Resistance Magazine 9

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RESISTANCE MAIO 2013 MAIO 2013

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Physics and Tecnology Magazine

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RESISTANCEMAIO 2013 MAIO 2013

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Depois de anos de crise onde a austeridade teima em não

funcionar, onde os governos que necessitaram de pedir ajuda económica estão perdidos e não sabem o que fazer, Portugal, que tem conseguido manter a estabilidade política, que por sua vez tem impedido de afectar os mercados, começa a dar sinais preocupantes. As medidas de austeridade que Vítor Gaspar quer continuar a implementar começam a criar cissões dentro do governo, tanto por parte do CDS como do próprio PSD. O problema reside no facto destas facções não concordarem com as medidas de austeridade e não conseguirem apresentar qualquer tipo de soluções. Os economistas começam a afirmar que a austeridade não é o caminho a tomar, mas não fazer nada não pode ser a solução. Para bem de Portugal, o governo tem de perceber se ainda possui condições internas para continuar, e, se sim, qual o caminho a tomar. Um barco à deriva nunca chega a bom porto. Para piorar a situação, os partidos da oposição encontram-se igualmente perdidos (PS) ou numa realidade alternativa sem qualquer nexo (BE e PCP). Uma solução seria um governo composto pelos três partidos (PS, PSD e CDS) para ver se alguma ideia poderia surgir para Portugal poder resolver os seus graves problemas. Mas alguém acredita que qualquer um destes partidos irá colocar os interessas nacionais à frente dos interesses partidários ou de clubismos? O Futuro é já amanhã.

RESISTANCE MAGAZINE

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A Resistance chegou a um ponto crítico da sua existência: Crescer ou Morrer. A Revista e os projectos em carteira chegaram a tal dimensão que a Resistance não podia dar resposta a tudo. Assim, decidimos dar o passo em frente, crescer. O Futuro não passa de uma série de obstáculos que a Resistance tem que transpor sem medo de arriscar ou de inovar. Assim, tornámo-nos numa Júnior Empresa. Mas também aí decidimos ser diferentes.

EDITORIAL

*Por decisão editorial, cada artigo nesta revista foi mantido na sua ortografia .original.

A Resistance Júnior Empresa é uma Júnior Empresa de todas as faculdades e de todo o país. Temos nos nossos quadros alunos de diversas faculdades de Coimbra, assim como de diversas Universidades do país. Neste mundo digital, podemos facilmente trabalhar com membros não presenciais. Basta querer. E é isso que somos. Somos o querer e coração. Queres resistir connosco?

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The Color Run, também conhecida como os 5 km mais felizes do planeta, é uma corrida na qual os participantes, de todas as idades, formas e feitios, partilham um momento colorido

de diversão. Em cada quilómetro do percurso existe uma Color Zone à qual está associada uma cor diferente: amarelo, laranja, cor de rosa ou azul. Nesses locais os participantes são pulverizados com tintas até que no final têm a oportunidade de participar numa grande festa de cores. O The Color Run, fundado por Travis Snyder, nasceu nos EUA há pouco mais de um ano. Foi em Tempe, no Arizona, em Janeiro de 2012 que surgiu a grande estreia que desde cedo se revelou uma iniciativa promissora. Inicialmente o objetivo era levar o evento a 18 cidades. No entanto, com todo sucesso e com os crescentes pedidos do público, acabaram por alargar a mais de 40 cidades. Desde então, o The Color Run difundiu-se pelo planeta conseguindo atingir mais de 250.000 likes na página de divulgação do Facebook em apenas 6 meses, e começaram a surgir inúmeros pedidos vindos de todo o mundo para que o The Color Run se realize em várias cidades. Assim, de forma a dar resposta aos pedidos dos seus seguidores, o The Color Run cresceu e continua a espalhar cor de tal forma que, até hoje, quase 1 milhão de pessoas já partilharam esta experiência. Em 2013 é tempo de alargar horizontes e o The Color Run chegará à Austrália, Brasil, Chile e Nova Zelândia.

A Europa é exceção e a estreia decorreu no passado dia 7 de Abril na cidade de Matosinhos. A corrida foi um grande sucesso e contou com a participação de mais de 15.000 pessoas coloridas com cerca de 4 toneladas de tinta. Mas porquê o nosso país para a grande estreia na Europa? “Porque Portugal não pode ser o último em tudo”. Além disso “vivemos tempos cinzentos e quando soube da ideia fui aos EUA e negociei o acordo de parceria (…) e conseguimos!”, afirmou Jorge Azevedo, responsável pelo projeto em Portugal. No entanto, para quem não teve oportunidade de participar no The Color Run em Matosinhos não está nada perdido! Os 5km mais coloridos do planeta vão chegar a Coimbra (dia 4 de Maio), a Lisboa (dia 6 de Julho) e ainda a Braga e ao Algarve, levando o The Color Run de Norte a Sul de Portugal. Relativamente à eleição de Coimbra, para além da sua localização, contou a seu favor não só a beleza, mas também o facto de estar repleta de estudantes enérgicos, prontos para uma grande mistura de cores… Não fosse esta a cidade dos estudantes. A longo prazo o The Color Run pretende levar cor à Europa e “crescer por todos os países”. A meta a ultrapassar é juntar mais de 26.000 participantes numa só corrida, algo que até agora apenas foi possível em Filadélfia, nos EUA. A Alemanha é já o próximo país europeu a receber a tour. O conceito desta corrida, para além de ser uma forma saudável e divertida de fazer exercício físico, é uma atitude original e uma forma de ajudar quem mais precisa, dado que parte do valor pago na inscrição reverte a favor de instituições de solidariedade social locais. Para quem já é um seguidor ou para os que virão, a boa notícia é que o The Color Run vai voltar a colorir as cidades portuguesas e terá edições anuais em várias cidades!

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O Centro de Estudos de Materiais por Difracção de Raios-X

(CEMDRX) é um centro de investigação financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) que alberga cerca de 20 investigadores que utilizam a difracção de raios-X (DRX) como técnica principal para o estudo das propriedades de uma variada gama de materiais, dos semicondutores aos cristais orgânicos supramoleculares, incluindo materiais nanoestruturados e outros desenhados para aplicações específicas em química, farmacologia, engenharia mecânica e noutros domínios. A DRX é complementada com outras técnicas tais como a difracção de neutrões, radiação de sincrotrão, espectroscopia µSR, Mössbauer e Raman. Para além dos modernos meios experimentais de que o centro dispõe no DF (departamento de física), os investigadores do CEMDRX participam frequentemente em experiências realizadas em grandes instrumentos disponíveis em institutos de investigação europeus tais como o ESRF

(radiação de sincrotrão), ILL (neutrões), PSI (µSR) e ISIS-RAL (µSR e neutrões). Os grupos de investigação do CEMDRX são:

I – Propriedades Electrónicas e Magnéticas dos MateriaisII – Cristalografia de Raios-X e Engenharia de CristaisIII – Tensões Residuais e Materiais para Engenharia

De entre os projectos de investigação actualmente em curso destacam-se os relacionados com o desenvolvimento de

novos magnetes moleculares, materiais com propriedades ópticas não lineares, piezo e ferroeléctricos, com aplicações na indústria electrónica, ligas metálicas de alto desempenho, semicondutores e novos materiais multifuncionais. A investigação cobre não só aspectos de Física da Matéria Condensada, mas também de Ciência dos Materiais, Química-Física e Física Aplicada, muitas vezes em contextos interdisciplinares. Existem colaborações com muitos grupos de investigação nacionais e estrangeiros, sendo de realçar a colaboração estreita com o grupo de Física da Matéria Condensada do Centro

CEMDRXCentro de Estudos de Materiais por Difracção de Raios-X

_DR. JOSÉ PAIXÃO

FÍSICA

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de Física Computacional (CFC) do DF. A investigação fundamental recorre a várias abordagens, experimentais e de modelação computacional. Recentemente, têm sido estudados magnetes moleculares de baixa dimensão, materiais multiferróicos e o ordenamento dos multipolos eléctricos e magnéticos dos electrões 4f e 5f que ocorre a muito baixas temperaturas (Fig. 1). As técnicas que dão informação detalhada sobre os arranjos multipolares são a difracção de neutrões – que são sondas microscópicas “ideais” do magnetismo atómico – e a dispersão elástica ressonante de RX. Para esta última técnica há que recorrer a fontes sintonizáveis de fotões, de alta intensidade, disponíveis em aceleradores de partículas dedicados à produção de RX – sincrotrões. Como exemplo de sinergia entre a física computacional e a física experimental, podemos destacar um projecto comum com o CFC, financiado pela FCT, das propriedades do hidrogénio em óxidos de elevada permitividade eléctrica (p. ex. ZrO2 e Y2O3), que são materiais de grande interesse tecnológico, onde a presença de hidrogénio como

impureza domina as propriedades eléctricas. Cálculos ab-initio baseados na teoria de funcionais de densidade (DFT) permitem determinar as energias e as densidades de carga (Fig. 2) dos diferentes estados possíveis do hidrogénio incorporado como impureza. Estas informações são comparadas com os resultados experimentais de μSR, que se tornou a técnica de eleição para o estudo de estados isolados do hidrogénio em materiais e que é acessível em grandes instalações internacionais como o ISIS-RAL (fig. 3), em Inglaterra, e PSI, na Suíça.Num outro contexto, o hidrogénio é um excelente meio de armazenamento de energia, com aplicações no mercado das energias renováveis em sistemas integrados em que a energia de consumo final é produzida por pilhas de combustível alimentadas pelo hidrogénio armazenado. No CEMDRX estudamos ligas intermetálicas com alta capacidade de absorção de hidrogénio e outros materiais mais leves como zeolites e MOFs. Abordamos problemas da tecnologia de armazenamento de hidrogénio em

meio sólido, tendo como objetivo a construção de uma unidade modular de armazenamento de hidrogénio em ligas metálicas (Fig. 4), com optimização geométrica dos elementos estruturais e desenvolvimento de dispositivos termoreguladores para tirar o melhor partido das propriedades do meio sólido. Este é um projecto de doutoramento

figura2_ Isosuperfícies de densidade de carga para uma impureza de H em Y2O3, obtidas por cálculos baseados em DFT.

figura1_ Ordenamento antiferroquadrupolar eléctrico no NpO2 , determinado por estudos com radiação de sincrotrão.

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actualmente em curso no CEMDRX. Ainda no campo da Física Aplicada, existem várias colaborações com parceiros industriais para a investigação das tensões residuais em componentes mecânicos sujeitos a esforços continuados, como uma caixa de velocidades de um automóvel ou a asa de um avião.

O know-how desenvolvido no CEMDRX na utilização de várias técnicas experimentais (espectroscopias Raman, infravermelho, visível e UV, reflectância, difracção e fluorescência de raios-X, etc.) tem sido aplicado também a estudos de Património Cultural. São disso exemplo os projectos em curso de estudo de obras de arte de artistas dos sec. XV e XVI (fig. 5) e o estudo de revestimentos de edifícios de habitação e de monumentos ou edifícios históricos do Centro Histórico de Coimbra. Este trabalho tem permitido estabelecer diversas parcerias e colaborações com Museus, autarquias e outras instituições que têm a seu cargo a preservação do património.

figura3_ Uma das linhas de feixes de muões positivos do acelerador ISIS utilizadas no estudo de hidrogénio em óxidos de elevada permitividade eléctrica.

figura4_ Tanque de armazenamento de hidrogénio, utilizado como vector energético.

FÍSICA

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Tem aumentado muito o interesse entre nós pela história da ciência, em

particular a história da ciência em Portugal e, dentro desta, pelo papel essencial desempenhado pela Universidade de Coimbra. Em Coimbra esse interesse é ampliado pela candidatura da Universidade de Coimbra a Património Mundial, cujo resultado vai ser conhecido em Junho. O Instituto de Investigação Interdisciplinar da Universidade de Coimbra submeteu com êxito um projecto sobre este tema que tem produzido abundantes frutos. Com efeito, meia centena de investigadores das Universidades de Aveiro, Coimbra e Évora têm trabalhado desde 2000 no projecto História da Ciência na Universidade de Coimbra (1547-1933), que beneficia do apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia. No âmbito desse projecto, procedeu-se à recolha de fontes documentais sobre o tema em causa. Foi efectuada nos ricos acervos das bibliotecas e arquivos de Coimbra uma selecção de fontes históricas a digitalizar, tendo sido contratada uma

bolseira que ficou a trabalhar na Biblioteca Geral. Os documentos digitalizados foram colocados no sítio http://almamater.uc.pt (Repositório de Fundo Antigo da Universidade de Coimbra), onde estão acessíveis a todos. Por outro lado fez-se uma selecção de peças das colecções do Museu da Ciência para inventariar e fotografar, tendo sido contratada uma segunda bolseira que ficou a trabalhar no Museu de Ciência. As imagens foram colocadas no sítio http://museudaciencia.inwebonline.net/ (Museu Digital) Dois encontros internacionais foram realizados no quadro do projecto. Teve lugar em 2010, na Biblioteca Joanina um Colóquio e uma Exposição sob o tema Membros Portugueses da Royal Society organizado em colaboração com a Royal Society, que deu origem a um livro com esse mesmo título. E, em 2011, ocorreu em Coimbra o Congresso Internacional de História da Ciência (http://www.uc.pt/congressos/clbhc#co). Participaram cerca de 200 investigadores de Portugal e do Brasil, tendo sido publicadas actas em formato electrónico (http://www.uc.pt/congressos/clbhc/actas_congresso/). O congresso foi um êxito pela oportunidade que constituiu de divulgar estudos recentes assim como pelo encontro de historiadores da ciência dos dois lados do Atlântico. Um livro contendo as comunicações principais vai aparecer em breve do prelo da Imprensa da Universidade de Coimbra: História da Ciência Luso-Brasileira: Coimbra entre Portugal e o Brasil. Ainda no domínio da edição, foram publicados em 2010 o livro Breve História da Ciência em Portugal, a primeira síntese em livro da história da ciência nacional, e o catálogo Ver a República referente a uma exposição realizada na Biblioteca Geral, no Museu da Ciência e no Museu Nacional Machado de Castro sobre o centenário da República,

e foram concluídas várias teses doutorais. Para além disso, foram publicados numerosos trabalhos de investigação em revistas internacionais e nacionais. A página Web do projecto encontra-se em http://www.uc.pt/org/historia_ciencia_na_uc, podendo lá ler-se algumas sínteses históricas sobre vários aspectos da história da Universidade de Coimbra. Relacionado com o trabalho realizado neste projecto, foi aprovado um novo programa doutoral em História das Ciências e Educação Científica, organizado em conjunto pelas Universidades de Aveiro e Coimbra. Agora todos os interessados em aprofundar estudos sobre história da ciência têm mais uma oportunidade para o fazerem.

CFCCentro de Física Computacional_DR. CARLOS FIOLHAIS

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Laboratório de Física Experimental de Partículas e Instrumentação Associada_DR. RUI F. MARQUES

O LIP foi criado em 1986 no quadro da adesão de Portugal ao CERN (Organização Europeia de Pesquisa Nuclear).

Ora o CERN foi a primeira grande organização científica internacional a que o nosso país se ligou e o LIP surgiu como instituição de referência para a colaboração com esse grande laboratório. Formalmente, é uma associação científica e técnica sem fins lucrativos e de utilidade pública para a pesquisa em Física Experimental de Partículas e Instrumentação Associada, reconhecido como Laboratório Associado. As Universidades de Coimbra, Lisboa e Minho, bem como o Instituto Superior Técnico são associadas do LIP desde o início de 2012, a par da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e da Associação Portuguesa das Empresas do Sector Eléctrico e Electrónico (ANIMEE). Os domínios de investigação do LIP incluem hoje um leque variado de áreas que abrange desde a Física Experimental de Partículas com e sem aceleradores (astropartículas), à Instrumentação de Detecção de Radiação, Aquisição e Processamento de Dados, até à Computação Avançada e a aplicações das tecnologias desenvolvidas para a Física de Partículas, em particular à Física Médica. A actividade regular do LIP cobre ainda a educação e formação avançada, divulgação científica e apoio à educação científica e tecnológica (as Masterclasses ou as actividades com escolas secundárias), transferência de tecnologia e ligação industrial com o CERN e outros laboratórios internacionais. As actividades de investigação do LIP são desenvolvidas

principalmente no âmbito de colaborações no CERN e noutras instalações experimentais ligadas a organizações científicas internacionais, como o GSI para a Física com Aceleradores, SNOLAB, LUX ou o Observatório Pierre Auger para as actividades de Astropartículas e a própria ESA (Agência Espacial Europeia), para a qual o LIP estuda ambientes de radiação no sistema solar. O LIP partilha equipamentos e recursos humanos com um grande número de grupos de investigação e instituições,

nacionais e internacionais, contribuindo com seus próprios recursos técnicos e científicos para benefício de programas científicos comuns. As infra-estruturas de computação, nomeadamente de GRID, são usadas por múltiplas instituições de investigação; as oficinas de mecânica de precisão, instaladas no Departamento de Física da FCTUC, encontram-se abertas às necessidades da comunidade científica nacional e internacional; e o LIP tem ainda uma instalação no Laboratório Tagus-LIP, para Física Médica, em conjunto com hospitais e outras entidades. O LIP, Laboratório Associado desde 2001, foi avaliado como “Excelente” em quatro avaliações sucessivas por painéis internacionais. Criado com unidades em Coimbra e em Lisboa, o mais recente pólo, na Universidade do Minho, está já em pleno funcionamento, muito focado na colaboração estreita entre físicos teóricos e experimentais com vista à exploração dos dados do LHC. O LIP estabeleceu acordos específicos com cada universidade para a partilha de recursos. No LIP trabalham actualmente cerca de 170 pessoas, 87 com um grau de doutor, incluindo investigadores nacionais e estrangeiros e professores do Ensino Superior, e recebe por ano muitos estudantes de mestrado e doutoramento para preparação das suas teses. O LIP coordena uma rede internacional de formação avançada em Física de Partículas, Astrofísica e Cosmologia (IDPASC). A actividade científica actual do LIP-Coimbra será tema de textos a incluir em futuras edições.

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A Colaboração CREMA (Charge Radius Experiment with Muonic

Atoms) tem como objectivo o estudo de átomos exóticos, incluindo a determinação do raio do protão usando a técnica de espectroscopia laser. É composta por várias instituições internacionais, sendo o GIAN uma delas, e surgiu em 1998. As actividades experimentais decorrem no Paul Scherrer Institute (PSI), em Villigen na Suíça (Figura 1), que possui o acelerador de protões de baixa energia mais intenso do mundo. As primeiras medições recaíram sobre o hidrogénio muónico. O muão é cerca de 200 vezes mais pesado que o electrão sendo o seu raio atómico de Bohr 200 vezes menor, o que o torna mais sensível à distribuição da carga do protão. A diferença entre os estados de energia 2S e 2P corresponde ao chamado desvio de Lamb, inicialmente obtido no hidrogénio em 1947 por Willis Lamb, e permite calcular o valor do raio do protão. O hidrogénio muónico é obtido fazendo incidir um feixe de muões num alvo de hidrogénio colocado num campo magnético. Após a sua formação os átomos decaem rapidamente para o estado fundamental, mas uma pequena percentagem (≈1%) do total de átomos produzidos decai para o estado metastável 2S. Se a energia do laser corresponder exactamente à da transição entre o estado

2S e 2P (o desvio de Lamb), o muão será excitado decaindo depois do estado 2P para o estado fundamental com emissão de raios-X de 2 keV (Figura 2 - esquerda). A emissão destes raios-X em coincidência temporal com os impulsos do laser vai permitir estabelecer se a energia do laser corresponde à do desvio de Lamb e assim determinar esta quantidade através da curva de ressonância (figura 2 - direita), para posteriormente se extrair o valor para o raio do protão. A principal contribuição do GIAN prende-se com o desenvolvimento do sistema de detecção dos raios X, fruto da sua vasta experiência na área da detecção de raios-X de baixas energias. Os detectores utilizados são

os Large Area Avalanche Photodiodes (LAAPDs) que apresentam um óptimo desempenho em campos magnéticos, rápida resposta temporal (tempos de subida ≈ 25 ns e resolução temporal < 30 ns), resolução em energia (≈ 25%) quando operados a baixas temperaturas (entre os -20 e os -30C) e eficiência de detecção (≈ 90%). A primeira tentativa de medição, em 2003, não permitiu obter uma curva de ressonância. Após várias actualizações em 2007 e 2009, repetiu-se a experiência. A curva de ressonância da figura 2 foi obtida e consequentemente medido o desvio de Lamb (Figura 2 - direita). O raio do protão extraído é 10 vezes mais preciso mas cerca de 4% inferior ao valor actualmente tabelado (CODATA). Este resultado surpreendeu a comunidade científica e mereceu publicação na revista científica Nature em 2010 e mais recentemente na Science. Quase 3 anos após a publicação dos resultados o mistério sobre esta discrepância ainda se mantém sem que qualquer uma das hipóteses teóricas tenha sido confirmada. A colaboração CREMA encontra-se a preparar uma nova experiência para medição do desvio de Lamb no hélio muónico que irá decorrer durante o último trimestre de 2013 no PSI.

GIANGrupo de Instrumentação Atómica e Nuclear _DR. FERNANDO AMARO E DRA. ANDRÊA GOUVÊA

figura1_ Vista área do PSI

figura2_(Esquerda) Transição dos átomos de hidrogénio muónico do estado 2S para o estado 2P é induzida por um laser com uma energia correspondente à diferença de energia entre estes dois estados. (Direita) Número de raios-X de 1.9 keV registados em coincidência com o disparo do laser, em função da frequência do laser

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GEIGrupo de Electrónica e Instrumentação

_VÂNIA ALMEIDA

Ao longo deste texto queria deixar-vos para além de uma descrição científica do trabalho que tenho vindo a desenvolver no Grupo de Electrónica e Instrumentação (GEI) - Centro de Instrumentação, uma perspectiva do que é trabalhar em investigação científica e algumas informações, que considero úteis, para quem começa agora a pensar numa carreira nesta área. Vou começar por um pequeno resumo do meu percurso académico: sou estudante do Departamento de Física da Universidade de Coimbra desde 2004, ano em que ingressei no Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica, tendo optado pelo ramo de Instrumentação Biomédica e Biomateriais. No 5º ano optei por escolher um dos projectos apresentados pelo GEI, com

orientação do Prof. Carlos Correia, relacionado com Avaliação de Parâmetros Hemodinâmicos, no qual tive a oportunidade de explorar conceitos, quer na área de Electrónica, bem como na de Processamento de Sinal.

Actualmente, sou aluna de doutoramento e supervisora de alguns projectos de mestrado e como tal incito todos os interessados a aproveitarem este ano para se aproximarem da área

em que gostariam de trabalhar. No que toca à investigação, a vossa escolha pode mesmo ser o início do vosso trabalho futuro, já que mais facilmente poderão planear uma candidatura a doutoramento,

se o ambicionarem. Existem alguns concursos ao longo do ano, promovidos

por entidades quer nacionais, como a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), ou internacionais, como os que podem encontrar no Portal da Comissão Europeia, Euraxess, ou junto da Fundação Luso-

Americana Fulbright, que vos podem abrir portas, muitas vezes basta apenas que tomem a iniciativa de procurarem um possível orientador que vos ajudará a preparar a candidatura.

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De facto, foi este contacto com o meu actual orientador de doutoramento, Prof. João Cardoso, durante o projecto de mestrado, que proporcionou o apoio necessário para me candidatar ao concurso promovido pela FCT. E assim, logo que acabei o mestrado, tive a oportunidade de continuar no mesmo grupo de investigação ingressando no doutoramento em Física Tecnológica. O foco do meu trabalho tem ido ao encontro das preocupações da comunidade médica focadas na grande incidência das doenças cardiovasculares na população mundial, nomeadamente ao nível da rigidez arterial. Relativamente

aos meios instrumentais disponíveis para investigadores e médicos, para uma avaliação exacta do seu desenvolvimento, a técnica preferível foca-se na reprodução fiel da onda de pressão arterial. De momento, dedico-me à escrita da minha tese de doutoramento, na qual estarão descritas as quatro direcções principais seguidas para o desenvolvimento e teste de um protótipo para o rastreio destas doenças cardiovasculares: Desenvolvimento e teste das bases sensoriais de um destes sistemas não invasivos, baseado em sensores piezoeléctricos. Actualmente, o sistema apresenta uma estrutura modular, integrando outros módulos desenvolvidos também no laboratório, alguns deles por alunos de Engenharia Biomédica durante os seus projectos de mestrado. Melhoria das capacidades e exactidão de um modelo de bancada

de testes, dedicado à caracterização e calibração do sistema; Desenvolvimento de algoritmos de processamento de sinal para extracção de parâmetros relevantes. Além disso, o uso de técnicas de machine learning permitiu o desenvolvimento e aplicação de uma análise multi-relacional dos vários parâmetros. Condução de uma série controlada de testes clínicos para validação, controlados por médicos em unidades clínicas, como o Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC).

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É inverno, chove imenso, e está no seu local de

trabalho, numa pequena cidade, um pouco

distante do sítio onde habita. Recebe uma

chamada no seu telemóvel informando-o que a sua casa está a ser roubada e que foi feito um aviso à polícia. Mete--se no carro e segue a toda a velocidade pela autoestrada. Felizmente não tem “bicha” no acesso, e o uso da Via Verde ajudou-o a não perder tempo. O mau tempo e a velocidade a que conduz causa o despiste do carro, mas felizmente o sistema de apoio à condução do seu

carro coloca-o de novo no bom

caminho. Para

descontrair liga o rádio e ouve que a autoestrada está fechada mais à frente devido a um acidente. Usa então o sistema de navegação para encontrar um caminho alternativo. Ao chegar à sua cidade o funcionamento dos semáforos ajuda-o a ganhar tempo. Finalmente em casa, verifica com a polícia o que aconteceu. Agora, já sozinho, vai relaxar jogando xadrez com o computador, enquanto o seu robot de limpeza trata do lixo deixado pelos assaltantes. Mais calmo, decide ler o correio. Felizmente, o filtro contra o correio indesejado evita que tenha que ler lixo, e fica a saber que livros lhe são sugeridos

pela sua livraria virtual. Está na hora de voltar a pensar no trabalho e faz uma busca na internet sobre o tema que lhe interessa, não se admirando com a correção automática que foi feita à sua frase nem com a qualidade dos resultados devolvidos. Ficção? Não, pura realidade

Inteligência Artificial Razão e consciência

E R N E S T O

C O S T A

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nos dias de hoje. Limitou-se a tirar partido da investigação em sistemas inteligentes: visão e reconhecimento de padrões, sensores inteligentes, comunicação em linguagem natural, raciocínio probabilístico, métodos de procura, optimização heurística, robots de limpeza autónomos, resolução inteligente de problemas. Tudo começou em Agosto de 1956, nos EUA, quando um investigador do Darmouth College, John McCarthy, convence um conjunto de nove colegas a participar num seminário para debater a hipótese de criação de uma inteligência artificial (IA). Acreditavam que todos os aspetos da atividade inteligente e da aprendizagem podiam ser descritos de forma a poderem ser realizados num/por um computador: demonstrar teoremas, compreender a linguagem natural, reconhecer padrões, aprender regras e conceitos, apoiar a tomada de decisão, jogar xadrez, diagnosticar doenças, pintar, compor música, e o que mais possamos imaginar que o ser humano faz e que requer inteligência. Procuravam concretizar as crenças de antigos filósofos (Aristóteles, Descartes, Pascal, Leibniz) e as teorias de cientistas (Boole, Shannon, Von Neumann, Turing), no sentido de transformar o computador num artefacto de novo tipo, a quem um dia pudessem

gritar, como Miguel Ângelo perante a estátua de Moisés: Pensa! Hoje, passados quase 60 anos desde essa data, a história da IA ilustra uma combinação de muitas promessas, algumas ainda por cumprir, e vários sucessos. Para além das realizações tecnológicas, há os que olham para a IA como um modo alternativo de

tentar entender quem somos e como funcionamos. A possibilidade de construirmos seres inteligentes à nossa imagem e semelhança levanta, no entanto, muitas resistências. Foi assim no passado, nos grandes momentos de rutura epistemológica: com Copérnico, que nos colocou fora do centro do universo, com Darwin, cuja teoria da evolução por seleção natural retirou a dimensão transcendente à nossa existência, ou

ainda com Freud, que questionou a nossa racionalidade. Hoje, a IA diz-nos que é possível uma razão sem consciência, mas também nos ensina que somos bem mais do que seres racionais: somos seres imperfeitos, que têm sentimentos e se emocionam,

somos seres conscientes. Avançar na compreensão

do que é a consciência é o grande desafio do futuro. Será

que amanhã existirão entidades autónomas, embora criadas por

nós, que possam ter manifestações de medo ou de tristeza, que se emocionam, como o computador HAL de 2001 Odisseia no Espaço ou o replicante Batty de Blade

Runner? Muitos acreditam nessa possibilidade. Alan Kay disse que a melhor maneira de prever o futuro é inventá-lo. Há quem o ande a fazer agora. Por isso é melhor estarmos preparados.

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A Física tem um papel importante tanto na Biologia como na Medicina. Tradicionalmente, este papel reflete-se no

desenvolvimento de tecnologias que ajudam no laboratório ou no melhor diagnóstico e tratamento de pacientes (por exemplo através da radioterapia, Raios X, PET, IRM, OCT, etc., no caso da Medicina; ou da eletroforese, espetrofotometria, citometria de fluxo, etc., no caso da Biologia). No entanto nos últimos 5-10 anos, nas Ciências da Saúde, a Física passou de uma ciência que desenvolve exclusivamente instrumentação, para uma ciência que constitui parte essencial de equipas interdisciplinares que estudam sistemas biológicos. Sintomática dessa alteração é, por exemplo, a formação em 2010 de 10 centros denominados “Ciências Físicas para a Oncologia”, em universidades de renome dos Estados Unidos (como por exemplo em Berkeley, em Cornell ou no MIT). De imediato surge a pergunta de porquê de um momento para o outro se começa a financiar a investigação de sistemas biológicos usando a Física? A Biologia tem sofrido uma revolução nos últimos 30 anos e está a tornar-se numa ciência quantitativa. Onde, no início do século XX, se enumeravam e descreviam os sistemas do corpo humano, as espécies e a Natureza, hoje, cem anos depois, medem-se concentrações precisas de proteínas dentro das células em função do tempo, estabelecem-se relações de causalidade entre os níveis de proteínas numa via de sinalização, medem-se as forças que as células exercem num substrato, e conhece-se mais a fundo os processos que ocorrem dentro da célula. Para organizar, compilar e sistematizar a quantidade enorme de dados que as novas técnicas geram, biólogos celulares e moleculares procuram a colaboração de informáticos, matemáticos e físicos. Estes novos elementos nos laboratórios trazem novas maneiras de abordar os problemas, conduzindo a avanços mais rápidos. Do ponto de vista da Física,

também existe um interesse em Wse aliar à Biologia. A Física evoluiu imenso durante o século XX. A teoria Quântica e a Relatividade Geral conseguem prever, até ao limite da precisão experimental, as propriedades de sistemas microscópicos e a dinâmica de sistemas planetários, respectivamente. A partir destes sucessos, a Física interessou-se pelo estudo de sistemas mais complexos, onde novas propriedades emergem resultantes de correlações entre as várias componentes do sistema, como ocorre em sistemas Biológicos. Os modelos físicos acompanhados de um conhecimento experimental do sistema em questão, conseguem trazer para a Biologia o poder de previsão da evolução de tecidos e de patologias. Por exemplo, no estudo do enrolamento de proteínas, são analisados os mecanismos de enrolamento (por simulação de dinâmica molecular), ajudando na previsão da formação de aglomerados proteicos que estão na base do Alzheimer ou do Parkinson. Outro exemplo é a simulação do funcionamento dinâmico de redes de regulação genética, onde se pode compreender melhor a regulação celular. A Física pode também ajudar no estudo dos mecanismos que levam ao desenvolvimento tumoral, quer sejam estes intra-celulares (vias de sinalização problemáticas, proliferação desregulada, etc.), como inter-celulares (interações mecânicas entre as células, locomoção célular, etc.). Para além destes exemplos, os físicos têm estudado motores moleculares, propagação de sinais entre neurónios, dinâmica de redes alimentares e de ecossistemas, aquecimento global, propagação de epidemias, estratégias de movimento de animais como o caracol, as formigas e as osgas, e a fotossíntese, com o objectivo de melhorar os sistemas correntes de produção de energia solar. A aplicação da Física na Biologia ainda está no seu início, mas indicia um futuro promissor de colaboração e descobertas.

A Física na Biologia e na Medicina_DR. RUI TRAVASSOS

1_Simulação de crescimento de tumor, Shirinifard et al. (2009), PLoS ONE 4(10): e7190.

2_Estrutura usada para uma simulação de um motor molecular deslocando-se sobre um mi-crotúbulo, Kanada et al. (2013), PLoS Comput Biol 9(2): e1002907.

Ilustração do início da propagação do vírus H1N1 por viajantes a partir da cidade do México, Bajardi et al (2011), PLoS ONE 6(1): e16591.

FÍSICA

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RESISTANCE

Em 2002 ingressei em Engenharia Biomédica na Universidade de Coimbra e fiz parte do primeiro grupo de alunos neste curso. Nessa altura muitas dúvidas

existiam sobre a real aplicabilidade e futuro nesta área. A verdade é que passados estes anos, a Engenharia Biomédica se revelou de extrema importância e com alto reconhecimento a nível nacional e internacional. Terminado o meu percurso universitário, em que optei por me especializar em Imagem e Radiação, surgiram as questões inerentes a esta nova fase: acabei parte da minha aprendizagem mas, e agora? Onde aplicar este conhecimento? Foi quando, após algum tempo de reflexão, optei por enveredar pelo doutoramento em Neurociências. E porquê fora de Portugal? Porque sempre quis uma experiência internacional e tinha chegado a hora de dar esse passo. Fui então para o Instituto de Neurociências da Universidade de Newcastle upon Tyne, Reino Unido. Quando comecei a fazer o meu doutoramento tinha um título bem definido: “Mechanisms of bottom-up attention investigated with fMRI”. Mas cedo percebi que não iria estudar apenas os mecanismos da atenção e aprofundar os meus conhecimentos em ressonância magnética funcional (fMRI), iria estudar muito mais que isso. Um dos primeiros desafios a que fui sujeito foi aplicar os conhecimentos que adquiri como engenheiro para desenvolver um sistema óptico. Parte da minha investigação iria passar por usar um sistema óptico para mostrar diversos estímulos visuais a macacos enquanto adquiria imagens funcionais do córtex visual. O problema surgiu quando nos apercebemos que a qualidade da imagem do sistema de projecção de imagem que tínhamos disponível não era a melhor e que teríamos de fazer um upgrade ao sistema. Duas alternativas foram ponderadas: adquirir um novo sistema óptico, o que seria bastante dispendioso, ou desenvolver um sistema óptico “in-house”. Durante vários dias estive a rever todos os conceitos que tinha adquirido de óptica e do que necessitaria para poder projectar uma imagem pequena e em foco dentro de um scanner de 38 cm de diâmetro, de forma a poder estimular o córtex visual de macacos. Depois de muitos cálculos e desenhos achei que seria capaz e voluntariei-me para desenvolver um sistema constituído por um projector, com lentes modificadas e um conjunto de espelhos capaz de guiar a imagem do exterior do scanner até à retina dos animais. Posso dizer que este barato e prático sistema óptico desenvolvido nos meus primeiros dias como aluno de doutoramento em Neurociências ainda hoje é utilizado por todos os investigadores do Instituto de Neurociências que necessitem de apresentar estímulos visuais. Ao fim de cinco anos como investigador quase todos os dias aplico conceitos e princípios adquiridos durante o curso de Engenheira Biomédica. O facto de trabalhar na área de imagem médica faz com que tenha de acompanhar o desenvolvimento tecnológico na área de aquisição, processamento e análise de imagem. Com frequência aplico transformadas de Fourier, programo um novo estímulo visual, ou até uso um osciloscópio. Tudo com a finalidade de compreender e identificar a rede neuronal envolvida na atenção. Desta forma, posso afirmar que durante o curso de Engenharia Biomédica adquiri as ferramentas base necessárias para ser um investigador na área das Neurociências e Imagem Médica com capacidade de encontrar soluções para os problemas inerentes a esta profissão.

Dr. Mário BártoloResearch Associate in Institute

of Neurosciences, Newcastle University, UK. Graduated

in Biomedical Engineering in 2007 and finished PhD in July,

2012.

Dr. Mário Bártolo

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A FÍSICA na Pista do Crime

“In theory there is no difference between theory and practice. In

practice there is”

Yogi Berra,Jogador americano de baseball

Escolhi estudar Física porque queria ser astrónoma, estudar a origem do Universo e das coisas materiais. Acabei a estudar

crimes, através do estudo da prova material – os vestígios deixados no Local do Crime - que permitem reconstituir acontecimentos que não foram presenciados por ninguém e que possibilitam estabelecer uma relação entre a vítima e um suspeito de autoria de um crime ou entre a vítima, o suspeito e um determinado local ou objecto. Tal como nas outras ciências, onde se procura sempre provar algo desconhecido.

O trabalho num laboratório forense

As séries televisivas do CSI, tão frequentes nos dias que correm, dão uma percepção da relevância do estudo da prova material, o objecto de estudo do perito forense. Dão também uma ideia da diversidade de materiais que podem ser deixados no local do crime, nas vítimas, nos suspeitos ou que foram manuseados pelos diversos intervenientes. Confundem, no entanto, os papéis dos vários atores e deixam a ideia de que os equipamentos fazem tudo. Na verdade, os conhecimentos de base nas ciências fundamentais numa perspectiva multidisciplinar, a experiência e o rigor na abordagem dos problemas é que vão permitir o estudo das evidências e delas extrair dados que vão ajudar a esclarecer a forma como o crime ocorreu – quase como Poirot, mas necessitando mesmo de verificar todos os dados antes de anunciar uma descoberta, ou seja, de extrair conclusões dos dados obtidos nas análises e observações efectuadas. Mas antes do Laboratório, vem a Cena do Crime, com todo o stress envolvido e também com os cenários tristes, violentos ou degradantes a que quase nos tornamos imunes e que nos podem levar às empolgadas observações “que interessante!” quando algo é mais surpreendente. Depois da recolha no local e da análise no laboratório, vem por vezes o Tribunal e os seus interrogatórios, quase parecendo uma prova oral, onde o rigor e a imparcialidade têm de estar sempre presentes.

É este trabalho muito diferente do realizado noutros laboratórios de investigação ou industriais?

Podemos admitir que sim em dois aspectos essenciais:

_ Se nos debruçarmos nas causas de cada caso, sabemos que existe sempre um crime na origem do trabalho a realizar.

_ Na abordagem ao caso, no manuseamento dos matériais e na preparação das amostras a analisar, o maior problema são as reduzidas quantidades de material e a opção por métodos de análise não destrutiva, que possibilitem, caso seja necessário, a repetição dos ensaios efectuados e a análise por métodos alternativos que possam confirmar os resultados obtidos.

Assim, a actividade num laboratório forense é extremamente diversificada e, mesmo considerando apenas o trabalho mais diretamente relacionado com a Física e a caracterização de materiais onde a avaliação de propriedades físicas está envolvida, a Física é usada em peritagens de balística, por exemplo na determinação de trajectórias, na análise de resíduos de disparos, de vidros, fibras, tintas, materiais metálicos e poliméricos, todos no âmbito da investigação de homicídios, violação, contrafacção, assaltos à mão armada e outros. As técnicas usadas são as contempladas na análise de materiais, como a microscopia óptica, a microscopia electrónica com microanálise por raios-X, a identificação e comparação de materiais por técnicas de espectroscopia e por difracção de raios-X ou ainda a determinação de índice de refracção de vidros. Em todas as situações os conhecimentos de Física são fundamentais para compreender os fenómenos estudados, o funcionamento dos equipamentos usados e para avaliar os resultados obtidos de uma forma crítica e imparcial na procura da verdade.

FÍSICA

FÁTIMA M

ACHADO

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Imagem e espectro de uma partícula característica de resíduos de disparo recolhida em cápsula Fiocchi cal 6,35mm Br)

DOIS CASOS:

Fotografia 1: imagem de papel obtida por microscopia eletrónica de varrimento (eletrões secundários) no âmbito de um estudo de comparação de papéis usados em notas falsificadas com o objetivo de comparar o tipo de fibras constituintes, as cargas e respetiva distribuição.

Fotografias 2 e 3: comparação de partículas características de resíduos de disparos de armas de fogo num caso que envolvia dois suspeitos que dispararam munições de marcas diferentes. A comparação destas com as do alvo permitiu identificar o autor do disparo fatal.

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A SFT actua nas áreas de Medicina Física, Reabilitação e Fisioterapia e dedica-se ao desenvolvimento de dispositivos médicos com um alto

grau de funcionalidade, inovação e aplicabilidade em ambiente clínico, focando-se principalmente na quantificação de diversas grandezas físicas, como: forças, ângulos, pressão, deslocamento e vibração, promovendo biofeedback para situações de avaliação, treino e diagnóstico da condição física do utente. A SFT providencia um valor acrescentado para profissionais de saúde que acompanham os utentes no processo de reabilitação física e para o próprio utente. A SFT tem experiência e alto nível de conhecimento em instrumentação, sistemas de automação de leitura, aquisição e processamento de dados e imagem, bases de dados, desenvolvimento de aplicativos móveis e web. Este conhecimento é sustentado por técnicos com conhecimentos sólidos nas áreas de tecnologia e de Engenharia Mecânica, Biomecânica, Electrotécnica e Informática. A SFT dispõe ainda de privilegiados contactos e parcerias, por fazer parte da sua definição estratégica, com profissionais de saúde, instituições públicas e privadas de saúde, bem como instituições de Ensino Superior. Promove-se a transferência de conhecimento entre o pólo de saúde e o pólo da engenharia e extraem-se as reais necessidades deste sector e dos seus profissionais, das quais resultam soluções integradas com valor. Nestas áreas foram identificadas várias necessidades não colmatadas pelos equipamentos existentes no mercado, quer porque os produtos apresentam elevados custos de aquisição, quer pela sua inadequação em termos de funcionalidade em ambiente clínico, bem como pela elevada exigência técnica de manuseamento e operação, ou até mesmo por não estarem disponíveis no mercado devido à especificidade técnica necessária para os profissionais de saúde, abrindo espaço para investigação e desenvolvimento e uma consequente inovação em novos produtos. A aposta na área da saúde pela SFT não é ocasional e encontra-se bem sustentada entre os promotores da empresa. Por outro lado, a inserção da empresa na região centro, em particular em Coimbra, permite aos promotores terem uma rede alargada de contactos no setor da saúde, designadamente com profissionais de saúde e instituições de ensino, nomeadamente a Universidade de Coimbra, a Escola Superior da Tecnologia da Saúde de Coimbra e a Universidade de Aveiro. O facto de estar sediada na zona centro permite à SFT alinhar estratégias em grupos e clusters vocacionados para a área da Saúde como o Inov C.

Luís Ferreira e Pedro Mendes, alunos do 3º ano de Engenharia Mecânica do ISEC, frequentam diversos workshops de empreendedorismo relativos ao Poliempreende

Foram incentivados a apresentar uma ideia de negócio para concurso e decidem explorar uma tecnologia que estavam a aprender nas aulas. Contactam o professor da cadeira, Carlos Alcobia, para integrar a equipa. Submetem uma ideia e um plano de negócios a concurso.

Ficam classificados em 1º lugar na fase regional, e vão representar Coimbra na fase nacional onde conquistam o 1º lugar. O concurso premiou-os com 12 mil euros e com um ano de incubação física grátis no Instituto Pedro Nunes.

A ambição de constituir uma empresa está na ideia de todos. Efeturam-se contactos e surge um novo e valioso elemento para a equipa: a empresa Controlar, que acrescenta uma vasta experiência na realização de projectos, gestão financeira e atuação comercial. A equipa é então composta por: Luís Ferreira e Pedro Mendes , Carlos Alcobia (Docente) e a empresa Controlar.

Luís Ferreira e Pedro Mendes estão agora no 4º ano do Mestrado Integrado de Engenharia Mecânica da FCTUC. Fruto de contactos exploratórios surge uma proposta do primeiro projecto, com a âmbição de obter um produto comercial. Nesta fase definiu-se a área de Medicina Física, Reabilitação e Fisioterapia como área preferencial de actuação.

EMPREENDEDORISMO

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Definiram-se objetivos e iníciou-se o desenvolvimento do 1º protótipo para validação de conceito em ambiente clínico.

Pedro Mendes e Luís Ferreira estão agora no 5º ano do mestrado e fazem as suas teses em torno do protótipo que haviam desenvolvido. São desenvolvidos estudos aprofundados a nível técnico, científico e clínico.

Em Dezembro de 2011 a empresa é formalmente constítuida: uma sociedade por quotas com o nome de Sensing Future Technologies. Nesta altura é incubada virtualmente na Incubadora do Instituto Pedro Nunes.

Em Julho de 2012 dá entrada nas instalações do Instituto Pedro Nunes - Incubadora, sendo a sua sede social. Fizeram-se melhoramentos ao protótipo, desenvolveu-se um novo protótipo para novos testes e entrou um colaborador para a equipa: um engenheiro informático. É nesta fase que se dá o arranque para o desenvolvimento de um produto comercial.

NO FUTURO...

PATENTEApresentação

Produto(Maio de 2013)

Entrada no mercado

(Julho de 2013)

A Sensing Future Technologies vai avançar com um pedido provisório de patente do seu primeiro produto.

O novo produto vai ser exposto e apresentado ao mercado na Feira NorMédica/Ajutec 2013 na Exponor no Porto.

Entrada no mercado com um produto inovador

Financiamento“A angariação de investimento implica idealizar, desenhar e planear cuidadosamente um plano credível, realista, ambicioso e com valor que potencialmente convença os “senhores do dinheiro” de que realmente é um projeto de valor e rentável. ““Uma start-up muitas vezes não dispõe do know-how que incisivamente precisa.

Por isso escolhe parceiros-chave para concluir com sucesso determinadas tarefas.”

“Temos constantemente de nos apresentar a novas entidades. Muitas vezes só temos uma oportunidade para abordar alguém e não podemos falhar! É imperioso conseguir passar uma mensagem clara, simples e em menos de 1 minuto convencer alguém que a nossa atividade e o que geramos tem realmente valor!”

Elevator Pitch

“É verdade que ultimamente o estado tem potenciado ações de promoção de empreendedorismo com medidas muito concretas. A SFT goza de beneficios fiscais por ter jovens nos seus quadros, mas é também verdade que a contribuição para o estado social continua a ter um enorme peso nas finanças da empresa.”

Estado

Principais desafios:

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“O 6º Concurso Poliempreende foi o pontapé de saída para a ambição da constituição da SFT. Este concurso permitiu, além de formação pessoal, o contacto com diversas entidades que foram uma mais valia para a equipa e para o projeto.”

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EMPREENDEDORISMO

Apoios:Poliempreende

“A Controlar proporciounou todo um conjuto de transferência de conhecimentos e de experiências de uma entidade com quase duas décadas de actividade e que actua no mercado internacional e encontra-se em fase de expansão. Foi uma pedra basilar a nível financeiro.”

Controlar - Electrónica e Sistemas

“A Incubadora do IPN é um claro apoio contabilístico, jurídico, técnico e de instalações. Permite ainda uma rede de contactos e eventos de áreas específicas.”Instituto Pedro

Nunes - Incubadora

“Ao longo dos últimos meses colocou a SFT em contacto com entidades internacionais selecionadas, permitindo não só a integração de concórcios, como a geração de renome internacional.”

Câmara de Comércio e Indústria do Centro

“Colocou vários desafios às capacidades técnicas da SFT conseguindo assim o desenvolvimento de dispositivos médicos adaptados simultaneamente a profissionais de saúde e utentes.”

Centro Terapêutico Peroneo

“É através do conhecimento destas instituições que é possível ir mais além e conseguir atingir novos objetivos. O conhecimento aliado à tecnologia apenas poderia resultar em mais valias para todos os intervenientes.”

Escola Superior de Saúde da Universidade

de Aveiro e Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra

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Segunda-feira, o despertador toca às 8:15 horas. Espera-

me mais um dia e uma semana de trabalho. É assim desde há 1 ano e 10 meses, altura em que comecei a colaborar com a ISA – Intelligent Sensing Anywhere. Esta empresa de base tecnológica, que trabalha na área da telemetria, é conhecida pelas suas soluções inovadoras na área da Energia e do Oil & Gas e por ter sido fundada por antigos estudantes do Departamento de Física da Universidade de Coimbra, sendo um modelo de sustentabilidade e sucesso. Apesar de trabalhar em tempo parcial, já que ainda me encontro a terminar o meu curso, a experiência com a ISA não tem sido fácil, mas certamente enriquecedora a muitos níveis. Começa por ser complicado conciliar a vida profissional com a vida académica e os estudos. Acabam-se as saídas à noite, acabam-se os tempos mortos, acaba-se grande parte daquilo que caracteriza a vida académica de um estudante de Coimbra. Mas ganha-se certamente uma coisa, uma grande dose de experiência para o futuro. Não só a nível profissional mas também pessoal. Com esta aventura abracei um novo modo de encarar os problemas e os desafios. Embora a minha formação de base seja em Engenharia Física, um ramo tradicionalmente tecnológico, na ISA trabalho como Innovation Developer no Departamento de Inovação. Apesar de ser uma pessoa com relativamente pouca experiência profissional, a minha colaboração na ISA tem sido em projectos desafiantes e

alguns deles internacionais. A maioria destes desafios estão ligados à gestão mas todo o meu background tecnológico permite-me não só visualizar os projectos de forma diferente, como também fazer uma ligação mais precisa entre a gestão e a tecnologia, característica que hoje em dia é cada vez necessária cada vez mais no mercado. Pela diversidade do trabalho e novidade de temas vi-me imerso num mundo completamente diferente, onde a responsabilidade, o rigor e o foco com que trabalhamos é fundamental. Na Universidade desenvolvemos trabalhos em ecossistemas controlados, todos os cenários são à partida previsíveis e muitas vezes já executados por alguém no passado. Apesar de termos metas e horários a cumprir, qualquer situação difícil é resolvida com algumas horas de dedicação ao problema sem envolver grandes riscos mesmo que a solução esteja longe da realidade. Bem, no mundo real não é bem assim. As decisões têm de ser tomadas em tempo real, há expectativas a cumprir quer a nível de timing quer a nível de qualidade. A uma certa altura começamos a compreender que as nossas decisões e todos os problemas que resolvemos influenciam o futuro, e muitas vezes podem ter resultados imprevisíveis, ou pelo menos não são os esperados, gerando novos problemas para resolver, criando um ciclo vicioso e a necessidade de planear e executar o nosso trabalho com a maior qualidade possível, dando o máximo das nossas

capacidades. Mas este stress, adrenalina e angústia vêm acompanhados pela paixão que temos quando fazemos o nosso trabalho. E é esta a moral da minha história, apesar das dificuldades e de todos os desafios desta etapa da minha vida, sinto-me apaixonado por aquilo que estou a fazer, e sobretudo sinto-me feliz, tendo esta experiência permitido não só ganhar grandes competências como também me fez perceber o que quero fazer no futuro. É por isso que sou da opinião que todos os alunos assim que entram no mestrado deveriam procurar emprego, mesmo que a tempo parcial, de forma a descobrirem quem são, as suas limitações, os seus limites mas sobretudo o que os apaixona. Acredito que um colaborador feliz e apaixonado é priceless para qualquer empresa. Durante este período cresci mais como pessoa, como estudante e como profissional do que em 5 anos de Universidade. Conciliar trabalho, aulas, projectos, exames, trabalhos em grupo, programar, estudar, férias, família, amigos, diversão, sair, ler, brincar, rir, chorar e ainda ter tempo para dormir é difícil. Tão difícil que por vezes me fez querer desistir. O que não me fez desistir? A paixão! A paixão por aquilo que faço e que quero fazer. Estou assim numa situação diferente, num percurso académico diferente, não porque fiz mais que os outros, ou porque sou melhor que os outros, mas sim porque sempre procurei mais e mais. Não foi sorte, foi trabalho e paixão.

O trabalho que desenvolvo envolve diversas tarefas como:

Desenvolvimento do ISaLL –

Intelligent Sensing and Smart Services Living Lab, plataforma de co- -criaçao e inovação aberta impulsionada pela ISA;

Actividades de apoio e suporte

na preparação de candidaturas a projectos de financiamento Europeu e Nacional;

Desenvolvimento desses mesmos

projectos com equipas multidisciplinares e internacionais;

Participação no desenvolvimento

de um projecto que engloba gestão energética e visualização de dados.

Estudante trabalhador

JOÃO NOGUEIRA

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O ensino superior é universal?_FREDERICO BORGES

Comparar a educação em Portugal com o resto da Europa é um exercício interessante porque constatamos que estamos em

alta nos índices mais negativos (a taxa de abandono precoce é de 23.2 % atrás de Malta e da Espanha1) e em baixa nos índices mais positivos (a população entre os 25 e os 64 anos que completou o ensino secundário constitui apenas 35 % da população nacional, apenas Malta assume uma posição estatística pior que Portugal1). Apesar destes dados serem públicos, sempre que os governos tentam mexer na educação os professores manifestam-se aos milhares contra qualquer tipo de medidas. Como profissão que garante o futuro de Portugal, os professores preocupam-se em manter os direitos que adquiriram após o famoso 25 de Abril de 1974. Direitos como terem mais um dia de folga além do fim de semana, não serem realmente avaliados, serem efetivos (e não poderem ser despedidos independentemente do que façam) e os casos de horário zero (apesar de não darem aulas receberem como se dessem). Com todas estas preocupações com os professores não podemos deixar de nos questionar quem é que se preocupa com os alunos. Com todas estas manifestações,

quais os benefícios dos alunos? O que é que o futuro de Portugal ficou a ganhar com isto? Uma das grandes queixas dos professores com os cortes na educação é o elevado número de alunos presentes nas salas de aula. Mas vemos que Portugal possui 9,7 2 alunos por docente, somente acima de Estónia (9,1 2), Holanda (6,9 2) e Irlanda (5,1 2). Uma das melhores educações na UE é a Finlândia que conta com 16 2 alunos por docente, e aí não existem manisfestações do corpo docente. Foi com os estudantes portugueses em mente que a Resistance decidiu fazer esta reportagem, com o objetivo principal de perceber se a educação portuguesa é Universal como se diz. Sabemos através do ranking das escolas do ensino secundário no ano de 2012, que a média de exames das escolas portuguesas varia desde os 14 valores nas melhores escolas privadas (12,60 nas melhores escolas públicas) até aos 7,44 valores. Em alguns distritos, as escolas privadas possuem as melhores classificações na média de exames. Desde logo, podemos verificar que estudantes com famílias mais abastadas têm a possibilidade de frequentar escolas com melhores médias, e assim têm mais possibilidades em entrar

no ensino superior. Mas o problema não reside nas escolas privadas, mas sim na falta de qualidade das escolas públicas. O ensino privado existe porque o ensino público não consegue fazer frente às exigências das famílias portuguesas. Na Finlândia a qualidade do ensino público é apontada como a principal razão pela qual o sector privado é quase inexistente 3. No entanto, 14.7 % dos nossos inquiridos formaram-se no ensino privado. Segundo o nosso inquérito a média de exames das escolas secundárias dos estudantes da Universidade de Coimbra é 10,44, sendo que a média nacional é 9,5. Melhores escolas colocam mais alunos no ensino superior, e os alunos que são obrigados a frequentar essas escolas têm menos possibilidades de entrar no ensino superior, pois 64.79 % dos inquiridos afirmou que frequentou a escola secundária devido à proximidade geográfica, e 14.08 % devido ao prestígio da escola. Também verificamos que os distritos menos populacionais possuem escolas com piores

REPORTAGEM

Fatores que o levaram a frequentar a escola secundária:

Proximidade daresidência

Pessoas que já afrequentavam ou que airiam frequentar

Prestígio da escola

Disciplinas

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médias nos exames, e a razão dada é que o insucesso escolar se deve à distância geográfica, consequente de muito tempo e dinheiro despendido em viagens, fatores muito mais evidentes nos países nórdicos com as melhores taxas de sucesso escolar. Os nossos inquiridos também avaliam muito positivamente os docentes, tendo em conta os conhecimento e o empenho dos mesmos, 4.2 em 5, que é um valor bastante positivo sobre a qualidade dos docentes nas respetivas escolas secundárias, já que 52.11 % atribuiu a nota 4 e 30.99 % a nota 5. A avaliação da qualidade da escola secundária tendo e conta as infraestruturas também foi bastante positiva, com uma nota de 3,55 em 5, e com nota semelhante 3,19 esteve a nota das escolas em termos de actividades extracurriculares. Através desta análise podemos observar que apesar dos inquiridos terem estudado em escolas secundárias com uma boa qualidade em termos de infraestruturas e atividades extracurriculares, parece que os docentes que os acompanharam tinham uma qualidade acima do nível da escola. Isto poderá significar que os alunos poderão ter apanhado alguns dos melhores professores da respectiva escola. Graças a isso, 63% dos inquiridos entrou no curso como primeira opção, conseguindo ingressar no curso e estabelecimeno de ensino pretendido.

Mesmo assim, 46 % dos inquiridos necessitou de explicações extracurriculares para terminar o ensino secundário com a média desejada. A existência de explicações extracurriculares significa que os alunos necessitam de mais tempo que o existente para esclarecer todas as dúvidas existentes, mas o facto de os docentes não abrirem o espaço gratuito nas escolas para garantir que os alunos possam tirar as suas dúvidas é uma incógnita. Se cada professor dedicasse uma ou duas horas semanais a cada turma, poderíamos não ter a necessidade de colocar os nossos estudantes em explicações extracurriculares, onde só os alunos cujas famílias têm mais posses podem assegurar as explicações. Como vemos pelos inquiridos, de 46 % dos alunos com explicações, 61 % frequentou explicações de Matemática, 20 % de Física e Química, 10% de Biologia e 7% de Português, que são as disciplinas leccionadas no curso de Ciências

e Tecnologia. Infelizmente, podemos concluir pelos resultados obtidos através deste inquérito, que as possibilidades de um aluno frequentar o ensino superior não são iguais para todos, apesar da ajuda financeira aos alunos em % da despesa pública em educação ser 14.8 % 2 no ensino secundário, relativamente próximo da média da união europeia (17.2 % 2). Talvez um dia, quando os professores se começarem a manifestar por um aumento de qualidade educativa em vez de pensarem neles próprios. É só o futuro de Portugal que está em questão.

Entrou no curso escolhido como primeira opção?

Não

Sim

Considera que a escola onde concluiu o ensino secundário efectua alguma espécie de selecção quanto

aos alunos que nela entram?

Sim

Não

Sem Resposta

1 Dados no www.pordata.pt – relativos a 20112 Dados no www.pordata.pt – relativos a 2010

3 Dados na www.apagina.pt

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Cinema é arte. Não é negócio, não é um fazer dinheiro, não é produto intelectualmente infértil para adolescentes, não é blockbusters cheios de efeitos especiais mas sem conteúdo. É arte, é cultura, é magia. Escolho falar-vos não de um filme mas de filmes pois são estes que constituem, em parte mas não por completo, o cinema. Cinema no seu sentido artístico está sempre associado a cultura e o género de cinema, que no fundo não é bem um género mas sim uma designação, sobre a qual estas linhas vão incidir são os chamados Filmes de Culto. Filme de culto, é o termo que designa aquele filme que não tem preocupação em agradar o público Mainstream, tem um roteiro original, às vezes transgressor contendo o bizarro, violência, apelam para uma estética alternativa, costumam ter personagens estranhas, cultuados pelos cinéfilos. Os filmes de culto também costumam ser confundidos com “filme cabeça”, ou seja, aqueles com conteúdo intelectual e filosófico.

Muitas vezes são filmes mal recebidos pela crítica, crítica esta que, anos mais tarde, lhes reconhece o devido valor artístico e cultural, são filmes que, por norma, não têm grande sucesso de bilheteiras, sucesso no imediato mas que o tempo, que é o melhor juiz de todas as coisas, no seu veredito final lhes atribui a melhor distinção: no fundo, a intemporalidade. Quem não conhece filmes como Fight Club, Clockwork Orange ou American History X ? Estes são só alguns exemplos de filmes de culto que acabaram por se tornar conhecidos pela maioria do público mas que na altura do seu lançamento não atingiram esse sucesso. Mas isto nem sempre acontece, isto é, outros filmes como por exemplo, Erasehead de 1977, Akira de 1988 ou Freaks de 1932 são considerados filmes de culto mas ainda hoje não são conhecidos da maioria do público. Tudo depende da sorte, da cultura, no fundo, do tempo. Nunca se esqueçam: Cinema é arte. A sétima.

Filme vencedor do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2010, conta-nos a história de Benjamin Esposito, um detetive reformado que decide ocupar o seu tempo livre com a escrita de um livro sobre um antigo caso policial, que ficou por resolver. A história é-nos contada à medida que o livro avança, utilizando flashbacks para contar os desenvolvimentos do caso. O que aparenta ser um filme policial é na verdade uma busca pessoal de Benjamin, para tentar perceber o que correu mal na sua vida amorosa. E é nesta busca que o filme se torna uma obra-prima. Depois do fantástico zoom-in (que já faz parte da história do cinema), o espetador fica agarrado ao ecrã e nem se apercebe que ainda faltam dois terços do filme, pois o filme passa, infelizmente, a correr. A fotografia do filme é fantástica

porque foca os olhos das personagens para que estes sejam uma segunda forma de comunicação entre as personagens. Aliás, o argumento do filme é um policial. É o olhar que estabelece a verdadeira comunicação entre elas mesmas. Este é um dos grandes filmes da década de 10’s, que se afasta do público português porque não é falado em inglês, nem é de uma grande produtora americana. Pelas mesmas razões não esteve nas grandes salas de cinema mas, nas poucas que se dedicam a mostrar o bom cinema, em vez da palhaçada de sempre. Felizmente, com a internet à disposição, este filme está a um clique de distância.“Um homem muda de casa, mulher, religião e sexo. Mas não muda a sua paixão”. O cinema é a minha paixão, querem acompanhar-me?

O Segredo dos seus Olhos

Sandro

Leitão

Frederico

Borges

24 Frames/s

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Três anos depois de Sacanas Sem Lei, Quentin Tarantino, dono de clássicos como Kill Bill e Pulp Fiction, regressa com um western que, no mínimo, não deixa ninguém indiferente. O papel parece assentar bem a Jamie Foxx (Django) que liberta a sua Broomhilda. Mas engane-se quem pensa que esta é apenas uma história de amor, sangue ou vingança, protagonizado pelos principais rostos desta história (Jamie Foxx, Leonardo DiCaprio e Christoph Waltz). Ele aborda inevitavelmente assuntos como o racismo e a escravidão, temas que parecem incomodar secretamente aqueles que atribuem a principal crítica do filme à violência. É com Django, o herói negro, que nasce a história que nos faz recuar até 1858, mas é principalmente a personagem de Christoph Waltz (que já antes tinha brilhado em Sacanas sem lei e que surge aqui como aliado improvável da personagem de Jamie Foxx) que nos agarra ao ecrã à espera de mais um monólogo brilhante que salva todo o rumo das personagens. Apresenta-se-nos ainda DiCaprio, responsável pela representação de um homem que parece ter parado de crescer

na sua infância, cuja sua principal preocupação é satisfazer os seus caprichos comprando e vendendo homens como se de mercadoria se tratasse, que faz de Stephen (Samuel L. Jackson) como que parte da sua consciência. É obvio que este filme contém sangue e que o tema “escravatura” é uma ferida aberta pronta a suscitar uma polémica cruzada nos EUA. Mas são os diálogos e as relações entre as personagens, constantemente interrompida por uma banda sonora esquizofrénica, que tornam Django o Libertado um grande filme que, sem deixar de ser um filme do Oeste Selvagem, se distingue por tornar a exploração dos negros o tema central. O filme que facilmente descreveríamos como a história de um homem que luta contra tudo e todos para resgatar o seu amor, transforma-se (mesmo - talvez - contra a vontade de Tarantino) naquilo que podia bem ser um filme de denúncia, sem pretensões de se colar demasiado à história real que remonta a guerras e descrições certamente menos românticas que as feitas em Django o Libertado. No final de contas, não deixamos de ter um filme de ficção.

Para quem esteja mais alienado do propósito e contexto de “De Rouille et d’Os”, a palavra que salta instantaneamente durante a assistência do filme é “surpreendente”. Este drama com D grande e romance com r pequeno é construído de encontros e desencontros entre duas pessoas tão diferentes quanto perdidas, ele emocionalmente e ela fisicamente. De fácil compreensão e sem azo para grandes imaginações torna-se simples de seguir sem “perder o fio à meada”. O desempenho humano de Marion Cotillard e Matthias Schoenaerts está bem presente durante todo o filme sendo este, não completamente mas quase, focado nas diferenças e na relação das duas personagens. A sua envolvência parece tão natural que não são precisas palavras para se compreenderem um ao

outro. As cenas de forte carácter físico, sempre demonstrando a força dos seres humanos, estão presentes durante todo o desenrolar da acção e constituem a identidade deste drama. Sem conservadorismos e onde tudo o que o realizador sentiu necessidade de mostrar está presente. Um filme muito realista e que faz uso de bons efeitos de imagem para o conseguir. Também a banda sonora, que mistura temas originais com músicas bem conhecidas está bem adequada a cada momento e sentimentos a transmitir. Um filme que vale a pena ver atentamente porque não se limita a penas a dramatizar mas também a encontrar alternativas. Não ficará para a história mas não é nenhum filme de domingo à tarde e não é só para quem gosta de cinema Francês.

Ferrugem e Osso - Surpreendente

Django - Unchained

AnaGarcia

PedroVaz

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Fantasy Black Channel

Os Late of the Pier são um grupo proveniente de Castle Donington, bem no centro de Inglaterra. O seu som provém de guitarra, baixo, bateria e do uso (e abuso) de sintetizadores. Produzido por Erol Alkan, o primeiro (e único, até hoje) álbum de originais dos LOTP, Fantasy Black Channel, saiu em 2008 para boa recepção da crítica e do público. O álbum começa ¬¬Hot Tent Blues a fazer uma introdução para Broken e as suas guitarradas a relembrar um Bowie astronauta. Segue-se Space and the Woods, um dos hits imediatos deste álbum. Sintetizadores poderosos, um ritmo contagiante, um refrão a pedir uns saltos e a voz trágica de Sam Eastgate tornam este um dos momentos (mais) altos do álbum. Não há tempo para pausas, e The Bears are Coming mostra um lado mais exótico da sonoridade do grupo. Se Random Firl quase que passa despercebida, Heartbeat entrega mais uma dose de energia a quem ouve. Whitesnake continua a mesma toada, libertando o lado mais rock dos quatro jovens, sendo seguida de VW, que faz a transição instrumental para Focker, outro grande momento musical deste álbum. Electrónica de primeira classe, um refrão de tributo à pop, e muita imprevisibilidade fazem desta música a bandeira do álbum. Mas não acaba por aqui: The Enemy are the Future e Mad Dogs and Englishmen são menos carregadas, com menor dose de electrónica mas igualmente bem desenhadas. E no final outro dos temas mais reconhecidos dos LOTP, Bathroom Gurgle. O baixo e os sintetizadores a delinear um ritmo negro e dramático, claras referências ao som dos anos 80, pop e soul espremidas numa só música. E assim acaba um álbum marcado pela década de 80 (intencionalmente ou não), em que a estrutura das músicas raramente segue o convencional verso-refrão (apesar de nunca esquecer as raízes da pop) e um estilo eclético, inventivo, com personalidade definida. Criatividade parece não faltar: os quatro jovens possuem uma clara identidade sónica, sem que isso os limite a fazer 10 músicas iguais. Ao vivo descarregam toda a energia que o álbum transporta, proporcionando um grande espectáculo de música e dança (comprovado pessoalmente). Esperemos que ainda tenham mais a dar.

The Joy Formidable The Wolf’s Law

Por Gonçalo Louzada

Talvez desconhecidos em grande parte do solo europeu (para já), os The Joy Formidable são uma das bandas emergentes no universo rock da Grã - Bretanha. Formados em 2007 no País de Gales, apresentam um som que oscila entre o rock alternativo e o grunge, pontualmente temperado com algumas doses de experimentalismo noise pop. O seu primeiro álbum de originais foi o aclamado The Big Roar (2011), e Wolf ’s Law é o trabalho que procura dar continuidade a um bom álbum de estreia. A abertura fica a cargo de “This Ladder Is Ours”, que é um excelente indicador do que são os The Joy Formidable, na maior parte das situações. Um rock direto, in-your-face, mas que por vezes se perde no experimentalismo exaustivo e com resultados variáveis. Por resultados variáveis, podemos entender o brilhantismo de “Maw Maw Song”, e a dispensável mímica a Sigur Rós de “The Turnaround”. Noutros terrenos mais próximos da área de conforto dos galeses, “Cholla”, “Tendons” e “Bats” seguem um som mais agressivo e difuso e o single “Little Blimp” é um pop/rock dançável de bater o pé. “The Leopard and The Lung” é o melhor trunfo do álbum, remanescente dos The Smashing Pumpkins pré-1995. O álbum apresenta alguns momentos menos conseguidos, que quebram o ritmo e consistência (“Silent Treatment, “The Hurdle”). Além disso, não convida ao típico rewind ad infinitum, como acontecia com o trabalho anterior, o que pode indicar uma fórmula já gasta em certos aspetos. Ou um álbum que não corresponde ao anterior. Ou ambos. Wolf ’s Law não é um mau álbum, longe disso. Mas não posso deixar de compará-lo com o álbum anterior, por ser claramente inferior. Deixa a pairar no ar a ideia do que esteve bem próximo de ser mais um registo a adicionar à lista dos Sophomore Slump, como se diz na crítica internacional quando o segundo álbum falha em relação ao primeiro. Não deixa, no entanto, de merecer uma audição, não só para introduzir à banda, mas também porque há momentos de relativo brilhantismo entre os mais dispensáveis.

Por João Borba

Late of the Pier

78 Rotações por minuto

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Jazz em Portugal no Feminino

Testemunhando a vitalidade do Jazz em Portugal, surgiram nos últimos anos vários jovens músicos de grande qualidade, com propostas inovadoras, que têm ganho visibilidade em Portugal e no estrangeiro. Para isso têm contribuído os circuitos e festivais de Jazz promovidos por entidades como a Fundação Serralves ou o JACC – Jazz ao Centro Clube, mas também editoras portuguesas como a Clean Feed, TOAP ou JACC Records. Não obstante as dificuldades crescentes no mercado da edição discográfica, estas editoras têm mantido uma produção regular e dado oportunidades aos jovens intérpretes e compositores de gravarem e difundirem o seu trabalho. Também os “veteranos” têm apoiado a nova geração, em projectos onde a tradição do Jazz se tem cruzado com propostas mais irreverentes e arrojadas. No feminino, também surgiram vários nomes, com destaque para cantoras como Sara Serpa e Elisa Rodrigues. Elisa Rodrigues editou o seu primeiro disco pela JACC Records (uma editora de Coimbra) com o título “Heart Mouth Dialogues”. É um disco fresco e acessível, com interpretações bem conseguidas de alguns standards como “Ain’t no sunshine” ou “Cry me a river”, mas também temas dos Beach Boys e Nirvana. Destaca-se também neste disco o jovem pianista Júlio Resende, uma das muitas boas revelações dos últimos anos, que abrilhanta a prestação fluida e segura da cantora. Sara Serpa, jovem cantora actualmente a residir em Nova Iorque, tem já vários discos gravados e reconhecimento internacional, como atestam as recentes boas críticas ao seu mais recente trabalho no New York Times, que a caracteriza assim: “Sara Serpa is cool all over, from concept to execution.” No disco intitulado “Aurora” , editado pela Clean Feed, Sara Serpa interpreta de forma delicada e sensível, acompanhada unicamente ao piano pelo veterano Ran Blake, um conjunto de temas que incluem “Strange Fruit” e “When Autumn Sings”, celebrizados por Billie Holiday e Abbey Lincoln. A voz de Sara Serpa, limpa, sem vibrato, e o acompanhamento delicado de Blake conferem a este disco uma atmosfera mágica, simultaneamente fresca e despojada mas densa e hipnótica. Por último, uma referência para os Ogre, um projecto original em que a veterana cantora Maria João se junta a um trio de jovens “rebeldes”: Júlio Resende no piano, João Farinha noutros teclados, Joel Silva na bateria e André Nascimento em “electrónica”. O seu disco “Electrodoméstico” editado pela JACC Records, e parcialmente gravado ao vivo no Salão Brazil em Coimbra, agrada logo numa primeira audição .

Por Dr. José Paixão

Death Grips _The Money Store

Acho que não será um exagero extremo dizer que o epicentro da cultura da Internet é o 4chan e que /mu/core é o acompanhamento musical, por extensão. Ainda não concluo que /mu/core transcendeu para o quotidiano, mas o The Money Store, dos Death Grips, foi distribuído pela Epic Records, uma divisão da Sony. E estamos a falar de pessoal subsequentemente expulso da editora ao lançar o No Love Deep Web gratuitamente, um ano antes da sua data de lançamento. Isto após ter obrigado o /mu/ a passar por um ARG no Tor que culminou no dia 1 de Outubro de 2012 em que mais de 30 milhões de pessoas “sacaram” um álbum cuja capa é uma pénis. Mas não quero divulgar esse infame, mas sim o anterior, The Money Store, o que efectivamente lhes arranjou os catalisadores para tal proeza. Em “Get Got” a introdução à paisagem sonora é breve: aos 10 segundos já se está rodeado pelo rítmico caos lo-fi que é a sonoridade prevalente, e passado um minuto a ciclicidade das 13 faixas pode tratar-se por apresentada. Daqui seguem-se 40 e tal minutos de salva atrás de salva de sons distorcidos, sintéticos, gravados com um iPhone enquanto se passava pela rua, adulterados com delays e reverbs que nem a Behringer incluiria nas suas mesas por tão deveras rançosos serem. Tudo pontuado por batidas ambíguas a induzir claustrofobia e liderado por um vadio a gritar através de inundações de efeitos feios e duas bolas de golfe na boca. O álbum concentra-se exclusivamente no som. No entando é de hip-hop e tem letras, sobre as quais digo o seguinte: o Stefan Burnett tem um chapéu de papel de alumínio. Não que isto seja uma crítica, pois tal registo literário enquadra-se bem na música: é directo, confuso e desorientante. A estrutura das músicas é uma reflexão disto. Enfim, The Money Store funciona pela originalidade com que exibe as suas ideias. É imprevisível com gosto e infeccioso. Diria até que revoluciona o hip-hop se soubesse mais acerca do mesmo. E não, eles não imitam os Dälek.

Por Andrey Solovov

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Se recentemente foste obrigado pela tua namorada a assistir ao concerto do

Justin Bieber, lavar a loiça ou até, Deus tenha misericórdia, pintar-lhe as unhas dos pés, este artigo é para ti, um compêndio de medidas que podes tomar para manteres a virilidade aos olhos dos teus amigos.

No café_Em primeiro lugar, quando estiveres com os teus amigos a tomar café, por amor de Deus não espetes o dedo mindinho ao segurar a chávena. Em segundo, tomar café deve significar sempre beber finos à homem! Já agora, o que é uma imperial? Um homem bebe finos!

A ver a bola_Se ela te ligar quando estás a ver a bola com os teus amigos não atendas e fazes de seguida uma piada machista sobre a situação. (Nota: tens dois minutos contados para arranjar uma desculpa qualquer sobre ir mudar a água às filhoses e ir de imediato à casa de banho ligar-lhe de volta!) Ao ver a bola, o jogador nunca pinta o cabelo, faz tranças ou faz desenhinhos no cabelo e na barba, simplesmente abichanou.

Em casa_Podes até ceder a lavar a loiça mas nunca com detergente e parte sempre um ou dois pratos, à homem! Levar o lixo à rua sim mas nada de reciclagem; e se for à luz do dia com pessoas a ver só se levam as garrafas de cerveja e as caixas de pizza! Se ela te obrigar a mudar o rolo do papel higiénico deixa de fazer a cama; e vice versa. Quando ela se queixar dos teus pêlos no lavatório e na banheira PEDE SEMPRE DESCULPA mas depois queixa-te junto dos teu amigos; riam-se da ironia desta situação. Se fores forçado a usar avental compensa com um ou dois dias em roupa interior pela casa. Se te apetecer beber leite bebes do pacote e arrotas na mesma a seguir; o pacote do leite é para se

abrir com os dentes!

Na rua_Em caso de estar a chover, o teu guarda-chuva deve dizer de ti nada menos do que “quando bato com a porta a casa até cai”, caso contrário vais à chuva depois de o destruires contra um muro, à homem! Se fores obrigado a transportar a mala dela compensa com algo mais másculo do outro lado como um garrafão de vinho, um capacete de uma mota ou um pau.

No carro_Ao conduzir com o auto-rádio ligado é janela fechada com Ala dos Namorados, janela aberta com Xutos e Pontapés e porta aberta com Quim Barreiros! Não há cá cães a abanar a cabeça na chapeleira a menos que sejam cães verdadeiros; cães mais pequenos que um gato vão na mala(!); Caso sejas forçado a ter um desses cães pequeninos a abanar a cabeça compensa com um saco de cimento ao lado, por exemplo. Se por acidente deixares o carro ir a baixo finge que foi de propósito: grita com quem lá estiver dentro, bate com a porta e vai-te embora a pé. Caso viajes sozinho opta por mudar o pneu, à homem!

Às compras_Se a lista de compras for dela considera comprar online com entrega ao domicílio. Caso contrário só se aparece na caixa com pelo menos duas grades de cerveja por cada embalagem de quatro iogurtes de aloé vera!

Após uma discussão com ela_Já sabemos quem é que ganhou a discussão, de qualquer maneira dizes aos teus amigos que és demasiado maduro para continuar uma discussão sem sentido nenhum e que quando chegarem a casa é ela quem vai dormir no sofá.

FIM (murro na mesa!)

Ah! Ah!Ah!Ah!Ah!

Ah!Ah!Ah!Ah!

Ah! Ah!Ah!

Ah!Ah!Ah!

Ah!

Abrir cervejas no tampo da mesa, à homem!

João Pedro Ferreira

PLACE BEERTHRUST DOWNWARD

ENJOY BEER

HOW TO OPEN A BEER WITH A TABLE

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RESISTANCE

Criado pela empresa Quantic Dream este drama narrativo explora

temas adultos e profundos. Heavy rain apresenta um enredo pesado onde são raros os momentos de alegria. Mas calma, não pensem que o público-alvo são apenas as pessoas que preferem ambientes mais sombrios e noturnos, onde quem manda é o suspense e o terror, simplesmente envolve áreas delicadas da vida e pretende que o jogador se coloque no papel das personagens e sinta aquilo que elas sentem. A história começa com uma família feliz onde Ethan Mars é casado e pai de dois filhos. Infelizmente a harmonia sentida no início do jogo rapidamente deixa de existir quando o filho mais velho morre por um

pequeno descuido do pai. Ambos os pais entram num estado de depressão extrema, levando à sua separação e a um “afastamento psicológico” do filho mais novo, Shaun. Mas logo quando a relação entre pai e filho começa a progredir, Shaun é raptado pelo infame Assassino do Origami, um homicida em série que vitimiza jovens rapazes. Na sua procura incessável por Shaun, este terá que passar por inúmeros obstáculos e desafios provando o seu amor por Shaun, e esta é a mensagem central da história - “Até onde estás disposto a ir para salvar alguém que amas?”. Apesar de Ethan ser a personagem principal, há outras quase tão importantes, também jogáveis e cruciais para o desenrolar da ação: Norman Jayden é o agente

do FBI responsável pela investigação do criminoso; Madison Paige é uma jornalista que tenta descobrir a todo o custo a identidade do assassino e Scott Shelby que é um detetive privado contratado pelas famílias das vítimas anteriores. Mas o que é que torna este jogo tão especial? Ao longo do jogo somos colocados na pele das personagens e é-nos dado um leque variadíssimo de hipóteses que irão influenciar o resto da progressão da história, havendo então mais de 10 finais possíveis! Por fim resta-me dizer que Heavy Rain foi um dos jogos mais marcantes que já joguei (e acreditem que já joguei imensos :) ), não só pela sua história envolvente, como também pela qualidade de imagem e som.

_André Bernardes

Quando um dos melhores jogos

de sempre retorna à ribalta com uma sequela, as expectativas são altas e Portal 2 não lhes ficou aquém. Após uma excitante

primeira aventura onde tentamos ficar livres do centro de testes científicos da Aperture Science, acabamos por nos encontrar à superfície e, pensamos nós, longe do poder da companhia, há um bocadinho extra de história, acrescentado após a criação da sequela, onde podemos ver que somos de novo arrastados para o edifício. Acordar no mundo de Portal 2 é ver um quarto fechado, diferente do já familiar centro de testes. Aqui, recebemos instruções e notamos que nos encontramos numa espécie de clínica. Após indicações básicas, voltamos a adormecer. Ao acordar novamente, notamos mudanças drásticas que nos fazem crer que estamos num mundo pós apocalíptico e, na verdade, temos conhecimento do mesmo pois conhecemos uma nova personagem, Wheatley, cuja voz pertence a Stephen

Merchant, um dos escritores da famosa série britânica “The Office”. Wheatley é a personagem que nos acompanha no início do jogo e que nos indica onde está a portal gun e podemos retomar o modo de jogo da prequela. São puzzles de física que nos fazem considerar as leis da mesma enquanto mexemos com portais que nos fazem pensar em como chegar ao próximo nível. Este jogo tem a mesma dinâmica do primeiro mas apresenta uma história diferente com surpresas e novas adições ao fantástico mundo da Aperture Science. Como não podia deixar de ser, vemos presentes a GLaDOS, as turrets e o nosso companion cube. Contudo, a maior adição no jogo é o modo de co-op, onde há todo um novo conjunto de puzzles que só podem ser feitos com a ajuda de um amigo que também tenha o jogo. Todas as componentes adicionais tornam o Portal 2 uma experiência divertida e interessante que nos capta do primeiro ao último nível. O novo leque de personagens apresentado é inovador e dá sentido a toda a história que rodeia GLaDOS e a Aperture Science. Considerado um dos melhores jogos de 2011, faz valer os prémios e dá vontade de continuar a jogar até se conseguir desvendar todos os puzzles, níveis e desafios que se atravessam no nosso caminho.

_Beatriz Gomes

JogosPortal 2

Heavy RainAqui o jogador enfrenta um dos desafios mais arriscados planeados pelo Assassino do Origami

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Em 2010 é publicado na Nature o trabalho de uma equipa de cinco físicos que determina com uma grande precisão a massa do pulsar PSR J1614-2230: 1,97 0.04 MSol [1,2]. Este pulsar tem um período de 3,15 ms, um raio de 13 2 km e pertence a um sistema binário, sendo a outra estrela uma anã branca com uma massa de 0,500 0,006 MSol. Um pulsar emite radiação numa grande gama de comprimentos de onda ao longo do seu eixo magnético. Como o eixo magnético e o eixo de rotação não estão alinhados o sinal chega regularmente ao observatório com a frequência de rotação da estrela, como se fosse um farol. A equipa de cientistas verificou que o sinal chegava atrasado quando a anã branca se posicionava entre o pulsar e o observatório. Este atraso, conhecido por atraso de Shapiro, é um efeito previsto pela relatividade geral e permitiu determinar a massa do pulsar com uma grande precisão. Porque é que esta medição é tão importante, de tal modo que o artigo já foi citado em mais de 340 trabalhos científicos? Um pulsar é uma estrela muito compacta com propriedades muito especiais. O PSR J1614-2230 tem uma massa dupla da do Sol mas com um raio de apenas 11-15 km. Uma massa tão grande num volume tão

pequeno implica a existência de densidades muito altas no interior: poderão ser até cerca de 10 vezes maiores que a densidade no centro de um núcleo. São densidades que presentemente nenhum laboratório internacional consegue atingir. Por exemplo, no Large Hadron Collider (LHC) atingem-se temperaturas muito altas e densidades muito baixas. A altas densidades poderão existir graus de liberdade exóticos: além dos usuais protões, neutrões, electrões e muões, também bariões com estranheza, conhecidos por hiperões e que incluem os Lambda, Sigma e Cascata, ou condensados de Kaões, mesões que também têm estranheza, ou matéria de quarks desconfinada. As mais variadas equações de estado com diferentes graus de liberdade têm sido propostas para descrever estrelas compactas, mas desde a publicação do trabalho de Demorest et al [1] apenas as teorias que conseguem prever uma massa da ordem de 1,97 MSol ou superior são aceitáveis. A “simples” medida da massa de um astro possibilitou estabelecer fortes restrições a nível das teorias microscópicas, incluindo a Cromodinâmica Quântica (QCD), e excluir todas as teorias que não permitem descrever uma estrela como o PSR J1614-2230.

O tempo urge. Esperança de um dia, força de uma mente, repouso de uma alma. Os dias são difíceis, marcados pela impetuosa crise que faz questão de revelar uma presença quotidiana e constante. Sofre-se com o presente, desenhando um futuro pouco promissor e inseguro. Fala-se da dívida e da crise, da obrigação e da necessidade, do desemprego e do medo; sempre num pesado ambiente de desânimo e de desespero, padecendo da falta de vigor, apenas contrariado por uma finíssima réstia de otimismo que se desprende da grande corrente da vida. Esperança designa essa escassa, mas arrebatadora, força que reina nos âmagos dos homens, constituindo-se ao mesmo tempo pilar

e corpo, que ignora que se desfaz pelo sismo e pelo gládio, agarrando-se a todo o custo à glória dos acasos do Fado que prometem melhores dias, novos apogeus e triunfos, tempos áureos e apoteóticos; procurando coordenar acontecimentos, jurando prosperidade e fortuna. De essência e matéria desconhecida, da esperança apenas se conhecem os efeitos, apresentando componentes fundamentais como a fé, a crença ou a sólida expetativa, uma incessante chama que arde no âmago de cada um, conduzindo-os pelos fragosos e íngremes troços da existência. Esperança por si só, pura e plena, ausente de dogmas e preconceitos, resplandecente sopro que transforma um derrotado traste num aguerrido

combatente, moldando-lhe a mente e a visão da vida, metamorfoseando-se num credo pio, justo e leal, incitando à perseverança e à resistência. De verde se orna a difusa essência de névoa, levantando os ânimos àqueles que não mais contavam ver o seu esbelto vulto, possibilitando o alcançar do impossível infinito que divaga nos confins do frígido Universo, libertando a humana condição de se ver cativa dos seus próprios limites. A esperança é o fulgor dos deuses, o inexplicável que move e prende, que faz pela vida e que a preserva. É ela que a ordena e justifica. Esperança de ser, de amar e de viver. Esperança louca e irracional, desmensurada e desmedida. Esperança imortal.

Esperança_TIAGO GOMES

O pulsar PSR J1614-2230 e a força forte_DRA. CONSTANÇA PROVIDÊNCIA

1- P. D. Demorest, T. Pennucci, S. M. Ransom, M. S. E. Roberts, J. W. T. Hessels, Nature 467, 1081 (2010)2- http://en.wikipedia.org/wiki/PSR_J1614%E2%80%932230

CRÓNICAS

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Mitos: numa manhã de nevoeiro? Engane-se pois o caro leitor que acha possível isto acontecer com o regresso de D. Sebastião. É uma história bonita mas não passa de orvalho, humidade e manhãs sem sol, pois o verdadeiro retornado regressou num dia limpo, com muito sol e com uma chuvinha ao cair da noite. Está feito o anúncio... resta saber se o homem vai mesmo aparecer. Chama-se José, como o pai de Jesus, e a sua aparição tem um q.b. de santidade, pois acontece dias depois de o novo papa ser eleito (claramente um sinal de Deus), e no qual a revolta social e a crise parecem piores do que nunca. Eis que volta, José Sócrates, com o nome de filósofo grego e um bonito primeiro nome, aparece vestido de comentador político (a segunda aparição mais usada pelos santos de Deus, a seguir à virgem Maria) e vem conhecer o céu e o esplendor da televisão pública, depois de crucificado pelos Portugueses. Já se sabia que era um Mártir, já se sabia que estava em Paris a perceber os porquês da sua crucificação e até que tinha enviado um seu discípulo (também ele perito em cursos instantâneos), um tal de Miguel Relvas, e por fim volta para ser canonizado pela RTP, televisão (ainda) do

estado. Talvez aí Miguel Relvas tenha por objectivo ajudar na santificação do seu ídolo. Sócrates, Socrátes, Trocaste, Socras ou Socas, nomes carinhosos dados pelo seu querido e religioso povo, promete não receber qualquer remuneração pelo seu comentário político (excepto aquelas viagenzinhas para Paris, alimentação e todas essas “pequenas coisas”), o que é de louvar, uma coisa que hoje em dia apenas os santos conseguem fazer, nessa consciência de não cuspir no prato que já comeu. Sócrates não quer meter qualquer euro ao bolso porque os tem ocupados: no esquerdo terá o seu primeiro diploma universitário realmente válido (será?) e no direito terá rendimentos extra do governo que liderou enquanto pôde e o FMI não lhe cortava os subsídios. É um princípio da gatunagem: ladrão não rouba ladrão. Sinceramente, na minha singela opinião, José não terá dificuldades para se habituar a este clima político, uma vez que o país continua com a corda ao pescoço, o primeiro ministro não faz nada de especial para resolver a crise, há sempre alguém no governo que gosta de fazer umas brincadeiras e umas gaffes (ah e os cursos que tira!) e Cavaco Silva continua a falar imenso. É neste ambiente familiar

que José Sócrates regressa activamente a Portugal. No entanto terá um trabalho árduo, José Sócrates, uma vez que se vê ligeiramente ultrapassado pelo seu discípulo Miguel Relvas no âmbito das gaffes políticas e do seu curso. Terá de se esforçar, mas com determinação pode obter vitórias importantes neste campo, pois estará mais tempo exposto a falar de coisas que julga conhecer. Há ainda Cavaco Silva que tecerá sempre duras considerações sobre coisa nenhuma, o que pode levar a silêncios dolorosos que José não está habituado a enfrentar. José Sócrates não terá no entanto o chefe da oposição a enfrentar, que sempre conseguiu ludibriar as aspirações de José e que conseguiu incendiar as suas palavras. Falo, claro, de Marcelo Rebelo de Sousa, o professor que não descansa e que já não fala na RTP, tendo optado pela TVI. Percebe-se a posição de Marcelo, uma vez que alguma cultura tinha de ser dada à TVI nestes últimos anos. Cabe agora decidir ao leitor se vai consentir a ascensão de José, Superstar, ou vai continuar a escutar cultura e comentário do líder da oposição a qualquer governo, Marcelo. Será no mínimo espectacular a disputa das audiências. Salvé José!

Estes são os fatos: na nossa vida nunca teremos férias no espaço. Nunca teremos uma daquelas mochilas com um motor a jato todas fixes que vimos sempre nos filmes, muito menos um carro voador. A SIDA muito provavelmente não terá cura definitiva antes da nossa morte, a gripe comum igualmente, o cancro muito menos. Isto não vos incomoda? Em Portugal morrem por ano em acidentes de automóvel aproximadamente 1000 pessoas. Ou melhor, aquilo que a chamamos acidentes. Nós metemo-nos conscientemente dentro de balas que podem pesar até 3 toneladas, que não somos capazes de controlar a 100% e depois questionamo-nos como é que algo pode correr mal. Podem-se estar a perguntar por que razão estou eu a reclamar com isto. Afinal o mundo não é perfeito, nunca o foi, e provavelmente nunca o será. Sim, ainda existem crianças a morrer de diarreia devido a consumo de água pouco potável, mas que fazer? Acontece que vivemos no século XXI. Para todos os efeitos vivemos

no futuro. Temos máquinas nos nossos bolsos que nos mantêm contatáveis a toda a hora. Temos computadores com milhentas vezes mais poder de processamento que aqueles que levaram o homem à Lua em ’69. Podemos ligar-nos a uma rede que quebra qualquer fronteira, nos dá qualquer informação que queiramos. Não há muito tempo atrás uma mensagem demorava meses a atravessar o mundo. Qualquer pensamento estúpido de qualquer indivíduo pode atravessar o globo numa questão de segundos. Imaginámos sempre o futuro com carros voadores, escravas sexuais robôs (ok, isto talvez só eu), viagens interestelares e nem nos damos ao trabalho de olhar para os nossos Iphones. Nascemos com eles? Não. Nós somos personagens de ficção científica, nós vivemos no futuro. Mas onde está a minha pistola de raios? As minhas férias na Lua? A minha nave espacial? Este não é o futuro que nos foi prometido, alguém o roubou… Ninguém se pergunta quem?

Uma simples reclamação_BERNARDO FABRICA

D. Sebastião ou José Sócrates?_DANIEL MATOS

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