Relato de Caso - arquivosonline.com.br · entre vasoconstritores-vasodilatadores locais. Há...

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Relato de Caso Vasoespasmo Coronariano Severo Complicado com Taquicardia Ventricular Severe Coronary Vasospasm Complicated with Ventricular Tachycardia Göksel Acar, Serdar Fidan, Servet İzci e Anıl Avcı Kartal Koşuyolu High Specialty Education and Research Hospital, Departamento de Cardiologia, Istambul - Turquia Correspondência: Serdar Fidan Kartal Kosuyolu High Specialty Education and Research Hospital KARTAL / ISTANBUL, Denizer Street, 34846. E-mail: [email protected] Manuscrito recebido em 10/10/2013; manuscrito revisado em 18/12/2013; aceito em 27/12/2013. Palavras-chave Vasoespasmo Coronário; Angina Pectoris; Angiografia Coronária; Nitratos / uso terapêutico. DOI: 10.5935/abc.20140166 Introdução Forma variante de angina foi primeiramente descrita por Prinzmetal como espasmo coronariano transitório e recorrente, que leva a episódios recorrentes de isquemia 1 do miocárdio. Embora muitos fatores possam desencadear ou agravar o vasoespasmo coronariano; a disfunção endotelial foi considerada como um importante mecanismo subjacente a esta situação. A localização e a extensão do vasoespasmo determinam a gravidade do quadro clínico que pode incluir arritmias graves, infarto do miocárdio, choque cardiogênico e mesmo a morte 2 . Relato do Caso Um homem de 68 anos de idade foi admitido no Pronto Socorro com queixa de dor no peito há 4 horas. No exame físico seus sinais vitais encontravam-se dentro dos limites normais, com uma pressão arterial ligeiramente elevada de 150/90 mmHg, pulso regular de 80/min, ritmo respiratório de 15/min. Seu eletrocardiograma de 12 derivações (ECG) mostrou depressão de 1mm no segmento ST nas derivações laterais sem supradesnivelamento do segmento ST significativo ou anormalidade da onda T em outras derivações. O paciente tinha um histórico de hipertensão e uma angiografia coronária realizada 10 dias antes em outro hospital. O paciente relatou que teve um tipo semelhante de dor no peito 10 dias antes, e por isso foi-lhe feita uma angiografia coronariana. A sua angiografia coronariana não apresentou qualquer lesão crítica e e foi medicado com metoprolol 50mg e 100mg de aspirina devido a lesões coronárias não-críticas (Figura 1A, 1B). Um ecocardiograma transtorácico à beira do leito revelou hipocinesia de parede póstero-lateral com uma fração de ejeção em torno de 50-55%. Os níveis de enzimas cardíacas do paciente na admissão situaram-se acima do normal com um nível de troponina T de 4.2 ng/mL (< 0, 01 ng/mL) e CK-MB nível 8.3 u/l (< 2 u/L). Foi-lhe diagnosticado infarto do miocárdio sem elevação do segmento ST e iniciado tratamento adequado, incluindo aspirina, clopidogrel, heparina e nitroglicerina sublingual. Apenas alguns segundos antes de iniciar o tratamento o paciente piorou. Apresentou uma taquicardia ventricular sem pulso que foi retornada com êxito ao ritmo sinusal por desfibrilação sem necessidade de intubação endotraqueal. Foi realizada uma angiografia coronária urgente devido à isquemia em curso e à arritmia maligna. A angiografia revelou estenose severa da artéria circunflexa (Figura 2A, 2B, 2C), placas não críticas em descendente anterior esquerda e artéria coronária direita. Para descartar vasoespasmo coronariano, foram injetados 300 microgramas de nitroglicerina intracoronária antes da intervenção coronária percutânea (ICP). Embora fosse observado um aumento no fluxo distal da artéria circunflexa, a visão da área ocluída não apresentou alterações significativas (Figura 2D). Foi decidida então a realização de uma ICP. Logo depois da introdução do fio-guia flexível na artéria circunflexa, a área ocluída pareceu estar desobstruída (figura 2E). O fio-guia foi removido e injetadas 500 mcg de nitroglicerina diretamente na circulação coronária. Após a aplicação de doses crescentes de nitroglicerina até 500 mcg na circulação coronária, a imagem angiográfica final mostrou artéria circunflexa totalmente dilatada sem qualquer lesão estenótica (figura 2F). O paciente foi diagnosticado com infarto do miocárdio sem elevação do ST devido à angina variante. Como se suspeitava de angina variante, o metoprolol foi substituído por diltiazem e o paciente recebeu alta hospitalar sendo-lhe prescrito nitrato e aspirina. Na visita de controle de 3 meses, o paciente estava assintomático e não relatou qualquer episódio de dor no peito. Seguimos controlando o paciente sem qualquer alteração no seu tratamento médico. Discussão Vasoespasmo coronariano ou forma variante de angina de peito caracteriza-se por notável supradesnivelamento do segmento ST e episódios de dor no peito geralmente sem esforço físico 2 . Embora o espasmo coronariano ocorra geralmente em uma área focal, pode também ser multifocal e afetar mais do que um vaso coronariano ao mesmo tempo. O diagnóstico definitivo é feito quando a vasoconstrição coronariana angiograficamente demonstrada reverte com nitroglicerina. O mecanismo subjacente da angina variante não é totalmente conhecido. Embora existam muitas teorias para esclarecer o mecanismo da angina vasospástica, muitas delas estão focadas na disfunção endotelial e no desequilíbrio e81

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  • Relato de Caso

    Vasoespasmo Coronariano Severo Complicado com Taquicardia VentricularSevere Coronary Vasospasm Complicated with Ventricular Tachycardia

    Gksel Acar, Serdar Fidan, Servet zci e Anl AvcKartal Kouyolu High Specialty Education and Research Hospital, Departamento de Cardiologia, Istambul - Turquia

    Correspondncia: Serdar Fidan Kartal Kosuyolu High Specialty Education and Research Hospital KARTAL / ISTANBUL, Denizer Street, 34846.E-mail: [email protected] recebido em 10/10/2013; manuscrito revisado em 18/12/2013; aceito em 27/12/2013.

    Palavras-chaveVasoespasmo Coronrio; Angina Pectoris; Angiografia

    Coronria; Nitratos / uso teraputico.

    DOI: 10.5935/abc.20140166

    IntroduoForma variante de angina foi primeiramente descrita

    por Prinzmetal como espasmo coronariano transitrio e recorrente, que leva a episdios recorrentes de isquemia1 do miocrdio. Embora muitos fatores possam desencadear ou agravar o vasoespasmo coronariano; a disfuno endotelial foi considerada como um importante mecanismo subjacente a esta situao. A localizao e a extenso do vasoespasmo determinam a gravidade do quadro clnico que pode incluir arritmias graves, infarto do miocrdio, choque cardiognico e mesmo a morte2.

    Relato do CasoUm homem de 68 anos de idade foi admitido no Pronto

    Socorro com queixa de dor no peito h 4 horas. No exame fsico seus sinais vitais encontravam-se dentro dos limites normais, com uma presso arterial ligeiramente elevada de 150/90 mmHg, pulso regular de 80/min, ritmo respiratrio de 15/min. Seu eletrocardiograma de 12 derivaes (ECG) mostrou depresso de 1mm no segmento ST nas derivaes laterais sem supradesnivelamento do segmento ST significativo ou anormalidade da onda T em outras derivaes. O paciente tinha um histrico de hipertenso e uma angiografia coronria realizada 10 dias antes em outro hospital. O paciente relatou que teve um tipo semelhante de dor no peito 10 dias antes, e por isso foi-lhe feita uma angiografia coronariana. A sua angiografia coronariana no apresentou qualquer leso crtica e e foi medicado com metoprolol 50mg e 100mg de aspirina devido a leses coronrias no-crticas (Figura 1A, 1B). Um ecocardiograma transtorcico beira do leito revelou hipocinesia de parede pstero-lateral com uma frao de ejeo em torno de 50-55%. Os nveis de enzimas cardacas do paciente na admisso situaram-se acima do normal com um nvel de troponina T de 4.2 ng/mL (< 0, 01 ng/mL) e CK-MB nvel

    8.3 u/l (< 2 u/L). Foi-lhe diagnosticado infarto do miocrdio sem elevao do segmento ST e iniciado tratamento adequado, incluindo aspirina, clopidogrel, heparina e nitroglicerina sublingual. Apenas alguns segundos antes de iniciar o tratamento o paciente piorou. Apresentou uma taquicardia ventricular sem pulso que foi retornada com xito ao ritmo sinusal por desfibrilao sem necessidade de intubao endotraqueal. Foi realizada uma angiografia coronria urgente devido isquemia em curso e arritmia maligna. A angiografia revelou estenose severa da artria circunflexa (Figura 2A, 2B, 2C), placas no crticas em descendente anterior esquerda e artria coronria direita. Para descartar vasoespasmo coronariano, foram injetados 300 microgramas de nitroglicerina intracoronria antes da interveno coronria percutnea (ICP). Embora fosse observado um aumento no fluxo distal da artria circunflexa, a viso da rea ocluda no apresentou alteraes significativas (Figura 2D). Foi decidida ento a realizao de uma ICP. Logo depois da introduo do fio-guia flexvel na artria circunflexa, a rea ocluda pareceu estar desobstruda (figura 2E). O fio-guia foi removido e injetadas 500 mcg de nitroglicerina diretamente na circulao coronria. Aps a aplicao de doses crescentes de nitroglicerina at 500 mcg na circulao coronria, a imagem angiogrfica final mostrou artria circunflexa totalmente dilatada sem qualquer leso estentica (figura 2F). O paciente foi diagnosticado com infarto do miocrdio sem elevao do ST devido angina variante. Como se suspeitava de angina variante, o metoprolol foi substitudo por diltiazem e o paciente recebeu alta hospitalar sendo-lhe prescrito nitrato e aspirina. Na visita de controle de 3 meses, o paciente estava assintomtico e no relatou qualquer episdio de dor no peito. Seguimos controlando o paciente sem qualquer alterao no seu tratamento mdico.

    DiscussoVasoespasmo coronariano ou forma variante de angina

    de peito caracteriza-se por notvel supradesnivelamento do segmento ST e episdios de dor no peito geralmente sem esforo fsico2. Embora o espasmo coronariano ocorra geralmente em uma rea focal, pode tambm ser multifocal e afetar mais do que um vaso coronariano ao mesmo tempo. O diagnstico definitivo feito quando a vasoconstrio coronariana angiograficamente demonstrada reverte com nitroglicerina. O mecanismo subjacente da angina variante no totalmente conhecido. Embora existam muitas teorias para esclarecer o mecanismo da angina vasospstica, muitas delas esto focadas na disfuno endotelial e no desequilbrio

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    Acar e cols.Vasoespasmo coronariano severo

    Arq Bras Cardiol. 2014; 103(6):e81-e86

    Figura 1 - Imagens da angiografia coronria do paciente que foi realizada 10 dias antes da admisso, mostrando artrias coronrias direitas (A) e esquerdas (B).

    Figura 2 - Imagens de angiografia coronria mostrando espasmo severo da artria circunflexa, vista caudal direita oblqua (A) e vista direita craniana oblqua (B, C), setas. Fluxo distal aumentado apesar de resoluo incompleta de espasmo da artria circunflexa aps injeo de 300 mcg de nitroglicerina (D), setas. Depois de fazer avanar o fio-guia flexvel atravs da artria circunflexa, a rea ocluda pareceu desobstruda (E). Imagem angiogrfica final, mostrando artria circunflexa totalmente dilatada aps injeo de 500 mcg de nitroglicerina (F).

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    Acar e cols.Vasoespasmo coronariano severo

    Arq Bras Cardiol. 2014; 103(6):e81-e86

    entre vasoconstritores-vasodilatadores locais. H discusses em curso sobre o xido ntrico. Os resultados do xido ntrico so controversos2. A localizao e a extenso do vasoespasmo determinam a gravidade do quadro clnico que pode incluir arritmias graves, infarto do miocrdio, choque cardiognico e at mesmo a morte. O espasmo da artria coronria reduz a perfuso miocrdica e provoca srias complicaes. Em nosso paciente, a taquicardia ventricular foi desencadeada por isquemia causada por vasoespasmo grave da artria circunflexa. A baixa perfuso coronariana em rea de espasmo, provavelmente impediu a coleo? de concentrao suficiente de nitrato. Isto pode ser o mecanismo provvel para vasoespasmo resistente aps a primeira injeo de 300 mcg de nitratos3.

    Bloqueadores dos canais de clcio e nitratos de ao prolongada so opes de tratamento de primeira linha para o vasoespasmo coronariano. Tambm existem estudos mostrando os efeitos benficos do prazosin e nicorandil (ativador do canal de potssio) na angina variante4,5. Alm destas opes de tratamento mdico, as terapias de revascularizao cirrgica ou percutnea podem ser pensadas para aqueles casos refratrios ao tratamento mdico. A modificao do fator de risco de doena aterosclertica conhecida tambm deve ser tida em mente.

    ConclusoNosso caso uma angina variante incomum sem

    supradesnivelamento do segmento ST no ECG de admisso.

    A angina vasospstica deve ser sempre tida em mente porque pode levar a graves complicaes com risco de morte. Uma vez que existem algumas diferenas no tratamento da angina variante e da doena arterial coronria aterosclertica, o diagnstico diferencial deve ser feito com cuidado. Este relato de caso enfatiza a importncia do uso intracoronrio de nitratos para descartar a ocorrncia de vasoespasmos coronarianos antes das intervenes coronrias percutneas. O uso adequado de nitroglicerina pode prevenir intervenes coronarianas desnecessrias.

    Contribuio dos autoresAnlise e interpretao dos dados: Acar G e zci S; Redao

    do manuscrito: Acar G; Reviso crtica do manuscrito quanto ao contedo intelectual importante: Fidan S e Avc A.

    Potencial Conflito de Interesses

    Declaro no haver conflito de interesses pertinentes.

    Fontes de Financiamento

    O presente estudo no teve fontes de financiamento externas.

    Vinculao Acadmica

    No h vinculao deste estudo com dissertaes e teses de ps-graduao.

    Vdeo 1 Angiografia coronria que foi realizada 10 dias antes da admisso, demonstrando sistema coronrio esquerdo sem leses crticas.

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    Acar e cols.Vasoespasmo coronariano severo

    Arq Bras Cardiol. 2014; 103(6):e81-e86

    Vdeo 2 Angiografia coronria, demonstrando o espasmo da artria circunflexa severa da viso craniana direita oblqua.

    Vdeo 3 - Cineangiocoronariografia demonstrando o espasmo da artria circunflexa severa, da vista caudal direita oblqua.

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    Acar e cols.Vasoespasmo coronariano severo

    Arq Bras Cardiol. 2014; 103(6):e81-e86

    Vdeo 4 Angiografia coronria mostrando resoluo incompleta de espasmo da artria circunflexa aps injeo de nitroglicerina 300 mcg.

    Vdeo 5 Artria circunflexa completamente dilatada aps injeo de 500 mcg de nitroglicerina

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    Acar e cols.Vasoespasmo coronariano severo

    Arq Bras Cardiol. 2014; 103(6):e81-e86

    1. Prinzmetal M, Kennarmer R, Merliss R, Wada T, Bor N. Angina pectoris. I. A variant form of angina pectoris; preliminary report. Am J Med. 1959;27:375-88.

    2. Stern S, Bayes de Luna A. Coronary Artery Spasm: A 2009 Update. Circulation. 2009;119(18):2531-4.

    3. Sung LC, Chen CH, Hou CJ, Tsai CH. Severe coronary vasospasm during an acute myocardial infarction with cardiogenic shock. J Intern Med Taiwan. 2005;16:129-33.

    4. Tzivoni D, Keren A, Benhorin J, Gottlieb S, Atlas D, Stern S. Prazosin therapy for refractory variant angina. Am Heart J. 1983;105(2):262-6.

    5. Kaski JC. Management of vasospastic angina -- role of nicorandil. Cardiovasc Drugs Ther. 1995;9 Suppl 2:221-7.

    Referncias

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    http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=Tzivoni D%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=6823808http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=Keren A%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=6823808http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=Benhorin J%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=6823808http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=Gottlieb S%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=6823808http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=Atlas D%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=6823808http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=Stern S%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=6823808