comunidade e que representem efetivas solues de transformao social (RTS, 2006). Como mtodo, necessita de um processo democrtico-participativo, no qual a interao dos atores/agentes sociais envolvidos facilite o surgimento de solues mais criativas e ajustadas a cada realidade. Deste modo, pretende-se reduzir as possibilidades da elaborao de projetos dissociados da realidade. A no participao dos envolvidos implicar, em grande parte, no pouco comprometimento com o territrio, na estagnao da transformao social e da emancipao humana. Participar significa tomar parte no processo, emitir opinio. Em uma construo coletiva, dever haver o envolvimento individual e permanente, considerando que aRevista ABET vol. IX n. 2/2010 39

participao indivisvel, devendo ocorrer em todas as etapas. A participao como um processo requer treino e, principalmente, mudana de comportamento e de atitude. A ocorrncia do proce