Práticas de Fansourcing · 9 Newbie ou noob é uma gíria para designar novatos ou neófitos em...

21
Práticas de Fansourcing: estratégias de mobilização e curadoria musical nas plataformas musicais Adriana Amaral 1 Music makes the people come together/ Music mix the bourgeoisie and the rebelsMusic - Madonna Introdução O presente ensaio de cunho exploratório parte da observação de algumas estratégias de mobilização e curadoria da memória musical (Jennings, 2007) a partir dos fãs de música em plataformas digitais como Twitter, You Tube e Facebook entre outras. A questão aqui levantada, para além da problematização e de uma possível taxonomia das práticas, remete à ordem da experiência, dos afetos e da materialidade do conteúdo musical em sua circulação e consumo 2 através dos fãs e seus perfis de sites de redes sociais e outras ferramentas on-line. Nesse sentido, indico a intersecção do on-line com o off-line nessas práticas, em uma relação de contiguidade e atravessamento entre diferentes suportes, linguagens e formas de compartilhamento e armazenamento que esteve relacionada ao ritual simbólico característico do “ser fã de música” desde suas primeiras manifestações, além de contribuírem para a possível construção do branding musical tanto dos artistas quanto dos gêneros. 1 Professora e pesquisadora do Programa de Mestrado e Doutorado em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná. Bolsista do CNPq (Nível 2). E-mail: [email protected] Twitter: @adriamaral 2 As concepções de consumo no âmbito das reconfigurações comunicacionais a partir das tecnologias de comunicação e informação são múltiplas e abordam uma gama variada de autores, fugindo assim ao escopo do artigo. Para fins meramente didáticos, indico a definição de consumo autoral (MORACE, 2009), no qual o consumidor-autor oscila entre uma menor influência das marcas através dos mecanismos estratégicos da publicidade e a cooptação e conseqüente padronização pelas grandes corporações, em um “choque entre tendências de consumo e estratégias de marketing que se tornaram expressão de uma lógica conceitual e comportamental “oposta” ao mainstream sociocultural” (MORACE, 2009, p.11)

Transcript of Práticas de Fansourcing · 9 Newbie ou noob é uma gíria para designar novatos ou neófitos em...

Page 1: Práticas de Fansourcing · 9 Newbie ou noob é uma gíria para designar novatos ou neófitos em determinados assuntos, temáticas, cenas musicais ou subculturas. A palavra se origina

Práticas de Fansourcing: estratégias de mobilização e

curadoria musical nas plataformas musicais

Adriana Amaral1

“Music makes the people come together/ Music mix the bourgeoisie and the rebels”

Music - Madonna

Introdução

O presente ensaio de cunho exploratório parte da observação de algumas

estratégias de mobilização e curadoria da memória musical (Jennings, 2007) a partir dos

fãs de música em plataformas digitais como Twitter, You Tube e Facebook entre outras.

A questão aqui levantada, para além da problematização e de uma possível taxonomia

das práticas, remete à ordem da experiência, dos afetos e da materialidade do conteúdo

musical em sua circulação e consumo2 através dos fãs e seus perfis de sites de redes

sociais e outras ferramentas on-line.

Nesse sentido, indico a intersecção do on-line com o off-line nessas práticas, em

uma relação de contiguidade e atravessamento entre diferentes suportes, linguagens e

formas de compartilhamento e armazenamento que esteve relacionada ao ritual

simbólico característico do “ser fã de música” desde suas primeiras manifestações, além

de contribuírem para a possível construção do branding musical tanto dos artistas

quanto dos gêneros.

                                                                                                                         1  Professora e pesquisadora do Programa de Mestrado e Doutorado em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná. Bolsista do CNPq (Nível 2). E-mail: [email protected] Twitter: @adriamaral  

2 As concepções de consumo no âmbito das reconfigurações comunicacionais a partir das tecnologias de comunicação e informação são múltiplas e abordam uma gama variada de autores, fugindo assim ao escopo do artigo. Para fins meramente didáticos, indico a definição de consumo autoral (MORACE, 2009), no qual o consumidor-autor oscila entre uma menor influência das marcas através dos mecanismos estratégicos da publicidade e a cooptação e conseqüente padronização pelas grandes corporações, em um “choque entre tendências de consumo e estratégias de marketing que se tornaram expressão de uma lógica conceitual e comportamental “oposta” ao mainstream sociocultural” (MORACE, 2009, p.11)

 

Page 2: Práticas de Fansourcing · 9 Newbie ou noob é uma gíria para designar novatos ou neófitos em determinados assuntos, temáticas, cenas musicais ou subculturas. A palavra se origina

A proposta aqui delineada procura ultrapassar o discurso teórico do novo como

julgamento de valor na construção do objeto, e, afinada ao que aponta Sterne (1999, p.

259) ao desenvolvimento de alternativas que extrapolem as concepções sobre a internet

como um local autônomo e revolucionário, descolado de outras práticas sociais, mas

sim como integrada a outras dimensões sociais cotidianas e banais.

A fim de ilustrar esse panorama, observei de forma randômica – e através de

uma abordagem híbrida - alguns aspectos da complexidade desse fenômeno ora em

contextos macro ora pelas lentes da micro-análise através da observação e da crítica das

práticas de uso estratégico de informações coletadas por audiências musicais (os fãs),

doravante denominadas como fansourcing (Baym, 2009, Online).

A mobilização de fãs de artistas de cunho pop3 como Depeche Mode, Lady Gaga

e Justin Bieber - de certa forma ainda atrelados aos modelos massivos da indústria

fonográfica - tanto como manifestações de artistas mais de nicho como Amanda

Palmer, Trent Reznor e um gênero de música alternativa como o EBM4 (via divulgação

do Dia do EBM, doravante indicado como #ebmday) são performatizadas através de

novas práticas que ainda articulam a mediação musical (Sá, 2009) nos âmbitos on-line e

off-line, como a classificação de gêneros e divulgação da marca/nome do artista através

do uso das tags, as flashmobs sobre determinados artistas ou canções, o lipdub (em uma

intersecção das práticas de vídeo e dublagem)5 e a produção de mixtapes6, entre outras.

                                                                                                                         3 “Por definição, a música pop também pode ser denominada de música popular. Isto diz respeito a uma classificação que envolve músicas as quais sejam atribuídos os seguintes critérios de popularidade: vendas de discos, público em shows e transmissão exaustiva em diversos meios de comunicação. Mas também existe um gênero musical chamado pop” (MONTEIRO, 2010, p.03). Embora as discussões de pop enquanto gênero sejam extremamente férteis, aqui tomamos pop no sentido mais “senso comum” do termo, como sinônimo de popular. 4  Electronic Body Music – Subgênero de música eletrônica alternativa, criado na Bélgica nos anos 80.  

5 De acordo com a Wikipedia, “a lip dub is a type of video that combines lip synching and audio dubbing to make a music video. It is made by filming individuals or a group of people lip synching while listening to a song or any recorded audio then dubbing over it in post editing with the original audio of the song”. O lipdub deve primar por valores como: espontaneidade, autenticidade, participação e diversão. http://en.wikipedia.org/wiki/Lipdub

6  Uma prática de compilação de canções (por gêneros, artistas, anos, ou aspectos mais subjetivos etc) originalmente gravada em fitas-cassete e, atualmente produzidas e compartilhadas on-line em sites como o Mixtape.me (http://mixtape.me/) . “

 

Page 3: Práticas de Fansourcing · 9 Newbie ou noob é uma gíria para designar novatos ou neófitos em determinados assuntos, temáticas, cenas musicais ou subculturas. A palavra se origina

Diferentes em certos aspectos – sejam eles estruturais, econômicos, estéticos ou

técnicos – contudo, tais práticas apresentam características de remediação (Bolter &

Grusin, 2000) de formatos midiáticos anteriores a essas tecnologias, como, por

exemplo, os quadros de dublagem de auditório, os fãs-clubes presenciais, a gravação de

fitas cassetes para trocas com outros fãs, a “cultura do cover”, entre outros.

1. Características das plataformas de música e suas apropriações

Diversos estudos (Liu, 2007; Amaral, 2009; Baym & Ledbetter, 2008, entre

outros) observam a emergência de práticas sociais e a constituição das principais

características dos perfis nos sites de redes sociais de voltadas à música7 em uma

construção simbólica dessas plataformas, delimitadas a partir das apropriações8 dos

perfis nelas inseridos (como músicos, produtores, DJs ou fãs e participantes de alguma

cena musical, por exemplo).

A literatura sobre a temática enfatiza as negociações e a organização em torno da

música como maneiras de composição da memória e das identidades das audiências a

partir das relações ali travadas.

Consideramos a produção e a classificação de conteúdo musical gerado pelos usuários (artistas/fãs) em rede como elemento de arquivamento informativo da memória musical, consciência de audiência segmentada em termos de identidade online. (Amaral, 2009, Online)

Tabela 1

                                                                                                                         7 Para apontamentos específicos sobre as plataformas de música em si, ver Amaral (2009).

8 A compreensão de apropriação das tecnologias compreende tanto as dimensões históricas quanto técnicas e simbólicas que dizem respeito das materialidades e das possibilidades de uso das ferramentas digitais pelos internautas.

Page 4: Práticas de Fansourcing · 9 Newbie ou noob é uma gíria para designar novatos ou neófitos em determinados assuntos, temáticas, cenas musicais ou subculturas. A palavra se origina

Apropriações das plataformas de música:

Personalização musical

Fruição dos bens simbólicos

Compartilhamento de preferências

Circulação da música

Traçado simbólico de relacionamentos

Banco de dados de informações musicais

Memória social

Reputação e constituição da marca

Recomendação

Organização hierárquica em torno da música

Consciência de audiência segmentada

Fonte: AMARAL, 2010

Os aspectos de ordem mais generalista da cultura da música nas plataformas

digitais – aleatoriamente compilados a partir de estudos anteriores (Tabela 1) - são

essenciais para a compreensão dos fluxos e dinâmicas emergentes. A personalização

musical acontece em cada escolha de auto-representação, seja no compartilhamento de

playlists, no visual das fotos editadas para o avatar, nos vídeos postados e no próprio

lay-out do perfil, por exemplo, indicando o partilha de experiências musicais expressas

em preferências de gênero, como na tagcloud do Last.fm (Figura 1) que indica a

vinculação do perfil aos subgêneros da música eletrônica como house, cosmic disco,

deep house, etc relacionada a carreira como DJ, relacionando tanto dimensões sensíveis

como a personalidade e uma de discurso de visibilidade profissional.

Page 5: Práticas de Fansourcing · 9 Newbie ou noob é uma gíria para designar novatos ou neófitos em determinados assuntos, temáticas, cenas musicais ou subculturas. A palavra se origina

Figura 1 – Tagcloud de gêneros musicais do perfil do DJ Raul Aguilera no Last.fm

Tais informações colaboram tanto para a circulação da música e para a

constituição de um banco de dados, facilitando o acesso à busca e à retenção de

informações, assim como compõem um frame de acesso à memória musical coletiva,

atentando ora para as funções de recomendação do sistema (no caso de bandas ou

músicas dentro de um mesmo estilo, ou que possuam semelhanças, sejam elas sonoras,

estéticas, melódicas ou visuais) ora para a própria autoridade e reputação do perfil.

O maior ou menor grau de “expertise” demonstrado visual/sonoramente pelo

perfil pode conferir ao seu “autor” um papel distintivo dentro das relações sociais que

constituem a organização em torno da música – seja ela nos fandoms, nas comunidades

on-line ou mesmo no âmbito profissional de quem trabalha com música por exemplo.

Assim, o tracejado simbólico de relacionamentos sofre alterações em seu design social,

podendo constituir linhas mais finas como as dos newbies9 (novatos) recém inseridos

em determinada subcultura ou traços mais espessos, como a dos atores sociais mais

antigos na cena, por exemplo, que atuam como espécie de “consultor” ou “mentor” em

uma cultura de amadores.

                                                                                                                         9 Newbie ou noob é uma gíria para designar novatos ou neófitos em determinados assuntos, temáticas, cenas musicais ou subculturas. A palavra se origina de “new boy”, gíria militar norte-americana. O dicionário de língua inglesa Longman (2005, p. 1105) aponta uma conotação relacionada à informática e à cultura nerd para esse termo informal: “Alguém que recentemente começou a fazer algo, em especial utilizar a Internet ou computadores” [original: “Someone who has just started doing something, especially using the Internet or computers” ]

Page 6: Práticas de Fansourcing · 9 Newbie ou noob é uma gíria para designar novatos ou neófitos em determinados assuntos, temáticas, cenas musicais ou subculturas. A palavra se origina

Essas operações são negociadas de forma complexa entre os diversos atores

sociais que participam da performance afirmativa de gosto (Liu, 2007) conotadas via

perfil e que são parte do ato de fruição da música como bem simbólico, incluindo a

própria confecção de uma espécie de “marca musical” disseminada não apenas nos

aspectos sonoros (a recomendação das canções per se em seu formato MP3 por

exemplo) mas em outras linguagens como o texto (os escritos sobre a música, críticas,

comentários, links e hipertextos, as letras das músicas), o visual (a fotografia de festas,

shows, artistas ou capas de álbum e a própria vestimenta do avatar do perfil e até

mesmo) e o áudio-visual (os videoclipes, as paródias, os vídeos de trechos de shows,

etc).

Além disso, esse fluxo de informações perpassa a materialidade off-line

desdobrada em afetos de várias ordens: desde encontros presenciais, nas roupas, no

resgate de suportes “lowtech” como o vinil e as fitas-cassete – emuladas em uma

nostalgia “hightech” quando compartilhadas no formato de mixtape (Figura 2) e na

sensorialidade de outros sentidos que amplificam o processo de audibilidade como tato

e olfato por exemplo.

Figura 2 – MixTape criada digitalmente emulando uma suposta “mídia morta”

1.1 Das práticas dos fãs – por uma abordagem entre o macro e o micro

As negociações simbólicas identitárias que ocorrem nesse entorno legitimam

outras práticas que, de certa forma, podem constituir uma organização social da cultura

dos fãs de música, num sentido que pode ser atribuído ao que Raymond Williams

(1992, p.208) denominava como organização social em torno das práticas culturais:

Page 7: Práticas de Fansourcing · 9 Newbie ou noob é uma gíria para designar novatos ou neófitos em determinados assuntos, temáticas, cenas musicais ou subculturas. A palavra se origina

“Assim a organização social da cultura, como um sistema de significações realizado,

está embutido em uma série completa de atividades, relações e instituições, das quais

apenas algumas são manifestamente “culturais”.

Para iniciar podemos definir a relação entre as práticas midiáticas e cultura popular como um conjunto de práticas relacionadas com o consumo de meios audiovisuais digitais (câmeras, TV, Internet) que acontecem preferencialmente durante o tempo de ócio (no espaço social pessoal) e que conduzem a práticas relacionadas também com a sociabilidade em termos de criação e manutenção de relações sociais afetivas e de solidariedade (familiares, de amizade) e em termos de construção de identidades pessoais e coletivas (ARDÈVOL & SAN CORNELIO, 2007: 03)10

Igualmente importante é pensar nas noções de prática em uma abordagem que

transita entre o micro e o macro, uma vez que, como afirma Fleury (2009, p. 16) não

queremos reduzi-las apenas a um sinônimo de comportamento, mas pretende-se pensá-

las em termos de representações e dos contextos teóricos em que estão inseridas. A

compreensão deste objeto multifacetado que são as práticas de fansourcing pode ser

observada metodologicamente tanto como cultura, como artefato cultural e como mídia

(Amaral, 2010), na medida em que seus efeitos se articulam em um circuito que

contempla diferentes dinâmicas, textualidades e significações que fazem parte do

cotidiano, mesmo que em diferentes contextos sócio-culturais.

A aparente banalidade dessas práticas - que de forma alguma são inventadas

pelo on-line - mas que amplificam seu poder de divulgação pelo caráter de viralidade

ou que Boyd (2009) caracteriza como “replicabilidade”11– e que se desconstroem e se

reconstroem a partir dessa trivialidade cotidiana, na qual precisamente “reside o poder

dessas redes” (POSTHILL, 2010, Online).

                                                                                                                         10 Tradução: “Para empezar podemos definir la relación entre prácticas mediáticas y cultura popular como un conjunto de prácticas relacionadas con el consumo de medios audiovisuales digitales (cámaras, TV, Internet) que se realizan preferentemente durante el tiempo de ocio (en el espacio social personal) y que conllevan prácticas relacionadas también con la sociabilidad en términos de creación y mantenimiento de relaciones sociales afectivas y de solidaridad (familiares, de amistad) y en términos de construcción de identidades personales y colectivas”. (ARDÈVOL & SAN CORNELIO, 2007: 03)  

11 Segundo a autora (BOYD, 2009, 30), a arquitetura e organização das culturas on-line afetam nossas práticas sociais. Ela indica quatro propriedades de sociabilidade mediada que devemos manter em mente quando estudamos esses comportamentos: persistência (aquilo que perdura), buscabilidade (a capacidade de ser encontrado), replicabilidade (viralização) e audiência invisível (a recepção).

Page 8: Práticas de Fansourcing · 9 Newbie ou noob é uma gíria para designar novatos ou neófitos em determinados assuntos, temáticas, cenas musicais ou subculturas. A palavra se origina

Assim, análise é pontuada pela construção dos objetos a fim de que eles nos

permitam seguir as práticas e os atores sociais em suas performances, levando em conta

não apenas a dimensão simbólica, mas também a dimensão material. A abordagem

praxeológica proposta funciona como um entrelaçado que envolve “representação

(narrativas), práticas (agenciamentos) e materialidade (infraestrutura)” (Ardevól et al,

2008, p.01). Alguns pontos dessas dinâmicas em fluxo merecem ser destacados e farão

demarcam as observações e críticas discutidas na próxima sessão do texto. Dentre elas:

A categorização, classificação e colecionismo indicados através da

preocupação com a variedade de tags coletadas a partir dos estilos musicais,

contribuindo para a análise dos usos e formas de colecionismo de música on-line

através do social tagging. (Amaral e Aquino, 2009) Tais práticas são amplificadas pela

infra-estrutura e pelo ambiente das plataformas, embora já ocorressem nas discussões

off-line, na crítica e na imprensa especializada e em outros fóruns de encontro como

festas, shows, etc.

O processo de hibridização entre gêneros como mediadores da música a partir

da escrita das tags e a conseqüente construção de autoridade dentro das cenas ou

cybercenas a partir das recomendações. (Amaral, 2007).

Disputas simbólicas de capital subcultural (Thornton, 1996) e DIY (Do It

Yourself12) dos fãs (Jenkins, 2006). A noção de capital subcultural cunhada por

Thornton13 (1996, p. 11) em relação ao capital social de Bourdieu em sua pesquisa com

a subcultura clubber torna-se um elemento representativo tanto para a representação dos

perfis em suas narrativas de autenticidade e regras para o pertencimento; quanto para as

práticas propriamente ditas - como no exemplo de esconder músicas desligando o

scrobble (rastreador) do Last.fm porque elas não combinam com o perfil/identidade

musical (Amaral & Aquino, 2009).

                                                                                                                         12 Faça Você Mesmo.

13 Inserida dentro dos estudos pós-subculturais, a autora desvincula a categoria classe social, central para a concepção de capital social de Bourdieu do capital subcultural por considerar que as hierarquizações e distinções se objetificam de forma diferente dentro desses grupos específicos. No entanto, formulo aqui uma hipótese a ser observada em estudos futuros, de que nas relações de disputas midiáticas entre as diferentes subculturas a classe social ainda parece importar, tanto em relação ao tipo e formato de consumo e práticas quando em relação aos discursos de uma para com a outra.

Page 9: Práticas de Fansourcing · 9 Newbie ou noob é uma gíria para designar novatos ou neófitos em determinados assuntos, temáticas, cenas musicais ou subculturas. A palavra se origina

A definição de capital subcultural como uma espécie de forma de “hipness”14

aparece aqui como uma senha para compreensão de que a performatização para o outro

é o que está em jogo. “Capital subcultural confere status ao seu proprietário nos olhos

do seu espectador relevante (...) O capital subcultural pode ser objetificado ou

corporificado”15. Sua objetificação se dá no âmbito das coleções de discos ou dos cortes

de cabelo, enquanto que sua incorporação se dá “na forma de “saber o que é preciso”,

como, por exemplo, no uso de gírias específicas ou no fazer a coreografia do momento.

O “Faça-Você-Mesmo” dos fãs acontece através de práticas audiovisuais e de

mobilização como o lipdub ou as flashmobs, entraria como uma corporificação já que

participar desses “acontecimentos midiáticos’ implica aprender as coreografias e/ou as

letras das músicas em um processo cognitivo e de engajamento corporal através de

diferentes linguagens extra-musicais como o teatro, a performance e a dança. Enquanto

objetificação, o DIY dos fãs pode ser relacionado às apropriações dos materiais

“oficiais”, que podem servir de tributo e homenagem, como no caso da criação da

História em Quadrinhos (HQ) Headhunter (Figura 3), criada a partir da narrativa e letra

da canção de mesmo nome do grupo belga Front 242 e compartilhada durante o

#ebmday.

A mobilização em torno de um dia dedicado ao gênero EBM (24 de fevereiro, ou

24/2 em homenagem ao Front 242) começou via em uma comunidade do Facebook16,

depois foi criado um hotsite (http://internationalebmday.org/) e se espalhou por outras

plataformas na rede, principalmente através da hashtag #ebmday no Twitter. O

interessante dessa prática foi criar um espaço para troca de informações e conversações                                                                                                                          14 Não há uma tradução para o termo “hipness”. Ele é um neologismo cunhado como substantivo para a gíria “hipster”, que significa: um grupo de pessoas profundamente conscientes sobre ou bem informado sobre as últimas tendências, seja ela da moda, da música, das artes, etc. Os ‘hipsters” normalmente são aqueles que lançam as tendências dentro das subculturas, embora atualmente também exista uma cena “hipster”, muito relacionada à cultura da moda (popularmente chamados no Brasil de fashionistas). No dicionário Longman aparece como “someone who is considered fashion” (LONGMAN, 2005, p. 770, ou seja “alguém que é considerado como moderno (aqui no sentido de andar na moda)’. Os hipster seguem os fluxos do hype midiático (GRAY, 2007, p. 01). A palavra tem origem em hip, que significa quadril. A gíria hipster surge a partir das calças hipsters, que são calças apertadas nos quadris e que não cobrem a cintura. A relação com a questão da expressão corporal e da moda, fica explícita quando investigamos as origens da gíria.

15 Tradução da autora: “Subcultural capital confers status on its owner in the eyes of the relevant beholder. (...) Subcultural capital can be objectified or embodied.” (Thornton, 1996, p. 11)

16 http://www.facebook.com/group.php?gid=180898621138

Page 10: Práticas de Fansourcing · 9 Newbie ou noob é uma gíria para designar novatos ou neófitos em determinados assuntos, temáticas, cenas musicais ou subculturas. A palavra se origina

entre os fãs desse subgênero de nicho evidenciando que nessa subcultura específica há

muito mais interações e negociações on-line do que offline, uma vez que poucos são os

eventos relacionados a ela – muito devido à questão das disputas simbólicas por

hierarquia geracional (novatos x antigos na cena).

A tag não virou Trending Topics no Twitter (ao contrário por exemplo do novo

ídolo pop Justin Bieber17 e dos lançamentos de vídeos de Lady Gaga que rapidamente

entram nos tópicos mais discutidos), obviamente porque esse estilo musical está fora do

circuito mainstream - embora algumas canções tenham sido hits, inclusive tendo sido

bastante executadas nas pistas e rádios nos anos 80 e início dos 90 juntamente com o

que se denominava na época technopop, contudo após essa fase retornou a ser um estilo

de nicho. Apesar de muitos pregarem que em função da "visibilidade" da internet, o

conceito de underground não fizesse mais sentido, fica nítido que alguns protocolos da

rede ainda operam dicotomicamente. Naquele dia, as tags relativas ao programa Big

Brother Brasil (#bbb), no exemplo brasileiro, estavam entre os tópicos mais discutidos.

A questão semântica da tag foi o elemento agregador, no entanto, alguns fãs utilizaram a

troca de seus avatares fotográficos por logotipos ou imagens relacionadas à cultura

rivethead/tronco18, em uma prática que parte dos próprios perfis e utiliza os elementos

visuais como mais uma forma de comunicação. Em São Paulo houve um encontro

presencial, entre membros da subcultura.

Além da transmissão de links, muitos participantes contribuíram produzindo

conteúdo relacionado ao EBM não só enquanto gênero musical, mas dicas de, filmes,

roupas, locais, e mesmo elementos cotidianos expressos em tweets e posts de blogs que

denotam a experiência em relação ao gênero ("gostaria de estar em um club esfumaçado

ouvindo ebm" ou "saí com a camiseta do Front 242 em homenagem ao dia") o que

contribui para a fixação ora de esterótipos ora dos códigos utilizados pela linguagem da

subcultura em questão. Também foram destacadas as apropriações criativas e co-

produções postadas pelos fãs como remixes, djsets e mashups de músicas, fotografias,

flyers e até a HQ acima citada. Tais desdobramentos mostram que a cultura material é

                                                                                                                         17 A mobilização dos fãs e de anti-fãs (ALTERS, 2007) do jovem Justin Bieber em relação à entrada ou não da tag nos TT tem sido objeto de muitas discussões tanto na mídia especializada tanto de música, celebridades quanto na cobertura sobre o Twitter, que recentemente alterou seu algoritmo de contagem de tags.

18 Adjetivo que categoriza os fãs do gênero.

Page 11: Práticas de Fansourcing · 9 Newbie ou noob é uma gíria para designar novatos ou neófitos em determinados assuntos, temáticas, cenas musicais ou subculturas. A palavra se origina

um elemento forte, apesar de uma aparente "desmaterialização" possibilitada pelas

internet.

Essa combinação de elementos constitui uma performatização do gênero - seja

através dos perfis como indica Liu (2007), seja da comunidade como um todo - que é

reconfigurada na e pelas redes digitais adicionando significados à estética subcultural.

Figura 3 – HQ digital criada pelo desenhista e fã Daniel HDR a partir canção HeadHunter do Front242.

Fonte: http://www.flickr.com/photos/danielhdr/sets/72157623503992514/show/ Acesso: 26/02/2010

Outro exemplo é o da ironia de uma cultura em questão, como no caso do micro-

blog PorraDJ19, criado por um DJ e fã de música eletrônica que satiriza a banalização da

atividade dos DJs, debochando dos discursos da mídia e das “subcelebridades” e

famosos que utilizam essa cultura para se auto-promover.

                                                                                                                         19 http://porradj.tumblr.com/

Page 12: Práticas de Fansourcing · 9 Newbie ou noob é uma gíria para designar novatos ou neófitos em determinados assuntos, temáticas, cenas musicais ou subculturas. A palavra se origina

Figura 4 – Micro-Blog PorraDJ

Fonte: http://porradj.tumblr.com/ Acesso em 25/05/2010.

Além disso, Thornton (1996, p. 14) explicita que a diferença entre as definições

de capital social e de capital subcultural centra-se na noção da relação das subculturas

com o consumo de mídia, uma vez que

“ela não é meramente mercadoria simbólica ou marcador de distinção (que é a forma como Bourdieu descreve os filmes e jornais), mas sim uma rede de definição e de distribuição de conhecimento cultural (...) A diferença entre estar dentro ou fora de moda, com capital subcultural alto ou baixo está correlacionada de maneira complexa com níveis de cobertura de mídia, criação e exposição”

Outra questão importante diz respeito aos fãs-curadores do acervo de memória

musical informativa (Jennings, 2007, p. 35). Esse grupo específico de fãs de música,

tende a utilizar a rede para resgatar suas escolhas musicais em termos de gêneros e

artistas, preenchendo as lacunas de sua coleção e colaborando para a conservação de um

legado a ser passado para outras gerações.

“Uma vez que o público que tem atualmente mais de 30 anos não havia atingido a puberdade quando o punk estava no seu auge – muito menos quando os Kinks e os Stones estavam em sua melhor fase – essas publicações genuinamente representam uma herança

Page 13: Práticas de Fansourcing · 9 Newbie ou noob é uma gíria para designar novatos ou neófitos em determinados assuntos, temáticas, cenas musicais ou subculturas. A palavra se origina

para os leitores de uma faixa etária que não experimentou a música quando ela foi primeiramente lançada. O seu interesse é atiçado não pela nostalgia da sua juventude, mas por um interesse no grande alcance da tradição e nos artistas “clássicos” que definiram a configuração da música popular atual. (JENNINGS, 2007, p. 35)20.

Blogs de crítica musical ou de download voltados para gêneros relacionados a

um período histórico como rock clássico, ítalo-disco ou anos 80 se enquadrariam nesse

tipo de apropriação curatorial da qual trata o autor. O lipdub DM For the Masses21,

produzido por fãs poloneses da banda inglesa de synthpop Depeche Mode também pode

ser enquadrada nessa categoria. O próprio título escolhido já remete ao álbum

homônimo da banda lançado em 1987, demarcando o caráter de “autoridade” e

conhecimento dos fãs nessa escolha intertextual, além de apontar para o caráter de

“replicabilidade” do produto, em uma tentativa nítida de viralização. A banda existe há

mais de 30 anos e muitos dos fãs atuais não conhecem as fases e os videoclipes mais

antigos do grupo, daí a idéia de produzir colaborativamente um vídeo agregando os fãs

de um determinado contexto nacional, distinto da origem do grupo (Polônia) e

mobilizados através de um site especificamente produzido para isso22.

O vídeo contém muitas imagens e referências intertextuais às distintas fases,

imagens, capas de álbuns, notícias, informações e clipes da banda – que só podem ser

desfrutadas em sua totalidade no “saber não legitimado, mas especializado” dos

“verdadeiros fãs-conhecedores” demonstrando um discurso de autoridade e

superioridade hierárquica em relação aos mais novos. As informações visuais (fotos) de

cada uma das cenas dos vídeos oficiais que serviram de referência estão

disponibilizadas no próprio site23. O vídeo remete em vários momentos a uma noção de

conservação da memória e preservação do legado de entretenimento e afeto que a

música da banda distribui entre pessoas de várias gerações. Uma das seqüências iniciais

                                                                                                                         20 Tradução da Autora: “Since anyone in even their late 30s now would not have reached puberty when punk was at its height – let alone when the Kinks and the Stones were in their prime – these publications genuinely represent heritage for readers from an age group that did not experience the music when it was first released. Their interest is fired not by nostalgia for their youth, but by an interest in the grand sweep of tradition and the “classic” artists who defined the shape of current popular music. (JENNINGS, 2007, p. 35).  

21 Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=47wIdSopHUc Acesso em 08/02/05.

22 Disponível em http://lipdub.dmuniverse.pl/en/ Acesso em 08/02/05.

23 http://lipdub.dmuniverse.pl/en/wideo-sceny/

Page 14: Práticas de Fansourcing · 9 Newbie ou noob é uma gíria para designar novatos ou neófitos em determinados assuntos, temáticas, cenas musicais ou subculturas. A palavra se origina

mostra um dos participantes abrindo a porta de um galpão na qual se lê a placa “Museo

Depeche Mode” [Museu Depeche Mode] (FIG. 5) demonstra a preocupação com o

caráter de armazenamento e curadoria exercida pelos fãs como responsáveis por levar

adiante a tradição e a historicização do legado da banda.

Na cena final (FIG 6), na qual, de acordo com a estrutura narrativa dos lipdubs,

todos os participantes reaparecem juntos - com o áudio das vozes dos próprios fãs

cantando em sobreposição à música, diferentemente de todo o resto do vídeo

caracterizado pela mímica e dublagem – há uma legenda “It´s been 30 years and we just

can´t get enough” [Passados 30 anos e nós ainda não temos o suficiente] remetendo a

afetividade dos fãs em sua relação com a banda24 mostrando a devoção e apropriação do

consumo musical (não sendo o suficiente), a uma indicação da passagem do tempo

informando assim aos mais fãs mais novos acerca da carga histórica do grupo no

cenário do pop atual e, finalmente um trocadilho com o própria canção dublada “Just

can´t get enough”, um dos hits mais conhecidos do Depeche Mode, apontando para o

caráter disseminatório e viral dessas informações. Também observamos no quadro, uma

faixa da cerveja Heineken, funcionando como um tipo de apoio/patrocínio para a

produção do vídeo e tendo como troca a inserção da marca durante os segundos finais. E

ai observa-se que mesmo algo criado com um caráter e potencial aparentemente lúdico e

livre em seus formatos de distribuição, pode, de certa forma, prescindir de uma ação

publicitária das mais tradicionais como o merchandising.

                                                                                                                         24 Nessa relação de interação entre fãs e artistas atinge uma espécie de “legitimação” e “recomendação oficial” quando Alan Wylder, ex-membro do Depeche Mode envia um comentário parabenizando o vídeo e a equipe, postado rapidamente no site oficial: “Thanks Wow – incredible video! Congratulations :) 30years……best wishes to everyone!” (Obrigada Uau – vídeo incrível! Parabéns:) 30 anos... cumprimentos a todos!”

Page 15: Práticas de Fansourcing · 9 Newbie ou noob é uma gíria para designar novatos ou neófitos em determinados assuntos, temáticas, cenas musicais ou subculturas. A palavra se origina

Figura 5 – Frame do vídeo DM for the Masses mostrando uma fã abrindo a porta do Museu Depeche Mode.

Figura 6 – Seqüência final do lipdub mostrando a afetividade dos fãs.

2 Fansourcing e os modelos de obtenção de informação musical

A fim de compreendermos a proposta de definição operatória de práticas de

fansourcing delineada nesse artigo, é preciso primeiramente retomar a noção que origina

o termo: Crowdsourcing. No estudo de Jenkins sobre as práticas convergentes,

Page 16: Práticas de Fansourcing · 9 Newbie ou noob é uma gíria para designar novatos ou neófitos em determinados assuntos, temáticas, cenas musicais ou subculturas. A palavra se origina

sourcing25 é definido como “obter informações de fontes diretas e muitas vezes não

identificadas” (Jenkins, 2008, p.83). No caso específico citado pelo autor sobre os fãs

do reality show norte-americano Survivor, a prática era considerada controversa devido

a uma suposta elitização do saber dentro das comunidades dos fãs.

Segundo Brabham (2008, Online), o termo crowdsourcing foi cunhado pelo

jornalista Jeff Howe26 em junho de 2006 na edição da revista Wired27 para descrever

“um novo modelo de negócios com base na Web que subordina soluções criativas de

uma rede distribuída de indivíduos através de uma chamada aberta de proposições” em

uma franca aplicação mercadológica e corporativa dos potenciais por trás do conceito –

embora nesse texto Brabham proponha uma aplicação voltada a projetos que não visam

o lucro e sim o bem público.

O termo foi incorporado a partir dos domínios do marketing e da administração,

disseminado em livros de divulgação científica e atrelado a um discurso que tende a

atribuir um caráter “revolucionário” e supostamente novo a toda e qualquer apropriação

das tecnologias digitais pelos usuários, desconsiderando propositalmente os aspectos

negativos de cooptação dessas práticas pelas grandes organizações, como no caso de

Shirky (2008). Tais autores consideram que o mero fato do conteúdo ter sido criado por

usuários no contexto das redes é o suficiente para considerá-lo como um novo

comportamento e atitude democratizante, desconsiderando que esse tipo de prática vem

sendo organizadas de diversas formas ao longo de diversos processos sócio-históricos,

como nos mostra a obra de Williams (1992).

Para Felinto (2010, p.02),

“em nenhum lugar esse culto da ruptura e da criação ex-nihilo é tão evidente quanto nos títulos das obras de “divulgação” sobre tecnologias digitais. Tais bordões são projetados para produzir no leitor uma sensação de maravilhamento tecnológico, entusiasmo infantil e desprezo por tudo aquilo que é “antigo”. De fato, ao se observar mais atentamente a retórica de muitos desses títulos,

                                                                                                                         25 Sourcing é um neologismo criado a partir da palavra source que em língua inglesa significa fonte. Um dos significados desse termo indica sua intimidade com a questão da informação: “uma pessoa, livro, ou documento que lhe fornece informação (LONGMAN, 2005, p. 1583)

26 Colaborador da revista Wired e autor do livro Crowdsourcing: why the power of the crowd is driving the future of business, publicado em 2008. Informações obtidas no blog do autor: http://crowdsourcing.typepad.com/ Acesso em 10/05/2010.

27 http://www.wired.com/magazine/

Page 17: Práticas de Fansourcing · 9 Newbie ou noob é uma gíria para designar novatos ou neófitos em determinados assuntos, temáticas, cenas musicais ou subculturas. A palavra se origina

percebe-se a presença de alguns traços exaustivamente repetidos – o que não deixa de constituir uma irônica contradição com o discurso da novidade radical.”

Já o próprio Howe (2008), tenta desvincular o neologismo “crowdsourcing” da

questão tecnológica e sim relacioná-lo aos comportamentos humanos de agregação,

“trabalho amador” e à diversão, afirmando que

“while crowdsourcing is intertwined with the Internet, it is not at its essence about technology. (...)Far more important and interesting are the human behaviors technology engenders, especially the potential of the Internet to weave the mass of humanity together. (...)It is the rise of the network that allows us to exploit a fact of human labor that long predates the Internet: the ability to divvy up an overwhelming task—such as the writing of an exhaustive encyclopedia—into small enough chunks that completing it becomes not only feasible, but fun”.(HOWE, 2008, Online, grifo meu)

Apesar desse enfraquecimento dos termos por conta desse tipo de discurso,

também não cederemos à facilidade de argumentos e à defesa da indústria da

comunicação massiva, enfatizando que tais práticas produzidas por amadores estão

“destruindo a cultura e os valores ocidentais” como tenta denunciar de forma moralista

Andrew Keen (2009).

O presente texto objetiva, como afirma Sterne (1999, p. 276), encontrar uma

terceira voz que dê conta da pluralidade emergente de práticas e que vá além dessa

dicotomia apresentando seus afetos e conflitos e analisando como seus conteúdos,

formas, gêneros e gramáticas produzem subjetividades e são levados por fluxos de

forças que variam contextualmente. Afinal, os sujeitos por trás dessas práticas on-line

são os sujeitos de todo o resto.

Assim, o que chamo de fansourcing é um tipo de prática de coleta e distribuição

de informações, e apropriação criativa de material de determinado artista, produzidas

por um grupo de fãs específico (um fandom, seja ele de música, programas de TV,

filmes, livros, etc), relacionadas às negociações de identidade e do capital subcultural e

disponibilizadas na forma de diferentes produtos midiáticos, amplamente divulgados de

forma organizada e sistemática através das plataformas on-line.

O fansourcing pode funcionar como uma narrativa de aproximação e

mobilização dos fãs como curadores do material ou na relação de interação com o seu

Page 18: Práticas de Fansourcing · 9 Newbie ou noob é uma gíria para designar novatos ou neófitos em determinados assuntos, temáticas, cenas musicais ou subculturas. A palavra se origina

objeto de colecionismo (músicos, diretores de cinema, atores, por exemplo). Assim, o

fansourcing é entendido como uma prática emergente nas redes cujos fluxos

comunicacionais já foram enraizados na cultura popular dos fandoms mas que agora

estão visíveis tanto para apropriações lúdicas como para apropriações que até mesmo

gerem lucro para a indústria do entretenimento em uma relação ambígua cujo cerne se

encontra anteriormente na dicotomia mainstream x underground.

A relação dos fandoms de música e sua conexão com a coleta, curadoria e

classificação de informações acerca de seus artistas ou gêneros favoritos permite que ele

seja “muito mais facilmente tornado visível enquanto uma intrínseca parte da auto-

definição em uma ampla variedade de situações” do que os fandoms de “narrativas”28

como de series, filmes, livros, entre outros. (Nancy Baym, 2009, Online).

Considerações Finais

“One of my ex-students once said 'music is my ethnicity'. People want to find other people who are like-minded so instead of finding their ethnic identity through birth they find it through aesthetic preferences and that becomes their identity” (FONAROW apud JONZE,2008, Online)

No presente artigo, problematizei questões relativas às práticas de fansourcing

em busca de uma possível definição operatória do conceito, apresentando rupturas e

continuidades das mesmas dentro da cultura do “ser fã”, em seus rituais e

comportamentos mediados pelas plataformas digitais. As sujetividades aparecem na

intersecção do olhar entre o macro e o micro e no hibridismo de abordagem

metodológica entre o on-line e off-line, buscando na materialidade e nas suas

discursividades históricas e comparativas com outros processos comunicacionais,

referências para uma análise cultural dos fandoms como possíveis curadores e

mobilizadores da produção de conteúdo musical.

Na cultura contemporânea, tais práticas têm o seu trabalho rapidamente tornado

visível e ganham amplificação através da distribuição dos produtos resultantes (lipdubs,

mixtapes, categorização via tags, entre outros) nas redes digitais e mais especificamente,

                                                                                                                         28 Há muitas questões que ainda podem ser trabalhadas tanto em relação às similaridades quanto ás diferenças explicitadas nas práticas fansourcing em diferentes tipos de fandoms. Para uma introdução ao tema ver Baym (2009).

Page 19: Práticas de Fansourcing · 9 Newbie ou noob é uma gíria para designar novatos ou neófitos em determinados assuntos, temáticas, cenas musicais ou subculturas. A palavra se origina

na construção personalizada e performatizada de um “gosto musical” negociado

simbolicamente com outros participantes. Além disso, a objetificação e a corporificação

do capital subcultural adquirido através da participação em tais ações pode ser

observada em fluxo entre o trabalho amador voltado ao entretenimento, à diversão e à

conservação de um determinado legado musical, tanto quanto à cooptação dessas

estratégias de produção coletiva para fins comerciais e atrelados a modelos

corporativos. Essas práticas merecem ser abordadas sob vários outros ângulos e

problemáticas, sejam elas históricas, econômicas, estéticas, experenciais, entre outros.

Referências Bibliográficas:

AMARAL, Adriana. Categorização dos gêneros musicais na Internet - Para uma etnografia virtual das práticas comunicacionais na plataforma social Last.fm. pp. 227-242. In: FREIRE FILHO, João., HERSCHMANN, Micael. (orgs). Novos rumos da cultura da mídia. Indústrias, produtos e audiências. Rio de Janeiro: Mauad, 2007.

AMARAL, Adriana. Plataformas de música on-line: práticas de comunicação e consumo através dos perfis. Revista Contracampo, Niterói, n. 20, nov. 2009.Disponível em http://www.uff.br/contracampo/index.php/revista/article/view/6/21 Acesso em 05/02/2010.

AMARAL, Adriana. Etnografia e pesquisa em cibercultura: limites e insuficiências metodológicas. Revista da USP, (no prelo), 2010.

AMARAL, A, AQUINO, M.C. (2009) Eu recomendo... e etiqueto”. Práticas de folksonomia dos usuários no Last.fm. Revista Líbero, n. 24, Ano XII, pp.117-129, Dez. 2009. Disponível em: http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/libero/article/view/6779/6122 Acesso 12/12/2009

ALTERS, Diane F. The other side of fandom. Anti-fans, non-fans, and the Hurt of History. In: GRAY, J., SANDVOSS, C., HARRINGTON, C.L. (Ed). Fandom. Identities and Communities in a Mediated World. NY: NYU Press, 2007.

ARDÈVOL, Elisenda, SAN CORNELIO, Gemma. “Si quieres vernos en acción: YouTube.com”: Prácticas mediáticas y autoproducción en Internet. Revista Chilena de Antropología Visual, núm. 10. Out. 2007. Disponível em http://www.antropologiavisual.cl/ardevol_&_san_cornelio.htm Acesso em 02/02/2010

ARDÈVOL, Elisenda, et al. Media practices and the Internet: some reflections through ethnography. 2008. Apresentação no Simposio del XI congreso de antropología de la FAAEE, Donostia, 10-13 de septiembre de 2008. Disponível em: <http://www.slideshare.net/Estalella/towards-an-ethnography-of-new-media-practices-reflections-through-field-experience-presentation?src=embed.>. Acesso em: 01/02/2010.

BAYM, Nancy. Music Fandom vs. Narrative Fandom. In: Online Fandom, 2009. Disponível em: http://www.onlinefandom.com/archives/music-fandom-vs-narrative-fandom/ . Acesso em 20/03/2009.

BAYM, N., LEDBETTER, A. Tunes that bind?: Predicting Friendship Strength in a Music-Based Social Network. In; Anais da Aoir 9- Internet Research 9.0, Copenhagen, Denmark, October 2008. Disponível em http://www.onlinefandom.com/wp-content/uploads/2008/10/tunesthatbind.pdf Acesso em: 10/11/2008.

Page 20: Práticas de Fansourcing · 9 Newbie ou noob é uma gíria para designar novatos ou neófitos em determinados assuntos, temáticas, cenas musicais ou subculturas. A palavra se origina

BOLTER, Jay D., GRUSIN, R. Remediation: understanding new media. Cambridge: MIT Press, 2000.

BOYD, Danah. How can qualitative Internet Researchers define the boundaries of their project? A response to Christine Hine. pp.26-32. In: MARKHAM, Annette N., BAYM, Nancy. Internet inquiry. Conversations about method. Los Angeles: Sage, 2009.

BRABHAM, Daren C. Moving the crowd at iStockphoto: The composition of the crowd and motivations for participation in a crowdsourcing application. First Monday, v. 13, n.6, June, 2008. Disponível em: http://firstmonday.org/htbin/cgiwrap/bin/ojs/index.php/fm/article/viewArticle/2159/1969

FELINTO, Erick. Em busca do tempo perdido. O seqüestro da história na cibercultura e os desafios da teoria da mídia. In: Anais do XIX Encontro da Compos, PUCRIO, junho de 2010. Disponível em: http://compos.com.puc-rio.br/media/gt1_erick_felinto.pdf Acesso 11/06/2010.

FLEURY, Laurent. Sociologia da cultura e das práticas culturais. SP: Ed. SENAC, 2009.

GRAY, Jonathan. Television pre-viewing and the meaning of hype. In: Conference papers of the International Comunication Association, ICA 2007. Disponível em: http://web.ebscohost.com/ehost/pdfviewer/pdfviewer?vid=1&hid=107&sid=3ccead69-090f-4bdd-95f4-a4cbcc356b6f%40sessionmgr110

HOWE, Jeff. Crowdsourcing. How the Power of the crowd is driving the future of business. Randomhouse, 2008.

JENKINS, Henry. Fans, bloggers and gamers. Exploring participatory culture. NY: New York University Press, 2006.

JENKINS, Henry. Cultura da convergência. SP: Aleph, 2008.

JENNINGS, David. Net, blogs and rock n´roll. How digital Discovery works and what it means for consumers, creators and culture. Boston: Nicholas Brealey Publishing, 2007.

JONZE, Tim. School of rock. The Guardian, 26/04/2008. Disponível em: Acesso em 26/04/2008. http://www.guardian.co.uk/culture/2008/apr/26/popandrock.anthropology

KEEN, Andrew. O culto do amador. RJ: Jorge Zahar, 2009.

LONGMAN, Dictionary of Contemporary English. Essex: Pearson/Longman, 4a.ed., 2005.

LIU, Hugo. Social network profiles as taste performances. Journal of Computer-Mediated Communication, vol. 13 (1), artigo 13, 2007. Disponível em http://jcmc.indiana.edu/vol13/issue1/liu.html . Acesso em 05/07/2008.

MONTEIRO, Marcio. Fortuna crítica em quatro minutos. Um estudo de caso sobre as “novas” estratégias do mercado da música pop. In: Anais do II MUSICOM – Encontro dos Pesquisadores de Música e Comunicação, são Luis-MA, maio de 2010. Disponível em: http://marcmont.files.wordpress.com/2010/06/iiimusicom.pdf Acesso em 01/06/2010.

MORACE, Francesco (org). Consumo autoral: as gerações como empresas criativas. SP: Estação das Letras e Cores, 2009.

Page 21: Práticas de Fansourcing · 9 Newbie ou noob é uma gíria para designar novatos ou neófitos em determinados assuntos, temáticas, cenas musicais ou subculturas. A palavra se origina

POSTHILL, John. Internet Ethnography – notes for a presentation. In: Media/Anthropology Blog. Disponível em: http://johnpostill.wordpress.com/2010/06/06/internet-ethnography-notes-for-a-presentation/ Acesso em 06/06/2010.

SÁ, Simone de. Se vc gosta de Madonna também vai gostar de Britney! Ou não? Gêneros, gostos e disputa simbólica nos Sistemas de Recomendação Musical. In: Anais do XVIII Encontro da Compós, PUC-MG, Belo Horizonte, MG, junho de 2009. Disponível em: http://www.compos.org.br/data/biblioteca_1169.pdf Acesso em: 23/07/2009. SHIRKY, Clay. Here comes everybody. The Power of organizing without organizations. NY: Penguin, 2008. STERNE, Jonathan. Thinking the Internet: Cultural Studies versus the Millennium. pp. 257-283. In: JONES, Steve (ed). Doing Internet Research. Critical Issues and Methods for Examining the Net. London: Sage, 1999. THORNTON, Sarah. Club cultures: music, media and subcultural capital. Connecticut: Wesleyan University Press, 1996. WILLIAMS, Raymond. Cultura. SP: Paz & Terra, 2ª. Ed. 2008 [1992].