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Londrina 2016
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
MESTRADO EM METODOLOGIAS PARA O ENSINO DE
LINGUAGENS E SUAS TECNOLOGIAS
REGINALDO DOS SANTOS SIMÕES
A PERCEPÇÃO DOS ALUNOS DO TERCEIRO ANO DO ENSINO MÉDIO DE UM COLÉGIO PÚBLICO DO PARANÁ
SOBRE O QUE É SER PROFESSOR
REGINALDO DOS SANTOS SIMÕES
Cidade
Londrina
2016
REGINALDO DOS SANTOS SIMÕES
A PERCEPÇÃO DOS ALUNOS DO TERCEIRO ANO DO ENSINO MÉDIO DE UM COLÉGIO PÚBLICO DO PARANÁ
SOBRE O QUE É SER PROFESSOR
Dissertação apresentada à UNOPAR, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Metodologias para o Ensino de Linguagens e suas Tecnologias. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Okçana Battini
AUTORIZO A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Dados Internacionais de catalogação-na-publicação Universidade Norte do Paraná
Biblioteca Central
Setor de Tratamento da Informação
Simões, Reginaldo dos Santos
S616p A percepção dos alunos do terceiro ano do ensino médio de
um colégio público do Paraná sobre o que é ser professor /
Reginaldo dos Santos Simões: [s.n], 2016
102f.
Dissertação ( Mestrado Acadêmico em Metodologias
para o Ensino de Linguagens e suas Tecnologias). Univer-
sidade Norte do Paraná.
Orientador: Profª. Drª. Okçana Battini
1 - Ensino - dissertação de mestrado - UNOPAR 2-
Trabalho docente 3- Saberes docente 4- Políticas
educacionais 5-Visão dos alunos - I Battini, Okçana; orient.
II- Universidade Norte do Paraná.
CDU 371.13
A PERCEPÇÃO DOS ALUNOS DO TERCEIRO ANO DO ENSINO MÉDIO DE UM COLÉGIO PÚBLICO DO PARANÁ SOBRE O QUE É SER PROFESSOR
Dissertação apresentada à UNOPAR (Universidade Norte do Paraná), no Mestrado
em Metodologias para o Ensino de Linguagens e suas Tecnologias, área e
concentração em Formação de Professores e ação docente em situações de ensino,
como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre conferida pela Banca
Examinadora formada pelos professores:
_________________________________________
Prof.ª Dr.ª Okçana Battini
UNOPAR
_________________________________________
Prof. Dr. Fábio Luiz da Silva
UNOPAR
_________________________________________
Prof.ª Dr.ª Neura Maria Weber Maron
UFPR
Londrina, 02 de março de 2016.
Dedicatória
À minha professora, Maria Suely
Fernandes da Silva, por mostrar que o
trabalho docente vale a pena, mesmo
com os percalços que são
apresentados durante o caminho. Ter
sido seu aluno é a razão para que eu
tenha escolhido essa profissão.
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Okçana Battini, pelo acompanhamento no processo de
elaboração deste trabalho e pelas orientações, fundamentais para a sua realização,
sem as quais ele não teria sido possível.
Ao Departamento de Pesquisa em Ensino da UNOPAR (Universidade Norte do
Paraná), especialmente ao Programa do Mestrado em Metodologias para o Ensino
de Linguagens e suas Tecnologias, no nome de sua coordenadora, a Profa. Dra.
Samira Fayez Kfouri, por seu suporte e dedicação.
À minha esposa, Mônica Coelho, e aos nossos filhos, Íris, Daniel e Leonardo, por
sua compreensão e incentivos nas horas mais difíceis desta caminhada e que,
mesmo com a privação de minha presença, não deixaram de apoiar e acreditar
nesta realização.
À direção, equipe pedagógica, alunos e professores do Colégio Estadual Cyriaco
Russo, Ensino Médio e Normal, de Bandeirantes/Paraná, pela oportunidade de
realização da pesquisa junto aos concluintes do ensino médio.
SIMÕES, Reginaldo dos Santos. A percepção dos alunos do terceiro ano do ensino médio de um colégio público do Paraná sobre o que é ser professor. 102 f. Dissertação (Mestrado em Metodologias para o Ensino de Linguagens e suas
Tecnologias) – Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu, UNOPAR, Londrina, 2016.
RESUMO
Esta dissertação busca apreender a visão que os alunos do terceiro ano do ensino médio, de uma escola pública no município de Bandeirantes, têm sobre o processo de trabalho do professor em sala de aula. Para isso, buscamos compreender sobre a formação histórica e o processo de profissionalização do professor, a feminização do professorado, os saberes docentes, as especificidades do trabalho docente e o processo de globalização da economia e do domínio do capital no neoliberalismo, com a precarização do trabalho docente. Nesse sentido, buscamos estabelecer uma relação entre a formação dos professores e as necessidades do mercado de trabalho, com a desvalorização da figura dos professores diante de outras atividades profissionais mais atrativas. Nossa argumentação parte da hipótese que estas condições externas afetam diretamente as condições de trabalho dos professores, influenciando a maneira como trabalham e a visão dos alunos perante a realização do trabalho docente em sala de aula. Para isso, realizamos uma pesquisa qualitativa, por meio da aplicação de um questionário com questões semiestruturadas aos alunos do terceiro ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Cyríaco Russo, de Bandeirantes, Paraná, procurando mostrar como os alunos percebem essas transformações e particularidades na efetivação do trabalho docente em sala de aula. De acordo com a análise das respostas obtidas junto aos alunos, consideramos que o trabalho docente não é visto por eles de forma pejorativa, mas, sim, de forma sofrida. Para grande parte dos alunos, o acesso ao conhecimento ainda se dá por meio de seus professores, que são vistos como agentes de transformação da realidade. Entretanto, para a maioria dos alunos, apesar do reconhecimento da importância do trabalho dos professores para a sua formação, esta não é mais considerada uma profissão atrativa para que considerem optar por seguir a carreira de professores no futuro. Palavras-chave: Trabalho docente; Saberes docente; Políticas Educacionais, Visão dos alunos.
SIMÕES, Reginaldo dos Santos. The perception of the students of the third year of high school to a public school of Paraná about what is to be a teacher. 102 f. Dissertation (Masters in Methodologies for Teaching Languages and their technologies) - Graduate stricto sensu program, UNOPAR, Londrina, 2016.
ABSTRACT
This dissertation attempts to grasp students' views in relation to teaching. Taking into account the consideration of its historical formation and the process of professionalization, the feminization of the teaching, the teaching knowledge, the specifics of teaching and the process of economic globalization and capitalist rule in neoliberalism, with the precariousness of teaching. We have analyzed the relationship between teacher education and the needs of the labor market, with the devaluation of the figure of teachers in front of other perceived as more attractive. Our argument starts from the assumption that these external conditions directly affect the working conditions of teachers. Influencing the way they work and how they see the students as professionals and how their identity is transformed. By applying a questionnaire with open questions and semi-structured applied to the students of the third year of High School the State School Cyríaco Russo, of Bandeirantes, Paraná, we try to show how students perceive these changes and peculiarities in the effectiveness of teaching in the classroom. According to analysis of the responses obtained from the students, we believe that teaching is not seen by them in a derogatory manner. For most students, access to knowledge also occurs through their teachers, who are seen as the real change agents. However, for most students, despite the recognition of the importance of teachers' work to their training, this is no longer considered an attractive profession to consider choose to follow the teacher's career in the future.
Keywords: Teacher's work; teaching Knowledge; capitalist economy; Vision of students.
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Os professores demonstram estar felizes enquanto estão
lecionando? ............................................................................................ 73
Gráfico 2 - A profissão dos professores tem salários condizentes com as
atividades que realizam? ........................................................................ 77
Gráfico 3 - O trabalho dos professores é importante para você? ............................. 79
Gráfico 4 - A continuação dos estudos por parte dos professores é importante? .... 82
Gráfico 5 - Os professores têm domínio dos conteúdos trabalhados em sala de
aula? ...................................................................................................... 84
Gráfico 6 - Professores mais experientes melhoram a qualidade de suas
aulas? ..................................................................................................... 86
Gráfico 7 - Você tem algum interesse em seguir a profissão de professor? ............ 88
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9
1 A IDENTIDADE E A FORMAÇÃO DO TRABALHADOR DA DOCÊNCIA .......... 13
1.1 A atividade dos professores como trabalho: a formação da profissão
docente ............................................................................................................. 14
1.1.1 As especificidades do trabalho docente ....................................................... 17
1.2 A feminização do trabalho docente e a questão de classe na formação
dos professores ................................................................................................ 22
1.3 A formação e os saberes docentes da profissão de professores ..................... 25
1.4 A precarização da formação docente diante das necessidades do
mercado de trabalho ......................................................................................... 34
2 A RELAÇÃO ENTRE O CAPITAL E O PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO ..... 42
2.1 A reestruturação econômica mundial e a educação ......................................... 42
2.2 O processo de desvalorização do trabalho docente ......................................... 55
3 A VISÃO DOS ALUNOS EM RELAÇÃO AO EXERCÍCIO PROFISSIONAL
DOCENTE............................................................................................................. 64
3.1 Enfoque, métodos e técnicas de pesquisa ....................................................... 64
3.2 A atividade dos professores enquanto trabalho ................................................ 67
3.3 A percepção da satisfação docente pelos alunos ............................................. 73
3.4 A visão que a os alunos têm da profissão docente ........................................... 78
3.5 os saberes docentes ......................................................................................... 81
3.5.1 A formação dos professores ......................................................................... 81
3.5.2 A relação entre o conhecimento disciplinar, a experiência dos
professores e o trabalho docente. ................................................................ 83
3.6 O interesse pela docência por parte dos alunos ............................................... 87
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 91
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 95
APÊNDICE – Questionário .................................................................................... 100
9
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa nasce de alguns questionamentos sobre a
imagem do trabalho docente construída pelos alunos no decorrer de sua vida
discente, tendo como foco as atividades desenvolvidas pelos professores na
realização de seu trabalho dentro da escola. Não descartamos a importância das
pesquisas sobre a visão que os professores têm de suas práticas; entretanto,
consideramos importante ouvir os sujeitos diretamente influenciados por essas
práticas. Para isso, consideramos a relevância de perguntar diretamente aos alunos
como eles percebem o trabalho dos professores no dia a dia.
O intuito desta pesquisa é apreender a visão que os alunos do
terceiro ano do ensino médio do Colégio Estadual Cyríaco Russo têm da profissão
docente. Para chegar a esse intuito pretendemos analisar a profissão docente,
partindo da condição do professor enquanto trabalhador, apresentando
considerações sobre o processo histórico de sua profissionalização e afirmação da
profissão, discutindo os aspectos que formam a identidade dos profissionais
docentes, apresentando fatores externos à profissão que influenciam a prática
docente em sala de aula.
Refletimos sobre a maneira como as transformações recentes na
sociedade impactam o trabalho dos professores e de que maneira sua formação,
tanto inicial como continuada, assim como os anos de experiência profissional, o
ciclo de trabalho, os salários, as condições dos equipamentos e as atitudes dos
alunos em sala de aula impactam na visão que os alunos têm do trabalho dos
professores.
Partimos da hipótese de que o trabalho dos professores sofreu, nas
últimas décadas, um processo de desvalorização, o que causou alterações em sua
identidade, fato este que pode fazer com que os alunos não vejam a profissão de
professor como uma profissão a ser seguida. Isso, juntamente com os problemas
enfrentados pelo professor na realização de suas atividades e no seu
desenvolvimento profissional, faz com que muitos alunos não desejem seguir a
carreira de professor.
Diante da formação, consolidação e transformações que a docência
sofreu, levantamos alguns questionamentos que serviram de base para a realização
10
desta pesquisa: Como ocorreu a profissionalização docente? Quais são as
especificidades do trabalho docente? Quais transformações na economia e na
sociedade levaram a docência para o âmbito atual? Como os alunos são afetados
por essas mudanças ao observar o trabalho docente? Qual o interesse dos alunos
em seguir a profissão docente?
Para responder a essas indagações, realizamos uma pesquisa
qualitativa, por meio de questionário com questões semiestruturadas com opção de
respostas livres para os alunos. Realizamos a pesquisa no Colégio Estadual Cyríaco
Russo, Ensino Médio e Normal, de Bandeirantes, Paraná, pois é um colégio público
de área central da zona urbana do município, para onde os alunos dos bairros se
dirigem, mesmo enfrentando distâncias mais longas, pois é considerado pela
comunidade um colégio de qualidade e referência no município.
Selecionamos os alunos do terceiro ano do Ensino Médio para
serem os sujeitos dessa pesquisa, pois eles já passaram por quase toda a educação
básica, faltando apenas a conclusão da última etapa. Também por muitos deles já
estarem à procura de uma inserção no Ensino Superior e/ou no mercado de
trabalho, após o término do Ensino Médio, com vistas à escolha de uma profissão
e/ou colocação no mercado de trabalho.
Com o entendimento que o ser humano é um ser que modifica o
mundo e a si mesmo por meio do trabalho, recorremos a Codo (2006) para refletir
sobre o trabalho docente, o produto do trabalho do professor e suas especificidades,
bem como sobre a questão do esgotamento dos professores em situação de ensino,
através de sua análise sobre a síndrome de burnout, que afeta uma quantidade
considerável de profissionais da educação.
Para apresentar uma visão histórica da formação e
profissionalização docente, utilizamos Nóvoa (1999), que estuda a evolução do
trabalho docente desde os tempos em que o ensino esteve atrelado, de alguma
maneira, às instituições religiosas até a consolidação profissional docente. Nóvoa
(2006) avalia o professor não mais como o centro difusor de conhecimentos, pois
isso concorre com outros meios mais influentes. Dessa forma, há a exigência de
uma avaliação sobre as funções dos professores para que sua profissão não sofra
processo de esvaziamento.
11
A questão de gênero na docência, com a feminização do magistério,
tratada no presente trabalho, é fruto de reflexões de Apple (1988) e Battini (2014),
com discussão sobre as razões pelas quais a profissão docente, principalmente na
educação básica, passou a ser inicialmente de maioria masculina para
majoritariamente feminina.
Para a realização de análise sobre a formação de professores e dos
saberes docentes, recorremos a Pimenta (2006) e Tardif (2011), que pesquisam
sobre o tema, partindo do pressuposto que os professores estão em constante
formação, com a valorização dos saberes que eles adquirem no chão da sala de
aula, enquanto estão realizando suas atividades profissionais.
Para analisar a relação entre o processo de mudanças na economia
e a participação do capital na educação, apoiamo-nos em Battini (2004), que aborda
as mudanças recentes no mundo do trabalho, com o neoliberalismo e a flexibilização
da economia e suas influências na educação.
Munidos desse suporte teórico, direcionamo-nos para a realização
da pesquisa em sala de aula, juntamente com os alunos. Como eles estão em
contato direto com os professores durante a realização de suas atividades, suas
respostas são extremamente relevantes para representar como as condições
apresentadas influenciam no trabalho docente e na imagem que eles têm em
relação à atividade docente.
Os resultados da pesquisa são apresentados nesta dissertação, que
foi dividida em três capítulos, organizados da seguinte forma: no primeiro capítulo,
tratamos da profissionalização do professor e a questão da construção de sua
identidade: como ele surgiu e evoluiu enquanto trabalhador; o processo de
feminização da atividade docente, com a imagem associada à mulher, como mãe e
dona de casa, repassada para a figura das professoras, inclusive contribuindo para a
desvalorização salarial da carreira.
Apresentamos, ainda, os saberes docentes e sua influência no
trabalho dos professores e como a legislação brasileira determina que deva ser a
formação de professores, relacionando essa formação com as necessidades do
mercado de trabalho e as exigências impostas sobre as atividades docentes.
No segundo capítulo, realizamos uma breve análise do processo que
levou à globalização da economia com a influência do neoliberalismo e da
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flexibilização das relações de trabalho sobre a educação formal e o trabalho
docente. Neste capítulo, também são analisadas as condições de precarização das
condições do trabalho docente e a desvalorização dos professores, como a situação
dos contratos de trabalho temporários e precários e a perda do prestígio da
profissão de professor por parte da sociedade, com a competição do trabalho
docente com outras fontes de conhecimento e algumas dificuldades apresentadas
para a realização de suas atividades.
No terceiro capítulo, apresentamos a metodologia de trabalho com
os passos para a escolha dos participantes e a realização da pesquisa, expondo as
respostas dos alunos, tanto em forma de gráficos, como algumas respostas
transcritas do original, realizando a análise delas, momento em que apontamos
respostas para nossos questionamentos sobre a maneira como os alunos observam
e constroem a imagem dos professores e de seu trabalho em sala de aula.
Apoiamos nossa análise nos aspectos trabalhados teoricamente nos
capítulos anteriores, como aspectos relacionados à formação dos professores, os
saberes docentes, as condições de trabalho, a globalização e as políticas
econômicas, para compreender a efetivação do trabalho docente em sala de aula.
Por meio das respostas dadas pelos alunos, realizamos a análise de suas falas
estabelecendo aproximações, pois entendemos que o trabalho docente não está
dissociado da realidade de seu entorno. O trabalho dos professores é um trabalho
dialético, com potencialidade para produzir a transformação da realidade, com os
alunos sendo os sujeitos do trabalho educativo (CODO, 2006).
Mesmo com todos os percalços da profissão, percebemos, nas falas
dos alunos, a compreensão da importância do trabalho docente, que não está
superada em seus imaginários, rendendo muitos frutos, cujo principal objetivo é o
trabalho com os alunos, mediado pelo conhecimento, sendo inerente de sua
atividade a busca pela aprendizagem contínua.
Nas considerações finais levamos em conta as respostas dos
alunos, sua análise e nosso referencial teórico, com as respostas para discussões
levantadas nesta dissertação: sobre o que é ser professor na atualidade e como seu
trabalho é visto por seus alunos.
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1 A IDENTIDADE E A FORMAÇÃO DO TRABALHADOR DA DOCÊNCIA
Os professores têm um histórico de formação profissional e trabalho
ligado à questão da produção dos meios materiais de existência promovidos pelo
sistema capitalista, principalmente a partir da Revolução Industrial em meados do
século XIX. As origens da escola como a conhecemos está diretamente relacionada
com a evolução desse sistema (ROMANOWSKI, 2007, p. 30). Ser professor não
pode ser entendido de forma alguma como uma vocação ou como um dom inato.
Ser professor é ser trabalhador e, com seu trabalho, transformar o mundo a sua
volta enquanto transforma a si, como ser humano.
No presente capítulo, buscamos analisar o processo da formação,
do trabalho e da questão da identidade dos profissionais da docência. Para tanto,
algumas questões podem ser levantadas: Como surgiu a profissão docente? Quais
as origens do trabalho, da formação e da identidade docente na sociedade? Quais
as especificidades que estão presentes em sua formação, enquanto profissão e
enquanto classe de trabalhadores e estão implicadas em sua prática? Quais são as
considerações sobre os fatores que levaram essa profissão na atualidade ser uma
atividade tipicamente do gênero feminino (principalmente na educação básica) e
com remuneração abaixo das outras profissões com a mesma formação acadêmica?
Na tentativa de responder a essas questões, dividimos o capítulo da
seguinte forma: na seção 1.1, realizamos uma verificação do entendimento da
atividade docente como trabalho e não como um sacerdócio ou uma vocação, com
características herdadas das instituições religiosas, como o trabalho realizado pela
Companhia de Jesus, ou compreendida como uma missão de vida. Para entender
esse processo, sustentamos nossas discussões nas especificidades do trabalho
docente levantadas por Codo (2006), que trata dos aspectos inerentes à profissão
de professor.
Na seção 1.2, verificamos como o processo do trabalho docente foi
construído como uma atividade laboral predominantemente feminina, como uma
extensão das atividades domésticas e da maternidade. Esse processo culminou com
a associação entre a atividade docente e as baixas remunerações, com o trabalho
realizado pelas mulheres complementando os ganhos do marido, visto como o
principal mantenedor das finanças domésticas. Ocorreu, assim, a migração dos
14
professores para profissões que possibilitaram ganhos salariais melhores, enquanto
a docência ficou a cargo, na maioria dos casos, das mulheres, vistas como
naturalmente propensas a ensinar.
Na seção 1.3, realizamos uma leitura dos saberes docentes que não
se limitam ao conhecimento dos conteúdos disciplinares e aos conhecimentos
pedagógicos. Essa discussão é sustentada pelos trabalhos realizados por Pimenta
(2012) e Tardif (2014), tendo como eixo a valorização da prática docente como um
fator de grande importância para o profissional da educação.
Na seção 1.4, a formação dos professores é apresentada sob a
égide da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), de 1996, que
permite a formação em institutos de ensino superior e a aceleração da formação de
professores, contribuindo para o mercado de formação de professores, mas
deixando lacunas diante das exigências da profissão.
1.1 A ATIVIDADE DOS PROFESSORES COMO TRABALHO: A FORMAÇÃO DA PROFISSÃO
DOCENTE
Os professores são trabalhadores. A partir dessa concepção,
passamos a analisar como essa classe de trabalhadores passou a formar uma das
profissões mais importantes e com maior visibilidade dentro da sociedade.
Começamos discutindo a condição do ser humano enquanto trabalhador e da
inclusão da categoria trabalho como fundamental para a análise do ofício de
professor. Em seguida, abordamos as relações que tornam a atividade docente
diferenciada das outras espécies de trabalho e finalizamos com as transformações
ocorridas na sociedade1, principalmente o processo globalizante, a política neoliberal
e a posição do professor nesse novo contexto.
Os animais também realizam atividades durante suas vidas,
inclusive com grande beleza e funcionalidade, como são os casos das formigas e
das abelhas. Contudo, apenas o ser humano é capaz de trabalhar, porque ele não o
faz sem que tenha um sentido para além do próprio trabalho. Os seres humanos são
1 Este processo e descrito por Holanda (2001, p. 79) em que o Estado é visto como mínimo:
instrumento de coerção encarregado da tarefa de proteger formalmente a vida, a liberdade e a posse dos indivíduos – e a economia é pensada sem a política, ou seja, guiada pela espontaneidade dos desconfortos e desejos individuais.
15
dotados com a capacidade de prever a realização de suas atividades e o resultado
de seu trabalho, podendo mudar o curso dos acontecimentos durante essa
atividade, em um processo consciente, como mostra Enguita (1993) sobre a
concepção marxista de trabalho:
A diferença colocada por Marx entre o animal que se reproduz a si mesmo e o homem que reproduz a natureza inteira só pode ser compreendida atentando-se para o aspecto consciente que distingue a produção humana da do animal; efetivamente, o homem, no seu trabalho produtivo, propõe-se conservar ou modificar a natureza, coisa que não se pode dizer do animal (ENGUITA, 1993, p. 104).
Kuenzer (2009) também realiza uma análise do ser humano como
produtor e como trabalhador:
Não há mais essência divorciada da existência; o homem se define essencialmente pela produção, e pelo trabalho; desde que começa a produzir define-se como humano, distinto dos animais e, ao transformar a natureza e produzir-se a si mesmo, faz história, que é da produção da vida material a partir da produção dos meios de existência (KUENZER, 2009, p. 34).
Conceber a categoria profissional dos professores como
trabalhadores é fundamental para compreender sua função dentro da sociedade na
qual ela está inserida. O professor precisa ser valorizado como trabalhador, um
sujeito dotado de consciência que promove mudanças importantes em si e no
mundo a sua volta. Ele é capaz de, por meio da realização de seu trabalho,
modificar a realidade, transformando a vida dos alunos, possibilitando a melhoria
nas suas condições de existência destes. O reconhecimento da educação como
trabalho é demonstrado por Codo:
A educação parece um trabalho, como qualquer outro: profissionais dividindo as tarefas, cada qual cuidando do seu pedaço, o aluno tendo seu trabalho avaliado e arbitrado, quantas horas deve se dedicar para aprender matemática, biologia ou português (CODO, 2006, p. 40).
O ser humano transforma a natureza de acordo com suas
possibilidades e de acordo com suas capacidades para suprir suas condições
materiais de existência. Enquanto ele realiza esse processo, não está transformando
apenas o meio natural, mas a si mesmo e aos outros seres humanos, não sendo
mais como eram antes, mas mudando constantemente em um processo dialético. O
16
ser humano não apenas realiza o trabalho, mas faz a si mesmo através do trabalho,
de acordo com esta linha de raciocínio elaborada por Marx e Engels:
A maneira como os indivíduos manifestam sua vida reflete exatamente o que eles são. O que eles são coincide, pois, com sua produção, isto é, tanto com o que eles produzem quanto com a maneira como produzem. O que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais da sua produção (MARX; ENGELS, 2001, p. 11).
Essa afirmação implica em outra constatação: de que as condições
de nossas vidas materiais são as condicionantes para a construção do nosso
sistema de pensamento. Então, não apenas nos fazemos pelo trabalho, mas
também construímos nossos modelos mentais a partir da construção das condições
de existência:
Ao contrário da filosofia alemã, que desce do céu para a terra, aqui é da terra que e sobe ao céu. Em outras palavras, não partimos do que os homens dizem, imaginam e representam, tampouco do que eles são nas palavras, no pensamento, na imaginação e na representação dos outros, para depois se chegar aos homens de carne e osso; mas partimos dos homens em sua atividade real, é a partir de seu processo de vida real que representamos também o desenvolvimento dos reflexos e das representações ideológicas desse processo vital (MARX E ENGELS, 2001, p. 19).
Esse processo de inversão do modelo de dominação do pensamento
para o domínio do materialismo sobre a consciência representa uma das principais
linhas do pensamento de Marx e Engels sobre a ação humana no mundo, na qual a
produção material da existência tem reflexo sobre o modelo pelo qual os seres
humanos pautam sua organização social e sua estruturação ideológica:
São os homens que, desenvolvendo sua produção material e suas relações materiais, transformam, com a realidade que lhes é própria, seu pensamento e também os produtos de seu pensamento. Não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência (MARX E ENGELS, 2001, p. 19-20).
Na antiguidade, o trabalho era visto como uma ocupação indigna,
sendo realizada apenas por pobres e escravos. Para os pensadores da Antiguidade,
como Platão (427-347 a.C.), o trabalho era indigno e não merecia grande crédito.
Apenas a atividade intelectual era valorizada. Com o surgimento do capitalismo e
com a industrialização essa visão foi modificada. Para Charlot (2013), essa mudança
é captada no pensamento de Marx:
17
Marx inverte o mundo de Platão: o trabalho deixa de ser o grau mais baixo da situação humana e vira o fundamento da humanidade; a natureza deixa de ser o que afasta o espírito das Ideais de Bem, de Belo e de Bom e torna-se a protagonista do homem na sua construção de si e de uma natureza humanizada (CHARLOT, 2013, p. 71).
O processo de valorização do trabalho não ocorreu de uma hora
para outra, ele faz parte de um contexto histórico que passou pela transformação
dos modos de produção artesanal para o modo de produção manufatureiro, para
culminar com a Revolução Industrial. “O avanço tecnológico tornou possível a
produção em grande escala, a redução do custo por unidade e uma maior divisão
social do trabalho” (HOLANDA, 2001, p. 38). A industrialização da produção
proporcional além da redução dos preços dos produtos, a fragmentação das
atividades passaram a ser realizadas por trabalhadores cada vez mais
especializados em uma determinada função. O desenvolvimento do capitalismo foi
fundamental para a valorização do trabalho como gerador de riquezas.
1.1.1 As especificidades do trabalho docente
O trabalho do professor não é igual ao dos profissionais que
trabalham em um objeto para modificar os outros seres humanos e a si mesmo. Ele
realiza o processo de transformação de si mesmo em objeto para a realização de
seu trabalho. Por meio do movimento dialético, os professores, em sua ação com os
alunos em sala de aula, promovem a construção de uma nova realidade.
O trabalho docente não apresenta a mediação de um objeto material
externo. O professor se objetiva para a realização de seu trabalho em um outro
sujeito. O trabalho docente está relacionado com a transformação do produto, o
conhecimento humano, em uma relação social mediada pelos processos didáticos,
para que o aluno possa ser afetado para ser uma pessoa dotada de formação para o
trabalho e a cidadania, com o aluno entrando em contato com o conhecimento
formal através do trabalho realizado pelos professores e sendo capaz de se
apropriar desse conhecimento com a mediação realizada pelos docentes.
Segundo Battini (2004, p. 62), “o trabalho docente se efetiva quase
sem a mediação de aspectos exteriores, pois sua ação se objetiva ao transformar o
outro, através dos outros mesmo”. Temos dessa relação entre professor e aluno,
mediado pelo conhecimento, o produto do trabalho docente:
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Mas e o professor? Qual é o produto do professor? O marceneiro transforma ao outro, a sociedade, através da mesa. O professor transforma o outro através do outro mesmo, sem mediações. O seu produto é o aluno educado, é a mudança social na sua expressão mais imediata (CODO, 2006, p. 45).
Outra especificidade do trabalho docente está na relação direta com
o produto do trabalho e na falta de controle que ele tem sobre este, já que o aluno
não é um objeto inerte e sem vontade própria. Ele pode apresentar dificuldades à
realização do trabalho docente, que uma peça ao ser construída para um carro não
tem condições de apresentar. A peça do carro não é um organismo vivo e dotado de
razão. Para que o trabalho do professor aconteça, é necessário afetividade e
energia durante a realização do seu trabalho com seus alunos. O que é necessário
para que esse esforço alcance maior possibilidade de sucesso em sua realização?
Para Codo (2006), o trabalho docente exige um esforço específico, que os
profissionais que trabalham com outros seres humanos, precisam realizar:
Raros e felizes são os momentos em que é possível reconhecer no aluno a marca específica do trabalho. Em um plano abstrato, sim, fui eu que o eduquei, ou ajudei a educar, mas em um plano concreto, como saber onde começou e onde terminou a minha intervenção? Como dimensionar minha potência? O outro se transforma na mesma velocidade em que o professor o transformou. A historicidade imediata que anima o trabalho do professor o deixa impossibilitado de se refletir imediatamente, a ausência de um produto, apesar da relação da mesma, o condena à relação. Depende, para se reconhecer, que o outro o reconheça (CODO, 2006, p. 46).
O aluno não consome um produto físico. O trabalho docente é um
processo que permite ao professor entregar para seus alunos e para a sociedade
um produto que não é de fácil mensuração e apresenta dificuldade para avaliações,
por ser engendrado nas relações sociais, com seu retorno não sendo imediato à
realização da atividade docente. Segundo Tardif (2014),
O consumo (aprender) é produzido habitualmente ao mesmo tempo em que a produção (ensinar: fazer aprender). Assim torna-se difícil separar o trabalhador do resultado e observar este último separadamente do seu lugar de produção. Em seguida, o próprio produto do ensino é de uma intangibilidade, pois diz respeito principalmente a atributos humanos e sociais (TARDIF, 2014, p. 133).
19
Compreendemos que, até hoje, não existe um consenso sobre o
produto do trabalho docente2. Mesmo entre os pesquisadores da atividade docente,
ainda não há uma definição sobre isso, o que dificulta a construção de uma visão da
sociedade em relação ao seu trabalho, bem como na própria elaboração de sua
identidade. Entretanto, podemos entender que o aluno educado, o sujeito com
domínio dos conteúdos básicos e com preparação para a vida cidadã e para o
trabalho, por mais que as influências externas ao ambiente escolar, como seu capital
cultural, interfiram, é um dos frutos do trabalho docente.
A realização de um trabalho, em geral, é dotada de grande carga de
energia e de desprendimento de forças. Ainda mais quando esse trabalho é
realizado diretamente com outros seres humanos, como é o caso da docência. O
trabalho dos professores não pode ser realizado como o trabalho em que a relação
do trabalhador é mediada por máquinas e equipamentos. Entendemos que, no
trabalho com o outro, é necessária uma carga de afeto, de convencimento. De
acordo com Codo (2006), isso envolve sedução:
O papel do professor acaba estabelecendo um jogo de sedução, onde ele vai conquistar a atenção e despertar o interesse do aluno para o conhecimento que ele está querendo abordar. […] Seduzir é trazer para o seu lado, o professor precisa que os alunos estejam do se lado, se estiverem contra ele, funcionarão como obstáculo a qualquer conteúdo a ser assimilado (CODO, 2006, p. 50).
Mesmo com esse processo de sedução, de buscar trazer o aluno
para o seu lado, reconhecemos que, em muitos momentos, o trabalho docente é
desanimador. Quando o professor pensa no produto de seu trabalho como a
aprendizagem dos alunos ou no cidadão educado, por exemplo, esse resultado não
tem uma mensuração precisa e não pode ser verificado pelo professor enquanto ele
realiza suas atividades com os alunos. Muitas vezes, o resultado do trabalho de
anos, realizado pelos professores, só é reconhecido ou valorizado por seus alunos
depois de décadas, como em um encontro vinte anos depois da realização de suas
2 O objeto desse trabalho não é a relação entre materialidade e imaterialidade do trabalho docente.
Para discutimos trabalho e identidade, convém abordar essa relação. Utilizamos a expressão trabalho docente para localizar o objeto, os objetivos, a finalidade, as práticas de trabalho. Sabemos que existe, na esfera da educação, polêmica sobre as características do processo de trabalho do professor na sociedade capitalista e, em particular, se questionar se este tipo de trabalho é ou não gerador de mais-valia. Entretanto, essa polêmica não é objeto específico deste trabalho. Para maior aprofundamento da temática, ver Tumolo (2005) e Enguita (1991).
20
aulas (KARNAL, 2015), o que pode gerar um sentimento de impotência em muitos
profissionais da docência.
O trabalho docente ocorre dentro do espaço escolar, local onde
podemos perceber a visão que os alunos têm da prática docente. Dentro dos muros
da escola, portanto, é que, primeiramente, são percebidas as mudanças que o papel
do trabalho dos professores representa para a sociedade. Esse processo de
mudança, realizado pelo trabalho docente, associa-se, assim, ao processo dialético
de transformação da realidade através do trabalho humano (no caso, o trabalho
docente), com o profissional da docência sendo agente de transmissão e produção
de conhecimento:
Talvez uma das ideias mais originais do materialismo dialético seja a de haver ressaltado, na teoria do conhecimento, a importância da prática social como critério de verdade. E ao enfocar historicamente o conhecimento, em seu processo dialético, colocou em relevo a interconexão do relativo e do absoluto (TRIVIÑOS,1987, p. 51).
Não há dissociação entre o saber e o fazer para a realização do
trabalho docente. A ideia de que o professor sabe uma gama de conteúdos
disciplinares, mas não sabe como aplicar esses conteúdos na construção de uma
boa aula, é um discurso em que apresenta a figura de um profissional que não pode
ser considerado um bom professor. Para Karnal (2015, p. 27), o professor pode ser
entendido como um autor, produtor de seu trabalho e um ator na realização deste
em sala de aula. Se o ator souber o texto e não interpretar na peça, não será um
bom ator.
Como o professor não realiza um trabalho sobre um objeto para
transformá-lo, ele se objetiva para a realização de seu trabalho:
Há determinações internas e externas ao exercício profissional, e o professor faz a mediação entre essas determinações na sua prática profissional. A diferença da atuação do professor, comparada a outros trabalhadores assalariados, está em se objetivar, através do seu trabalho, em outro sujeito, o aluno em seu processo de formação (BATTINI, 2004, p. 63).
Os professores carregam, em sua atividade cotidiana, grande carga
afetiva, o que demanda esforço psicológico para a efetivação de seu trabalho. Mas,
conforme assevera Codo (2006), sem afetividade o processo de ensino
aprendizagem não se torna possível. Sem o afeto, sem que o outro (aluno) veja o
21
compromisso dos professores com sua aprendizagem, não conseguem interagir e se
comprometer com as suas atribuições no dia a dia escolar. “A afetividade foi banida
de outras profissões, que propõem a divisão entre a esfera profissional e a esfera
pessoal, isto não ocorre claramente no ensino” (BATTINI, 2004, p. 64).
O trabalho dos professores, portanto, é perpassado pela relação
afetiva, em que os alunos percebem esse interesse (ou não) dos professores em
sua aprendizagem e em relação às suas particularidades. De acordo com Codo
(2006, p. 115), os professores geralmente levam um ano para completar um ciclo de
trabalho, o que pode ser dificultado com a presença dos professores eventuais, que
geralmente cobrem licenças médicas e licenças remuneradas 3 , impossibilitando
vínculo duradouro entre os professores, as escolas e os alunos.
Quando os professores dispõem desse tempo, podem realizar o
trabalho com mais tranquilidade, por ele ser relativamente longo, possibilitando
reflexão sobre a prática e mudança no curso de trabalho, quando não está
funcionando conforme o planejado.
A ausência de vínculos pode comprometer a outra especificidade do
trabalho docente: a flexibilidade por meio da qual o professor realiza diversas
atividades diferentes para alcançar os resultados almejados, podendo se organizar
da maneira que for mais conveniente, permitindo variar (BATTINI, 2004, p. 65),
inclusive dentro da própria aula, quando perceber que ela não está seguindo o curso
que esperava durante seu planejamento.
O planejamento e a realização da aula “não podem ser
apresentados nem como fósseis, nem como invertebrados” (KARNAL, 2015, p. 25),
para que o professor não fique engessado e não saia daquilo que está planejado,
sem mudanças no roteiro, e para que não fique completamente perdido, sem saber
o que fazer na realização do trabalho docente. Dessa forma, o trabalho docente
alcançará os objetivos propostos, sendo o maior deles a aprendizagem dos alunos,
quando não fica preso às determinações externas e possibilita a realização de um
trabalho autônomo e com liberdade, para ser modificado sempre que necessário.
3 Seis meses em cada dez anos, podendo ser de três meses a cada cinco anos de trabalho para os
professores concursados do Estado do Paraná, professores QPM (do quadro próprio do magistério), desde que atendam algumas condições como número de faltas e licenças médicas. Para maiores informações consultar o conteúdo disponível no site da Secretaria Estadual de Educação do Paraná: http://www.portaldoservidor.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=597.
22
1.2 A FEMINIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE E A QUESTÃO DE CLASSE NA FORMAÇÃO DOS
PROFESSORES
As mulheres não eram as principais profissionais da educação até o
final do século XIX. A ocupação da docência teve início como uma atividade
masculina, que não era realizada em tempo integral, sendo vista como uma
complementação de outro ofício, que era considerado como a principal atividade. De
acordo com Battini (2014),
O trabalho de ensinar era tarefa dos homens, pois o magistério era tido como atividade meramente casual que podia tomar períodos curtos de tempo e atrair os homens que conciliavam o magistério com uma atividade de circunstância (BATTINI, 2014, p. 144).
Quando os homens passaram a encontrar atividades com melhores
remunerações que a docência, esse trabalho passou para as mulheres, como uma
atividade relacionada ao cuidado e à maternidade. Não foi um processo que
aconteceu com naturalidade, foi uma substituição da mão de obra em que a mulher
foi vista com uma formação familiar e social apta para assumir a lacuna:
O magistério tornou-se feminino, em parte porque os homens o abandonaram. Para muitos homens, o “custo e oportunidade” eram muito altos para permanecerem no magistério. Muitos professores ensinavam em tempo parcial (por exemplo, entre as colheitas) ou como ponto de partida para outros empregos mais lucrativos ou prestigiosos (APPLE, 1988, p. 18).
Mesmo com o pensamento da aptidão feminina devido à afetividade
e aos cuidados, considerados necessários ao processo educativo, para que a
ocupação passasse para a profissionalização foi necessária uma adaptação:
O fato das mulheres terem sido educadas durante séculos no sentido de dar expressão à sua afetividade não significa que a profissionalização das atividades por elas antes realizadas tenha ocorrido de forma direta, sem que houvesse necessidade de adaptação. Pelo contrário, o movimento de profissionalizar uma atividade vista como inerente à pessoa, sendo executada de forma mediada, pode gerar um conflito de difícil saída para quem a realiza. Isso, porque a lógica do mercado de trabalho não é, e não tem como ser, a lógica do cuidado (CODO, 2006, p. 53).
Inicialmente, as mulheres que ingressaram nesse mercado de
trabalho não foram as das classes mais baixas. As primeiras a atuar nas escolas,
nesse novo ofício, pertenciam às classes médias da sociedade, pois ser professora
23
assegurava-lhes uma ocupação em um trabalho longe da sujeira das fábricas e
garantia uma posição social mais elevada na sociedade. A figura da professora era
importante, principalmente nos pequenos centros, sem necessitar de grande
investimento em formação4.
As mulheres passaram a ocupar cada vez mais os espaços na área
da educação com as políticas de universalização da educação básica:
Com o avanço da escolarização universal, porém, o magistério conheceu por toda parte um processo de feminização que, ao mesmo tempo, trouxe uma mudança em sua composição de classe. Os homens das classes mais humildes foram progressivamente substituídos pelas mulheres dos estratos sociais intermediários, mais elevados, pois o exercício, geralmente temporário, dessa profissão encaixava-se bem com a visão da mulher nas classes médias da época (ENGUITA, 2004, p. 110).
O trabalho dos homens era geralmente mais bem remunerado do
que o trabalho das mulheres em suas atividades. A docência passou a ser
majoritariamente feminina quando os homens partiram para outras atividades, já que
o trabalho feminino era visto apenas como uma complementação da renda
doméstica. Mesmo com a valorização do trabalho pela sua importância social, o
trabalho profissional da professora não recebeu a valorização salarial devida:
O homem era visto como provedor principal da família e, a mulher, como sua dependente, deveria ganhar uma remuneração que serviria, no máximo, como complemento da vida familiar. Podemos perceber que a formação da identidade docente, no que diz respeito ao reconhecimento e valorização do seu trabalho, foram construídas respaldadas na desigualdade entre os gêneros (BATTINI, 2004, p. 68).
Com a desvalorização do trabalho realizado pelas professoras,
muitas deixaram a docência para seguir outras atividades. Essa situação acabou
abrindo espaço para que mulheres das classes mais pobres da sociedade
ocupassem esse espaço. Assim, mesmo com a mudança na constituição da classe
que realiza as atividades docentes, o processo de feminização do ensino continuou.
Dessa forma, a relação entre a classe de trabalhadores da educação esteve, cada
vez mais, relacionada com as mulheres e com as classes mais pobres da
população, o que pode ser constatado, na prática, pelos corredores e nas salas de
aulas dos cursos de licenciatura. De acordo com Enguita (2004),
4 Segundo Ghiraldelli Jr. (2006, p. 33), para a atividade docente nas séries iniciais, o requisito
básico era a Escola Normal.
24
As mulheres de classe média vão deixando de escolher a docência, enquanto agora as das classes trabalhadoras incorporam-se a ela, mudando de novo a composição de classe, mas sem interromper o avanço da feminização do setor (ENGUITA, 2004, p. 111).
Com a expansão do ensino e sua universalização, houve a
exigência de mais profissionais para o ofício de professoras, o que forçou os salários
para baixo, contribuindo para que o processo de desvalorização salarial se
intensificasse. Podemos perceber, nessa situação, um reflexo do que acontece em
outras instâncias da sociedade nas quais predomina o trabalho feminino, trazendo
em seu bojo a herança da Revolução Industrial, quando ocorreu a entrada das
mulheres no mercado de trabalho, com salários menores que os dos homens.
O trabalho de mulheres está relacionado a uma divisão vertical do trabalho, em que mulheres como um grupo estão em desvantagem em face aos homens no que toca às condições sob as quais trabalham. O fato das escolas terem tendência de ser amplamente organizadas em torno da liderança masculina e do trabalho em sala de aula feminino é simplesmente isto, um fato social, a menos que entenda que isto significa que as relações de autoridade educacionais têm sido formalmente patriarcais (APPLE, 1988, p. 15).
Nas relações de classe e na distribuição das atividades em relação
ao ensino, é possível perceber essa verticalização dos rendimentos e o lugar
ocupado pelos executores das atividades, na escala entre executores e
planejadores, com as atividades de administração e controle ficando a cargo de
homens, que ocupam os lugares mais altos dessa escala. Mesmo com a docência
passando a exigir a formação universitária, nos cursos de licenciaturas ela é e
continua a ser entendida como ocupação de baixa qualificação. De acordo com
Apple (1988),
Parece haver uma estreita relação entre o acesso de grande número de mulheres a uma ocupação e a lenta transformação desta. Frequentemente a remuneração cai, e ela passa a ser considerada de baixa qualificação, dai precisar ser controlada externamente. O fato das escolas terem tendência de ser amplamente organizadas em torno da liderança masculina e do trabalho em sala de aula feminino é simplesmente isto, um fato social, a menos que entenda que isto significa que as relações de autoridade educacionais têm sido formalmente patriarcais (APPLE, 1988, p. 16).
Assim, o caminho percorrido para a valorização da mulher em outras
áreas da sociedade, com o reconhecimento e a valorização profissional, deve
também adentrar os portões das escolas, com a igualdade e a valorização de
25
gênero e a valorização de seu trabalho enquanto profissionais da educação. A
profissão de professor, por meio da docência, não pode continuar a ser vista como
uma ocupação de segundo escalão. Essa condição não passa apenas pela
valorização da sociedade, mas também por uma postura crítica quanto à realidade
na qual estamos inseridos e pela luta por melhores condições de trabalho e de
melhorias na remuneração do trabalho docente.
1.3 A FORMAÇÃO E OS SABERES DOCENTES DA PROFISSÃO DE PROFESSORES
A formação de professores, no Brasil, deve obedecer ao disposto na
legislação que se encontra na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB
9394/96, em seu artigo 62:
Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos 5 (cinco) primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio na modalidade normal. (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013) § 1º A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios, em regime de colaboração, deverão promover a formação inicial, a continuada e a capacitação dos profissionais de magistério. (Incluído pela Lei nº 12.056, de 2009). § 2º A formação continuada e a capacitação dos profissionais de magistério poderão utilizar recursos e tecnologias de educação a distância. (Incluído pela Lei nº 12.056, de 2009). § 3º A formação inicial de profissionais de magistério dará preferência ao ensino presencial, subsidiariamente fazendo uso de recursos e tecnologias de educação a distância. (Incluído pela Lei nº 12.056, de 2009). § 4o A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios adotarão mecanismos facilitadores de acesso e permanência em cursos de formação de docentes em nível superior para atuar na educação básica pública. (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013) § 5o A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios incentivarão a formação de profissionais do magistério para atuar na educação básica pública mediante programa institucional de bolsa de iniciação à docência a estudantes matriculados em cursos de licenciatura, de graduação plena, nas instituições de educação superior. (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013) § 6o O Ministério da Educação poderá estabelecer nota mínima em exame nacional aplicado aos concluintes do ensino médio como pré-requisito para o ingresso em cursos de graduação para formação de docentes, ouvido o Conselho Nacional de Educação - CNE. (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013) § 7o (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013) Art. 62-A. A formação dos profissionais a que se refere o inciso III do art. 61 far-se-á por meio de cursos de conteúdo técnico-pedagógico, em nível médio ou superior, incluindo habilitações tecnológicas. (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)
26
Parágrafo único. Garantir-se-á formação continuada para os profissionais a que se refere o caput, no local de trabalho ou em instituições de educação básica e superior, incluindo cursos de educação profissional, cursos superiores de graduação plena ou tecnológicos e de pós-graduação. (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)
O professor necessita de uma formação inicial sólida para o
exercício da profissão, o que, infelizmente, nem sempre acontece. Portanto, é na
prática da docência, no trabalho que se desenvolve dentro de sala de aula que o
profissional se faz professor, onde ocorre a união entre a teoria com a prática social
docente. É nesse ambiente que são desenvolvidas suas capacidades para o
trabalho:
O saber pedagógico é o saber que o professor constrói no cotidiano de seu trabalho e que fundamenta sua ação docente, ou seja, é o saber que possibilita ao professor interagir com seus alunos, na sala de aula, no contexto da escola onde atua. A prática docente é, simultaneamente, expressão desse saber pedagógico e fonte de seu desenvolvimento (AZZI, 2012, p. 49).
Uma formação inicial de qualidade é de grande importância, mas
não é suficiente para o exercício da profissão docente. Por mais que o futuro
professor tenha se preparado durante anos para a docência, é na sala de aula, no
exercício da prática docente, que ele irá consolidar sua formação profissional. Sem
desprezar a formação inicial, que precisa ser melhorada, não existe lugar melhor
para a formação dos professores do que o chão da sala de aula. A formação de
professores nas universidades está mais relacionada com os aspectos específicos
das áreas do conhecimento do que com os estudos das realidades e das tarefas a
serem executadas pelos professores (TARDIF, 2014, p. 271).
A formação dos professores, assim como de outras profissões que
trabalham com um objeto dinâmico, deve continuar durante todo o período da
atividade do trabalho docente, para que o trabalho seja aperfeiçoado e não fique
sem a atualização que a dinâmica da atividade exige. A formação inicial de
professores, de acordo com Pimenta (2012), é vista como deficitária e insuficiente
para a formação de professores capacitados para o trabalho em sala de aula:
Os cursos de formação, ao desenvolverem um currículo formal com conteúdos e atividade de estágios distanciados da realidade das escolas, numa perspectiva burocrática e cartorial que não dá conta de captar as contradições presentes na prática social de educar, pouco têm contribuído
27
para gestar uma nova identidade do profissional docente (PIMENTA, 2012, p. 16).
Ou seja, a formação inicial para os professores teria melhores
resultados se estivesse mais associada aos problemas vivenciados em sala de aula.
Em qualquer outra área de atuação profissional, ensinamos uma atividade para um
novo trabalhador, levando-o para o local de trabalho e mostrando como é que se
realiza aquela atividade (TARDIF, 214, p. 240). O mesmo procedimento deveria ser
adotado no que se refere à formação do novo professor. Muito do que é visto nos
cursos de formação de professores é constituído apenas por disciplinas para
preencher o currículo, sem nenhuma utilidade prática.
O processo para a realização do estágio obrigatório, por exemplo,
exige uma grande quantidade de documentos, mas acaba sendo mais burocrático
do que prático, não dando o suporte necessário para o trabalho dos professores em
sala de aula. Dessa forma, muitos alunos das licenciaturas vivenciam muito menos
do que deveriam, para ter a experiência com o trabalho que irão realizar ao concluir
sua formação superior. Segundo Pimenta (2012), é preciso aproximar a formação
com a realidade do professor em sala de aula, conforme enfatiza: “À didática
contemporânea compete proceder a uma leitura crítica da prática social de ensinar,
partindo da realidade existente, realizando um balanço das iniciativas de se fazer
frente ao fracasso escolar” (PIMENTA, 2012, p. 27).
Adquirir conhecimentos sobre educação e sobre pedagogia é
relevante no caminho para a formação dos futuros professores, mas não é, para
Pimenta (2012, p. 28), suficiente para saber ser professor. Dessa forma, enfatizamos
que o ser professor só é concretizado no fazer docente, motivo pelo qual isso deve
ser mais enfatizado nos cursos de formação para o magistério, colaborando para a
complementação e efetivação da formação teórica.
O futuro profissional não pode constituir seu saber-fazer senão a partir de seu próprio fazer. Não é senão sobre essa base que o saber, enquanto elaboração teórica se constitui. Frequentando os cursos de formação, os futuros professores poderão adquirir saberes sobre educação e sobre a pedagogia, mas não estarão aptos a falar em saberes pedagógicos (PIMENTA, 2012, p. 28).
Da mesma maneira, Pimenta (2012) salienta que o trabalho em
educação não deve ser feito apenas de prática, sem a utilização de todo o
28
arcabouço epistemológico que os profissionais da área têm à sua disposição para a
realização de suas atividades, pois essa atitude não teria fundamentação teórica
consistente, sem garantias de cientificidade, sendo desvalorizada enquanto
elaboração se não estiver embasada pela história do pensamento humano.
A formação para o profissional da docência não termina enquanto o
profissional estiver em atividade. A formação docente inicial é apenas um dos pilares
da formação dos professores, que deve ser acrescida por permanente formação
continuada para que o trabalho escolar acompanhe as novas ideias pedagógicas e
métodos de trabalho, seja diante das novas tecnologias, que fazem parte da vida de
grande parte do alunado e das quais os professores não podem prescindir, seja
diante de quaisquer outras situações.
O professor precisa estar informado, atualizado, embora necessite, sobretudo estar à frente do processo construtivo de conhecimento, pelas vias da pesquisa, da elaboração própria, da teorização das práticas. Estes cursos seriam de capacitação, não de mero repasse de informação permanente. Nesse sentido, incluem parte propedêutica inicial, pelo menos como construção preparatória de conhecimento, para, depois, inovar práticas (DEMO, 1996, p. 85).
Assim, por mais que o fluxo de trabalho docente seja cansativo e
extenuante, beirando a impossibilidade de conciliar horários para as aulas e para o
caminho entre uma escola e outra, a atividade de estudos e de pesquisa devem ser
uma constante no cotidiano dos professores para que não fiquem desatualizados em
relação aos novos conhecimentos. Há algumas décadas, a velocidade da produção
de informações e o acúmulo de novos conhecimentos era mais lenta do que na
atualidade, na qual novas descobertas e novas pesquisas são divulgadas
praticamente todos os dias, o que corrobora com a afirmação de que a formação
docente deve ser permanente e de qualidade.
Corroborando com a linha de pensamento que valoriza o saber-fazer
docente, concordamos com Karnal (2015, p. 30), para quem a experiência nas
atividades dos professores, seja com os sucessos, seja com os fracassos, pode
contribuir para tornar a docência uma atividade menos desgastante ao aprender os
“trejeitos” através dos anos de trabalho e do contato com as novidades produzidas
socialmente. De acordo com Ghedin (2006), a experiência gera conhecimento:
29
A experiência docente é espaço gerador e produtor de conhecimento, mas isto não é possível sem uma sistematização que passa por uma postura crítica do educador sobre as próprias experiências. Refletir sobre os conteúdos trabalhados, as maneiras como se trabalha a postura frente aos educandos, frente ao sistema social, político, econômico, cultural e fundamental para se chegar à produção de um saber fundado na experiência (GHEDIN, 2006, p. 135).
Para que não ocorra a fossilização das atividades docentes, “o
trabalho dos professores deve ser considerado um espaço prático, específico de
produção, de transformação e de mobilização de saberes” (TARDIF, 2014, p. 234).
De acordo com o autor, essa posição subverte a concepção tradicional da relação
entre teoria e prática, que colocava os saberes apenas ao lado das teorias,
desprezando a produção de saberes na execução prática das tarefas, em um
modelo taylorista 5 de trabalho, o que, há algum tempo, já não é uma visão
predominante na indústria e não deve prevalecer no seio das discussões sobre a
profissão de professor.
O saber dos professores não pode estar relacionado apenas com o
saber das disciplinas, de dominar este ou aquele conteúdo. Para a efetivação do
trabalho docente, não basta que os professores tenham alunos que admirem a suas
sabedorias, que demonstrem saber muito sobre determinado assunto, mas que não
conseguem se fazer entender pelos alunos; domina um conhecimento, um conteúdo,
mas não sabe ensinar aquilo que sabe. Para a profissão de professor, a condição de
dominar um conhecimento teoricamente é insuficiente para o exercício de sua
atividade profissional, pois o seu trabalho consiste em conseguir fazer com que os
seus alunos aprendam, sejam levados a compreender determinados conteúdos e
modos de ser. Não basta saber, o saber fazer é fundamental para o exercício da
profissão de professor:
Na medida em que um dos objetivos do professor é criar condições que possibilitem a aprendizagem de conhecimentos pelos alunos, num contexto de interação com eles, a gestão da matéria torna-se um verdadeiro desafio pedagógico. A tarefa do professor consiste, grosso modo, em transformar a matéria que ensina para que os alunos possam compreendê-la e assimilá-la. […] Conhecer bem a matéria que se deve ensinar é apenas uma condição necessária, e não uma condição suficiente, do trabalho pedagógico. Noutras palavras, o conteúdo ensinado em sala de aula nunca
5 No desenvolvimento do taylorismo, há a divisão clara entre o trabalho intelectual, realizado pelos
dirigentes das empresas, e o trabalho manual, desenvolvido pelos demais trabalhadores. O trabalho intelectual é privilegiado com uma remuneração melhor, e o trabalho manual, desvalorizado, por ser realizado pelos operários em geral.
30
é transmitido simplesmente tal e qual: ele é “interatuado”, transformado, ou seja, encenado para um público, adaptado, selecionado em função da compreensão do grupo de alunos e dos indivíduos que o compõem. (TARDIF, 2014, p. 120).
A experiência na realização da atividade docente também é
valorizada pelo autor, que abre um caminho para estudos sobre esse aspecto da
profissão docente, dando a ele a visibilidade que tem merecimento. Sobre os
saberes advindos da experiência dos professores para Tardif (2014),
Pode-se chamar de saberes experienciais o conjunto de saberes atualizados, adquiridos e necessários no âmbito da prática da profissão docente e que não provêm das instituições de formação nem dos currículos. Estes saberes não se encontram sistematizados em doutrinas ou teorias (TARDIF, 2014, p. 49).
Ao abordar a questão da experiência dos professores, não podemos
esquecer os anos que passaram estudando, mesmo antes do curso de formação
específica para a docência. Assim como nossos alunos estão constantemente nos
observando em nossa prática docente, podendo até mesmo utilizar alguma
habilidade que demonstramos para sua vida além dos muros da escola, os
professores também têm, em seus mestres, exemplos e ensinamentos de como agir
e de como não agir, em determinado momento, em seu trabalho em sala de aula.
Para Pimenta (2012),
Os saberes de sua experiência de alunos que foram de diferentes professores em toda sua vida escolar. Experiência que lhes possibilita dizer quais foram os bons professores, quais eram bons em conteúdos, mas não em didática, isto é, não sabiam ensinar. Quais os professores foram significativos em suas vidas, isto é, contribuíram para sua formação humana (PIMENTA, 2012, p. 21).
Esses saberes vêm da vida pessoal e também podem estar fora dos
muros da escola, em uma negociação com os amigos, uma conversa animada em
casa. Para Tardif (2014, p. 103), “O professor não pensa somente com a cabeça,
mas com a vida, com o que foi, com o que viveu, com aquilo que acumulou em
terrenos de experiência de vida, em termos de lastro de certezas”, na resolução de
um conflito ou, até mesmo, em uma situação que não acabou como deveria,
gerando brigas, estresse e incomodando a pessoa. Esses são todos constituintes de
nossa personalidade e de nosso modo de agir, ainda que a mesma atitude não
31
tenha os mesmos resultados, somos condicionados a tentar repetir o que deu certo
e a repelir o que deu errado.
Ao longo de sua história de vida pessoal e escolar, supõe-se que o futuro professor interioriza certo número de conhecimento, de competências, de crenças, de valores, etc., os quais estruturam a sua personalidade e suas relações com os outros (especialmente com as crianças) e são reatualizados e reutilizados, de maneira não reflexiva, mas com grande convicção, na prática de seu ofício (TARDIF, 2014, p. 72).
A formação do professor se completa em suas atividades, em sala
de aula, e no seu trabalho que transforma a realidade, o outro e a si mesmo. Ter um
diploma e uma licença para ser professor só se completa com a entrada dele em
sala de aula, com a realização das atividades que lhe competem como profissional,
sendo necessário que o professor esteja em constante atualização profissional.
Dessa forma, seus saberes não são apenas aplicados em sala de aula, mas também
e, especialmente, transformados e ampliados com a atividade junto aos alunos.
Não há como transformar a realidade sem a ação intencional que
nos projeta como seres humanos, já que é justamente pela ação que podemos
perceber quem é o professor e qual é a sua função no mundo. Não há como ser
professor apenas pelo discurso, pois é no chão da sala de aula que a profissão
docente se materializa.
A sala de aula, local de trabalho, é local de ensino e aprendizagem,
não podendo o processo educativo ser visto como uma via de mão única, apenas
com o ensino, na efetivação do trabalho docente. O processo de ensino, que
culmina com a aprendizagem, se dá entre todos aqueles que estão nele envolvidos:
os alunos e os professores. Se uma pessoa não tem a disponibilidade para
aprender, para mudar a sua prática em busca da excelência em sua atividade
profissional, não deveria estar na docência, pois a sala de aula é o lugar onde todos
devem aprender:
A sala de aula não é somente um lugar para ensinar, mas também de aprendizagem para o docente: as influências informais na socialização são mais decisivas do que as formais, mais eficazes do que os cursos de formação (FEIMAN-NEMSER apud SACRISTÁN, 1999, p. 70).
Assim, o professor se faz professor não apenas pela formação que
recebe nas instituições de formação para a docência. O chão de sala de aula é de
32
suma importância para que ele desenvolva suas habilidades e suas capacidades.
Não desprezando o ensino formal, que dá o embasamento teórico-metodológico
para os futuros professores, mas a dimensão da prática do trabalho é de
fundamental importância para o trabalho docente.
Mudou também a concepção de formação profissional. Quando se transformam em ritmo rápido os processos e as situações de trabalho, logo a capacitação inicial perde o seu valor e a formação deve ser atualizada “ao longo da vida” (CHARLOT, 2013, p. 88).
A especificidade da aprendizagem para o docente é a possibilidade
da ação didática em sua própria prática docente, no mesmo ambiente em que esta
ocorre. Ou seja, é no trabalho em sala de aula com os alunos que o docente pode
aperfeiçoar a sua didática e melhorar as condições de realização de seu trabalho.
Se não há ensino sem aprendizagem, pode-se concluir que o professor – ensinante – aprende no processo de ensinar, aprende sempre. Entretanto, seu aprendizado é diferente do aprendizado dos alunos – há uma especificidade em eu trabalho e é para ela que se volta a Didática (RIOS, 2010, p. 54).
Mesmo com a apresentação dessas informações tão relevantes, não
pode ser dada uma valorização somente para a experiência como se qualquer
pessoa pudesse entrar em sala de aula e ser professor apenas com a sua
experiência de vida somada a sua prática. A teoria não pode ser separada dessa
prática e deve ir além da formação inicial e da exigência de frequência a cursos com
carga horária mínima estabelecida.
A atualização profissional docente é um direito do trabalhador
profissional da educação, que no Brasil é assegura pela Lei 12.796 que alterou a
LDB 9394/96:
Art. 62-A. A formação dos profissionais a que se refere o inciso III do art. 61 far-se-á por meio de cursos de conteúdo técnico-pedagógico, em nível médio ou superior, incluindo habilitações tecnológicas. (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013) Parágrafo único. Garantir-se-á formação continuada para os profissionais a que se refere o caput, no local de trabalho ou em instituições de educação básica e superior, incluindo cursos de educação profissional, cursos superiores de graduação plena ou tecnológicos e de pós-graduação. (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)
33
A formação em trabalho é uma necessidade da profissão, conforme
considera Nóvoa (2009 p. 23). Uma formação continuada com qualidade deve
envolver aspectos do trabalho docente, ser estimulante e desafiadora e criar
condições de melhorar a sua prática, por meio da atualização com o fortalecimento
na busca da resolução de problemas em sala de aula. Como apontado por Nóvoa
(2009), “é preciso tomar para assegurar a aprendizagem docente e o
desenvolvimento profissional dos professores: articulação da formação inicial,
indução e formação em serviço numa perspectiva de aprendizagem ao longo da
vida” (NÓVOA, 2009, p. 14).
Simplesmente realizar diversos cursos para completar a carga
horária exigida para a elevação de nível na carreira e incremento salaria não garante
qualidade na formação do professor e sua capacitação para a realização de um
trabalho melhor. É a opção por trabalhar simulações de problemas reais e a
retomada de conhecimentos básicos que auxiliam o processo de formação
continuada. Assim como o treino para uma atividade esportiva não é realizado
apenas com palestras sobre essa atividade, insistimos que a formação profissional
continuada para professores deve conter reflexão sobre a prática e situações da
vivência prática. “É essencial reforçar dispositivos e práticas de formação de
professores baseadas numa investigação que tenha como problemática a ação
docente e o trabalho escolar” (NOVOA, 2009, p. 19).
A profissionalização da docência pede pelo estabelecimento de um
vínculo estreito entre a formação continuada e o exercício da profissão de professor
(TARDIF, 2014, p. 292). Com uma formação sólida sobre as atividades práticas, os
professores podem extrair mais informações para auxiliar em seu cotidiano e tornar
os cursos de “capacitação” mais dinâmicos e menos enfadonhos, como têm sido
alguns dos cursos ofertados atualmente, cujos métodos de ensino estão
ultrapassados, e não despertam o interesse nos professores/alunos, pois não
condizem com a realidade do trabalho realizado pelos professores em sua prática
em sala de aula.
De acordo com essas considerações, fica, para aqueles que se
interessam pela profissão docente, uma reflexão crítica sobre a relação entre
formação inicial, experiência profissional e formação continuada, pois não podemos
nos contentar apenas com uma dessas modalidades de formação para o exercício
34
da docência. É preciso que seja estabelecida a relação entre elas, para que o
trabalho seja efetuado com a menor distância possível entre a atividade e a
realidade da sala de aula e da escola, contribuindo, dessa maneira, para que o
exercício da docência seja realizado com base teórica sólida, valorizando a vivência
dos professores, sem deixar de continuar o processo de aprendizagem por meio da
formação continuada em serviço.
1.4 A PRECARIZAÇÃO DA FORMAÇÃO DOCENTE DIANTE DAS NECESSIDADES DO MERCADO
DE TRABALHO
A massificação do ensino não conseguiu atingir a todos com o
mesmo padrão mínimo de qualidade exigido pela sociedade, o que fez com que a
universalização não fosse acompanhada pela qualidade. O aluno tem a garantia da
entrada na escola, mas ainda não tem assegurada sua formação e preparação
adequadas para a cidadania e qualificação para o trabalho.
Parte da formação dos professores não atende às necessidades do
mercado de trabalho com a preparação adequada para a realização das atividades
docentes, não suprindo as necessidades dos processos educativos em geral. Um
dos fatores que contribui para isso, dentro da lógica de mercado, é que muitos
cursos acontecem em tempo reduzido, preocupados com a solução de problemas
em curto prazo, o que acaba por formar muitos profissionais sem os conhecimentos
condizentes com a atuação:
Esse mesmo mercado que exige um produto qualificado do trabalho do professor impõe a sociedade, pela filosofia do consumo, uma visão imediatista, fugaz, desqualificando a importância da educação, dificultando o controle do trabalho docente (BATTINI, 2004, p. 94).
A exigência sobre os trabalhadores da área da educação está
aumentando por causa da concepção neoliberal6, na qual os trabalhadores não
devem apenas executar as tarefas que lhes são delegadas, eles precisam solucionar
os problemas que são apresentados. E, conforme afirma Sacristán (2006, p. 85),
6 Nosso objetivo não é discutir como as políticas neoliberais impactam no trabalho do professor,
mas entender como a docência é vista pela sociedade e hoje a política neoliberal determina muitos elementos para se pensar a atividade docente. Estudos a respeito dessa temática podem ser encontrados em: GENTILLI, Pablo. Pedagogia da Exclusão: Crítica ao neoliberalismo em educação. 6. ed. Vozes, Petrópolis, 2000.
35
não são preparados adequadamente para essa situação, não conseguindo fornecer
para seus alunos aquilo que eles não receberam da maneira como deveriam. Codo
(2006) ainda enfatiza que
Não se sabe como preparar hoje os educadores, não se sabe qual seria o papel da educação e da instituição escolar numa situação como a atual, caracterizada pela reestruturação do sistema capitalista e a brutais metamorfoses que acarreta (a outra face da modernização). As certezas tradicionais parecem se “desmanchar no ar” (CODO, 2006, p. 61).
Para que os cursos de formação de professores recebessem os
melhores alunos, a profissão docente deveria oferecer melhores condições para a
realização de suas atividades, como condições salariais mais atrativas, infraestrutura
adequada, relação entre as instituições família e Estado, a quantidade de alunos por
turma ser reduzida, entre outros fatores que influenciam no desempenho de seu
trabalho. A ausência de condições adequadas para o exercício profissional da
docência acaba proporcionando um círculo vicioso que diminui a qualidade desses
cursos e a qualidade da formação dos profissionais que são formados neles.
Dadas as condições de trabalho dos atuais professores, os sistemas de formação não podem atrair os melhores produtos do sistema educativo e da sociedade. Já se disse que o drama da educação é que ela não pode aproveitar os indivíduos que saem do sistema educativo para utilizá-los como reprodutores da cultura no sistema educativo (SACRISTÁN, 2006, p. 84).
Por não ter valorização, a atividade docente não tem o status de
uma profissão como as que lidam diretamente com a produção de bens materiais.
Para Tardif e Lessard (2007), o tempo de aprender não tem valor em si mesmo.
Essa afirmação pode levar àquela pergunta clássica dirigida aos professores no
sentido de saber “se eles só dão aulas ou se trabalham”:
O ensino é visto como uma ocupação secundária ou periférica em relação ao trabalho produtivo. A docência e seus agentes ficam nisso subordinados à esfera da produção, porque sua missão primeira é preparar os filhos dos trabalhadores para o mercado de trabalho. O tempo de aprender não tem valor em si mesmo; é simplesmente uma preparação para a “verdadeira vida”, ou seja, o trabalho produtivo, ao passo que, comparativamente, a escolarização é dispendiosa, improdutiva ou, quando muito, reprodutiva (TARDIF, 2007, p. 17).
A legislação sobre a formação de professores não ficou estagnada
desde a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Lei nº 9394/1996. Atualmente, de
36
acordo com a Resolução CNE/CP nº 2/2015, há três formas para a formação em
nível superior para o magistério na educação básica: licenciatura, habilitação e
segunda licenciatura, com a necessidade de 400 horas de estágio obrigatório (para
a primeira licenciatura):
Art. 13. Os cursos de formação inicial de professores para a educação básica em nível superior, em cursos de licenciatura, organizados em áreas especializadas, por componente curricular ou por campo de conhecimento e/ou interdisciplinar, considerando-se a complexidade e multirreferencialidade dos estudos que os englobam, bem como a formação para o exercício integrado e indissociável da docência na educação básica, incluindo o ensino e a gestão educacional, e dos processos educativos escolares e não escolares, da produção e difusão do conhecimento científico, tecnológico e educacional, estruturam-se por meio da garantia de base comum nacional das orientações curriculares. § 1º Os cursos de que trata o caput terão, no mínimo, 3.200 (três mil e duzentas) horas de efetivo trabalho acadêmico, em cursos com duração de, no mínimo, 8 (oito) semestres ou 4 (quatro) anos, compreendendo: I - 400 (quatrocentas) horas de prática como componente curricular, distribuídas ao longo do processo formativo; II - 400 (quatrocentas) horas dedicadas ao estágio supervisionado, na área de formação e atuação na educação básica, contemplando também outras áreas específicas, se for o caso, conforme o projeto de curso da instituição; III - pelo menos 2.200 (duas mil e duzentas) horas dedicadas às atividades formativas estruturadas pelos núcleos definidos nos incisos I e II do artigo 12 desta Resolução, conforme o projeto de curso da instituição; IV - 200 (duzentas) horas de atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas de interesse dos estudantes, conforme núcleo definido no inciso III do artigo 12 desta Resolução, por meio da iniciação científica, da iniciação à docência, da extensão e da monitoria, entre outras, consoante o projeto de curso da instituição (MEC, 2015, p. 50-51).
Para os portadores de diploma de curso superior em graduações
que não sejam licenciaturas, pela necessidade de formação de professores, podem
ser ofertados cursos com conteúdos específicos para a licenciatura pretendida, com
aulas teóricas e práticas e o estágio com 300 horas:
Art. 14. Os cursos de formação pedagógica para graduados não licenciados, de caráter emergencial e provisório, ofertados a portadores de diplomas de curso superior formados em cursos relacionados à habilitação pretendida com sólida base de conhecimentos na área estudada, devem ter carga horária mínima variável de 1.000 (mil) a 1.400 (mil e quatrocentas) horas de efetivo trabalho acadêmico, dependendo da equivalência entre o curso de origem e a formação pedagógica pretendida. § 1º A definição da carga horária deve respeitar os seguintes princípios: I - quando o curso de formação pedagógica pertencer à mesma área do curso de origem, a carga horária deverá ter, no mínimo, 1.000 (mil) horas; II - quando o curso de formação pedagógica pertencer a uma área diferente da do curso de origem, a carga horária deverá ter, no mínimo, 1.400 (mil e quatrocentas) horas;
37
III - a carga horária do estágio curricular supervisionado é de 300 (trezentas) horas; IV - deverá haver 500 (quinhentas) horas dedicadas às atividades formativas referentes ao inciso I deste parágrafo, estruturadas pelos núcleos definidos nos incisos I e II do artigo 12 desta Resolução, conforme o projeto de curso da instituição; V - deverá haver 900 (novecentas) horas dedicadas às atividades formativas referentes ao inciso II deste parágrafo, estruturadas pelos núcleos definidos nos incisos I e II do artigo 12 desta Resolução, conforme o projeto de curso da instituição; VI - deverá haver 200 (duzentas) horas de atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas de interesse dos alunos, conforme núcleo definido no inciso III do artigo 12, consoante o projeto de curso da instituição (MEC, 2015, p. 51).
Para o indivíduo portador de diploma em alguma licenciatura, há a
oportunidade de cursar a segunda licenciatura, com carga horária menor de
disciplinas teóricas e metodológicas e 300 horas de estágio:
Art. 15. Os cursos de segunda licenciatura terão carga horária mínima variável de 800 (oitocentas) a 1.200 (mil e duzentas) horas, dependendo da equivalência entre a formação original e a nova licenciatura. § 1º A definição da carga horária deve respeitar os seguintes princípios: I - quando o curso de segunda licenciatura pertencer à mesma área do curso de origem, a carga horária deverá ter, no mínimo, 800 (oitocentas) horas; II - quando o curso de segunda licenciatura pertencer a uma área diferente da do curso de origem, a carga horária deverá ter, no mínimo, 1.200 (mil e duzentas) horas; III - a carga horária do estágio curricular supervisionado é de 300 (trezentas) horas (MEC, 2015, p. 52).
Apesar dessa conquista no âmbito legal, a formação de professores
no Brasil ainda está longe das necessidades apresentadas. De acordo com estudo
coordenado por Gatti e Barreto (2009), com análise de 1498 ementas de cursos, foi
apontado que grande parte dos cursos de formação de professores no Brasil acaba
apresentando forte tendência a trabalhar com os conteúdos disciplinares, não dando
a importância devida, pelo menos na análise realizada sobre as ementas das
disciplinas de muitas licenciaturas, para a articulação entre os saberes disciplinares
e saberes pedagógicos. “Na maior parte dos ementários não foi observada uma
articulação entre as disciplinas de formação específica (conteúdos da área
disciplinar) e as de formação pedagógica (conteúdos da docência)” (GATTI;
BARRETO, 2009, p. 137).
Para Ghedin (2006), a separação entre teoria e prática provoca a
negação da identidade humana:
38
A separação de teoria e prática se constitui na negação da identidade humana. Quando se executa tal movimento permite-se o retorno à negação do ser, isto é, ao se negar a dissociabilidade entre prática e teoria, nega-se, em seu interior, aquilo que tornou o ser humano possível: a reflexão instaurada pela pergunta. A alienação encontra-se justamente na separação e dissociação entre teoria e prática (GHEDIN, 2006, p. 133-134).
Como a formação de professores está seguindo a lógica de
mercado, apresentando cursos que trazem formação no menor tempo possível,
grande parte dos professores que realizam esses cursos saem desatualizados em
relação à realidade que os espera no campo profissional. A resolução de problemas
(com simulações de situações a serem vivenciadas em sala de aula) poderia ser
vista e analisada durante a formação de professores se nessa formação eles
realizassem atividades com situações concretas, as quais enfrentarão em sala de
aula, na atividade docente (NOVOA, 2009).
Ainda assim, não deve haver passividade por parte dos professores,
pois a falta de uma reflexão sobre sua prática cotidiana, que leve à melhoria das
condições de seu trabalho, é um dos reflexos da baixa qualificação dos profissionais
da educação; em parte, isso se deve à má formação inicial que recebem (SANTOS,
1998, p. 148).
Dessa maneira, os professores devem suprir essa carência na sua
formação inicial com a realização de cursos de aperfeiçoamento profissional e
formação continuada em serviço, para que essa profissão docente não seja
descaracterizada caso tenha realizado um curso que não atende as necessidades
de seu exercício profissional. O profissional que decide seguir a carreira do trabalho
docente levado a sério não pode apenas ter o gosto pelo ensino, mas deve também
ter o gosto pela aprendizagem, ou seja, estar disposto a aprender o tempo todo.
O professor que não estuda sempre não é profissional. Nenhuma profissão se desgasta mais rapidamente do que a de professor, precisamente porque lida com a própria lógica da reconstrução do conhecimento. Infelizmente, é mister reconhecer que nossos professores, sobretudo por uma origem formativa clamorosamente deficitária, mas igualmente por um exercício profissional que os consome por todos os lados, não estudam nem se atualizam adequadamente (DEMO, 2012, p. 49).
As reformas educacionais a partir da década de noventa estão em
consonância com o modelo ditado pelos organismos internacionais, que dificultam a
39
formação adequada dos futuros profissionais da educação. De acordo com Battini
(2004),
A precarização da formação do professor, prescrita pelas reformas educacionais, produz profissionais de formação fragmentada, que pouco articula teoria e prática, inviabilizando o desenvolvimento de uma visão mais abrangente e crítica do processo educativo (BATTINI, 2004, p. 93).
Demo (2012) realiza um trabalho crítico sobre a legislação brasileira,
em especial com a LDBEN 9394/96 e sua relação com a formação de professores:
O art. 62 trouxe a perspectiva de nível superior para os docentes que atuam na educação básica, reforçado com graduação plena. Todavia, em parte por realismo, mas, sobretudo sob pressão, continua admitida como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries no ensino fundamental a atual proposta da Escola Normal, de nível médio (DEMO, 2012, p. 50).
Existem concursos públicos que admitem o ingresso de docentes
para lecionar nas séries iniciais do ensino fundamental e educação infantil com a
formação em ensino médio. Mas a maioria só admite pretendentes com formação
em Pedagogia ou Normal Superior.
O art. 63 resgata, todavia, um pouco da rota moderna, ao estabelecer a ideia de “institutos superiores de educação”, para formação de “profissionais para a educação básica, inclusive o curso de normal superior”, além de outras finalidades mais gerais, como “programas de formação pedagógica para portadores de diploma de educação superior que queiram se dedicar à educação básica” (DEMO, 2012, p. 51).
Mesmo com os mecanismos de controle de qualidade dos cursos e
do avanço na legislação, ainda são muitos os cursos com baixa qualidade, que se
interessam mais por uma formação rápida do que com o futuro da docência,
mantendo vícios pedagógicos e trabalhando com a lógica neoliberal, em busca de
lucros e vendo a educação apenas como um produto mercadológico atrativo apenas
como um mecanismo para alcançar o lucro almejado.
É claro que o texto da lei não tem condições, sozinho, de evitar o mau uso da ideia. Esse mau uso aponta para dois problemas principais: a) banalizar a formação inicial em termos de tempo de formação, incidindo
de novo em táticas que servem apenas para pagar mal, sem falar em sua desvalorização como profissão menor; se o professor inicial é o profissional mais estratégico dos tempos modernos, não poderia ter uma formação abreviada, sob hipótese alguma ; se é absurdo inventar
40
uma licenciatura curta para médico, é mais ainda fazê-lo para o profissional dos profissionais.
b) manter os vícios pedagógicos tradicionais, destruindo em seu âmago a inovação esperada; o que é mais comprometedor na esfera pedagógica é, com certeza, sua inconsistência em termos de capacidade de reconstrução do conhecimento, com qualidade formal e política; por conta disso, não se alcança manejar conhecimento de modo adequado, fazendo-se muitas vezes instância de resistência à inovação (DEMO, 2012, p. 51).
A formação inicial dos professores é apresentada com a realização
do estágio supervisionado obrigatório em nossa legislação; mas, apesar de sua
grande importância para a formação dos professores, o simples fato de contar no
currículo não garante a sua qualidade, para a qual deveriam concorrer mecanismos
de controle e de avaliação mais eficientes, o que não é explicitado na legislação
vigente:
O capítulo sobre os profissionais da educação (art. 61 ss.) destaca ainda outros pontos interessantes, como a “associação entre teorias e prática” (art. 61, I), a valorização da “formação e experiências anteriores” (II), “prática de ensino de, no mínimo trezentas horas” (art. 65), possibilidade de aceitar o “notório saber” em substituição a títulos acadêmicos no magistério superior (art. 66, parágrafo único), e a “experiência docente” como pré-requisito para o exercício profissional (art. 67, parágrafo único) (DEMO, 2012, p. 53).
Sem a formação continuada e a atualização constante, o trabalho
docente não tem condições de superar a fragmentação e uma má formação inicial,
fazendo com que os professores fiquem aquém dos desafios contemporâneos
apresentados para a sua profissão.
Ao assumir – despreocupadamente – que os professores estariam devidamente preparados, esquece logo do compromisso de atualização permanente, sem falar que sua formação original, como regra, é péssima, para dizer o mínimo. Uma das razões para essa precariedade extrema é a falta de modernidade nas faculdades e nas entidades onde se formam os educadores básicos, alienadas, profundamente, dos compromissos de aprendizagem reconstrutiva (DEMO, 2012, p. 75).
Mesmo com a legislação, ainda não está garantida uma formação
com a qualidade necessária. Uma das razões para essa situação é a própria
desvalorização do trabalho dos professores em nossa sociedade capitalista sob a
égide do neoliberalismo. A outra razão tem relação com o fato de a educação ter se
transformado, nas últimas décadas, em um negócio lucrativo, em que a acumulação
41
de capital é mais importante que a acumulação de conhecimento, o que está
diretamente relacionado com o pensamento neoliberal e pragmático, que busca
resultados úteis em curto prazo, e isso pode gerar grandes problemas a médio e
longo prazo para a profissão docente.
Concluímos este capítulo dizendo que ser professor não pode ser
visto apenas como uma extensão de uma atividade: seja ela doméstica, religiosa ou
militar. Ser professor é ser um profissional devidamente capacitado para o exercício
de suas funções, com formação acadêmica para tal. Entretanto, apenas a formação
acadêmica inicial não é suficiente para garantir uma formação plena do profissional
para o exercício da docência. O complemento dessa formação se dá na atividade
docente em sala de aula, onde o professor se faz professor e realiza a efetivação de
seus saberes pedagógicos e disciplinares com os saberes experienciais, aqueles
que ele traz consigo desde os anos de sua escolarização e que são acrescidos com
a prática da atividade docente com os alunos. Para isso, é necessário que esteja
sempre atualizado, realizando formação continuada com qualidade e esteja se
preparando contínua e permanentemente para o exercício da profissão.
As condições históricas da formação do professor enquanto
trabalhador e enquanto profissional são afetadas, atualmente, pela reestruturação
econômica da sociedade, que tem a escola e as atividades docentes afetadas pelas
condições econômicas, como o aumento da oferta da educação pela iniciativa
privada e a abertura econômica proporcionada pela globalização. Torna-se
importante, assim, compreender como se deram esses acontecimentos e de que
maneira a velocidade da disseminação da informação e a retirada do professor
como centro de disseminação de conhecimento podem impactar o processo da
educação.
42
2 A RELAÇÃO ENTRE O CAPITAL E O PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO
Neste capítulo, apresentaremos a discussão sobre o processo de
desvalorização da instituição escolar e do trabalho docente, que está diretamente
relacionada ao sistema capitalista e à globalização da economia apresentada com o
neoliberalismo, à flexibilização da economia e à política de não intervenção do
Estado na economia.
No item 2.1, abordaremos algumas das principais características da
globalização da economia e seu fruto mais recente, o neoliberalismo, e suas
implicações na economia que acabaram por influenciar a educação. Essa questão
pode ser verificada principalmente na escola pública, com a diminuição da presença
do Estado e a maior presença da iniciativa privada na educação, em especial no
ensino superior, com os professores sofrendo as consequências da ação do capital
financeiro sobre a realização de seu trabalho em sala de aula. Embora esse
contexto não impeça que sejam realizados trabalhos autônomos e libertadores,
apesar das dificuldades e do alcance da conscientização da realidade na qual estão
inseridos.
No item 2.2, discutiremos a desvalorização do trabalho dos
professores e o desprestígio da escola na sociedade como agente de difusão de
conhecimentos. A escola disputa espaço com fontes de informação muito mais
atrativas do que ela, com práticas melhor elaboradas do que as tradicionais aulas,
sinalizando a necessidade de uma mudança na maneira de fazer o trabalho docente,
e do professor enxergar a si mesmo e sua atividade cotidiana como possibilidade de
transformação da realidade.
2.1 A REESTRUTURAÇÃO ECONÔMICA MUNDIAL E A EDUCAÇÃO
O processo de mundialização da economia teve início entre o final
do século XV e início do século XVI, com as grandes navegações. A partir daí, as
distâncias diminuíram cada vez mais pelo avanço das tecnologias relacionadas com
os transportes e as comunicações, ocorrendo a interação econômica entre os povos
dos diversos cantos do mundo. Entretanto, esse processo alcançou seu auge a
partir da implosão da União Soviética nos anos oitenta e da falência do socialismo
43
real, que determinou a vitória do sistema capitalista, em um mundo globalizado,
onde os benefícios do acúmulo de riquezas foram distribuídos de forma desigual.
Para o sociólogo Carlos Vilas (2006), a globalização promove um
fosso de desigualdade entre pobres e ricos, sendo um mito a ideia de que todos são
beneficiados com o crescimento econômico, pois o processo de mundialização da
economia e homogeneização da cultura e dos gostos colabora para a fragilidade das
relações de emprego e traz a incerteza em relação ao sistema de previdência social,
que marca a queda do estado de bem-estar social:
A partir da década de 1990, a reestruturação da sociedade, a globalização da economia, a expansão acelerada de novas tecnologias, o enfraquecimento do estado de bem-estar social, as incertezas econômicas, a precarização do emprego com a possibilidade de demissão e da fragmentação da organização dos trabalhadores trouxeram, em decorrência, a instabilidade da vida (ROMANOWSKI, 2007, p. 36).
Assim como o liberalismo, o neoliberalismo defende a propriedade
como um direito inalienável para todos. Entretanto, enquanto os detentores dos
meios de produção, que constituem uma minoria privilegiada da sociedade
capitalista, têm propriedades, a massa de despossuídos não tem o que ser
protegido, pois possuem pouco mais que seu corpo e sua força de trabalho para
serem vendidos para o capital (muitos têm suas casas e seus carros, entretanto sem
a possibilidade de acumulação de capital), contribuindo para que o fosso da
desigualdade seja ampliado em uma relação de forças desproporcionais. Podemos
colocar os profissionais da educação inseridos nessa massa de trabalhadores com
poucas posses materiais e com rendimentos que não proporcionem a acumulação
de capital.
Uma das bases do mercado neoliberal é a não interferência do
Estado na economia, servindo apenas como regulador por meio de agências de
regulamentação das atividades. Sem o poder que o Estado do bem-estar social tinha
em suas mãos, diminui o tamanho do Estado em relação às grandes corporações.
O Estado cria e preserva um ambiente onde a economia de mercado pode funcionar com segurança. Não cabe ao Estado interferir nas atividades dos indivíduos, estas são dirigidas pelo mercado que lhes indica a melhor maneira de promover o seu próprio bem estar (HOLANDA, 2001, p. 63.).
44
Como o discurso do modelo neoliberal está impregnado de um viés
ideológico, há a intencionalidade de se fazer acreditar que as oportunidades são
iguais para todos e de se naturalizar a existência da pobreza. As camadas mais
pobres da sociedade são responsabilizadas pela situação na qual se encontram,
com o esquecimento do processo histórico que tornou possível a situação
econômica atual.
Para Holanda (2001), essa situação é apresentada com os
neoliberais vendo os pobres como incapazes, pois “para os neoliberais a pobreza diz
respeito pelas pessoas que não são capazes de cuidar de si. Para eles, não existem
pessoas que não queiram trabalhar e não consiga emprego por falta de espaço no
sistema produtivo” (HOLANDA, 2001, p. 69).
Grandes instituições de fomento do mundo, o Banco Mundial e o
Fundo Monetário Internacional (FMI), surgem para regular a economia do pós-
guerra, fomentando a reconstrução dos países atingidos no conflito e tornando-se os
grandes reguladores da economia mundial a partir da segunda metade do século
passado, embora, como instituições financeiras (com grande aporte das nações
mais ricas), estejam mais preocupadas em receber garantias quanto à quitação dos
débitos contraídos, o que acabou contribuindo para o aumento das desigualdades
sociais e a pressão exercida sobre os mais pobres. Assim, de acordo com Charlot
(2013), embora o discurso dessas instituições ressalte a importância da educação,
sua prática o contradiz. “O Banco Mundial tem uma doutrina oficial. Pensa que a
qualidade da educação é fundamental para lutar contra a pobreza, mas que não tem
e nunca terá dinheiro público suficiente para desenvolver uma educação de
qualidade” (CHARLOT, 2013, p. 53).
Essas organizações ditam as regras quanto ao que será feito e ao
que deixará de ser feito na área da educação, desde que sejam promovidas as
condições que garantam o pagamento das dívidas. Mesmo quando são apontadas
metas a serem cumpridas em relação à educação, pela própria característica da
mesma, que trabalha com alguns aspectos que não podem ser quantificados, são
propostas medidas que estão relacionadas mais com a quantidade do que com a
qualidade da educação ofertada.
Apenas colocar os alunos dentro de uma sala de aula, não garante a
aprendizagem. É similar ao processo de garantir o acesso à terra pela reforma
45
agrária e não criar condições para que o agricultor possa cultivá-la para extrair, de
seu trabalho, as condições para o seu sustento e de sua família. O acesso à
escolarização de qualidade (com as bases do conhecimento historicamente
construído pela humanidade e que proporcione ao aluno a consciência crítica de sua
situação e da situação político e econômica do mundo no qual inserido) demanda
um esforço conjunto entre Estado e sociedade, com participação fundamental dos
professores para o funcionamento eficaz da educação, que tem destaque e
relevância nos discursos oficiais dos organismos internacionais:
Inspirada em normas ditadas por organismos internacionais, a educação passa a ter metas próprias a serem cumpridas pelos países em desenvolvimento. A educação ocupa, nos dias atuais, um lugar de destaque nos debates que envolvem tanto as questões sociais quanto econômicas (BATTINI, 2004, p. 35).
Diante dessas considerações sobre a manifestação das políticas
neoliberais, a instituição escolar passa a não ser uma instituição compromissada
com a liberdade e formação adequada dos alunos. Uma crítica marxista em relação
à escola burguesa, que apresenta a ideologia dominante e acaba deixando a
emancipação do indivíduo em segundo plano, pode ser vista nos comentários de
Giles (1983) sobre a escola e o processo educativo liderado pela burguesia, em que
a escola se presta à conservação engessada da situação existente. Nesse sentido,
segundo o autor, é necessário romper essa situação, com o trabalho efetivo de
transformação da realidade para que não ocorra a perpetuação da situação vigente
nos espaços formais de educação:
Sob o capitalismo, a escola representa apenas uma entre outras armas poderosas de mistificação e de conservação da situação existente. Dá ao educando uma educação que o torna leal e resignado diante do sistema e o impede de descobrir as suas condições internas (GILES, 1983, p. 97).
Para o neoliberalismo, o que interessa neste estado de coisas não é
a formação de cidadãos bem instruídos, mas sim adaptados, para que o capital
continue trilhando seu caminho de expansão e dominação:
O processo educativo apenas reproduz para o futuro as condições de saber e de ignorância, indispensável ao bom andamento do capital. A seleção feroz (o que gera angústia e frustração no educando) é feita a partir da base econômica e não na inteligência do educando (GILES, 1983, p. 97).
46
Não é de se estranhar que não exista uma grande preocupação por
parte da burguesia em melhorar as condições das escolas públicas, pois estas não
estão destinadas para os seus filhos, e em não impedir que sejam aprendidas
apenas atividades simples, como o controle de uma máquina, que pode ser
realizado do interior das próprias instalações das empresas:
O capital sempre tem lutado, tanto no sentido de obstaculizar quando no de negar o conhecimento, o saber das classes subalternas. Igualmente, busca apropriar-se privadamente do conhecimento adquirido coletivamente no próprio processo de trabalho, devolvendo-o como conhecimento incorporado à máquina, contra o próprio trabalhador (FRIGOTTO, 2012, p. 29).
A configuração e conformação da escola pública estão diretamente
relacionadas com o sistema capitalista e as condições que são impostas para a
sociedade, desde que ela não impeça seus projetos.
A estratégia liberal de retirar a educação institucionalizada da esfera pública e submetê-la às regras do mercado significa não mais liberdade (a palavra fetiche da retórica neoliberal) e menos regulação, mas precisamente mais controle e governo da vida cotidiana na exata medida em que a transforma num objeto de consumo (SILVA, 1997, p. 18).
Podemos afirmar que o principal modo pelo qual ocorre a
intervenção do Estado sobre a educação é por meio de ações que visem à produção
de mudanças no sistema, por meio das reformas educacionais. Essas mudanças
produzem alterações do discurso pedagógico, imprimindo novos códigos e símbolos,
cujo fundamento ideológico reflete as transformações resultantes da mundialização
do capital (BATTINI, 2004).
Concordamos com a existência de um processo de contradição que
supera as pressões que são exercidas externamente, com muitos professores e
alunos conquistando autonomia e desenvolvendo a consciência crítica sobre a
realidade na qual estão inseridos. Entretanto, os alunos não podem ser levados
apenas pela educação proposta pela sociedade capitalista neoliberal a se conformar
com a situação de consumidor. Quando isso acontece, a escola passa, juntamente
com outras instituições da sociedade, a servir ao sistema capitalista, sendo arrolada
como uma auxiliar do capitalismo na reprodução do modo vigente. “É delegado à
escola o cumprimento da função de formar consciências para a nova sociedade do
47
consumo através da ideologia. Formar um novo indivíduo, uma nova subjetividade
para se adaptar à nova economia e não se opor a ela” (BATTINI, 2004, p. 53).
Muitas vezes, na escola, os alunos aprendem a se conformar com
sua situação, sem lutar para melhorar as condições de sua existência. Nesse
formato, a escola não se apresenta como uma instituição com abertura para o
debate e a construção de uma sociedade mais consciente sobre a realidade, o que
contribui para a segregação social e intelectual.
A escola é hoje o principal mecanismo de legitimação meritocrática de nossa sociedade, pois se supõe que através dela tem lugar uma seleção objetiva dos mais capazes para o desempenho das funções mais relevantes, às quais se associam também recompensas mais elevadas (ENGUITA, 1989, p. 192).
O avanço do neoliberalismo molda as condições de existência para
a acumulação de capital, apresentando a face mais recente do capitalismo e da
globalização que pretende integrar os mercados mundiais. A educação está inserida
nesse processo com a diminuição dos investimentos nas escolas públicas e a
privatização do ensino, transformando a educação em mais uma mercadoria com a
intenção de gerar acúmulo de capital.
Assim, a escola, muitas vezes, não se torna um local para a
transformação da realidade, mas apenas mantém as diferenças que já existiam e
sendo, ainda, utilizada para a disseminação de conceitos como o da meritocracia,
que justifica o fosso entre as classes sociais, escolhendo entre os mais aptos e os
menos aptos, em uma seleção injusta e desigual. Dessa forma, muitas vezes, a
escola, no contexto neoliberal, funciona como um instrumento de dominação
ideológica e de construção de novos consumidores em potencial para o mercado
consumidor, mascarando as diferenças presentes na sociedade capitalista.
O professor, na condição de trabalhador, está inserido nesse
contexto do sistema capitalista como assalariado, sendo, como outros trabalhadores,
proletarizado, pois tem sua força de trabalho para vender por determinado tempo e
determinada quantia para os detentores dos meios de produção ou trabalham em
escolas públicas, como funcionários do Estado. Sobre a divisão da sociedade em
classes:
A visão marxista é de que as classes básicas numa sociedade eram definidas pela posse ou não dos meios de produção, e que essas relações
48
de propriedade constituíam a base das relações de classe nos mercados de capitais e de trabalho. Tais relações, portanto, são baseadas em propriedade e emprego. As classes existem em toda sociedade com um arcabouço jurídico de relações de propriedade que diferencie possuidores de não possuidores e onde a divisão do trabalho permita aos fabricantes produzir mais do que o necessário para a própria subsistência. Marx considerava a divisão entre possuidores e não possuidores fundamental para o modo de produção de qualquer sociedade (SCOTT, 2010, p. 43).
Assim como os produtos gerados pelo mercado, o conhecimento
também é inserido dentro dessa forma de pensar, tendo um valor de troca. De
acordo com Tardif (2007),
Os conhecimentos transmitidos pela escola e os professores se regem, agora, ao menos para uma parte dos alunos, por uma lógica de mercado: os saberes são bens de consumo, os mestres devem vender as disciplinas que ensinam aos alunos que exercem o poder de consumidores, muitas vezes, em função do valor de utilidade das disciplinas (TARDIF, 2007, p. 147).
Os professores não produzem mercadorias diretamente em forma de
produtos físicos para o capitalismo, eles podem ser inseridos entre aqueles que
produzem a mais-valia relativa7, já que, pelo produto de seu trabalho, o aluno mais
instruído pode agregar valor a este e à produção. Dessa forma, são vistos como
produtores indiretos de capital:
No capitalismo, os educadores não são considerados produtores, porque não produzem capital diretamente; eles o produzem apenas indiretamente, por meio do conhecimento. Esse conhecimento pode servir, de um lado, para manter ou mesmo desenvolver o capitalismo e, do outro, para questioná-lo, implicando sua transformação (LOPES, 2006, p. 79).
Esse aspecto do trabalho docente também pode ser compreendido,
como explora Enguita (1993), como a produção de trabalho incorporado no valor da
força de trabalho enquanto mercadoria dentro do sistema capitalista:
A educação apresenta-se assim como o processo de conversão do trabalho simples em trabalho complexo, ou de qualificação do trabalho em geral. Produz uma força de trabalho capaz de gerar um valor de troca maior no mesmo tempo. Para produzir isso, é necessário consumir-se toda uma quantidade de horas de trabalho vivo, como são as jornadas dos educadores e as dos próprios alunos (na realidade, os anos), assim como de trabalho morto, cristalizado em objetos como os materiais que se
7 A diferença entre a mais-valia absoluta e a mais-valia relativa consiste no fato de a mais-valia
absoluta ser gerada diretamente pela diferença entre o salário pago pelo empregador e o valor produzido pelo empregado e a mais-valia relativa ser a utilização desse valor para investimento em equipamentos para aumentar a margem de lucro do empregador, conforme Japiassú e Marcondes (2006, p. 176).
49
empregam no processo educativo, os edifícios, etc. Todo esse tempo de trabalho vivo ou morto incorpora-se à mercadoria força de trabalho, ou, digamos melhor, a seu valor, independentemente do tempo que possa tardar aquela em se apresentar à venda no mercado (ENGUITA, 1993, p. 188).
A concepção do professor como formador de opinião está de acordo
com a realização de suas atividades. Entretanto, conceituar o professor como
membro de uma elite pensante não condiz com a realidade experimentada por ele
na sociedade. De acordo com esta linha de pensamento, o professor é um executor
de tarefas dentro do mercado de trabalho e não um administrador que delega as
atividades. Por mais que os professores sejam grandes formadores de opiniões e
trabalhem com o conhecimento, eles não conseguem mudar a situação de maneira
isolada, o que muitas vezes faz com que ele não tenha a consciência de classe, que
pode ser percebida em outras categorias profissionais. Esse fato pode dificultar sua
luta por melhores condições de trabalho. Sendo assim, na divisão entre os que
idealizam e os que realizam, os professores, na maioria das vezes, estão entre
aqueles que realizam as atividades:
A divisão entre a capital e o trabalho traz consigo a cisão entre os que idealizam, concebem a utilização do capital, e os que executam uma ação efetiva para o desenvolvimento dele. A cisão entre os executores (trabalhadores) e idealizadores (capitalistas) alija do processo de trabalho nessa formação capitalista aqueles que não trabalham diretamente para o capital. Assim, a educação, que é um fenômeno eminentemente humano, passa a ser descolada da produção espiritual ou produção de bens não materiais (LOPES, 2006, p. 79).
Refletindo sobre esse contexto da relação entre a idealização e a
realização do trabalho, verificamos que o processo de apostilamento, com
professores seguindo as orientações dos materiais didáticos à risca e de
universalização das práticas de ensino acabam por engessar a atividade docente,
restringindo seu campo de atuação e também o desumanizando. Isso porque, sendo
essa a prática do trabalho docente, o professor age de forma mecânica como um
técnico, o que, segundo Karnal (2015), no faz lembrar do operário do filme Tempos
Modernos, de Charles Chaplin.
Assim, quando os professores apenas seguem os manuais ou livros
didáticos que são elaborados para a realização de seu trabalho e agem de maneira
automática, estão participando do processo de descaracterização da profissão,
50
sendo transformados apenas em treinadores e não em formadores, como explicitado
em Romanowski (2007):
O professor recebe manuais de ensino e um planejamento pronto para aplicar nas aulas. As avaliações também são definidas por outros profissionais, e o professor as executa. O trabalho docente centra-se no treinamento dos alunos para um bom desempenho (ROMANOWSKI, 2007, p. 52).
Não temos a pretensão de desvalorizar os materiais produzidos por
grandes editoras e sua utilização em sala. Somos partidários da linha de
pensamento que, mesmo sabendo da existência de excelentes materiais didáticos e
de técnicas com sucesso em muitas situações de ensino-aprendizagem, o professor
deve ir além desse lugar-comum e construir seu trabalho com sua personalidade.
Ou seja, para que sua atividade tenha significado e ganhe
valorização como agente de transformação da realidade, o professor não pode ficar
amarrado a essa situação que imobiliza a construção autônoma do trabalho docente,
podendo ele mesmo construir materiais para as suas aulas e diversificar as
abordagens dadas aos conteúdos que trabalha com os alunos.
Existem muitos professores que não ficam imóveis diante das
situações que lhes são colocadas, realizando um trabalho que promove o debate em
busca de uma sociedade menos desigual e com mais possibilidade de diálogo entre
seus membros. Esses professores não ficam presos a um discurso que aceite as
condições da realidade sem a possibilidade de melhorias em relação àquilo que está
estabelecido. Entretanto, esse trabalho encontra resistências, inclusive na formação
de uma concepção ideológica conformista, de que as coisas são assim e vão
continuar dessa forma. Portanto, somente com um processo de estranhamento e
desnaturalização da realidade é que as condições de existência podem ser
alteradas.
Essa colocação sobre a necessidade do exercício da autonomia por
parte dos professores é pertinente a partir do momento em que constatamos que a
formação da escola contemporânea, de acordo com Enguita (1993), está
diretamente relacionada com o grande capital industrial. No momento em que a
sociedade capitalista viu a necessidade da formação de trabalhadores com a
capacidade de adaptação das suas necessidades, a escola passou a ser vista como
uma instituição fundamental para o processo modernizador desta sociedade.
51
Os estudos de Enguita (1993) apresentam uma visão sobre a
educação que não é de transformação e melhoria da sociedade, mas de
conformação à situação estabelecida:
Vemos a educação convertida num instrumento de poder da minoria sobre a maioria. “Não nos estamos referindo ao fato de que ela está submetida de fato ao poder econômico, social e político: o que é uma trivialidade, seu destino elementar em qualquer sociedade é dividido, nem tampouco ao fato de que a educação minoritária ou desigual supõe o monopólio da sua posição privilegiada. Estamo-nos referindo aqui ao fato de que essa vinculação faz parte do discurso sobre a educação (ENGUITA, 1993, p. 39).
A escola, como os conhecimentos, pelo seu modelo que chegou até
nossos dias, é fruto dos interesses da burguesia e instaurada a partir da Revolução
Industrial e de seu desenvolvimento. É evidente a participação da burguesia na
construção e domínio sobre a escola na sociedade capitalista. Essa linha de
pensamento traz a valorização da escola pela sociedade como um instrumento de
dominação e adequação burguesa da força de trabalho, pois, segundo Enguita
(1993), a escola é um instrumento nas mãos dos burgueses para exercer controle
sobre a sociedade, agindo como espaço produtor de trabalhadores mais qualificados
para os proprietários dos meios de produção.
Dessa forma, a burguesia promoveu a expansão das redes de
ensino e a busca pela universalização da educação básica8, com a visão de que a
escola é um meio pelo qual as pessoas poderiam conseguir melhorar as suas
condições de existência, conquistando um emprego melhor e acesso à cultura
formalmente aceita pela sociedade.
Quanto ao professor, até hoje o senso comum associa a sua
imagem com uma missão de vida, como se a responsabilidade pelo ensino fosse
atrelada a uma figura religiosa. A relação que o ensino teve com a religião, como no
caso brasileiro no período colonial, com os jesuítas, levou algumas pessoas a
pensar dessa forma, conforme relatado por Julia apud Nóvoa (1999):
O processo de estatização do ensino consiste, sobretudo, na substituição de um corpo de professores religiosos (ou sob controle da Igreja) por um corpo de professores laicos (ou sob controle do Estado), sem que, no entanto, tenha havido mudanças significativas nas motivações, nas normas
8 Nóvoa (1999) destaca a transferência da educação das ordens religiosas para o Estado. Tumolo
(2005) e Frigotto (2009) realizam uma discussão sobre a relação do trabalho e educação, em que colocam a questão da alienação e do trabalho como produtor e destruidor da vida, em um processo dialético.
52
e nos valores originais da profissão docente: o modelo do professor continua muito próximo do modelo do padre (JULIA apud NÓVOA, 1999, p. 15).
A expansão da rede escolar teve, como um de seus resultados, a
formação de uma massa de trabalhadores em educação, proporcionando a busca
pela docência e a consequente desvalorização do trabalho docente em termos
financeiros e de sua posição como profissional dentro da sociedade. Por causa da
presença de muita mão de obra de reserva disponível no mercado, naquele
momento de expansão do ensino formal, e da perda, na certeza de sua função na
sociedade, de acordo com Nóvoa (1999), ocorreu a „desprofissionalização‟ do
professor:
É evidente que a expansão escolar e o aumento do pessoal docente, bem como uma relativa incerteza face às finalidades e às missões da escola e seu papel na reprodução cultural e na formação das elites, também contribuíram para movimentos de desprofissionalização do professorado (NÓVOA, 1999, p. 21).
A oferta da educação formal foi universalizada para a maioria das
crianças e jovens do mundo capitalista ocidental. Em sociedades com a
industrialização tardia, como a brasileira, isso ocorreu recentemente, com apenas o
Ensino Fundamental sendo atendido, não atendendo a demanda da Educação
Infantil e do Ensino Médio. Mas, além da universalização, a educação busca a
qualidade que compreende a melhoria das condições de ensino. De acordo com
Demo (1996, p. 10), “toda pretensão qualitativa passa igualmente pela quantidade”.
Dessa forma, com a expansão do ensino, a melhoria da qualidade do ensino para a
maioria dos alunos também é almejada. Quanto à ampliação da oferta, interessam-
nos algumas observações, como: É interessante observar como os setores mais
bem sucedidos financeiramente toleraram e incentivaram a ampliação da
escolaridade ao público das classes sociais menos favorecidas. Há uma constatação
simples sobre essa indagação, como pode ser visto em Arroyo (2012): “A burguesia
esclarecida não mostrou nos últimos séculos ter medo da escolarização do povo,
nem entusiasmo. Não é no sistema escolar que ela situa sua estratégia pelo controle
da educação de seus trabalhadores” (ARROYO, 2012, p. 122).
Para o autor, os trabalhadores entram nas escolas, mas não entram
em outros ambientes frequentados pelos membros das elites (ARROYO, 2012).
53
Assim, a escola ainda é, e deverá ser durante muito tempo, a instituição que pode
fazer com que os alunos das classes menos favorecidas possam, por meio de uma
educação de qualidade, acessar os bens culturais produzidos e acumulados pela
sociedade e tornar mais próxima a expectativa de mobilidade social.
É preciso entender, aprofundando a compreensão de como se constrói socialmente o princípio educativo, porque: Apesar do fracasso da escola, o trabalhador continua buscando por ela, para si e para os seus filhos; Apesar de o capital prescindir da escola para qualificar seus quadros, exige cada vez mais escolaridade como requisito de ingresso no mercado de trabalho; Apesar da simplificação do processo produtivo pelo avanço científico e tecnológico, o trabalhador aponta para a construção de seu projeto hegemônico (KUENZER, 1988, 98).
Dessa forma, não basta que o aluno frequente a escola para que
ocorra a aprendizagem. Para que ocorra a aprendizagem o aluno precisa se
apropriar dos conhecimentos, não apenas ter contado com eles, mas poder utilizá-
los em situações específicas. Se não houver o acesso ao conhecimento para todos
os alunos, acabam sendo criados dois modelos de escola: um para os pobres e um
para os ricos. Essa dicotomia pode ser vista na análise realizada por Nóvoa (2009):
Por um lado, uma escola concebida essencialmente como um centro de acolhimento social para os pobres, com uma forte retórica da cidadania e da participação, por outro lado, uma escola claramente centrada na aprendizagem, e nas tecnologias, destinadas a formar os filhos dos ricos (NÓVOA, 2009, p. 64).
Quando observado sobre essa perspectiva, nos discursos da elite,
há uma preocupação com uma educação centrada na aprendizagem por parte dos
membros dessa elite, enquanto aos pobres é possibilitada apenas a socialização
fornecida pela escola pública (ARROYO, 2012). Essa visão deve ser quebrada por
professores e pelos familiares dos alunos para que eles consigam, por meio da
educação formal, melhorar sua aprendizagem com vistas a um futuro mais promissor
que o seu presente. Caso contrário, a condição apresentada a seguir, por Nóvoa
(2009), tende à perpetuação:
As elites investem numa educação (privada) que tem como elemento estruturante a aprendizagem, enquanto as crianças dos meios mais pobres são encaminhadas para escolas (públicas) cada vez mais vocacionadas para dimensões sociais e assistenciais (NÓVOA, 2009, p. 79).
54
Isso porque, a partir do momento em que as portas das escolas
públicas são abertas para as classes mais baixas da sociedade, as ações dos
professores em sala de aula, nas escolas para as classes populares, têm uma
tendência para que o trabalho docente seja mais diversificado, principalmente com
salas heterogêneas e numerosas, exigindo-lhes não apenas a preocupação com o
ensino-aprendizagem, mas também com questões sociais bem mais amplas e
difíceis. Atualmente, já há uma propensão por mudanças que auxiliam na qualidade
educacional, inclusive com a existência de salas com menos alunos. Mas, ainda
assim, percebemos que, em muitas situações, além das atividades relacionadas
diretamente com o ensino e a aprendizagem, os professores atuam como
mediadores de conflitos em sala de aula e, isso, muitas vezes, compromete a
realização de seu trabalho enquanto agente do conhecimento historicamente
construído:
A escola e a turma deixaram de ser o espaço de aprendizagem, funcionando segundo o princípio de uma socialização escolar garantida. O docente vê-se obrigado a ser e a agir como um agente de educação e de socialização dos alunos, notadamente colaborando com os outros agentes educativos e assumindo atividades educativas extraclasses (TARDIF, 2011, p. 109).
Muitas pessoas são levadas a acreditar que, dentro da ideologia
capitalista, essa situação de pagar para ter acesso a uma qualidade superior parece
uma condição normal. Mas isso não significa de forma alguma que as escolas
particulares são melhores que as escolas públicas. Se levarmos em consideração as
condições em que os alunos chegam às escolas públicas e as condições que eles
chegam nas escolas particulares e a vida desses alunos fora dos muros da escola, o
trabalho realizado por seus profissionais não deve ser desprezado. O que acontece,
em muitos casos, é um mecanismo que leva a acreditar no abandono da coisa
pública com tal proporção, que esta acaba sendo enxergada pela própria sociedade
como algo inferior àquela que precisa ser paga para a sua utilização:
As escolas privadas não são mais eficientes que as escolas públicas por causa de alguma qualidade inerente e transcendental da natureza da iniciativa privada (o contrário valendo para a administração pública), mas porque um grupo privilegiado em termos de poder e recursos pode financiar privadamente uma forma privada de educação (SILVA, 1997, p. 20).
55
De acordo com essa proposição, os burgueses permitem o acesso à
escola para as camadas mais pobres da população, mas o acesso ao conhecimento
é negado fora dos muros das instituições de ensino. Ou seja, negam o acesso à
cultura, a uma educação com qualidade em casa e outros ambientes que eles
próprios frequentam, mas que não abrem para a participação popular, o que acaba
gerando uma série de conflitos ao inserir esses alunos, sem educação de qualidade,
fora da escola, aumentando o trabalho dos professores das escolas públicas na
tentativa de socialização deles. Enquanto o aluno da escola particular tem acesso a
cursos de outras línguas estrangeiras modernas, informática e atividades culturais,
como viagens para o exterior, visitas a museus e galerias de arte, para o aluno de
escola pública esta é a única via de acesso para a cultura formal e o conhecimento
sistematizado.
A escola pública pode ser um instrumento para a libertação e para a
autonomia do sujeito. O interesse de parte dos membros da elite em descaracterizá-
la é parte de algo maior que pode ser visto na lógica do mercado neoliberal, com a
diminuição do Estado em favor das grandes corporações e com a terceirização dos
serviços e a privatização de atividades que seriam atribuídas ao Estado.
2.2 O PROCESSO DE DESVALORIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE
O trabalho dos professores, visto como uma atividade ainda
majoritariamente feminina, em especial na educação infantil e nos anos iniciais do
ensino fundamental, teve, em seu início, a influência das organizações religiosas.
Essas duas condições podem ter contribuindo com o processo de desvalorização
salarial no decorrer do tempo. Isso porque as mulheres geralmente realizavam em
suas casas os serviços domésticos sem receber nenhuma compensação financeira
por eles. Já os membros do clero não recebiam nenhuma recompensa a mais para
ensinar, daí a relação entre a profissão de professor e a questão do ato de amor da
vocação, bem como o esquecimento, por muitos, de que, num mundo dominado
pelo capital, a falta de uma remuneração decente é condição para a deterioração da
vida material dos indivíduos:
Os primeiros professores do Brasil ensinavam como desempenho de sua vocação religiosa e não como exercício de uma profissão. Desta forma, o
56
trabalho exercido não necessitava de uma remuneração, uma vez que compunha o quadro dos deveres religiosos (SANTOS, 1998, p. 143).
Inseridos no sistema capitalista, os professores sofrem os efeitos da
alienação do produto de seu trabalho, promovida pela fragmentação do
conhecimento e pela perda do controle sobre a atividade que realizam, assim como
a desvalorização de sua condição enquanto seres racionais.
O que é inseparável no homem passa a ser separado nas relações sociais, desqualificando-se e desumanizando-se o trabalho através de sua divisão técnica; destituído de suas qualidades de criação e reflexão, o trabalho perde sua característica fundamental, igualando-se ao trabalho animal, no momento em que se converte num conjunto de ações repetitivas, fragmentadas e desinteressantes (KUENZER, 1988, p. 30).
A fragmentação do trabalho docente e a realização do trabalho de
forma mecânica, sem a reflexão crítica sobre as atividades desenvolvidas,
promovem a desvalorização do trabalho dos professores. Quando ocorre a divisão
do trabalho docente e quando são transformados de sujeitos críticos em
reprodutores, sem controle sobre a sua atividade, sua profissionalização é
ameaçada, já que, por essa lógica, poderiam ser substituídos por qualquer pessoa,
mesmo que com a formação específica em licenciatura ou habilitação, mas sem a
capacitação adequada para a docência, não garantindo, de acordo com
Romanowski (2007), seu estatuto profissional. “A proletarização está associada à
perda de controle pelo trabalhador (professor) do seu processo de trabalho. A
profissionalização constitui condição de preservação e garantia de um estatuto
profissional” (ROMANOWSKI, 2007, p. 43).
A proliferação do uso de manuais e livros didáticos, com fórmulas
prontas para os professores utilizarem em sala de aula, é um dos componentes que
contribuem com a desvalorização do trabalho docente. De acordo com Romanowski
(2007), os manuais empobrecem o conhecimento:
Outra perspectiva da desvalorização profissional pode ser estabelecida pela liberação do trabalho do professor com o uso de ferramentas como manuais didáticos, recursos tecnológicos e as mídias, quando estes empobrecem a abrangência do conhecimento, e a aula torna-se apenas um fazer sem reflexão e interação com o conhecimento universal (ROMANOWSKI, 2007, p. 44).
57
Além dessa situação, a postura dos alunos diante do conhecimento,
da escola e dos professores, ao não encontrarem sentido no processo educativo, é
de desmotivação, fato que também prejudica o trabalho docente, já que, por mais
bem intencionado que seja o professor, o aluno é o sujeito da aprendizagem, e não
apenas o objeto do ensino, dependendo, portanto, o professor, de seu
consentimento (se o aluno não quiser estudar, não colaborar, o processo ensino-
aprendizagem simplesmente não ocorre) e de seus esforços para o sucesso escolar.
Quem aprende é o aluno. Se não quiser, recusando-se a entrar na atividade intelectual, não aprenderá, seja qual for o método pedagógico da professora. Neste caso, quem será cobrado pelo fracasso? O próprio aluno, mas igualmente a professora. Em outras palavras, o aluno depende da professora, mas, esta também depende dele (CHARLOT, 2013, p. 107).
Essa falta de interesse dos alunos em relação à escola e ao trabalho
que é realizado nela passa pela falta de resultados pragmáticos que ela oferece em
curto espaço de tempo. Dizer, para os alunos, que o bem mais precioso que eles
podem ter é o conhecimento, sem, contudo, tornar esta escola interessante é uma
afirmação sem sentido para eles. Então, em alguns casos, temos alunos que vão
para as escolas mais interessados em livrar-se da escola do que qualquer outra
coisa, querendo a nota acima de tudo.
Pela sociedade ter-se dado como objetivo prioritário, o desenvolvimento econômico e social, que requer um maior nível de formação da população, a escola deve resolver os problemas oriundos da democratização escolar. Entre estes problemas, cabe destacar o da nova relação com o saber: há cada vez mais alunos que vão à escola apenas para passar de ano, sem encontrar nela sentido ou prazer (CHARLOT, 2013, p. 59).
Assim, a escola para os filhos das classes trabalhadoras, não está
mais suprindo a necessidades dos trabalhadores na procura pela melhoria nas
condições de vida e pela busca de trabalhos melhores. O que faz com que ela não
seja vista como um local onde eles gostariam de estar, nem um lugar que lhes
possibilita oportunidades de crescimento pessoal:
O trabalhador percebe que a escola, particularmente no caso brasileiro, não lhe ensina o trabalho e não lhe assegura promoções ou melhorias salariais, facilitando, quando muito, o ingresso em determinados setores do mercado de trabalho (KUENZER, 1988, p.118).
58
Esta constatação está presente também na fala de Enguita (1993)
sobre a percepção que os alunos têm da escola e a falta de motivação para a
dedicação com a aquisição de conhecimento:
O estudante, que não encontra motivações nem satisfações intrínsecas nem no processo nem no produto de seu trabalho – nem na aprendizagem nem nos conhecimentos a adquirir –, é motivado por meio de notas, boletins para levar para casa, férias perdidas por ter sido reprovado ou bicicletas presenteadas por passar de ano, classificações, prêmios, exposições à reprovação dos colegas, pela possibilidade de ter acesso a um grau superior ou pela promessa de um futuro profissional melhor (ENGUITA, 1993, p. 236).
A falta de perspectivas que a escola pública traz para seus alunos
faz com que, para alguns, a maior expectativa de seja trilhar os caminhos da
docência, formando-se professores na própria comunidade, por não vislumbrarem a
possibilidade de ascender a profissões mais valorizadas, como foi apresentado no
capítulo 1. A escola, assim, em muitas oportunidades serve apenas como um
depósito para as crianças, conforme Enguita:
A educação formal serve para muitas outras coisas além da qualificação da força de trabalho: é um estacionamento onde deixar as crianças oculta o desemprego real, forma bons cidadãos, educa futuros consumidores, adestra trabalhadores dóceis, facilita a justificação meritocrática da divisão em classes da sociedade capitalista, permite que a propriedade se esconda atrás do emaranhado da administração, oferece urna oportunidade a capitais improdutivos, satisfaz a demanda popular de cultura e distrai a população de outros problemas mais importantes (ENGUITA, 1993, p. 197-198).
Como os professores ainda não são bem remunerados por suas
atividades, muitos deles recorrem à extensão da carga horária para complementar a
renda, trabalhando em várias instituições ao mesmo tempo (algumas distantes umas
das outras e de suas residências), o que caracteriza a intensificação do trabalho
docente e compromete a qualidade de seu trabalho, já que não sobra tempo para a
qualificação profissional, para o descanso e para a preparação adequada das aulas,
como deveriam ser.
De acordo com Gatti e Barreto (2009), os professores têm uma
média de carga horária de 30 horas semanais. Entretanto, muitas vezes, eles
participam de atividades fora de sala de aula, que tornam o tempo de trabalho
superior ao tempo destinado às atividades de ensino. Com a oferta de cursos fora do
horário de trabalho dos professores em finais de semana, há o comprometimento do
59
descanso semanal, com taxas elevadas de abstenção e baixo aproveitamento dos
cursos.
Infelizmente, os professores ainda são confrontados por
profissionais de outras áreas, com a expressão pejorativa que afirma: “o professor
só dá aulas”, desprezando todo o processo de construção e demanda social, física,
psicológica e de elaboração de processos mentais despendidos até que a aula
ocorra de fato. Com a carga horária ampliada, não é raro que a vida profissional
entre pela vida particular dos professores, um fato bem comum no exercício da
docência:
A extensão da jornada de trabalho, estratégia adotada para compensar a baixa remuneração, está afetando profundamente o trabalho docente. Uma característica central do trabalho docente, como poder inovar sempre o seu modo de trabalhar e, com isso, enriquecer o processo de aprendizagem dos seus alunos, é duramente questionada pelas condições extenuantes de trabalho (BATTINI, 2004, p. 98).
Além disso, com a flexibilização dos contratos de trabalho, os
docentes são atingidos por esse fenômeno típico do neoliberalismo, fazendo com
que o sua função seja cada vez mais desvalorizada, pois os contratos temporários
não dão condições para que seu trabalho tenha continuidade. Essa precarização
dos contratos de trabalho não possibilita um envolvimento maior com o trabalho
desenvolvido pela instituição, onde ele passa apenas um curto tempo, pois não há
tempo hábil para a construção do sentimento de pertencimento do professor à
instituição na qual passa apenas alguns dias ou meses trabalhando:
Uma primeira dificuldade vivida pelos professores em situação precária diz respeito à impossibilidade de viver uma relação seguida com os mesmos alunos. Este problema ocorre particularmente com os suplentes ocasionais ou ainda com os professores em situação precária que obtêm contratos sucessivos num mesmo ano letivo (TARDIF, 2014, p. 90-91).
O trabalho dos professores é prejudicado por causa dos contratos
temporários e a diminuição de seus direitos trabalhistas. Essa situação pode ser
entendida como um reflexo da desarticulação das organizações sindicais que não
lutam por seus interesses. Segundo Romanowski, “Frente às condições precárias de
trabalho está o aumento de contratos temporários, a desarticulação da organização
sindical e o arrocho salarial. Um quadro cada vez menos animador para os
professores” (ROMANOWSKI, 2007, p. 46).
60
Entretanto, mesmo a escola não sendo o centro da difusão do
conhecimento (NÓVOA, 2009) e com os professores sendo desvalorizados
financeiramente, ainda há um prestígio social da profissão docente. Ainda que
muitos alunos não tenham tanto interesse pelas aulas, encontrando algo mais
interessante para fazer durante sua realização ou simplesmente apelando para a
indisciplina para chamar a atenção, não podemos deixar de lutar, pois, como não
têm acesso à cultura por outros meios e não são estimulados para essa busca,
acabam não tendo consciência da importância da conclusão da educação básica
com sucesso em suas vidas:
Não é raro que dificuldades de aprendizagem culminem em problemas de comportamento, ou vice-versa. No mesmo sentido, experiências pessoais ou familiares difíceis forçosamente perturbam a aprendizagem e diminuem as chances de sucesso escolar (TARDIF, 2011, p. 133).
O aluno geralmente tem interesse em saber a remuneração dos
professores e realizar comparações com outras profissões, sendo esse fator (salário)
um dos principais requisitos para a escolha de uma futura profissão. O professor
com melhores salários9 poderia atrair profissionais melhores para a profissão, gente
interessada em realizar um bom trabalho por um bom salário, aumentando a
qualidade do ensino. Isso não significa que as pessoas sem bons salários não
realizem bons trabalhos, mas certamente isso é um atrativo para bons profissionais:
A posição social dos professores, a sua imagem na opinião pública, o seu trabalho na sala de aula são claramente definidos e estáveis. O professor é mal pago, mas é respeitado e sabe qual é a sua função social e quais devem ser as suas práticas na sala de aula (CHARLOT, 2013, p. 95).
Diante dessa conjuntura, em um mundo em constante mutação, a
escola não acompanhou as transformações que ocorreram fora dela, o que coloca
em situação delicada a profissão docente, que precisa urgente de atualização para
que não seja relegada ao ostracismo em caráter duradouro. De acordo com Nóvoa
(1999),
9 Apesar de não ser um valor condizente com as atividades realizadas. O Brasil tem a lei do piso
salarial de professores, Lei nº 11738/2008, como parte de um projeto de valorização da docência. O piso nacional para os professores é de R$ 2.135,00 para uma jornada de 40 horas semanais para o ano de 2016.
61
Há uma perda de prestígio associada à alteração do papel tradicional dos professores no meio local: os professores do ensino primário já não são, ao lado dos párocos, os únicos agentes culturais nas aldeias e vilas da província; os professores do ensino secundário já não pertencem à elite social das cidades, cujo recrutamento não passa apenas por critérios escolares. E é verdade que os professores não souberam substituir estas imagens-força por novas representações profissionais (NÓVOA, 1999, p. 29).
Os professores são fonte do conhecimento, mas não são mais a
única, e, se não utilizarem outras fontes para auxiliar em seu trabalho, acabarão em
uma guerra perdida. Por não haver meios eficazes para separar a escola do que
acontece fora de seus muros, esse profissional poderá entrar em conflito com seus
alunos, perderá a batalha por uma negociação pacífica e não conquistará os alunos
para o seu lado em uma relação de afeto, que é muito importante nas profissões que
envolvem relações humanas, como a docência:
O desenvolvimento de fontes de informação alternativas, basicamente dos meios de comunicação de massas, obriga o professor a alterar o seu papel de transmissor de conhecimentos. Cada dia se torna mais necessário integrar na aula estes meios de comunicação, aproveitando a sua enorme força de penetração. O professor que pretenda manter-se no antigo papel de “fonte única” de transmissão oral de conhecimentos perde a batalha (ESTEVE, 1999, p. 101).
A aura que a escola tinha como o centro do conhecimento e do
saber já não existe da mesma forma que há algumas décadas. Atualmente, esse
saber está espalhado por diversos cantos. O grande desafio pode ser saber como e
onde encontrá-lo.
A escola cresceu como “palácio iluminado”. Já não o é. Hoje, é apenas um polo – sem dúvida muito importante – num conjunto de redes e de instituições que devem responsabilizar-se pela educação das crianças e pela formação de jovens (NÓVOA, 2009, p. 67).
A situação de conflito com os alunos em sala de aula também é um
fator que acaba desanimando muitos professores, principalmente os mais
experientes, que estavam acostumados com uma relação de autoridade, que se
esvaneceu nas últimas décadas, pela tomada de consciência dos direitos pelos
alunos e pelo afrouxamento das regulamentações das instituições. Essa nova
realidade acaba gerando uma sensação de impunidade para algumas das faltas
cometidas pelos alunos:
62
Há vinte anos, verificava-se uma situação injusta, em que o professor tinha todos os direitos e o aluno só tinha deveres e podia ser submetido aos mais variados vexames. Presentemente, observamos outra situação, igualmente injusta, em que o aluno pode permitir-se, com bastante impunidade, diversas agressões verbais, físicas e psicológicas aos professores ou aos colegas, sem que na prática funcionem os mecanismos de arbitragem teoricamente existentes (ESTEVE, 1999, p. 107).
Assim, nas últimas décadas, a profissão docente enfrenta várias
resistências, principalmente entre os alunos. O ensino nas instituições públicas não
é mais a garantia de ascensão social nem de melhorias nas condições de trabalho, o
que acaba fazendo com que os alunos que assimilam esse pensamento não sejam
estimulados a assistir as aulas com grande entusiasmo.
O trabalho dos professores pode ser direcionado a promover o
resgate desses alunos para que a instituição escolar não seja esvaziada de seu
significado. Caso algumas mudanças não sejam promovidas, muitos professores
serão afetados pela síndrome da desistência da profissão, conhecida como
síndrome de burnout:
Já se viu que o professor faz muito mais do que as condições de trabalho permitem; já se viu que comparece no tecido social compondo o futuro de milhares e milhares de jovens que antes dele sequer poderiam sonhar. Mas existe outro professor habitando nossas lembranças: um homem, uma mulher cansado, abatido, sem mais vontade de ensinar, um professor que desistiu (CODO, VASQUES-MENEZES 2006, p. 237).
Isso porque a escola não acompanhou as transformações da
sociedade, com a inserção dos recursos tecnológicos da comunicação e da
informação. Essas condições não podem ser ignoradas e, principalmente, ser
determinantes para a fuga da docência. Precisamos, a partir delas, estimular a luta
por melhores condições de trabalho.
Mesmo com o apontamento de algumas situações contrárias à
escola e à profissão docente, os professores ainda possuem prestígio social.
Portanto, é necessária uma ressignificação da profissão para sua continuidade e
fortalecimento, havendo necessidade de negociação e humildade para saber
trabalhar com a condição de não ser mais a única fonte de conhecimento para o
aluno.
A configuração econômica mundial influencia a maneira como o
trabalho dos professores é realizado, mesmo que não condicione totalmente suas
63
atividades, o que faria com que elas fossem totalmente alienadas e não
construíssem uma ponte para a formação cidadã consciente. As atividades
concorrentes da escola são fontes muito atrativas aos alunos, fazendo com que o
professor deixe de ser o único centro das atenções e a escola, ganhando mais
elementos fora de seus muros, que podem auxiliá-la ou atrapalhá-la como um dos
centros de difusão de conhecimento. Essas condições moldam a imagem que os
alunos constroem dos professores.
Nesse sentido, torna-se importante compreender como os alunos
veem o trabalho realizado pelos professores em sala de aula, levando em
consideração as suas condições de trabalho, sua formação tanto inicial quanto
continuada e sua experiência.
64
3 A VISÃO DOS ALUNOS EM RELAÇÃO AO EXERCÍCIO PROFISSIONAL
DOCENTE
O presente capítulo tem o objetivo de mostrar, por meio da análise
das respostas ao questionário aplicado a alunos do terceiro ano do ensino médio, a
visão que eles têm em relação à atividade realizada pelos docentes e suas
expectativas em relação à profissão de professor no cenário atual. O referencial
teórico, presente nos capítulos 1 e 2, embasa nossa análise sobre a posição do
professor na sociedade, sua formação, profissionalização e o processo de alteração
nas condições da profissão diante do conhecimento e da nova dinâmica da
economia.
O capítulo aponta para o estabelecimento das relações entre a
formação dos professores, tanto inicial quanto continuada, a identidade docente, as
especificidades do trabalho docente, a relação com o neoliberalismo e a
reestruturação da economia mundial e como essas questões impactam a visão que
os alunos e a sociedade têm desse profissional. Para tanto, realizamos a divisão do
capítulo em seis seções: a primeira demonstra como foi realizado o enfoque da
pesquisa, o método e as metodologias da pesquisa utilizadas; a segunda versa
sobre o entendimento das atividades docentes enquanto trabalho; na terceira,
abordamos de que forma os alunos são impactados pela visão que os professores
têm de seu trabalho e como demonstram isso em sala de aula; a quarta seção nos
leva a refletir sobre a valorização dos professores pelos alunos, na quinta seção é
levada em consideração a formação dos professores, seus saberes e seu impacto
no trabalho em sala de aula; e, finalmente, na sexta seção, trabalhamos a visão que
os alunos têm sobre a docência, bem como suas expectativas quanto à escolha
dessa profissão.
3.1 ENFOQUE, MÉTODOS E TÉCNICAS DE PESQUISA
O método adotado para a realização de nossa pesquisa é o método
dialético, que nos permite o trabalho com o objeto no contexto sócio-histórico,
levando em consideração as relações econômicas da sociedade. “A dialética fornece
as bases para uma interpretação dinâmica e totalizante da realidade, já que
65
estabelece que fatos sociais não podem ser entendidos isoladamente” (GIL, 1999, p.
32).
O presente trabalho busca compreender o objeto de estudo por meio
da análise de seus aspectos qualitativos, estabelecendo a relação entre o fenômeno
apresentado e o seu entorno, considerando o processo da mundialização da
economia acelerado nas últimas duas décadas.
A coleta dos dados aconteceu através de abordagem qualitativa de
pesquisa, com aplicação de um questionário aos alunos do Colégio Estadual
“Cyríaco Russo”. “Conceituamos abordagem qualitativa ou pesquisa qualitativa
como sendo um processo de reflexão e análise da realidade através da utilização de
métodos para compreensão detalhada do objeto de estudo” (OLIVEIRA, 2011, p.
28). Esse tipo de pesquisa foi escolhido em razão de não ser apenas a análise dos
números apresentados nesse enfoque, mas também o discurso apresentado pelos
respondentes e os significados de suas respostas em relação ao objeto de estudo
apresentado. “O conteúdo de qualquer comunicação pode ser analisado,
considerando-se o emissor, o receptor, a mensagem é o meio o canal usado para
comunicar a mensagem” (CHIZOTTI, 2006, p.114).
A escolha desse local para a pesquisa se deu por ser considerado o
melhor colégio público da cidade, onde trabalham os professores com mais tempo
de experiência na docência. É considerado um polo de atração para os bons alunos
da cidade, que se deslocam de diversas áreas, tanto do centro como das periferias,
desejando obter uma formação de melhor qualidade.
Mesmo com a coleta de dados sendo realizada com todos os alunos
do terceiro ano do ensino médio do período matutino, nem todos responderam às
questões abertas, deixadas para respostas livres e espontâneas. Diante da limitação
do tempo disponível para a realização da pesquisa, serão analisados os dados por
amostragem, com vinte e dois por cento dos alunos, com destaque para aqueles que
demonstrarem mais relevância para nosso estudo, de acordo com nosso referencial
teórico e os objetivos do presente trabalho.
Corroborando os argumentos apresentados em nosso referencial
teórico sobre a feminização do magistério, o colégio onde o questionário foi aplicado
conta com um quadro de professores composto de um total de 58 docentes, sendo
que a maioria são mulheres, num número de 51 professoras, e apenas 7
66
professores 10 . Por o colégio ofertar o curso de formação de docentes, a
porcentagem de professoras em relação aos professores no colégio é maior que a
média nacional. “No ensino médio, por sua vez, são encontradas as maiores
proporções de docentes do sexo masculino entre todas as demais modalidades da
educação básica: 33% versus 67% do feminino” (GATTI; BARRETO, 2009, p. 24).
Muitos são docentes com experiência superior a vinte anos no magistério, sendo
que todos os professores do colégio possuem licenciatura plena na disciplina que
ministram, com no mínimo uma especialização latu senso em alguma área da
educação, principalmente em metodologias de ensino.
O questionário foi aplicado aos alunos de terceiro ano de ensino
médio, que estão, portanto, concluindo a última etapa da educação básica e, em
parte, já estão buscando encontrar a profissão que seguirão a partir do término do
ensino médio, seja com a continuação nos estudos, através da entrada no ensino
superior, seja pela entrada no mercado de trabalho.
Foi escolhido o turno matutino em razão de o turno vespertino ser
utilizado para o curso de formação de docentes em nível médio e o turno noturno
contar com menor quantidade de alunos matriculados. De um universo com 94
respondentes, 20 alunos realizaram as considerações pertinentes no questionário
aberto. Serão essas as respostas que serão analisadas aqui, verificando e
apresentando a visão que os alunos têm em relação ao trabalho de seus
professores e suas particularidades.
O questionário apresentou questões semiestruturadas e abertura
para que os alunos/pesquisados respondessem, espontaneamente, como as
categorias analisadas impactam a realização do trabalho em sala de aula pelos
professores, buscando compreender de que maneira os alunos participantes da
pesquisa enxergam seus professores e a realização de seu trabalho. Um
questionário possibilita atingir um grande número de pessoas, implicando menos
gastos com pessoal, garantindo o anonimato das respostas (GIL, 1999, p. 128).
Os questionários foram aplicados após visita ao colégio e
recebimento da autorização expressa para a realização da pesquisa dentro da
escola, com os formandos do colégio do turno matutino que é o turno com o maior
10
Dados retirados do site do Núcleo Regional de Educacional de Educação de Cornélio Procópio. Disponível em: http://www.consultaescolas.pr.gov.br/consultaescolas/f/fcls/escola/visao, acesso em 20 de set. de 2015.
67
número de alunos, com 109 matriculados dispostos em três turmas. O questionário
foi respondido por 94 alunos das três salas, presentes no dia de sua aplicação,
sendo que nenhum deles se recusou a responder às questões, mesmo que nem
todos tenham escrito suas considerações sobre as categorias apresentadas no
instrumento de pesquisa.
A análise das respostas apresentadas pelos alunos é fundamental
para a compreensão dos aspectos do trabalho docente que mais influenciam no
desempenho em sala de aula, bem como a relação que se estabelece entre os
professores e os alunos e sua importância para a fruição do trabalho, conscientes de
que esta não é uma visão ingênua e única da realidade, que é composta por uma
estrutura que condiciona a vida e o trabalho humano.
3.2 A ATIVIDADE DOS PROFESSORES ENQUANTO TRABALHO
Partimos do pressuposto de que o professor é, antes de qualquer
coisa, um trabalhador e que é o trabalho um fator que diferencia os seres humanos
dos outros animais (MARX, 1985, p. 149), já que é por meio do trabalho que a
humanidade se constrói através da transformação do mundo e de si mesmo.
Mesmo com a discussão sobre o que seria o produto do trabalho do
professor, apoiamo-nos em Codo (2006, p. 62), que considera o aluno educado o
produto do trabalho do professor. O aluno deve concluir sua escolaridade básica
munido dos conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade, com
noções de cidadania e de convivência em sociedade. Nesse sentido, os professores
não têm um produto físico, como teriam um marceneiro ao apresentar uma mesa ou
um torneiro mecânico com uma peça para uma engrenagem. Nesse sentido, o
trabalho dos professores se coloca ao lado do trabalho dos profissionais que
prestam serviço para a população na sociedade (BATTINI, 2011).
Nossa primeira pergunta buscou levantar o que os alunos entendem
por ser professor. Pedimos que resumissem em uma palavra ou em uma expressão
curta o que é ser professor e como eles veem o exercício da docência na atualidade.
As respostas foram as mais variadas, abrindo um campo interessante para sua
observação com suas possíveis interpretações, tanto pelos aspectos positivos
quanto pelos aspectos negativos apresentados nestas respostas.
68
As respostas foram agrupadas com alguma característica em
comum. A menção dos professores como mestres aparece nos comentários dos
alunos 1 e 6. Esta menção é muito importante por considerar os professores
socialmente valorizados e por trazer significado para suas atividades enquanto
profissionais ao realizar uma identificação forte entre aquilo que fazem e o
conhecimento.
O aluno 5 escreveu uma frase curta, afirmando que ser professor é:
“Ensinar aquilo que sabe e aprender também”. Esta frase é dotada de grande
significado para a profissão de professor, pois não o coloca apenas como aquele
que ensina, mas construindo a imagem do professor como sendo sempre um
aprendiz, inclusive durante a própria atividade de ensinar.
Ao relacionar a atividade docente com o futuro, como os alunos 7,
11 e 18 fizeram, o professor é entendido como o profissional por meio do qual, com
a realização do seu trabalho, poderá ser um agente de transformação na vida dos
alunos, ratificando a importância do trabalho dos professores na vida destes,
inclusive quando aparece a expressão “preparar para a vida”, que deve ser uma das
atribuições principais da instituição escolar.
Aluno 7 – O trabalho dos professores é a base para nós, alunos, para o nosso futuro.
Aluno 11 – Futuro, pois eles preparam os alunos para tudo o que ele pode fazer amanhã.
Aluno 18 – Fundamental para o futuro.
A questão da disposição para o ensino foi colocada pelo aluno 13, e
esta menção pode estar relacionada às diversas vezes que os professores repetem
uma explicação. A paciência necessária para o exercício da docência e o equilíbrio
para realizar ponderações sem ferir os alunos em um momento de maior estresse
emocional pode despertar a confiança e o respeito dos alunos em momentos de
pausa e de dar uma resposta ponderada (KARNAL, 2015, p. 32). Entender os alunos
e ser companheiro deles, quando necessário, é muito importante para a questão do
desenvolvimento da afetividade (CODO, 2006, p. 55). É o que o aluno 17 entende
por ser professor, quando afirma que “Mais do que ser professor é ser amigo, ser
companheiro no dia a dia.” Ter uma relação de afetividade com os alunos, quando
69
este utiliza as palavras companheiro e amigo na sequência, enfatiza esta afirmação.
Outra afirmação que merece destaque vem do aluno 13 quando diz que ser
professor é:
Aluno 13 – Ter domínio sobre a matéria estudada e estar disposto a ajudar.
A resposta do aluno 14 é a que mais traz preocupação em relação
ao futuro da docência e ao trabalho docente. Ele afirma que: “A pessoa decide ser
professor porque não teve outra escolha na vida”. Quando um aluno, em uma
resposta livre, afirma que a pessoa que escolheu a docência é alguém que não teve
outra alternativa, está desvalorizando a profissão docente, demonstrando uma
aversão à imagem que os professores têm na sociedade. Ele pode ter sido levado a
essa conclusão ao observar seus professores ou mesmo ao ouvir discursos
pejorativos relacionados a essa profissão. De qualquer forma, esta afirmação destoa
das respostas da maioria dos alunos respondentes, mas é coincidente com as
respostas sobre o interesse dos alunos pela docência. É possível que muitas
pessoas que atualmente são professores, como ocorre nas demais profissões,
inicialmente não desejassem ser professores. Mas expressar a total falta de
oportunidade como determinante para escolher a docência tem um tom elevado de
preconceito para com a profissão, vindo de um formando do ensino médio.
Com apenas uma palavra, o aluno 20 descreveu uma das
características importantes para quem almeja ser professor e para quem já o faz em
sua profissão: “Corajoso!” Realmente, a profissão de professor exige um grau de
coragem aos seus postulantes e aos seus profissionais, coragem que pode
impulsionar suas ações cotidianas. A utilização desta palavra também demonstra
que para este aluno ser professor não deve ser tarefa fácil, podendo ter uma carga
emocional e psicológica grande na realização de suas atividades, como veremos ao
tratar da questão do burnout.
O conhecimento aparece na resposta dos alunos 9 e 10,
discordando, inclusive, de algumas de nossas leituras, que retiram o professor do
centro de conhecimento colocando-o em um dos polos, muitas vezes, secundários
(NÓVOA, 2006), por onde o conhecimento transita. A resposta desses alunos
afirmando que o professor é “a base para o conhecimento” reforça o papel do
70
professor como profissional que trabalha com o conhecimento, valorizando sua
posição em relação ao ensino-aprendizagem.
A atividade docente já vivenciou momentos de maior prestígio que o
da atualidade. A importância do trabalho do professor e como a sociedade enxerga
sua profissão pode ser vista em alguns aspectos relacionados com o tratamento
dado para a sua formação e nos valores dispendidos para o pagamento de seus
salários. Exigir competência na realização das atividades, declarar que essas são de
vital importância para o desenvolvimento da sociedade e ofertar uma formação
profissional frágil e de maneira acelerada é uma atitude incoerente, bem como pagar
mal um profissional, em uma sociedade que valoriza o capital, como a sociedade
ocidental, é uma clara demonstração do real valor que esse profissional tem para a
sociedade.
O trabalho docente não está dissociado do momento histórico em
que vivemos, pois a flexibilização do mundo do trabalho e a mundialização da
economia reflete tanto em sua formação, pautada pela lógica de mercado, quanto no
tratamento dado aos alunos nas aulas e na atividade docente, o que acaba
separando o discurso da valorização do ensino com as atitudes dos alunos em sala
de aula, demonstrando o aluno pouco ou nenhum interesse na maioria das aulas
ministradas.
A segunda pergunta buscava saber, na visão dos alunos, quais eram
as maiores reclamações dos professores em relação ao seu próprio trabalho. A
maioria das respostas apresenta a falta de interesse dos alunos em aprender –
expressão que mais aparece como sendo a maior reclamação dos professores.
Essa questão nos faz refletir sobre um dos grandes problemas enfrentados pelos
professores na realização de seu trabalho. As respostas abaixo ilustram essas
reclamações:
Aluno 1 – Das conversas dos alunos e a falta de atenção nas aulas.
Aluno 3 – Da conversa dos alunos na sala de aula e da falta de atenção nas explicações.
Aluno 4 – Das conversas em sala de aula, da falta de atenção por parte dos alunos.
71
Aluno 5 – De todos os alunos que costumam a conversar durante a explicação.
Aluno 7 – Da bagunça em sala de aula e das conversas dos alunos.
Aluno 8 – A dificuldade dos alunos está relacionada com as atitudes dos alunos que não colaboram para o bom andamento das aulas, prejudicando o trabalho dos profissionais que querem dar aula.
Aluno 9 – Conversas e falta de interesse dos alunos.
Aluno 10 – De certos alunos que só vem para o colégio para brincar.
Aluno 11 – Por não terem seus direitos reconhecidos como deveriam.
Aluno 12 – Alguns alunos não interessados dificultam a explicação dos professores, esta é a principal reclamação.
Aluno 13 – Às vezes são eles, às vezes são os alunos que estão desinteressados.
Aluno 16 – Da falta de interesse e da falta de educação dos alunos, o desinteresse em aprender.
Aluno 18 – A indisciplina e a falta de interesse de alguns alunos.
Aluno 19 – Da conversa entre os alunos.
Dentre os alunos respondentes, temos dois que chamam a atenção
para uma proposta de modificação nas atividades dos docentes, fazendo com que
as aulas se tornem mais interessantes para os alunos. Os alunos 14 e 20
apresentaram a sugestão da oferta de aulas diferenciadas para que os alunos
fiquem mais focados nos conteúdos trabalhados:
Aluno 14 – As conversas entre os alunos, deveriam ter mais aulas ao ar livre para descontrair.
Aluno 20 – As conversas, mas se os professores passarem atividades diferentes seria mais divertido, é muito chato ficar cinco horas só sentado.
Para o aluno 2, o problema está relacionado com a falta de
autoridade dos professores, que não conseguem estabelecer a disciplina em sala de
aula. Essa resposta pode ser vista de duas maneiras: o aluno pode estar jogando a
72
responsabilidade pelo seu mau comportamento para os professores ou o aluno pode
ter razão. O que demandaria outra pesquisa para levantar dados sobre as causas
que levam alguns professores a desanimarem na busca pelo controle disciplinar em
sala de aula. A falta de autoridade do professor pode ser tanto por falta de
experiência na atividade docente ou até mesmo um dos sintomas da síndrome de
burnout, caracterizada pelo abandono da profissão diante de muitas dificuldades que
ela apresenta:
Aluno 2 – As conversas dos alunos atrapalham e muitas vezes os professores não têm domínio da classe, deixando os alunos comandarem.
Para os alunos 6 e 17, alguns professores reclamam da própria vida,
em sala de aula, falando de sua vida pessoal de fora da sala de aula, o que se
caracterizaria como uma espécie de terapia frente aos problemas enfrentados pelos
docentes. Não que a sala de aula deva servir como um consultório, entretanto, de
acordo com Arroyo (2000, p. 28), a máscara de professor não sai de nossas vidas,
permeando vida profissional e vida pessoal, com os alunos sentindo mais
proximidade com os professores quando esses demonstram que também são
humanos normais, e não seres presos em redomas de vidro, separados do mundo
exterior. “As maiores reclamações são sobre o comportamento dos próprios alunos,
algumas vezes reclamam de sua vida pessoal” (Aluno 17), “Da vida” (Aluno 6).
Na resposta do aluno 15, aparece a falta de recursos tanto
financeiros quanto de equipamentos para a realização das atividades em sala de
aula como motivos de reclamação dos professores. Nos últimos anos, a situação
dos equipamentos de parte das escolas apresenta deterioração, bem como é
perceptível, em muitas escolas, a deterioração dos prédios, seja por falta de
manutenção adequada ou de reparos em suas instalações. Enquanto nas casas e
nas empresas a estrutura, o design e a arquitetura apresentam grandes evoluções
com o passar do tempo, grande parte das escolas ainda têm estrutura do século
XIX, o que pode contribuir para que os alunos fiquem incomodados, aumentando o
desconforto e as conversas paralelas durante as aulas, citada pela maioria dos
alunos respondentes.
73
3.3 A PERCEPÇÃO DA SATISFAÇÃO DOCENTE PELOS ALUNOS
Nos últimos anos, a educação brasileira está vivenciando uma
contradição, por um lado há a necessidade de novos professores, pois existe
carência de professores licenciados em diversas áreas do conhecimento e, por outro
lado, ocorre o abandono das licenciaturas, já no primeiro ano dos cursos, por
acadêmicos que decidem seguir outras profissões. Existem também muitos
professores que abandonam a profissão já nos primeiros anos de carreira, não
atingindo aquele período de acomodação, citado por Tardif (2011), que se dá por
volta dos oito anos de exercício profissional.
Questionados sobre a impressão que os alunos têm da satisfação
dos professores na realização de suas atividades, o que pode ser um indicativo
apenas da observação subjetiva dos alunos, como também pode denotar as
condições de trabalho nas quais os professores se encontram, pois nem todos que
aparentam estar felizes, realmente o estão, obtivemos o gráfico abaixo:
Gráfico 1 - Os professores demonstram estar felizes enquanto estão lecionando?
3
45
30
19
3
0
10
20
30
40
50
Concordototalmente
Concordoparcialmente
Não concordonem discordo
Discordoparcialmente
Discordototalmente
Satisfação %
Satisfação %
Fonte: O autor (2015).
A docência é uma das profissões com uma das maiores cargas de
estresse e que depende do desenvolvimento de laços de afetividade (CODO, 2006,
p. 55), mas nem sempre os professores chegam à sala de aula com o seu melhor
humor, devido, especialmente, à carga de trabalho acumulada, tanto em sala de
aula quanto pelo trabalho desenvolvido fora dela (GATTI; BARRETO, 2009).
74
Apesar dessa situação, percebemos que praticamente a metade dos
alunos entende que os professores demonstram alguma felicidade na realização de
seu trabalho em sala de aula, o que contradiz o discurso de alguns alunos, que
apresentaremos a seguir. O aluno 5 elabora uma consideração digna de citação, na
qual reconhece que alguns professores, como em qualquer outra profissão da área
de prestação de serviços, que envolve a relação entre seres humanos, estão mais
felizes e dispostos que outros, o que podemos considerar perfeitamente normal.
Sendo que, para o aluno, a aprendizagem e o aproveitamento da aula são motivos
para a felicidade dos professores:
Aluno 5 – Alguns professores demonstram satisfação com seu trabalho porque eles sabem que os alunos estão aproveitando a sua aula, outros não, porque acham que aula é só para passar matéria.
Os alunos que não entenderam essa situação dessa maneira são
aqueles que manifestam as razões pelas quais percebem os professores tristes e/ou
cansados em sala de aula:
Aluno 3 – Nem todos os professores aparentam estar felizes quando estão em sala de aula.
Alguns dos alunos veem os professores como profissionais
cansados e consideram esse cansaço como um dos motivos que fazem com que
estejam sempre irritados. Entendemos que o exercício da profissão de professor
gera muito cansaço, acumulando tanto o físico como o emocional, que podem
contribuir para a diminuição de seu desempenho profissional e, em casos extremos,
a desistência da profissão. As respostas dadas pelos três alunos a seguir mostra a
relação entre o cansaço do professor e a dificuldade de ele aparentar satisfação na
realização de suas atividades:
Aluno 7 – Os professores nem sempre estão dispostos a dar aula.
Aluno 14 – A maioria dos professores está desanimada.
Aluno 17 – Por causa do cansaço é difícil ver eles felizes, eles aparentam estar sempre irritados.
75
Em algumas oportunidades, o abandono da docência, mencionado
acima, ocorre sem que o professor deixe a profissão. Quando algumas pessoas
percebem o desânimo em relação às atividades profissionais, tendem a reproduzir a
história de Jeca Tatu, contada por Codo e Vasquez-Menezes (2006, p. 237), na qual
só se veem os sintomas, sem levar em consideração as causas, como o Jeca, de
Monteiro Lobato, que era visto como preguiçoso e não como acometido de uma
doença. Esses profissionais continuam a trabalhar em sala de aula, sem darem a
atenção devida para os alunos, o que pode caracterizar sintomas da síndrome de
burnout:
Burnout foi o nome escolhido; em português, algo como perder o fogo, perder a energia ou queimar para fora (numa tradução mais direta). É uma síndrome através da qual o trabalhador perde o sentido da sua relação com o trabalho, de forma que as coisas já não o importam mais e qualquer esforço lhe parece inútil. Esta síndrome afeta, principalmente, profissionais da área de serviços quando em contato direto com seus usuários (CODO, VASQUEZ-MENEZES, 2006, p. 238).
Para o aluno 13, a falta de motivação de alguns professores no
desenvolvimento de seu trabalho em sala de aula afeta seu rendimento escolar,
sendo levado a estudar em outro turno para aprender o conhecimento que a escola
lhe negou acessar:
Aluno 13 – Os professores chegam na sala de aula e não rende a matéria, então eles vão na secretaria dizer que é culpa dos alunos. O que está me ajudando é o cursinho pré-vestibular que faço à noite.
A dúvida que surge, neste momento, é no sentido de compreender
as razões de os alunos não aproveitarem o tempo em que estão na escola para
aprender. É como se alguns deles retirassem sua própria responsabilidade no
processo de aprendizagem e colocassem a culpa pelo fracasso escolar inteiramente
no professor, o que não pode ser considerado inteiramente verdade. Para Charlot,
os professores não podem ser vistos nem como heróis nem como vilões:
Por um lado, o professor herói da Pedagogia. Por outro, a vítima, mal paga e sempre criticada. Falta o professor normal, que trabalha para ganhar um salário e sustentar sua família, que vive situações esgotantes e, também, prazeres dos quais pouco fala, que se sente objeto de críticas, mas, afinal de contas, orgulha-se do trabalho feito (CHARLOT, 2013, p. 106).
76
É desse professor, simplesmente humano e profissional, que
tratamos, é ele que está em falta. Ele não pode ser considerado apenas vítima das
circunstâncias nem um herói com poderes miraculosos. A ideia que muitos alunos
ainda fazem dos professores está relacionada a essa situação do professor que
poderia e deveria ser mais comprometido e fazer mais, mas não o faz. Não se deve
apenas condenar o professor quando seu trabalho não flui da maneira adequada,
mas procurar encontrar as causas de esse trabalho não acontecer como deveria.
Vimos, anteriormente, que, segundo os alunos pesquisados, a maior
reclamação dos professores está na falta de interesse demonstrado por seus alunos
em suas aulas. Uma das maiores reclamações dos alunos que responderam ao
questionário em relação aos seus professores está relacionada com a irritação e
com a falta de interesse deles pelos alunos. As condições de trabalho com as quais
os professores se defrontam nas escolas onde estes estão inseridos, com a falta de
recursos, o estresse, as condições externas nas quais estão vivendo devem ser
levadas em consideração para não cair em um discurso vazio, em que apontar o
outro como culpado resolveria todos os problemas. Para Charlot (2013, p. 107),
assim como não existem heróis e vítimas na docência, também não existem apenas
culpados e inocentes, todos os envolvidos no processo são dotados de uma parcela
de responsabilidade, tanto pelo sucesso quanto pelo fracasso.
Outro fator que é alvo de muitas discussões na sociedade atual
versa sobre o salário dos professores. Foi realizada uma pergunta aos alunos
indagando-os se eles veem o salário dos professores como condizente com as
atividades realizadas no exercício de seu trabalho. As porcentagens das respostas
para esta questão se encontram no gráfico a seguir:
77
Gráfico 2 - A profissão dos professores tem salários condizentes com as atividades que realizam?
12
28
17
2022
1
0
5
10
15
20
25
30
Valorização econômica %
Valorização econômica %
Fonte: O autor (2015).
De acordo com as respostas dos alunos, eles não entendem que os
salários dos professores condizem com as atividades que desempenham. Um total
de 28% dos alunos respondeu que concordam parcialmente que a atividade dos
professores é valorizada economicamente. Apenas 12% dos respondentes
entendem que o salário que os professores recebem é condizente com a atividade
que desenvolvem. Para 40% dos alunos, os professores não recebem o salário que
deveriam receber pelo desempenho de seu trabalho. De maneira geral, os dados
presentes no gráfico mostram que os alunos valorizam o trabalho de seus
professores, de onde se supõe estarem de acordo que os professores recebam um
salário superior ao que recebem atualmente.
As respostas dissertativas sobre esta informação concordam com os
números apresentados no gráfico acima: por exemplo, os alunos 2 e 17, que
afirmam ser o salário dos professores menor do que eles merecem e que, portanto,
deveriam receber mais.
78
Para o aluno 6, os baixos salários são determinantes no
comportamento, às vezes, agressivo dos professores em sala de aula. Para toda
expressão que desagrade os alunos, eles utilizam o termo revoltado em relação aos
professores:
Aluno 6 – Acho que é por isso que os professores entram em sala de aula já meio revoltados.
O aluno 11 relaciona a greve dos professores do Estado do Paraná,
realizada no ano de 2015, com os baixos salários dos professores, o que tem um
fundo de verdade, pela defasagem dos salários dos professores do Estado, que
ainda não haviam recebido a reposição salarial no momento da escrita desta
dissertação, embora o motivo principal da greve do início do ano tenha sido a luta
pela manutenção do plano de cargos e carreira e relacionado com o fundo de
previdência social dos funcionários públicos do Estado.
O aluno 15 demonstra conhecer a diferença entre salários dos
professores estaduais do Brasil, afirmando que dependem de estado para estado,
que podem ter uma alteração muito grande.
As respostas dos alunos reconhecendo serem os salários dos
professores abaixo do ideal não tem só o aspecto positivo da valorização dos
professores por partes destes, também implica decisão de muitos em não optar por
seguir na profissão docente, relacionando os baixos rendimentos a uma situação
que não desejam para o futuro, ainda que, como no caso dos professores da rede
pública do Estado do Paraná, haja um plano de cargos e carreiras com possibilidade
de progressão e aumento dos rendimentos com a realização de cursos e da
avaliação institucional.
3.4 A VISÃO QUE A OS ALUNOS TÊM DA PROFISSÃO DOCENTE
Nesta seção, analisamos como os alunos veem o trabalho dos
professores e sua valorização pela sociedade, passando pela valorização
econômica e social, o que reflete na importância dada para o seu trabalho e na
maneira como os alunos se comportam perante os professores em sala de aula.
Há uma grande discussão sobre o valor de remuneração ideal para
o trabalho dos professores. Sendo os rendimentos um dos fatores de análise da
79
valorização de uma profissão em nossa sociedade capitalista, como mencionado em
nosso referencial teórico, este valor pago para os profissionais de determinada
atividade diz muito sobre como eles são vistos em relação aos outros trabalhadores.
Da mesma maneira, fora dos muros das escolas, de acordo com as
respostas dos alunos, os professores são vistos como essenciais para sua
formação, pois a profissão docente é considerada determinante na formação dos
alunos para as mais diversas profissões. Isso pode ser evidenciado na observação
do gráfico abaixo sobre a importância que alunos atribuem ao trabalho dos
professores.
Gráfico 3 - O trabalho dos professores é importante para você?
83
8 4 50
0102030405060708090
Valorização pelo aluno %
Valorização pelo aluno %
Fonte: O autor (2015).
Com mais de noventa por cento das respostas sendo positivas em
relação à importância da profissão docente, é perceptível a existência de uma
relação de respeito por parte de grande parcela dos alunos respondentes da
pesquisa em relação à atividade realizada por seus professores, o que é
contraditório com o comportamento deles em sala de aula. Nenhum aluno
respondeu que discorda totalmente da importância dos professores para as suas
vidas, o que implica em uma visão da profissão de professor de maneira positiva
pela maioria dos alunos respondentes.
80
De acordo com a resposta dos alunos, apresentadas a seguir, fica
clara a importância dos professores no auxílio à aprendizagem em sala de aula.
Aluno 11 - Os professores passam o conhecimento necessário para termos um bom futuro, onde sozinhos, em alguns casos não somos capazes de entender de forma conclusiva.
Aluno 13 – Sem os professores ficaria difícil a preparação para entrar em uma universidade pública.
Aluno 16 – Para mim é a profissão do professor que vai ajudar nós alunos a aprender mais.
Não podemos deixar de observar a preocupação do aluno 13 em
relação à continuidade de seus estudos, o que é a realidade para muitos formandos
do ensino médio, que veem no prosseguimento de sua formação acadêmica uma
oportunidade para melhorar suas condições materiais de existência, evidenciando
que a formação de nível superior está atrelada a uma condição de melhor colocação
no mercado de trabalho.
Nem todas as respostas são totalmente favoráveis aos professores,
mesmo com o alto índice de respostas na questão fechada reconhecendo a
importância do trabalho docente. Para o aluno 10, há alguns professores que não
realizam suas atividades a contento, não se esforçando como deveriam:
Aluno 10 – Sim, sem eles não aprenderia, mas acho que poderiam se esforçar mais para realizar seu trabalho.
A partir das respostas dos alunos, percebe-se que o trabalho dos
professores permanece com grande importância social, apesar de não ter a
valorização econômica e de seu trabalho ter grande concorrência com a
disponibilização de outras fontes de conhecimentos. O trabalho dos professores é
entendido como de grande importância para as futuras gerações. Mas a situação se
complica quando essa importância dada pelos alunos é associada apenas ao
trabalho do professor, não passando para seus filhos a ideia de que eles também
são responsáveis por sua formação e que devem contribuir com os profissionais da
docência em sala de aula nessa busca.
81
3.5 OS SABERES DOCENTES
Ser professor implica em mais que ter uma formação específica para
realizar essa atividade profissional. Para a realização de um trabalho de qualidade
essa formação deve ser constante e levar em considerações saberes conhecidos
como atitudinais, além dos conhecimentos disciplinares e pedagógicos. Na
subseção 3.5.1, analisamos a formação dos professores, principalmente a formação
continuada. Na subseção 3.5.2, procedemos a análise de como a experiência dos
professores pode refletir em seu trabalho em sala de aula para os alunos que
responderam ao questionário, relacionando-a com o conhecimento disciplinar.
3.5.1 A formação dos professores
Um dos problemas que abordamos no referencial teórico é a
aceleração da formação inicial dos professores nas licenciaturas, o que é um
excelente negócio para as instituições de ensino superior, principalmente as
privadas, que abrem novas vagas, novos cursos e têm sua clientela renovada de
forma cada vez mais rápida. Entretanto, pode ser um problema quando não
possibilita a formação adequada para os futuros profissionais da docência.
A atividade docente exige uma atualização constante, que pode ser
conquistada com a formação continuada de qualidade, por meio de cursos que
apresentem a resolução de problemas vivenciados na prática docente e estudos de
concepções didáticas e pedagógicas. Mas, infelizmente, muitos desses cursos
também são aplicados em um modelo de aceleração para que os docentes
obtenham certificação e carga horária para elevação na carreira, o que acaba
prejudicando a sua qualidade e a finalidade para a qual eles deveriam ser utilizados.
De acordo com o que apresentamos no referencial teórico, é
fundamental que os professores continuem se aperfeiçoando para melhorar a sua
prática. Perguntamos para os alunos sobre a importância da continuidade dos
estudos por parte dos professores e obtivemos o gráfico abaixo:
82
Gráfico 4 - A continuação dos estudos por parte dos professores é importante?
83
123 1 1
0
50
100
Concordo
totalmente
Concordo
parcialmente
Não concordo
nem discordo
Discordo
parcialmente
Discordo
totalmente
Formação Continuada %
Formação Continuada %
Fonte: O autor (2015).
Muitos dos alunos que participaram da pesquisa têm consciência da
importância da realização de novos cursos para o trabalho dos professores. Isso é
confirmado pelo índice de 95% dos alunos que responderam ser importante que os
professores continuem estudando. Apenas 2% dos alunos não consideram
importante a formação dos professores em atividade. Esses números coincidem com
aquilo que apresentamos no referencial teórico, em que foi apresentada a
importância da formação continuada para a capacitação e atualização dos
profissionais da docência.
Os alunos creditam a melhoria do ensino à realização de cursos
pelos professores porque acreditam que dessa maneira os professores se tornam
mais capacitados para o trabalho, podendo fazer com que os alunos aprendam
mais:
Aluno 1 - Os professores devem continuar estudando para obter conhecimentos e transmitir aos alunos.
Nestas respostas, novamente está o discurso da transmissão da
responsabilidade pela aprendizagem para o esforço realizado pelo professor. Para
os alunos, estudar é visto como um sinal de preocupação com o trabalho docente e
com a aprendizagem dos alunos. Mas, como defendido anteriormente, o que poderia
melhorar os estudos dos professores e dos resultados em sala de aula são cursos
que levassem os docentes à reflexão de sua prática cotidiana.
83
Aluno 15 – O mundo traz coisas novas todos os dias e o professor deveria acompanhar todas estas mudanças.
Aluno 16 – Sim, para sempre ter mais professores dispostos a passar coisas novas para os alunos.
Aluno 17 – Quanto mais o professor sabe, mais sabedoria ele passa para os alunos.
A relação entre a profissão docente e as mudanças na sociedade é
muito importante para que o processo de ensino-aprendizagem não sofra grande
defasagem. Quando o profissional da educação não participa de atualização
profissional e não reflete sobre a própria prática, esta tende a não alcançar os
objetivos almejados. Essa situação pode dificultar o trabalho docente, levando os
professores e os alunos a ficarem desmotivados com as atividades a serem
realizadas. Entretanto, com cursos de formação continuada de qualidade, os
professores podem melhorar seu desempenho em sala de aula e tornar seu trabalho
e as atividades dos alunos mais agradáveis, colaborando tanto para que a relação
professor-aluno melhore quanto o processo de ensino-aprendizagem obtenha os
resultados almejados.
3.5.2 A relação entre o conhecimento disciplinar, a experiência dos professores e
o trabalho docente.
O conhecimento dos conteúdos disciplinares é um dos pilares da
docência e essencial para o início da realização de um bom trabalho por parte dos
professores. Portanto, é um dos requisitos básicos para o profissional que trabalha
na atividade docente ter o domínio dos conhecimentos de sua área de ensino. Sem
esses conhecimentos, não há como o professor sobreviver na profissão por muito
tempo. O gráfico abaixo apresenta as porcentagens das respostas dos alunos em
relação a como eles percebem o domínio de conteúdos por parte dos professores
em suas atividades em sala de aula.
84
Gráfico 5 - Os professores têm domínio dos conteúdos trabalhados em sala de aula?
22
52
159
2
0
10
20
30
40
50
60
Concordototalmente
Concordoparcialmente
Não concordonem discordo
Discordoparcialmente
Discordototalmante
Domínio dos conteúdos %
Fonte: O autor (2015).
Os dados apresentados no gráfico, sobre as respostas dos alunos
em relação ao domínio dos conteúdos por parte dos professores, mostram que para
22% dos respondentes os professores dominam plenamente os conteúdos, 52%
responderam que concordam parcialmente com esta afirmação. A apresentação
desses dados é importante, pois através deles identificamos que apenas 2% dos
alunos não concordam que seus professores dominam os conhecimentos que
precisam ensinar.
Entretanto, quando analisamos as respostas escritas dos alunos,
encontramos uma contradição: alguns dos alunos que participaram da pesquisa
afirmaram que alguns professores estão engessando suas atividades ao depender
excessivamente do material didático, sem explorar outras fontes de conhecimento.
Isso faz com que a repetição dos conteúdos não deixe espaço para a construção de
conhecimentos, o que deixa os alunos em dúvida se os professores dominam os
conhecimentos, mas não os explicam, ou se não os dominam, mas tentam disfarçar
essa falta de domínio passando atividades dos livros didáticos.
Na resposta do aluno 16, essa situação é evidenciada. O aluno
percebe que os professores não têm pleno domínio dos conteúdos de sua própria
disciplina curricular, o que pode prejudicar ou inviabilizar a aprendizagem.
Poderíamos levar em consideração ser uma resposta isolada e sem eco entre os
outros alunos, mas as respostas dos alunos 5, 6, 10, 12 e 13 têm o mesmo tom que
85
a afirmação do aluno 16. Entretanto, isso também pode indicar que os alunos
estarão sinceramente interessados em sua aprendizagem e têm uma avaliação
correta do trabalho de alguns professores, como também pode refletir um
sentimento de aversão cultivado contra alguns professores, sem, no entanto, terem
mencionado seus nomes:
Aluno 5 – Alguns sim.
Aluno 6 – Nem todos os professores têm domínio sobre as disciplinas que lecionam.
Aluno 10 – Às vezes sim, às vezes não, eles devem estar sempre estudando.
Aluno 12 – Depende do professor, alguns não sabem explicar o que sabem.
Aluno 13 – Há alguns que confundem os assuntos e os autores que trabalham em sala de aula.
Aluno 16 – Se o professor não tem domínio da disciplina que trabalha o conhecimento que ele dá, não tem aprendizado.
Na docência, os professores são avaliados pelos alunos o tempo
todo. A aula, quando não segue uma linha de raciocínio coerente e não prende a
atenção dos alunos, é vista como simples perda de tempo por muitos alunos. Mas,
eles também estão atentos às aulas daqueles professores que conseguem
desenvolver os conteúdos e chamar sua atenção para a atividade realizada em sala
de aula, como podemos verificar na resposta do aluno 18:
Aluno 18 – Os professores que têm domínio sobre a matéria acabam tornando a aula mais fácil.
Portanto, os dados apresentados com a transcrição das respostas
dos alunos, estes alunos em especial, responderam que os professores têm domínio
dos conteúdos disciplinares, o que auxilia em seu trabalho e na melhoria da
aprendizagem, apresentando apenas algumas ressalvas em relação ao trabalho
realizado pelos professores em sala de aula.
Também foi apresentado aos alunos o questionamento sobre a
possível relação entre a experiência dos docentes e a melhoria na qualidade das
86
aulas dos professores. Apresentamos a seguir o gráfico com as respostas dos
alunos sobre essa questão:
Gráfico 6 - Professores mais experientes melhoram a qualidade de suas aulas?
49
20 17
8 6
0
10
20
30
40
50
60
Concordoplenamente
Concordoparcialmente
Não concordonem discordo
Discordoparcialmente
Discordototalmente
Experiência dos professores %
Experiência dos professores %
Fonte: O autor (2015).
De acordo com os dados apresentados, pelas respostas obtidas
junto aos alunos, obtém-se um total de 49% dos respondentes concordando
plenamente com a melhoria do trabalho docente com o aumento da experiência.
Esse percentual corrobora com o que Tardif (2014, p. 56) apresenta sobre a
valorização da experiência dos professores na realização de seu trabalho, com sua
identidade sendo fixada pelo exercício da docência, não só sendo professor, mas se
tornando um professor, tanto aos seus olhos como aos olhos dos outros, tendo,
neste caso, o reconhecimento desta identidade por parte de seus alunos.
Como nas respostas de outras perguntas, alguns alunos que
participaram da pesquisa, nas respostas das perguntas abertas, não relacionam a
melhoria nos conhecimentos dos professores com sua experiência em sala de aula.
Para eles, os professores com mais tempo de docência já passaram pelo período de
acomodação na profissão e estão mais interessados em cumprir o tempo de serviço
para a aposentadoria do que na aprendizagem dos discentes. Dessa maneira, para
alguns alunos, no lugar de conquistar mais conhecimentos sobre a disciplina que
lecionam, os professores ficam mais distantes do trabalho com o passar dos anos.
É interessante observar que os alunos aproveitam a oportunidade
das perguntas abertas para solicitar aulas mais diversificadas, criticando as
87
atividades docentes repetitivas que não promovem a interatividade e solicitando
aulas mais dinâmicas como pode ser visto em suas respostas transcritas abaixo:
Aluno 6 – Seria melhor que tivéssemos aulas diferenciadas, todos os dias as aulas são realizadas da mesma maneira.
Aluno 10 – Todos os professores apenas abrem os livros didáticos e mandam responder as perguntas do livro, sem distinção.
Aluno 12 – Quando há formas diferentes de ensinar os alunos se interessam muito mais.
De acordo com estas considerações realizadas pelos alunos 6, 10 e
12, os professores geralmente não modificam a forma de apresentar suas aulas, o
que torna os estudos menos interessantes do que se fossem realizados de outras
maneiras. Isso não significa que os professores devam abandonar as aulas
tradicionais e só realizarem aulas diferenciadas ou com o apoio das novas
tecnologias, mas significa sim que não podem adotar apenas um método de trabalho
o tempo todo, sem adaptações para as necessidades apresentadas durante a
realização de seu trabalho.
A forma com que os alunos enxergam os professores,
principalmente aqueles com mais tempo na docência, pode estar relacionada a dois
fatores. O primeiro fator são as mudanças que ocorrem muito rapidamente no
mundo contemporâneo, principalmente relacionadas com as novas tecnologias da
informação e da comunicação e que geram, em muitos casos, o desprezo para com
a tradição, com a memória e para com as pessoas idosas, o que pode ser
evidenciado pela forma com que muitas pessoas tratam aquelas que têm idade
avançada. O segundo fator é a falta de preparo e, muitas vezes, de educação dos
jovens e adolescentes para conviver com as pessoas que não fazem parte do
mesmo grupo geracional.
3.6 O INTERESSE PELA DOCÊNCIA POR PARTE DOS ALUNOS
Finalizamos este capítulo com a apresentação dos dados da
pergunta sobre o interesse dos alunos em ser futuros professores. O resultado
apresentado, no gráfico abaixo, não nos causou estranhamento, mesmo entre
88
alunos de uma pequena cidade, onde não há muitos empregos disponíveis para
ingressar no mercado de trabalho. A atividade docente não é uma das primeiras
alternativas como opção de futura ocupação para a grande maioria dos
respondentes da pesquisa.
Gráfico 7 - Você tem algum interesse em seguir a profissão de professor?
1
105
18
65
10
10
20
30
40
50
60
70Interesse do aluno pela docência
Interesse pela docência %
Fonte: O autor (2015).
O gráfico acima mostra que o interesse dos alunos em ser professor
é baixo. Somando-se os não respondentes com os que não têm opinião formada a
respeito e com os alunos que não desejam ser professor, verificamos um total de
89% dos participantes da pesquisa. Apenas 1% dos alunos pesquisados
responderam que estão interessados na profissão de professor. Estes percentuais
podem tanto aumentar em alguns pontos com a adesão daqueles que demonstram
alguma tendência para a resposta, 10%, quanto chegar a 0% por cento em caso de
desistência dos alunos que desejam seguir a carreira do magistério.
Levando em consideração que os alunos respondentes estão
cursando o terceiro ano do ensino médio e que as graduações em licenciaturas têm
aproximadamente 40% de evasão no primeiro ano, o interesse pela docência é
muito baixo em relação a outras profissões na mesma faixa de remuneração. Esse
89
desencanto com a profissão docente pode ser explicado, em parte, pelo estresse
gerado no profissional, que, de acordo com Codo (2006, p. 255), atinge 60%
professores.
Esses números corroboram com a hipótese inicial deste trabalho,
segundo a qual há cada vez menos pessoas estão interessadas em seguir a
profissão de professor. Apenas um 1% dos alunos respondentes afirmou ter o
desejo de ingressar na carreira de docente. Mesmo sendo uma profissão com
rendimentos superiores aos oferecidos por outras áreas, como a de prestação de
serviços e do comércio, ser professor acaba sendo preterido, com os alunos optando
pela escolha de outras atividades profissionais. Mesmo que os alunos admirem os
professores, a escolha pela docência não é um dos caminhos que desejam trilhar.
Quando comparamos esse gráfico com a resposta mais repetida
pelos alunos sobre o que é ser professor, na qual eles relacionam os professores
com o futuro, temos um ponto positivo e um negativo. O positivo é a crença na
atividade docente, a despeito de todas as suas dificuldades. O negativo é que, ainda
que acreditem que essa profissão contribui, sobremaneira, para com o futuro, não
querem segui-la. A opção por não seguir a docência gera insegurança com relação
ao futuro da profissão, pois a profissão docente está diretamente relacionada com o
futuro da educação de um país. Serão os jovens de hoje os responsáveis pela
educação das próximas gerações.
Essa situação ocorre principalmente em razão dos problemas
apresentados pelos alunos, como o cansaço, a falta de interesse deles mesmos e o
esgotamento psicológico advindo da grande carga afetiva demandada pela
profissão, conforme apresentado por Codo (2006). Segundo o autor, essa é uma das
profissões mais desgastantes, o que pode culminar, até mesmo, com o abandono da
carreira, que o autor classifica como síndrome de burnout.
Os professores são vistos pelos alunos como verdadeiros heróis por
continuarem em uma atividade que não apresenta o fruto de seu trabalho de
maneira tão evidente como os outros trabalhadores (CODO, 2006, p. 45). Os alunos
admiram os seus mestres, mesmo respondendo nas questões anteriores que o
maior impedimento para a sua aprendizagem seja o desinteresse que demonstram
diante das atividades apresentadas em sala de aula.
90
Um provável esvaziamento da docência gera preocupações quanto
à qualidade do ensino e a formação dos futuros professores, que se apresenta de
forma precária, de acordo com Demo (1994). Concordamos e damos ênfase para a
fala do autor, segundo a qual a docência deveria ser mais atrativa para interessar
aos melhores alunos, o que aumentaria a possibilidade de futuros bons profissionais.
Mas, devido às situações expostas, isso não vem acontecendo, pois os alunos que
se destacam procuram profissões com melhores condições de trabalho, embora, no
caso dos alunos respondentes da pesquisa, essa escolha nem está relacionada
diretamente com a remuneração do trabalho docente.
91
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da grande preocupação com a educação apresentada em
nossa sociedade e da importância do trabalho docente neste contexto, entendemos
como importante apresentar uma visão dos alunos sobre as atividades de seus
professores em sala de aula, verificando como fatores que afetam o cotidiano fora
dos muros escolares, como a reestruturação econômica da sociedade capitalista,
podem afetar o desempenho dos professores e o desenvolvimento de seu trabalho.
Para isso recorremos à apresentação de um histórico da
profissionalização recente, com a instituição e ampliação das instituições formais de
ensino, que se desenvolveram principalmente a partir da Revolução Industrial e
expansão do capitalismo, encontrando o professor inserido neste contexto como
trabalhador da contradição, em uma situação dialética em relação à sociedade na
qual está inserido, não tendo um produto físico para ser trabalhado, trabalhando com
os alunos e com o conhecimento, se objetivando para a realização de suas
atividades.
Verificamos ser necessário para a docência não apenas os saberes
disciplinares, com o conhecimento dos conteúdos escolares. Estes não são
suficientes para que ocorra o ensino; na docência não há dissociação entre o saber
e o fazer, é preciso fazer, construir e não apenas saber. Para isso, os saberes
disciplinares devem estar presentes com os saberes atitudinais ou saberes da
experiência docente e com os saberes pedagógicos, ou seja, como fazer. O
professor não é apenas aquele que sabe determinado conteúdo, o professor é
aquele que sabe fazer com que o conhecimento possa circular, não sendo ele o
dono do conhecimento. Mas o profissional que tem a capacidade de fazer com que,
pelo intermédio de suas ações, os alunos consigam obter a apropriação desse
conhecimento.
Procuramos compreender a questão de gênero envolvida na
transformação da profissão docente em majoritariamente feminina na educação
básica, mesmo que no Ensino Médio essa maioria não seja absoluta, com as
mulheres perfazendo a maioria dos sujeitos envolvidos na atividade docente, sendo
que essa questão de gênero também pode ser vista como uma questão social, já
que podemos ver houve uma migração das mulheres das classes médias para
92
outras atividades enquanto as mulheres das classes populares ascenderam à
docência. Então, a maioria dos professores ainda é formada por mulheres,
principalmente das classes das famílias de trabalhadores da sociedade.
Realizamos a leitura dos avanços e percalços na formação dos
professores, tanto a inicial quanto a continuada, para compreender como esta pode
afetar o trabalho a ser realizado em sala de aula. Com a oferta de disciplinas
específicas em profusão em detrimento da formação pedagógica, verificamos que a
formação continuada, que é uma necessidade da atividade docente, pode ser
realizada com problemas concretos e reflexão sobre a prática, sem prejudicar o
descanso dos professores, servindo de motivação para a melhoria da qualidade do
ensino. A formação continuada não é realizada apenas com cursos regulares, com
emissão de certificação com carga horária, a formação dos professores é
permanente, com a própria sala de aula sendo local para sua aprendizagem. Sendo
assim, os professores são profissionais em constante formação e transformação
para a realização de um trabalho cada vez melhor.
Com professores atualizados, realizando uma reflexão sobre sua
prática, o trabalho docente é facilitado, colaborando para a elaboração de aulas e
atividades com maior possibilidade de sucesso. A relação professor-aluno obtém
resultados melhores com essas práticas dos professores, mostrando respeito aos
seus alunos e preocupação quanto à aprendizagem deles.
Mostramos como a reestruturação da economia afeta a escola, os
professores e os alunos, com o aumento da presença da iniciativa privada no ensino
e a desvalorização do professor como centro difusor de conhecimento, bem como da
escola como referência, quando a informação está presente em todos os lugares a
todo o momento para grande parte da população, com a expansão das novas
tecnologias da informação e da comunicação. A escola não perde seu caráter de
trabalho com o conhecimento historicamente construído pela humanidade,
entretanto ela concorre com outras fontes, que são elaboradas com a intenção de
concorrer com o tempo e a atenção dos alunos, devendo os professores e demais
envolvidos no processo de ensino-aprendizagem a incumbência de criar condições
para que o aluno aprenda.
Esta reflexão é necessária para que o professor possa se realocar
no processo de ensino, não sendo um transmissor de conhecimentos, mas um
93
problematizador que instigue os alunos a construir o conhecimento, para que a
profissão docente não se torne obsoleta, com os professores agindo como
transformadores e construtores da realidade, estimulando seus alunos para que não
sejam apenas reprodutores e aceitem o que está estabelecido.
Construída uma visão sobre a identidade e os desafios a serem
enfrentados pelos professores, partimos para a pesquisa de campo, indagando junto
aos alunos sobre a sua percepção do trabalho docente, bem como a forma como
eles percebem a influência de algumas dessas particularidades quando em sala de
aula com os seus professores.
Ao indagar os alunos sobre a atividade docente, tivemos a pretensão
de ouvir os sujeitos que são afetados diretamente pelo trabalho dos professores,
para que fornecessem informações sobre o impacto dessa atividade sobre a sua
formação acadêmica e cidadã.
A maioria dos alunos que responderam ao questionário percebe a
insatisfação dos professores em sala de aula, que pode ser associada a sintomas da
síndrome de burnout, que afeta principalmente profissionais da saúde e da
educação, podendo ser um dos motivos (a insatisfação demonstrada no trabalho)
que façam com que os alunos não queriam ser professores.
De acordo com as respostas dos alunos e sua análise, podemos
inferir que o trabalho dos professores é de grande importância para eles. Entretanto,
algumas considerações devem ser feitas em relação à percepção que estes alunos
têm do trabalho docente.
Mesmo com os avanços nos últimos anos, como a implantação do
piso salarial nacional, os professores não têm rendimentos compatíveis com outras
profissões de nível superior. Por causa dos salários e das condições de trabalho, os
alunos não veem a docência como atrativa para uma futura profissão.
Contrariando-nos, para grande parte dos alunos os professores
ainda são o centro de referência quanto ao conhecimento, mesmo que isso ocorra
por causa do comodismo e da falta de iniciativa, sendo que dois aspectos ganham
importância para a realização do trabalho dos professores, na visão dos alunos, a
experiência com o trabalho em sala de aula e a formação dos alunos, que valorizam
os professores que continuam estudando, sendo a continuidade da formação dos
professores, para estes alunos, uma característica inerente à profissão docente, seja
94
em instituições formais, como universidades, seja através do aperfeiçoamento
pessoal, buscando novos conhecimentos para enriquecer suas atividades em sala
de aula.
Verificamos que os alunos reconhecem ser seu comportamento
inadequado em sala de aula, sendo, consequentemente, o fruto da maioria das
reclamações dos professores. Os alunos desejam aulas diferenciadas, o que
necessariamente não poderia ser convertido em aprendizagem. Dessa forma, o
trabalho dos professores é afetado negativamente quando não há o envolvimento
dos alunos nas atividades propostas e um processo de cooperação com os afazeres
docentes.
É preocupante, mesmo que os alunos mudem de opinião com o
decorrer do tempo, que poucos alunos tenham interesse pela docência, inclusive
com alguns acreditando que a profissão docente seja um trabalho para pessoas
menos qualificadas, chamando os professores de loucos. Mas isso não quer dizer
que eles não tiveram outra escolha na vida, como escreveu um aluno em sua
resposta sobre o que é ser professor.
Esse trabalho, com os alunos sendo o foco da pesquisa, tem caráter
inicial e pode suscitar novos questionamentos que podem ser trabalhados em novas
pesquisas, tanto com alunos quanto com professores. Acreditamos ter alcançado
nosso objetivo de apresentar quem é o professor na visão dos alunos, já que temos
muitas pesquisas que apresentam as respostas dos professores sobre o que é ser
professor e quem são os professores.
95
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100
APÊNDICE – Questionário
Questionário Gênero: Masculino ( ) Feminino ( ) Outro ( ) _______________
Idade: 16 anos ( ) 17 anos ( ) 18 anos ( ) 19 anos ( ) Mais de 19 anos ( )
1. Defina a profissão docente (o que é ser professor) em uma palavra: ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
2. O que mais dificulta os professores a dar aulas, do que eles mais reclamam?
Comentários: _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
3. Você percebe que seus professores estão felizes para a realização de seu
trabalho? □ Concordo totalmente □ Concordo parcialmente □ Não concordo nem discordo □ Discordo parcialmente □ Discordo totalmente
Comentários: _______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
4. A profissão de professor tem a valorização econômica (salários), condizente com suas atividades?
□ Concordo totalmente □ Concordo parcialmente □ Não concordo nem discordo □ Discordo parcialmente □ Discordo totalmente
Comentários: ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
101
5. A profissão de professor é importante para você? □ Concordo totalmente □ Concordo parcialmente □ Não concordo nem discordo □ Discordo parcialmente □ Discordo totalmente
Comentários: _______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
6. Você acha que os professores devem continuar estudando? □ Concordo totalmente □ Concordo parcialmente □ Não concordo nem discordo □ Discordo parcialmente □ Discordo totalmente
Comentários: ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
7. Para você os professores têm domínio dos conhecimentos de suas disciplinas?
□ Concordo totalmente □ Concordo parcialmente □ Não concordo nem discordo □ Discordo parcialmente □ Discordo totalmente
Comentários: ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
8. Professores mais experientes melhoram a forma de dar aulas? □ Concordo totalmente □ Concordo parcialmente □ Não concordo nem discordo □ Discordo parcialmente
Comentários: ______________________________________________________________________________________________________________________________________
102
______________________________________________________________________________________________________________________________________
9. Você tem algum interesse em seguir a profissão docente? □ Concordo totalmente □ Concordo parcialmente □ Não concordo nem discordo □ Discordo parcialmente □ Discordo totalmente
Comentários: _______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________