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Modelo de Regionalização e Redes de Atenção à Saúde no Estado do Ceará Regionalization and Networks Model of Health Care in State of Ceara Regionalização e Redes de Atenção à Saúde no Ceará Pontes¹, Ricardo José Soares; Goya 1 , Neusa; Melo 2 , Ana Luisa Almeida; Tajra 3 , Fábio Solon; Andrade 1 , Luiz Odorico Monteiro de; Barreto 1,2 , Ivana Cristina de Holanda; Viana 4 , Ana Luiza d' Ávila; Almeida 4 , Eurivaldo Sampaio de; Dias 5 , Maria do Socorro Araújo; Lopes 6 , Maria do Socorro Vieira. 1 Universidade Federal do Ceará-UFC; 2 Escola de Saúde Pública do Ceará-ESP/CE; 3 Universidade federal do Piauí-UFPI; 4 Universidade de São Paulo-USP; 5 Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA/CE; 6 Universidade Regional do Cariri-URCA/CE Correspondência Ricardo José Soares Pontes, Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva/ Universidade Federal do Ceará-UFC. Rua Professor Costa Mendes, 1608, 5° andar, Rodolfo Teófilo, Fortaleza/CE. Endereço eletrônico: [email protected] Financiamento Projeto de Pesquisa financiado pela Fundação Cearense de Apoio a Pesquisa/FUNCAP, com recursos do Programa Pesquisa para o SUS/ PPSUS-REDE.

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Modelo de Regionalização e Redes de Atenção à Saúde no Estado do Ceará

Regionalization and Networks Model of Health Care in State of Ceara

Regionalização e Redes de Atenção à Saúde no Ceará

Pontes¹, Ricardo José Soares;

Goya1, Neusa;

Melo2, Ana Luisa Almeida;

Tajra3, Fábio Solon;

Andrade1, Luiz Odorico Monteiro de;

Barreto1,2, Ivana Cristina de Holanda;

Viana4, Ana Luiza d' Ávila;

Almeida4, Eurivaldo Sampaio de;

Dias5, Maria do Socorro Araújo;

Lopes6, Maria do Socorro Vieira.

1 Universidade Federal do Ceará-UFC;

2 Escola de Saúde Pública do Ceará-ESP/CE;

3 Universidade federal do Piauí-UFPI;

4 Universidade de São Paulo-USP;

5 Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA/CE;

6 Universidade Regional do Cariri-URCA/CE

Correspondência

Ricardo José Soares Pontes, Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva/

Universidade Federal do Ceará-UFC. Rua Professor Costa Mendes, 1608, 5° andar,

Rodolfo Teófilo, Fortaleza/CE. Endereço eletrônico: [email protected]

Financiamento

Projeto de Pesquisa financiado pela Fundação Cearense de Apoio a Pesquisa/FUNCAP, com

recursos do Programa Pesquisa para o SUS/ PPSUS-REDE.

RESUMO

A descentralização foi uma política prioritária na agenda federal da saúde durante a primeira

década de implantação do Sistema Único de Saúde. Ao final da década de 1990, os avanços

da municipalização revelaram-se altamente dependentes das condições prévias locais.

Evidenciaram-se problemas relativos à desintegração territorial de instituições, serviços e

práticas, e dificuldades para a conformação de arranjos cooperativos entre governos que

garantam o acesso integral a saúde. É nesse cenário que a regionalização ganha relevo na

política nacional de saúde. Novas diretrizes e a divisão de funções e responsabilidades entre

os entes federativos na condução do sistema, como as Normas Operacionais de Assistência a

Saúde, o Pacto pela Saúde, a portaria Federal 4.279 e o Decreto Presidencial n. 7508

permitem a identificação de elementos de continuidade e mudanças no conteúdo normativo da

regionalização da saúde no Brasil. O Ceará é um estado com longa tradição de pioneirismo na

descentralização da saúde. Estudos recentes mostram que a governança coordenada e

cooperativa da regionalização da saúde no estado está relacionada ao relativamente bom

funcionamento das instâncias de pactuação e negociação, mostrando as estruturas regionais

consolidadas, legitimadas e atuantes. O presente projeto de pesquisa visou avaliar o processo

da implantação da regionalização da saúde no estado do Ceará, destacando o período de

implementação dos Contratos Organizativos da Ação Pública de Saúde - COAP nas regiões

de saúde, objetivando: Caracterizar as Regiões à Saúde configuradas no estado do Ceará

através dos COAP; Caracterizar as Redes de Atenção à Saúde propostas através dos COAP;

Realizar estudo de caso da Rede Assistencial de maior abrangência presente nos COAPS

(Rede Cegonha) no estado do Ceará. A pesquisa avaliativa, nesta fase, utilizou principalmente

a metodologia da pesquisa qualitativa em saúde através das técnicas de análise documental.

As fontes documentais foram as atas, relatórios e todos os documentos constitutivos dos

COAP e outras fontes da Secretaria de Saúde do Ceará - SESA. As dimensões inicialmente

exploradas e apresentadas no presente texto foram o processo de regionalização e a

caracterização das regiões e redes de atenção à saúde, através dos COAPS.

Palavras chave: Planejamento em saúde, Gestão em saúde, Atenção à saúde, Avaliação em

saúde, Serviços de saúde.

INTRODUÇÃO

A regionalização da saúde no Brasil configura-se como um processo técnico-

político que envolve o desenvolvimento de estratégias de rearticulação e reorganização de

uma rede de ações e serviços de saúde no território de cada unidade federada do país (OPAS,

2008; MENDES, 2010; KUSCHNIR e CHORNY, 2010).

Envolve também a redistribuição de poder e o estabelecimento de um sistema

de inter-relações entre diferentes atores sociais nos diversos espaços geográficos, tanto na

esfera nacional como nas esferas estaduais e municipais (FLEURY e OUVERNEY, 2007;

VIANA e LIMA, 2011). Tal processo requer a incorporação de elementos de diferenciação e

diversidade socioespacial na formulação e implementação de políticas de saúde (VIANA et

al., 2007 e 2008), a integração de diversos campos da atenção à saúde e a articulação de

políticas econômicas e sociais voltadas para o desenvolvimento e redução das desigualdades

regionais (GADELHA et al., 2009).

Estudo conduzido sobre a regionalização da saúde nos estados brasileiros

mostrou a multiplicidade de experiências em curso no país e a existência de diferentes

“estágios da regionalização” do SUS. Mesmo em contextos histórico-estruturais

desfavoráveis, como é o caso do Ceará, apresentam ganhos de institucionalidade. A

governança coordenada-cooperativa, estabelecida no plano estadual, aferida pela configuração

de um quadro político-institucional estável, capaz de mobilizar diferentes atores políticos,

criar arranjos para articulação entre eles e definir uma direção (ou rumo) para o processo de

regionalização, ajudam na compreensão desses avanços. Entretanto, percebem-se enormes

diferenças loco-regionais no interior desses estados que comprometem a sustentabilidade do

processo em muitas regiões (ALBUQUERQUE, MELLO e IOZZI, 2011; VIANA e LIMA,

2011).

A edição recente do Decreto nº 7.508/2011, pretende consolidar e fazer avançar

esse processo de regionalização já existente no país, embora com diferentes graus de

institucionalidade e maturação política. Pretende ter o papel de regular a estrutura

organizativa do SUS, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, dentre outros

aspectos, tão necessários a sua consolidação e melhoria permanente da cobertura e qualidade

da atenção. Desta forma, visa dar maior operacionalidade e sustentabilidade à estrutura

assistencial, definindo juridicamente as responsabilidades dos entes federativos, para que o

cidadão possa, de fato, ter acesso às ações e aos serviços ofertados nas regiões e organizados

em redes de atenção à saúde (BRASIL, 2012).

Nesta perspectiva, as regiões de saúde, objeto principal do processo de

regionalização, constituem-se como base territorial para o planejamento das redes de atenção

com distintas densidades tecnológicas e capacidade de oferta de ações e serviços de saúde.

São também espaços geográficos que engendram diferentes agentes (governos, organizações e

cidadãos) e suas ações na condução do sistema de saúde. A própria noção de rede

regionalizada de atenção à saúde pressupõe a região como atributo fundamental para sua

organização e funcionamento. Esta se constitui por um conjunto de unidades (ou pontos de

atenção), de diferentes funções, complexidades e perfis de atendimento, que operam de forma

ordenada e articulada no território, de modo a atender as necessidades de saúde da população.

Por seus significados e pelas relações existentes entre regiões e redes de atenção, considera-se

que o avanço do processo de regionalização pode interferir positivamente no acesso às ações

de serviços de saúde. Faz-se necessário, portanto, identificar as condições que favorecem ou

dificultam a regionalização para compreensão de possíveis entraves à diminuição das

desigualdades regionais no acesso à saúde no Brasil.

O Ceará foi um dos primeiros estados brasileiros a atualizar sua regionalização

utilizando o Decreto nº 7.508/2011 como referência, propondo a adesão ao novo processo de

regionalização através do Contrato Organizativo de Ação Pública (COAP) em cada uma de

suas regiões de saúde.

Objetivou-se nesse estudo identificar e avaliar os marcos conceituais e

organizativos incorporados pela Secretaria da Saúde do Estado do Ceará (SESA) na

implementação da Regionalização e das Redes de Atenção à Saúde no estado - considerando

o modelo assistencial adotado decorrente da contratualização das regiões de saúde com a

assinatura dos Contratos Organizativos de Ação Pública (COAP).

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS

O Ceará é um estado com reconhecida tradição na descentralização da saúde,

com caráter municipalista, precedendo a constituição do SUS. A partir da NOB/93, o estado

reforçou a transferência de gestão e prestação de serviços para a esfera municipal, incluindo

as atribuições na área de vigilância em saúde. Em 2000, criou Comissões Intergestores

Bipartite Regionais (CIBs regionais), inovando institucionalmente com novos espaços de

negociação e pactuação do planejamento regional. Com a vigência da NOAS, formulou seu

primeiro Plano Diretor de Regionalização do SUS, elaborado juntamente com os gestores

municipais e pactuados nas CIBs regionais e na CIB estadual. A partir do Pacto pela Saúde, a

principal mudança no processo de regionalização esteve relacionada à estruturação do

trabalho das instâncias regionais, com foco na integração das áreas técnicas e incentivo na

constituição de grupos de trabalho sistemáticos, para integrar as políticas em curso. Foram

reforçadas as características de organização regional do SUS no estado e o processo

participativo, com forte condução da SESA (CEARÁ, 2010).

No contexto da Regionalização e implementação das Redes de Atenção à

Saúde decorrentes da adesão ao Decreto nº 7.508/2011 através da assinatura do Contrato

Organizativo de Ação Pública (COAP), justifica-se a realização de uma pesquisa avaliativa

visando o detalhamento e a caracterização da regionalização depois da implantação dos

COAP , através dos objetivos abaixo explicitados:

I) OBJETIVO GERAL

Compreender o Modelo Assistencial da Regionalização da Saúde no estado do

Ceará a partir do processo de implementação dos Contratos Organizativos da Ação Pública de

Saúde (COAP).

II) OBJETIVOS ESPECÍFICOS

1. Caracterizar as Regiões à Saúde configuradas no estado do Ceará através dos COAP;

2. Caracterizar as Redes de Atenção à Saúde propostas através dos COAP;

3. Realizar estudo de caso da Rede Assistencial de maior abrangência presente nos COAPS

(Rede Cegonha) no estado do Ceará;

REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO E TÉCNICAS

A investigação foi desenvolvida utilizando-se o referencial teórico-

metodológico da abordagem qualitativa de pesquisa avaliativa em saúde, através das técnicas

de análise documental, além de um recorte quantitativo nos aspectos e dimensões

quantificáveis das informações empíricas obtidas das Fontes Documentais.

Coleta, Organização e Análise das Informações

Na Análise Documental do processo de regionalização e constituição das redes

de atenção em saúde foram utilizados, como fontes, os Contratos Organizativos de Ação

Pública, além de outros documentos técnico-institucionais (Planos de Saúde, relatórios,

normas, orientações técnicas) produzidos pela Secretaria da Saúde do Estado do Ceará (nível

central e regional) e pelo Ministério da Saúde.

A coleta das informações qualitativas deu-se através leitura transversal,

repetidas vezes, das fontes documentais e das respectivas “narrativas institucionais” sobre o

processo de regionalização nelas contidas, permitindo a impregnação pelo sentido do todo

dessas narrativas e a seleção de categorias, temas e dimensões analíticas no contexto o

Modelo Assistencial da Regionalização da Saúde no estado do Ceará. Procedeu-se então à

construção da “rede interpretativa” que constituiu o eixo da análise empreendida nesse estudo

(MERCADO-MARTINEZ, BOSI, 2004).

A seleção e coleta das informações quantitativas obtidas das fontes

documentais foram organizadas através de planilhas, tabelas, gráficos e mapas temáticos, de

acordo com suas especificidades e a pertinência para a análise qualitativa empreendida.

Instituição Financiadora e Considerações Éticas

O estudo faz parte do projeto de pesquisa intitulado “Modelo de Governança,

Regionalização e Redes de Atenção à Saúde no Estado do Ceará: Contexto, Condicionantes,

Implementação e Resultados”, financiado pela Fundação Cearense de Apoio a Pesquisa -

FUNCAP e seguiu as normas da Resolução CNS/196, tendo sido aprovado pelo Comitê de

Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará-UFC (parecer: 137.055).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Regionalização e Redes de Atenção à Saúde no Ceará

Verifica-se recentemente, uma importante difusão do paradigma organizacional

em redes, substituindo modelos de gestão hierarquizados e burocráticos antes tomados como

referência nos modelos organizativos-gerenciais em geral. No campo da saúde, impulsionados

pelas proposições organizativas e diretivas do Sistema Único de Saúde contidos na

Constituição Federal (1988), vários são os autores e normativas legais que discutem a

implementação das Redes de Atenção à Saúde articuladas em um território, no caso o

território regionalizado. Assim, podemos citar:

“[...] a universalidade, igualdade, integralidade e hierarquização da assistência

induzem a conformação de arranjos regionais, como consequência da negociação

federativa. Admitindo múltiplos partícipes, tais arranjos são fruto de acordos

políticos e do desenvolvimento de instrumentos técnico-operacionais necessários à

conformação de redes regionalizadas de atenção à saúde”. [...] (LIMA e VIANA,

2011, P. 41).

“[...]a integralidade da assistência não se esgota em um município, estado ou

região, e sim numa rede interfederativa, de caráter municipal, estadual ou

interestadual.” Reforçam, ainda, que essa especificidade “impõe a integração do

município numa rede regionalizada de serviços de saúde”. [...] (SANTOS e

ANDRADE, 2007, P. 105).

Particularmente, para o Ministério da Saúde do Brasil, a Rede de Atenção à

Saúde (RAS), em termos normativos e operacionais, se materializa-se em uma ou mais

Região de Saúde, concebida como sendo:

“[...] arranjos organizativos de ações e serviços de saúde, de diferentes densidades

tecnológicas, que integradas por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de

gestão, buscam garantir a integralidade do cuidado” [...] (BRASIL, 2010).

“[...] espaço geográfico contínuo constituído por agrupamento de municípios

limítrofes, delimitado a partir de identidades culturais, econômicas e sociais e de

redes de comunicação e infraestrutura de transportes compartilhados, com a

finalidade de integrar a organização, o planejamento e a execução de ações e

serviços de saúde” [...] (BRASIL, 2011, p. 4).

Neste aspecto, o processo de regionalização do estado do Ceará, implementado

desde a década de 1990, tem proporcionado avanços significativos, apontando a

potencialidade da organização regional (LIMA e VIANA, 2011). Segundo Mendes (2007), o

Ceará foi considerado como o primeiro estado brasileiro a desenvolver a experiência de

regionalização com base na concepção de redes de atenção à saúde.

Contexto Histórico da Regionalização no Ceará

O processo de regionalização da saúde no Estado teve como referência

temporal o ano de 1998. Anteriormente a 1998, tratou-se de uma regionalização de caráter

administrativo, com forte condução política e técnica da Secretaria de Planejamento do

Estado, evidenciando um processo de conflito e disputa pela coordenação da regionalização,

de seus rumos e objetivos:

“[...] esse primeiro tempo tínhamos uma grande dificuldade de compreensão do

papel de cada um dos entes, o estado na região se fazendo representar com uma

luta muito grande de tentar coordenar um processo, porque o próprio modelo de

regionalização tinha uma obediência ao grupo estratégico de planejamento do

governo do estado [...] nós não tínhamos oportunidade de estar trabalhando com os

municípios na compreensão de que eles eram atores sociais, que tinham espaço

para contribuir com esse processo [...]”

No contexto estadual, destaca-se que o período anterior a 1998, foi marcado

principalmente pelo Plano de Desenvolvimento Sustentável (1995-1998), que explicitou a

premissa do crescimento econômico com o desenvolvimento social, tendo como intenção

promover a Reforma de Estado sob a justificativa de tornar a gestão pública mais eficiente.

Adotou, assim, algumas estratégias como: a reforma administrativa, o planejamento

estratégico, a descentralização e a melhoria gerencial na prestação de serviços (LOPES,

2007).

No âmbito nacional, no setor Saúde, estava em pauta o processo de

municipalização das ações e serviços de saúde, impulsionado pela edição das Normas

Operacionais Básicas (NOB), fundamentais no sentido de orientar os eixos de organização do

SUS.

Compreende-se, assim, que o conflito explicitado no tocante à perspectiva da

regionalização em curso no estado, foi construído em decorrência das influências do cenário

nacional de descentralização e municipalização das ações e serviços de saúde, acrescido do

fato de que muitos militantes da Reforma Sanitária do Ceará estavam engajados ou na SESA

ou em alguns municípios do estado. Tal tensionamento possibilitou a construção da

regionalização em uma outra perspectiva: a de fortalecimento do protagonismo municipal

tendo como base as orientações normativas do Ministério da Saúde.

Como marco divisor dos dois períodos – antes e depois de 1998 –

registra-se a elaboração do primeiro Plano de Regionalização, que teve como base

orientadora as Diretrizes para Organização das Ações e Serviços de Saúde (Ceará,

1998), aprovadas pelo Conselho Estadual de Saúde (CESAU), ainda vigentes na política

estadual de saúde.

“o segundo tempo”, após 1998, possibilitou a “oportunidade de integrar um projeto

de apoio interno de cooperação internacional ... um assessoramento de uma equipe

da Espanha...essa equipe preparou o estado para uma

regionalização...[que]...buscava uma compreensão da autoridade municipal... não

só...da autoridade estadual...”. Continuando, ressalta que “a autoridade de

representação do governo federal...de coordenação nacional...não foi bem

trabalhado nesse primeiro momento [...]”.[informante chave 1 – narrativas

institucionais do corpus da pesquisa].

A regionalização da saúde, no Estado do Ceará, pós 1998, passou a ter como

foco a organização do SUS no âmbito regional, por meio do desenho das microrregiões de

saúde, com centralidade no fortalecimento da suficiência na atenção secundária nestas regiões

de saúde. Tal perspectiva foi fortalecida com a edição da NOAS (2001 e 2002) e,

particularmente, pelo Pacto pela Saúde de 2006, que reforçou a tendência de organizar a

gestão e a oferta de serviços sob o “comando” municipal e loco-regional:

“...em 2001...[o]...governo federal começou a trabalhar...[as]...normas

operacionais...a NOAS...o governo do estado teve então de fazer alguns ajustes para

se adequar a essa norma nacional...fez com que o processo de regionalização do

estado...desse dois passos para trás...porque nós íamos numa compreensão de

98....de organizar serviços...que mantivessem o princípio da questão da escala...

tivemos uma grande luta para que prefeitos compreendessem que não era

necessário um laboratório de patologia clínica em cada município...e sim a garantia

de acesso...mas quando chegou a NOAS...trouxe aquela determinação do que

deveria ficar com ações especializadas de primeiro nível...para que você pudesse

assumir gestão...os municípios então se fortaleceram...e nós tivemos que rever o

nosso processo de regionalização...” [informante chave 1 – narrativas institucionais

do corpus da pesquisa]

“...em 2006...sai o Pacto pela Saúde...traz o reforço da regionalização...diferente

do que nós vínhamos trabalhando em termo de NOAS...nós ajustamos esse plano de

regionalização às novas diretrizes operacionais do Pacto pela Saúde...a grande

maioria dos municípios do estado fez a adesão a esse Pacto em um único

momento...assumiram o comando único de prestadores...e nós tivemos que

fortalecer todo esse processo...através de um redesenho da regionalização...”

[informante chave 1 – narrativas institucionais do corpus da pesquisa]

Marco de referência recente nesse percurso histórico-institucional foi a

atualização, em 2010, do Plano Diretor de Regionalização do Ceará (PDR), utilizado como

pressuposto e modelo da Regionalização ora em implementação pelos COAPs, que

considerou os seguintes parâmetros para configuração das Regiões de Saúde no Estado

(Macro e Micro): i) contigüidade intermunicipal; ii) infra – estrutura de transporte; iii)

deslocamento da população aos serviços de saúde; iv) economia de escala; v) disposição

política para pactuação:

“...[nesse] plano diretor de regionalização...temos [os] parâmetros que são comuns

para todos os estados...a continuidade intermunicipal...a infraestrutura de

transportes...no sentido de...garantir que as pessoas tenham possibilidade de

locomoção de um município para outro dentro da região... vendo os trechos...o

tempo de deslocamento...da população do serviço de saúde...[a] economia de

escala...a disposição política para a pactuação...o que é mais importante...essa

pactuação política...nós temos uma história no estado do Ceará...e isso ... nos fez

obter consenso para fazer adesão ao COAP...isso não é de hoje...essa disposição

política para pactuação...vem de muitos e muitos anos atrás...cada vez mais esses

gestores buscam uma organização para poder garantir que essa pactuação ocorra

de maneira tal que você possa ter possibilidades no movimento regional...”

[informante chave 1 – narrativas institucionais do corpus da pesquisa]

Saliente-se que o desenho de 22 (micro) regiões de saúde articuladas a então 3

(hoje 4) Macrorregiões de saúde, objetivou, quanto às Macrorregiões particularmente,

orientar o plano de investimento estadual para garantir, ao longo do tempo, que algumas RS

adquirissem capacidade resolutiva no âmbito das ações e serviços de alta complexidade, tanto

ambulatorial quanto hospitalar, de modo a constituir um fluxo de acesso e de resolução dos

problemas de saúde mais próximo do cidadão, levando em consideração os necessários

critérios de escala em relação aos serviços de alta densidade tecnológica. A criação das

macrorregiões foi considerada estratégica por possibilitar a diminuição gradativa, ou à medida

que os investimentos acontecessem, da dependência assistencial das RS em relação a

Fortaleza, não estando contemplado o modelo de Macrorregiões na proposta normativa dos

COAP, como se verá a seguir:

“...um modelo de organização de saúde dividindo nosso território em quatro

macrorregiões...o decreto 7508 não faz enfoque na questão da macrorregião em

função da rede de atenção...mas o estado do Ceará ainda trabalha com

macrorregião em função do seu projeto de implantação de expansão de

investimentos na atenção especializada...essas quatro macrorregiões...agregam 22

regiões de saúde...[mas] não têm...influência para [o] COAP ...são macrorregiões

de saúde para indução do processo do plano de investimento do estado no sentido

de garantir que um grupo de regiões...possam...ter serviços de alta complexidade e

acesso...saindo da dependência da capital...” [informante chave 1 – narrativas

institucionais do corpus da pesquisa]

“...com as redes temáticas...redes de atenção...essas macrorregiões...não têm

finalidade nenhuma...em termos de organização de redes ...porque as

redes...trabalham com regiões...nós agregamos regiões...dependendo da capacidade

de oferta...para a questão de investimento...essas macrorregiões...com todo o

esforço que o estado do Ceará já fez de descentralização de serviços...ainda temos a

concentração de 58% na macro de Fortaleza...essa tem sido a realidade...em que o

governo do estado está se apropriando... para a construção de novos equipamentos

para tirar essa dependência da capital...” [informante chave 1 – narrativas

institucionais do corpus da pesquisa]

A política de regionalização do estado do Ceará foi bastante fortalecida nos

últimos anos por meio de investimentos financeiros estaduais e apoio no custeio de

equipamentos de saúde de média e alta complexidade ambulatorial e hospitalar, tendo como

referência o espaço territorial correspondente às macrorregiões de saúde.

Modelo Assistencial do Ceará: COAP

O Estado do Ceará iniciou a pactuação dos COAP logo após a edição do

Decreto nº 7.508 (junho de 2011), colocando a regionalização estadual da saúde na

perspectiva dessa nova proposição normativa do Ministério da Saúde, embora mantivesse as

diretrizes do Plano Estadual de Saúde e demais processos organizativos em curso:

“...é um processo de regionalização que tem de fato uma relação direta tanto com o

decreto 7508 como relação com o COAP [...] esse contrato... traz pressupostos para

a sua elaboração... um dos pressupostos é que... tenha a região de saúde

organizada a luz do conceito do decreto 7508 de 2011[...] [o] processo de

regionalização do estado...é um pressuposto desse contrato...[as] diretrizes do

plano estadual...são também um pressuposto...como também [o]... consenso entre os

entes federados...” [informante chave 1 – narrativas institucionais do corpus da

pesquisa]

A análise dos Contratos de Gestão Pública do Ceará (COAP-CE) e demais

fontes documentais originadas da Secretaria Estadual de Saúde, mostra que o modelo

assistencial regionalizado do Estado do Ceará constitui-se - desde 1998, e assim conservou-se

nos COAP - de 22 Regiões de Saúde (RS) agregadas em quatro Macrorregiões de saúde (ver

Mapa 1), embora duas regiões ainda não tenham aderido ao contrato de gestão assinado

coletivamente pelos entes federativos em 2012:

“...20 que fizeram pactuação para a assinatura do COAP...tivemos duas que não

houve possibilidade...Fortaleza e Iguatu...Fortaleza uma das dificuldades... foi de

colocar isso como prioridade da gestão municipal e Iguatu pelo fato de

desestruturação da equipe de coordenação regional[...] se deu a formalização... no

mês de abril e agosto [de 2012] ....foi uma assinatura pública... nós tivemos COAP

que foram publicados em 31 de dezembro [de 2012].. [informante chave 1 –

narrativas institucionais do corpus da pesquisa].

Observa-se que a política atual de regionalização, no Ceará, foi formalizada

mediante um processo de discussão e pactuação envolvendo diferentes atores das três esferas

de gestão do SUS, embora com intenso protagonismo e diretividade proativa da SESA. Neste

aspecto, destacam-se momentos de discussão envolvendo a Associação de Prefeitos do Estado

do Ceará (APRECE), o Conselho de Secretárias Municipais de Saúde (COSEMS), o Conselho

Estadual de Saúde, as instâncias regionais da Secretaria da Saúde do Estado, as Comissões

Intergestores Bipartite e Regionais (CIB e CIR).

“...o processo de elaboração do COAP...é uma construção coletiva...aqui não tem

nenhum ente ministério...nenhum ente secretaria estadual...e nenhum ente secretarias

municipais...aqui são os três que assumem a tutoria desse processo...nesse processo o

primeiro passo... [foi] o acordo politico...nós temos um pressuposto...para ter o

COAP tem que ter consenso...do governo do estado...da secretaria da saúde... da

APRECE... do COSEMS... e do próprio ministério da saúde através da secretaria de

gestão estratégico participativo...” [informante chave 1 – narrativas institucionais do

corpus da pesquisa]

“...depois desse contexto politico...partimos para o processo de informação e

sensibilização dos gestores, prefeitos, secretários municipais...nós precisamos do

consenso politico... não podia ser com 184 prefeitos, mas com a sua representação...e

nem com seus 184 secretários municipais, mas com a sua representação... mas para o

desenvolvimento do processo nós precisávamos informar e sensibilizar tanto esses

prefeitos como esses secretários municipais...teve um ator que entrou nesse processo

que antes a saúde não trabalhava que eram exatamente os procuradores e assessores

jurídicos, que se tara de um contrato entre vários entes tem um contrato onde cada

um tem na verdade que ter a legitimidade jurídica da sua participação, nós tivemos

esse processo...” [informante chave 1 – narrativas institucionais do corpus da

pesquisa]

No âmbito dos municípios, além do envolvimento dos prefeitos municipais,

houve, por parte das Coordenadorias Regionais da SESA, a sensibilização junto às assessorias

e procuradorias municipais, considerando o caráter legal dos COAP. Destaca-se que foi a

primeira vez em que estes atores municipais participaram mais proximamente das discussões

da política de saúde com abrangência e repercussão regional.

“...as estratégias...de pactuação...se dão pela coordenação...[das]...coordenadorias

regionais de saúde...as coordenadorias regionais de saúde para o estado do

Ceará... na estrutura da secretaria...são importantes...porque nós não temos ainda

uma central [com] possibilidade de estar no dia a dia com os gestores dos

municípios...que estão compreendendo uma região de saúde...essas coordenadorias

regionais...conseguem inclusive conduzir esse processo [de regionalização] de

maneira mais eficiente...a elaboração das propostas pelas secretarias municipais de

saúde [...][informante chave 1 – narrativas institucionais do corpus da pesquisa]

[...]partimos...do plano diretor de regionalização com um olhar municipal... a

discussão e pactuação nas Comissões Intergestores Bipartite Regional ...onde...

mesmo antes ...de toda essa normatização...nós já trabalhávamos com os colegiados

regionais...e esses colegiados de gestores regionais sempre tiveram uma

participação no processo de decisão...homologação das pactuações regionais pela

Comissões Intergestores Bipartite Regional[...] no estado do Ceará nós temos uma

peculiaridade...quando se trata de questões políticas...essa homologação...vai para

o Conselho Estadual de Saúde... agora com a lei complementar 141 ... essa

realidade do estado do Ceará...se tornou uma realidade para todos os outros

estados[...] .” [informante chave 1 – narrativas institucionais do corpus da

pesquisa]

A institucionalidade da política anterior de regionalização no Estado, a tradição

de pactuação nas instâncias intergestoras (CIB e CIR), ao lado da ação proativa da SESA no

processo de adesão aos COAP foram fundamentais, considerando ainda que:

“o Ceará é precursor nas iniciativas de conformação regional da saúde, com forte

presença de planejamento e estruturas regionais sólidas e com considerável

autonomia. O estado conta com um conselho de secretários municipais forte,

técnica e politicamente, altamente estruturado e com efetiva participação na

condução das políticas, além de instâncias regionais legitimadas e importantes na

conformação da política de saúde (CIB Microrregionais)” [ ALBUQUERQUE ET

ALL (2011, p.145)].

O desenho assistencial regionalizado (Regiões de Saúde), estruturado através

de Redes de Atenção à Saúde, foi definido segundo a SESA como pressuposto de garantia do

princípio da integralidade da atenção, de forma cooperativa e solidária entre os entes

federativos, particularmente a instância municipal, considerando que o Ceará apresenta

importantes “vazios assistenciais”, constituindo-se a Rede de Atenção uma das estratégias

para encaminhar uma solução assistencial adequada aos direitos do cidadão:

“esse contrato...é um acordo de colaboração privada entre os entes federativos...a

finalidade deste contrato é garantir a integralidade da assistência aos os usuários...

com base nesse princípio...que é o princípio diretivo que nós nos organizamos para

garantir esse direito ao cidadão...que é um direito...pela ... integralidade da

atenção... ”

“...as redes de atenção...estão nos fortalecendo para que haja uma compreensão

dos gestores municipais...de que a luta tem que ser na verdade para instalação de

serviços que assegurem acesso e não...colocar serviços em todos os municípios com

a perda de qualidade... com ...epidemiologicamente...uma demanda muito menor do

que o que se espera para a utilização deste serviço...”[informante chave 1 –

narrativas institucionais do corpus da pesquisa]

“... esse contrato...de ação pública...visa...a organização do SUS regionalmente... se

nós vamos falar de regionalização...este contrato...vai dar um instrumento... para

fortalecer todo esse trabalho nosso de organização de ações de serviço de saúde de

uma região...deve ser um único instrumento de maneira tal que todos os

instrumentos de planejamento... sejam definidos utilizando sua base de

orientação...todas as diretrizes que foram...utilizadas para firmar esse contrato.

“...define as responsabilidades...além das individuais...a solidária...quando se

trabalha com processos de regionalização as responsabilidades solidárias ...de fato

tem um destaque todo especial...porque essas responsabilidades solidárias ...vão

assegurar o direito...do acesso a outros serviços de saúde que não existem...que não

podem existir em cada um dos municípios que compõem essa região...” [informante

chave 1 – narrativas institucionais do corpus da pesquisa]

A gestão intermunicipal e os conflitos de interesse com o município polo

constitui-se, portanto, o principal desafio da regionalização fundada nas redes de atenção com

pressuposto cooperativo e necessitando sustentabilidade mínima, considerando a conformação

da política municipal, caracterizada pela descontinuidade administrativa e na auto-referência

local (municipal), onde de fato se localizam em geral os interesses (eleitorais) dos gestores

municipais, que serão de fato os atores principais do processo:

“...o município da região que assume as responsabilidades solidarias...passa a ter

uma responsabilidade maior em relação...a ...garantia do acesso da população

residente na região de determinado serviço[...].um dos desafios é a

...regionalização...a gestão municipal desse município que assumiu essa

responsabilidade solidaria...não seja colocada no primeiro plano em relação as

outras responsabilidades de gestão nos municípios que integram essa

região[...]quer dizer...todo processo de decisão embora...o serviço esteja

concentrado no município sede...aquele gestor não pode ser o soberano no processo

decisão... ele tem de fato de participar de maneira solidária...de maneira tal que

isso não represente um distanciamento dos outros gestores... [do] ...município [que]

...apresenta uma estrutura melhor para a garantia de acesso [...]

[...] pena que os gestores municipais que estavam aqui já foram embora[...]

[informante chave 1 – narrativas institucionais do corpus da pesquisa]

Redes de Atenção e as Propostas dos COAP

Considerando a observação das propostas de Redes Assistenciais contidas nos

COAPS das Regiões de Saúde do estado do Ceará (ver Quadro 1), podemos verificar que há

uma tendência relacionada ao desenvolvimento e fortalecimento tão somente da Rede

Cegonha e da Rede de Urgência e Emergência no estado do Ceará, sendo que as demais redes

assistenciais temáticas, em geral, não são sequer mencionadas.

No que diz respeito à Rede Cegonha, em cada uma das macrorregiões, existem

regiões de saúde com o nível categórico que compreende pelo menos pré-natal habitual e

parto / nascimento de risco habitual e de alto risco (níveis 2 e 3).

Isso indicaria que nestas regiões de saúde existem pontos de atenção relevantes

para o cuidado materno-infantil, mas não assegura o acesso, qualidade ou mesmo eficácia de

uma política que pretende ser universalista. Vale mencionar que a questão da garantia de

infraestrutura das instituições básicas e hospitalares com este foco no estado do Ceará já é um

ponto de partida significativo. Contudo, a necessidade maior da implantação e fortalecimento

da Rede Cegonha gira em torno da redução dos altos índices de mortalidade materno-infantil

e da qualidade da assistência prestada pelas equipes médicas e pelo próprio Estado, de uma

forma mais abrangente (CARNEIRO, 2013).

Quanto à Rede de Urgências e Emergências, existe uma diversidade

significativa no estado do Ceará em relação às seguintes especialidades: Clínica, Cirúrgicas,

Psiquiátricas, Pediátricas, Gineco-obstétricas e Causas Externas. A partir da mesma lógica

apresentada no modelo descrito anteriormente, devem ser somados esforços e aglutinado

recursos para assegurar a toda população cearense níveis ideais quanto às ações e serviços de

promoção e prevenção, acolhimento, qualificação profissional, informação, apoio logístico e

regulação. Ainda em relação ao Quadro 1 referido, a Rede Psico-social apresenta-se incipiente

no estado do Ceará. Além disso, quanto às Redes de Doenças-crônicas e de Deficientes

Físicos, não foi registrada Rede articulada e integrada, entretanto, sabe-se que alguns

municípios do estado se destacam quanto à rede de cuidados.

Regiões de Saúde: Algumas Narrativas Institucionais

O estudo dos COAP apontou a utilização da lógica de organização das ações e

serviços de saúde segundo programação física e financeira assistencial. Várias Regiões de

Saúde retrataram esta realidade, como por exemplo, a R1: “contudo, ainda estamos tentando

superar a organização do SUS em níveis de atenção, e com isso, também superar a lógica de

programação e repasse dos recursos”.

Nesse mesmo sentido, R2 e outras, reconhecem as “fragilidades em relação à

resolubilidade e qualidade dos serviços prestados, constatando-se descontinuidade no

cuidado ao usuário, fluxos e rotinas informais de encaminhamento de pacientes e de

suprimento deficiente das unidades, gerando dificuldades no exercício da responsabilidade

de ordenar a redes de atenção, comprometendo a garantia do princípio da integralidade do

SUS”.

O COAP de R3 destaca que o modelo de atenção à saúde está fundamentado

ainda em “ações curativas, centrado no cuidado médico e estruturado com ações e serviços de

saúde dimensionados a partir da oferta”, mostrando-se, dessa forma, “insuficiente para dar

conta dos desafios sanitários atuais e insustentável”.

Some-se a isso, o não cumprimento pleno, em alguns casos, do pactuado na

Programação Pactuada e Integrada (PPI), como indicou a narrativa do COAP de R4: “A

regulação obedece ao modelo regionalizado e com ofertas de procedimentos disponibilizados

pelas conveniências dos serviços e não conforme ao que é pactuado na PPI e extra- PPI”.

O aprimoramento da lógica do desenho em RAS, segundo as orientações do

Decreto nº 7.508, coloca na pauta do SUS a necessidade urgente de pactuação de novos

parâmetros de financiamento, além de novos investimentos e custeio para a implantação e

desenvolvimento, por exemplo, das Redes Temáticas, ainda limitadas, as Redes Cegonha e de

Atenção às Urgências.

A organização das RAS ganhou fôlego quando da disponibilização de recursos

financeiros tanto de investimento quanto de custeio para as Redes Temáticas Cegonha e de

Atenção às Urgências. Verificou-se, nesse sentido, um incremento das proposições em relação

à Rede Cegonha tanto no que concerne à sua organização como estruturação e ampliação de

sua capacidade de oferta, destacando a definição, articulação e comunicação

dos distintos pontos de atenção à saúde e das responsabilidades respectivas quanto aos cinco

componentes previstos (pré-natal, parto e nascimento, puerpério e saúde integral da criança e

sistema logístico – transporte sanitário e regulação).

Como visto (Quadro 1), no Ceará, foi pactuada a implantação de 17 (dezessete)

Redes Cegonha compreendendo quase todas as Regiões de Saúde. Observa-se que algumas

Redes Cegonha foram propostas abrangendo mais de uma Região de Saúde, tendo em vista a

necessidade do cuidado integral e a indisponibilidade de todos os recursos em apenas uma

Região, conformando arranjos complexos no tocante ao seu funcionamento, manutenção,

regulação, governança entre outros aspectos. Apresentou-se, nos COAP, com seu desenho

organizacional, com identificação de pontos de atenção e fluxos de acessos. A Rede Cegonha

aparece em todos os COAP cearenses, apontando uma forte prioridade ou quem sabe, devido

a existência de fonte financiadora.

Observando alguns indicadores pactuados nos COAP, identifica-se a relevância

estratégica da Atenção Primária em Saúde (APS) na organização e funcionamento das Redes

de Atenção à Saúde. Segundo o Ministério da Saúde, a APS “é centro de comunicação da

RAS e tem um papel chave na sua estruturação como ordenadora da RAS e coordenadora do

cuidado” (BRASIL, 2010, p. 9).

Os COAP do Ceará, em sua totalidade, reiteraram esta compreensão,

registrando que na conformação das redes de atenção da região, tem-se a atenção básica como

ordenadora e coordenadora do cuidado, utilizando o acolhimento, ampliação do acesso,

integralidade da atenção, implantação de diretrizes clínicas, vinculação e identificação de

risco. Entretanto, a materialidade de uma APS como ordenadora e coordenadora do cuidado é

ainda um desafio a ser construído.

Outro aspecto, destacado pelos entes signatários do COAP ressaltam como

grande desafio a “organização dos serviços para o desenvolvimento dos processos de

trabalho com a visão de integração das redes temáticas, atualmente, a rede cegonha e rede

de urgência e emergência”.

Analisando os COAP do Ceará, percebe-se que os processos de trabalho de

integração das redes de atenção à saúde foram previstos por meio do planejamento integrado

regional e das discussões nas CIR e CIB no que concerne às Redes Temáticas. Um exemplo

disso, é a proposição de disponibilidade de Transporte Sanitário para a Rede Cegonha

proveniente de investimentos da Rede de Atenção à Urgência, no caso o SAMU 192,

racionalizando e integrando recursos relacionados ao componente Transporte Sanitário.

Na mesma perspectiva de integração das políticas de saúde com base no

fortalecimento das RAS tem-se o Projeto QualiSUS-Rede em desenvolvimento na R5,

envolvendo as Regiões R6 e R7. “O projeto QualiSUS-Rede visa contribuir no âmbito do

Sistema Único de Saúde - SUS - para a qualificação da atenção, gestão em saúde e gestão e

desenvolvimento de tecnologias, por meio de organização de redes regionais e temáticas de

atenção à saúde e da qualificação do cuidado assistencial”.

Entre os eixos estruturantes do QualiSUS-Rede, um total de cinco, destaca-se o

segundo que se refere a implementação das redes temáticas. Vinculados a este eixo, foram

definidos pelos secretários de saúde dos municípios participantes, um total de 19, e suas

equipes técnicas, os seguintes objetivos; “1. Apoiar a estruturação e implantação da Rede

Cegonha na RSC; 2. Apoiar a estruturação e implantação da Rede de Atenção às Urgências

na RSC com a garantia de profissionais de serviços de 24 horas da RAU capacitados para

atendimento as urgências e emergências”.

Registra-se, assim, nos COAP, a intenção de integrar algumas políticas de

saúde de modo a potencializar o movimento instituinte das Redes de Atenção à Saúde nos

territórios das Regiões de Saúde e na institucionalidade solidária proposta pelos Contratos

Organizativos da Ação Pública da Saúde.

Quadro 1. Distribuição de Rede Temáticas segundo Regiões de Saúde - Ceará.

Macrorregião de

Saúde

Região de

Saúde

Municípios

(Nº) População

Redes Temáticas *

Cegonha Urgência

Emergência

Psico -

Social

Doenças

crônicas

Deficiente-

Físico 1 2 3

FORTALEZA

Fortaleza 4 2.659.466 3 Sim SI SI SI

Caucaia 10 579.833 SI Sim Sim Não Não

Maracanaú 8 505.469 3 Sim Não Não Não

Baturité 8 134.586 2 Sim Não Não Não

Itapipoca 7 279.227 3 Não Não Não Não

Aracati 4 162.134 2 Sim Não Não Não

Russas 5 192.861 3 Sim Não Não Não

Limoeiro do Norte

11 218.598 3 Sim Não Não Não

Cascavel 7 253.009 2 Sim Sim Não Não

SubTotal 64 4.985.183

SOBRAL

Sobral 24 618.044 3 Sim Sim Não Não

Acaraú 7 215.753 3 Sim Sim Não Não

Tianguá 8 300.736 SI Sim Não Não Não

Crateús 11 291.623 3 Sim Sim Não Não

Camocim 5 151.100 SI Sim Sim Não Não

SubTotal 55 1.577.256

CARIRI

Icó 7 168.603 SI Sim Não Não Não

Iguatu 10 310.211 SI SI SI SI SI

Brejo Santo 9 207.375 3 Sim Não Não Não

Crato 13 332.794 3 Sim Sim Não Não

Juazeiro do

Norte

6 404.505 3 Sim Não Não Não

SubTotal 45 1.423.488

SERTÃO CENTRAL

Canindé 6 198.061 3 Sim Não Não Não

Quixadá 10 310.415 3 Sim Sim Não Não

Tauá 4 111.602 2 Sim Não Não Não

SubTotal 20 620.078

TOTAL GERAL 184 8.605.907

SI: Sem Informação / Informação não consta no COAP.

Legenda do Nível de desenvolvimento quanto à Rede Cegonha:

Nível 1: região de saúde que conta somente com pré-natal habitual e parto / nascimento de risco habitual;

Nível 2: região de saúde que conta com pré-natal habitual, parto / nascimento de risco habitual e pré-natal de alto

risco;

Nível 3: região de saúde que supera a complexidade entre os níveis anteriores.

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