Programa Minha Casa

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volume 3 • n. 1 • Jan. - Jun. 2013 Políticas Públicas e Desenvolvimento Social Public Policy and Social Development Revista Brasileira de Políticas Públicas Brazilian Journal of Public Policy ISSN 2179-8338

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A obra versa sobre o programa minha casa minha vida.

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  • volume 3 n. 1 Jan. - Jun. 2013Polticas Pblicas e Desenvolvimento Social

    Public Policy and Social Development

    Revista Brasileira de Polticas PblicasBrazilian Journal of Public Policy

    ISSN 2179-8338

    Program My House My Life and the collision between fundamental rights

  • doi: 10.5102/rbpp.v3i1.2199

    Michelle Lucas Cardoso Balbino1

    * Artigo recebido em 18/02/2013 Artigo aprovado em 30/03/20131 Advogada e Professora Universitria; ps-

    -graduada em Direito Pblico pela Sociedade Universitria Gama Filho - Rio de Janeiro/RJ (2008-2009); especialista em Direito, Impacto e Recuperao Ambiental, pela Universida-de Federal de Ouro Preto Ouro Preto/MG (2008-2010); mestranda em Sustentabilidade Socioeconmica e Ambiental, pela Universi-dade Federal de Ouro Preto Ouro Preto/MG. (2011-2013).

    Programa Minha Casa Minha Vida e a coliso entre direitos fundamentais

    Program My House My Life and the collision between fundamental rights

    Resumo

    A falta de moradia sempre esteve presente na vida da grande maioria dos brasileiros. Com a finalidade de melhorar essa perspectiva, o governo brasileiro h anos vem atuando no setor habitacional mediante polticas ha-bitacionais. Contudo, as aes realizadas durante todo esse tempo perma-neceram insuficientes para mudar este panorama. Porm, recentemente, o Governo, por meio do Programa de Acelerao do Crescimento, inicia um programa habitacional em larga escala, denominado Programa Minha Casa Minha Vida. Esse Programa tem como finalidade proporcionar habitao s populaes mais carentes da populao, bem como intensificar as atividades econmicas do setor da construo civil. Diante desses fatos, surge o presente trabalho que tem como objetivo estudar as polticas pblicas e os programas governamentais, com foco no Programa Minha Casa Minha Vida, traan-do os principais direitos fundamentais interligados a esse programa gover-namental, retratando por fim, a existncia de conflitos entre esses direitos fundamentais. Utilizou-se o mtodo dialtico para abordagem do tema, com interpretao da realidade por meio de uma pesquisa aplicada, que tem por fim gerar conhecimentos para aplicao prtica da soluo dos conflitos exis-tentes entre os direitos fundamentais no caso em estudo. Portanto, buscou-se por este trabalho ressaltar a necessidade de uma definio melhor das polti-cas pblicas disponibilizadas populao, pois com a implementao surgem tambm conflitos de direitos fundamentais, os quais devem ser considerados e solucionados para a melhoria da qualidade de vida de toda a sociedade, principalmente para a percepo de um meio ambiente ecologicamente equi-librado, no podendo considerar como prioritrios apenas os setores econ-micos e sociais quando se formula uma poltica pblica.

    Palavras-chave: Habitao. Programas governamentais. Direitos fundamen-tais. Conflitos.

    Abstract

    Lack of housing has always been present in the lives of the vast ma-jority of Brazilians, with the purpose to improve this perspective, the Bra-zilian government has been working for years in housing through housing policies, and however, the actions taken during this time remained insuffi-cient to change this panorama. However, recently the Government through the Growth Acceleration Program starts a large-scale housing program, called Programs My House My Life. This program aims to provide housing the poo-rest populations of the population and enhance the economic activities of the

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    Keywords: Housing. Government programs. Fundamen-tal rights. Conflicts.

    1 Introduo

    Desde os primrdios da humanidade, o homem sempre viveu em comunidade, sendo que, ao longo da histria, passou a integrar e constituir grandes ncleos populacionais denominados de cidades, tendo como fi-nalidade principal destes ncleos a garantia de melhores condies de vida aos seus membros. Contudo, ao pro-mover o adensamento urbano, diversos problemas foram surgindo e influenciaram diretamente a qualidade de vida dessa populao urbana, tendo como destaque a falta de moradia por grande parte dos cidados.

    Assim, no intuito de minimizar esses conflitos e melhorar o bem-estar de toda uma coletividade, o desen-volvimento de uma gesto local extremamente impor-tante, sendo observada nos ltimos anos, grande dissemi-nao de polticas pblicas com programas governamen-tais, que estabelecem um conjunto de aes e regras para a promoo do bem-estar social e dos direitos do cidado.

    Dentre os pontos de atuao do Governo Fede-ral esto os programas de auxlio habitao, que visam proporcionar moradias s pessoas de baixa renda do pas. Contudo, a disseminao de polticas pblicas por meio dos programas governamentais de auxlio habitao,

    como o caso do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), implementado pelo Governo Federal, tema central deste artigo, faz surgirem conflitos entre direitos fundamentais. A existncia desses conflitos de direitos fundamentais na implementao de uma poltica pbli-ca representa a problemtica que fundamenta e estimula este artigo.

    Assim, o presente trabalho tem como meta a re-alizao de um estudo acerca das polticas pblicas e os programas governamentais, com foco no Programa Mi-nha Casa Minha Vida (PMCMV) do Governo Federal, traando, contudo, os principais direitos fundamentais interligados a esse programa governamental e, por fim, retratar a existncia de conflitos entre tais direitos estabe-lecendo mecanismos de solues para o caso.

    2 Polticas pblicas e os programas governa-mentais

    Ao longo da histria humana, a populao mun-dial viveu em sua grande maioria na zona rural, sendo que apenas 5% (cinco por cento) viviam nos centros ur-banos. Porm, essa perspectiva foi alterada no sculo XX, que passou a ser reconhecido como o sculo das mudan-as expressivas da atividade humana, quando as cidades passaram a integrar o cotidiano, com a multiplicao do nmero e do tamanho das cidades, que nos ltimos anos possuem mais da metade da humanidade vivendo na zona urbana, ocasionando o surgimento de uma comple-xidade dos impactos.2

    Jos de vila Coimbra, relata de forma bem sinte-tizada o conceito de cidade ao afirmar que se trata de um [...] lugar que o Homem adaptou para centro de convi-vncia e trabalho, organizando nela o tempo e o espao, transformando-a intensamente - e quase sempre de ma-neira desordenada - no seu prprio ambiente.3

    2 FRANCO, R. M. Principais problemas ambientais municipais e perspectivas de soluo. In: PHILIPPO JNIOR, Arlindo et al (Org.). Municpios e meio ambiente: perspectivas para a municipalizao da gesto ambiental no Brasil. So Paulo: As-sociao Nacional dos Municpios e Meio Ambiente, 1999.

    3 COIMBRA, J. A. A. A cidade, esfera da vida em sociedade: uma viso ecolgica humanista. In: PHILIPPO JNIOR, Ar-lindo et al (Org.). Municpios e meio ambiente: perspectivas para a municipalizao da gesto ambiental no Brasil. So Paulo: Associao Nacional dos Municpios e Meio Ambien-te, 1999. p. 86.

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    Diante de uma viso antrpica, a cidade um ecossistema artificial, ou seja, um ambiente do Homem, onde ele impe aes tecnolgicas sobre a natureza crian-do, assim, um novo ecossistema que atende s necessida-des da humanidade nestes novos tempos. Muitos doutri-nadores acreditam que as cidades representam mais que um ecossistema, trata-se, pois de um centro mecnico de um ou mais ecossistemas.4

    Frente a essa grande interveno no ecossistema natural para a indexao em prol de cidades que apre-sentem maiores benefcios aos seus habitantes, surge um grande problema: a falta de experincia dos governantes na gesto local para o desenvolvimento e a ocupao do espao de forma a no ocasionar maiores perdas popu-lao que vive nas cidades,5 mesmo porque, esse inevit-vel impulso de adensamento urbano termina por colocar srios problemas qualidade de vida.6

    O rpido e desordenado crescimento das cidades faz surgir impactos de carter diversos na vida da popula-o, trazendo [...] tona um problema crucial: o espao, ou o ambiente urbano, sofrem uma modificao radical em seus fluxos de energia e de materiais, incorporando novos caminhos e dinmicas em sua histria.7

    A grande existncia de impactos na vida da po-pulao urbana leva ao surgimento de conflitos que permanecem incrustados no meio social, sendo, por-tanto, extremamente necessrio definir pensamentos e

    4 COIMBRA, J. A. A. a cidade, esfera da vida em sociedade: uma viso ecolgica humanista. In: PHILIPPO JNIOR, Ar-lindo et al (Org.). Municpios e meio ambiente: perspectivas para a municipalizao da gesto ambiental no Brasil. So Paulo: Associao Nacional dos Municpios e Meio Ambien-te, 1999.

    5 FRANCO, R. M. Principais problemas ambientais municipais e perspectivas de soluo. In: PHILIPPO JNIOR, Arlindo et al (Org.). Municpios e meio ambiente: perspectivas para a municipalizao da gesto ambiental no Brasil. So Paulo: As-sociao Nacional dos Municpios e Meio Ambiente, 1999.

    6 COIMBRA, J. A. A. A cidade, esfera da vida em sociedade: uma viso ecolgica humanista. In: PHILIPPO JNIOR, Ar-lindo et al (Org.). Municpios e meio ambiente: perspectivas para a municipalizao da gesto ambiental no Brasil. So Paulo: Associao Nacional dos Municpios e Meio Ambien-te, 1999.

    7 FRANCO, R. M. Principais problemas ambientais municipais e perspectivas de soluo. In: PHILIPPO JNIOR, Arlindo et al (Org.). Municpios e meio ambiente: perspectivas para a mu-nicipalizao da gesto ambiental no Brasil. So Paulo: Asso-ciao Nacional dos Municpios e Meio Ambiente, 1999. p. 20.

    concepes para aperfeioar e solucionar tais problemas inerentes aos espaos urbanos.8

    Nesses termos, quando se observam os proble-mas inerentes aos espaos urbanos, tem-se como uma das principais questes inerentes a dignidade da pessoa humana, a falta de moradia da populao, assim, no in-tuito de minimizar esses conflitos e melhorar o bem-estar de toda uma coletividade, nos ltimos anos, o poder p-blico vem disseminando polticas pblicas por meio de Programas Governamentais. Dentre os pontos de atuao governamental esto os programas de auxlio habitao, que visam proporcionar moradias s pessoas de baixa renda do pas.

    Contudo, antes de adentrar ao tema principal des-te artigo, cabe apresentar a definio do que seriam polti-cas pblicas e programas governamentais, incluindo aqui um estudo acerca do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV).

    Primeiramente, polticas pblicas so aes que, por meio de leis e de normas abrangentes, estabelecem um conjunto de regras, de programas, de aes, de benefcios e de recursos voltados promoo do bem-estar social e dos direitos do cidado. Em seu livro Direito Admi-nistrativo e Polticas Pblicas, Maria Paula Dallari Bucci aponta que: [...] so programas de ao governamental visando a coordenar os meios disposio do Estado e as atividades privadas, para a reailizao de objetivos social-mente relevantes e politicamente determinados.9

    Para Cristiane Derani, o conceito de polticas pblicas est centrado na concepo de que, trata-se de um [...] fenmeno oriundo de um determinado estgio de desenvolvimento da sociedade. fruto de um Estado complexo que passa a exercer uma interferncia direta na construo e reorientao dos comportamentos sociais.10

    Nesta feita, as polticas pblicas devem ser estrutu-radas mediante deliberaes democrticas, com atuao de toda a sociedade, dando voz de participao tanto aos

    8 FRANCO, R. M. Principais problemas ambientais municipais e perspectivas de soluo. In: PHILIPPO JNIOR, Arlindo et al (Org.). Municpios e meio ambiente: perspectivas para a municipalizao da gesto ambiental no Brasil. So Paulo: As-sociao Nacional dos Municpios e Meio Ambiente, 1999.

    9 BUCCI, M. P. D. Direito administrativo e polticas pblicas. So Paulo: Saraiva, 2006. p. 241.

    10 DERANI, C. Direito ambiental econmico. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 2009. p. 131.

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    grupos com maioria de componentes como aos grupos minoritrios, afinal de contas, as polticas pblicas tm como fundamento [...] a necessidade de concretizao de direitos por meio de prestaes positivas do Estado, sendo o desenvolvimento nacional a principal poltica pblica, conformando e harmonizando todas as demais.11

    Vale ressaltar que, um nico plano ou programa no pode ser considerado uma poltica pblica, [...] sendo preciso o conjunto articulado de programas operando para a realizao de um objetivo, como partes de um todo.12

    Outro fato que deve ser considerado que nem toda deciso poltica, ou seja, a escolha de uma alternati-va a seguir, chega a ser uma poltica pblica, que a con-cretizao de vrias decises polticas. Ademais, as polti-cas pblicas devem ser vistas como um [...] processo ou conjunto de processos que culmina na escolha racional e coletiva de prioridades, para a definio dos interesses pblicos reconhecidos pelo direito.13

    As polticas pblicas possuem diversas fases (ou ciclos), sendo elas: a formao da agenda, a formulao e implementao das aes, o monitoramento e, por fim, a avaliao dessas polticas. Portanto, polticas pblicas re-presentam a exposio de motivos, de fundamentos e de objetivos que visam orientar os programas de governo na resoluo de problemas sociais, ou seja, trata-se da apro-ximao da sociedade Administrao Pblica.

    As partes envolvidas no processo de formulao das polticas pblicas so chamadas de atores; so eles que estabelecem os projetos a serem desenvolvidos e ne-les, as necessidades e obrigaes das partes que podem ser tanto pblicas como privadas. Os atores pblicos so todas entidades pblicas envolvidas na produo das po-lticas pblicas, j os atores privados so os entes privados (empresrios e trabalhadores) que proporcionam a for-mulao das polticas pblicas. Cristiane Derani aponta que: [...] da o sentido de poltica (como qualificativo

    11 BERCOVICI, G. Planejamento e polticas pblicas: por uma nova compreenso do papel do Estado. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (Org.). Polticas pblicas: reflexes sobre o con-ceito jurdico. So Paulo: Saraiva, 2006. p. 144.

    12 MASSA-ARZABE, P. H. Dimenso Jurdica das Polticas P-blicas. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (Org.). Polticas p-blicas: reflexes sobre o conceito jurdico. So Paulo: Saraiva, 2006. p. 62.

    13 BUCCI, M. P. D. Direito administrativo e polticas pblicas. So Paulo: Saraiva, 2006. p. 264.

    desta espcie de norma constitucional) referir-se ao pblica de sujeitos, pblicos e privados, que tm em co-mum o fato de construrem a coexistncia na polis .14

    Os atores privados podem atuar mediante audin-cias pblicas, abaixo-assinados, mobilizaes sociais ou iniciativas judiciais para elaborao das polticas pblicas. Contudo, mesmo as pessoas de direito privado, fsicas ou jurdicas, possuindo capacidade de formular as polticas pblicas, o Estado ainda considerado [...] o principal formulador das polticas de desenvolvimento, ao introdu-zir a dimenso poltica no clculo econmico, em busca da constituio de um sistema econmico nacional.15

    Diante disso, a participao de toda a sociedade na formulao, na deciso e na execuo das polticas pblicas, por meio de audincias e de consultas pblicas, fundamental para a estruturao de polticas pblicas mais coesas e eficazes, pois, o [...] sucesso desta supe que todas as categorias da populao e de todas as foras sociais, conscientes de suas responsabilidades, contribu-am para a proteo e a melhoria do ambiente, que, afinal, bem e direito de todos.16

    Mas qual a diferena existente entre polticas p-blicas, planos e programas governamentais? Marta Fer-reira Santos Farah aponta que polticas pblicas so en-tendidas [...] como um curso de ao do Estado, orienta-do por determinados objetivos, refletindo ou traduzindo um jogo de interesses. Um programa governamental, por sua vez, consiste em uma ao de menor abrangncia em que se desdobra uma poltica pblica.17 J o plano definido como a expresso da poltica geral do Estado, ou seja, o [...] ato de direo poltica, pois determina a vontade estatal por meio de um conjunto de medidas

    14 DERANI, C. Direito ambiental econmico. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 2009. p. 140.

    15 BERCOVICI, G. Planejamento e polticas pblicas: por uma nova compreenso do papel do Estado. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (Org.). Polticas pblicas: reflexes sobre o con-ceito jurdico. So Paulo: Saraiva, 2006. p. 143.

    16 MILAR, . Direito do ambiente: a gesto ambiental em foco: doutrina, jurisprudncia, glossrio. 6. ed. So Paulo: RT, 2009. p. 833.

    17 FARAH, M. F. S. Gnero e polticas pblicas. Estudos Femi-nistas, Florianpolis, jan./abr. 2004. p. 47. Disponvel em: . Acesso em: 22 dez. 2011.

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    coordenadas, no podendo limitar-se mera enumera-o de reivindicaes.18

    Contudo, no Brasil, tais instrumentos, apesar de serem utilizados, no possuem o desenvolvimento con-tinuado para o estabelecimento de aes governamentais eficientes. o que expe Gilberto Bercovici ao afirmar que o Estado brasileiro no est, e nunca esteve, apesar das inmeras tentativas, organizado para formular e exe-cutar uma poltica de desenvolvimento continuada. Sur-gem planos, mas no h planejamento.19

    Constata-se ento que o Brasil adota atualmente um grande nmero de programas governamentais, os quais possuem atuao restrita e com pouca possibilida-de de perpetuao, no tempo, fator que prejudica e muito a melhoria da qualidade de vida almejada por toda a so-ciedade.

    Apesar da redemocratizao, o Brasil permanece at os dias de hoje como uma das sociedades mais de-siguais do mundo, o que proporciona o surgimento de diversos conflitos socioeconmicos e culturais na popu-lao em geral. No intuito de minimizar esses conflitos e melhorar o bem-estar de toda uma coletividade, nos l-timos anos, o poder pblico vem disseminando polticas pblicas por meio de Programas Governamentais. Dentre os pontos de atuao governamental, esto os programas de auxlio habitao, que visam proporcionar moradias s pessoas de baixa renda do pas.

    Em se tratando de habitao, no Brasil, desde os anos de 1960 existe uma atuao forte no sentido de promover a chamada poltica habitacional, por meio de pacotes habitacionais compostos por uma srie de medi-das, as quais foram denominadas de programas governa-mentais de habitao, e aos quais o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) vinculado. Passa-se assim, ao estudo aprofundado da evoluo habitacional no Brasil e desse Programa Governamental, foco deste trabalho

    18 BERCOVICI, G. Planejamento e polticas pblicas: por uma nova compreenso do papel do Estado. BUCCI, Maria Paula Dallari (Org.). Polticas pblicas: reflexes sobre o conceito jurdico. So Paulo: Saraiva, 2006. p. 145.

    19 BERCOVICI, G. Planejamento e polticas pblicas: por uma nova compreenso do papel do Estado. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (Org.). Polticas pblicas: reflexes sobre o con-ceito jurdico. So Paulo: Saraiva, 2006. p. 148.

    3 Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV): anlise cronolgica, crtica e comparativa

    O sonho da casa prpria circunda o imaginrio dos cidados desde a origem da humanidade, sendo ob-servado, desde a pr-histria, onde [...] tomar posse de uma caverna significava colocar-se a salvo das variaes climticas, dos ataques de animais selvagens e de grupos rivais. Milnios depois, o problema da casa prpria con-tinua longe de ser resolvido.20 Contudo, na atualidade o dficit habitacional tido como um dos maiores proble-mas enfrentados em quase todas as cidades do pas, ten-do como principal causa o crescimento desordenado e a inexistncia de moradias suficientes.21

    O Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada IPEA afirma que a falta de moradias de qualidade para os segmentos de baixa renda possui diversos fatores que, interagindo entre si, provocam o dficit habitacional em todo o pas. Afirma ainda que a poltica habitacional no pode ser tratada isoladamente das demais polticas so-ciais, devendo ser analisada em uma relao recproca com as demais polticas, afinal de contas, a falta de mo-radia adequada um dos elementos da pobreza, tambm chamada de pobreza-moradia ou pobreza-habitao. As-sim, atuando na melhoria da qualidade de vida da popu-lao por meio de uma moradia digna, tal fato proporcio-nar a reduo da pobreza no longo prazo.22

    20 BUENO, E. Caixa: 150 anos de uma histria brasileira. Porto Alegre: Buenas Idias, 2010. p. 222.

    21 ANDREOLA, P.; CENCI, D. R. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e os conflitos socioambientais urbanos: desafios para a sustentabilidade nas cidades. [S.l.]: Escola Superior de Direito Municipal, abr. 2011. Disponvel em: . Acesso em :16 dez. 2011.

    22 INSTITUTO DE PESQUISA ECONMICA APLICADA. Polticas sociais: acompanhamento e anlise n 14. Braslia: IPEA, 2007. 328 p. Disponvel em: . Acesso em: 31 jan. 2012.

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    Essa falta de moradia fez o governo brasileiro atu-ar no setor habitacional pela primeira vez no ano de 1937, quando foram regulamentadas as Carteiras Prediais dos Institutos de Penso e Previdncia, primeiro rgo pblico a financiar a casa prpria aos trabalhadores de baixa renda.23

    Essa ao do governo vista como uma atuao de carter social, pois, apesar de ser um bem privado, a poltica de habitao possibilita que seja financiado para determinado segmento da populao (de baixa renda) com tributos pagos por todos, contribuindo, assim, para o bem-estar social por meio da estabilidade social.24

    No intuito de solucionar tal problema que aflige o pas desde o seu inicio, em 1996, o Governo Federal, valendo-se do novo ambiente econmico, promoveu uma srie de aes visando combinar programas de subsdios governamentais a mecanismos de mercado para o finan-ciamento habitacional, com a criao do Sistema de Fi-nanciamento Imobilirio em 1997, que visava somente s operaes de mercado, implementou aes a fim de recu-perar a capacidade do Fundo de Garantia por Tempo de Servio como principal fonte de recursos para a poltica habitacional de interesse social,25 sendo mantido at os dias de hoje com a caracterstica de aporte financeiro para a conquista da casa prpria.

    Em 2003, com a criao do Ministrio das Cida-des, as reas de poltica de desenvolvimento urbano, de polticas setoriais de habitao e de polticas de subsdio habitao popular passaram a ser realizadas pelo Mi-nistrio, por meio da Secretaria Nacional de Habitao. Apesar das mudanas institucionais ocorridas, a polti-ca de habitao popular continuou tendo como objetivo principal viabilizar a aquisio da casa prpria, tendo nesse momento, alm do Fundo de Garantia do Tempo de Servio (FGTS), tambm o Oramento Geral da Unio (OGU) como fontes principais de recursos.

    23 BUENO, E. Caixa: 150 anos de uma histria brasileira. Porto Alegre: Buenas Idias, 2010.

    24 INSTITUTO DE PESQUISA ECONMICA APLICADA. Polticas sociais: acompanhamento e anlise n 14. Braslia: IPEA, 2007. 328 p. Disponvel em: . Acesso em: 31 jan. 2012.

    25 INSTITUTO DE PESQUISA ECONMICA APLICADA. Polticas sociais: acompanhamento e anlise n 14. Braslia: IPEA, 2007. 328 p. Disponvel em: . Acesso em: 31 jan. 2012, p. 282.

    Porm, esses recursos ainda permanecem insufi-cientes para atender demanda para a reduo do d-ficit de moradias. Surge ento, em julho de 2005, a Lei n. 11.124, como o objetivo de atender s famlias mais carentes, implantando o Sistema Nacional de Habitao de Interesse Social (SNHIS) e criando o Fundo Nacional de Habitao de Interesse Social (FNHIS). A Lei refora o foco na habitao social, promovendo a centralizao dos programas e as aes de financiamento da habitao popular, por meio dos recursos provenientes do Fundo de Garantia do Tempo de Servio (FGTS) e do Fundo de Amparo ao Trabalhador FAT (fontes primrias), do OGU, de emprstimos externos e internos, de contribui-es diversas e de receitas operacionais.26

    Alm das mudanas legislativas, em setembro de 2006, o governo federal promoveu uma srie de medidas para incentivar a construo de novas moradias, contu-do, nem todas as medidas foram direcionadas habitao popular. Na verdade, o governo atuou em trs pontos: re-duo do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de 10% para 5% sobre materiais de construo; alterao da lei de cunho fiscal na qual propiciou que as empresas de construo civil fossem includas na Lei Geral de Mi-cro e Pequenas Empresas, com reduo e simplificao da tributao e, por fim, possibilitou que as empresas ob-tivessem emprstimos do Banco Nacional do Desenvol-vimento Econmico e Social (BNDES) para a construo de moradias para seus trabalhadores, desde que sejam construdas nas proximidades dessas empresas.27

    Como se pode observar, no ano de 2006, no ocor-reram mudanas substanciais nos rumos da poltica habi-tacional; contudo, no ano seguinte, em janeiro de 2007, o governo federal lanou o Programa de Acelerao do Crescimento (PAC), com o objetivo de promover o cres-cimento do Produto Interno Bruto (PIB) e do emprego,

    26 BRASIL. Lei n. 11.124, 16 de junho de 2005. Dispe sobre o Sistema Nacional de Habitao de Interesse Social SNHIS, cria o Fundo Nacional de Habitao de Interesse Social FNHIS e institui o Conselho Gestor do FNHIS. Braslia: Planalto, 2005. Disponvel em: . Acesso em: 20 dez. 2010.

    27 INSTITUTO DE PESQUISA ECONMICA APLICADA. Polticas sociais: acompanhamento e anlise n 14. Braslia: IPEA, 2007. 328 p. Disponvel em: . Acesso em: 31 jan. 2012.

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    intensificando incluso social e melhora na distribuio de renda.28

    O setor habitacional est contemplado nas duas primeiras grandes linhas. Com relao primeira, o pro-grama ser desenvolvido de acordo com aes baseadas em trs eixos: infraestrutura logstica, energtica e social e urbana.29

    Ressalta-se que, o eixo social e urbano engloba investimentos em energia eltrica (Luz para Todos), sa-neamento, habitao, metrs e recursos hdricos. A se-gunda linha refere-se s medidas de estmulo ao crdito e ao financiamento, por meio da concesso de crdito Caixa Econmica Federal, pela Unio, para aplicao em saneamento e em habitao popular, alm de contemplar aumento de recursos do Fundo de Arrendamento Resi-dencial (FAR), que so aplicados no Programa de Arren-damento Residencial a fim de promover liquidaes an-tecipadas e novas operaes e arrendamento residencial para os grupos de baixa renda.30

    Concludo em 2010, o PAC 1 reduziu tributos para diversos setores, com uma renncia fiscal de R$ 6,6 bi-lhes apenas em 2007, fator que estimulou o investimen-to, recompensando o corte de tributos. Essa iniciativa fez com que a crise de 2008 fosse quase que imperceptvel no pas, sendo o PAC um dos grandes responsveis pela rpida retomada do crescimento em 2010, em virtude da quantidade de investimentos.31

    Em 29 de maro de 2010, foi lanada a segunda fase do Programa de Acelerao do Crescimento, o cha-mado PAC 2, que incorpora ainda mais aes nas reas social e urbana, alm de mais recursos para continuar

    28 PAC 2: medidas institucionais e econmicas. Braslia, 2011. Disponvel em: . Acesso em: 12 fev. 2012.

    29 INSTITUTO DE PESQUISA ECONMICA APLICADA. Polticas sociais: acompanhamento e anlise n 14. Braslia: IPEA, 2007. 328 p. Disponvel em: Acesso em: 31 jan. 2012.

    30 INSTITUTO DE PESQUISA ECONMICA APLICADA. Polticas sociais: acompanhamento e anlise n 14. Braslia: IPEA, 2007. 328 p. Disponvel em: . Acesso em: 31 jan. 2012. p. 288.

    31 PAC 2: medidas institucionais e econmicas. Braslia, 2011. Disponvel em: http://www.brasil.gov.br/pac/o-pac/medidas- institucionais-e-economicas-e-investimentos. Acesso em: 12 fev. 2012.

    construindo a infraestrutura logstica e energtica para sustentar o crescimento do Pas, sendo os investimentos organizados em seis grandes eixos: transportes; energia; cidade melhor; comunidade cidad; minha casa, minha vida; e gua e luz para todos.32

    O PAC HABITAO tem como objetivo [...] reduzir o dficit habitacional, garantir o acesso casa prpria e melhorar a qualidade de vida da populao so os objetivos que norteiam as aes do PAC Minha Casa, Minha Vida.33

    No PAC 2, a previso de que em quatro anos, entre 2011 e 2014, sejam investidos R$ 279 bilhes, valor este dividido em trs frentes: R$ 30,5 bilhes para urbani-zao de assentamentos precrios; R$ 72,5 bilhes para o Programa Minha Casa, Minha Vida; R$ 176 bilhes para o financiamento habitacional realizados pelo Sistema Brasileiro de Poupana e Emprstimo (SBPE).34 Apesar dos cortes no Oramento Geral da Unio de 2012, o Mi-nistrio do Planejamento, Oramento e Gesto informou que as despesas previstas com o Programa de Acelerao do Crescimento (PAC) foram integralmente preservadas.

    O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) atua tanto nos Programas Nacionais de Habitao Urba-no e Rural (PNHU e PNHR), como no Programa Habi-tacional Popular Entidades (PHPE) e em municpios com menos de 50 mil habitantes e com mais de 50 mil habitan-tes, sendo este ltimo com recursos providos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR).35

    O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), lanado em 25 de maro de 2009, teve seu inicio efetivo em 13 de abril daquele mesmo ano, por meio da edio da Medida Provisria n. 459/2009, tendo como finalida-de a criao de mecanismos de incentivo produo e

    32 PAC 2. Conhea o PAC. Braslia, 2011. Disponvel em: . Acesso em: 12 fev. 2012.

    33 PAC 2: PAC habitao. Braslia 2011. Disponvel em: . Acesso em: 12 fev. 2012.

    34 PAC 2: PAC habitao. Braslia, 2011. Disponvel em: . Acesso em: 12 fev. 2012.

    35 BRASIL. Ministrio das Cidades. Programa Minha Casa Mi-nha Vida. Braslia: 2011. Disponvel em: . Acesso em: 20 dez. 2011.

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    aquisio de novas unidades habitacionais pelas famlias com renda de at dez salrios mnimos.

    Em 07 de julho de 2009, a Lei n. 11.977 fez a converso da Medida Provisria em lei e passou a dispor acerca do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) e a regularizao fundiria de assentamentos localizados em reas urbanas.

    Os participantes do Programa so a Caixa Eco-nmica Federal (CEF), agente executor do Programa; o Ministrio das Cidades, que representa o agente gestor do Programa; o Ministrio da Fazenda, que fixa a remu-nerao da CAIXA, pelas atividades exercidas no mbito do Programa; o Poder Pblico Estadual e Municipal com participao por meio de assinatura de Convnio com a CAIXA; construtoras e rgos assemelhados os quais participam na apresentao de propostas e execuo dos projetos aprovados para aquisio de unidades habitacio-nais na forma estabelecida pelas normas do Programa e o Pblico Alvo que so as famlias beneficiadas.

    Assim, o Programa Minha Casa Minha Vida (PM-CMV) constitui um programa do Governo Federal, geri-do pelo Ministrio das Cidades e operacionalizado pela Caixa Economica Federal (CEF). Referido programa destinado s famlias indicadas pelo municpio ou Go-verno do Estado/Distrito Federal. A seleo realizada pela CAIXA e os imveis so adquiridos pelas famlias beneficiadas por venda com parcelamento.

    Os investimentos no Programa Minha Casa Mi-nha Vida sero destinados principalmente para a cons-truo de casas para famlias de baixa renda, contudo, prev ainda a transformao de favelas em bairro popula-res, com a inteno de urbanizar os assentamentos prec-rios e proporcionar qualidade de vida para a populao, com acesso a bens como: gua, esgoto, iluminao, sade, educao, esporte, lazer e cultura.36

    Como se pode observar, a poltica habitacional bra-sileira at ento se baseou na oferta de subsdios e de cr-ditos individualizados para a obteno das propriedades privadas novas em reas ainda no edificadas; contudo, com o advento do Programa Minha Casa Minha Vida, tal fato comeou a mudar, pelo menos na regio das favelas.

    36 PAC 2: PAC habitao. Braslia, 2011. Disponvel em: . Acesso em: 12 fev. 2012.

    Essa modalidade de programa habitacional com restrio para construo de apenas novas unidades em glebas e terrenos no edificados vinha sofrendo srias crticas quanto sua aplicao, pois ela no viabilizava as possibilidades de reciclagem e de reabilitao de edifcios j existentes localizados em espaos urbanos consolida-dos, em especial nos centros das cidades.37

    Afinal de contas, conforme dados do IPEA, exis-tem atualmente cerca de 5.084.284 de domiclios vagos nas reas urbanas, dos quais, 87,9% esto em condies de ocupao, fator que prejudica ainda mais o desequi-lbrio do mercado habitacional.38 Considerando esses dados, surpreendente a existncia de um dficit habi-tacional urbano se existe grande estoque de moradias vagas; contudo, tal fato explicado pela acumulao de moradias apenas nas parcelas mais ricas da populao, que utilizam os imveis para o mercado de aluguel. No entanto,, por este no ser um ramo muito rentvel, faz com que os proprietrios mantenham os imveis fora do mercado; ademais, os grandes calotes realizados por lo-catrios tambm proporcionam esse quadro.

    Com fins a reverter essas questes relacionadas ao crescimento de domiclios vagos nas reas urbanas, diversos pases utilizam um mecanismo que vem cau-sando grande sucesso: trata-se do auxlio ao aluguel, que [...] pode ser repassado diretamente ao inquilino ou por meio de incentivos fiscais aos construtores de im-veis de aluguel acessveis aos segmentos mais pobres da populao.39

    Referida prtica de auxlio ao aluguel retratada por Alexander Von Hoffman como uma alternativa go-vernamental para reduo dos gastos pblicos e melho-ria na distribuio da moradia nas cidades, reduzindo o

    37 ROLNIK, Raquel; NAKANO, Kazuo. As armadilhas do Paco-te Habitacional. Campinas: Universidade de Campinas, 2008. Disponvel: . Acesso em: 16 jan. 2012.

    38 INSTITUTO DE PESQUISA ECONMICA APLICADA. Polticas sociais: acompanhamento e anlise n 14. Braslia: IPEA, 2007. 328 p. Disponvel em: . Acesso em: 31 jan. 2012.

    39 INSTITUTO DE PESQUISA ECONMICA APLICADA. Polticas sociais: acompanhamento e anlise n 14. Braslia: IPEA, 2007. p. 280. Disponvel em: .Acesso em: 31 jan. 2012.

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    nmero de domiclios vagos. O autor retrata ainda que, mais vale contribuir para a melhoria social por meio de moradia digna, do que utilizar grandes e caros investi-mentos em programas governamentais de construes de moradias. In verbis:

    In an era of drastic reductions in government expenditures for social programs, the success of housing developments as safe havens and places of social betterment will depend not on new, expensive social programs but on screening te-nants and coordinating with local social service agencies, schools and educational services, and the police. And if, as Presidente Clinton has sta-ted, the era of big federal government is over, the advocates for effectiv housing polcy now should refocus their energies ond state and local governments and the private sector.

    For many housing advocates, such pragmatic ap-proaches to policy may too modest. The simple goal of providing decent and safe housing to low--income people where they now live is not so-cially heterogeneous society Yet it is just as wor-thy and, in these perlous times for social policy, has the advantage of being remotely possible.40.

    Em uma anlise comparativa, os programas de subsdios habitacionais s populaes de baixa renda tiveram em todo o mundo um grande crescimento nos ltimos anos, principalmente em relao ao microfinan-ciamento. O Banco Mundial estima que cerca de seis mi-lhes de pessoas de baixa renda tm acesso a essa modali-dade de financiamento na Amrica Latina.41

    Nos Estados Unidos no seria diferente; naquele pas, os programas de subsdios habitacionais s popula-es de baixa renda so bem antigos, porm, foi no ano de 1986, por meio de uma Lei de Reforma Fiscal, que se criou o Low-Income Housing Tax Credit (LIHTC), com vistas a substituir outras subvenes fiscais para habita-o de baixa renda, as quais foram eliminadas.

    Edgar O. Olsen aponta que esse Programa em poucos anos se tornou o segundo maior meio de propor-

    40 VON HOFFMAN. A. High Ambitions: The Past and Futu-re of Americam Low-Income Housing Policy. Housing policy debate, Washington, v. 7, p.423-446, 1996. Disponvel em: . Acesso em: 22 jun. 2012. p. 442.

    41 INSTITUTO DE PESQUISA ECONMICA APLICADA. Polticas sociais: acompanhamento e anlise n 14. Braslia: IPEA, 2007. 328 p. Disponvel em: . Acesso em: 31 jan. 2012.

    cionar subsdios habitacionais para populaes de baixa renda, veja:

    The LIHTC was enacted hastily as a part of the Tax Reform Act of 1986 to replace other tax subsidies for low-income housing that were eliminated. Within a few years, it will become the second largest program of housing subsidies to low-income households, surpassing public housing. For projects not nanced by tax-ex-empt bonds, the tax credit pays 70 percent of the cost of developing the project.42

    Contudo, o Departamento de Habitao e Desen-volvimento Urbano (HUD) dos Estados Unidos opera uma srie de outros programas que oferecem moradia as-sistida e servios de apoio tambm populao de baixa renda, at mesmo para a populao idosa, veja:

    HUD operates five programs that designate assisted housing developments for either low--income elderly residents alone, or low-income elderly residents and residents with disabilities. The primary HUD program that provides hou-sing for low-income elderly households is the Section 202 Supportive Housing for the Elder-ly program. Established in 1959, it is the only HUD program that currently provides housing exclusively for elderly residents.43

    Nesse diapaso, deve-se considerar que, um dos maiores desafios da poltica habitacional tem sido esta-belecer as fontes para liberao de recursos para financia-mento aos segmentos de baixa renda, fato no alcanado em muitos pases subdesenvolvidos.44

    Tal fato tambm observado nos Estados Unidos, sendo que o autor Edgar O. Olsen aponta para a seguinte evidncia: os primeiros anos de um programa de cons-truo de habitaes so representados pelo aumento estremado do consumo, contudo, antes de chegarem mdia de suas vidas teis esses projetos tendem a de-

    42 OLSEN, E. O. Housing Programs for Low-Income House-holds. In: MEANS-Tested Transfer Programs in the United. States. University of Chicago Press. jan. 2003. p. 373-374. Disponvel em: . Acesso em: 21 jun. 2012.

    43 PERL, L. Section 202 and Other HUD Rental Housing Pro-grams for Low-Income Elderly Residents. In: CONGRESSIO-NAL Research Service. Aging Senate, set. 2010. p. 1.Dispo-nvel em: . Acesso em: 21 jun. 2012.

    44 INSTITUTO DE PESQUISA ECONMICA APLICADA. Polticas sociais: acompanhamento e anlise n 14. Braslia: IPEA, 2007. 328 p. Disponvel em: . Acesso em: 31 jan. 2012.

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    cair na oferta de habitaes, tendo em vista o fato de que os programas de habitao geralmente oferecem grandes benefcios aos destinatrios, em comparao com a renda mdia deles.

    The increase in housing consumption is espe-cially marked for new construction programs in their early years. However, well before they reach the midpoint of their useful lives these projects have provided less desirable housing than the housing occupied by voucher recipi-ents. All programs increase aggregate housing consumption more than would occur if each participant were given a cash grant equal to his or her housing subsidy.

    The net eect of these changes in consumption patterns is that housing programs typically pro-vide large benets to their recipients. Although mean benet is large compared with their mean income, it is small compared with the cost to taxpayers.45

    Diante de todos os fatos apontados at o presen-te momento, o desenvolvimento de novas estruturas de microcrdito para aquisio de moradias pelas popula-es de baixa renda fundamental, sendo por meio de microcrdito para a habitao ou por auxlio aluguel. Fato que essas novas estruturas so vistas como [...] um po-tencial para uma colaborao marginal ao financiamento habitacional.46

    Ademais, essa viso relacionada apenas com a ex-panso urbana pode acarretar srios problemas como: a falta de infraestrutura dos equipamentos urbanos (infra-estrutura bsica) nas cidades para o suporte dessas novas edificaes; a ausncia/ineficincia de planejamento para instalao de equipamentos comunitrios como escolas, creches e hospitais, dentre outras questes inerentes ex-panso.

    Tais questes tambm acontecem em pases de-senvolvidos, como os Estados Unidos, onde os programas de habitao para populaes de baixa, apesar de traze-rem grandes benefcios, como o aumento substancial de

    45 OLSEN, E. O. Housing Programs for Low-Income House-holds. In: MEANS-Tested Transfer Programs in the United. States. University of Chicago Press. jan. 2003. Disponvel em: . Acesso em 21 jun. 2012.

    46 INSTITUTO DE PESQUISA ECONMICA APLICADA. Polticas sociais: acompanhamento e anlise n 14. Braslia: IPEA, 2007. 328 p. Disponvel em: .Acesso em: 31 jan. 2012, p. 297.

    habitaes, provocam tambm impactos, como o aumen-to significativo de consumo de matrias primas.47

    Ademais, alguns autores apontam que os pacotes habitacionais promovidos pelo governo brasileiro desde ento, no representam uma poltica habitacional, mas sim uma falcia, pois tm sido alicerados [...] sobre uma poltica de ampliao do acesso ao crdito associada a distintas formas de desonerao da indstria da cons-truo, sem conexo com qualquer estratgia urbanstica ou fundiria e confundindo poltica habitacional com po-ltica de gerao de empregos.48

    Trata-se de uma crtica severa s medidas adotas pelo governo que estimulam a produo habitacional para manuteno do crescimento dos setores imobilirios e da construo civil, que acabam por estimular a indstria e gerando empregos, contudo, sem enfrentar a questo da precariedade da moradia da maior parte da populao.

    Outros autores apontam que o lado social da po-ltica habitacional no pode retirar de cogitao a im-portncia da atuao no segmento de mercado do setor habitacional, o qual responde por grande parcela das ati-vidades econmicas e do nmero de empregos gerados na economia.49

    Portanto, o importante na gesto desses programas de habitao para populaes de baixa renda em todo o mundo definir os resultados e prioriz-los, afinal de contas, muitos programas ao longo do tempo perdem a inteno inicial de sua existncia, qual seja, proporcionar moradias dignas s populaes de baixa renda dos pases.

    Contudo, definir os parmetros de bem-estar e os impactos desses parmetros na sociedade e no meio em que se vive extremamente difcil, pois a formao de conflitos de direitos inevitvel, o que causa srios pro-

    47 OLSEN, E. O. Housing Programs for Low-Income House-holds. In: MEANS-Tested Transfer Programs in the United. States. University of Chicago Press. jan. 2003. Disponvel em: . Acesso em: 21 jun. 2012, p. 436.

    48 ROLNIK, Raquel; NAKANO, Kazuo. As armadilhas do pacote habitacional. Campinas: Universidade de Campinas, 2008. p. 2. Disponvel: . Acesso em: 16 jan. 2012.

    49 SANTOS, C. H. M. Polticas federais de habitao no Brasil: 1964/1998. Braslia: IPEA, jul. 1999. Disponvel em: . Acesso em: 22 dez. 2011.

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    blemas a toda a sociedade. Afinal de contas, desde que a humanidade foi criada, o consumo extremo sempre ponderado acima dos interesses coletivos de proteo ao meio ambiente, sendo essa uma demonstrao concreta do egocentrismo intrnseco do homem.

    Tal fato retratado por Hugh Lacey, ao apontar que [...] o crescimento econmico per se um compo-nente essencial [...], e ele tem recebido prioridade sobre a sustentabilidade, o que culminou na profunda crise am-biental que enfrentamos atualmente, com suas implica-es sociais muitas vezes devastadoras.50

    Gilberto Dupas tambm defende esse pensamento afirmando que o capitalismo global gerou duas tenses fundamentais: a estagnao dos nveis de misria e de po-breza (com concentrao de renda) e a crise ambiental sem precedentes provocada pelo modelo econmico su-cateador de produtos e esbanjador de energia.51

    Em tal circunstncia, a crise ecolgica crescente, sendo certo que a espcie humana corre um srio risco de desaparecer, tendo em vista a dependncia de colapso dos ecossistemas e dos recursos naturais, que esto escassos, o que faz surgirem conflitos entre os direitos fundamen-tais de crescimento econmico, de moradia e de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

    Como definio trazida no documento final do esquema internacional de implementao da Educao das Naes Unidas para um Desenvolvimento Sustent-vel, realizado pela Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura (UNESCO) em 2005, [...] os problemas e desafios aos quais a promoo do desen-volvimento sustentvel se refere so de alcance mundial na verdade, esto relacionados com a sobrevivncia do planeta como morada da sociedade humana.52

    50 LACEY, H. Crescimento econmico, meio ambiente e susten-tabilidade social: a responsabilidade dos cientistas e a questo dos transgnicos. In: DUPAS, Gilberto (Org.). Meio ambiente e crescimento econmico: tenses estruturais. So Paulo: Edi-tora UNESP, 2008. p. 91-130. p. 91.

    51 DUPAS, G. O impasse ambiental e a lgica do capital. In: In: DUPAS, Gilberto (Org.). Meio ambiente e crescimento econ-mico: tenses estruturais. So Paulo: Editora UNESP, 2008. p. 21-89.

    52 UNESCO. Dcada da Educao das Naes Unidas para um Desenvolvimento Sustentvel, 2005-2014: documento fi-nal do esquema internacional de implementao. Braslia, 2005. p. 30. Disponvel em: . Acesso em: 25 set. 2012.

    Assim, a coliso entre direitos fundamentais cada vez mais evidenciada, sendo certo que a definio de qual direito fundamental deve prevalecer, esbarra na capacida-de do homem de definir que, para haver a efetividade do direito fundamental ao meio ambiente sadio necessrio priorizar o desenvolvimento social e humano com capa-cidade de suporte ambiental. Para melhor anlise dessa temtica, passa-se ao estudo dos direitos fundamentais.

    4 Dos Direitos fundamentais

    Como se pode observar pelos pontos abordados at o presente momento, com a gesto de programas de habitao para populaes de baixa renda, nasce tambm uma coliso de direitos fundamentais, tendo em vista as diversas definies de parmetros de bem-estar social. Assim, extremamente importante definir quais os direi-tos fundamentais que esto diretamente ligados ao pre-sente caso, definindo a amplitude e as consequncias de cada um na percepo da realidade da implementao de programas governamentais dessa natureza.

    Contudo, necessrio se faz, para continuao do tema, estabelecer a diferena entre as expresses: Direitos Humanos, Direitos do Homem e Direitos Fundamentais.

    Paulo Bonavides53 faz duras crticas ao uso indife-rente desses termos, colocando que, pela palavra funda-mental, entende-se tudo aquilo que essencial, necess-rio; que funciona como fundamento bsico.

    Dessa maneira, Vladimir Brega Filho traz que Direto Fundamental [...] o mnimo necessrio para a existncia da vida humana.54 No se deve esquecer que esse mnimo essencial deve assegurar o princpio da dig-nidade humana e garantir uma vida digna.

    No que diz respeito aos Direitos Humanos, Vla-dimir Brega Filho55 os distingue dos Direitos Fundamen-tais entendendo que, enquanto eles so normatizados no corpo de uma Constituio, os outros so positivados em

    53 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 27. ed. So Paulo: Medeiros, 2012.

    54 BREGA FILHO, Vladimir. Direitos fundamentais na Consti-tuio de 1988: contedo jurdico das expresses. So Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 66.

    55 BREGA FILHO, Vladimir. Direitos fundamentais na Consti-tuio de 1988: contedo jurdico das expresses. So Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.

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    preceitos de cunho internacional. Todos eles firmados pelo princpio da dignidade da pessoa humana e necess-rios manuteno da vida humana.

    Para Canotilho (1998, p. 359), os [...] direitos do homem so direitos vlidos para todos os povos e em to-dos os tempos (dimenso jusnaturalista-universalista); Direitos Fundamentais so os direitos do homem, jur-dico-institucionalmente garantidos e limitados espacio- temporalmente.56

    Feita tal observao acerca da diferena dessas ex-presses, passa-se a utilizar a expresso de Direitos Fun-damentais, por ser ela a mais comum entre a doutrina e pela prpria Constituio Federal.

    Nesta feita, o presente captulo traz um estudo inicial acerca dos direitos fundamentais, apresentando posteriormente os conceitos dos direitos fundamentais diretamente ligados ao Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) do Governo Federal (Direito Fundamental Social de Moradia; Ordem Econmica e Financeira e Direito Fundamental do Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado - Sustentabilidade), alm de definir as consequncias de cada direito fundamental no caso concreto.

    Primeiramente, essencial definir o conceito de direitos fundamentais, Plauto Faraco de Azevedo traz o seguinte conceito para o termo: [...] conjunto de direitos e liberdades jurdicas e institucionalmente reconhecidos e garantidos pelo direito positivo,57assim, trata-se do re-conhecimento por meio de lei de direitos e de garantias dos cidados.

    Numa viso clssica, os direitos fundamentais consistem em mecanismos de defesa do indivduo em face da atuao do Estado, os quais esto elencados na Carta Magna de 1988, em que se preveem direitos e deve-res individuais e coletivos. Nesse contexto, assim concei-tua Jos Afonso da Silva:

    Direitos Fundamentais do Homem constitui a expresso mais adequada a este estudo, porque, alm de referir-se a princpios que resumem a concepo do mundo e informam a ideologia poltica de cada ordenamento jurdico, reser-vada para designar, no nvel do direito positivo,

    56 CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituio. Coimbra: Almedina, 1998.

    57 AZEVEDO, P. F. Ecocivilizao: ambiente e direito no limiar da vida. 2. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 46.

    aquelas prerrogativas e instituies que ele con-cretiza em garantias de uma convivncia digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualitativo fundamental acha-se a indicao de que se tra-ta de situaes jurdicas sem as quais a pessoa humana no se realiza, no convive e, s vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do ho-mem no sentido de que a todos, por igual, de-vem ser, no apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. Do homem, no como o macho da espcie, mas no sentido de pessoa humana. Direitos Fundamen-tais do Homem significa direitos fundamentais da pessoa humana ou direitos fundamentais. como contedo que a expresso direitos funda-mentais encabea o Ttulo II Ca Constituio, que se completa, como Direitos Fundamentais da Pessoa Humana, expressamente, no art. 17.58

    J Tas Nader Marta e Gisele Paschoal Cucci con-ceituam os direitos fundamentais como sendo:

    [...] princpios gerais do direito, possuindo fundamentalidade formal e material, o que lhes afere uma funo central no ordenamen-to jurdico, influenciando todas as normas do ordenamento jurdico. Esses direitos tratam de situaes jurdicas sem as quais a pessoa huma-na no se realiza, no convive e, s vezes, nem mesmo sobrevive, ou seja, so direitos reconhe-cidos pelo Estado para propiciar uma vida mais digna ao homem.59.

    Assim, o conceito de Direito Fundamental torna- se ainda mais complexo quando estes so analisados sob um foco histrico e social. A maior problemtica dos Di-reitos Fundamentais a busca por um fundamento abso-luto que seja capaz de respald-los no sentido de garantir seu contedo essencial e eficcia.

    Contudo, a falta de coercibilidade necessria efetivao de referidos documentos, faz com que esses direitos sejam denominados de direitos humanos, sendo que, medida que se caminha para a sua exigibilidade, por meio da positivao, referidos direitos passam a ser denominados de direitos fundamentais. 60

    Assim, a distino bsica entre direitos humanos e direitos fundamentais que aqueles visam proteo dos direitos e liberdades, contudo, no existem fatores que proporcionam a aplicao desses direitos, ou seja, a

    58 SILVA, J. A. Curso de direito constitucional positivo. 17. ed. So Paulo: Saraiva, 2009. p. 182.

    59 MARTA, T. N.; CUCCI, G. P. Estudos de direitos fundamen-tais. So Paulo: Verbatim, 2010. p. 52.

    60 AZEVEDO, P. F. Ecocivilizao: ambiente e direito no limiar da vida. 2. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

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    falta coercibilidade necessria efetivao dos direitos humanos, enquanto que os direitos fundamentais pos-suem meios de garantir os direitos e liberdades por meio de documentos positivados, mais especificamente por Constituies Federais, leis supremas de um pas. Portan-to, os direitos e liberdades, quando no positivados, so considerados direitos humanos, caso contrrio so direi-tos fundamentais, passveis de coero daqueles que os contrariarem.

    Contudo, a ideia de direitos humanos, cujo discur-so internacional tem avanado imensamente nos ltimos tempos, [...] coexiste com um certo ceticismo real, em crculos criticamente exigentes, quanto profundidade e coerncia dessa abordagem.61 Devendo considerar ainda que a ideia internacional para fundamentar a oratria so-bre os direitos humanos como vitria vista como certa ingenuidade, com a finalidade, muitas vezes, de ludi-briar as populaes, em busca de vantagens para certos grupos dominantes.

    Assim, surge a necessidade de consolidao dos direitos fundamentais como norma obrigatria, resulta-do de um amadurecimento histrico; diante desse fato, fcil perceber por que os [...] direitos fundamentais no sejam sempre os mesmos em todas as pocas, no corres-pondendo, alm disso, invariavelmente, na sua formula-o, a imperativos de coerncia lgica.62

    Por esse motivo os direitos fundamentais costu-mam ser distinguidos em geraes de direitos ou, con-forme a preferncia da doutrina atual, em dimenses dos direitos fundamentais, tendo em vista o momento do seu surgimento, embora todos se correlacionem.63

    Essa distino entre geraes dos direitos fun-damentais estabelecida apenas com o propsi-to de situar os diferentes momentos em que es-ses grupos de direitos surgem como reivindica-es acolhidas pela ordem jurdica. Deve-se ter presente, entretanto, que falar em sucesso de geraes no significa dizer que os direitos pre-vistos num momento tenham sido suplantados por aqueles surgidos em instante seguinte. Os direitos de cada gerao persistem vlidos jun-tamente com os direitos da nova gerao, ainda

    61 SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixei-ra Motta. So Paulo: Cia das Letras, 2010. p. 292.

    62 BRANCO, P. G. G. Direitos fundamentais: tpicos de teoria geral. In: MENDES, Gilmar Ferreira (Org.). Curso de direito constitucional. So Paulo: Saraiva, 2010. p. 307-370. p. 308.

    63 LENZA, P. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. So Paulo: Saraiva, 2009.

    que o significado de cada um sofra o influxo das concepes jurdicas e sociais prevalentes nos novos momentos. Assim, um antigo direito pode ter o seu sentido adaptado s novidades constitucionais (sic) .64

    A primeira dimenso refere-se ao direito liber-dade, com origem no final do sculo XVIII, a partir das Revolues Liberais. Trata-se de direitos individuais, civis e polticos, que buscam a defesa e a participao do cida-do, alm de assegurar os direitos do indivduo frente ao Estado, ou seja, so direitos e liberdades exercidos contra o Estado.

    A referida dimenso est sintetizada em alguns documentos histricos marcantes como a Magna Carta de 1215 de Joo Sem Terra e as Declaraes, seja a ame-ricana em 1776, seja a francesa em 1789, denominada de Declarao de Direitos do Homem e do Cidado.65 Para Plauto Faraco de Azevedo, nessa dimenso, exige-se do Estado apenas uma prestao negativa de no atuao em detrimento dos direitos de liberdade do cidado.66

    Na segunda dimenso de direitos fundamentais est o direito de igualdade, que surgiu no sculo XX por meio da Revoluo Industrial. Essa dimenso d proteo aos direito coletivos, por meio do Estado Social (direi-tos sociais, econmicos e culturais), exigindo do Estado uma atuao positiva, com vistas a assegurar suporte eco-nmico necessrio ao exerccio dos direitos previstos na primeira dimenso.

    Os direitos de segunda dimenso so os chamados direitos sociais, [...] no porque sejam direitos de cole-tividades, mas por se ligarem a reivindicaes de justia social na maior parte dos casos, esses direitos tm por titulares indivduos singularizados.67

    J Plauto Faraco de Azevedo aponta que a ques-to social deve-se penria em que se achava a maioria a populao no sculo XIX e na primeira metade do s-culo XX, fator que levou o Estado a intervir, exercendo a

    64 BRANCO, P. G. G. Direitos fundamentais: tpicos de teoria geral. In: MENDES, Gilmar Ferreira (Org.). Curso de direito constitucional. So Paulo: Saraiva, 2010. p. 307-370. p. 310.

    65 LENZA, P. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. So Paulo: Saraiva, 2009.

    66 AZEVEDO, P. F. Ecocivilizao: ambiente e direito no limiar da vida. 2. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

    67 BRANCO, P. G. G. Direitos fundamentais: tpicos de teoria geral. In: MENDES, Gilmar Ferreira (Org.). Curso de direito constitucional. So Paulo: Saraiva, 2010. p. 307-370. p. 308.

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    justia distributiva para remediar as desigualdades, asse-gurando, com isso, o direito ao trabalho, justa remune-rao, previdncia social e assistncia aos desampara-dos, dentre outros direitos sociais.68

    No final da Segunda Guerra Mundial, surgiu a ne-cessidade dos pases desenvolvidos auxiliarem os pases subdesenvolvidos, nascendo, assim, a terceira dimenso que consagra o direito fraternidade, envolvendo os di-reitos ao meio ambiente, autodeterminao dos povos, ao desenvolvimento ou ao progresso e comunicao. Ressalta-se que esses so direitos transindividuais, ou seja, direitos difusos e coletivos.

    A peculiaridade difusa e coletiva dos direitos de terceira gerao deve-se ao fato de que tais diretos no so concebidos para a proteo do homem isoladamente, mas para a coletividade de um grupo.

    A terceira dimenso refere-se aos direitos de soli-dariedade e de fraternidade, em que sobressai o direito, mesmo que at hoje seja considerado uma utopia,69 afinal de contas, o ser humano inserido em uma coletividade e passa a ter direitos de solidariedade.

    Neste momento, importante esclarecer que as trs primeiras dimenses so definidas na doutrina de forma pacfica como sendo: direito de liberdade (1 di-menso), direitos sociais (2 dimenso) e direitos difusos e coletivos (3 dimenso). Alguns doutrinadores ainda consideram a existncia de uma quarta dimenso e, mes-mo, de uma quinta dimenso; contudo, essas dimenses ainda aguardam sua consagrao na esfera do direito in-ternacional e das ordens constitucionais internas.70

    Para Paulo Bonavides, ilustre constitucionalista cearense, a quarta dimenso surge da necessidade de res-guardar a pluralidade como direito fundamental, tendo em vista o fato de que, a partir da globalizao poltica, a existncia de direitos apenas para as questes coletivas no bastou para assegurar o direito democracia, infor-mao e ao pluralismo (respeito s diferenas).71

    68 AZEVEDO, P. F. Ecocivilizao: ambiente e direito no limiar da vida. 2. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

    69 AZEVEDO, P. F. Ecocivilizao: ambiente e direito no limiar da vida. 2. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

    70 SARLET, I. W. A eficcia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. 493 p.

    71 BONAVIDES, P. Curso de direito constitucional. 12. ed. So Paulo: Malheiros Editores. 2002. 805 p.

    Contudo, outros autores, como Norberto Bobbio, consideram que referida dimenso de direitos decorreria dos avanos no campo da engenharia gentica, ao coloca-rem em risco a prpria existncia humana, por meio de manipulao do patrimnio gentico.72

    Se a doutrina diverge acerca da definio do tema inerente quarta dimenso, muitos autores nem chegam a mencionar sobre a existncia da quinta dimenso. Para Paulo Bonavides, a quinta dimenso visa assegurar o di-reito paz, colocando-a em lugar de destaque, superando um tratamento incompleto e teoricamente lacunoso, onde o direito paz possui relevncia no contexto multidimen-sional, sendo necessria sua insero em uma dimenso autnoma.73 Contudo, em respeito ao direito paz, outros autores apontam que ele pertenceria terceira dimenso, nascendo ento a grande divergncia na doutrina.74 75

    Assim, para o exerccio do direito, deve-se operar o respeito aos direitos fundamentais, pois, o Estado de Direito somente poder existir se o mesmo existir, con-tudo, havendo coliso entre direitos fundamentais, qual deveria prevalecer? Esse o tema abordado neste tra-balho, mais especificamente a coliso entre os direitos fundamentais de moradia, ordem econmica e do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

    Portanto, antes de se definir qual direito fundamen-tal deve prevalecer quando se analisa a aplicao de um programa governamental de auxilio habitao, funda-mental que se apresentem as definies de todos os direi-tos envolvidos em tal programa. Assim, enumerar e definir quais os direitos fundamentais impactados pelo programa de auxilio moradia o ponto que se passa a relatar.

    4.1. Do Direito fundamental social de moradia

    O primeiro direito fundamental diretamente rela-cionado ao programa governamental de auxilio habi-tao em estudo o Direito Fundamental Social de Mo-radia, que constitui um direito social (direito moradia)

    72 BOBBIO, N. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

    73 BONAVIDES, P. Curso de direito constitucional. 12. ed. So Paulo: Malheiros Editores. 2002. 805p.

    74 BRANCO, P. G. G. Direitos fundamentais: tpicos de teoria geral. In: MENDES, Gilmar Ferreira (Org.) Curso de direito constitucional. So Paulo: Saraiva, 2010.

    75 AZEVEDO, P. F. Ecocivilizao: ambiente e direito no limiar da vida. 2. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

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    previsto no artigo 676 da Constituio Federal. O referido direito social foi introduzido pela Emenda Constitucio-nal n. 26, de 14 de fevereiro de 2000, tem o seu reco-nhecimento tambm no inciso IX do artigo 23 da Carta Magna, que aponta ser de competncia comum da Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios a promoo de programas de construo de moradias e a melhoria das condies habitacionais e de saneamento.

    Como se pode observar, o inciso em anlise deter-mina um dever dos entes estatais para com os cidados brasileiros necessitados de habitao, sendo, portanto, um poder-dever estatal. Jos Afonso da Silva aponta que se trata de uma [...] ao afirmativa destinada a executar prestaes positivas estatais no interesse das classes me-nos favorecidas [...] obrigao de promover tais progra-mas de moradia e de melhoria das condies habitacio-nais e de saneamento bsico.77

    Etimologicamente, moradia o mesmo que mora-da, que por sua vez significa 1. Lugar onde se mora, casa de habitao; domiclio, residncia. 2. Lugar onde existe habitualmente uma certa e determinada coisa. 3. Estada, permanncia, residncia [...].78 Assim, o direito funda-mental social moradia estabelecido na Constituio Fe-deral representa o direito de permanecer habitualmente em um local.

    Contudo, o direito moradia no necessaria-mente direito casa prpria, pois a moradia representa local onde se abriga a famlia de modo permanente, no sendo necessariamente por meio da propriedade,79 po-rm, a aquisio da casa prpria constitui o meio mais eficaz de efetivao do direito moradia, pois deve envol-ver alm da ocupao/habitao, tambm a existncia de condies dignas da pessoa humana (inciso III do artigo 1, CF) e o direito intimidade e privacidade (inciso X do artigo 5, CF).

    76 Art. 6 So direitos sociais a educao, a sade, a alimentao, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurana, a previdncia so-cial, a proteo maternidade e infncia, a assistncia aos desamparados, na forma desta Constituio.

    77 SILVA, J. A. Comentrio contextual Constituio. 6.ed. So Paulo: Malheiros Editores, 2009. p. 275.

    78 MICHAELIS. Moderno Dicionrio da Lngua Portu-guesa. So Paulo: Melhoramentos, 2009. Disponvel em . Aces-so em: 07 jan. 2012.

    79 SILVA, J. A. Comentrio contextual Constituio. 6. ed. So Paulo: Malheiros Editores, 2009. p. 186.

    Frente s determinaes trazidas pelo artigo 6 e pelo inciso IX do artigo 23, ambos da Constituio Fede-ral, claro est que, [...] o cidado no pode ser privado de uma moradia, nem impedido de conseguir uma, no que importa a absteno do Estado e de terceiros,80 o que de-monstra a necessidade de uma ao positiva pelo Estado para a eficcia do direito moradia.

    No Brasil, [...] as carncias habitacionais das cama-das populacionais de baixa renda so muito grandes [...]. Tais carncias fazem que haja um relativo consenso na li-teratura de que as polticas pblicas na rea de habitao devem buscar atender prioritariamente a essas camadas.81

    Com vistas a implementar as determinaes trazi-das pela Constituio Federal em relao aos Direitos So-ciais, o Segundo Programa Nacional de Direito Humanos PNDH II (Decreto n 4.229, de 13 de maio de 2002), aps diagnstico estabelecido em 1996 pelo Primeiro Programa Nacional de Direito Humanos PNDH, apre-sentou aes objetivas para o desenvolvimento de certos direitos especficos, dentre tais direitos est a Garantia do Direito Moradia.

    Referido Programa aponta que, em atendimento aos anseios da sociedade civil, foram estabelecidas novas formas de acompanhamento e monitoramento das aes contempladas no Programa Nacional de Desenvolvimen-to Humano. Referidas aes deixam de ser elaboradas como propostas a objetivos de curto, de mdio e de longo prazo, e passam a ser implementadas por meio de planos de ao anuais.82

    O PNDH II apresenta a Garantia do Direito Mo-radia por meio de 12 (doze) pontos nos quais prioriza a promoo de moradia adequada, com atendimento das condies ambientais, de salubridade, de privacidade, de segurana, de saneamento bsico, de infraestrutura urba-na, alm da estruturao de programas e aes de gover-namentais com fins habitao popular, entre outros.

    80 SILVA, J. A. Comentrio contextual Constituio. 6. ed. So Paulo: Malheiros Editores. 2009. p. 275.

    81 SANTOS, C. H. M. Polticas federais de habitao no Brasil: 1964/1998. Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada. Bras-lia, jul. 1999. Disponvel: em: . Acesso em: 22 dez. 2011, p.8-9

    82 PROGRAMA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS (PNDH-2). Braslia: SDH/PR, 2002. Disponvel em: . Acesso em: 20 dez. 2011.

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    Os programas e aes governamentais para ha-bitao popular so apresentados em 04 (quatro) dos 12 (doze) pontos destinados garantia do direito mora-dia, reforando a ideia de que a aquisio da casa prpria constitui o meio mais eficaz de efetivao desse direito social fundamental. O Programa Nacional De Direitos Humanos (PNDH II) traz em seu rol de Propostas de Aes Governamentais, os itens abaixo que asseguram esse direito fundamental, veja:

    420. Promover a igualdade de acesso ao crdi-to, por meio da estruturao de uma poltica de subsdios de origem fiscal que possa mesclar recursos onerosos e no onerosos, potenciali-zando o alcance social dos programas e aes de governo, especialmente para populaes de baixa renda.

    421. Apoiar a regulamentao do Programa de Subsdio Habitao de Interesse Social PSH.

    423. Incentivar a participao da sociedade na elaborao, execuo e acompanhamento de programas de habitao popular.

    426. Apoiar polticas destinadas urbani-zao das reas de moradia ocupadas por populaes de baixa renda, tais como fave-las, loteamentos e assentamentos [...].83

    Em continuidade com as conquistas adquiridas ao longo do PNDH II, em 2009, por meio do Decreto Presi-dencial n. 7.037/2009, foi aprovado o Terceiro Programa Nacional de Direito Humanos PNDH III, que assimila os grandes avanos conquistados ao longo dos ltimos anos e aponta as ampliaes para o acesso s polticas fundamentais para o respeito dignidade humana, den-tre elas o direito moradia.

    Dentre os pontos trazidos pelo PNDH III,84 vale destacar o Terceiro Objetivo Estratgico que visa garantir o acesso a terra e moradia para a populao de baixa renda e para grupos sociais vulnerveis, garantindo no

    83 PROGRAMA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS (PNDH-2). Braslia: SDH/PR, 2002. Disponvel em: . Acesso em: 20 dez. 2011, p. 28.

    84 PROGRAMA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS (PNDH-3). Braslia: SDH/PR, 2010. Disponvel em: . Acesso em: 20 dez. 2011.

    item g85 a priorizao de programas habitacionais s populaes de baixa renda.

    Vale registrar que o Fundo Nacional de Habitao de Interesse Social (FNHIS) foi criado em 2005, por meio da promulgao da Lei n. 11.124/2005, que conta anu-almente com cerca de um bilho de reais para projetos de urbanizao ou construo de moradias destinadas populao de baixa renda, reconhecendo, assim, o direito moradia digna como um direito humano.86

    O Fundo Nacional de Habitao de Interesse So-cial (FNHIS) corresponde ao primeiro passo elaborado pelo Governo Federal com vistas a estruturar o programa de incentivo produo e aquisio de novas unidades habitacionais, o qual deu origem, 04 (quatro) anos de-pois, ao PMCMV.

    Assim, o PMCMV representa a efetivao do di-reito fundamental social moradia previsto na Constitui-o Federal; contudo, referido direito fundamental deve ser observado de forma a garantir tambm a efetividade do direito fundamental que garante a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e ordem econmica e financeira.

    85 g) Garantir que nos programas habitacionais do governo se-jam priorizadas as populaes de baixa renda, a populao em situao de rua e grupos sociais em situao de vulnerabi-lidade no espao urbano e rural, considerando os princpios da moradia digna, do desenho universal e os critrios de aces-sibilidade nos projetos.

    Responsveis: Ministrio das Cidades; Ministrio do Desen-volvimento Social e Combate Fome Parceiros: Casa Civil da Presidncia da Repblica; Secretaria Especial de Polticas para as Mulheres da Presidncia da Repblica

    Recomendao: Recomenda-se a facilitao do acesso a sub-sdios e crditos habitacionais para famlias de baixa renda, priorizando o cadastro de mulheres a partir dos dados do Ca-dastro nico.

    86 BRASIL. Lei n. 11.105, 24 de maro de 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do 1 do art. 225 da Constituio Federal, estabelece normas de segurana e mecanismos de fiscalizao de atividades que envolvam organismos geneticamente mo-dificados OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurana CNBS, reestrutura a Comisso Tcnica Nacional de Biossegurana CTNBio, dispe sobre a Poltica Nacional de Biossegurana PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisria no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003, e d outras providncias. Braslia: Planalto, 2005. Disponvel em: . Acesso em: 20 dez. 2010.

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    Afinal de contas, de grande importncia a atu-ao do Estado com fins a garantir atividade econmi-ca que promova o aumento do nmero de empregos e o meio ambiente que permita uma melhor qualidade de vida a todos.

    A nfase no lado social da poltica habitacional no deve obscurecer a importncia da atuao do governo sobre o segmento de mercado do setor habitacional, dado que tal setor responde por parcela significativa da atividade econmi-ca e do nmero de empregos gerados na eco-nomia.87

    Portanto, de fundamental importncia ter-se em mente a necessidade de observao de diversos prismas para o alcance da efetivao do direito fundamental de moradia, sem com isso prejudicar outros direitos que po-dem ser, sobre diversos aspectos e pontos de vista, neces-srios manuteno da qualidade de vida e do bem-estar da populao.

    4.2 Da Ordem econmica e financeira

    Mesmo repercutindo diretamente no Direito Fundamental Social de Moradia, os programas gover-namentais de auxilio habitao tambm influenciam diretamente na vida econmica e financeira das popu-laes, pois proporcionam alterao na capacidade eco-nmica das populaes inseridas nesse contexto, bem como proporciona mudanas na qualidade de vida dos cidados, sendo, portanto, mais um direito fundamental diretamente ligado ao presente estudo, o qual deve ser es-tudado e resguardado no momento de implementao de polticas pblicas dessa natureza.

    Originria da terceira dimenso dos direitos fun-damentais, na qual o direito fraternidade consagrado tambm pela proteo ao desenvolvimento e ao progres-so, a Ordem Econmica e Financeira visa assegurar aos cidados a existncia digna, afinal de contas, por meio do respeito dignidade da pessoa humana que os valores bsicos do ser humano so fundamentados, protegen-do no apenas o cidado contra ofensas, mas tambm

    87 SANTOS, C. H. M. Polticas federais de habitao no Brasil: 1964/1998. Braslia: Instituto de Pesquisa Econmica Aplica-da, jul. 1999. p. 9. Disponvel em: . Acesso em: 22 dez. 2011.

    afirmando o pleno desenvolvimento de todos os seres hu-manos.88

    Mas o que vem a ser a garantia de uma existn-cia digna? Srgio Luiz Junkes aponta que essa existncia digna [...] implica que cada pessoa, indistintamente, de acordo com as exigncias peculiares de sua natureza fsica, espiritual e poltica, deve poder dispor daqueles meios materiais necessrios para viver de uma maneira confortvel.89

    Assim, a dignidade da pessoa elemento da na-tureza do ser humano, um valor jurdico supremo que corresponde a todos por igual, respeitando as diferenas internas de cada pessoa, alm das diferentes circunstn-cias nas quais a pessoa poder se inserir.

    Como j afirmado anteriormente, a ordem eco-nmica deve assegurar a todos os cidados a existncia digna. No Brasil, as bases constitucionais do atual sistema econmico brasileiro encontram-se dispostas no Ttulo VII - Da Ordem Econmica e Financeira, nos artigos 170 a 192 da CF, especificamente no artigo 170,90 no qual esto elencados os princpios balizadores da atividade econ-mica, objetivando, assim, a proteo da dignidade da pes-soa humana, a valorizao do trabalho humano e a livre iniciativa, como forma de atender/buscar a justia social.

    Como se pode observar, o desenvolvimento eco-nmico analisado como um meio para atingir o objeti-vo pretendido, qual seja, o bem-estar da sociedade, con-forme as determinaes previstas pela justia social, por

    88 ALCAL, H. N. A dignidade da pessoa e os direitos econmi-cos, sociais e culturais: uma aproximao latino-americana. Revista de Direito Constitucional e Internacional, So Paulo, p. 17-43, 2005.

    89 JUNKES, S. L. A justia social como norma constitucional. Re-senha eleitora: nova srie, Florianpolis, v. 12, n. 1, 2005. p. 49,

    90 Art. 170. A ordem econmica, fundada na valorizao do tra-balho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia digna, conforme os ditames da justia social, observados os seguintes princpios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - funo social da propriedade; IV - livre concorrncia; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e servios e de seus processos de elaborao e prestao; VII - reduo das desigualdades regionais e sociais;

    VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constitudas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administrao no Pas. Pargrafo nico. assegurado a todos o livre exerccio de qualquer atividade econmica, independentemente de autor-izao de rgos pblicos, salvo nos casos previstos em lei.

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    meio da reduo das desigualdades nas esferas econmi-cas, sociais, culturais e ambientais.

    Para a compreenso da importncia da ordem econmica na garantia do bem-estar social, faz-se ne-cessrio estabelecer uma anlise dos aspectos inerentes ordem econmica e aplicabilidade das normas relacio-nadas ao tema. o que ser apresentado neste momento.

    A expresso ordem econmica apontada por Eros Roberto Grau91 como sendo um [...] termo de con-ceito de fato, para conotar o modo de ser emprico de determinada economia concreta, apresenta essa mesma economia, realidade do mundo do ser, como suficiente-mente normatizada.

    Diante disso, a ordem econmica vista atual-mente como sendo um sistema de princpios e de regras jurdicas que representa o capitalismo atual, tendo como fundamento a valorizao do trabalho humano e a livre iniciativa privada. Como se pode analisar, segundo os di-tames do artigo 170 da Constituio Federal, o bem-estar social somente ser plenamente alcanado se houver uma atuao forte na valorizao do trabalho humano e na li-vre iniciativa.

    Contudo, alm das normas previstas na Constitui-o Federal, diversos princpios devem ser considerados no momento de assegurar o direito ordem econmica; dentre eles, destacam-se, tendo em vista o tema deste trabalho, os seguintes princpios: propriedade privada; funo social da propriedade; defesa do meio ambiente; reduo das desigualdades regionais/sociais e a busca do pleno emprego.

    Assim, os fundamentos estabelecidos pelo artigo 170 da Constituio Federal, de acordo com os princpios definidos acima, devem ser aplicados em conjunto com os fundamentos do artigo 225 tambm da Constituio Federal, que assegura a defesa do meio ambiente, tendo o [...] efeito de condicionar a atividade produtiva ao res-peito do meio ambiente, e possibilitar ao Poder Pblico interferir drasticamente, se necessrio, para que a explo-rao econmica preserve a ecologia.92

    91 GRAU, E.R. A ordem econmica na Constituio de 1988. 9. ed. So Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 60.

    92 SILVA, J. A. Comentrio contextual Constituio. 6. ed. So Paulo: Malheiros Editores, 2009. p. 714.

    A Ordem Econmica est orientada para solucio-nar os problemas no s econmicos e ambientais, mas tambm sociais, com fins a garantir a reduo das desi-gualdades regionais/sociais, o pleno emprego e a funo social da propriedade, todos eles intimamente ligados questo do problema de dficit habitacional no pas, te-mtica deste trabalho.

    Afinal de contas, deve-se respeitar tanto as normas como os princpios contidos na Constituio, mesmo porque, [...] o princpio constitui o centro de um siste-ma, tem importncia fundamental e bsica para que as demais normas do sistema, neste caso o jurdico, possam fazer sentido dentro da lgica normativa de determinado sistema.93 Portanto, a ordem econmica deve contribuir com o desenvolvimento social, garantindo, assim, condi-es de vida digna a toda a sociedade.

    4.3 Do Direito fundamental do meio ambiente ecologicamente equilibrado (sustentabilidade)

    Por fim, alm de repercutindo diretamente no Direito Fundamental Social de Moradia e na Ordem Econmica e Financeira, os programas governamentais de auxilio habitao tambm influenciam diretamente nas condies ambientais do local de implementao do programa e no entorno, pois proporcionam alterao na capacidade de matria prima oferecida, bem como pro-porcionam um aumento dos impactos ao meio ambiente para a construo de novas unidades habitacionais, re-sultando em um impacto tambm na garantia do Direito Fundamental do Meio Ambiente Ecologicamente Equili-brado, que se passa a anlise neste momento.

    Tal questo deve-se ao fato de que, no Brasil e em muitos outros pases, durante um longo perodo de tempo, acreditava-se que o meio ambiente era uma fonte inesgotvel e que os recursos naturais fossem infinitos. Nesse cenrio, o crescimento econmico e o processo de industrializao predatria trouxeram resultados desas-trosos para o planeta, o que levou ao desenvolvimento da sociedade urbana e industrial de forma desordenada, sem planejamento, custa de nveis crescentes de poluio e de degradao ambiental.

    93 WANDSCHEER, C. B. Integrao e proteo das comunida-des de remanescentes de quilombos com base nos princpios e normas constitucionais brasileiras: uma questo de justia social. In: LIBERATO, Ana Paula (Coord.). Direito socioam-biental em debate. Curitiba: Juru, 2008. p. 58.

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    Essa percepo manteve-se at que os problemas relacionados degradao do meio ambiente, contami-nao do ar, da gua e do solo (com efeitos diretos sobre a sade da populao) se intensificaram. Foi na dcada de 1970 que houve o agravamento dos problemas ambien