Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética...

43
Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 1 Pós-Graduação a Distância Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada Professor Ms. André Luiz Moura Princípios de Farmacocinética Clínica/ Farmacocinética Clínica Aplicada Professor André Luiz Moura

Transcript of Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética...

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

1

s-G

rad

uaç

ão a

Dis

tân

cia

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica AplicadaProfessor Ms. André Luiz Moura

Princípios de Farmacocinética Clínica/ Farmacocinética Clínica AplicadaProfessor André Luiz Moura

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

2

Introdução 3Farmacocinética X Farmacodinâmica 5Os quatro processos da farmacoterapia. 6Farmacocinética. 8Objetivos da farmacocinética clínica. 8Revisão de farmacocinética básica. 8Passagem de fármacos pela membrana. 9Fatores que afetam a absorção de um fármaco. 11Influencia do pH e pKa: 12Biodisponibilidade: 14Fatores fisiológicos que podem influenciar na absorção. 14Resumo dos fatores que podem modificar a absorção 18Distribuição de fármacos. 18Modelos compartimentais em farmacocinética. 19Modelos não compartimentais 21Fatores que podem influenciar as proteínas plasmáticas 22Concentração de ácidos graxos livres 23Volume aparente de distribuição: 23Principal aplicação do Vd 25Relação entre dose de ataque e dose de manutenção 26Área Sob a Curva (AUC): 26Eliminação e Metabolismo de fármacos (excreção e biotransformação). 29Principais enzimas envolvidas com o processo de fase I. 29Reações de fase II 31Excreção de fármacos 31Clearance ou depuração 34Cálculo do clearance e sua aplicabilidade. 34Administração de medicamentos em doses múltiplas 35Monitoramento farmacocinético. 37Requisitos essenciais para controle terapêutico 38Informações sobre o modo de administração e definição dos tempos de coleta 38Fármacos que devem ser submetidos ao controle terapêutico 41Referências 43

SUMÁRIO

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

3

INTRODUÇÃO No homem, o instinto de sobrevivência geralmente

é guiado pelo pensamento abstrato. Desta forma, a

espécie humana utiliza-se – além das respostas reflexas

de autoproteção comuns aos seres vivos – de formas

elaboradas de preservação e restauração da saúde.

Ao se observar a história da raça humana, verifica-se a

existência de inúmeros registros ações que objetivam o

benefício, entre estas, pode-se destacar as mudanças de

comportamento, ritos religiosos, atos cirúrgicos, utilização

de substâncias que presumivelmente possuem alguma

ação terapêutica, entre outras. Em muitas destas ações

ocorreu alívio do sofrimento por razões diversas de

qualquer efeito intrínseco.

Algumas intervenções terapêuticas apresentaram nítido

efeito intrínseco, como por exemplo, a contenção de uma

hemorragia por meio de uma simples compressão local, o

alinhamento de ossos fraturados, a retirada de tumores e

membros em situação gangrenosa certamente contribuíram

para o alívio de sofrimento e até para o prolongamento

da vida. Alguns dos medicamentos utilizados também

apresentavam poder intrínseco, como opióides e álcool,

mas a maioria dos supostos remédios eram certamente

desprovidos de qualquer ação. Demonstrou-se que grande

parte dos resultados obtidos com tratamentos antigos

provinha de fatores diversos do efeito intrínseco, sendo

muitos deles, deletérios ao homem e animais. Atualmente

descreve-se que a quantificação do efeito intrínseco

de medicamentos é feito por métodos farmacológicos e

farmacológico-clínico.

Um fato importante e que não se pode negar, é que o

início do tratamento de doenças por meio de drogas é de

certa forma muito antigo. As primeiras drogas empregadas

como medicamento foram as de origem natural, extraídas

principalmente de plantas, e destinavam-se à terapia de

doenças infecciosas. Por exemplo, o imperador chinês

Sheng Nung (há mais de 3000 anos), em seus escritos

sobre ervas medicinais, recomendava o uso da planta

Ch’ang shang para o tratamento da malária. Atualmente

sabe-se que esta planta contém o alcaloide febrifugina,

que possui forte ação antimalárica. Índios brasileiros

empregavam a raiz da ipeca para disenteria e diarreia; esta

planta, contem a emetina, que é eficaz para o tratamento

daquelas moléstias. Já os índios peruanos, utilizavam para

o tratamento da malária, cascas da quina, de onde se

extrai a quinina.

Conceitos

- Droga: a palavra droga origina do holandês

antigo droog que significa folha seca, pois, antigamente

quase todos os medicamentos eram feitos à base de

vegetais. Atualmente, droga é definida como sendo

qualquer substância capaz de modificar a função dos

organismos vivos, resultando em mudanças fisiológicas

ou de comportamento. Assim, droga consiste em

qualquer substância química que possui a capacidade

de produzir efeito farmacológico, ou seja, que provoque

alterações funcionais ou somáticas. Se estas alterações

forem benéficas, podemos denominar de fármaco ou

droga-medicamento ou apenas medicamento, e se forem

maléficas denominamos de tóxico ou droga-tóxico.

- Princípio ativo: corresponde à substância (ou

grupo destas), responsável pela ação terapêutica, com

composição química e ação farmacológica conhecida.

- Fármaco: substância química, estruturalmente

definida, utilizada para o fornecimento de elementos

essenciais ao organismo, na prevenção, no tratamento

e no diagnóstico de doenças, infecções ou de situações

de desconforto e na correção de funções orgânicas

desajustadas.

- Medicamento: é o mesmo que fármaco,

especialmente quando este se encontra em uma formulação

farmacêutica. Corresponde ao fármaco na especialidade

farmacêutica (comprimidos, drágeas, cápsulas, soluções,

pomadas, etc.). Em algumas situações, determinado

medicamento é constituído de dois ou mais fármacos, nas

chamadas associações medicamentosas.

-Farmacodinâmica: embora dependa da

Farmacocinética, estuda o local de ação, mecanismo de

ação, e os efeitos que as drogas promovem no organismo.

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

4

- Farmacocinética: estuda o movimento da droga

através do organismo, envolvendo os processos de

absorção, distribuição, biotransformação (metabolismo), e

eliminação ou excreção.

- Dose de ataque: consiste na dose única que

é suficiente para elevar rapidamente a concentração

plasmática terapêutica do fármaco no organismo. A palavra

dose é derivada do grego dosis o que significa ação de dar

ou o que pode ser dado.

- Dose eficaz mediana: corresponde a dose

necessária para produzir determinada intensidade de um

efeito em 50% dos indivíduos.

- Dose letal: consiste no efeito observado da morte

dos animais de experiência com drogas.

- Efeito adverso ou indesejado: consiste na ação

provocada pelo fármaco diferente do efeito planejado.

Alguns autores denominam de efeito colateral, e que não

está relacionado à principal ação do medicamento.

- Medicamentos bioequivalentes: são

medicamentos que contém o mesmo fármaco ou princípio

ativo, na mesma quantidade e forma farmacêutica,

podendo ou não conter excipientes idênticos e de mesma

biodisponibilidade. Devem cumprir com as mesmas

especificações atualizadas da Farmacopéia Brasileira e,

na ausência destas, com as de outros códigos autorizados

pela legislação vigente, ou com outros padrões aplicáveis

de qualidade, relacionados à identidade, dosagem,

pureza, potência, uniformidade de conteúdo, tempo de

desintegração e velocidade de dissolução, quando for o

caso.

- Biodisponibilidade: é a fração de um dado princípio

ativo liberada por uma formulação farmacêutica em um

intervalo de tempo, disponível para absorção e que atingiu

a corrente sanguínea sistêmica na forma inalterada (não

biotransformada).

- Biotransformação: processo de alteração na

estrutura química que os fármacos sofrem no organismo,

geralmente por conversão enzimática, com a finalidade de

diminuir sua lipossolubilidade e facilitar sua excreção.

- Compartimento central: compreende ao volume

plasmático junto com o líquido extracelular dos tecidos,

neste compartimento a droga difunde-se instantaneamente

gerando equilíbrio, fazem parte deste compartimento

pulmões, fígado, cérebro.

- Compartimento periférico: compreende os tecidos

de menor perfusão, o que demora a gerar equilíbrio.

Fazem parte deste compartimento músculos, pele, tecido

gorduroso.

- Curva de Concentração Plasmática: determinação

laboratorial da quantidade de um fármaco no sangue,

este parâmetro reflete a dosagem inicial administrada,

a absorção, a biodisponibilidade, a meia-vida e a taxa

de metabolismo e excreção. Na curva de concentração

plasmática é possível determinar-se o pico sérico, ou seja,

o momento em que é atingida a concentração máxima

do fármaco na circulação. Estudando-se a área abaixo da

curva é possível entender a biodisponilidade do fármaco.

Esquema demonstrando a curva de concentração plasmática onde aparece o pico sérico (Fonte: http://www.anvisa.gov.br/servicosaude/controle/rede_rm/cursos/rm_controle/opas_web/modulo1/propriedades2.htm)

- Efeito de primeira passagem: metabolização

hepática de fármacos que acontece antes que o fármaco

seja distribuído pelo corpo, que acontece todas as vezes

que o medicamento é administrado por via oral. Na maioria

das vezes, diminui a concentração que fica disponível na

circulação sistêmica para posterior distribuição aos locais

de ação.

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

5

Esquema demonstrando o efeito de primeira passagem(fonte: http://www.medscape.org/viewarticle/421137_1)

- Eficácia ou efetividade: capacidade de um fármaco

produzir o efeito máximo desejado.

- Índice terapêutico: expressa a margem de segurança

que um determinado fármaco apresenta em relação a

seus efeitos tóxicos e terapêuticos. Quanto maior o índice

terapêutico, maior é a segurança do fármaco. É a relação

entre a Dose Letal que mata 50% das cobaias (DL50) e a

Dose Efetiva em 50% das cobaias (DE50).

Esquema demonstrando como é determinado o índice terapêutico (Fonte: http://pharmacologycorner.com/therapeutic-index/ )

FARMACOCINÉTICA X FARMACODINÂMICA

Nos dias atuais, tanto os médicos como os pacientes

reconhecem a importância fundamental do tratamento com

fármacos como um dos meios primordiais para a prevenção

e alívio da doença. O médico tem a tarefa nada invejável

de selecionar a(as) droga(s) de melhor propriedade dentro

de um vasto acervo terapêutico. O grau de dificuldade na

escolha da droga apropriada varia de médico para médico,

dependendo de sua especialidade e da natureza da

população de pacientes. Para tentar amenizar os erros, estes

profissionais dentro de sua especialidade, geralmente usa

um número limitado de drogas, e detém uma experiência

ampla em relação à seleção da droga, posologia e reações

adversas. Ao contrário, médicos que tratam de populações

diversas, e que necessitam de adentrarem em diferentes

especialidades, são continuamente desafiados, pois

necessitam de trabalhar com um acervo terapêutico ainda

maior. Assim, estes profissionais correm um grande risco

de em determinada situação realizar uma prescrição com

medicamentos diferentes que podem interagir entre si, e

desencadear no paciente uma reação adversa.

A farmacologia dentro de um enfoque aplicado

fundamenta o ato de prescrever, permitindo que se

faça uma terapêutica medicamentosa mais científica e

racional. Esta se caracteriza pela seleção do medicamento

adequado para prevenir, reverter ou atenuar um processo

patológico. Entretanto, isto pode não ser o suficiente para

se obter sucesso na terapêutica medicamentosa, pois é

necessário garantir que o medicamento escolhido, atinja

em concentrações adequadas, o órgão ou sistema alvo.

Escolha inadequada do fármaco ou esquemas posológicos

inapropriados podem produzir efeitos indesejáveis. Para

que isto não ocorra, é necessário escolher doses, vias

de administração e intervalo entre doses que garantam

a chegada e a manutenção da concentração plasmática

e concentração no local de ação do fármaco. Esquemas

inadequados podem proporcionar concentrações

insuficientes ou subterapêuticas que falseiam a

interpretação sobre a eficácia do fármaco escolhido, ou

em outra hipótese, pode ocorrer a disponibilização de

concentrações muito acima da concentração tida como

terapêutica, desencadeando inúmeros efeitos adversos

oriundos das ações farmacológicas do medicamento, por

este motivo, deve-se sempre objetivar doses e esquemas

terapêuticos que proporcionem concentrações plasmáticas

tidas como terapêutica (faixa terapêutica; Figura 1).

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

6

A disponibilidade para o sistema biológico de um

determinado fármaco contido em uma forma farmacêutica

é essencial para o propósito do desenvolvimento de

formas de dosagem e possui fundamental importância

para a eficácia do medicamento. Portanto, antes de ser

absorvido por um sistema biológico, o fármaco deverá ser

liberado de sua forma farmacêutica (comprimido, solução,

drágea, etc) ou de um sistema de liberação de fármaco

(adesivo transdérmico, implante) e solubilizar-se nos

fluidos biológicos.

Curvas concentração plasmática em função do tempo demonstrando na primeira figura um perfil normal de um medicamento administrado por via oral e, na segunda figura, curvas que saíram da faixa terapêutica (Lüllmann et al. 2008)

OS QUATRO PROCESSOS DA FARMACOTERAPIA.

De acordo com o disposto anteriormente, para

se alcançar uma farmacoterapia de excelência, além

da escolha do melhor medicamento, da melhor forma

farmacêutica e da via de administração correta, para

que um determinado produto possa ser utilizado como

medicamento com finalidades de cura, diagnóstico,

prevenção, este deverá primeiramente estar de acordo

com as regras farmacológicas de ação, ou seja, deverá

respeitar as quatro fases ou processos farmacológicos,

que são por sua vez classificados em:

a) Fase ou processo farmacêutico: está relacionado

com todos os processo inerentes à formulação farmacêutica

e com a via de administração do fármaco. Neste processo,

não há nenhuma relação com os processos de absorção,

distribuição, metabolismo ou excreção dos fármacos, mas

está relacionado com a biodisponibilidade e bioequivalência

dos fármacos e medicamentos, respectivamente.

b) Fase ou processo farmacocinético: este processo

relaciona-se intimamente com os processos de absorção,

distribuição, metabolismo e excreção de fármacos.

c) Fase ou processo farmacodinâmico: está

relacionado com o efeito farmacológico produzido pelo

fármaco quando este atinge seu local de ação. Não

abrange apenas os efeitos farmacológicos que podem

ser responsáveis por um efeito terapêutico, mas também

aqueles responsáveis por causar reações adversas.

d) Fase ou processo terapêutico: Para que o

paciente seja beneficiado com a farmacoterapia, o efeito

farmacológico produzido pela droga deverá se transformar

em um efeito benéfico clínico, em outras palavras o efeito

produzido pelo medicamento tem significado clínico

desejável? Por exemplo, ao se administrar um diurético

tiazídico a um paciente portador de edema de membros

inferiores, este estará eliminando grandes quantidades de

sódio e consequentemente de água, o que poderá acarretar

em redução do edema, mas devemos lembrar que este tipo

de ação produzida pelo diurético também leva à depleção

de potássio, o que pode acarretar em distúrbios como

hipocalemia severa, assim o efeito terapêutico desejável

acaba produzindo um efeito indesejável.

Cada um dos processos descritos acima é de extrema

importância para o bom desempenho do medicamento.

Na verdade existem questões deverão ser respondidas

para que possamos entender melhor a importância destes

processos:

1) O fármaco consegue penetrar no organismo do

paciente?

2) O fármaco consegue alcançar seu local de ação?

3) O fármaco consegue produzir o efeito farmacológico

desejado?

4) O efeito farmacológico consegue produzir o efeito

terapêutico desejado?

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

7

Ao respondermos estas questões, estaremos observando que estas estão intimamente ligadas aos referidos processos

citados anteriormente. Observe o esquema abaixo e tente enxergar as respostas das questões acima.

Fluxograma da cinética medicamentosa nos organismos vivos (adaptado de Grahame – Smith, 2004)

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

8

FARMACOCINÉTICA.A administração de um determinado fármaco contido

em uma forma farmacêutica, por uma via de administração,

em uma única dose ou em doses múltiplas (repetidas), tem

por finalidade a obtenção de um efeito farmacoterapêutico

à um indivíduo em situação patológica. O efeito

terapêutico desejado, como alívio da dor, diminuição da

ansiedade, regularização da pressão arterial, controle da

taxa glicêmica entre outras, depende da concentração do

princípio ativo no local de ação ,e também da velocidade

com que o princípio ativo consegue chegar no local

(esquema abaixo).

A intensidade da resposta farmacodinâmica, é

geralmente, proporcional à concentração do princípio

ativo no local de ação. Se o principio ativo se difundir

rapidamente do plasma para seu local de ação, a sua

concentração plasmática pode refletir sua concentração

no local de ação.

OBJETIVOS DA FARMACOCINÉTICA CLÍNICA.

A farmacocinética clínica é uma ciência de caráter

multidisciplinar e de grande interesse sanitário, que

possui como principal objetivo na prática assistencial a

individualização posológica, e a otimização do tratamento

farmacoterapêutico, a fim de alcançar a máxima eficácia

terapêutica com a mínima incidência de problemas

relacionados aos medicamentos.

Habitualmente os medicamentos são utilizados

partindo de critérios pré-estabelecidos que contribuam

com a estratégia do “acerto e erro”. Este empirismo está

embasado na resposta clínica ou bioquímica em relação

aos efeitos farmacológicos do medicamento prescrito.

Entretanto, este método não é passível de ser aplicado

a todos os casos, sendo necessárias adequações à

farmacoterapia em função da situação encontrada para

cada paciente.

Portanto, os estudos de farmacocinética clínica

permitem:

- Avaliar o sucesso ou insucesso de uma terapêutica

- Um meio de avaliar a extensão e velocidade de

chegada do fármaco ao seu local de ação

- Previsão e compreensão de efeitos secundários dos

fármacos

- Prever condições não testadas experimentalmente,

tais como dosagens, intervalos de administração, etc.

- Prever níveis teciduais, mesmo sem amostras dos

mesmos

- Comparar resultados entre diferentes indivíduos da

mesma espécie ou entre espécies diferentes.

- Descrever matematicamente o organismo

REVISÃO DE FARMACOCINÉTICA BÁSICA.

Até mesmo a mais promissora das terapias

farmacológicas irá fracassar em estudos clínicos se o

fármaco for incapaz de alcançar o seu órgão-alvo numa

concentração suficiente para exercer um efeito terapêutico.

Muitas das características que tornam o corpo humano

resistente a danos causados por invasores estranhos e

substâncias tóxicas também limitam a capacidade dos

fármacos modernos de combater os processos patológicos

no paciente. O reconhecimento dos numerosos fatores

que afetam a capacidade de um fármaco de atuar em

determinado paciente, bem como da natureza dinâmica

desses fatores com o transcorrer do tempo, é de suma

importância para a prática clínica da medicina.

Vários fatores podem contribuir para a liberação

de um fármaco, estes incluem as características físico-

químicas do princípio ativo (tamanho de suas partículas,

solubilidade em água ou gordura, pKa) e as características

das formas de dosagem ou do sistema de liberação, como a

natureza dos adjuvantes farmacotécnicos empregados na

formulação e o método utilizado para o desenvolvimento

da forma farmacêutica.

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

9

O estabelecimento de esquemas posológicos padrões,

e de seus ajustes em presença de situações fisiológicas

(idade, sexo, peso, gestação), hábitos do paciente

(tabagismo, ingestão de álcool) e algumas doenças

(insuficiência renal, hepática, cardíaca) é orientado por

informações provenientes da farmacocinética.

Desta forma, amenos que um determinado fármaco

promova seu efeito topicamente, isto é, no seu local

de administração, o mesmo deverá alcançar a corrente

sanguínea sistêmica e, chegar até seu local de ação. Porém,

o simples fato do fármaco estar na corrente sanguínea não

garante uma resposta farmacológica efetiva. Para que isto

ocorra de forma eficaz, o fármaco deverá sair do plasma e

alcançar o sistema de líquido intersticial (líquido que banha

as células), ou até mesmo o meio intracelular, podendo

ser este simplesmente o citoplasma e/ou o núcleo da

célula. Como visto anteriormente, o efeito farmacológico

é dependente da velocidade com que o fármaco consegue

atingir seu sítio de ação, e este fenômeno é totalmente

dependente de dois processos: absorção e distribuição.

No entanto, para que uma determinada droga possa

ser absorvida e distribuída, a mesma deverá possuir a

capacidade de transpor diversas barreiras biológicas, as

quais são classificadas como se segue:

1. Membranas celulares;

2. Barreira hematoencefálica;

3. Barreira placentária.

Além destes fatores, a característica físico-química

do fármaco (pKa, lipossolubilidade/hidrosolubilidade,

peso molecular, estabilidade química, concentração

no local de administração, forma farmacêutica), e os

fatores relacionados ao paciente (via de administração,

fluxo sanguíneo no local de administração, velocidade

de esvaziamento gástrico, pH do local de administração,

patologias presentes no local de administração), além

de fatores como a administração simultânea de dois ou

mais fármacos (interações físico-químicas no local de

administração) ou ainda a administração de fármacos

simultaneamente com determinados alimentos, são de

grande importância para o processo de absorção. Estes

fatores principalmente estão relacionados com as questões

anteriormente vistas:

1. O fármaco consegue penetrar no organismo do

paciente? (administração, liberação do princípio ativo,

forma farmacêutica, via de administração, característica

físico-química, características do paciente, barreiras

biológicas).

2. O fármaco consegue alcançar seu local de ação?

(absorção, distribuição).

PASSAGEM DE FÁRMACOS PELA MEMBRANA.

O termo absorção significa que a droga saiu do seu

local de administração e chegou até a corrente sanguínea,

ou seja, “é a passagem da droga ou fármaco, do seu local

de administração para a corrente sanguínea e/ou linfática”

(figura ); com exceção da via intravenosa, todas as demais

vias de administração podem propiciar absorção de

fármacos, isto porque no caso daquela via, o fármaco está

sendo administrado diretamente na corrente sanguínea e,

portanto, será pulada a etapa de absorção.

Para que o fármaco possa transpor a membrana celular

que compõem as células epiteliais da pele, do intestino,

dos alvéolos pulmonares, das córneas, das mucosas e até

mesmo dos vasos sanguíneos, será necessário um ou mais

dos seguintes processos:

a. Difusão passiva;

b. Filtração;

c. Fluxo de massa;

d. Transporte ativo;

e. Transporte facilitado;

f. Endocitose;

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

10

Representação de processos utilizados para a absorção

dos medicamentos.

a. Difusão passivaA maioria dos fármacos atravessam as membranas

por difusão passiva, desde que este esteja no seu estado

não ionizado (não carregado eletricamente). A velocidade

deste fenômeno é dependente do coeficiente de partição

lipídio-água, mais do que da lipossolubilidade do fármaco.

EX:

O anticonvulsivante fenobarbital, que se encontra

quase que totalmente na forma não ionizada quando

em pH fisiológico, deveria ser capaz de passar por todas

as membranas de forma facilitada. No entanto, isto não

ocorre na prática, seu coeficiente de partição lipídio-

água é baixo a ponto de dificultar sua passagem pelas

membranas celulares, desta forma o fármaco é mais

lentamente absorvido. Este fator pode explicar o porque

este medicamento possui um tempo de latência (tempo

necessário para que o fármaco atinja a concentração

plasmática mínima necessária para promover o efeito

terapêutico) maior quando comparado a outros

anticonvulsivantes.

b. FiltraçãoA taxa de filtração depende tanto da existência de um

gradiente de pressão como força propulsora quanto do

tamanho da molécula do fármaco em relação ao tamanho

do poro através do qual deverá ser filtrado. Nos sistemas

biológicos, a passagem de solutos hidrossolúveis pequenos

através dos canais aquosos existentes nas membranas

é realizada por filtração. O diâmetro hipotético destes

poros é de aproximadamente 7Å, o que acaba impedindo

a passagem de fármacos que possuam peso molecular

maior que 100.

c. Fluxo de massaEm sua maioria, fármacos lipossolúveis ou não, passam

com maior rapidez pelas paredes dos capilares quando

comparado à sua velocidade de passagem através de

outras membranas. O resultado deste fenômeno é limitado

em maior grau pelo fluxo sanguíneo tecidual, quando

comparado à limitação determinada pela parede do

capilar. Esse fluxo de massa de líquido ocorre através dos

poros intercelulares e constitui o principal mecanismo de

passagem de fármacos através da maioria das membranas

endoteliais que reveste os capilares internamente, com

exceção daquelas no sistema nervoso central.

d. Transporte ativoO transporte ativo ocorre quando o movimento de

fármacos através da membrana celular, de um lado para

o outro, ocorre por meio de transportadores ATPdependentes.

Esse transporte envolve a ligação reversível da molécula

do fármaco a uma estrutura proteica da membrana

(transportador), o qual irá movimentar o fármaco através

da membrana, ou seja, o complexo formado se difunde

através da membrana para o lado oposto, onde o complexo

sofre dissociação, liberando a molécula do fármaco no

compartimento aquoso existe do outro lado. Em seguida,

o transportador pode retornar ao local de início e se

ligar novamente a outra molécula de fármaco repetindo

novamente o trajeto, que ocorre em uma única direção.

É preciso se atentar ao fato de que quando dois ou

mais fármacos são administrados simultaneamente, e que

cujas moléculas se assemelham, uma poderá competir

com a outra pelo mesmo transportador, e desta forma,

a molécula de maior afinidade pelo transportador poderá

prejudicar a absorção da outra.

e. Difusão facilitadaO transporte de fármacos por difusão facilitada

assemelha-se de certa forma ao transporte ativo,

incluindo um sistema de transporte mediado por uma

proteína transportadora, que apresenta saturabilidade

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

11

e seletividade. Porém, s difere do transporte ativo pelo

simples fato de não necessitar de ATP para executar sua

tarefa. Neste sistema de transporte, a movimentação

do fármaco ocorre do meio mais para o meio menos

concentrado, de forma que o gradiente de concentração

possa servir como força propulsora do fenômeno.

f. EndocitoseEste fenômeno envolve a captação celular de moléculas

ou complexos exógenos por meio de vesículas localizadas

na membrana celular. Este processo pode ser dividido em

duas categorias: a) fagocitose e b) pinocitose. O soluto no

interior da vesícula é liberado no meio intracelular.

FATORES QUE AFETAM A ABSORÇÃO DE UM FÁRMACO.

Além do coeficiente de partição lipídio-água,

diversos outros fatores podem influenciar de forma

positiva ou negativa a absorção de um determinado

fármaco. A absorção poderá ser influenciada por fatores

físico-químicos do fármaco, fatores relacionados à forma

farmacêutica e via de administração, bem como por

condições fisiológicas e patológicas do paciente.

Propriedades físico-químicas do fármacoO pH do meio onde o fármaco está sendo administrado,

a solubilidade, o coeficiente de ionização e de dissociação

(pKa), possuem grande influencia sobre a capacidade de

absorção do fármaco. Para que o processo de absorção seja

bem sucedido, o princípio ativo deverá estar solubilizado

no meio, além de estar em seu estado não ionizado.

Portanto, para que a solubilidade de um determinado

fármaco seja elevada, é necessário que o pH do meio onde

este se encontra em solução seja adequado ao mesmo;

isto é, existe um pH ótimo, que permite uma dissolução e

absorção adequadas para cada fármaco.

Estabilidade: A estabilidade química do fármaco deve ser estudada

sob a forma sólida e em solução em diferentes pH. Estes

estudos objetivam encontrar formulações estáveis e vias

de administração adequada a cada fármaco. Assim, um

produto instável em meio ácido não deve ser administrado

por via oral (ex.: a penicilina G quando administrada por

via oral se transforma em ácido penicilânico, que é inativo).

Como solução para este problema da penicilina, o fármaco

teve sua estrutura molecular modificada (penicilina V),

possibilitando sua administração por via oral.

Lipossolubilidade: Para que um determinado fármaco possa passar

facilmente pela membrana celular, este deverá possuir boa

lipossolubilidade, entretanto, um fármaco composto apenas

por lipídio e vice-versa, terá seu coeficiente lipídio-água

diminuído, e consequentemente não conseguirá passar

pela membrana celular; assim, para que um fármaco possa

elevar sua capacidade de se difundir pela membrana, este

deverá possuir em sua estrutura molecular, componentes

lipídicos e componentes aquosos. Quando um fármaco é

totalmente hidrossolúvel ou lipossolúvel, este só consegue

passar pela membrana quando houver um transportador.

Concentração da droga no local de administração: Para alguns modelos cinéticos, quanto maior a

concentração do fármaco no local de administração, maior

será a velocidade e a quantidade absorvida deste, e vice-

versa.

Forma farmacêutica: A forma farmacêutica é a responsável pela veiculação

do fármaco para dentro do organismo, é por meio desta

que o fármaco consegue entrar em contato (cápsulas,

comprimidos, drágeas, soluções, suspensões entre outras)

ou consegue ser mantido em contato com o organismo

(implantes subcutâneos, adesivos transdérmicos, cremes,

pomadas, esmaltes entre outras). Na figura abaixo se

observa diferentes formulações administradas por via

oral, as regiões de cor mais acentuada representa o local

onde há maior liberação de princípio ativo. É observado

na figura que formulações representadas por cápsulas

e comprimidos normais, isto é, sem qualquer tipo de

tratamento, liberam o princípio ativo ainda no estomago,

enquanto que formulações que sofreram tratamento

gastro-resistente, só promovem a liberação do fármaco ou

na primeira porção do duodeno ou no intestino grosso. Na

mesma figura, se observa que formulações de liberação

controlada, a liberação do fármaco ocorre ao longo de todo

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

12

trato-gastrintestinal, e que formulações líquidas (solução)

o fármaco já se encontra disponível para a absorção no

momento em que é administrado.

Propriedades de diferentes formas farmacêuticas relacionadas à sua capacidade em liberar o princípio ativo em diferentes regiões do trato gastrintestinal (Lüllmann et al., 2008).

Difusão através de lipídio: Mecanismo pelo qual os fármacos atravessam

a membrana celular de acordo com a gradiente de

concentração. Para que isto ocorra, o fármaco deve ser

lipossolúvel, ou seja, sua molécula deve ser não-ionizada

e apolar.

Esquema demonstrando a difusão de fármacos lipossolúveis (representados por círculos rosa) através da membrana celular. Fonte: LULLMANN, H; MOHR, K; HEIN, L. Farmacologia: Texto e Atlas. 5ed. Porto Alegre: Artmed, 2008.

INFLUENCIA DO PH E PKA:

A maioria dos fármacos quando em solução são ácidos

ou bases fracas podendo ser encontrados em estado não-

ionizado ou ionizado. A fração não ionizada apresenta

característica lipossolúvel e, portanto, possui a capacidade

de se difundir com maior facilidade pela membrana,

de modo que a fração ionizada é incapaz de penetra a

membrana devido sua baixa lipossolubilidade(veja figura

abaixo).

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

13

Na figura acima, note que quando a molécula

está elétricamente carregada ocorre uma repulção na

membrana. Deve ser lembrado que toda membrana é

eletricamente carregada (em estado de repouso, o lado

externo à célula está positivamente carregado, enquando

que o lado interno está negativamente carregado), desta

forma quando um fármaco está protonado (carga (+))

este sofre repulção pela carga positiva da membrana

impedindo sua passagem.

Portanto, a difusão transmembrana de um eletrólito

fraco é determinada por seu pKa e pelo pH do meio.

Em termos quantitativos, o valor pKa de um fármaco

representa o valor de pH em que metade do fármaco

encontra-se na forma ionizada. A Equação de Henderson-

Hasselbalch (abaixo) descreve a relação entre o valor pKa

de um fármaco ácido (A) ou básico (B) e o pH do meio

biológico contendo este fármaco:

Onde pKa é a constante de ionização do fármaco,

pH é o valor do pH do meio onde o fármaco está sendo

administrado, [AH] é a concentração molar do fármaco

no seu estado não ionizado (fração não ionizada das

moléculas) e [A-] é a concentração molar da droga em

seu estado ionizado (fração ionizada das moléculas),

note que a equação (B) é diferente apenas pela posição

da fração ionizada, esta relação deve ser respeitada para

os cálculos. Para se definir qual das duas equações a se

utilizar, deve-se observar as características do fármaco, se

este tiver característica ácida, a equação de escolha deverá

ser aquela representada por (A) e, quando o fármaco for

de característica básica, a equação representada por (B)

deverá ser a escolhida. Uma observação muito importante

é que, esta escolha deverá ser baseada na característica

do fármaco e não no pH do meio, este não deverá ser o

limitante para a escolha da equação.

EX:

Um paciente deverá receber como medicação o ácido

acetilsalicílico (AAS), entretanto, há uma grande dúvida:

o AAS será melhor absorvido em um meio de pH= 1,5 ou

em um meio de pH tamponado de valor 7,5? Dado: pKa do

AAS é igual a 3,5.

Muito bem, em primeiro lugar lembrar que a equação

a ser utilizada deverá ser escolhida pela característica da

droga e não pelo pH do meio, portanto deverá ser realizado

dois cálculos, um para o meio de pH ácido e outro para

o meio de pH básico, porém para os dois cálculos será

utilizada apenas a equação (A) anteriormente vista, isto

porque a droga é de característica ácida. Veja a resolução

abaixo.

Resolução.

Outro exemplo clássico é o que ocorre com o anestésico

local quando administrado em regiões infeccionadas,

edemasiadas e inflamadas. Ao ser administrado em

tecidos com estas características, a anestesia local não se

instala (“não pega” no popular), isto porque o anéstésico

é um fármaco de característica básica e para promover seu

efeito deverá se difundir pela membrana para o interior

da célula onde promoverá seu efeito, mas para que este

fármaco possa ser estocado de forma segura, o mesmo

está solubilizado em um veículo ácido (pH≈2,8 - 3,4), isto

implaca que o princípio ativo está praticamente quase que

todo no seu estado ionizado; quando este for administrado

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

14

em tecidos com as características normais, o sitema tampão

do organismo irá equilibrar o pH, e o sal irá se desprotonar

voltando ao seu estado molecular, e então conseguirá se

difundir para a membrana celular. Por outro lado, quando

o medicamento for administrado em um tecido inflamado

ou infeccionado, o pH local geralmente é ácido, e o

sistema tampão não funciona adequadamente; portanto,

o fármaco não irá se desprotonar e consequentemente

não passará pela membrana celular e não promoverá seu

efeito (veja o esquema abaixo).

Representação esquemática da influência de carga elétrica presente na estrutura molecular da lidocaína na difusão desta pela membrana celular. Observa que o próton (+) presente na estrutura, impede a difusão do fármaco.

BIODISPONIBILIDADE:

Na farmacologia, o termo biodisponibilidade é usado

para descrever a fração (quantidade ou concentração)

de uma droga que atinge a corrente sanguínea sistêmica

na forma inalterada. É uma das principais propriedades

farmacocinéticas das drogas. Por definição, quando

uma medicação é administrada por via intravenosa, sua

biodisponibilidade é de 100%. Entretanto, quando uma

medicação é administrada por outras vias (como a via oral,

retal intramuscular entre outras), sua biodisponibilidade

pode diminuir (devido à absorção incompleta e ao

metabolismo de primeira passagem), no entanto, devemos

lembrar que muitos fármacos podem ser 100% absorvidos

quando administrados por via oral, intramuscular, retal ou

outra.

A biodisponibilidade é uma das ferramentas essenciais

da farmacocinética, já que seu valor deve ser considerado

quando se calcula as doses para administração de drogas

por vias diferentes da intravenosa. A biodisponibilidade de

um fármaco é expressa em porcentagem ou valor unitário

(100% ou 1 unidade) e este valor é representado pela

letra F, e nada mais é do que um fator de correção.

FATORES FISIOLÓGICOS QUE PODEM INFLUENCIAR NA ABSORÇÃO.

Além dos fatores relacionados às características

físico-químicas dos fármacos, as condições fisiológias do

indivíduo pode ou favorecer ou desfavorecer o processo

de absorção de um fármaco. Asseguir serão relaciodados

alguns destes fatores.

Presença da P-glicoproteína: É um transportado protéico expresso na membrana

celular, e que tem a função de transportar para o meio

extracelular o fármaco que se difundiu para o interior da

célula, ou seja, é um transportador reverso que prejudica

a absorção do fármaco no intestino. Estudos apontam que

este transportador também é resposnsável por impedir

que inúmeros fármacos cheguem ao sitema nervos

central (SNC), onde deacordo com as pesquisas, esta

proteína estaria na membrana celular das células epiteliais

que revestem a barreira hematoencefálica e impediria

portanto, a passangem do fármaco do leito vascular para

o SNC (veja esquema abaixo).

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

15

Vista plana da estrutura de uma p-glicoproteína

(http://www.masterborderskennel.

com/artigos/art_02_mdr1.html).

Observe que o fármaco que está chegando por meio de um capilar, ao se difundir para dentro da célula, é imediatamente transportado de volta para fora pela p-glicoproteína (em verde) (http://www.ff.up.pt/toxicologia/monografias/ano0708/g46_docetaxel/resiste.htm).

A tabela abaixo apresenta alguns fármacos que podem

ser prejudicados pela p-glicoproteína.

Drogas antineoplásicas: Vinca alcalóides ( vincristina, vinblastina)

Antraciclinas (doxorrubicina, daunorrubicina, epirrubicina)

Epipodofilotoxina (etoposide, tenoposide)

Paclitaxel (taxol)

Topotecan

Mitramicina

Outros agentes citotóxicos

Colchicina

Emetina

Puromicina

Inibidores HIV proteaseRitonavir Indinavir Saquinavir

Difusão através canais aquosos: Devido ao tamanho diminuto dos poros ou canais

aquosos presentes nas membranas celulares, este tipo

de passagem através da membrana celular não é muito

importante para absorção de fármacos, pois as moléculas

dos fármacos geralmente são maiores que os poros.

Difusão facilitada: Mecanismo de transporte especializado dependente de

uma molécula transportadora, geralmente uma proteína

transmembrana, que se liga às moléculas dos fármacos,

transportando-as para o outro lado da membrana, que é

realizado de forma passiva, sem gasto de energia e de

acordo com gradiente eletroquímico.

Esquema demonstrando a difusão facilitada de fármacos por meio de uma proteína transportadora através da membrana celular. Fonte: LULLMANN, H; MOHR, K; HEIN, L. Farmacologia: Texto e Atlas. 5ed. Porto Alegre: Artmed, 2008.

Transporte ativo: Mecanismo de transporte especializado dependente de

uma molécula transportadora, geralmente uma proteína

transmembrana, que se liga às moléculas dos fármacos,

transportando-as para o outro lado da membrana, que é

realizado ativamente contra um gradiente eletroquímico

com gasto de energia.

O transporte mediado por transportadores apresenta

como limitação a possibilidade de ocorrer saturação, ou

seja, na presença de altas concentrações do fármaco,

pode ocorrer a ocupação de todas as proteínas

transportadoras, limitando a velocidade do transporte.

Além disso, pode ocorrer inibição competitiva, caso uma

proteína transportadora seja capaz de transportar duas

moléculas diferentes. Este tipo de transporte é importante

principalmente nos túbulos renais, no trato biliar, na

barreira hematoencefálica e no trato gastrointestinal.

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

16

Endocitose: Mecanismo de transporte de fármacos que são

moléculas grandes, a endocitose depende da ligação do

fármaco a receptores presentes na membrana celular,

o que gera a formação de uma vesícula que liberará o

fármaco do outro lado da membrana.

Esquema demonstrando a endocitose de fármacos, o que leva ao transporte destes fármacos através da membrana celular. Adaptado de LULLMANN, H; MOHR, K; HEIN, L. Farmacologia: Texto e Atlas. 5ed. Porto Alegre: Artmed, 2008.

Fluxo sanguíneo e vascularização no local de administração:

Quanto mais vascularizado e maior o fluxo sanguíneo

no local da administração do fármaco, mais rápido e em

maior concentração será absorvida deste. Assim, qualquer

alteração no fluxo sanguíneo local poderá interferir positiva

ou negativamente na absorção de um medicamento.

Motilidade gastrintestinal: A absorção dos fármacos ocorre geralmente na

primeira porção do intestino delgado (duodeno), de modo

que a velocidade de esvaziamento gástrico determina

a velocidade em que o fármaco alcança seu local de

absorção, ou seja, quanto maior for a velocidade de

esvaziamento gástrico, mais rápido o fármaco irá conseguir

atingir o duodeno e, consequentemente ser absorvido. Por

exemplo, no caso de pacientes portadores de enxaqueca,

a velocidade de absorção de analgésicos é reduzida, isto

ocorre porque esta condição ativa o centro do arco-reflexo

do vômito (enxaqueca associada com ânsia) e, portanto,

a velocidade de esvaziamento gástrico encontra-se

reduzida, e por isto, é costume do paciente tomar mais de

um comprimido em um intervalo de tempo muito curto.

Porém, quando o fármaco analgésico for administrado

simultaneamente com um agente antiemético, ocorrerá

aumento na velocidade de esvaziamento gástrico, princípio

este utilizado nos medicamentos comerciais Ormigrein® e

Cefalium, os quais possuem substâncias antieméticas.

Patologias gastrintestinais: Quando o paciente possui algum distúrbio patológico

no TGI, este poderá favorecer ou desfavorecer a absorção

de fármacos, por exemplo, a absorção de propranolol,

co-trimoxazol e cefalexina apresenta-se aumentada em

pacientes celíacos, mas a digoxina e a levotiroxina são

menos absorvidas nesta condição ou em outras como

enterite induzida por radiação. O mesmo pode ocorrer

com a vit. B12, que necessita do fator intrinseco produzido

pelas células parietais do estômago para ser absorvida,

em casos de úlcera gástrica e duodenal a produção deste

fator encontra-se diminuída, sendo assim, ocorrerá uma

redução da absorção intestinal de vit. B12.

Volume de líquido (água) ao se administrar uma formulação sólida:

É explicitamente recomendado que todo medicamento

seja administrado apenas com água, há algumas exceções

como, por exemplo, o caso do sulfato ferroso que tem sua

biodisponibilidade melhorada quando este é administrado

com suco de laranja. No mais, todo medicamento deverá

ser administrado com água, pois esta não apresenta

nenhum interferente que possa quelar, aumentar ou

diminuir a secreção gástrica e, consequentemente

prejudicar a absorção do fármaco. A recomendação é

de que deva se utilizar um volume de aproximadamente

100 mL de água, não menos que isto para se administrar

uma formulação sólida. Nos gráficos abaixo se encontra

demonstrado como o volume de água é importante para

o processo de desintegração e liberação do princípio ativo

da formulação e, assim, melhorando a absorção daquele.

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

17

Observa-se no gráfico acima que a dois grupos foram administrados comprimidos de eritromicina, sendo que um

dos grupos recebeu a formulação com um volume de 20 mL de água (linha tracejada), enquanto que o segundo grupo

recebeu a mesma formulação com um volume de 250 mL (linha contínua). Verifica-se que a concentração plasmática

máxima obtida nos dois grupos é significativamente diferente, sendo que para o grupo que recebeu apenas 20 mL a

concentração plasmática do fármaco foi bem inferior quando comparada à concentração plasmática do mesmo fármaco

para o grupo que recebeu a formulação com 250 mL de água.

Alimentação: O alimento pode intensificar ou comprometer a taxa de absorção de um fármaco, podendo também afetar a extensão

de sua absorção. Por exemplo, ovos podem comprometer a absorção de ferro, e alimentos ricos em cátions polivalentes

(Ca2+, Fe2+, Mg2+ entre outros) diminui a absorção de fármacos como tetraciclinas, aminoglicosídeos. A tabela a seguir

mostra exemplos de fármacos que podem apresentar interação alimentar.

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

18

Metabolismo de primeira passagem: Quando um medicamento é administrado a um paciente,

este poderá sofre metabolismo ou efeito de primeira

passagem. Este metabolismo é muito definido como:

“metabolismo de um determinado fármaco antes que este

alcance a corrente sanguínea sistêmica”. Este metabolismo

ocorre tanto no trato gastrintestinal (luz) e no fígado (logo

após a absorção do fármaco). Outro ponto importante é

que este metabolismo está relacionado à administração do

medicamento pela via oral e retal, quando a formulação

é administrada pelas vias parenterais e sublingual, o

principio ativo não sofre efeito de primeira passagem. A

figura abaixo esquematiza o quanto o efeito de primeira

passagem interfere com a concentração plasmática do

fármaco após este sofrer ação deste fenômeno.

O esquema abaixo demonstra que após a administração

de um comprimido por via oral e, liberação do fármaco no

TGI (A), quando este se difundiu pelo epitélio intestinal

(B), na membrana celular ocorreu o metabolismo de 70%

da concentração do fármaco, que após passar pelo fígado

(C) mais 15% foi metabolizado, resultando na chegada à

circulação sistêmica de apenas 15% deste.

Representação figurativa da relação entre o metabolismo de primeira passagem e o processo de absorção de medicamentos (http://dc217.4shared.com/doc/eAymVhw2/preview.html)

RESUMO DOS FATORES QUE PODEM MODIFICAR A ABSORÇÃO

Os principais fatores que modulam a absorção de

fármacos e seus efeitos encontram-se no quadro abaixo.

Quadro: Fatores que modulam a absorção dos

fármacosFatores Absorção (seta

para cima)Absorção (seta para baixo)

Concetração do fármaco

Maior Menos

Peso molecular do fármaco

Pequeno Grande

Solubilidade do fármaco

Lipossolúvel Hidrossolúvel

Forma farmacêutica

Líquida Sólida

Dissolução sólida Grande Pequena

Área absortiva Grande Pequena

Espessua membrana

Menor Maior

Circulação local Grande Pequena

Condições Patológicas

Inflamação, queimadura

Edema, Choque

DISTRIBUIÇÃO DE FÁRMACOS.

Embora a absorção do fármaco seja considerada um

pré-requisito para atingir níveis plasmáticos adequados

desse fármaco, este também necessita alcançar seu órgão

ou órgãos-alvo em concentrações terapeuticamente ideais

para exercer o efeito desejado.

Entende-se por distribuição o fenômeno de transferência

do fármaco do sistema circulatório (linfa e sangue) para

os diversos tecidos e órgãos do organismo. Esse é um

processo reversível para permitir que o fármaco atinja o

tecido-alvo e promova sua ação terapêutica, e ao mesmo

tempo, permite que haja sua retirada do tecido e que o

mesmo possa ser removido do organismo. As características

do fármaco devem ser amplamente reconhecidas, pois

estas são de grande importância para a determinação da

posologia durante a etapa final dos ensaios clínicos para o

desenvolvimento de um novo medicamento.

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

19

A distribuição de um fármaco ocorre através do

sistema circulatório, enquanto o sistema linfático contribui

em menor grau para este processo. Após ser absorvido

ou administrado diretamente na corrente sanguínea,

o fármaco se distribui por todos os sistemas incluído o

líquido intersticial, líquido intracelular, tecido muscular,

tecido ósseo, SNC, tecido adiposo além de unhas e pêlos,

dependendo dos fatores fisiológicos e características físico-

químicas, cada fármaco terá um perfil próprio em termos

de distribuição, ou seja, tecidos mais vascularizados

deverão receber em menor tempo uma concentração maior

quando comparado a tecidos menos ou não vascularizados

como tecido adiposo e pêlos; outro fator relacionado à

circulação sanguínea é o débito cardíaco, pois se compara

a um paciente normal, portadores de insuficiência cardíaca

possuem um prejuízo considerável na velocidade de

distribuição. Ainda, fármacos altamente lipossolúveis

quando comparados a fármacos hidrossolúveis irão se

difundir com maior afinidade para o tecido adiposo. Veja

diagrama abaixo.

Representação esquemática da distribuição de fármacos de acordo com a vascularização dos sitemas (Raffa et al., 2006).

MODELOS COMPARTIMENTAIS EM FARMACOCINÉTICA.

O interesse em correlacionar o tempo e a ação de

um fármaco no organismo, após a administração do

medicamento, justifica-se para o conhecimento de três

fatores:

20 mg

a. Tempo entre a administração do medicamento e o

início da ação farmacológica (tempo de latência), que é

influenciado pela velocidade de absorção, distribuição,

localização do sítio-alvo e, indiretamente pela eliminação;

b. Tempo necessário para desencadear o efeito máximo

(relacionado à concentração máxima), resultante do

balanço entre os processos que levam o fármaco ao sítio-

alvo e aqueles que o retiram deste local;

c. Duração do efeito, que é dependente da velocidade

de eliminação e, em alguns casos, da distribuição.

Na prática correlacionando-se as concentrações

plasmáticas do fármaco com a amplitude dos efeitos em

diferentes períodos após a administração, pressupondo-se

que, depois de atingido o equilíbrio, estas concentrações

refletem as concentrações no sítio de ação do fármaco.

Portanto, os modelos compartimentais na

farmacocinética são úteis para a interpretação dos

processos de transporte e metabolismo dos fármacos.

Nos modelos matemáticos que descrevem os parâmetros

farmacocinéticos o organismo é representado como um

sistema de compartimentos cujo número é representado

arbitrariamente, jé que o corpo pode ser dividido pelo

número de órgãos, sistemas ou tecidos.

Na farmacocinética são propostos modelos matemáticos

para interpretar os dados obtidos após a administração

de um medicamento ao organismo, de modo que podem

ser descritos na literatura como modelos compartimentais

(abordagem clássica) e não compartimentais.

Assim, os modelos compartimentais em farmacocinética

podem ser classificados em Sistema Monocompartimental e

Sistema Multicompartimental; no primeiro caso assume-se

que o organismo funcione como um único compartimento,

ou seja, o fármaco se distribui de forma homogênea

por todo sistema, no segundo caso, adota-se que o

organismo seja constituído por um compartimento central

(sistema sanguíneo, tecidos de alta perfusão: cérebro,

pulmão, coração, rins, fígado) e um compartimento

periférico (diversos sistemas ou compartimentos menos

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

20

vascularizados: tecido adiposo, muscular, pele, unhas,

pêlo) onde o fármaco poderá se distribuir de forma

não homogênea nestes. Desta forma, em um sistema

multicompartimental, o fármaco deixa o compartimento

central e se distribui pelo compartimento periférico de

acordo com suas características físico-químicas e também

fisiológicas do paciente Veja esquema abaixo.

Conforme mostrado acima, após a administração do

fármaco, este se distribui rapidamente por todo sistema e,

em seguida é eliminado do organismo. No segundo caso,

os tecidos mais vascularizados recebem mais rapidamente

maior concentração do fármaco (Silva, 2002).

Na figura acima, observa-se que o fármaco é distribuído

através do sangue para os vários tecidos do organismo

(1). A distribuição pode ser restrita ao compartimento

extracelular, que considera o compartimento intersticial

junto com o volume plasmático (2), ou pode ser estendida

para o compartimento intracelular (3). Alguns fármacos

podem ligar-se fortemente a estruturas teciduais

de tal forma que sua concentração plasmática caia

significativamente mesmo antes que sua eliminação tenha

começado (4).

Ao se avaliar uma curva concentração plasmática

em função do tempo de um fármaco pertencente a um

sistema monocompartimental, nota-se que após atingir

a concentração plasmática máxima, ocorre uma queda

contínua deste, a qual representa o processo de distribuição

e eliminação, isto pode ser observado no gráfico abaixo.

Conforme observado acima, no sistema bicompartimental observa-se uma curva bi-fásica onde a primeira inclinação de caida, representa a primeira fase (distribuição) e a segunda fase dacurva representa o sistema de depuração.

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

21

MODELOS NÃO COMPARTIMENTAIS

Os modelos não compartimentais geralmente se aproxi-

mam mais da realidade fisiológica do organismo por des-

crever a disposição do fármaco em cada tecido ou órgão.

Entretanto, perdem a universalidade devido à complexida-

de do tratamento matemático envolvido. Assim, do ponto

de vista da aplicação dos princípios de farmacocinética às

situações clínicas, utiliza-se na maioria dos casos, o mo-

delo monocompartimental e, especialmente, o modelo bi-

-compartimental.

Por meio destes modelos matemáticos, simulam-se os pro-

cessos de absorção, distribuição e eliminação do fármaco

do organismo como uma função do tempo com os seguin-

tes objetivos:

- Predizer as concentrações do fármaco no plasma,

tecidos e urina, com o emprego de determinado esquema

terapêutico.

- Estabelecer o esquema terapêutico ótimo para cada

paciente, individualmente.

- Estimar o possível acumulo de um determinado

fármaco ou até mesmo, de seus metabólitos no organismo.

- Descrever como as alterações fisiológicas ou

enfermidades podem modificar a absorção, distribuição e

a eliminação de um fármaco no organismo.

- Explicar casos de interações medicamentosas.

As análises compartimentais são desenvolvidas

por meio de estudos continuados das concentrações

plasmáticas do fármaco, uma vez que se conhece a

quantidade administrada por via intravascular; porém

também é possível se estimar a fração absorvida no

caso da administração se dar por outra via diferente a

intravascular. O principal método empregado neste análise

é o estudo das curvas obtidas (veja curvas apresentadas

acima).

Ligação às proteínas plasmáticas e tecidos:

Após alcançar a corrente sanguínea, o fármaco irá se

ligar às proteínas transportadoras. A ligação do fármaco a

este carreador será dependente da afinidade estrutural e

da característica físico-química do mesmo. Desta forma,

fármacos de característica ácida terão maior afinidade

por proteínas plasmáticas com característica básica e vice

versa. As principais proteínas plasmáticas transportadoras

de fármacos são: albumina, alfa1-glicoproteína ácida e

globulina.

Os fármacos de característica ácida possuem forte

afinidade pela albumina, enquanto que os fármacos básicos

se ligam preferencialmente à alfa1-glicoproteína ácida e os

hormônios as globulinas; porém, isto não quer dizer que

estes dois últimos não possam se ligar à albumina, pois

esta é encontrada em maior concentração no plasma e, de

certa forma, mesmo que em menor grau, possui afinidade

por inúmeros fármacos.

Perfil de ligação de fármacos a proteínas transportadoras.

Observe que quando a afinidade do fármaco possui

baixa afinidade pela proteína, a distribuição deste para

os tecidos aumenta, e quando sua afinidade é alta pela

proteína transportadora, ocorre menor distribuição tecidual

(Lüllmann, 2008).

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

22

Na figura acima está representado um diagrama de ligação de fármacos às proteínas e seu sequestro pelos sistemas de depuração. (fonte: Golan, 2009)

Um fármaco ligado à albumina ou a outras proteínas

plasmáticas é incapaz de difundir-se do espaço vascular

para os tecidos circundantes. Em (A) os fármacos que não

se ligam às proteínas plasmáticas sofrem visivelmente

uma rápida difusão (mostrada na figura acima na forma

do Fármaco A nos tecidos). Isso resulta em alto nível de

ligação ao local de ação farmacológica (habitualmente

receptores) e numa alta taxa de eliminação (representada

pelo fluxo através de um órgão de depuração). Entre os

exemplos desses fármacos, destacam-se o acetaminofeno,

o aciclovir, a nicotina e a ranitidina. Em (B) ocorre em

contrapartida, para os fármacos que exibem altos níveis

de ligação às proteínas plasmáticas (mostrados aqui na

forma do Fármaco B), é necessária uma concentração

plasmática total mais elevada do fármaco para assegurar

uma concentração adequada do fármaco livre (não-ligado)

na circulação.

Caso contrário, apenas uma pequena fração do

fármaco poderá sofrer difusão no espaço extravascular,

e apenas uma pequena porcentagem dos receptores

estará ocupada. Entre os exemplos desses fármacos,

destacam se a amiodarona, a fluoxetina, o naproxeno e

a varfarina. É preciso ressaltar que a ligação às proteínas

plasmáticas constitui apenas uma das numerosas variáveis

que determinam a distribuição dos fármacos. O tamanho

molecular, a lipofilicidade e a intensidade do metabolismo

de um fármaco são outros parâmetros importantes

que precisam ser considerados quando se estuda a

farmacocinética de determinado fármaco.

FATORES QUE PODEM INFLUENCIAR AS PROTEÍNAS PLASMÁTICAS

Patológicos

Os principais fatores patológicos relacionados à

hipoproteinemia estão relacionados abaixo:

Distúrbios hepáticosEntre os distúrbios hepáticos que podem gerar

hipoproteinemia, os mais importantes são cirrose hepática,

hepatite viral aguda e problemas hepáticos causados pelo

consumo excessivo de álcool, que causam diminuição na

síntese de proteica ou produção de proteínas plasmáticas

com conformação modificada que, portanto, não

conseguem se ligar aos fármacos.

Distúrbios renaisOs distúrbios renais alteram de forma variável a

concentração das proteínas plasmáticas, modificando a

ligação dos fármacos a estas proteínas.

Assim, em pacientes com insuficiência renal, fármacos

ácidos ligam-se pouco às proteínas plasmáticas, ficando

livre na circulação, o que aumenta a ocorrência de efeitos

colaterais; enquanto, em pacientes com transplante renal,

ocorre aumento da ligação dos fármacos às proteínas

plasmáticas, diminuindo os efeitos farmacológicos.

Distúrbios cardíacosApós a ocorrência de um infarto agudo do miocárdio,

há uma modificação na concentração de algumas proteínas

plasmáticas como α1-Glicoproteína Ácida, o que modifica a

fração de fármaco livre para ação farmacológica.

Distúrbios tireoidianosOs distúrbios tireoidianos alteram de forma variável a

concentração das proteínas plasmáticas, modificando a

ligação dos fármacos a estas proteínas.

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

23

Assim, no hipertireoidismo, ocorre diminuição da

concentração plasmática de albumina, levando ao aumento

da concentração de fármacos ácidos livre na circulação

sanguínea.

Fatores fisiológicos

Os principais fatores fisiológicos relacionados à

hipoproteinemia estão relacionados abaixo:

IdadeA idade do paciente é capaz de modificar a ligação

dos fármacos a proteínas plasmáticas, modificando a

fração de fármaco livre, isso acontece devido à variação

da concentração de proteínas plasmáticas, à presença de

albumina fetal (que possui baixa afinidade por fármacos),

ao pH sangüíneo (que é mais baixo e modifica a ionização

dos fármacos) e à concentração de ácidos graxos livre

(que maior no adulto).

GestaçãoA concentração de albumina é alterada durante o

primeiro trimestre de gestação, modificando a ligação de

alguns fármacos, que se tornam livres na circulação.

Estado hormonalO uso de medicamentos anovulatórios, que reduzem

a síntese de α1-Glicoproteína Ácida, altera a ligação de

certos fármacos a estas proteínas plasmáticas, o que pode

levar ao aumento dos efeitos colaterais.

CONCENTRAÇÃO DE ÁCIDOS GRAXOS LIVRES

Os ácidos graxos livres, quando presentes em altas

concentrações ligam-se a albumina, diminuindo a ligação

dos fármacos às proteínas plasmáticas; enquanto, que,

quando presentes em baixas concentrações, os ácidos

graxos favorecem a ligação dos fármacos às proteínas

plasmáticas.

Além do fato de que os fármacos estão ligados às

proteínas transportadoras, outra situação que deve ser

levada em consideração é que a fração livre deste irá

se difundir do plasma para os tecidos. Assim, fármacos

de característica hidrossolúvel terão maior afinidade

por tecidos como músculo esquelético, enquanto que

substâncias lipossolúveis se alojarão em maior grau em

tecido adiposo (veja figura abaixo).

Observe na figura acima que em condições normais o

organismo é composto por 70% de água e 30 % de gordura

e, que em pacientes obesos a distribuição é na ordem de

50% para cada parte. Além disto, é possível verificar que

drogas hidrossolúveis apresentam-se mais concentradas

no compartimento hídrico de pessoas obesas, enquanto

que fármacos lipossolúveis estão em concentrações

maiores no compartimento gorduroso (tecido adiposo).

Estes fenômenos descritos acima, todos interferem

no parâmetro farmacocinético conhecido como volume

aparente de distribuição.

VOLUME APARENTE DE DISTRIBUIÇÃO:

É um parâmetro farmacocinético que expressa a

extensão da distribuição além do plasma. Também pode

ser conceituado como o volume no qual o fármaco deve se

dissolver para que sua concentração se iguale a do plasma.

Em termos gerais, o volume de distribuição

também pode ser considerado como uma constante de

proporcionalidade entre duas variáveis: entre a dose

administrada e a concentração plasmática do fármaco.

Este dado está relacionado à concentração plasmática e a

quantidade do fármaco no organismo em um dado tempo.

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

24

EX:

Considerando a concentração plasmática de um

dado fármaco como 10 mg/L, quando há 1000 mg deste

dissolvidos no organismo de um paciente de 70 kg, verifica-

se que será necessário cerca de 100 L para solubilizá-lo,

ou seja, o volume aparente de distribuição corresponde

a 100 litros, o que evidentemente não é um volume real,

visto que um paciente de 70 kg, possui no máximo, 50 L

de líquido em seu organismo. Ainda, é necessário lembrar

que muitos fármacos não conseguem deixar a corrente

sanguínea e atingir os tecidos, ou seja, seu volume

aparente de distribuição está relacionado com a quantidade

de sangue que este indivíduo possua (é considerado que

aproximadamente 8% do peso corpóreo de um indivíduo

adulto normal seja constituído por sangue).

O fato é que este parâmetro pode exceder

acentuadamente qualquer volume físico do corpo, visto

que se trata do volume aparente necessário para conter a

quantidade de droga homogeneamente na concentração

encontrada no sangue (plasma ou água). Fármacos que

possuem volume de distribuição muito alto apresentam

concentrações muito mais elevadas em tecidos

extravasculares do que no compartimento vascular, isto é,

apresentam distribuição não homogênea, por outro lado,

fármacos que possuem baixo volume de distribuição, são

encontrados em maior concentração no plasma e menor

nos tecidos. Este parâmetro pode ser determinado pela

seguinte equação:

Onde Vd é o volume de distribuição, dose administrada

(D) é a dose que o paciente está recebendo e concentração

plasmática (Cp; C0; Cp1, Ce; Css) representa a

concentração plasmática após a administração do fármaco

ou, concentração plasmática inicial ou, concentração

plasmática 1 ou, concentração plasmática efetiva, ou

ainda, concentração plasmática em estado de equilíbrio.

Ex.

Determine o volume de distribuição para um dado

fármaco que foi adminitrado a um paciente na dose

igual a 20 mg e, que após dosagem plasmática deste foi

encontrado um valor de 5mg/L de plasma.

Resolução:

Portanto o volume de distribuição é igual a 4 litros, ou

seja o fármaco está contido em um sistema de volume

igual a 4 litros do organismo. Veja o esquema abaixo para

melhor ilustrar.

Observe que após a administração do fármaco, este se

distribui em função do tempo para todos os compartimentos

orgânicos, e com isto, ocorre redução de sua concentração

plasmática e aumento de sua concentração nos tecidos;

no último painel é possível verificar que o fármaco está em

maior concentração em um determinado compartimento

quando comparado aos demais, por este motivo o Vd

expressa o volume “aparente” de distribuição, e pode

exceder qualquer volume físico.

Na tabela abaixo estão relacionados exemplos de

fármacos e seus respectivos volumes de distribuição.

Observe que para alguns fármacos, este parâmetro se

encontra bem acima da massa corpórea do paciente; isto

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

25

é verdade, visto que fármacos como, por exemplo, a cloroquina, se distribui por todas as estruturas do organismo

(plasma, liquido extracelular, líquido intracelular, tecido muscular, tecido adiposo entre outros).

Droga dispon. oral (F) (%)

ligação plasm. (%)

depuração (L/h/70 kg)

vol. de distrib. (L/70 kg)

meia vida (h)

conc. eficaz conc. tóxica

acetaminofen 88 0 21 67 2 10-20 mg/L >0,3 g/L

ac. Salicílico 100 85 0,84 12 13 200 mg/mL > 200 mg/mL

carbamazepina 70 74 5,34 98 15 6 mg/mL > 9 mg/mL

ciclosporina 23 93 24,6 85 5,6 200 ng/mL > 400 ng/L

cloroquina 89 61 45 13000 214 20 ng/mL > 250 ng/mL

digoxina 70 25 7 500 50 1 ng/mL > 2 ng/mL

imipramina 40 90 63 1600 18 0,2 ug/mL > 1 mg/L

indomeacina 98 90 8,4 18 2,4 1 mg/L > 5 mg/L

lidocaína 35 70 38,4 77 1,8 3 mg/L > 6 mg/L

nortriptilina 51 92 30 1200 31 100 ng/mL > 500 ng/mL

Valores de parâmetros farmacocinéticos já estabelecidos e encontrados na literatura básica (adaptado de Hardman et al., 2003).

PRINCIPAL APLICAÇÃO DO VD

Uma das principais aplicações do Vd é a determinação da melhor dose de ataque no início de uma terapia

medicamentosa. Deve ser considerado que a dose de ataque visa alcançar uma concentração plasmática terapêutica

em estado de equilíbrio mais rapidamente quando comparado ao método tradicional de administração. Este cálculo pode

ser determinado pela seguinte equação:

DA = Vd x Cp

Onde: DA é a dose de ataque e Cp é a concentração plasmática desejada (esta deve ser a terapêutica).

A dose de ataque é calculada para preencher o volume de distribuição, de modo a alcançar a concentração

terapêutica rapidamente. Esta concentração terapêutica alcançada deverá ser mantida posteriormente pelas doses de

manutenção. É importante ressaltar que as doses seguintes à dose de ataque, deve ser a dose normalmente utilizada

na terapêutica, ou seja, a dose de ataque não deve ser mantida como dose de manutenção.

EX:

Deseja-se verificar, se para um paciente de 100 kg de peso corpóreo, a dose igual a 1500 mg de paracetamol é

efetiva ou tóxica quando administrada em dose única. Dados: Vd = 67 L/70 kg, Cefetiva = 10 a 20 mg/L e Ctoxica = > 300

mg/L

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

26

Resolução:

No exemplo acima, verificou-se que para um paciente

de 100 kg, a administração de 1500 mg de paracetamol

em dose única ou como dose de ataque, promoveu uma

concentração plasmática efetiva (Ce) de 15,67 mg/L; isto

indica que nesta situação o paciente está seguro, pois

manteve-se a concentração plasmática terapêutica ( que

é entre 10 e 20 mg/L). Porém, é necessário lembrar que

deve ser corrigido sempre o Vd para cada paciente.

RELAÇÃO ENTRE DOSE DE ATAQUE E DOSE DE MANUTENÇÃO

Nos casos em que a meia vida plasmática do fármaco

apresenta um valor muito elevado, não é possível adotar

esquema terapêutico considerado ideal, no qual este

parâmetro corresponda ao intervalo entre a administração

das doses. Porém, nesta situação pode-se optar pela

administração de uma dose inicial (Di) maior, a qual é

conhecida como dose de ataque.

A finalidade desta dose (Di) é promover mais

rapidamente uma concentração plasmática terapêutica

(concentração plasmática de equilíbrio (Css)), mas deve

ser frisado que esta concentração deverá ser mantida

pelas doses de manutenção (Dm), necessitando, portanto,

de se avaliar a relação entre Di e Dm.

Ao se estabelecer um regime posológico, o principal

objetivo é obter níveis plasmáticos considerados

terapêuticos, que normalmente, são atingidos em estado

de equilíbrio. Por isto, os parâmetros farmacocinéticos

envolvidos são aqueles expressos por meio da seguinte

ralação:

Dose = Css x Vd

Onde: Css é a concentração plasmática do fármaco

no estado de equilíbrio, Vd é o volume aparente de

distribuição.

Para analisar a relação Di e Dm descrita acima, deve-se

considerar que a dose inicial administrada corresponde a

uma quantidade do fármaco (X) que será alterada com o

tempo em função de um termo cinético, representado por

e-k.t, ou seja:

X = Di x e-k.t

ÁREA SOB A CURVA (AUC):

Em estudos de farmacocinética e de biodisponibilidade,

é frequente avaliar-se a AUC das concentrações plasmáticas

em função do tempo, a partir do tempo zero, que é o

tempo correspondente à administração da formulação até

o tempo desejado, ou seja, poderá ser determinado a AUC

do tempo zero ao infinito, por exemplo (AUC0 - ∞) ou a um

determinado tempo de escolha.

Este parâmetro pode ser facilmente determinado pelo

método trapezóide (equação abaixo), porém, deverá ser

determinado a AUC para cada um dos intervalos, e a soma

de todas as áreas encontradas em cada um dos intervalos,

representará a AUC total.

Ex:

Determine a AUC da curva concentração plasmática em

função do tempo representada abaixo, no intervalo 2 a 3

h.

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

27

Note que este procedimento deverá ser realizado para

CADA UM DOS INTERVALOS, caso seja realizado o

procedimento de se determinar a área total em uma única

equação, haverá a somatória de uma área inexistente.

Veja o exemplo.

Quando realizado o cálculo correto para cada uma

das áreas, e somando todas, o valor da AUCtotal será igual

a 212,5 mg/L . h; e não o valor determinado acima no

exemplo. Veja ainda que no gráfico acima há uma linha

tracejada que demonstra a área inexistente que foi

contabilizada juntamente com a área real sob a curva.

Desta forma, é importante frisar que não se pode utilizar

a equação para se determinar a AUC total com apenas o

primeiro e o último ponto, encontrados no gráfico.

O cálculo da área sob a curva de concentrações

plasmáticas de um fármaco em função do tempo é

importante e aplicável à determinação do Clearence, assim

como para o cálculo do volume aparente de distribuição e

de outros parâmetros farmacocinéticos.

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

28

Sua aplicação também envolve a avaliação da biodisponibilidade absoluta no caso de medicamentos inovadores ou

da biodisponibilidade relativa (bioequivalência) para medicamentos genéricos e similares.

No gráfico apresentado abaixo está demonstrado a relação de duas formulações contendo ibuprofeno como principio

ativo, que passaram por este de bioequivalência.

Na figura acima é possível observar que a curva de concentração em função do tempo obtida para a formulação teste

está deslocada à direita da curva obtida para a formulação referência, e que a concentração plasmática máxima observada

para o medicamento teste também está acima deste parâmetro determinado para o medicamento referência. Por estas

observações, seria possível inferir que as formulações não são bioequivalentes. Entretanto, ao se avaliar os parâmetros

corretos, como a área sob a curva (tabela abaixo) é possível verificar que não foi encontrado diferença significativa entre

as formulações teste. Este é um dos indícios de que as formulações podem ser consideradas bioequivalentes.

Parâmetros farmacocinéticos das formulações ibuprofeno referencia e ibuprofeno teste.Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os parâmetros apresentados na tabela acima.

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

29

ELIMINAÇÃO E METABOLISMO DE FÁRMACOS (EXCREÇÃO E BIOTRANSFORMAÇÃO).

A menos que se fixe em estruturas orgânicas,

qualquer substância estranha (xenobiótico) introduzida

no organismo será eventualmente eliminada, algumas

mais rapidamente, e outras de uma forma mais lenta. O

mesmo princípio é utilizado para os medicamentos, que

deverão se submeter ao processo de eliminação, que

é constituido pelos processos de biotransformação ou

metabolismo e excreção. Alguns fármacos são excretados

em sua forma inalterada, porém a maioria das substâncias

medicamentosas necessitam de sofrer um processo de

biotransformação para que seja melhor excretado pelo

sistema.

Embora as reações bioquímicas que modificam as

drogas, convertendo-as em formas passíveis de excreção

renal, constituam uma parte essencial do metabolismo dos

fármacos, esse metabolismo abrange mais do que essa

simples função. A biotransformação dos fármacos pode

alterá-los de quatro maneiras importantes:

- Um fármaco ativo pode ser convertido em fármaco

inativo

- Um fármaco ativo pode ser convertido em um

metabólito ativo ou tóxico.

- Um pró-fármaco inativo pode ser convertido em

fármaco ativo.

- Um fármaco não-excretável pode ser convertido em

metabólito passível de excreção (por exemplo, aumentando

a depuração renal ou biliar).

Para melhor ilustrar, veja o quadro abaixo.

A figura mostra exemplos de biotransformação de

fármacos, alguns estão em estado ativo e são convertidos

a substâncias ainda ativas e posteriormente a compostos

inativos, e ainda, exemplos de drogas inativas (pró-droga)

que são metabolizadas a fármacos ativos.

Fases da biotransformação.

O processo de biotransformação pode ser subdividido

em duas fases distintas, sendo elas:

Reações de fase I: São conhecidas também como reações não-sintéticas

ou catabólicas. Esta fase tem por objetivo modificar a

estrutura molecular do fármaco e, envolvem os processos

de oxidação, redução, hidrólise, hidroxilação, desaminação,

ciclização, desciclização entre outras.

Reações de fase II: Também denominada de reação sintética ou anabólica

ou ainda de fase de conjugação. Nesta fase, será conjugada

uma molécula endógena de característica hidrossolúvel à

molécula do fármaco que passou pelo processo de fase

I. As principais moléculas endógenas envolvidas neste

processo são: ácido glicurônico, metil, sulfato, glutationa e

acetato. (veja esquemas a seguir)

Representação geral das fases I e II do processo de biotransformação.

PRINCIPAIS ENZIMAS ENVOLVIDAS COM O PROCESSO DE FASE I.

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

30

O principal grupo de enzimas relacionadas com a

metabolização de fase I é o complexo microssomal de

função oxidativa mista Citocromo P-450 ou também

denominada de complexo microssomal CYP. Atualmente

são descritas mais de 95 subtipos de CYP, entretanto,

com função oxidativa para fármacos as subunidades de

principal função são: CYP2 (CYP2D6) e CYP3 (CYP3A4).

Além destas enzimas, outras classes enzimáticas

também possuem grande importância no processo de

biotransformação, entre as diversas outras destacam-

se as: monoxigenase com flavina, monoamina oxidades,

desidrogenases, hidrolases e outras. A figura abaixo

exemplifica a distribuição das principais CYPs.

Hidrólise

Distribuição das principais CYPs envolvidas com o processo de metabolismo de fase I no organismo humano (Raffa et al., 2006).

Exemplos de reações de fase I:

Exemplos de processos de biotransformação de fase I (Lüllmann, 2008).

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

31

Exemplos de processos de biotransformação de fase I (Lüllmann, 2008).

REAÇÕES DE FASE II As principais enzimas envolvidas com os processos

de biotransformação de fase II são: uridinodifosfato

glicuroniltransferase, que responsável pela transferência

do ácido glicurônico; sulfotransferase, transfere radicais

de sulfato; glutationa S-transferase, transfere uma

molécula de glutationa para o radical S do fármaco;

N-acetiltransferase, que transfere radicais de acetato. Nos

esquemas abaixo é possível ter uma ideia de como estes

processos ocorrem.

Exemplos de reações de conjugação de fármacos, esta alteração faz com que o fármaco se torne mais hidrossolúvel e seja mais facilmente excretado pelo sistema renal.

As reações de oxidação/redução e de conjugação/

hidrólise aumentam a hidrofilicidade de um fármaco

hidrofóbico e seus metabólitos, permitindo que esses

fármacos sejam excretados por meio de uma via final

comum. Os fármacos e seus metabólitos são, em sua

maioria, eliminados do corpo através de excreção renal

e biliar. A excreção renal constitui o mecanismo mais

comum de excreção de fármacos e baseia-se na natureza

hidrofílica de um fármaco ou seu metabólito. Apenas um

número relativamente pequeno de fármacos é excretado

primariamente na bile. Muitos fármacos de administração

oral sofrem absorção incompleta pelo trato gastrintestinal

superior, e o fármaco residual é então eliminado por

excreção fecal. De outro modo, os fármacos podem ser

excretados em quantidades mínimas através das vias

respiratória e dérmica.

EXCREÇÃO DE FÁRMACOS A remoção de um fármaco do organismo humano

pode ocorrer através de varias vias: renal, biliar, intestinal,

pulmonar, além do suor, saliva, secreção nasal, e, leite

em mães que amamentam. A principal via de excreção

de fármacos é constituída pelo sistema renal, entretanto

há outras vias de grande importância, como por exemplo,

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

32

a via pulmonar (muito importante para fármacos voláteis

como o álcool e anestésicos gasosos), leite materno,

sistema biliar (é uma via muito importante para fármacos

que dependem do ciclo enterohepático (veja diagrama a

seguir) como os contraceptivos hormonais, cloranfenicol,

tetraciclinas, rifampicina e digoxina), lágrimas, saliva

(atualmente muitos fármacos e substâncias endógenas

tem sido monitorados por meio de sua concentração

salivar), suor, fecal entre outras.

- Ciclo enterohepático: após a ingestão do

fármaco pela via oral, este será absorvido pelo intestino

e transportado pelo sangue portal até o fígado, onde

será biotransformado e conjugado a substâncias mais

hidrossolúveis, como por exemplo, ao ácido glicurônico,

sulfatos ou outro componente endógeno. Este conjugado

por estar carregado com cargas elétricas, pode passar

do hepatócito para a bile, sendo armazenado na vesícula

biliar e posteriormente eliminado junto ao fluido biliar no

intestino. Os metabolitos conjugados ao ácido glicurônico

podem ser clivados no interior do cólon intestinal por

enzimas β-glicoronidases liberando do conjugado a

molécula do fármaco, a qual será absorvida para o

organismo.

Representação do processo enterohepático (Lüllmann, 2000).

Para que um fármaco possa ser excretado pelo

sistema renal, o mesmo poderá passar por um ou mais

dos seguintes processos: filtração glomerular, reabsorção

tubular passiva e, secreção tubular ativa.

- Filtração glomerular: Todos os fármacos são filtrados no glomérulo renal,

porém, apenas as moléculas não ligadas às proteínas

transportadoras é que passam pelos microporos. A

extensão da filtração é diretamente proporcional à taxa

de filtração glomerular e a fração do fármaco não ligado

às proteínas transportadoras. A lipossolubilidade, a

ionização, a não-ionização, inclusive o pH não influenciam

a passagem dos fármacos para o filtrado glomerular. Os

capilares glomerulares permitem a difusão de moléculas

de drogas de peso molecular inferior a 20.000 no filtrado

glomerular. Como a albumina plasmática possui o peso

molecular 68.000, esta é quase totalmente retida,

enquanto os fármacos livres (com peso inferior a 20.000)

atravessam a rede capilar para o espaço de Bowman, como

parte do filtrado glomerular. Cerca de apenas 20% do fluxo

plasmático renal são filtrados através do glomérulo.

Na representação acima pode ser observado que o

sangue contendo o fármaco perfunde todo o interior do

glomérulo, na sequencia, a droga (com peso molecular

inferior a 20 KDa) passa pelos poros de uma membrana

semi-permeável (painel B) para dentro da cápsula de

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

33

Bowmam e em seguida para dentro do túbulo contornado

proximal (painel A); fonte (Lüllmann, 2008).

- Reabsorção tubular passiva: Todo fármaco lipossolúvel e que esteja em sua forma não

ionizado depois de filtrado, poderá ser reabsorvido quando

passar pelo túbulo contornado proximal do néfrom. Assim,

para que um fármaco não sofra este processo no momento

de sua excreção, o mesmo deverá estar na sua forma

hidrossolúvel (para melhor se homogeneizar na urina)

e ionizado, pois uma vez ionizado, sua lipossolubilidade

diminui e a molécula não pode ser reabsorvida. Portanto,

fármacos básicos quando presentes no filtrado renal serão

mais facilmente eliminados, uma vez que a urina possui pH

ácido, por outro lado, fármacos ácidos serão eliminados

com maior dificuldade (Veja esquema abaixo).

Representação esquemática da eliminação e reabsorção

passiva de fármacos e a relação do pH com estes fatores

(Lüllmann, 2000).

- Secreção tubular ativa:

Fármacos que não são filtrados e que também não

conseguem se difundir para a luz tubular, podem ser

secretados ativamente para o túbulo renal. A principal

região responsável pela secreção é o túbulo contornado

proximal. As penicilinas, cefalosporinas, digoxina, diuréticos

tiazídicos são exemplos de fármacos que são secretados

ativamente. Por outro lado, drogas como a probenicida,

são capazes de inibir o sistema de transporte de penicilinas,

cefalosporinas, digoxina e outras, aumentando o tempo de

excreção renal destes fármacos. Ainda, outro ponto muito

importante é que os fármacos descritos anteriormente

competem entre si pelo sistema de secreção, ou seja,

a penicilina e os diuréticos tiazídicos (hidroclorotiazida),

diuréticos de alça (furosemida) podem diminuir de forma

considerável a eliminação de digoxina, podendo ocorrer

intoxicação digitálica.

A figura acima é representativa dos sistemas de

filtração, secreção e reabsorção dos fármacos no rim. Os

fármacos podem ser (1) filtrados no glomérulo renal, (2)

secretados no túbulo proximal, (3) reabsorvidos a partir

da luz tubular e transportados de volta ao sangue, e (4)

excretados na urina. O equilíbrio relativo das taxas de

filtração, secreção e reabsorção é que determina a cinética

de eliminação dos fármacos pelos rins. O aumento do fluxo

sanguíneo, o aumento da taxa de filtração glomerular e

a diminuição da ligação às proteínas plasmáticas causam

uma excreção mais rápida do fármaco, visto que todas

essas alterações resultam em aumento da filtração do

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

34

fármaco no glomérulo. Alguns fármacos, como a penicilina,

são secretados ativamente no túbulo proximal. Embora a

reabsorção possa diminuir a taxa de eliminação de um

fármaco, muitos fármacos sofrem sequestro pelo pH no

túbulo distal e, portanto, são excretados eficientemente na

urina. Para os fármacos que dependem do rim para a sua

eliminação, a presença de comprometimento da função

renal pode resultar em concentrações plasmáticas mais

altas do fármaco, de modo que é preciso modificar a dose

e a frequência de administração desses fármacos.

CLEARANCE OU DEPURAÇÃO O clearance (Cl) total de um fármaco no

organismo descreve a eficiência do processo de eliminação

(irreversível) e pode ser considerado como um parâmetro

que relaciona sua velocidade de eliminação com a

concentração plasmática. Desta forma, o Cl pode ser

determinado pela seguinte equação:

Cl = VE/Cp

Onde VE é a velocidade de eliminação (mg/h); Cl é o

Clearance (L/h) e Cp é a concentração plasmática (mg/L).

O clearance também pode indicar a fração do volume

de distribuição que é depurada completamente na unidade

de tempo, podendo ser calculado pela seguinte equação:

Cl = Vd x Ke

Assim, Cl é o clearance, Vd é o volume aparente de

distribuição da droga e Ke a constante de eliminação.

CÁLCULO DO CLEARANCE E SUA APLICABILIDADE. VIDEO 12: DETERMINAÇÃO DO CLEARANCE E DOSES DE MANUTENÇÃO.

O método clássico para determinar o clearance

renal de uma determinada substância, como por exemplo,

da creatinina, requer a medida de sua velocidade de

eliminação na urina e da concentração plasmática no

mesmo tempo. Para isto, é possível aplicar a seguinte

equação:

ClR = Cu x V/Cp

Onde:

ClR é o clearance; Cu é a concentração da substância

na urina; V é a velocidade do fluxo urinário e Cp é a

concentração da substância no sangue e/ou no plasma.

Portanto, esta equação pode ser utilizada para a

determinação de qualquer substância (fármaco), desde

que seja possível quantifica-la no plasma ou sangue do

paciente. Além da equação anterior, o clearance de drogas

pode ser calculado por meio da relação da porcentagem

do fármaco excretado na forma inalterada na urina (fe) e

clearance total (Cl):

ClR = fe x Cl

Resumindo, o clearance tornou-se um parâmetro

importante em função de seu uso na prática clínica.

Sua determinação é relativamente fácil e seu cálculo é

realizado empregando-se as equações anteriormente

descritas. Por meio deste parâmetro farmacocinético pode-

se estabelecer a dose de manutenção de um determinado

fármaco necessária para atingir a concentração terapêutica

no estado de equilíbrio. Em situação de equilíbrio, a

quantidade de fármaco que é introduzida no organismo

deve ser igual à eliminada (depurada), ou seja, a velocidade

de administração (dose/intervalo entre as doses) é igual a

velocidade de eliminação.

DM = Cl x Css

Portanto, DM é a dose de manutenção, Cl é o clearance

e Css é a concentração em estado de equilíbrio (steady-

state). Portanto o cálculo da dose de manutenção adequada

é o objetivo primário de uma terapia medicamentosa. Para

manter o estado de equilíbrio escolhido, ou a concentração

alvo desejada, a taxa de administração do fármaco deverá

ser ajustada de modo que a quantidade de fármaco

administrado deverá ser igual à taxa de perda (eliminação

ou saída). Para tanto, a equação seguinte pode descrever

esta relação:

Velocidade de infusão = Cpalvo x Cl/F

Caso o clínico já tenha definido a concentração

plasmática alvo (Cpalvo) e conhecer a depuração e

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

35

biodisponibilidade do fármaco prescrito, é possível calcular

a dose e os intervalos entre as doses apropriados.

EX:

Para um paciente portador de ICC internado em uma

unidade hospitalar foi prescrito o medicamento digoxina.

O indivíduo possui 65 Kg e como dose em estado de

equilíbrio, foi estipulado a concentração plasmática de 1,5

ng/mL, com base no fato que a depuração de creatinina

deste paciente é de 80 mL/min, a depuração de digoxina

pode ser estimada com base na seguinte equação abaixo

(estipulada especialmente para a digoxina).

Cl = 0,88 x Clcr + 0,33 mL.min-1.Kg-1

Esta equação é baseada em apontamentos clínicos e

acompanhamento de pacientes com algum grau de ICC.

Logo, ao se desenvolver a situação descrita acima,

temos que:

Cl = 0,88 x (80 mL/min/65 kg) + 0,33 mL.min-1.Kg-1

Cl = 0,88 x (1,23 mL/min/kg) + 0,33 mL.min-1.Kg-1

Cl = 1, 083 mL/min/kg + 0,33 mL.min-1.Kg-1

Cl = 1,41 mL.min-1.Kg-1

Ou corrigido pelo peso total do paciente

Cl = 91, 85 mL.min-1

Cl = 5,5 L.H-1

Com base nestes dados apresentados pode-se

estimar a taxa de administração do medicamento para

este paciente nesta situação em que se encontra. No

entanto, deve ser lembrado que caso o paciente receba o

medicamento por via oral, devemos levar em consideração

a biodisponibilidade da formulação por esta via de

administração (F = 70%)

D = Cp alvo x Cl/F

D = 1,5 ng/mL x 1,41 mL.min-1.kg-1/0,7

D = 1,5 ng/mL x 2,014 mL.min-1.kg-1

D = 3,02 ng. min-1.kg-1

Logo para um paciente de 65 kg:D = 3,02 ng. min-1.kg-1 x 65 kg

D = 196 ng. min-1

Ou em 24 hs

D = (196 ng. min-1 x 60 min) x 24 H

D = 282,76 µg/dia ou 0,282 mg/dia

No entanto, não dispomos de formulações

industrializadas com esta concentração de PA por unidade.

Desta forma, na prática atualmente utilizada, é arredondado

para a dose mais próxima. Assim, a concentração mais

próximas que encontramos disponível no mercado é igual a

0,25 mg. Logo, 1,5 ng/mL x (0,25/0,282), resulta em uma

concentração plasmática de equilíbrio igual a 1,33 ng/mL,

o que está dentro da faixa terapêutica estabelecida para

a digoxina (Veja tabela de parâmetros farmacocinéticos,

apresentada no tópico volume aparente de distribuição).

ADMINISTRAÇÃO DE MEDICAMENTOS EM DOSES MÚLTIPLAS

A administração de drogas em doses múltiplas é

considerada como a modalidade mais frequentemente

utilizada na farmacoterapia, seja para o tratamento de

uma condição clínica aguda ou para uma situação crônica.

Portanto, é fundamental que a concentração plasmática

terapêutica seja mantida em estado de equilíbrio ao longo

de todo o tratamento do paciente.

Desta forma, com base nos achados e condições

clínicas do indivíduo, o clínico (prescritor) estabelece um

esquema terapêutico ou regime de dosagens (posologia)

em conformidade com o medicamento estabelecido,

sua forma farmacêutica e via de administração. Estes

esquemas posológicos geralmente são estabelecidos em

conformidade com as informações constantes na bula

do medicamento, que são estabelecidas com base nos

ensaios clínicos multicêntricos de fase II e III, por meio dos

quais a Indústria Farmacêutica responsável pelo produto

comprovou sua eficácia clínica e segurança.

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

36

Quando ocorre a administração de doses semelhantes

em intervalos regulares, o princípio ativo tende a ser

introduzido ao organismo a uma velocidade constante,

o que se assemelha ao processo de infusão contínua de

medicamento; no entanto, as concentrações plasmáticas

estabelecidas por um sistema de administração em doses

múltiplas podem variar em conformidade com o intervalo

de cada administração, ao passo que em um sistema

de administração em infusão contínua, não há alteração

da concentração plasmática, desde que, não ocorram

alterações dos sistemas de metabolismo e excreção

(clearance).

Na figura acima é possível observar que quando o

esquema de administração em sistema de infusão (linha

sólida) é utilizado, a concentração de equilíbrio (steady-

state: Css) é alcançada e mantida. Porém, quando o

sistema de administração de doses múltiplas é escolhido

como sistema terapêutico, observa-se que a cada intervalo

de administração, a concentração plasmática aumenta

logo após a administração do medicamento e, depois de

um intervalo de tempo, esta está em menor concentração

no plasma, indicando que a mesma foi depurada do

organismo.

De um ponto de vista conceitual, em farmacocinética,

é muito importante diferenciar um esquema posológico

de doses múltiplas e doses repetidas. No primeiro caso,

as doses são administradas a determinados intervalos, é

fundamental que haja acumulo do fármaco no organismo,

ou seja, há uma quantidade remanescente da dose no

organismo, antes da administração da próxima dose. Tal

fato é essencial do ponto de vista clínico, uma vez que

se espera que sejam geradas concentrações plasmáticas

dentro das margens terapêuticas de cada fármaco,

quando o estado de equilíbrio é alcançado, concentrações

que ainda não são atingidas em tempos anteriores após o

inicio da administração das doses (figura a seguir).

Em um sistema de administração de doses repetidas

também existe uma dose e um intervalo entre as doses,

mas praticamente todo o fármaco é eliminado antes que

seja administrada a dose seguinte, desta forma, não

há acumulo. Em consequência a este fato, é necessário

alcançar a concentração terapêutica útil, e do ponto de

vista farmacocinético, essa administração deve ser tratada

como dose única.

Na tabela a seguir encontram-se alguns exemplos de

administração de medicamentos segundo terapia de doses

repetidas e múltiplas doses.

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

37

Fármaco Tempo de meia vida Intervalo de administração (h)

Esquema de administração

amoxicilina 1,2 8 Doses repetidas

furosemida 1,5 12 Doses repetidas

gentamicina 2 8 a 24 Doses repetidas

digoxina 43 24 Doses múltiplas

clonazepam 27 12 Doses múltiplas

lítio 24 12 Doses múltiplas

Em geral, não são desejadas acentuadas flutuações nas concentrações entre as doses administradas. Se a absorção

e a distribuição fossem instantâneas as flutuações das concentrações de fármacos administrados entre as doses seriam

regidas praticamente pelo tempo de meia vida de eliminação do fármaco.

Se um fármaco for relativamente atóxico, de modo que a concentração muitas vezes maior que a necessária para a

terapia possa ser facilmente tolerada, pode ser utilizada estratégia de dose máxima e o intervalo entre as doses pode

ser muitas vezes, maior que o tempo de eliminação da droga. A meia vida da amoxicilina é de 2 horas, mas geralmente

são administradas dose em intervalos de 12 ou 8 horas em decorrência da elevada dose administrada.

No caso de fármacos com estreita faixa terapêutica, pode ser importante estimar as concentrações máxima e mínima

que irão ocorrer entre os intervalos de administração. Para se determinar a concentração mínima pode-se utilizar a

seguinte equação:

Onde K representa a Ke (constante de eliminação) e é igual a 0,693 dividido pelo tempo de meia vida plasmático, T

é o intervalo entre as doses. O termo exp(-KT) é na verdade a fração da ultima dose (corrigida pela biodisponibilidade)

que permanece no corpo ao final de um intervalo entre as doses.

MONITORAMENTO FARMACOCINÉTICO.As interações dinâmicas entre a absorção, a distribuição, o metabolismo e a excreção de um fármaco determinam a

sua concentração plasmática e estabelecem a capacidade do fármaco de alcançar o seu órgão-alvo numa concentração

efetiva. Com frequência, a duração desejada da terapia farmacológica é maior do que a que pode ser obtida por uma

dose única, tornando necessário o uso de múltiplas doses para proporcionar concentrações plasmáticas relativamente

constantes do fármaco dentro dos limites de sua eficácia e toxicidade.

O planejamento da terapia farmacológica para um paciente, as tomadas de decisões sobre a escolha do fármaco

e sua posologia, são de fundamental importância para a obtenção de uma terapêutica medicamentosa eficaz. Para se

tomar estas decisões, normalmente é objetivado um efeito farmacológico desejado, e a administração de doses do

medicamento escolhido é manipulada de tal forma a se obter o efeito planejado inicialmente. Esta estratégia geralmente

funcional para alguns determinados fármacos, como por exemplo, no controle da pressão arterial de um dado paciente,

que pode ter sua pressão monitorada e a dose do fármaco escolhido é administrada em conformidade com os valores

pressóricos deste. Por outro lado, para fármacos que possuam um índice terapêutico estreito ou quando ocorram

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

38

mudanças repentinas no estado do paciente de forma

que exija alguma alteração posológica do medicamento,

esta manobra poderá ser muito comprometedora para o

paciente.

Na maioria das situações clínicas, é muito importante

manter um efeito terapêutico por um período prolongado.

Isto implica que a concentração plasmática do fármaco

deverá ser mantida pelo tempo necessário. Normalmente,

a concentração plasmática do fármaco é mantida dentro

de um sistema de administração de múltiplas doses ou

dependendo da situação, em um esquema de administração

contínua. Por outro lado, em situações menos complicadas,

é possível realizar uma terapêutica com um sistema de

administração de dose única. O fato importante é que é

possível se realizar o monitoramento cinético do fármaco

em todos os casos. Para isto, se faz necessário controlar os

processos de distribuição, metabolismo e eliminação, de

posse destes resultados é possível se determinar a melhor

dose e o melhor intervalo de tempo para se administrar

esta dose ao paciente.

REQUISITOS ESSENCIAIS PARA CONTROLE TERAPÊUTICO

AnalíticosSão necessários métodos analíticos validados,

infraestrutura, equipamentos (HPLC, CG, LC-MS) e equipe

treinada em boas práticas de laboratório.

Dados do pacienteComo dados primordiais do paciente, é necessário:

- Ficha médica;

- Dados gerais do paciente (nome, sexo, idade, hábitos,

raça);

- Medicamentos a serem monitorados;

- Razão da solicitação;

- Histórico clínico (evolução da patologia e

complicações);

- Função dos órgãos de depuração (rins, fígado e

pulmão).

INFORMAÇÕES SOBRE O MODO DE

ADMINISTRAÇÃO E DEFINIÇÃO DOS TEMPOS DE COLETA

Deve-se ser considerado que caso o tratamento

estipulado envolva o sistema de administração de

múltiplas doses, haverá acumulo de fármaco no organismo

e, portanto, será alcançada a concentração no estado

de equilíbrio (Css). Porém, se o tratamento ocorrer por

meio de uma sucessão de doses, mas o intervalo de

administração for superior ao tempo de meia vida, não

haverá acumulo e o tratamento que se dará aos dados

obtidos será o tratamento de dados referentes ao sistema

de administração dosse única.

Esses modos de administração podem ser resumidos

em:

- Bolus IV em dose única: a concentração máxima

é obtida imediatamente após a administração da dose.

Nesse caso administra-se apenas uma única dose do

fármaco, ou quando o tratamento é longo, a dose

seguinte é administrada quando já não há mais fármaco

remanescente. Portanto, o tempo necessário para que

a concentração plasmática seja mínima é de 5 vezes o

tempo de meia vidada.

- Bolus IV em doses múltiplas: se ocorrer

acúmulo de fármaco por este método, é recomendado o

monitoramento apenas quando o estado de equilíbrio for

atingido, ou seja, depois de transcorrido um período de

administração de 4 a 5 vezes a meia vida de eliminação.

A concentração máxima é alcançada imediatamente

após a administração da dose e a concentração mínima

imediatamente antes à administração de uma nova dose.

- Infusão IV: neste método de administração,

a concentração plasmática máxima será o estado de

equilíbrio, o qual será alcançado após transcorrido um

período de administração de no mínimo, 5 vezes o tempo

de meia vida.

- Infusão IV intermitente em dose única: consistem em administrar infusões por um período curto,

as quais serão repetidas após a eliminação do fármaco,

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

39

uma vez que não existe acúmulo. A concentração máxima

é obtida ao término da infusão.

- Infusão IV intermitente em doses múltiplas: esse modo de administração é caracterizado por

administração de infusões por períodos curtos, mas com

ocorrência de acúmulo. A monitoração deverá ser realizada

quando o período estacionário (equilíbrio) for atingido.

A concentração máxima é a concentração no estado de

equilíbrio, a qual é obtida imediatamente após a infusão

ser finalizada e a concentração mínima é obtida ao final do

intervalo de administração das doses.

- Dose única extravascular: neste sistema de

administração, a concentração máxima é dependente da

velocidade de absorção. Na ausência de dados precisos,

pode-se considerar que a absorção é rápida quando o Tmax

está ao redor de 1 a 1,5 h e mais lenta entre 3 e 4 h.

- Doses múltiplas extravasculares: nesse sistema

de administração, a concentração máxima é dependente

da velocidade de absorção. A concentração mínima é

obtida ao final do intervalo de doses. Caso haja acumulo

do fármaco, deve ser considerado o estado estacionário.

Para se realizar este procedimento, normalmente

amostras de sangue são coletadas do paciente de tempos

em tempos, como por exemplo, 15; 30; 45; 60 min.,

1; 1,5; 2; 3; 4; 5; 6; 8; 10; 12; 24 horas. É possível se

elaborar um protocolo de coletas dentro de um sistema

cientificamente já estabelecido (estes protocolos podem

ser obtidos por meio de pesquisa às bases de busca como

pubmed, medline, lilacs bireme, entre outras).

Após a coleta das amostras, os resultados são

transferidos para um programa de estatística ou podem

ser inseridos em papel milimetrado, obtendo-se assim,

uma curva concentração plasmáticos em função do tempo.

Por meio desta curva, será possível determinar o tempo de

meia vida, a AUC, Cmax, Tmax, a constante de eliminação

do fármaco.

A seguir veremos um exemplo prático de como este recurso poderá ser aplicado na prática clínica.

Exemplo:

Foi administrado a um paciente 200 mg de uma

determinada droga por via endovenosa na forma de bôlus.

Na tabela abaixo, temos as concentrações plasmáticas da

droga em função dos tempos de coleta. O paciente em

questão pesa 70kg.

Tempo (h) Concentrações (mg/L)

0.5 12.6

1.0 10.6

1.5 8.9

2.0 7.5

2.5 6.3

3.0 5.3

3.5 4.5

4.0 3.8

5.0 2.7

6.0 1.9

8.0 0.9

10.0 0.5

12.0 0.2

Com estes dados, é possível elaborar em papel

milimetrado normal (A) ou em escala logarítmica

utilizando papel monolog (B) (exemplos abaixo) a curva

concentração plasmática em função do tempo (abaixo).

(A)

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

40

(B)

No primeiro caso, observa-se que os dados originam

uma curva não linear e no segundo caso, a curva passa a

ser linear. Esta diferença proporciona melhores condições

de se dizer encontrar com certeza (no segundo gráfico) a

concentração plasmática inicial do fármaco, o que não é

tão claro e preciso no primeiro gráfico.

Utilizando-se do gráfico dois (em papel monolog) é

possível estimar a concentração plasmática do fármaco no

tempo zero (C0) e de posse deste dado, calcular o volume

de distribuição (Vd) deste.

Com estes dados obtidos, também é possível determinar

o tempo de meia vida do fármaco para este paciente. Para

este cálculo é necessário primeiramente se determinar a

constante de eliminação do fármaco (Ke), a qual poderá

ser calculada pela equação: Ke = ln(Cp1/Cp2)/T2-T1

Deve-se observar que os dados para este cálculo

deverão ser extraídos de um ponto do gráfico onde o

processo de distribuição já tenha se completado. Assim,

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

41

adotando-se o intervalo entre os tempos 4 e 6 hs, onde

encontramos as concentrações 3,8 e 1,9, respectivamente,

teremos:

Uma vez determinado a Ke, o tempo de meia vida

poderá ser calculado pela seguinte equação:

T1/2 = 0,693/Ke; onde 0,693 é uma constante do tempo

de meia vida, e Ke é a constante de eliminação que já foi

determinada acima.

Desta forma temos:

T1/2 = 0,693/0,346 logo, T1/2 = 2 h

Caso seja necessário manter uma concentração

plasmática em estado equilíbrio para este medicamento

por infusão intravenosa (contínua) será necessário utilizar

a seguinte equação:

Assim, caso seja necessário manter uma concentração

de equilíbrio (Css) igual a 0,5 mg, será necessário:

Conforme visto até o momento, é possível notar que

com estes parâmetros farmacocinéticos, há diversas

possibilidades de se manipular as concentrações

plasmáticas de fármacos mediante as necessidades de cada

indivíduo. Por isto o acompanhamento farmacocinético é

muito importante quando se trata de medicamentos com

faixa terapêutica estreita.

FÁRMACOS QUE DEVEM SER SUBMETIDOS AO CONTROLE TERAPÊUTICO

Para que um fármaco seja candidato ao

monitoramento farmacoterapêutico, este deverá

apresentar uma ou mais das seguintes características:

- Alta variabilidade interindividual (como por exemplo,

antirretrovirais e cardiotônicos);

- Faixa terapêutica estreita (digitálicos);

- Correlação entre concentração plasmática e efeito

terapêutico (anticonvulsivantes).

Alta variabilidade interindividual está relacionada à

existência de concentrações plasmáticas muito diferentes

quando uma mesma dose de um determinado fármaco

é administrada a diferentes pacientes. Em casos onde o

fármaco possui estreita faixa terapêutica, encontra-se uma

faixa de concentração plasmática de baixa amplitude em

que há maior evidência de eficácia do fármaco e menor

incidência de efeitos adversos.

Outros fatores que podem ser levados em consideração

para o monitoramento farmacocinético do fármaco podem

ser:

- Fármacos que apresentam cinética não linear (ex:

fenitoina);

- Fármaco que apresenta alta variabilidade intraindividual

(respostas diferentes em um mesmo individuo);

- Quando a cinética é modulada por fatores genéticos

(polimorfismo genético) como, por exemplo, diferentes

velocidades de metabolização;

- Dificuldade de avaliar o efeito farmacológico (como os

imunossupressores);

- Quando a toxicidade pode desencadear um risco de

morte para o paciente (insuficiência renal desencadeada

por aminoglicosídeo);

- Quando há diferentes condições fisiológicas ou

patológicas que possam modificar a farmacocinética:

gestação, idades de extremo (neonatos ou idosos),

septicemia, insuficiência renal, transplantados, hepatopatas

ou cardíacos.

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

42

Exemplos de fármacos que necessitam de monitoramento farmacocinético em uma terapia. Classe farmacológica Exemplo Faixa terapêutica

imunossupressores CiclosporinaMicofenolato

Tacrolimo

100 a 300 µg/L1 a 3,5 mg/L5 a 20 g/L

Broncodilatadores Teofilina 10 a 20 µg/L

Antibióticos VancomicinaGentamicina

20 a 40 mg/L8 mg/L

Antidepressivos AmitriptilinaLítio

100 a 250 mg/L0,6 a 1,2 mEq/L

Antiarrítmicos LidocaínaQuinidina

1 a 5 mg/L1 a 4 mg/L

Anticonvulsivantes FenitoínaÁcido valpróicoCarbamazepina

10 a 20 mg/L50 a 100 mg/L4 a 12 mg/L

Fármacos não submetidos ao controle cinético Quando é possível avaliar o efeito farmacológico do fármaco por meio de sinais e sintomas, exames laboratoriais

ou outros procedimentos, não se faz necessário, o monitoramento terapêutico.

Exemplos de fármacos que não são avaliados por meio de controle terapêutico.Fármaco Medida do efeito

Anticoagulantes oraisAnti-hipertensivos

Diuréticoshipoglicemiantes

Tempo de protrombinaPressão arterial

Aumento da diurese/pressão arterialGlicemia

Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada

43

REFERÊNCIAS

CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna com Aplicações Clínicas. 6 ed. Rio de Janeiro:

Guanabara Koogan. 2005. 832 p.

FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L. E FERREIRA, M. B. C..

Farmacologia Clínica: Fundamentos da Terapêutica Racional. 3 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 2004.

1096 p.

GOLAN, D. E. Princípios de Farmacologia: a Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 ed. Rio de

Janeiro: Guanabara Koogan. 2009. 922 p.

GONÇALVES, J. E.; GAI, M. N.; CAMPOS, D. R.;

STORPIRTIS, S. Farmacocinética - Básica e Aplicada. Rio

de Janeiro: Guanabara Koogan. 2011. 240 p.

GRAHAME-SMITH, D. G; ARONSON, J. K. Tratado de Farmacologia Clínica e Farmacoterapia. 3 ed. Rio de

Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 640 p.

HARDMAN, J. G; LIMBIRD, L. E; MOLINOFF, P. B.

GOODMAN & GILMAN: As Bases Farmacológicas da Terapêutica. 10 ed. Rio de Janeiro: Mac Graw Hill, 2003.

1647 p.

KATZUNG, B. G.; Farmacologia Básica & Clínica. 9

ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. 1068 p.

LAUBANE, J.P. Farmacocinética. São Paulo: Editora

Andrei, 1993. 193p.

LEBLANC, P.P. Tratado de Biofarmácia e Farmacocinética. Lisboa: Instituto Piaget, 1997. 419p.

MINNEMAN, K. P.; WECKER, L. Brody: Farmacologia Humana. 4 ed. Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda,

2005, 724p.

RANG, H. P.; DALE, M. M.; RITTER, J. M.; Farmacologia.

6 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. 904 p.

SILVA, P.; Farmacologia. 6 ed. Rio de Janeiro:

Guanabara Koogan, 2002. 1400 p.

RAFFA, R. B.; RAWLS, S. M.; BEYZAROV, E. P. Atlas de farmacologia de Netter. Porto Alegre: Artmed editora

SA. 2005. 410p.

LÜLLMANN, H.; MOHR, K.; HEIN, L.; BIEGER, D.

Farmacologia: texto e atlas. 5 ed. Porto Alegre: Artmed

editora SA., 2005. 416 p.